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RECURSO ELEITORAL Nº 35-04.2013.6.09.0047 Fl. GBJF TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE GOIÁS RECURSO ELEITORAL Nº 35-04.2013.6.09.0047 CLASSE 30 PROTOCOLO Nº 44.012/2013 SÃO DOMINGOS-GO (47ª ZONA ELEITORAL SÃO DOMINGOS) RELATOR : JUIZ LEÃO APARECIDO ALVES RECORRENTE : ETÉLIA VANJA MOREIRA GONÇALVES ADVOGADO : FREDERICO DE MELO REIS OAB: 32174A/GO ADVOGADO : FELICÍSSIMO SENA OAB: 2652/GO ADVOGADO : DYOGO CROSARA OAB: 23523/GO ADVOGADO : CARLOS BARTA SIMON FONSECA OAB: 8525/GO RECORRENTE : RUY DE OLIVEIRA PINTO ADVOGADO : FREDERICO DE MELO REIS OAB: 32174A/GO ADVOGADO : FELICÍSSIMO SENA OAB: 2652/GO ADVOGADO : DYOGO CROSARA OAB: 23523/GO ADVOGADO : CARLOS BARTA SIMON FONSECA OAB: 8525/GO RECORRENTE : GERVÁSIO GONÇALVES DA SILVA ADVOGADO : FREDERICO DE MELO REIS OAB: 32174A/GO ADVOGADO : FELICÍSSIMO SENA OAB: 2652/GO ADVOGADO : DYOGO CROSARA OAB: 23523/GO ADVOGADO : CARLOS BARTA SIMON FONSECA OAB: 8525/GO RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL RECORRIDO : ETÉLIA VANJA MOREIRA GONÇALVES ADVOGADO : FREDERICO DE MELO REIS OAB: 32174A/GO ADVOGADO : FELICÍSSIMO SENA OAB: 2652/GO ADVOGADO : DYOGO CROSARA OAB: 23523/GO ADVOGADO : CARLOS BARTA SIMON FONSECA OAB: 8525/GO RECORRIDO : RUY DE OLIVEIRA PINTO ADVOGADO : FREDERICO DE MELO REIS OAB: 32174A/GO ADVOGADO : FELICÍSSIMO SENA OAB: 2652/GO ADVOGADO : DYOGO CROSARA OAB: 23523/GO ADVOGADO : CARLOS BARTA SIMON FONSECA OAB: 8525/GO RECORRIDO : GERVÁSIO GONÇALVES DA SILVA ADVOGADO : FREDERICO DE MELO REIS OAB: 32174A/GO ADVOGADO : FELICÍSSIMO SENA OAB: 2652/GO ADVOGADO : DYOGO CROSARA OAB: 23523/GO ADVOGADO : CARLOS BARTA SIMON FONSECA OAB: 8525/GO RECORRIDO : JOÃO DE LU GOMES DA SILVA ADVOGADO : FREDERICO DE MELO REIS OAB: 32174A/GO ADVOGADO : FELICÍSSIMO SENA OAB: 2652/GO ADVOGADO : DYOGO CROSARA OAB: 23523/GO ADVOGADO : CARLOS BARTA SIMON FONSECA OAB: 8525/GO RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

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TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE GOIÁS

RECURSO ELEITORAL Nº 35-04.2013.6.09.0047 – CLASSE 30 – PROTOCOLO Nº 44.012/2013 – SÃO DOMINGOS-GO (47ª ZONA ELEITORAL – SÃO DOMINGOS) RELATOR : JUIZ LEÃO APARECIDO ALVES RECORRENTE : ETÉLIA VANJA MOREIRA GONÇALVES ADVOGADO : FREDERICO DE MELO REIS – OAB: 32174A/GO ADVOGADO : FELICÍSSIMO SENA – OAB: 2652/GO ADVOGADO : DYOGO CROSARA – OAB: 23523/GO ADVOGADO : CARLOS BARTA SIMON FONSECA – OAB: 8525/GO RECORRENTE : RUY DE OLIVEIRA PINTO ADVOGADO : FREDERICO DE MELO REIS – OAB: 32174A/GO ADVOGADO : FELICÍSSIMO SENA – OAB: 2652/GO ADVOGADO : DYOGO CROSARA – OAB: 23523/GO ADVOGADO : CARLOS BARTA SIMON FONSECA – OAB: 8525/GO RECORRENTE : GERVÁSIO GONÇALVES DA SILVA ADVOGADO : FREDERICO DE MELO REIS – OAB: 32174A/GO ADVOGADO : FELICÍSSIMO SENA – OAB: 2652/GO ADVOGADO : DYOGO CROSARA – OAB: 23523/GO ADVOGADO : CARLOS BARTA SIMON FONSECA – OAB: 8525/GO RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL RECORRIDO : ETÉLIA VANJA MOREIRA GONÇALVES ADVOGADO : FREDERICO DE MELO REIS – OAB: 32174A/GO ADVOGADO : FELICÍSSIMO SENA – OAB: 2652/GO ADVOGADO : DYOGO CROSARA – OAB: 23523/GO ADVOGADO : CARLOS BARTA SIMON FONSECA – OAB: 8525/GO RECORRIDO : RUY DE OLIVEIRA PINTO ADVOGADO : FREDERICO DE MELO REIS – OAB: 32174A/GO ADVOGADO : FELICÍSSIMO SENA – OAB: 2652/GO ADVOGADO : DYOGO CROSARA – OAB: 23523/GO ADVOGADO : CARLOS BARTA SIMON FONSECA – OAB: 8525/GO RECORRIDO : GERVÁSIO GONÇALVES DA SILVA ADVOGADO : FREDERICO DE MELO REIS – OAB: 32174A/GO ADVOGADO : FELICÍSSIMO SENA – OAB: 2652/GO ADVOGADO : DYOGO CROSARA – OAB: 23523/GO ADVOGADO : CARLOS BARTA SIMON FONSECA – OAB: 8525/GO RECORRIDO : JOÃO DE LU GOMES DA SILVA ADVOGADO : FREDERICO DE MELO REIS – OAB: 32174A/GO ADVOGADO : FELICÍSSIMO SENA – OAB: 2652/GO ADVOGADO : DYOGO CROSARA – OAB: 23523/GO ADVOGADO : CARLOS BARTA SIMON FONSECA – OAB: 8525/GO RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

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RELATÓRIO

Em 7 de julho de 2013, esta Corte promoveu a realização de

Eleição Municipal Suplementar em São Domingos. Nessa eleição, Etélia Vanja

Moreira Gonçalves (Etélia) e Ruy de Oliveira Pinto (Ruy) foram eleitos,

respectivamente, prefeita e vice-prefeito.

Em 11 de julho de 2013 (Vol. 1, Fls. 2-68), o Ministério

Público Eleitoral (MPE) propôs, perante o Juízo da 47ª Zona Eleitoral, São

Domingos, Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) contra Etélia, Ruy,

Gervásio Gonçalves da Silva (Gervásio) e João de Lu Gomes da Silva (João de

Lu) [em conjunto: Requeridos].

Na petição inicial, o MPE alega, em resumo, que Etélia e

Ruy foram eleitos “com a participação direta e efetiva” de Gervásio e de João de

Lu, os quais promoveram “o emprego de práticas e expedientes que feriram de

morte a lisura do pleito.” (Vol. 1, Fl. 4.) Segundo o MPE, as práticas e os

expedientes ilegais consistiram na captação ilícita de sufrágio (Lei 9.504, de 30 de

setembro de 1997 [Lei das Eleições, Lei Eleitoral ou Lei 9.504], Art. 41-A); na

prática de conduta vedada aos agentes públicos (Lei 9.504, Art. 73); no abuso do

poder econômico ao longo da campanha, mediante a captação e a utilização de

recursos que não transitaram pela conta bancária do comitê financeiro (Lei

Complementar 64, de 18 de maio de 1990 [LC 64], Art. 22; Lei 9.504, Art. 30-A); e

na realização de gastos extremamente desproporcionais aos declarados na

prestação de contas. (Vol. 1, Fl. 5.)

Em 21 de agosto de 2014 (Vol. 6, Fls. 1365-1403), a ilustre

Juíza Eleitoral, Dra. Priscila Maria de Sá Torres Brandão, julgou procedente, em

parte, o pedido, para: cassar os mandatos de Etélia e de Ruy; declarar a

inelegibilidade de Etélia e de Gervásio pelo prazo de 8 anos a contar de 7 de julho

de 2013; condenar Etélia e Gervásio ao pagamento de multa individual no valor

de R$ 20.000,00; e determinar a realização de nova eleição nos termos do Art.

224 do Código Eleitoral (CE). (Vol. 6, Fl. 1402.) Inconformados, Etélia, Ruy e

Gervásio (em conjunto: Requeridos ou Recorrentes), bem como o MPE, recorrem

a esta Corte visando a reformar a sentença nos pontos por eles enfocados,

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adiante resumidos.

Os Recorrentes sustentam, em suma (Vol. 7, Fls. 1413-

1494), a ilicitude do uso da interceptação telefônica na presente AIJE, diante da

falta de expressa autorização do Juízo Criminal para o compartilhamento

respectivo; a ilicitude da transcrição das interceptações telefônicas por servidores

do Ministério Público do Estado de Goiás (MP/GO); a ilicitude da prova em virtude

da ausência da transcrição integral das conversas telefônicas interceptadas; a

nulidade do processo em virtude da ausência de citação do partido ao qual estão

filiados; a nulidade da sentença, porque fundada em fatos que não foram

mencionados na petição inicial, em ofensa ao disposto no Art. 23 da LC 64 e nos

Arts. 128 e 460 do CPC; no mérito, a fragilidade da prova testemunhal na qual se

encontra embasada a sentença; a indevida inversão do ônus da prova, porquanto

o Juízo chegou ao ponto de exigir que os Requeridos provassem a improcedência

das alegações formuladas pelo MPE na petição inicial; a inexistência de provas

da participação direta ou da anuência dos Requeridos na prática dos atos que

implicaram a cassação dos mandatos respectivos; as conversas telefônicas

interceptadas não foram corroboradas por provas produzidas em Juízo; a

ausência de gravidade da conduta ou de potencialidade do evento, no caso do

Art. 30-A da Lei 9.504, para interferir no resultado da eleição; e a inexistência de

proporcionalidade entre a conduta, no caso do Art. 30-A da Lei 9.504, e as penas

aplicadas pelo Juízo. Requerem a decretação da nulidade do processo com base

nas alegações de ilicitude probatória; a extinção do processo, sem resolução do

mérito, diante da ausência de integração à lide dos litisconsortes passivos

necessários (CPC, Arts. 47 e 267, inciso IV); e, no mérito, a improcedência do

pedido.

Por sua vez, o MPE afirma, em síntese (Vol. 7, Fls. 1495-

1522), que os Requeridos “planejaram e executaram o transporte ilegal de

inúmeros eleitores” no dia do pleito (Vol. 7, Fl. 1499); que foram alugados ônibus

e vans para transportar eleitores residentes em Brasília, em Goiânia e na zona

rural de São Domingos; que diversos eleitores viajaram em linhas regulares de

transporte rodoviário de passageiros; que considerando o fato de a diferença na

votação ter sido de apenas 14 sufrágios em favor dos eleitos (Etélia e Ruy), é

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evidente que o transporte ilegal de eleitores “foi decisivo no desbalanceio do

pleito, em inegável e ignominiosa violação ao equilíbrio, probidade e isonomia das

eleições” (Vol. 7, Fl. 1499); que João de Lu se passou pelo prefeito de São

Domingos e autorizou o atendente do Posto de Combustíveis Guanabara, situado

em Goiânia, a abastecer o veículo do filho dele (João de Lu), com recursos da

Prefeitura respectiva, para que se dirigisse a São Domingos no dia da Eleição

Suplementar; que essa conversa telefônica interceptada foi corroborada pelo

depoimento do gerente do Posto Guanabara; que João de Lu operou o

“conhecidíssimo esquema de distribuição de combustíveis” na Eleição

Suplementar (Vol. 7, Fl. 1514, grifo omitido); que a distribuição de combustível

não visava à realização de carreatas nem se destinava aos cabos eleitorais, mas,

sim, à compra de votos; que é necessário majorar o valor da multa aplicada pelo

Juízo para atender também ao caráter pedagógico da pena. Requer, assim, o

provimento do recurso para: condenar João de Lu pela prática de captação ilícita

de sufrágio, abuso do poder econômico, captação e aplicação ilícita de recursos;

reconhecer a prática de transporte ilegal de eleitores em relação a todos os

Requeridos, com a respectiva condenação; majorar a multa aplicada “para seu

patamar máximo”, estendendo-a ao Sr. João de Lu. (Vol. 7, Fl. 1522.)

Os recursos foram contrarrazoados. (Contrarrazões do MPE:

Vol. 7, Fls. 1537-1594; Contrarrazões dos Requeridos: Vol. 7, Fls. 1595-1641.)

Em 5 de setembro de 2014 (Vol. 7, Fl. 1642), o Juízo

manteve a sentença por seus próprios fundamentos.

Em 1º de outubro de 2014 (Vol. 8, Fls. 1649-1694), a

Procuradoria Regional Eleitoral (PRE), em parecer subscrito pelo Dr. Marcello

Santiago Wolff, oficia: pelo conhecimento e não provimento do recurso interposto

pelos Recorrentes; e pelo conhecimento e provimento do recurso interposto pelo

MPE para que “seja reconhecida a captação ilícita de sufrágio em decorrência do

transporte ilegal de eleitores por parte de todos os requeridos” (Vol. 8, Fl. 1693);

“seja reconhecida a prática de captação ilícita de sufrágio, abuso de poder

econômico e captação e aplicação indevida de recursos” por parte do Sr. João de

Lu (Vol. 8, Fl. 1694); e “seja o valor da multa majorado para o patamar máximo,

estendendo-a ao” Sr. João de Lu. (Vol. 8, Fl. 1694.)

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VOTO

I

Examino, inicialmente, o recurso interposto pelos

Recorrentes Etélia, Ruy e Gervásio.

A

Em maio de 2013, o MPE requereu, perante o Juízo da 47ª

Zona Eleitoral, São Domingos, nos termos da Lei 9.296, de 24 de julho de 1996

(Lei 9.296), a quebra do sigilo telefônico de diversas pessoas, dentre elas os

Requeridos Gervásio e João de Lu, para a instrução de investigação sobre a

prática de crimes eleitorais. Esse pedido foi deferido e as conversas telefônicas

dos investigados foram interceptadas. (Vol. 2, Fls. 355-359.) Em seguida, os

elementos probatórios obtidos nesse procedimento (as conversas gravadas e as

transcrições respectivas) foram juntados aos presentes autos na condição de

prova emprestada.1

Os Recorrentes alegam que, diante da ausência de

expressa autorização do Juízo da 47ª Zona Eleitoral, para o compartilhamento

respectivo, é ilícito o uso dessas conversas telefônicas na instrução da presente

AIJE. Sucede, porém, que essa preliminar de nulidade não foi suscitada nas

contestações ou defesas dos Recorrentes. (Vol. 2, Fls. 247-271; 277-299 e 301-

323.) Em virtude disso, ocorreu a preclusão consumativa. Por conseguinte, essa

alegação é insusceptível de análise no presente recurso. Nessa direção, o TSE já

decidiu que, “[s]egundo entendimento pacificado no STF e no STJ, a matéria de

defesa referente à nulidade da prova ilícita também se submete aos efeitos da

preclusão.” (TSE, AgRg em RESPE nº 28779, Acórdão de 31/03/2011, Rel. Min.

ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJE 28/04/2011, P. 11-12.) No presente caso,

portanto, “a discussão sobre a ilicitude da prova”, sob o fundamento da ausência

1 “Prova emprestada consiste na utilização em um processo de prova que foi produzida em outro, sendo que esse transporte da prova de um processo para o outro é feito por meio de certidão extraída daquele.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. – 2. ed., 3ª tiragem, rev., atual. e ampl. – Salvador: Editora Jus Podium, 2014, p. 564.) “Embora seja trazida ao segundo processo pela forma documentada, a prova emprestada tem o mesmo valor da prova originalmente produzida.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Idem.)

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de autorização expressa do Juízo Criminal, para o compartilhamento respectivo,

“est[á] preclusa, pois somente foi suscitada depois do oferecimento da

contestação.” (TSE, AgRg em RESPE nº 28779, supra.)

Assim sendo, não conheço, preliminarmente, dessa

alegação de nulidade.

A despeito da ocorrência da preclusão, inexiste fundamento

jurídico para o acolhimento dessa alegação de nulidade processual.

Os Recorrentes afirmam que o Juízo “confunde a

possibilidade de compartilhamento da prova, algo que não é questionado [...], com

a necessidade de autorização do Juízo Criminal para tal compartilhamento.” (Vol.

7, Fl. 1419.) Na realidade, porém, o Juízo entendeu que “cabe ao juiz que

importou, que recebeu a prova, admitir a prova emprestada”. (Vol. 6, Fl. 1376.)

Além disso, o Juízo ressaltou “que a interceptação trazida a estes autos, como

prova a ser compartilhada, foi autorizada pelo mesmo juízo que deverá julgar a

presente ação, isto é, pelo juiz eleitoral da 47ª Zona Eleitoral”, daí a conclusão de

que, “[s]endo coincidentes as competências, [é] desnecessária a autorização

prévia nos autos do processo criminal.” (Vol. 6, Fl. 1376.) Dessa forma, é evidente

a inexistência, na sentença, da suposta confusão alegada pelos Recorrentes.

Os Recorrentes invocam precedentes do STF e do STJ a fim

de fundamentar a necessidade de expressa autorização do Juízo Criminal para o

uso da prova emprestada em outro procedimento. Todavia, em todos os casos

citados pelos Recorrentes a prova emprestada foi encaminhada pelo Juízo

Criminal à Administração Pública para a instrução de processo administrativo

disciplinar.2 Na espécie, ao contrário, a prova emprestada foi colhida sob a

supervisão do próprio Juízo da 47ª Zona Eleitoral, o qual tem competência para

processar e julgar todas as matérias relacionadas ao Direito Eleitoral, inclusive no

2 STF, RMS 24956, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em

09/08/2005, DJ 18-11-2005 P. 11; STJ, AgRg no RMS 43.329/RS, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 08/10/2013, DJe 21/10/2013; MS 16.146/DF, Rel. Min. ELIANA CALMON, Primeira Seção, julgado em 22/05/2013, DJe 29/08/2013; MS 9.212/DF, Rel. Min. GILSON DIPP, Terceira Seção, julgado em 11/05/2005, DJ 01/06/2005, p. 92; MS 12.468/DF, Rel. Min. CARLOS FERNANDO MATHIAS (Juiz Convocado do TRF 1ª Região), Terceira Seção, julgado em 24/10/2007, DJ 14/11/2007, p. 399; RMS 16.429/SC, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 03/06/2008, DJe 23/06/2008.

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âmbito criminal. (CE, Art. 35, inciso II.) Inexistindo similitude fática entre a

presente hipótese e a tratada nos precedentes trazidos à colação pelos

Recorrentes, é improcedente a pretensão ao reconhecimento, na espécie, da

necessidade de autorização expressa para o uso da prova emprestada.

