2
Real, existente e ccional por Eduardo Souza em 15/12/2012, disponível em http://losoadodesign.com/real-existente-e-ccional/ Você está em casa, com seus pais, vendo frivolidades na internet, e aí chega sua mãe, com uma foto em mãos. É um bebê. “Olhe, meu lho, como você era!” Você não lembra dessa foto, porque era muito novo; você sequer se reconhece. Então, é mesmo você? Qual a relação entre aquela imagem bidimensional do bebê e você, respirando nesse exato momento? Abreviando algumas discussões muito ontológicas, eu poderia armar que, para cada sujeito, aquilo que não é conhecido, não existe. Por outro lado, a relação contrária não é tão simples. Eu não posso dizer que tudo aquilo que é conhecido, de fato existe. Desse outro ponto de vista, temos que se algo é conhecido, ele não precisa ser real para existir. Sim, eu estou efetivamente adotando um conceito de realidade como o mundo físico, tangível, para uma sociedade. Sem muitas delongas, conceito simples, que você adota em uma conversa de bar com seus amigos mesmo. Em outras palavras, se há um copo com água na minha frente e dele posso bebê-la, não faz sentido que discutamos a existência dele. Em qual cenário isso nos deixa? De modo geral, é um pouco pertubador. Um exemplo interessante – que eu já vi que Beccari gosta muito de usar – é o 11 de setembro de 2001: não importa se o atentado foi real – ou seja, que terroristas sequestraram o avião e bateram na torre; o que realmente importa é que ele existiu. Não há dúvidas que as torres caíram e aconteceu a Guerra do Iraque. Mas, então, o que nos faz compreender que o atentado existiu, se não temos certeza de que ele foi real? É exatamente a mesma coisa que responde qual a relação entre você e a imagem bidimensional que sua mãe te mostrou com tanto carinho e nostalgia: o enredo. Só recapitulando: o enredo precisa ser conhecido para existir, mas não precisa ser real. Há outra coisa interessante sobre os enredos: eles são tudo que nós somos capazes de apreender. A razão disso é a mesma da inexistência da verdade absoluta: não é possível compreender um evento de maneira pura, ou seja, eliminando o sujeito que o observa ou presencia. Descartes tentou formular essa hipótese, e chegou à gura de Deus, cuja autópsia já foi feita por Nietzsche. Vamos tentar conceituar os enredos. Toda comunicação é uma forma de história, e são, portanto, enredos. Eles precisam ser criados; portanto, subentendem um sujeito. Eles podem se localizar em algum lugar de um contínuo que vai da cção à realidade. É impossível, entretanto, que um enredo seja completamente uma das duas coisas, pois, o sujeito vai estar inserido em uma sociedade real, portanto nunca será inteiramente ccional – já que não se cria ex nihilo; o sujeito nunca vai atingir o fato puro, como já dissemos. Então, nós podemos atribuir algum grau de ccionalidade e de verdade aos enredos. Isso, somado à abordagem, é o que gera as classicações dos enredos que nos cercam: diálogos, acontecimentos jornalísticos, historiograa, romances de cção, de não-

Real, existente e ficcional

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Post no Filosofia do Design por Eduardo Souza, em 5/12/2012.

Citation preview

  • Real, existente e ccional

    por Eduardo Souza em 15/12/2012, disponvel em http://losoadodesign.com/real-existente-e-ccional/

    Voc est em casa, com seus pais, vendo frivolidades na internet, e a chega sua me, com uma foto em mos. um beb.

    Olhe, meu lho, como voc era! Voc no lembra dessa foto, porque era muito novo; voc sequer se reconhece. Ento,

    mesmo voc? Qual a relao entre aquela imagem bidimensional do beb e voc, respirando nesse exato momento?

    Abreviando algumas discusses muito ontolgicas, eu poderia armar que, para cada sujeito, aquilo que no conhecido, no

    existe. Por outro lado, a relao contrria no to simples. Eu no posso dizer que tudo aquilo que conhecido, de fato existe.

    Desse outro ponto de vista, temos que se algo conhecido, ele no precisa ser real para existir.

    Sim, eu estou efetivamente adotando um conceito de realidade como o mundo fsico, tangvel, para uma sociedade. Sem

    muitas delongas, conceito simples, que voc adota em uma conversa de bar com seus amigos mesmo. Em outras palavras, se

    h um copo com gua na minha frente e dele posso beb-la, no faz sentido que discutamos a existncia dele.

    Em qual cenrio isso nos deixa? De modo geral, um pouco pertubador. Um exemplo interessante que eu j vi que Beccari

    gosta muito de usar o 11 de setembro de 2001: no importa se o atentado foi real ou seja, que terroristas sequestraram o

    avio e bateram na torre; o que realmente importa que ele existiu. No h dvidas que as torres caram e aconteceu a Guerra

    do Iraque.

    Mas, ento, o que nos faz compreender que o atentado existiu, se no temos certeza de que ele foi real? exatamente a

    mesma coisa que responde qual a relao entre voc e a imagem bidimensional que sua me te mostrou com tanto carinho e

    nostalgia: o enredo.

    S recapitulando: o enredo precisa ser conhecido para existir, mas no precisa ser real.

    H outra coisa interessante sobre os enredos: eles so tudo que ns somos capazes de apreender. A razo disso a mesma da

    inexistncia da verdade absoluta: no possvel compreender um evento de maneira pura, ou seja, eliminando o sujeito que o

    observa ou presencia. Descartes tentou formular essa hiptese, e chegou gura de Deus, cuja autpsia j foi feita por

    Nietzsche.

    Vamos tentar conceituar os enredos. Toda comunicao uma forma de histria, e so, portanto, enredos. Eles precisam ser

    criados; portanto, subentendem um sujeito. Eles podem se localizar em algum lugar de um contnuo que vai da co

    realidade. impossvel, entretanto, que um enredo seja completamente uma das duas coisas, pois,

    o sujeito vai estar inserido em uma sociedade real, portanto nunca ser inteiramente ccional j que no se cria ex

    nihilo;

    o sujeito nunca vai atingir o fato puro, como j dissemos.

    Ento, ns podemos atribuir algum grau de ccionalidade e de verdade aos enredos. Isso, somado abordagem, o que gera

    as classicaes dos enredos que nos cercam: dilogos, acontecimentos jornalsticos, historiograa, romances de co, de no-

  • co, fantasia, co cientca, fbulas, etc. Mas o que fundamental nos enredos que eles so tentativas de entender o

    mundo.

    Do meu ponto de vista, isso evidencia um importante aspecto do nosso zeitgeist: primeiro, porque estamos na era da

    informao. Ela nossa moeda de troca: e ela pode ser forjada, manipulada, criada. Todos criam seu enredo no Facebook,

    porque todos escolhem que fotos, momentos e sentimentos expor l. Essa uma das razes que eu acho A Sociedade do

    Espetculo to interessante: ela explicita a relao das imagens e entre as imagens, sobretudo, consumidas.

    Alm disso, no acredito que seja toa o crescimento exponencial do mercado de entretenimento, em especial o consumo de

    histrias de fantasia.

    Essa perspectiva o background de algo que eu gostaria de formular, para tratar o design como narrativa, que vou tentar

    conceituar em um prximo post.