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As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________ 1 Reabilitação Urbana As Sociedades de Reabilitação Urbana e as Novas Perspectivas na Requalificação de Centros Históricos Por João Lacerda Tavares Dissertação apresentada na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa para obtenção do grau de Mestre em Ordenamento do Território e Planeamento Ambiental Orientador: Professora Doutora Maria do Rosário Partidário Lisboa 2008

Reabilitação Urbana As Sociedades de Reabilitação Urbana e as … · Universidade Nova de Lisboa para obtenção do grau de Mestre em Ordenamento do Território e Planeamento

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As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

1

Reabilitação Urbana

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as Novas Perspectivas na

Requalificação de Centros Históricos

Por

João Lacerda Tavares

Dissertação apresentada na Faculdade de Ciências e Tecnologia da

Universidade Nova de Lisboa para obtenção do grau de Mestre em

Ordenamento do Território e Planeamento Ambiental

Orientador: Professora Doutora Maria do Rosário Partidário

Lisboa 2008

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

2

Agradecimentos

Agradeço à minha mulher e aos meus filhos

À Professora Rosário Partidário pela orientação

Ao Professor João Farinha pela amizade e pelo apoio.

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3

“Nenhuma restauração se deve empreender, nem se deve autorizar, sem

que previamente se defina, precisa e bem nitidamente, qual o fim de

utilidade social a que esse trabalho se consagra (…)”

Ramalho Urtigão, 1896

Arte Portuguesa, Lisboa, Livraria Clássica Editora 1896 (reedição de 1943) pág. 230

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RESUMO

Nos últimos anos os centros históricos tornaram-se num elemento central para a análise

da dimensão urbana. A imagem da cidade antiga é transmitida através do centro histórico

transferindo identidade e cultura para os nossos dias. É um objecto que permite a

comparação entre a cidade imaginada e a sua reabilitação para uma segunda vida.

As novas políticas de reabilitação urbana ganham cada vez mais espaço nos discursos

políticos e atenção da política de ordenamento do território. Os resultados de uma

intervenção urbanística que privilegiou outros territórios teve por consequência o

abandono e desleixo de muitos centros históricos das cidades portuguesas.

Em contraposição com outros países, as estratégias de reabilitação tem por cenário um

conjunto de centros históricos com problemas estruturais graves que provocaram perdas

de atractividade. Fazer uma reflexão sobre o que devem ser esses territórios e a criação de

condições sobre a sustentabilidade das soluções, é pressuposto de qualquer intervenção.

O que se questiona ao longo desta dissertação é a concretização de uma reabilitação

integrada que recupere identidade e cultura mas que concretize um novo modelo de

centro histórico de acordo com as necessidades actuais: Uma cidade imaginada com a

construção de cenários que potencie actividades de turismo e cultura ou a recuperação do

existente e a criação de um museu ao céu aberto.

Verificar o papel das Sociedades de Reabilitação Urbana na revitalização dos centros

históricos, os resultados obtidos e as expectativas na comunidade é fundamental para a

avaliação das próximas medidas. Sob pena de se tornar regra os regimes de

excepcionalidade como aqueles que caracterizam em Portugal as principais intervenções

urbanísticas.

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

5

ABSTRACT

In the last years, historical centres have become a central element for the analysis of

urban dimension. The image of the old town is transmitted by the historical centre and

transfers identity and culture into our days. It is an item that allows the comparison

between the city of imagination and its rehabilitation for a second life.

The new policies of urban rehabilitation are gaining more and more importance in

political speeches and in spatial development policies. The result of an urban intervention

that gave privilege other territories was the abandoning and neglection of many historical

centres of Portuguese cities.

In contrast to other countries, the rehabilitation strategies are founded on a scenery which

consists of various historical centres with severe structural problems, leading to the loss

of attraction. A prerequisite for any type of intervention is the reflection on what these

territories should be like and how conditions for sustainable solutions can be created.

The topic underlying this dissertation is the implementation of an integrated

rehabilitation, being able to regain identity and culture, however defining a new model of

the historical centre, that corresponds to modern needs: A city of imagination with the

construction of sceneries, which strengthens activities related to tourism and culture or

the recreation of existing constructions and creation of a open-air museum.

For the evaluation of the measures that are to be taken, it is of fundamental importance to

verify the role of the Sociedades de Reabilitação Urbana (Societies for Urban

Rehabilitation) in revitalizing the historical centres, the results achieved as well as the

expectation of communities. Otherwise, the ruling of exceptions will be the system used

in Portugal for the most important urban interventions.

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

6

Índice

Agradecimentos……………………………………………….....…………………..…… II

Sumário………………………………………………………........................…………... IV

Abstract…………………………….…………………………………………………...... V

Índice................................................................................................................................... VI

Índice de figuras................................................................................................................ VIII

Listagem de abreviaturas..................................................................................................... IX

1. Introdução………………………...…………………………………………...…….. 1

1.2 Objectivos e pressupostos de trabalho…………………………....….....……… 1

1.3 Metodologia e estrutura…...……………………………………………...…….. 2

2. Os Conceitos e o "estado da arte"..………………………………………………….. 5

2.1 Recuperar e Renovar............................................................................................. 5

2.2 Renovação Urbana.………….........……………………...…...………………… 6

2.3 Reabilitação Urbana..................................................................................….…… 8

2.4 Requalificação Urbana..............................................................................….…… 11

2.5 Revitalização Urbana................................................................................…….… 12

2.6 Os Centros Históricos.................................................................................…....... 15

2.7 Património.............................................................................…........................… 19

2.8 "O estado da arte"................................................................................................... 23

3. Compreensão das dinâmicas do espaço urbano............................................................ 28

3.1 As dinâmicas históricas da política de revitalização urbana................................ 29

3.2 Os desafios da revitalização urbana..................................................................... 36

3.3 Sustentabilidade da Reabilitação Urbana............................................................. 38

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

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4. A renovação urbana no seio das políticas urbanas....................................................... 43

4.1 Modos de intervenção.......................................................................................... 43

4.2 Uma categoria de urbanismo................................................................................ 44

4.3 Uma política pública............................................................................................ 47

4.4 Políticas de revitalização urbana......................................................................... 48

4.5 Os actores............................................................................................................ 51

4.6 Os instrumentos jurídicos mobilizáveis.............................................................. 54

4.7 Os instrumentos financeiros................................................................................ 57

4.7.1 Modos de financiamento da renovação urbana…....................................... 58

4.7.2 Financiamento, incentivos e programas…………………………...……... 60

5. As sociedades de reabilitação urbana........................................................................... 63

5.1 Um novo ciclo de interacção................................................................................ 65

5.4 Reabilitação sem SRU´s....................................................................................... 68

5.4.1 A reabilitação urbana do Centro Histórico de Guimarães........................... 68

5.5 Reabilitação com SRU's....................................................................................... 73

5.5.1 A Sociedade de Reabilitação Urbana - Porto Vivo, SA............................. 73

5.6 Comparação entre soluções....................................................................................... 79

6. As expectativas para a 2ª geração das SRU`s ......................................................... 82

6.1 Novos modelos de investimento ............................................................................ 86

7. Conclusão…………………………………………………………………………..... 87

Bibliografia………………………………………………………………………………. 90

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Índice de figuras

Fig. 2.1 Dimensões de intervenção da revitalização urbana 14

Fig. 2.2 Países com maior número de bens incluidos na lista

do património mundial

21

Fig. 2.3 A evolução da construção em Portugal 24

Fig. 2.4 Tipologia dos edifícios da Baixa de Coimbra 26

Fig. 3.1 Investimento em construção na Europa 33

Fig. 3.2 Quadro lista património mundial 39

Fig. 5.1 Imágem do centro histórico de Guimarães 69

Fig. 5.2 Zona de intervenção prioritária do Porto 77

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Listagem de Abreviaturas

AECOPS Associação das Empresas de Construcção e Obras Públicas

AUGI Áreas Urbanas de Génese Ilegal

BEI Banco Europeu de Investimento

CMVM Commissão dos Valores Mobiliários

CRP Constituição da República Portuguesa

DGOTDU Direcção-Geral do Ordenamento de Território e do Urbanismo

EEE Espaço Económico Europeu

GTL Gabinete Técnico Local do centro histórico de Guimarães

INH Instituto Nacional de Habitação

IPPC Instituto Português de Património Cultural

JESSICA Joint European Support for Sustainable Investment in City Areas

LBPOTU Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e Urbanismo

NRAU Novo Regime de Arrendamento Urbano

PCH Projecto de Recuperação do Centro Histórico de Sintra

PDM Plano Director Municipal

PNPOT Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território

PP Planos de Promenor

PRAUD Programa de Recuperação de Áreas Urbanas Degradadas

PRID Programa de Recuperação de Imóveis Degradados

PROCOM Programa de Apoio à Modernização do Comércio

PROHABITA Programa de Financiamento para Acesso à Habitação

PROREABILITA Apoio à Rehabilitação de Edifícios

PU Plano de Urbanização

QREN Quadro de Referência Estratégia Nacional

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RECRIA Regime Espacial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis

Arrendados

RECRIPH Regime Espacial de Comparticipação e Financiamento na Recuperação

de Predios Urbanos em Regime de Propriedade Horizontal

REHABITA Regime de apoio à Recuperação Habitational em Áreas Urbanas Antigas

SOLARH Programa de Soliedaridade e Apoio à Recuperação de Habitação

SRU Sociedade de Reabilitação Urbana

URBAL Programa da Comissão Europeia para locais europeus e latino-americanas para a difusão, aquisição e aplicação das melhores práticas no domínio das políticas urbanas.

URBCOM Sistema de Incentivos a Projectos de Urbanismo Comercial

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1. Introdução

Porquê reabilitar?

O declínio de um território não é mais do que o resultado da sua falta de atractividade. Então

porquê inverter os ciclos próprios de uma cidade que, espontaneamente, desloca o seu centro

de gravidade em função das exigências humanas? Deveremos fazê-lo em nome de qualquer

nostalgia do passado, da sua identidade ou impulso reformador? A que preço se propõe a

criação e renovação de um centro que já não aproxima as actividades e que, por reacção, as

expulsou? Como compreender o centro histórico e operar a intervenção de conservação que

lhe devolva a atractividade?

1.2. Objectivos e pressupostos do trabalho

Reconhece-se, com relativa facilidade, os factores que concorreram para o declínio dos

centros das cidades e da consequente desqualificação dos espaços. Porventura, entender-se-á

com maior dificuldade, o preço elevado que a inversão desse cenário e a procura de novos

modelos de ocupação de espaço acarreta. Manter a incoerência das funções económicas,

políticas e institucionais, quando as mesmas já não se associam nem se reconhecem nesse

espaço, parece difícil de entender.

Este trabalho procura certificar um conceito de intervenção urbanística cuja concretização

não apresenta ainda resultados finais. Na diversidade de respostas, as Sociedades de

Reabilitação Urbana (SRU’s) parecem estar a conseguir articular e desenvolver modelos de

concretização e a alavancar recursos e mobilizar meios. Mas outros modelos de intervenção

também têm representado experiências positivas sem a utilização destes mecanismos

específicos para a gestão e valorização de espaços a reabilitar.

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O objectivo global desta dissertação será efectuar uma abordagem da relação entre os centros

históricos e os seus novos usos, tendo por base o contexto de mudança de recursos e o novo

paradigma da vontade política em reabilitar os centros das cidades.

Revela-se, deste modo, oportuno contextualizar os conceitos e verificar as experiências em

reabilitação urbana, pretendendo-se, no fim, responder à pergunta de investigação: será que

os centros históricos devem ser reabilitados para criar cidade viva?

1.3 Metodologia e Estrutura

Após o enquadramento da problemática e da exposição dos seus objectivos, apresenta-se,

agora, a metodologia a seguir para atingir esses objectivos e responder à questão colocada.

A abordagem adoptada enfatiza a importância da reabilitação urbana e verificar a

oportunidade da intervenção em centros históricos e se sabemos que projecto final se

pretende. Na senda da abordagem inovadora iniciada pela UNESCO assente no

reconhecimento da realidade dos locais e formas diversas de expressão e práticas culturais

que constituem o património cultural imaterial, a análise valoriza as dimensões imateriais e

subjectivas do património que constitui os centros de cidades antigas e que se convencionou

designar por centros históricos.

No sentido de conhecer a forma como as reacções à reabilitação urbana tem sido

implementadas nas operações actualmente em curso procurou-se, in loco, percepcionar a

forma de intervenção, os resultados da acção na comparação com os objectivos e a diferença

de experiências. Em Guimarães e no Porto discutiu-se com os promotores da intervenção

urbana e avaliou-se, na rua e com os destinatários. Partindo de quadros de referência e

valores diferenciados, procurou-se analisar e comparar as experiências na perspectiva crítica

de um ponto de vista de ordenamento do território.

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

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Por essa razão se valoriza mais os processos de identificação, de contextualização e de

comparação de acordo com esquemas de reconhecimento de validade que a formação do

dissertante alcança.

Pretende, sobretudo realçar o estado e razões de uma degradação imparável dos centros

históricos e destacar o potencial das novas ferramentas da reabilitação urbana.

Tal como se pode observar a partir do esquema seguinte (figura 1.1) a presente dissertação

encontra-se estruturada em torno de cinco temas principais, correspondentes aos capítulos 2,

3, 4, 5 e 6.

No Capítulo 2 é feita uma breve caracterização do tema reabilitação urbana, a identificação

dos conceitos, evolução histórica e actual estado dos centros históricos.

Depois, é apresentado no Capítulo 3 as dinâmicas do espaço urbano, com os modos de

intervenção no edificado, os desafios da revitalização urbana e como tornar um centro

histórico sustentável após a intervenção de reabilitação.

As Sociedades de reabilitação urbana

Os Conceitos e o “ estado da arte”

Compreensão das dinâmicas do espaço urbano

A renovação urbana no seio das políticas urbanas

As expectativas para a 2.ª geração de SRU’ s

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No Capítulo 4 procura-se avaliar a renovação urbana sob a perspectiva das políticas públicas

de urbanismo e a revitalização como ponto de partida de uma acção de reabilitação. O que se

tem feito e quem o realiza, os actores que são chamados a intervir, abordando, ainda, os

instrumentos jurídicos e financeiros mobilizáveis e.

Apresenta-se no capítulo 5 a perspectiva de recuperação do edificado e a necessidade de

operadores especializados para o objectivo de revitalizar um centro histórico. Faz-se a

avaliação das experiências em reabilitação, as sociedades de reabilitação urbana, enquanto

modelos institucionais especializados. Projectam-se as expectativas em reabilitação e a

necessidade de um novo ciclo de interacção público-privado.

No Capítulo 6 as expectativas para a 2.ª geração de SRU’s estudando os modelos com base

em experiências europeias de novos produtos financeiros de suporte às intervenções.

Por último, expõem-se as conclusões considerando as razões da excepcionalidade do regime

da reabilitação urbana mencionadas ao longo do trabalho e a falência dos modelos de

intervenção da política geral de urbanismo e de ordenamento do território. O objecto de

análise dos casos práticos visa, sobretudo, verificar a validade e actualidade de projectos de

intervenção de recuperação, reabilitação e revitalização bem como os modelos de recurso

como são as Sociedades de Reabilitação Urbana.

Esta apresentação foi fruto de uma pesquisa de diversos modos de ver a reabilitação urbana,

tendo como referência o interesse da abordagem dos modelos e o seu potencial contributo

para a concepção de novos conceitos globais de intervenção.

É, necessariamente, uma abordagem com uma perspectiva jurídica que é a área de formação

do mestrando. Uma visão de um jurista mas também de um autarca que verificou que o

planeamento do território é cada vez mais a atribuição de quem tem a possibilidade de

contribuir para a gestão de um território.

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2. Os conceitos e o “estado da arte”

2.1. Recuperar e Renovar

Uma aproximação ao conceito tema impõe, desde logo, a definição das designações que

escolhemos para definir reabilitação urbana e que, à primeira vista, nos parecem antagónicas.

Recuperar assenta, sobretudo, numa perspectiva de conservação do edificado. Por sua vez,

renovar parece apelar a uma actuação de modernização, se não mesmo de demolição e

posterior substituição do mesmo. Uma ideia comum neutraliza uma eventual destrinça: A

necessidade essencial de intervenção no existente.1

E poderíamos ainda juntar muitos outros termos com significado idênticos ou

complementares que, consubstanciando políticas de ordenamento do território e de

urbanismo, pretendem promover a conservação do património edificado. Falamos, então, em

reconversão, requalificação, revitalização, expressões todas elas que representam reabilitação

em diversas incidências e níveis

Todavia, independentemente da designação que seja dada a esta política de intervenção

urbana o que se pretende alcançar com reabilitação é a reanimação de um aglomerado urbano

cuja vitalidade original se pretende recuperar e adaptar a novas exigências da vida social e

económica. Se quisermos, numa visão mais economicista, o objectivo da reabilitação é dar

sustentabilidade à gestão de um território mas com observância de novos parâmetros que

resultarem das opções estratégicas adoptadas.

Esta visão faz realçar a expressão relativamente recente de centros históricos que só ganha

autonomia e relevância face à proeminência e à centralidade de novos espaços citadinos que

caracteriza a vida urbana. Expressão que, como verificaremos mais à frente, mais do que

1 A maioria dos autores usa indistintamente os termos em referência para as operações de reabilitação

urbana e a própria legislação não tem uma denominação usual.

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

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remeter para um espaço ou objecto, converte-se em representação de qualquer coisa de que

necessitamos, de acordo com os parâmetros de hoje, de recuperar e renovar.

Alves Correia (2004) afirma que a reabilitação urbana constitui […] um processo sistemático

de intervenção no tecido urbano existente com o objectivo de adequar ao fim pretendido.

(informação verbal).2

Neste processo de intervenção é tentado recuperar tudo aquilo que representamos nesse

centro histórico, incluindo tudo aquilo que, provavelmente, não existiu nesse espaço. Por

isso, também, a necessidade de fazer uso de várias disciplinas cientificas para representar as

referências identitárias para a recuperação da cidade que se procura.

Também como veremos, um projecto de intervenção urbana deve promover a cidade e

permitir responder aos objectivos da coesão social, económica e territorial de

competitividade, desenvolvimento, desenvolvimento e sustentabilidade.3 Reabilitação é,

sobretudo, um conceito dinâmico com uma evolução de actuações que justifica a

diferenciação de concepções que passaremos a descrever:

2.2 Renovação Urbana

O conceito de renovação urbana é marcado pela ideia de demolição do edificado e

consequente substituição por construção nova, com diferentes características em resultado

das novas actividades económicas. As mudanças urbanas são marcadas pela evolução da

cidade que requer novos usos e que se adapta às solicitações dos seus utentes. Os efeitos

sociais que este tipo de política impõe tiveram implicações no princípio do século XX em

diversas cidades em função da reocupação das zonas centrais pelas actividades económicas

terciária e expulsão da função residencial.

2 Alves Correia, Fernando, Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, curso de Direito do

Ordenamento do Território, Urbanismo e Direito do Ambiente, (CEDOUA) 2004 3 Documento final da conferência “Le Sommet des Villes” Out 2004

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A renovação urbana tem uma perspectiva de actuação substitutiva de edificado e de espaços

públicos. Mas a sua promoção foi muitas vezes aproveitada para a renovação do tecido social

com a expulsão de camadas sociais que, por força do crescimento das cidades, passaram a

ocupar áreas centrais. Se é certo que o elemento que caracteriza muitos centros históricos é a

degradação do edificado resultado de focos de pobreza, são muitos os exemplos que

marcaram a renovação urbana na vertente de renovação social.

Em Portugal, este tipo de intervenção foi aplicado extensivamente na época do Estado Novo

– Martim Moniz, Alta de Coimbra –4onde se procedeu a massiva substituição de tecidos

antigos em nome de um política de planeamento de renovação. Nesse sentido, e sob pretextos

higienistas ou de necessidade viária, considerou-se o tecido antigo como caduco, insalubre,

sem valor patrimonial e, sobretudo, impeditivo da modernização. Foi com base neste

princípio que se arrasou a Alta de Coimbra, de um extenso e antigo edificado urbano para dar

lugar a um conjunto de novos edifícios e avenidas do campus universitário.

Nos planos de urbanização, os tecidos antigos passam a ser preservados em formol 5 ou

esventrados para dar visibilidade aos monumentos e pontos de interesse. Assim se

posicionaram no centro das cidades os principais edifícios de instituições de âmbito nacional

como forma de reforçar a imagem dos valores e poder do Estado

Essas mudanças abrangiam 3 dimensões básicas: Desde logo, a dimensão morfológica que

condicionou decisivamente a forma da cidade e o seu aspecto físico, dos seus edifícios e

redes viárias. Depois, a dimensão funcional, com a substituição das actividades económicas

por outras de maior dimensão e capacidade financeira, fazendo desaparecer o pequeno

comércio tradicional. Por último, a dimensão social com as implicações sociológicas

decorrentes da substituição de residentes ou visitantes por outros com níveis de rendimento

ou instrução social diferentes e que escolhem viver no centro.

4 Centros das cidades e políticas de requalificação urbana, Observações etno-metodológicas e notas

sociológicas sobre a Baixa de Coimbra. Carlos Fortuna, Centro de Estudos Sociais, Faculdade de

Economia, Universidade de Coimbra

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

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Apesar de caracterizarem muitas operações urbanísticas do início do Séc. XX, o certo é que

muitas das operações de renovação dos anos 80 ou 90 fizeram avançar as políticas de

reabilitação urbana com operações de grande escala, marcadas pelo carácter zonal, a que se

intitulou áreas de renovação ou sectores de renovação6. As operações de renovação urbana

pressupunham, essencialmente, substituição, e se no passado visaram dar reflexo à renovação

das actividades da cidade, hoje são operações de recuperação de território que se ressuscita

garantindo a continuidade da imagem da cidade antiga.

Essencialmente, as operações de renovação faziam substituir cidade. Uma renovação do

edificado e, por consequência do tecido social e económico, que a nova abordagem sobre

intervenção urbana fez, definitivamente, passar à história e fazê-lo substituir por conceitos

que preservavam a imagem, ou identidade, da cidade.

