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Reconquista Da Identidade de Trabalhador Por Ex-Detentos Catadores de Lixo

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Reconquista da identidade de trabalhador (catador)

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João Bosco Feitosa dos Santos, Regina Heloisa Matteide Oliveira Maciel, Tereza Glaucia Rocha Matos

RECONQUISTA DA IDENTIDADE DE TRABALHADOR POR EX-DETENTOS CATADORES DE LIXO1

João Bosco Feitosa dos Santos*

Regina Heloisa Mattei de Oliveira Maciel**

Tereza Glaucia Rocha Matos***

O objetivo deste trabalho é refletir e compreender como catadores de lixo ex-detentos deFortaleza reconstituem a identidade de trabalhador com base no trabalho precarizado e estig-matizado socialmente. Foram realizados pesquisa bibliográfico-documental e estudo de inspi-ração etnográfica, tendo como ferramentas a observação direta e entrevistas semiestruturadas.Os resultados apontam para condições precárias de trabalho e conflitos com o “deposeiro”(dono do depósito) que explora os catadores em todos os âmbitos. Vistos pela população comovagabundos, perigosos e sujos, a sua condição de trabalho e de vida é permeada por exploração,conflito e preconceito. As narrativas desses reciclados pela justiça indicam forte identificaçãocom o refugo que coletam. Na busca da reinserção social e reconstrução de identidades, algunsadmitiram práticas ilícitas ou recaídas, demonstrando a fragilidade do sistema, tentandoreciclá-los e incluí-los precariamente.PALAVRAS-CHAVE: Trabalho. Identidade. Precarização. Catadores de lixo. Ex-detentos.

INTRODUÇÃO

As transformações do trabalho ocorridas nasúltimas décadas interferem intensamente na quan-tidade e qualidade do emprego formal que, consi-derado um “suporte privilegiado de inscrição naestrutura social” (Santos, 2000, p. 49), garante a“filiação” (Castel, 1998), um “lugar social” no senti-do a que Gaulejac (1991) se refere como meta princi-pal do homem contemporâneo. A condição de traba-lhador formal não só possibilita inserção social como,também, reforça a identidade individual e social pormeio do exercício de determinadas atividades e do

convívio com relações sociais que constituem o “modode ser” dos indivíduos (Sainsaulieu, 1977), qualifi-cando, assim, os pares como iguais, sem desconsi-derar as características específicas de cada um. Por-tanto, a atividade laboral pode conferir valor social,reproduzindo o imaginário coletivo de valorizaçãomoral de ser trabalhador.

Na impossibilidade de um emprego formal,há indivíduos que buscam formas alternativas desobrevivência pelo trabalho informal, que nem sem-pre permitem viver com dignidade. Um exemplodesse tipo de “trabalho atípico” (Vasapollo, 2005)e informal é a catação daquilo que a sociedade pro-duz em larga escala e rejeita: o lixo, refugo do con-sumo na era da descartabilidade. Na verdade, acatação de recicláveis nas ruas das grandes cida-des é uma ocupação informal que desafia a digni-dade humana. Reféns do desemprego e, por ve-zes, do discurso ambientalista, esses refugos hu-manos recorrem à catação como forma de sobrevi-vência e inclusão.

O surgimento de indústrias de reciclagem,amparadas na descoberta do lixo como potencialgerador de lucros e favorecidas pelo crescente dis-

* Doutor em Sociologia. Professor adjunto da Universi-dade Estadual do Ceará – UECE no curso de CiênciasSociais e no Mestrado de Políticas Públicas e Sociedade.Rua Jabaquara, 344 Castelão. Cep: 60.861-200. Fortaleza– Ceará – Brasil. [email protected]

** Doutora em Psicologia Experimental. Professora titu-lar da Universidade de Fortaleza e adjunta da Universida-de Estadual do Ceará. [email protected]

*** Doutora em Psicologia. Professora na graduação e noprograma de pós-graduação em Psicologia da Universi-dade de Fortaleza. [email protected]

1 Este texto é parte de pesquisa “Saúde, Trabalho e Iden-tidade nos Coletores de Lixo da Cidade de Fortaleza” editalCNPq/FUNCAP, Proc. nº 09100044-0 - Edital nº 002/2009– Programa de Pesquisa para o SUS: gestão compartilha-da em saúde PPSUS.

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curso ambientalista, tornou possível o crescimentodessa categoria de trabalhador informal, há poucosanos bastante inexpressiva e, hoje, constituída portrabalhadores rejeitados pela lógica do capital: ocatador de lixo nas ruas dos centros urbanos.

Neste texto, procura-se privilegiar um fenô-meno identificado em um dos depósitos de lixoestudados no desenvolvimento de duas pesqui-sas sobre os catadores de lixo das ruas da cidadede Fortaleza: a grande incidência de ex-presidiári-os entre os catadores. O depósito estudado situa-se no bairro Tancredo Neves, um dos mais pobresde Fortaleza, e o dono do referido depósito é co-nhecido por abrigar, entre seus catadores, umagrande quantidade de ex-detentos. Este grupo detrabalhadores, em busca de sua reinserção no mer-cado de trabalho, instigou a elaboração desta refle-xão sobre trabalho e identidade. Assim, buscou-se averiguar: (1) se esses trabalhadores, proveni-entes do sistema prisional, percebem a atividadede catar lixo como uma forma de inclusão no mundodo trabalho; (2) como eles se percebem nesse pro-cesso de reinserção; e (3) qual a influência de suacondição de ex-detento na reconstrução da suaidentidade de trabalhador. No que se refere às con-dições de trabalho, procurou-se observar a orga-nização e as condições a que estão submetidos ostrabalhadores desse grupo específico. Com isso, bus-cou-se refletir sobre a repercussão do trabalho comdejetos sociais e sobre a reinserção de ex-presidiári-os, estigmatizados tanto pela sociedade como por elesmesmos, como refugos humanos da sociedade.

PERCURSO METODOLÓGICO

Esta análise tem como subsídio metodológicoprocedimentos qualitativos de pesquisa em que fo-ram privilegiadas técnicas de observação e entrevis-ta durante um período de dois anos. Primeiramen-te, foram realizadas observações e entrevistas com odono do depósito, aqui chamado de “deposeiro”.Em seguida, com inspiração nos estudosetnográficos, foram observados e acompanhados trêscatadores que realizavam roteiros diferenciados de

coleta em suas atividades pelas ruas da cidade, bemcomo na dinâmica de chegada e negociação da ven-da do material para o depósito. Dois deles foramacompanhados durante o dia em duas oportunida-des diferentes, e outro durante a noite.

