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A música ouve-se ainda antes de se atravessar as portas da Igreja de Santa Isabel, em Lisboa. É terça-feira à noite e há dezenas de braços erguidos no ar. To- dos cantam: «Vem Espírito Santo, Vemí». Mal a música termina explodem numa salva de palmas que contagia o altar; onde um padre e sete católicos de mãos dadas formam uma corrente. Esta não é uma missa tradicional, mas um encontro de oração dos membros do Renovamento Carismático, um movi- mento da Igreja Católica que tem cada vez mais adeptos em Portugal. Chegou ao país em 1974e hoje terá dezenas de mi- lhares de seguidores de Norte a Sul. No mundo, serão cerca de 110milhões. o Renovamento Carismático está a ganhar força em Portugal e tem cada vez mais adeptos entre os católicos. Serão já dezenas de milhares em todo o país. Têm missas próprias, que frequentam além das tradicionais, e encontros de oração para louvar a Deus Texto de Joana Ferreira da Costa Fotografias de Raquel Wlse

RCC semanário SOL (revista tabu)

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A música ouve-se ainda antes de seatravessar as portas da Igreja de SantaIsabel, em Lisboa. É terça-feira à noite ehá dezenas de braços erguidos no ar. To-dos cantam: «Vem Espírito Santo, Vemí».Mal a música termina explodem numasalva de palmas que contagia o altar; ondeum padre e sete católicos de mãos dadasformam uma corrente.

Esta não é uma missa tradicional, masum encontro de oração dos membros doRenovamento Carismático, um movi-mento da Igreja Católica que tem cadavez mais adeptos em Portugal. Chegouao país em 1974e hoje terá dezenas de mi-lhares de seguidores de Norte a Sul. Nomundo, serão cerca de 110milhões.

o Renovamento Carismático está a ganhar força em Portugal etem cada vez mais adeptos entre os católicos. Serão já dezenasde milhares em todo o país. Têm missas próprias, que frequentamalém das tradicionais, e encontros de oração para louvar a DeusTexto de Joana Ferreira da Costa Fotografias de Raquel Wlse

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A cada reunião há sempre uma caranova, garantem os fiéis que nesta noitegelada e de chuva enchem quase metadeda igreja lisboeta. Quando há missa ca-rismática é que o espaço «fica repleto, hágente mesmo até à porta». Reúnem-se alimais de 300pessoas.

As palmas põem fim a mais de hora emeia de oração, sempre intercalada porcânticos. Os carismáticos levam à letraas palavras de Santo Agostinho, que di-zia que «cantar é rezar duas vezes». Têmum coro durante a oração e cantam sem-pre que termina cada oração feita de im-proviso por uma das oito pessoas senta-das lado a lado nas cadeiras que enchemo altar.

Há salmos, hinos tradicionais em latime uma língua desconhecida e incom-preensível. «Rezamos em línguas, que éum dos carismas do Espírito Santo», vaiexplicando João, 65 anos, um dos mem-bros do movimento. <<Éum dom que serecebe, deixamo-nos ir e os sons saemsem esforço. Mas nem todos os carismá-ticos o conseguem fazer e por isso cadaum canta como pode».

A oração continua depois de mais umcântico, sempre ao ritmo do improviso.O microfone passa para a mão de umadas seis mulheres no altar. Nesta noite,todas as orações se voltam para o Vatica-no, onde o conclave está ainda reunido.Só no dia seguinte será escolhido o car-deal Bergoglio como o sucessor de BentoXVI. Por isso, falar do «vazío na cadeirade Pedro» é incontornável. Na oraçãopede-se que os cardeais reunidos «façama vontade de Deus». Reza-se por João Pau-lo 11.Só depois por Bento XVI, o Papa.Eméríto, recolhido em Castel Gandolfodesde que resignou.

Acolher os católicos paracombater o afastamentoNum país onde o número de católicosestá a diminuir e a participação nas mis-sas de domingo é cada vez mais reduzi-da, sobretudo nas-grandes cidades, hámovimentos na Igreja que têm casa

cheia. Além dos Carismáticos, tambémos Focolares ou o Movimento de Schoens-tatt - que chegaram a Portugal na déca-da de 60e 70do século XXpela mão de pa-dres - têm cada vez mais adeptos. Reú-nem-se para rezar, em encontros ondetambém participam jovens e até crian-ças, ou em peregrinações.

