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RCMA 15 pr 5jun - EcoDebate · A revista Cidadania & Meio Ambiente é uma publicação da Câmara de Cultura Telefaxes (21)2432-8961 • (21)2487-4128 [email protected]

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A revista Cidadania & Meio Ambienteé uma publicação da Câmara de CulturaTelefaxes (21)2432-8961• (21)2487-4128

[email protected]

Editada e impressa no Brasil.

A Revista Cidadania & Meio Ambiente nãose responsabiliza pelos conceitos e opiniõesemitidos em matérias e artigos assinados.

E D I T O R I A L

Visite o portal EcoDebate[Cidadania & Meio Ambiente]www.ecodebate.com.br

Uma ferramenta de incentivo aoconhecimento e à reflexão através de

notícias, informações, artigos de opiniãoe artigos técnicos, sempre discutindo

cidadania e meio ambiente,de forma transversal e analítica.

Diretora

Editor

Subeditor

Projeto Gráfico

Revisão

Regina [email protected]

Hélio [email protected]

Henrique [email protected]

Lucia H. [email protected]

Mariana Simõ[email protected]

Colaboraram nesta edição

Agência EFEAlain Karsenty

Alicia Nascimento AguiarCarol Salsa

Christoph SeidlerDaniel A. GorelickGeorgina Higueras

GRIDA-ARENDAL Maps& GraphicsJean-Pierre Langellier

José Eli da VeigaLisa Gunn

Mayron RégisONU

Paul KrugmanPortal EcoDebate

Roosevelt S. FernandesUNEP

Caros amigos,

Neste 7 a 18 de dezembro estaremos todos antenados na 15ª Conferênciadas Partes sobre Clima (COP15), em Copenhague, fórum mundial quereunirá os grandes poluidores planetários para discutir e fixar limites para asemissões de gases de efeito estufa (GEE), principais responsáveis pelo aque-cimento global. Como de hábito, haverá mais promessas do que metascumpridas, já que a governança mundial está comprometida com o atualmodelo de desenvolvimento predatório e insustentável.

Frente à urgência da questão “aquecimento global”, esta edição prioriza o“personagem CO

2” – o gás que de “esteio da vida” foi transmutado em

“vilão” da novela “mudanças climáticas”. A leitura do artigo Ciclo de carbono:

entenda como funciona revela o agente responsável pela transformação do quartoelemento mais abundante no universo em maior ameaça ao planeta: a espéciehomo sapiens e sua ingerência, incompetência e negligência na administração dosrecursos renováveis da Terra. Ou seja, você, eu e toda a humanidade.

O “personagem” CO2 revela sua dualidade – herói e vilão – e sua abran-

gente rede de “relacionamentos” nos roteiros agenciados pelos postulantese detratores das evidências científicas sobre o aquecimento global. Umatrama reveladora de novos e insuspeitos dados sobre as emissões de GEEem nosso país, e das artimanhas capazes de corromper o sistema de com-pensações REDD (Redução de Emissões derivadas do Desmatamento eda Degradação) e os créditos de carbono num lucrativo balcão de negóciospara poucos, entre muitas outras histórias. O CO

2, você verá, é um assunto

apaixonante, inesgotável e de total relevância em nosso cotidiano.

As dramáticas mudanças climáticas que já atingem os mais desafortunadosda Terra motivou-nos a estampar na capa dessa edição o pôster que AzmatAli, de Mumbai, Índia, criou para a Oxfam (http://www.oxfam.org), areputada organização internacional de desenvolvimento e ajuda humanitá-ria, que há 60 anos trabalha para erradicar a pobreza e a injustiça social.

Azmat explica sua obra: “Ela reflete a extrema dureza das condições sofridas pelas

comunidades pobres por ocasião das catástrofes climáticas. A coloração quente, na parte

superior, representa os países desenvolvidos e os setores ricos da sociedade que mais contri-

buem para o aquecimento global. Os triângulos, no centro, são os tetos das casas submersas

pelas inundações. Na parte inferior, os setores atingidos pela seca e a cabeça de um pobre

clamando aos céus por ajuda. Nós podemos fazer algo por esse homem. Mas até que isso se

torne realidade, ele continuará a implorar a ajuda dos céus...”.

Para os que ainda duvidam do estado crítico do planeta, recomendamos aentrevista com Rajendra Pachauri, Prêmio Nobel da Paz e presidente oPainel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU. Alémde alertar para os graves perigos que estamos correndo se não deixarmosde abusar do planeta, Pachauri lembra que para não serem vitimados pelasmudanças climáticas os “ecocéticos devem abandonar o planeta”.

Helio CarneiroEditor

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Nº 22 – 2009 - ANO IV

Capa: Poster de Azmat Ali para a 14ª Conferência do Clima da ONU, em Poznan, Polônia, 2008. Foto: Piotr Fajfer

Ciclo de Carbono: entenda como funcionaO carbono – esteio da vida – circula na atmosfera, nos oceanos, nas rochas sedimentares, no solo, navegetação e nos animais: uma dinâmica vital para prever o clima da Terra no futuro. Por Daniel A. Gorelick

Brasil: novo estudo sobre emissões de GEERevisão da estimativa oficial de 2004 sobre emissão de gases de efeito estufa revela que além do desmatamento,muito contribuem para o total das emissões a agricultura e a pecuária. Por Alicia Nascimento Aguiar

REDD: salvação das florestas tropicais?Com a aproximação da fragilizada COP15, aumenta a pressão para se chegar a um acordo sobre omecanismo REDD (Redução de Emissões derivadas do Desmatamento e da Degradação). Por Alain Karsenty

Brasil pode perder o “bonde do carbono”O abatimento de emissões do setor primário precisa favorecer parcerias internacionais que as vinculem àcapacitação científico-tecnológica do Brasil para superar a era das energias fósseis. Por José Eli da Veiga

Natureza: sumidouro ilimitado de CO2?Novo estudo afirma que os “ralos naturais” têm mais capacidade de absorver CO

2 do que se acredita, fato

que contradiz as previsões mais pessimistas a respeito. Até que ponto isso é verdade? Por Christoph Seidler

“Achado” não é roubado no Rio JacuAs “adaptações”que as empresas reflorestadoras e de alimentos fazem dos seus projetos deixam imensaslacunas sobre os impactos da introdução de espécies exóticas em áreas de floresta tropical. Por Mayron Régis

Tic tac... É hora de justiça climáticaEsta campanha internacional exige que os líderes mundiais cheguem a um acordo para reduzir a emissãodos gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento do planeta. Entrevista com Lisa Gunn

“Os ecocéticos devem abandonar o planeta”Rajendra Pachauri, presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, chama aatenção para os graves perigos que corremos se não deixarmos de abusar do planeta. Por Georgina Higueras

A educação ambiental no século 21: retrospectivas e perspectivasÉ vital que nossos futuros gestores estejam aptos a implementar as propostas de sustentabilidade ambiental egerar novas e efetivas respostas para o cenário que o mundo deverá enfrentar. Por Roosevelt S. Fernandes

Floresta amazônica: os pecuaristas no banco dos réusA batalha “pecuária contra floresta” que vigente há décadas no Brasil começa a ter novos contornos devido àação do MP e à pressão da sociedade civil. Entenda o que está acontecendo. Por Jean-Pierre Langellier

Mudança climática: SOS SaúdeRelatório da revista britânica The Lancet revela como as mudanças climáticas – seca, fome, ondas de calor,epidemias... – vão repercutir gravemente na saúde do planeta neste século 21. Por Agência EFE e EcoDebate

A genealogia do etanolCana-de-açúcar, celulose e algas constituem as matérias-primas renováveis capazes de garantir a produçãode biocombustível em escala mundial sem comprometer a segurança energética e alimentar. Por Carol Salsa

“Quem nega a mudança climática está traindo o planeta”O renomado formador de opinião e articulista do jornal The New York Times não hesita em chamar de traidorda Terra quem se nega a aceitar as irrefutáveis evidências científicas da mudança climática. Por Paul Krugman

ESPECIAL CO2

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O carbono é o quarto

elemento mais abundante

no universo e o esteio

da vida na Terra.

Circula continuamente

na atmosfera, nos oceanos,

nas rochas sedimentares,

no solo, na vegetação

e nos animais – um ciclo

de carbono de notáveis

consequências para

o clima do planeta.

Ciclo de Carbono:

por Daniel A. Gorelick

“Para prever o futuro comportamento do sistema climático da Terra tem-se primeiro de com-preender como funciona o ciclo de carbono para então poder prever a evolução do gáscarbônico (dióxido de carbono) atmosférico”, declaram os cientistas Jorge Sarmiento, SteveWofsy e demais autores do relatório “A U.S. Carbon Cycle Science Plan” (1), de 1999.

CARBONO: EM CIRCULAÇÃO POR TODA A TERRA

Em seu estado puro, o carbono pode assumir a forma do diamante ou do grafite usadoem lápis. Quando ligado ao oxigênio, ao hidrogênio e a outros átomos de carbono,forma compostos essenciais: açúcares e gorduras que provêem energia para as plan-tas e os animais; petróleo, carvão e gás natural que alimentam as atividades humanas;e gás carbônico (ou dióxido de carbono ou anidrido carbônico) e metano, gasesatmosféricos que sequestram o calor do sol e aquecem a Terra.

entenda como funciona

Entender a atual dinâmica desse ciclo é vital

para prever o clima de Terra no futuro.

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Cidadania&MeioAmbiente 5

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NOTA DO EDITOR

(1) O relatório completo, de 78 páginas, pode ser baixadoneste endereço: www.carboncyclescience.gov/documents/cc_sp_1999.pdf.

Daniel A.Gorelick – Articulista do sitewww.america.gov, artigo foi publicado em 26/6/2009. Tradução livre: Cidadania & Meio Ambiente.

As plantas, as algas e certas bactéri-as retiram gás carbônico da atmosfe-ra ou dos oceanos para convertê-loem açúcares (carbono ligado a outrosátomos de carbono, hidrogênio e oxi-gênio) por um processo chamado fo-tossíntese. Os animais ingerem açú-car, fonte de energia, e ao respirar exa-lam gás carbônico (CO

2 = 1 átomo de

carbono + 2 átomos de oxigênio).

Quando os seres vivos (animais e plan-tas) morrem e são enterrados, seuscompostos de carbono permanecemintactos, constituindo fonte de ener-gia para os micróbios, que, ao se ban-quetearem com os despojos, produ-zem gás carbônico e metano (1 átomode carbono + 4 átomos de hidrogê-nio). Parte desses gases permanece nosolo e parte é liberada na atmosfera.

Pode ocorrer que os restos de vegetaise animais sejam enterrados ou afundemno solo dos oceanos, ficando protegi-dos da ação dos microrganismos. Du-rante centenas de milhões de anos, osrestos desses organismos são compri-midos cada vez mais para o interior doplaneta. Seus tecidos e esqueletos de-saparecem, mas o carbono permaneceinalterado, formando os chamados hi-drocarbonetos – longas cadeias de átomosde carbono unidas entre si por átomos dehidrogênio. Esses hidrocarbonetos são osprincipais componentes do carvão mineral edo petróleo – combustíveis fósseis.

A humanidade utiliza os combustíveis fós-seis para produzir calor e eletricidade, e aofazer isso os hidrocarbonetos são converti-dos em gás carbônico e liberados na atmos-fera. O carbono atmosférico dissolve-se nosoceanos ou é absorvido pelas plantas, ga-rantindo assim a continuidade do ciclo decarbono. A rocha da crosta terrestre é com-posta de carbono formado há milhões deanos, quando o carbono se ligou aos mine-rais. O gás carbônico dissolvido no oceanoforma o bicarbonato, que ao se combinar aocálcio forma a pedra calcária.

Os agentes climáticos e a erosão liberamos compostos de carbono das rochas dacrosta terrestre, que acabam nos oceanos.O carbono é ainda expulso do interior daTerra por vulcões (subducção), águas ter-mais e gêiseres, que expelem gás carbôni-co e metano na atmosfera.

Os componentes geológicos do ciclo decarbono – agentes climáticos, erosão, sub-ducção, formação de combustíveis fósseis– ocorrem durante milhões de anos. E seuscomponentes biológicos – fotossíntese,respiração, decomposição por microrganis-mos – podem acontecer em poucos diasou também em milhares de anos.

Em média, o volume de carbono que circula acada ano via componentes biológicos é milvezes maior do que o volume que circula nomesmo período por componentes geológicos.

O CAPITAL DE CARBONO GLOBAL

O problema, agora, é que o tradicional ciclode carbono foi dramaticamente alterado.Enquanto, como vimos, foram necessáriascentenas de milhões de anos para seques-trar carbono nas profundezas da crosta ter-restre e sob o leito dos oceanos, apenas noséculo 20 a humanidade liberou boa partedaquele carbono para a atmosfera.

Christine Goodale, ecologista florestal daUniversidade de Cornell, no estado de NovaYork, resume o que ocorreu: “O carbono es-

tocado e inativo foi retirado de seusdepósitos e lançado na atmosfera deuma forma muito mais ativa”. E ao des-truir as florestas a humanidade liberaainda mais gás carbônico na atmosferae reduz o contingente de vegetais queabsorvem o CO

2 do ar.

A atmosfera está com overdose de car-bono, a maior parte na forma de gáscarbônico. Uma parcela desse gás éabsorvida pelos oceanos, outra pelasplantas e pelo solo, embora ainda nãose saiba bem como isso ocorre.

O carbono que permanece na atmosferaabsorve calor, impedindo que ele se irra-die para o espaço. Sem esse estratage-ma de aprisionar calor, a Terra não seriahabitável. Mas com calor em excesso, oclima mudará e o planeta se tornará me-nos habitável. O mesmo raciocínio apli-ca-se aos oceanos, nos quais a satura-ção com excesso de carbono altera aquímica da água salgada, tornando osmares menos propícios à vida.

Assim, o carbono atmosférico é bom eruim, assim como a água: nós, seres hu-manos, precisamos dela para viver, maságua em demasia nos afoga e mata.

Segundo o relatório do Painel Intergoverna-mental de Mudanças Climáticas (IPCC, na si-gla em inglês), de 2007, “cerca de 50% dodióxido de carbono jogado na atmosfera serásequestrado em 30 anos, e um adicional de30% será removido após alguns séculos. Os20% remanescentes ficarão em suspensão naatmosfera durante muitos milhares de anos”.

A Terra e sua atmosfera constituem um siste-ma fechado onde o carbono não é nem cria-do, nem destruído. A quantidade total de car-bono não muda – o carbono pode ser trans-ferido da atmosfera para o oceano, do solopara o sedimento – mas não pode ser aumen-tado ou subtraído. O carbono em suspensãona atmosfera, por exemplo, não pode se per-der no espaço. Tem de encontrar um pousona Terra: nas plantas que o sequestram ounos oceanos que ele recicla e engole. ■

A Terra e sua atmosfera

constituem um sistema

fechado onde o carbono

não é nem criado,

nem destruído.”