Os Recorrentes argumentam que o uso da interceptação

telefônica, na ausência de autorização expressa para o compartilhamento,

caracteriza, em tese, a prática do crime descrito no Art. 10 da Lei 9.296. Segundo

esse dispositivo legal, “[c]onstitui crime realizar interceptação de comunicações

telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem

autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.” Porém, inexistiu

quebra do segredo de Justiça, porquanto a prova consubstanciada na

interceptação telefônica foi usada, no âmbito cível-eleitoral, pelo mesmo Juízo

que supervisionou sua colheita no âmbito criminal-eleitoral. Ademais, o Juízo

enfatizou que não há “falar em quebra de sigilo se este já foi quebrado quando da

autorização da interceptação.” (Vol. 6, Fl. 1376.) Na verdade, “com a colheita

legítima, já se rompeu a intimidade que o ordenamento, na forma da lei e da

Constituição, tende a resguardar em termos relativos”. (STF, Inq 2424 QO-QO,

Rel. Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 20/06/2007, DJe-087 24-

08-2007 DJ 24-08-2007 P. 55.)

De outra parte, os Recorrentes expõem “que, embora possa

estar concentrada na mesma pessoa, há distinção entre as mencionadas

jurisdições, o que motiva a necessidade de autorização para qualquer

compartilhamento.” (Vol. 7, Fl. 1424.) A doutrina e a jurisprudência proscrevem as

interpretações que conduzam ao absurdo, ou a um resultado sem sentido.3 Na

espécie, seria um absurdo desprovido de qualquer sentido legítimo exigir uma

decisão expressa para que a prova colhida no âmbito criminal-eleitoral pudesse

ser usada, pelo mesmo Juízo que supervisionou sua produção, no âmbito cível-

eleitoral.

3 CARLOS MAXIMILIANO afirma que “Interpretatio illa sumenda est quae vitetur absurdum”, ou seja, em vernáculo, “deve ser tomada aquela interpretação que evite o absurdo”. (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 19ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 195.) Em idêntica direção: STF, HC 48818/PB, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI, julgado em 08/06/1971, Primeira Turma, DJ 20-08-1971, P. 4252; HC 81260/ES, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, julgado em 14/11/2001, Tribunal Pleno, DJ 19-04-2002, P. 48.

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Ademais, e, como bem ressaltou o eminente Juiz AIRTON

FERNANDES DE CAMPOS, em julgamento recente, “a forma [não deve] superar

a essência.” (TRE/GO, Recurso Criminal nº 6672, Rel. AIRTON FERNANDES DE

CAMPOS, julgado em 13/11/2014.) No presente caso, aderir à pretensão dos

Recorrentes implicaria colocar a forma acima da substância, da essência, do fato

de que a interceptação foi autorizada pelo mesmo Juízo que a apreciou no

julgamento da presente AIJE.

Finalmente, os princípios constitucionais relativos ao devido

processo legal (Constituição Federal [CF], Art. 5º, inciso LIV), ao contraditório e à

ampla defesa (CF, Art. 5º, inciso LV) são exercidos e observados nos termos da

lei processual.4 Aqui, os Recorrentes deixaram de indicar qual teria sido a norma

legal violada em virtude do uso da prova emprestada noutro procedimento em

curso no mesmo Juízo que supervisionou sua colheita no âmbito criminal.

Assim sendo, concluo que é desnecessária a prolação de

decisão expressa, por parte do Juízo perante o qual a prova foi colhida, para a

sua utilização em outro procedimento que tramita perante o mesmo Juízo.

B

Os Recorrentes requerem a decretação da nulidade da

transcrição da interceptação telefônica, sob o fundamento de que foi procedida

pelos servidores do MP/GO. Os Recorrentes equiparam a transcrição da

interceptação telefônica a uma espécie de prova “pericial”. Asseveram que “o

Magistrado que presidia o feito deferiu a interceptação e nomeou para produzir a

prova uma das partes, o que evidentemente não pode ser admitido como

processualmente válido.” (Vol. 7, Fl. 1428. Grifo omitido.) Afirmam que não se

pode “admitir que a própria parte, no caso o MPE, fizesse a interceptação e

apresentasse os relatórios de transcrições, posto que a interceptação é uma

espécie de prova que só é válida quando produzida sob o crivo do contraditório,

da ampla defesa e de forma imparcial, com oportunidade de apresentação de

quesitos pelas partes e nomeação de perito e assistente técnico.” (Vol. 7, Fl.

4 STF, MS 23739/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em

27/03/2003, DJ 13-06-2003 P. 10; MS 25483/DF, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 04/06/2007, DJe-101 14-09-2007.

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1428.)

A transcrição de conversas telefônicas interceptadas com

ordem judicial não constitui perícia no sentido técnico-jurídico. Esta Corte,

rechaçando alegação similar, ressaltou que

A Lei nº 9.296/96, em seu artigo 6º, § 1º, ao determinar a transcrição das gravações, não menciona tratar-se de exame pericial ou que deva ser realizada necessariamente por peritos ou “experts”. Na verdade trata-se apenas de materialização das gravações obtidas, consistindo na reprodução do que foi dito ao telefone para o papel. O que o legislador previu no dispositivo foi o revestimento do resultado da interceptação de forma documental, uma vez que a própria gravação, de per si, já constitui meio de prova e sua transcrição é o meio pelo qual ela é fixada nos autos.

Leciona o professor Luiz Flávio Gomes, em sua obra nominada Interceptação Telefônica (São Paulo: RT, 1997, p. 222) “a gravação é o resultado de uma operação técnica (captação da comunicação). Mais precisamente, é a documentação da fonte de prova. Fonte de prova é a comunicação. A gravação atesta a existência dessa fonte, mas não é, por si só, meio de prova. O meio de prova (documental) é a transcrição, porque é ela que ‘fixa a prova em juízo’”. Tanto isso é verdadeiro, que esse não é o único meio de fixar a prova da gravação em juízo, o que pode também ser feito por via da “prova testemunhal”.

Note-se que, seja como “prova documental”, seja como “prova testemunhal”, a fixação das gravações em juízo prescinde de conhecimentos técnicos especializados, consistindo tão somente na documentação escrita ou narração oral daquilo que foi captado e ouvido durante as diligências, descaracterizando-se o requisito da especialização inerente ao conceito de “prova pericial”.

Ciente dessas premissas, a degravação deve ser entendida como qualquer manifestação materializada, por meio de grafia, de símbolos, de desenhos, enfim, que seja uma forma ou expressão de linguagem ou de comunicação, que torne possível a compreensão de seu conteúdo.

(TRE/GO, Recurso Eleitoral nº 65225, Acórdão nº 13881 de 27/06/2013, Rel.

AIRTON FERNANDES DE CAMPOS, DJ 01/07/2013, P. 2-4.)

Por outro lado, o Art. 6º, caput, da Lei 9.296 dispõe que,

“[d]eferido o pedido [de quebra do sigilo telefônico], a autoridade policial conduzirá

os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que

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poderá acompanhar a sua realização.” Portanto, o Ministério Público está

legalmente autorizado a acompanhar a realização da interceptação telefônica.

Além disso, o Juízo salientou “que o STJ já decidiu ser possível a condução da

interceptação por outros órgãos que não [a] Polícia Civil, permitindo sua condução

pela Coordenadoria de Inteligência do Sistema Penitenciário (CISPEN), conforme

se verifica no HC 131.836/RJ.” (Vol. 6, Fl. 1378.) [Cf. STJ, HC 131.836/RJ, Rel.

Min. JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 04/11/2010, DJe 06/04/2011.] No

mesmo sentido, em relação ao Ministério Público: STJ, HC 244.554/SP, Rel. Min.

MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Quinta Turma, julgado em 09/10/2012, DJe

17/10/2012.

Em contexto fático idêntico ao dos presentes autos, esta

Corte reconheceu a legitimidade da realização da interceptação telefônica pelos

servidores do Ministério Público, sob a supervisão do órgão judicial. Por

unanimidade, esta Corte declarou que “[o] representante do Ministério Público

pode requerer ao magistrado a interceptação, cabendo a esta autoridade indicar

os nomes dos servidores do órgão ministerial que serão responsáveis pelas

operações.” (TRE/GO, Recurso Eleitoral nº 65225, supra.) Essa orientação está

em consonância com o entendimento do STF, o qual, em diversas oportunidades,

decidiu que o Ministério Público tem legitimidade para conduzir, diretamente,

investigação criminal.5

Por sua vez, o § 1º do Art. 6º, supra, estabelece que, “[n]o

caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será

determinada a sua transcrição.” Como se vê, a lei não exige a nomeação de

perito para efetuar a transcrição. Assim como os atos praticados pelos servidores

dos órgãos policiais, os praticados pelos servidores do Ministério Público também

desfrutam da presunção de veracidade e de legitimidade. Essa presunção é iuris

tantum. Porém, ela somente pode ser afastada mediante prova idônea e

inequívoca, cujo ônus da respectiva produção é do interessado. Em

consequência, “[m]eras alegações não descaracterizam o conteúdo de veracidade

5 V.g.: STF, AP 565, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em

08/08/2013, DJe-098 23-05-2014. Na doutrina, vide, por todos: CALABRICH, Bruno. Investigação criminal pelo Ministério Público: fundamentos e limites constitucionais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

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que se presume existente nesses atos”. (STF, HC 71341/SP, Rel. Min. CELSO

DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 21/06/1994, DJ 15-12-2006 P. 94.)

Em suma, as conversas telefônicas interceptadas podem ser

transcritas tanto pelos servidores dos órgãos policiais quanto pelos servidores do

Ministério Público.

Os Recorrentes alegam que devia ter sido franqueado a eles

o acompanhamento da colheita e da transcrição das conversas telefônicas

interceptadas, bem como que essa prova devia ter sido produzida com a

concessão da “oportunidade de apresentação de quesitos pelas partes e

nomeação de perito e assistente técnico.” (Vol. 7, Fl. 1428.) Com exceção das

provas testemunhais, os demais elementos probatórios colhidos durante a

investigação criminal estão sujeitos ao contraditório diferido ou postergado, a ser

exercido na fase judicial.6 Em caso versando sobre interceptação telefônica, esta

Corte decidiu que, quando “a prova [é] oriunda de inquérito policial”, o

“contraditório e a ampla defesa são diferidos”. (TRE/GO, Recurso Eleitoral nº

79745, Acórdão nº 13882 de 27/06/2013, Rel. DORACI LAMAR ROSA DA SILVA

ANDRADE, DJ 03/07/2013, P. 2-3.) Inexistem “partes”, no sentido técnico-jurídico,

durante a investigação administrativa, cível ou criminal. Ademais, a disciplina

contida na Lei 9.296 desconhece por completo a possibilidade da instauração de

um contraditório no curso da interceptação das comunicações telefônicas com a

nomeação de perito pelo Juiz e a indicação de assistentes técnicos pelo

investigante e pelo investigado. Por conseguinte, são improcedentes as

pretensões formuladas pelos Recorrentes nesse particular.

Os Recorrentes argumentam, ainda, “que o envio dos

documentos apreendidos nas interceptações para o MPE vicia toda produção

antecipada de prova realizada, visto que tais documentos deveriam ter ficado

guardados na sede do Juízo à disposição das partes e não ter sido entregue a

6 STF, RE 230020/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 06/04/2004, DJ 25-06-2004 P. 29; HC 73647/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 07/05/1996, DJ 06-09-1996 P. 31852; HC 86858/RJ, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 29/08/2006, DJ 22-09-2006 P. 38; AI 494949 ED/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 04/05/2004, DJ 25-06-2004, P. 27.

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uma delas.” (Vol. 7, Fl. 1430.) A lei determina que as provas produzidas durante a

investigação criminal devem ser primeiramente submetidas ao crivo do Ministério

Público, porquanto a ele compete formular a opinio delicti. “Se o Ministério Público

julgar necessários maiores esclarecimentos e documentos complementares ou

novos elementos de convicção, deverá requisitá-los, diretamente, de quaisquer

autoridades ou funcionários que devam ou possam fornecê-los.” Código de

Processo Penal (CPP), Art. 47. Caso contrário, o Ministério Público poderá

promover o arquivamento do inquérito ou das peças de informação (CPP, Art. 28),

ou, ainda, propor ação penal. CPP, Art. 24. Consequentemente, correto o

procedimento adotado pelo Juízo.

Por outro lado, mais adiante, em suas razões, os

Recorrentes alegam a “necessidade de que todas as interceptações telefônicas

juntadas pelo MPE sejam degravadas, fato que deveria ter sido feito pela parte

autora, na inicial, o que não fez.” (Vol. 7, Fl. 1431.) Portanto, os próprios

Recorrentes reconhecem que a transcrição das conversas telefônicas

interceptadas pode ser procedida pelo Ministério Público.

Ademais, os Recorrentes, em momento algum, indicaram a

existência de equívocos nas transcrições procedidas pelos servidores do MP/GO.

Portanto, inexiste fundamento jurídico para decretar a nulidade do ato. Nesse

ponto, é oportuno lembrar que o Art. 219 do CE consagra o tradicional princípio

pas de nullité sans grief, nos seguintes termos: “Na aplicação da lei eleitoral, o

Juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de

pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo.” “No sistema processual civil

e no processo eleitoral, em homenagem ao princípio da instrumentalidade das

formas, somente são pronunciadas as nulidades caso seja demonstrada a

ocorrência de efetivo prejuízo à parte, sendo insuficiente, para tanto, a mera

condenação, sob pena de se transformarem, em todas as condenações, as

nulidades relativas em absolutas. (AgR-AC 2.681/PR, de minha relatoria, DJE de

8.10.2008; AAG 8.137/MG, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, publicado no DJ de

12.9.2008; AAG 8.434/SP, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, DJ de 3.6.2008)”. (TSE,

AgRg em RESPE nº 28887, Acórdão de 09/12/2008, Rel. Min. FELIX FISCHER,

DJE 25/02/2009, P. 3.) Em idêntica direção: TSE, RESPE 16257/PE, Rel. Min.

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EDSON VIDIGAL, DJ 11/08/2000, P. 4.

Os Recorrentes afirmam, ainda, que “a interpretação da

prova dada pelo autor [...] é tendenciosa e absurda e, de consequência, não pode

ser levado [sic] em conta.” (Vol. 7, Fl. 1430.) Todavia, os Recorrentes deixaram de

demonstrar, com remissão às peças dos autos, em quais pontos a interpretação

seria “tendenciosa e absurda”.

Em consequência, inexiste fundamento jurídico para declarar

a nulidade da suposta “prova pericial”.

C

Os Recorrentes sustentam a ilicitude da prova consistente

na interceptação telefônica em virtude da ausência da transcrição integral das

conversas respectivas.

No âmbito criminal, a jurisprudência do STF é pacífica no

sentido de que é desnecessária a transcrição integral das conversas telefônicas e

a sua ausência é insuficiente para acarretar cerceamento de defesa. No Inquérito

2424, o STF concluiu que “[o] disposto no art. 6º, § 1º, da Lei federal nº 9.296, de

24 de julho de 1996, só comporta a interpretação sensata de que, salvo para fim

ulterior, só é exigível, na formalização da prova de interceptação telefônica, a

transcrição integral de tudo aquilo que seja relevante para esclarecer sobre os

fatos da causa sub iudice.” (STF, Inq 2424, Rel. Min. CEZAR PELUSO, Tribunal

Pleno, julgado em 26/11/2008, DJe-055 26-03-2010.) Assim sendo, “[o] Supremo

Tribunal Federal afasta a necessidade de transcrição integral dos diálogos

gravados durante quebra de sigilo telefônico, rejeitando alegação de cerceamento

de defesa pela não transcrição de partes da interceptação irrelevantes para o

embasamento da denúncia.” (STF, Inq 3693, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal

Pleno, julgado em 10/04/2014, DJe-213 30-10-2014.) Em idêntica direção: STF,

HC 83515/RS, Rel. Min. NELSON JOBIM, julgado em 16/09/2004, Tribunal Pleno,

DJ 04/03/2005 P. 11; HC 115773 AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda

Turma, julgado em 13/05/2014, DJe-170 03-09-2014.

No âmbito cível, inexiste fundamento jurídico para que

prevaleça orientação diversa. Nesse sentido, esta Corte resumiu alegação

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idêntica à presente e a rechaçou nos seguintes termos:

Os recorrentes alegam que não teria havido uma degravação, mas sim uma interpretação por parte do Ministério Público ao elaborar o relatório de transcrições. Contudo, não é o que se verifica da leitura do relatório. Este é válido como documento de degravação das interceptações telefônicas, já que traduziu de forma clara o conteúdo das conversas.

O fato de o Ministério Público ter optado, ao elaborar o relatório, por transcrever os diálogos de modo contínuo, sem uso de travessões, sinal corrente da língua portuguesa que indica um diálogo, não significa dizer que ele fez interpretação dos conteúdos que eram ditos por telefone. Portanto, embora tenha optado por esta forma de transcrição do diálogo, realizou a devida degravação, não havendo qualquer resquício de interpretação daquilo que foi gravado.

(TRE/GO, Recurso Eleitoral nº 65225, supra.)

Em suma, esta Corte admite a elaboração de relatório das

conversas telefônicas interceptadas, bem como reconhece que “[o] relatório de

transcrições válido como documento de degravação das interceptações

telefônicas é aquele que traduz de forma clara o conteúdo das conversas”.

(TRE/GO, Recurso Eleitoral nº 65225, supra.)

Na espécie, os Requeridos tiveram acesso à mídia

impugnada e ao resumo das conversas telefônicas pelo menos desde 18 de julho

de 2013, data em que apresentaram as respectivas defesas perante o Juízo. (Vol.

2, Fls. 247-323.) Consequentemente, os Requeridos tiveram tempo mais do que

suficiente para o pleno exercício da respectiva defesa. Segundo decidiu o STF,

inexiste “cerceamento de defesa” quando “garantido” ao interessado o acesso ao

conteúdo das conversas interceptadas, por escrito, e “também mediante meio

magnético”. (STF, Inq 2424/RJ, supra.)

Os Recorrentes asseveram que, “[o]uvindo os diálogos

apresentados, verifica-se que os mesmos não trazem conversas que permitam a

interpretação dada pelo autor nos relatórios trazidos nos autos.” (Vol. 7, Fl. 1431.)

A despeito dessa veemente alegação, os Recorrentes deixaram de indicar, nos

autos, quais serias essas conversas.

Os Recorrentes alegam, ainda, que, nas transcrições

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fornecidas, o MPE “distorce a realidade dos fatos que fazem parte dos áudios, e

faz uma interpretação subjetiva e tendenciosa das falas constantes das

interceptações.” (Vol. 7, Fl. 1434.) Porém, os Recorrentes deixaram de indicar,

com remissão às peças dos autos, onde estariam as distorções da realidade dos

fatos e as interpretações subjetivas e tendenciosas.

Por outro lado, os Recorrentes argumentam que todos os

diálogos deveriam ter sido transcritos nos termos do Art. 7º, § 4º, da Resolução

TSE 23.367/2011.7 No entanto, essa norma regulamentar somente se aplica ao

processo das representações, das reclamações e do direito de resposta na

Eleição Municipal de 2012, e, não, às conversas telefônicas interceptadas nos

termos da Lei 9.296.

Em consequência, é improcedente a pretensão à extinção

do processo, sem resolução do mérito, com fundamento no Art. 267, inciso I, do

CPC.

D

Os Recorrentes sustentam, ainda, a nulidade ab initio do

processo, sob o fundamento da ausência de citação da respectiva agremiação

partidária. Os Recorrentes alegam que o partido ao qual estão filiados é

litisconsorte passivo necessário na presente AIJE e que deveria ter sido citado

para integrar a lide nessa condição. CPC, Art. 47.