Numa das capelas do movimento deNossa Senhora de Schoenstatt em Lisboa,no Restelo, juntam-se todos os domingosdezenas e dezenas de famílias, com mui-

«As pessoas vão à missa comovão ao café, num ritual, e saemcom cara de enterro. Aquilibertam-se», diz o padre

tas crianças e jovens. «São missas leves,onde os padres são jovens e falam sobrea forma de ultrapassar os problemas emelhorar o dia-a-dia», conta Catarina, de40 anos. «Sentimo-nos bem quando saía-mos dali. Saímos alegres».

Foi isso que Ana, de 55 anos, divorcia-da e afastada da Igreja há vários anos,descobriu nos carismáticos. «Reencon-trei aqui o Jesus da minha infância», ex-plica. Foi o acolhimento que aqui rece-beu que a fez mudar de vida, deixandopara trás o álcool. «Comecei por vir sozi-

nha todas as terças-feiras. Rezava muitoe iniciei um caminho de cura que me tor-nou uma mulher nova». Ali, tem semprevontade de regressar.

Fugia do semináriopara a oraçãoo padre João Luís Paixão também sai«destes encontros sempre a querer mais».Vem de Cacilhas, na outra margem do Te-jo, para Santa Isabel, onde partilha o al-tar com outros fiéis. «Para mim o Cris-tianismo é encontro. Aqui há um encon-tro com Deus, não só afectivo masefectivo», diz o sacerdote, que ainda antesde ser ordenado padre já era carismáti-coo«Fugía do seminário para poder par-ticipar na oração».

Para este pároco muitos católicos vivema missa como mais um ritual, o que aju-da a explicar o seu progressivo afasta-mento das celebrações tradicionais. <<Aspessoas vão à missa como vão ao café,num rítual, e saem com cara de enterro»,lamenta. «Aqui as pessoas libertam-se,deixam-se navegar. Rezamos com asmãos, rezamos com o corpo e extravasa-mos a nossa alegria. Isso faz muita faltanos dias de hoje».

Os braços estão constantemente no are muitos rezam de mãos abertas, como é ~

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Nessa noite Maria Emilia é o centrodas atenções. Faz anos e tem direito auma oração especial. De joelhos nocentro do altar, o padre João e os ou-tros carismáticos rodeiam-na e rezamcom as mãos sobre a sua cabeça.

vulgar entre os padres. A forma como todos parti-cipam faz o tempo passar a correr, garante João.«Vamo-nos libertando aos poucos. Mas lembro-meque quando comecei a participar nos encontros, otempo passava e nem me lembrava de fumar».

As missas carismáticas podem demorar duas ho-ras, porque apesar de seguirem a liturgia tradicio- .nal há momentos de oração mais prolongados e amúsica está sempre presente. E todos os meses háencontros de oração que não duram menos de horae meia. Ninguém parece importar-se. «As pessoasquerem libertar-se e aqui a entrega égrande», diz opadre João Luís.

Sem fundadornem hierarquiaoRenovamento Carismático que nas-ceu na Universidade Católica de Du-quesne nos EUA,no frnalda década de60,defende uma renovação da espiri-

o coro tem mais de umadezena de elementos ecanta durante toda aoração, acompanhado pOrum órgão. Há cânticos em,latim e músicas tradicionais.mas os carismáticos têmrepertório próprio, que écantado por todos os fiéisnas cerimónias

tualidade ligada ao Espirito Santo.«Este não é um movimento de ideiasteológicas ou de concepções sobre avida espiritual É umfenómeno místí-00; as pessoasapaixonam-sepor Deus»,explica Mário Pinto, professor de Di-reito da Universidade Católica,que per-tence aos carismáticos há 24anos. <<Nãohá um fundador, não há regras. O queháé uma enorme en1rega».