2.3 Reabilitação Urbana

Se a renovação faz uso de modelos de substituição do tecido edificado – e por consequência

do tecido social e económico - a reabilitação utiliza uma metodologia de habilitação.

Tendencialmente, apelidamos de reabilitação toda a actividade de recuperação de edificados,

mas na verdade esta é somente uma forma de intervenção sobre edificado existente. Como

verificámos atrás, a reabilitação urbana concentra em si mesmo o conceito de acção sobre a

cidade. Um conceito englobante definido por um processo integrado de reanimação de parte

da cidade com intervenções que, por consequência, revitalizam a actividade da cidade.

“[…a reabilitação significa a substituição da estima pública. Sendo o seu objectivo criar

condições para que as pessoas não só possam viver e sobreviver em condições consideradas

5 Processo de folclorização e institucionalização do património.

6 Como exemplos, a City londrina nos anos 80, a renovação de Berlim reunificado no início dos anos 90 ou

a frente marítima de Barcelona desde os anos 80

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adequadas, mas, também, criar condições de maneira a que estes núcleos ou essas cidades

constituam núcleos estimados pela sociedade e a colectividade” (Arq. Alcino Soutinho in 2.º

Encontro dos Programas Urban e Reabilitação Urbana, 1998:48)

Em concordância com esta posição, a reabilitação não significa a eliminação do tecido

existente mas antes a sua habilitação. E habilitar apela a conceitos de readaptação a novas

situações em termos de funcionalidade urbana. O objecto de intervenção é o mesmo:

edificado degradado ou disfuncional e a necessidade de criar atractividade. Por isso, as

soluções a preconizar devem privilegiar a readaptação a novas situações em termos de

funcionalidade urbana. Trata-se de diagnosticar para readequar o tecido urbano agora

desadequado às funções pretendidas.

A reabilitação privilegia a adaptação. Se o edificado é essencialmente residencial então a

adaptação faz apelo às intervenções que permitam continuar a promover esse usos. Nesse

sentido, a reabilitação utiliza metodologias diferenciadas resultado da percepção da utilidade

do edificado. A intervenção não é necessariamente igual em todos os quadrantes. Aqui e ali o

restauro de alguns edifícios, noutros a sua demolição e construção de novos. Do mesmo

modo, reabilitar um edifício pode implicar a demolição de alguns elementos e a construção

de novos.

Por outro lado, a reabilitação necessita de parâmetros de aparência e estética: os elementos de

visibilidade, as fachadas, o espaço público são os adereços da intervenção de conjunto. É um

processo que concilia intervenções na medida em que a operação de reabilitação surge, a

maior parte das vezes muitas vezes associada a actuações privadas. De facto, a parte exterior

de um edifício, a sua fachada, é tão público como o espaço público, fazendo com que a

transição seja algo conciliado. Razão para que seja dado especial ênfase ao processo de

reabilitação uma vez que nele concorrem diversos factores importantes para o êxito de uma

operação.

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Em finais dos anos 80 assiste-se em Portugal às primeiras experiências em reabilitação

urbana 7 com mais de uma década de atraso relativamente às realizadas em muitas cidades

europeias. A necessidade de manter população no centro das cidades perante a atractividade

das coroas peri-urbanas, é um dos factores que determina a promoção de uma nova política

de intervenção urbanística. Foram pioneiras as experiências na Ribeira do Porto, em Évora e

Guimarães, com a criação de instrumentos específicos e dotados de meios próprios para a

reabilitação de uma zona eleita. Os GTL’s8 deram um contributo importante para o

desencadear de operações planeadas de intervenção sendo percursoras das futuras sociedades

de reabilitação urbana. Os seus resultados, como no caso de Guimarães, foram objecto de

estudo pelo significado das operações de reabilitação invertendo um quadro de degradação

que caracterizava o edificado e o espaço público. Apesar disso, a maioria das experiências

acabou por ter um peso muito exclusivo sobre a dimensão física da reabilitação, dissociada

de intervenções no tecido económico e social, características daquilo a que mais tarde se

denominou de revitalização urbana.

A dimensão social era o mais frágil vértice da reabilitação urbana, aquele que mais

dificilmente se conseguiria atingir sem uma específica preocupação de integração. Na

verdade, a preocupação passava agora por uma estratégia de reabilitar sem provocar

processos de expulsão dos habitantes e substituição destes por outras camadas sociais.

Um território reabilitado cria nova centralidade provocando uma mudança do seu valor tanto

na dimensão económica como na dimensão cultural e social. 9 A valorização do património

começa, no entanto, pela vertente social ainda antes da intervenção no edificado, invertendo

todo o conceito que marcou a fase da renovação urbana.

7 Algumas experiências na zona ribeirinha do Porto nos anos 70 não são enquadráveis no processo de

reabilitação urbana como agora definimos. 8 A criação de Gabinetes Técnicos Locais (GTL) em 1985 em 37 cidades portuguesas.

9 A Área da Nova Centralidade de Barcelona após a intervenção posterior aos Jogos Olímpicos.

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21

De facto, como refere Jorge Gaspar,10

a evolução do conceito ao longo dos últimos 25 anos e

a cada vez maior complexidade e visão integradora dos programas e projectos de reabilitação

urbana, tem levado a esbater o antagonismo original entre reabilitação e renovação. Se hoje

ninguém defenderá intervenções do tipo das que marcaram muitas cidades nos anos 50 e 60,

ao mesmo tempo se tem apagado algum fundamentalismo preservacionista que por vezes

imperou.

2.4 Requalificação Urbana

A autonomização do termo requalificação surge mais tarde para caracterizar intervenções

suficientemente abrangentes nas cidades mas rapidamente é sinónimo de políticas de

intervenção urbanística no edificado antigo. Opera como instrumento para a melhoria das

condições de vida das populações, promovendo a construção e renovação de equipamentos e

infra-estruturas sem esquecer a valorização do espaço público. Nesse sentido, não se afasta

dos objectivos prosseguidos nas outras terminologias referidas. A diferença é a promoção de

medidas de dinamização social e económica que a operação no edificado esquecia, sendo por

essa razão muitas vezes apelidada de política de centralidade urbana.

A requalificação urbana tem um carácter mobilizador, acelerador e estratégico. Mobilizador

porque pretende coordenar e articular actuações para a construção de novos cenários que

sejam o resultado da vontade de todos. Acelerador no sentido de provocar a mudança e

promover objectivos cuja sustentabilidade seja assegurada através de políticas estruturais

com preocupações de integração social. Estratégico porque voltada para o estabelecimento de

novos padrões de organização e utilização do território.

As grandes acções de recuperação de áreas urbanas degradadas são necessariamente

diversificadas, também, pela especificidade e necessidade de cada centro histórico objecto de

intervenção. Com esta abrangência, a operação de requalificação pretende a valorização do

10

Garpar, Jorge, CEDRU, artigo “Reabilitação e Valorização Económica”. 2.º Encontro dos Programas

Urban e Reabilitação Urbana

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22

território mas esta valorização vem por via da intervenção no património. A necessidade de

dar novos usos a espaços que se perderam com funcionalidades ultrapassadas são o objectivo

principal das operações de requalificação urbana esperando que essas intervenções

potenciem a resposta a outras preocupações da cidade, nomeadamente aquelas que se

prendem com preocupações de integração social.

Assume esta política a acção e o efeito acelerador que possam provocar no todo. Valorizar o

território procura melhorar o cenário, reintegrando todos os elementos cénicos, fazendo

reanimar os espaços, incentivando actores para a criação de um novo guião para a cidade.

2.5 Revitalização Urbana

Herdeira das políticas de intervenção urbana já referidas, a revitalização urbana é

suficientemente distante e autónoma para a delimitação de um novo conceito. E essa

distância surge pelo dinamismo do conceito de recuperação urbana que ao longo das últimas

décadas foi sofrendo alterações de acordo com as estratégias de actuação. Na verdade,

redimensionar um conceito integrado de intervenção tem sido o objectivo que cada uma das

políticas caracterizadas tem pretendido alcançar.

A revitalização urbana integra os conceitos já apresentados e é fruto de experiências em

diversas cidades realizadas durante quase um século. Os diferentes modelos de intervenção,

nem sempre claramente distintos, apelavam a intervenções mais físicas que integradoras.

Mas também a forma de gestão dos processos nem sempre corresponderam às expectativas

que faziam prever, frequentemente conflituais, e sem o recurso a mecanismos de participação

e concertação que começaram a dar os primeiros passos apenas na década de 90.

Se na renovação a actuação parece fazer recurso a políticas de substituição e na reabilitação a

processos de readaptação já na requalificação pretende-se a afirmação da dinamização social

e económica. No caso da revitalização urbana associa-se todos os conceitos anteriores para

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

23

integrá-los numa intervenção mais vasta. A palavra-chave é integrar: integrar dimensões de

intervenção, integrar parceiros e recursos.

Nesse contexto, a revitalização assenta na implementação de um processo de planeamento

estratégico capaz de identificar e reconhecer os valores pretendidos adaptando-se, assim, ao

estipulado no projecto de intervenção. Isto é, uma política de revitalização diferencia-se de

outros tipos de intervenção urbanística sobretudo pela capacidade de promover vínculos entre

territórios, actividades e pessoas.

Assumindo-se como uma política englobante, a revitalização urbana não significa a soma de

projectos ou de programas introduzidos num dado território. Bem pelo contrário, assume-se

como uma operação sustentável com interdependências nas intervenções físicas e

implementações de projectos. Nesse sentido, a revitalização urbana tem consequências

directas no território, com responsabilidades na melhoria na qualidade do ambiente urbano,

nas condições sócio-económicas e na melhoria da qualidade de vida. 11

Uma visão global do território a intervir obriga a modelos flexíveis adaptados às realidades

territoriais, coordenando e adaptando os recursos existentes e potenciais, públicos e privados.

E é sobre esta relação que se baseia o potencial do processo de revitalização sendo as pessoas

e as entidades co-autoras desse processo. Uma cooperação que caracteriza o próprio conceito

de revitalização que se pretende integrador de forma a garantir a sua própria sustentabilidade.

A perspectiva de sustentabilidade da intervenção é, efectivamente, pressuposto do sucesso da

intervenção. Baseia-se, sobretudo, nos opportunity projects, na colaboração privado/público

e na relação com as comunidades. Centra a sua atenção em objectivos de sustentabilidade dos

usos da cidade e talvez essa seja a principal vocação da cidade. Ser sustentável, sustentar as

suas actividades e ser sustentada pelas suas próprias valências. Na verdade, a valorização

económica é, talvez, a maior dificuldade de qualquer operação de reabilitação urbana, uma

11

Operação sustentada que faz uso de mecanismos próprios: “economic viability”; environmental

responsibility” e “social and cultural equity”

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24

vez que, como diz Álvaro Domingos12

, as áreas-problema que são objecto de intervenção,

correspondem, de facto, a territórios e grupos sociais onde as diversas vertentes da

valorização económica se defrontam com sérios problemas sociais

A revitalização urbana enquanto processo integrador tem, de facto, um objectivo principal:

trazer (de novo) vida à cidade. Falamos, então, em conceitos de atractividade ou dinâmicas

perdidas que desenvolvem um projecto orgânico de planeamento. Um projecto complexo em

que os instrumentos de revitalização abrangem muitas vertentes.

Dimensões de Intervenção da Revitalização urbana

Figura 2.1 – Dimensões de Intervenção da Revitalização Urbana

Fonte ISCTE Lisboa

12

Domingos, Álvaro, comunicação em artigo “Reabilitação e Valorização Económica”. 2.º Encontro dos

Programas Urban e Reabilitação Urbana

Qualidade de Vida,

Coesão Social

e Bem-Estar

Competi- tividade,

Conhecimento

e Inovação

Governação

Urbana

Cultura e Lazer

Urbanos

Território, Ambiente

e Mobilidade

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25

A abordagem da revitalização urbana surge, então, como uma evolução das noções de

renovação, reabilitação ou requalificação. Ela é, essencialmente, uma abordagem pró-activa

em consideração os factores potenciadores de novos dinamismos. Mas sendo uma política de

planeamento urbano alberga, também, outras noções que se julgava serem características

exclusivas de outras políticas como sejam a coesão social, ambiente e conhecimento e

inovação.

2.6 Os centros históricos

“A pedra encerra em sim a memória e a cultura de um povo”13

Na verdade, é unânime

considerar que o espaço urbano é um espaço de identidade e cidadania e que para ela

confluem as principais actividades humanas. A produção da cidade resulta, precisamente, da

soma de identidades, das suas tensões, confrontações, pressões, negociações e compromissos

entre diferentes actores que procuram a satisfação das suas necessidades.

[…]“Uma paisagem urbana é uma realidade física integrada por edificações, equipamentos,

elementos da natureza e espaços livres, formando um conjunto que pode ser percebido em

detalhes ou como um todo pelos habitantes e usuários da urbe."[…] (WILHEIM, Jorge.

Intervenções na paisagem urbana de São Paulo)

A expressão urbano, visa, essencialmente, referenciar o meio citadino. Uma cidade é sempre

uma criação, um elemento fundamental da organização de espaço, num complexo e

intercalado sistema de relações estabelecidas voluntária ou espontaneamente. É um conceito

que varia, necessariamente, da perspectiva disciplinar de análise: Uma aproximação simplista

definiria como uma reunião num espaço mais ou menos vasto, mas muito denso, de um

grupo de indivíduos que aí vivem e produzem.

13

conferência “A cidade para o cidadão! – Ordem dos Arquitectos 2006 – Declaração de Política de

Arquitectura

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26

As cidades são, desde sempre, uma realidade em mutação constante com um conjunto de

actividades variadas indissociáveis do modo de vida dos seus habitantes. Em 1990 a

Comissão Europeia descreve cidade no Livro Verde do Ambiente Urbano como “[…] uma

aglomeração mais ou menos regular de edifícios e vias públicas, onde as pessoas possam

viver, trabalhar e, também onde há actividades, sociais, culturais e tem pelo menos 100

habitantes […)”14

. Esta definição, apesar de parecer demasiado simplista, é suficientemente

abrangente e esclarecedora por envolver as várias temáticas de ocupação de espaço.

Integrando a cidade, os centros históricos constituem um elemento central do espaço urbano.

São o seu espaço privilegiado, aquele onde se deu o início da cidade e de onde ela partiu para

os seus espaços circundantes. Mas a noção de centro histórico é relativamente recente e só

ganha sentido face à centralidade e proeminência de novos espaços citadinos. É uma

expressão que adquiriu lugar nos discursos políticos e técnicos, mas também no público em

geral, e que identifica no lugar de referência, uma ideia abstracta do ideal de cidade, face ao

movimento de transformação e desenvolvimento urbanístico. Na verdade, quanto mais

evidentes se tornam as fragilidades da cidade nova, mais acentuada parece ser a sensibilidade

para uma ideia tipificada15

, mas abstracta, de património que os centros históricos vivificam,

como espaços harmoniosos onde um passado se terá desenrolado e que hoje se perdeu.

Como referem Ashworth e Tunbridge, 2000,16

“[…] a consciência patrimonial que subjaz à

expressão centro histórico revela que os núcleos urbanos antigos são um reflexo do nosso

presente e do nosso futuro mais do que do nosso passado”[…]. A consciência patrimonial

característica das novas políticas urbanísticas e opções de actuação estratégica no

ordenamento do território manifesta-se como um mecanismo de reacção contra o risco de

desaparecimento de uma realidade tangível. O património está presente, como detectáveis

são as dinâmicas da cidade que tal património sustentou.

14

48% da população mundial vive em aras urbanas e prevê-se que em 2030 o número atinja os 61%.

(referência dos números)

15 Como demonstram o crescimento de inúmeras associações de defesa do património

16 ASHWORTH, G.J. e TUNBRIDGE, J. E. (2000), The Tourist-Historic City – Retrospect and Prospect of

managing the Heritage City, Amsterdam

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27

Mas a ideia de uma cidade sustentável, uma cidade com interacções e identidade, é

constituída por um ponto de vista actual, e de acordo com a avaliação que hoje temos. À luz

dos actuais indicadores de sustentabilidade, a cidade histórica, provavelmente, nunca chegou

a ser uma cidade sustentável, ao contrário do que projectamos ao analisamos o período

anterior ao declínio da actividade dos centros históricos.

Uma ideia artificial fundada, é certo, numa consciência patrimonial com base na memória de

espaços comuns. Contudo, esses espaços são uma oportunidade e um instrumento para

analisarmos a dialéctica urbana da permanência e da mudança, e nesse sentido elas são

também um desafio.

A cidade foi, e é vista como um espaço onde se potenciam oportunidades de vida, expressas

em torno de conceitos como progresso, desenvolvimento e modernidade. Mas é também nas

cidades, e concretamente, nos seus centros históricos que se agudizam e cristalizam

problemas como desigualdades territoriais, económicas e sociais. As transformações

económico-sociais das cidades fazem parte das dinâmicas próprias de um território instável

mas com evoluções próprias, sobretudo, como actualmente, em que lhe são impulsionados

dinamismos concertados.

É comum referir-se existir um certo número de características nos centros urbanos que

permitem apelidar de centro histórico em oposição às zonas novas, suburbanas e onde

habitam a maior parte das pessoas. Um factor de atracção aos centros históricos é a sua

diversidade, o facto de ser uma amálgama de épocas distintas e a aparente harmonia que se

consegue depreender do conjunto.

O seu carácter orgânico cria a aparência de uma cidade afectiva de que se consegue empatia:

as ruas sinuosas, as praças ortogonais, a individualidade de cada monumento mas também de

cada edifício. Também o estado de conservação das construções originais, muitas vezes

frágeis e toscas, fazem acentuar o carácter singular e retratar de forma mais genuína a

imagem. Por fim, a forma opulenta com que se apresentam os edifícios institucionais ou

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28

relegiosos que marcam, efectivamente, a grandiosidade da histórica de um determinado

centro histórico.

Mas mais do que qualquer característica específica, o que resulta é o conjunto. É a soma das

referidas identidades que faz criar o centro histórico. E a vantagem da afectividade é o

elemento diferenciador da cidade nova. De facto, a massificação da construção nas novas

zonas habitacionais determinou um repetitismo e estandardização que não se verifica nos

centros históricos. A densidade e a mistura de usos, que hoje percebemos que é em si mesmo,

indutora de qualidade de vida, foi claramente afastada do novo planeamento, preferindo-se os

zonamentos com todas as desvantagens que hoje se demonstra.

Contudo esta política pode determinar que o centro histórico hoje, também, pode resvalar

para um novo zonamento resultante das suas novas funções ou das funções que restaura com

o abandono da função habitacional. Mas a sua cultura de proximidade permite recriar novos

usos e utilizações que hoje damos novamente importância e que preenchem os novos

indicadores de qualidade de vida: O favorecimento do uso pedonal, a possibilidade de

pequeno comércio de qualidade ou a simples vivência da cidade.

É claro que os centros históricos não concentram apenas características positivas. Como

grande parte das suas áreas não nasceu de projectos concretos, não houve lugar a desenho

urbano. Em resultado, a opção de utilização do automóvel encontra constrangimentos muito

sérios, e que conflituam com a possibilidade de desfrutar do centro. Também as dificuldades

resultantes de uma maior exigência de regras de salubridade e funcionalidade das habitações

são outros constrangimentos da cidade antiga, que sofre as patologias decorrentes da sua

idade, como a degradação dos edifícios.

Este facto tem modificado a vivência de um centro histórico criando um efeito de bola-de-

neve: Os habitantes com mais posses abandonam estas zonas, procurando condições mais

favoráveis nas zonas novas da cidade. Os preços da habitação descem e estas zonas passam a

ser ocupadas apenas pelos escalões mais baixos da sociedade e como estes não têm

possibilidade de proceder à recuperação dos edificados acabando por deixar os prédios

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

29

degradarem-se ainda mais. Mas a estes juntam-se as pessoas mais idosas, com poucas posses,

que se mantendo no centro histórico por razões financeiras não criam interactividade ou

novas dinâmicas para o centro históricos.

Razões para se perceber que o importante na preservação dos centros históricos não são as

suas características formais mas o seu carácter humano. A sua identidade é o conjunto de

pessoas, e tudo aquilo que emprestaram à vivência na cidade. Por isso, também a caracteriza

o somatório de diferentes épocas, de diversas interacções. Todos os centros históricos

sofreram alterações mais ou menos marcantes ao longo da sua história: uma intervenção

contemporânea é apenas mais uma.

2.7 Património

O centro histórico é, por norma, o núcleo mais antigo, ou mais monumental da cidade. A sua

definição depende de critérios diversos que não são necessariamente os requisitos que, por

exemplo, a UNESCO sugere para uma classificação.17

. No entanto, o património mostra-se

determinante para o reconhecimento de uma identidade e a classificação.

“[…] A identidade e o estilo de uma cidade ou de uma região são, hoje em dia, definidos, de

um modo visível, pela valorização ou invenção de um património. […]” Paulo Peixoto,

2002.18

Poderíamos, assim, considerar que a sua definição depende somente da essencialidade que

um conjunto edificado, com determinada história e antiguidade, tem para a cidade. O

edificado de uma cidade, o seu núcleo mais antigo que esteve na génese do nascimento de

uma cidade, transporta um conjunto de valores históricos, culturais ou religiosos que se

mostra essencial para o desenvolvimento da mesma. É também por isso que o centro de uma

cidade atrai: Atrai o seu visitante que se dirige para o centro à procura do património, daquilo

17

A UNESCO define cidades históricas vivas […] as que, pela sua natureza, foram e continuam a ser

levadas a evoluir sob o efeito de mutações sócio-económicas e culturais […].

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que a distingue e que lhe dá singularidade. Atrai a actividade económica, outrora o comércio,

hoje o turismo. Atrai quem procura autenticidade e história.

