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RECRIA EDIÇÃO I reinventar |e-i| (re- + inventar) v.tr.Tornar a inventar. Abra-me e venha reinventar o significado da própria palavra.

Recria #1 - Reinvenção

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reinventar |e-i| (re- + inventar) v.tr.Tornar a inventar. Abra-me e venha reinventar o significado da própria palavra.

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RECRIAEDIÇÃO I

reinventar |e-i| (re- + inventar) v.tr.Tornar a inventar. Abra-me e venha reinventar o significado da própria palavra.

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SUMÁRIO

RECRIA#17

SUMÁRIO

O QUE PEGAS

ENTREVISTAS

Blast from the past

Três ao quadrado

PERFILConstruindo e reconstruindo Geane Alzamora

Um LP no mundo digital

CRÔNICANaquele momento sentiu o mundo todo entrar

ARTIGOSQuem sente, expressa

Independência ou música

Swag: estilo que se renova

Reinventando espaços

CoolHow: Cool-What?

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COLUNASCom os arquivos nas nuvens

Leitura no coletivo. Em todos os sentidos

O presente gravado em filme

Facebook expert

Alterando a outridade

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RECRIA#1 8

EDITORIAL EDIÇÃO 1Saindo do Forno

A ReCRIA, há muito tempo, é o mimo do núcleo de Jornalismo e Redação. Durante a gestão de seis meses, os membros ficavam responsáveis por fazer duas ReCRIAS e dá-lhe pauta, apuração, redação, orientação, correção e ufa! Quer dizer, ufa nada. E lá vinha mais uma ReCRIA! Quando fazemos um bolo, colocamos to-dos os ingredientes, batemos, untamos a vasilha, depositamos a massa, colocamos no forno, esper-amos e então enfeitamos o bolo. A visita chega e diz: “Que lindo o bolo! Mas é uma pena que eu não possa comer doces...”. Era mais ou menos este o sentimento com a ReCRIA: batalhávamos três meses para no final todos elogiarem a arte da revista. Eram poucos os que liam de fato. Era preciso, então, reinventar a ReCRIA e foi isso que fizemos. Não é a toa que escolhemos como tema mãe dessa edição a palavra Reinvenção. Pedimos ajuda aos bravos e novos jornalistas Afonso Sepúlveda, Ana Luísa Pio, Augusto Drumond, Laís Ferreira e Nina Rocha do primeiro período. O plano era fazer uma revista que vocês, alunos do curso de comunicação, gostassem de ler e que tivesse, por fim, sua versão impressa. Os meios para isso? Bom, descobrimos dando a cara à tapa, ou melhor, a mão ao calo. Fomos até a Ragga pedir conselhos, contamos com o imenso talento e coragem de Isabel Castro (es-tudante do curso de Artes Visuais e ilustradora da re-vista), corremos atrás de fontes, mudamos de pauta,

corremos de novo atrás de fontes e, uma vez sem fonte, fizemos algumas vezes a água surgir da pe-dra. Tudo isso, claro, com uma voz que nós recusá-vamos a ouvir sussurrando: “Pode dar errado, pode dar errado”. Na realidade, enquanto escrevo este editorial ainda não sei se a revista saiu ou não. Se sim, agradeço aos maravilhosos patrocinadores por terem acreditado na gente. Se não, bom, relevem esta última parte.Agradeço a todos que lutaram para que este projeto desse certo e espero que vocês, ReCRIOS (Afonso, Ana, Augusto, Laís, Nina e Tomás, no finzinho) ten-ham aprendido muito e percebido que a vida de um jornalista vai além de escrever uma boa matéria, mas também de se colocar no lugar do outro, de planejar sua matéria, de depender da boa vontade de um terceiro e para, quem sabe, ter sua matéria cortada no final. Obrigado Júlia por ter assumido meu cargo agora no final e cuidado da ReCRIA como se fosse sua filha também. Obrigado mãe, pai, Brasil, Xuxa e Sasha. Bom, vou para o próximo parágrafo porque já está parecendo que ganhei um Oscar. Enfim, jogamos fora aquele bolo e resolve-mos fazer um novo, mas desta vez sem qualquer receita ou Modo de Preparo. Bom, dizem que é as-sim que surgem as melhores receitas, não é?

BRENO MOTA diretor de redaç˜åo [email protected]

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SCRÉDITOScolaboradores/expediente

BRENO MOTADanço, canto, represento e ataco de DJ. Estou com uns novos projetos aí, inclusive ser o editor de uma revista chamada ReCRIA. Acom-panhem, TV Fama! Ok, ok!

AFONSO SEPULVEDAEstudante de Jornalismo. Segundo período.

AUGUSTO DRUMOND Indeciso para tudo. Quer engolir o mundo, talvez ser sugado por ele. Inconstante inconsequência. Enfim, quero viver tudo de novo!

THOMASEstudante de Jornalismo. Terceiro período.

ANA LUIZA PIO Cursa segundo período de jornalismo, lê, fala e assiste seriados compulsivamente nas horas vagas.

NINA ROCHA Estudante de Jornalismo. Segundo período.

EXPEDIENTE QUEM COLABOROU COM O PROJETO

ANA LUISA MIRANDA PlanejamentoBÁRBARA SILVA Design e DiagramaçãoDANIEL LOIOLA PlanejamentoDANI RODRIGUES Design e DiagramaçãoDÉBORA VIEIRA MarketingGABRIELA NEVES Marketing

GARDÊNIA DRUMOND Planejamento

JÚLIA AMARAL Vice-editora

MALU ALMEIDA Design e DiagramaçãoMARIANA LOPES MarketingPAULA LOPES Design e DiagramaçãoPEDRO PINHO Design, Diagramação eFotografia

GABRIEL ZAIDAN Design e Diagramação

LUIZA BONGIR Fotografia

ISABEL CASTRO Ilustração

LAÍS FERREIRAEstudante de Jornalismo. Segundo período.

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COLUNA

RECRIA#1

por Nina Rocha

O próximo passo da tecnologia voa mais alto do que computadores de ultima geração ou telas touchscreen. A computação em nuvem, que apesar de ter seus primeiros passos já no final dos anos noventa, começou a tornar-se popular há pouco tempo e já é uma das maiores tendências da Web 2.0. O conceito do armazenamento em nuvem é bem simples: seus arquivos e dados são armazenados na pró-pria internet, tornando desnecessários o uso de outros dis-positivos de armazenamento físicos, como HD, pendrives e cds. Estes arquivos estão disponíveis para o seu uso em qualquer plataforma, de computadores a celulares, tornan-do o acesso possível com o uso de apenas um dispositi-vo: a Internet. Quem já está habituado à nuvem dispensa o uso de formas físicas para armazenamento. “As vantagens é o backup constante, a facilidade de ter seus arquivos na internet sem depender de um HD, pendrive, CD/DVD ou qualquer outro tipo de mídia física”, diz o estudante Marco Rigobelli. “Tenho meus arquivos sempre que quiser e onde quiser”. Além da praticidade e segurança – os arquivos não são apagados depois de determinado tempo e nem adqui-rem vírus -, os arquivos podem estar a apenas um clique em todo o lugar e em todo sistema operacional, independente de qual você utilize para criar o documento. Existem muito servidores que disponibilizam a “nuvem” gratuitamente para os usuários, como o Dropbox e Humyo. Há também servi-dores de e-mail que utilizam a conta e o espaço da caixa de armazenamento para salvar os arquivos, como é o caso do Windows Live Sky Drive e o Gmail Drive. Existe ainda a possibilidade de criar e editar arquivos de textos ou planilhas online sem utilizar programas como o Office, através de ser-viços como o Google Docs.

COM OS ARQUIVOS NAS NUVENS

COM OS ARQUIVOS NAS NUVENS

Ilustração Isabel Castro

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Rua Frei Leopoldo, 80, Bairro Ouro Preto. Esse endereço parece estranho – tal-vez porque conheço bem pouco esse lado de Belo Horizonte. Mesmo assim, arrisco a pegar um ônibus de itinerário incomum para esse logradouro. Enquanto viajo, noto que no coletivo gentilezas são hipérboles e não há sequer outra distração senão observar o esforço-equilibrista dos passageiros que viajam em pé. Reflito: quão áridos e tristes podem quedar-se belas esquinas vistas das janelas de veículos tão inóspitos...

Aos poucos, porém, esmoreço e con-sigo chegar àquele endereço sem um ataque de enxaqueca. Na rua prometida, enxergo, entre placas de cores berrantes, uma dis-creta faixa rosa clara, logo acima do número 80. Lê-se: Associação Cultural Teia de Tex-tos. Satisfeita, subo as escadas e chego à sede de uma instituição famosa por difundir

o hábito da leitura – e mesmo da escrita – no cotidiano belo-horizontino. Sou recebida por uma faixa com doces versos de Mário Quintana: “Todos estes que aí estão/Atra-vancando o meu caminho,/Eles passarão./ Eu passarinho!”. Em seguida, cumprimento Maria Antonieta Pereira, principal gestora da Associação. Gentilmente, a pós-doutora e pro-fessora aposentada da faculdade de letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) começa a contar-me sobre a traje-tória de alguns de seus trabalhos. Aos pou-cos, nossa conversa acaba centrando-se no desenvolvimento do projeto Leitura para Todos – atualmente organizado pela Asso-ciação em parceria com a BH Trans. Dotada de um olhar diferenciado, Antonieta aponta que as primeiras ideias relativas a essa ação surgiram na Argentina, em 2003 – ano de seu pós-doutorado. Esclarece: “Eu pegava metrô para a faculdade e eu fiquei muito im-pressionada com a grande quantidade de leitores nesse ambiente. As pessoas tiravam um livro da bolsa e iam lendo”. Ciente das diferenças dos hábitos de leitura entre nós e nossos hermanos, An-tonieta iniciou uma jornada em busca de

COLUNA

RECRIA#1

por Laís Ferreira

LEITURA NO COLETIVO.