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❚ Cada brasileiro é responsável pela emissão de 10 tonela-das de gás carbônico (CO

2) por ano, em média – o dobro da

média mundial – revela comunicado da Rede-Clima, ligadaao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em no-vembro de 2009.

❚ “Somos o país em desenvolvimento com a maior médiamundial de emissão de CO

2”, revelou Carlos Nobre, um dos

coordenadores da Rede-Clima, ao participar de comissãogeral na Câmara dos Deputados para discutir as propostasdo Brasil na próxima Conferência das Nações Unidas sobreMudanças Climáticas (COP-15).

❚ Para a temperatura global não aumentar em 2°C, estima-se que a média mundial de emissão de CO

2 deva ser de 1,2

tonelada/ano, até 2050. “A temperatura já aumentou 0,8°C

nos últimos 100 anos. Falta 1,2°C. Já chegamos muito próxi-mo do limite”, adverte Nobre.

❚ Na avaliação do diretor executivo da Confederação Nacio-nal da Indústria (CNI), José Augusto Coelho Fernandes, aestratégia brasileira para reduzir a emissão de gases de efeitoestufa (GEE) deve basear-se em dois pontos: matriz energé-tica limpa e redução do desmatamento, esta última a princi-pal fonte de emissão de CO

2 no país.

❚ Sérgio Serra, embaixador extraordinário para Mudanças Cli-máticas do Ministério das Relações Exteriores, informou que ameta brasileira de redução dos GEE – de 36,1% a 38,9%, até2020 – foi recebida com tranquilidade na Câmara.

Fonte: Priscilla Mazenotti, da Agência Brasil (19/11/2009).

CO2: QUANTO EMITE CADA BRASILEIRO?

O elemento carbono é a base de todas as substâncias orgânicas: dos combustíveis fósseis às células humanas. Na Terra, o carbono circula continuamentenos seres vivos, no solo, no oceano e na atmosfera. Mas, o que ocorre quando o ser humano passa a “interferir” no ciclo de carbono?

Já está constatado que podemos provocar graves impactos no meio ambiente plenatério através do rápido aumento do dióxido de carbono (CO2 ) na

atmosfera. A questão é não termos a compreensão exata das consequências de todo o carbono que estamos liberando a partir dos combustíveis fósseis.

Boa parte do CO2 liberado acaba na atmosfera. Só que a cada ano perdemos o paradeiro de 15% a 30% desse volume de carbono (NASA). Os estudiosos do

ciclo de carbono acreditam aquele esse percentual desaparecido é “sequestrado” pela vegetação terrestre, embora tal afirmação ainda careça de comprovação.E é justamente esta incerteza que torna duplamente difícil predizer o resultado da interferir-se em algo tão complexo quanto o ciclo de carbono.

Fonte: Center for climatic research, Institute for environmental studies, university of Wisconsin at Madison; Okanagan university college in Canada,Department of geopgraphy; World Watch, November-December 1998; Nature. Cartógrafo/designer: UNEP/GRID-Arendal Gráfico publicado em 2005em Vital Climate Change Graphics Update – Link: http://maps.grida.no/go/graphic/carbon_cycle

Plantas:crescimento

e morte

Solos e matéria orgânica1 580

Vegetaçãoterrestre

540 – 610Incêndios

Mudançasno usodo solo

Combustível fóssile produção de cimento

4 000

Troca solo -Atmosfera

Atmosfera750

Emissões decombustíveis

fósseis5,5

Ciclo de Carbono Atual

Depósitode carvão

3 000

Depósitos depetróleo e gás

300

Carbono orgânicodissolvido-700

Hidratos gasosos

Organismos marinhos3

Sedimentos marinhose rochas sedimentares

66 000 000 – 100 000 000

Trocaágua superficial

– água profunda

Águasuperficial

1 020

Água intermediáriae profunda38 000 - 40 000

Sedimento superficial150

Muito rápido (menos de 1 ano)Rápido (1 a 10 anos)Lento (10 a 100 anos)Muito lento (mais de100 anos)

Estocagem e fluxo de carbono (bilhões/ton)Setas proporcionais ao volume de carbonoNúmero de fluxo = volume trocado por anoVELOCIDADE DOS PROCESSOS DE TROCA

Trocaoceano – atmosfrra

121

60 60

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9092

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CICLO DE CARBONO

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A Convenção Quadro das NaçõesUnidas sobre Mudanças Climáticas (Rio de Janeiro, 1992) estabe-

leceu como meta a redução da emissão degases de efeito estufa (GEE) para a atmos-fera e a realização de inventários periódi-cos dessas emissões.

Nesse contexto, o Brasil efetuou os cálcu-los de emissão de GEE e os publicou, em2004, como a primeira Comunicação Nacio-nal do País. No entanto, os únicos dadosoficiais existentes na época referiam-se ao

novo estudo sobre emissões de GEE

por Alicia Nascimento Aguiar

Brasil:Recém-publicada revisão da estimativa oficial de 2004

referente à emissão de gases de efeito estufa em nosso

país revela que além do desmatamento, a agricultura

e a pecuária muito contribuem para o total das

emissões. Confira.

período 1990-1994. O documento situava oBrasil entre os maiores emissores de GEEmundiais, em grande parte devido ao des-matamento, principalmente do bioma Ama-zônia, para o estabelecimento da agricultu-ra e da pecuária.

Preocupados com a questão e acreditandoque aquele único inventário estavadesatualizado, cientistas do Centro de Ener-gia Nuclear na Agricultura (CENA) e daEscola Superior de Agricultura Luiz deQueiroz (USP/ESALQ), liderados por Car-

los Clemente Cerri, acabaram de publicarna Scientia Agrícola (volume 66, número6), da USP, a revisão intitulada “Emissõesde gases do efeito estufa do Brasil: impor-tância da agricultura e pastagem”2. Os da-dos apresentados no artigo têm desperta-do grande interesse nos setores acadêmi-cos, produtivos e governamentais.

Para elaborar a revisão, os pesquisadoresStoecio Malta Ferreira Maia, MarceloValadares Galdos, Carlos EduardoPellegrino Cerri, Brigitte Josefine Feigl e

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❚ A emissão total de GEE em “equivalente de carbono” aumentou 17% noperíodo 1994-2005.

❚ O CO2 foi responsável por 72,3% do total da emissão, ou seja, houve uma

pequena diminuição em relação aos outros GEE, uma vez que em 1994 aparticipação desse gás foi de 74,1%.

❚ O aumento de todas as fontes de GEE, excluídos a mudança do uso daterra e o reflorestamento, foi de 41,3% no período 1994-2005.

❚ O Climate Analysis Indicators Tool (CAIT), do World Resources Institute(WRI), estimou um crescimento maior (48,9%), o que coloca o Brasil na 69ªposição no ranking mundial de emissores. Mas, segundo as estimativas doestudo atual, o país ocuparia a 78ª posição.

❚ Porém, em ambos os casos, o Brasil aumentou claramente suas emissões,mas em ritmo menor do que o calculado para China e Índia, dois dosmaiores emissores, com aumentos, respectivamente, de 88,8% e 62,1%.

❚ O Brasil reduziu suas emissões numa taxa maior que a de alguns países doAnexo I (sujeitos a uma quota de redução), como Espanha e Nova Zelân-dia, que aumentaram suas emissões em 55,6% e 45,8%, respectivamente.

❚ O país também está abaixo da média de aumento apresentada pelospaíses não arrolados no Anexo I, estimada em 61,3%. No entanto, encon-tra-se acima da média global de 28,1%.

❚ Além de trabalhar pela redução das emissões dos setores de energia edesmatamento, o Brasil deve agora ter como meta prioritária a implanta-ção de um programa nacional de incentivo às mitigações nos setores agrí-cola e pecuário. Essas opções de mitigação não deverão concentrar-se so-mente na redução das emissões, mas favorecer a fixação de carbono. Umprograma como esse seria de fácil implementação, pois diversas estratégi-as de mitigação já provaram ser eficientes, fáceis de adotar e economica-mente viáveis.

NOTA DO EDITOR

(1) O artigo está disponível em www.esalq.usp.br/scientia/docs/gas_emissions.pdf.

Fonte: Reportagem de Alicia Nascimento Aguiar, USP/ESALQ.Edição: Cidadania & Meio Ambiente.

Martial Bernoux tomaram como objetivos:■ Atualizar a estimativa da emissão de GEEpara o território brasileiro;■ Estimar a possível fixação de CO

2 capaz

de permitir o cálculo da emissão líquida deGEE para o período 1990-2005;■ Calcular a contribuição efetiva e comparti-lhada das atividades agrícolas e pecuárias; e■ Discutir sob a luz dos novos conheci-mentos as melhores opções de mitigaçãopara o Brasil.

“Os dados do primeiro inventário sãorelativos a 1994, e é o que prevaleceaté hoje, passados 15 anos. Como par-ticipei de parte do primeiro relatório,montei minha equipe e atualizamos es-ses dados até 2005, utilizando a mesmametodologia do inventário anterior. As-sim, calculamos as emissões a cada cin-co anos, ou seja, 1990, 1995, 2000 e2005”, explica Cerri.

A revisão apresenta cálculos baseados emcinco fontes de emissão – energia, proces-sos industriais, agricultura, mudança deuso da terra e resíduos –, bem como emsuas subfontes, além de oferecer um qua-dro inédito das emissões do Brasil. Segun-do o documento, a pecuária é o setor quemerece maior atenção, pois tem um papelmuito importante nas emissões em territó-rio brasileiro. De acordo com Cerri:

“A taxa de desmatamento no Brasil estádiminuindo e vai decrescer naturalmenteporque sua maior causa é a pecuária, acriação de pastagens e as consequentesemissões provocadas pelo gado. O gadoconsome o capim, que ao fermentar pro-duz metano – emitido pela eructação epelas fezes – e óxido nitroso, pela decom-posição da urina no solo. Metano e óxidonitroso são gases com potencial de aque-cimento da atmosfera terrestre 20 a 300maior do que o gás carbônico. Assim,nosso estudo aponta maneiras de se tra-balhar uma pecuária mais tecnificada paramelhor aproveitamento das atuais áreasde pastagens e, em consequência, pararedução das emissões do setor.”

“Quando os três gases de efeito estufasão convertidos em uma única unidadedenominada ‘equivalente em CO

2’, per-

cebe-se que a taxa de emissão de gasesprovenientes do desmatamento aumen-tou 8,1% entre 1994 e 2005; porém, essataxa foi menor do que a produzida pelafermentação entérica dos ruminantes,que teve aumento de 13%.”

Para Cerri, a redução do desmatamento éconsequência da maior fiscalização daque-les locais por entidades governamentais epela sociedade civil. O pesquisador informaque a atual área ocupada com pastagens emnosso país é bastante extensa, sendo quemuitas apresentam algum estágio de degra-dação ou de baixa produtividade:

“Hoje, a ocupação média no Brasil é de0,9 cabeças por hectare. Nos próximos 10anos, o país precisará de 20 milhões dehectares para acomodar as expectativasde expansão na produção de alimentos,fibras e biocombustíveis a fim de supriras necessidades internas e exportar.”

“Precisamos produzir mais soja, milho,arroz, trigo, algodão, cana-de-açúcar eoleaginosas para biocombustível; maisreflorestamento via silvicultura com eu-calipto, pínus e outras essências. E tudoisso exige mais 20 milhões de hectaresadicionais, e nós não podemos desma-tar. O grande desafio é realizar essa ex-

pansão sem novos desmatamentos, oque é perfeitamente possível com a ado-ção de um planejamento estratégico ade-quado nas áreas já ocupadas pela agri-cultura e pela pecuária.”

Para alcançar essa ocupação racional e sus-tentável das áreas agrícolas disponíveis, oBrasil já dispõe de tecnologias inovadoras,algumas delas apontadas no documentoque acaba de ser publicado. De acordo comos cientistas, é possível trabalhar a recupe-ração da pastagem degradada, o melhora-mento genético animal, o confinamento e aintegração lavoura-pecuária numa área me-nor e com maior produtividade, liberandoespaço para a expansão agrícola necessáriasem desmatamento. Desse modo:

“O tempo de vida do animal é reduzido. Aoinvés de permanecer três anos e meio napastagem, o animal chega ao abate em me-nos tempo e com o mesmo peso, fato queresulta em menor emissão de gases res-ponsáveis pelo aquecimento global.” ■

RESUMO DA REVISÃO

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REDD

REDD: SALVAÇÃO DAS FLORESTAS TROPICAIS?

A PROTEÇÃO DAS FLORESTAS TROPICAIS É UMA DAS GRANDES PAUTASDAS NEGOCIAÇÕES SOBRE O CLIMA. PARA COMBATER O DESMATA-MENTO, QUE CAUSA 20% DAS EMISSÕES DE GASES DE EFEITO ESTU-FA, A COMUNIDADE INTERNACIONAL DISCUTE HÁ VÁRIOS ANOS UMMECANISMO FINANCEIRO CHAMADO REDD, SIGLA PARA REDUCINGEMISSIONS FROM DEFORESTATION AND DEGRADATION (REDUÇÃODE EMISSÕES DERIVADAS DO DESMATAMENTO E DA DEGRADAÇÃO).NO PAPEL, A IDEIA PARECE SIMPLES: OS PAÍSES QUE CONSEGUIREM

FREAR O RECUO DE SUAS FLORESTAS, EM RELAÇÃO A UMA TENDÊN-CIA HISTÓRICA, RECEBERÃO DINHEIRO SOB A FORMA DE AUXÍLIOPÚBLICO OU CRÉDITOS DE CARBONO, QUE PODERÃO DEPOIS SERCONVERTIDOS EM DINHEIRO. MAS NA PRÁTICA O PROJETO REVELAUMA TERRÍVEL COMPLEXIDADE, E PODERÁ, POR FALTA DE SALVAGUAR-DA SUFICIENTE, ALIMENTAR A CORRUPÇÃO E SE MOSTRAR INEFICAZDIANTE DO AQUECIMENTO GLOBAL.

Com a aproximação dafragilizada conferência sobreo clima, em Copenhague, de7 a 18 de dezembro, aumen-ta a pressão para se chegar aum acordo sobre o mecanis-mo REDD (Redução de Emis-sões derivadas do Desmata-mento e da Degradação – verquadro). Alain Karsenty alertacontra esse perigo.

combate ao desmatamento&

LE MONDE – O REDD É APRESENTADO COMO UM MEIO POUCO CUS-TOSO DE SALVAR AS FLORESTAS TROPICAIS. POR QUE O SENHOR CON-TESTA ESSA IDEIA?Alain Karsenty – O custo desse mecanismo internacional éestimado entre US$ 5 e 8 bilhões (R$ 8,7 a 14 bilhões) por ano paraeliminar 70% do desmatamento. Estabelecida pelo relatório do eco-nomista britânico Nicholas Stern, em 2007, essa avaliação parte dahipótese de que bastará compensar financeiramente o valor dasplantações ou da criação de animais aos quais se renuncia paraconservar a floresta.