Mas esta atractividade é, também, resultado de uma conciliação entre marketing de cidade e

património. A “imagem de marca” de um centro histórico está condicionada pela boa

manutenção do seu objecto de promoção mas também pela imagem de autenticidade do

conjunto das actividades oferecidas. Efectivamente, os centros históricos citadinos procuram

assegurar as certificações internacionais que os possam identificar com a marca de

autenticidade, como seja a denominação de Património da Humanidade19

. A questão da

autenticidade, passou a ser encarada como um factor importante para a competitividade dos

centros históricos e factor de concorrência.

Nessa medida, os centros histórico passaram a concorrer entre si na disputa dos seus usos

actualmente mais procurados e aquele que lhe pode dar sustentabilidade: a actividade

turística. O património passa a ser o elemento diferenciador na procura de autenticidade e um

dos campos preferenciais das industrias culturais urbanas. […]”No campo simbólico em que

se joga o prestígio e se difundem imagens que realçam o potencial competitivo das cidades, o

espírito de lugar e os símbolos que o representam tornaram-se campos privilegiados de

transformação das identidades urbanas” […] (Cf. Peixoto, 2000)

Parece evidente que a denominação património mundial como imagem de marca de lugares

que visam tornar-se competitivos, passou a delinear os objectivos de todos aqueles que

pretendem promover o património. Mas só com a Carta de Veneza20

é que o conceito de

património passa a englobar, para além dos edifícios individuais com valor monumental, os

conjuntos construídos e o tecido urbano: cidades, bairros e centros históricos fazem

18

Paulo Peixoto (obr. citada) 19

Convenção do Património Mundial aprovada pela Conferência Geral da UNESCO de Paris, em 1972 que

criou o comité responsável pela gestão dos processos de candidatura de bens patrimoniais à Lista do

Património Mundial. Esse comité criou um documento base onde impôs o conhecido “teste da

autenticidade”como um dos critérios para o exame, avaliação e qualificação dos bens patrimoniais na Lista

do Património Mundial.

20 Segunda Conferência Internacional para a conservação dos monumentos históricos, 1964

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31

desenvolver uma concepção do património que levaria mais tarde, à ideia de um património

urbano.

A inclusão de bens culturais na noção de património mundial confere ao património todo o

seu sentido, constituindo-se este como um fundo que não é apenas legado, mas que é também

intencionalmente ampliado por via de uma acumulação contínua de bens. A distinção

simboliza importantes políticas de marketing urbano e da gestão dos fluxos do turismo

patrimonial. Esta instrumentalização do património pela industria turística não anula as

intenções de uma política de atractividade das cidades com centros históricos: A relação

directa entre os números de inscrições de bens na Lista do Património Mundial durante a

década de 90 e o consequente aumento na hierarquia de turismo.

Figura 2.2 Países com maior n.º de bens incluídos na Lista Património Mundial

Fonte: UNESCO, 2000

O facto de a Lista Património Mundial ser claramente dominada pela presença dos chamados

bens culturais em detrimento dos bens naturais não deixa de ser revelador da importância do

património enquanto recurso das industrias culturais urbanas. É neste contexto que as

chamadas cidades históricas encontraram no genius loci um triunfo para fazer face à erosão

do seu tecido económico e à perda de competitividade.

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32

O aumento da procura do estatuto de património mundial resulta da pressão que os lugares

foram sentindo para se tornarem competitivos. O recurso ao património para a promoção da

cidade torna a estratégia de renovação urbana muito condicionada à imagem e apresentação

estética pretendida pelo consumidores do bem e perigosamente dependente da engenharia

cultural que transforme o local na estilização solicitada e não o resultado genuíno da história

do centro histórico.

Em termos nacionais há muito que a protecção do património é uma realidade. Um conceito

cultural, um valor de civilização e, por consequência, tem a necessária previsão legal. A

Constituição Portuguesa determina que o Estado deve […] proteger e valorizar o património

cultural do povo português […] (Art. 9.º alínea f) da CRP). A Lei do Património Cultural

considera Património como “[…] todos os bens que, sendo testemunhos com valor de

civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de

especial protecção e valorização.” (Art. 2.º da Lei n.º 107/01 de 8 de Setembro).

Na definição de património cabem, naturalmente, os bens patrimoniais edificados –

monumentos, edifícios, lugares históricos – que são, aliás, aqueles que melhor significado

dão à classificação de património. Apesar disso, a lei de bases do património não integra

qualquer doutrina ou retórica sobre o urbanismo como valência cultural autónoma. Não prevê

o património urbanístico e as suas dinâmicas atribuindo-lhe os níveis de protecção que o

edificado individualizado possa ter.

Ao nível da União Europeia a inserção da política de reabilitação do património como

“política comum” sucedeu ao projecto “Modelos de Gestão de Reabilitação em Centros

Históricos” integrado no Programa URBAL21

que definia por património construído ”[…]

não só os monumentos, ou edifícios do património histórico e os centros históricos, como

também os núcleos urbanos mais antigos, os conjuntos urbanos e as estruturas urbanas que

constituem o ambiente urbano.”

21

Progama implementado em 1995 juntou mais de 650 autoridades locais em torno de projectos de

planeamento de cidades.

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33

A atenção das políticas comunitárias e nacionais insere-se numa preocupação que, sendo

relativamente nova, inverteu toda uma prática que caracterizou a renovação das cidades. Na

verdade, a face de qualquer centro de uma cidade sofreu sucessivas alterações, algumas

delas, construindo sobre os escombros da cidade antiga abandonada ou arrasada, para dar

lugar a um espaço com novos usos resultantes de maiores exigências da cidade.

Hoje as novas tendências reconhecem a importância da preservação do património em

resultado de um desenvolvimento cultural que caracterizou o Séc. XX dando ênfase ao facto

do património ter-se tornado num recurso passível de exploração quer a nível cultural,

político e económico.

O património ganha progressivamente importância enquanto expressão de cultura. Pela sua

autenticidade, em “[…] resultado de várias transformações que ocorreram ao longo do tempo

[…]” e pela sua identidade entendo-se esta como “[…] a referência comum de valores

presentes, gerados na esfera de uma comunidade, e os valores passados identificados na

autenticidade do monumento […]”. (Carta de Cracóvia 2000) 22

2.8. “O estado da arte”

A reabilitação urbana é um tema recente em Portugal e em resultado disso são pouco

expressivas as experiências neste domínio. Os indicadores estatísticos demonstram isso

mesmo: Em média a reabilitação urbana na Europa representa cerca de 33% da produção do

sector da construção civil. Em Portugal estima-se que este número não seja superior a 10%.23

Cidades como Lisboa e Porto e Coimbra perderam uma parte significativa dos seus

habitantes nas últimas quatro décadas, provocando a progressiva desertificação das zonas

mais antigas e o consequente abandono das cidades.

22

Carta de Cracóvia assinada em 2000 por 51 países, incluindo Portugal -Declaração de Princípios para a

Conservação e Restauro do Património Construído.

23 Dados da Associação dos Municípios com Centro Histórico

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34

Figura 2.3. A evolução da construção em Portugal

Fonte INHRU

Para esta situação terão contribuído as sucessivas alterações do regime de arrendamento

urbano, desajustadas da realidade do mercado e a oferta de habitação pouco adaptada aos

padrões de conforto e bem-estar actuais. Não é novidade nem necessita de muitos estudos a

avaliação de que os centros urbanos das cidades portuguesas, na sua maioria, encontram-se

em estado de avançada degradação das condições de habitabilidade, de salubridade, de

estética e de segurança. De igual modo, o panorama social dos centros urbanos é devastador

na medida em que a população que aí reside está maioritariamente envelhecida, sem poder de

compra e, consequentemente, sem possibilidade de reabilitar as suas habitações e dinamizar

o comércio local.

Os centros históricos, outrora as zonas nobres das cidades, deixaram de o ser, constituindo,

hoje em dia, um verdadeiro pesadelo urbanístico e social. A degradação urbanística e social é

visível no mau estado de conservação, também dos edifícios públicos, na ausência de

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35

funcionalidade dos mesmos, na má qualidade do comércio existente e no incipiente e

degradado património habitacional.

A falta de respostas da administração pública adequando os modelos de estruturas públicas

nos centros históricos é, também, revelador da falta de capacidade de prever mas, sobretudo,

de adequar: mercados municipais, terminais de transportes e serviços da administração

pública continuam a funcionar nos centros das cidades ao invés de se transferirem para a

periferia das mesmas onde poderão mais facilmente ser acedidos.

Por outro lado, os “resistentes” dos centros históricos tentam adequar-se à procura que ainda

subsiste, perante a falta de alternativas, contribuindo, também, para que os centros se tornem

locais de passagem durante o dia e vazios urbanos durante a noite e fins-de-semana.

A exemplo de outros países assiste-se em Portugal a uma tomada de consciência para a

importância deste assunto, no sentido de devolver às cidades a vida de que outrora gozaram.

Um conjunto de situações contribui para esta mudança de atitude: A insegurança de pessoas

e bens nas zonas abandonadas motivada pela marginalidade e a ruína da construção, a

degradação do comércio e o facto da maioria destes locais constituírem patrimónios

arquitectónicos únicos, alguns classificados, que urge preservar.

Por outro lado, para muitas famílias viver próximo do centro constitui um objectivo difícil de

concretizar. Estamos, assim, perante um aparente paradoxo: Uma oferta ao abandono e uma

procura não satisfeita. Dada a dimensão do problema, agravado às vezes por aspectos sociais

complicados, seria impensável pensar numa solução sem um inequívoco envolvimento do

poder público.

A baixa de Coimbra é exemplo de uma cidade em que o centro histórico perde habitantes

numa velocidade vertiginosa. Ao ponto de se equacionar se a cidade tem, efectivamente, um

centro, porque o seu centro tradicional se encontra num processo de esvaziamento e declínio.

A percepção do espaço urbano é feito por um conjunto de referenciais: habitações, serviços,

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36

espaços comerciais. Esta heterogénea configuração urbana é a característica de uma cidade

viva e os números de Coimbra são realidades incontornáveis.

Tipologia dos edifícios da Baixa de Coimbra

Formas de ocupação Total %

Exclusivamente residencial 66 7,9,

Principalmente residencial 196 22,7

Residencial e não residencial em igual proporção 108 12,9

Principalmente não residencial 123 14,7

Exclusivamente não residencial 274 32,7

Devolutos 77 9,1

Total 838 100,0

Fig. 2.4 Projectos de investigação “Dinâmicas de recomposição sócio-económica dos

centros históricos: o caso de Coimbra – 2004

A realidade urbana portuguesa recebeu nos últimos anos estímulos de crescimento resultante

de transformações rápidas e profundas na estrutura de ocupação do território. Os fluxos

migratórios tardios e dramáticas alterações na estrutura económica e social provocaram um

crescimento explosivo das áreas metropolitanas e dos seus subúrbios, com a saída da

população para as periferias e a proliferação de áreas urbanas fisicamente desqualificadas.

Em consequência, o crescimento do parque habitacional que o transforma num dos mais

novos da Europa, com 75% dos alojamentos construídos nos últimos 40 anos. Mas o

crescimento habitacional não foi acompanhado de um adequado investimento em

equipamentos, em espaços públicos e infra-estruturas, o que fez provocar o aumento de

carências ao nível da qualidade do ambiente urbano com a degradação acelerada da

paisagem, escassez de espaços verdes e de espaços públicos qualificados.

Os centros históricos das principais cidades apresentam, assim, um quadro similar de

degradação que alguns projectos sustentáveis tentam inverter: O despovoamento é a marca

transversal que provoca degradação e envelhecimento populacional mas o esvaziamento das

funções económicas e socias tradicionais parece determinar uma dificuldade de reanimação.

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

37

O resultado é o crescente abandono e degradação do parque habitacional antigo e a

dificuldade em criar dinâmicas de reanimação.

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38

3. Compreensão das dinâmicas do espaço urbano

Os centros históricos das cidades são pontos de consolidação das raízes culturais e

sociológicas de uma comunidade. A sua identidade estará gravada no espaço público, na

arquitectura de um edifício, nas soluções e criações que a cidade vai fazendo. Esses espaços

assistiram às realizações económicas e políticas da cidade e são a expressão da solidificação

do tecido institucional e das relações comerciais. O lugar geográfico dos centros históricos,

com um património arquitectónico legado pelas anteriores gerações, seria incompreensível

sem recorrer à sua história. Representando a memória colectiva a sua evolução está

directamente ligada às dinâmicas da cidade, ao seu apogeu ou declínio, às suas fatalidades e

adversidades.

Em consequência, será expectável que o círculo de vida de um centro de uma cidade,

dependente da sua própria atractividade, sofra, ao longo dos tempos, de períodos de apogeu e

de retorno. Será ainda usual que as suas próprias condicionantes relativamente às dinâmicas

da actividade económica releguem o centro histórico para a condição de periferia.

As sociedades contemporâneas são caracterizadas pela urbanização. A vivência humana é

cada vez mais realizada na cidade onde se concentram algumas das tensões que atravessam

as dinâmicas históricas do espaço urbano. A cidade é o centro da acumulação, o lugar da

riqueza, do poder, do conhecimento, a expressão do espaço histórico. Mas se o espaço

urbano espelha as representações sociais mais nobres da civilização não deixa de reproduzir

relações sociais de desigualdade. As clivagens sociais estabelecem-se nele, com os efeitos

próprios dos seus condicionamentos e as suas limitações. Por isso, a cidade é lugar de

coexistência de contrários, da abundância e da privação relativa, do uso dos bens e da sua

incapacidade de fruição, da liberdade e da opressão.

O habitat urbano tende a ser desenraizado causando fragilidades em elementos essenciais da

vida em sociedade. Em consequência a protecção da vida subjectiva com o exacerbamento

do individualismo provoca mobilidades internas intensas, circulando os seus habitantes pelos

diversos sectores da cidade, residindo, indiferentemente, de lugar em lugar. Sem raízes que

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

39

produzam estabilidade também não se desenvolve memória e identidade tendendo, por

consequência a promover desintegração da habitação e guetização de determinados grupos

sociais

A dinâmica do espaço urbano confunde-se com a existência da cidade. A exclusão do urbano

seria negar a cultura e fazer excluir as mecânicas próprias da sociedade. Seria fazer negar a

cidadania e a própria existência humana. A percepção das dinâmicas da cidade implica a

identificação dos diversos actores que nela actuam, das lógicas que lhes são próprias e dos

dinamismos desenvolvidos em ordem à sua apropriação e vivência. Por isso, o espaço

citadino também obedece a dinâmicas políticas porque para além de ser formado e modelado

pela acção humana espontânea, obedece a estratégias de diversos actores, por vezes em

confronto.

Inventadas para refúgio e satisfação dos homens, as cidades actuais correm o risco de se

tornarem ambientes de insegurança e de desequilíbrio. Se é normal nela se encontrarem

conflitos, como, aliás, ao longo da sua história, as cidades necessitam de ser repensadas para

que a sua dinâmica de exclusão não atinja tão directa e gravemente a maioria das pessoas que

nela habita e possam constituir, apesar das contradições, espaços criados para a vivência

humana.

3.1 As dinâmicas históricas da política de revitalização urbana

O pós-guerra 1945-1975 e a recuperação económica dos territórios urbanos devastados

modelaram as novas políticas públicas de urbanismo. Durante 30 anos, a necessidade de

responder às necessidades básicas de uma população fragilizada pelos efeitos da guerra

foram favoráveis à criação de modelos de crescimento económico em que a vertente social

estruturava as principais respostas. Desenvolveu-se um modelo económico de estruturação

dos Estados Providência, onde a política social do Estado edificou uma reconstrução

económica e social, à qual as cidades não escaparam, vivendo um intenso crescimento

económico de matriz fordista.

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

40

Os centros de grandes cidades rapidamente foram reconstruídos ressuscitando as principais

actividades económicas e potenciando a recuperação económica.24

Em poucos meses grandes

espaços comerciais substituíram a cidade antiga destruída permitindo a reactivação

económica e social, a que se denominou mais tarde de milagre económico.

Evidentemente que a reabilitação dos centros urbanos teve por marca uma intervenção de

renovação rápida, sem preocupações principais de desenho arquitectónico mas de

funcionalidade. A necessidade de criação de espaços comerciais e habitacionais criou um

urbanismo de características únicas também pela oportunidade de criar novas cidades com

mais espaços públicos e preparadas para as respostas de uma nova economia. E nesse

sentido, o urbanismo de renovação dos anos 50 e 60 foi a resposta adequada às necessidades

das cidades e da sua população e preparam as futuras políticas de dimensão social das

intervenções urbanas.

Em consequência destes 30 anos de reconstrução intensa, as cidades apresentam rapidamente

novas necessidades de renovação. As respostas urbanas alcançaram os seus objectivos de

reconstrução económica e social mas as cidades perderam identidade ou características

próprias. Um 2.º ciclo de renovação iniciava-se nos anos 80 para recuperar as marcas da sua

história ou para fazer substituir as velhas actividades económicas que já se tornavam

obsoletas. Mas também a necessidade de espaço para a cidade, foram determinantes para o

alargamento das cidades que procuram novos espaços circundantes às cidades. A necessidade

de reordenar os espaços, situar os recursos e criar as estruturas básicas de suporte as cidades

maiores fez criar um novo ciclo de renovação urbana.

Na verdade, as necessidades de renovação e revitalização das cidades colocaram-se com mais

insistência com o rápido envelhecimento de zonas de construção massiva do pós-guerra ou

com o declínio das velhas zonas industriais e portuárias características das fases de

industrialização pesada. Apesar das diferentes experiências europeias de intervenção em

24

Cidade de Hamburgo teve uma recuperação do edificado quase total na tentativa de rapidamente recuperar o

seu lugar estratégico na economia do norte da Europa.

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

41

zonas destruídas e as políticas que as suportaram terem sido inúmeras e diferenciadas, o

conceito de política de renovação tinha a mesma matriz: recuperar para devolver cidade. Essa

devolução centrava-se agora na necessidade de ancorar a recuperação física a políticas

sociais, promovendo o fortalecimento do Estado Providência da 2.ª metade do Séc XX. O

compromisso social do Estado junto das populações desfavorecidas das grandes cidades

recupera os movimentos reformistas urbanos do início do século XX.

Apesar de não ter o grau de destruição que atingiu as cidades da Alemanha, foi em Inglaterra

que se produziram inovadores programas de reabilitação com base em estratégias de

renovação social das cidades25

. O primeiro governo de Margaret Thatcher em 1979 é o ponto

de partida para este novo cenário de tipo neoconservador enquanto preocupação de

centralizar no Estado a gestão do território em atenção às suas múltiplas funções. A política

urbana e territorial passou a ser algo de negociado e negociável entre o sector público e os

agentes privados, com específicas medidas de ajuda à regeneração.26

A evolução para um espectro de economia global acentuava, por seu lado, as exigências de

preocupação pela criação de sustentáveis territórios locais que só o Estado poderia

salvaguardar perante a competitividade que a globalização criava. A racionalização das

medidas de ajuda à regeneração 27

e a criação já em 1997 de uma unidade dedicada

exclusivamente à exclusão social28

marcam o percurso evolutivo de uma dinâmica de

revitalização dos centros urbanos em Inglaterra.

Em França, os métodos de intervenção foram enriquecendo com as experiências de terreno

mas é apenas com a Lei Malraux de 1962 que surge a preocupação pública na preservação do

habitat do centro das cidades francesas.29

De facto, é desde período que se desenvolvem

amplos debates e transformações sobre o modo de pensar e fazer a própria revitalização.

Políticas orientadas para a reabilitação dos centros urbanos mas, sobretudo, para as zonas

25

Neighbourhood Renewal Strategy 26

Single Regeneration Budget Programme (1994) 27

Single Regenaration Budget Programme 28

Social Exclusion Unit

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42

onde se concentravam bairros sociais de construção massiva do pós-guerra. Mas também,

políticas com especiais preocupações de integração social estruturadas em princípios de

experimentação e de avaliação suportadas por um Estado forte e interventor. 30

As experiências do final de século XX já caracterizavam as operações urbanas a que se

denominava de revitalização urbana. No contexto do planeamento estratégico das cidades

esta política foi decisiva para inverter o declínio das áreas centrais mantendo a cidade em

constante renovação e procura de factores que potenciassem a sua competitividade e

inovação. As políticas territoriais têm uma dinâmica idêntica a restantes políticas sociais não

ficando, por isso, à margem da tendência generalizada de globalização da economia. E nos

últimos anos, a política de revitalização absorve outras dimensões como seja o

desenvolvimento sustentável e a consolidação de dinâmicas ambientalistas que a

transformam, definitivamente, numa política integrada e global.

A dinâmica de uma cidade está, naturalmente, ligado aos modelos de desenvolvimento e

crescimento. A Europa do pós-guerra foi obrigada a antecipar mudanças em matéria de

planeamento das cidades, diferente daquelas que resultariam da sua própria dinâmica. A

destruição integral de muitas cidades foi, apesar de tudo, uma oportunidade para a

reestruturação dos seus centros e a recuperação da actividade económica. A necessidade de

torná-las novamente habitáveis, fez desenvolver conceitos de cidade mais adequáveis aos

novos desafios.

Em Portugal, foi nos anos 70 que se iniciou um movimento de construção das cinturas

urbanas da cidade, e para isso concorreram um conjunto de condições muito favoráveis:

Mobilidade interna, tercialização do sector produtivo e uma política urbanística desligada da

política de ordenamento do território. A actividade imobiliária assentava em dois negócios: a

urbanização de terrenos resultante da transformação do terreno rústico em urbano, com o

inerente direito de construção valorizado. Depois, com a construção de edifícios nos lotes

29

Politique de la Ville 30

A recente Lei da Solidarité et Renouvellement Urbains tem as suas bases na política de intervenção deste

período.

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43

construídos. A obtenção destas mais-valias recolhia integralmente ao seu promotor, tornando

extremamente vantajosa a actividade de especulação imobiliária e impulsionando o boom da

construção até ao final dos anos 90. No final da década de 60, verifica-se uma grave carência

habitacional mas entre 1970 e 2001 foi registado um acréscimo de 68% no número de fogos

destinados a habitação permanente.