Como bem ressaltou esta Corte, refutando argumentação

idêntica, “[a] tese de existência de litisconsórcio passivo necessário entre o

candidato eleito e a sua agremiação partidária é adstrita aos casos de cassação

de mandato por infidelidade partidária.” (TRE/GO, Recurso Eleitoral nº 65225,

supra.) No voto, o eminente Relator, Juiz AIRTON FERNANDES DE CAMPOS,

invocou o entendimento segundo o qual, “o litisconsórcio necessário entre o

candidato e o partido pelo qual concorreu às eleições somente incide na hipótese

7 “Art. 7º. As petições e recursos relativos às representações e às reclamações serão admitidos, quando possível, por meio eletrônico ou via fac-símile, dispensado o encaminhamento do original, salvo aqueles endereçados ao Supremo Tribunal Federal. […] § 4º. As duas mídias de áudio e/ou vídeo que instruírem a petição deverão vir obrigatoriamente acompanhadas da respectiva degravação em 2 vias, observados os formatos mp3, aiff e wav para as mídias de áudio; wmv, mpg, mpeg ou avi para as mídias de vídeo digital; e VHS para fitas de vídeo.”

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de pedido de perda de mandato por infidelidade partidária, com a disciplina dada

pela Resolução 22.610-TSE.” (TSE, RO nº 1589/RJ, Acórdão de 12/11/2009, Rel.

Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJE 01/02/2010, P. 419.) Daí a irreprochável

conclusão de que “[o] partido político não é litisconsorte necessário em ações que

versem sobre cassação de mandatos por prática de captação ilícita de sufrágio.”

(TRE/GO, Recurso Eleitoral nº 65225, supra.) Em idêntica direção: TSE, AgRg em

AI nº 130734, Acórdão de 02/03/2011, Rel. Min. MARCELO HENRIQUES

RIBEIRO DE OLIVEIRA, DJE 25/04/2011, P. 51; TRE/GO, Representação nº

890150, Acórdão nº 11486 de 27/06/2011, Rel. JOÃO BATISTA FAGUNDES

FILHO, DJ 01/07/2011, P. 3.

Em consequência, inexistem as alegadas ofensas ao

disposto no Art. 47 do CPC e no Art. 5º, inciso LIV, da CF.

E

Os Recorrentes alegam a inadmissibilidade da condenação

pela prática de captação ilícita de sufrágio sob a assertiva de que teria sido

fundada em fatos que não foram descritos na petição inicial. CPC, Arts. 2º, 128 e

460; LC 64, Art. 23. Sustentam, especificamente, a inexistência de descrição, na

petição inicial, dos fatos relativos à suposta compra do voto da eleitora Fabiana

Machado Santana pelo Requerido Gervásio.

O Art. 23 da LC 64, declarado constitucional pelo STF (ADI

1082, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Plenário, julgado em 22/05/2014), dispõe que

“[o] Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e

notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para

circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas

que preservem o interesse público de lisura eleitoral.” Na mesma direção, o

parágrafo único do Art. 7º da LC 64 estabelece que “[o] Juiz, ou Tribunal, formará

sua convicção pela livre apreciação da prova, atendendo aos fatos e às

circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes,

mencionando, na decisão, os que motivaram seu convencimento.” Diante do

princípio da “especialidade8, [...] o disposto no artigo 460 do Código de Processo

8 NORBERTO BOBBIO (Teoria do Ordenamento Jurídico, 7ª edição, Editora

UnB, Brasília, 1996, pp. 95-96) esclarece que, na solução de antinomias, “[o] terceiro critério, dito

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Civil [é de] aplicação subsidiária, considerando o previsto no artigo 23 da Lei

Complementar n° 64/1990, a direcionar à possibilidade de o Tribunal, na ação de

investigação judicial eleitoral, levar em conta fatos não alegados pelas partes,

tudo visando a preservar o interesse público de lisura eleitoral.” (TSE, RESPE nº

104015, Acórdão de 04/12/2012, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJE 31/05/2013,

P. 46.) Porém, o Art. 23 não contém autorização legal para que a causa possa ser

decidida com base em fatos não alegados na petição inicial. O que esse

dispositivo determina é que o juiz poderá fundamentar sua decisão em “fatos

públicos e notórios, [...] indícios e presunções e prova produzida, atentando para

circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes”.

(Grifei.) Nesse sentido, o parágrafo único do Art. 7º, supra, dispõe que a decisão

judicial deve atender “aos fatos e às circunstâncias constantes dos autos”. (Grifei.)

Assim sendo, os fatos e as circunstâncias não precisam ter sido alegados ou

indicados pelas partes, mas devem consistir em “fatos públicos e notórios, [...]

indícios e presunções e prova produzida”. Art. 23. Além disso, os fatos e

circunstâncias invocados, de ofício, pelo Juízo, precisam ser fatos e

circunstâncias “constantes dos autos”.9 LC 64, Art. 7º, parágrafo único.

Dessa forma, esses dispositivos legais complementares não

afastam a incidência do princípio de que o réu defende-se dos fatos narrados na

petição inicial, o qual perpassa todo o ordenamento jurídico.10 Nesse sentido, esta

Corte esclareceu que “[a] narrativa do fato atribuído aos candidatos na petição

inicial constitui exigência inarredável que se extrai do devido processo legal, do

princípio do contraditório e do direito à ampla defesa, não podendo esta Corte

fundamentar condenação por [conduta] não imputada na inicial.” (TRE/GO,

Investigação Judicial nº 132332, Acórdão nº 14134 de 17/12/2013, Rel. LEÃO

APARECIDO ALVES, Redatora para o acórdão DORACI LAMAR ROSA DA

justamente da lex specialis, é aquele pelo qual, de duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcional), prevalece a segunda: lex specialis derogat generali. Também aqui a razão do critério não é obscura: lei especial é aquela que anula uma lei mais geral, ou que subtrai de uma norma uma parte da sua matéria para submetê-la a uma regulamentação diferente (contrária ou contraditória)”. 9 Nesse sentido: COSTA, Adriano Soares da. Instituições de direito eleitoral. – 7. ed. rev. ampl. e atual. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 382. 10 Como é pacífico na jurisprudência, “[a]o acusado cabe defender-se dos fatos

delineados na inicial”. (TSE, RESPE 257271 - Ponto Novo/BA, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, DJE 10/05/2011.) Em idêntica direção: TSE, AgRg em RESPE 955973845 - Itapiúna/CE,

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SILVA ANDRADE, DJ 07/01/2014, P. 4-6.)

Na espécie, o fato pelo qual os Requeridos foram

condenados, consistente na captação ilícita de sufrágio, foi devidamente descrito

na petição inicial. Segundo o MPE, “os requeridos, com o fim de obterem o voto

de cidadãos dominicanos, doaram, ofereceram, prometeram, e entregaram, a

eleitores, por si e por interpostas pessoas, bem ou vantagem pessoal de variadas

naturezas (Art. 41-A da lei 9.504/97)”. (Vol. 1, Fl. 5. Grifo omitido.) Em seguida, o

MPE descreveu alguns dos episódios de captação ilícita de sufrágio, bem como

sustentou que Gervásio e João de Lu foram os principais responsáveis pela

prática da compra de votos em favor de Etélia e Ruy.11 Dessa forma, o MPE

“narrou em sua peça vestibular, ainda que sucintamente, fatos que em tese

configuraria ilícito eleitoral, bem como indicou claramente qual seria o suposto

autor e os beneficiários.” (TRE/GO, Investigação Judicial nº 28622, Acórdão nº

14054 de 12/11/2013, Rel. AIRTON FERNANDES DE CAMPOS, Redatora12

DORACI LAMAR ROSA DA SILVA ANDRADE, DJ 20/11/2013, P. 4-5. Excerto do

voto do Relator.)

Assim sendo, inexiste ofensa aos Arts. 7º e 23 da LC 64,

porquanto a condenação dos Recorrentes, pelo episódio de compra de votos

envolvendo a eleitora Fabiana, decorreu dos fatos e das circunstâncias

“constantes dos autos”.

É verdade que o MPE não mencionou, na petição inicial, o

episódio de compra de votos envolvendo a eleitora Fabiana. Todavia, essa

omissão é insuficiente para acarretar a inépcia da petição inicial ou para implicar

julgamento extra petita, porquanto a captação ilícita de sufrágio foi devidamente

descrita naquela peça processual. O que é necessário, para o reconhecimento da

prática da conduta tipificada no Art. 41-A da Lei 9.504, é a comprovação da

Rel. Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, DJE 25/03/2011. 11 Vol. 1, Fl. 16: João de Lu promete fornecer combustível a eleitores dispostos a votar nos Requeridos Etélia e Ruy; Vol. 1, Fl. 17: Gervásio promete interceder perante a Juíza de Direito da Comarca em favor de integrante de uma família composta por muitos eleitores; Vol. 1, Fl. 19: Gervásio promete dinheiro a uma eleitora; Vol. 1, Fl. 21: Gervásio paga as despesas do velório de integrante de outra família; Vol. 1, Fls. 22-24: João de Lu fornece combustível para diversos eleitores. 12 A Juíza DORACI LAMAR se tornou Redatora do Acórdão diante do término do

mandato do Relator, Juiz AIRTON FERNANDES.

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Fl.

GBJF

compra de votos, e, não, a identificação nominal dos eleitores corrompidos. Esta

Corte tem entendido que é “dispensável a identificação nominal dos eleitores

eventualmente corrompidos, até porque, consoante o dispositivo do § 1º do art.

41-A da Lei das Eleições, para a caracterização da conduta ilícita é desnecessário

o pedido explícito de votos”. (TRE/GO, Recurso Eleitoral nº 41096, Acórdão nº

13836 de 27/05/2013, Rel. ABEL CARDOSO MORAIS, DJ 04/06/2013, P. 3-4.)

No mesmo sentido, a jurisprudência pacífica do TSE: “Para a caracterização do

ilícito do art. 41-A da Lei nº 9.504/97 [...] [n]ão é indispensável [...] a identificação

dos eleitores que receberam os benefícios e vantagens.” (TSE, RO nº 787,

Acórdão nº 787 de 13/12/2005, Rel. Min. CÉSAR ASFOR ROCHA, DJ

10/02/2006, P. 132.) “Estando comprovada a prática de captação ilegal de votos,

não é imprescindível que sejam identificados os eleitores que receberam

benesses em troca de voto.” (TSE, RESPE nº 21022, Acórdão nº 21022 de

05/12/2002, Rel. Min. FERNANDO NEVES DA SILVA, DJ 07/02/2003, P. 144.)

Em idêntica direção: TSE, RESPE nº 21120, Acórdão nº 21120 de 17/06/2003,

Rel. Min. LUIZ CARLOS MADEIRA, DJ 17/10/2003, P. 132; RESPE nº 25215,

Acórdão nº 25215 de 04/08/2005, Rel. Min. CARLOS EDUARDO CAPUTO

BASTOS, DJ 09/09/2005, P. 171. Aliás, nesta Corte, essa identificação somente

tem sido exigida no processo penal.13

Por isso, esta Corte rechaçou alegação de julgamento extra

petita em hipótese na qual “a narrativa do fato imputado constou da petição inicial,

havendo tão somente a descoberta durante a instrução de outras pessoas ligadas

ao cometimento do ilícito”. (TRE/GO, Investigação Judicial nº 132332, supra, com

remissão ao decidido na Investigação Judicial nº 28622, supra.) O que a

jurisprudência reclama, a esse propósito, é a descrição do fato tido por ilícito, ou

seja, na espécie, a captação ilícita de sufrágio. No presente caso, a leitura da

extensa petição inicial dissipa qualquer dúvida a nesse particular, porquanto a

captação ilícita de sufrágio foi descrita sob as mais diversas formas, dentre elas, o

pagamento de quantia em dinheiro aos eleitores. (Vide nota de rodapé 11, supra.)

No que concerne à eleitora Fabiana, a captação ilícita de sufrágio assumiu a

13 TRE/GO, Recurso Criminal nº 647, Acórdão nº 15210/2014 de 18/09/2014, Rel. AIRTON FERNANDES DE CAMPOS, DJ 23/09/2014, P. 2.

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Fl.

GBJF

forma de pagamento em dinheiro. Consequentemente, o fato pelo qual os

Recorrentes foram condenados, a captação ilícita de sufrágio, foi devidamente

descrita na petição inicial, o que afasta, por completo, a alegação de julgamento

extra petita.

Considerando que é desnecessária a identificação dos

eleitores corrompidos na petição inicial, resulta evidente que a ausência do nome

da Sra. Fabiana, nessa peça processual, é insuficiente para acarretar a inépcia

respectiva, bem como para ser tida como fundamento jurídico da alegação de

julgamento extra petita.

Por outro lado, os Recorrentes alegam que é evidente a

nulidade, diante do “enorme prejuízo” causado à defesa, porquanto “não tiveram

sequer a oportunidade de apresentar defesa em relação a tais imputações, já que

não foram objeto da inicial.” (Vol. 7, Fl. 1442.) Essas alegações também são

improcedentes. Na petição inicial, a Sra. Fabiana foi arrolada como testemunha

pelo MPE. (Vol. 1, Fl. 68.) Os Recorrentes tinham conhecimento do depoimento

prestado pela Sra. Fabiana na fase de investigação criminal. Por exemplo, em 10

de julho de 2013, Gervásio e Etélia conversam “sobre a mulher que está alegando

que ele [Gervásio] comprou seu voto”. (Vol. 3, Fl. 599.) Em 11 de julho de 2013,

um Homem Não Identificado (HNI) resumiu ao Recorrente Gervásio o teor do

depoimento da Sra. Fabiana. Segundo o HNI, a “menina” declarou que Gervásio

deu a ela R$ 200,00 em troca do voto. (Vol. 3, Fl. 600.) Consequentemente,

bastava ligar os pontos para saber que a Sra. Fabiana fora arrolada para depor

sobre a alegada captação ilícita do voto dela. Assim sendo, os Recorrentes não

foram surpreendidos pelo teor do depoimento da Sra. Fabiana. Ademais, os

Recorrentes arrolaram como testemunha o Sr. Odesmar Rodrigues Chaves (Vol.

2, Fl. 323), o qual estava presente no momento em que a oferta criminosa foi

formulada à Sra. Fabiana pelo Recorrente Gervásio. (Vol. 3, Fls. 588-589.) No

entanto, na audiência, os Recorrentes desistiram da oitiva do Sr. Odesmar. (Vol.

6, Fls. 1230-1231.) Portanto, se os Recorrentes não tiveram oportunidade de

contraditar as declarações da Sra. Fabiana, isso decorreu de sua própria conduta,

donde a impossibilidade de proclamação da suposta nulidade.14 Dado que a

14 Como é cediço, não se declara nulidade em favor de quem lhe deu causa.

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Fl.

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captação ilícita de sufrágio foi devidamente descrita na petição inicial, os

Recorrentes tiveram, sim, “a oportunidade de apresentar defesa em relação a tais

imputações”. (Vol. 7, Fl. 1442.)

Os Recorrentes alegam que a Sra. Fabiana não poderia ter

sido arrolada para depor sobre os fatos por ela relatados, porquanto não foram

descritos na petição inicial. Além disso, os Recorrentes afirmam que as

declarações prestadas pela Sra. Fabiana ao MPE somente foram juntadas aos

autos, por determinação judicial, após a audiência de instrução. (Vol. 6, Fls. 1234

e 1241-1242.) Por isso, asseveram que “o que ela disse ao MPE não estava na

inicial e nem constava da documentação trazida [pelo] MPE quando do

ajuizamento da presente AIJE.” (Vol. 7, Fl. 1445.) No entanto, as declarações

prestadas por essa testemunha estão em consonância com os fatos descritos na

petição inicial, consistentes na captação ilícita de sufrágio mediante o pagamento

de quantia em dinheiro aos eleitores.

Ademais, e como bem ressaltado pelo MPE, nas suas

contrarrazões (Vol. 7, Fls. 1557-1558), os Recorrentes, sabedores de que

Fabiana reconheceria Gervásio em Juízo, “planejaram adredemente a estratégia

de não comparecerem à audiência e, através das perguntas dos advogados,

tentar[a]m” confundi-la, pedindo-lhe que reconhecesse Gervásio “em um plenário

lotado onde ele obviamente não se encontrava.” (Vol. 7, Fl. 1558.) O MPE

ressalta, ainda, que “a defesa tanto sabia do se tratava que optou por não mais

ouvir em plenário a testemunha por ela, defesa, arrolada, o sr. ODESMAR, o

mesmo que é referido no diálogo em que PELÉ e outro seguidor dos recorrentes

dizem ser capaz de ‘desmanchar isso’ (convencer a testemunha a desdizer o que

disse sobre a compra de seu voto).” (Vol. 7, Fl. 1558. Negrito omitido. Itálico e

caixa alta originais. Vol. 2, Fl. 323; Vol. 6, Fls. 1230-1231.)

Considerando, em suma, que a compra de votos foi

devidamente descrita na petição inicial, a condenação dos Requeridos pela

prática de captação ilícita de sufrágio, a despeito da ausência de menção ao

nome da eleitora Fabiana, na referida peça processual, é insuficiente para

(CE, Art. 219, parágrafo único; CPP, Art. 565; STF, HC 75285/SP, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, Primeira Turma, julgado em 05/08/1997, DJ 05-09-1997 P. 41873; HC 67997/DF, Rel. Min. CELSO

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Fl.

GBJF

implicar ofensa ao disposto nos Arts. 2º, 128 e 460 do CPC.

F

Finalmente, no Memorial distribuído a este Relator em 17 de

novembro de 2014, os Recorrentes sustentam a nulidade da prova emprestada,

sob o fundamento da ausência de identidade de partes. Os Recorrentes afirmam

que, “[n]a presente AIJE, discute-se o mandato [de] Etélia, que, todavia, não é

parte na ação penal onde colhida a prova emprestada.” (Memorial dos

Recorrentes [MR], p. 7.) Daí a afirmação de que, “se Etélia não é parte na ação

onde produzida a prova emprestada ela não poderá ser usada na presente ação,

conforme entende esse e. TRE/GO”. (MR, p. 8.) Depois, concluem que, “se Etélia

não é parte da ação penal é impossível o empréstimo da prova, devendo a

mesma ser excluída do caderno processual.” (MR, p. 8.) Em favor dessa

conclusão, os Recorrentes invocam precedente desta Corte no qual ficou

consignado que “[a]dmite-se a prova emprestada quando produzida em outros

processos eleitorais em que há identidade de partes e de causa de pedir.”

(TRE/GO, Recurso de Diplomação nº 29, Acórdão nº 11630 de 08/11/2011, Rel.

GILBERTO MARQUES FILHO, DJ 11/11/2011, P. 6-7.)

No entanto, essa preliminar de nulidade da prova

emprestada não foi suscitada na contestação dos Recorrentes, mas, somente, no

Memorial distribuído em 17 de novembro de 2014, ou seja, na véspera da sessão

de julgamento.

Nos termos do Art. 515, caput, do CPC, aplicável ao

processo eleitoral, a apelação devolve “ao tribunal o conhecimento da matéria

impugnada.” Dessa forma, esta Corte está limitada, na análise do recurso

interposto pelo MPE, ao conhecimento das matérias por ele impugnadas. Como

bem decidiu esta Corte, “em decorrência do efeito devolutivo próprio dos recursos

compete ao Tribunal conhecer apenas da matéria efetivamente impugnada pelos

recorrentes.” (TRE/GO, Investigação Judicial nº 32184, Acórdão nº 13956 de

02/09/2013, Rel. WALTER CARLOS LEMES, DJ 09/09/2013, P. 2-3.) Por isso, a

matéria que “não foi objeto de quaisquer dos recursos interpostos [...] não

comporta reexame nesta instância, ante a incidência da preclusão.” (TRE/GO,

DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/1990, DJ 21-09-1990 P. 9783.)

