15
II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013 RECONSTRUINDO A CIDADE SAGRADA: IDEOLOGIAS, ALIANÇAS, CONFLITOS E IMPOSIÇÕES NO PROCESSO DE SACRALIZAÇÃO DE OURO PRETO (1933 - 1967) ANDRADE, BERNARDO A. B. Escola de Arquitetura da UFMG Mestrando em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável Rua Coronel Serafim, nº 228-1, Antônio Dias, Ouro Preto/MG, CEP 35400-000 [email protected] RESUMO Este artigo apresenta parte das considerações levantadas até o momento pelo autor no desenvolvimento de sua dissertação de mestrado. O estudo tem como foco o processo de “sacralização” da cidade de Ouro Preto durante o período que vai da sua elevação a Monumento Nacional, em 1933, até os anos finais da chamada “fase heroica” do SPHAN (1937-1967). Nesse sentido, busca-se aqui discutir ideologias, alianças, disputas e imposições que compuseram esse processo, em especial a conturbada relação entre os sujeitos locais e os órgãos de preservação. Visto inicialmente com otimismo por esses sugeitos, que vislumbravam a possibilidade de recuperação econômica e modernização da cidade, logo surgiriam as primeiras contendas com o “Patrimônio”, agravadas com o tempo. No campo da reconfiguração da cidade, a demolição/modificação de exemplares e a idealização dos espaços urbanos visava cristalizar uma imagem de Ouro Preto colonial, ao mesmo tempo em que solapava a memória social desses locais. A pouca abertura à participação dos moradores, a subjetividade dos critérios adotados pelo SPHAN e a sua postura frente ao crescimento da cidade a partir dos anos 1940, muitas vezes o colocaram em conflito com os interesses e expectativas da realidade local, gerando certos ressentimentos que, apesar dos avanços, ainda persistem na atualidade. Palavras-chave: Nacionalismo. Políticas de Preservação. SPHAN. Ouro Preto

RECONSTRUINDO A CIDADE SAGRADA: IDEOLOGIAS, … II Coninter/artigos/424.pdf · Já a partir dos anos 1860, a manutenção da decadente e “arcaica” Ouro Preto como capital provoca

  • Upload
    vuduong

  • View
    217

  • Download
    1

Embed Size (px)

Citation preview

II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013

RECONSTRUINDO A CIDADE SAGRADA: IDEOLOGIAS, ALIANÇAS, CONFLITOS E IMPOSIÇÕES NO PROCESSO DE SACRALIZAÇÃO

DE OURO PRETO (1933 - 1967)

ANDRADE, BERNARDO A. B.

Escola de Arquitetura da UFMG Mestrando em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável

Rua Coronel Serafim, nº 228-1, Antônio Dias, Ouro Preto/MG, CEP 35400-000 [email protected]

RESUMO Este artigo apresenta parte das considerações levantadas até o momento pelo autor no desenvolvimento de sua dissertação de mestrado. O estudo tem como foco o processo de “sacralização” da cidade de Ouro Preto durante o período que vai da sua elevação a Monumento Nacional, em 1933, até os anos finais da chamada “fase heroica” do SPHAN (1937-1967). Nesse sentido, busca-se aqui discutir ideologias, alianças, disputas e imposições que compuseram esse processo, em especial a conturbada relação entre os sujeitos locais e os órgãos de preservação. Visto inicialmente com otimismo por esses sugeitos, que vislumbravam a possibilidade de recuperação econômica e modernização da cidade, logo surgiriam as primeiras contendas com o “Patrimônio”, agravadas com o tempo. No campo da reconfiguração da cidade, a demolição/modificação de exemplares e a idealização dos espaços urbanos visava cristalizar uma imagem de Ouro Preto colonial, ao mesmo tempo em que solapava a memória social desses locais. A pouca abertura à participação dos moradores, a subjetividade dos critérios adotados pelo SPHAN e a sua postura frente ao crescimento da cidade a partir dos anos 1940, muitas vezes o colocaram em conflito com os interesses e expectativas da realidade local, gerando certos ressentimentos que, apesar dos avanços, ainda persistem na atualidade.

Palavras-chave: Nacionalismo. Políticas de Preservação. SPHAN. Ouro Preto

1. INTRODUÇÃO

A cidade de Ouro Preto é, certamente, uma das mais famosas e estudadas do Brasil,

principalmente quando o tema é patrimônio cultural. Meu envolvimento nessa temática vem

de longa data, uma vez que sou nascido e criado nesta cidade e me graduei em História pelo

Instituto de Ciências Humanas e Sociais-Universidade Federal de Ouro Preto.

Desde essa época, passei a ter um interesse especial pelo estudo do processo de

“sacralização” desse território levado a cabo pelos diferentes projetos nacionalistas. Iniciado

no Império e remodelado na República, esse movimento teve seu auge durante o Estado

Novo (1937-1945), quando a questão da Memória Nacional passa a ser tratada efetivamente

como política pública. Ouro Preto, por sua própria história e situação econômica, torna-se um

dos principais laboratórios para o desenvolvimento das políticas de preservação, muitas das

quais ainda vigentes na atualidade.

Foi num trabalho paralelo, realizado durante minha pós-graduação em História da Cultura

e da Arte pela FAFICH-UFMG, em 2009, que tive contatos mais aprofundados com o Arquivo

Permanente da 13ª Superintendência Regional do IPHAN, em Belo Horizonte. Nessa ocasião,

integrei a equipe responsável pelo levantamento, organização, sistematização, restauração e

acondicionamento deste arquivo.