Fig. 3.1 Investimentos em construção na Europa

Até 1974 cerca de 50% da construção de habitações era destinada ao mercado de

arrendamento e o congelamento das rendas, acompanhado de uma elevada inflação, gerou a

falta de confiança dos agentes do mercado, determinando a ausência de fogos, e a preferência

em manter as habitações vagas, mas a valorizarem-se. Estima-se que existissem mais de

500.000 habitações não utilizadas31

. A gradual retirada destas habitações do mercado

contribuiu para aumentar a pressão urbanística e, em consequência, a classificação do solo

rústico em urbano e a crescente valorização deste.

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44

Da fase de estabilização do solo, no que concerne ao direito do urbanismo e da construção

em que a administração pública detinha o monopólio da urbanização, centralizada na

Direcção Geral da Urbanização passou-se, gradualmente, a partir de meados da década de 60,

à abertura à iniciativa privada regulada pelos municípios e desregulada pela falta de

instrumentos de gestão do território, sendo que os Planos Directores Municipais só são

aprovados no final dos anos 90 e por pressão da Administração Central.32

A situação de desregulação era também reconhecida pelo próprio Estado que admitia a falta

de controlo do mercado de habitação. A legislação que aprovou os novos regimes de

licenciamento fazia ênfase a esta situação.

Em 1965 o preâmbulo do Dec.-Lei n.º 46.673, relativo à concessão às autoridades

administrativas dos meios legais para licenciar operações de loteamento urbano, referia: “Em

várias regiões do País em que se processa intenso desenvolvimento urbanístico, tem sido

verificada com frequência crescente actividade especulativa de indivíduos ou empresas,

visando o aproveitamento indiscriminado de terrenos para a construção urbana.”

Em 1970 foi publicado o Dec.-Lei n.º 576/70 do qual se podia ler no seu preâmbulo: “O

encarecimento dos terrenos conduz a soluções técnicas e socialmente inapropriadas, tais

como a implantação de bairros em zonas afastadas, que origina inconvenientes de vária

ordem, desde o desordenado crescimento de infra-estruturas urbanísticas e dos equipamentos

sociais, até ao excessivo afastamento dos locais de trabalho dos habitantes […] também os

elevados valores atingidos pelos terrenos levam ao seu máximo aproveitamento,

ultrapassando os limites adequados na densidade de ocupação do solo”.

Por ausência de planos de ordenamento nos diversos níveis, a utilização das operações de

loteamento avulso, sem enquadramento em planos de urbanização e de pormenor, vieram,

gradualmente, a descaracterizar a paisagem e a concentrar urbanizações sem que a

31

Instituto Nacional de Estatística “censos 2001, Portugal, Lisboa 2002

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45

Administração Pública pudesse acompanhar o crescimento das cidades com a realização das

necessárias infra-estruturas de base.

Neste quadro avulso, o acto administrativo passou a ser um bem valioso. Embora a

formulação dos Planos Directores Municipais tenha aparecido em 1979, a sua concretização

só teve lugar no final da década de 90. Para agravar a pressão urbanística, a lei das finanças

locais veio conceder aos municípios os impostos resultantes da actividade imobiliária,

designadamente, a sisa e a contribuição autárquica. Quanto mais se construísse maior seria a

receita fiscal pontual e a renda vitalícia sob a forma de imposto sobre o património.

Este conjunto de medidas só podia funcionar como incentivo à construção nova, porque do

interesse de todos: da autarquia aos construtores, a construção fez nascer cidades onde anos

antes não existia sequer uma povoação. Em sentido contrário, a falta de incentivos para a

reabilitação só poderia ter por consequência o desmoronamento de muitos edifícios nos

centros históricos e a desagregação do sistema social que os caracterizava.

Em vez de se centralizar as operações de licenciamento para as intervenções de reabilitação

ou de conservação, apoiando e incentivando a procura para esses mercados, foram facilitados

e favorecidos os mecanismos de promoção à construção nova. Noutra vertente, as

intervenções em zonas históricas foram penalizadas com o ónus sobre os proprietários à

realização de pesquisas arqueológicas, com todos os encargos e sem linhas de apoio, tendo

como resultado, o abandono desses imóveis, muitos deles no centro das zonas históricas.

A tendência dos últimos anos tem sido de legislar no sentido de agilização do licenciamento

e da procura de mecanismos facilitadores do investimento em construção nova. Continuar a

fazer depender a reabilitação das iniciativas das entidades públicas, sem concretizar

mecanismos reais de concertação público-privada, nem modificar os sistemas de incentivo ou

de organização, provocará uma continuação da apatia na reabilitação urbana, que uma

procura maior do produto em centro histórico não é suficiente para fazer inverter.

32

A atribuição de fundos estruturais da Comunidade Europeia às Autarquias foi condicionado à aprovação

dos respectivos Planos Directores Municipais

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46

3.2. Os desafios da revitalização urbana

A reabilitação urbana visa recuperar a cidade e neste objectivo deve privilegiar escolhas que

promovam a preservação e a conservação do património nos centros históricos potenciando a

recuperação da sua centralidade e multifuncionalidade. Mas essa centralidade, na maior parte

dos casos, não pode ter por alicerces os mesmos factores que outrora motivaram a sua

importância. Recuperar a atractividade de um centro histórico é procurar outros instrumentos

que possam promover usos novos para esse território de acordo com as necessidades dos seus

actuais habitantes e daqueles que se quer atrair.

Mas se o tecido social já não é o mesmo, também o território está diferente. Os centros

históricos estão mais degradados, decadentes e, sobretudo, com problemas decorrentes da

desadequação com as necessidades das cidades. Na verdade a estrutura populacional está

mais envelhecida e com problemas de pobreza e solidão ou é composta por novos habitantes

que se instalaram em habitações que não oferecem boas condições de habitabilidade mas

apenas custos reduzidos e que acentuam a estagnação dos centros históricos.33

Por

consequência, as causas da estagnação têm por motivo a falta de atractividade decorrente da

desadequação das actividades económicas ou das condições básicas de habitabilidade. Na

verdade, os centros históricos apresentam poucas condições para satisfazer a maior parte das

necessidades de uma população contemporânea.34

Propor uma visão qualificadora do centro histórico que não se restrinja a monumentos ou

edificado antigo, mas antes se alargue à preservação de outros valores, é o objectivo de uma

correcta política de reabilitação urbana. É essencial fazer uso de políticas de miscigenação

social atraindo novas gerações é fomentar a integração social dos centros, e no fundo,

garantir que a cidade viva.35

Outros centros de cidades, pela nova atractividade resultante da

actividade do turismo, desenvolveram projectos comerciais apenas em parte dos edifícios

33

70% das habitações em centros históricos não tem concluídos as ligações ao saneamento básico – Dados

da Associação Nacional de Municípios. 34

De acordo com os indicadores de referência para demonstração de parâmetros de qualidade de vida 35

Revitalização urbana e as novas estratégias de política social

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47

votando as restantes habitações ao abandono em função da especulação imobiliária que o

turismo veio originar.

Mas se estes objectivos indirectos são fundamentais para uma política de reabilitação urbana,

a vertente de requalificação do edificado não pode deixar de ser a intervenção de fundo. Sem

ela não há imóveis para serem habitados, comércio para ser reactivado, serviços que ancorem

a actividade da cidade. Sem a melhoria destes vectores não é possível garantir a atractividade

dos centros históricos. Por outro lado, se a reabilitação for apenas a requalificação de

imóveis, os centros históricos correm o risco de se tornarem áreas artificiais sem vida, um

museu aberto, sem outros valores que os façam retomar como um centro da cidade.

Atingir resultados satisfatórios em qualquer intervenção urbana parece ser o maior óbice,

pois essa política deverá assentar os seus pilares na promoção de uma sustentabilidade

económica, social e ambiental mas com efectiva intervenção de renovação e adequação do

equipamento social e das infra-estruturas públicas, na promoção de energias limpas, criação

de espaços verdes, mobilidade e acessibilidades. Um conjunto de variáveis com especial

complexidade de execução cujos resultados são um factor a equacionar em muitas das

intervenções de requalificação urbana em curso.

A revitalização urbana deverá ser entendida sobretudo como uma estratégia e um processo,

distinguindo-se a generalidade dos programas urbanísticos que, com excepções em países

que privilegiaram o planeamento,36

não contemplavam políticas de integração. Nesse sentido

a revitalização urbana desenvolve estratégias e promove um processo como carácter

inclusivo, promovendo actuações e provocando iniciativas.

Deverá até ser entendida como um instrumento de gestão colectiva do território, potenciador

de projectos e iniciativas privadas, mas com capacidade para utilizar como recursos próprios

programas urbanos de cariz social, económico ou cultural.

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48

Razões para destacar quatro grandes desafios fundamentais para a revitalização urbana

essenciais nas estratégias de intervenção urbana: desde logo, a promoção de eficiência no

sistema urbano com atenção pela coesão social; depois, a dinamização da sociedade civil

para a exigência da qualidade de vida na cidade; em 3.º lugar a promoção de usos

sustentáveis de energia, considerando as questões ambientais na gestão da cidade; por fim,

contribuir para a racionalização, modernização e responsabilização da gestão da

administração das áreas urbanas.

Os quatros desafios referidos são, sobretudo, quatro vectores essenciais na gestão dos

processos de organização das intervenções urbanas e que caracterizará a nova política de

revitalização urbana.

3.3. Sustentabilidade da Reabilitação Urbana

Enquanto bem cultural, os centros históricos suscitam hoje grande procura contribuindo, por

indução, para a preocupação pela sua protecção. Expressa história e tradição e tais valores

são hoje mais requeridos, representando um factor económico poderoso pela dinamização

turística que desenvolve. A exteriorização de cultura e a representação de identidade são hoje

o principal factor de decisão na actividade turística que torna o património num bem

extremamente valioso.

Razão para entendermos que a revitalização do património é muito mais do que organizar os

espaços para viver, trabalhar ou fruir. Hoje, a revitalização de um centro histórico deve fazer-

se de molde a atrair a actividade económica que crie sustentabilidade e que pode passar,

estrategicamente, pelo turismo. Construir ou melhorar uma imagem comercializável,

promovendo um património poderá ser a melhor forma de reabilitar os centros históricos.

36

O crescimento de algumas cidades da Holanda tiveram alvaliações prévias sob os efeitos do seu

crescimento antecipando políticas de planeamento que viriam apenas mais tarde acolhimento no resto da

Europa

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49

A cidade, e particularmente, os seus centros históricos, assume-se com o principal destino à

escala europeia, concentrando 50% do turismo37

. A procura na área do turismo tem-se

acentuado no turismo histórico e patrimonial, muito dependente de cenografias e estilos que

a indústria turística e de lazer consegue promover e em que o património é garantia de

procura. A partir dele, é possível reforçar o centro histórico com elementos estetizados e

mobilização de outras ferramentas culturais que acentuam o processo de marketing da

cidade.

Figura 3.2 Quadro Lista Património Mundial

Fonte: UNESCO

Com efeito, e fazendo uso do seu património, cada vez mais os centros históricos adquirem a

estatuto de produto e que, nos casos de sucesso de marketing, são vendáveis em grande

escala, como é o exemplo de Veneza. A criação de eventos atractivos e o embelezamento de

fachadas criam, certamente, uma cultura urbana, mas baseada no usufruto do espaço público

por actividades de lazer que asseguram a sustentabilidade do centro histórico em termos de

produto comercial. Transformar o centro histórico e o património que ele representa em

equipamento cultural é fazer a opção de uma encenação em detrimento da requalificação

urbana, da representação do espaço habitado, para além da visita turística.

37

Dados do Word Tourism Office.

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50

Nesse sentido, a questão parece centrar-se em resolver, se um espaço preferencialmente

utilizado pela actividade turística e com enfoque na criação de cenários que potenciem

consumo em detrimento das actividades quotidianas permite ao centro histórico tornar-se

sustentável, ou, se pelo contrário, a recriação de uma nova centralidade urbana, com o

conjunto das suas actividades clássicas, é suficiente para dar vida ao centro histórico.

O debate à volta da cidade tem sido, também, sobre a sua sustentabilidade. Muitas vezes é

referenciado como critério delimitador da qualidade da cidade a qualidade de vida dos seus

habitantes. A qualidade de vida urbana ganhou nos últimos anos preponderância no debate

sobre o planeamento da cidade, tornando-se um dos principais tópicos de debate ao nível das

políticas locais. Esta nova atitude reflecte o facto de as necessidades básicas da população,

saneamento, transportes, educação e saúde estarem gradualmente a serem satisfeitas. Razões

para a eleição da sustentabilidade urbana como parte do glossário político.38

Entendendo-se as cidades como um recurso, o ordenamento do território e o planeamento

ambiental surgem como ferramentas essenciais para a sua sustentabilidade. Gerir este recurso

pressupõe uma racionalização da utilização dos meios com utilizações eficientes e prudentes

que permitam combater as pressões resultantes do crescimento das cidades. Deste modo, o

desenvolvimento sustentável urbano pressupõe a aplicação de práticas sustentáveis que estão

longe de serem característica de um centro histórico.

O processo de gestão urbana sustentável requer uma série de instrumentos orientados para as

dimensões ambiental, social e económica, alguns deles extremamente variados, a que o

Relatório da União Europeia acerca do projecto “Cidades Europeias Sustentáveis” desafia os

órgãos locais da Administração Pública a aderir.39

38

Sobre a Gestão Local para a Sustentabilidade – a implementação dos compromissos de Aalborg aprovado

pela Conferência Aalborg +10 39

Relatório “Cidades Europeias Sustentáveis

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51

O Relatório “Cidades Europeias Sustentáveis” tem definidas seis áreas

de intervenção:

1. Recursos naturais, energia e recursos

2. Desenvolvimento sócio-económico

3. Acessibilidade

4. Ordenamento do território

5. Regeneração urbana

6. Património Cultural, lazer e turismo urbano

Relativamente ao panorama português, várias são as cidades que procuram a sustentabilidade

como ponto estratégico na gestão urbana, mas com resultados ainda muito aquém das

expectativas e dos objectivos concertados. A Rede Civitas, Centro de Estudos sobre Cidades

Sustentáveis, ainda com um número diminuto de municípios aderentes40

, desenvolve

estratégias integradas de acompanhamento à implementação pelos municípios de projectos

ou planos de acção seguindo a metodologia das agendas 21 locais.41

O crescente zonamento dos tecidos urbanos, com a consolidação de zonas residências,

comerciais, industriais ou turísticas tornam a cidade especializada em função dos seus usos.

Criam-se, assim, zonas onde se dorme, onde se produz, onde se fazem compras, onde se

usufrui da paisagem, compartimentando-se a vivência humana a zonas pré-confinadas. O

planeamento urbano deverá, assim, promover a coabitação entre os cidadãos e as várias

actividades, desde que compatíveis, numa mesma zona, de modo a diminuir os fluxos de

tráfego e os guetos urbanos. Na verdade, a cidade sustentável utiliza os seus recursos, dando

resposta às suas necessidades correntes enquanto assegura que estes permanecerão

disponíveis para serem empregues pelas gerações futuras.42

40

Janeiro de 2007 – 61 membros 41

Agenda 21 Local e a transição para a sustentabilidade, Cap.28, 1992 42 Cada geração não dispõe do património arquitectónico senão a título transitório, e é responsável pela sua

transmissão às gerações futuras (Carta Europeia do património Arquitectónico)

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52

Adiar o investimento em reabilitação urbana tem, a longo prazo, efeitos na criação de bolsas

de pobreza localizadas e desvalorização de zonas urbanas que, mais tarde, exigem

investimentos muito mais avultados. Para isso, foram criados instrumentos novos na área da

reabilitação urbana orientados para a promoção da excelência territorial, da inovação e

revitalização dos centros históricos.43

Inovar nas soluções para a qualificação urbana, promovendo as que se orientem por

princípios de sustentabilidade ambiental, de eficiência e reutilização de infra-estruturas, em

detrimento da construção nova são, por exemplo, os objectivos operativos da Política de

Cidades Polis XXI44

. Esta dimensão de intervenção coloca o enfoque em espaços intra-

urbanos específicos e visa a coesão e coerência do conjunto da cidade e das várias

comunidades que a constituem, dando ênfase à qualificação dos factores determinantes da

qualidade de vida da população. Envolve a articulação de diferentes componentes (habitação,

reabilitação e revitalização urbanas, coesão social, ambiente, mobilidade, etc.) no quadro de

operações integradas de regeneração urbana.

A Política de Cidades Polis XXI pressupõe a celebração de contratos de parceria que

traduzirão a convergência de diversos actores públicos e privados e de fontes diversificadas

de financiamento. Serão, essencialmente, parcerias para a regeneração urbana que

correspondem a programas de acção orientados para a revitalização integrada de espaços

intra-urbanos, tendo como suporte uma estrutura de parceria local integrada (município,

serviços desconcentrados da Administração Central, ONG, empresas, etc.

43

“Innovation Hub, iHub” – conceito de cidades do conhecimento e inovação. Instrumento de revitalização

e criatividade urbanas para a competitividade e a sustentabilidade

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53

4. A renovação urbana no seio das políticas urbanas

4.1 Modos de intervenção

Qualquer intervenção, qualquer política de requalificação, assenta em alguns vectores cuja

verificação faz depender o sucesso da operação de renovação urbana pretendida. Apelidemos

de estratégias de intervenção, porque, efectivamente, são prévias à execução e marcam

decisivamente toda a operação. Designam-se, provavelmente, com maior correcção, como

verdadeiras condições de eficácia da intervenção urbanística.

Um urbanismo de cariz regulamentar como aquele que caracteriza e delimita o ordenamento

do território patente em todo o edifício jurídico da política de ordenamento, impossibilita a

implementação dos propósitos de uma política de requalificação urbana. Na verdade, esse

edifício jurídico está assente no binómio urbanismo-ordenamento do território, que faz

pender para o primeiro a plenitude da delimitação do território.

Este pendor não se detecta só na regulamentação mas na prática. Aquilo a que alguns

chamam o território dos outros45

. A demissão em planear por parte das autoridades

competentes dá lugar ao planeamento dos outros sempre que solicitam aprovação de uma

urbanização sem que esteja pensado o território. E algumas dessas operações urbanísticas

têm tal dimensão que condicionam esse e outros territórios pelas externalidades que criam.

Novas traves-mestras do edifício jurídico são necessárias definindo os seus contornos e

fortalecendo as intervenções baseadas em planeamento. No programa Nacional da Política de

Ordenamento do Território prescreve “[…] Um país bem ordenado pressupõe a

44

A Política de Cidades POLIS XXI integra-se nos objectivos da Estratégia de Lisboa (PNACE) e da

Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável (ENDS) 45

Artigo de Opinião Paulo Peixoto, O reencantamento da cidade (2002)

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54

interiorização de uma cultura de ordenamento por parte do conjunto da população.[…]”

(Introdução do PNPOT)46

O ordenamento do território depende da vontade dos políticos e dos técnicos mas também do

contributo de todos os cidadãos. E neste momento, não existem dúvidas que a reabilitação

urbana é uma política de ordenamento do território, uma política especial pela necessidade de

intervenção global e integrada fazendo uso de instrumentos alargados de participação.

4.2 Uma categoria de urbanismo

Para além de uma política de ordenamento do território, a reabilitação urbana é também uma

operação urbanística. A criação de uma estratégia para um centro histórico para além do

planeamento, pressupõe actividade urbanística, desde o licenciamento à intervenção.

Necessariamente, a reabilitação urbana é urbanismo.

Raymond Ledrut afirmava que “[…] o urbanismo é, ao mesmo tempo, ciência e arte, técnica

e política, poesia e filosofia. Ele exige o conhecimento dos ligames essenciais e das

estruturas globais […]”. Nesta abordagem, o urbanismo é avaliado como uma disciplina

generalista tão integrante quanto possível e tão abrangente quanto específica.47

. Escolhendo

uma modalidade de urbanismo, uma sociedade determina a sua forma de existência, a sua

maneira de se integrar e de se desenvolver.

Falamos em urbanismo de proximidade para definir uma gestão do território recorrendo a

instrumentos de intervenção e de identificação dos problemas. A verificação das

potencialidades, respeitando a diversidade e especificidade do seu tecido urbano e social é

característica de um urbanismo a ser concretizado em áreas tão específicas como os centros

históricos. A orientação do discurso político para a reabilitação dos centros históricos não

teve o necessário reflexo no aumento da actividade da construção na reabilitação urbana, que

46

Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território – Introdução, Capitulo 0, Relatório do

PNPOT

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55

ainda está na expectativa de criação de condições. A falta de investimento privado não

aconteceu por incapacidade ou falta de vontade. Simplesmente, por dúvidas em serem

alcançadas rendibilidades que contrariem o circuito tradicional de investimento na

construção que dura há mais de 40 anos.

Perante este facto, torna-se evidente que cabe às autoridades encontrar os mecanismos

regulamentares e financeiros possibilitando condições que potenciem o investimento privado

e criem condições para a atractividade necessária à sustentabilidade do centro histórico. É

através de um urbanismo de proximidade que se podem criar condições e mecanismos novos

de intervenção. Que faz criar o conceito de quarteirão enquanto espaço de intervenção da

Sociedades de Reabilitação Urbana, um conceito clássico agora adaptado em unidade de

execução. Mas também é com este conceito de urbanismo de proximidade que se encontra a

matriz dos conceitos de divisão de dividendos das políticas de planeamento com a

concretização progressiva, apesar de cautelosa, de mecanismos de perequação.

Falamos, depois, em urbanismo de concertação para definir um planeamento esclarecido e

interessado. Que cria novos mecanismos de interacção, apelando a ferramentas

características de outros sistemas e com um grande campo de acção no ordenamento do

território. Hoje, já serão indeclináveis conceitos como participação e direito à informação48

.

E progressivamente esta matriz vai fazendo nascer um urbanismo de contratualização em que

se acordam soluções entre os interesses dos diversos agentes das operações urbanísticas

programadas49

. Já são muitos os exemplos de planos de ambiente, Agendas 21 locais e

outros, em que o projecto é o resultado da convergência dos interesses privados e públicos

em presença e que reflectem essa concertação.