As observações no depósito procuraram veri-ficar a organização do trabalho, da pesagem e vendados materiais coletados, do recebimento pelo materi-al, bem como as relações interpessoais estabelecidasentre os catadores e entre eles e o deposeiro. Ressal-te-se, ainda, que foram realizados contatos informaiscom catadores por ocasião das sessões de observa-ção. As observações e comentários foram anotados esistematizados no diário de campo.

No depósito, foram realizadas, também, en-trevistas semiestruturadas com outros catadores,num total de cinco entrevistas. Essas entrevistasforam gravadas (com o consentimento doscatadores) e, posteriormente, transcritas para a re-alização das análises.

Para subsidiar quantitativamente a situaçãodo catador em Fortaleza, recorreu-se ao Diagnósti-co da Situação Socioeconômica e Cultural dosCatadores de Materiais Recicláveis de Fortaleza,realizado pela Prefeitura Municipal (2006), queapresenta um perfil dos trabalhadores. É impor-tante salientar que o relatório da Prefeitura reflete arealidade dos catadores em geral, por isso seusresultados foram utilizados para demonstrar a rea-lidade ampliada do trabalho desses indivíduos.

Na análise das observações e entrevistas, fo-ram realizadas leituras flutuantes e aprofundadas dasfalas e diários de campo. Os conteúdos foram sub-metidos à separação temática para reunir as categori-as de análise, organizadas à luz de Bardin (1977), eanalisadas com suporte em um diálogo aproximadocom a literatura revisada para a pesquisa.

A RECICLAGEM COMO ALTERNATIVA AODESPERDÍCIO

A produção de lixo está intimamente asso-ciada ao forte estímulo ao consumo e à brevidadedos ciclos cada vez mais efêmeros de produção,

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consumo e desperdício. Layrargues (2002) chamaa atenção para a obsolescência planejada comoincentivadora do consumo e da produção de resí-duos, na medida em que os produtos são concebi-dos com vida útil que possibilite constante reno-vação, decorrendo em maior produção e novo con-sumo e, consequentemente, mais lixo.

A percepção de que o conjunto de ativida-des humanas é o principal fator de degradação domeio ambiente suscita as mais diversas mobiliza-ções, bem como posicionamentos diferentes emrelação ao complexo problema. Para as empresas,a proteção ao meio ambiente não pode desviar ofoco da produção e do auferimento de lucros. Aposição dos grupos empresariais e dos economis-tas, que lhes dão suporte, é de que é possível che-gar a um ponto ideal de desenvolvimento susten-tável. Assim, muito embora o meio ambiente sejacolocado em pauta, defendem seu ponto de vista,preconizando taxas de crescimento financeiro comoindicadores únicos de seus argumentos. Se, háalguns anos, muitas empresas eram recalcitrantesna adesão ao desenvolvimento sustentável, hoje,cada vez mais, percebem os benefícios financeirosda adesão a métodos produtivos ambientalmentecorretos. Tais benefícios associam a reciclagem àagregação de valor à imagem da empresa, um bemintangível, mas com repercussões financeiras re-ais (Meireles & Santos, 2008, p. 160-162).

Mesmo com o discurso da reciclagem comoalternativa de lucro para empresários, segundodados do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística - IBGE (2000), o Brasil produzia, diariamen-te, 228 mil toneladas de resíduos, porém, dessaquantidade, apenas 148 mil toneladas eramcoletadas. Desse enorme volume, somente 2,8%do lixo brasileiro chega a ser reciclado, indo 59%para os lixões.

Com efeito, as tecnologias de reciclagemavançaram sobremaneira, contribuindo para ummercado que movimenta grande volume de capi-tal. Trata-se de um processo produtivo que contacom o apoio dos fornecedores da matéria-prima,dos consumidores e produtores de resíduos. Rei-tere-se o fato de que, nesse processo, o interesse

econômico tem prioridade em detrimento do inte-resse ambiental. É aí que, muitas vezes, conformedefende Layrargues (2002), a reciclagem escamo-teia seu cinismo. Esse autor denuncia que apropalada política dos 3 Rs (reduzir, reaproveitare reciclar) só é hegemonicamente valorizada em seuterceiro aspecto, a reciclagem, relegando-se os doisprimeiros, a redução e a reutilização, a um planoinferior. Assim, a valorização da reciclagem pelosistema de produção de objetos e obsolescênciaplanejada é uma forma de absorver os elementoscompatíveis do movimento de proteção ambiental,sem abandonar – ao contrário, incrementando – alógica de produção e consumo exacerbados.

Apesar da existência de um mercado dereciclagem em pleno desenvolvimento no Brasil,movimentando altas cifras, grande parte do volu-me de material processado nas indústrias é colhi-do (casqueirado ou catado) por sujeitos que veem,nos primeiros elos da cadeia produtiva de trans-formação de resíduos, a alternativa, ainda que de-veras precária, à falta de trabalho. Segundo dadosdo Banco Mundial, estima-se que 1% da popula-ção urbana mundial sobreviva da coleta, separa-ção e venda de materiais recicláveis, seja catandonas ruas, seja fazendo triagem, ou, ainda, do tra-balho direto em lixões (Bonner, 2008). O Movi-mento Nacional de Catadores de MateriaisRecicláveis (MNCR, 2009) estima que haja cercade dois milhões de catadores no País, mas, dessetotal, apenas 200 mil fazem parte do Movimento.

PERFIL DO CATADOR DA CIDADE DE FORTA-LEZA

Segundo pesquisa da Prefeitura de Fortale-za (2006), presume-se a presença de mais de oitomil catadores de resíduos sólidos recicláveis reali-zando seus trabalhos em uma cidade que produzpor volta de três mil toneladas de lixo por dia.Esses trabalhadores organizam-se, essencialmen-te, sob duas formas: vendendo seu material paradeposeiros, donos de depósitos de sucata e mate-riais recicláveis, ou sob o modelo de associações

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ou cooperativas, em que os próprios catadores seorganizam autonomamente. Entre as formasassociativas, há movimentos de congregação degrupos de cooperados, formando redes de associ-ações (inclusive no plano continental e global), quediscutem questões acerca do trabalho desses ho-mens e mulheres, ampliando o poder de luta des-ses personagens e atuando fortemente no aumen-to da sua autoestima.