O contato com este vasto acervo, ainda pouco conhecido, me proporcionou diversas

descobertas sobre a cidade e as políticas de preservação ali desenvolvidas. Ao mesmo

tempo, também me chamou a atenção o caráter autoritário de algumas dessas ações, além da

pouca menção aos interesses e discursos dos agentes locais1 envolvidos no processo de

construção da cidade após 1933, quando ela é decretada Monumento Nacional.

Revendo a bibliografia já levantada sobre o tema em outras pesquisas que realizei e

analisando algumas produções mais recentes, notei que muitos pesquisadores têm se

ocupado em estudar o papel de Ouro Preto dentro da ideologia nacionalista republicana.

Especialmente a influência que as ações ali desenvolvidas tiveram no processo de construção

tanto das políticas públicas de preservação quanto da arquitetura no Brasil.

No entanto, a maior parte desses trabalhos possui um caráter um tanto apologético,

abordando a temática sob o ponto de vista dos órgãos federais, suas ações e conceitos.

Mesmo quando alcançam um bom nível crítico, como os que buscam desconstruir mitos

dessa temática, esses estudos não chegam a explorar as particularidades e visões de outros

sujeitos sociais envolvidos nos processos de preservação e construção das cidades

históricas. Muito menos dão conta dos discursos alternativos construídos pelos agentes locais

1 Para facilitar a exposição das ideias neste artigo, sempre que essa expressão, assim como a de sujeitos locais, for utilizada refiro-me ao conjunto de atores da cidade, quais sejam Prefeitura, Câmara, Paróquias, associações leigas, institutos, partidos políticos, gestores e moradores, além de outros, responsáveis pela construção do espaço urbano, social e político de Ouro Preto. Quando necessário esses atores serão citados separadamente.

sobre questões como preservação, memória, desenvolvimento, transformações urbanas e

progresso nessas cidades.

No caso de Ouro Preto, apesar de muitos estudos mencionarem a relativa “exclusão”

desses agentes do processo de monumentalização da cidade, poucos aprofundam essa

análise. Além disso, deixam escapar a visão do processo sob a ótica dos sujeitos locais, suas

ações e reações a ele.

Afinal, como a população e os órgãos públicos e privados locais reagiram ao processo de

sacralização da cidade? De que maneira foram construídos no ideário social as visões e

representações associadas à recuperação econômica, ao progresso, à tradição, à

modernidade, ao patrimônio e à preservação em Ouro Preto? Quais as expectativas locais

sobre a atuação dos órgãos federais na preservação da cidade, e de que maneira elas foram

recebidas e atendidas ou não por esses órgãos durante o período estudado? No caso do

SPHAN, como foi construído o discurso de legitimação e as práticas desse órgão na cidade

nessa época? Quais os discursos alternativos ou que se contrapunham aos do órgão

desenvolvidos pelos sujeitos locais no processo de construção da cidade durante o período

estudado? Como o SPHAN reagiu à recuperação econômica e ao crescimento da cidade a

partir do final dos anos 1940? Quais as alianças e enfrentamentos com “os locais” essa

situação gerou?

Nesse sentido, a proposta desta pesquisa é tentar entender a relação, às vezes

conturbada, entre os sujeitos e interesses locais e os órgãos de preservação no processo de

construção/idealização de Ouro Preto desenvolvido a partir da Revolução de 1930. Busco, em

especial, analisar como foram arquitetados os diferentes discursos e visões sobre cidade,

preservação, recuperação econômica, modernização, tradição e progresso e seus reflexos

em Ouro Preto.

O recorte cronológico proposto pela pesquisa se inicia com a República Nova, quando a

cidade é decretada Monumento Nacional (1933). Passa pelo ufanismo do Estado Novo, onde

ocorrem profundas mudanças nas políticas de preservação. Atinge os governos democráticos

dos presidentes Dutra, JK, Jânio e Jango. Adentra pelo Regime Militar imposto em 1964. E

termina com o fim da chamada fase heroica do SPHAN, em 1967, com a aposentadoria do

diretor Rodrigo Melo Franco de Andrade, o que prenuncia a fase moderna dessa instituição.

2. PROCESSO DE OCUPAÇÃO E CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO URBANO

A ocupação “branca” da região de Ouro Preto remonta ao final do século XVII, quando

foram descobertas ricas jazidas auríferas nesta região. O início da ocupação, no entanto, foi

bastante conturbado. O contexto era de crises de abastecimento e de disputas pelo direito de

exploração e comércio na região, aliados à inexistência de um aparato burocrático e de

planejamento da ocupação por parte da Coroa portuguesa.

Em 1709, após a Guerra dos Emboabas e a consequente criação da Capitania de São

Paulo e Minas do Ouro, se inicia a efetiva estruturação da exploração aurífera e da ocupação

da região. Os primeiros arraiais se consolidam, a maioria seguindo o modelo colonialista

português, onde a construção da primitiva ermida religiosa organiza a formação urbana do

povoado. Porém, diferentemente do ocorrido no litoral do Brasil, na região das minas a rapidez

e o dinamismo do processo de ocupação propiciaram o surgimento do meio urbano antes do

rural.