Falamos, também, em urbanismo promocional quando a integração de políticas várias, não

necessariamente concorrentes, deverão conciliar-se com finalidades mais amplas que entram

nos domínios social, económico e ambiental, tendentes, sobretudo, ao fomento da

47

Raymond Ledrut, Sociologie Urbaine, Paris, PUF, 1973, p 6 48

Art. 5.º e 6.º do Dec.-Lei n.º 380/99 de 22 de Setembro

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

56

atractividade e dinamização da área de intervenção. Conjugar a reabilitação com uma política

de marketing e divulgação50

, nomeadamente pela criação de uma imagem de marca, são

opções que deverão merecer grande ponderação, sobretudo porque dela decorrem sensíveis

consequências quanto ao modo de intervenção e aos objectivos a atingir. Se estes forem a

captação de investimento privado anterior à própria intervenção deverão, necessariamente,

avaliar os impactos com outros objectivos, como a recuperação de valores tradicionais ou

políticas de manutenção da estrutura social original. Apesar dos riscos, o campo do

marketing de cidade é uma das áreas a reforçar atenção nos próximos tempos, talvez mesmo

o mecanismo essencial para o reforço da nova atractividade das cidades e, em concreto, dos

centros históricos.

Falamos, por último, em urbanismo integrado com a promoção da interligação da política de

renovação urbana com todos os objectivos que a mesma comporta. A integração, quer ao

nível dos objectivos quer ao nível dos procedimentos, tem por pressuposto que os

intervenientes falem e coordenem51

. A constituição em grupos de trabalho servirá

essencialmente como mecanismo de amortização de efeitos, sobretudo, quando a

Administração pública faz uso do seu poder de decisão.52

Um projecto de renovação urbana é, acima de tudo, um projecto em que o esforço de

coordenação de actuações díspares e de objectivos múltiplos é muito elevado. Por isso

distinguem-se, as diversas categorias de urbanismo, com características tão transversais

como os instrumentos jurídicos que se tem que fazer uso: o que fazer quando os requisitos de

habitabilidade dos edifícios já não respeitam as actuais exigências das construções; como

modificar usos e implementação de novas actividades económicas quando existirem

49

A contratualização é uma ferramenta normal no direito do urbanismo espanhol em que, prévia à

aprovação de uma operação de planeamento poderá ser contratualizado com privados a utilização de usos

específicos e do interesse para o plano 50

A promoção de centros históricos com utilização de linguagem promocional deverá ter especiais

cuidados com os valores de autenticidade e da identidade urbana que assumem grande relevo. 51

A previsão em diversos estatutos das SRU’s de Conselhos Consultivos é a face mais visível da integração

de políticas, destinando-se estes a acompanhar o desenrolar da operação ou produzindo sugestões

auxiliando o processo no seu relacionamento com a sociedade. 52

Em consonância com a consideração do urbanismo em geral, e da reabilitação e revitalização dos centros

históricos em particular, como uma função pública (art. 4.º e art. 6.º n.º1, alínea h) da Lei n.º 48/98 de 11 de

Agosto.

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

57

mecanismos legais que determinam tipologias de actividade; em que medida poderão ser

derrogados importantes mecanismos legais como seja as regras de contratação pública em

nome de da execução dos ditames de um plano de reabilitação.

Mostra-se fundamental a interligação de todas as características de urbanismo que possam

fazer nascer um novo tipo de urbanismo que melhor se adapte e dê resposta às necessidades

que a reabilitação urbana dos centros históricos actualmente necessita.

4.3 Uma política pública

A problemática da renovação urbana tem sido encarada em Portugal de uma forma parcelar e

fragmentária, uma vez que não existe legislação que a considere de forma autónoma mas

antes como um capítulo especial do direito do urbanismo. A LBPOTU, elege-a como um dos

fins da política de ordenamento do território e de urbanismo.53

Nesse sentido, é uma função pública que impende sobre o Estado enquanto promotor de

políticas activas de ordenamento. Mais, trata-se de um dever do Estado no âmbito das suas

funções. Contudo, da mesma forma que se impõe aos poderes públicos a promoção de acções

estruturadas no âmbito da renovação urbana, reconheceu o legislador a necessidade de estas

medidas serem tomadas de forma articulada54

. Na verdade, a actividade de planificação

cometida institucionalmente às entidades públicas para a concretização da reabilitação

urbana, tem, cada vez mais, mecanismos privados que foram sendo introduzidos no direito

do ordenamento e do urbanismo. A passagem de um urbanismo de matriz regulamentar e

impositivo para um urbanismo com preocupações operacionais tem marcado algumas das

operações de revitalização dos centros históricos e está na génese da legislação que cria as

Sociedades de Reabilitação Urbana.55

53

Art. 3.º alínea f) e art. 6.º alínea h),i) e j) da LBPOTU 54

Art. 4.º n.º1 da LBPOTU

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

58

De facto, para além do direito à participação dos particulares e da obrigação de ponderação

de interesse público e privado, têm vindo a afirmar-se mecanismos de eficiência na actuação

administrativa que apelam para a obtenção do maior nível de consenso, de exequibilidade e

de adesão às soluções urbanísticas projectadas. Razões para se entender que as matérias em

que a tutela do interesse público urbanístico é uma responsabilidade do Estado, como é o

caso do desenvolvimento económico, a melhoria das condições de vida ou a luta contra a

exclusão social, só poderão ser conseguidas através da associação com entidades privadas.

Envolver os particulares, saber o que pretendem para os seus territórios, comprometendo-os a

encontrar soluções urbanísticas coerentes e consensuais são a única via possível.

Não tendo a renovação urbana conquistado em Portugal nível de autonomia no ordenamento

jurídico, é encarada de uma forma parcelar e fragmentada na medida em que não existe

legislação que a considere de forma expressa e decidida como uma política global ou mesmo

como um capítulo especial do direito do urbanismo56

. Não obstante tem sido aceite a sua

inclusão como política especial de urbanismo.

4.4 Políticas de revitalização urbana

A falta de planeamento do território, a incapacidade crónica de prever, não é apenas sintoma

de falta de organização mas, sobretudo, condicionante de desenvolvimento e crescimento. A

aprovação dos planos directores municipais ocorreu muito tarde, no final dos anos 90, mas

foi possível ter aprovado por quase todo o país o instrumento básico de planeamento do

território. A ameaça de corte a candidaturas a financiamento no âmbito do II. Quadro

Comunitário de Apoio, foi determinante para as decisões municipais serem aceleradas e

comprometer-se o poder político às regras a que voluntariamente se sujeitou.

55

O Dec. Lei 104/04 tinha por pressuposto de intervenção a articulação com os privados na política de

reabilitação urbana 56

A lei 48/98 de 11 de Agosto que estabelece as bases da política de ordenamento do território e de

urbanismo, determina no art. 3.º alínea f) que constituem fins desta política a “racionalização, a reabilitação

e a modernização dos centros urbanos”

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

59

Volvidos cerca de 10 anos não existe razão para grande optimismo na capacidade de previsão

e regulação dos planos que, na verdade, começam e terminam o seu papel na legalização das

obras dos particulares. Mais, o que o planeamento tinha de maior virtude - a sua capacidade

reguladora – ficou condicionada pela omissão do dever de planear por parte do poder

público, demitindo-se de uma das suas dimensões mais importantes.

Não fazendo uso dos instrumentos de gestão territoriais de maior proximidade, PU’S e PP, o

território concedido pelos PDM é um território dos outros, como já referido. Dos outros, que

solicitando o licenciamento de urbanizações, são os fazedores de território, sem terem as

condicionantes de um planeador público. Assim, nem o Estado nem as Autarquias foram

capazes de planear ou de desenhar o que se impunha: Em resultado, as periferias não

oferecem ainda urbanidade e os centros não oferecem já centralidade.

É neste campo que a reabilitação urbana se torna numa evidência consensual. E o equívoco é

tanto maior quanto se entende a reabilitação como solução para várias falhas (de mercado e

de política). Como os resultados da cidade expansiva foram insatisfatórios em muitos dos

campos em que a qualidade de vida pode ser mensurada, reinventou-se o termo reabilitação

urbana transformando-o em revitalização. Mas privilegiar a cidade histórica corresponderá,

por outro lado, a um desinvestimento na cidade real, aquela onde vive grande parte das

população e onde existem problemas de coesão social desde a sua criação.

O discurso sobre o ocaso da cidade e os esforços para encontrar um método capaz de

eliminar a expansão, conduziram a uma espécie de ideologia, um discurso favorável à cidade

central histórica, com o reinvestimento para fazer regressar a ela os habitantes. Sobretudo,

novos habitantes, porque toda a operação de reabilitação, a ser assegurada pela simples

equação de retorno de investimento, terá um reflexo de gentrificação57

. Na verdade, a base do

referido retorno de investimento tem por substrato a atractividade de privados para a

reabilitação. Ficam assim atractivas a requalificação dos centros para o lazer, para os

escritórios, para o turismo e, naturalmente, para o habitat sofisticado e de qualidade, uma vez

57

Substituição de grupos sociais residentes

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

60

que o centro histórico terá novas respostas e portanto valorizando imóveis e, em

consequência, estreitando a capacidade de aquisição a um pequeno grupo de pessoas.

Assim, os interesses financeiros podem beneficiar de um património valorizadíssimo, com

acesso à cultura e aos benefícios da proximidade com a história, mas dificilmente fará

regressar os habitantes que, por razões várias, foram abandonando a cidade histórica. E ao

mesmo tempo, faltam intervenções de reabilitação para a cidade não histórica, com

necessidades de renovação urbana para completar o processo artificial em que foi criada.

Para esta os novos problemas são relacionados com sinais de novos estilos de vida e de uma

sociedade com mais problemas do que aquelas existentes no centro histórico.

A alternativa entre reabilitar os centros ou criar novas centralidades nas periferias

correspondem, em face dos constrangimentos financeiros, a várias estratégias possíveis,

nomeadamente a articulação de vários centros. As novas políticas urbanas terão ainda de ser

formuladas e experimentadas, de forma a corresponder a essas diferentes estratégias. Mesmo

não havendo consensos, o termo novas centralidades periféricas induz a criação de pólos de

actividade, de elementos singulares, de corredores verdes e acessibilidades, de

preenchimento de vazios urbanos, etc.58

A tónica será na melhoria da vida das pessoas a

partir do existente e nas referências do que o território deveria ser, em termos de imagem e

de qualidade do ambiente urbano. O facto de se ter assistido nos anos 60 e 70 a processos de

urbanização muito acelerados, fez reflectir sobre a ocupação e qualidade do território assim

como sobre os espaços urbanos, sobretudo detectar os efeitos nefastos de um política de

urbanização sem planeamento.

Na verdade, o urbanismo sem planeamento foi o possível e o que deu resposta às mudanças

sociais. De facto, um sistema que não promovia a criação de habitações, não só fez

impulsionar a construção clandestina, como deu oportunidade aos especuladores imobiliários

de aproveitarem a grande procura de habitações resultante das migrações que o Estado não

soube prever, quanto mais planear. Não se adaptando à evolução da sociedade, o Estado

levou mais de 25 anos a gerir o resultado desse processo e a ajustar-se a essas mudanças.

58

Arq. Pedro Brandão, - Secretário Geral da Europan Portugal

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61

Este processo determinou políticas de habitação impossíveis de gerir pelas autarquias das

Áreas Metropolitanas, que não estavam estrutural e financeiramente adaptadas a fazer face a

falhas de políticas nacionais e que foram chamadas a enfrentar a resolução deste ajustamento

da sociedade ao território e do território à sociedade.

Por outro lado, e em resultado das dificuldades de adaptação a novos regimes e a novas

regras de planeamento, a não resolução teve por causa, e por desculpa, os preconceitos do

que se não poderá fazer e das limitações do próprio sistema. E quando se quer realmente

fazer algo então criam-se regras de excepção: Foi a Parque Expo, são os Polis, e outros

regimes específicos que se qualificou de importância estratégica nacional. Ou seja, o regime

geral obrigou à criação de regras e condições de excepção para se tentar dar passos em frente.

Para haver mudanças significativas, para conseguir implementar medidas efectivas, implicou,

no caso da Expo, a criação de medidas de excepção, convergência de esforços, simplificação

de procedimentos, burocracias. Razões para se entender como falha do próprio sistema de

planeamento e gestão urbanística que necessita de regimes excepcionais para poder fazer

excluir regras que, comprovadamente, não funcionam. E tal avaliação é comprovada,

justamente, pelo sistema de gestão urbanística que vigorou durante os últimos anos.

4.5 Os actores

A constatação de que a política de renovação urbana implicam a consideração das

especificidades locais tem determinado que o nível de intervenção mais adequado é,

precisamente, o local. Porém, a administração central não se encontra arredada da política de

renovação urbana, assumindo, ao invés, um papel insubstituível, de colaboração com as

autarquias, articulando programas de reabilitação, renovação e requalificação urbanas através

de contratos programa.

No entanto, o operador privilegiado não pode deixar de ser o município, que pode actuar

directamente, como criar empresas, institutos ou associações para o efeito. De facto, nos

instrumentos tradicionais de renovação urbana como as áreas críticas de recuperação e

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

62

reconversão urbanística, o município assume uma posição que se pode apelidar de dirigista

uma vez que é ele que concretiza os poderes que a lei dos solos lhe confere, sem qualquer

colaboração dos particulares. Porém, esta rejeição inicial da colaboração dos particulares e da

sua consideração como operadores idóneos no domínio da renovação urbana tem vindo a ser,

progressivamente, colocada em causa. O mecanismo da associação da administração com os

particulares previsto no Capítulo V da Lei dos Solos e o Dec.-Lei n.º 15/77 de 18 de

Fevereiro, veio inverter a tendência inicial, embora de forma um pouco ténue, uma vez que a

administração central continua a ser o actor principal. A lei das AUGI permite o impulso dos

particulares para a celebração de um contrato de urbanização entre a câmara municipal e a

comissão de administração, mas não mais do que esse impulso.

A mudança de perspectiva é também visível na nova legislação sobre instrumentos de gestão

territorial59

com a previsão de três sistemas de execução dos planos: O sistema de

compensação, em que a iniciativa pertence aos particulares; o sistema de cooperação, em que

a iniciativa de execução pertence ao município com participação dos particulares

interessados; e o sistema de imposição administrativa, em que a colaboração dos particulares

é arredada.

O percurso tem sido feito no sentido da institucionalização de modelos de co-determinação

público-privados com execução em parceria. E as experiências já demonstram a possibilidade

de modelos ainda mais cúmplices na gestão do território entre sector público e os privados,

como a criação de unidades empresariais para a gestão das unidades de execução de

quarteirão, que congregue todos os interessados, proprietários, comerciantes e entidades

públicas. Este tipo de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria e constituídas para

a realização de específicas finalidades urbanísticas e de promoção do ordenamento do

território, não tiveram ainda acolhimento no regime das sociedades de reabilitação urbana,

apesar de inicialmente terem sido dados passos para que tal previsão fosse uma realidade.

Volvidos 4 anos sobre a criação do regime jurídico das sociedades de reabilitação urbana, e a

iminência da sua revisão para breve, tem havido sensibilidade e condições, à semelhança do

59

Art. 118.º e segs. do Dec.-Lei n.º 380/99 de 22 de Setembro

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

63

que aconteceu com o programa Polis, para que esta matéria venha a conhecer a formação de

uma figura institucional especificamente direccionada para a efectivação das suas

prescrições. Contudo, o modelo de uma empresa municipal ou de uma sociedade anónima de

capitais exclusivamente públicos é aquele que está vigente e que institucionaliza um regime

público por excelência.60

De facto, e se se pretender que a constituição de uma entidade seja composta,

maioritariamente por capitais privados, até porque a principal responsabilidade pela

conservação dos edifícios continua a impender, justamente, sobre os particulares, então a

figura institucional terá que ser diferente. Em referência à participação dos particulares na

reabilitação, parece de todo adequado, nomear os titulares de direitos reais de gozo, como os

que possuem um direito ao arrendamento ou de um direito de usufruto, como os principais

dinamizadores e responsáveis pela conservação dos edifícios na ausência de uma actuação

pronta dos seus proprietários.

Essa pessoa colectiva teria que ser constituída em moldes empresariais à semelhança da

matriz das actuais SRU’s no que respeita ao capital social e à existência de um conselho de

administração. No entanto, as SRU’s vão buscar parte do modelo ao esqueleto das entidades

públicas com as prerrogativas de imposição e autoridade, sobretudo quando esgotado as

hipóteses de conciliação e coordenação. A contradição deste modelo causa alguma

perplexidade uma vez que o projecto de decreto-lei sobre as sociedades de reabilitação

urbana, na sua versão preliminar, tinha por fundamento a necessidade de promoção do

investimento privado. Pretendia-se naquele projecto envolver equitativamente todas as partes

interessadas, determinando-se que as “[…] sociedades de reabilitação urbana sejam

sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, mas que possam ser também

subscritas por outras entidades a definir, caso a caso.” (art. 1.º Dec.Lei n.º 104/2004 de.

Se a transposição para um modelo mais privado não aconteceu terá sido pelo receio de

transferir para essas entidades privadas verdadeiros poderes que caracterizam entes públicos.

Veja-se a dificuldade de transmitir para privados quando solicitam operações do poder de

60

__

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

64

delimitação do território, condicionando-o em termos definitivos. Será aceitável transmitir o

exercício de poderes de autoridade, como o caso do poder de planificação ou outras

prorrogativas típicas de entidades públicas licenciadoras, como excepções ao regime legal ao

nível de licenciamentos?

Só assim tem sentido que no objecto das SRU’s seja utilizada a expressão “planear,

viabilizar, implementar e executar o processo de reabilitação de uma determinada área critica

de recuperação ou reabilitação ou revitalização de centros históricos”61

. Ainda que as SRU’s

possam ser os autores materiais dos planos estratégicos, fica a dúvida sobre a vontade e

intenção de delegar poderes para tratar do território como pretendia o diploma legal.

4.6 Os instrumentos jurídicos mobilizáveis

A definição jurídica do conceito de reabilitação urbana, é determinante para a definição dos

instrumentos jurídicos a utilizar. De facto, assente que a noção de reabilitação urbana é mais

abrangente que as noções de recuperação e renovação, que apelam para actuações pontuais

centradas no imóvel e que esquecem a criação ou valorização de infra-estruturas,

equipamentos e espaços públicos envolventes, então os instrumentos serão necessariamente

outros, seguramente mais abrangentes.

Mas o problema é que o legislador ainda não os criou. E de acordo com o princípio da

tipicidade dos instrumentos de gestão territorial62

, apenas aqueles planos que correspondam a

um modelo legal determinado, podem produzir os efeitos jurídicos para que tendem. Assim,

e fazendo uso dos instrumentos previstos, a reabilitação urbana necessita de utilizar o

instrumento mais adequado para o tipo de intervenção no território e que são,

necessariamente, os planos de pormenor de salvaguarda63

. Sob a designação de Planos

Especiais de Salvaguarda e Valorização ou de Planos de Renovação Urbana, foram

61

Dec-Lei n.º 104/2004 de 7 Maio 62

Dec.Lei n.º 380/99 63

Na terminologia do art.53.º do Dec.-Lei n.º 107/2001 de 8 de Setembro.

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

65

reconduzidos, sob pena de violação do princípio da tipicidade dos planos de territoriais, à

figura dos Planos de Pormenor.

Definem estes a ocupação e usos prioritários, as áreas a reabilitar, os critérios de intervenção

nos elementos construídos e naturais e as linhas estratégicas nos planos económicos, social e

de requalificação urbana e paisagística. A alternativa, caso não haja a obrigação da sua

elaboração decorrente da concomitante classificação de monumentos ou sítios, nos termos da

Lei do Património Cultural64

, será a da elaboração de um plano de pormenor na modalidade

simplificada de plano de conservação, recuperação ou renovação do edificado65

.

O paradigma da intervenção estruturada na requalificação de um território urbano degradado

surgiu, concorde-se ou não com os efeitos positivos dessa política, com as operações

integradas no Programa Polis, mas mais uma vez recorrendo à figura do Plano de

Pormenor.66

Este programa insere-se numa das mais complexas operações de coordenação e

mobilização na política de renovação urbana visando a requalificação urbana e a valorização

ambiental das cidades.67

Visou responder à necessidade de intervir física e económico-

socialmente nas cidades, reinventando o espaço urbano por intermédio de intervenções

urbanísticas e ambientais, centradas em objectivos de desenvolvimento de operações

integradas de requalificação urbana com uma forte componente ambiental.

O objectivo era claro: A revitalização de centros urbanos que promovesse a sua

multifuncionalidade.68

A principal responsabilidade pela tarefa de gestão do programa foi

entregue a uma figura empresarial criada para esse fim, nos moldes já anteriormente

experimentados na preparação da Exposição Mundial de Lisboa (EXPO 98) e apelava a uma

ampla participação e coordenação de entidades. Estas sociedades de capitais exclusivamente

públicos, Estado e municípios, apelavam a regras específicas para o procedimento de

elaboração dos planos urbanísticos. E na verdade, excepcionar o regime geral foi a única

64

Lei do património cultural 65

Art. 93.º, n.º2, alínea c) do Dec.-Lei n.º 380/99 de 22 de Setembro. 66

Art. 87.º do Dec.-Lei n.º 380/99 de 22 de Setembro. 67

Resolução do Conselho de Ministros n.º 26/2000 de 15 de Maio de 2000 68

Decreto-Lei n.º 119/200 de 4 de Julho e Decreto-Lei n.º 330/2000 de 27 de Dezembro.

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

66

forma de realizar as intervenções tão abrangentes como aquelas que foram promovidas pelos

Programas Polis, grande parte com sucesso.

Uma estratégia de requalificação urbana promove necessariamente a sua redinamização. E

isto deve ser assim, na medida em que a mera recuperação física e urbanística não resolve,

por si só, o problema da descaracterização do seu tecido social e produtivo69

. Nesse âmbito, o

Sistema de Incentivos a Projectos de Urbanismo Comercial (URBCOM)70

visava intervir em

áreas limitadas dos centros urbanos com características de alta densidade comercial,

centralidade e multifuncionalidade e a necessitar de desenvolvimento económico,

patrimonial e urbano. Servia os objectivos de revitalizar o mais possível as zonas comerciais

dos centros históricos, evitando a sua degradação progressiva e contribuindo, ainda que de

forma indirecta, para a consecução dos objectivos da política de renovação urbana.

