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1 Reconhecimento Social, Redistribuição da Riqueza Material e Paridade de Participação Ampliados: Proposição de um Modelo Analítico a partir das Lutas Sociais dos Professores do Ensino Superior Público Federal do Estado do Paraná Autoria: Ana Carolina Horst, Deise Luiza da Silva Ferraz, José Henrique de Faria Resumo Este artigo apresenta um modelo analítico para o estudo das reivindicações sociais e suas potencialidades para a luta de classes. A aproximação entre a concepção de justiça social desenvolvida por Nancy Fraser, a partir das categorias de reconhecimento social, redistribuição da riqueza material e paridade de participação e da concepção da constituição de consciência de classe, pelos conceitos de interesses contingentes e necessários desenvolvidos por István Mészáros, permitiu a construção de um modelo que considere tanto o conteúdo das reivindicações quanto sua potencialidade para a construção de relações sociais não alienadas.

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Reconhecimento Social, Redistribuição da Riqueza Material e Paridade de Participação Ampliados: Proposição de um Modelo Analítico a partir das Lutas Sociais dos Professores do Ensino Superior Público Federal do Estado do Paraná

Autoria: Ana Carolina Horst, Deise Luiza da Silva Ferraz, José Henrique de Faria

Resumo Este artigo apresenta um modelo analítico para o estudo das reivindicações sociais e suas potencialidades para a luta de classes. A aproximação entre a concepção de justiça social desenvolvida por Nancy Fraser, a partir das categorias de reconhecimento social, redistribuição da riqueza material e paridade de participação e da concepção da constituição de consciência de classe, pelos conceitos de interesses contingentes e necessários desenvolvidos por István Mészáros, permitiu a construção de um modelo que considere tanto o conteúdo das reivindicações quanto sua potencialidade para a construção de relações sociais não alienadas.

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Introdução As lutas e as consequentes conquistas no âmbito dos direitos sociais e trabalhistas

alcançadas pela população ao longo do século XIX e XX apontam para as mazelas geradas pela implantação hegemônica do sociometabolismo do capital, enquanto sistema portador de uma lógica de exploração. Karl Marx, em seus estudos, já previa as desigualdades e dificuldades às quais a classe trabalhadora estaria exposta, em função do movimento de produção e acumulação de capital que, inexoravelmente, produz um processo de pauperização dos trabalhadores. Esse não se resume ao comumente referenciado poder de compra do trabalhador, mas em considerar a relação entre a produção da riqueza social e sua forma de distribuição. No que se refere à distribuição igualitária da riqueza, pode-se afirmar que esta se torna impossível sob o modo capitalista de produção devido à divisão desigual da propriedade dos elementos simples do trabalho. Em outras palavras, uma distribuição equânime da riqueza é incompatível com o sistema de capital e seu processo de acumulação, pois este se edifica sobre a apropriação de valor excedente. Mesmo que o processo de pauperização seja inerente à acumulação do capital, esta pode intensificar-se ou arrefecer-se em função das reivindicações e conquistas dos trabalhadores organizados. Por este motivo, os conflitos sociais constituem uma das forças capazes de resistir ao domínio do capital e a análise destes conflitos permite problematizar o processo de pauperização quanto a sua tonicidade.

Os conflitos sociais, conforme os “escritos de Jena” de Hegel, seriam mecanismos de transformação social na construção de uma sociedade em que as relações sociais estariam estruturadas a partir do respeito e do reconhecimento intersubjetivo. (Faria, 2011, p. 06). Fraser (2008) argumenta que os conflitos manifestam-se na luta pela distribuição material e pelo reconhecimento social, entretanto, a construção de relações sociais justas não se esgotariam neles, já que a justiça se constituiria apenas quando houvesse o alcance da paridade de participação nas decisões que dizem respeito aos interesses da sociedade. É a partir de uma interpretação democrática radical, que Fraser defende a concepção de que todos sejam considerados como pares para o regramento da vida social (Fraser, 2008). Isto significa que a participação paritária nos processos decisórios inclui a possibilidade de decidir acerca da distribuição da riqueza e do reconhecimento social, ou seja, acerca do processo de pauperização material e dos critérios valorativos que determinam a exclusão social. Assim sendo, compõe a proposta de modelo de análise dos conflitos sociais de Fraser (2008) as seguintes categorias: reconhecimento social; redistribuição da riqueza material; e representação paritária nos processos de decisão.

Os conflitos sociais, no âmbito das relações de trabalho contemporâneas, geralmente são marcados pelas reivindicações conduzidas pelas organizações sindicais. Os sindicatos atuam apresentando propostas, participando de discussões, organizando movimentos de paralização ou protesto, etc., visando não só garantir os direitos mínimos já conquistados pelos trabalhadores, como melhorar as condições de trabalho e de renda. Ao mesmo tempo, diante das novas conformações sociais decorrentes do avanço no desenvolvimento das forças produtivas, as organizações sindicais, especialmente através das centrais sindicais, procuram ampliar suas ações propondo políticas públicas para que a justiça social seja alcançada em seu mais amplo conceito, garantindo igualdade de direitos e de realização das necessidades da classe trabalhadora. Assim sendo, as reivindicações não são permanentemente as mesmas, pois constituem um movimento que transcende a concretude local da luta tendo em vista a efetivação de uma política mais ampla, a qual é condicionada tanto pelo contexto social, econômico e jurídico-político, como pela particularidade dos interesses de cada especialidade do trabalho produtivo, decorrente da divisão técnica do trabalho.

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No Brasil das últimas décadas, a ação sindical dos trabalhadores tem sido avaliada como de cooperação com o movimento de acumulação do capital por alguns pesquisadores. Para Alves (2005), a partir da ofensiva do capital no campo da produção na década de 1970, constituiu-se um novo e precário mundo do trabalho em que uma das características centrais é a relação neocorporativa, de caráter propositivo, estabelecida entre os sindicatos dos empregados e os empregadores, o que impõe limitações às ações de contestação à lógica do capital. Esse processo corporativo é identificado também por Iasi (2006) que menciona o desdobramento do mesmo para o avanço da constituição da consciência de classe, apresentando-o como um movimento de regressão diante dos progressos já obtidos historicamente.