No caso de Ouro Preto, os povoados formadores se concentraram nas áreas de

mineração, especialmente no topo e nas encostas da Serra do Ouro Preto, nos vales

formados pelos Rios do Funil e do Tripuí, e às margens dos córregos que cortam a região. Em

1711, a criação da Vila Rica uniria esses arraiais, conformando um centro urbano mais amplo,

mas ainda fragmentado e espaçado. (Vasconcelos, 1977)

A quantidade e a diversidade das pessoas atraídas pelas notícias de ouro e de

oportunidades levaram à formação, de maneira rápida, de uma sociedade multicultural e

dinâmica. As diferentes influências proporcionariam um contexto sociocultural profícuo, mas

ainda conturbado politicamente. Após a Revolta de Vila Rica, em 1720, o processo de

instalação do aparato burocrático e de representação se intensifica. Nesse mesmo ano é

criada a Capitania das Minas Gerais, tendo Vila Rica como sede.

A partir daí, Vila Rica, assim como outros grandes centros auríferos mineiros desse

período, assistiria a um vigoroso processo de urbanização, onde as primitivas capelas são

transformadas em imponentes igrejas e matrizes. Pontes, chafarizes e arruamentos integram

os espaços urbanos, consolidando a ocupação do território e sua conformação urbana. Nesse

contexto, a transformação do antigo Morro de Santa Quitéria - a Praça Tiradentes da

atualidade - no centro da vila a partir dos anos 1730 tem uma importância capital no processo

de formação de Ouro Preto.

A cultura arquitetônica, assim como a própria sociedade do contexto mineiro, se

desenvolve num trânsito constante com os modelos europeus, especialmente o barroco, mas

também recebe influências de outras tradições. No entanto, é interessante notar que esse

processo se dinamiza justamente quando se inicia o prolongado declínio da exploração

aurífera na região.

Nesse contexto, as irmandades, ordens terceiras e outras confrarias leigas terão grande

importância, não apenas na construção dos templos, mas, principalmente, no

desenvolvimento dessa sociedade colonial.

Importante polo cultural e político durante todo o oitocentos, no início do século XIX a

decadência da Vila Rica já se tornara latente, como bem apontam os documentos de época e

relatos de viajantes que por ali passaram. A exploração do ouro era uma sombra apagada dos

tempos de bonança e a agropecuária nunca foi favorecida pelos terrenos irregulares e pela

terra pouco fértil.

Porém, a rebatizada Imperial Cidade de Ouro Preto (1823) ainda se manteria como sede

da Província durante todo o Império, mesmo não combinando com os modelos urbanos

modernos – especialmente influenciados pelas reformas realizadas em Paris pelo Barão de

Haussmann.

Já a partir dos anos 1860, a manutenção da decadente e “arcaica” Ouro Preto como

capital provoca a retomada dos debates sobre a necessidade de mudança da sede

administrativa do Estado para um local mais apropriado, economicamente ativo e integrado às

diferentes regiões da Província. É nesse contexto que o caráter memorialista da cidade

começa a ser evocado pelos republicanos, dentro de sua particular releitura da Inconfidência

Mineira como base para um nacionalismo brasileiro.

A construção da Coluna Saldanha Marinho, em 1867, além de apresentar as bases da

campanha cívica que mais tarde transformaria o Tiradentes no protomártir da República,

também marca o início do processo de tentativa de adaptação da cidade aos novos modelos

urbanos. Além disso, a instalação da Escola de Farmácia (1839) e da Escola de Minas (1876)

reaviva a antiga ideia de se formar na cidade um polo de ensino e pesquisa.

Nessa conjuntura, a chegada da ferrovia em meados dos anos 1880 representa um novo

impulso modernizador para a cidade. Os estilos neoclássico, neocolonial e eclético ganham

força, numa tentativa de modernizar também o aspecto arquitetônico de Ouro Preto. Imóveis

do centro urbano, quando não reconstruídos, têm suas fachadas reformadas nesses estilos.

Datam dessa época as construções do Mercado e Açougue Municipal (1887), no Largo do

Coimbra; do Liceu de Artes e Ofícios (1888), próximo à Casa dos Contos; do Prédio da Escola

de Farmácia (1889), que também serviu como Assembleia Constituinte; e da antiga Santa

Casa de Misericórdia, dentre outros. Novas áreas começam a ser ocupadas, como a região

dos “fundos” do antigo Arraial do Ouro Preto, às margens do Rio Funil e dos Córregos do

Tripuí e Caquende.

No entanto, com o advento da República, em 1889, a ideia de construção de uma nova

capital para uma Nova Era tornara-se irresistível. A “monumentalidade cerimonialista” da

cidade evocava o passado glorioso de Minas, mas sua economia periclitante, suas ruas

tortuosas, seu terreno íngreme, a pouca infraestrutura e a carência de grandes áreas de

expansão urbana não condiziam com as promessas de industrialização e desenvolvimento

que a República oferecia. Mais do que isso, no campo político a cidade era um símbolo da

dominação portuguesa e do regime imperial que acabava de ser deposto.

A polarização política entre os mudancistas – representados principalmente pela ala

republicana progressista do Estado –, e os antimudancistas – grupo dos reacionários e

conservadores – domina as tribunas constituintes e a imprensa mineira.