Os resultados do diagnóstico das condiçõessocioeconômicas dos catadores da Capital cearensepermitem traçar um perfil desses trabalhadores. Apesquisa, realizada por meio de questionários apli-cados a catadores nas ruas de Fortaleza, envolveu906 pessoas. Desses, 24,2% eram mulheres e75,6%, homens. A faixa etária dos entrevistadosfoi de 8 a mais de 60 anos, apresentando dois pi-cos: 27,9 % dos catadores estavam na faixa dos 18a 25 anos e 23,6%, de 31 e 40 anos. Chama a aten-ção o baixo nível de escolaridade entre os catadores:95% deles concluíram, no máximo, o ensino fun-damental, 22,6% são analfabetos e 90,9% não es-tão estudando, o que é alarmante, notadamente porse tratar de uma população jovem. Quanto à ne-cessidade de trabalhar, 68% alegaram como moti-vo o fato de terem parado de estudar. No que dizrespeito à renda familiar, 71,4% dos catadores res-ponderam que a principal renda da casa é de suaresponsabilidade. O nível de empobrecimento des-sa população de trabalhadores é ressaltado peloexpressivo percentual de 11,3% de catadores queobtêm alimento no lixo, reforçando a conclusãode que a catação surge como alternativa extrema àfalta de meios de sobrevivência.

O alto índice de catadores que dizem ter seiniciado nas atividades da catação por falta deemprego (82,8%) confirma a hipótese de que essesindivíduos, na maioria das vezes, se inserem nes-sa atividade como alternativa ao desemprego. Des-sa forma, são emblemáticas as falas dos catadoresentrevistados, demonstrando ser a atividade decatação a única opção pela falta de possibilidadede escolha de um emprego formal. Para eles, o lixoé apontado como última opção, o que difere daideia dos empresários, que priorizam o lucro, en-

quanto os trabalhadores enxergam a sobrevivênciae a inserção no mundo do trabalho, mesmo queprecariamente: “Vim pra catação porque não tinhaoutra coisa. Emprego hoje em dia não tem mais.Aí a catação foi a saída que eu encontrei pra conti-nuar vivendo, né?”, afirmou um catador do depó-sito, com 23 anos de idade.

No contexto geral dos catadores de Fortale-za, tem-se que o carrinho com o qual trabalham,geralmente, pertence ao deposeiro ou sucateiro(58,6%). Apenas 16% trabalham com carrinho pró-prio e 2,5% trabalham com carrinhos de coopera-tiva. Em relação ao comprador do material recolhi-do, 91% vendem-no para deposeiros ou sucateirose apenas 7,9% vendem-no para cooperativas ouassociações. Esses índices permitem inferir a grandedependência dos catadores para com os sucateirosou deposeiros, que lhes emprestam carrinhos eaplicam preços inferiores na compra do materialaos aplicados nas cooperativas.

A intermediação de atravessadores, comoos deposeiros, advém da necessidade de acúmulode material em uma quantidade suficiente paravender diretamente à indústria ou a atravessadoresmaiores. Assim, a relação com os deposeiros faz-se imperativa, porquanto o catador, sozinho, nãotem como juntar grande quantidade de material,além de deter pouco conhecimento dos aspectoslogísticos da cadeia de reciclagem (Medeiros &Macêdo, 2007, p. 80). Os deposeiros, portanto,estabelecem os preços e, muitas vezes, submetemo catador à sua dependência em troca do uso docarrinho, considerado, entre os catadores, um ob-jeto conferidor de status e de difícil obtenção, dadoo alto custo para o seu padrão de vida. Restaestabelecida, desta forma, uma relação autoritária,que limita a possibilidade de venda do catador paraoutros depósitos, submetendo-se aos preços e con-dições impostos pelo deposeiro. Daí é que váriosautores que diagnosticam o referido problema(Medeiros & Macêdo, 2007; Wilson et al, 2006;Medina, 2005) propõem o associativismo comoalternativa à dependência ante o deposeiro.

Indagados sobre quais são as perspectivaspessoais, 6,7% creem que continuarão catando

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materiais recicláveis; 51,9% responderam que vis-lumbram deixar a catação e exercer outra atividadelaboral. Esses dados indicam o grau de insatisfa-ção dessas pessoas com o seu trabalho degradan-te. Os números permitem delinear um perfil dacategoria, marcada pela pobreza, pela baixa escola-ridade, pela falta de opções de trabalho. São indi-víduos que desenvolvem uma atividade extenu-ante, em razão das longas distâncias e do elevadopeso transportado por tração própria e sobre osquais recai forte estigma social.

CONDIÇÕES DE TRABALHO PRECARIZADASE PRECARIZANTES

A observação direta do local de trabalho doscatadores, incluindo as rotas pela cidade, e as en-trevistas semiestruturadas permitiram refletir maisdetidamente sobre as condições de trabalho a queesses indivíduos estão submetidos, além de veri-ficar que a precarização associada à catação é pre-cedida de condições de vida já precárias. Assim, aabordagem acerca das histórias de trabalho doscatadores aponta remissões ao ingresso precoce nomundo do trabalho informal, ainda durante a in-fância ou a adolescência, que, muitas vezes, impe-diu o acesso regular aos estudos. Já no início davida, o trabalho surge como necessidade de ma-nutenção básica.

O depósito selecionado para subsidiar nos-sa reflexão situa-se num bairro de periferia de For-taleza, em terreno de 28m por 33m com um murode 3m. No interior, existe uma espécie de cômodode tijolo aparente e coberto, que o deposeiro con-sidera seu escritório. Não há banheiro, e oscatadores contam, apenas, com uma torneira noterreno, onde lavam os materiais e enchem as gar-rafas pet para beberem no percurso de coleta. Foiobservada a presença de duas mulheres, que fi-cam no depósito, auxiliando o deposeiro, mas nãose consideram catadoras. O número de catadoresvaria conforme o dia, já que não há uma constân-cia na frequência. Segundo o deposeiro, há cercade 25 catadores diariamente entregando material

reciclável e, embora não se tenha um número exa-to, pelo menos 15 são ex-detentos, que chegam lápor indicações de amigos de prisão. Percebe-se queas condições de trabalho são extremamente insa-lubres e perigosas. Diferente de outros depósitos,a higiene inexiste, não há sequer um banco paraos catadores sentarem-se, e, após rotas de, em média20 km por dia, eles têm de separar o material, pe-sar e vender ao deposeiro ao preço estimado poreste que, em razão do empréstimo do carrinho decoleta, geralmente mantém uma posição autoritá-ria suficiente para não causar reclamações.

