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8/19/2019 Recensão. a Educacao Do Homem Segundo Platao http://slidepdf.com/reader/full/recensao-a-educacao-do-homem-segundo-platao 1/7 BRAUGE, Rémi,  La Sas-essedu monde: Itl~çfoire de I'hpérience Itumaine de l'un!lJers,  Paris: Fayard, 1999, 333 p. Rémi Brague, professor na Universida- de de Paris I, é um conhecido  selto/ar que domina perfeitamente, tanto do  ponto de vista lingüístico como do pon- to de vista doutrina!, as grandes tradi- ções culturais do Ocidente - a greco-Ia- tina, seu campo de especialista, e a me- dieval árabe-judia e latina possuindo, além disso, um bom conhecimento da filosofia moderna. Essa excepcional  preparação permite-lhe escrever uma obra como a que estamos apresentan- do, na qual é investigado e analisado um dos temas fundamentais da nossa herança cultural: a experiência humana do universo e as idéias e representa- ções que lhe correspondem ao longo da história. Não obstante a enorme do- cumentação recolhida pelo A. e atesta- da na abundância das notas, o livro é escrito em estilo claro e simples e pode ser lido sem dificuldade mesmo pelo não-especialista. O tema estudado por Brague já fora objeto de numerosos trabalhos de pes- quisa e interpretação, seja abrangendo toda a sua história, como a obra de Walther Kranz,  Kosmos (Arc/tiu fiir  bibliograjia v.  27  N.  88 (2000): 269-275  B~friffiyesclticltfe,  11, 2, 1958) seja dedi- cando-se a um dos seus episódios maiores, como as obras de A. Koyré (1961-1962) sobre a chamada "revolu- ção astronômica" iniciada por Copér- nico. O estudo de Brague distingue-se dos seus antecessores por uma acentu- ação maior do aspecto que podemos denominar  filosc5ficodo problema e que é caracterizado como uma história do ser-no-mlllldo  (p. 7). Enfoque amplo e complexo que abrange diversos cam-  pos: físico, metafísico, antropológico, ético, estético e religioso. Ao investigar todos esses campos no seu entrelaça- mento histórico concreto, o A. preten- de mostrar não só o caráter onipresente da experiência do mundo em todas as dimensões da vida humana, mas, igual- mente, o caráter determinante dessa experiência fundamental em todas as expressões com as quais o ser humano significa sua própria vida como  ser-no- mllndo. A leitura atenta do livro de R. Brague deve levar em conta a distinção expli- cada na Introdução (pp. 12-16) entre cosmogm[ia e cosmCZfOltia, de um lado, e  cosm%gia,  de outro. Cosmogonia e cosmografia, procedimentos de caráter mais descritivo, podem receber uma expressão  mífica,  como na  Teosollia  de

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BRAUGE, Rémi,   La Sas-essedu monde: Itl~çfoirede I'hpérience Itumaine de l'un!lJers,   Paris:

Fayard, 1999, 333 p.

Rémi Brague, professor na Universida-

de de Paris I, é um conhecido   selto/ar 

que domina perfeitamente, tanto do

 ponto de vista lingüístico como do pon-

to de vista doutrina!, as grandes tradi-

ções culturais do Ocidente - a greco-Ia-

tina, seu campo de especialista, e a me-

dieval árabe-judia e latina possuindo,

além disso, um bom conhecimento da

filosofia moderna. Essa excepcional

 preparação permite-lhe escrever uma

obra como a que estamos apresentan-

do, na qual é investigado e analisado

um dos temas fundamentais da nossa

herança cultural: a experiência humana

do universo e as idéias e representa-

ções que lhe correspondem ao longo

da história. Não obstante a enorme do-

cumentação recolhida pelo A. e atesta-

da na abundância das notas, o livro é

escrito em estilo claro e simples e pode

ser lido sem dificuldade mesmo pelo

não-especialista.