Isso pode funcionar, caso se trate de indenizar os camponeses po-bres que praticam a agricultura de queimadas. Com a condição – oque é pouco provável – de que esses camponeses, que desmatampor uma renda que mal lhes garante a sobrevivência, se satisfaçamcom compensações que os deixem na miséria. Quanto a imaginarque o sistema permitirá compensar a perda de lucro das empresasque desmatam para cultivar dendezeiros, com margens brutas demilhares de dólares por hectare, isso é totalmente ilusório.

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LE MONDE – ENTÃO O QUE SE DEVE FAZER?AK – Se quisermos soluções duradouras, é preciso oferecer a essescamponeses uma alternativa viável, que passe de uma agriculturaextensiva, consumidora de florestas, para sistemas que são, ao mes-mo tempo, ecológicos e mais intensivos. Mas é preciso ter consciên-cia de que isso representa um investimento público considerável.

LE MONDE – QUAL É, HOJE, A PRINCIPAL AMEAÇA PARA AS FLORESTAS?AK – Raramente há um fator único. Na Amazônia brasileira, apecuária extensiva industrial é de longe a principal causa do des-matamento, mas a soja – exportada como ração de gado – avança.No Sudeste Asiático, as plantações de dendezeiros se espalhamrapidamente. A fabricação de polpa de celulose também constituium fator importante. Na África, a agricultura familiar, que se ba-seia nas queimadas para a renovação da fertilidade dos solos eaumenta com o crescimento demográfico.

LE MONDE – A COMPLEXIDADE DO REDD SUSCITA TEMORES DE DES-VIOS. QUAL É O RISCO?AK – O REDD é fundamentado em uma ideia um pouco ingê-nua do incentivo: bastaria levantar a possibilidade de recom-pensas aos países alvo para eles mudarem radicalmente suapolítica agroflorestal. Inclusive países considerados frágeis,ou instáveis, como a República Democrática do Congo. Ora, aatitude mais racional para um governo que pouco se preocupacom o interesse coletivo será negociar com a comunidade in-ternacional o cenário de desmatamento evitado mais favorá-vel, superestimando o ritmo real do desmatamento, e depois…não fazer nada. Ele não terá nenhum interesse em tomar medi-das politicamente custosas, como combater a corrupção, umavez que pode esperar, de qualquer forma, uma retribuição peloseu comprometimento.

LE MONDE – COMO EVITAR ISSO?AK – É preciso deixar a lógica do REDD como recompensa parase colocar uma perspectiva de investimento: as prioridades serãodiferentes de acordo com o país. E torna-se fácil entrever os bene-fícios – não somente para a floresta – de reformas agrofundiáriasque reforçam o direito de propriedade dos camponeses e introdu-zem práticas agrícolas mais produtivas e sustentáveis. Reconhe-cer os direitos fundiários incontestáveis das comunidades esta-belecidas nas florestas lhes ajudará a enfrentar a escalada de umneocolonialismo agrário.

LE MONDE – O REDD APOSTA NO MERCADO DE CARBONO PARAFINANCIAR A PROTEÇÃO DAS FLORESTAS. ISSO É REALISTA?AK – Existe uma pressão muito forte para que o REDD sejaincluído no mercado mundial do carbono. A lei sobre o climaatualmente discutida no Congresso americano prevê autorizaras empresas a compensar, até 2025, 6 bilhões de toneladas deCO

2 com créditos REDD, o que as dispensará de reduzir as emis-

sões pelas quais são responsáveis.

CRÉDITO DE CARBONO❚ Créditos de carbono ou Redução Certificada de Emis-sões (RCE) são certificados emitidos quando ocorre a re-dução da emissão de gases de efeito estufa (GEE). Porconvenção, uma tonelada de dióxido de carbono equiva-lente (CO

2) corresponde a um crédito de carbono. Este

crédito pode ser negociado no mercado de carbono inter-nacional. A redução da emissão de outros gases que con-tribuem para o efeito estufa também pode ser converti-da, via conceito de carbono equivalente. Os créditos decarbono conferem um valor monetário à poluição.

❚ Acordos internacionais, como o Protocolo de Quioto, de-terminam a cota máxima de GEE que os países desenvol-vidos podem emitir. Assim, os países ou indústrias quenão conseguem atingir as metas de redução de emissõesestabelecidas tornam-se compradores de créditos de car-bono. Por outro lado, as indústrias que reduzem suasemissões de GEE abaixo das cotas determinadas podemvender o excedente de “redução de emissão” ou “permis-são de emissão” no mercado nacional ou internacional.

❚ Os países desenvolvidos podem promover a redução daemissão de GEE em nações em desenvolvimento atravésdo mercado de carbono, ao adquirirem créditos de carbo-no provenientes desses países.

Mas um funcionamento eficaz do mercado de carbono supõe umaforte garantia quanto à qualidade dos ativos trocados, no caso, oscréditos de carbono. Se quisermos evitar um efeito de “moeda cli-mática falsa”, é preciso ter certeza de que as reduções das emissõestraduzidas em créditos de carbono correspondem à realidade.

Um meio garantido de criar essa moeda falsa seria fazer previsõesmuito elevadas de desmatamento, como é o caso da Guiana Fran-cesa: ainda que seu índice de desmatamento anual seja quasezero, seu cenário de referência prevê que 90% de sua floresta serádesmatada em 25 anos! Ora, grandes quantidades de moeda REDDfalsa levariam a uma queda dos preços sobre o mercado do carbo-no, o que ofereceria escapatória aos países industrializados e àsempresas para evitar reduzir muito suas emissões. ■

Alain Karsenty – Economista do Centro de Cooperação Internacionalem Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad) e especialistado Banco Mundial, é autor de diversos estudos sobre os instrumentoseconômicos utilizados para reduzir o desmatamento e sobre as reformaspolíticas públicas nos setores florestal, agrário e ambiental nos paísespobres e em desenvolvimento. Fonte: Entrevista concedida a LaurenceCaramel, publicada no jornal Le Monde (27/10/2009) sob o título “Luttecontre la déforestation: attention aux mirages”, e em www.ecodebate.com.br(31/10/2009). Tradução: Lana Lim.

Fonte: Wikipédia. Ilustração: Greentopia-org

Para evitar que o crédito de carbono se torne “moeda climática falsa”é preciso garantir que as reduções

das emissões traduzidas em créditos de carbono sejam reais.”

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Brasil pode perder

por José Eli da Veiga

A arquitetura

institucional para o

abatimento de

emissões do setor

primário precisa

favorecer parcerias

internacionais que as

vinculem desde já à

capacitação científico-

tecnológica do Brasil

para a superação da

era das energias

fósseis. O que também

deveria ser o objetivo

central de uma

regulamentação

nacional do mercado

de carbono.

O sucesso de qualquer estratégia dedesenvolvimento em países emergentes será cada vez mais depen-

dente do aproveitamento das vantagenscompetitivas induzidas pelo imperativo dedescarbonização das economias. Perderãoesse bonde os países que descuidarem dacapacitação científico-tecnológica voltada ao

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o “bonde do carbono”abatimento de emissões de gases estufa. Porisso, é imprescindível que o Brasil ao menosjá conheça a distribuição espacial e setorialde seu potencial de abatimento. O que, infe-lizmente, está muito longe de acontecer.

Continua muito comum a afirmação de quedesmatamentos e queimadas na Amazônia

são responsáveis por mais de 75% das emis-sões brasileiras. Um puro delírio, gerado porterrível acumulação de equívocos. Pois taldisparate nada tem a ver com o único e ana-crônico inventário nacional, que fez parteda “Comunicação Inicial do Brasil à Con-venção-Quadro das Nações Unidas sobreMudança do Clima”, documento divulgado

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José Eli da Veiga – Professor titular da Fa-culdade de Economia (FEA) e orientador doPrograma de Pós-Graduação do Instituto deRelações Internacionais (IRI) da USP; pesqui-sador associado do “Capability & Sustainabili-ty Centre” da Universidade de Cambridge. Au-tor do livro “A Emergência Socioambiental”(Senac, 2007) e co-autor, com Lia Zatz, de “De-senvolvimento Sustentável, que Bicho É Esse?”.Artigo publicado no jornal VALOR (09/06/2009). Recomendamos visita à página do autorna web: www.zeeli.pro.br

pelo MCT em novembro de 2004, com da-dos referentes ao período 1990-94.

O que ali está estampado com muita clarezaé que 75,4% das emissões do Brasil de 1994podiam ser atribuídas ao conjunto das “mu-danças no uso da terra e florestas”(“MUTF”), no qual deviam ser creditadasaos desflorestamentos 96% das emissõeslíquidas. E desse subtotal, somente 59%cabiam ao bioma amazônico (26% ao Cerra-do, 6% à Mata Atlântica, 5% à Caatinga e4% ao Pantanal). O que significa que, em1994, tão-somente 42,7% do total das emis-sões brasileiras totais podiam ser atribuí-das a desmatamentos amazônicos.

Esse mesmo inventário constatou que de1990 a 1994 as emissões resultantes de des-florestamentos haviam aumentado 2% noconjunto dos cinco biomas, enquanto asdemais (extra-MUTF) haviam subido 16%.Uma tendência que muito se intensificoude lá para cá, como demonstra qualquercomparação entre os cálculos feitos para oMCT pela organização Economia & Ener-gia e as imagens de satélite processadaspelo programa Prodes do INPE.

Entre 1994 e 2005, o aumento das emissõesextra-MUTF foi de 45%, principalmenteporque as do setor■ De transportes saltaram de 25,4 para 36,9em milhões de toneladas (+45%),■ Industrial de 19,7 para 27,8 (+41%), e■ Energético de 7,6 para 15,3 (+101%).Enquanto isso, como se sabe, os desmatamen-tos só diminuíram. Principalmente no biomaamazônico, para o qual existem mais dados.

Há mesmo indicações de que a emissão bru-ta anual do Cerrado já possa até ter supera-do a da Amazônia, embora em 1994 ela nãochegasse sequer à metade. Em termos deárea desmatada, a do Cerrado era ligeira-mente inferior no período de referência doinventário (1988-94). Hoje pode ser o do-bro, segundo o Instituto Sociedade, Popu-lação e Natureza (ISPN). Tendo em contaque as emissões brutas do desmate de umhectare amazônico equivalem a algo como2,2 vezes as da mesma área de cerrado,pode-se supor que os dois biomas estejammuito próximos de um empate.

Outra bobagem muito repetida é que asemissões restantes - extra-MUTF - seriamcausadas “pelos automóveis que circulampelas grandes cidades”. Os já citados cál-

culos feitos para o MCT mostram que todoo setor de transportes (muito mais amplo)dava origem, em 2005, a apenas metadedesse tipo de emissões. Quase 40% saíamdo setor industrial e 10% do setor geradorde energia.

Tais eram as informações disponíveis atémeados de março, quando começaram a serdivulgados os surpreendentes resultadosdo estudo da McKinsey “Caminhos parauma economia e baixa emissão de carbonono Brasil”, voltado à avaliação da distribui-ção setorial do potencial de abatimento.Segundo os cálculos dessa empresa de con-sultoria, o conjunto dos desmatamentosseria hoje responsável por 55% das emis-sões. As demais – extra-MUTF – teriam ori-gem em quatro blocos setoriais básicos:■ A agropecuária, com 25%;■ A indústria, com 13%;■ Os transportes somados à geração deenergia, com mais 13%; e■ Os tratamentos de resíduos somados àsedificações, com os reles 3 a 4%.

Ainda mais significativas são as estimati-vas dos custos dos abatimentos potenci-ais até 2030. Enquanto o mundo poderiaabater 50% das emissões gastando • 18por tonelada de carbono, no Brasil tal re-dução poderia chegar a 70% pela metadedesse preço.

Porque, ao contrário do que ocorre em ou-tros grandes emissores, tanto países ricosquanto emergentes, apenas 14% do poten-

cial de abatimento do Brasil estão nos se-tores que exigem decisivas inovações tec-nológicas, como são os casos da indús-tria, dos transportes, da geração de ener-gia, e das edificações. Segundo esse estu-do da McKinsey■ 72% do potencial de abatimento estari-am ligados ao objetivo de zerar o desmata-mento, e■ outros 14% dependeriam da adoção deconhecidas práticas agronômicas e ve-terinárias.■ Ou seja: 86% no setor primário não-mineral.

É muito difícil saber com certeza se essescálculos são consistentes, pois a publica-ção da McKinsey não esclarece como fo-ram feitos. Todavia, se não estiverem mui-to equivocados, o principal risco fica ób-vio: haverá poderosos incentivos para queo Brasil se acomode na exploração de van-tagens comparativas em vez de se esforçarpara buscar vantagens competitivas medi-ante prioridade às pertinentes pesquisascientífico-tecnológicas. Enquanto os ou-tros grandes emissores se empenharão nabusca das inovações que poderão descar-bonizar os setores secundário e terciário,mais uma vez o Brasil será estimulado adormir em berço esplêndido. A concentrar-se no barato abatimento de emissões porredução de desmatamentos e moderniza-ção agropecuária, para depois ficar aindamais dependente das famosas transferên-cias de tecnologia.

O cerne de uma verdadeira estratégia dedesenvolvimento só pode ser o avesso. Aarquitetura institucional para o abatimentode emissões do setor primário precisa favo-recer parcerias internacionais que as vincu-lem desde já à capacitação científico-tecno-lógica do Brasil para a superação da era dasenergias fósseis. O que também deveria sero objetivo central de uma regulamentaçãonacional do mercado de carbono. ■

Enquanto o mundo

poderia abater

50% das emissões

gastando 18 euros

por tonelada

de carbono, no Brasil

tal redução poderia

chegar a 70% pela

metade desse preço.”

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Natureza: por Christoph Seidler eCidadania & Meio Ambiente

No estudo afirma que as

florestas e os oceanos têm

mais capacidade de

absorver dióxido de carbono

do que se acredita,

afirmação que contradiz as

previsões mais pessimistas

a respeito. Até que ponto

isso é verdade? Confira!

Hoje, muitos grupos de pesquisa sededicam a projetar artimanhas tecnológicas para capturar e armaze-

nar o carbono antes de ele chegar à atmos-fera e, assim mitigar os mais graves efeitosda mudança climática. Esse recurso já vemsendo utilizado em, por exemplo, usinas ter-moelétricas movidas a carvão, cujos gasesricos em CO

2 são estocados em depósitos de

gás natural esgotados ou em rochas subter-râneas porosas. Nesses “armazéns” nas pro-fundezas da Terra, o CO

2 pode ficar retido

por milhares de anos, poupando a atmosfera.