A consciência de classe dos trabalhadores, que se aprimora por meio do enfrentamento do processo expandido de acumulação do capital, é uma condição necessária para a superação da auto-alienação no trabalho (Mészáros, 2008). Mészáros analisa a correspondência entre os interesses contingentes e necessários das classes sociais, propondo a tese de que os interesses contingentes da classe capitalista coincidem com seus interesses necessários, tendo em vista que ambos repõem a alienação no processo de trabalho. Por sua vez, isso não é verdadeiro para a classe trabalhadora, tendo em vista que os interesses contingentes podem contribuir para a reposição dos interesses necessários da classe oponente, ou seja, a perpetuação das condições de exploração, enquanto se impõem como necessidade histórica para a classe trabalhadora a superação dessas condições. As reivindicações pela superação da auto-alienação correspondem, para Mészáros (2008), aos interesses necessários que constituem a consciência da classe trabalhadora. Portanto, as lutas sindicais, enquanto mediadoras do movimento de constituição dos interesses da classe trabalhadora, devem ser analisada tanto em seu conteúdo quanto em sua potencialidade para a construção de relações sociais não alienadas. É com essa intenção que se elaboram as reflexões a seguir acerca de um instrumento analítico para o estudo das reivindicações sociais e suas potencialidades para a luta de classes. A construção deste instrumento de análise exigiu uma aproximação entre as concepções de redistribuição material, reconhecimento social e participação paritária, apresentadas por Fraser, e a concepção da constituição da consciência de classe elaborada por Mészáros (2008), a partir dos escritos de Marx, sintetizada nas categorias de interesses contingentes e interesses necessários. Em suma, o objetivo deste estudo é contribuir com o esforço de compreender as limitações e possibilidades das pautas reivindicatórias do movimento sindical trabalhista a partir de um modelo analítico que considere tais categorias. Para tanto, foram analisadas as pautas de reivindicações dos professores da Universidade Federal do Paraná. Esses, ao construir suas reivindicações, tendem a repercutir diretamente no devir dos conflitos sociais pela especificidade de sua atuação, pois trata-se de trabalhadores que tem sob sua responsabilidade a tarefa de formar outros trabalhadores e sua ação prática acaba servindo de exemplo para ações futuras. A partir do diálogo entre as teorizações de Fraser e Mészáros propõe-se um modelo que se desenvolve sobre seis categorias de análise, conforme apresentado no item 01 deste texto. A análise dos dados, apresentados no item 02, corrobora o poder explicativo do modelo. Destaca-se que nenhum modelo pode ter a pretensão de retratar o real em sua totalidade, pois o mesmo deve ser um instrumento que simplifique e esclareça as análises sem deixar de identificar os aspectos importantes que permitam propor explicações acerca do objeto de estudo (Dye, 2009).

1. Justiça Social e Consciência de Classe Marx (2007) desenvolveu um detalhado e preciso estudo sobre o modo de

sociabilidade capitalista, demonstrando que seu ponto nevrálgico é o movimento de

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acumulação da riqueza por um lado, e por outro, o crescimento da pauperidade, constituindo, portanto, uma sociabilidade que possuiu como um de seus desdobramentos fundantes a injustiça. O fenômeno da justiça social não instaura um debate novo, porém adquire contornos específicos conforme os valores morais de determinada época histórica, como, por exemplo, as reivindicações que nasceram na década de 1960 e pautaram o debate por meio da afirmação da identidade de grupos considerados minorias e que permanecem até a atualidade. A luta pela justiça social descolou-se da reivindicação pela redistribuição do produto social do trabalho em direção à esfera da intersubjetividade. Esfera que, para Fraser (2008), necessita permanecer, porém sem obscurecer a luta pela justiça distributiva. Entende-se, aqui, que a discussão acerca da justiça social carece de maior profundidade em termos de uma estrutura de sociedade que se encontra dividida em classes. Endente-se, também, em conformidade com o debate marxista, que o movimento da classe-em-si para a constituição da classe-para-si necessita passar pelo reconhecimento social da classe, pelo acesso igualitário à riqueza produzida e pela participação paritária nos processos de decisão.

As propostas analíticas de Fraser permitem avançar no debate sobre as injustiças para além do mero reconhecimento da identidade do grupo, recuperando o debate sobre as classes. Porém, encontra como limitação analítica a não superação do horizonte intelectual dos que advogam pela democracia radical, acreditando na possibilidade de uma equidade discursiva enquanto móvel central para a construção de uma sociedade justa. Para tratar deste ponto, considera-se necessário aportar uma discussão realizada por Mészáros (2008) acerca da construção da consciência de classe a partir da identificação dos interesses contingentes e necessários, uma vez que ela permite compreender que a justiça não ocorre apenas por meio da construção de campos simétricos de discursividade. Isso porque a linguagem enquanto elemento estruturado e estruturante das relações sociais tem como pressuposto constitutivo, sob o sociometabolismo do capital, uma distribuição desigual dos elementos determinantes das relações sociais de produção. Tal distribuição é reforçada pela desigualdade do discurso que, ao ser elaborado, permanentemente a confirma, de modo que o próprio conceito de justiça tem como determinante a ética capitalista. A desigualdade da distribuição da qual Mészáros se refere é aquela analisada por Marx e que tem como desdobramento a formação de uma injustiça social.

Ao aportar Mészáros à discussão das categorias apresentadas por Fraser, está se propondo também um refinamento à proposta da autora que, em termos práticos, permitirá analisar as possibilidades de constituição da consciência de classe para si que a classe trabalhadora está criando ao estabelecer, por meio de reivindicações, o embate com a classe capitalista. Para tanto, serão abordadas, a seguir, com maiores detalhes as discussões dos conceitos propostos por Mészáros e Fraser.