O tema estudado por Brague já foraobjeto de numerosos trabalhos de pes-

quisa e interpretação, seja abrangendo

toda a sua história, como a obra de

Walther Kranz,   Kosmos (Arc/tiu fiir 

 bibliograjia

v.   27   N.   88 (2000): 269-275

 B~friffiyesclticltfe,   11, 2, 1958) seja dedi-cando-se a um dos seus episódios

maiores, como as obras de A. Koyré

(1961-1962) sobre a chamada "revolu-

ção astronômica" iniciada por Copér-

nico. O estudo de Brague distingue-se

dos seus antecessores por uma acentu-

ação maior do aspecto que podemos

denominar    filosc5ficodo problema e que

é caracterizado como uma história do

ser-no-mlllldo   (p. 7). Enfoque amplo e

complexo que abrange diversos cam-

 pos: físico, metafísico, antropológico,

ético, estético e religioso. Ao investigar 

todos esses campos no seu entrelaça-

mento histórico concreto, o A. preten-

de mostrar não só o caráter onipresente

da experiência do mundo em todas as

dimensões da vida humana, mas, igual-

mente, o caráter determinante dessa

experiência fundamental em todas as

expressões com as quais o ser humano

significa sua própria vida como   ser-no-

mllndo.

A leitura atenta do livro de R. Brague

deve levar em conta a distinção expli-

cada na Introdução (pp. 12-16) entre

cosmogm[ia e cosmCZfOltia,de um lado,e   cosm%gia,   de outro. Cosmogonia e

cosmografia, procedimentos de caráter 

mais descritivo, podem receber uma

expressão   mífica,   como na   Teosollia  de

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Hesíodo, ou   filosófico-científica,   comono   Timell   de PIa tão ou, nos tempos

modernos, no ambicioso projeto, que

 permaneceu inédito, do   Tmité dll mon-de  de Descartes. Já o termo   coslllo/{~í{i{/

designa uma reflexão sobre o mundo,

seja em si mesmo seja na sua relaçãoao ser humano que o habita, donde arelação entre   cosm%glÍ7   e   lllltropO/O-

glil.   Os dois primeiros termos são co-

nhecidos na língua grega clássica, oterceiro é uma invenção do século XVII.

Abrangendo, portanto, essas três óti-cas sob as quais o problema do mundo

 pode ser considerado, a exposição deRenê Brague compreende um capítulo

 preliminar, onde é primeiramente assi-nalada a presumível ausência da idéiade mundo na   pré-/II~çtânil   e na primei-ra metade dos tempos ditos convenci-onalmente   //I~çtâricos  (a partir de 3000a.c.). Uma idéia do mundo nas civiliza-

ções pre-helênicas começa a delinear-se provavelmente a partir do chamadotelllpo-ciro   (cerca de 800 a.c.). Mas é

somente com o advento da cultura gre-ga que fará sua aparição o conceito dekoslllos   designando uma ordem domundo que ê representada nos termosde uma relação   1/0/?/llItlá7   com a exis-

tência humana - do indivíduo e dacidade -, dando origem ao que Braguedenomina uma   sabedonil do Illlll/{tO.   É

a partir daí que começa verdadeiramen-te, na civilização ocidental, a história de

uma experiência humana do universo

e das suas expressões.

Depois de descrever (I, II) os passos donascimento grego do   kOSIllOS,o A. enu-mera e estuda quatro modelos no cur-so da história da experiência ocidental

do mundo, ou modelos de universocom relação aos quais tem lugar uma

forma distinta de experiência. Assisti-mos primeiramente   à   formação do

modelo   gn;í{o,   no qual duas tendênciasse manifestam: o retraimento socrático

 para a   interiondade   da   p~yd/{i,   assina-

lando um desinteresse pelo tema dokosmos, dominante no fisicismo pre-socrático, e o retorno platônico, sob a

influência do pitagorismo,   à   contem- plação da ordem do mundo na suagênese e na sua estrutura   (Tilllell).

Embora a vertente socrática sobrevivacomo um ideal permanente na culturaocidental, o cosmologismo platônicoestará presente como modelo inspi-rador dominante ao longo de toda ahistória da idéia ocidental do mundo,tendo, no fim da Antigüidade, dadoorigem a uma forma grandiosa de re-ligiosidade, a chamada "religião cósmi-ca", estudada sobretudo por A. J.festugiere.

Como alternativa ao modelo grego nacultura mediterrânea apresenta-se a re- presentação do mundo bíblico-islâmica,integrando traços das cosmologias pre-helênicas do Oriente médio (lI, V). No

fim da Antigüidade um poderoso mo-vimento anti-cósmico, conhecido por gl/ose,   invade a cultura mediterrânea enela imprime profundamente uma re-

 presentação dualista alma-mundo des-tinada a marcar toda a história poste-rior. Esse acosmismo ou, melhor, anti-cosmismo não deve, porém , ser ali-

nhado na posteridade de Sócrates, naqual não se manifesta nenhuma hosti-lidade com relação ao mundo e sim umdesinteresse pelos problemas cosmoló-

gicos.