Enquanto se fala muito nessa tecnologiaengenhosa, pouco se comenta que a natu-reza já domina essa tarefa há milênios, se-qüestrando e armazenando o CO

2 nas plan-

tas, no solo e nos oceanos – os chamados“ralos de carbono”, excelentes absorvedo-res de gases de efeito estufa (GEE). “Quase60% de nossas emissões são armazenadasnos oceanos ou no solo”, lembra SusanTrumbore, do Instituto Max Planck para Bi-ogeoquímica, em Jena, Alemanha.

Muitos há muito pensam que esses “ralosnaturais de carbono” em algum momentopararão de absorver o CO

2 porque, entre

outros motivos, águas oceânicas mais emConstante aquecimento são incapazes deabsorver o mesmo volume de carbono que

as águas mais frias. Além disso, o derreti-mento do gelo permanente (permafrost) doÁrtico ameaça liberar os gases de efeito es-tufa nele aprisionados. Além disso, nume-rosos estudos realizados entre 1996 e 2006indicaram que a eficiência dos “ralos de car-bono” foi reduzida em todo o mundo. Noentanto, agora, um estudo recém-–publica-do indica que o ecossistema pode absorvermais pecados cometidos pela humanidadecontra o clima do que se imaginava.

A NOVA TEORIA

Em artigo publicado na revista “Geophysi-cal Research Letters”, Wolfgang Knorr, re-nomado cientista alemão da Universidadede Bristol, escreve que os percentuais deemissões antropogênicas de CO

2 que che-

gam à atmosfera permaneceram mais oumenos constantes nos últimos 150 anos.Mesmo com o crescente e dramático aumen-to da quantidade total de CO

2 lançada nos

ares, a quantidade aprisionada na atmosfe-ra permanece em constantes 40%.

Em outras palavras, quanto maior o volumede CO

2 emitido pela atividade humana, mais,

em termos absolutos, a natureza pode ab-sorver. “É incrível como um sistema tão com-plexo pode fazer algo tão simples”, diz Knorr.De fato, sem esse mecanismo, os efeitos doaquecimento global seriam muito mais apa-

rentes do que são hoje. “O oceano e a at-mosfera ajudam a prevenir o agravamentoda mudança climática”, informa WolfgangLucht, do Instituto para Pesquisa do Impac-to Climático de Potsdam (PIK), Alemanha,para quem o pressuposto de Knorr merececonsideração por sua metodologia rigorosae por analisar um período mais longo do queos considerados em estudos anteriores.

Para chegar a suas conclusões, Knorr reco-lheu dados de duas estações que medem oCO

2 na atmosfera – uma no Havaí, outra na

Antártida, e comparou tais dados aos pro-venientes da análise de dois núcleos de geloantártico. Em seguida, Knorr comparou osresultados à quantidade atual de emissõesde CO

2 produzidas pela queima de combus-

tíveis fósseis, pela produção de cimento epela destruição das florestas tropicais, enotou que, desde os anos 1850, as propor-ções permaneceram constantes.

Para Wolfgang Knorr, os dados históricose estatísticos obtidos no gelo da Antártidatornam suas conclusões mais confiáveisque os modelos matemáticos de mudançaclimática, segundo os quais o potencial na-tural de absorção do CO

2 pelos oceanos e

florestas teria sua capacidade reduzida àmedida que as emissões crescem – fato nãocomprovado por seus dados.

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de CO2?

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Texto de Christoph Seidler publicado noDer Spiegel (16/11/2009) complementado porCidadania & Meio Ambiente.

Desde a era pré-industrial, a concentração de gases de efeito estufa (GEE) na

atmosfera tem aumentado significativamente. A concentração de dióxido de car-

bono (CO2) aumentou em 31%; a de metano, 150%; e a de óxido nitroso, 16%

(Watson et al 2001). O atual nível de concentração de dióxido de carbono (por

volta de 375ppm) é o maior dos últimos 420.000 anos, e provavelmente o mais

elevado dos últimos 200 milhões de anos.

Fonte: IPCC – Cartógrafo/designer: Philippe Rekacewicz, Emmanuelle Bournay, UNEP/GRID-Arendal. Gráfico publicado em Vital Climate Change Graphics Update (2005) emhttp://maps.grida.no/go/graphic/past_and_future _co2_concentrations

O estudo também teria confirmado que oaumento de CO

2 na atmosfera provocado

pela derrubada de florestas tropicais foisuperestimado: seria de 12% e não de 20%como inicialmente calculados. O que abrenovas interpretações acerca da relação CO

2

– “ralos de carbono” na dinâmica das mu-danças climáticas.

A afirmação de Knorr é avalizada pelo Prof.Dr. Wolfgang Lucht, do departamentode Impactos e Vulnerabilidades Climáticasdo PIK: “Simplesmente não conhecemos ototal de florestas destruídas e quanto CO

2

foi lançado na atmosfera em consequênciadesse desmatamento”.

FLORESTAS E CO2

O alegado “desconhecimento” citados porKnorr e Lucht ganha vital relevância para ageopolítica da segurança climática no quetange a proteção das florestas planetárias.Afinal, os países em desenvolvimento hámuito argumentam que a proteção das co-berturas vegetais deve ser considerada me-dida de proteção climática. Razão que osleva a pleitear junto ao mundo industrializa-do a articulação de políticas de compensa-ções para a preservação dos “ralos de car-bono verde” via o mecanismo financeiro“Redução de Emissões derivadas do Des-matamento e da Degradação”1. Agora, essaalegada falta de informação consistente so-bre o volume de florestas derrubadas e seupapel na captura e estocagem do CO

2 pode

levar os países ricos a endurecer em relaçãoàs políticas de compensações financeirasaos países pobres e em desenvolvimento.

Frente às possíveis más interpretações deseus achados, Knorr lança um alerta. “Acapacidade de as florestas tropicais ab-sorverem CO

2 é o menor de seus benefíci-

os”, diz ao enfatizar “a rica biodiversida-de encontrada nesses biomas. As flores-tas precisam ser protegidas mesmo queseu valor como ralo de carbono seja me-nor do que o estimado”.

Embora lance incertezas sobre a capacida-de de sequestro de CO

2 (e de outros GEE)

pelos escoadouros naturais, e faça as atu-ais certezas soarem como falso alarme,Knorr pede cautela: “Não se deve levar oecossistema ao limite, porque esse declivena capacidade de absorção em algum mo-mento acontecerá”. Na opinião do cientis-ta, o mais preocupante em sua pesquisa éo fato de ela mostrar que muito ainda resta

a aprender para se poder prever acurada-mente o comportamento climático.

Desse modo, para o próprio Knorr, suasevidenciações não alteram em nada os ris-cos apresentados pelas mudanças climáti-cas. “Até o momento, nada mudou, masisso não significa que não mudará no futu-ro”, afirma. Susan Trumbore, do InstitutoMax Planck para Biogeoquímica, concor-da: “A quantidade de CO

2 na atmosfera

está aumentando mais rapidamente do quenunca porque estamos usando mais e maiscombustíveis fósseis”.

Também Lucht, do PIK, concorda que oestudo de Knorr não diminui a gravidadeda atual realidade climática: “Ao longo dotempo ficará óbvio que os ralos de carbo-

no se tornarão menos eficientes. Em 2040,pelo menos, os dados ficarão muito maisclaros. Mas, a essa altura, já será tarde de-mais para se fazer algo”.

Portanto, nada muda na urgência da im-plantação em nível planetário de políticasde redução de emissão de GEE e de preser-vação das florestas, dos oceanos e do solo– “ralos de carbono” e fontes de sustenta-ção de todas as formas de vida. ■

NOTA DO EDITOR

1 – Para informações detalhadas sobre o mecanismo financei-ro “Redução de Emissões derivadas do Desmatamento e daDegradação”, ler o artigo REDD e o combate ao desmatamen-to, à pág...... desta edição).

PASSADO e FUTUROdas CONCENTRAÇÕES ATMOSFÉRICAS de CO2

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Achado não é roubadopor Mayron Régis

As “adaptações

literárias” que as

empresas

reflorestadoras e de

alimentos fazem dos

seus projetos para a

sociedade deixa

imensas lacunas e

degringola a

“verdadeira

literatura” sobre os

impactos da

transposição de

espécies exóticas

para áreas de floresta

tropical e para áreas

de cultivo de

comunidades

tradicionais.

Ao adaptar grandes obras literáriaspara a sua linguagem, a TV alentaa “imprescindível” função cultu-

ral que exerce para a e no seio da socieda-de como um todo. As adaptações permitemque boa parte da população acesse bensculturais até então inacessíveis. Essa “per-missão” de acesso não implica na desobs-trução dos obstáculos históricos, sociais eeconômicos que se interpunham entre es-ses bens e a maior parte da população. Nomáximo, implica num adormecimento das fa-culdades mentais que, justamente, incum-bem-se da reinterpretação da realidade.

As adaptações literárias refletem contradi-ções no que pretende a indústria culturalpara a sociedade a partir dos desígnios docapitalismo. Ela embaralha os papéis que osatores sociais desempenhariam normalmen-te na sociedade e ao embaralhar de novo apapelada ela desmobiliza esses atores comnovos “achados” arqueológicos, socioló-gicos, antropológicos, psicológicos etc.

Encontra-se uma sentença de morte em qual-quer um desses “achados” submetidos àanuência da indústria cultural porque “acharalgo ou alguém” dá a entender que estava

perdido – achado não é roubado, algunsdiriam – e o que estava completamente alheiosurge para ser sugado até o talo.

Muitos já disseram que se decreta a sen-tença de morte de uma obra literária quan-do um roteirista a transpõe para a televi-são. Pelas várias transposições que rende-ram obras televisivas chochas, tende-se acrer que sim. Contudo, transpor de uma lin-guagem para outra deixa buracos e quantomais buracos pior para a recepção do con-teúdo. Numa sociedade cada vez mais ur-bana como a brasileira – e cada vez mais

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guiada pela televisão –, a adaptaçãoliterária chutaria a percepção da no-menclatura urbana para um protóti-po de vida rural ou vida semi-urba-na. Os “achados” da indústria cul-tural e do sistema capitalista prolife-ram como proliferam as monocultu-ras de norte a sul do Brasil.

Derrubar uma mata para plantar mi-lhares de hectares de eucalipto ou desoja requer esperança na semente, nomaquinário, na força dos braços, nobanco, no governo e no tempo. Trans-por uma espécie exótica para um bio-ma como o Cerrado, a Caatinga ou aFloresta Amazônica requer no máxi-mo estudos de adaptação da espécieao solo e ao clima. As monoculturasse tornaram os grandes “achados” dahumanidade para o combate à fome,ao desemprego e à adaptação às mu-danças climáticas.

As empresas de monoculturas “acha-ram” as florestas tropicais dos paísesem desenvolvimento como fonte bara-ta de madeira, de recursos hídricos, de

Mayron Régis – Jornalista Fórum Carajás(www.forumcarajas.org.br) e colaborador do por-tal EcoDebate. Esse texto integra o programa Ter-ritórios Livres do Baixo Parnaíba, apoiado pelaICCO (Organização Intereclesiástica de Coopera-ção para o Desenvolvimento – www.icco.nl/delivery/icco/pt) e realizado de forma conjunta coma SMDH (Sociedade Maranhense de DireitosHumanos – www.smdh.org.br), CCN e Fórumem Defesa do Baixo Parnaíba (www.mp.ma.gov.br/site/planejamento/forumBaixoParnaiba.jsp). Textopublicado em www.ecodebate.com.br (31/10/2009).

terra e de recursos humanos, e “se acham” naresponsabilidade para liderar projetos de com-bate e adaptação às mudanças climáticas. As“adaptações literárias” que as empresas reflo-restadoras e de alimentos fazem dos seus pro-jetos para a sociedade deixa imensas lacunase degringola a verdadeira literatura sobre osimpactos da transposição de espécies exóti-cas para áreas de floresta tropical e para áreasde cultivo de comunidades tradicionais.

Os governos do Piauí e do Maranhão de-vem achar que suas maneiras de adminis-trar os processos de licenciamento da Su-zano nas bacias do rio Parnaíba, do rioMunim, do rio Preguiças e do rio Tocan-tins se esmeram pela irretocável defesa domeio ambiente e pelo indispensável incen-tivo ao desenvolvimento econômico dosestados. Convém aos dois governos acha-rem isso, mas convém mais ainda a Suzanoque os licenciamentos dos plantios sejamestaduais e não um licenciamento federal,mesmo que duas dessas bacias sejam fe-derais, e nas outras duas haja unidades deconservação federais.

Desde 2006, o governo do Maranhão as-sumiu a responsabilidade pela concessãode licenças para desmatamento, enquantoque para o Ibama ficou a categoria de con-

sultor quando os desmatamentos foremmaiores que mil hectares. A Suzano trin-chou uma área de três mil hectares no mu-nicípio de Anapurus, Baixo Parnaíba mara-nhense, em vários processos de menos demil hectares para que o licenciamento tra-mitasse na Secretaria de Meio Ambientedo Maranhão e não fosse preciso estudode impacto ambiental. Esse plantio, dife-rente do que a empresa irradia aos quatroventos sobre seus plantios para celulose,vai para cerâmicas próximas.

Para algumas áreas que são menores, comoa de Anapurus, a Suzano destaca algu-mas terceirizadas. Elas contratam funcio-nários que desmatarão a mata nativa eplantarão eucalipto. No povoado de Gon-çalo, município de Urbano Santos, a KLNdesmata 800 hectares de Cerrado paraplantar eucalipto. A madeira derrubada vaiser transportada para padarias e cerâmi-cas nos municípios próximos e em SãoLuis. Acaso os Estados Unidos continu-assem pagando bem pelo ferro-gusa ma-nufaturado pelas guseiras do Maranhão,como a Margusa, os ganhos recheariamas carteiras de todo mundo, mas com abaixa na economia americana a equaçãomatemática não fecha. O preço ofertadopelos americanos ao ferro-gusa deve dar

nos nervos dos empresários mara-nhenses que com isso fecharamseus alto-fornos e pouco investiramem plantios de eucalipto.

Toda a cadeia de plantio de euca-lipto rendia um bom trocado. Comobem observou Wilson, morador deUrbano Santos: “Os gaúchos que-riam plantar soja aqui, mas viramuma outra possibilidade com osplantios de eucalipto.” As frutascomo bacuri e pequi pendiam nogalho das árvores, mas isso emnada conteve a venda das possesdos moradores na chapada doJacú. Um morador ou uma associa-ção pode pedir ao Iterma a regula-rização de suas posses ou podepedir à Secretaria de Meio Ambi-ente uma licença ambiental que oórgão demora a responder. Em sen-tido contrário, o órgão responde ra-pidamente a pedidos de plantado-res de soja ou de empresas de re-florestamento com eucalipto. Acon-teceu mais ou menos assim na Cha-pada do Jacu, na qual empresários

ofereceram 50 reais por hectare, e após osacramentar da venda, regularizaram noIterma e obtiveram as licenças junto àSema. Ao todo, a chapada do Jacu rivali-za com mais de 7500 hectares. Por hora,parou-se o reflorestamento na área daMargusa em 400 hectares.

