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1 REABILITAÇÃO DA MULHER MASTECTOMIZADA da informação à capacitação Trabalho de projeto Marília Patrão Ferreira Junho de 2017 Escola Superior de Saúde

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    REABILITAO DA MULHER MASTECTOMIZADA

    da informao capacitao

    Trabalho de projeto

    Marlia Patro Ferreira

    Junho de 2017 Escola Superior de Sade

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    Marlia Patro Ferreira

    REABILITAO DA MULHER MASTECTOMIZADA

    da informao capacitao

    Trabalho de projeto

    Mestrado em Enfermagem de Reabilitao

    Trabalho efetuado sob a orientao:

    Professora Doutora Maria de La Salete Rodrigues Soares

    Junho de 2017

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    RESUMO

    A mastectomia uma forma de tratamento do cancro da mama que pode causar

    impacto fsico e emocional desfavorvel, gerador de grande sofrimento e limitao das

    atividades de vida das mulheres a ela submetida, com consequente influncia na

    qualidade de vida e independncia. A viso contempornea da reabilitao em

    oncologia integra um conjunto de dinmicas teraputicas centrando-se em reabilitar

    capacidades e prevenir complicaes atravs de um acompanhamento integral da

    pessoa numa abordagem holstica e multidisciplinar. Os enfermeiros de reabilitao,

    atravs da sua interveno, tm competncias para desenvolver programas de

    reabilitao, que potenciem a capacidade de adaptao, maximizem a funcionalidade

    e forneam informao. Desta forma so fundamentais para a aquisio do

    conhecimento e para a capacitao para a autonomia, maximizando a gesto do

    projeto de sade e de vida das mulheres mastectomizadas.

    A metodologia de trabalho de projeto foi escolhida porque estabelece conexes entre

    a prtica, a evidncia cientfica e a introduo de boas praticas nos contextos reais.

    Para diagnstico foi aplicada a entrevista semiestruturada a seis mulheres

    mastectomizadas, como instrumento de recolha de dados. Da anlise das entrevistas

    emergiram reas temticas que conjuntamente com a anlise SWOT nos permitiu

    efetuar o diagnstico da situao adaptado ao contexto organizacional.

    Para a resoluo dos problemas identificados: insuficiente capacitao e insuficiente

    reabilitao elaboramos um programa de reabilitao mulher mastectomizada e

    propomos a criao de uma consulta de enfermagem de reabilitao de

    acompanhamento. Neste sentido, definiram-se objetivos e efetuamos o planeamento

    da consulta como forma de materializao da resposta efetiva a esta problemtica

    com intervenes educativas, de capacitao e reabilitao funcional. As restantes

    etapas preconizadas: execuo e avaliao dos resultados surgiro numa fase

    posterior, aquando da implementao do projeto.

    Palavras-chave: Metodologia de Projeto, Cuidados de Enfermagem de Reabilitao,

    Mulher Mastectomizada

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    ABSTRACT

    Mastectomy is a form of treatment of breast cancer that can cause unfavorable

    physical and emotional impact, generator great suffering and limiting the life activities

    of the women submitted to it, with consequent influence on the quality of life and

    independence. The contemporary view of oncology rehabilitation integrates a set of

    therapeutic dynamics focusing on rehabilitating capabilities and preventing

    complications through an integral follow-up of the person in a holistic and

    multidisciplinary approach. Rehabilitation nurses, through their intervention, have the

    skills to develop rehabilitation programs that enhance adaptability, maximize

    functionality, and provide information. In this way they are fundamental for the

    acquisition of knowledge and for the empowerment for the autonomy, maximizing the

    management of the health and life project of the mastectomized women.

    The project work methodology was chosen because it establishes connections

    between practice, scientific evidence and the introduction of good practices in real

    contexts. A semi structured interview was applied to six mastectomized women, as a

    data collection instrument. From the analysis of the interviews emerged thematic areas

    that together with the SWOT analysis allowed us to make the diagnosis of the situation

    adapted to the organizational context.

    In order to solve the problems identified: insufficient training and insufficient

    rehabilitation, we developed a rehabilitation program for mastectomized women and

    suggested the creation of a follow-up rehabilitation nursing consultation. In this sense,

    we defined objectives and we made the planning of the consultation as a form of

    materialization of the effective response to this problem with educational interventions,

    training and functional rehabilitation. The remaining recommended steps: execution

    and evaluation of the results will emerge at a later stage, when the project is

    implemented.

    Keywords: Project Methodology, Nursing Rehabilitation Care, Mastectomized Woman

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    AGRADECIMENTOS

    No desenvolvimento deste trabalho tive o privilgio de me relacionar com vrias

    pessoas a quem quero agradecer o incentivo e apoio que permitiram a sua

    concretizao. Em especial:

    Professora Doutora Salete Soares pela partilha de conhecimento e estmulo

    intelectual, contribuindo com sugestes e orientaes valiosas ao longo deste

    percurso, pelo entusiasmo e palavra amiga nas fases mais complexas.

    Ao Sr. Presidente do Conselho de Administrao da Instituio onde decorreu o

    trabalho de projeto e estudo de investigao, pela autorizao concedida.

    s mulheres mastectomizadas entrevistadas que aceitaram partilhar as suas vivncias

    com extrema generosidade permitindo compreender o outro lado e tornando possvel

    a realizao da investigao.

    Enfermeira Chefe do meu servio Fernanda Silva pela autonomia concedida neste

    projeto, pela partilha de uma filosofia comum de qualidade de cuidados de

    enfermagem, pela compreenso e flexibilidade de horrio concedida.

    s colegas que integraram o projeto Re(h)abilita: Ftima Sousa, Cludia Costa,

    Rosrio Rodrigues e Sandra Miranda, s alunas de Enfermagem da Escola Superior

    de Sade do IPVC pela sua colaborao, bem como restantes colegas do servio que

    contriburam.

    Eugnia, companheira de jornada, pela partilha das conquistas e inquietaes nesta

    caminhada acadmica.

    Ao Jorge e aos nossos filhos Pedro e Lusa pela compreenso da minha ausncia nos

    momentos mais complicados, pelo apoio incondicional e por tudo o que nos une...

    restante famlia e amigos pelo suporte afetivo dedicado.

    Para todos o meu agradecimento!

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    DEDICATRIA

    s mulheres mastectomizadas que aceitaram participar

    neste estudo e a todas as mulheres com cancro de

    mama que todos os dias lutam pela sobrevivncia,

    autonomia e qualidade de vida...

    para elas este Trabalho de Projeto

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    NDICE INTRODUO .......................................................................................................................... 18

    CAPTULO I O cancro, uma realidade (in) esperada ...................................................... 22

    1. O PERCURSO DA DOENA-CANCRO DA MAMA ................................................... 24

    1.1. Realidade Epidemiolgica do cancro da mama .................................................. 26

    1.2. Diretrizes europeias na luta contra o cancro de mama ...................................... 26

    1.3. Fatores de risco para o cancro da mama ............................................................. 27

    1.4. Diagnstico do cancro da mama ............................................................................ 28

    1.5. Tratamento do cancro da mama ............................................................................ 29

    1.6. Complicaes da mastectomia .............................................................................. 32

    1.7. As sobreviventes de cancro de mama .................................................................. 34

    2. DA GESTO DO PERCURSO DA DOENA PARA A GESTO DO PERCURSO

    DE VIDA ..................................................................................................................................... 35

    2.1. Gesto da doena crnica ...................................................................................... 35

    2.2. Da informao capacitao na doena crnica ............................................... 38

    2.3. O cancro, uma doena crnica .............................................................................. 42

    3. REABILITAO DA MULHER MASTECTOMIZADA NUM CONTINUUM DE

    CUIDADOS ................................................................................................................................ 43

    3.1. A Consulta de Enfermagem de Reabilitao ....................................................... 48

    3.2. Reabilitao da Mulher Mastectomizada .............................................................. 50

    CAPITULO II Trabalho de projeto ...................................................................................... 60

    1. Diagnstico da situao .................................................................................................. 65

    1.1. O contexto ................................................................................................................. 65

    1.2. A problemtica .......................................................................................................... 67

    1.3. Instrumentos de recolha de dados ........................................................................ 68

    1.4. Procedimentos de recolha e anlise de dados .................................................... 69

    1.5. Apresentao, anlise e discusso de resultados .............................................. 70

    1.6. Anlise SWOT para consulta de enfermagem de reabilitao ............................ 99

    2. Definio de objetivos .................................................................................................... 100

    3. Planeamento ................................................................................................................... 100

    3.1. Porteflio coletivo - Porteflio Rosa ......................................................................... 101

    3.2. Proposta de Programa de reabilitao .................................................................... 102

    3.3. Planeamento da consulta de enfermagem de reabilitao mulher

    mastectomizada .................................................................................................................. 109

    4. Do planeado ao possvel ............................................................................................... 115

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    CONCLUSES ....................................................................................................................... 116

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .................................................................................... 120

    ANEXOS .................................................................................................................................. 130

    ANEXO I - Autorizao do estudo ................................................................................... 132

    APNDICES ............................................................................................................................ 136

    APNDICE I - Guio da Entrevista.................................................................................. 138

    APNDICE II - Quadro de Definio de conceitos ....................................................... 142

    APNDICE III - Declarao de consentimento informado ........................................... 148

    APNDICE IV - Matriz de reduo de dados (das entrevistas) .................................. 152

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    INDICE DE FIGURAS E QUADROS

    FIGURAS

    Figura 1-Fases de metodologia de projeto...................................................................62

    Figura 2-Localizao Geogrfica da rea de influncia do HSMM, EPE, Barcelos....64

    Figura 1-Fases de metodologia de projeto...................................................................62

    Figura 3-Caracterizao da amostra segundo os tipos de tratamentos

    efectuados/a efectuar....................................................................................................70

    Figura 4-Reorganizao de estratgias

    face ao diagnstico de necessidades da equipa ..........................................................99

    Figura 5- Circuito da mulher desde o diagnstico e percurso subsequente...............108

    QUADROS

    Quadro 1-Identificao das reas temticas................................................................68

    Quadro 2-Caracterizao sociodemogrfica da amostra............................................69

    Quadro 3-Anlise SWOT para consulta de enfermagem de reabilitao mulher

    mastectomizada............................................................................................................97

    Quadro 4-Programa de Reabilitao mulher mastectomizada................................100

    Quadro 5 -Atividade: Consulta de Enfermagem de reabilitao mulher

    mastectomizada..........................................................................................................109