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Fl.

GBJF

Investigação Judicial nº 32184, supra.) Não discrepa desse entendimento a

manifestação doutrinária: “O efeito devolutivo da apelação é manifestação direta

do princípio dispositivo. O apelante é quem fixa os limites do recurso, em suas

razões e no pedido de nova decisão. Em outras palavras, o mérito do recurso é

delimitado pelo apelante (CPC 128), devendo o tribunal decidir apenas o que lhe

foi devolvido, nos limites das razões de recurso e do pedido de nova decisão

(CPC 460). É vedado ao tribunal, ao julgar o recurso de apelação, decidir fora dos

limites da lide recursal.” (NERY JUNIOR, Nelson. Código de processo civil

comentado e legislação extravagante: atualizado até 1º de março de 2006. – 9.

ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 741.

Grifo original.)

Consequentemente, as questões não suscitadas no recurso

escapam à apreciação desta Corte e a ausência de manifestação quanto a elas

não implica omissão. (CPC, Arts. 2º, 128, 460 e 515, caput.) As questões omitidas

no recurso somente são passíveis de apreciação pelo tribunal revisor se puderem

ser examinadas de ofício pelo juiz. CPC, Arts. 267, § 3º, e 301, § 4º. Em

consequência, a omissão da parte acarreta a “[i]mpossibilidade de suprir per

saltum tal análise.” (STF, RE 524515 ED, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA,

Segunda Turma, julgado em 20/04/2010, DJe-096 28-05-2010.)

Assim sendo, “interposto recurso, é defeso à parte

complementá-lo ou aditá-lo.” (TSE, AgRg em RESPE nº 25912, Acórdão de

14/02/2008, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJ 10/03/2008, P. 13-14.)

Consequentemente, é defeso aos Recorrentes complementarem o recurso com a

inclusão, no memorial, de preliminar não suscitada na petição recursal nem na

contestação respectiva.

Por outro lado, e, como acima demonstrado (item I, A), a

suposta ilicitude da prova emprestada, pelo fundamento invocado pelos

Recorrentes, é insusceptível de exame de ofício por esta Corte.

Ainda que assim não fosse, há uma particularidade, no

presente caso, que afasta a alegação de nulidade. Como já salientado neste voto,

no âmbito da investigação criminal inexistem “partes” no sentido técnico-jurídico.

No máximo pode haver indiciados. Na espécie, quando as conversas telefônicas

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Fl.

GBJF

em causa foram interceptadas não havia “partes”, mas, somente, investigante

(MPE) e investigados (Recorrentes). Na época em que as conversas telefônicas

foram interceptadas Etélia era uma das pessoas objeto da investigação criminal,

e, assim, ela fazia “parte” do rol dos investigados naquele procedimento. Em

decorrência dessa particularidade, o precedente desta Corte,15 invocado pelos

Recorrentes, é inaplicável ao presente caso. Assim sendo, a circunstância de

Etélia não haver sido denunciada pelo MPE, perante o Juízo Criminal, é

insuficiente para acarretar a nulidade do uso, contra ela, na presente AIJE, das

conversas telefônicas interceptadas. Aliás, em contexto semelhante, o STF

decidiu que “[d]ados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em

escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em

investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em

procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas

em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos

ilícitos teriam despontado à colheita dessa prova.” (STF, Inq 2424 QO-QO, supra.)

Por sua vez, o TSE já explicou que, “garantido o exercício do contraditório e da

ampla defesa, é perfeitamente viável o uso da prova emprestada de um processo

para instruir outro, mesmo que apenas uma das partes tenha participado daquele

em que a prova fora produzida (precedentes)”. (TSE, RESPE nº 25822, Acórdão

de 25/05/2006, Rel. Min. CÉSAR ASFOR ROCHA, DJ 17/08/2006 P. 115. Grifei.)

Também é importante registrar que a prova emprestada, na

espécie dos autos (interceptação telefônica), não poderia, por óbvio, ser

produzida no curso da presente AIJE. Dessa impossibilidade decorre a sua

admissibilidade na presente ação. Nesse sentido, o STF decidiu que “[a] garantia

constitucional do contraditório - ao lado, quando for o caso, do princípio do juiz

natural - é o obstáculo mais freqüentemente oponível à admissão e à valoração

da prova emprestada de outro processo, no qual, pelo menos, não tenha sido

parte aquele contra quem se pretenda fazê-la valer; por isso mesmo, no entanto,

a circunstância de provir a prova de procedimento a que estranho a parte contra a

qual se pretende utilizá-la só tem relevo, se se cuida de prova que - não fora o

seu traslado para o processo - nele se devesse produzir no curso da instrução

15 TRE/GO, Recurso de Diplomação nº 29, supra.

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contraditória, com a presença e a intervenção das partes.” (STF, RE 328138, Rel.

Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 16/09/2003, DJ 17-

10-2003 P. 21.)

Cumpre notar, ainda, que a formulação de denúncia contra

Etélia não poderia ser procedida na primeira instância, dado que tendo ela sido

eleita em 7 de julho de 2013, foi, logo após, diplomada e empossada no cargo de

prefeita. Assim, ela passou a deter o foro por prerrogativa de função perante o

Tribunal de Justiça, e, em matéria eleitoral, perante esta Corte. CF, Art. 29, inciso

X; Art. 118, inciso II, e Art. 121.

Além disso, a oportunidade processual para a formulação de

denúncia criminal contra a Sra. Etélia ainda não está preclusa, porquanto não

ocorrente, ainda, a prescrição da pretensão punitiva em abstrato. CE, Art. 299;

Código Penal (CP), Art. 109, inciso IV. Dessa forma, a PRE, dentro do prazo

prescricional de oito anos, poderá formular acusação criminal contra a Sra. Etélia

pelos fatos apurados na primeira instância, os quais ocorreram quando ela não

detinha foro por prerrogativa de função.

Em consonância com a fundamentação acima, não conheço

da preliminar de nulidade da prova emprestada por ausência de identidade de

partes, e, acaso conhecida, a rejeito.

G

1

“A caracterização da captação ilícita de sufrágio pressupõe a

ocorrência simultânea dos seguintes requisitos: a) prática de uma das condutas

previstas no art. 41-A da Lei 9.504/97; b) fim específico de obter o voto do eleitor;

c) participação ou anuência do candidato beneficiário na prática do ato.” (TSE,

AgRg em RESPE 815659, Mato Verde/MG, Rel. Min. FÁTIMA NANCY

ANDRIGHI, DJE 06/02/2012.) Em idêntica direção: TSE, RO 2.349/AP, Rel. Min.

FERNANDO GONÇALVES, DJE 16/10/2009; RESPE 25.560/GO, Rel. Min.

JOAQUIM BARBOSA, DJ 29/09/2008; RCED 665/RS, Rel. Min. MARCELO

HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, DJ 01/04/2009; TRE/GO, RE 41096 -

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Trombas/GO, Rel. ABEL CARDOSO MORAIS, DJ 04/06/2013; GOMES, José

Jairo. Direito eleitoral. – 9. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2013, pp.

557-558.

Por outro lado, o inciso XVI do Art. 22 da LC 64 estabelece

que, “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade

de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das

circunstâncias que o caracterizam.” O TSE há muito entende que, “[q]uanto à

captação ilícita de sufrágio, [é] despicienda a potencialidade da conduta para

influenciar no resultado do pleito. Precedentes: REspe nº 26.118/MG, Rel. Min.

Gerardo Grossi, DJ de 28.3.2007; AG nº 3.510/PB, Rel. Min. Luiz Carlos Madeira,

DJ de 23.5.2003; REspe nº 21.248/SC, Rel. Min. Fernando Neves, DJ de

8.8.2003; REspe nº 21.264/AP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 11.6.2004.” (TSE,

RESPE nº 27737, Acórdão de 04/12/2007, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ

01/02/2008, P. 37.) Esta Corte também reconhece que é “[d]esnecessária a

presença de potencialidade lesiva para a consumação da captação ilícita de

sufrágio, haja vista que o bem jurídico tutelado é a liberdade de voto do eleitor.”

(TRE/GO, Recurso Eleitoral nº 46323, Rel. LUCIANO MTANIOS HANNA, DJ

14/5/2013, P. 3-4.) Assim sendo, “[p]ara a configuração e punição da captação

ilícita de sufrágio, é prescindível a potencialidade lesiva.” (TRE/GO, ED em

Recurso Eleitoral nº 70667, Acórdão nº 14973/2014 de 21/08/2014, Rel. FABIANO

ABEL DE ARAGÃO FERNANDES, DJ 26/8/2014, P. 2-3.) Consequentemente,

não mais tem relevância discutir, em se tratando de captação ilícita de sufrágio,

se determinada conduta tem, ou não, o potencial para afetar a normalidade das

eleições.

2

No mérito, os Recorrentes sustentam a insuficiência de

provas para a condenação.

Diferentemente do padrão probatório necessário à imposição

de sentença penal condenatória, o qual, diante do princípio constitucional da

presunção de inocência, é o da prova acima de dúvida razoável,16 no âmbito

16 Nos termos do Art. 5º, inciso LVII, da CF, “ninguém será considerado culpado

até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Esse dispositivo consagra, no processo

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27

Fl.

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eleitoral, o padrão probatório necessário à procedência do pedido formulado pelo

autor é menos exigente.

No tocante à “suficiência da prova” no processo eleitoral, o

eminente Juiz SEBASTIÃO LUIZ FLEURY, em julgamento recente, invocou

pertinente lição de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, nos seguintes termos:

“Considera-se cumprido o onus probandi quando a instrução processual houver chegado à demonstração razoável da existência do fato, sem os extremos da exigência de uma certeza absoluta que muito dificilmente se atingirá. A certeza, em termos absolutos, não é requisito para julgar. Basta que, segundo o juízo comum do homo medius, a probabilidade seja tão grande que os riscos de erro se mostrem suportáveis. (...) O juiz que pela obsessão da verdade considerasse inexistentes os fatos afirmados, somente porque algum leve resquício de dúvida ainda restasse em seu espírito, em nome dessa ilusória segurança para julgar estaria com muito mais freqüência praticando injustiças do que fazendo justiça.”

(TRE/GO, Investigação Judicial nº 38174, Acórdão nº 15000/2014 de 02/09/2014,

Rel. SEBASTIÃO LUIZ FLEURY, DJ 04/09/2014, P. 4-5.)

No entanto, diante da gravidade das penas previstas em lei,

é necessário que as provas produzidas sejam idôneas e convincentes quanto à

culpabilidade do requerido. Dessa forma, “[a] aplicação da penalidade por

captação ilícita de sufrágio, dada sua gravidade, deve assentar-se em provas

robustas.” (TSE, RESPE nº 958285418, Acórdão de 04/10/2011, Rel. Min.

MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, DJE 03/11/2011, P. 70.)

Os Recorrentes alegam que as declarações prestadas pela

eleitora Fabiana ao MPE somente foram juntadas aos autos, por determinação

judicial, após a realização da audiência de instrução; e que as declarações dessa

eleitora não constavam da petição inicial nem da documentação juntada pelo

MPE para instruir a presente ação.

penal, a presunção de inocência do réu, a qual somente pode ser afastada mediante a produção, pela acusação, de prova “além de qualquer dúvida razoável” quanto à “ocorrência do fato constitutivo do pedido”. (STF, HC 73.338/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 13/08/1996, DJ 19/12/1996, P. 51766.)

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Cabe ao direito material dizer o que é, ou não, relevante

para fins probatórios. Como acima demonstrado, a caracterização da captação

ilícita de sufrágio demanda a comprovação da ocorrência de três requisitos: “a)

prática de uma das condutas previstas no art. 41-A da Lei 9.504/97; b) fim

específico de obter o voto do eleitor; c) participação ou anuência do candidato

beneficiário na prática do ato.” (TSE, AgRg em RESPE 815659, supra.) Nesse

contexto, a presença ou a ausência de outras circunstâncias secundárias é

irrelevante à configuração dessa conduta ilícita.

Dessa forma, o fato de as declarações prestadas pela

eleitora Fabiana ao MPE somente terem sido juntadas aos autos, por

determinação judicial, após a realização da audiência de instrução, é irrelevante à

comprovação da ocorrência, ou não, de captação ilícita de sufrágio. Igualmente é

irrelevante à comprovação dessa ilicitude o fato de as declarações da eleitora

Fabiana não terem sido descritas na petição inicial, nem terem constado da

documentação juntada pelo MPE para instruir a presente ação. Em suma, essas

alegações versam sobre fatos irrelevantes “na apuração da verdade substancial

ou na decisão da causa.” CPP, Art. 566, aplicável subsidiariamente ao processo

civil. Sendo questões irrelevantes ou impertinentes, descabe emitir qualquer

manifestação sobre elas. Por isso, a ausência de manifestação judicial sobre

matéria “sem nenhuma pertinência ao tema em debate não caracteriza omissão”.

(STF, AI 160433 AgR-ED, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado

em 23/04/1996, DJ 20-09-1996 P. 34542.)

Os Recorrentes afirmam que a eleitora Fabiana, a qual não

prestou o compromisso legal de dizer a verdade, criou uma estória absurda e

trouxe aos autos fatos que não constam da petição inicial; que o depoimento de

Fabiana está isolado no conjunto probatório; que o contexto da conversa

telefônica transcrita na sentença é insuficiente para concluir que a pessoa

mencionada no diálogo era a eleitora Fabiana; e que o nome dessa eleitora não

foi sequer citado nessa conversa telefônica.

No Termo de Inquirição da Sra. Fabiana consta,

expressamente, que ela foi “devidamente compromissada na forma da lei”. (Vol.

6, Fl. 1223. Grifo omitido.) A veracidade do Termo de Inquirição somente pode ser

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afastada mediante prova idônea e inequívoca, a cargo dos Recorrentes. Na

gravação audiovisual, efetivamente, não constou o compromisso formal dessa

testemunha. (Vol. 6, Fl. 1229.) Porém, é indubitável que a testemunha pode ter

sido compromissada antes que o dispositivo de gravação tivesse sido ligado.

Além disso, na sentença, o Juízo afirmou, expressamente, que a Sra. Fabiana

não foi contraditada. (Vol. 6, Fl. 1388.) A ausência de contradita por parte dos

Requeridos demonstra que a Sra. Fabiana estava apta a prestar o compromisso

legal. Diante da ausência de contradita, a falta do compromisso legal, ainda que

estivesse provada, seria insuficiente para prejudicar a defesa dos Requeridos.

Assim, inexiste fundamento de fato ou de direito para a declaração de nulidade ou

de invalidade do depoimento prestado pela Sra. Fabiana. CE, Art. 219.

O Juízo afirmou que a testemunha Fabiana “prestou um

depoimento de forma firme, sem contradições”, e que lhe “pareceu crível”. (Vol. 6,

Fl. 1388.) Em seguida, o Juízo registrou que Fabiana confirmou haver recebido,

“em pleno período eleitoral”, a quantia de R$ 200,00 do Requerido Gervásio para

votar em sua esposa, a Requerida Etélia. No que concerne à credibilidade desse

depoimento, o Juízo asseverou que a testemunha Fabiana, “de origem simples e

humilde”, “[e]m todos os momentos” “demonstrou convicção passando [...] forte

impressão de ter dito a verdade, ante seu depoimento contundente.” (Vol. 6, Fl.

1388.)

Inicialmente, cumpre notar que “[a] presunção é de que os

órgãos investidos no ofício judicante observam o princípio da legalidade.” (STF, AI

151351 AgR, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em

05/10/1993, DJ 18-03-1994 P. 5170.) Essa doutrina consubstancia o “[p]rincípio

da confiança nos juízes próximos das pessoas em causa, dos fatos e das provas,

assim com meios de convicção mais seguros do que os juízes distantes.” (STF,

RHC 50376/AL, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI, Primeira Turma, julgado em

17/10/1972, DJ 21-12-1972; STJ, REsp 569985, Rel. Min. ELIANA CALMON,

Segunda Turma, julgado em 20/06/2006, DJ 20/09/2006, p. 202 [prevalência da

prova que foi capaz de satisfazer o Juízo Singular]; TRF 1ª Região, REO

90.01.18018-3/PA, Rel. Desembargador Federal JIRAIR ARAM MEGUERIAN,

Segunda Turma, DJ 05/12/1991, p. 31072 [prevalência da manifestação do órgão

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do Ministério Público em primeiro grau de jurisdição].) Dessa forma, as

constatações de fato fixadas pelo Juízo somente podem ser afastadas pelo

Tribunal Revisor mediante demonstração inequívoca, a cargo do recorrente, de

que elas estão dissociadas do conjunto probatório contido nos autos.

Ademais, quando as constatações de fato fixadas pelo Juízo

estão baseadas na análise de prova oral e na determinação da credibilidade das

testemunhas ouvidas, maior deve ser a deferência do Tribunal Revisor a elas. É

indubitável que o juiz singular, responsável pela oitiva da testemunha, ao vivo,

está em melhor posição do que os juízes de revisão para concluir pela

credibilidade do depoimento respectivo. Na avaliação da prova testemunhal,

somente o juiz singular pode estar ciente das variações no comportamento e no

tom de voz da testemunha ao depor, elementos cruciais para a compreensão do

ouvinte e a credibilidade do depoimento prestado. (TRF 1ª Região, AC 60624-

50.2000.4.01.0000/GO, Rel. Juiz Federal LEÃO APARECIDO ALVES, 6ª Turma

Suplementar, e-DJF1 p. 183 de 19/10/2011.) E, como bem ressaltou o MPE,

“muitas vezes nos detalhes aparentemente irrelevantes a verdade e/ou mentira

podem ser flagradas pelo julgador perspicaz que observa com atenção as falas,

os gestos, os movimentos involuntários, a linguagem corporal enfim, das

testemunhas.” (Vol. 7, Fl. 1567.) Em suma, e considerando que o processo

judicial consiste na tentativa de reconstituição de fatos históricos, as conclusões

daqueles que estão mais próximos, física, social e culturalmente, do lugar no qual

ocorreram, são de indubitável relevância na avaliação respectiva.

Além disso, uma das principais responsabilidades dos juízes

singulares consiste na oitiva de pessoas em audiência, e a repetição no

cumprimento desse dever conduz a uma maior expertise. Nesse ponto, é preciso

reconhecer a capacidade do juiz de interpretar os depoimentos testemunhais para

avaliar a credibilidade respectiva. Nesse sentido, o TRF 1ª Região tem prestigiado

as conclusões de fato expostas pelo magistrado que ouviu as testemunhas em

audiência. (TRF 1ª Região, ACR 2006.35.00.021538-0/GO, Rel. Juiz TOURINHO

NETO, Terceira Turma, e-DJF1 p. 89 de 14/08/2009.)