Aos dois modelos antigos, o platônico-aristotélico e o gnóstico, sucede o "mo-delo medieval" nas suas diversas ver-sões e presente na tradição cultural dostrês monoteísmos, judaico, árabe e la-tino, nos quais a idéia de   cnilriio   intro-duz uma componente radicalmentenova no modelo antigo. Nos tempos

medievais persiste a influência dosocratismo e do gnosticismo, sobretu-do do primeiro, mas é o modelo clás-sico que domina e torna-se o modelostandlmt   (pp. 103-127). Nele é particu-

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larmente notável a correlação entre umkos!!loS  eticamente pensado (no qual o!!lll/   é   uma exceção) e uma   l'tli'lI   de

feição cosmológica (pp. 127-176). Umaconseqüência extremamente importan-te do criacionismo, denominada por R.

Brague o "excesso abrãmico" (pp. 179-212), é a historização da cosmologia,sobrelevada teologicamente ao plano

da história da salvação.

o   quarto modelo, se assim se podechamar, sendo afinal uma sucessão demodelos, aparece como um dos fatoresfundamentais a provocar o advento dostempos modernos, nascido da revolu-ç,lo científica dos séculos XVI e XVII.

Seu primeiro deito é a dissolução domodelo   sttllldilld,   deixando em Sl'U lu-gar o silêncio dos espaços infinitos queaterrorizava o "libertino" de Pascal (p.

219 e nota 38, p. 290). A "perda domundo" (p. 249) que daqui resulta, le-

vanta um dos mais graves desafios di-ante do ser humano nesse ciclo de ci-vilização do Ocidente, hoje

mundializado, e   ,10  qual a presença edin,lmismo do fazer   t/c/lIáJ   não conse-gue responder. O último capítulo dolivro, justamente intitulado "um mun-

do perdido" (pp. 249-261), retoma essaqUl'st,lo decisiva, refletindo sobre as

exigências cosmo-lógicas da Ética sobreo problema do mundo inteligível, so-

 bre o concei to fenomenológico do

mundo e sobre o mundo subjetivo.

A obra de R. flrague deve ser conside-rada, a nosso ver, um grande livro,sem dúvida dos mais importantes daliteratura filosófica contemporãnea nocampo dos estudos histórico-filosóficossobre a experiência matriz do   !!llllldo   e

sua transcrição na representação e no

conceito. Como tal, assinala, sem dÚ\'i-da, um marco fundamental no desen-

volvimento desses estudos.

Hl'lIrújllC   C   di' Li!!lll VII~

CES ~ BH  

TEIXEIRA, Evilázio F. 13., A   I'dllCilÇllo do   /w-

!l!l'!!l Sl;\illlldo P/11ft/O, São Paulo: Paulus, 1999.

Hoje, na sociedade brasileira, a educa-

ção enfrenta sérias crises. Em época decrise sempre é muito aconselhável,como todos sabemos, buscar com osmais sábios idéias, intuiçôes, projetosque nos ajudem a reverter a situação.Ora, dos mais sábios que pensaram aeducação, e uma educação para avida, para o bem viver, dificilmente

encontraremos alguém maior do quePIa tão.

Certamente é com l 'sta intuição queEvihízio Teixeira apresenta-nos seu tra-

 balho "A Educação do homem segun-do Platão", livro que vem contribuir 

 para o l'studo deste assunto tão impor-tante, a partir de uma obra t,lo valiosa

quanto a platônica. Assim, temos umtexto que, para todos aqueles qUl' são

amigos da sabedoria e desejam ajudMoutros a descobri-Ia, apresenta-nos o

genial projeto educacional de Pia tão,

no qual encontramos intuiçôes que cer-tamente podem transformar a educa-ção no mundo de hoje.

Como esclarecl' o A., estudar PIa tãonão é "desenterrar fósseis do passado

ou mesmo fazer arqueologia filosófi-ca", mas, buscar intuiçôes para "educar e formar o homem ético, participante

de uma comunidade humana e, como

tal, incidente sobre a sua realidade so-cial, transformando-a". Aqui, certamen-

te, teremos que enfrentar o paradigmaque vem marcando a sociedade atual,na qual "o nível de competitividade e

a preocupação com o mercadoenfatizam uma educação cada vez mais

técnica e intelectual, não se preocupan-

do, com a mesma intensidade, com adimensão afetiva, ética e transcendente

do homem". E assim, com o A., pode-

mos nos perguntar: "Uma educaçãoque não tivesse presente a dimensão

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da transcen-dência do ser humano nãoseria incompleta?" Ora, é sobre estaquestão que Piatão pode nos ajudar a

refletir.