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    SIGLAS

    ADN - cido desoxirribonucleico

    ANA - American Nurses Association

    ARN - Association of Rehabilitation Nurses

    APER - Associao Portuguesa de Enfermeiros de Reabilitao

    CIPE - Classificao Internacional Prtica de Enfermagem

    DGS - Direo Geral de Sade

    DPOC - Doena Pulmonar Obstrutiva Crnica

    EEER - Enfermeiro Especialista de Enfermagem de Reabilitao

    EPE - Entidade Pblica Empresarial

    EUROPA DONNA -The European Breast Cancer Coalition

    ESMO - European Society for Medical Oncology

    HSMM - Hospital Santa Maria Maior

    IPO - Instituto Portugus de Oncologia

    INE - Instituto Nacional de Estatstica

    IARC - International Agency for Research on Cancer

    GID - Gesto Integrada da Doena

    OE - Ordem dos Enfermeiros

    OMS - Organizao Mundial de Sade

    PQCEER - Padres de Qualidade dos Cuidados Especializados em Enfermagem de

    Reabilitao

    PNS - Plano Nacional de Sade

    NCI - National Cancer Institute

    NICE - National Institute for Health and Care Excellence

    RRHMFR - Rede de Referenciao Hospitalar de Medicina Fsica e de Reabilitao

    SNS - Servio Nacional de Sade

    SWOT - Strengths Weaknesses Opportunities Threats

    WHO - World Health Organization

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    ABREVIATURAS

    Art. - Artigo

    cm - Centmetro

    ed. - Edio

    et al - Et alii (e outros)

    E - Entrevista

    H. Dia - Hospital Dia

    p.- Pgina

    Km2 - Quilmetros quadrados

    MS - Membro superior

    N - Nmero

    % - Percentagem

    Vol. - Volume

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    INTRODUO

    A sade das pessoas integrando a procura do bem-estar e a qualidade de vida pode

    ser melhorada de muitas formas, mas fundamental que as polticas de sade

    favorveis e acordos internacionais assumidos permitam melhorar o acesso e a

    qualidade dos cuidados de sade, pois desta forma contribuem para que as

    intervenes dos profissionais possam ser mais efetivas.

    Os enfermeiros tm um papel importante a desempenhar em todos os contextos de

    cuidados de sade seja na avaliao das necessidades, na prestao de cuidados, no

    planeamento de respostas s necessidades das pessoas ou na avaliao dos

    resultados das suas intervenes (OE, 2017) demonstrando a sua imprescindibilidade

    e o seu contributo no panorama da sade globalmente.

    No atual contexto das polticas de Sade em Portugal as reformas planeadas e em

    desenvolvimento pretendem dar uma resposta mais ajustada s crescentes

    necessidades que as pessoas enfrentam constituindo desafios que se ligam a novos

    paradigmas e exigem reestruturao e reorganizao dos cuidados de sade

    (Sakedelallarides et al, 2016; DGS, 2016).

    Nesta linha de pensamento emergem modelos de gesto integrada da doena com

    foco na pessoa e na sua colaborao na gesto da sua sade/doena que valorizam a

    inovao de prticas, onde a informao fornecida pelos profissionais na aquisio do

    conhecimento capacita para o autocuidado e para a gesto do projeto de sade,

    criando valor para todos desde a pessoa e famlia, aos profissionais e s

    organizaes. Estas abordagens integram preveno, diagnstico, tratamento,

    reabilitao e acompanhamento (Escoval, 2010; Sakedelallarides et al, 2016; DGS,

    2016).

    Para as pessoas com doena crnica a informao torna-se um instrumento

    significativo para a gesto da doena podendo influenciar a sua qualidade de vida

    devendo a pessoa tornar-se conhecedora das consequncias da situao e aplicar os

    seus conhecimentos por forma a fazer a gesto da doena a longo prazo. Desta

    forma, profissionais que partilham informao com a pessoa atingem melhores

    resultados de manuteno de sade (Hoeman, 2011).

    Cada vez mais, a doena oncolgica vista como uma condio crnica com

    cuidados complexos e uma problemtica que exige processos de qualidade

    centralizados na pessoa e na sua trajetria de doena. O acompanhamento destas

    situaes constitui um processo importante na passagem da pessoa com cancro para

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    a de sobrevivente de cancro. Neste acompanhamento o grande objetivo que se impe

    desenvolver dinmicas que promovam o conhecimento e desenvolvam habilidades e

    capacidades para a pessoa gerir a doena e os efeitos desfavorveis da mesma.

    A viso contempornea da reabilitao em oncologia integra um conjunto de

    dinmicas teraputicas direcionadas para a pessoa desenvolver o seu potencial fsico,

    psicolgico e social, otimizando a mxima independncia e qualidade de vida no

    processo de adaptao sua condio, centrando-se em reabilitar capacidades e

    prevenir complicaes ou minorar disfunes decursivas da doena ou tratamentos,

    impondo-se um acompanhamento integral da pessoa numa abordagem holstica e

    multidisciplinar.

    As mulheres com cancro da mama vivenciam uma incerteza que provm da prpria

    condio de pessoa com cancro e esto sujeitas a tratamentos agressivos, efeitos

    colaterais debilitantes e problemas fsicos graves. A mastectomia constitui uma forma

    de tratamento do cancro da mama e um processo cirrgico mutilante que pode

    acarretar repercusses fsicas e emocionais desfavorveis causadoras de grande

    sofrimento e limitao das atividades de vida ao longo do percurso de vida destas

    mulheres (Amorim, 2007; Pinto, 2009; Lago et al, 2015; Merncio, 2016). Os

    enfermeiros de reabilitao atravs da sua interveno podem desenvolver programas

    de reabilitao que potenciem a capacidade de adaptao, maximizem a

    funcionalidade e capacitem para manter, recuperar ou promover as capacidades

    funcionais e independncia. Nestas intervenes podem orientar e acompanhar o

    percurso da mulher mastectomizada, promovendo a capacitao atravs da educao

    para sade e desta forma maximizar o seu potencial para gerir eficazmente a sua

    doena em qualquer fase do percurso oncolgico.

    O desafio atual o de conceber dinmicas que incitem a evoluo de uma situao

    onde prevalece a diminuta informao, para processos pr-ativos onde exista

    desenvolvimento e partilha contnua de informao e de conhecimento que permitam a

    autogesto da doena (PNS 2011-2016), atravs da capacitao da mulher

    mastectomizada com ganhos de independncia e qualidade de vida numa verdadeira

    continuidade de cuidados.

    Consideramos com base na literatura (Costa, 2011; Rodrigues, 2012; Merncio, 2016)

    que a reabilitao da mulher mastectomizada ser tanto melhor sucedida quanto mais

    informada estiver pelo que estas dinmicas devem alicerar-se em intervenes do

    enfermeiro de reabilitao para a capacitao destas mulheres por forma a evitar

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    limitaes ou reduzir incapacidades contribuindo, ainda, para este processo de

    recuperao os outros profissionais de sade que constituem a equipa multidisciplinar.

    A consulta de enfermagem de reabilitao mulher mastectomizada unifica estes

    pressupostos e perspetiva uma abordagem holstica evitando abordagens

    fragmentadas ou insuficientes no acompanhamento destas mulheres e existem j

    alguns exemplos de boas prticas em Portugal desta forma de interveno que

    demonstram a importncia desta consulta.

    Estamos convictos que a cultura de investigao deve nortear as prticas de cuidados

    que por sua vez devem ser sustentadas na evidncia cientfica. A Enfermagem de

    Reabilitao deve maximizar-se estabelecendo conexes entre a prtica, a evidncia

    cientfica comprovada e a introduo de boas praticas nos contextos reais para

    alcanar os melhores padres de qualidade. A metodologia de trabalho de projeto

    consubstancia-se nesta trade em articulao.

    A problemtica em estudo centrada na Reabilitao da mulher mastectomizada: da

    informao capacitao, insere-se na metodologia de trabalho de projeto e

    perspetiva criar respostas a problemas identificados, mobilizando recursos e criando

    dinmicas interventivas (Nunes et al, 2010). A escolha da rea problemtica decorreu

    da observao/reflexo e inquietao do nosso percurso profissional e dos

    constrangimentos com os quais nos deparamos no contacto com as mulheres

    mastectomizadas. Conscientes da problemtica real e com propsito de intervir

    realizamos um diagnstico da situao para identificar os problemas e progredir nas

    restantes fases.

    Este estudo de investigao foi desenvolvido tendo como ponto de partida as questes

    de investigao: Quais as necessidades de informao e capacitao das mulheres

    mastectomizadas e quais as estratgias ou recursos utilizados para gerirem os seus

    projetos de vida e sade com autonomia?

    Para a deteo de necessidades foi aplicada a entrevista semiestruturada a seis

    mulheres mastectomizadas, como instrumento de recolha de dados. Da anlise das

    entrevistas das mulheres mastectomizadas emergiram reas temticas que

    conjuntamente com a anlise SWOT nos permitiu efetuar o diagnstico da situao

    adaptado ao contexto organizacional que caraterizamos.

    Perspetiva-se neste trabalho de projeto dar resposta a necessidades concretas da

    mulher mastectomizada e s novas exigncias em cuidados de sade e atravs desta

    abordagem fazer a diferena na reabilitao da mulher mastectomizada impulsionando

    a sua capacitao e melhoria da qualidade de vida.

  • 21

    Para a resoluo dos problemas identificados consideramos que deve ser repensada a

    abordagem mulher mastectomizada e sugerimos a criao de uma consulta de

    enfermagem de reabilitao como forma de materializao da resposta efetiva a esta

    problemtica. Desta forma contempla-se intervenes no pr-operatrio, no ps-

    operatrio e ps-alta, com abordagens educativas e de capacitao bem como

    programas de reabilitao funcional para a preveno e deteo precoce de

    complicaes sempre adaptados individualidade de cada mulher. Consideramos que

    a consulta planeada pode tambm constituir-se uma resposta inovadora de oferta de

    cuidados de Sade que pode distinguir a instituio pela vantagem competitiva que

    cria. Neste seguimento definimos objetivos e efetuamos o planeamento desta

    interveno. As restantes etapas preconizadas: execuo e avaliao dos resultados

    constaro de uma fase posterior aquando da implementao do projeto (Nunes et al,

    2010).