No entanto, as conclusões de fato baseadas na prova

testemunhal podem ser afastadas quando documentos ou outras provas objetivas

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(periciais, por exemplo) contradizem a narrativa testemunhal, ou, ainda, quando o

testemunho é tão internamente inconsistente ou implausível que nenhum julgador

razoável poderia acreditar nele. Por isso, “[a] apreciação da prova deve ser feita

de forma persuasiva e não subjetiva”. (TRF 1ª Região, AC 199938000174265,

Rel. Desembargadora Federal MARIA DO CARMO CARDOSO, Oitava Turma,

20/08/2010.) A decisão do juiz deve “encontr[ar] respaldo no conjunto de provas

constante dos autos.” (STF, AO 1047 ED/RR, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA,

Tribunal Pleno, julgado em 19/12/2008, DJe-043 06-03-2009.) Dessa forma, os

elementos probatórios presentes nos autos devem ser “vistos de forma conjunta”

(TRF 1ª Região, ACR 2003.37.01.000052-3/MA, Rel. Desembargador Federal

OLINDO MENEZES, Terceira Turma, DJ 26/05/2006, p. 7; STF, RHC 88371/SP,

Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 14/11/2006, DJ 02-02-

2007 P. 160; RHC 85254/RJ, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma,

julgado em 15/02/2005, DJ 04-03-2005 P. 37), e, não, isolada. Efetivamente, é

indispensável “a análise do conjunto de provas para ser possível a solução da

lide.” (STF, RE 559742/SE, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado

em 28/10/2008, DJe-232 05-12-2008.) Assim sendo, cada prova, individualmente,

deve ser analisada em conjunto com as demais constantes dos autos.

Em consonância com a fundamentação acima, a conclusão

do Juízo no sentido da credibilidade do depoimento prestado pela testemunha

Fabiana somente pode ser afastada por esta Corte mediante demonstração

inequívoca, a cargo dos Recorrentes, de que ela (conclusão) está dissociada do

conjunto probatório contido nos autos.

Por outro lado, o fato de a Sra. Fabiana ser a única

testemunha da prática ilícita é insuficiente para afastar a credibilidade e a validade

do depoimento respectivo. O velho brocardo testis unus, testis nullus (testemunha

única, testemunha nenhuma) foi há muito abandonado pela dogmática

processual.17 Por exemplo, na Exposição de Motivos do Código de Processo

17 Talvez essa crença na necessidade de mais de uma testemunha para provar um fato decorra da tradição bíblica, onde encontramos, por exemplo, no Deuteronômio 19:15, a advertência de que “[u]ma só testemunha contra alguém não se levantará por qualquer iniqüidade, ou por qualquer pecado, seja qual for o pecado que cometeu; pela boca de duas testemunhas, ou pela boca de três testemunhas, se estabelecerá o fato.” Essa referência à necessidade de pelo

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Penal, em 8 de setembro de 1941, FRANCISCO CAMPOS ressaltava: “Como

corolário do sistema de livre convicção do juiz, é rejeitado o velho brocardo testis

unus testis nullus. Não se compreende a prevenção legal contra a voix d’un,

quando, tal seja o seu mérito, pode bastar à elucidação da verdade e à certeza

moral do juiz.” Não é diverso o entendimento dos Tribunais. “O sistema da livre

convicção do juiz rejeita o brocardo testis unus, testis nullus, quando, pelo seu

mérito, possa o depoimento bastar à elucidação da verdade e à certeza moral do

juiz.” (STF, RHC 52590/SP, Rel. Min. LEITÃO DE ABREU, Segunda Turma,

julgado em 01/10/1974, DJ 25-10-1974.) Em idêntica direção: STF, HC 43542/GB,

Rel. Min. ANTONIO VILLAS BOAS, Segunda Turma, julgado em 04/10/1966, DJ

22-02-1967 P. 289; TRF 3ª Região, ACR 94.03.075967-4/SP, Rel.

Desembargador Federal DOMINGOS BRAUNE, Segunda Turma, julgado em

27/06/1995, DJ 13/09/1995 P. 60965.

Se essas lições são válidas no processo penal, em que há

um maior rigor probatório, no processo eleitoral não poderia ser diferente. Por

essa razão, o TSE tem enfatizado que “[a] circunstância de cada fato alusivo à

compra de voto ter sido confirmada por uma única testemunha não retira a

credibilidade, nem a validade da prova, que deve ser aferida pelo julgador.” (TSE,

AgRg em RESPE nº 26110, Acórdão de 20/05/2010, Rel. Min. ARNALDO

VERSIANI LEITE SOARES, DJE 23/6/2010, P. 25.)

Dessa forma, e, ainda que a conclusão no sentido da

ocorrência da captação ilícita de sufrágio, nesse episódio, tivesse como base,

unicamente, o depoimento da Sra. Fabiana, não seria ela, somente por isso,

infundada. Na verdade, “[a] quantidade de testemunhas que comparece em juízo

não é dado relevante para o convencimento do juiz”. (STF, HC 76102/PR, Rel.

Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 25/11/1997, DJ 13-02-

1998 P. 4.) “O importante não é a quantidade de testemunhas, mas a

credibilidade que inspiram na convicção do julgador.” (TRF 3ª Região, ACR

2004.03.99005570-2/SP, Rel. Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE,

Quinta Turma, julgado em 22/08/2005, DJ 20/09/2005 P. 347.)

menos duas testemunhas também é feita em Deuteronômio 17:6; Mateus 18:16; II Coríntios 13:1; I Timóteo 5:19 e Hebreus 10:28.

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No entanto, a conclusão exposta pelo Juízo baseou-se,

também, no conjunto probatório, e, em especial, na interceptação telefônica. Na

sentença, o Juízo asseverou que “na prova compartilhada consistente na

interceptação telefônica [...] observa-se que os aliados políticos dos

representados estão comentando sobre a compra de votos mencionada.” (Vol. 6,

Fl. 1389.) Na conversa transcrita pelo Juízo, travada em 8 de julho de 2013 (Vol.

3, Fls. 575-576), os interlocutores são Pelé e Maycou, pai e filho,

respectivamente. Maycou diz ao pai que Gervásio teria comprado “o voto da

menina por R$ 200,00”; que “a menina” fora levada ao Fórum para depor e que

Gervásio estava depondo naquele momento. Por sua vez, Pelé confirma que a

“menina” é filha de “Bolivar” ou “Olivar”, como chamado em outros diálogos.18 A

Sra. Fabiana foi quem prestou depoimento no Fórum sobre esse episódio no dia 8

de julho de 2013. (Vol. 6, Fls. 1241-1242.) No seu depoimento, a Sra. Fabiana

afirmou que o Recorrente Gervásio lhe ofereceu R$ 200,00 em troca de seu voto

para a chapa de Etélia e Ruy. O Sr. Pelé teve outras conversas telefônicas

interceptadas, e, nelas, é notória sua atuação em prol da chapa de Etélia e Ruy.

(Vol. 2, Fls. 431-433, 440-442 e 460-461; Vol. 3, Fls. 532, 539, 552-553, 557-562

e 589-590.) Diante desse conjunto de fatos, é lícito inferir que Pelé e Maycou não

fariam comentários dessa natureza de forma inconsequente.

Além dessa conversa telefônica, o MPE, nas contrarrazões

respectivas, invocou outra na qual é patente a tentativa de evitar o estrago

decorrente do depoimento da Sra. Fabiana. Em 8 de julho de 2013 (Vol. 3, Fls.

576-577), Pelé conversa com um HNI. Pelé pergunta ao HNI se ele está sabendo

sobre o ocorrido com a filha de “Olivar” ou “Bolivar”. HNI informa que ficou

sabendo e que para “desmanchar” isso eles precisam contar com a ajuda de

Oldemar de Almeida Pinto Filho (eleito prefeito em 2012 e cassado em 2013) e de

Odesmar Rodrigues Chaves (arrolado como testemunha pelos Recorrentes). [Vol.

2, Fl. 323.] Em outro diálogo, também invocado pelo MPE, o Sr. Pelé conversa

com outro HNI e diz que seu filho lhe contou que a filha de “Olivar” ou “Bolivar”

afirmara haver recebido R$ 200,00 das mãos de Gervásio em troca do voto

18 Na verdade, o nome do pai de Fabiana é Olivar Gomes de Santana. (Vol. 6,

Fls. 1243-1244.) No entanto, é necessário notar que a imprecisão na pronúncia é muito comum no Brasil.

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respectivo. (Vol. 3, Fl. 576.)

Diante desse conjunto de elementos probatórios, e, a

despeito da ausência de indicação do nome da “menina”, o contexto em causa

demonstra, sem sombra de dúvidas, que a “menina” referida na conversa travada

entre Maycou e seu pai, Pelé, é a Sra. Fabiana.

Ademais, o próprio Gervásio, em diálogo telefônico de 9 de

julho de 2013 (Vol. 3, Fls. 588-589), confirma que ele e Odesmar estiveram na

residência de Olivar no sábado (06/07/2013); que foram atendidos por uma

mulher; que perguntaram a ela se o Olivar estava contra eles; e que não

ofereceram nada a ela. Portanto, Gervásio confirmou a existência do encontro

com uma mulher na residência de Olivar, pai de Fabiana, bem como que a

conversa entre eles envolveu a Eleição Suplementar que seria realizada no dia

seguinte. Essa admissão é mais um elemento a corroborar o depoimento da Sra.

Fabiana.

Diante do conjunto probatório harmônico, é correta a

conclusão do Juízo no sentido de conferir credibilidade ao depoimento da Sra.

Fabiana.

No que concerne ao segundo episódio de compra de voto,

reconhecido na sentença, o Juízo também conferiu credibilidade aos depoimentos

das testemunhas Geane Moreira da Paz e Thais da Silva Moreira. Essas

testemunhas não prestaram o compromisso legal. Geane porque, nas palavras do

Juízo, “demonstrou [...] favoritismo [...] para o partido oposto” ao dos Requeridos.

(Vol. 6, Fl. 1389.) E, Thais, diante do seu “envolvimento [...] com o trabalho de

fiscal do partido oposto ao dos” Requeridos. (Vol. 6, Fl. 1389.) A despeito disso, o

Juízo concluiu pela credibilidade desses depoimentos, “diante dos detalhes

apresentados por ambos, diante da coerência de seus depoimentos, [e] diante da

presença de um cheque em nome do tio do requerido GERVÁSIO”. (Vol. 6, Fls.

1389-1390. Caixa alta original.) Daí a conclusão de que “os depoimentos dos

informantes [são] aptos a demonstrar que teria havido a oferta de bem

(materializado no cheque anexado às fl. 1.225) em troca de votos.” (Vol. 6, Fl.

1390.)

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Os Recorrentes asseveram que as testemunhas Geane e

Thais são vinculadas à campanha de seus opositores políticos, o que afastaria a

credibilidade de seus depoimentos. Esta Corte tem entendido que “[o] conjunto

probatório” é “frágil” quando “formado quase que absolutamente por testemunhas

envolvidas em algum nível com a disputa eleitoral”. (TRE/GO, Recurso Eleitoral nº

773477585, Acórdão nº 11615 de 19/10/2011, Rel. MARCELO ARANTES DE

MELO BORGES, DJ 25/10/2011, P. 8-9.) O envolvimento das testemunhas na

disputa eleitoral “relativiza o valor probatório de suas declarações, ante a evidente

parcialidade”. (TRE/GO, Recurso Eleitoral nº 6027, Acórdão nº 11418 de

09/05/2011, Rel. JOÃO BATISTA FAGUNDES FILHO, DJ 11/05/2011. Voto

condutor do Acórdão, P. 7.) Em idêntica direção: TRE/GO, Recurso Eleitoral nº

935649922, Acórdão nº 11683 de 12/12/2011, Rel. AIRTON FERNANDES DE

CAMPOS, DJ 16/12/2011, P. 2-3; Recurso Eleitoral nº 935628394, Acórdão nº

11757 de 07/03/2012, Rel. ADEGMAR JOSÉ FERREIRA, DJ 09/03/2012, P. 2-3.

Todavia, essas proposições não encerram uma regra inflexível, mas, sim, um

princípio, porque nem sempre o envolvimento da testemunha na campanha

eleitoral implicará, tout court, a ausência de credibilidade de seu depoimento.19

Em suma, a credibilidade do depoimento da testemunha deve ser aferida

mediante o exame do conteúdo respectivo em confronto com o conjunto

probatório.

No presente caso, a testemunha Thais atuou na Eleição

Municipal de 2012 na condição de fiscal da Coligação “Os Filhos de São

Domingos em Ação”, suposta20 adversária da Coligação dos Requeridos nesta

ação. (Vol. 6, Fls. 1199-1200.) Os Recorrentes asseveram que a testemunha

Geane “atuou na campanha no pleito suplementar” em favor da candidatura

adversária.21 (Vol. 6, Fl. 1186.) Afirmam, ainda, que “a suspeição da testemunha

por interesse no litígio não significa apenas a existência de benefício direto com a

19 Nesse sentido: TRE/GO, Ação de Impugnação de Mandato nº 41741, Acórdão nº 14509/2014 de 16/07/2014, Rel. SEBASTIÃO LUIZ FLEURY, DJ 29/07/2014, P. 6-7, reconhecendo a validade dos depoimentos de dois vereadores interessados na procedência do pedido. 20 “Suposta”, porque os Recorrentes deixaram de indicar, com remissão às peças dos autos, as provas de que a Coligação “Os Filhos de São Domingos em Ação” seria adversária da Coligação dos Requeridos nesta ação. 21 Também aqui os Recorrentes deixaram de indicar, com remissão às peças dos

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demanda, ocorrendo também na hipótese em que haja interesse político-eleitoral”.

(Vol. 6, Fl. 1181.)

O Juízo reconheceu a credibilidade dos depoimentos das

testemunhas Geane e Thais em virtude da coerência respectiva, bem como

“diante da presença de um cheque em nome do tio do requerido GERVÁSIO”.

(Vol. 6, FL. 1390. Caixa alta original.) Os Recorrentes alegam que a apreensão do

cheque firmado por Nolberto Gonçalves Filho, no valor de R$ 100,00, não tem a

menor relevância no contexto da presente AIJE. Asseveram que inexiste “prova

alguma de quem seja o receptor da cártula e se a finalidade seria, de fato, a

compra de votos” do eleitor Geane. (Vol. 7, Fl. 1452.)

No entanto, essas conclusões estão muito longe de

corresponder ao que, efetivamente, emerge do conjunto probatório constante dos

autos. O sacador desse cheque, o Sr. Nolberto, esclareceu que esse título de

crédito se destinava a pagar o Sr. Geane pelo serviço de construção de cerca (ou

de abertura de “buraco de cerca”) em sua propriedade rural. (Vol. 6, Fl. 1229; Vol.

7, Fl. 1461.) O cheque estava em poder do Sr. Geane e foi por ele apresentado

ao Juízo durante a audiência de instrução. (Vol. 6, Fl. 1225.) Portanto, e, ao

contrário do que bradaram os Recorrentes, há provas mais do que suficientes

para concluir que “o receptor da cártula” era o Sr. Geane. A controvérsia reside na

finalidade respectiva. Enquanto Nolberto afirma que o cheque se destinava à

abertura de “buracos de cerca”, Geane assevera que o objetivo era a compra de

seu voto em favor de Etélia e Ruy. Inicialmente, o Juízo concluiu que o

depoimento do Sr. Nolberto tem valor probatório mínimo, “ante a contradita aceita

em seu desfavor”, bem como diante do fato de ser tio do Recorrente Gervásio, o

qual é marido da Recorrente Etélia. (Vol. 6, Fl. 1390.) Depois, o Juízo também

afastou a credibilidade do depoimento da testemunha José Cardoso da Paz22, a

qual, apesar de não ter sido contraditada, “apresentou um depoimento confuso,

demonstrando bastante nervosismo e desconforto.” (Vol. 6, Fl. 1390.) O MPE, nas

suas contrarrazões, demonstrou que o depoimento do Sr. José contém indícios de

autos, as provas dessa assertiva. 22 O fato de o Juízo haver conferido credibilidade aos depoimentos de Geane e

de Thais, ao passo que a recusou em relação às declarações de Nolberto e de José não deve causar perplexidade, porquanto pesar depoimentos de forma diferente é uma das tarefas legítimas do juiz na apreciação da prova testemunhal.

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ter sido fabricado, porquanto é repleto de idas e vindas, de afirmativas e de

negativas sobre um mesmo fato. (Vol. 7, Fls. 1567-1570.) Como bem ressaltado

pelo MPE, trata-se “de uma ‘testemunha de viveiro’, como denominava o célebre

ROBERTO LYRA. Aquela testemunha criada, alimentada, para servir a

determinado propósito, que no caso dos autos foi o de reforçar o testemunho falso

de NOLBERTO GONÇALVES.” (Vol. 7, Fl. 1569. Grifo omitido.)

Em seguida, o Juízo concluiu que os depoimentos de

Nolberto e de José “se mostraram confusos, e não explicaram de forma verossímil

a causa que originou o saque do cheque [...], preenchido às vésperas da eleição,

nem o porquê de tal contratação com pagamento adiantado, já que os próprios

depoentes informaram que o serviço não foi efetuado.” (Vol. 6, Fl. 1390.)23

Concordo com essa fundamentação. A alegação de que o

valor de R$ 100,00 se destinava à construção de cerca, ou à abertura de buraco

de cerca, numa propriedade rural, sem mais detalhes da extensão e da natureza

desse trabalho, é um depoimento internamente implausível, porquanto essa

quantia é, em princípio, insuficiente para pagar serviço dessa espécie. LC 64, Art.

23. No contexto do presente caso, é difícil de acreditar na alegação dos

Recorrentes de que Geane tinha interesse em prejudicar Etélia e Gervásio. Isso

porque é incompreensível o fato de que o Sr. Nolberto, podendo contratar outras

pessoas para trabalhar em sua propriedade, teria escolhido justamente um

inimigo político de sua família. Nolberto jamais poderia alegar desconhecer essa

inimizade, dado que, segundo os Recorrentes, Geane “atuou na campanha no

pleito suplementar” em favor da candidatura adversária (Vol. 6, Fl. 1186),

enquanto Nolberto era cabo eleitoral dos Recorrentes Etélia e Ruy. (Vol. 6, Fl.

1395.)24

Esse cheque foi assinado em 5 de julho de 2013,

antevéspera do pleito. (Vol. 6, Fl. 1225.) Em 13 de janeiro de 2014, quando foi

23 Cumpre notar, nesse ponto, que o fato de o Juízo haver pesado os depoimentos em causa de forma diferente (acreditando em Geane e Thais e desacreditando de Nolberto e José) não deve causar perplexidade, porquanto essa é uma das tarefas legítimas do juiz na apreciação da prova testemunhal. O que se deve aferir é se a decisão do juiz encontra, ou não, fundamento no conjunto probatório constante dos autos. 24 O Sr. José declarou em Juízo que, quando ele e Nolberto encontraram Geane,

este estava colando propaganda partidária. Porém, o Sr. José não identificou a quem pertenceria essa propaganda.

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ouvido em Juízo, o Sr. Nolberto não havia sustado o cheque, não havia tomado

qualquer providência para reaver o cheque, nem havia procurado Geane para

exigir dele a realização do serviço. (Vol. 6, Fl. 1230.) Portanto, há razões mais do

que suficientes para afastar a credibilidade dos depoimentos dos Srs. Nolberto e

José, os quais, embora sejam concordantes, relatam fatos internamente

implausíveis.

Os Recorrentes deixaram de explicar, ainda, porque o Sr.

Geane, ao invés de embolsar o cheque e realizar o serviço contratado, criaria sem

motivo aparente a versão de que teria recebido a quantia respectiva como preço

por seu voto em favor da chapa encabeçada por Etélia. Ademais, os Recorrentes

deixaram de indicar, com remissão às peças dos autos, as provas de que o Sr.