São então propostos diversos projetos de industrialização, expansão e adaptação de Ouro

Preto aos novos tempos, alguns deles iniciados ainda na época do Império, como os sistemas

de tratamento de água e esgoto (1887-90). Mais tarde são implantados o sistema de

iluminação pública a gás (1889), a Companhia de Força e Luz/Fábrica de Tecidos do

Tombadouro (1889) e um sistema de bondes movidos a tração animal – depois elétrica. Em

1891, surgiria a Empresa de Melhoramentos da Capital. Em 1894, um novo monumento a

Tiradentes substituiria a singela Coluna, reforçando o caráter memorial da cidade.

Mas as melhorias não surtem o efeito esperado e, em 1893, o destino da velha cidade é

selado com o início das obras da nova capital. No final de 1897, a sede administrativa do

Estado é definitivamente transferida para a moderna e planejada Cidade de Minas,

renomeada depois com o nome do município no qual foi construída. Entregue à própria sorte e

economicamente combalida, Ouro Preto não apresentava futuro muito promissor. (Barreto,

1936)

Após um melancólico período de abandono, denunciado com maior fervor durante as

cerimônias do Bicentenário, em 1911, Ouro Preto começa a inspirar discursos que exaltavam

a necessidade de sua preservação como símbolo do passado glorioso de Minas e baluarte da

Memória Nacional. É nessa década também que a cidade, junto com outras antigas vilas

mineiras do período colonial, começa a ser redescoberta por alguns intelectuais e artistas

modernistas, que passam a interpretar esses conjuntos como representantes de uma cultura

genuinamente nacional. Apesar das visões diferentes, ambos concordam que é preciso

preservar a cidade.

No entanto, para muitos dos agentes locais, essa preservação deveria se ater aos

monumentos da arquitetura maior. O restante da cidade precisava ser modernizado e

higienizado, de acordo com o discurso progressista da época. Daí decorrem as modificações

no antigo edifício do Fórum, na Praça da Independência (Tiradentes); a construção do Colégio

Dom Pedro II, sobre as bases do antigo Quartel de Cavalaria (1910); a construção dos anexos

do Ginásio Mineiro nos bairros do Rosário e do Antônio Dias (anos 1920); a ampliação do

complexo ferroviário (1925-1930); e a implantação de acréscimos aos edifícios da Escola de

Farmácia e da Escola de Minas, esta última já instalada no antigo prédio do Palácio dos

Governadores.

Os exemplos citados seguiam modelos mais ecléticos, enquanto que a construção do

Colégio Marília de Dirceu (1927), erguido sobre os alicerces da antiga chácara onde

supostamente viveu essa personagem, e do Colégio Arquidiocesano (1934), ao lado da

Capela de São Miguel e Almas, traziam elementos neocoloniais. Esse estilo seria incentivado

pela corrente de pensamento arquitetônico ligada ao Museu Histórico Nacional, mas passaria

a ser duramente criticado, e algumas vezes “apagadas”, pela corrente moderna responsável

pela estruturação SPHAN no final dos anos 1930. O Colégio Marília, por exemplo, perderia

sua platibanda e seus elementos neocoloniais numa reforma promovida pelo SPHAN nos

anos 1940.

A modernização das fachadas e a higienização do casario do centro urbano também são

incentivadas pelo Poder Público local, seguindo as noções de progresso então dominantes.

No campo econômico, no final dos anos 1920, a Fábrica de Tecidos do Tombadouro e a

indústria de beneficiamento de chá preto da Fazenda do Manso apresentavam claros sinais

de recuperação. A primeira, em especial, promoveria uma rápida expansão urbana da região

conhecida desde então como Caminho da Fábrica. Algumas das moradias de funcionários e

benfeitorias construídas pela fábrica seguiam o modelo vitoriano, inspirado nas famosas

cidades-jardim inglesas.

3. O PERÍODO PÓS-1930 E A EMERGÊNCIA DO PATRIMÔNIO: um novo nacionalismo

As transformações políticas, econômicas e culturais ocorridas no plano nacional durante

os 1920 preparam o cenário para a Revolução de 1930, que aboliria a política do “café com

leite” entre Minas e São Paulo. Essa transição marca o início de um período de profundas

mudanças no país. Nesse contexto, a questão da Memória Nacional passa a ter uma

importância cada vez maior dentro da política da República Nova. O contexto internacional

favorecia tal iniciativa, especialmente influenciada pelos debates realizados nas Conferências

Pan-Americanas e pelos movimentos nacionalistas europeus surgidos após a Primeira

Guerra.

Como reflexo disso, no dia 12 de julho de 1933, Ouro Preto é declarada Monumento

Nacional por seu valor histórico e cultural. No ano seguinte, a cidade passa a ser alvo de

ações da recém-criada Inspetoria de Monumentos Nacionais, integrada ao Museu Histórico

Nacional – este fundado ainda em 1923. Seguindo a linha ideológica de seu diretor, o

integralista Gustavo Barroso, essa inspetoria se preocuparia com a manutenção do caráter

memorial do patrimônio, cultuando a lembrança de grandes feitos e dos grandes homens da

Nação.

Alguns agentes locais, além de incentivar este movimento, também passam a realizar

ações mais efetivas na valorização e salvaguarda da cidade. Ainda em 1931, o prefeito João

Veloso implanta a primeira legislação municipal específica para a proteção do caráter

“colonial” da cidade. Nesse contexto, merece destaque a atuação do Instituto Histórico de

Ouro Preto, fundado por moradores da cidade e intelectuais mineiros. Alinhado à proposta

memorialista da Inspetoria de Monumentos, esse instituto empreenderia campanhas de

reconhecimento dos locais históricos da cidade, como a Casa do Visconde de Ouro Preto e a

Rua do Aleijadinho, além de buscar reunir acervos e promover pequenas reformas e

intervenções.