    O relatrio que elaboramos pretende explanar o percurso desenvolvido e encontra-se

    dividido em dois captulos em que o primeiro aps esta introduo apresenta a

    problemtica e o enquadramento terico que a norteou e o segundo captulo refere-se

    metodologia do projeto por esta ser a opo metodolgica selecionada. Neste

    damos enfase ao diagnstico de situao identificando os problemas que emergiram

    das entrevistas, apresentamos um programa de reabilitao mulher mastectomizada

    que elaboramos, definimos os objetivos e indicamos o planeamento da interveno:

    Implementao da consulta de enfermagem de reabilitao mulher mastectomizada

    explicando previamente a sua viabilidade com a aplicao da anlise SWOT. Por fim

    efetuamos a concluso, onde salientamos a perspetiva de continuidade do projeto.

  • 22

    CAPTULO I

    O cancro

    Uma realidade (in) esperada

  • 23

  • 24

    1. O PERCURSO DA DOENA-CANCRO DA MAMA

    O cancro da mama um dos problemas com mais gravidade na sade em todo o

    mundo, correspondendo segunda causa de morte por cancro, na mulher, no mundo

    ocidental. Constitui-se como uma das maiores preocupaes atuais em termos de

    sade j que traz consigo grandes impactos na qualidade de vida da mulher, desde o

    momento do diagnstico da doena (Eberhardt, 2014).

    Seguidamente iremos fazer uma delimitao do problema nas suas vrias dimenses

    e abordagens, iniciando por algumas consideraes de carter mais geral.

    O cancro integra aspetos multidimensionais pelo que constitui uma preocupao em

    sade pblica a nvel nacional e internacional. O cancro transformou-se numa doena

    que exige vigilncia e tratamentos prolongados e no se pressupe retrocesso nos

    atuais dados estatsticos (DGS, 2016). O cancro obriga a uma perspetiva

    multidisciplinar com uma abordagem articulada com os vrios intervenientes para alm

    das estruturas de sade na medida em que uma das doenas do futuro (e do

    presente) (DGS, 2014).

    De acordo com a OMS (2013) espera-se que o nmero de novos casos aumente cerca

    de 70% nas prximas duas dcadas. O cancro a segunda principal causa de morte

    em todo o mundo e foi responsvel por 8,8 milhes de mortes em 2015. Globalmente,

    quase 1 em cada 6 mortes causada por cancro (WHO, 2015). Na anlise

    retrospetiva dos tumores malignos de 2009-2010 a DGS (2016) refere que a incidncia

    destes em Portugal aumentou em 4%. Segundo o Instituto Nacional de Estatstica os

    tumores malignos foram a segunda causa de morte em 2013, com registo de 25 920

    bitos, o que correspondeu a 24,3% da mortalidade, no pas.

    A OMS (2013) fornece vrias indicaes sobre o cancro em geral referenciando a

    American Cancer Society que destacamos:

    O cancro surge da transformao de clulas normais em clulas tumorais num

    processo de vrios estadios que geralmente progride de uma leso pr-cancerosa

    para um tumor maligno. Essas mudanas so o resultado da interao entre os fatores

    genticos de uma pessoa e as categorias de agentes externos, incluindo:

    carcinogneos fsicos, carcinogneos qumicos, e carcinogneos biolgicos. O

    envelhecimento outro fator fundamental para o desenvolvimento do cancro. A

    incidncia aumenta exponencialmente com a idade pela acumulao de riscos para

    cancros especficos combinada com a baixa capacidade de reparao celular

    caracterstica do envelhecimento. O cancro um termo genrico para um grande

    grupo de doenas que se caraterizam pelo crescimento de clulas anormais alm dos

  • 25

    seus limites habituais que podem invadir partes adjacentes do corpo e/ou disseminar

    para outros rgos. Outros termos utilizados para a sua designao so tumores e

    neoplasias malignas. O cancro pode afetar qualquer parte do corpo e tem muitos

    subtipos anatmicos e moleculares. Cerca de 30-50% dos cancros podem ser

    prevenidos atualmente, evitando fatores de risco e implementando estratgias de

    preveno baseadas em evidncias existentes. A carga de cancro tambm pode ser

    reduzida atravs da deteo precoce e orientao das pessoas que desenvolvem

    cancro, atravs de diagnsticos precoces e tratamentos adequados. A mortalidade

    pode ser reduzida se os casos forem detetados e tratados precocemente. Quando

    detetado precocemente, o cancro mais propenso a responder ao tratamento efetivo

    e pode resultar numa maior probabilidade de sobrevivncia, menor morbidade e

    tratamento menos dispendioso. Melhorias significativas podem ser feitas na vida de

    pessoas com cancro se identificado atempadamente e sem atrasos nos cuidados de

    sade. O diagnstico precoce relevante em todas as configuraes e na maioria dos

    cancros.

    Na ausncia de diagnstico precoce, as pessoas so diagnosticadas em estdios

    tardios e o tratamento curativo deixa de ser possvel. Os planos de sade devem ser

    projetados para reduzir os atrasos e as barreiras aos cuidados, permitindo que as

    pessoas tenham acesso ao tratamento em tempo til. Um diagnstico escrupuloso de

    cancro fundamental para um tratamento apropriado e eficaz, uma vez que cada tipo

    de cancro requer um tratamento especfico que compreenda uma ou mais

    modalidades, como cirurgia, radioterapia e quimioterapia.

    Determinar os objetivos de tratamento e cuidados paliativos um passo importante, e

    os servios de sade devem ser integrados e centrados nas pessoas. O principal

    objetivo deve ser curar o cancro, mas tambm melhorar a qualidade de vida da

    pessoa. Isto pode ser conseguido com cuidados de apoio ou paliativos e apoio

    psicossocial. Os cuidados paliativos podem ajudar as pessoas a viver de forma mais

    confortvel e constituem uma necessidade humanitria urgente para pessoas em todo

    o mundo com cancro. Alvio de problemas fsicos, psicossociais e espirituais podem

    ser alcanados em mais de 90% dos doentes com cancro avanado atravs de

    cuidados paliativos.

  • 26

    1.1. Realidade Epidemiolgica do cancro da mama

    Segundo a International Agency for Research on Cancer (IARC) (2016) em 2012 a

    incidncia de cancro da mama em todo o mundo foi de 1,38 milhes e mais de 60%

    sero sobreviventes de longo prazo depois de terminarem o tratamento definido.

    O cancro da mama afeta mais mulheres do que qualquer outra doena oncolgica.

    Uma em cada oito mulheres europeias vir a desenvolver cancro da mama at ao final

    da vida. A associao Europa Donna acrescenta que medida que a populao

    envelhece, cada vez mais mulheres sero afetadas por esta patologia, responsvel

    por mais de 26% das doenas oncolgicas e mais de 17% das mortes por cancro nas

    mulheres (EUROPA DONNA, 2013).

    Em Portugal, anualmente so divulgados cerca de 4500 novos casos de cancro da

    mama, e 1500 mulheres morrem com esta doena. Nos ltimos anos a mortalidade

    por cancro da mama tem estabilizado e no pas a regio norte consta no registo

    oncolgico nacional como a que tem a taxa mais baixa de mortalidade (DGS, 2014). A

    DGS (2015) acrescenta que esta reduo da taxa de mortalidade deriva de duas

    circunstncias: otimizao do diagnstico precoce atravs dos rastreios e melhoria das

    prticas de tratamento.

    1.2. Diretrizes europeias na luta contra o cancro de mama

    Existem vrias recomendaes europeias sobre a luta contra o cancro da mama na

    Unio Europeia. O Parlamento Europeu (2016) refere que para reduzir a taxa de

    mortalidade por cancro da mama, importante implementar programas nacionais de

    mamografia e fornecer tratamento para a doena. A Comisso Europeia publicou

    normas de orientao para implementar centros de rastreio, diagnstico de qualidade

    e unidades de mama, assentes nas melhores prticas clnicas e assistncia mdica,

    com o objetivo de garantir a qualidade multidisciplinar na abordagem ao cancro da

    mama e melhorar programas de assistncia que vo desde o rastreio, aos

    procedimentos diagnsticos, ao tratamento e acompanhamento no cancro da mama.

    O rastreio mamogrfico possibilita a deteo precoce do cancro. Esta tcnica permite

    detetar neoplasias trs a quatro anos antes do aparecimento de sintomas e aumenta a

    hiptese de efetuar um tratamento precoce e menos invasivo.

    A qualidade da assistncia prestada atualmente s mulheres europeias com cancro da

    mama varia consoante o pas e a regio e o parlamento europeu recomenda que as

    mulheres europeias tenham acesso aos mesmos cuidados de qualidade no cancro da

    mama preconizados, independentemente do pas ou regio onde se encontrem. O

    diagnstico da doena da mama deve envolver uma equipa multidisciplinar de

  • 27

    profissionais experientes e com formao e devem ser prestadas s mulheres

    recomendaes prticas, de apoio e aconselhamento por enfermeiros especializados.

    As mulheres devem ter acesso a cuidados de qualidade em todas as fases da doena

    da mama, desde os estadios iniciais at aos mais avanados, no mbito de cuidados e

    acompanhamento da mxima qualidade pela mesma equipa multidisciplinar com

    implementao das melhores prticas sobretudo de comunicao, protocolos,

    auditoria e gesto de padres de qualidade. As variveis psicossociais desempenham

    um papel importante no tratamento do cancro, que podem facilitar ou interferir com os

    resultados clnicos desejveis. Por este motivo para se otimizar os resultados dos

    tratamentos oncolgicos importante integrar as necessidades psicossociais das

    pessoas, e inclu-las no plano de tratamento.

    O rastreio do cancro da mama constitui um programa prioritrio em termos da

    Comunidade Europeia, e constitui um dos principais mecanismos de preveno do

    cancro da mama e de reduo da taxa de mortalidade. Os pases da comunidade

    europeia so aconselhados a elaborar diretrizes nacionais que respondam a estas

    recomendaes. A DGS (2009) estabelece prioridades na abordagem doena e faz

    recomendaes relativamente organizao dos servios hospitalares e orientao

    mdica incluindo o tratamento.

    A Norma de Orientao Clinica da Direo Geral de Sade (DGS-051/2011) refere-se

    s recomendaes de diagnstico e aconselha a realizao de mamografias regulares

    (2-2 anos) em mulheres assintomticas a partir dos 50 anos. Baseia-se no conceito

    que a deteo de um cancro em fases precoces melhora o prognstico. Segundo a

    evidncia cientfica mais atual o rastreio do cancro da mama atravs da mamografia

    aconselhado pela DGS como uma medida preventiva eficaz na diminuio da

    mortalidade de mulheres assintomticas e nos resultados evidentes dos padres de

    morbilidade justificando assim todo o investimento.