Geane teria trabalhado na campanha política da Eleição Suplementar em favor

dos adversários de Etélia e Ruy. Ao contrário do alegado pelos Recorrentes, o Sr.

Geane disse que trabalhou na campanha dos adversários do ex-prefeito Oldemar

na Eleição de 2012. (Vol. 6, Fl. 1229.) Porém, o fato de os Requeridos integrarem

o mesmo grupo político do ex-prefeito Oldemar constitui uma conexão muito

tênue entre o Sr. Geane e os Recorrentes. Essa ínfima ligação é insuficiente para

acarretar a invalidade do depoimento do Sr. Geane. Enquanto o Pleito de 2012

teve lugar no dia 7 de outubro daquele ano, a Eleição Suplementar foi realizada

em 7 de julho de 2013. A ausência de conexão temporal entre esses fatos

também é um forte elemento em favor do reconhecimento da ausência de

prejulgamento contrário aos Requeridos na fala do Sr. Geane. Além disso, os

Requeridos foram incapazes de demonstrar, com remissão à prova dos autos,

qual seria o “interesse político-eleitoral” (Vol. 6, Fl. 1181) que o Sr. Geane, o qual

é um humilde lavrador, poderia ter para prejudicá-los. Os Recorrentes também

foram incapazes de comprovar a veracidade, com remissão à prova contida nos

autos, da alegação de que eles integram o mesmo grupo político do ex-prefeito

Oldemar.

De outra parte, a existência de divergência no que concerne

aos elementos secundários dos fatos imputados aos Requeridos, na petição

inicial, não abala a credibilidade dos depoimentos das testemunhas ouvidas,

desde que sejam uníssonos quanto aos elementos cruciais desses fatos. TRF 1ª

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Região, ACR 2002.30.00.002208-8/AC, Rel. Desembargador Federal OLINDO

MENEZES, Rel. p/ Acórdão Desembargador Federal CÂNDIDO RIBEIRO,

Terceira Turma, DJ p. 67 de 12/08/2005.

Na verdade, “[a]lgumas contradições em depoimentos

testemunhais não comprometem a prova. Por vezes, mais se deve desconfiar de

depoimentos bem concatenados e bastante coincidentes, do que daqueles que

encerram pequenas contradições, as quais podem derivar de uma dificuldade da

testemunha para se exprimir ou mesmo da timidez, ao passo que o testemunho

corrente pode advir de hábil preparação.” (TRF 2ª Região, EIACR

200002010478573, Rel. Desembargador Federal SERGIO FELTRIN CORREA,

Segunda Seção, DJ 26/01/2006 P. 138.) O tempo decorrido entre o fato sob

julgamento e a tomada do depoimento também constitui elemento que justifica a

existência de contradições, especialmente quando elas dizem respeito a

circunstâncias secundárias.25

Na espécie, no entanto, sequer contradição verdadeira

existe entre os depoimentos das testemunhas Geane e Thais. Geane disse que

Nolberto lhe entregou o cheque no valor de R$ 100,00 na residência de Thais.

Thais disse que a entrega ocorreu no bar que funciona em sua casa. Dado que o

bar funciona na residência de Thais, tanto faz identificar o local como sendo uma

casa ou como um bar.

Ademais, o MPE, nas suas contrarrazões, demonstrou que

as testemunhas Geane e Thais foram coerentes quanto a outros fatos

secundários, como, por exemplo, o local em que o cheque teria sido assinado por

Nolberto (em cima do capô do veículo dele). O MPE destacou que, a despeito da

insistência dos advogados dos Recorrentes, presentes à audiência, Thais

manteve-se firme em suas declarações. (Vol. 7, Fls. 1567-1568.)

25 Nesse sentido: TRF 2ª Região, ACR 199951010489088, Rel. Juiz Federal

Convocado ALEXANDRE LIBONATI DE ABREU, Primeira Turma Especializada, DJ 26/01/2006 P. 164; TRF 3ª Região, ACR 200103990408660, Rel. Desembargadora Federal CECÍLIA MELLO, Segunda Turma, DJ 25/02/2005 P. 415; ACR 200361110007854, Rel. Desembargador Federal ANDRE NABARRETE, Quinta Turma, DJ 03/08/2004 P. 178; ACR 200161190003357, Rel. Desembargador Federal OLIVEIRA LIMA, Primeira Turma, DJ 04/04/2002 P. 524; TRF 5ª Região, ACR 200083000031173, Rel. Desembargador Federal CESAR CARVALHO, Primeira Turma, DJ 07/04/2006 P. 1132; ACR 9805030040, Rel. Desembargador Federal ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO, Primeira Turma, DJ 05/05/2005 P. 509.

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Os Recorrentes asseveram “que a Magistrada ‘a quo’

inverteu o ônus da prova, chegando ao ponto de exigir que provassem a

improcedência das alegações dos autores, ao passo que o ônus das alegações

iniciais compete ao autor, conforme regra do artigo 333, I, do CPC, aqui aplicável

subsidiariamente.” (Vol. 7, Fl. 1462. Grifo omitido.)

Na realidade, o Juízo afirmou

[...] que a defesa não se desincumbiu do seu ônus de provar os fatos desconstitutivos da acusação, porquanto os depoimentos das testemunhas que arrolaram se mostraram confusos, e não explicaram de forma verossímil a causa que originou o saque do cheque em anexo, preenchido às vésperas da eleição, nem o porquê de tal contratação com pagamento adiantado, já que os próprios depoentes informaram que o serviço não foi efetuado.

(Vol. 6, Fl. 1390.)

Na questão relativa à distribuição do ônus da prova, no

processo civil, EDUARDO J. COUTURE26 ensina que:

O princípio geral do ônus da prova pode caber em dois preceitos: a) Em matéria de obrigações, o autor prova a existência de fatos que supõem a existência da obrigação, e o réu os fatos que supõem a extinção dela. b) Em termos de fatos e atos jurídicos, tanto o autor quanto o réu devem provar suas respectivas proposições.

(Fundamentos del Derecho Procesal Civil, Ediciones Depalma, 1966, Buenos

Aires, p. 243.) O ensinamento doutrinário acima referido está em perfeita

consonância com o disposto no Art. 333 do CPC. Esse dispositivo legal também

consagra o princípio geral de direito, enunciado por COUTURE, de que cada

parte tem o ônus de provar as respectivas proposições relativas aos fatos e aos

atos jurídicos. Aliás, esse princípio perpassa todo o ordenamento jurídico.27 “Em

última análise, como diz [...] Amaral Santos, é legítimo o princípio jurídico segundo

26 “El principio general de la carga de la prueba puede caber en dos preceptos: a) En materia de obligaciones, el actor prueba los hechos que supone la existencia de la obligación, y el reo los hechos que suponen la extinción de ella. b) En materia de hechos y actos jurídicos, tanto el actor como el reo prueban sus respectivas proposiciones.” 27 A primeira parte do Art. 156 do CPP dispõe que “[a] prova da alegação incumbirá a quem a fizer”. No processo trabalhista, igualmente, o Art. 818 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determina que “[a] prova das alegações incumbe à parte que as fizer.” Também no Direito Eleitoral, incumbe a quem alega o ônus da prova do fato ou ato invocado. CE, Arts. 94, § 1º, inciso IV; 97, § 3º.

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o qual ‘compete, em regra, a cada uma das partes fornecer os elementos de

prova das alegações que fizer’. (Comentários ao Código de Processo Civil, 4ª ed.,

Forense, 1984 vol. IV, n° 19, pág. 27).” (TRE/SP, Avulso nº 5196, Acórdão de

06/09/2011, Rel. ALCEU PENTEADO NAVARRO, DJESP 15/09/2011.) Nesse

contexto, a afirmação de “que a defesa não se desincumbiu do seu ônus de

provar os fatos desconstitutivos da acusação” carece de qualquer censura.

Decorre do texto legal que “[o] ônus da prova incumbe”, “ao réu, quanto à

existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.” CPC,

Art. 333, inciso II. Se o réu se limita a formular alegações desprovidas de suporte

probatório, corre grande risco de perder a demanda. Dessa forma, cabe ao réu

apresentar ao Juízo provas suficientes para desconstituir os elementos

probatórios carreados aos autos pelo autor.

Ainda que essa afirmação contivesse alguma impropriedade

jurídica, seria ela insuficiente para afastar a legitimidade das demais conclusões

expostas pelo Juízo, as quais estão baseadas no exame criterioso do conjunto

probatório contido nos autos. Na espécie, o exame da sentença, em sua

integralidade, demonstra que “[a] convicção do juiz resulta do exame feito, sobre o

conjunto probatório, sem indagar a quem competiria o onus probandi, como

determina o art. 332 do CPC.” (STJ, REsp 324.282/MT, Rel. Min. HUMBERTO

GOMES DE BARROS, Primeira Turma, julgado em 05/02/2002, DJ 01/04/2002, p.

172.)

Em consonância com a fundamentação acima, é injusto

dizer que o conjunto probatório acolhido pelo Juízo repousa apenas no

depoimento de “[t]estemunhas interessadas na procedência da representação

eleitoral”. (TRE/GO, Investigação Judicial nº 19053, Acórdão nº 14213 de

27/02/2014, Rel. LEÃO APARECIDO ALVES, DJ 07/03/2014, P. 2-3.) Em

consequência, a decisão proferida pelo “juiz do processo, conhecedor da

realidade dos autos, há que ser mantida.” (TRF 1ª Região, RSE 1861-

68.2010.4.01.3504/GO, Rel. Desembargador Federal OLINDO MENEZES, Quarta

Turma, e-DJF1 p. 513 de 20/07/2012.)

Por outro lado, os Recorrentes alegam que “[n]ão houve [...]

a identificação de ato praticado diretamente pelos candidatos” (Vol. 7, Fl. 1470), e,

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quanto à anuência da Recorrente Etélia, que o Juízo “julgou por presunção, o que

não se admite no direito brasileiro, mormente em matéria eleitoral onde as

emoções estão à flor da pele.” (Vol. 7, Fl. 1470.)

Porém, “[a] atual jurisprudência do [TSE] não exige a prova

da participação direta, ou mesmo indireta, do candidato, para fins de aplicação do

art. 41-A da Lei das Eleições, bastando o consentimento, a anuência, o

conhecimento ou mesmo a ciência dos fatos que resultaram na prática do ilícito

eleitoral, elementos esses que devem ser aferidos diante do respectivo contexto

fático.” (TSE, RO nº 2098, Porto velho/RO, Rel. Min. ARNALDO VERSIANI LEITE

SOARES, DJE 04/08/2009.) Em idêntica direção: TSE, AgRg-RESPE 35692 -

Cunha Porã/SC – Rel. Min. FELIX FISCHER, DJE 24/03/2010; RESPE nº 21264,

Acórdão nº 21264 de 27/04/2004, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ 11/6/2004, P.

94.

Também esta Corte tem entendido que é inexigível “a prova

da participação direta, ou mesmo indireta, do candidato, para fins de aplicação do

art. 41-A da Lei das Eleições, bastando o consentimento, a anuência, o

conhecimento ou mesmo a ciência dos fatos que resultaram na prática do ilícito

eleitoral, elementos esses que devem ser aferidos diante do respectivo contexto

fático.” (TRE/GO, Investigação Judicial nº 28622, Acórdão nº 14054 de

12/11/2013, Rel. AIRTON FERNANDES DE CAMPOS, DJ 20/11/2013, P. 4-5.)

Dessa forma, a ausência de participação direta ou indireta

da Recorrente Etélia na prática de captação ilícita de sufrágio é insuficiente para

afastar a responsabilidade eleitoral respectiva.

Para reconhecer a responsabilidade da Recorrente Etélia, o

Juízo afirmou, em suma, o seguinte: “que as pessoas que efetivaram a entrega de

valores visando a captação ilícita de sufrágio em benefício [de Etélia], possuem

laços familiares com ela, sendo um deles seu esposo”, o qual vem a ser o

Recorrente Gervásio; que Gervásio, “conforme demonstrado nas conversas

interceptadas era quem coordenava [a] campanha” de Etélia; e que o outro,

Nolberto, é “parente afim [de] Etélia, já que é tio de seu marido” (Vol. 6, Fl. 1394),

e atuou como cabo eleitoral na campanha política dela. (Vol. 6, Fl. 1395.)

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Em consequência desse vínculo familiar, o Juízo reconheceu

a anuência de Etélia quanto à prática dos atos de captação ilícita de sufrágio,

perpetrados em seu benefício por Gervásio e Nolberto. Portanto, “[n]o caso, a

anuência, ou ciência, do candidato a toda a significativa operação de compra de

votos é fruto do envolvimento de pessoas com quem tinha forte ligação familiar”.

(TSE, RO nº 2098, supra.) A presença do vínculo conjugal entre Gervásio e Etélia

e a do de tio e sobrinho entre Gervásio e Nolberto é suficiente para demonstrar “o

liame entre os autores da conduta” ilícita (Gervásio e Nolberto) e a maior

beneficiada pela ilicitude (Etélia). Nesse sentido, o TSE já reconheceu que “[o]

forte vínculo político e familiar evidencia de forma plena o liame entre os autores

da conduta e os candidatos beneficiários.” (TSE, AgRg em RESPE 815659,

supra. Hipótese em que os autores da conduta eram primos e cabos eleitorais dos

beneficiados.)

Ademais, o exame do conjunto probatório demonstra, de

forma insofismável, que Etélia tinha conhecimento da captação ilícita de sufrágio

praticada por Gervásio e seus subordinados.

Numa das conversas interceptadas, Gervásio diz ao Sr.

Dario que Etélia “não está atendendo telefone, pois vira confusão.” (Vol. 2, Fl.

408.) Essa revelação demonstra que Etélia tinha conhecimento das práticas

ilícitas perpetradas, e, por essa razão, evitava ao máximo falar ao telefone. Além

disso, essa explicação comprova que Etélia seguia as diretrizes emanadas de seu

marido Gervásio, e, portanto, consentia nas suas ações à frente da campanha

eleitoral.

Em outros diálogos telefônicos, trazidos à colação pelo MPE,

ficou claro que Etélia tinha conhecimento das ações adotadas no curso de sua

campanha eleitoral. Gervásio conversa com Etélia e a coloca a par de suas

diversas ações visando à arrecadação de recursos para a campanha eleitoral.

(Vol. 2, Fls. 412-413, diálogo; Vol. 7, Fls. 1571-1572, contrarrazões do MPE.)

Gervásio conversa com Etélia sobre os problemas enfrentados pelo Comitê

Financeiro. Em seguida, Etélia “questiona a respeito das despesas com o

transporte e deslocamento para a zona rural.” (Vol. 3, Fl. 610, diálogo; Vol. 7, Fl.

1572, contrarrazões do MPE.) Etélia e Gervásio conversam sobre a falta de

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combustível. (Vol. 2, Fls. 420-421.)

Como bem ressaltado pelo MPE, nas suas contrarrazões,

“[e]ra mais que sabido e reconhecido no município que quem ‘administraria’ a

prefeitura seria o recorrente GERVÁSIO GONÇALVES, e que sua esposa, a

recorrida ETÉLIA VANJA, seria meramente sua títere”. (Vol. 7, Fl. 1573.) Tanto

isso é verdade que, “logo após o resultado das eleições”, Gervásio recebeu os

cumprimentos de um certo João pela vitória. João pergunta se é o “grande

secretário” quem está falando e Gervásio o corrige dizendo que é o “prefeito”.

(Vol. 3, Fl. 568, diálogo; Vol. 7, Fl. 1573, contrarrazões do MPE.)

Todos esses elementos probatórios, vistos em conjunto, são

suficientes à conclusão de que Etélia tinha conhecimento das ações ilícitas

praticadas por Gervásio e por seus comandados e com elas consentiu.

Assim sendo, confirmo a sentença no ponto em que

reconheceu a prática da captação ilícita de sufrágio (Lei 9.504, Art. 41-A) por

parte de Gervásio e de Nolberto em favor dos Recorrentes Etélia e Ruy.28

3

No tocante ao abuso do poder econômico pela captação e

gastos ilícitos de recursos na campanha eleitoral (Lei 9.504, Art. 30-A), os

Recorrentes asseveram que “a única prova juntada foram [sic] as interceptações

telefônicas”. (Vol. 7, Fl. 1476. Grifo omitido.) “No entanto”, argumentam os

Recorrentes, “as interceptações telefônicas, desacompanhadas de outras provas,

não são capazes de ensejar a procedência de qualquer ação, seja penal ou

mesmo de natureza eleitoral”. (Vol. 7, Fl. 1478.) Alegam, especificamente, que

“não há nada que sustente as alegações iniciais, visto que como nenhuma

testemunha foi inquirida e nenhuma outra prova foi produzida pela acusação, as

gravações restaram isoladas, não tendo capacidade de gerar a procedência de

uma ação.” (Vol. 7, Fl. 1478. Grifo omitido.)

28 Como bem ressaltado pela PRE, “o Juízo a quo não reconheceu expressamente a prática de transporte ilegal de eleitores por parte dos [Recorrentes], limitando-se em afirmar que as conversas captadas na interceptação telefônica são fortes indicativos da ocorrência dessa prática mas que não podem ser consideradas robustas (fl. 1392).” [Vol. 8, Fl. 1664. Negrito omitido.] Daí a conclusão de que, “[n]ão havendo condenação expressa em razão desse fato, a esse respeito falece aos recorrentes o interesse de agir” nesse ponto. (Vol. 8, Fl. 1664.)

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Novamente, equivocam-se os Recorrentes. Além de

mencionar os diálogos telefônicos interceptados (Vol. 6, Fl. 1398), o Juízo

fundamentou a procedência do pedido nas “incoerências apontadas na prestação

de contas eleitorais dos requeridos ETÉLIA e RUY, as quais restaram

desaprovadas” em sentença transitada em julgado29 (Vol. 4, Fls. 944-947, caixa

alta original); e na “desproporcionalidade dos valores afixados como gasto de

combustível em um município cuja zona rural é bastante extensa e [...] a

desproporção com relação aos gastos informados com panfletos, como destacou

a analista do TRE em seu relatório preliminar”. (Vol. 6, Fl. 1400.) Em idêntica

direção, a PRE ressaltou que o Juízo reconheceu “a existência de ‘caixa dois’”

com base “não só em diálogos interceptados, mas também nas informações

constantes da prestação de contas dos candidatos ETÉLIA e RUY e do comitê

financeiro.” (Vol. 8, Fls. 1666-1667. Caixa alta original.)

No que concerne à interceptação telefônica, o Juízo citou

“diálogos que comprovam o efetivo recebimento (e não meras negociações no

plano da tratativa) de recursos que foram angariados e aplicados sem

obediências [sic] à legislação eleitoral aplicável”. (Vol. 6, Fl. 1399.) Assim, em 11

de julho de 2013 (Vol. 3, Fl. 604), Gervásio afirma que está com um cheque “pré-

datado” para o dia 3 de agosto de 2013, firmado por Joaquim Domingos Roriz, ex-

governador do Distrito Federal. Depois, o Juízo enfatiza, com base nas conversas

interceptadas, que o gasto de combustível declarado na prestação de contas, no

importe de R$ 5.160,00, teria sido, na verdade, de mais de R$ 20.000,00. (Vol. 3,

Fls. 586 e 610.) Em reforço disso, cumpre notar que em 17 de junho de 2013,

Gervásio conversa com um HNI e informa que, naquele dia, iria “liberar R$

10.000,00 de combustível em um posto”. (Vol. 2, Fl. 408.)