No entanto, essa ideologia de “culto do passado” gradativamente seria suplantada pelo

projeto de identidade nacional proposto por algumas vertentes modernistas. Neste, somente

através de uma “autofagia cultural” seria possível deduzir uma raiz brasileira. O

reconhecimento e o estudo dessa cultura genuína apareceriam então como referenciais na

definição da nação, buscando integrar o país à matriz da civilização ocidental.

Esse discurso seria adotado e adaptado pelo totalitarismo do Estado Novo (1937-1945),

que, logo no início, implementa uma legislação específica para a proteção do patrimônio

cultural brasileiro e estrutura o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-SPHAN.

Ligado ao Ministério da Educação e Saúde, esse órgão adotaria o modelo francês de

preservação do patrimônio.

Focada nos bens de “pedra e cal”, a ação deste órgão passa a privilegiar mais as questões

estéticas e arquitetônicas do que o historicismo dos bens e locais protegidos. Além disso, para

os modernos, o Período Colonial Mineiro é o grande protagonista de nossa identidade e

modelo para o presente e o futuro da nação, especialmente no campo arquitetônico. Nesse

ponto, é interessante notar que o Brasil foi talvez o único país do mundo onde os profissionais

que construíram a ideia da preservação do passado foram os mesmos que projetaram o país

do futuro. (Cavalcanti, 1995)

Tombada como Patrimônio Nacional em 1938, Ouro Preto tornou-se o principal laboratório

de ações e políticas do SPHAN durante toda a chamada fase heroica dessa instituição

(1937-1967) - época em que foi dirigida por Rodrigo Melo Franco de Andrade e onde se

formaram as bases de ação e os critérios adotados pelo órgão.

A partir daí, a cidade passaria a ser alvo de uma verdadeira reconstrução física e

ideológica, pautada em práticas que buscavam idealizar seus espaços urbanos

adequando-os a seus critérios estéticos e ao projeto de identidade nacional. O melhor

exemplo disso nos é dado pela transformação da Penitenciária, antiga Casa de Câmara e

Cadeia, num Panteão/Museu em homenagem aos inconfidentes - inaugurado completamente

em 1944 - e pelas modificações no Largo do Coimbra e na Praça Reinaldo Alves de Brito.

4. CIDADE IDEALIZADA E “RECONSTRUIDA” X CIDADE VIVIDA E

CONSTRUIDA

A preocupação com a preservação da cidade a partir do decreto de 1933 parece ter sido

recebida, a princípio, como benéfica pelos agentes locais, que viam nessa conjuntura

perspectivas de recuperação de Ouro Preto e de sua economia. Os jornais e periódicos que

circulavam na cidade nessa época, como o Tribuna de Ouro Preto e O Repórter, sustentam

essa visão. Alguns dos documentos oficiais municipais levantados também deixam

transparecer esse entendimento. Porém, o processo de revalorização era assimilado por

esses sujeitos como uma forma de se recuperar os brilhos e o progresso de outrora.

Nesse sentido, as primeiras ações dessa política na cidade receberiam grande apoio da

Prefeitura, da Câmara, das entidades religiosas e do Instituto Histórico de Ouro Preto, assim

como de muitos particulares, especialmente através da doação/empréstimo de acervos

documentais e mobiliários. Entretanto, não demorou muito para que os interesses se

mostrassem conflitantes, como bem demonstra o episódio das críticas à restauração da igreja

de São Francisco de Assis, em 1935. Até mesmo entre os sujeitos locais coexistiam visões

diferentes, muitas delas calcadas em disputas políticas.

Essa situação se agravaria durante a atuação do SPHAN, que conseguiria desagradar a

todos com a imposição de seu projeto de idealização da cidade. Os discursos dos

memorialistas locais sobre a preservação e construção de Ouro Preto se mostraria

incompatível com a atuação do Patrimônio, na mesma medida em que a ala progressista da

sociedade passa a ver nessa mesma atuação empecilhos ao desenvolvimento da cidade.

Como mencionado anteriormente neste artigo, o ideário local sobre a revalorização da

cidade se alinhava ao pensamento memorial da Inspetoria de Monumentos, mas também

almejava a recuperação econômica de Ouro Preto. O SPHAN, em contrapartida, se

preocupava mais com a idealização da cidade segundo seus critérios estéticos, privilegiando

os aspectos coloniais em detrimento das transformações urbanas ocorridas entre o final do

século XIX e início do XX - em especial os estilos arquitetônicos modernos tão difundidos

entre os locais como sinônimo do progresso.

Além disso, a questão da recuperação da economia local não parece ter sido alvo de

grandes atenções por parte do SPHAN, uma vez que seu interesse era preservar o conjunto

tombado. Nesse ponto cabe destacar que, nas estimativas do órgão, a cidade não se

desenvolveria muito além do estágio em que se encontrava. Mesmo a questão da expansão

urbana não perecia ser um desafio considerável, uma vez que muitos imóveis do perímetro

tombado encontravam-se abandonados, oferecendo possibilidades nesse sentido.