Outro instrumento que já se pode apelidar de específico, uma vez que estabelece um quadro

normativo singular, é o das áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, figura

especificamente destinada à recuperação do parque habitacional quer de centros históricos

quer de zonas degradadas71

, cuja situação só por intermédio de uma actuação expedita e

firme por parte da administração pode ser revertida de forma eficaz.72

Como efeito imediato da delimitação e declaração destas áreas como sendo de recuperação e

reconversão urbanística, existia a possibilidade da declaração de utilidade pública de

expropriação dos imóveis de que a administração necessitasse para a execução dos trabalhos

de reconversão, bem como a faculdade de tomar posse administrativa de imóveis para a

realização das obras de beneficiação ou reparação que revestissem carácter urgente.73

Para

69

A diminuição acentuada do número e envelhecimento de idosos e o desaparecimento de actividades

tradicionais ou a sua transferência para a periferia da urbe. 70

Portaria n.º 317-B/2000 de 31 de Maio. 71

Situação de muitas cidades cuja situação de tal modo precária e gravosa afastava os habitantes para a

periferia por falta de infra-estruturas urbanísticas, de equipamento social, de áreas livres e espaços verdes,

ou deficiências dos edifícios existentes. 72

Art. 41.º do Dec.-Lei n.º 794/96 de 5 de Novembro – Lei dos Solos. 73

Competência das Assembleias Municipais ainda que a declaração, por decreto, seja da competência do

Governo, nos termos da alínea c) do art. 29.º da Lei n.º 159/99 de 14 de Setembro e art. 53.º n.º3, alínea b)

da Lei n.º 169/99 de 18 de Setembro.

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

67

além desses mecanismos o Estado tinha ao dispor a possibilidade do despejo administrativo e

do direito de preferência nas transmissões a título oneroso, fechando assim o leque de

prorrogativas da administração beneficiária da declaração da área crítica de recuperação e

reconversão urbanística.

Na definição ampla de renovação urbana ainda se poderão incluir os mecanismos de

reconversão de áreas urbanas de génese ilegal e construção clandestina, enquanto solução

normativa adaptada à especificidade dos problemas, criando mecanismos de excepção que

viabilizassem a legalização impossível à luz das regras aplicáveis.74

Na verdade, tais políticas

inscreviam-se numa clara preferência por medidas que permitissem a reconversão urbana

dessas zonas versus a sua legalização, desde que tal fosse aceitável sob o aspecto do

ordenamento do território e o respeito pelas condições mínimas de habitabilidade.

Na sequência destas medidas surgiu o regime excepcional para a reconversão urbanística das

referidas áreas75

. O processo poderia ser da iniciativa dos particulares através de uma

administração conjunta, por intermédio da assembleia de proprietários ou comproprietários,

utilizando a figura do loteamento, ou por iniciativa da câmara municipal mediante operação

de loteamento ou elaboração de um plano de pormenor. Com este instrumento foram

simplificados procedimentos de legalização por atenuação do grau de exigência relativo a

parâmetros, índices urbanísticos e tipologias de ocupação fixados no regime jurídico

aplicável aos loteamentos ou no PDM, sempre que o cumprimento estrito destes parâmetros

pudesse inviabilizar a operação de reconversão.

Por fim, os mecanismos da reabilitação urbana que as sociedades de reabilitação urbana

vieram dar corpo e do qual será dado desenvolvimento no capítulo próprio.

4.7 Os instrumentos financeiros

74

O Decreto-Lei n.º 804/76 de 6 de Novembro alterado pelo Decreto-Lei n.º 90/77 de 9 de Março,

estabelecia as medidas a aplicar na construção clandestina, bem como nas operações de loteamento

clandestino. 75

Lei n.º 91/95 de 2 de Setembro alterada pela Lei n.º 169/99 de 14 de Setembro

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

68

4.7.1 Modos de financiamento da renovação urbana

A renovação urbana, apesar de ser uma responsabilidade eminentemente pública é resultado,

em grande parte das vezes, de comportamentos ou omissões dos particulares que se furtam ao

cumprimento das obrigações legais que sobre eles impendem. Nestes termos, a renovação

urbana não é um encargo financeiro da administração. Se as despesas com a actuação

subsidiária da administração ao nível da execução de obras coercivas de conservação correm

por conta do infractor76

, também nas operações complexas de renovação urbana o princípio

geral é idêntico77

.

Contudo, a concertação de intervenientes mobiliza mais meios que deverão ser partilhados

pelos privados e a administração. Na verdade, as operações de renovação urbana são

realizadas frequentemente em zonas caracterizadas por uma grande debilidade económica e

social e têm que ser comparticipadas por todos em função da utilidade ser também da

comunidade.

Além disso, há muito que existem outros programas financeiros que acabam por ter um

reflexo muito positivo na consecução dos objectivos da renovação urbana na medida em que

combatem a degradação do parque habitacional urbano ainda que se centrem na recuperação

de imóveis individualmente considerados.

A preocupação com o financiamento da reabilitação urbana surgiu com o programa especial

para reparação de fogos ou imóveis em degradação (PRID)78

onde se reconhecia que os

custos elevados decorrentes das operações de reabilitação constituíam um impedimento à sua

realização e dificilmente assumidas na íntegra pelos proprietários. Apenas com a criação do

regime especial de comparticipação de imóveis arrendados (RECRIA)79

é que a preocupação

com o financiamento da reabilitação assumiu mais operatividade, enquanto mecanismo

passível de evitar ou atenuar a progressiva degradação do património habitacional das

76

Art. 108.º Dec.-Lei n.º 555/99 de 16 de Dezembro 77

Art. 44.º n.º3 da Lei dos Solos 78

Decreto-Lei n.º 704/76 de 30 de Setembro 79

Decreto-Lei n.º 329-C/2000 de 22 de Dezembro e pela Portaria n.º 56-A/2001 de 29 de Janeiro

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69

cidades, através de comparticipação a fundo perdido80

. Este programa permitiu a recuperação

durante alguns anos de um número significativo de imóveis.

Outros programas de âmbito mais limitado também exercem alguma influência nesta matéria

como acontece com o RECRIPH81

destinado ao financiamento de condóminos proprietários

na realização de obras nas partes comuns e fracções autónomas. Por outro lado também os

imóveis usados para habitação própria seriam, obviamente, objecto de apoio através de outro

programa o SOLARH82

que estabelece um regime de concessão de empréstimos sem

remuneração de capital.

No que especificamente se refere aos núcleos urbanos históricos declarados áreas críticas de

recuperação e conversão urbanística foi aprovado um regime de apoio à recuperação

habitacional em áreas urbanas antigas (REHABITA)83

.

O financiamento destes instrumentos está assegurado nos programas operacionais do QREN.

Entre os programas de financiamento suportados pelo orçamento de Estado são de destacar o

PROHABITA (acesso a habitação, incluindo soluções de reabilitação de fogos mobilizados

para o efeito) e o PROREABILITA (Apoio à reabilitação de edifícios) e os que resultarem da

revisão em curso dos programas PRAUD e Equipamento Urbanos de Utilização Colectiva,

geridos pela DGOTDU.

Entre os recursos públicos comunitários, realça-se o Mecanismo Financeiro EEE e em

particular o BEI. Adicionalmente o Estado procurará novas fontes de financiamento, quer no

quadro de parcerias público-privadas, quer criando condições para um maior envolvimento

de fundos privados.

80

Financiamentos a suportar em 60% pelo INH e 40% pelo município, ou financiamento do valor das obras

não comparticipadas por instituição de crédito a juros bonificados. 81

Decreto-Lei n.º 106/96 de 31 de Julho 82

Dec.-Lei n.º 7/99 de 8 de Janeiro, revogado pelo Dec.-Lei n.º 39/2001 de 9 de Fevereiro com as

alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 25/2002 de 11 de Fevereiro. 83

Dec.-Leis n.º 197/92 de 22 de Setembro e 105/96 de 31 de Julho com as alterações introduzidas pelo

Dec.-Lei n.º 329-B/2000 de 22 de Dezembro

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70

4.7.2 Financiamento, incentivos e programas

A necessidade de rever a legislação sobre as SRU’s resulta da vontade em desbloquear os

constrangimentos financeiros que actualmente impendem sobre as autarquias de menores

recursos para o desenvolvimento de projectos integrados de reabilitação. A participação de

fundos imobiliários poderá transformar-se num mecanismo que possa suprir as carências

financeiras dos municípios que, por falta de verbas tiveram suspensas intervenções de

reabilitação urbana. Além disso é fundamental atribuir empréstimos a fundo pedido para que

a reabilitação não fique tão dependente dos empréstimos bancários aos proprietários, muitos

deles descapitalizados. Adicionalmente deverá haver uma ruptura com o sistema actual em

que dinheiros públicos apoiam apenas a recuperação de um fogo por prédio, investimento

que não é sustentável.

A intervenção do Estado não pode ser numa lógica de gastar dinheiro hoje para gastar outra

vez no mesmo prédio. Tem de haver uma justificação económica para a intervenção, ou seja,

o prédio apoiado tem de ser sustentável. Isso passa, por exemplo por conceber um projecto

que permita ao proprietário de um prédio gerar receitas que possibilitem a manutenção

autónoma, como a simples construção de um elevador ou de um espaço de parqueamento,

que elevam o valor das rendas ou das vendas. Mas também os apoios à reabilitação não

devem contemplar apenas as despesas de obras mas também as relativas aos projectos de

arquitectura e prever a contratualização externa de técnicos para vistorias.

Não é apenas por se enunciar um desejo de mudança que o mercado irá automaticamente

reagir. Neste sentido, são positivas as decisões políticas que potenciem a concretização destes

objectivos, nomeadamente, a alteração do regime fiscal da sisa e da contribuição autárquica,

a constituição das sociedades de reabilitação urbana e, mais recentemente, a alteração da lei

do arrendamento.

Alguns municípios estudam esquemas de engenharia financeira em que a autarquia entra com

um conjunto de prédios urbanos a recuperar como capital e o restante é assegurado por

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

71

fundos públicos. Depois de avaliado o conjunto de prédios pela CMVM, exclusivo para

fundos de investimento. Estes celebram posteriormente um contrato de arrendamento com a

autarquia que fica livre de despesas de manutenção. E a Câmara pode subarrendar a preços

de mercado ou, ao fim de um período determinado, ter opção de compra. Com o rendimento

obtido na operação, a autarquia pode optar por aplicá-lo em novas políticas de habitação

social. As maiores exigências prendem-se com a necessidade de autarquias terem gabinetes

técnicos sofisticados e com dimensão suficiente para atraírem fundos imobiliários.84

O programa Proreabilita e o novo regime de apoio à recuperação de edificado também traz

novidades. Este programa permite certificar as obras de recuperação de imóveis conferindo,

no final, o acesso à actualização das rendas no âmbito do Novo Regime do Arrendamento

Urbano (NRAU) a todos os senhorios que as tenham realizado nomeadamente com o apoio a

este financiamento. Além disso, deverá ainda apoiar as obras de recuperação das casas de

agregados familiares carenciados que tenham sido intimados a fazer obras. O Prohabita vai

substituir todos os programas à reabilitação urbana e gerir subsídios a fundo perdido e

empréstimos sob tutela do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana.

Outro mecanismo para o financiamento da reabilitação urbana é a iniciativa Jessica85

, que

permite utilizar verbas atribuídas no âmbito dos Fundos Estruturais, designadamente o

FEDER, para programas de reabilitação urbana criando fundos de desenvolvimento regional.

A reabilitação urbana precisa de novos modelos de financiamento e os fundos do FEDER

podem ser mobilizados de forma mais atractiva para o envolvimento de privados na

reabilitação urbana. A iniciativa Jessica é desenvolvida pela Comissão Europeia e pelo

Banco Europeu de Investimento em colaboração com o Banco de Desenvolvimento do

Conselho da Europa. Ao financiamento no âmbito da Jessica poderão candidatar-se

programas nas áreas das infra-estruturas urbanas de transportes, água, saneamento ou

energia, na área do património histórico ou cultural da requalificação de zonas.

84

os constrangimentos da reabilitação urbana – Artigo de opinião Fernando Santo. Bastonário da Ordem dos

Engenheiros – 15.02.05

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72

Nos termos do Dec.-Lei n.º 104/2004 consagra-se a possibilidade de as SRU, na sequência de

um concurso público com vista à escolha de um parceiro privado, celebrarem com estes um

contrato de reabilitação urbana por intermédio do qual o parceiro privado se obriga a

executar determinadas tarefas de reabilitação que podem incidir sobre um quarteirão, uma

rua, pátio ou sobre um edifício de particular interesse público

Mas este contrato, sobretudo quando tem por objecto um edifício, tem algumas fragilidades:

De acordo com o diploma, como contrapartida pelo investimento a efectuar pelo parceiro

privado, o parceiro público obriga-se a transferir para aquele os direitos de superfície ou de

propriedade sobre os bens intervencionados. No entanto, essas contrapartidas são escassas e

insusceptíveis de captar investimentos privados.

A razão de ser do contrato de reabilitação urbana de edifícios é apenas uma: obter financeiro

privado para as obras públicas que os municípios não podem custear. Como se disse, esse

contrato não é de per se suficiente para atrair os promotores imobiliários ao ponto de os fazer

desviar a sua atenção de projectos lucrativos, tais como a implementação de projectos

comerciais ou habitacionais. O investimento em edifícios públicos não é lucrativo e não é a

mera promessa de transmissão do direito de superfície ou de propriedade que vai atrair os

financiamentos de que os promotores imobiliários necessitam para custear os seus projectos.

Na verdade, uma vez efectuadas as obras de reabilitação, os investimentos não têm retorno

significativo na medida em que os edifícios intervencionados não podem, na maior parte dos

casos, ser afectados aos usos geradores de receitas, isto é, ao comércio, à habitação e aos

serviços, limitando-se a ser arrendados às entidades públicas interessadas, os municípios,

sendo que essa renda apenas cobrirá, e a muito longo prazo, o pagamento do financiamento

utilizado.

85

JESSICA

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73

5. As sociedades de reabilitação urbana

Como se verificou, a requalificação urbana dos centros históricos das cidades é objectivo

público que uma adequada política do ordenamento do território deve prosseguir. Não

obstante esta tutela ser do interesse público urbanístico, é sobre os proprietários que impende

a obrigação de promover a reabilitação dos imóveis. Nessa medida, parece natural que este

desiderato seja conseguido através da associação com entidades privadas.

Os centros históricos assumem-se como espaços de referência mercê da herança sócio-

cultural e patrimonial. O reconhecimento do valor cultural do centro histórico é a sua actual

atractividade. Mas um espaço geográfico que não se vive, torna-se um desperdício, um custo

social e económico, facto que se agrava quando se trata de um espaço de memória que se

perde.

É no sentido de inverter este quadro que surgiram as sociedades de reabilitação urbana,

entidades dotadas de personalidade jurídica própria e constituídas para a realização de

específicas finalidades urbanísticas e de promoção do ordenamento do território. Surgem por

imperativos públicos e em resposta à efectiva degradação das condições de habitabilidade, de

salubridade, de estética e de segurança de zonas urbanas históricas, e nalguns casos, de

abandono de todo uma zona cuja centralidade já só tem enquanto coordenada geográfica.

Esta obrigação pública consubstancia, primeiramente, uma responsabilidade dos

municípios86

que tem de se dotar de meios que permitam uma efectiva intervenção,

ponderando os direitos e obrigações dos direitos dos proprietários. Através de um modelo de

constituição de uma empresa municipal ou de uma sociedade anónima de capitais

exclusivamente públicos, determina o diploma um conjunto procedimental que permite

promover as operações de reabilitação com outra celeridade e utilizando mecanismos de

entes públicos. Assim, e contrariando a tendência dos últimos anos relativamente à

admissibilidade de uma participação de particulares na gestão urbanística, este diploma faz

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

74

retroceder esse movimento e torna efectivamente mais longe um propósito assumido por

muitos dos instrumentos jurídicos já anteriormente criados e que já promoviam as parcerias

público-privadas.

Na verdade, este regime é, na sua essência, contraditório: desde logo, porque ao justificar e

fundamentar a criação das sociedades na necessidade de promover o investimento privado87

,

envolvendo equitativamente todas as partes interessadas, determina, excluindo os capitais

privados, que o controlo de todo o processo de reabilitação seja assegurado por empresas

municipais e, em situações excepcionais, por sociedades anónimas de capitais

exclusivamente públicos.

De facto, e em jeito de crítica ao modelo adoptado, expectativas existiam para que na

organização destas entidades existisse maioritariamente capitais privados, uma vez que

continua a ser da responsabilidade dos particulares a normal conservação dos edifícios88

.

Nesse sentido, a pessoa colectiva a criar deveria ser maioritariamente de capitais privados em

que o município participaria de forma supletiva89

. Porém a falta de legislação específica que

definisse os contornos da actuação dos privados, relegou o exercício da actividade destes

para instrumentos supletivos decorrentes da celebração de contratos administrativos.

Qualquer actividade que implica o exercício de poderes de autoridade, como seja a

planificação ou o estabelecimento de dispensas de aplicação do regime legal, nomeadamente,

a nível de licenciamentos e loteamentos, estariam vedadas aos particulares com o argumento

final de que a função urbanística é, por excelência, uma função pública.

A procura de novos instrumentos de planeamento faz criar novas soluções urbanísticas e

novos modelos de gestão em áreas de atribuições que são públicas: O dever de ordenar o

86

Introdução do Dec. lei 104/04 87

Ver preâmbulo do DL 88

“ (…) se reafirma o princípio geral de que é aos proprietários que cabe promover a reabilitação dos seus

imóveis. 89

A Lei 159/99 de 14 de Setembro, prevê expressamente essa possibilidade pela admissão de que os

municípios criem ou participem em empresas de âmbito municipal ou intermunicipal para a prossecução de

actividades de interesse público ou de desenvolvimento regional e local, sem se referir ao estatuto, público

ou privado, das mesmas.

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

75

território. No modelo da SRU transferem-se verdadeiros poderes públicos, como o poder de

expropriar ou de licenciar. Projectam-se mecanismos de apoio financeiro que serão sempre

insuficientes para a enorme empresa de reanimar um parque habitacional degradado superior

a 800.000 mil habitações. Acresce o facto de as soluções de celeridade procedimental bem

como os meios efectivos de intervenção passarem necessariamente pela transferência de bens

de pequenos para grandes proprietários que suportarão financeiramente os custos de

reabilitação.

Na procura de soluções há que fazer experiências e avaliar as consequências depois da sua

implementação. Contudo, desde já, uma das fragilidades do sistema está já detectada. Os

sujeitos do urbanismo, os cidadãos com interesses reflexos, ficaram de fora do quadro de

participação institucional do modelo adoptado. Participam, nos termos do art. 16.º do

diploma legal, na elaboração do documento estratégico. Continuam, porém, a serem meros

destinatários da actividade pública do urbanismo.

5.1 Um novo ciclo de interacção

A reabilitação urbana corresponde a uma vontade política. O programa do XXVII Governo

assim o refere. As novas políticas urbanísticas assim o impõem. O mercado torna tal desígnio

como um processo decisivo para o futuro das nossas cidades. Faz parte da nossa vivência em

sociedade criarmos centros de confluência onde se vive a identidade de uma sociedade e

onde os diversos actores têm um papel determinante em fazer a evolução em colectivo.

Mas a requalificação urbana é também uma equação económica viável para os promotores

imobiliários, para o mercado que procura a criação de condições, e que, no caso da

requalificação urbana, são determinantes. Qualquer política, mesmo que carregada de fundos

e meios, não decreta a revitalização de um centro histórico se os privados, os promotores

imobiliários, não intervirem em resposta às necessidades do mercado. O contributo do Estado

e a vontade política são uma parte importante do processo, se os esforços se concentrarem

em facilitar o investimento privado.

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

76

Mas também o processo de requalificação tem âncoras de intervenção necessariamente

públicas por o Estado ser o único actor investido de prerrogativas de intervenção no espaço

público ou nos procedimentos que determinem soluções de inexistência de acção por parte

dos proprietários privados. A requalificação do espaço público, incluindo arruamentos e

ordenamento da circulação, estacionamento ou soluções de mobiliário urbano são condições

essenciais para impulsionar o investimento privado. A vontade política em criar uma agenda

em torno da reabilitação urbana é igualmente importante, dando aos agentes económicos e na

sociedade um sentimento de inevitabilidade da renovação urbana.90

O desbloquear de

entraves ao licenciamento da actividade imobiliária nos centros históricos tem por barreiras a

subsistência das competências de um grande número de serviços descentralizados do Estado.

Para além disso, a burocracia sobre as operações urbanísticas nos centros históricos, a

acrescer aos maiores custos que a construção pode acarretar, continuam a afastar os privados

da decisão de investimento. Não será possível coadunar a vontade de investir com

intermináveis processos de avaliação por múltiplas entidades e competências.

As sociedades de reabilitação urbana visaram ser um factor aglutinador das entidades que

intervêm no licenciamento, acelerando a aprovação das intenções de investimento e

enquadrando as diferentes intervenções duma estratégia de centro de cidade. Em simultâneo,

as SRU’s podem impedir, com a utilização dos mecanismos de expropriação, o

bloqueamento causado por meros especuladores. Ao assumirem o seu papel de facilitadores

de investimento privado, essencialmente na celeridade da apreciação do licenciamento,

podem ser a via para destruir as últimas barreiras para uma requalificação em larga escala.

Significa que um dos factores mais críticos da promoção imobiliária, o tempo, estará em

princípio facilitado. No entanto, outras situações poderão encravar todo o processo,

nomeadamente o decorrente de eventuais acções de despejo ou de expropriação. Mas dada a

falta de experiência, ainda é cedo para se concluir sobre a eficácia destas sociedades, na

resolução destes obstáculos.