O movimento chegou a Portugalno mesmo ano da revolução de 25de Abril, pela mão do padre Lapa,da comunidade Espiritana da Es-trela, em Lisboa. O padre começoupor formar um grupo de oração,que se encontrava semanalmentepara rezar à porta fechada. A pri-meira missa aberta aconteceria no

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PEDIDOS DE AJUDASUBlRAMII%VOWNTÁRIOS GARANTEM RESPOSTASOCIAL DA IGREJAOspecUdos de ajuda à Cái'itàssublram 60% DO

i1DOpa55iIdo,sobnlluclO~Pi!P"M"*'derea-das de casa. facturàs de Ps e lUze prestaç6esbancárias. «Houve umaw:tleDto brutald05 pe-did05deajudaemrelaçãoa2OD. OnúJnerodenovos casos subiu 45%». expUca aoSOL Eusé-DioFonseca,presidentedeSteorganlsmo.Noto-taL as 20 Cáritas dlocesanas espalhadas pelopafsajudaram mais de158300 pe5SQa!!no aaoPàSSadO.«Eospedidosvãoagravar-seestei1DO».a1eJ:taoresponsãveJ.,lembràndoqueocenário

traçadodépojsda~odafnJilcafaztemeroplor. CoiDa!ljuda de cerca dedolsmU voIun-táItos,aCáittasdlSbtlRdulefelç6es,roupasell-nandou com dinheiro nmdas de casa epropl-nasdeestudáides,despesas comps,eledricl-dadeesaúdea56.235famfUas.

«Vamosb!tdeserc:adavezmaisatlerieSosna~dãquelesquepodemosaludar».adIid-teEqénioFonseca,lembIaDdoquea verbaan-gariadaparaoFUndoSodaldaJpejaCsobretu-do através deContrlbutos de empresas) e pelopeditórlonadoí:lalnlocbegaparafazerfaceao~daSlluaçio.Parajá,esteOlpnismocatóDco prepara-se para rec:Iefil1II'aspric:)rid;t-despara~ano;sabendoqueaescolbílvücer- .

Iamenlepranllroapoioem(luaSiÚ'eilSJIriaM;i-pais:allmelllaçlQehph4taçAoA adtasJ!l1!Pll-ra-setambémpua apoIarosdas !llPieaados.

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final de 1974 e reuniu 120pessoas.Na celebração seguinte, em Janei-ro, eram já 200 e o movimento nun-ca mais parou de crescer.

Por todo o país se formaram gru-pos de oração, que podem rezar emconjunto, mesmo sem a presença depadres. Os grupos reúnem-se em pa-róquias onde os padres são carísmá-ticos ou permitem que as portas seabram a estes católicos, como é ocaso da paróquia de Santa Isabel.

O Vaticano viria a reconhecer omovimento já na década de 1990,dando-lhe estatutos próprios, masos carismáticos há muito que semultiplicavam pelo mundo.

memória dessa experiência», explica Mário Pin-to. <<É uma renovação dos dons do baptismo».

Há cerca de três semanas, um grupo de 40crentesrecebeu a infusão do Espírito. É nesta cerímôniaque os carismáticos acreditam que o Espírito San-to se revela, dando a cada um dons, os chamadoscarismas, que devem ser usados para o bem da co-munidade. «Oque acontece é muito semelhante aodescrito nos actos dos Apóstolos durante os bap-tismos dos primeiros cristãos. Éum momento úni-co e ínesquecível», remata Mário Pinto,

Reconquistar 0$ que se afastamA existência destes movimentos católicos - com vidaprópria dentro e fora das paróquias - pode ajudar aIgreja a recuperar terreno, agarrando uma franjade católicos que se tem afastado das práticas da Igre-

ja. Sobretudo nas zonas urbanas, ondea percentagem dos .que se afirmam ca-tólicos é mais reduzida (26%).

O coordenador do último retrato so-bre os fieis no.país - Identidades Reli-giosas em Portugal, divulgado no anopassado pela Conferência Episcopal-lembra que «os estudos mais recentesdemonstram que há muitos católicosque vão irregularmente àmissa e têmuma vivência pessoal da sua fé».

Para Alfredo Teixeira, coordenador doCentro de Estudos e Culturas da Univer-sidade Católica, «muitas Ve'l.eS estas pes-soas não vêem reconhecida a sua díver-sidade e iniciam um caminho de afasta-mento». Perante esta realidade, defende,a Igreja tem duas opções: «Ou finge quenão vê estes fiéis que continuam a afas-tar-se ou então encontra-lhes um lugar,acelhendoas como preeísam» .•

Em Fátima reúnem-se trêsmil pessoas, a capacidademúbna do espáço.Mas houve anos em que ospedidos foram tantos que seorganizaram dois encontros

Efusio do espíritoTodos os anos, durante a Quares-ma, realizam-se em Lisboa seminá-rios carismáticos, que duram vá-rias semanas e culminam com esteacto, onde se renovam os dons dobaptismo. «A maioria das pessoasfoi baptizada em criança e não tem

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