EM TODOS OS SENTIDOS.

“Todos estes que aí estãoAtravancando o meu caminho,Eles passarão.Eu passarinho!”

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várias faces cujo estresse é evidente. Relu-tante, recorro a um texto que encontrei na Associação Cultural Teia de Textos: “Maletta Revisited # 66”, de Marcelo Dolabela. So-bre o público desse espaço, há a estrofe: “única geração que ouve/ a triste balada dos mouros/o transplante das décadas/ a arcá-dia sem fê e sem outro”. Sorrio. A Rua da Bahia aproxima-se. E a paz e a confiança nos escritores belo-horizonti-nos também.

ações que pudessem minimizá-las – levan-tou a hipótese de permitir o empréstimo de livros para a casa dos cidadãos, por exem-plo. Nesse sentido, recorreu à experiência do projeto “A tela e o texto”, desenvolvido através da UFMG desde 1998. Implantado como iniciação científica na Universidade, os estudos desse projeto iniciaram-se focados em como as mídias digitais poderiam auxiliar no aumento do nível de leitura de professo-res e de alunos da rede de ensino. Mas, ao longo dos anos, o ambiente virtual tornou-se pequeno para o desejo de mudanças dos realizadores do projeto. “Atualmente, no ôni-bus, é complicado você trabalhar com uma mídia digital”, exemplifica Antonieta sobre a necessidade de lâminas de papel para o de-senvolvimento da Leitura para Todos. A busca pelo meio em que os textos seriam vinculados, não foi, porém, a única dificuldade de Maria Antonieta na criação do projeto lançado em 2004. Para não aumen-tar o orçamento da ação, foi preciso “entrar em contato com escritores locais e solicitar textos sem a cobrança de direitos autorais”. Porém, aos poucos, o projeto começou a receber textos espontaneamente. Outras marcas do seu sucesso foram a conquista, em 2007, do prêmio Vivaleitura – oferecido pelo Ministério da Cultura – e a realização do concurso literário “Eu sou a natureza”, em conjunto com a BH Trans. Após esse relato, Maria Antonieta é obrigada a deixar a nossa conversa devido à proximidade de uma reunião. Satisfeita, porém, despeço-me daquela educadora e, em meu caminho de retorno, tomo um co-letivo em que não há lâminas com textos li-terários. Reparo: há poucos leitores, mas há

RECRIA#1 7

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PERFIL

RECRIA#18

CONSTRUINDO E RECONSTRUINDO

GEANEALZAMORA

por Breno Mota fotografia Luiza Bongir

“O que é que há? Pois estou ouvindo acordes de piano alegre - será isto o símbolo de que a vida da moça iria ter um futuro esplendo-roso? Estou contente com essa possibilidade e farei tudo para que esta se torne real.”. Essa frase de A Hora da Estrela de Clarice Lispec-tor se encaixa muito bem na jornada de Geane Alzamora, professora de Comunicação Social na UFMG. O que veremos mais a frente é que A Hora Da Estrela foi um importante acorde de um piano alegre para Geane também. “Deixei o jornalismo um pouco de lado porque percebi que era eu quem queria virar aspas”, confessa ela durante a entrevista. E conseguiu: aqui no Perfil da ReCRIA é ela quem vira aspas. Porém, houve uma longa trajetória antes dessa página de revista. Trajetória esta que ela confessa ter tido que se reinventar mui-tas vezes. E diz que assim continuará.“

Tudo começou quando papai conheceu mamãe”, brinca ela. Geane conta que desde pequena gostava muito de ler e escrever. A ro-tina da assinatura de jornais por parte do pai e o hábito familiar de assistir ao telejornal a coloca-ram desde cedo em contato com o jornalismo. Segunda ela, a leitura do jornal que fazia junto ao seu pai muito a auxiliaram no aprendizado da língua. “Porém, o que eu gostava mesmo era de compor histórias. Elas invariavelmen-te terminavam com um ‘e viveram felizes para sempre, que bom, que bom!’”, ri Geane. A adolescência chega para Geane e, como é de se esperar de qualquer adoles-cente, ela também teve uma rebeldia aos 14 anos. “Decidi que faria um curso de técnica em agropecuária. Eram 300 homens e 10 meni-nas”. Mesmo que academicamente distante da Comunicação, viu naquele curso uma oportu-nidade de falar sobre sua formação da maneira que gostava: por meio de um jornal que ela e alguns colegas fundaram, o Folha da Terra. “Foi ali que notei que queria ser jornalista. Possuía muito aquela visão ideológica do jornalismo; da luta do bem contra o mal”.

Geane Alzamora, professora de Comunicação Social na UFMG, nos compatilha uma rápida vi-são da sua intensa vida, mostrando que lançar os dados não te impede de mudar o jogo.

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RECRIA#1 9

Após sua experiência na Agropecuária, Geane foi se buscar em outros campos. “Fui pra PUC e fiz o curso de jornalismo lá. No meio do caminho, encontrei a semiótica”. É aí que Geane percebeu que aquilo que guiaria seu fu-turo nem sempre se faz claro no começo da

trajetória e sim no meio, depois de alguns acertos e erros.“Quando perguntam pra alguma criança o que ela quer ser da vida, nunca respondem ´semioticista´”, comenta rindo. “Comecei a fazer meu projeto expe-rimental, que foi uma pro-dução intersemiótica do

livro A Hora da Estrela para o filme da Suzana Amaral e nessa época eu quase abandonei o curso. Descobri a linguagem e quis muito fazer medicina para estudar psiquiatria”. Hoje é professora de Comunicaçao na Universidade Federal de Minas Gerais e, como seu aluno, percebo que é realmente alguém que merece virar aspas. Aparentemente tímida, Geane entra na sala com passos largos, deixa

seus pertences em cima da mesa e, após colocar uma cadeira bem próxima aos alunos, senta-se meio de lado. Balançando calmamente os pés, começa a falar numa voz mansa. Reinventora por natureza, prende a atenção dos seus alunos ao, por meio das mídias, mostrar a reinvenção da ma-neira de se fazer o mundo. “Gosto de reinventar. Tento fazer a diferença no dia de alguém, nem que seja com um bom dia”. Diz estar constantemente se inovando, seja se tornando mãe, pro-fessora ou, quem sabe, uma futura psiquiatra? A garota Geane quan-do escrevia suas histórias certamente não previa que essa teria tantas reviravol-tas interessantes. Porém, de uma coisa nós e essa garota sabemos: o final será, sem dúvidas, feliz. Que bom, que bom!

Possuia muito aquela visão ideológica do jornalismo; da luta do bem contra o mal

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arquitetura amarelo-velho, vejo o Monumento à Terra Mineira, obra de bronze do escultor italiano Júlio Estarce. Na placa pequena, na base inferior da escultura, há algo sobre a declaração da Inconfidência Mineira. Rio-me. Quão irônico pode ser encontrar ecos de li-berdade, representados na lembrança da coragem de Tiradentes, em um dia em que me sinto tão presa. O alívio parece vir. Não vem. Obstinada, porém, atravesso a Praça e alcanço a Rua da Bahia. “Minha vida é essa, subir Bahia, des-

cer Floresta”. Ao avistar a lancho-nete Janaína, no canto esquer-do da esquina que abre a Rua da Bahia, lembro-me da frase de Rômulo Paes. Delicadamen-

te, um sorriso no canto esquerdo da minha face começa a brotar: tão belos eram os dias cujas horas eram marcadas pelos momen-tos em que, saindo do colégio, via a Rua da Bahia. Imediatamente, vem a dor da solidão e o fato de não mais compreender o porquê de tudo ter ficado assim. Ansiosa, olho ao meu redor e vejo loja de artigos de umbanda – “Casa Baiana”, grita uma placa de letras azuis. Azul. E n g r a ç a d o como a tranquilidade e a força podem apa-recer em momentos cuja tristeza não mais nos deixa caminhar. Olho em um cabide: há uma camiseta do boneco típico do Maracatu – a cabeça cheia de fitas coloridas, o chapéu

Quarta-feira à tarde. Sol a pino, luzes ofuscantes e o tempo vago. É feriado de nossa Senhora Aparecida – ou Dia das Crianças, para aqueles cuja fé, de tão parca, só está no passado do cotidiano infantil. Olho o calendário e vejo: 12 de outubro e, como nunca antes, datas só passam de um espa-ço estranho entre o tempo de vida e de morte. Relutante, encaro as minhas mãos e, ao ver o esmalte vermelho descascado, pergunto-me o porquê das coisas estarem as-sim – um tato tão distan-te, anéis tão velhos. Encaro a janela do meu quarto: a paisa-gem velha, tão estática, nada respon-de. Abro um livro de Cecília Meireles e, de repente, vejo que também não sei em qual espelho ficou a minha face. Porém, continuo a buscar respostas e viro-me para a minha mesa de trabalho: nela, há uma pasta de trabalho e uma foto de uma amiga. Decido ir visitá-la. Por essa razão, pego minhas chaves e, após um longo caminho até a Estação Central do Metrô de Belo Horizonte, as respostas começam a surgir. Bem no centro da Praça da Es-tação, contrastando com o ar impetu-oso do Museu de Artes e Ofícios e sua

NAQUELE MOMENTOSENTIU O MUNDO INTEIRO ENTRAR

por Laís Ferreira ilustração Isabel Castro

CRÔNICA

RECRIA#110

“Minha vida é esta, subir Bahia

e descer Floresta.”