1.1 A Justiça Social Segundo as Categorias de Análise de Nancy Fraser A análise da justiça social, para Nancy Fraser, deve ser realizada a partir de três

categorias: a do reconhecimento social, que está ligada à dimensão cultural; a da redistribuição da riqueza material, que abrange a esfera econômica; a da paridade de participação, que remete à dimensão política. As três categorias encontram-se entrelaçadas na realidade, estão imbricadas e se reforçam dialeticamente. Portanto, existem separadamente apenas na realidade teórica enquanto elementos didáticos (Faria, 2011).

Apenas abstraindo a complexidade do mundo real pode-se divisar um esquema conceptual que possa iluminá-lo. […] Mesmo a mais material instituição econômica tem uma dimensão cultural constitutiva, irredutível. Reciprocamente,

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mesmo a mais discursiva prática cultural tem uma dimensão político-econômica constitutiva, irredutível. (Fraser, 2008, p. 13).

Para Nancy Fraser as demandas por reconhecimento efetuadas por movimentos sociais, em virtude da nova configuração mundial globalizada e multicultural da era pós-socialista, fez com que se alterassem as análises dos antigos conflitos de classe por conflitos de identidade social advindos das reivindicações e problematizações acerca da dominação cultural. A mundialização do capital, pós-reestruturação produtiva, teria gerado uma nova gramática de reivindicação política, da redistribuição para o reconhecimento (FRASER, 2002). Com isto, desvaloriza-se a luta política de classe e a categoria econômica, de forma que a proeminência da cultura se sobrepõe ao mesmo tempo em que se verifica o declínio das políticas de classe. Os conflitos sociais teriam se apresentado com uma desconexão entre as dimensões culturais e econômicas, sem tematizar as desigualdades econômicas marcadas pela injustiça inerente ao sistema capitalista.

As reivindicações de igualdade econômica são hoje menos salientes do que durante o apogeu fordista do Estado-Providência keynesiano. Os partidos políticos que antes se identificavam com projetos de redistribuição igualitária abraçam hoje uma escorregadia “terceira via”, cuja substância verdadeiramente emancipatória, quando a têm, está mais relacionada com o reconhecimento do que com a redistribuição. (Fraser, 2002, pp. 08-09).

Fraser considera que o deslocamento ocorre pelo fato da discussão sobre o reconhecimento ocorrer pela via da equidade das identidades sustentada por uma ética valorativa que considera a opção dos grupos pelo que julgam ser “o bem viver”. Conforme destaca Silveirinha (2005, p. 34)

A razão porque estas pessoas devem ser reconhecidas não pode ser porque as reconhecemos através de um critério ético relativamente às formas de vida por si escolhidas. Porque, se assim fosse, também teriam direito a reconhecimento, como direito a procurar uma forma de autorrealização, as identidades racistas. O critério tem antes de ser de justiça assente numa base de paridade participativa e, portanto, também comunicacional.

Deste modo, Fraser (2008) considera que, para que ocorra a paridade participativa, é necessário manter as reivindicações da esfera cultural ao lado da esfera econômica. Para isso, Fraser busca o conceito de status social, por meio da teoria do reconhecimento, para complementar o debate das desigualdades econômicas pela via da esfera cultural, possibilitando a tridimensionalidade da vida social: cultural-economica-política.

It is unjust that some individuals and groups are denied the status of full partners in social interaction simply as a consequence of institutionalized patterns of cultural value in whose construction they have not equally participated and which disparage their distinctive characteristics assigned to them. (Fraser, 2008, p. 39).

A categoria do reconhecimento social, por meio da discussão acerca das hierarquias de status, permite que Fraser (2008) resgate as discussões sobre as classes sociais. Para Fraser (2008), uma sociedade estruturada em classes constitui uma hierarquia de status que, por sua vez, é constituinte da reprodução da estrutura de classes. Ambas obstaculizam uma participação paritária. Enquanto a estrutura de classes impõe restrições ao acesso às oportunidades de participação igualitária, a hierarquia de status nega aos indivíduos o reconhecimento da paridade. Diante do prestígio conferido aos diferentes componentes das classes, seus status sociais, cada um participa ativamente de acordo com o reconhecimento que lhe seja atribuído pela coletividade. Os mais reconhecidos são os que têm maior espaço

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para participação política ou, pelo menos, maior espaço de apresentação do seu discurso e de valorização no espaço público.

De acordo com Faria (2011), em um primeiro momento, quando da discussão com Axel Honneth (Fraser & Honneth, 2003) Fraser concentra seus argumentos na polarização entre a questão da redistribuição da riqueza e do reconhecimento social. Posteriormente, Fraser (2009) introduz na discussão a categoria da participação paritária enquanto um terceiro elemento para a análise da conquista da justiça social. É pela dimensão de participação paritária que fica claro quem pode reivindicar por redistribuição e reconhecimento e como tais reivindicações serão debatidas e julgadas, afirma Fraser (2009). “A justiça requer arranjos que permitam a todos os membros (adultos) da sociedade interagir entre si como pares.” (Fraser, 2002, p. 13) e ainda:

O significado mais geral de justiça é a paridade de participação. De acordo com esta interpretação democrática radical do princípio de igual valor moral, a justiça requer acordos sociais que permitam a todos participar como pares na vida social. Superar a injustiça significa desmantelar os obstáculos institucionalizados que impedem a alguns participar em igualdade com outros, como sócios com pleno direito na interação social. (Fraser, 2008, p. 39).

Fraser (2002) destaca que só haverá paridade de representação na medida em que ocorra tanto a distribuição de recursos materiais que assegurem independência e voz dos participantes garantindo iguais oportunidades para alcançar a consideração social, quanto padrões institucionalizados de valor cultural que exprimam igual respeito por todos os participantes.