O livro apresenta quatro capítulos. No primeiro, o A. apresenta alguns ele-mentos significativos do contexto gre-go que tiveram influência na filosofia eno pensamento platônico. Assim, em-

 barcamos numa aventura que se iniciana própria Atenas do séc. V a.c., com

o início da democracia e o surgimentodos sofistas que, com sua retórica, cri-aram um modo próprio de educar -à disputa dos sofistas com Sócrates -que quer levar os homens ao auto-conhecimento, ao conhecimento deuma ordem universal, de verdades evalores absolutos. O A. encerra estecapítulo apresentando-nos Piatão, o fi-lósofo que constrói um sistemaeducativo "edi-ficado sobre o alicerceda verdade e sobre a possibilidade daconquista da verdade através da ciên-cia racional" (p. 23). Está, portanto, fun-

dada a Academia, segundo o A., a pri-

meira escola preocupada com umaconsistente formação humana e inte-lectual.

O segundo capítulo, intitulado "A Edu-

cação do homem segundo Platão", vairevelando todo o grandioso projetoeducativo pensado por Pia tão, no qual

se destaca a preocupação de educar ohomem através de um projeto harmô-

nico que garanta a felicidade tanto paraa polis quanto para o indivíduo. Paraisto, primeiramente Platão apresenta o

ideal de polis como critério para a edu-cação do homem, e uma educação que

 busca a  eudaimonia   (felicidade). Ora, se

 para Piatão a felicidade consiste na prática das virtudes então, educar será

formar o homem virtuoso. Mas em que

consiste a virtude? Sendo realmentevirtuoso, o homem poderá ser feliz? Ea virtude, pode ser conhecida e ensina-

da? Através do conhecimento da virtu-de, o homem melhora seu comporta-

mento? Aqui, o A. vai nos conduzindo, pelos escritos platônicos, na busca dasrespostas para as perguntas por nós

apresentadas. Passando pela descriçãoda virtude como harmonia, como arteda boa medida, chegamos à descriçãodo "processo educativo platônico atése chegar ao rei-filósofo". Continuandoa responder às indagações suscitadas

 pela leitura do texto, o A. nos mostra

que este projeto é o de uma educação para a dialética, para o diálogo, em queeducar implica em "aprender a pergun-tar sobre a vida, mas é a própria vidaque me indaga a respeito da qualidadede como eu estou vivendo"(p. 46).

Essa educação, que implica uma rela-ção de comunhão, tem como finalidadea prática do bem, e isto só será possível- que o bem seja praticado - com o

amor pela sabedoria e pela verdade.Assim, a pergunta "Por que e para queeducar os homens?" recebe a seguinteresposta: "a educação é a possibilidade

do homem transcender a sua próprianatureza, carregada de medos, fugas ereceios". O A. nos mostra que, para

Platão, o objetivo da educação e o fimúltimo da existência está na "asseme-

lhação com Deus"   (homoíôsistô tô theô).

Aprendemos, então, que "em Platão

aparece fortemente a dimensão trans-cendente da educação. O homem é umser faminto de infinito, sedento de to-talidade e do inteligível. Assemelhar-se

a Deus implica "trabalhar" os desejosirascíveis presentes na obscuridadehumana" (p. 60). Portanto, o educador éaquele que provoca o educando, forçan-do sua desinstalação da caverna   (d. mitoda caverna), realizando aquilo que osgregos chamavam de   metanóia,   i.é.,mudança radical de vida e mentalidade.