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de couro e a lança apontada (para São Jorge?) parecem encorajar-me. Afinal, por que esta loja estaria aberta no feriado? Tudo bem. Sigamos a Bahia. Continuo caminhando e, surpresa, olho para o meu lado direito. Há uma banca de vinis, cujo dono também pa-rece ter se esquecido do tempo. Olho a placa: “1900 e an-tigamente”. De longe, avisto Roberto Carlos sorrindo para mim quando ainda havia tantas emoções jogadas gratuitas entre calças bocas de sino e cabelos black power. Em ou-tro cantinho, vejo Belchior e sua juventude estampando o clássico “Era uma vez um homem e seu tempo”. Começo a cantarolar: “Não preciso que me digam de que lado nasce o sol – porque bate lá meu coração”. Dou um aceno para o velhinho – chapéu de palha e blusa xadrez– e sigo a cami-nhar. Até que paro. Elegante, lá está ele: o Viaduto Santa Tereza e a magnitude de seus mais de 30 metros de arcos. Convidativo, sombreia o Parque Municipal e nos convida a adentrar em direção aos bairros Floresta e Santa Tere-za. Porém, hoje, parece ser a delicadeza e a sua base que me chamam a atenção. Feita de letras ausentes de fita crepe, está escrito: “Naquele momento, sentiu o mundo inteiro entrar”. De repente, a paz. De repente, o som. De repente a vida. Ao enxergar a frase tão singela em um dos maiores monumentos da cidade, noto o que vinha ocorren-do. Como o poeta anônimo, entendo a razão dos meus er-ros: a briga com meus pais, há dois dias. Após esse longo percurso pela Bahia, noto que todos os sinais da Rua da Bahia apenas lembravam-me do meu passado. E de pas-sado, lembro-me da infância e da criança que não percebe seu dia. Assim, desisto do meu caminho. O mundo inteiro, companheiro, ainda se encontra naquele velho apartamen-to, bem longe dessa Bahia, bem longe dessa Tereza, em uma esquina de Betim.

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COLUNA

por Afonso Sepulveda fotografia Pedro Pinho

Em dias em que uma enorme massa de informações pode caber em um espaço qua-se que abstrato, as imagens também tendem a ser vistas como descartáveis. De fato, vivemos numa sociedade onde a portabilidade de câme-ras digitais atravessou barreiras não só tecnoló-gicas: a fotografia ficou mais acessível à maioria das classes, secções e comunidades mundiais. Com a digitalização, a fotografia se tornou um processo instantâneo, muito mais simplório e de didática simples. Toda essa qualificação se opõe às das câmeras analógicas, que armaze-

nam a imagem permanentemente em uma pelí-cula. “É preciso ter mais cautela, pelo medo de perder o filme”, diz Thiago Fróes, estudante de Comunicação Social na UFMG que está come-çando sua experiência com a analogia. O univer-sitário, na busca por conhecer um pouco desta modalidade fotográfica, passou pela experiên-cia, da aquisição até o trabalho de captação e a espera pelo resultado. Ele ainda diz que um dos motivos de procurar por uma câmera de filme foi a estética final da imagem que define um tom não alcançado pela fotografia digital.

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O PRESENTE GRAVADO EM FILME

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É frequentemente observada na mídia, a influência da estética da analogia nos trabalhos visuais, principalmente em aplicativos para celulares smartphones, tablets e outras plataformas, que reprodu-zem um efeito de ruído em fotos digitais. Há até trabalhos avançados com edição de imagem em softwares que conseguem uma edição similar a da fotografia analógica. Porém, nenhum processo digital se comparará ao trabalho de fotografia com filme, pela riqueza de sua técnica e valor histórico. “Não é como uma câmera digital, onde as pessoas buscam o sorriso ou a pose perfeita e apagam as imagens que não gostam. Isso se torna falso, já que há uma tentativa em re-petir um momento” define Ana Flávia Couto, fundadora da loja Pop-Corn Multimarcas. A designer de moda decidiu abrir, em outubro de 2010, um estabelecimento na capital mineira onde ares nostálgicos trariam um pouco do passado ao presente. Como o Rio de Janeiro recebeu a abertura da Lomography — marca austríaca de câmeras analógicas surgida nos anos 80 — Ana Flávia percebeu a necessidade de ter um lugar condizente em Minas Gerais. “Em Belo Horizonte, não havia espaços com esse perfil, então decidi buscar pela marca e trazer seus produtos para cá.” A proprietária explica a grande procura pelos produtos analógicos: “Não há como prever o resultado final, o que aguça a curiosidade em saber se aquela cena foi registrada como você pensou. Elementos surpresas fazem parte da fotografia analó-gica. É todo esse encanto e a busca por resultados inesperados que desperta a vontade e o interesse em fotografar com elas”. Não se trata apenas do ruído da imagem e da estética origi-nal: a analogia traz consigo um passado. Cada foto que veio da pelí-cula da câmera traduz-se em uma pequena história a ser contada, a ser revelada. Esta é a verdadeira beleza da fotografia analógica e não haverá tecnologia que a substitua ou a faça morrer.

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“Não há como prever o resultado final, elementos surpresas fazem parte da

fotografia analógica”

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E S T I L O Q U E

Os irmãos Paula Zaidan e Gabriel Zaidan enxer-garam na falta de um mercado consolidado de roupas no estilo urbano, a oportunidade para reinventar o mercado.

RENOVAO que é a SWAG?

PZ: Swag é um termo do inglês que não tem uma tradução perfeita para o português e como a marca, se refere a vários termos, como: fee-ling, groove, estilo, personalidade, etc. Swag é a forma que você se apresenta para o mundo; o seu jeito de ser e de vestir.

GZ: Quanto à marca Swag, ela é uma con-fecção de roupas urbanas que veio para poder suprir as necessidades do mercado, principal-mente para dançarinos e pessoas que gostam do estilo. É algo que não existia, então sentimos a necessidade de serem feitas essas roupas no estilo urbano, até para nós usarmos também.

Como surgiu a ideia da criação da marca?

GZ: Inicialmente, a proposta era pegar uma camisa, fazer um silk e vender, bem básico. Um primo nosso tinha uma loja de roupas e ouvindo nossa proposta, veio conversar com a gente e começamos a empolgar. Chegamos num nível de empolgação que concluímos: vamos fazer isso direito então!

PZ: Swag é uma marca criada por mim, Paula Zaidan e pelo meu irmão, Gabriel Zaidan. A gente morou um tempo em NY e lá tivemos

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Um dos criadoresda marca SWAG,Gabriel Zaidan

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ENTREVISTA

por Breno Mota

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E S T I L O Q U E muito contato com pessoas de todo tipo e com produtos urbanos que todo mundo (incluindo colegas de dança) curtem bastante. Criamos a Swag para oferecer para as pessoas da dança e as pessoas que curtem o estilo urbano opções diferentes e estilosas de roupa.

Quais foram as dificuldades encontradas no pro-cesso, que foi desde a ideia até a inauguração da marca, e como foram solucionadas?

PZ: Desde que começamos estamos apren-dendo muito. Nunca tínhamos feito algo pareci-do, então foi muito difícil saber como e o que fazer, em quem confiar e como agir diante de certas situações. Até agora já passamos por muita coisa: idéias não valorizadas que deram certo, pessoas que passaram a perna na gente e ralação que nunca imaginávamos que tería-mos. De início, a principal dificuldade foi com os prazos: achávamos que em 2 meses tería-mos tudo pronto e na verdade demorou mais de 7 meses. Não sabíamos como funcionava a questão de tecidos – principalmente as quanti-dades – então algumas coisas saíram diferentes do que idealizávamos. Esse mercado é muito difícil: as pesso-as querem mais do que tudo lucrar em cima de você, então também tivemos algumas decep-ções por achar que todos iriam nos ajudar. Re-solvemos esses problemas conversando e fa-zendo acordos. Agora estamos mais por dentro do processo, sabemos como funciona tudo do início ao fim e sabemos que ainda erraremos e teremos problemas, mas tentaremos ir com cal-ma para que isso seja minimizado.

GZ: A primeira e maior dificuldade, na minha opinião, foi a falta de conhecimento técnico da área. Não entendíamos o processo de confec-ção de uma roupa. E para comprar o tecido? Qual era o de melhor qualidade, qual o mais caro, o mais barato, qual compensa mais?

A segunda dificuldade foi a parte legal. Não sabíamos como nos organizar. Era preci-so registrar a empresa em um lugar fixo? Não tínhamos uma loja física. Mas aí nos informamos bem, conseguimos registrar a empresa e esta-mos agora tentando patentear a marca, ou seja, estamos tentando driblar essa segunda dificul-dade ainda.

Quem é a equipe SWAG e o que cada um faz?

GZ: A equipe sou eu e minha irmã, mas te-mos terceiros que nos ajudam. Primeiramente meus pais. Meu pai cuida da parte financeira – é ele, por exemplo, que faz depósitos, controla recibos, etc – e minha mãe funciona como um quebra galho, ajudando no que for preciso.

PZ: Tem ainda a Deborah Grandinetti, nossa designer e o Cássio e o Elmano que fazem a logística e nos ajudam com a equipe de costu-reiras, fornecedores de tecidos, etiquetas, em-balagens, etc.

Quais os próximos passos e metas da empresa?