A questão que se desdobra da explanação de Fraser acerca da construção de uma justiça social, nos termos por ela postos, refere-se às limitações concretas das condições de uma redistribuição material efetiva que possibilitem romper com a estrutura valorativa dos status sociais, construindo, portanto, as (im)possibilidades de participação paritária. Conforme discutido anteriormente é da natureza do sociometabolismo do capital o processo de pauperização, a distribuição desigual da riqueza social e, por conseguinte, uma hierarquização do status. Refletindo acerca dessa questão, torna-se necessário acrescentar à discussão de Fraser os argumentos acerca da consciência de classe propostos por Mészáros, tendo em vista que essa se relaciona tanto com a estrutura de classe quanto com a estrutura de status e se constrói na participação nas duas esferas, ainda que não seja uma participação consciente nem paritária.

1.2 Consciência de Classe: Interesses Contingentes e Necessários em Mészáros De acordo com a interpretação de Mészáros (2008), para Marx (2008), a ideologia –

que se (re)produz pelas diferentes formas discursivas – compõe a consciência social de uma época e se constitui das percepções herdadas e construídas pelos sujeitos a partir das relações estabelecidas para a produção da vida material. Sob o sociometabolismo do capital, as relações ocorrem conforme a estrutura de classes e, portanto, a consciência social da época manifesta-se enquanto consciência de classe. Ainda segundo Mészáros (2008), a (re)produção mútua das classes se dá como se as relações sociais estabelecidas sob o capital fossem leis universais que se impõem sobre o homem, e não produtos sociais da própria forma de organização do modo de produção e distribuição econômica. Tais relações estruturadas e estruturantes geram condições objetivas e subjetivas de classes reciprocamente correspondentes, de maneira que o enriquecimento de uma prescinde do empobrecimento da outra.

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O próprio trabalhador produz, por isso, constantemente a riqueza objetiva como capital, como poder estranho, que o domina e explora, e o capitalista produz de forma igualmente contínua a força de trabalho como fonte subjetiva de riqueza, separada de seus próprios meios de objetivação e realização, abstrata, existente na mera corporalidade do trabalhador, numa só palavra, o trabalhador como trabalhador assalariado. Essa constante reprodução ou perpetuação do trabalhador é a condição sine qua non da produção capitalista (Marx, 2007, p. 195).

Para Mészáros (2008), a ruptura com o que se pode chamar lógica da (re)produção do sociometabolismo do capital passa por estranhar criticamente tal conjunto de “leis” que são impostas com o status de leis naturais. Assim, é necessário, embora não condição suficiente, a constituição da consciência da necessidade da superação da auto-alienação do trabalho. Mészáros (2008) argumenta, a partir de sua interpretação de Marx, que essa é a tarefa histórica da classe trabalhadora, tendo em vista que são os trabalhadores os sujeitos da alienação. As condições objetivas necessárias para o enfrentamento e superação das desigualdades impostas pelo sistema capitalista só atingirão maturidade com o desenvolvimento da “autoconsciência como consciência da necessidade de desalienação” (Mészáros, 2008, p. 64), entendida enquanto fator “subjetivo” crucial para o processo de justiça social.

A luta de classes, nesse contexto, aponta para a capacidade emancipatória da classe trabalhadora em busca da justiça social negada pelo sistema capitalista de produção. Luta esta que compõem a esfera política e que só é possível pela constituição de uma consciência que corresponda à concretude das relações antagônicas existente entre capital e trabalho, estando o último subsumido a necessidade de valorização do primeiro. Portanto, da formação de uma consciência de classe que tencione a superação da alienação a que a lógica capitalista submete os sujeitos nela inseridos. Posto está que o interesse necessário da classe trabalhadora corresponde à necessária superação das relações antagônicas de produção, em suma, a superação da propriedade privada e do trabalho alienado, que impõe a subordinação estrutural do trabalho ao capital.

Assim, o que está em pauta não é a questão de como obter ‘um melhor salário para o escravo’ (Marx) nem mesmo a questão de uma mudança no tom de voz – cuidadosamente filtrado pela ‘engenharia humana’ [ou o setor de Gestão de Pessoas] – que transmite os ditames da produção de mercadorias para os trabalhadores, mas uma reestruturação radical da ordem social vigente. (Mészáros, 2008, p. 69).

Mészáros (2008) aponta a dialeticidade do desenvolvimento da consciência de classes enquanto uma condição historicamente inevitável. Esse desenvolvimento é fruto da mediação necessária da atuação humana autoconsciente, que demanda a instituição de organizações coletivas que permitam intervenções dinâmicas no curso do desenvolvimento social. Sendo assim, Mészáros (2008, p. 89) apresenta duas possíveis formas de construção de consciência de classe: a consciência de classe contingente e a consciência de classe necessária. “A consciência de classe contingente (...) percebe simplesmente alguns aspectos isolados das contradições, [a consciência de classe necessária] as compreende em suas interrelações, isto é, como traços necessários do sistema global do capitalismo.”

Por outro lado, a classe se autonomiza, por sua vez, em face dos indivíduos, de modo que estes encontram suas condições de vida predestinadas e recebem já pronta da classe a sua posição na vida e, com isso, seu desenvolvimento pessoal; são subsumidos a ela (Marx, 2007, p.63)

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A consciência de classe necessária do agente do trabalho está, portanto, diretamente relacionada com o conceito de interesse necessário da classe, pela essencialidade da subordinação e da oposição estrutural das classes no sistema capitalista. Entretanto, como já destacaram Marx e Mészáros, os indivíduos por si só, não dão conta da totalidade das relações sociais. Estando “quer queiram ou não, […] subordinados à ‘existência independente’ que as classes adquirem no curso do seu desenvolvimento” (Mészáros, 2008, p. 75), são as relações alienadas que primeiro aparecem à consciência social do indivíduo, ainda que, em contradições parcializadas. A consciência contingente é, portanto, esta que está posta e que percebe partes das contradições inerentes ao sistema capitalista, que percebe, por exemplo, a injustiça social apenas em termos de não-reconhceimento das identidades grupais.