    1.3. Fatores de risco para o cancro da mama

    Segundo a National Breast Cancer (2017) ningum sabe com exatido as causas do

    cancro de mama. O que se sabe que o cancro de mama sempre causado por

    danos do ADN de uma clula, desencadeando-se um crescimento celular

    descontrolado. Esta proliferao de clulas pode ser local, com capacidade de invadir

    os tecidos contguos ou metasttica constituindo leses secundarias em rgos

    distantes.

  • 28

    A mesma organizao salienta que ser mulher e ter idade avanada, o fator de risco

    mais comum, no entanto existe outros fatores de risco como: Familiar com cancro da

    mama, especialmente em idade jovem; Menarca precoce; Menopausa tardia;

    Teraputica hormonal de substituio durante longo tempo; Ter tido o primeiro filho em

    idade avanada. Constituindo-se, ainda, como risco acrescido: cancro da mama

    anterior, radiao na zona do trax e carga familiar de cancro da mama muito pesada.

    As mulheres com risco acrescido devem ser rastreadas com maior frequncia. A

    cirurgia de reduo de risco (com mastectomia profiltica e reconstruo) pode ser

    oferecida a mulheres com risco muito alto, como aquelas que tiveram radiao

    torcica prvia ou so portadoras de mutao de gene (BRCA1 ou BRCA2) o que

    implica um estudo gentico prvio, conforme opinio da European Society for Medical

    Oncology (ESMO, 2015).

    A OMS (2017) refere como fatores de risco a acrescentar aos mencionados, tambm,

    a obesidade aps a menopausa e a dieta em particular quando h um consumo muito

    elevado de gorduras animais, bem como, consumo de lcool e de tabaco.

    1.4. Diagnstico do cancro da mama

    O diagnstico do cancro de mama baseado no exame clnico em combinao com

    achados imagiolgicos e confirmado por avaliao anatomopatolgica (ESMO,

    2015).

    Segundo Ftima Cardoso (2015) o cancro da mama uma neoplasia epitelial maligna

    com capacidade de disseminao (metastizao) e a sua incidncia aumenta com a

    idade. O prognstico melhor se detetado em estadios iniciais e est ligado

    heterogeneidade clnica e morfolgica do tipo de tumor. A mesma autora considera,

    ainda, que o conhecimento das especificidades moleculares da neoplasia constitui-se

    fundamental para a deciso teraputica e consequente aumento da sobrevivncia.

    De acordo coma American Cancer Society (2017) os aspetos essenciais para a

    caraterizao do cancro da mama a definio do estadio da doena (estadiamento)

    e compreende:

    Estadio 0-Tumor in situ

    Estadio I-Tumores com menos de 2 cm, sem envolvimento de gnglios

    Estadio II-Tumores com menos de 5 cm com envolvimento de gnglios axilares

  • 29

    Estadio III-Tumores com tamanho superior a 5 cm com invaso da pele ou da

    parede torcica, comprometendo gnglios fixos na rea clavicular, no entanto

    ainda sem evidncias de metstases

    Estadio IV-Tumores com tamanho considervel com presena de gnglios

    anormais e metstases diferentes

    Alguns dos estadios tm sub-etapas que so designadas com as letras A, B e C.

    O cancro de mama uma doena heterognea, e inclui vrios tipos histolgicos. Alm

    das diferenas nas suas aparncias histopatolgicas, que conduzem a diferentes tipos

    histolgicos de cancro de mama, tambm, estes diferem substancialmente nas suas

    caractersticas clnicas e tumorais. Enquanto os carcinomas inflamatrios se traduzem

    habitualmente em taxas de sobrevivncia mais baixas, os carcinomas lobular e ductal /

    lobular, so caracterizados por uma mistura de caractersticas tumorais associadas

    com prognsticos melhores (Silva & Oliveira, 2010).

    Segundo a American Cancer Society (2017) o cancro de mama pode comear em

    diferentes reas da mama: os dutos, os lbulos ou, em alguns casos, o tecido

    intermdio. Existem vrios tipos desde o cancro de mama no invasivo, invasivo,

    recorrente e metasttico, bem como os subtipos intrnsecos ou moleculares.

    No Consenso Internacional de St. Gallen em 2015 foi considerado para orientao

    teraputica, a classificao em subgrupos de cancro da mama devido

    heterogeneidade clnica e morfolgica do cancro da mama, atendendo a que o

    conhecimento das caractersticas moleculares implicadas na iniciao e na progresso

    desta neoplasia atualmente uma ferramenta indispensvel para os avanos na

    teraputica e consequente aumento da sobrevivncia. Assim, a nova classificao de

    subtipos de cancro da mama baseada em caractersticas moleculares (Cardoso et

    al, 2015).

    1.5. Tratamento do cancro da mama

    O tratamento depende do estadio em que feito o diagnstico, caractersticas

    biolgicas do cancro da mama e individualidades da mulher, tais como a idade e as co

    morbilidades. As modalidades de tratamento vo desde a cirurgia isolada

    combinao com radioterapia, quimioterapia, terapia hormonal, e/ ou teraputicas alvo

    (Cardoso et al, 2015). Em muitos casos o tratamento pode ser combinado e cada

    mulher pode receber dois, trs ou mais tipos de tratamento (Costa, 2013).

  • 30

    Na maioria das mulheres com cancro da mama a cirurgia ser o tratamento indicado

    associada normalmente s outras formas de tratamento A cirurgia uma parte

    essencial de todos os tratamentos atuais para curar o cancro de mama. Mais de 90%

    das mulheres diagnosticadas so submetidas a tratamento cirrgico (Bahgat, 2016). A

    deciso do tipo de tratamento cirrgico depende de fatores clnicos, tais como as

    caractersticas do tumor, o tamanho, a localizao e o envolvimento ou no dos

    gnglios linfticos (Scarth et al, 2002).

    O gnglio sentinela o primeiro gnglio axilar que recebe a drenagem linftica do

    tumor. Presentemente, realiza-se a biopsia do gnglio sentinela com o objetivo de

    esclarecer o estadio e reduzir o ndice de execuo de linfadenectomia axilar. A

    biopsia efetuada atravs de uma tcnica cirrgica, a linfocintilografia, com o objetivo

    de traar uma imagem para apontar a localizao da drenagem linftica do tumor. O

    gnglio retirado e examinado e, se positivo, realizado o esvaziamento ganglionar

    axilar (DGS, 2009).

    A eficcia e segurana oncolgica da cirurgia conservadora da mama com radioterapia

    adjuvante o tratamento que a evidncia cientfica aconselha na sequncia da

    orientao para um melhor controlo local e mnimo de morbilidade. A cirurgia

    conservadora recomendada sempre que a mulher apresente condies para a

    realizao de radioterapia adjuvante e quando a relao entre o volume de

    tumor/volume da mama permite a tumorectomia (a exrese do tumor com uma

    margem de tecido saudvel), com margens livres e um resultado esttico razovel

    (Cardoso et al, 2015). Quando se prev conservao de mama antecipadamente,

    necessrio marcar o stio primrio do tumor (usando um grampo de marcador

    habitualmente designado por arpo sob orientao de imagem) para facilitar uma

    cirurgia precisa (ESMO, 2015).

    A mastectomia deve ser executada quando existe obstculo realizao de

    radioterapia adjuvante, por resoluo da prpria doente (aps esclarecimento

    informado) nos carcinomas multicntricos (situados em localizaes afastadas e que

    no permitem a retirada em bloco de todas as leses), nos carcinomas inflamatrios,

    em microcalcificaes malignas diagnosticadas por bipsia com organizao extensa

    na mama e na existncia constante de margens com tumor aps vrias experincias,

    em cirurgias sucessivas de preservao da mama (DGS, 2009).

    De acordo com a American Cancer Society (2016) a mastectomia pode ser simples,

    radical modificada ou radical. Na simples remove-se a totalidade da mama sem

    remoo dos gnglios linfticos axilares ou tecido muscular encontrado sob o peito. A

  • 31

    mastectomia radical modificada associa uma mastectomia simples com disseco de

    gnglios linfticos axilares. Na mastectomia radical remove-se toda a mama, gnglios

    linfticos axilares e msculos peitorais da parede torcica. Esta cirurgia frequente no

    passado est em franco desuso, porque uma cirurgia menos extensa,

    (nomeadamente, uma mastectomia radical modificada) proporciona os mesmos

    resultados com menos efeitos colaterais.

    A reconstruo precoce da mama ps-mastectomia por neoplasia de mama tem sido

    muito usada, particularmente com a progresso dos tratamentos cirrgicos do cancro

    de mama, mas as mulheres mastectomizadas podem ser submetidas reconstruo

    tardia no se observando diferenas na qualidade de vida, de acordo com o tempo de

    reconstruo (Seidel, 2017). A reconstruo precoce no adequada para todas as

    mulheres, nomeadamente, por razes oncolgicas e particularmente no caso de

    cancro inflamatrio de mama (ESMO, 2015).

    De acordo com a ESMO os diversos tratamentos do cancro da mama para alm da

    cirurgia constam de radioterapia, quimioterapia, teraputica hormonal e teraputica

    direcionada ou alvo, sendo que:

    A radioterapia usa a radiao ionizante orientando-a para a localizao especfica do

    tumor podendo ser de dois tipos: radiao externa, a mais comum em que a radiao

    advm de uma mquina e a radiao interna (braquiterapia) em que a radiao

    provm de material radioativo includo internamente na mama; A quimioterapia recorre

    a frmacos que destroem as clulas cancergenas ou limitam o seu crescimento.

    Habitualmente so administrados por via endovenosa, mas alguns podem ser por via

    oral; A teraputica hormonal impede que as clulas cancergenas acedam s

    hormonas do organismo (estrognios e progesterona) de que precisam para se

    desenvolverem. Se os testes laboratoriais demonstrarem que o tumor "positivo para

    os recetores hormonais", usa-se esta teraputica para bloquear os recetores

    hormonais; As teraputicas alvo que contm anticorpos monoclonais, so

    medicamentos que identificam alvos nas clulas cancergenas e os combatem,

    bloqueando o crescimento das clulas malignas e impossibilitando assim a sua

    disseminao, sem prejudicar as clulas normais.