As informações sobre os plantios nas áre-as da Suzano e em áreas de outras empre-sas, centradas nos municípios do BaixoParnaíba, bastariam para reprovar quais-quer projetos megalomaníacos de transfor-mar o Maranhão e o Piauí em meros forne-cedores de madeira. Os 160 mil hectares dereflorestamento com eucalipto no Piauí re-presentam apenas 6% da região de Teresi-na, mas que áreas são essas? ■

As monoculturas

se tornaram os grandes

achados da humanidade

para o combate à fome,

ao desemprego

e à adaptação às

mudanças climáticas.”

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OS EFEITOS DO AQUECIMENTO GLOBAL JÁ PODEM SER SENTIDOS NO MUNDO INTEIRO.

Neste momento, o esforço de todos é muito importante. Com políticas ambientais que combatem o desmatamento e incentivam práticas sustentáveis na agricultura e na indústria, o Brasil está fazendo a sua parte na luta para conter as alterações climáticas. É assim que o nosso país contribui com um futuro melhor para todo o planeta.Conheça as políticas públicas para o meio ambiente: www.mma.gov.br

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IHU ON-LINE – POR QUE CRONOMETRAR OS DIAS QUE FALTAM PARAA CÚPULA DE COPENHAGUE [REUNIÃO DAS PARTES DA CONVENÇÃO

DO CLIMA (COP15)]?Lisa Gunn – Justamente porque não temos tempo a perder. Pre-cisamos que a conferência de Copenhague e os líderes dos paísescheguem a um acordo extremamente agressivo em termos de redu-ção de emissão de gases do efeito estufa. Entre os cientistas, já háo consenso de que não podemos aumentar a temperatura do pla-neta em mais do que 2oC para não provocarmos um desequilíbrioecológico mais significativo.

TIC TAC...

Tic Tac.... é o nome da campanha internacional que convoca todos os cidadãosdo mundo a dar sua contribuição à Conferência sobre as Mudanças Climáticas,que ocorrerá em Copenhague, de 7 a 18 de dezembro próximo. O Tic Tac

objetiva estimular a consciência global a exigir que os líderes dos paísesparticipantes cheguem a um acordo extremamente agressivo para reduzir a emissãodos gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento do planeta. Veja porquesua participação é vital neste momento de decisão dos destinos da Terra.

É hora da justiça climáticaEntrevista com Lisa Gunn

Identificação da poluição antrópica nas partículas atmosféricas - Foto: Earth Observatory/NASA

Para não aumentar esses 2oC graus, precisamos reduzir em até40% as emissões de gases de efeito estufa até 2020. Ou seja, te-mos onze anos para revolucionar os padrões de produção e con-sumo que justamente garantam que iremos conseguir alcançaressa redução. Por isso é importante cronometrarmos os dias quefaltam para Copenhague, pois, até lá, os países manterão umasérie de reuniões e encontros, e fecharão suas posições para Co-penhague. O Tic Tac é uma forma de chamarmos a atenção doslíderes e da sociedade para a importância de termos um compro-misso bastante forte em Copenhague.

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Lisa Gunn – Consultora do Campanha Tic Tac, coordenadora do Insti-tuto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), antropóloga e sociólogapela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), especialista emDesenvolvimento Sustentável pela Carl Duisberg Gesselschaft, na Ale-manha, e mestre em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo(USP). Entrevista publicada pelo IHU On-line em 28/08/2009 [IHUOn-line é editado pelo Instituto Humanitas Unisinos (IHU), da Univer-sidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo, RS] e peloportal www.ecodebate (01/09/2009).

IHU ON-LINE – QUE CAMINHO O BRASIL DEVE TRAÇAR PARA A CÚPULA?L. G. – O Brasil tem um papel crucial nestas negociações interna-cionais de clima, justamente por ser um país emergente. Apesar desabermos que a responsabilidade maior cabe aos países já desen-volvidos, pois ao longo do tempo eles contribuíram para a situa-ção em que nos encontramos, os países emergentes e em desen-volvimento também não podem fugir à sua responsabilidade.

A questão é que, dado o tamanho do problema atual, não dá paraafirmamos que os países emergentes não precisam ter metas, mesmoque voluntárias, de redução dos gases de efeito estufa. E o Brasil,como o país emergente líder nestas negociações, tende a assumir umpapel progressista ao apresentar um programa de redução de emis-são dos referidos gases dentro de suas próprias fronteiras.

Nosso desafio é manter a coerência entre o que pregamos comonegociadores internacionais e o que praticamos internamente. OBrasil precisa fazer sua lição de casa: adotar políticas públicaspromotoras da redução das emissões de gases de efeito estufa,bem como outras relativas ao desmatamento, à agricultura e àdestinação adequada de resíduos sólidos. Há mais de dezoito anosdiscute-se no Congresso a política nacional de resíduos sólidos eaté hoje ela não foi aprovada.

Precisamos avançar, também, na questão do transporte coletivo eprivilegiar a mudança do comportamento do consumidor, que deveabrir mão do transporte individual. Mas, para tanto, o país tem deoferecer transporte coletivo de qualidade. O Brasil precisa ter umaposição agressiva nas negociações internacionais e, por outrolado, ser bastante rápido para promover uma revolução internanos padrões de produção e de consumo.

IHU ON-LINE – EM UM RELATÓRIO DIVULGADO RECENTEMENTE, ACHINA FOI APONTADA COMO O PAÍS CUJOS DESAFIOS SERÃO MAIORES.O DIRETOR- GERAL DO DEPARTAMENTO DE MUDANÇA CLIMÁTICA CHI-NÊS AFIRMOU QUE, A PARTIR DE 2050, AS EMISSÕES DE CARBONOCHINESAS COMEÇARÃO A DIMINUIR. QUE PERSPECTIVAS PODEMOS TERQUANDO VIVEMOS A “REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA” E TEMOS PAÍSES,COMO A CHINA, EM FRANCO CRESCIMENTO?L.G. – O desafio que enfrentamos é garantir à boa parte da popula-ção mundial – até agora excluída do mercado de consumo – o aces-so a bens e serviços essenciais à vida digna. Mas, de fato, precisa-mos da revolução tecnológica para garantir alternativas que nãobrindem apenas aquela parcela de indivíduos com condições depagar por carros mais eficientes ou por alimento sem agrotóxico. Épreciso garantir que os produtos e os serviços “sustentáveis” al-cancem todos os que hoje não têm acesso a eles. Essa é a revoluçãoque precisa ser efetivada no padrão de consumo. Não há condições

de todos possuírem um automóvel. Isso é inviável tanto do pontode vista social quanto ambiental. Não existem recursos naturaiscapazes de garantir automóveis para todos. Além disso, se todospossuíssem automóvel não conseguiríamos circular.

IHU ON-LINE – AINDA DÁ TEMPO DE CONSTRUIR UM MUNDO SUS-TENTÁVEL?L. G. – Há. Se não acreditarmos que dá tempo chegaremos a umponto de inação. O que a campanha TIC TAC pretende e querdizer é que é hora de agir. A hora é agora. Sem dúvida dá tempo ea gente precisa arregaçar as mangas e assumir a corresponsabili-dade das ações. Poder público, empresas e consumidores preci-sam se empenhar para construir as alternativas de padrão de pro-dução e de consumo.

IHU ON-LINE – PARA SER IDEAL, O QUE ESSE ACORDO GLOBALPRECISA TER?L.G. – O compromisso com as metas agressivas de redução exi-ge uma série de acordos para garantir a implantação das mudan-ças em todos os pontos do planeta. Por exemplo, as questões deprocedência tecnológica e de apoio financeiro devem estar acor-dadas para que possamos ter estas mudanças radicais. Não dápara dizer o que se tem de fazer se não avançarmos no “comofazer”. Precisamos que este acordo em Copenhague abarque to-dos esses elementos.

IHU ON-LINE – QUAIS AS AÇÕES DO TIC TAC ATÉ A ABERTURA DACÚPULA DE COPENHAGUE?L.G. – Inúmeras, como o abaixo-assinado de adesão à campanhae outras que podem ser encontradas no site www.tictactictac.org.br e nos sites que apoiarem a campanha. O lançamentoda campanha, em 29 de agosto – 100 dias da contagem regressi-va para a Cúpula de Copenhagem – mobilizou diversas ativida-des em várias capitais brasileiras. O Tic Tac é um campanhahorizontal porque não é pensado por uma organização, mas portodas as organizações e indivíduos que abraçarem a causa. Oobjetivo é mobilizar a sociedade civil para a importância não sódas negociações em Copenhague, mas para os compromissosque todos devem assumir em prol das mudanças tão radicais deque precisamos.

IHU ON-LINE – QUAL O PAPEL DO BRASIL NESSA CAMPANHA?L.G. – A campanha TIC TAC é internacional. Adotamos a cau-sa por entendermos que o país é extremamente importante nocenário internacional e também devido aos impactos das emis-sões pelas quais responde. O Brasil é hoje, o quarto maior emis-sor de gases de efeito estufa. Portanto, temos de assumir umpapel de liderança na mudança efetiva dos padrões de produ-ção e de consumo. ■

Temos apenas onze anospara revolucionar os padrões

de produção e de consumo quereduzirão em 40% as emissões de

gases de efeito estufa.

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EL PAÍS – A SEU VER, O QUE É DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL?RAJENDRA PACHAURI – Em primeiro lugar, é garantir que os re-cursos naturais que herdamos não sejam danificados nem reduzi-dos, de forma que a próxima geração os receba em melhor situaçãodo que a atual. E isso inclui ar limpo, água limpa, terra e bosquessadios e biodiversidade. A outra dimensão do desenvolvimentosustentável é oferecer oportunidade aos indivíduos. Não se podemanter um sistema que só pensa nos ricos. Finalmente, é necessá-rio voltar à essência da Índia, onde tudo se reutiliza, e criar umanova filosofia que dê fim ao esbanjamento, tanto de recursos na-turais quanto de energia.

EL PAÍS – ACREDITA QUE ESSA FILOSOFIA SEJA APLICÁVEL A TODO OMUNDO?RP – Com certeza. No mundo atual, as notícias viajam de um ladopara o outro com fluidez, e, se uma parte vive de uma forma, desa-

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Rajendra Pachauri preside desde 2002o Painel Intergovernamental de Mu-danças Climáticas (IPCC) da ONU,dirige o Instituto de Recursos Naturaise Energia da Índia e é um dos maisaguerridos defensores do planeta edos desvalidos da Terra. Nesta entre-vista concedida ao diário espanhol El

País, o economista de 68 anos, Prê-mio Nobel da Paz de 2007 (divididocom Al Gore, ex-vice-presidente dosEUA), chama a atenção para os gra-ves perigos que a humanidade corre

se não deixar de abusar do planeta.

Entrevista com Rajendra Pachauri aa Georgina Higueras El País

“os ecocéticos devem

abandonar o planeta”tará as aspirações da outra. Por isso, deve haver uma convergên-cia nos níveis de vida.

EL PAÍS – CONSIDERA QUE O OCIDENTE ACEITARÁ LIMITAR O CONSUMISMO?RP – Sei que é difícil, mas será pior se não o fizer, porque não sepode ter um mundo dividido: a cisão conduziria ao terrorismo,à ira, ao ressentimento dos países mais pobres, pelas dramáti-cas consequências que sofrerão por uma mudança climáticaque não provocaram. A fuga da seca e da fome provocaria mi-lhões de refugiados.

EL PAÍS – NO SEU JULGAMENTO, A UNIDADE É UM IMPERATIVO?RP – Absolutamente. Mas isso não significa que devemos renun-ciar às coisas boas obtidas por meio do progresso econômico. Odesafio é usar a tecnologia e os preços ao mesmo tempo em quemodificamos o estilo de vida. Já abusamos muito da natureza.

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Georgina Higueras – Escritora e jornalista da editoria Internacional dodiário espanhol El País, onde esta entrevista foi publicada em 12/01/2009.

EL PAÍS – QUAIS SÃO AS PRIORIDADES?RP – Devemos mudar os valores ea filosofia de vida. Para a Espanha,por exemplo, o importante é a água,por causa da escassez de que pa-dece. A Espanha é também umaimportadora de energia, e ambosos problemas devem ser tratadosao mesmo tempo. Em outros paí-ses, o mais sério é a contaminaçãodo ar. As prioridades devem serdeterminadas pelos governos, masdevemos nos unir na busca de umnovo modelo de produção e deconsumo.

EL PAÍS – ACREDITA QUE O OCIDENTE ESTEJA DISPOSTO A MUDAR

SEUS VALORES?RP – Penso que sim. Nos últimos dois anos houve um enormegrau de conscientização entre os mais jovens. Estamos caminhan-do em boa direção.

EL PAÍS – O SENHOR RESPONSABILIZA O HOMEM PELOS DESASTRES DEQUE A NATUREZA PADECE. COMO ISSO PODE SER REVERTIDO?RP – Com o uso eficiente da água e da energia. Devemos dizernão aos banhos de meia hora; não aos excessos de ar-condicio-nado e de calefação; não ao desaproveitamento da luz solar; nãoao uso contínuo do carro; não a essas e a outras ações de des-perdício cometidas em escala individual e em família. Em escalaindustrial também ocorre um grande esbanjamento que deve sereliminado. Não se trata de renunciar à boa vida, mas de valorizare respeitar a natureza e de compartilhar com outros seres huma-nos os recursos mais básicos.

EL PAÍS – O SENHOR PROPÕE COMER MENOS CARNE…RP – Sim, é bom para a saúde da humanidade e do planeta. Há umalto volume de emissão de gases de efeito estufa no processo deprodução de um bife, que começa com o alto consumo de pasto,que exige desmatamento, e de água, que começa na criação dosanimais, continua no abatedouro, nas câmaras frigoríficas, no trans-porte e no cozimento.

EL PAÍS – O SENHOR É VEGETARIANO…RP – Sim, mas a humanidade não precisa tornar-se vegetariana;basta ingerir menos carne bovina.

EL PAÍS – AINDA HÁ TEMPO DE REVERTER A MUDANÇA CLIMÁTICA?RP – Nunca é tarde para se evitar a hecatombe. Sou otimista. Mastemos muito pouco tempo para agir.

EL PAÍS – O QUE O SENHOR MAIS TEME?RP – Que, se não fizermos nada para frear as mudanças climáticas,os mais pobres, que serão os mais prejudicados, não perdoem ospaíses ricos. Haverá convulsões e guerras porque a luta pelosrecursos naturais se agravará, incluídos os do Ártico.