Por sua vez, a perpetuação da alienação do trabalho é o que permite a reprodução das classes e, consequentemente, a reprodução do domínio do capital sobre o trabalho. Desse modo, para Mészáros, à classe capitalista interessam mudanças que possam perpetuar o controle antagônico do sociometabolismo da humanidade, enquanto que à classe trabalhadora essas mudanças apenas reforçam sua subsunção formal e/ou real.

Mészáros ainda menciona a relação entre os interesses individuais e os interesses das classes e como suas diferenças aparecem entre as duas classes. Para a classe capitalista, os interesses individuais coincidem com os interesses gerais da classe enquanto que para a classe trabalhadora tal coincidência é apenas contingente. Em outros termos, os interesses dos diferentes indivíduos da classe capitalista são necessários para a perpetuação do sociometabolismo do capital, de modo que os interesses contingentes desses indivíduos, tomados ou não em grupos, tendem a coincidir com os interesses necessários da classe, sua consciência necessária de classe. A burguesia visa manter “o auto-interesse individual dos membros particulares do grupo dominante [que] está diretamente relacionado ao objetivo geral de retenção da posição privilegiada e estruturalmente dominante que o grupo, como um todo, tem na sociedade.” (Mészáros, 2008, p. 69).

As diferenças entre os interesses da classe dominante e da classe dominada e o exercício de poder daquela sobre esta permite que as reformas e concessões conquistadas pela classe trabalhadora sejam aquelas que podem ser incorporadas ao sistema capitalista, prolongando a subordinação existente. Para Mészáros (2008), entretanto, há uma força compensatória nessa relação, uma vez que, com o impacto dessas reformas e concessões no desenvolvimento das forças produtivas contribui-se para a maturação das contradições sociais, que, por sua vez, tensiona o movimento da constituição da consciência, da parcialidade à totalidade das contradições. Desenvolver o interesse de classe necessário significa, desse modo, perceber as contradições do sistema capitalista e questionar o estado de ordem das coisas, questionando inclusive, a propriedade privada ainda que se trate de um conflito social de ordem local. Nas palavras de Mészáros (2008, p. 85):

Mesmos os fenômenos de conflito social de aparência puramente local têm de ser relacionados à totalidade objetiva de um estágio determinado do desenvolvimento econômico. Sem um esforço consciente de interligar os fenômenos sociais específicos às tendências gerais e às características do capitalismo como sistema global, o significado desses fenômenos permanece obscuro.

Cabe, portanto, aos trabalhadores identificar os seus interesses de classe contingentes e necessários, para que, pela interconexão de ambos, possam potencializar o movimento progressivo da consciência de classe (Ferraz, 2010), possibilitando condições concretas de ação consciente dos trabalhadores na luta de classes rumo à superação da auto-alienação. Nesse sentido, a mobilização política em defesa de interesses contingentes pode vir a possibilitar o tensionamento das relações estabelecidas entre as classes sociais em sua

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totalidade, desnaturalizando as estruturas sociais de produção mútua das classes e tensionando a luta entre elas – ainda que essa não tenha sido a intenção inicial de seus agentes.

As argumentações de Mészáros em sua interpretação de Marx sugerem que a injustiça social do sistema capitalista apontada por Fraser constitui-se pela persistência da submissão do trabalho ao capital. A injustiça social, portanto, não é um fator social autônomo e abstrato, mas histórico e condicionado às relações sociais de produção das condições de existência. Assim, a permanência da distribuição desigual da riqueza material em prol da acumulação e da centralização do último, desencadeia uma estruturação valorativa de status, tendo em vista que a compreensão das relações sociais ocorre pela parcialidade das mesmas. Considerando que para Fraser a construção da justiça social precisa, em termos didáticos, ser distinguidas entre reivindicações na esfera econômica, na esfera política e na esfera cultural, respectivamente, as lutas pela redistribuição, pela participação paritária e pelo reconhecimento, pode-se mencionar que os interesses, sejam contingentes ou necessários, seja do trabalhador ou do comprador da força de trabalho, se manifestam na concretude das relações sociais de distintas formas, conforme apontamentos de Fraser. Deste modo, defende-se, aqui, a proposição de que a análise das lutas sociais por meio das categorias redistribuição, reconhecimento e participação paritária necessitam identificar a relação entre essas e a constituição da consciência de classe, ou seja, a potencialidade dessas lutas no desenvolvimento dos interesses contingentes ao necessário. Nesse sentido, sugere-se que, para além da identificação dos critérios de mobilização social nas distintas instâncias, seja também problematizada a potencialidade das mesmas enquanto mobilizadoras da compreensão das contradições percebidas de forma individual/particular e suas relações com a totalidade. Em suma, uma análise das reivindicações dos grupos sociais na relação com os interesses contingentes e necessários. A reflexão acerca dos pontos apresentados, expostas resumidamente na Figura 01, pretende auxiliar na análise das distintas formas de lutas efetuadas entre as classes sociais e que pode ser concebida enquanto potencialidades do movimento de constituição da classe para si. A Figura 01 apresenta de forma didática a distinção entre as instâncias de Fraser e a relação entre os interesses de classe contingente e necessário, desdobrando-se em seis categorias analíticas. A composição das duas propostas em forma de um modelo analítico decorre do fato concreto de que a efetivação de uma participação paritária não se efetua na prática em função do condicionante estrutural da desigualdade de distribuição e reconhecimento, pois a possibilidade de justiça social é historicamente construída por meio da luta por igualdade nessas instâncias. É esta condição relacional que mobiliza os sujeitos da prática social. Ao mesmo tempo, a ação prática se desenvolve sobre o condicionante da compreensão parcializada das relações sociais impostas pela contradição fundamental do sociometabolismo do capital. Para Mészáros essa parcialidade limita a constituição da consciência de classe necessária à emancipação humana fazendo o embate permanecer nas relações parcializadas entre os agentes. Deste modo, o movimento rumo à totalidade permite a potencialidade da constituição de uma solidariedade entre os grupos da classe, o que tensiona o movimento de constituição da classe para si. O movimento da parcialidade à totalidade é, consabidamente, dinâmico e estabelecido de forma relacional, portanto pode conter tanto o movimento de progressividade quanto de regressividade na progressividade avançada, para usar um termo de Iasi (2006). Esse movimento é representado na Figura 01 pelas flechas de saída dupla. As linhas tracejadas mostram a inexistência de limites absolutos entre as instâncias, de modo que um mesmo elemento que é tomado como móvel de reivindicação em uma das instâncias pode apresentar

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potencialidade de desdobramentos oportunos em qualquer uma das outras, inclusive na própria.