Observa-se que esses trabalhadores já con-viveram com situações de precariedade no traba-lho anteriores à experiência na catação, refletindoimplicações diretas na inserção desses sujeitos nouniverso da catação. De acordo com Alves (2007),a precariedade já é uma condição socioestruturalcaracterística do trabalho daqueles que vendem aforça de trabalho e que estão alheios ao controledos meios de produção. Dessa forma, a precarizaçãoé um fenômeno que aprofunda ou repõe a condi-ção de precariedade do trabalhador, diluindo al-guns benefícios trabalhistas conquistados pelostrabalhadores ao longo do século XX. Em suma, oautor compreende precarização como processo eprecariedade como um estado, no contextosociometabólico do capital.

Na categoria profissional estudada, decatadores ex-presidiários, é possível notar a exis-tência de um estado de precariedade anterior ao tra-balho da catação, caracterizado pela combinação defatores – que ganha dinâmica própria em cada caso– tais como pobreza, baixa escolarização, trabalhoprecoce, experiência em trabalhos informais, parti-cipação em delitos e contravenções, prisões ou re-clusões passageiras e retorno ao trabalho. Essas ex-periências não conferem estabilidade nem propor-cionam melhor ocupação posteriormente.

Os “pequenos delitos”

Segundo alguns catadores, há um tráfico dedrogas no local, e o próprio deposeiro costuma

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pagar com crack alguns materiais coletados. Ne-nhum catador, porém, assumiu receber pagamen-to com a droga ou mesmo afirmou o vício. Essediscurso sempre se voltava para a acusação deoutrem. Mas o próprio deposeiro afirmou quemuitos catadores, após receberem pelo materialcoletado, se dirigem a um “ponto” de drogas pró-ximo ao depósito.

O fato é que as condições de insalubridadee periculosidade extremas, bem como a relaçãoconflituosa com o patrão/deposeiro, testemunhamum estado de precarização exacerbado nesse am-biente, que contribui, negativamente, para umareinserção social e profissional dos trabalhadores.Nesse depósito, reproduzem-se a conflitualidadee a violência na organização do trabalho, de modoque as práticas gerenciais de desmando eautoritarismo nada contribuem para a constitui-ção de uma identidade positiva de trabalhador. Daí,possivelmente, a constatação de que é recorrente a“recaída” - termo utilizado para demonstrar peque-nos golpes que os catadores costumam praticar emtranseuntes ou residências, quando têm chance defazê-lo. Essas ações provam que essa atividade emcenário degradante nada pode contribuir para aformação de um “novo” trabalhador.

A reinserção social pelo trabalho

Por todas as sujeições aos desmandos dodeposeiro, a catação de materiais recicláveis é pos-ta por alguns entrevistados como última opção,após todas as buscas por trabalho, no contexto da“nova morfologia do trabalho” (Antunes, 2005).Neste contexto, se a vida, desde o início, não favo-rece um estudo de qualidade, se a necessidade desobrevivência é um impedimento para dedicaçãoexclusiva aos estudos, se a precariedade das con-dições de vida insiste em diminuir a qualificação,o ânimo e, sobretudo, o acesso à formação e a em-pregos de qualidade, só resta se concordar com ocatador entrevistado, quando desabafou: “Eu so-nhava em ser alguém na vida, né. Em ser um bom-beiro, um doutor... mas não tive chance, fazer o

quê né!?” (Catador, 38 anos). Mesmo consideran-do o sonho parte da existência, sua realização en-volve fatores que nem sempre dependem da tei-mosia das pessoas em realizá-los.

De fato, a catação surge na exiguidade dealternativas. Assim, o que se pode observar é aretroalimentação de um ciclo que se inicia em umestado de precariedade corrente e que, com o tra-balho de catação, é acentuado por estar associadoa uma atividade que, por sua vez, aumenta aindamais a precariedade. É obvio que não se pode ge-neralizar a situação a todos os catadores, trata-sede uma tipificação ideal. Destarte, pode-se tipificara catação como atividade mediadora entre dois es-tados de precariedade a ela associados e que temcaracterísticas que transpõem o aspecto material.

As falas dos catadores entrevistados corro-boram os dados do diagnóstico da Prefeitura deFortaleza (2006) acerca da necessidade de sobrevi-vência como motivação imediata para o início naatividade de catação, dentro de um contexto devida marcado por uma trajetória instável. A preca-riedade da vida os levou a cometer delitos e, porconseguinte, a serem expurgados do meio social.Na cadeia, são tratados como dejetos humanos emprocesso de ‘reciclagem’; ao saírem, não lhes sãoofertadas políticas eficientes que possibilitem ainclusão tanto no mercado quanto na vida social.

Nesta pesquisa e na realizada pela Prefeitu-ra, foram citados fatores motivacionais imediatos deingresso na atividade de catação como a inexistênciade patrão, a flexibilidade da jornada de trabalho e aliberdade decorrente dessas características. Todavia,estes se afiguram como fatores secundários, nãonarrados pelos catadores como um ato motor inici-al, senão como uma vantagem posteriormente des-coberta. Há, portanto, que ser salientado que, nacondição de ex-presidiários, a busca pela catação éuma alternativa importante, também, pela possibi-lidade de ganho de dinheiro sem a burocracia de-corrente de um emprego formal, nos quais, muitasvezes, eles são barrados antes de assinarem a cartei-ra de trabalho por terem sido ex-detentos.

Apesar das vantagens citadas pelos catadores,eles narram, também, como desvantagem, a

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propalada liberdade conferida pelo fato de nãohaver figura assemelhada a um patrão: “Mas é as-sim, se trabalhar ganha, se não trabalhar tambémnão ganha, né. Isso é uma desvantagem porque ocara trabalhar tendo aquele ganho certo é melhor”(Catador, 32 anos). A flexibilidade resultante docaráter autônomo do trabalho é também objeto dereflexão de Sousa & Mendes (2006, p. 33), paraquem “[...] essa flexibilidade tem um efeito perver-so – a autoimposição de longas e extenuantes car-gas de trabalho, num esforço dos trabalhadores paraaumentarem a renda auferida”.

É de se notar que as principais dificulda-des apontadas estão relacionadas ao tratamentodado pela sociedade ao trabalhador da catação, àincerteza no ganho e à dificuldade, cada vez mai-or, de obtenção do material, segundo os catadores.Somam-se, ainda, a crescente percepção do poten-cial lucrativo do lixo, que aumenta com a concor-rência, além do cansaço e pelos longos percursosfeitos na atividade: “A desvantagem da catação éporque tem dia que não tem né. Às vezes o cabraanda, anda e não acha nada, aí vem embora semnada” (Catador, 53 anos).