EL PAÍS – FRENTE À ATUAL CRISE ECONÔMICA, ONDE O SENHOR INVESTIRIA?RP – Se o mundo investisse o suficiente na pesquisa das energiasrenováveis os problemas acabariam.

EL PAÍS – O QUE COBRARIA DO PRE-SIDENTE BARACK OBAMA?RP – Que cumpra todas as pro-messas eleitorais, como criar em-pregos ecológicos. Ele ofereceuuma mensagem0 de esperança.Que a cumpra, porque terá impac-to em todo o mundo.

EL PAÍS – QUAL A SUA OPINIÃO SO-BRE O ACORDO 20-20-20 DAUNIÃO EUROPEIA (20% DE REDU-ÇÃO DAS EMISSÕES DE GASES DE EFEI-TO ESTUFA E 20% DE AUMENTO DASENERGIAS RENOVÁVEIS ATÉ 2020)?RP – É um bom começo, mas a Eu-

ropa pode fazer mais. Os ricos devem pagar pelas mudanças climá-ticas, porque são historicamente responsáveis por isso.

EL PAÍS – ACREDITA QUE A RESPOSTA CHINESA ÀS MUDANÇAS CLIMÁTI-CAS É ADEQUADA?RP – Até agora a China se espelhou no crescimento econômicoocidental, mas, hoje, ocorre uma reavaliação deste modelo. Creioque nos próximos anos veremos grandes mudanças na China, oque provavelmente incluirá o uso eficiente da energia e dos recur-sos naturais, assim como o apoio ao desenvolvimento rural emvez da urbanização maciça.

EL PAÍS – ESSA MUDANÇA SERIA CONSEQUÊNCIA DA CRISE INTERNACIO-NAL OU PEQUIM CONCLUI QUE O MODELO OCIDENTAL ESTÁ FALIDO?RP – Da mesma forma que ocorre na Índia, a China obedece àdemanda interna. Há três séculos esses dois países asiáticos eramas maiores economias. Agora, parece que avançamos para a mes-ma situação, mas temos que fazê-lo de forma responsável, sobre-tudo se temos que servir de modelo a outros.

EL PAÍS – À ÁFRICA, POR EXEMPLO?RP – A África não pode seguir de maneira nenhuma o trilhar doOcidente. Se suas condições seguirem se deteriorando, não have-rá exército capaz de impedir a avalanche de refugiados sobre aEspanha, por exemplo. O mundo desenvolvido tem a obrigação detrabalhar para a reabilitação da África.

EL PAÍS – A ONU DEVERIA EMITIR UMA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS

DO PLANETA?RP – Sem dúvida alguma. Neste momento trabalhamos um acor-do global sobre mudanças climáticas que deverá estar pronto nofinal do ano.

EL PAÍS – O QUE DIRIA AOS QUE CONTINUAM NEGANDO AS MU-DANÇAS CLIMÁTICAS?RP – Trabalhamos com transparência em parceria com os melho-res cientistas do mundo. Nossos relatórios são aceitos por todosos governos. Os céticos da mudança climática deveriam se mudarpara outro planeta. ■

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“O que todos nós decidirmos comprar ou não comprar pode alte-rar o curso do planeta!” Gap’s RED Artist Edition t-shirts 2009

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A educação ambiental no século 21:

por Roosevelt S. Fernandes

Apenas 37% dos alunos brasileiros

com 15 anos de idade apresentam

um nível mínimo de conhecimento

ambiental, o que resulta em

desvantagem para lidar com

os desafios ambientais presentes

e futuros. Será que essa “lacuna

de conhecimento” ainda pode

ser reparada?

Em artigo recente, o professor PrakkiSatyamurty, ex-presidente da Soci-edade Brasileira de Meteorologia,

enfatiza a necessidade de alterações pro-fundas no processo de definição das alter-nativas para reversão dos efeitos das mu-danças climáticas.

Segundo tese defendida pelo autor, o prin-cípio do desenvolvimento sustentável nãoé mais o único caminho para enfrentar asmudanças climáticas, tornando-se inevitá-vel a redução drástica do consumo de re-cursos naturais e um eficaz programa decontrole da natalidade. Ou seja, de acordocom o pesquisador, já passamos da fasedo “desenvolvimento sustentável”. Ago-ra é hora do “consumo sustentável”.

Por outro lado, neste caso analisando aposição do G20 (grupo das maiores econo-

retrospectivas & perspectivasmias mundiais), recentemente reunido emLondres, observa-se uma nítida preocupa-ção com a crise financeira (através da defi-nição de propostas inovadoras e ambicio-sas), porém com um discurso vago e breveem relação à problemática ambiental.

No entanto, entre o contexto limite das vi-sões dos pesquisadores e dos políticos, per-siste uma análise igualmente importante, ain-da não suficientemente abordada. Trata-sede entender se a sociedade está pronta parapressionar por soluções proteladas, aceitaras consequências de sua adoção e, sobretu-do, como nossos futuros gestores (no hori-zonte do curto e médio prazo) estão prepara-dos não apenas para implementar as propos-tas conhecidas, mas para gerar novas e efeti-vas respostas para o cenário que o mundodeverá enfrentar, já que o tempo, neste novocontexto, é uma variável crítica do processo.

Se agregarmos a este cenário os resulta-dos do estudo desenvolvido pela Organi-zação para a Cooperação e Desenvolvimen-to Econômico (OCDE, 2006), que mostraque apenas 37% dos alunos brasileiros com15 anos de idade – a pesquisa foi realizadaem 57 países de diferentes regiões – apre-sentam um nível mínimo de conhecimentoambiental, ficando acima somente de paí-ses como Catar, Quirquistão e Azerbaijão,vemos que os jovens do Brasil não possu-em a consciência mínima necessária paralidar com os desafios ambientais.

A pesquisa deixa claro, inclusive no Brasil,que os estudantes estão preocupados econscientizados de que é preciso agir (pon-to positivo), entretanto não evidenciam con-dições plenas de assumir seu papel na açãodesejada. O estudo infere, entre outros pon-tos, que os estudantes falam muito sobre

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O BRASIL E O ANALFABETISMO

O país vai levar ainda 20 anos para erradicar o analfabetismo da populaçãode 15 anos ou mais. O cálculo é do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada(Ipea), que divulgou mais uma análise dos microdados da última Pesquisa Na-cional por Amostra de Domicílio (Pnad) 2008, realizada pelo Instituto Brasileirode Geografia e Estatística (IBGE). Jorge Abrahão de Castro, autor do estudo ediretor de Estudos e Políticas Sociais do IPEA, sintetiza o quadro atual.

❚ A análise do Ipea indica que há “baixa eficácia” nos programas de alfabetização:entre os atuais analfabetos, apenas uma pequena parte está frequentando a escola.

❚ O estudo afirma que há “problemas de desinteresse dos analfabetos em procu-rar os programas” e também “erro de foco”, de “estratégias pedagógicas” e “sé-rias dificuldades de aprendizagem” dos alunos do ensino de jovens e adultos.“Trata-se de uma população difícil de lidar porque grande parte é mais velha e jáestá há muito tempo no mercado de trabalho”, explica Jorge Abrahão de Castro.

❚ Abrahão acredita que o analfabetismo possa ser reduzido por efeito de políti-ca pública. Mas, até o momento, as quedas dos índices ocorrem “pelo efeitodemográfico e menos pelas iniciativas do governo ou da sociedade civil. Ouseja, está ocorrendo pela escolarização da população mais nova e pela própriadinâmica populacional, com o óbito dos idosos analfabetos”.

❚ Segundo os dados analisados, a taxa de analfabetismo atinge 10% da popu-lação, 7,2 pontos percentuais a menos do que em 1992. O percentual é consi-derado elevado se comparado com países latino-americanos – Chile, Argentinae Equador. A taxa de analfabetismo é maior na parcela um quinto mais pobreda população (19%), no Nordeste (19,4%), na área rural (23,5%), entre pretos epardos (13,6%) e em indivíduos com mais de 40 anos (16,9%).

❚ A desigualdade verificada na raiz do analfabetismo também é constatada emoutros níveis de ensino, como na educação infantil. A taxa de frequência àcreche entre crianças de 0 a 3 anos é de 18,1% e menos de 80% dos meninose meninas de 4 a 6 anos frequentam a pré-escola. Na faixa etária da creche, afrequência é menor entre as crianças da Região Norte (8,4%); pretas e pardas(15,5%); do meio rural (7,2%) e entre os mais pobres (10,7%).

❚ Mesmo no ensino fundamental, onde o acesso à escola é considerado univer-sal (97,9% das crianças e adolescentes de 7 a 14 anos frequentam bancosescolares), o Ipea sublinha o hiato do sistema educacional brasileiro no século21. “A eficiência sistêmica deixa muito a desejar”, assinalou Jorge Abrahão,apontando que apenas 55 em 100 alunos que concluem o ensino fundamentalestão na idade adequada (9º ano, com 14 anos de idade).

❚ Para Jorge Abrahão, a chamada “defasagem idade/série”, causada pelareprovação e retenção dos alunos afeta a auto-estima de quem fica na escola eaumenta os gastos com educação. “Os estudantes permanecem no sistemaalém da idade prevista e do tempo necessário para conclusão do aprendizado,reduzindo a quantidade de recursos disponíveis para aqueles alunos que avan-çam normalmente em conformidade com a idade”, aponta o estudo.NOTA DO EDITOR

A íntegra do estudo “Comunicado da Presidência nº 32”, do Ipea, publicado em 7 de outubro de 2009, pode seracessada em http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/comunicado_presidencia/09_10_07_ComunicaPresi_32_PNAD2008 _educacao.pdf

Fonte: Gilberto Costa, da Agência Brasil, com colaboração de Amanda Cieglinski e edição de Lílian Beraldo.Artigo publicado em www.ecodebate.com.br (09/10/2009).

NOTAS DO EDITOR

(1) http://www.nepa.pro.br/index.html(2) http://www.nepa.pro.br/news/news003.htmlRoosevelt S. Fernandes – Master ofScience, membro do Conselho Estadual de MeioAmbiente, do Conselho Estadual de RecursosHídricos (ES) e do Conselho Temático de MeioAmbiente da Confederação Nacional da Indús-tria. Coordenador do curso de Engenharia deProdução Civil da Univix (Vitória, ES), criadore coordenador do NEPA/Univix. Artigo publi-cado em www.ecodebate.com.br (17/11/2009).

temas ligados à área ambiental, mas pare-cem saber pouco a respeito do assunto.

Tendo esses aspectos em foco, em 2003 foicriado o Núcleo de Estudos em PercepçãoAmbiental (NEPA/Univix)1, voltado especifi-camente a estudar o nível de percepção am-biental e social de segmentos formadores deopinião, priorizando as áreas educacional eambiental. Desde então, o NEPA vem conso-lidando um significativo banco de dados ge-rado a partir de pesquisas desenvolvidas comestudantes e professores dos ensinos fun-damental, médio, médio-técnico e superior,assegurando o conhecimento efetivo do perfilde cidadania ambiental desses segmentos.

Como decorrência da análise deste bancode dados, em 2006 o NEPA propôs a criaçãodo Enade Ambiental2 (não compulsório, deiniciativa das próprias instituições de ensi-no superior). Objetivo: identificar e quanti-ficar as lacunas do conhecimento ambientalde estudantes ingressantes e concluintes,de modo a propiciar aos gestores educacio-nais e públicos informações capazes de ba-lizar a definição de ações preventivas e cor-retivas que assegurem um nível mínimo deconhecimento ambiental aos futuros gesto-res ao ingressar no mercado de trabalho.

Neste momento, o NEPA já conta com pes-quisas específicas de aplicação do instrumen-to com estudantes dos cursos de Adminis-tração e Engenharias, e, em andamento, comalunos de Direito e Arquitetura e Urbanismo.

Essas iniciativas nos levam a caracterizar anecessidade de uma reavaliação profunda– retrospectiva – da Educação Ambientalno Século 20, tendo em conta – perspecti-va – o que deve ser definido para a Educa-ção Ambiental do Século 21. Não se tratade mera identificação de erros – dado que,na realidade, não erramos na forma comovínhamos encaminhando esse processo deeducação –, mas em reconhecer e assumirque atitudes até então aceitas como váli-das precisam passar por uma profunda re-flexão para se projetar o que deve ser aEducação Ambiental no Século 21.

Pensar, por exemplo, a estruturação de pro-gramas de Educação Ambiental com umdiagnóstico prévio da percepção ambien-tal e social do segmento a ser atendido,bem como dispor de formas de pós-avaliara eficácia dos resultados desses progra-mas, devem constar das premissas para as

novas intervenções. Ou seja, não basta ofe-recer educação ambiental; precisa-se tercerteza de estar realmente “mudando a per-cepção ambiental da sociedade” (consci-entização, exame crítico da realidade e de-senvolvimento da cidadania).

Não há como protelar esta reflexão. Se nãoa iniciarmos de imediato, com toda certezanão teremos tempo hábil para evitar o queparece inevitável à luz da atual conjuntura.

O poder público e as empresas – gestores efinanciadores de programas de educação

ambiental – devem fazer em suas áreas deatuação, isoladamente e em conjunto, estareformulação. ■

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DESMATAMENTO&PECUÁRIA

os pecuaristas no banco dos réus

por Jean-Pierre Langellier

Pecuária contra floresta.

Essa batalha desigual

que há décadas perdura

em nosso país começa

a ter novos contornos

devido à ação do

Ministério Público e à

pressão da sociedade

civil brasileira

e internacional. Entenda

o que está acontecendo.

Com o Ministério Público ingressando com ações contra 22 fazendas e13 grupos de transporte frigorífi-

co, e ameaçando fazer o mesmo contra 72outras empresas, os maiores exportadoresde carne brasileiros se comprometeram ainstaurar e respeitar a rastreabilidade dosprodutos bovinos.

Essa queda de braço vem na sequência deum relatório do Greenpeace, divulgado emagosto de 2009, sobre “o massacre da Ama-zônia”, que apresenta as relações entre a ex-pansão devastadora da pecuária e a destrui-ção da floresta. A organização ambientalistaacusava empresas do sul do Brasil, que pro-duzem carne e couro provenientes de 150 milhectares desmatados ilegalmente. Esses pro-dutos, uma vez “esquentados”, são revendi-dos a empresas que abastecem grandes mar-cas mundiais de calçados, alimentos e car-ros. Na Amazônia, segundo o Greenpeace,os pecuaristas queimam um hectare de flo-resta primária a cada 18 segundos. E o Brasilé o quarto maior emissor de gases causado-res de efeito estufa do mundo.