Figura 01: Modelo Analítico para estudo dos Conflitos Sociais de Classe

Em suma, a relevância dessa aproximação entre as construções teóricas analíticas de Fraser e Mészáros possibilita problematizar elementos que estabeleçam uma solidariedade intraclasses no sentido de compreensão dos grupos sociais parcializados, em função da divisão social do trabalho cada vez mais especializada. A potencialidade desse modelo, em termos analíticos, corresponde à abertura para a discussão das limitações das demandas dos grupos intraclasses e o tensionamento para a superação das parcialidades, atentando, portanto, para as relações recíprocas estabelecidas entre os interesses contingentes dos sujeitos submetidos ao capital e a relação com os interesses necessários desses sujeitos rumo ao estabelecimento de relações emancipadas. Este modelo permite que se efetue uma análise, ainda que não em toda sua extensão, da pauta dos professores universitários de uma instituição de ensino federal localizada no Estado do Paraná. A análise exposta a seguir não pretende esgotar o tema, mas apenas exemplificar as potencialidades do modelo analítico proposto.

2. A Análise da Pauta das Lutas dos Professores da UFPR A crescente precarização das relações de trabalho, a desvalorização da atividade e a

desqualificação da força de trabalho refletem a história da produção capitalista que visa à subsunção tanto da vida produtiva como da vida social, à produção da mais-valia. Sendo assim, a educação também assume o caráter de mercadoria, devendo mostrar resultados e produtividade para atestar sua eficiência, repercutindo, como atestam outros estudos (Ferreti, 2002; Frigoto, 1998) diretamente na qualidade do ensino oferecido e na saúde dos trabalhadores.

Os professores de ensino público compõem uma categoria de trabalhadores que apesar de não estar diretamente inserido no processo de produção de mais-valia, contribui, com suas atividades, para a valorização do capital, seja por meio de pesquisas que são incorporadas no processo produtivo, seja pela preparação da força de trabalho demandada pelo “mercado”. Desse modo, a luta dos professores constitui-se como luta dos trabalhadores. Contudo, a relevância da atuação reivindicatória dos professores na sociedade é por vezes secundarizada

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face às reivindicações de outras categorias profissionais ou até mesmo intracategorias. No Brasil, por exemplo, a disparidade entre a remuneração e as condições de trabalho dos professores universitários e os professores secundaristas e de ensino básico, torna alguns pontos das pautas dos primeiros questionáveis pelo senso comum. Esse é um dos desdobramentos das diferenças de status sociais. O maior poder de compra dos professores universitários em relação à grande parte da população e o capital intelectual distintivo desses profissionais os coloca em uma posição que, na aparência das relações sociais, os salvaguardam do processo de precarização. Entretanto, na concretude das relações de trabalho dos docentes universitários, tal processo é vivenciado, por exemplo, por meio da exigência do aumento da produtividade, segundo critérios definidos pelo CNPq e pela Capes que são em grande medida alheios à realidade da função social da docência e da pesquisa, direcionando o trabalho dos professores não para o que é socialmente mais importante, mas para o que mais pontua. Diante dessa realidade, os professores do ensino público superior, coletivamente organizados, buscam alterar a realidade imposta objetivando “garantir a qualidade e autonomia das Universidades Públicas, condições dignas para o exercício profissional, isonomia e garantia no emprego, a democratização das instituições e das relações de trabalho”. (Andes, 2011).

A análise das reivindicações dos professores da UFPR, neste texto, é realizada por meio da pauta publicada na website do sindicato representante da categoria. Nela constam os pontos considerados móvel de luta pelos professores reunidos em assembleia e que embasou a greve de 2011. O texto foi confrontado com o modelo construído pela convergência das categorias de Fraser e Mészáros. Alguns pontos específicos necessitaram a compreensão do contexto do qual emergem, como a reivindicação pela avaliação do estágio probatório, por exemplo. Isso demandou uma coleta de informações com membros dos sindicatos. Esse processo ocorreu por meio do relato explicativo dos pontos questionados. A escolha desses membros foi por conveniência. Os diálogos não foram analisados, por não serem objetos desse estudo, mas subsidiaram a compreensão dos pontos em si.

Antes de iniciar a análise propriamente dita, é preciso esclarecer que, em termos clássicos, as reivindicações de funcionários públicos junto aos governantes poderiam ser teoricamente rechaçadas enquanto luta de classes. Contudo, tais profissionais são destinatários do fundo público e esse é constituído por parte da riqueza socialmente produzida que é apropriada pelo Estado em forma de tributo. Assim, as atividades dos professores se não atendem as demandas da classe trabalhadora, atenderão as da classe capitalista. Portanto, conforme destaca Oliveira (1998), a destinação do fundo público é um móvel de luta entre classes sociais. Este esclarecimento se torna necessário por conta da concepção de trabalho produtivo (aquele que produz mais-valia) e improdutivo (aquele que não gera diretamente valor excedente). Embora não inseridos diretamente no processo de produção de mais valor, os professores compõem uma categoria social implicada nesta produção, seja como artífices do desenvolvimento científico e tecnológico apropriado pelo capital, seja como desenvolvedor de estratégias de gestão e de realização do valor gerado, seja como intelectual orgânico (para usar o conceito gramsciano) da classe trabalhadora.