 No terceiro e quarto capítulos, o A.

desenvolve as idéias sobre educaçãoapresentadas anteriormente. Primeiro,

mostrando (no terceiro capítulo) comoa educação integral do ser humano deveser compreendida como educação do

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corpo - falando sobre a importância

da arte, da ginástica e da música - e

da alma. Muito interessante é a análiseque o A. faz da "Educação do   àôs:

aprender a amar e desejar a beleza emsi". A educação é vista como uma obra

do amor, porque a razão é insuficiente para conhecer tudo há um conhecimen-

to que ultrapassa a razão e é fruto doamor. Assim, a educação   é   um "colo-

car-se a caminho da verdade" em queo homem assume conscientemente asua ambigüidade entre o ideal e o real

, e sua inspiração a tudo o que   é   beloe bom. Em seguida (no quarto capítu-lo) o A. apresenta a idéia platônica de

"educação enquanto responsabilidadedo estado", uma vez que "a verdadeira

missão do Estado é zelar pela felicidadede todos", então, "a educação deve es-

tar nas mãos do estado como um instru-mento de formação do homem moral

dentro de uma sociedade justa"(p. 121).

Percebemos aqui a grande preocupaçãomoral presente nas idéias de Piatão so-

 bre a educação.

Em seu trabalho investigativo, o A. vaidescobrindo, na obra platônica, que "edu-

car um homem é semelhante   à   arte do

verdadeiro camponês. Consiste numtrabalho sério, incansável e paciensioso".

"É   um sacerdócio que tem como finali-dade despertar nas almas a descobertados bens mais excelsos (SÓcrates)". E

que, "para aqueles que trabalham comeducação, não basta transmitir conheci-mentos, mas devem comprometerem-se com aquilo que ensinam". Assim, o

homem bem formado será aquele queapós ter contemplado o bem em si,usa-o como paradigma para ordenar asi mesmo e a cidade e alcançar o ideal

máximo da educação: assemelhar-se a

Deus.

Será que esta mensagem de PIatão tem

algum significado para a educação hoje?

Será que não nos esquecemos de unir educação e política para construirmos

uma sociedade mais justa? Não será a

educação tarefa de toda uma vida? A pergunta pela   {,lIdaill/onia   platônica não

nos inquieta? Após todo conhecimentogerado pelo avanço científico-

tecnológico, o homem é mais feliz? Es-tas e outras questões cada um poderátentar respondê-Ias após a leitura desteexcelente livro. E, se não encontrarmos

respostas, fica para nós, como para oeducador platônico, representado pelafigura do filósofo, "o refúgio na soli-

dão do ser, onde, com toda a dignida-de, segundo Sócrates, citado por PIatão

no Fédon, o filósofo aprenderá a arteúltima, pois aprendeu, com a sophía,

que a Filosofia, como possibilidade deeducação do homem, é a arte de apren-der a morrer" (p. 137).

Ellon Vi/onimo !<1Z,i'im

CES- BH

LANCEL, Serge, Saint Augustin, Paris: Fayard,1999,792   pp.

A enorme bibliografia contemporànea

sobre Santo Agostinho, apesar de cres-

cer incessantemente, não contava até

agora, enquanto sabemos, com nenhu-ma biografia do Bispo de Hipona que

levasse em conta todos os dados da

 pesquisa recente, sobretudo arqueoló-

gica. A fonte primeira e indispensável

continua sendo a Vita Augustini, do

seu discípulo Possídio, bispo deCalama, que, em 430, o assistiu no leito

de morte na Hipona cercada pelosvândalos, e preservou para a posteri-

dade as obras de Agostinho guardadas

na biblioteca episcopal de Hipona e re-

metidas por Possídio, em circustâncias

até hoje não esclarescidas, para a ltália.Sempre valiosas são as biografias do ilus-

tre patrólogo Gustave Bardy,   SlIinl

 AllXIISlil!, FI10II!!l!l'   d Fot'lIzll"t'   (1930, T'ed. 1948) e a do historiador Peter Brown,

 Al(,\lIslitlt' 0/ H1i'llO, li Bú~,\mpl(1J(1967).

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Recentemente Dominique de Courcelles

 publicou uma apresentação extrema-

mente sugestiva da personalidade deAgostinho, seguindo um roteiro que

acompanha os momentos mais impor-

tantes da sua vida e da sua obra

(AI{l[lIs/iJJ, 011 k géJlie de l'EIlTOpe,   Pa-ris,   J .   C. Lattes, 1995). Por sua vez G.

Bonner, no artigo Augustinus (vita) do AlIglIs/iJllls-Le.nkoJl,   voJ. I (1994), col.

519-550 apresenta um balanço autori-

zado dos resultados da pesquisa recen-

te em torno da biografia de Agostinho.