PZ: Vender bastante! Queremos viajar pelo Brasil colocando stand nos principais eventos de dança. Queremos fazer com que a marca se torne conhecida tanto dentro do mundo da dança – como referência no estilo – quanto para pessoas que gostam de se vestir de uma manei-ra diferente.

GZ: Queremos também colocar no ar nossa loja online. Isso garantiria um retorno financeiro mais fixo. Isso garantiria um retorno financeiro mais sólido.

Sentem que há uma lacuna no mercado que aten-dem?

GZ: A roupa do dançarino de rua é bem espe-cífica: ela é mais comprida. Não é bem questão

RENOVA

RECRIA#1 15

por Breno Mota

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de estilo, é uma questão de estética da dan-ça. A calça e a blusa largas deixam a dança mais bonita e se assemelham a como era rea-lizada nos Estados Unidos, que é onde a dan-ça surgiu. No Brasil, há uma marca de roupas no estilo. Chama Urban Soul. Por ser de São Paulo, nem sempre chegam aqui boas roupas ou com preços acessíveis. Muitas pessoas acabam cortando blusas velhas e usando cal-ças de moletom, o que não é o ideal.

PZ: O clima dos Estados Unidos e da Eu-ropa é bem diferente do nosso. Tentamos

preencher essa lacuna, oferecendo o que não encontramos aqui e dando outras opções mais adequadas para o nosso clima, com roupas igualmente bonitas e práticas.

Qual é o diferencial da SWAG?

GZ: Oferecemos roupas baratas e de qualida-de. É um estilo urbano refinado.

PZ: O estilo Swag. é para aquela pessoa que não se contenta em ser só mais uma na multidão. É para quem tem personalidade e é único na sua forma de ser e agir.

Foto Pedro Pinho

RECRIA#116

ENTREVISTA

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Foto Pedro Pinho

RECRIA#1

ARTIGO

torná-las no estado do fixo. “Neste momen-to, eu escrevo solta, não pontuo tudo perfei-tamente, não separo devidamente os pará-grafos, escrevo. Aí então é que me preparo para cortar o que for necessário. Então, nes-sa segunda vez, quando reescrevo, procuro

A ESCRITA

Lá fora, um carro bate na traseira de outro. Xingos. Buzinas. Murmúrios da vida avivam a Avenida: falas, vento, passos. Nada disso atinge Alice, oito andares aci-ma. Com os olhos prontos a saltar das ór-bitas em inquietação, ela encara a mesa. “É isso. E aí ela... é isso, é isso!”, diz decidida. Como um botão que se encaixa no buraco de uma blusa, a história do seu livro se finda em perfeição. “A primeira coisa para saber quando devo escrever é sentir que estou eufórica a respeito do que eu vou fazer. Se eu estiver animada, com o cérebro fazendo conexões rápidas, é hora de começar.”, confessa-me Alice. Prestes a lançar um livro, ela corre ao quarto e começa a escrever desesperada em seu computador. Suas ideias parecem água no mar que poderiam nadar para longe, nunca mais voltar, se confundir com tantas outras. Era preciso prendê-las em palavras;

QUEM SENTE,

EXPRESSASentir é dar realidade à vida. A realidade por si é intocada. Nossos sentidos maquiam os fatos e a verdade se torna o que nossas emoções interpretam. Expressar é reinterpretar o sentir.

por Breno Motailustração Isabel Castro fotografia Paula Caroline

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me desapegar do que escrevi anteriormente e me apegar às regras de sintaxe, ortográfi-cas, e, principalmente, ao sentido-mãe que ofereço ao texto.”, diz. Pronto. Está ali, oficialmente real e existente. Recosta-se na cadeira, alivia-da, com um ensaio de sorriso no rosto. Era como realizar liquefação: se o vapor vira água, a ideia vira escrita. Sente-se leve e a luz da janela que desde o começa lhe toca-va a face, agora sim a atinge e lhe parece agradavelmente clara. “Se antes eu sofria de uma euforia enorme, depois me sinto alivia-da, sinto como se tivesse feito o que deveria ter sido feito. Sinto-me muito bem comigo mesma”.

A DANÇA

Izabella respira fundo. O que lhe ocorre é um misto de sentimentos, que de tão confusos em uma só mente, dificilmente se fazem reconhecíveis. O resultado é res-piração ofegante, olhos atentos, coração frenético e recolhimento. Da coxia, murmú-rios vindos da plateia. Tenta não se deixar influenciar: qualquer pensamento agora po-deria arruinar sua falsa calma. As bailarinas andam de um lado a outro com os olhos presos ao chão, relem-brando tudo, ensaiando o futuro na mente. Pequenos cochichos, tratos e marcações relembradas. Uma se alonga aqui, outra confere a sapatilha: tudo em prol do espe-táculo que virá. Elas respiram o espetáculo, piscam o espetáculo, vivem o espetáculo. O momento daquele agora não é inteiramen-te independente: é um antes, um prestes a.

“O ideal é pensar em nada. Você não pensa que tem trabalho de faculdade pra fa-zer, problemas em casa: você só pensa no momento, em estar lá. É até uma forma de refúgio, de esquecer um pouco da vida.”, confessou Izabella mais cedo. É chegada a hora. De mente vazia, invade o palco. Chega decidida ao centro, toca o chão, gira, rodopia, salta, estica as pernas. Acompanhada por mais algumas colegas de dança, Izabella deixa a energia atingir cada parte do seu corpo e o adap-ta ao ritmo da música. A música e a dança juntas formam um novo. “É uma sensação inexplicável pra quem nunca dançou.”, diz Izabella. A música sem a dança está sempre em potencial. Os ouvidos poderiam se ocupar em ouvir os murmúrios da plateia, os olhos em observar o que se passa no palco. Mas os sentidos fogem. Em uma meditação movi-mentada, a energia comanda a concentra-ção. “Quando se dança em grupo, a ener-gia é algo que passa. Passa pelo palco e vai para a platéia. Você sai esgotado: soltou tudo durante a dança.”. As dançarinas se juntam na frente do palco e dão as mãos. Enquanto se reveren-ciam em agradecimento, encaram o palco ainda incrédulas com o acontecido, ainda atingidas pelos sentimentos: os sentimentos deixados na coxia, os sentimentos adapta-dos para a dança, os sentimentos constru-ídos durante a dança e aquele último ago-ra presente, que é manso e grandioso. O sentimento da realização, do acontecido. “Quem faz teatro, por exemplo, talvez sin-ta a mesma sensação. É única: um misto de satisfação e empolgação depois de tanto

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trabalho, tanto suor, tanto tudo. Não sei te explicar, mas sei que sinto.”. A plateia aplaude de pé e aos poucos vai deixando o local entre pequenos comen-tários. Saem mais quietas, calmas. Saem to-cadas. E é este o sentimento da arte: não é de alegria, não é de tristeza. É o sentimento do sentir. Arte é expressão e, portanto, libe-ração de sentimentos. Sentimentos fluidos que perpassam artistas e admiradores. É a sensação indescritível do compartilhamento de emoção. E a dança? “Para mim é a maior for-ma de expressão.”, acredita Izabella. “Você pode ouvir uma música e não esboçar re-ação a ela. Na dança você usa todo o seu corpo em libertação”.

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BLAST FROM THE PAST

Nas últimas estações as coleções de moda têm apresentado forte influência de esti-los passados. Marcas como Revlon, Spezzato e Vicinal lançaram coleções inspiradas nas cha-madas tendências vintage e retrô. Essas ten-dências trazem uma forte valorização de peças utilizadas nas décadas passadas, como o esti-lo pinup, oriundo da época da segunda guerra mundial e óculos de sol com armação wayfarer, modelo lançado pelo Ray-Ban em 1956.56. O vintage é caracterizado pela utilização

por Ana Luiza Pio

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de peças antigas, geralmente datadas a partir de 25-30 anos no passado. Já a tendência re-trô se define pela releitura dessas peças, que possuem fabricação moderna, apesar da influ-ência de outras épocas. Em Belo Horizonte, podemos achar vá-rias lojas que se dedicam à obtenção de pro-dutos alternativos, dentre eles muitos que se encaixam nas tendências referidas. Com a in-tenção de conhecer um pouco mais dessa ga-rimpagem de peças e a inspiração que move essa nova vertente estilística, conversei com a dona da loja Fridda. Susanne Polk de Castro relatou como

ocorreu o surgimento da loja, sete anos atrás. Confessou que a ideia de abrir a loja foi iniciativa da filha, que hoje mora fora do país, em Berlin. Na época, a filha teria ido a São Paulo e visita-do a galeria Ouro Fino, onde se inspirou a criar uma loja que trouxesse ao público uma combi-nação de produtos diferentes, alternativos e de não tão fácil acesso. “Na época, a galeria tinha muita coisa bonita, muitos estilistas começa-vam lá”, Susanne diz. A partir dessa ideia, foi montada a Fridda, que reúne uma diversidade de produtos inovadores, que vai desde bolsas e capas de laptop inspirados em antigas obras de arte a chaveirinhos inspirados em bonecas

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fotografia Luiza Bongirprodução Izabela Lopes