90

O incentivo da redução do IVA para 5% na reabilitação urbana é também um factor muito positivo, com

efectivo impacto na rentabilidade da operação imobiliária.

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

77

É fácil reconhecer a importância da reabilitação dos nossos centros históricos. São

fundamentais para um melhor ordenamento e funcionamento das nossas cidades, para o

turismo e para o nosso bem-estar. Uma boa reabilitação, numa boa localização, é de facto um

produto pelo qual o mercado está disposto a pagar um prémio, uma vez que é muito difícil de

produzir.

O objectivo primeiro de uma intervenção de reabilitação integrada é olhar para um centro

histórico como um bem público que deve oferecer boas condições para as actividades

económicas se instalarem, espaços públicos e residenciais apelativos para habitantes e

visitantes. Mas é também reforçar o perfil cultural da cidade e criar uma qualidade urbana

distinta. Para tal é crucial estabelecer parcerias público-privadas fortes. Porque cumprir estes

objectivos exige um papel importante do sector privado, mas também uma intervenção

estruturada da iniciativa privada. Isto porque ao sector público cabe proporcionar as infra-

estruturas e sentido social da intervenção, estabelecendo contextos adequados ao

envolvimento dos actores privados do mercado. Por outro lado estes objectivos não poderão

ser atingidos sem a actuação de privados, sob pena de a estratégia de reabilitação não ser

correctamente implementada.

A estratégia da cidade deve ser compatível com o interesse do sector privado e não apenas do

público. Um posicionamento desta natureza permite reduzir os requisitos financeiros de

entrada de privados no projecto, aumentando o número de investidores privados de larga

escala. Um exemplo de que a estratégia público-privada deve ser pensada em conjunto passa

pela concordância sob os diferentes usos a dar aos imóveis a reabilitar e sob a forma como se

irão colocar os produtos habitacionais no mercado. Requerer aos promotores que integrem

habitações nos seus produtos não implica, necessariamente, que tenham de ser habitações de

baixo custo ou de habitação social. Pelo contrário, uma melhor interacção entre os dois

blocos de actores da reabilitação permite criar uma estratégia para vender produtos

residenciais nas diferente zonas91

, dispor de espaços comerciais atractivos, e uma boa

intervenção no espaço público que permita fazer fruir os outros usos.

91

Juergen Bruns-Berentelg – experiência em Hafen City em Hamburgo

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

78

5.4 Reabilitação sem SRU’s

5.4.1 A reabilitação urbana do Centro Histórico de Guimarães

No essencial da experiência de conservação do património urbano de Guimarães resulta uma

ideia fundamental. A reabilitação pode ser bem sucedida se conjugar a conservação das

qualidades formais já sedimentadas com a integração de novas oportunidades. E o resultado

da mais antiga experiência de implementação de conservação do património urbano em

Portugal92

é, por todos reconhecida, de grande valor, fruto do empenho e qualidade da equipa

do gabinete municipal, que soube instaurar um processo de gestão urbana baseada numa

prática de projecto e desenho contra um planeamento rígido baseada num urbanismo

regulamentar, que já feita referência93

.

O panorama de intervenção da equipa camarária era um centro histórico, quase todo intra-

muros, e com inúmeros monumentos que limitavam e condicionavam qualquer operação por

prevalência das áreas de protecção legais94

. As condicionantes técnicas eram muitas em

função do crescimento espontâneo da cidade sem planeamento ou controlo do processo de

urbanização. Nesse quadro é criado o GTL (Gabinete Técnico Local),95

o gabinete do centro

histórico de Guimarães. Como pressuposto de operacionalidade desse gabinete, procedeu-se

à transferência sucessiva de poderes administrativos próprios do município.

O GTL sustenta o seu projecto no estabelecimento de regras que se viriam a demonstrar

essenciais para a duração e sucesso do projecto de reabilitação e que se baseavam em

princípios e normas claras de gestão relativamente aos licenciamentos. Preconizava uma

articulação forte com os particulares na procura de soluções por estes solicitadas,

interditando o demolição para reproduzir em betão. Havia uma opção clara pela recusa ao

92

1985 93

Capitulo 2 94

Servidões Administrativas e outros ónus sobre o património 95

Criado em Março de 1985.

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

79

fachadismo96

que caracteriza muitas intervenções na reabilitação urbana. Um conjunto de

protocolos com as entidades com responsabilidades sobre o território, como o então IPPC97

permitiram o necessário acompanhamento técnico e obviar os tempos de apreciação de

processos, dando coerência à gestão patrimonial integrada. Mais complexas foram as

relações com a DGRU, uma vez que esta não cedia as competências próprias na área de

realização de planos de pormenor, cujas execuções na altura estavam reservadas à referida

Direcção.

Figura 5.1 Imagem do Centro Histórico de Guimarães

Fonte: Gabinete Técnico Local de Guimarães, 2000

As primeiras actuações do GTL foram de efectiva execução. Recusando intervenções com

excesso de projecto, este gabinete privilegiou uma progressiva adaptação do núcleo urbano

histórico, conservando a sua identidade. Para além da arquitectura, era vital manter a

população residente. Foi assim, que logo no início do projecto era possível ver obra, uma vez

que se iniciou uma sistemática recuperação e beneficiação das habitações, reabilitando,

também, os pequenos espaços públicos.

96

Fachadismo – O termo encontrado para definição de uma política de intervenção de reabilitação urbana

com recuperação apenas da parte externa dos edifícios disponibilizando-se o interior para usos diferentes

podendo ser alterados interiores. 97

Protocolo celebrado entra a Câmara Municipal de Guimarães e o Instituto Português do Património

Cultural em 1983

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80

Ou seja, em termos estratégicos, as linhas de intervenção do gabinete eram claras: Uma

beneficiação das habitações e infra-estruturas, como estratégia indutora ou revivificadora do

interesse privado. Essa opção, recusava a ideia de um forte intervencionismo público, de

intervenções em quarteirão, ou o uso de prerrogativas que resultassem na expropriação ou

posse administrativa legal98

. Também recusava a abertura desmesurada a actuações privadas

e a captação dos capitais privados para a concretização do projecto. A lógica de intervenção

nos edifícios privados visava, essencialmente, um restauro de prevenção e de criação de

condições de habitabilidade e salubridade dos edifícios, evitando a renovação excessiva.

Criando mecanismos de facilitação para a reabilitação pelos proprietários, apoiando com

cautelas a beneficiação, resultou numa operação de reabilitação de grande escala, que apenas

o era, por somar as inúmeras intervenções de beneficiação em curso.

Actuando lote a lote, prédio a prédio, o município não se substituiu à iniciativa privada, não

se tornou proprietário, nem mesmo gestor de um parque habitacional. O GTL visava apenas

ser facilitador e integrador das operações de reabilitação do centro histórico, naturalmente

centrada no plano integrado de reabilitação. Só que os privados tinham a iniciativa e o

empreendimento.

Com esta política evitou-se a alteração da tipologia parcelar condicionando as possibilidades

de aumento volumétrico. Garantiu-se desta forma, um processo de continuidade do existente,

de manutenção e não de substituição. O grau de intervenção nas edificações particulares, na

perspectiva da sua reabilitação, faz-se na dependência do estado de conservação do imóvel e

da capacidade de investimento do proprietário.

Nessa reabilitação, verifica-se não uma substituição dos usos dos edifícios mas antes uma

manutenção da lógica económica e arquitectónica que mobiliza os privados, um a um. Nas

intervenções no espaço público a lógica de intervenção é a mesma. Recusando os

mecanismos de financiamento estatal de grande envergadura, privilegiam-se as actuações em

98

Como seja a intervenção marcadamente intervencionista da reabilitação urbana no Porto

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

81

espaços urbanos unitários, potenciando unidades coerentes de projecto urbano, com certas

praças e alguns eixos prioritários, mas na medida exacta da sua recuperação sem projectar

soluções de futuro para o crescimento da cidade. No âmbito dessas obras no espaço público,

que muitas das vezes se aproximava de restauro urbano, a GTL cria cursos de formação em

construção tradicional, reduzindo os efeitos das carências de saberes nas actividades de

construção e criando equipas municipais de operários para executar intervenções prioritárias.

A preocupação pelo traço nas actividades de reconstrução dos edifícios seria matriz das

intervenções no centro histórico, apelidando-se estas intervenções como o regresso da

arquitectura à cidade histórica.99

A própria sede do GTL foi objecto de uma intervenção

absolutamente simbolizada na recuperação integral de um edifício centenário, adaptando o

seu uso ao edificado, e não apenas na reabilitação da sua fachada, tendo sido premiada como

exemplo de referência europeia.100

A reabilitação do centro histórico de Guimarães marcou, mesmo em termos internacionais101

,

uma estratégia de actuação que lhe deu projecção e marcou a contínua presença de visitantes

de universidades e equipas de recuperação de outros centros históricos. Tudo isto porque a

decisão de reabilitação centrou a sua actuação numa estratégia de intervenção sobre o centro

histórico que deveria propiciar uma reanimação funcional articulada com o processo de

requalificação urbanística do restante território. Entendeu-se a reabilitação do núcleo

histórico como uma acção indutora da requalificação formal e funcional de um contínuo

urbano, procurando propagar qualidades, e induzir, como definiu Alexandra Gesta102

, “[…]

por contágio e pelo carácter exemplar […]” processos similares na periferia, tornando de

novo a cidade histórica como um núcleo de referência.

A instituição de um processo de gestão urbana marcadamente preocupado com o desenho das

operações e que controla toda a fase de licenciamento e de execução é um traço que

99

1997 II Congresso Histórico de Guimarães

1998 Encontro (Re)habitar Centros Antigos 100

Prémio Europa Nostra pelo projecto de Fernando Távora 101

Prémio Nacional de Arquitectura à equipa do GTL pela melhor obra de conservação e Prémio da Real

Fundação de Toledo 102

Primeira Directora do GTL

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82

identifica e dá marca ao projecto de reabilitação do centro histórico de Guimarães. Da macro

à micro-escala, a verdadeira escala do projecto terá sido a opção pela conservação, por

projectar com a realidade. E nesse sentido, foi o projecto que conquistou o apoio da

população que se envolveu e aceitou as regras, captando o seu interesse pela capitalização

dos resultados. A percepção dos objectivos por parte da população facilitou, por sua vez, a

gestão participada, reforçando a negociação, sem recurso a falsas intenções de fazer

participar as populações. A gestão em tempo real, como se apelidava no GTL, conquistou as

populações para a bondade do projecto e fez crer nos seus responsáveis que se seguiam os

passos certos.

Na verdade, a experiência de Guimarães era pioneira em Portugal e como tal não houve

tempo para esperar pela adopção de metodologias ou experimentação de métodos de

actuação. Havia que projectar e obter resultados, avaliando-os, corrigindo métodos e

aprender.

Mas houve, sobretudo, o engenho de garantir adequadas bitolas de qualidade nas

intervenções, exigindo-se a sua transposição quer para os projectos privados quer para os

projectos públicos. Nesse sentido, fez associar qualificados arquitectos portugueses, como

Sisa, Távora ou Portas, para que essas intervenções se revestissem de um carácter exemplar

nos espaços da sua competência.103

O financiamento de todas as operações foi conseguido com acesso aos programas financeiros

mobilizáveis, como o PRID, depois com PRU, com o PRAUD, mais recentemente com o

PROCOM e às várias gerações do RECRIA.

O GTL de Guimarães teve a cargo não só a vasta tarefa de controlo das alterações

urbanísticas e funcionais ao nível urbano mas também foi responsável pela gestão dos

licenciamentos, pelo controlo e fiscalização em obra das intervenções concretas e pela

própria obra no espaço público. Verdadeiras atribuições do município foram transferidas para

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

83

este gabinete que, de uma forma expedita, actuou num território tão importante e com

recurso a diminutos meios.

A experiência de Guimarães na requalificação do seu centro histórico deu provas de

solidariedade institucional e congregou vontades e competências organizadas num grupo de

trabalho técnico de valia. Resultou numa reabilitação exemplar e na demonstração de uma

metodologia de actuação com excelentes resultados nestes 20 anos de trabalho.

5.5 Reabilitação com SRU’s

5.5.1 A Sociedade de Reabilitação Urbana – Porto Vivo, SA

A Porto Vivo, SRU foi constituída em em Novembro de 2004, tendo como accionistas o

Estado, através do INH com 60% do capital e a Câmara Municipal do Porto detentora dos

restantes 40%. Desde logo, a justificação de tal repartição do capital, de maioria da

Administração Central, com a dimensão e complexidade da operação de reabilitação do

Porto. De facto, a importância da cidade do Porto no contexto nacional e ibérico, a sua longa

tradição enquanto metrópole de uma vasta zona e a progressiva perda de atractividade para as

cidades limítrofes, bem como a importância turística da zona ribeirinha do Douro,

encaminham a solução de reabilitação para soluções em que o Estado central assume claras

responsabilidades.

A esta decisão não são alheias, também, a complexidade e elevado preço que as operações

urbanísticas impõem, o que justifica a anuência da autarquia na posição de charneira que

assume na sociedade. Em todo o caso, a instituição de uma sociedade de reabilitação urbana

é, desde logo, uma transferência temporária de algumas competências municipais para

entidades de capital exclusivamente público, como, aliás, determina o art. 3 do Dec. Lei n.º

104/2004 de 7 de Maio.

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

84

Mas, sobretudo, a oportunidade na criação da Porto Vivo, SRU, prende-se com a necessidade

de inverter uma situação que caracteriza os últimos 25 anos. Os parâmetros sócio-

económicos demonstravam a tendência negativa na revitalização da cidade: a população mais

jovem procurava os concelhos vizinhos para habitar; o comércio perdia clientelas para as

grandes superfícies fora da cidade e as empresas mudaram as suas sedes para locais longe do

centro. Restava o turismo que apresentava padrões de qualidade muito abaixo do que a

importância da cidade exigiam.

Monitorizada a situação do parque habitacional e do espaço público, promoveu a nova

sociedade de reabilitação urbana a operacionalização de uma estratégia mobilizadora de

meios e tão integradora quanto possível. Os objectivos impostos e que resultaram do

Masterplan da sociedade eram absolutamente claros: voltar a reabitar a Baixa, fomentando a

residência, o comércio e os serviços.

Em princípio, nada de novo na estratégia de actuação que distinguisse esta operação

urbanística de qualquer outra política de reabilitação. De facto, a definição dos vectores de

desenvolvimento não traziam novidades ao eleger a habitação como pilar de uma área urbana

viva, os negócios como oportunidade de afirmação da cidade, o comércio como factor

determinante na revitalização, o turismo ou a cultura como forças intrínsecas e a reabilitação

do espaço público.

Mas a novidade do Plano de Acção, concretizado no Masterplan, era a profunda

inventariação e conhecimento dos dados relativos aos mais variados aspectos da área a

intervir. De facto, ao longo de 2005, desenvolveram-se os trabalhos que conduziram à

realização do Plano estratégico de reabilitação urbana que enquadrava todo o processo e no

qual foram vertidas as políticas de uma reabilitação sustentável: Fazer integrar para fazer

intervenção era a novidade da primeira experiência de sociedade de reabilitação urbana e que

marcava as referências das outras experiências de SRU’s em outras cidades.

Para além disso, o plano estratégico trazia outra novidade: A celebração de um verdadeiro

contrato de cidade. A conceptualização e implementação de um contrato de cidade que

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

85

oriente que gere e intervém, vincule as entidades tutelares e comunique uma estratégia aos

investidores, cidadãos e agentes.

Dada a complexidade e diversidade da zona a intervir foi definida, através de uma análise

multicritérios, uma Zona de Intervenção Prioritária (ZIP) onde a Porto Vivo, SRU centraliza

os seus esforços. Integrando as quatro freguesias do centro histórico, bem como uma parte

substancial dos territórios que representaram a expansão urbana dos séculos XVIII e XIX, o

Masterplan enquadra todo o processo de reabilitação e no qual estavam vertidas as políticas

de uma reabilitação sustentável e a sua aplicação territorializada.

A par das definições das prioridades e dos vectores de desenvolvimento, já se previa no

modelo de operacionalização a necessidade de actuar em parceria. De facto a consciência da

plenitude dos meios, foi uma das marcas da Porto Vivo, SRU que desde cedo assumiu a

necessidade de a operação de reabilitação a empreender ser realizada por todos. No

Masterplan a concretização da estratégia referia que a tipologia dos problemas poderiam ter

características que só uma actuação da administração central resolveria e outros em que a

actuação municipal seria suficiente. Mas para além disso, haveria actuações que caberiam,

naturalmente, à Porto Vivo, SRU implementar ou gerar e outras que dependiam

essencialmente de terceiros.

Integrar, agilizar e criar condições pareciam ser as ferramentas da estratégia de actuação da

Porto Vivo, SRU que não escondia a possibilidade de desenvolver acções de lobbying junto

da Administração Central no sentido de melhorar o regime de arrendamento urbano, criar

incentivos à reabilitação, promover a promulgação de programas financeiros de apoio, etc.

Mas é na constituição de parcerias que a Porto Vivo, SA mais apostava, de acordo, até, com a

génese do diploma da reabilitação urbana que previa um envolvimento directo dos

particulares nas sociedades de reabilitação urbana. De facto, a constituição de parcerias com

entidades de raiz público e privado mostrava-se fundamental para a implementação, e

sucesso, da operacionalização do Masterplan. Parcerias que concretizassem a partilha de

experiências e competências, com dinâmicas fortes de actuação e execução de acções

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

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concertadas. O domínio destas era transversal a toda a actividade da Porto Vivo, SA:

projectos tecnológicos, recursos energéticos e ambientais, estruturas dinamizadoras de

actividades económicas e sociais, instrumentos para a mobilidade e, não menos importante,

as parcerias para a reabilitação física.

E seria precisamente nesta última componente para a concretização de parcerias – a

reabilitação física sobre o parque edificado – que foram constituídos os principais eixos de

actuação através da estruturação de programas cuja implementação rápida e eficaz emprestou

credibilidade ao projecto de reabilitação: O VIV’A BAIXA, o ConVIVER NA BAIXA, o

PORTO COM PINTA, foram programas que estruturam resposta de apoio célere e

desburocratizado ás populações, servindo, também, como mecanismo integrador dos

cidadãos na operacionalização de reabilitação da cidade. Todos estes sistemas de incentivos

foram congregados numa ferramenta que facilitasse e mobilizasse as intervenções dos

proprietários e dos promotores privados, através de um modelo simples que representasse o

front-office da Porto Vivo, SA: A loja da reabilitação urbana. Um balcão que fosse

simultaneamente um local onde se fornecesse e trabalhasse a informação para quem quisesse

reabilitar, residir, trabalhar e investir na Baixa. Funcionaria, assim, como o local onde se

encontravam os agentes, onde se conhecessem os apoios, as oportunidades e as condições de

agilização de projectos.

Para além dos grandes vectores de actuação, já referidos, entendeu-se ainda eleger um

conjunto de medidas de excepção de abrangência transversal e pluri-sectorial a que se

designou de Acções Estratégicas e funcionariam como âncoras de outras acções mas

suficientemente importantes para alavancar outras intervenções: A criação de um parque da

inovação, a reabilitação da frente ribeirinha, a reconstrução da avenida da ponte, a

recuperação do mercado do bolhão e a instalação da rede de eléctrico.

A operacionalização territorial da estratégia para um período que mobilizasse recursos e

valores – 2006-2011 – determinou a escolha de dois eixos estratégicos que induzissem fortes

dinâmicas de reabilitação: um eixo norte-sul conformado com o desenvolvimento da cidade

ao longo dos tempos e um eixo este-oeste onde se cruzam as dinâmicas económicas e sociais,

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

87

dando lugar à definição de 6 Áreas de Intervenção Prioritária.104

. Nestas 6 AIP envolviam-se

mais 2000 edifícios correspondentes a aproximadamente 1.300 000 m2 de área bruta

construída.

Fig. 5.2 Zona de Intervenção Prioritária dp Porto

Fonte: Marterplan Porto Vivo, 2005

A operacionalização da operação de intervenção exigia uma regulamentação de grande

clareza e objectividade que potenciasse a adesão mas que obedecesse ao normativo legal

previsto. Assim, para cada Área de Intervenção Prioritária foi definido um programa geral de

intervenção com base no levantamento mais “fino” de cada edifício, dos seus proprietários e

ocupantes, das suas funções e da sua morfologia, do enquadramento da área do território a

nível económico, social e monumental, e das suas carências infra-estruturais, desde

estacionamento a espaço público, tratamento de resíduos a abastecimentos energéticos.

Posteriormente, é esta proposta de estratégia para a área submetida remetida para decisão da

Câmara Municipal, com a prorrogativa de esta decidir ou dispensar a elaboração de plano

pormenor105

. Após esta fase, é que se inicia o trabalho mais envolvente com os

104

Infante, Sé/Vitória, Aliados, República, Carlos Alberto, Poveiros/S. Lázaro 105

Conforme Dec.-Lei n.º 104/2004

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88

proprietários,106

efectuando-se as primeiras reuniões onde se explica o enquadramento

estratégico e a totalidade dos passos a dar até à reabilitação integral do quarteirão, onde se

inserem os seus prédios, sendo-lhes claramente transmitida a irreversibilidade e a

obrigatoriedade do processo, bem como o papel facilitador e de dinamizador da SRU, bem

como os poderes excepcionais de planeamento, licenciamento, execução, expropriação e de

fiscalização de que dispõe.

Apesar de possuírem todos estes poderes, as SRU só os podem exercer após a aprovação do

documento estratégico, que é o documento onde se plasma o exaustivo diagnóstico físico,

social e funcional dos edifícios, se descreve a estratégia de intervenção no quarteirão, as

obras de reabilitação para cada um dos edifícios e a respectiva estimativa orçamental.

A abordagem social do quarteirão inicia-se com a realização pormenorizada de vistorias a

todas as fracções, estabelecendo-se as primeiras linhas de intervenção, ouvindo os inquilinos

e os senhorios, que acompanham todo o levantamento nos termos da lei.