A grande biografia que Serge Lanceiacaba de publicar vem finalmente ofe-recer aos estudiosos uma vida de Santo

Agostinho que reúne a ciência do gran-de especialista e a arte do escritor bri-lhante. Não obstante suas quase oito-

centas páginas, essa vida de Agostinho

é lida sem que em nenhum momento

a atenção e o interesse do leitor ve-nham a diminuir. Para isso concorre

em primeiro lugar a indiscutível com- petência do A. Professor emérito da

Universidade de Grenobk' e membro

da comissão de redação do  AI{\'"StiIIllS-

Ll'xikoll,   Serge LanceI é especialista nahistória e na arqueologia da África do

 Norte nos períodos cartaginense e ro-

mano. A ciência do historiador e doarqueólogo unem-se para dar-nos umadescrição minuciosa do mundo de

Agostinho nos fins do século IV e co-meços do século V quando se encami-

nhava para o fim a movimentada his-tória da África romana. O   51';/;:Iill LI'/lm

de Agostinho é, assim, reconstituído emtodos os seus pormenores de lugares e

acontecimentos, desde a infância emTagaste até a morte em Hipona Real

(Hippo Regius). Em segundo lugar,Serge LanceI escreve em estilo claro,

vigoroso e elegante, que sabe ser amá-

vel e pitoresco (como, p. ex., na descri-ção do   secesslIs   em Cassiciacum, pp.

147-150) ou grave e austero (como, p.ex., na evocação do batismo e na des-crição da estadia em Óstia e da morte

de Mônica, pp. 162-174). Pelas suasqualidades científicas e literárias, essa

 biografia de Santo Agostinho deverá permanecer por longo tempo comouma referência obrigatória nos estudosagostinianos.

Mas os méritos literários e documen-tais estão, na obra de Serge Lancei, a

serviço de uma brilhante exposição da

evolução intelectual de Agostinho, que

dá ao seu pensamento caraterística in-confundível, uma vez que a vida de

Agostinho, nas suas peripécias exterio-res, só alcança significação e lógica pro-fundas à luz da história do seu espírito.Serge Lancei segue essa história atra-

vés dos dois roteiros clássicos: as Con-fissões, até a conversão e o batismo, e

as referências autobiográficas dos es-critos posteriores, correspondência, ser-

mões, polêmicas anti-maniquéia, anti-donatista e anti-pelagiana. O primeiro

roteiro tem seu ponto de cht~gada nasduas conversües: "A conversão da

inteligência" (cap.X) e "A conversão da

vontade" (cap. XI). O segundo roteiroalcança seu ponto mais alto, no qual sefixa definitivamente a personalidade es-

 piritual e intelectual de Agostinho, na   3 "

 parte "O Doutor da Graça"(caps. XXVlII

- XXXIV).Nela se correspondem as duasaltitudes às quais se eleva a contempla-

ção agostiniana: o mistério de Deus   (DI'

Trilli/tI/l',   capo XXX) e o mistério da

história   (DI'   C/r';/a/c   Dei,   capo XXXI),

Agostinho traça aí as grandes linhas daevolução futura do espírito ocidentalaté o fim da Idade Média e além. Nãose deve, porém, esquecer que a ativi-dade quase prodigiosa do incansável

Bispo de Hipona no período do episco- pado (a partir de 395), seja no seu

ensina-mento pastora\' na sua ação em

favor da unidade da Igreja e na sua

 participação nos acontecimentos políti-cos da África romana, delineou o pri-

meiro grande modelo de urna civiliza-

ção cristã que irá inspirar em grande parte a civilização medieval no Ociden-

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te latino. Essa dimensão da vida de

Agostinho, personagem eminente na

vida da Igreja e do mundo no seu tem-

 po,   é   estudada magistralmente por Lancei na 2" parte, a mais longa do seulivro (caps. XVI-XXVII).

A vida e o pensamento de Santo Agos-

tinho interessam não apenas   à   história

da Igreja e  à   história da teologia cristã,

mas igualmente   à   história da civiliza-ção e da cultura do Ocidente num

momento capital da sua evolução. inte-

ressam particularmente   à   história da

Filosofia, seja por algumas das intui-

ções geniais que marcaram definitiva-

mente essa história, seja pelo acervo deinformações sobre a filosofia antiga reu-

nido na maior obra que nos legou aAntigüidade tardia. Eis porque a mo-numental biografia de Serge Lancei

merece ser apontada também   à   aten-

ção dos estudiosos de Filosofia.

HI'lll'lijlll'   C.   dI'   Limll Vil:

CES - BH