O QUE PEGA

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Matryoshka. Ao ser perguntada sobre sua rela-ção com os fornecedores, Susanne responde: “O objetivo não é se prender a marcas, mas buscar produtos diferentes.”. Parece que essa tendência alternativa vem tomando o mercado de Belo Horizonte com muito apelo ao público consumidor: a Fri-dda está longe de ser a única loja da cidade que abrace essa proposta de trazer produtos diferentes. Inclusive, pode-se observar muita semelhança entre os estoques das lojas con-correntes. Apesar disso, pode ser destacada uma diferença fundamental: “Cada loja tem o seu “carro chefe” de roupas, uma marca es-pecífica pra trabalhar. Essas marcas nos dão exclusividade.” No entanto, continua havendo uma concorrência de mercado entre essas lo-jas, até por que são direcionadas para o mesmo público. “Acho que isso só acrescenta”, coloca Susanne. Segundo ela, a maior quantidade de lojas na cidade voltadas para o mesmo objetivo faz com que seja mais fácil divulgar esse estilo e atender melhor os clientes. “Talvez se tivesse só a nossa loja e a Mercado, nós não désse-mos conta da demanda”, confessa. “Em termos de público-alvo, essa ten-dência atingiu a todos, de jovens a idosos”, Su-sanne conta. O público mais velho se relaciona com as peças estabelecendo conexão com a época em que foram lançadas e usadas déca-das atrás. Já o público mais jovem interpreta as tendências de outra forma, relacionando--as com movimentos, bandas e conotações ideológicas das suas “épocas-mães”. Apesar dessa abrangência versátil que essa corrente estilística possui, Susanne comenta: “Temos plena consciência de que nossos produtos não agradam a todos.” A busca por produtos de menor demanda - que não são peças fáceis - de encontrar e que procurem representar um

estilo diferenciado a faz perder clientes. Apesar disso, há ainda um vasto público para aderir à tendência e essas peças vêm de lugares variados do Brasil, como São Paulo e o Nordeste. Muitas marcas, notando esse movi-mento, têm adotado esse estilo alternativo, que ganham versões mais genéricas em lojas de departamento, como C&A e Renner. Segundo Susanne, no entanto, nem sempre esse cami-nho é sinônimo de sucesso: “Muitas marcas que a gente trabalhava não existem mais, elas falem, não dão conta”, diz a dona da Fridda. Seja em brechós, lojas alternativas ou de departamento, a importância das tendên-cias saudosistas continuam marcantes. E para quem se opõe a reviver através da moda uma época marcada pelo movimento hippie, pelos festivais de rock e pelo surgimento da minis-saia, prepare-se para ser contrariado. Ponha o cinto de segurança, por que a viagem já come-çou e o passado está em alta demanda.

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A FACEBOOK EXPERTpor Augusto Drumond

Desde 2004, sou usuário de uma rede social. Há sete anos nutro um vício compartilha-do por outros tantos milhões de brasileiros. 17, 5 milhões para ser mais específico. Sou daque-les que contribui para aumentar a média relativa ao número de horas que o brasileiro gasta nes-te tipo de site: passo mais de cinco horas por mês, a atual média do país. As comunidades online atingem 78,2% dos internautas brasilei-ros, maior taxa do mundo. As pesquisas indi-cam que o Orkut ainda é o líder absoluto, tendo cerca de 15,2 milhões de acessos por mês! Tais dados com números tão grandes me fizeram lembrar de uma coisa que li há pouco tem-po; na internet obviamente. Malcolm Gladwell, autor do livro “Fora de série - Outliers” fez uma constatação na sua obra que correu o mundo todo: o escritor afirma que para se tornar expert em algo são neces-sárias dez mil horas de prática. Fiquei durante muito tempo tentando achar alguma coisa na minha vida que pratiquei por aproximadamente dez mil horas. Não achei nada. O que cheguei mais perto foram as horas passadas na inter-net. Mas isso quer dizer que eu sou um expert em ficar na internet?! É isso mesmo? Como já disse anteriormente, minha mais antiga rede social, que comprova a mi-nha mais longínqua experiência online, data de 2004. Fazendo os cálculos, para ter me torna-do expert nesses sete anos, eu precisaria ter passado 3,9 horas na internet por dia, ou seja, três horas e cinquenta e quatro minutos todo

dia no mundinho virtual. Bom, olhando assim, mais destrinchadamente, acho que ainda não alcancei o status de expert, mas acredito que estou quase. Gladwell, em seu livro, faz reflexões in-teressantes. Segundo ele, apenas talento não é o suficiente. Os Beatles, Wolfgang Amadeus Mozart e até mesmo Bill Gates são identificá-veis com o padrão de terem se tornado experts no que fazem por causa das dez mil horas de prática. Ou seja, eles ralaram muito antes de se tornarem conhecidos! Os Beatles, antes de ficarem famosos, faziam shows sete dias por

semana na cidade de Ham-burgo, na Alemanha. Assim como Mozart, que teve seus principais concertos escritos depois dos 21 anos, após ter conquistado as dez horas mil

horas de prática. Balela ou não, fica aí a dica pra você que quer alcançar um status de Bill Gates na sua área. Praticando 20 horas por semana, você vai ter que ralar aproximadamente durante dez anospara se tornar expert. Não pense que so-mente isso é o suficiente! Gladwell, além do trabalho duro, fala de outros vários fatores que contribuem para o sucesso das pessoas. Para o autor, quando e onde nascemos, a inteligên-cia social, e, é claro, o talento nato, são fatores determinantes no sucesso pessoal. Ou seja, você precisa ser the right man in the right place. Se ainda te restam esperanças, tenha uma boa sorte nesta empreitada!

“Para se tornar expert em algo são necessárias dez

mil horas de prática”

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COLUNA

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O QUE PEGA

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Augusto Lacerda, 21 anos, estudante de Publicidade e Propaganda na UFMG, teve um grande histórico de mudanças na capital belorizontina antes de finalmente se estabele-cer. Apaixonado por música, mas acabando por prestar vestibular na área da comunicação, Augusto acabou se mudando de Goiânia para Belo Horizonte, cidade onde ele não tinha se-quer um parente ou conhe cido para guiá-lo. “Não tinha nem um primo de quinto grau, nada. Mas vim”, ele comenta. Assim começou sua longa jornada de pensionato a pensionato: o universitário já fre-quentou desde o bairro de Venda Nova até o Ouro Preto. “Era uma casa que comportava 15 pessoas, todos homens, e estava sempre mui-to próxima da sua “capacidade máxima”, conta Augusto sobre sua estada em uma das pen-sões. “Era muita bagunça, um inferno. A parte boa é que chegava sexta-feira e era só com-prar a cerveja que a festa estava pronta”. Mes-mo assim, o número exacerbado de pessoas frequentando um mesmo espaço, a bagunça e o barulho nas altas horas da madrugada fez com que o estudante perdesse a vontade de continuar naquele lugar. O desejo de se mudar apenas esperava uma oportunidade. A oportunidade só apareceria para Au-gusto no segundo semestre de 2011, quando seu colega, Filipe Medeiros, o propôs pela se-

gunda vez, na companhia de outros colegas, procurar um apartamento pra morarem todos juntos. Segundo Filipe, “chegamos a pensar em dividir um apartamento entre seis conhe-cidos, mas ainda bem que o bom senso falou mais alto”. No final, apenas ele, sua prima e Au-gusto sobreviveram à caça dos classificados. “Éramos três perdidos, precisando de um lugar pra morar, pobres do mesmo jeito, desesperados do mesmo jeito. Então era só a vontade de mudar, não houve tempo de pensar em receio”, diz Filipe. A representante femini-na do trio, Sofia Coeli, 20 anos, cursa Design Gráfico na UEMG. Ela descreve a dificuldade de um estudante para procurar um apartamen-to e fornecer a mobília e eletrodomésticos: “No início é meio difícil sair de casa, onde há tudo, e acordar querendo logo uma máquina de la-var roupas, mas aos poucos a gente consegue mobilhar como nós queremos”. Então, com o contrato assinado, vêm as primeiras semanas de convivência. “Eu acho que pode ter sido mais estranho pra Sofia e Augusto: eles não se conheciam tanto. Mas, claro, era aquela coisa simpática: todo mundo junto, limpando tudo, ajudando em tudo”, de-clara Filipe. Segundo o próprio, a relação dos três no início da mudança era mais reservada, de poucas palavras, mas que tudo parecia an-dar certo. Com o desenrolar da convivência, as coisas começaram a ficar mais descontraídas. “Sofia mesmo falava que queria ver como as coisas iam ser daí a dois meses”, completa o estudante. Já Augusto, com seu histórico de

TRÊS AO QUADRADOpor Afonso Sepulveda

Dividir um lar é escolher uma nova família. “Não estamos literalmente sozinhos”