Esclarecida esta questão, convém destacar-se que há pontos reivindicatórios que compreendem mais do que uma categoria. Como já explicitado, as categorias de análise constituem recursos de pesquisa, pois concretamente não se pode conceber a realidade atuando enquadrada em “departamentos analíticos”. Assim, na análise aqui empreendida foram sublinhados os aspectos mais marcantes de cada ponto e, em alguns casos, esses foram avaliados em sua completude para afirmar a reciprocidade entre as categorias. O Quadro 01 apresenta de forma sintética os pontos analisados e sua categorização central.

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Figura 02: Consciência de Classe e Interesses

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A análise da pauta de reivindicações dos professores da UFPR aponta tanto para reivindicações de interesses que claramente se referem às questões individuais (maiores salários, menor carga horária de sala de aula, melhoria de infraestrutura, entre outros) e que compõem o quadro dos interesses de classe contingente, quanto para interesses mais amplos, que abarcam interesses da sociedade de modo geral, contribuindo para a melhoria das condições sociais, integrando o que se pode entender como interesses de classe necessários (reivindicação de participação paritária nas decisões, posicionamento contrário a privatização da saúde e da educação, garantia de condições de igualdade para portadores de necessidades especiais, entre outros). Cada um dos itens apresentados no Quadro 02 refere-se primordialmente a uma das categorias de Nancy Fraser, as quais foram ponderadas, para efeito de análise, pela proposição de Mészáros sobre os interesses contingentes e necessários.

As reivindicações que se referem à redistribuição material se relacionam, conforme a descrição de Mészáros, com interesses contingentes de classe, tanto em sua manifestação particular da categoria, quanto na manifestação do interesse social mais amplo, configurando a redistribuição material e a redistribuição material ampliada, respectivamente. Ambos os interesses impactam na repartição do fundo público, isto é, na repartição da riqueza social apropriada pelo Estado, reivindicando maior investimento na educação, que repercutirá em valorização do valor, com força de trabalho melhor formada, reduzindo custos de qualificação para o sistema de capital.

Os interesses de classe contingentes que visam uma distribuição material circunscrita à categoria se apresentam nas reivindicações de cunho individual dos professores, ainda que expressos coletivamente, tendo em vista que buscam remuneração adequada à contrapartida social do trabalho desenvolvido na universidade e à limitação das horas/aula e do número de alunos em sala de aula. Com essa pauta, a discussão concerne ao valor da mercadoria força de trabalho do docente, seja pelo aumento salarial, seja pela diminuição da produtividade. A reivindicação pela limitação da produtividade docente, medida em número de “alunos produzidos”, desdobra-se na demanda pela contratação de novos professores dado o aumento do número de vagas nas universidades públicas.

Já os interesses ligados à redistribuição material ampliada apresentam-se nas questões que estão para além de interesses individuais ou de retorno material individual, configurando reivindicações extracategoria, na medida em que tais itens refletem interesses de ordem social que visam garantir melhorias nas condições de vida da sociedade. Os professores, ao inserirem na pauta de reivindicação a melhoria de infraestrutura para as atividades de ensino e pesquisa, de condições que garantam a qualidade de ensino, principalmente no caso de adesão ao Reuni e Expandir, e ainda, de moradia estudantil, caminham para uma reivindicação de repartição do fundo público em benefício da sociedade de modo geral e, nesse ponto, indicam reconhecer a condição do outro, de modo que, a luta pela redistribuição material ampliada, imbrica-se à categoria do reconhecimento. Trata-se dos docentes, reconhecendo a condição de status dos discentes e demais membros da sociedade.

Se a luta dos docentes aponta para o reconhecimento do outro, ela também indica a reivindicação por reconhecimento, que pode ser divididas em reconhecimento social e reconhecimento social ampliado. O reconhecimento social é aquele no qual o sujeito quer ser reconhecido nos seus direitos, a partir da atividade desenvolvida, do empenho colocado para a realização do seu trabalho. Já o reconhecimento social ampliado é aquele cuja repercussão está para além do reconhecimento dos direitos do trabalhador no exercício de suas atividades, está para um reconhecimento que abrange parcelas da sociedade no ambiente da universidade e fora dele, em que se considera o outro enquanto sujeito de direito a despeito da categoria a qual pertence.

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O interesse de classe contingente referente à realização de estágio probatório relaciona-se com direitos dos professores já expressamente previstos na legislação pertinente e que, contudo, não têm sido respeitados pelos agentes públicos competentes. Há ofensa, portanto, ao direito regulamentado dos professores quanto à legislação que determina a realização do estágio probatório ao término do período exigido em lei. O reconhecimento reivindicado nesse caso é tão somente o reconhecimento do direito já reconhecido pela legislação brasileira.

No item referente ao assédio moral verifica-se a ocorrência de um duplo desrespeito ao profissional. Há o desrespeito que determinados servidores exercem, ao atacar repetida e voluntariamente seus pares, subordinados ou superiores acarretando danos à saúde do agredido, que tem sua integridade, dignidade e personalidade ferida no ambiente de trabalho e há, novamente, o desrespeito ao trabalhador ao lhe ser negado o combate e a punição dentro do ambiente em que o mesmo ocorreu. Trata-se, portanto, da estrutura institucional oportunizando o não reconhecimento do professor enquanto sujeito de direito.

Com relação ao reconhecimento social ampliado verifica-se que a contrariedade ao projeto de lei que privatiza a saúde e a educação é um item de pauta que abarca tanto a questão da redistribuição material ampliada quanto o reconhecimento. Todavia, cabe destacar o reconhecimento em função desta instância demonstra que a saúde e a educação são direitos sociais inalienáveis e, deste modo, não devem responder aos interesses de agentes privados.