A expressão do desejo de exercer outra ati-vidade e incluir nas perspectivas o exercício deatividade diversa da catação – desejo também en-dereçado aos filhos – soma-se ao caráter de esco-lha da catação, reforçando a configuração da pre-cariedade a ela associada, na medida em que reite-ra a ideia de que a satisfação com o trabalhoremanesce desde que não haja outra forma de ga-rantir o sustento: “Eu gostaria de fazer outra coisa,né. […] A chance que Deus me desse, um empre-go mais digno, que todos nós sonha” (Catador, 35anos). “Eu espero que meus filhos não caiam nes-sa sorte de na minha idade, ter um trabalho desse.Eu espero que eles tenham um bom futuro na vida,um bom emprego. Porque isso aqui, num dá pragente ir pra frente não, dá só pra quebrar o galho,pra frente dá não” (Catadora, 44 anos).

Dentre os fatores que dificultam a realizaçãodos desejos de exercer outra atividade, é possívelnotar que são da mesma natureza daqueles que oslevaram a entrar no universo da catação, o que

denota uma perenidade da precariedade pretéritaao trabalho e seu exacerbamento no ofício decatador. Vê-se, portanto, que o trabalho da cataçãonão sanou os mesmos problemas que dificultarama entrada no mercado de trabalho, e que o cicloexplicitado termina, de fato, por se retroalimentarem um ciclo de precariedade: precariedade da vidapretérita – precarização do trabalho – precariedadeda vida atual.

Ações de preconceito e solidariedade

A tentativa de reinserção social pelo traba-lho de catar lixo confere ao trabalhador um estig-ma (Goffman, 1982) vinculado ao produto de suasobrevivência, o que tem sido unânime entre asqueixas dos entrevistados. Produto do descarte,destinado à inutilidade, associado à sujeira, aosexpurgos da sociedade de consumo, torna-se sig-no que se integra ao catador como se ele possuíssecaracterísticas semelhantes. Indubitavelmente,outros elementos simbólicos, como a tração hu-mana para puxar os pesados carrinhos por léguasa fio – que faz lembrar tração animal – as roupasvelhas, as mãos sujas, a pele marcada pela pobre-za de quem precisou recorrer ao lixo para sobrevi-ver, ajudam a compor um quadro sobre o trabalhode catação que repercute diretamente na identida-de de trabalhadores e de seres humanos. Assim, aprecariedade da situação em que o catador desen-volve o trabalho de catação interfere, inclusive, naimagem que ele faz de si: “Tem gente que passapela gente “bora, burro, puxa a carroça!” Desse jei-to, né, dentro dum carrozão importado” (Catador,32 anos). Essa situação reforça a construção de umaidentidade negativa de trabalhador, pois nem ooutro nem o próprio indivíduo conseguem verpositividade na tarefa de catar lixo.

As principais representações do preconcei-to sofrido pelos catadores associam o trabalho decatação à criminalidade e à sujeira nas ruas da ci-dade, além da aparência de miséria que suasvestimentas denotam. São os catadores considera-dos responsáveis por rasgarem os sacos dispostos

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para o serviço de coleta de lixo. Há casos em que aação de rasgar sacos é proposital, após sofreremalgum tipo de repreensão pejorativa. Não obstanteas queixas, na maioria das vezes, falta ao catador aconsciência de que deveriam utilizar uma sistemá-tica de abrir e fechar os sacos para evitar o aumen-to da sujeira, doenças, proliferação de insetos etc.

Apesar do preconceito, os catadores tam-bém contam com a solidariedade durante suas jor-nadas de trabalho. Assim, há quem receba comi-da, objetos de uso pessoal ou doméstico. Os ges-tos de solidariedade, aos quais os catadores, mui-tas vezes, atribuem ser fruto da sorte ou da bençãodivina, são narrados em paralelo aos casos de pre-conceito, como que atribuindo a eles uma formade compensação. “Tem gente muito boa, cara! Épor isso que eu disse que no meio dos ruins agente tira os bons... Compensa” (Catador, 35 anos).

Malgrado todo o estigma sentido no cotidi-ano de trabalho pelos catadores, muitos estudio-sos da temática apontam para sua importância comoagentes ambientais e responsáveis pela coleta deboa parte do lixo urbano (Medina, 2005; Abreu,2001). Os próprios catadores, sobretudo aquelesque têm a oportunidade de participar de debatesacerca do seu trabalho, notadamente os vincula-dos a associações, salientam a relevância da cataçãopara além da satisfação de suas necessidades pes-soais, ressaltando a importância ambiental da ati-vidade e a contribuição para a gestão de resíduossólidos urbanos. Nesses casos, na tentativa de pre-servarem uma identidade, eles próprios se dife-renciam: “Nós não somos ‘lixeiros’, somoscatadores”, afirmou um catador de uma associa-ção. Os catadores do depósito do bairro TancredoNeves, porém, não se veem como agentesambientais e sequer cogitam essa qualificação. Paraeles, a importância dessa atividade se restringe,apenas, a permitir sobreviverem com o que ganhamdiariamente e recomeçarem suas vidas.

O viés atribuído à relevância socioambientalnão condiz com a precariedade do ofício e com aforma como seu trabalho é socialmente percebido.Daí que muitos autores (Magera, 2004; Layrargues,2002; Medeiros & Macêdo, 2007) assumem uma

posição mais crítica, questionando essa forma deinclusão que confere um status de importância aotrabalhador do lixo. Assim, Medeiros & Macêdo(2007) convidam a refletir sobre a qualidade dainclusão que está sendo proporcionada a essessujeitos que entraram no mercado de trabalho porvias oblíquas, ou seja, por meio de uma atividadelaboral que não lhes assegura direitos sociais bási-cos. Por isso, as autoras acentuam que “[...] ocatador de materiais recicláveis é incluído ao terum trabalho, mas excluído pelo tipo de trabalhoque realiza” (Medeiros & Macêdo, 2007, p. 82).

Berger e Lukmann (2002) propõem que aidentidade pode se referir à inserção do sujeito nomundo e à sua relação com o outro, sem perder devista, porém, o caráter dinâmico e múltiplo que aidentidade apresenta, na medida em que não só omundo do trabalho, mas, também, os indivíduosse transformam mediante as condições materiais ehistóricas dadas (Ciampa, 1998; Santos, 2000). ParaSantos (2000), somos um amálgama de sujeitosque se combinam em várias subjetividades, combase em múltiplas circunstâncias pessoais e cole-tivas. Portanto, ser catador pode ser, apenas, umadas únicas opções de (re)inserção desses sujeitosno mundo, na perspectiva de retomar a relaçãocom o outro com suporte em um trabalhoprecarizante e, sobretudo, estigmatizante.