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dificuldades em pensionatos, não viu barreira alguma na convivência com os outros dois es-tudantes. Como ele já conhecia Filipe há uma longa ocasião, se sentia tranquilo em relação a essa nova fase. Ele também mantinha uma boa relação com Sofia. A universitária conside-ra que a relação entre os dois ficou muito mais aberta após algum tempo. “Eu era mais fecha-da, Augusto era ainda mais do que eu. Quase não nos falávamos, se não por intermédio do meu primo. Mas hoje é bem melhor, mais fácil. Somos realmente quietos, mas conversamos sobre tudo, numa boa. Nunca houve nenhum tipo de briga ou coisa do tipo”. A estudante de design gráfico também não hesitou pelo fato de ser a única mulher da casa. Segundo Sofia, o mais interessante foi observar as manias dos seus novos colegas. Enquanto ela evita a cozinha pela sua nem tão grande habilidade gastronômica, Augusto, para ela, seria o melhor cozinheiro da casa. Ao mesmo tempo, a estudante e seu primo consideram Augusto o maior responsá-vel pela bagunça da casa. Sofia até assume ser um pouco bagunceira, mas garante que “o quarto dele dá mais medo do que o meu”. Haveria então alguma desvantagem sig-nificativa em dividir apartamento com alguém? A estudante de design pensa que, convivendo com alguém, é preciso abdicar de algumas li-berdades e tentar trabalhar em alguns hábitos. Mesmo assim, ela diz ver um âmbito muito maior de vantagens. “É ótimo ter com quem dividir tantas contas. Ter amigos morando co-migo, poder contar com eles e conhecer mais pessoas através deles são coisas ótimas”.Filipe confessa que sempre imaginou como seria morar sozinho: era uma condição até desejada anteriormente por ele. Hoje, ele enxerga como algo que não serviria tão bem. O universitário completa que, mesmo numa vida a três, “cada

um tem seu quarto, seu espaço, dá pra intera-gir e dá pra ficar na sua”. Já Augusto não quer pensar em des-vantagens, depois de todas suas experiências em residir com outras pessoas. Ainda assim, ele admite sentir falta dos pequenos confortos de se morar com a família. “Amo muito meus pais e irmã, mas há alguns anos eu já sonhava em morar sozinho. Não estou literalmente sozi-nho, mas estou sem meus pais aqui na cida-de. Sinto muita falta deles, é verdade. Mas têm certos passos que a gente precisa dar na vida, uns mais cedo, uns mais tarde”. Dentre pequenas bagunças nos cômo-dos do apartamento, o trio constrói um peque-no lar. Eles talvez tenham alguns problemas rotineiros, mas há um anseio maior acima de tudo isso: crescer e construir uma vida e car-reira em Belo Horizonte, com os próprios pés. Augusto, Sofia e Filipe são a representação de milhares de jovens que chegam a Belo Hori-zonte para lutarem por si mesmos e provarem que são capazes de ser alguém nesta cidade. Ao compartilhar um apartamento, os três es-tão compartilhando um pouco das suas vidas e com o tempo, laços de confiança são for-mados. O aprendizado diário não está apenas nos afazeres domésticos ou na administração das contas da casa. As verdadeiras lições são aprendidas na coexistência, na conversa, na intimidade. Dividir um lar é escolher uma nova família. “Não estamos literalmente sozinhos”, afirma Augusto.

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ALTERANDO A OUTRIDADE

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COLUNA

por Ana Luiza Pioilustração Isabel Castro

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Agora pensando por outro lado: o que leva es-sas semelhanças a serem notadas? O que destaca as particularidades de certos indivíduos é a sua contra-posição com as de outros. Só percebemos que alguém pronuncia uma palavra de forma errada quando se tem conhecimento de sua pronúncia correta. Da mesma forma são identificadas as características de comportamento que levam à categorização dos indivíduos e sua “identificação social”: através da contraposição com diferentes costumes e definições comportamentais. Sendo assim, se alguém se priva da convivência com diferentes círculos sociais, seu comportamento e person-alidade dificilmente se modificarão notavelmente, uma vez que continuará nutrindo as mesmas percepções das pessoas com que convive e não terá acesso à exposição a novas opiniões e ações. É possível sustentar a crença de que toda a composição de uma personalidade venha da própria pessoa, de suas preferências e ativi-dades desenvolvidas ao longo da vida. Porém, também é possível questionar toda essa certeza, afinal, nada surge assim instantaneamente, não é mesmo? É pertinente considerar que a com-posição pessoal é sujeita à absorção de quem foi composto anteriormente: os comportamen-tos que temos, crenças, gostos, são influências que recebemos de outros agentes sociais... Po-dem ser oriundos de uma identificação com al-gum amigo, membro da família ou então o mero interesse pelo distante e desconhecido. O “eu” é formado por diversos fatores e em diversas situações. É preciso levar em conta a educação e o comportamento familiar, a in-fluência da convivência com outras realidades e até o bombardeamento pela mídia. Ingenuidade é pensar que alguém pode ser 100% original. Dentro de cada pessoa, há sim um eu, mas tam-bém há um tu e um ele. Incorporamos o que nos é atraente e descartamos o insípido, sempre. A melhor forma de se definir como pessoa é de-finindo o outro. A alteridade é só o prefácio para o enriquecimento da personalidade e o outro é o limite entre o que somos e o infinito de possibili-dades.

É comum ouvir dizer que ninguém é igual a ninguém, que cada indivíduo possui caracterís-ticas próprias que o diferenciam dos outros e o tornam único. Também é frequente ouvir: “Ap-enas seja você mesmo”. Quando mais novos esse conselho pode até parecer incomum, afi-nal, a infância é um tempo em que dificilmente se verá conflito de identidade ou mesmo o recon-hecimento da possiblidade de ser de qualquer outro jeito ou qualquer outra pessoa além de si mesmo. Ganhando idade, porém, convivência em um meio social estável e diversificado e um ponto de vista mais antropológico, vê-se que as possibilidades de se distanciar de sua originali-dade e assumir uma personalidade convencio-nada de acordo com o cenário social são altas. Não se questiona que a sociedade em que se vive é composta de paradigmas, concei-tos e opiniões formadas. Apesar de não perce-bermos diretamente, cada indivíduo é parte atu-ante da sociedade e está, por isso, suscetível a essas convenções sociais. Mesmo quando não intencionalmente, o ser humano é constante-mente requerido a se adequar à convivência em grupo, na escola, na igreja, na associação de moradores do bairro, sempre há a busca de um padrão comum de opinião e comportamento que minimize conflito e facilite a convivência. Para que não haja estranhamento entre cole-gas de trabalho, de escola ou entre quaisquer pessoas que necessitam conviver uma com as outras, há a ad-equação comportamental. Em qualquer consenso, é necessário que as partes cedam e entrem em acordo. Dessa forma vão se formando novos costumes, novos termos, novas particularidades comuns a quem se encontra em determinado grupo.

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COOL WHAT?

por Augusto Drumond

Trabalhar prevendo o que vai ser tendên-cia é provavelmente o sonho de muita gente. Quem vive disso, porém, sabe que não é uma tarefa tão fácil. Os coolhunters (caçadores de tendência) são pessoas especializadas em ob-servar as pessoas e o mundo e, a partir disso, analisar o que tem de mais cool acontecendo ou que está para acontecer. O cool hunting surgiu nos anos 90 juntamente com a vontade de grandes empresas globais de saberem qual produto seria o próximo grande hit. Desde então, têm surgido no mundo todo, empresas e profis-sionais voltados para essa área do mercado, como moda, publicidade e design. Se você é cool e acha que isso é o su-ficiente para seguir a profissão, Sergio Souto e Tiago Belotte, pioneiros na área em Belo Hori-zonte, mostram que só isso não é suficiente. Os dois fundaram a CoolHow, empresa de cool-hunting estabelecida na cidade e melhor definida por eles como um laboratório criativo que quer transformar Belo Horizonte no lugar mais cool do Brasil. Sergio era publicitário e já estava um pouco insatisfeito com a área de publicidade de BH quando viajou para o exterior. Voltou não querendo mais trabalhar em agências da área. Pesquisando em muitos sites, achou o coolhunt-ing e foi aí que teve o clique profissional -foi ap-enas fazer um curso em São Paulo para decidir que era mesmo isso.

ENTREVISTA

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Já Tiago, formado em Design Gráfico, diz que já fazia coolhunting antes mesmo de conhecer o nome. Um dia, foi chamado para ser colabora-dor em um boletim de tendências de São Pau-lo, o Bcoolt, onde escreve especialmente sobre sustentabilidade e foi lá que, conversando com o futuro colega de trabalho, acabou se interes-sando ainda mais. Os dois se juntaram através de amigos em comum e conversa vai, conversa vem, os dois decidiram trazer para Belo Horizonte o primeiro curso de coolhunting da cidade. “Foi uma conversa de bar, tudo bem informal”, in-forma Sergio. Mas não foram só os amigos em comum que os uniram: o momento de sinto-nia profissional, visões complementares e o in-teresse em trabalhar com algo inovador foram essenciais. O primeiro curso foi realizado com muito sucesso no Cinecittá e, a partir daí, a CoolHow partiu para outras empreitadas, como cursos e palestras focados na área de tendên-cia e criatividade. Dois cursos de coolhunting - um de redes sociais para instigar o compartil-hamento de ideias na cidade e outro de Design

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Thinking, metodologia criativa para ser aplicada fora do design - foram importantes guias, além das ações como o TEDx - eventos de compartil-hamento de ideias. Os dois dizem que trabalham numa espécie de contaminação cool/criativa de modo a capacitar as pessoaspara transformar Belo Horizonte numa cidade mais cool, afinal, acreditam que só conseguirão fazer isso com a ajuda de um grande número de pessoas.

Quais são as atribuições de um coolhunter?

Tiago: É um profissional que trabalha extrema-mente com observação e que deve estar por dentro de tudo que está acontecendo. Nós te-mos muita informação hoje em dia, mas é um profissional que sabe identificar exatamente o que está acontecendo. Perceber os sinais que vão aparecendo e conectá-los para notar o que configura uma tendência ou não. É impor-tante saber aplicar isso depois, transportar es-sas tendências para um produto, um serviço, um evento ou seja lá o que for o que ele esteja trabalhando.

E um coolhunter em Belo Horizonte? Ele trabalha do mesmo modo?

Sergio: No caso do Brasil e mais ainda de Belo Horizonte é preciso adaptar algumas tendên-cias, tentar enxergar o que está sendo feito lá fora e tentar adaptar aqui. Não é só o que está sendo lançado lá e jogar no mercado da cidade: é tudo muito diferente. Nós temos aqui um per-fil específico: não temos esse efervescência de novas ideias, de inovação e ousadia como lá fora.