    O tratamento do cancro da mama no uniforme, dependendo de vrios fatores como

    j referimos, e pode exigir a execuo de diversas modalidades de tratamento

    (cirurgia, radioterapia, quimioterapia e outras), com interveno de equipas

    multidisciplinares, podendo dilatar-se no tempo devido ao aparecimento de

  • 32

    complicaes no trajeto, obrigando utilizao de mais recursos, mais planos de

    tratamento e mais sofrimento para estas mulheres (Cardoso et al, 2015).

    1.6. Complicaes da mastectomia

    As mulheres com cancro da mama esto expostas a tratamentos agressivos, efeitos

    colaterais debilitantes, problemas fsicos graves. Os tratamentos que curam o cancro

    da mama tambm podem causar difceis complicaes podendo a cronicidade das

    mesmas ser muito limitante com impacto significativo na autonomia e qualidade de

    vida pelo compromisso na realizao das atividades de vida da mulher

    mastectomizada (Petito et al, 2012), tendo por vezes necessidade de readaptar a sua

    atividade laboral ou ausentar-se do trabalho devido sua nova condio (Lago et al,

    2015).

    A mastectomia um processo cirrgico mutilante que pode acarretar repercusses

    fsicas e emocionais desfavorveis conforme varias evidncias atestam (Amorim,

    2007; Pinto, 2009; Costa, 2011; Rodrigues, 2012; Merncio, 2016). As mulheres com

    cancro da mama, submetidas a mastectomia, confrontam-se com vrias questes

    relacionadas com a doena e tratamento que interferem a variados nveis no seu

    projeto de vida e que as obrigam a ajustamentos face a esses acontecimentos, tais

    como, aprender a lidar com a doena que ameaa a vida e a mudanas no estilo de

    vida anterior, devido s dificuldades no funcionamento fsico (Pinto, 2009). As

    complicaes fsicas mais frequentes so evidenciadas por vrios autores na

    sequncia de estudos desenvolvidos:

    Panobianco e Mamede (2002) na investigao que efetuaram com 17 mulheres

    submetidas a cirurgia por cancro de mama verificaram que ocorreram complicaes

    em todas as mulheres, trs meses depois da cirurgia, das quais destacam: limitao

    da amplitude de movimento (64,7%), dor (41 %), edema (64,7%), seroma (41,1%) e

    deiscncia (47%).

    A diminuio da amplitude de movimentos do ombro causa dificuldade no

    desempenho de algumas atividades que envolvem amplitudes de movimento maior,

    sendo restritiva na realizao das atividades de vida diria (Cames, 2014), uma vez

    que a falta de fora muscular consequente mastectomia altera a funcionalidade do

    membro superior homolateral (Silva et al, 2010).

    O estudo de Merncio (2016) apresenta como principais complicaes a limitao da

    amplitude articular, a dor a nvel da regio cervical, trax e membro superior

    homolateral, bem como linfedema.

  • 33

    O estudo de Lahoz et al (2010) sobre capacidade funcional e qualidade de vida em

    mulheres mastectomizadas concluiu que havia diminuio da amplitude de movimento

    e da fora muscular nos movimentos de rotao lateral, flexo e abduo do ombro no

    membro superior homolateral mastectomia combinada com dor no ombro, os

    mesmos autores tambm referem como complicaes o linfedema e a alterao da

    funcionalidade do membro homolateral.

    Na investigao de Silva et al (2010) os autores concluram que 15% das mulheres

    mastectomizadas apresentavam diminuio da amplitude do movimento do ombro e

    40% referiam dor no ombro.

    Marques-Vieira & Sousa (2016) apoiados em vrios autores referem que o linfedema

    surge entre 6% e 83% das mulheres mastectomizada, dependendo do tipo de cirurgia

    e radiao, normalmente entre o primeiro e o segundo ano ps-mastectomia mas o

    risco mantem-se at uma dcada.

    O linfedema uma das maiores complicaes da mulher mastectomizada (Vieiros et

    al 2007). Segundo a Rede de Referenciao Hospitalar de Medicina Fsica e de

    Reabilitao (RRHMFR, 2016), no existem dados consistentes da prevalncia do

    linfedema em Portugal. A mesma fonte reporta-nos para os dados publicados pelo

    National Cancer Institute (NCI, 2014), que refere uma incidncia nos primeiros dois

    anos aps a cirurgia por cancro da mama de 8 a 56%. Em Portugal existiram em 2013,

    8 056 registos de alta hospitalar com este diagnstico. A prevalncia estimada de

    linfedema de cerca de 20%. Este nmero varia com a existncia de condies que

    aumentam a sua ocorrncia, como radioterapia, nmero de gnglios removidos, a

    coexistncia de esvaziamento ganglionar com radioterapia, extenso da cirurgia (cerca

    de 30% na mastectomia radical e 10% na cirurgia conservadora) (RRHMFR, 2016).

    O linfedema caracteriza-se por uma acumulao de linfa nos espaos intersticiais.

    Este edema pode variar de um grau reduzido para um mais severo, pode comear

    aps a cirurgia, aps a radioterapia ou anos mais tarde. Os sintomas podem incluir

    fadiga acentuada, membro tumefacto e pesado pela acumulao localizada de fluido e

    eventualmente deformidade (elefantase) causa de importantes alteraes fsicas,

    psicolgicas e sociais pela consequente aparncia inesttica e funcionalidade

    diminuda. Se o linfedema no tratado o volume do membro aumenta

    progressivamente e consequentemente aumentam as complicaes como as

    linfangites e erisipelas (Bergman et al, 2004).

    Os exerccios teraputicos tm inmeros benefcios para todas as mulheres

    submetidas a mastectomia. Os exerccios so essenciais para a preveno do

  • 34

    encurtamento dos msculos, preveno da contratura de articulaes e a melhoria na

    circulao da linfa e sangunea aps a mastectomia (Bergman et al, 2006).

    1.7. As sobreviventes de cancro de mama

    De acordo com a definio do National Cancer Institute (2003) o sobrevivente toda a

    pessoa com o diagnstico de cancro que vive para alm de cinco anos aps o

    diagnstico sem evidncia de doena.

    As sobreviventes de cancro de mama (incluindo as mastectomizadas) ao ganhar em

    anos de vida perdem em qualidade de vida pela toxicidade provocada pelos

    tratamentos. Nesta sequncia correm risco de surgirem outros tumores secundrios,

    co morbilidades por doenas cardiovasculares ou sseas, doenas crnicas,

    cardacas, diabetes e obesidade mantendo as sequelas fsicas e alteraes j

    mencionadas (Cardoso et al, 2015). A recorrncia do cancro da mama mais comum

    nos primeiros cinco anos, mas pode ocorrer at dcadas aps o tratamento. A gesto

    das doenas crnicas instaladas e o acompanhamento e vigilncia das mulheres

    sobreviventes no que diz respeito preveno da ocorrncia da recidiva ou de um

    segundo tumor constitui-se de grande importncia (Cardoso et al, 2015).

    Nas sobreviventes de cancro da mama, impe-se a implicao de uma equipa

    multidisciplinar que face s reais necessidades destas mulheres, ajude a encontrar os

    cuidados de excelncia e as motivem para um investimento em parcerias com estas

    na procura da melhor informao, capacitao e reabilitao para uma efetiva gesto

    da doena, num acompanhamento efetivo dos seus percursos de vida e de

    sade/doena, onde o enfermeiro de reabilitao tem um papel fundamental.

    Silver (2015) refere que as sobreviventes em consequncia dos tratamentos sofrem

    um conjunto extremamente complexo de problemas afetando todos os sistemas e

    rgos que contribuem para uma diminuio da qualidade de vida. Segundo o autor a

    evidncia cientfica mostrou que a reabilitao melhora a dor, funo e qualidade de

    vida e as intervenes de reabilitao podem melhorar as limitaes fsicas em todas

    as fases.

    Face ao referido anteriormente as sobreviventes de cancro de mama podem conseguir

    uma re-significao para as suas vidas, experimentarem atividades que no faziam

    antes, mudarem o seu modo de viver dando importncia a uma segunda oportunidade

    de viver (Frohlich et al, 2014) apesar do processo de cronicidade inerente.

  • 35

    2. DA GESTO DO PERCURSO DA DOENA PARA A GESTO DO

    PERCURSO DE VIDA

    A sade de cada pessoa liga-se a mltiplas dimenses especialmente ao seu projeto

    de vida mas irrefutvel que todos devem ter acesso aos meios e recursos que lhes

    possibilitem desenvolver capacidades e competncias para percorrer um caminho em

    direo ao bem-estar fsico, psquico e social (OE, 2011).

    Neste contexto devem ser maximizadas as intervenes dos profissionais de sade

    que promovam ajustamento s limitaes impostas pela doena ou incapacidades da

    mesma e desenvolvam estratgias adaptativas para a resoluo de problemas,

    facilitadoras de uma vivncia de emoes e sentimentos positivos, mesmo em

    doenas crnicas e restritivas para a capacidade de viver como o cancro. Mas, ainda

    persistem modelos de cuidados que no respondem s necessidades

    multidimensionais que as pessoas com doena crnica apresentam (Guerra, 2009) e

    concretamente no caso de pessoas com cancro encontram-se desajustados.

    O atual contexto das polticas de sade favorvel adoo de prticas que

    valorizam o percurso das pessoas atravs dos processos de cuidados de sade que

    elas experienciam acrescentando a ideia de literacia e educao em sade,

    autocuidado e envolvimento como estratgia de capacitao para aumentar o controlo

    das pessoas sobre a sua sade e sobre a sua vida. O enfermeiro de reabilitao deve

    promover a autonomia e a construo de um novo conceito de ser saudvel (OE,

    2012) pessoa com cancro partilhando a reorientao do seu percurso de vida e do

    readquirir de um sentido apesar das limitaes que a gesto da doena impe.

    2.1. Gesto da doena crnica

    As doenas crnicas matam 40 milhes de pessoas a cada ano, o equivalente a 70%

    das mortes que ocorrem no mundo (WHO, 2017). Em Portugal, semelhana dos

    outros pases da Europa estima-se que 50% da populao tem uma doena crnica e

    25% tem duas ou mais (DGS, 2014).

    A doena crnica carateriza-se pela sua progresso lenta e longa durao no

    resolvida habitualmente num curto espao de tempo (DGS, 2016) sendo que o

    sofrimento e os custos que estas doenas causam transformam-nas em doenas

    sociais para os sistemas de sade (Escoval, 2010).