É sobre essas “frentes pioneiras”, territóri-os em transição entre a floresta ocupadapor seus povos de sempre e as paisagensagrícolas exploradas predominantementepor pecuaristas, que se passa a tragédia

Floresta amazônica:

do desmatamento amazônico. Nos anos1960 e 1970, no apogeu da ditadura militar,o Estado exaltava o povoamento e a valori-zação da Amazônia. Um slogan da época,com um toque ameaçador, proclamava:“Ocupem a terra, senão a perderão”. E mi-lhões de brasileiros migraram para a “novafronteira”, sendo incitados a cortar e a quei-mar a floresta, que, acreditava-se, valia nadaou muito pouco.

Ao lado da tradicional “Amazônia dos rios”,desenvolveu-se a “Amazônia das estradas”e, depois, a dos novos espaços rurais e ur-banos em torno de pequenas cidades surgi-das do nada. O Incra, instituto encarregadoda reforma agrária, tornou-se o principaldesmatador. Nessa época pré-ecológica, oscolonos eram celebrados por sua contribui-ção valiosa para a construção nacional.

Hoje, em nome do meio ambiente, tudomudou. Os antigos colonos, ou seus filhos,são vilipendiados. Eles não aceitam bem ofato de serem criticados por continuar afazer aquilo que sempre fizeram para a sa-tisfação outrora geral: conduzir rebanhosde gado zebu sobre as ruínas da floresta.

Nesse meio tempo, o Brasil se transformouno principal exportador de carne do mun-do, com 30% do mercado. Possui o maior

rebanho do globo, com 200 milhões de ca-beças, sendo que 30 milhões estão na Ama-zônia. De acordo com o pesquisador PauloBaretto, do instituto Imazon, os númerosdo desmatamento seguem, com um ano deatraso, as variações de cotação da carnena Bolsa de Chicago.

Apesar dessa mudança de direção, há pou-cas chances de que as coisas mudem. Apecuária continua sendo atraente para ospequenos agricultores, como explica RenéPoccard-Chapuis, coordenador do Centrode Cooperação Internacional em PesquisaAgronômica (Cirad), em Belém:“É o modo de vida mais bem-adaptado àsprecariedades das frentes pioneiras. Em umterritório imenso, as dificuldades de circu-lação, a falta de infraestrutura e as difíceiscondições de trabalho desencorajaram oumarginalizaram as culturas perenes.”

O pasto é um excelente meio de marcar apropriedade fundiária, chave do enriqueci-mento e da especulação. A pecuária exten-siva exige pouco esforço e pequeno inves-timento. Até os mais pobres podem se aven-turar, alugando um rebanho e dividindo asreceitas. O gado permite tornar o capitalmais seguro e tirar dele dinheiro líquido aqualquer momento, graças à organizaçãoeficaz da indústria.

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A luta contra o desmatamento pressupõeque sejam seguidas as políticas de con-trole já iniciadas: vigilância por satélite, re-gularização fundiária, instalação de um ca-dastro, generalização da rastreabilidadedos produtos. Acima de tudo, a longo pra-zo, será preciso proibir aos madeireiros e

pecuaristas, que trabalham em conjunto, oacesso às florestas ameaçadas.

A imensa maioria dos pequenos agricul-tores, enquanto espera que lhes seja pro-posta uma forma mais sustentável de de-senvolvimento, continuará a encontrar

segurança na pecuária. Sobre as cinzasda floresta. ■

Jean-Pierre Langellier – Repórter enviadoespecial a Belém pelo jornal Le Monde. Arti-go publicado no UOL Notícias e emwww.ecodebate.com.br (13/10/2009). Tradu-ção: Lana Lim.

❚ A indústria de carne é responsável por 18% das emissõesglobais de GEE, ao passo que todos os transportes soma-dos geram 13%1.❚ A pecuária causa, diretamente, 80% do desmatamento dobioma amazônico2 e 14% em todo o mundo.❚ Somos quase sete bilhões de pessoas na Terra e criamosmais de 30 bilhões de animais de corte3, que consomemágua, cereais, recursos energéticos, demandam espaço, pro-duzem detritos, contaminam os mananciais, causam erosãoe geram poluição atmosférica.❚ A criação de animais para abate é uma forma ineficientede produzir alimentos: para cada quilo de proteína animalsão necessários de três a dez quilos de proteína vegetal4.

RE F E R Ê N C I A S:1 – FAO, 2009. 2 – Ministério da Agricultura. 3 – Incluindo aves, peixes, camarõese moluscos. 4 – FAO, 2005. Fonte: Sociedade Vegetariana Brasileira – www.svb.org.br.

E você sabe que...

Fonte: Soc. Vegetariana BrasileiraProjeto gráfico: Comunicação SVMA

O PECADO DA CARNEEnquanto o planeta abriga um bilhão de subnutridos, um terço dasuperfície agrícola útil está ocupado por culturas destinadas à ali-mentação de animais confinados, especialmente bois.

dois quilos de forragens (afinal, trata-se de um herbívoro,não de um granívoro ou carnívoro). Além disso, as culturasde grãos exigem muita água. A produção de um quilo detrigo necessita de pelo menos mil litros. Assim, um quilo deboi alimentado com ração à base de cereais consome, diretaou indiretamente, algo em torno de dez mil litros de água.Quanto às emissões de CO

2, a produção do quilo de carne

de boi confinado emite, aproximadamente, 25 quilos de “equi-valente CO

2” (dez vezes mais que a produção confinada de

aves). Ou seja, emite a mesma quantidade de GEE que umcarro ao percorrer cem quilômetros.

Por isso, alimentar animais com cereais e outros grãos, emvez de capim, que não concorre com cardápio humano, éuma aberração ecológica cujos danos ambientais ainda nãose refletem sobre os preços, mas já pairam no ar.

Devastamos nossos cerrados e florestas para produzir soja. Esomente 10% dela será transformado em carne, leite e deriva-dos na Europa e na Ásia. Os 90% restantes são dissipados emcalor e transformados em um caríssimo estrume, enquanto oplaneta abriga um bilhão de pessoas subnutridas. A respostaa esse sistema de produção e consumo predatório e desigualsó poderá surgir da ecologia política, que no Brasil, infeliz-mente, ainda é vista como um simples problema de bagres.

Tomás Togni Tarquínio – Antropólogo e ambientalista. Artigo publi-cado originalmente no Jornal de Brasília e reproduzido por EcoDebate(15/6/2009).

Rajendra Pachauri, PrêmioNobel e presidente do Pa-

inel Intergovernamental so-bre Mudanças Climáticas(IPCC), tem razão ao dizerque devemos comer menos

carne bovina para conter as mudanças climáticas. Afinal, acriação de animais confinados e as queimadas são as princi-pais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa(GEE) no setor primário. O consumo mundial de carne pas-sou de 145 milhões de toneladas em 1990 para 272 milhõesem 2007. Praticamente dobrou em 15 anos.

A criação intensiva de animais depende da agricultura quesegue os padrões da revolução verde: é voraz consumidora dematérias e energia, sob a forma de adubos, máquinas, equi-pamentos e outros insumos. A criação intensiva também exigemuito espaço, não para os animais, mas para cultivar os grãos,cereais e forragens que os alimentam. Um terço da superfícieagrícola útil do planeta está ocupado por culturas destinadasà alimentação de animais confinados. Mas a ciência ecológicanos ensina que os animais, particularmente os mamíferos, sãopéssimos transformadores de produção primária (vegetal) emsecundária (animal).

Para se obter um quilo de carne bovina, por exemplo, é pre-ciso alimentar o animal com dez quilos de vegetais (matériaseca). Ora, no caso da pecuária intensiva, um quilo de boi éproduzido com oito quilos de grãos (soja, trigo, milho) e mais

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O relatório “Managing the health effectsof climate change”, publicação con-

junta da revista médica The Lancet e daUniversity College London Institute forGlobal Health Commission, destaca a ne-cessidade de uma ação urgente nas estra-tégias de prevenção, em escala global, dosmales provocados pelas mudanças climá-ticas. Como explica o professor AnthonyCostello, diretor do relatório:

“Não se trata de um filme-catástrofe comfinal feliz; é algo real. A mudança climáti-ca é uma questão de saúde que afeta bi-lhões de pessoas, não apenas um pro-blema ambiental que atinge ursos pola-res e florestas.”

O estudo é um esforço de especialistas emsaúde, antropologia, geografia, climatologia,engenharia, economia, direito e filosofia, quepretende servir de modelo para que os go-vernos atuem de maneira multidisciplinarcontra a mudança climática. Costello alerta:

“O impacto do que já está acontecendonão será percebido num futuro distante,mas durante nossa existência e, definiti-vamente, na de nossos filhos e netos.”

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Mudança

Agência EFE e EcoDebate

Relatório da revista médica

The Lancet revela como a mudança

climática tornou-se a maior

ameaça à saúde neste século.

Costello, que admite ter duvidado da vera-cidade da mudança climática até um ano emeio atrás, agora confirma que o aumentoda temperatura média da Terra é uma reali-dade, e que perceber seus efeitos é ques-tão de tempo:

“Não devemos pensar se a Groenlândiavai derreter, mas quando. Devemos pen-sar quando Nova York e Londres serãoinundadas se a temperatura dos polossubir 5oC, elevando o nível dos oceanos.”

POBRES DO MUNDO: OS MAIS AFETADOS

O relatório apresenta um quadro soturno dasimplicações sanitárias da mudança climática,como a constatação de que, com temperatu-ras de 2 a 6°C graus mais elevadas, o númerode afetados por doenças tropicais como den-gue e malária, e de mortos por efeito direto docalor aumentará consideravelmente.

Os autores do estudo se referem ao calorcomo “o assassino silencioso”, o mesmoque causou a morte de 70 mil pessoas naEuropa, em 2003, e provoca a morte não re-gistrada de dezenas de milhares de pessoaspor ano em países em desenvolvimento. O

objetivo do relatório é estimular o debate eaumentar a pressão sobre a opinião púbicae sobre os profissionais e responsáveis pelasaúde, em favor da redução das emissõesde CO

2 na atmosfera, a partir de perspecti-

vas humanitárias e econômicas.

Se nada for feito para combater o proble-ma, os países pobres registrarão o au-mento da mortandade devido a uma mai-or transmissão de malária e outras doen-ças infecciosas, e até mesmo por diarrei-as em função do consumo de alimentosmal cozidos e carência no abastecimentode água tratada.

A priori, os países ricos serão menos afeta-dos, pois buscam construir sociedades commenos liberação de carbono e, em conse-quência, terão cidadãos mais saudáveis.Ou seja, haverá menos obesidade e diabe-tes por efeito do exercício físico regular eda não utilização sistemática de veículoparticular, menos problemas pulmonarespor poluição e menos estresse, porque oshabitantes desfrutarão de cidades mais lim-pas e ar menos poluído.

climática:

SOS Saúde

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Caso as concentrações de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera continuem aaumentar, ocorrerão mudanças climáticas significativas. Tais alterações afetarãotodos os setores ambientais, socioeconômicos e a eles relacionados, tais comosaúde, agricultura, floresta, mananciais de água, áreas costeiras e biodiversidade.

Fonte: United States environmental protection agency (EPA). Gráfico publicado em Vital Climate Change Graphics Update(2000) – Cartógrafo/designer: Philippe Rekacewicz, UNEP/GRID-Arendal. Link: http://maps.grida.no/go/graphic/potential-climate-change-impacts

IMPACTOS POTENCIAIS das MUDANÇAS CLIMÁTICAS

A comparação entre ricos e pobres é arra-sadora. Como afirma o relatório:

“A perda de anos de vida saudável comoconsequência de uma mudança ambien-tal global será 500 vezes maior na Áfricado que nas nações europeias, apesar deas nações africanas contribuírem poucopara o aquecimento global.”

As inundações e secas também terão efeito

NOTA DO EDITOR

(1) O relatório “Managing the health effects of climatechange” está disponível em http://download.thelancet.com/flatcontentassets/pdfs/climate-article.pdf.

Fonte: Agência EFE, com informações comple-mentares do portal EcoDebate (14/5/2009).

devastador na saúde das nações mais pobres,com colheitas reduzidas e, por isso, alimentosmais caros e quadro de saúde deficiente.

Como o ritmo de aquecimento do planeta é omais rápido de que se tem notícia nos últi-mos dez mil anos, a situação já é considera-da grave. Caso a tendência atual se mante-nha, “entre um e dois terços das espécies noplaneta entrarão em risco de extinção nos

próximos 30 anos”. Como somos parte daTerra, também colheremos nosso quinhão detragédia, que será exponencial! ■

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BIO

CO

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TÍV

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A genealogia do etanol

Ao contrário do milho, a cana-de-açúcar, a celulose e as

algas são matérias-primas renováveis capazes de garantir a

produção de biocombustível sem comprometer a segurança

alimentar. Confira, aqui, a evolução tecnológica do etanol.

A possibilidade de usar o álcool da cana-de-açúcar como combustível alternativoé conhecida há mais de cem anos. No início do século 20, o Brasil já usava oálcool extraído da cana para fins energéticos. Em outubro de 1973, o cenário

mudou e o mundo se viu diante do risco de desabastecimento energético. Em 1981, oetanol de cana passou a ser oficialmente misturado à gasolina, até então importada. Foio primeiro choque do petróleo, que promoveu o interesse mundial por fontes alternati-vas de energia e levou os países a buscarem soluções mais adequadas, considerando aspeculiaridades nacionais. A crise internacional elevou os gastos do Brasil com importa-ção de petróleo, aumentou a dívida externa e promoveu a escalada da inflação.

por Carol Salsa Fotos: Lawrence Berkeley National Laboratory

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Ao lançar, em 1975, o Programa Nacionaldo Álcool (Proálcool), o governo gestouas condições necessárias para o país ocu-par a vanguarda no uso de biocombustí-veis. O Brasil apresentava diversos pré-re-quisitos para assumir esse pioneirismo:possuía um expressivo setor açucareiro eusinas com alta capacidade ociosa. Parale-lamente, as altas no preço do petróleo co-locavam em risco o abastecimento interno.A saída encontrada foi reunir um grupo detrabalho – governo, institutos de pesqui-sa, indústria automobilística, refinarias eusineiros – para debater as característicasdo produto e as metas do Proálcool. E asprimeiras especificações do combustível(anidro e hidratado) foram lançadas em1979, depois de pesquisadas as razões doproblema de corrosão de motores.

Em virtude da redução do preço do petró-leo, no final dos anos 1980, e do aumentoda cotação do açúcar no mercado interna-cional, na década seguinte, ocorreu forteescassez de álcool hidratado nos postosde abastecimento. Isto abalou a confiançado consumidor, refletindo-se numa quedabrutal da venda de carros movidos a álco-ol. Na década de 1990, com o fim dos sub-sídios a usinas e consumidores, o uso doálcool hidratado como combustível foi re-duzido. Porém, contrariando a tendência demercado, a mistura de álcool anidro à ga-solina foi incentivada pelo governo.