A terceira categoria, a participação paritária, encontra-se presente em vários dos pontos referidos nos itens anteriores, na medida em que a mesma se dá pela conquista de voz e voto que contemplam estes pontos mencionados que poderiam ser alcançados, ou pelo menos, mais justamente debatidos. A participação paritária nas esferas de decisão, seja nos colegiados superiores, seja nos níveis da política pública, é uma das formas de destacar pontos referentes ao reconhecimento e à redistribuição. Tal categoria destaca-se a partir do entendimento que “tem como pressuposto básico o estabelecimento de relações de igualdade na medida em que rompe o processo de alienação, expande e estimula a difusão do conhecimento, além de destruir a estrutura social verticalmente hierarquizada”, de acordo com Faria (2011, p. 45).

Os professores lutam pela participação paritária ao reivindicarem a organização dos interesses da universidade a partir do voto paritário de todos que a compõe, sejam professores, alunos ou técnicos. Essa participação paritária levaria a definição do conceito da universidade e de seus contornos jurídicos, isto é, definiria todas as ações posteriores da universidade e, nesse sentido, a relevância da participação paritária de todos. O status existente na sociedade entre classes e, na universidade entre as diversas categorias, a partir dessa reivindicação, pode levar a uma alteração dessa condição e, inclusive, permitir uma reflexão mais ampla, gerando repercussões que superem tais diferenças de status na sociedade. Tal reivindicação dos professores contempla o que se propõe aqui seja uma participação paritária ampliada, uma vez que, para além dos interesses que a categoria de professores tenha com relação ao destino da universidade, os interesses de todos os membros que a compõe são levados em consideração ao reivindicarem a constituição de uma estatuinte com a coordenação paritária dos três segmentos universitáriosi.

Ao reivindicarem critérios claros para o credenciamento e recredenciamento dos professores, transparência na distribuição e utilização dos recursos pelos programas e garantia de representação nos conselhos setoriais e nos colegiados superiores, os professores reconhecem a existência de diferenças no interior da própria categoria de docentes. Todos os professores devem ter acesso aos critérios estabelecidos para a universidade, bem como devem ter o direito de participar da definição de tais critérios. Desse modo, é possível

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extinguir a prática em que uns definem e se beneficiam das suas decisões, reorganizando, portanto, a própria distribuição material a partir da dinâmica do reconhecimento e da participação paritária.

Os itens de pauta das reivindicações que postulam a manutenção da comissão de saúde do trabalhador, conferindo a essa instância caráter deliberativo frente a universidade e a exigência de eleições diretas para a direção do centro de educação física, representam o interesse dos professores em participar das decisões que lhes afetam diretamente. São, portanto, reivindicações que podem ser classificadas como participação paritária imediata, que, somadas aos pontos de pauta que se configuram em participação paritária ampliada. Tal conformidade de participação poderia em sua prática levar a transformações significativas no âmbito da universidade, conferindo maior reconhecimento às categorias que a integram, contribuindo para a construção de, como destaca Faria (2011) uma sociedade com relações sociais pautadas no respeito e no reconhecimento intersubjetivo.

Considerações Finais A análise da pauta de reivindicação dos professores da UFPR durante a greve de 2011

possibilitou a reflexão a respeito de quais interesses existem para esta categoria, em contraposição àquilo que lhes é oferecido como contrapartida ao trabalho realizado, por um Estado que se subordina ao sistema de capital. A análise do caso corroborou a definição de um modelo, construído a partir das categorias propostas por Nancy Fraser - categorias que compõe o cenário para a justiça social - e da consciência de classe, propostas por István Mészáros, com a composição dos interesses contingentes e necessários. O estudo desenvolvido apontou para a necessidade de se considerar o “estágio de consciência de classe” de determinada categoria de trabalhadores para que a potencialidade da luta social se transponha dos interesses contingentes ao interesse necessário da classe trabalhadora. Considerando que esse movimento de transposição necessita romper com a parcialidade para a consciente elaboração da totalidade, a análise das pautas específicas de cada categoria permitiu a identificação de pontos de convergência para a categoria dos professores em seu movimento totalizante, como, por exemplo, as reivindicações que visam à redistribuição material ampliada, o reconhecimento ampliado e participação paritária ampliada. Esse “estágio” (consciência ampliada) mostra as ligações entre a categoria dos professores e outros grupos sociais que mantêm a solidariedade de classe. A simples presença das três categorias em sua manifestação imediata nas reivindicações dos professores não bastaria para a ocorrência das mobilizações com a potencialidade de superação das contradições do sistema de capital e, nesse sentido, da superação dos status que o compõe para o alcance de maior justiça social.

A ação consciente dos trabalhadores, caminharia rumo à superação da auto-alienação pela mobilização política em defesa, em um primeiro momento, dos interesses contingentes, que pelo tensionamento de luta entre as classes levaria à compreensão dos interesses necessários e à conscientização da importância da luta para o rompimento das estruturas sociais de classe. A construção dessa consciência de classe necessária se dá na concretude das relações sociais, a partir dos elementos objetivos e subjetivos que o momento histórico confere a determinada sociedade. A superação da injustiça social gerada no sistema de capital não ocorre tal como se encontra teoricamente exposto, especialmente no caso de Nancy Fraser, entretanto, tal teorização é importante para que os sujeitos ativos na sociedade possam estruturar e organizar sua luta e, deste modo, reorganizar os rumos que o capitalismo mesmo propõe aos trabalhadores. Esse movimento concreto das relações sociais pode ser visto na pauta de reivindicações dos professores quando esta apresenta pontos de luta que visam

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atender não somente aos próprios professores da universidade, mas igualmente a uma parcela da sociedade que está diretamente afetada pelas decisões da universidade.

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i Não cabe aqui uma argumentação sobre o conceito de paridade, mas seria necessário discuti-lo na ação política. A paridade absoluta (cada qual um voto) transferiria as decisões de três categorias funcionais a apenas uma delas (no caso, a dos estudantes), dado o número de seus componentes em comparação com as demais. A paridade proporcional confere a cada categoria funcional o direito a 1/3 do colégio eleitoral, o que faz com que o voto individual de um membro de uma das categorias (no caso, a dos docentes) tenha um valor maior do que o voto dos demais membros das outras categorias. Em ambos os casos a paridade será relativa.