TRABALHO E IDENTIDADE

A despeito da crítica sobre a centralidadedo trabalho, realçada por Lafargue (1999), Schaff(1995) e Kurtz (1992), entre outros pensadores,acredita-se no caráter fundante do trabalho na vidade cada um, como exposto em Marx (1980) e seusseguidores. Nessa perspectiva, o trabalho conti-nua sendo uma categoria importante na constru-ção da identidade social dos indivíduos, na medi-da em que, atuando sobre as coisas, atua tambémsobre si. De fato, o pensador alemão inaugurou adiscussão científica do trabalho para além de suaconcretude imediata, inscrevendo-o como um meiode construção de um componente sui generis en-

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tre os seres sociais: a dignidade. O trabalho nãoalimenta só o corpo, de maneira material e indivi-dual, mas é uma forma de buscar a inserção dosujeito como ser social.

Nessa perspectiva, Weber (2005, p. 133) res-salta que “[...] a visão do trabalho como vocaçãotornou-se característica do trabalhador moderno”.O trabalho, portanto, inscreve o sujeito no mundoe o grava em um lugar social. Pode-se ir além, ale-gando que o trabalho significa para o trabalhadoruma forma de afirmar sua identidade por meio deatribuições individuais referentes à realização datarefa. Essa característica, ressaltada por Forrester(1997), atribui ao trabalho um caráter estruturanteno capitalismo contemporâneo. Além disso, nãoseria exagero estabelecer a noção de habitus docatador no sentido a que se refere Bourdieu (2006).

Esses argumentos se aplicam a diferentescategorias profissionais, mas cabem perfeitamentena categoria em estudo aqui, os catadores de mate-riais recicláveis, quando se constata a importânciado trabalho que ultrapassa um meio de sobrevi-vência, considerando-o, também, como atividadesubscritora de sua cidadania. Nesse sentido, to-mando a acepção de cidadania pensada por Arendt(1995, p. 22), tem-se que, na sociedade contempo-rânea, o trabalho assegura a inserção do sujeitoque trabalha num estado de albergue jurídico –ainda que somente potencial – haja vista que suareferida centralidade no mundo social lhe conferecaráter de pedra angular no construto social quegarante o “direito a ter direitos”. Para a autora, aimportância do Homo Faber no mundo contempo-râneo leva à valorização do papel de trabalhadorna constituição do “ser”.

Tem, pois, o trabalho um caráter fundamen-tal para o acesso à cidadania, que se contrapõe aoefeito marginalizante do ócio e da desocupação –muitas vezes forçados. Na fala dos catadores, épossível constatar a frequência dessa alusão: “Euprefiro tá aqui, catando lixo, do que tá vagabun-dando ou roubando. Porque isso aqui é um traba-lho!” (Catador, 38 anos). Reforçando a observaçãodo catador, cumpre salientar que o ócio já é, de hámuito, reprimido, inclusive com prescrições de

severas cominações para os infratores dessa con-duta, e, ainda hoje, a vadiagem é considerada umilícito no Brasil.

A despeito de todo o realce em torno dotrabalho como um valor social, ele é bastante desa-fiado pelas dúvidas expressas pela “modernidadelíquida” (Bauman, 2001), notadamente as que põemem xeque a segurança das ocupações laborais e acerteza da solidez de uma carreira profissional.Bauman (2001) reflete sobre o atual momento dasociedade, marcado por demissões em massa, re-dução de postos de trabalho e, por consequência,produção de refugo humano. Para o autor, esserefugo não é fruto do desemprego na forma comose compreendia, tendo em vista que, anteriormen-te, o desempregado cumpria a função de comporos exércitos industriais de reserva e, agora, a deso-cupação forçada tende a não oferecer perspectivas.De tal maneira, ressalta, “[...] os desempregadosda sociedade de produtores (incluindo aquelestemporariamente ́ afastados da linha de produção´)eram desgraçados e miseráveis, mas seu lugar nasociedade era seguro e inquestionável”. (Bauman,2001, p. 22).

A sociedade contemporânea assiste a trans-formações na natureza do trabalho que refletem amodernidade líquida que se instalou na socieda-de atual. Na verdade, as certezas nas quais a soci-edade se apoiava já não podem ser asseguradasnessa nova era. Se uma boa formação garantia umaboa ocupação, o atual momento aponta para umquestionamento estrutural do modelo deempregabilidade engendrado ao longo do séculoXX. De fato, independentemente do grau de de-senvolvimento dos países, percebe-se que a crisedo trabalho no mundo capitalista se alastra feroz-mente, derrubando os postos de trabalho e estabe-lecendo novas relações entre capital e trabalho,reforçando a vigência de uma sociedade do de-semprego estrutural (Antunes, 2005).

No Brasil dos últimos anos, o emprego for-mal cresceu de modo surpreendente, e o País apontapara bons índices de crescimento, registrando 44milhões de empregos formais em 2010, o maiornível da história. Só nesse ano, foram gerados 2,860

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milhões de vagas com carteira assinada, apresen-tando um crescimento de 7% em relação a 2009;no entanto, parece que a informalidade cresceu nomesmo passo. As crises mundiais interferem deforma contundente no mercado de trabalho, e odesemprego, a rotatividade e precarização consti-tuem o fantasma para muitos trabalhadores que,desde os anos 1970, conhecem e provam a ruptu-ra do paradigma produtivo fordista que deu lugarao que Harvey (2006) chamou de acumulação fle-xível. No âmbito dessa reorganização produtiva, háa implantação de um sistema político e ideológicode retirada do Estado da execução e guarda de suasfunções sociais, um claro retorno, agora com maiorênfase do que outrora, a uma era de prevalência dolivre mercado em detrimento dos sujeitos. Talreestruturação tem provocado a intensificação dainformalidade e o aprofundamento da precarizaçãodas relações de trabalho (Alves, 2007).

Todo esse contexto parece justificar osurgimento de novas (ou nem tanto) formas de tra-balho precário como modo de sobrevivência paradesfiliados do mercado formal de trabalho. Assimé que muitos indivíduos se veem sem escolha en-tre não ter trabalho (o que significa não ter ummeio de subsistência) e exercer um trabalho precá-rio. Nesses casos, em que os catadores de lixo sãoexemplos, a necessidade de sobreviver fala maisalto do que o leque de benefícios que um trabalhoformal poderia oferecer, principalmente entre osex-detentos, para os quais a opção de uma ocupa-ção formal é praticamente nula.