    Os sistemas de sade e as organizaes que os integram numa tentativa de

    proporcionarem a resposta mais ajustada s crescentes necessidades dos indivduos

  • 36

    enfrentam desafios que se ligam a novos paradigmas. A identificao desta realidade

    tem levado os governos de vrios pases a determinar polticas norteadas pelos

    problemas de sade em concreto e a definir estratgias de interveno que favoream

    uma abordagem integrada de melhoria do nvel de sade das populaes, da

    qualidade dos cuidados de sade e de eficincia no uso de recursos disponveis

    (Escoval, 2009).

    O governo portugus ao determinar a Coordenao Estratgica para a Preveno e

    Gesto da Doena Crnica atravs do Despacho n. 4027-A/2016 reconhece o

    importante desafio para os sistemas de sade das doenas de evoluo

    prolongada/doenas crnicas e a necessidade de integrao de atuaes preventivas

    e de continuidade de cuidados. No mesmo documento considera que a obteno de

    bons resultados na preveno e gesto das doenas crnicas implicam um elevado

    nvel de literacia em sade e defende sistemas centrados na pessoa e no seu

    percurso de vida, nos processos de cuidados de sade que experimenta e na

    capacidade que cada um tem de realizar o seu potencial de bem-estar.

    A redefinio dos cuidados de sade em Portugal que as novas politicas emanam

    visam transformar os cuidados de sade, recentrando-os mais nas pessoas do que

    nas organizaes de sade. Neste sentido torna-se fundamental um cuidar centrado

    na educao em sade e na promoo da autonomia ao longo do percurso de vida

    das pessoas considerando as expectativas e necessidades especficas de cada

    doente.

    Na Estratgia Nacional para a Preveno e Gesto da Doena Crnica a DGS

    considera a educao teraputica do doente uma interveno com muito potencial de

    efetividade na melhoria dos resultados em sade. Nesta sequncia surge o Programa

    Nacional de Educao para a Sade, Literacia e Autocuidados que refora o papel do

    cidado no sistema de sade portugus e o papel da informao e do conhecimento

    no percurso de sade/doena (DGS, 2016).

    O desenvolvimento de estratgias para alinhar as polticas de sade do PNS 2011-

    2016, atravs de aes efetivas fundamentadas na evidncia, torna-se vital.

    Desconsiderar o peso desta evidncia concretizada em experincias internacionais

    eficazes e no a aceitar como estratgia de futuro para a gesto das doenas

    crnicas, pode representar desperdcio (Guerra, 2010).

    A aplicao dos princpios que esto na base dos modelos de gesto da doena

    orienta para um modelo de Gesto Integrada da Doena (GID), que incorpora a gesto

  • 37

    clnica da doena, centrada na pessoa, com especial enfoque na sua autogesto e na

    clarificao das melhores prticas profissionais (Escoval, 2009).

    A aplicao do modelo GID j est a ser feita para a insuficincia renal crnica,

    conforme Circular Normativa N03/ DGS: 22/02/08 e planeada ou em implementao

    para a obesidade, esclerose mltipla, retinopatia diabtica entre outros.

    Os modelos de GID segundo a DGS (2016) num futuro prximo podero ser

    facilitadores para todos os envolvidos: pessoas, mdicos, enfermeiros ou ainda outros

    profissionais, como os das reas psicossociais e de reabilitao na medida em que

    articula a melhoria da prestao de cuidados de sade, maior efetividade e eficincia

    dos cuidados de sade, mais ganhos em sade e a satisfao de todos os implicados.

    Este modelo prope uma ao harmonizada mobilizando os recursos de forma

    ajustada para otimizar o estado de sade, a qualidade de vida e o bem-estar global

    das pessoas. Esta abordagem atravessa os diferentes nveis de prestao de

    cuidados perspetivando cuidados integrados de sade, com nveis de qualidade na

    preveno, diagnstico, tratamento, reabilitao e acompanhamento (Escoval, 2010).

    Sakedelallarides et al (2016) no artigo contrariar o destino, refere que no contexto

    portugus e europeu as reformas de proximidade na sade assumem-se de grande

    importncia assim como a inteligncia colaborativa para as levar a cabo. A este

    propsito refere que as reformas de proximidade resultam essencialmente de

    inovaes organizacionais e tem a ver com mudana da gesto das organizaes para

    a gesto do percurso das pessoas atravs dos processos de cuidados de sade que

    elas experienciam acrescentando a ideia de literacia e educao em sade,

    autocuidado e envolvimento como estratgia de capacitao para aumentar o controlo

    das pessoas sobre a sua sade.

    Tendo em ateno as aes circunscritas ao percurso de vida das pessoas e os

    respetivos percursos atravs dos servios de sade, o enfermeiro deve ter um papel

    facilitador no processo de autogesto da doena crnica, implementando intervenes

    centradas na pessoa, proporcionando a aquisio de conhecimento que permite ao

    doente ultrapassar obstculos e constrangimentos. O enfermeiro de reabilitao ao

    intervir em situaes particulares de sade/doena refora o potencial de cada pessoa

    para o autocuidado e contribui para a minimizao do impacto da doena nas suas

    atividades de vida promovendo o processo de autonomia e a construo de um novo

    conceito de ser saudvel no indivduo.

    No atual contexto das polticas de sade as reformas de proximidade centradas nos

    percursos das pessoas tm como objetivo obter sinergias entre os diversos nveis de

  • 38

    cuidados, incentivam o desenvolvimento de programas de acompanhamento e

    educao para a gesto da doena e potenciam a adoo de prticas de autogesto.

    Por outro lado advogam a criao de condies necessrias ao bem-estar e melhor

    gesto da doena crnica integrando reformas de proximidade como programas de

    apoio domicilirio (visita domiciliria) e modalidades de hospitalizao domiciliria,

    entre outros.

    Neste enquadramento valoriza-se a inovao das prticas e de modelos de cuidados

    onde a informao fornecida pelos profissionais na aquisio do conhecimento

    capacita para o autocuidado e a gesto do seu projeto de sade e de vida, criando

    valor para todos, contrariando o destino e respondendo s efetivas necessidades em

    sade das pessoas (Sakedelallarides et al, 2016). Segundo a DGS (2014, p.6) ...os

    enfermeiros tm particular vocao para prestarem cuidados numa lgica de

    proximidade devido disponibilidade, viso holstica e integrada que incorporam no

    momento das suas intervenes.

    Face ao referido anteriormente os enfermeiros e particularmente os enfermeiros de

    reabilitao tem a possibilidade, a competncia e a responsabilidade de intervir

    eficazmente nestes processos. Na atualidade precisamos de enfermeiros

    empreendedores e investigadores que aliem prticas de cuidados investigao e a

    outras evidencias demonstradas. Urge pensar criticamente e encontrar alternativas

    que possam oferecer servios que anteriormente nunca foram prestados (ou foram

    pouco), face a novos problemas da prtica fundamental projetar novos olhares

    (Lemos, 2012 in OE).

    2.2. Da informao capacitao na doena crnica

    A informao constitui uma real necessidade para as pessoas uma vez que possibilita

    o desenvolvimento de atitudes positivas no lidar com a doena, o encontrar de

    solues ajustadas s condies situacionais, participao real nos processos de

    deciso e gesto do processo de sade/doena. A informao conquista papel

    essencial nas intervenes de educao para a sade (Martins, 2003).

    Para as pessoas com doena crnica a informao torna-se um instrumento

    significativo para a gesto da sua vida na medida em que reduz a incerteza, ajuda o

    individuo a lidar com a doena e auxilia no desenvolvimento de ajustamentos. A

    informao fundamental porque regula a atitude face doena, tomada de deciso

    e s aes da pessoa e famlia, influenciando a sua qualidade de vida. Todavia na

    prtica, nem sempre os profissionais tm observado o seu dever de informar de um

  • 39

    modo completo e efetivo, nem as pessoas conseguem ter satisfeito um direito

    fundamental (Martins, 2003).

    Face ao supradito consideramos que alguns profissionais de sade na qual se incluem

    os enfermeiros tm receio de fornecer informao, sobretudo em situaes de doena

    com prognstico reservado. No entanto, concordamos com Martins (2008) ao

    considerar que o enfermeiro sabe perceber quando o momento apropriado para

    fornecer a informao e quanta informao a pessoa consegue suportar. Esta

    apreciao assumida pelo autor como um privilgio de interao com o doente, de

    ajuda e de proximidade.

    Neste sentido salientamos o dever tico demandado na Carta dos Direitos e Deveres

    do Doente sobre o direito a ser informado sobre a sua situao de sade (DGS, 1999)

    e o dever de informao do cdigo deontolgico (2015) que legitima a

    responsabilidade do enfermeiro em garantir o direito informao. Para o conseguir

    dever disponibilizar informao adequada conforme a capacidade de entendimento, a

    personalidade e todas as especificidades de cada situao e da pessoa em causa.

    Apesar de fazermos referncia ao direito a ser informada (da pessoa) e ao dever de

    informar (do enfermeiro) e valorizarmos a sua importncia optamos por no explanar a

    problemtica da informao na perspetiva tica balizando-a na perspetiva funcional ou

    seja contedo de informao de sade a fornecer, forma tima para otimizar o

    conhecimento permitindo a apropriao da mesma, j que muitas vezes as estratgias

    circunstanciais falham por no estarem centradas nas reais necessidades das

    pessoas, havendo discrepncias entre o que os profissionais consideram ser as

    necessidades de informao e as que efetivamente as pessoas necessitam. Importa

    ainda, atender a outro tipo de barreiras que se constituam como obstculo a uma

    efetiva educao para a sade.

    Assim, o enfermeiro deve identificar as necessidades de aprendizagem especficas,

    valorizando as preocupaes, reconhecendo as barreiras existentes aprendizagem e

    as estratgias facilitadoras. A educao para a sade algo "vivo" e deve ser

    redefinida em funo de novas necessidades e situaes que surjam ao longo deste

    percurso. Nunca poder ser uma mera transmisso de informao, mas pelo contrrio

    uma resposta adequada s necessidades de informao de cada pessoa (OE, 2009).

    Apesar de ser benfico existir padres ou linhas orientadoras baseadas na evidncia

    para situaes de cuidados especficos, que se revelam estruturantes na informao a

    transmitir, esta dever ser personalizada, considerando cada pessoa e toda a sua

  • 40

    singularidade, tendo por base um programa estruturante (Pereira, 2005; Martins, 2008;

    Alves et al, 2010; Costa, 2011; Rodrigues, 2012; Silva, 2016).