As críticas e discursos alternativos locais, no entanto, seriam solenemente ignorados na

maioria das vezes pelo SPHAN, num reflexo do autoritarismo estado-novista. Como bem

resumiu Lia Motta, “esvaziada economicamente, a cidade foi usada como matéria-prima para

um laboratório de nacionalidade de inspiração modernista, deixando as populações que lá

moravam subordinadas a esta visão idealizada” (Motta, 1987, p.108).

A maioria das igrejas e

monumentos da arquitetura maior

seria restaurada, buscando, em

alguns casos, restituí-los à sua feição

“ideal”, como nas capelas do Padre

Faria e do Bonfim e na Ponte dos

Contos. O neoclassicismo, o

neocolonialismo e o ecletismo, estilos

bastante difundidos e incentivados

até os anos 1920, passam a ser

condenados pelo SPHAN, que

empreenderia um vasto programa de

recomposição das tipologias

“originais” por toda a cidade. Nesse

interim, destacam-se as modificações

nos imóveis da Praça Reinaldo Alves

de Brito, especialmente o prédio do

antigo Banco Comércio e Indústria de

Minas Gerais e o do Liceu de Artes e

Ofícios – transformado em cinema

nos anos 1940.

Dentro do ideário modernista do

SPHAN, a arquitetura colonial

mineira deveria ser preservada para

servir de inspiração aos novos

conceitos arquitetônicos no país.

Assim, a arquitetura modernista

aparece como uma releitura dessa identidade cultural, onde as formas e os modelos

construtivos do passado idealizado são adaptados aos novos tempos, materiais e técnicas de

construção. Nesse sentido, o modernismo torna-se o único herdeiro e continuador da tradição

arquitetônica colonial. Os estilos que se desenvolveram nos mais de cem anos entre elas não

mereciam ser preservados ou estudados, uma vez que eram considerados meras cópias dos

modelos importados.

Imagem 2 – Praça Reinaldo Alves de Brito antes da

reformulação: o prédio do BCIMG, à esquerda, e o Liceu à direita seriam bastante modificados pelo SPHAN nos anos 1940, quando o espaço perde a maior parte de

seus elementos ecléticos Luiz Fontana, 1925. Fonte: PMOP / IFAC

Imagem 1 – Capela do Padre Faria nos anos 1930. Os ares neoclássicos acrescentados no final do século XIX seriam retirados pelo SPHAN nos anos 1940. O mesmo tipo de intervenção, mas de forma mais drástica, seria

realizado na Capela do Bonfim Luiz Fontana, s/d

Fonte: PMOP / IFAC

Nesse sentido, no “laboratório” ouro-pretano seriam testados alguns dos primeiros

experimentos modernistas, com destaque para o Grande Hotel, projetado por Oscar Niemeyer

e inaugurado no início dos anos 1940. No entanto, a inclusão de um projeto dessa

envergadura bem no centro histórico

de Ouro Preto gerou profundos

debates internos sobre a ambiguidade

e subjetividade dos critérios adotados

pela instituição. O arquiteto Sylvio de

Vasconcelos seria uma das principais

vozes contrarias à execução da obra

que, no entanto, correu como previsto.

Porém, alguns anos mais tarde, a

própria instituição reconheceria o

excesso de ousadia dessa

empreitada, tratando de inserir

algumas árvores em frente ao edifício

para “disfarçá-lo”.

No entanto, o melhor exemplo sobre a forma de atuação do SPHAN na cidade certamente

é a reconfiguração do Largo do Coimbra. Espaço eminentemente comercial desde sua

construção, no século XVIII, era nesse largo que se desenvolvia grande parte da vida social

de Ouro Preto. Ali chegavam os principais produtos e notícias trazidos pelos tropeiros,

reunindo a população. Na segunda

metade do século XIX, o mercado

antigo daria lugar a um grande edifício

neoclássico, que abrigaria o Açougue

e Mercado Municipal.

Decadente e mal visto pelo

SPHAN nos anos 1930, tanto por sua

tipologia quanto pelo fato de sua

volumetria rivalizar com a da

majestosa igreja de São Francisco de

Assis, esse mercado seria demolido

em meados da década seguinte. O

comércio foi proibido ali e a historicidade do espaço foi totalmente apagada. A memória social

do Largo do Coimbra, seu genius loci, foi literalmente destruído a marretadas. (Castriota,

2009)

Imagem 3 – Vista parcial de Ouro Preto mostrando o

em torno do Grande Hotel, já em fase final de construção

Luiz Fontana, 02/01/1944 Fonte: PMOP / IFAC

Imagem 4 – Vista do Largo do Coimbra, tendo em destaque o antigo prédio do Mercado e Açougue Municipal, demolido pelo SPHAN nos anos 1940.

S/a, final do séc. XIX Fonte: Arquivos do Museu da Inconfidência

Apenas nos anos 1980 o caráter comercial dessa região seria restituído, com a introdução

de uma feira de artesanato. Porém, diferentemente do que ocorria no passado, esse tipo de

comércio não é para “os dali”, mas sim para “os de fora”.

Nos anos de 1949 e 1950, a cidade seria alvo da campanha “Salvemos Ouro Preto”.

Incentivada por Manuel Bandeira, essa inciativa buscava arrecadar fundos junto à sociedade

brasileira para recuperar imóveis de interesse histórico-artístico na cidade. Vários exemplares

seriam inventariados e recuperados nesse processo.