Além disso, na sentença proferida na Prestação de Contas,

o Juízo ressaltou que os candidatos Etélia e Ruy apresentaram recibos

consignando receitas que fizeram o Demonstrativo de Recursos Arrecadados

saltar de R$ 8.517,80 (Prestação de Contas Inicial, Vol. 4, Fls. 632-633) para R$

20.067,80. (Prestação de Contas Final, Vol. 4, Fls. 894-895.) No entanto, o Juízo

29 TRE/GO, AgRg em RE nº 3164, Acórdão nº 14017 de 10/10/2013, Rel.

WALTER CARLOS LEMES, DJ 17/10/2013, P. 7.

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concluiu que a ausência de comprovação de que esses recibos foram emitidos na

data da arrecadação dos recursos “impede o efetivo exame da regularidade da

arrecadação, comprometendo a confiabilidade das contas” (Vol. 4, Fl. 946), a

impor a rejeição delas.

Em suma, o Juízo afirmou que o “fato de ter uma eleição

cuja diferença de votos foi mínima (quatorze votos)”, “indubitavelmente [...]

caracteriza[...] o abuso de poder econômico com potencialidade de influenciar a

liberdade de voto e o resultado das eleições, maculando o pleito.” (Vol. 6, Fls.

1398-1399.) Embora tenham tentado, os Recorrentes foram incapazes de afastar

a razoabilidade dessa fundamentação. Diante de uma diferença de votos tão

pequena, qualquer conduta tendente a desequilibrar o pleito tem potencialidade

para influenciar a liberdade de voto e o resultado respectivo.

Daí a conclusão do Juízo no sentido de que o “arcabouço

probatório” confirmou “a cooperação ativa do esposo da candidata eleita Prefeita,

o requerido Gervásio, na organização dos gastos e na arrecadação de recursos e

na sua prestação de contas” (Vol. 6, Fl. 1401), e a imposição das penas previstas

no Art. 30-A da Lei 9.504.

Os Recorrentes asseveram “que nas gravações impugnadas

só há prospectiva de recebimento de verbas, não havendo nenhuma

comprovação de que os valores realmente tenham sido recebidos, tampouco que

tenham sido utilizados na campanha.” (Vol. 7, Fl. 1480.) Num diálogo de 12 de

julho de 2013, Gervásio informa a Joaquim Roriz que trocou o cheque num posto

de gasolina de propriedade de um parente dele, Gervásio. (Vol. 3, Fl. 615.) No

segundo diálogo invocado pelo Juízo, Gervásio pergunta ao seu interlocutor se

ele não consegue R$ 30.000,00 com Fabrício para pagamento de dívida de

campanha eleitoral no importe de R$ 100.000,00. (Vol. 6, Fl. 1399.) Os

Recorrentes alegam que nesse diálogo o que há é apenas a intenção de obter

recursos que não serão declarados, mas, não, o recebimento efetivo deles.

Porém, essa intenção (CPC, Art. 335), combinada com o recebimento do cheque

pós-datado de R$ 10.000,00 do Sr. Joaquim Roriz, são suficientes para

comprovar que o uso de recursos não declarados era uma prática comum na

campanha eleitoral dos Recorrentes Etélia e Ruy. Em outro diálogo, um

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interlocutor não identificado diz a Gervásio que Fabrício está tentando conseguir a

quantia em questão (R$ 30.000,00) “fora do escritório”. (Vol. 3, Fl. 604.) Ainda que

a invocação desse diálogo fosse errônea, seria ela insuficiente para comprometer

a higidez do conjunto probatório exposto pelo Juízo para reconhecer a prática

ilícita descrita no Art. 30-A da Lei 9.504.

Ademais, a PRE invoca, no seu parecer (Vol. 8, Fls. 1668-

1672), outros casos nos quais ficou comprovada a ocorrência da arrecadação de

recursos não declarados à Justiça Eleitoral. Em 17 de junho de 2013 (Vol. 2, Fls.

408-409), Gervásio diz ao seu interlocutor que havia ajudado José Gouveia de

Araújo, Prefeito de Posse, Goiás, e que Gouveia quer retribuir o favor. Depois, no

dia 8 de julho de 2013 (Vol. 3, Fl. 572), Gervásio diz ao seu interlocutor que irá à

cidade de Posse agradecer a ajuda de Gouveia. Consequentemente, a ajuda

prometida foi efetivamente cumprida. Em 18 de junho de 2013, Gervásio diz que

José Neto lhe prometeu R$ 10.000,00. (Vol. 2, Fl. 419.) No dia 3 de julho de 2013

(Vol. 3, Fls. 523-524), Gervásio diz ao seu interlocutor que José Neto, prefeito de

Planaltina, Goiás, trará o dinheiro no dia seguinte. Após, no dia 7 de julho de 2013

(Vol. 3, Fls. 562-565), Gervásio conversa com José Neto e agradece à ajuda dele.

Assim sendo, essa foi mais uma promessa que se concretizou. Além disso, a PRE

invocou diálogo entre João de Lu e Pedro Chaves, Deputado Federal, no qual

esse parlamentar informou que havia encomendado uma pesquisa eleitoral no

interesse da Recorrente Etélia. (Vol. 3, Fl. 520.) Noutro diálogo, Adão Luiz

Ribeiro, ex-prefeito de Iaciara, Goiás, informa que vai depositar a quantia de R$

3.200,00 em favor da campanha de Etélia. (Vol. 3, Fls. 534-535.) Inicialmente,

Gervásio disse que o depósito deveria ser procedido na conta do Comitê

Financeiro, para que fosse uma doação legal. (Vol. 3, Fl. 515.) Porém, na

verdade, o depósito foi feito na conta de Deusmar Gonçalves Silva, primo de

Gervásio. (Vol. 3, Fl. 584.) No entanto, o Sr. Adão Luiz, ao invés de depositar a

quantia de R$ 3.200,00, efetuou, por engano, o depósito do valor de R$

32.000,00. (Vol. 3, Fl. 583.) Informado sobre o equívoco no depósito, Deusmar

relutou em devolver a quantia superior ao valor combinado, causando transtornos

ao Recorrente Gervásio, porquanto o saldo da conta bancária de Adão Luiz ficou

no vermelho. (Vol. 3, Fls. 583-587 e 593-597.) Consequentemente, o valor em

causa, arrecadado à margem da legalidade, foi depositado em conta de terceiro

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que se passou pelo verdadeiro destinatário (Etélia e Ruy), ou seja, em conta de

“laranja”. Além disso, toda essa trapalhada ficou devidamente comprovada nos

autos, mediante a juntada dos extratos das contas bancárias de Deusmar e de

Domingos Gonçalves Silva, irmão de Gervásio. (Vol. 6, Fls. 1164-1171.)

Por outro lado, e, também secundando a fundamentação do

Juízo, a PRE ressaltou a ocorrência de “fraude nas prestações de contas,

mediante utilização de documentos ‘frios’ e outros artifícios ilegais”. (Vol. 8, Fl.

1672.) Dentre esses “artifícios ilegais”, destacam-se: a confecção de um contrato

de doação com firma reconhecida e com carimbo de data retroativa; emissão de

nota avulsa de doação com data retroativa (Vol. 3, Fls. 606-608); subfaturamento

de notas de despesas (Vol. 3, Fls. 608-609); simulação de despesas com vinhetas

(Vol. 3, Fls. 609-613); superfaturamento de despesas com combustível (Vol. 3,

Fls. 610 e 612); simulação de doação para pagamento de jingles (Vol. 3, Fls. 612

e 616); simulação de doação para pagamento de santinhos (Vol. 3, Fl. 614); e

subfaturamento de despesas com material gráfico. (Vol. 2, Fls. 279-280.)

E se isso ainda fosse pouco, a PRE ressaltou o episódio da

aquisição de centenas de bandeiras utilizadas nos eventos de campanha, sem a

correspondente menção a elas nas prestações de contas (Vol. 2, Fls. 251 e 265-

266); e a discrepância nas prestações de contas apresentadas em 9 de julho de

2013 e em 12 de julho de 2013, porquanto recibos que não teriam sido utilizados

na primeira prestação aparecem preenchidos na segunda. (Vol. 8, Fls. 1677-

1678.) E os “artifícios ilegais” não pararam por aí. A PRE explica que o recibo de

numeração final 00006, o qual não havia sido usado na primeira prestação de

contas, aparece na segunda com data de emissão de 15 de junho de 2013. (Vol.

5, Fls. 954 e 1116.) Esse recibo tem por objeto doação do uso do local em que

ficou instalado o Comitê Eleitoral e foi firmado pelo Sr. Válber Chaves. Estaria

tudo bem se não fosse a interceptação telefônica haver revelado diálogo entre

Gervásio e o contador Petrônio Lima, no qual combinam a confecção de um

contrato de doação das instalações do Comitê, com data retroativa. (Vol. 3, Fls.

606-608.) Idêntico procedimento (ausência de uso na primeira prestação de

contas e preenchimento na segunda) foi utilizado pelo Recorrente Gervásio no

tocante ao recibo de numeração 00005, o qual também foi assinado pelo Sr.

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Válber Chaves. (Vol. 5, Fls. 954, 1076 e 1117.) Temos, ainda, o caso do recibo de

numeração final 00007 (não utilizado na primeira prestação de contas e

preenchido na segunda), o qual teve por objeto a produção de vinhetas que nunca

foram entregues. (Vol. 3, Fl. 609; Vol. 5, Fls. 954 e 1122.) Por fim, o recibo de

numeração final 00008, o qual aparece na segunda prestação de contas como

veiculando a doação simulada de um ônibus por parte da empresa Ademar

Soares de Oliveira e Cia. Ltda.-ME. (Vol. 3, Fls. 606-608; Vol. 5, Fls. 954 e 1121.)

Em 27 de junho de 2013 (Vol. 2, Fl. 452), João de Lu diz a

um HNI que vendeu seu veículo e que emprestou o valor da venda ao Gervásio.

Em plena época de campanha eleitoral, a inferência natural é a de que o valor

dessa venda deve ter sido aplicado na campanha de Etélia e Ruy. Em 1º de julho

de 2013 (Vol. 3, Fls. 502-503), Gervásio pede a um HNI para ir ao gabinete de

Agaciel. (Agaciel Maia, Deputado Distrital, Vol. 3, Fl. 509.) Gervásio diz ao HNI

que ele deve dizer ao Agaciel “que a mulher de GERVÁSIO é candidata e que

eles [...] estão com um povo para levar e estão precisando de combustível, ‘uns

dois três contos’”. (Vol. 3, Fl. 502.) Em 1º de julho de 2013 (Vol. 3, Fls. 503-504),

Gervásio conversa com um HNI e diz que Joaquim Roriz havia prometido arranjar

R$ 50.000,00, mas teve que viajar às pressas aos Estados Unidos para tratar de

um problema de saúde. Embora não tenha havido a confirmação do recebimento

dessas ajudas, esses episódios servem para demonstrar o modus operandi de

Gervásio e de seus comandados na captação ilícita de recursos.

Em suma, ficou comprovada a prática de “caixa dois”,

porquanto os gastos efetivos foram muito superiores aos declarados à Justiça

Eleitoral. Nesse sentido, por exemplo, em 17 de junho de 2013, Gervásio

conversa com um HNI e informa que “o som ficou por R$ 36.000,00”. (Vol. 2, Fl.

408.) Porém, esse valor não constou da prestação de contas à Justiça Eleitoral, o

que comprova a prática do chamado caixa dois. (Vol. 3, Fls. 627-741; Vol. 4, Fls.

745-937 e Vol. 5, Fls. 952-1132.) Aliás, essa quantia (R$ 36.000,00) não atinge

sequer o valor total dos recursos arrecadados pelos Recorrentes Etélia e Ruy, o

qual, na prestação de contas final, foi da ordem de R$ 20.067,80. (Vol. 4, Fls.

894-895.) Em 5 de julho de 2013 (Vol. 3, Fl. 535), “Jura” diz a Gervásio “que o

dinheiro levantado no negócio tem que ser no separado, no caixa dois, porque

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estão pagando no nome do menino.” (Grifei.) Assustado com essa revelação,

Gervásio diz ao Sr. Jura “que é melhor que ele dê um pulo lá, pois é melhor

chamá-lo num particular do que mexer com esse trem pelo celular.” (Vol. 3, Fls.

535-536.) Em seguida, e, tentando consertar o estrago feito pelo Sr. Jura,

Gervásio diz que tudo “tem que ser dentro da legalidade, nada caixa dois, esses

trem, irão botar tudo no papel, para não dar problema posteriormente.” (Vol. 3, Fl.

536.)

Também é improcedente a alegação dos Recorrentes de

que a conclusão do Juízo pela ocorrência de infração ao disposto no Art. 30-A da

Lei 9.504 teria sido obtida a partir de presunções extraídas unicamente das

interceptações telefônicas. Como bem registrou a PRE, “[a]s informações

‘maquiadas’ constantes das prestações de contas, somadas aos diálogos

interceptados, não permitem outra conclusão senão a de que houve, no caso

vertente, a captação e gasto ilícito de recurso apto a configurar abuso de poder

econômico”. (Vol. 8, Fl. 1679.)

Os Recorrentes invocam a regularidade da prestação de

contas no que concerne às despesas com lubrificantes e combustíveis, no importe

de R$ 160,00 (Vol. 7, Fl. 1482) ou R$ 180,00 (Vol. 7, Fl. 1467); quanto às

despesas com combustível, no valor de R$ 5.000,00; no tocante à cessão e à

locação de veículos, na quantia de R$ 500,00; e no que respeita às despesas

com transporte ou deslocamento, no montante de R$ 2.000,00. Porém, os

Recorrentes deixaram de demonstrar de que forma e em que medida esses fatos

teriam a aptidão fática ou jurídica para afastar os “artifícios ilegais” acima

referidos. Consequentemente, a invocação desses fatos é irrelevante e

impertinente “na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.” CPP,

Art. 566.

Os Recorrentes argumentam que, “ao contrário do que

sugeriu a sentença, não bastava a simples desaprovação das contas, algo revisto

pelo TRE/GO”; que “para a aplicação da sanção prevista no artigo 30-A, é

necessário que os recursos arrecadados/gastos de forma indevida sejam em

proporção tal que comprometam a transparência das contas e influam no

resultado.” (Vol. 7, Fl. 1485.) Porém, o Juízo não fundamentou a procedência do

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pedido, nesse ponto (Lei 9.504, Art. 30-A), apenas na rejeição das contas

apresentadas pelos Recorrentes Etélia e Ruy. Esse fato foi usado como reforço

de fundamentação, bastando ver que o Juízo, depois de aludir às conversas

telefônicas interceptadas, argumentou que, “[s]ome-se a isso as incoerências

apontadas na prestação de contas eleitorais dos requeridos”. (Vol. 6, Fls. 1398-

1399.) De outra parte, o valor comprovadamente recebido de forma indevida (R$

10.000,00 de Joaquim Roriz, R$ 10.000,00 de José Neto e R$ 3.200,00 de Adão

Luiz Ribeiro) e o dispêndio de R$ 14.840,00, sem a devida contabilização,

também são substanciais no contexto de uma campanha política para 7.493

eleitores. Ora, se os recursos seriam aplicados em finalidade coberta pelo Art. 26

da Lei 9.504, não se justificava, por exemplo, que o depósito de R$ 3.200,00, feito

pelo ex-prefeito de Iaciara, Adão Luiz Ribeiro, fosse efetuado na conta de um

“laranja”, o Sr. Deusmar, primo de Gervásio. Porém, os indícios existentes nos

autos, revelados na interceptação telefônica, são no sentido de que a quantia em

questão (R$ 3.200,00) se destinava a financiar o transporte ilegal de eleitores.

Além do Sr. Deusmar e do Sr. Domingos, outras pessoas

foram usadas como “laranjas”. Em diálogo de 28 de junho de 2013 (Vol. 2, Fls.

460-461), o Sr. Pelé diz “que é para CIDE ‘deixar o crédito de petróleo’ em nome

do ARLINDO, vaqueiro de CIDE”, “porque ‘esse trem tá um perigo’”.

Diante da prática das inúmeras e graves ilicitudes

identificadas nestes autos, é indubitável o comprometimento da transparência das

contas da campanha eleitoral de Etélia e Ruy. Considerando o volume dos

recursos comprovadamente manejados de forma ilícita (R$ 38.040,00), o reduzido

contingente de eleitores do Município de São Domingos (7.493)30, e a pequena

diferença de votos em favor dos vencedores (14 votos), é evidente, também, que

a prática dessas ilicitudes influiu no resultado do pleito.

Os Recorrentes asseveram que “é exigido que haja

aplicação desses recursos de forma completamente vedada pela Lei nº 9.504/97,

ou seja, havendo prova de que o candidato utilizou os recursos para realizar

gastos eleitorais dentre os itens listados no artigo 26 da mesma lei, inexistirá

30 Cf. http://www.tre-go.jus.br/eleitor/zonas-eleitorais/zonas-eleitorais. Acesso em

4 nov. 2014.

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violação ao artigo 30-A, afastando, assim, qualquer sanção.” (Vol. 7, Fl. 1485.) No

entanto, os Recorrentes deixaram de indicar os fundamentos jurídicos (atos

normativos ou jurisprudência) dessa surpreendente assertiva. Ademais, esse

entendimento, no frigir dos ovos, legitima a prática do “caixa dois”, porquanto

recursos não declarados na prestação de contas seriam livremente admitidos na

campanha eleitoral.

Os Recorrentes asseveram que “as razões que ensejaram a

desaprovação das contas dos candidatos recorrentes não geram,

automaticamente, a cassação do diploma com fundamento no art. 30-A da Lei nº

9.504/97, devendo ser consideradas as nuances do caso específico, como forma

de aferir se a conduta afetou o bem jurídico resguardado pela norma que, na

hipótese, é a lisura da campanha eleitoral, o que não ficou demonstrado no caso

dos autos.” (Vol. 7, Fl. 1491.) É verdade que “[a] existência de vícios na prestação

de contas não acarreta, necessariamente, a incidência da sanção prevista no § 2º

do art. 30-A da Lei nº 9.504/97, devendo-se aferir, por meio de prova consistente,

a gravidade e relevância jurídica das condutas ilícitas.” (TSE, RO nº 711468,

Acórdão de 13/03/2014, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJE 30/04/2014, P. 35.) No

entanto, e, como já ressaltado, a imposição da pena de cassação está fundada na

comprovação da prática de graves ilicitudes, e, não, somente na desaprovação

das contas apresentadas pelos Recorrentes Etélia e Ruy.

Os Recorrentes afirmam, ainda, que “não se extrai dos autos

qualquer indício de contabilização das doações estimáveis em dinheiro com a

finalidade de burlar a legislação eleitoral – o chamado ‘caixa dois’ –, situação a

qual o art. 30-A da Lei nº 9.504/97 visa combater, tampouco se discute a respeito

da ocorrência de recebimento de recursos de fonte vedada.” (Vol. 7, Fl. 1491.) A

despeito de não haver imputação de recebimento de recursos de fonte vedada, o

“caixa dois” ficou devidamente caracterizado, por exemplo: nas despesas com

combustível, dado que o valor indicado na prestação de contas é inferior, como já

demonstrado, ao efetivamente despendido; na utilização de contas bancárias de

“laranjas” para o recebimento de valores ilegalmente doados; e no recebimento de

recursos no importe de R$ 38.040,00, os quais não foram objeto de regular

prestação de contas.