    Neste seguimento impem-se estratgias para criar tempo e espao que muitas

    vezes os profissionais no tm e os servios no disponibilizam. Exige-se ateno e

    empatia, escuta ativa e interao, uma verdadeira preocupao com a pessoa, um

    atender s diferenas individuais e atitudes potenciadoras de capacitao. Justifica-se,

    pois, um maior investimento na procura das melhores estratgias de informao para

    que o doente crnico adquira conhecimento e capacitao e consequentemente

    melhor qualidade de vida pela gesto do seu processo de doena.

    A OMS preconiza que deve haver oportunidades conscientemente construdas para

    aprender e processos de comunicao destinados a melhorar o conhecimento e a

    desenvolver habilidades para a vida. Desta maneira deve incluir-se neste processo

    todo o contexto de vida da pessoa como as condies familiares, sociais, econmicas

    e ambientais, o risco clinico individual (comorbilidades e complicaes da doena) e

    uso do sistema de sade.

    O desafio atual o de conceber dinmicas que incitem evoluo de uma situao

    onde prevalece a diminuta informao e a subordinao aos conhecimentos e s

    aes dos profissionais de sade para inter-relaes de desenvolvimento e partilha

    contnua de informao e de conhecimento (literacia em sade), de pro-atividade, de

    auto- gesto (capacitao) com vista autonomia possvel na sade de cada um (PNS

    2011-2016).

    A OMS enuncia que existe evidncia importante no que se refere implementao de

    prticas de acompanhamento, aconselhamento, educao e confirmao da

    informao apreendida, com a melhoria de resultados de sade das pessoas sujeitas

    a condies de cronicidade (WHO, 2002). O reconhecimento de que as doenas

    crnicas so incurveis torna essencial a participao contnua da pessoa nas prticas

    de sade de forma a maximizar a sade e prevenir incapacidades.

    O conceito de literacia em sade hoje percebido como integrador de vrios nveis de

    capacitao, podendo ser definido como a capacidade para processar e compreender

    informao e orientao nos servios de sade, fazer escolhas de sade adequadas,

    (Santos, 2010) e adoo de um papel ativo relativamente gesto da sua doena e

    autocuidado. Este conceito dinmico de literacia em sade integra competncias

    cognitivas e sociais e a capacidade de cada um aceder e compreender a informao

    que lhes permita agir para promover e manter uma boa sade bem como tomar

    decises na sua sade e projeto de vida. A OMS considera a literacia em sade como

  • 41

    o conhecimento, motivao e competncia dos indivduos para aceder, perceber,

    avaliar e aplicar informao em sade, para tomar decises e manter ou melhorar a

    qualidade de vida sendo que a qualidade de vida constitui um objetivo na vida de

    qualquer pessoa e na construo do caminho imposto pelos obstculos que vo

    surgindo (Soares, 2012).

    A sade de cada pessoa conecta-se a mltiplas dimenses especialmente ao seu

    projeto de vida em consonncia com a interpretao que cada um faz de si e do

    mundo, da sua trajetria de vida, sade/doena e das pessoas com as quais se

    relaciona percorrendo um caminho em direo ao bem-estar fsico, psquico e social

    (OE,2011). Este processo de aquisio de conhecimentos e competncias reconhece

    os indivduos como sujeitos ativos no seu processo de sade, concordando que os

    mesmos possuem capacidades que lhes permitem desenvolver a autonomia, para isso

    os profissionais devem envolver a pessoa no processo de cuidados considerando a

    cultura onde est inserida (Uwazie, 2016).

    A DGS (2016) considera que a capacitao em sade constitui uma estratgia de

    grande pertinncia para dotar o sistema de sade de parceiros ativos na gesto da

    sade e da doena face s emergentes necessidades de mudana na sade. Esta

    estratgia permite ganhos em sade manifestados por ganhos em anos de vida, por

    diminuio de eventos de doena ou com menos gravidade, pela reduo de

    incapacidades transitrias ou definitivas melhorando a funcionalidade fsica e

    psicossocial e aumentando a qualidade de vida imposta pela condio de sade.

    Para ajudar a gerir eficazmente os processos de sade/ doena das pessoas os

    enfermeiros devem reforar a confiana destas nas suas prprias capacidades e

    habilidades de vida porque estas levam a comportamentos adaptativos e positivos, e

    permitem-lhes lidar eficazmente com os desafios da sua vida, que incluem as

    situaes de sade/doena.

    Destas habilidades de vida constam habilidades pessoais, interpessoais, cognitivas e

    fsicas que permitem s pessoas controlar e nortear as suas vidas, desenvolvendo a

    capacidade de viver. Neste contexto as intervenes dos profissionais de sade

    promovem ajustamento s limitaes impostas pela doena ou complicaes da

    mesma, tornam-se uma mais-valia no desenvolvimento de estratgias adaptativas

    para a resoluo de problemas, facilitadoras de uma vivncia de emoes e

    sentimentos positivos, mesmo em doenas crnicas e restritivas para essa capacidade

    de viver como o cancro.

  • 42

    2.3. O cancro, uma doena crnica

    Os avanos cientficos na rea da oncologia so responsveis pela mudana de

    paradigma em relao ao cancro tendo a doena passado de fatal a crnica. As

    pessoas com cancro atualmente sobrevivem cada vez mais anos devido ao

    diagnstico precoce e a tratamentos mais eficazes. O Programa Nacional para as

    doenas oncolgicas (DGS, 2013) refere que os sobreviventes com cancro com

    problemas clnicos e sociais especficos constituem uma nova populao em

    crescimento que impem uma abordagem multidisciplinar que continua para l das

    instituies de sade. Conforme menciona Hoeman (2011) o cancro assume assim o

    estatuto de doena crnica com sequelas a nvel funcional, fsico, psicolgico,

    emocional, espiritual e os sobreviventes de cancro tm que lidar com a incapacidade e

    o compromisso funcional como a maioria dos doentes em reabilitao.

    As doenas oncolgicas tm um profundo impacto nos doentes, nos familiares e na

    sociedade em geral (DGS, 2007) e as pessoas com cancro tm vivncias do seu

    processo de doena nicas e individuais que derivam da sua unicidade como pessoas

    e do decurso da doena. A maior ou menor qualidade de vida reflete-se nessas

    vivncias bem como na perceo dos mesmos em relao forma como as suas

    necessidades so satisfeitas ou se lhes esto a ser negadas oportunidades para

    alcanar a felicidade e a realizao do seu projeto de vida.

    Cada vez mais, a doena oncolgica vista como uma condio crnica com

    cuidados complexos e uma problemtica que exige processos de qualidade

    centralizados na pessoa e na sua trajetria da doena. O acompanhamento constitui

    um processo importante na passagem de pessoa com cancro para sobrevivente de

    cancro. O valor dos cuidados de enfermagem neste processo referido em diferentes

    territrios e populaes com cancro no domnio da gesto da doena. No

    acompanhamento destas pessoas o grande objetivo que se impe o de desenvolver

    abordagens que promovam o conhecimento, as habilidade e capacidades para a

    pessoa gerir a doena e os efeitos desfavorveis dos tratamentos.

    A efetiva resposta s necessidades da pessoa de forma holstica engloba aes de

    preveno de doenas, diagnstico, tratamento e cuidados de reabilitao e almeja a

    articulao de estratgias na abordagem ao doente com cancro, com intervenes de

    acompanhamento, com vista capacitao e melhoria da qualidade de vida de que

    so exemplos muitas abordagens internacionais e algumas nacionais.

  • 43

    3. REABILITAO DA MULHER MASTECTOMIZADA NUM

    CONTINUUM DE CUIDADOS

    Segundo a Rede Nacional de Especialidade Hospitalar e de Referenciao de

    Medicina Fsica e Reabilitao A Reabilitao eficaz na reduo da sobrecarga da

    incapacidade e na potenciao das oportunidades de vida para os indivduos

    incapacitados. Os seus custos so habitualmente inferiores aos que teriam que ser

    assumidos pelos servios de sade caso no se proporcionassem tais servios (2016,

    p.13).

    A mesma rede adianta que a reabilitao constitui uma conquista civilizacional

    reconhecida como direito fundamental na Carta das Naes Unidas e na Resoluo da

    Assembleia Mundial da Sade de 2005 e deve inspirar-se num espirito humanista e

    multidisciplinar integrando o trabalho de vrios profissionais com objetivos partilhados

    centrados no doente e com intervenes geradoras de sinergias de forma a potenciar

    a sade a nvel fsico, cognitivo e motivacional e no s a vertente da funcionalidade.

    Nesta sequncia propem processos de reabilitao segundo um modelo de atuao

    precoce, com inicio durante a fase aguda da doena (internamento hospitalar)

    recomendando para as fases posteriores (ps-alta) a continuidade de cuidados de

    reabilitao em ambulatrio e cuidados de manuteno (domicilirio ou em servios

    especficos) numa verdadeira continuidade de cuidados. Acrescenta, ainda, que

    considerando a reabilitao, ...imbuda de um esprito globalizante, humanista e

    multidisciplinar, a reabilitao, para atingir as metas que se prope alcanar, deve

    assentar num trabalho integrado de diferentes profissionais, onde as aes

    desenvolvidas devero ser convergentes e sinrgicas, segundo uma estratgia com

    objetivos comuns, centrados no doente( 2016, p.14), em todos os contextos desde os

    cuidados intensivos at aos cuidados de ambulatrio, domicilirios e paliativos.

    A viso contempornea da reabilitao na pessoa com cancro assinalada na

    orientao National Institute for Health and Care Excellence (NICE) (2010) que a

    considera como um conjunto integrado de dinmicas teraputicas direcionadas para a

    pessoa desenvolver o seu potencial fsico, psicolgico e social otimizando a mxima

    independncia nas atividades da vida diria e qualidade de vida para se adaptar sua

    nova condio.