É nessa época também que o turismo começa a ser incentivado de forma mais efetiva pelo

Estado, com o intuito de apresentar perspectivas econômicas menos nocivas ao tombamento.

A essa altura, porém, a cidade já ensaiava uma recuperação econômica mais pautada nas

indústrias “tradicionais”. Algumas delas focadas novamente na mineração, mas explorando

outros recursos da rica geologia da região.

Em 1934, seria criada a Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Ouro Preto.

No ano seguinte é fundada a Eletro Química S/A, voltada para a exploração de bauxita e

produção de alumínio na região de Saramenha. Essa empresa se expandiu bastante no final

dos anos 1940, com a entrada de capitais estrangeiros, especialmente franceses. A empresa

então foi transformada em Aluminas, depois Alcan e na atualidade se chama Novelis.

Nessa época começa a construção das vilas de operários e engenheiros próximos às

instalações dessa indústria, também seguindo o modelo de cidade-jardim vitoriano,

hierarquizando e racionalizando a ocupação dos espaços. Essas melhorias promoveriam uma

grande expansão urbana na região de Saramenha, formando os bairros Bauxita e Morro do

Cruzeiro. Este último, que começara a ser ocupado com a construção do 10º Batalhão de

Caçadores – depois cedido à Escola Técnica e na atualidade sediando o IFMG – e do Campo

de Aviação na década anterior, se consolidaria com a instalação do Campus da UFOP a partir

dos anos 1970.

Ainda nos anos 1940, seriam instalados em Ouro Preto a Cia. Ferro Brasileira e o Parque

Metalúrgico da Escola de Minas. Lotado nas antigas oficinas da Central do Brasil - ampliadas

para recebê-lo nessa época - o parque era mais focado na experimentação metalúrgica, mas

também supriu parte da demanda por ferro e produtos de metal da região durante alguns

períodos. O grosso da exploração do minério de ferro e da produção siderúrgica do município

eram realizados pela Ferro Brasileiro e pela Usina Wigg, esta no distrito de Miguel Burnier.

Esse desenvolvimento atrairia um novo fluxo migratório para Ouro Preto, intensificado no

final dos anos 1950 e início dos 60. Essa população passaria a ocupar as encostas da cidade,

uma vez que a manutenção dos imóveis da área tombada, além de onerosa, era muito

controlada pelo “Patrimônio”. Essa ocupação irregular algumas vezes seria incentivada pela

Prefeitura, apesar da precariedade da infraestrutura oferecida nessas áreas e do controle das

construções praticamente inexistente.

O crescimento e a expansão urbana de Ouro Preto seriam subdimensionados pelo

SPHAN, que focaria suas atenções no conjunto tombado. Porem, mesmo neste a dificuldade

de analisar caso a caso as intervenções nos imóveis forçou o órgão a adotar critérios mais

abrangentes, dando origem ao “estilo patrimônio”. Responsável por homogeneizar o conjunto,

contribuindo ainda mais para a perda da historicidade dos espaços, essa forma de ação seria

um dos pontos mais criticados pelos agentes locais, o que também pôde ser apreciado nos

jornais citados e documentos oficiais analisados até o momento.

No final dos anos 1960, os desgastes frequentes com os sujeitos locais, as dificuldades de

atuação e a constatação de que a ocupação irregular das encostas se tornara um problema

levaram o SPHAN a elaborar o Plano Especial de Ouro Preto. Esse plano visava superar

algumas das dificuldades enfrentadas pelo órgão, principalmente através da reestruturação

de suas ações e na sua relação com os sujeitos locais. No entanto, esse plano não sairia do

papel, assim como outros propostos com o mesmo intuito algum tempo depois.

Nos anos 1970, o SPHAN inauguraria uma nova fase de sua atuação, onde seriam

revistos muitos de seus conceitos e critérios. Porém, muitos dos problemas identificados

ainda persistiriam, alguns dos quais ainda perceptíveis na atualidade.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como explicitado no início deste artigo, o mesmo apresenta parte das considerações

desenvolvidas pelo autor no andamento de sua dissertação de mestrado. Apesar de alguns

aspectos desse estudo ainda se encontrarem em processo de análise, o estágio atual da

pesquisa permitiu estabelecer algumas conclusões preliminares.

Nesse sentido, procurei demonstrar nos capítulos anteriores que a cidade de Ouro Preto

passou a ter um importante papel na construção da política nacionalista e de preservação

cultural no Brasil durante a República Nova. Nesse contexto, o discurso memorialista da

Inspetoria de Museus implantado a princípio seria substituído pelo projeto de influência

modernista, mais preocupado com a ideia de identidade nacional. E essa conjuntura terá

profundos reflexos nas ações preservacionistas realizadas na cidade.

Paralelamente a essas visões, os sujeitos locais arquitetaram discursos alternativos sobre

o processo de construção da cidade. Muitos destes operando conceitos como preservação,

recuperação econômica, modernização, tradição e progresso. Esses sujeitos inicialmente

apoiaram as políticas e os órgãos oficiais, na expectativa de retomada do progresso para

Ouro Preto. Porém, aos poucos essa relação foi se desgastando frente ao recrudescimento

das políticas do SPHAN e sua pouca abertura para o diálogo – reflexo do autoritarismo do

Estado Novo.