Tiago: Tem uma prática que as empresas grandes precisam e sempre precisaram- principalmente as multinacionais que trazem produtos de fora. e sempre fizeram o que a gente chama de tropi-calização que é pegar um produto que existe lá

ENTREVISTA

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e adaptar mais ou menos, e essas adaptações são infelizes porque as empresas não conhecem o público local e o coolhunter pode ajudar a en-tender melhor quem são essas pessoa. é quase um trabalho de antropologia.

Conte mais sobre essa ideia de transformar a ci-dade no lugar mais cool do Brasil.

Sergio: A gente adora falar disso! A gente não tem o intuito de sair de Belo Horizonte agora: é aqui que a gente vive e temos nossos amigos. Queríamos parar de reclamar de BH e transfor-mar a cidade num lugar que a gente possa se or-gulhar, que pudesse aproveitar as oportunidades tanto no comércio quanto na diversão. Antiga-mente eu não gostava da cidade: reclamava que não tinha um curso interessante e que não havia lugares bacanas para sair. Cheguei a tal ponto que disse: “Já que não vou sair, então vamos fazer algo para mudar a cidade”. Hoje, vemos al-gumas pessoas e empresas que estão tentando mudar a cena cultural da Cidade. É preciso pa-rar de copiar o perfil business de São Paulo e o perfil turístico do Rio: a gente acha que o perfil de BH é o cool e estamos prontos para apostar nisso!

E pra quem quer trabalhar nessa área, qual dica vocês dão?Sérgio: É preciso ficar aberto a qualquer tipo de informação, qualquer tipo de mensagem que possa chega sem ter preconceito e, claro, tentar perceber o que está por trás delas. Por fim, é necessário pesquisar muito! Quando eu fui es-tudar publicidade eu procurava fazer vários cur-sos complementares. Fiz curso de cinema, um de locução e de fotografia. Fazemos cursos mais abrangentes para que possamos conseguir ol-har para as informações e entender pelo menos uma parte do significado e, então, procurar en-tender o todo.

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Vivemos na era da internet, em que tudo pode, não há regras. O cená-rio musical não poderia ser diferente: são milhões de artistas que criam de forma independente e disponibilizam suas criações no meio virtual; vários, ainda, acabam fazendo sucesso de-pois disso.

INDEPENDÊNCIA OU MÚSICA

por Tomás German

foto Marcelo Camelo cedida por Perfexx

Não estamos às margens do Rio Ipiran-ga, nem mesmo precisamos levantar espadas, mas já proclamamos a independência. Calma, não esperamos mortes e derramamento de sangue pela frente, essa independência é mais pacífica do que a brasileira. Estamos falando da independência musical. De fato, não é algo que se iniciou nessa recente década: pode-se até dizer que a mú-sica independente é tão velha quanto a própria música e está marcando a década 10 assim como o rock progressivo marcou a década de 80 e os embalos de sábado à noite marcaram

a década de 70. São várias bandas que fazem sucesso sem possuírem contrato com grava-doras Já ouviu falar de Mallu Magalhães? Ok, sei que essa pergunta é óbvia e provavelmen-te você deve saber que ela é uma artista in-dependente. Talvez também saiba que, depois de disponibilizar suas músicas na internet, Mallu chamou a atenção de um publicitário que re-solveu utilizar uma delas em uma propaganda tornando-a famosa em todo o país. The Strokes, Arcade Fire, Arctic Monkeys, entre outras bandas, surgiram no cenário Indie, ou seja, com produção independente, assim

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ARTIGO

Cantora e compositoraMallu Magalhães

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como Mallu Magalhães, e são hoje uma das bandas mais influentes na contemporaneida-de justamente pelo fato de terem escolhido um novo meio para lançar suas músicas. A internet foi utilizada como difusora dos trabalhos desses artistas que possuem ou possuíam suas pró-prias gravadoras. De maneira similar, a banda paraense Calypso tomou o Brasil e já faz turnês interna-cionais a partir de uma gravadora própria. Chim-binha, um dos integrantes da banda, é também produtor e grande responsável pelo sucesso que vem alcançando. A banda situava-se em um contexto diferente das bandas gringas: a população nortista não tinha costume de pro-curar elementos culturais pela internet e por isso seria difícil fazer sucesso na região se se-guissem os mesmos passos. Eles, então, parti-ciparam de festas e programas de rádio e TV, o que foi crucial para que ficassem conhecidos. Ainda no Pará, porém em um contexto mais atual, há o tecnobrega. Esse estilo musi-

cal mescla ritmos e instrumentos tradicionais do Norte com as batidas eletrônicas das picapes dos DJs. As festas, que outrora promoveram o Calypso, são como “termômetros” do sucesso. Depois delas as bandas que agradaram mais o público vão parar na internet, sujeitas a ficar conhecidas em todo o globo. O gênero se po-pularizou tanto que ano passado uma banda goiana que adota o ritmo, a Banda Uó, ganhou o VMB de Web-Clipe. O VMB, para quem não sabe, é uma premiação da emissora MTV no Brasil basea-do no julgamento da audiência e de uma aca-demia. Na premiação, não só a Banda Uó era independente; A Banda Mais Bonita da Cidade, Móveis Coloniais de Acaju e Ecos Falsos tam-bém disputavam o melhor Web-clip juntamente com uma banda não independente e por sinal muito famosa, Skank. O fenômeno da música independente é tão grande que muitas bandas não se adaptam às exigências da gravadora e acabam se dete-

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riorando ou desconstruindo. Foi o caso da ban-da Manacá, que após Letícia Persiles, vocalista da banda, estrelar no papel de Capitu na mi-crossérie da Rede Globo (Capitu, 2008) e uma música da banda fazer parte da trilha sonora da produção, ficou conhecida em todo o país. A banda assinou contrato com uma gravadora e desde outubro de 2008 não atualiza mais sua página no MySpace. Os integrantes não dizem que a banda acabou, apenas entraram em uma outra fase - improdutiva por sinal, já que nada de novo deles foi visto desde o lançamento do CD e os integrantes se quer voltaram a se en-contrar para realizar trabalhos. Da mesma forma, há todo um gêne-ro musical que foi considerado deteriorado e pouco criativo: o Axé. Antes o ritmo tratava de questões sociais que envolviam o cotidiano das periferias baianas e a cultura afrodescen-dente, com canções que cantavam os deuses do candomblé e faziam protestos aos governos opressores. Há quem diga que depois que foi

acrescentado “music” ao nome, em meados da década de 80 e 90, não houve nenhuma pro-dução significativa e/ou cultural no meio, o gê-nero perdeu seu caráter político e social. O mú-sico Dorival Caymmi é um dos que defendem a opinião da baixa qualidade das músicas de Axé depois que elas começaram a ter pretensões internacionais e mercadológicas, em outras pa-lavras, depois que as gravadoras interferiram em massa na produção artística. O próprio Funk é criticado da mesma for-ma. Visto por muitos como uma exposição eró-tica despropositada; os vários MC’s e funkeiros que se rendem as tentações das gravadoras acabam por não agradar o público e a perder apreciadores. O Funk atualmente tem uma es-trutura parecida com a do tecnobrega: depois dos Bailes, as músicas são disponibilizadas na internet e acabam conhecidas no Brasil inteiro. Sem as imposições das gravadoras, os funkei-ros possuem completa liberdade para tratar de vários assuntos que refletem a realidade em que vivem. Em Belo Horizonte, desde 2007, acon-tece o Duelo de MC’s que, debaixo do viaduto Santa Tereza, lança artistas que trabalham de forma independente. Ainda de BH é a banda Graveola e Lixo Polifônico, outra banda de des-taque no cenário artístico brasileiro. Também independente, além de disponibilizar suas mú-sicas gratuitamente realiza alguns shows sem a venda de ingressos com o intuito de protes-to: o último deles foi na região da ocupação de Dandara (região da Pampulha em que a pre-feitura iniciou ação de despejo, mesmo com a alegação de usocapião de um terreno privado e abandonado). Não resta dúvida: se o rockabilly marcou os anos 50; o dancing days, os anos 70, o rock progressivo, os anos 80; a música independen-te marca a nossa época.

Integrantesda Banda mais Bonitada Cidade

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REINVENTANDO ESPAÇOS Um quarteirão ocupado por um mo-vimento de resistência, onde a música Black dos anos 70 reina. A expressão máxima do hip-hop de Belo Horizonte em pleno Viadu-to Santa Tereza. Um protesto que transforma uma praça em uma grande praia de concre-to. Um grupo de teatro que constrói sua sede num lugar abandonado do centro da cidade. O que tais eventos têm em comum? Eles pro-põem uma reinvenção de um espaço de BH com o qual estamos muito acostu- mados: o centrão da cidade. Essa reinvenção se dá de uma forma muito especial e peculiar: faz com que nós, moradores de Belo Horizonte, recon- heçamos naquele habitual espaço algo de di-fer- ente; desloca o nosso olhar para algo novo. A apropriação da rua como material de trabalho mistura tudo numa coisa só, artista-protestan-te- cidadão. E é dessa forma que investigamos como tais eventos estão revitalizando o cora-ção da nossa cidade. Gustavo Bones é ator e um dos funda-dores do grupo Espanca!, companhia de teatro de Belo Horizonte que vem conquistando pú-blico e crítica, tornando-se uma das mais im-portantes expressões do teatro do Brasil. Em 2010, o grupo foi contemplado pelo programa Petrobrás Cultural e resolveu montar a sua sede

na Rua Aarão Reis,no hipercentro da cidade, em frente ao ponto de ônibus da estação BHBUS. Sobre a decisão de montar a sede ali, Gustavo comenta: “Tínha-mos uma parceria muito legal com o Chevrolet Hall onde mantínhamos um espaço para o gru-po. Quando fomos selecionados para o Petro-brás Cultural, decidimos abrir nossa sede aqui no hiper- centro pra fugir um pouco da Savassi e dar uma `desburguesada` das coisas. Não foi exatamente com o intuito de dar uma “desburguesada” no cenário cultural que o Quar- teirão do Soul foi criado. A idéia surgiu de Geraldo Antônio, o famoso Geraldinho, que estacionou despretensiosamente sua Caravan no quarteirão fechado entre a Rua Tupis e a Avenida Amazonas. Foi preciso apenas Colo-car um soul pra tocar e começar a dançar com outros seis amigos. Nascia ali um movimento que vem conquistando público de todas as fai-xas etárias e sociais em Belo Hori- zonte. Ainda há quem passe pelo local e se assuste ao en-contrar um grupo de senhores dançando Black music, vestidos no melhor estilo James Brown. Essa é uma das razões pela qual Seu Antônio gosta de freqüentar o baile a céu aberto: “Eu gosto de me transformar, vestir uma roupa dos anos 70 e reviver aquela época. Fora que não