A atividade do catador vai além dasespecificidades da economia informal, por lidarcom o produto expurgado pela sociedade e, porisso, identificado pelos sujeitos da pesquisa comosemelhantes a sua recente condição de ex-detentos.Ainda assim, o desenvolvimento dessa atividade,que lida com o refugo da sociedade, pode contri-buir para a ressocialização, sobretudo porque háidentificação com o produto que trabalham. De fato,Jaques (1996), ao referir que as estruturas socioló-gicas influenciam as representações que os indiví-duos fazem de si, como representação do eu, res-salta a associação do prestígio ou desprestigio so-

cial à qualificação e/ou desqualificação do eu a partirdas especificidades próprias de alguns espaços detrabalho e/ou categorias profissionais.

Ao mesmo tempo que essa característica érealçada, presencia-se uma extrema precarizaçãodessa atividade. A precarização observada no tra-balho de catação e no ambiente de trabalho permi-te defrontar-se com uma atividade laboral que vio-lenta a reconstituição do eu trabalhador pela sub-sistência com base no que já foi refugado pela so-ciedade. Nessa perspectiva, a reconstrução de umaidentidade no trabalho, na concepção deSainsaulieu (1977), está intrinsecamente relacio-nada à ligação do indivíduo com os outros e aoreconhecimento que ele tem nessa relação. Ora,mediante condições desumanamente precárias detrabalho, em que a relação com o deposeiro épermeada pelo autoritarismo e exploração, e as re-lações com os colegas de trabalho e população emgeral são de indiferença e preconceito, a inclusãodesses trabalhadores no mundo do trabalho tendea se refletir na sua identidade de trabalhador, comtraços de sujeição, precariedade e preconceito, nolugar de reconhecimento e estímulo para melhoriade vida pelo trabalho; é submeter-se à precarização,estando já no limite máximo de precariedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As informações obtidas por meio das ob-servações e entrevistas com os catadores levam aconcluir que as motivações imediatas para o iníciodeste trabalho se referem à necessidade de manu-tenção material da vida, mas percebe-se que a es-colha da atividade de coleta de resíduos sólidos sedá, principalmente, pela dificuldade de inclusãono mercado formal. Os ex-presidiários informamuns aos outros da possibilidade de ganho com essaatividade que não apresenta dificuldade de inser-ção. Em razão, porém, dessa inflexão, será possí-vel criar estratégias (materiais e simbólicas) capa-zes de fazer frente à precarização da catação e seusefeitos na vida desses catadores? Os resultadosobtidos apontam para a construção subjetiva de

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uma identidade de trabalhador tal como a ideiade, pelo menos, poder subsistir, sem ter que rou-bar, por meio do trabalho. Mesmo se constituindoem uma estratégia defensiva de mediação ante aprecariedade da vida, é um indício de construçãode uma identidade. Para isso, no entanto, os traba-lhadores se submetem a condições e organizaçãode trabalho bastante precárias, como se fosse úni-ca alternativa de (re)inserção social.

Por outro lado, Meireles (2009) observa que,embora trabalhem em condições precárias, oscatadores associados gozam de melhores condiçõesde trabalho. Essas melhores condições podem serpercebidas na infraestrutura de cunho material,evidenciadas pelo melhor asseio no depósito per-tencente às associações, pela existência de instala-ções sanitárias (inexistentes no depósito visitado),eletrodomésticos em bom estado que permitempreparar refeições, locais para descanso, sala dereuniões, bem como existência de parcerias quegarantem o aporte de grande volume de materialsem que seja necessária a saída do catador. Há,também, uma série de diferenças que propiciamuma melhoria nas condições de trabalho na Asso-ciação, como participação em instâncias de dis-cussão sobre os problemas ligados à atividade –além de amplas temáticas relacionadas à pauta deatuação de vários movimentos sociais – formaçãode lideranças, conscientização política, maior au-tonomia no que tange ao processo produtivo dotrabalho, laços grupais mais sólidos, de forma queos catadores representam a atividade não como umprocesso somente individual, mas inserida no con-texto social de que fazem parte, propiciando maiorconscientização a respeito do trabalho que reali-zam, que ganha contornos de motivações para alémdaquelas imediatas que levaram os trabalhadorespara esse tipo de atividade. A isto o autor chamade “desprecarização simbólica”, incluindo aí amudança de catador para “agente ambiental”.

Assim, uma política que, possivelmente,proporcionaria melhorar as condições de trabalhoe de vida dos catadores seria a instituição e o acom-panhamento de associações e cooperativas dessestrabalhadores.

Dentro dessa mesma perspectiva, compre-ende-se que a coleta de lixo deveria ser regulariza-da pelos governos locais, evitando a exploraçãoindevida dos donos de depósitos avulsos, queoperam de modo a desconsiderar a história de cadatrabalhador, assumindo uma posição bastante au-toritária, e que se aproveitam da vulnerabilidadeda condição de ex-presidiário para contratação defurtos a transeuntes, incentivo ao tráfico de drogase arbitramento dos valores pagos pelo material co-letado, anulando qualquer possibilidade de barga-nha e de autonomia dos trabalhadores, e, muitasvezes, pagando com a própria droga. Se um traba-lhador que não teve a experiência de carceragem serevolta frequentemente com os desmandos que ocor-rem nas instituições, o que dizer de ex- presidiáriosque estão tentando se reinserir mediante uma situa-ção de extrema precarização? Ouvindo a todo instan-te o argumento de que, depois de terem sido presos,não conseguirão emprego decente, respondem a essaretórica com “recaídas” que se traduzem em peque-nos furtos para aumento dos seus ganhos.

Assim, uma política séria de reinserção deex-presidiários, especificamente no trabalho decatação de lixo, deve incluir: a organização doscatadores em grupos de produção; a fiscalizaçãodos depósitos avulsos, exigindo-se condições ne-cessárias ao desempenho do trabalho; os proces-sos de qualificação desses catadores no que se re-fere à forma de coletar, evitando sujar as ruas, aomesmo tempo em que são imprescindíveis as cam-panhas de coleta seletiva de lixo para a populaçãode modo geral, permitindo o reconhecimento domaterial exposto para coleta pelo catador, sem anecessidade de rasgarem os sacos para selecionaro que interessa coletar.