Tomada como um dos principais laboratórios no desenvolvimento das ações e políticas

preservacionistas do SPHAN, Ouro Preto sofreria os ônus e bônus dessa condição. A

ambiguidade dos critérios e ações do órgão, a maioria realizada ainda de maneira

experimental, e o pouco diálogo com os moradores muitas vezes criariam episódios de

conflito com as aspirações e interesses locais.

Praticamente excluídos do processo de sacralização na maior parte das ações, esses

agentes por outro lado participariam efetivamente da construção da cidade nesse período.

Fugindo do controle excessivo das construções no espaço tombado, as encostas e áreas do

em torno desse perímetro foram sendo ocupadas à medida que a cidade se recuperava

economicamente.

Nesse ponto, a desenvolvimento da cidade a partir do final dos anos 1940, tão almejado

pelos moradores e mal previsto pelo SPHAN, agravaria ainda mais a relação entre ambos.

Além disso, a preocupação excessiva do órgão com as questões estéticas, relegando o

historicismo dos espaços a segundo plano, gradativamente apagaria a memória social de

muitos deles, solapadas pela idealização de Ouro Preto.

Essa conjuntura acabaria por desgastar a atuação do órgão e a visão que os agentes locais

tinham sobre ele não somente em Ouro Preto, como na maioria das cidades históricas. Assim,

a partir dos anos 1960, a atuação do SPHAN começa a se tornar mais condescendente.

Porém, a falta de uma política de conscientização, aliada aos rancores pelas ações passadas,

acabariam por agravar os problemas criados nesse período, especialmente a questão da

ocupação irregular das encostas. Além disso, o perímetro tombado também passaria a

apresentar um inchaço cada vez maior à medida que a cidade crescia e se desenvolvia.

Apesar de alguns planos de ação terem sido propostos na tentativa de superar esses

problemas, nenhum chegou a ser efetivamente implantado, o que não impediu que a atuação

do SPHAN sofresse alterações importantes nos anos seguintes. No entanto, muitos dos

problemas citados não foram de todo superados e estão na base do certo ressentimento que

os agentes locais ainda nutrem em relação ao IPHAN.

6. REFERÊNCIAS

ANASTASIA, Carla Maria Junho; LEMOS, Carmem Silvia; JULIÃO, Letícia. 2003. Dos

bandeirantes aos modernistas: um estudo histórico sobre Vila Rica. In: Oficina do

Inconfidência: relatos de trabalho. Ouro Preto, Ano 1, n.0, p.17-132.

ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. 1987. “Conservação de Conjuntos Urbanos” In Rodrigo

e o SPHAN: coletânea de textos sobre o patrimônio cultural. Rio de janeiro: Ministério da

Cultura; Fundação Pró-Memória, P.81-89.

_____________. 2012. Brasil: monumentos históricos e arqueológicos. [reedição em

fac-símile com contribuições e comentários de Maria Tarcila Ferreira Guedes, Augusto Carlos

da Silva Telles e outros; org. Maria Beatriz Setubal Rezende da Silva]. Rio de Janeiro:

IPHAN/DAF/COPEDOC.

BARBOSA, Lauro Sérgio Versiani, DORNELAS, Humberto (orgs). 1993. Memórias de Ouro

Preto. Ouro Preto: Editora UFOP.

BARROSO, Gustavo. 1948b. A cidade sagrada. In: Anais do Museu Histórico Nacional, Vol.V.

Rio de Janeiro: Imprensa Oficial.

CASTRIOTA, Leonardo Barci. 2009. Patrimônio Cultural Conceitos, Política, Instrumentos.

Belo Horizonte: AnnaBlume.

CAVALCANTI, Lauro. 2006. Moderno e brasileiro: a história de uma nova linguagem na

arquitetura (1930-60). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.

CHOAY, Françoise. 2001. A alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP.

CHUVA, Márcia. 2003. Fundando a nação: a representação de um Brasil barroco, moderno e

civilizado. Topoi, v.4, n.7, jul-dez.

DRUMMOND, Maria Francelina S. I. (Org.). 2011. Ouro Preto cidade em três séculos;

Bicentenário de Ouro Preto; memória histórica (1711-1911). Ouro Preto: Liberdade.

FONSECA, Maria Cecília Londres. 1997. Patrimônio em processo: trajetória da política federal

de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ.

MAGALHÃES, Aloísio. 1997. E Triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, Fundação Roberto Marinho.

MENICONI, Rodrigo Otávio De Marco. 1999. A construção de uma cidade-monumento: o

caso de Ouro Preto. Dissertação de Mestrado. Belo Horizonte: Escola de Arquitetura, UFMG.

MOTTA, Lia. 1987. A SPHAN em Ouro Preto: uma história de conceitos e critérios. Revista do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 22, p.108-122.

PUPPI, Marcelo. 1998. Por uma história não moderna da arquitetura brasileira: questões de

historiografia. Campinas: Pontes/ Imprensa Oficial do Estado/ Fapesp.

ROMEIRO, Adriana; BOTELHO, Ângela Vianna. 2004. Dicionário histórico das Minas Gerais:

período colonial. 2ed. rev. Belo Horizonte: Autêntica.

SANT'ANNA, Márcia. 2005. A preservação de sítios históricos no Brasil (1937-1990). Brasília:

IPHAN,

VASCONCELLOS, Sylvio de. 1977. Vila Rica. Formação e desenvolvimento – residências.

São Paulo: Editora Perspectiva.