Em 1993, estabeleceu-se uma mistura obri-gatória de 22% de álcool anidro em toda agasolina distribuída pela revenda nos pos-tos, gerando uma expansão de mercadopelo combustível verde que vigora até hoje.Ao longo de mais de trinta anos, o uso doálcool, em substituição à gasolina, promo-veu uma economia de um bilhão de barrisequivalentes de petróleo, correspondentesa 19 meses de produção em 2007. Graçasao álcool combustível, entre 2000 e 2007deixaram de ser importados US$ 61 bilhõesem barris de petróleo.

AS MATÉRIAS-PRIMAS DO ETANOL

Primeira geração – A supremacia da cana-de-açúcar como matéria-prima para a pro-dução do etanol começou a ser ameaçadapelo desenvolvimento de novas tecnologi-as, como publicava o ethanol.blogspot.com,em 16 de fevereiro de 2007.

A tecnologia mais promissora permite aprodução de etanol a partir de lignocelu-

Em 30 anos, o

etanol promoveu

uma economia de

um bilhão de

barris equivalentes

de petróleo.

Foto: Jose Oliveira

lose (açúcar que compõe todas as fibrasvegetais). Ou seja, a possibilidade de pro-duzir o combustível utilizando todas as par-tes de diversas espécies de vegetais. Hoje,os processos do etanol estão ancoradosno uso de açúcares de cadeia curta (saca-rose, glicose e frutose, principalmente), queas leveduras são capazes de consumir. Em2007, as principais matérias-primas eram:cana-de-açúcar (Brasil), beterraba (França)e milho (EUA).

Segunda geração – O etanol produzido apartir da celulose presente nos resíduosda cana-de-açúcar e em outras matérias-primas vegetais é uma alternativa funda-mental aos cem países capazes de produziro combustível renovável sem prejudicar aprodução de alimentos.

SEGURANÇA ALIMENTAR

E SEGURANÇA ENERGÉTICA

Christoph Berg, diretor-geral da F.O.Licht,consultoria alemã do mercado de commo-dities, abordou o tema segurança energéti-ca na sessão plenária da Conferência In-ternacional sobre Biocombustíveis, quereuniu em São Paulo, em 2009, delegaçõesde 92 países para discutir os desafios eoportunidades de mercado. Seu alerta:

“Do ponto de vista da oferta, as tecno-logias de primeira geração deverão ga-rantir um crescimento relativamenteconstante no mercado de etanol até

2018. A partir daí, os produtores mun-diais precisarão de tecnologias de se-gunda geração. Caso contrário, teremoso limite da oferta em relação à competi-ção entre o uso da terra para a geraçãode energia e a produção de alimentos.”

Berg, membro do Grupo Consultivo sobreBiocombustíveis da Comissão Europeia,apontou que, até 2018, o etanol tem capaci-dade de participação no mercado global decombustíveis de no máximo 10%, conside-rando a estrutura tecnológica atual.

Abrindo um parêntesis, aproveitamos paraacrescentar que, seguindo a corrida pelaspesquisas tecnológicas e políticas públi-cas em relação aos biocombustíveis, o Bra-sil apresentou, no dia 17 de setembro de2009, o Plano de Zoneamento Agroecoló-gico que proíbe o plantio da cana em 81%do território nacional. Como antes o uso daterra para plantio de cana-de-açúcar era de1% da terra agricultável, espera-se que asoportunidades surjam como fruto das no-vas tecnologias em andamento, até que sepossa, eventualmente, sugerir correçõesneste diploma legal.

O ETANOL DE CELULOSE

E A INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA

Pesquisas confirmam que o etanol de se-gunda geração ampliará o leque de matéri-as-primas – até mesmo bagaço e folhas decana-de-açúcar. Com a disseminação da tec-nologia de fabricação do etanol de celulo-se, o potencial de produção de álcool com-bustível será imensamente maior. Assim, oaproveitamento do bagaço e da palha dacana possibilitará aumentar significativa-mente a produção do combustível sem anecessidade de ampliar de forma drástica aárea cultivada.

Mas essa solução pode constituir um sé-rio problema para as usinas que atualmen-te aproveitam o bagaço para gerar a ener-gia que consomem e, em alguns casos,vendem. A saída seria o desenvolvimen-to de métodos e tecnologias baseados noconceito de integração energética, alter-nativa que já apresenta bons resultados,afirma a professora Silvia Nebra, da Fa-culdade de Engenharia Mecânica (FEM)e do Núcleo Interdisciplinar de Planeja-mento Energético (NIPE), ambos da Uni-camp. Assim, será possível otimizar demaneira mais inteligente a energia dispo-nível na indústria.

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Fontes: Unicamp – Sala de Imprensa; NotíciasAgrícolas: Governo do Estado de Minas Ge-rais; Embrapa.

Carol Salsa – Colaboradora e articulista doEcoDebate, engenheira civil, pós-graduada emMecânica dos Solos pela Coppe/UFRJ, GestãoAmbiental e Ecologia pela UFMG, EducaçãoAmbiental pela Fubra, analista ambiental daFEAM. Artigo publicado em www.ecodebate.com.br (25/9/2009).

Como o bagaço e a palha da canapoderão ser empregados na produ-ção de etanol, obviamente faltarãoinsumos para a geração de energia.A opção que se apresenta é o apro-veitamento da lignina, subprodutodo processamento do bagaço comocombustível para a geração de va-por. Além disso, informa SilviaNebra, o conceito de integraçãoenergética contempla outras medi-das, como a transferência de calorde correntes quentes para corren-tes frias. Segundo a professora,muitas vezes isso exige não apenas o usode novos equipamentos, mas também amudança de layout das indústrias.

Um exemplo de integração energéticavem de uma tecnologia desenvolvida apartir de pesquisa coordenada pela pró-pria Silvia Nebra, voltada ao melhora-mento da capacidade térmica da indús-tria sucroalcooleira.

Trata-se de um equipamento que apro-veita os gases emitidos pelas caldeirasda usina para secar o bagaço de cana.Com a matéria-prima previamente seca,sua queima torna-se muito mais eficien-te, melhorando, assim, o desempenhodo sistema como um todo. Nesse mes-mo contexto de integração energética,outra proposta que vem sendo investi-gada pela equipe da professora é utili-zar o calor da vinhaça, subproduto doetanol. A Embrapa também tem pesqui-sas em biocombustíveis no sentido decaracterizar a parede celular da cana-de-açúcar. O intuito é compreender melhora composição e a estrutura da paredecelular para manipulá-la de maneira es-pecífica e aumentar a produção de eta-nol de segunda geração.

Em Minas Gerais, cerca de R$ 1 milhãoserá investido no município de Ituiutaba,no Triângulo Mineiro, para a instalaçãode uma Unidade Básica de Apoio à Pes-quisa (Ubap) voltada ao desenvolvi-mento de etanol de segunda geração.Essa decisão foi anunciada no início dasegunda quinzena de agosto de 2009,em Belo Horizonte, na sede da Secreta-ria de Estado de Ciência, Tecnologia eEnsino Superior (Sectes). Na ocasião,representantes das instituições envol-vidas e lideranças políticas se reunirampara discutir alguns aspectos do proje-

to. Do volume total de recursospara a implantação da Ubap, R$800 mil virão de emenda parlamen-tar, por meio do Ministério da Ci-ência e Tecnologia, enquanto R$200 mil serão a contrapartida dogoverno de Minas.

ALGAS:

ETANOL DE TERCEIRA GERAÇÃO

Consideradas a terceira geraçãodos biocombustíveis, as algas sãoas maiores produtoras de oxigê-nio do planeta, além de limparem

as águas ao consumir matéria orgânica. Aespécie Kappaphycus alvarezii, por exem-plo, há anos é explorada em diferentes re-giões, especialmente na Ásia. No Brasil,até agora, só houve autorização de “plan-tio” entre a baía de Sepetiba, no estado doRio, e Ilhabela, em São Paulo. O cultivo éfácil e rápido: em 45 dias a alga está noponto de colheita.

O professor Maulori Cabral, biólogo daUniversidade Federal do Rio de Janeiro, in-forma que a pesquisa já dura dois anos. Aalga chega bem diferente da que vemos nomar, depois de passar por um processo sim-ples de secagem. Segundo Maulori, se tudoder certo, em 2013 o projeto sai do papel.Ainda é preciso aumentar a produção dealgas, melhorar as técnicas e investir emnovas pesquisas. Só assim se terá a tercei-ra geração de álcool combustível.

Uma das vantagens da extração de álcoolda alga: se comparada com a cana, a algapermite uma produção bem maior de eta-nol na mesma área plantada, sem ocuparo solo e dispensando irrigação. Outro be-nefício: a cana tem de ser moída rapida-mente, enquanto a alga estocada após se-cagem possibilita regular a safra. Oxalá amaioria das pesquisas seja ambientalmen-te correta e bem-sucedida para a atual e asfuturas gerações. ■

Com a disseminação

da tecnologia de

fabricação de etanol

a partir da celulose,

o potencial de

produção de álcool

combustível será

imensamente maior.”

Com alto teor celulósico, de cres-cimento rápido e nativa daspradarias americanas, a gramíneaPanicum virgatum L. (switchgrass)é forte candidata a substituir omilho como matéria-prima para aprodução de etanol e como bio-massa combustível para as cen-trais termelétricas.

ETANOL DE GRAMA

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Então a Câmara aprovou a legislaçãoWaxman-Markey referente à mudança climá-tica. Em termos políticos, foi uma façanhanotável. Mas 212 deputados votaram contra.Alguns dos votos contrários foram de depu-tados que consideravam a legislação muitofraca. Porém a maioria a rejeitou por negarcompletamente a ideia de que os seres huma-nos sejam responsáveis pela produção degases causadores do efeito estufa.

Quando vi essas pessoas apresentandoseus argumentos, não tive como não acharque estava presenciando uma forma de trai-ção – uma traição contra o planeta. Paraque se compreenda integralmente a irres-ponsabilidade e a imoralidade representa-das pela negação da mudança climática, énecessário conhecer os aspectos sombri-os das mais recentes pesquisas climáticas.

O fato é que o planeta está mudando maisrapidamente do que esperavam até mesmoaqueles indivíduos mais pessimistas: ascalotas de gelo estão encolhendo, e as zo-nas áridas aumentando em um ritmo aterra-dor. Segundo vários estudos recentes, umacatástrofe – a elevação tão alta e quaseinimaginável da temperatura – não podemais ser considerada uma mera possibili-dade. Pelo contrário, ela é o resultado maisprovável caso continuemos na rota atual.

Pesquisadores do Instituto de Tecnologiade Massachusetts (MIT) que antes previ-am uma elevação da temperatura global depouco mais de 4oC até o final deste séculoestimam, agora, uma elevação de mais de9oC. Por quê? As emissões de gases causa-dores do efeito estufa (GEE) estão crescen-do mais rapidamente do que o esperado.

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por Paul Krugman

Alguns fatores mitigadores, como a absor-ção de dióxido de carbono pelos oceanos,revelam-se mais discretos do que se espera-va. E há indícios crescentes de que a altera-ção climática se autorreforça. Assim, a ele-vação das temperaturas provocará, por exem-plo, o derretimento de parte da tundra árti-ca, o que aumentará ainda mais a quantida-de de dióxido de carbono na atmosfera.

Elevações de temperatura na magnitude pre-vista pelos pesquisadores do MIT, entre ou-tros, causariam enormes transtornos às nos-sas vidas e à nossa economia. Conformeobserva um relatório recente do governo dosEstados Unidos sobre o assunto, até o finaldeste século o estado de New Hampshirepoderá ter o clima atual da Carolina do Norte,e é possível que Illinois venha a apresentar oclima atual do leste do Texas. Por todo o país,ondas de calor extremas e letais – daqueletipo que geralmente só ocorre uma vez a cadageração – poderão tornar-se acontecimen-tos anuais ou bianuais.

Em outras palavras, estamos diante de umperigo para o nosso estilo de vida atual e,talvez, até de uma ameaça à própria civili-zação. Diante disso, como é que alguémpode justificar a inação?

Bem, às vezes mesmo as análises mais bemembasadas contêm erros. E se os formado-res de opinião e políticos dissidentes ba-seassem sua discordância em trabalho sé-rio e abalizado – se estudassem cuidado-samente a questão, consultassem especia-listas e concluíssem que o enorme consen-so científico está equivocado –, eles pode-riam pelo menos alegar que estão agindode forma responsável.

Mas quem observou o debate na última sex-ta-feira não viu indivíduos que refletiramintensamente sobre um problema crucial ouque procuravam tomar a atitude correta. Oque se viu, em vez disso, foram pessoas quenão exibiam sinal de estarem interessadasna verdade. Elas não apreciam a política vin-culada à luta pela mudança climática e nem aimplicação dessa questão nas políticas pú-blicas. Por isso, preferem não acreditar nasmudanças climáticas – e se valem de qual-quer argumento, por mais questionável queseja, para apoiar essa negação.

Se houve um fato que definiu o debate naCâmara foi a declaração do deputado PaulBroun, do estado da Geórgia. Para ele, a mu-dança climática não passa de uma “fraudeperpetrada pela comunidade científica”.Quase cheguei a considerar a declaração umaamalucada teoria conspiratória. Mas esserótulo seria uma injustiça com os dissemina-dores de teorias conspiratórias sem pé nemcabeça. Afinal de contas, para acreditar queo aquecimento global é uma fraude é neces-sário crer em uma vasta conspiração urdidapor milhares de cientistas – uma conspiraçãotão poderosa que foi capaz de produzir rela-tórios falsos sobre tudo: das temperaturasglobais ao derretimento do gelo do oceanoÁrtico. E, surpreendentemente, a declaraçãode Broun foi recebida com aplausos.

Tendo em vista o desprezo dessas pessoaspela ciência séria, o que pensar de suas açõesno tocante às questões econômicas. O pior éque além de rejeitarem a ciência climática, oscontestadores da lei de mitigação climáticaempenharam-se em distorcer os resultadosdos estudos sobre a economia. Não é entãojusto classificar a negação das mudanças cli-máticas como uma forma de traição? Sim – e épor isso que se trata de algo imperdoável.

Vocês se recordam da época em que as au-toridades do governo Bush alegavam queo terrorismo representava uma “ameaçaexistencial” aos Estados Unidos? Uma ame-aça frente à qual as regras normais não maisse aplicavam? Pois bem, a “ameaça exis-tencial” representada pelas mudanças cli-máticas é bastante real.

Mas as pessoas que negam o fenômenopreferem ignorar essa ameaça. E colocamas futuras gerações de americanos em pe-rigo simplesmente porque é do interessepolítico delas fingir que não há nada com oque se preocupar. Se isso não é traição,não sei do que se trata. ■

Paul Krugman – Prêmio Nobel de economia em2008, professor da Universidade de Princeton ecolunista do New York Times desde 1999.

Quem nega

a mudançaclimáticaestá traindoo planeta

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