São estas, portanto, iniciativas que servempara se contrapor à precarização, caracterizadas poratuar não apenas no cenário concreto daprecarização, destacando-se os fatores dereconstituição da identidade desses sujeitosprecarizados como trabalhadores com base noautorreconhecimento da importância do trabalhodesempenhado, da inserção em grupos organiza-dos de formação social e política, que repercutem

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materialmente na vida dos agentes. Isso poderiafavorecer a autoestima e reforçar o processo dedesprecarização simbólica.

O trabalho é mais do que uma forma de sa-tisfação das necessidades materiais, sendo, ainda,responsável pela inscrição do sujeito em um lugarsocial. Conferir, porém, ao sujeito um lugar socialestigmatizado é marcá-lo do estigma atribuído aoseu trabalho. É a ligação do trabalho a valores comoa defesa do meio ambiente, ora em voga, que per-mite mitigar o estigma (Goffman, 1982). Mais doque a autonomia limitada à barganha de preço, aorganização dos catadores, além da interlocuçãode experiências por meio de movimentos em nívellocal, nacional e global, permite aos catadores umaautonomia da representação que a sociedade cons-trói sobre o seu trabalho.

Conferir um sentido ao trabalho, além docontido nas motivações primeiras e contingenciais,enseja uma relevante ressignificação dele, que atuaminimizando os efeitos desgastantes desse mes-mo trabalho. Assim, a atividade passa a serincrementada com um novo sentido, que culminaem um maior reconhecimento social. Dejours(1999) assevera que o reconhecimento do indiví-duo e de seu trabalho em âmbito social é relevantepara a transformação do sofrimento do trabalhoem prazer pelo desempenho do ofício, embora oprocesso nunca se finalize.

Recebido para publicação em 19 de abril de 2012Aceito em 05 de outubro de 2012

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João Bosco Feitosa dos Santos – Doutor em Sociologia. Professor adjunto da Universidade Estadual do Ceará– UECE – no curso de Ciências Sociais e no Mestrado de Políticas Públicas e Sociedade. Coordena a EstaçãoObservatório de Recursos Humanos em Saúde CETREDE/UFC/UECE onde desenvolve projetos na área demercado de trabalho em saúde. Atua principalmente nos seguintes temas: Mundo do Trabalho, RelaçãoTrabalho e Saúde, Globalização e Reestruturação Produtiva, Economia Solidaria, Precarização do Trabalho,Pobreza e Consumo. Publicações recentes: Por uma produção sociológica: entre a Narrativa Histórica e oSaber Racional. Revista de Ciências Sociais (UFC), v. 2, p. 52, 2012; Trajetória de políticas habitacionais em

cenários de desigualdade. O Público e o Privado (UECE), v. 17, p. 25-38, 2011.Regina Heloisa Mattei de Oliveira Maciel – Doutora em Psicologia Experimental. Professora titular daUniversidade de Fortaleza e adjunta da Universidade Estadual do Ceará. Experiência principalmente nostemas: ergonomia, condições de trabalho e saúde do trabalhador. Principais publicações: Afastamentos por

transtornos mentais entre professores da rede pública do estado do Ceará. O Público e o Privado (UECE), v.19, p. 167-178, 2012; Multiplicidade de vínculos de médicos no Estado do Ceará. Revista de Saúde Pública,São Paulo: USP, v. 44, p. 950-956, 2010; Ports modernization and its influence on trade unions. Work (Reading,MA), v. 41, p. 5775-5777, 2012.Tereza Glaucia Rocha Matos – Doutora em Psicologia. Professora na graduação e no programa de pós-graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza. Atua na área de Psicologia Social e do Trabalho.Participa do Laboratório de Estudos sobre o Trabalho - LET. Os estudos estão direcionados para a produção dasubjetividade, trabalho, escolha profissional, identidade, carreira e saúde. Publicações recentes: Catadores

de material reciclável e identidade social: uma visao a partir da pertença grupal. Interação em Psicologia(Online), v. 16, p. 239-247, 2012; Precariedade do trabalho e da vida de catadores de reciclaveis emFortaleza-Ce. Arquivos Brasileiros de Psicologia (UFRJ. 2003), v. 63, p. 85-99, 2011.

EX-COM TRASH PICKERS CREATE A NEWWORKER IDENTITY

João Bosco Feitosa dos SantosRegina Heloisa Mattei de Oliveira Maciel

Tereza Glaucia Rocha Matos

The goal of this paper is to reflect on andunderstand how ex-con trash pickers in the cityof Fortaleza established a new worker identitythrough socially stigmatized unstable employment.Both bibliographical-documentary research and anethnographical inspiration study were carried out,using direct observation and semi-structuredinterviews as tools. The results indicate unstableworking conditions and conflicts with the“deposeiros” (recycling center owners), who exploitthe trash pickers in every way possible. Peopleregard these workers as dangerous, dirty bums,and their working and living conditions are riddledwith exploitation, conflict and prejudice. Thenarratives of these recycled people for justice reveala strong identity with the refuse that they collect.In their quest for reentry to society andreconstruction of identity, some of them admittedto illicit practices or recidivism, therebydemonstrating the fragility of the system, whichattempts to recycle them and include them in aprecarious manner.

KEY WORDS: Work. Identity. Instability. TrashPickers. Ex-Cons.

RECONQUÊTE D’UNE IDENTITÉ DETRAVAILLEUR PAR D’ANCIENS DETENUS

QUI FAISAIENT LES POUBLELLES

João Bosco Feitosa dos SantosRegina Heloisa Mattei de Oliveira Maciel

Tereza Glaucia Rocha Matos L’objectif de ce travail est de mener une

réflexion qui permette de comprendre commentles personnes qui font les poubelles, ex-prisonniersde Fortaleza, retrouvent une identité de travailleursen se basant sur une activité précarisée etstigmatisante socialement. Une recherchebibliographique et documentaire ainsi qu’une étuded’inspiration ethnographique par l’observationdirecte et par des interviews semi-structurées a étéréalisée. Les résultats indiquent des conditionsprécaires de travail et des conflits avec lespropriétaires de dépôts qui exploitent les personnesqui font les poubelles à tous les niveaux. Perçu parla population comme des marginaux, dangereux etsales, leurs conditions de travail et de vie sontmarquées par l’exploitation, les conflits et lespréjugés. Les narrations de ces recyclés par la justicemontrent une forte identification avec les déchetsqu’ils ramassent. A la recherche d’une réinsertionsociale et de la reconstruction d’une identité, certainsadmettent pratiquer des actes illicites ou faire desrechutes, signes d’une fragilité du système qui essaiede les recycler et de les insérer de manière précaire.

MOTS-CLÉS: Travail. Identité. Précarité. Personnesqui font les poubelles. Ex-détenus.