REINVENTANDO ESPAÇOS

por Augusto Drumond

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ARTIGO

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tem drogas, não tem violência. É uma coisa que recomendo pra todo mundo, pra criança, pra velho. E pra ser sincero, o Quarteirão do Soul é o que está tendo de melhor em BH ul-timamente, é tudo de bom!”. Essa pluralidade de pessoas é uma coisa que vêm desde a sua criação. Os outros seis amigos que estavam com Geraldinho no começo são de difer- entes partes da cidade e tinham em comum a pai-xão por ícones dos anos 70, além de terem freqüentado outros bailes destinados à música Soul. A Caravan que funcionava como carro desom foi trocada por amplificadores mais moder- nos: hoje existe até iluminação especial para animar mais ainda a galera que fica até o anoi-tecer. Já o Duelo de MC’s surgiu depois que BH sediou uma etapa regional da Liga dos MCs (projeto que nasceu no Rio de Janeiro) em 2007. A Liga aconteceu no Lapa Multshow, no dia 18 de agosto daquele ano, e foi uma noite especial que reuniu uma boa leva de MCs da cidade. No início da semana seguinte, alguns amigos, entre eles Ozléo e Vuks, se propuse-ram a realizar uma batalha de MCs no centro da cidade; um local que pudesse reunir pes-soas de diferentes lugares da cidade. E assim, na sexta-feira seguinte, 24 de agosto de 2007, nasceu o Duelo de MCs, na Praça da Estação, com uma roda de umas 15 ou 20 pessoas. Pe-dro Valentim, um dos organizadores do evento, conta que o duelo foi parar sem querer no local onde ele é realizado atualmente: “Nós fomos parar debaixo do viaduto por acaso. No final de 2007, e por conta das chuvas, lembramos do viaduto e fomos pra lá. E ali encontramos o lugar perfeito pra realizar o Duelo. O viaduto estava esquecido e jogado às traças. E então fomos procurar entender o espaço e buscar

melhorias para aquele lugar. Neste processo conseguimos alvarás de funcionamento, ilumi-nação, novas lixei- ras, banheiros químicos e ponto de energia, além de despertar a atenção das autoridades para o espaço. Muita coisa ainda precisa melhorar, porém. “ Por essas e outras razões, é comum afirmar que é possível ver uma efervescência cultural no hiper- centro da cidade. Pedro Valentim destaca a rua Aarão Reis, já Gustavo, vai além: “É uma efer- ves-cência cultural da cidade. É mais do que o hi-percentro e está claro pra todo mundo que isso está acontecendo”. O ator destaca também o diálogo entre esses vários pólos: “A gente está começando a criar o que chamamos meio de brin- cadeira de Circuito Cultural Praça da Es-tação, que é um circuito alternativo em relação ao que os poderes intuídos fizeram na praça da liberdade. Está havendo, portanto, uma conversa mais con- tínua entre nós, o Nelson Bordello, o 104, o Duelo e agora deve entrar o Centro Cultural UFMG. Esta- mos começando a criar uma história mais coletiva aqui na re-gião”. A revitalização tem endereço e não é só um, mas vários. Afinal, ninguém consegue transformar a realidade sozinho. O bar dançan-te Nelson Bor- dello, do ladinho da sede do grupo Espanca!, a própria Serraria Souza Pinto, o Centro Cultural da UFMG, o museu de Artes e Ofícios na Praça da Estação, os galpões da Casa do Conde- onde hoje funciona a Funarte - , o Espaço CentoeQuatro e a Praça da Es-tação, que se transforma em símbolo máximo desse movimento, configuram a revitali- zação como todo. A ocupação desses espaços se dá de forma difer- ente: é pelo protesto, é pelo o que é da minoria. E é aí que a rua se faz necessária.

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Nela podem-se expor os anseios daquilo que precisa ser dividido com o grande público. E isso fica muito evidente no espaço em discussão, afinal, trata-se de um lugar onde tudo é construído coletivamente. É hi-percentro por diversos motivos: pela geografia, pelo modo como reú-ne pessoas e a nossa cultura. Gustavo faz a relação desses espaços com uma pólis de discussão: “Existe uma fala recorrente no meio teatral do Brasil sobre políticas públicas: uma atitude como essas: o duelo de MC’s, a gente estar aqui na Aarão Reis é que é uma verdadeira política pública no Brasil porque ela estabelece um espaço de debate, de con-vivência, de conflito. Quando a gente propõe iniciativas que unem difer- entes atores sociais no mesmo espaço, a gente está propondo uma pólis, uma arena de debate. E quando a gente consegue fazer isso criando signo, criando subjetividades, releituras da realidade ou possibilidade de visão sobre a realidade. a gente está fazendo uma revolução pela cultura”. A conquista de um público fiel e diversificado é orgulho para Pe-dro do Duelo de MC’s. Cerca de 800 pessoas frequentam o evento por semana, “do adolescente à senhora, do punk à patricinha, do cristão ao espírita”. No caso do Espanca!, Gustavo fala da importância de se cons-truir um público diversificado, composto tanto por uma elite quanto por classes menos favorecidas: “Eu acho que tem as duas coisas e eu acho que isso também é legal. A gente realiza coisas aqui e recebe coisas de fora que são exata- mente para romper essas barreiras burguesas da arte. As pessoas que tem menos acesso a arte vão entrando aqui e também aos poucos elas vão se aproximando do espaço. O mais im-portante, porém, é esse espaço estar situado neste contexto e isso gera muito debate, conflitos, coisas maravil- hosas e terríveis e é isso que me instiga. É obrigar essas pessoas a saberem que existe isso aqui e ao mesmo tempo obrigar o teatro - que é um estrutura às vezes fechadae hermética - a recon- hecer essas pessoas que estão aqui. Este conflito é instigante pra nós e para a cidade.”

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O QUE PEGA

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o encarte, pega o disco, bota e vira o disco. A relação física hoje quase que não existe. Mas a música vai continuar. Baixar uma música e colo-car no celular é algo sem relação nenhuma,você só ouve”. Tanto a idade dos consumidores, que vão de pessoas que vivenciaram a era do vinil a adolescentes que estão descobrindo a música através de compactos antigos, quanto o gêne-ro procurado é bem variado. Do rock ao jazz, música clássica ou popular brasileira: todo tipo de música é bem vindo. O preço também varia bastante. Existem vinis sendo vendidos a um real, e os mais procurados, como alguns dos Beatles, chegam a custar mais de cem. Não só antiguidades que rodam nas vitrolas mundo afora. Muitos artistas resolvem inovar e lançar os seus álbuns não só em CD ou em mídias digitais, mas também em vinil. Novos títulos têm frequentemente chegando às lojas um pouco mais rechonchudos . E também não é raro o lançamento de reedições de títulos clássicos de bandas como Beatles e Pink Floyd remasterizados neste formato. Apesar da indústria dos CDs estar cada vez mais fraca, seja devido a à pirataria ou aos preços abusivos, a do vinil continua cativa e modesta entre seus consumidores. Seja por fe-tiche, relação direta, ou qualidade da música, os saudosistas estão aí para mostrar que ainda existe um lugar reservado para o passado ana-lógico em meio a toda loucura tecnológica.

Enquanto muita gente está baixando mú-sica a 78 kbites por segundo, ainda há quem as escute a 78 rotações por minuto. Apesar de ter perdido seu lugar para os famosos CDs durante a década de 80, os vinis, ou famosos “bola-chões”, ainda ocupam um espaço especial nas estantes e corações de pessoas das mais va-riadas idades.

Geralmente, começa como herança de família: o pai, um tio ou o avô deixa a coleção e ela só tende a aumentar. Foi o que aconte-ceu com Amanda Elizabeth Nunes, de 24 anos, que conta que “roubou” alguns LPs do acervo da família. Amanda tem vinis de Chico Buarque, Milton Nascimento, e até RPM, e os compra em lojas de discos ou feiras. Ela ainda compra CDs, mas diz achar que “o som é mais limpo, é mais gostoso de ouvir... É pela sensação mes-mo”. Isto é explicado por Alexandre, dono da loja de vinis “Usados com arte” através da rela-ção direta que o consumidor passa a ter com a música. “Música é música, não importa a for-ma. Mas com o disco de vinil, você tem a rela-ção física. Você pega o disco, olha a capa, abre

por Nina Rocha

fotografia Breno Mota

UM LP NOMUNDO DIGITALMUNDO DIGITAL

“Música é música, não importa a forma. Mas com o disco de vinil, você tem a relação física.”

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