    Nesta conceptualizao a NICE considera que a reabilitao possibilita um caminho

    significativo para melhorar a qualidade de vida no sendo importante o tempo de vida

    que se espera que a pessoa tenha. Este sentido valida a maximizao da dignidade e

  • 44

    o impacto que o cancro tem na vida da pessoa nos vrios domnios: fsico, psicolgico

    e social, introduzindo tambm a ideia de poder haver finitude. Nesta conceptualizao

    inclui o reconhecimento de que, a reabilitao na doena oncolgica pode ser

    preventiva, restauradora, solidria e paliativa e neste sentido a reabilitao para

    pessoas com cancro deve destinar-se a todos, num continuum de ligao entre dois

    ou mais estdios que se misturam de modo que seja impossvel identificar a transio

    de um estadio para o outro. Salienta que ao longo do percurso de tratamento do

    cancro importante que cada pessoa seja capaz de autogerir a sua condio e caso

    as suas necessidades se tornem complexas, possa aceder a cuidados especficos

    multidisciplinares.

    A autogesto deve ser gerida atravs de um continuum dando nfase reabilitao e

    informao. A reabilitao na pessoa com cancro deve ser flexvel, compartilhando

    conhecimentos e ajudando a pessoa a viver bem dentro de sua doena dando

    resposta s suas necessidades. Leblanc (2015) referindo-se reabilitao oncolgica

    considera que, se estimado como uma resoluo de qualidade inferior no receber

    reabilitao em doenas ortopdicas ou cerebrovasculares, tambm o dever ser em

    doenas oncolgicas.

    Silver (2015) introduz um novo conceito na reabilitao do doente com cancro o da

    pr-reabilitao considerando-a um contnuo de cuidados que ocorre desde o

    diagnstico at ao incio dos tratamentos e que inclui avaliaes fsicas e psicolgicas

    para caraterizar o nvel funcional basal e reconhecer eventuais limitaes ou

    compromissos que orientariam as intervenes a definir posteriormente. Considera

    que a pr-reabilitao apoia a preparao das pessoas recm-diagnosticadas e

    otimiza a sua sade antes de iniciar tratamentos agudos. Sugere abordagens

    multidimensionais seguindo o princpio de uma avaliao global e integral de cada

    pessoa.

    A nvel global surgem configuraes de cuidados de acompanhamento da pessoa com

    doena crnica oncolgica congruentes com o estado de desenvolvimento das

    polticas de sade, do desenvolvimento das profisses de sade e da abertura da

    sociedade a novos modelos. Estas novas configuraes incluem a (re) definio e

    qualificao dos profissionais de sade face aos novos desafios e formatos inovadores

    variados onde se incluiu a reabilitao. No que se refere reabilitao as equipas

    incluem modalidades de acompanhamento fsico, mas tambm como complemento

    por telefone ou com recurso a outras tecnologias.

  • 45

    Na globalidade das filosofias todos incorporam a equipa multidisciplinar como a pedra

    angular da melhoria da qualidade dos cuidados prestados pessoa com cancro e a

    integrao da enfermagem e da reabilitao na melhor prtica, considerando-se que

    as duas podem ser coexistentes no enfermeiro de reabilitao.

    Na Blgica existe um plano de reabilitao funcional para as pessoas com cancro em

    fase de remisso a nvel nacional. Trata-se de um plano integrado de auxlio

    reintegrao na sociedade para melhorar a qualidade de vida englobando a pessoa

    como parceira na definio de metas para a sua vida. As atividades so organizadas

    sob coordenao de um grupo de profissionais de sade em oncologia e reabilitao,

    mas tambm, incluem profissionais ligados educao fsica com programas de

    atividade fsica concebida para pessoas com cancro. Este programa para pessoas

    com cancro durante o tratamento ou at um ano depois. Paralelamente existe um

    projeto de reabilitao oncolgica para pessoas com cancro de mama, para garantir a

    melhor qualidade possvel de vida aps os tratamentos e visa reduzir o impacto de

    efeitos colaterais atravs da reabilitao.

    Na Austrlia, na Amrica e em Inglaterra existem enfermeiros especializados a cuidar

    de mulheres com cancro da mama (Breast care nurses). Estes enfermeiros tm um

    conhecimento aprofundado da condio das mulheres com cancro da mama e fazem o

    acompanhamento desde o diagnstico, tratamento e follow-up destas mulheres,

    integrados numa equipa multidisciplinar. Fornecem, tambm, apoio e informao sobre

    a gesto da doena e tratamento, assumindo-se como facilitadores que auxiliam a

    travessia atravs do emaranhado do sistema de sade (patient navigator) (Pedro,

    2015).

    No Reino Unido existem enfermeiros de ligao (liaison nurses) que so responsveis

    pelos cuidados de Enfermagem ps-alta e acompanhamento em processos de

    reabilitao, educao e seguimento das pessoas com cancro.

    No Qubec a enfermeira piv em oncologia (infirmire pivot en oncologie) est

    integrada numa equipe interdisciplinar especializada. A sua funo consiste em avaliar

    todas as necessidades da pessoa com cancro: ensina, fornece informaes, orienta e

    fornece suporte. A sua contribuio para a equipe essencial para a coordenao dos

    cuidados. Pommaz ( 2016) reala o seu papel fundamental na compreenso da pessoa

    e na promoo da adaptao doena, ajudando-a a lidar com o cancro.

    Em Frana existe a figura de enfermeiro coordenador do caminho complexo dos

    cuidados (infirmir coordinateur de parcours complexe de soins). Segundo a definio

    fornecida pela Escola Francesa de Sade Pblica caracteriza-se principalmente por

  • 46

    intervenes que contribui para a eficincia da deciso do cuidado interdisciplinar e

    para o sucesso do percurso de doena da pessoa.

    Em todas estas experincias existem aspetos coincidentes e unificadores que se

    resumem ao papel de fio condutor ou elo de ligao entre as vrias necessidades de

    cuidados que a pessoa necessita, onde o enfermeiro proporciona uma experincia de

    cuidado centralizadora.

    Baseados na viso contempornea da reabilitao em pessoas com cancro

    assinalada na orientao NICE princpios que vrios especialistas de reabilitao

    estabeleceram acerca das intervenes de reabilitao para estas pessoas,

    nomeadamente, disponibilidade dos profissionais para oferecer cuidados abrangentes;

    abordagem multidisciplinar para as necessidades dos doentes e dos seus problemas

    reais ou potenciais; equipas de sade que devem desenvolver objetivos de

    reabilitao dentro das limitaes impostas pela doena; definio de objetivos

    realistas e atingveis para motivar as pessoas com cancro e demonstrar resultados

    obtidos pela sua participao; a reabilitao deve prestar cuidados ao longo do curso

    da doena e os planos de reabilitao devem ser individualizados e adequados s

    necessidades especficas de cada pessoa.

    Implcito ao patenteado acerca da reabilitao da pessoa com cancro situa-se a

    especialidade de enfermagem de reabilitao por se incluir nos conceitos e contributos

    advindos das suas intervenes no cenrio da sade portugus permitindo ganhos em

    sade no mbito da independncia funcional e de autonomia entre outros.

    Assume-se assim a reabilitao da pessoa (com cancro) como um processo contnuo

    de respostas de reabilitao no desenvolvimento da doena e das necessidades da

    pessoa, pois considera-se que conduz a ganhos em sade com respetivos ganhos

    econmico-financeiros para a pessoa e para a sociedade (Rocha, 2016).

    Corroboramos o referido por Rocha (2016) na convico de que os Enfermeiros

    Especialistas em Enfermagem de Reabilitao (EEER) possuem competncias

    acrescidas e de proximidade e esto mais aptos a integrar todas as vertentes dos

    cuidados essenciais pessoa com incapacidade para o autocuidado, proporcionando-

    lhe o readquirir de habilidades e/ou diminuio de limitaes que surgirem neste

    percurso de doena.

    As competncias especficas do EEER permitem conceber, implementar e avaliar um

    plano individual de intervenes especficas de cuidados de Enfermagem de

    Reabilitao apropriadas s necessidades e objetivos teraputicos de cada pessoa no

    sentido de responder aos seus problemas.

  • 47

    A Association of Rehabilitation Nurses (ARN) (2008) refere-se aos enfermeiros de

    reabilitao como aqueles que possuem um conjunto de habilidades nicas, que

    compreende o conhecimento e a compreenso da gesto de cuidados e que esse

    conjunto de habilidades permite prestar cuidados com base nas necessidades da

    pessoa/famlia. Defende que ao centrar os cuidados na pessoa atuando de forma

    holstica, promovem maior qualidade, segurana e eficincia nos cuidados, resultando

    em melhores resultados de sade.

    A American Nurses Association (ANA, 2012) refere que um enfermeiro com formao

    em enfermagem de reabilitao o profissional de sade que mais capaz para

    coordenar, apoiar, facilitar, educar e informar qualquer pessoa com doena crnica.

    A ARN (2008) recomenda que deve ser avaliado o impacto dos enfermeiros de

    reabilitao no sistema de prestao de cuidados de sade, incluindo o papel de

    gestor de caso na gesto da doena mantendo a perspetiva da trajetria da doena e

    a recuperao no continuum de cuidados ao longo da vida. Nestas situaes

    considera que o enfermeiro de reabilitao auxilia as pessoas na adaptao a um

    estilo de vida, proporcionando um ambiente teraputico.

    Os cuidados de enfermagem de reabilitao s pessoas com cancro so imperativos

    para a qualidade de vida das pessoas e norteiam-se pela mxima autonomia e

    independncia das pessoas portadoras de limitao potencialmente recupervel ou

    pela manuteno e preveno de complicaes daquelas que forem irreversveis,

    ajudando-as a viver o melhor possvel.

    A ARN (2008) considera que a enfermagem de reabilitao na pessoa com cancro tem

    um papel fundamental na equipe interdisciplinar e essencial na criao de um

    ambiente favorvel para a qualidade dos cuidados pessoa. As orientaes da ARN

    relativamente aos cuidados de reabilitao na pessoa com cancro so que: a

    reabilitao faz parte dos cuidados de qualidade e um direito para todas as pessoas

    com cancro e deve ser uma opo para todas as pessoas que tenham capacidade de

    participao. Salienta, ainda, que a reabilitao incorpora o indivduo e a famlia como

    parceiros plenamente informados e decisores e que a reabilitao na pessoa com

    cancro inclui acesso oportuno para uma abordagem coordenada, abrangente e

    interdisciplinar. Destaca ainda que a reabilitao melhor coordenada por enfermeiros

    com especialidade de reabilitao, podendo s-lo por enfermeiros certificados em

    oncologia e que os programas de reabilitao so colaborativos e interdisciplinares,

    seja em que contexto for a sua prestao e esto focados na qualidade de vida.

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    3.1. A Consulta de Enfermag