A proposta base do documento estratégico é então submetida à crítica e à recolha de

sugestões de todos os interessados por um período de vinte dias úteis. Após esta fase e depois

de ponderados os contributos recebidos procede-se à aprovação do Documento Estratégico,

que será, notificado a cada um dos proprietários, os quais deverão celebrar um contrato de

reabilitação com a SRU no prazo de 60 dias. Caso não o façam, a SRU pode substituir-se a

proprietário na execução das obras, podendo, sempre que necessário, expropriar o prédio.

A Porto Vivo estabeleceu uma zona prioritária de intervenção prioritária (ZIP) para a área

delimitada como de maior degeneração económica, social e urbana e que representa uma

parcela importante da intervenção global. Sendo uma área consolidada do ponto de vista do

tecido urbano e do valor arquitectónico, congrega um conjunto de características essenciais

para a escolha de prioridade de intervenção, como a centralidade e a atractividade comercial.

106

De acordo com a legislação é aos proprietários que cabe, em primeiro lugar, executar a reabilitação dos

edifícios, Dec.-Lei n.º 104/2004

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89

Por fim, a Porto Vivo estabeleceu como prioridade a implementação de estratégias de gestão

com a criação e o lançamento da figura do gestor da área urbana para articulação entre

população, empresários e instituições e as respectivas acções de reabilitação.

5.6 Comparação entre soluções

As duas intervervenções descritas tiveram vários elementos que as distinguem, antes de mais

pelas metodologias e mecanismos de intervenção utilizados. Mas os objectivos têm alguns

pontos comuns, sobretudo os objectivos gerais de intervenção global no centro histórico de

cidades pese embora as distâncias de dimensão entre as mesmas.

O objectivo geral da reabilitação do centro histórico do Porto foi, principalmente, agilizar o

funcionamento do mercado privado e contribuir para a produção de fogos qualificados com

um misto de tipologias que permitissem diferentes usos.107

A mesma agilidade para os

próprios modelos de habitação que se pretendia serem tão flexíveis relativamente ao uso final

como evolutivos, com áreas e e fins mais contemporâneos e inovadores de residir.

Já na intervenção de Guimarães os objectivos centravam-se em fazer desenvolver a

existência de zonas protagonizadas pela presença de inúmeros monumentos religiosos,

igrejas, mosteiros, mas também restos de muralhas, cuja significativa concentração compõe

uma paisagem urbana bem distinta de outras e com necessidade de intervenção muito

cuidadosa e exigente. Pretendeu-se em Guimarães intervir, mas principalmente acompanhar

as intervenções dos privados, aconselhando, verificando e trabalhando em conjunto cada uma

das intervenções.

No Porto, um plano estratégico, apelidado de Masterplan, marcava a globalidade da

intervenção possibilitando uma visão futura da totalidade da operação urbanística,

característica, aliás, das intervenções das SRU’s. Em Guimarães, o instrumento mais

107

Objectivos gerais do Masterplan

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90

regulador que foi constituído cingiu-se a um regulamento de intervenção no centro

histórico108

complementando a regulamentação nacional a este nível.

Em Guimarães o empenho e a estruturação de equipas multidisciplinares foi suficiente para

empreender a reestruturação, passo a passo, dos edifícios degradados, apoiando tecnicamente

os projectos individuais apresentados a licenciamento. Exemplar a exemplar, a reestruturação

foi sendo realizada sem calendarizações ou projectos afectados a usos programados. Com

importantes prerrogativas transferidas da autarquia o Gabinete Técnico Local chamou a si o

acompanhamento e licenciamento das obras e, numa segunda fase, as intervenções no espaço

público que acompanhavam a reabilitação dos edifícios privados.

Pelo contrário, no Porto e com o modelo de intervenção centralizado na SRU, a lógica

intervencionista determinou um plano geral para as intervenções a realizar. Para isso, foi

escolhido a medida quarteirão como área ideal de intervenção a realizar e ensaiados modelos

de interacção com os particulares. A celebração de um contrato de urbanização com quem

possa ter dimensão para realizar a intervenção integrada, torna a operação centralizada e de

carácter global, muito diferenciada da intervenção que caracterizou Guimarães.

É certo que a comparação destes dois modelos não tem parâmetros de qualificação idênticos:

a dimensão das cidades, a centralidade e atracção dos seus centros, o período que cada

intervenção já prossegue e até mesmo os mecanismos financeiros à disposição. Todos estes

pontos tem parâmetros tão diferenciados que uma comparação sobre o êxito de cada uma das

operações tem que ser compartimentada em função do conjunto de factores específicos de

cada uma das cidades. O número de fogos intervencionados ou a área pública reabilitada são

vectores que não são possíveis de referenciar na comparação de modelos.

Em todo o caso, é possível, como já foi referido, realçar o êxito da intervenção de Guimarães

e o resultado do modelo escolhido. Esse facto já foi reconhecido em vários fórum

académicos e exemplo para muitas intervenções em outros centros históricos. Não necessitou

de um modelo muito pesado ou estrutura organizacional autónoma como aquela que

108

RICUH – Regulamento que conciliava as intervenções nas habitações do centro histórico

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

91

caracteriza as sociedades de reabilitação urbana, nem sequer aguardar por sistemas de

comparticipação financeira para as operações a realizar. Interagindo com particulares,

principais detentores do património do centro histórico, fez depender o sucesso da operação

especialmente dessa relação e de equipas de trabalho competentes.

Por seu lado, a experiência do Porto, com muitos menos anos na operação integrada de

reabilitação, tem sabido nesta primeira fase, ser disciplinada no cumprimento dos calendários

que a si mesmo estabeleceu na realização dos planos de reabilitação, na execução dos

projectos previstos no Masterplan, bem como na criação de mecanismos de participação

pública, o que só por si classificaria de positiva a experiência do modelo de reabilitação. A

SRU Porto Vivo trouxe à operação de reabilitação do Porto organização e método que outras

experiências dos anos 80109

não tinham alcançado.

Contudo, e em comparação com Guimarães, a reabilitação do Porto tem um problema de

sustentabilidade que pode prejudicar toda a operação. A intervenção em toda a sua extensão

necessita de um enquadramento financeiro absolutamente excepcional que, ao contrário do

inicialmente previsto, não contará com verbas tão relevantes da administração central. Resta-

lhe encontrar junto de outros mecanismos financeiros, alguns deles bem exóticos110

, as

soluções para o financiamento das operações programadas o que não é empresa fácil.

109

Reabilitação da zona ribeirinha do Porto

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92

6. As expectativas para a 2.ª geração das SRU’s

A vocação das SRU’s teve, efectivamente, expectativas altas. Como foi anteriormente

referido, o modelo de interacção público-privado apenas foi equacionado na fase de criação

do diploma, mas não se transferiu para o corpo da lei que criou das SRU’s.

Neste aspecto e noutros111

, é unânime considerar que os quatro anos de implementação do

diploma das SRU’s não tiveram o êxito esperado, com excepção de uma ou outra

experiência.112

O facto de a regulamentação das SRU’s não ter potenciado sinergias com

privados pela desconfiança destes relativamente aos mecanismos previstos, contribui para a

pouca receptividade ao investimento na reabilitação.113

Razões para que a legislação sobre as SRU’s esteja a ser objecto de reflexão por parte do

legislador, aguardando-se novidades, sobretudo, em áreas para as quais o actual diploma não

deu resposta. Em face dos actuais problemas, deverão ser considerados, essencialmente, três

aspectos:

Por um lado, o governo deverá substituir o conceito de reabilitação pelo de revitalização.114

Não se trata somente de uma mera terminologia, com mais ou menos idêntico sentido, mas

uma mudança de matriz. Como já referido, a reabilitação física do edificado deve ser apenas

um meio para atingir o verdadeiro objectivo que é revitalizar tecidos urbanos, do ponto de

vista funcional e social. Ou seja, emerge a distinção entre os dois conceitos para a

necessidade de centrar a actuação urbana nos indivíduos e no enquadramento social e cultural

em lugar do enfoque nas dimensões físicas do edificado e das formas urbanas.

110

O financiamento das operações através da comercialização de direitos de participação sobre os imóveis

reabilitados. 111

O diploma será revogado brevemente. 112

Como por exemplo a do Porto Vivo que apresenta resultados importantes … 113

Nº de investimentos em reabilitação 114

O conceito de revitalização coloca em evidência as situações ou factores de desvitalização mas, em

comparação com reabilitação tem uma abordagem pró-activa.

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

93

Depois, será importante equacionar o papel dos proprietários e das próprias sociedades é

outro dos aspectos a ser revisto no processo de reabilitação. À luz da actual legislação torna-

se fundamental garantir uma participação mais activa dos privados, focalizando a intervenção

da SRU na dimensão de planeamento e gestão das operações. Para isso, deverão ser criados

mecanismos compensatórios e pacotes de incentivos específicos para criar a necessária

atractividade ao investimento.

Também deverá ser considerado uma modificação do valor e da força reivindicativa aos

documentos estratégicos elaborados pelas SRU’s que enquadram as intervenções de

reabilitação. O objectivo deve ser o de reduzir os encargos públicos hoje muito elevados,

devido às acções de expropriação. A sustentabilidade financeira das SRU’s é um ponto a

atingir.

Relativamente ao contrato de reabilitação urbana esse só será verdadeiramente útil se o seu

conteúdo abranger a vertente da requalificação, atribuindo ao parceiro privado o poder de

desenvolver uma estratégia urbana para o edifício intervencionado e criando assim outras

perspectivas de negócio e de exploração de obra. Por exemplo, a intervenção de reabilitação

de um mercado municipal poderá ser atractiva para um promotor imobiliário se poderem ser

desenvolvidos outros usos não contemplados inicialmente, tais como, o comércio, os serviços

e a habitação.

Nesta hipótese, os promotores teriam a garantia de que o retorno do investimento resultaria

da exploração da actividade comercial ou da alienação das fracções habitacionais.

Concomitantemente, os municípios também sairiam a ganhar na medida em que, no âmbito

do referido contrato de reabilitação e requalificação urbana, veriam as obras públicas

executadas, participariam nos lucros gerados pelo parceiro privado. Simultaneamente, a

requalificação urbana atrairia comerciantes, consumidores e novos residentes contribuindo

para a revitalização económica e social dos espaços urbanos.

Do exposto resulta que o contrato de reabilitação urbana de edifício de particular interesse

público terá que ser repensado. Não poderá ser concebido como um mero mecanismo de

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

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financiamento externo das autarquias locais, antes devendo ser pensado como um

instrumento de requalificação e revitalização urbana. Para tal, o diploma legal deverá alargar

o seu âmbito de intervenção, atribuindo ao parceiro privado mais meios. Do mesmo modo

deverá conceber mecanismos céleres e transparentes de alteração e flexibilização dos

instrumentos municipais de ordenamento do território de forma a possibilitar a reafectação

dos usos de certos edifícios a outros inicialmente não previstos.

Renovar sem exclusão é outro tema chave das SRU de segunda geração. Para promover uma

renovação urbana inclusiva, deverão ser tomadas garantias para que a renovação não

implique a expulsão dos proprietários.

A revitalização das cidades é uma das ideias chave da nova politica de cidades. Uma politica

de cidades intersectoriais inclui três dimensões de intervenção: a revitalização sócio-

urbanística, a competitividade e a diferenciação e integração regional. O sucesso nas

intervenções de qualificação urbana depende em grande medida da implementação de

estratégias que valorizem a união entre a história e o conteúdo em permanente articulação

com os comportamentos sociais e tendo como objectivo não apenas o espaço físico imediato,

mas a obtenção de múltiplas sinergias em termos sociais, culturais e económicos.

É hoje reconhecido que os impactos sociais das intervenções urbanas devem ser objecto de

particular atenção. Com efeito, as intervenções urbanas devem possuir uma forte componente

de âmbito social que possibilite resolver, ou pelo menos atenuar, os problemas existentes.

Reconhecendo-se115

a variedade actual de modos de vida e as expectativas sobre a eficácia

funcional da cidade, emerge a necessidade da valorização do seu uso colectivo como uma

vertente fundamental a promover para alcançar objectivos de qualificação urbana.

As intervenções urbanas não devem apenas contemplar a melhoria das condições de vida das

populações locais, mas antes perseguir objectivos mais ambiciosos que impliquem uma

expressiva modificação da composição dos grupos sociais que habitam e visitam determinada

115

Vasquez, Isabel Breda (1996) – “Algumas reflexões acerca da qualificação urbana” 5.ª Conferência

Nacional sobre a Qualidade do Ambiente, vol. 1, Aveiro, pp. 615-622

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cidade. Procura-se intencionalmente atrair a população jovem e dinâmica com bom nível

cultural e económico, enquanto, simultaneamente, de forma explícita ou camuflada, se

potencia, o afastamento das populações residentes de fracos recursos. Este movimento de

apropriação indicia também a revalorização das urbes, e particularmente os núcleos centrais,

centros históricos, como locais, de novo, económica e socialmente bem aceites para habitar e

trabalhar.

Esta situação é reforçada com sinais evidentes de práticas sociais conhecidas por nimbismo116

de que podem ser exemplo os condomínios fechados, traduzindo-se numa clara diminuição

da coesão social e do sentido de solidariedade humana. De facto, os ganhos em eficiência

económica das intervenções humanas, são confrontados, muitas vezes, com perdas do sentido

de colectividade e têm consequências directas em termos sociais no aumento dos excluídos e

marginalizados. Este processo é, nalguns casos, fortemente segregador travando muitos dos

esforços realizados para encontrar a adesão das populações aos projectos urbanos.

Nesta perspectiva, é função do planeamento fomentar o interesse pela participação dos

cidadãos ao longo das operações de transformação urbana mas não basta planear para as

pessoas, é também necessário planear com as pessoas. Reconhece-se, todavia, que a

construção da cidade implica um permanente ajustamento da vida económica às escalas e às

métricas espaciais. Só que a dinâmica urbana é sempre mais rápida do que os ajustamentos

político-administrativos e institucionais, daí resultando desequilíbrios constantes entre a

construção de cidade e os processos de equidade social necessários.

A reabilitação urbana tem uma importância acrescida para a contenção da expansão dos

perímetros urbanos e para o reequilíbrio entre o passado e o futuro das cidades. Assim sendo,

a qualificação dos espaços públicos implica a adopção de políticas pró-activas por parte da

administração local, que desempenha um papel insubstituível no planeamento,

regulamentação e fiscalização da construção urbana. É fundamental que as autarquias

116

Designa-se por nimbismo o sistema que surgiu da expressão not in my back yard e que corresponde a

uma prática de actuação corporativista que tende a afastar a população de estratos inferiores (considerados

indesejáveis) do convívio ou vizinhança com outros grupos sociais, potenciando situações de segregação

social e de falta de solidariedade.

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

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compreendam que a gestão urbanística tem um reflexo directo na qualidade de vida das

populações e na criação de cidades cativadoras de fixação de população e de

investimentos.117

Reabilitar é assegurar o essencial e estruturante da imagem da velha cidade com uma

funcionalidade correspondente a exigências que eram impensáveis há meio século, mas que

são parte do processo reabilitador da história e da nova cultura urbana. As novas redes de

mobilidade, as exigências ambientais e até a fibra óptica, geram modelos vivenciais bem

diferentes daqueles que deram origem ao corpo construído e arquitectónico existente,

determinando novos padrões culturais de organização e de usufruto do espaço, no particular

ou colectivo.

Qualquer operação de reabilitação é complexa e não pode sustentar-se no modelo exclusivo

da intervenção pública para as redes infra-estruturais deixando aos privados a reabilitação

dos seus edifícios decadentes. Esta dicotomia pode conduzir a impasses de calendário difíceis

de resolver e a modelos de reordenamento social e económico selectivos e desconformes com

a diversidade humana e cultural que deve ter a cidade.

Manter a cidade é um desafio simultâneo que comporta dois tempos de conciliação, um de

carga histórico-cultural e outro de inovação modernizadora. Conseguir esta tarefa

conciliadora é, no essencial, o grande desafio que se coloca à política de reabilitação.

6.1 Novos modelos de investimento

117

Rosa Pires (1995) Teoria e Método em Planeamento, Universidade de Aveiro

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97

7. Conclusão

As dinâmicas de reabilitação urbana são uma variável sempre presente na evolução dos

espaços urbanos. Os valores e as necessidades de cada época determinaram quais as vertentes

da reabilitação que se afirmavam e de que forma condicionaram o formato da cidade. Só no

século XX é que o valor patrimonial da cidade se afirma e se impõe a preocupação com a

personalidade histórica dos lugares. A segmentação das funções urbanas e a saída de muitas

actividades que a cidade realizava acentua a sua desurbanização, sobretudo quando os

habitantes também optam por migrarem.

O esvaziamento da cidade tem por contraponto a valorização da mesma enquanto espaço de

memória e a assunção de um novo paradigma que é a cidade-património do presente. A

conservação e recuperação desse bem vai tornar-se objectivo estratégico para muitas cidades,

não só pela sua valorização enquanto memória colectiva mas também enquanto produto

comercializável no mercado do turismo dito cultural.

Surge então o conceito de centros históricos para definir o sentido do centro urbano que a

dinâmica urbana rejeitou e para justificar a intenção de conservação da estrutura urbana que

já não tem coerência com as novas necessidades. Nesse sentido, a expressão centros

históricos tem sido apreendida e utilizada abusivamente, já que na maior parte dos casos, não

significa nem centralidade nem objecto histórico. Efectivamente, o centro histórico só existe

por comparação com a cidade nova e enquanto representação de características ausentes

nessa urbe, como espaços de vivência pública e de proximidade, conceitos que se tenta a todo

o custo recuperar para a cidade. Mais, idealiza-se nesse centro histórico uma vivência de uma

cidade cultural, social e economicamente sustentável, cuja dimensão, provavelmente, esse

centro nunca teve ao longo dos tempos.

O discurso para a reabilitação urbana tem como argumento recorrente que o desaparecimento

dos centros históricos faz desaparecer a nossa memória colectiva e que a sua preservação é

recuperar identidades. Na verdade, a necessidade identitária de lugares memória tem

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

98

incentivado a investigação sobre as memórias colectivas, assegurando os requisitos da

identidade local, permitindo a reabilitação de acordo com esses parâmetros fundamentais.

A referida consciência patrimonial funcionará como uma invenção cultural com a atribuição

de uma segunda vida a um passado que dificilmente terá a configuração que hoje

idealizarmos. De facto, as estratégias de intervenção podem variar entre a recriação do centro

de acordo com os parâmetros que, supostamente, julgamos conhecer, ou através de invenção

de novas funções dando ao centro histórico a oportunidade de criar cidade viva. Neste

contexto, quando se fala em reabilitação urbana deverá remeter-se para a preservação do

património edificado e a sua valorização enquanto imagem.

Mas reabilitação é muito mais do que valorizar património. A recuperação do edificado é

uma parcela do conceito de intervenção de reabilitação que apela agora para a dimensão de

integração de funções urbanas. Por isso a mudança para um novo conceito que aborda a

habilitação das intervenções. A revitalização faz agora parte do léxico, numa abordagem que

assenta na implementação de um processo de planeamento estratégico que contempla a

coesão social, a sustentabilidade física e ambiental e a viabilidade económica e financeira.

Baseando-se numa visão global, actuando de forma integrada e concertando um grande

número de variáveis, a revitalização desenvolve-se numa perspectiva de sustentabilidade da

intervenção.

As experiências portuguesas em reabilitação tem demonstrado o quanto está por fazer. A

realidade urbana demonstra que algumas experiências com resultados positivos apenas

excepcionam o quadro geral de dramatismo que caracteriza os centros das cidades. E as

primeiras experiências com sociedades de reabilitação urbana encontram os entraves de uma

situação que caracteriza a gestão urbanística em Portugal. Só os regimes excepcionais

permitem ultrapassar uma situação de bloqueio provocado por entraves burocráticos e

dificuldades em acreditação de parcerias.

As sociedades de reabilitação urbana poderão ser entendidas como um instrumento

fundamental de gestão colectiva do território, potenciador de projectos e iniciativas privadas,

As Sociedades de Reabilitação Urbana e as novas perspectivas na revitalização de centros históricos _________________________________________________________________________________

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e com capacidade para utilizar como recursos próprios programas urbanos de cariz social,

económico ou cultural. Mas o excesso de procedimentos burocráticos, elevada dependência

de políticas e apoios públicos, para além da sobreposição de competências com as autarquias

e outras entidades públicas, faz com que não estejam ainda alcançadas as condições para que

estas estruturas assumam todas as atribuições que foram pensadas delegar.

A relação das sociedades de reabilitação urbana com os privados estará na base do sucesso

destas estruturas. A compreensão das expectativas próprias dos privados enquanto

investidores e a credibilidade que estas estruturas de gestão souberem transmitir ao mercado

são determinantes para o sucesso das operações de revitalização urbana. Nesse sentido, é

sentida a necessidade de reestruturar o diploma que institui as SRU’s atribuindo a estas novas

dinâmicas que potenciem as referidas sinergias, mas também de novos mecanismos de

financiamento que recolham de outras experiências europeias os elementos necessários para

potenciar os investimentos.

A sustentabilidade dos novos centros históricos tenderá a ter uma dimensão financeira, uma

dimensão ecológica e uma dimensão social. Saber gerir estas dinâmicas será saber gerir os

objectivos, as prioridades e as próprias operações. Nessa altura poderão ser feitas as opções

sobre o fim a que se destinam os centros históricos: A refuncionalização da cidade antiga ou

a reinvenção do passado que traga uma dimensão prioritária aos centros históricos e, talvez, o

factor decisivo para a sua sustentabilidade: A dimensão cultural.

A intensificação da patrimonialização e a concepção de dinâmicas culturais são hoje

determinantes para cidades que competem nos mesmos mercados. A certificação dos bens

tornados património mundial tornou-se hoje alvo da perseguição estratégica das cidades com

identidade histórica e onde se localizam os principais destinos turísticos.

O paradigma da reabilitação dos centros históricos é, comprovadamente, a procura de uma

identidade simbólica conseguida com a obtenção do estatuto de património mundial e que

funcionará como imagem de marca de um lugar que procura a sua nova atractividade e, por

consequência, recuperar a sua competitividade.

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