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O TSE já afastou a caracterização da infração descrita no

Art. 30-A da Lei 9.504 em caso no qual houve apenas “omissão de despesas

realizadas com material de propaganda eleitoral em prestação de contas, tida [...]

como incorreção contábil de gastos de campanha”. (TSE, RESPE nº 6824,

Acórdão de 22/05/2012, Rel. Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, Rel. designado

Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, DJE 27/6/2012, P. 52.) Também esta

Corte já decidiu que “[a] omissão de uma única receita estimável em dinheiro, a

despeito de configurar vício insanável para fins da análise da prestação de

contas, não consubstancia falha suficientemente grave para ensejar a cassação

do diploma, penalidade que deve ficar reservada para hipóteses de relevantes

ilicitudes dentro de cada contexto fático-probatório.” (TRE/GO, Investigação

Judicial nº 147, Acórdão nº 14263 de 08/04/2014, Rel. WILSON SAFATLE FAIAD,

DJ 14/04/2014, P. 2-3.) De outra banda, “[a] aprovação das contas de campanha

não obsta o ajuizamento de ação que visa a apurar eventual abuso de poder

econômico.” (TSE, RESPE nº 28387, Acórdão de 19/12/2007, Rel. Min. CARLOS

AYRES DE BRITTO, DJ 04/02/2008, P. 8.)

Aqui, porém, a gravidade das condutas praticadas em favor

de Etélia e Ruy é patente, e, elas, vistas em conjunto, são mais do que suficientes

para influenciar a liberdade de voto e o resultado do pleito. Na espécie, ficou

comprovada a existência de inúmeras doações de recursos, no importe de pelo

menos R$ 38.040,00, que não foram declarados nas prestações de contas. Só

isso já é suficientemente grave para justificar a imposição da pena de cassação

do diploma. Além disso, o contexto da campanha eleitoral num Município de

apenas 7.493 eleitores e a mínima diferença de votos em favor dos vencedores

(14 sufrágios) são suficientes para demonstrar, com sobejos de razão, a

existência de proporcionalidade entre a conduta praticada e a sanção imposta

pelo Juízo.

Os Recorrentes asseveram que “a jurisprudência do TRE-

GO não autoriza a aplicação das sanções do artigo 30-A, uma vez que os

recursos arrecadados foram fielmente informados quando da prestação de

contas.” (Vol. 7, Fl. 1486.) No entanto, os Recorrentes deixaram de demonstrar,

com remissão à prova dos autos, que todos “os recursos arrecadados foram

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fielmente informados quando da prestação de contas.”

Os Recorrentes sustentam, ainda, que “os comprovantes

alegados na inicial constam da prestação de contas de campanha, afastando a

alegação de uso de ‘caixa 2’ e, por consequência, a aplicação de sanção do artigo

30-A da Lei 9.504/97.” (Vol. 7, Fl. 1486.) Todavia, os Recorrentes deixaram de

indicar, com remissão ao contido nos autos, as provas dessa assertiva.

Os Recorrentes alegam a ausência de gravidade da conduta

ou de potencialidade do evento para interferir no resultado da eleição. Porém, nos

termos do inciso XVI do Art. 22 da LC 64, “[p]ara a configuração do ato abusivo,

não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição,

mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.” “De acordo com

o XVI do art. 22 da LC 64/90, incluído pela LC 135, de 2010, ‘para a configuração

do ato abusivo não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado

da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam’.”

(TRE/GO, Recurso Eleitoral 36902, Acórdão 13719 de 28/02/2013, Rel.

LEONARDO BUISSA FREITAS, DJ 05/03/2013, P. 4-5.) Dessa forma, esse

“exame [...] não se prende ao resultado das eleições. Importam os elementos que

podem influir no transcurso normal e legítimo do processo eleitoral, sem

necessária vinculação com resultado quantitativo (RO 781, Rel. Min. Peçanha

Martins, DJ de 24.9.2004; RO 752/ES, Rel. Min. Fernando Neves, DJ de

6.8.2004).” (TSE, RCED 698, Acórdão de 25/06/2009, Rel. Min. FELIX FISCHER,

DJE 12/08/2009, P. 28-30.) Assim sendo, é desnecessário comprovar a existência

de repercussão da conduta ilícita no resultado do pleito eleitoral.

Por outro lado, os Recorrentes alegam a inexistência de

proporcionalidade entre a conduta e as penas aplicadas pelo Juízo. “Consoante a

jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, deve-se observar o critério da

proporcionalidade na aplicação da penalidade prevista no art. 30-A, § 2º, da Lei

9.504/97, ainda que se trate de recebimento de recursos oriundos de fonte

vedada. Ou seja, deve-se perquirir se a sanção de cassação do diploma é

proporcional às irregularidades praticadas pelo candidato, considerando o

contexto de sua campanha eleitoral.” (TSE, AgRg em RO nº 340, Acórdão de

24/06/2014, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJE 04/08/2014, P. 64-65.)

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Fl.

GBJF

Em suma, “[p]ara a cassação do diploma, nas hipóteses de captação ou gastos

ilícitos de recursos (art. 30-A da Lei nº 9.504/97), é preciso haver a demonstração

da proporcionalidade da conduta praticada em favor do candidato, considerado o

contexto da respectiva campanha ou o próprio valor em si.” (TSE, AgRg em RO nº

274556, Acórdão de 16/10/2012, Rel. Min. ARNALDO VERSIANI LEITE

SOARES, DJE 09/11/2012, P. 5-6.)

Na espécie, a pena de cassação é compatível e proporcional

em comparação com a gravidade das condutas praticadas em favor dos

Recorrentes Etélia e Ruy, caracterizadas, primacialmente: na ocorrência de

superfaturamento e de subfaturamento de despesas; na arrecadação de recursos

de forma ilícita; na utilização de contas bancárias de “laranjas” para o recebimento

de valores ilegalmente doados e na fraude na emissão de recibos de despesas da

campanha eleitoral.

Em consonância com a fundamentação acima, também

mantenho a sentença no ponto em que reconheceu a prática da conduta ilícita

descrita no Art. 30-A da Lei 9.504.

II

No tocante, ainda, à questão da caracterização das

infrações descritas nos Arts. 30-A e 41-A da Lei 9.504, é oportuno lembrar que,

como bem registrou a eminente Juíza DORACI LAMAR, exigir mais provas da

prática das condutas ilícitas, em hipóteses semelhantes à presente,

seria esvaziar a aplicação da lei nos casos de evidente compra de voto e abuso de poder econômico, especialmente, por se tratarem de ilícitos freqüentemente praticados por intermédio de interpostas pessoas (parentes próximos do candidato, coordenadores de campanha e cabos eleitorais), o que deixaria impunes os principais beneficiários diretos pelos ilícitos eleitorais praticados.

Em caso bastante similar julgado no TSE, o Doutor Procurador Geral Eleitoral à época, Dr. Roberto Gurgel, manifestou-se com bastante propriedade no REspe n. 21.264/AP, que “Temos, aqui, o que o Ministro Nelson Jobim costuma chamar de ‘pico do iceberg’. Jamais teremos em feitos desta natureza, mais do que o pico o ponto do iceberg. Exigir que se tenha todo o esquema montado, na sua integralidade, é exigir o impossível. Daí a feliz escolha da

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Fl.

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figura do iceberg. Basta lembrar o Titanic, que teria sido sufragado por conta de um iceberg totalmente submerso. Revelar apenas a ponta do iceberg já demanda um esforço imenso, mas exigir que tenhamos todo o iceberg exposto é exigir o impossível, é negar a aplicação da legislação eleitoral.”

Nesse mesmo julgamento, o Colendo TSE reafirmou jurisprudência no sentido de que “para que ocorra a violação da norma do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, não se torna necessário que o ato de compra de votos tenha sido praticado diretamente pelo próprio candidato. É suficiente que, sendo evidente o benefício, do ato haja participado de qualquer forma o candidato ou com ele consentido”.

Vale registrar ainda que o art. 23 da Lei Complementar n. 64/90 estabelece que a convicção do julgador, nos feitos em que se apuram ilícitos eleitorais, será formada não apenas pela prova produzida, mas também por fatos públicos e notórios, indícios e presunções, conforme inclusive reafirma precedente do TSE (ED-RO n. 2098 — Porto Velho/RO, Acórdão de 03/11/2009 Relator(a) ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 07/12/2009, Pagina 15).

Dessa forma, reputo que o ato de distribuição maciça de cestas alimentícias é suficientemente grave, tendo em vista as circunstâncias, constituindo evidente abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio, já que eleitores tiveram ainda vulnerada sua liberdade de sufrágio.

(TRE/GO, Investigação Judicial nº 28622, supra.)

Nesse sentido, o augusto TSE concluiu que, “[p]ara a

configuração do ilícito inscrito no art. 41-A da Lei nº 9.504/97, acrescentado pela

Lei nº 9.840/99, não é necessária a aferição da potencialidade de o fato

desequilibrar a disputa eleitoral.” (TSE, RESPE nº 21264, Acórdão nº 21264 de

27/04/2004, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ 11/6/2004, P. 94.) Nesse RESPE

21264, supra, assim como no presente caso, ficou comprovada a compra de dois

votos. E, no caso julgado pelo TSE, a compra de dois votos foi considerada

suficiente para implicar a cassação do diploma de senador, pelo Estado do

Amapá, do Sr. João Alberto Rodrigues Capiberibe.

No RESPE 19739, o Ministro NELSON JOBIM, ao aderir ao

voto proferido pelo Relator, afirmou, quanto à questão da incidência da

proporcionalidade na captação ilícita de sufrágio, que,

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[...] se caminharmos para a proporcionalidade do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, voltaremos ao sistema do art. 22 da Lei Complementar nº 64/90.

Aqui creio importante ter presente que a circunstância de ser encontrada e ser demonstrada uma conduta, duas condutas ou três condutas de um determinado candidato significa que essa é a conduta que ele usou em outros casos virtuais.

Ou seja, é o pico de um iceberg.

E é exatamente este o sentido da alteração do art. 41-A, pois tornava-se absolutamente impossível caminharmos para as cassações de registro, considerando sempre aquela relação: proporcionalidade, etc.

(TSE, RESPE nº 19739, Acórdão nº 19739 de 13/08/2002, Rel. Min. FERNANDO

NEVES DA SILVA, DJ 04/10/2002, P. 233. Excerto do voto do Min. NELSON

JOBIM.)

“Uma vez reconhecida a captação ilícita de sufrágio, a multa

e a cassação do registro ou do diploma são penalidades que se impõem ope

legis. Precedentes: AgRg no RO nº 791/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de

26.8.2005; REspe nº 21.022/CE, Rel. Min. Fernando Neves, DJ de 7.2.2003;

AgRg no REspe nº 25.878/RO, desta relatoria, DJ de 14.11.2006.” (TSE, RESPE

nº 27737, Acórdão de 04/12/2007, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ 01/02/2008, P.

37.) Em idêntica direção, esta Corte decidiu que a “cooptação de um único voto

cumpre o tipo descrito no art. 41-A da Lei n° 9.504/97 e atrai a incidência das

sanções nele previstas.” (TRE/GO, Investigação Judicial nº 28622, supra.)

Trazendo essas lições para o contexto dos presentes autos,

é legítima a conclusão de que as ilicitudes identificadas no item II, alínea G,

supra, são apenas a ponta do gigantesco iceberg de ilegalidades, ilicitudes e

fraudes perpetradas pelos Requeridos na campanha política da Eleição

Suplementar de 7 de julho de 2013. Por exemplo, a quantia de R$ 38.040,00, a

qual, comprovadamente, foi arrecadada ilicitamente, é apenas a ponta do iceberg,

ou seja, somente o que foi revelado pela rápida investigação. Valor muito maior

foi arrecadado e aplicado ilicitamente. As duas pessoas cujos votos foram,

comprovadamente, comprados em favor de Etélia e Ruy, também são apenas a

ponta do iceberg. Muitas outras pessoas seguramente tiveram seu sufrágio

corrompido.

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58

Fl.

GBJF

Além das ilicitudes devidamente comprovadas, diversas

outras ficaram encobertas ou não contaram com o necessário suporte probatório

para serem consideradas provadas pelo Juízo. Por exemplo, em 17 de junho de

2013, Gervásio conversa com um HNI e ambos dão gargalhadas do fato de o

último haver apertado o gatilho de uma arma em direção a uma pessoa, a qual

teria ficado assustada. (Vol. 2, Fl. 407.) Quer dizer, não bastasse a prática de

ilicitudes para vencer uma eleição, Gervásio e seus comandados também estão

dispostos a intimidar os adversários políticos. E essa fala não pode ser entendida

apenas como bravata. Em 4 de julho de 2013 (Vol. 3, Fl. 532), e, portanto, às

portas do Pleito Suplementar, o Sr. Pelé encomendou de seis a dez munições

calibre 32. Noutro diálogo, de 18 de junho de 2013, um HNI diz a Gervásio “que a

turma acabou de chegar do velório e que está na padaria dando um lanche para o

pessoal.” O HNI pergunta a Gervásio se ele quer falar com a dona da padaria.

Gervásio “responde interrogando se HNI está doido” e que “só conversará com

ela pessoalmente, não falará isso por telefone”. (Vol. 2, Fl. 413.) Outra pessoa

que conversou com Gervásio disse que estava “vacinando crianças e pedindo

votos”. (Vol. 2, Fl. 414.) Zé Segundo conversa com Gervásio e diz que pretende ir

a São Domingos fazer boca de urna. Lei 9.504, Art. 39, § 5º, inciso II. Zé Segundo

pergunta se é uma boa ideia e o Gervásio diz que sim. (Vol. 3, Fl. 515.)

Em suma, as ilicitudes que ficaram comprovadas, nos

presentes autos, são apenas a ponta do iceberg de ilegalidades, fraudes e

infrações penais cujas provas não puderam ser plenamente reveladas no curso

da investigação criminal.

III

Passo ao exame do recurso interposto pelo MPE, o qual

versa sobre três questões: o não reconhecimento pelo Juízo da prática de

transporte ilegal de eleitores; a improcedência total do pedido em relação ao

Recorrido João de Lu; e o valor da multa aplicada aos Requeridos Etélia e Ruy.

A

No tocante à imputação relativa ao transporte ilegal de

eleitores, o Juízo concluiu que o conjunto probatório contido nos autos forneceu

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59

Fl.

GBJF

apenas “fortes indicativos da ocorrência” respectiva, mas, não, prova robusta.

(Vol. 6, Fl. 1392.)

Para assim decidir, o Juízo, primeiramente, afastou a

credibilidade do depoimento do Sr. Gilvanir Cardoso dos Reis, vereador eleito por

um dos partidos de oposição aos Recorrentes Etélia e Ruy, “diante de sua estreita

ligação política com os opositores (Contradita fl. 1177/1182).” [Vol. 6, Fl. 1392.]

Em seguida, o Juízo asseverou que “a foto de uma van de transporte

intermunicipal estacionada em frente a uma pousada local não é capaz de

demonstrar que tal transporte tenha sido contratado pelos requeridos, nem que

ajudou seus eleitores, não havendo, pois, como se verificar o nexo causal neste

caso.” (Vol. 6, Fl. 1392.)

Em contraposição a essa argumentação, o MPE ressalta

que o depoimento do Sr. Gilvanir “se revelou lógico, coerente e bastante

esclarecedor” (Vol. 7, Fl. 1501) e que “[a]s fotografias por ele obtidas foram

entregues ao Ministério Público durante a campanha eleitoral, e reforçaram a

prova amealhada na interceptação telefônica judicialmente autorizada.” (Vol. 7, Fl.

1501.)

Na realidade, o depoimento do Sr. Gilvanir não se limitou à

observação de fatos, mas, também, à exposição de suas apreciações pessoais.

No entanto, a testemunha depõe sobre os “fatos articulados” nos autos. CPC, Art.

416, caput. Por isso, “[o] juiz não permitirá que a testemunha manifeste suas

apreciações pessoais, salvo quando inseparáveis da narrativa do fato.” CPP, Art.

213, aplicável subsidiariamente ao processo civil.

Embora não tenha identificado nem o motorista nem os

supostos eleitores (passageiros), o Sr. Gilvanir concluiu que se tratava de

transporte ilegal de eleitores porque a placa da van era de Brasília; não era

período de férias; nem de festas na cidade; não havia evento cultural, folclórico ou

religioso; era véspera da eleição; e o transporte ilegal de eleitores é uma prática

antiga em São Domingos. Inicialmente, cumpre notar que a Eleição Suplementar

ocorreu em 7 de julho de 2013. (Vol. 1, Fl. 4.) Portanto, e, ao contrário do

sustentado pelo Sr. Gilvanir, dentro do período de férias escolares. Além desse

equívoco, a certeza da testemunha quanto à ocorrência do transporte ilegal de

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60

Fl.

GBJF

eleitores não se baseou, exclusivamente, na observação de fatos por ela

presenciados, mas, também, em sua própria apreciação pessoal.

Por outro lado, e, a despeito das inúmeras referências à

contratação de ônibus e de vans para o transporte de eleitores, nenhum veículo

foi flagrado transportando eleitores. Por exemplo: Em 18 de junho de 2013 (Vol. 2,

Fls. 416-417), Gervásio diz ao seu interlocutor que vai alugar um ônibus de

turismo e que comprará passagens para dois ônibus de Brasília a fim de levar

todos os eleitores, “pois não tem eleição ganha” (Vol. 2, Fl. 417); Em 26 de junho

de 2013 (Vol. 2, Fl. 430), Gervásio acerta os detalhes para a contratação de um

ônibus para levar eleitores de Goiânia a São Domingos, e que as pessoas devem

ser corretamente relacionadas, para não dar problema; Em 26 de junho de 2013

(Vol. 2, Fl. 433), Marizete pede ao Pelé para arrumar o combustível, porque na

fazenda em que ela trabalha são mais de 30 eleitores; Em 27 de junho de 2013

(Vol. 2, Fls. 443-444), Gervásio diz “que dar petróleo é proibido, que não podem

incidir em erro, mas que vão fazer uma cota, uma doação legal, que aí justificam

isso, que está arrumando uma pessoa para assinar uma doação, porque aí fica

um negócio legal”. (Vol. 2, Fl. 444.) Em 28 de junho de 2013 (Vol. 2, Fl. 455),

Gervásio conversa com Emival. Emival diz que o ônibus já tem 37 pessoas e que

cabe 46 pessoas. Gervásio observa que é necessário relacionar todos os

passageiros, anotando as respectivas identidades, a fim de evitar problemas.

Outrora era corrente o aforismo de que “a confissão é a

rainha das provas”. Atualmente, o reinado da confissão foi substituído pela

interceptação telefônica. Antigamente, obter a confissão do acusado justificava

inclusive a tortura. Hoje, obter a confissão pela boca do acusado, numa

interceptação telefônica, é o que está na ordem do dia. Porém, assim como a

confissão (CPP, Art. 197), a interceptação telefônica, isoladamente, não constitui

prova suficiente à condenação. Nessa direção, decidiu esta Corte, ao julgar o

Recurso Criminal nº 131640, Acórdão nº 14032 de 21/10/2013, Redator para o

Acórdão Desembargador WALTER CARLOS LEMES, DJ 29/10/2013, P. 2-3.

Na espécie, as conversas telefônicas interceptadas,

isoladamente, são insuficientes à prolação de decreto condenatório nesse

particular.

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61

Fl.

GBJF

De outra parte, a PRE ressalta que “[a] distribuição ilícita de

combustíveis para eleitores comparecerem à votação no dia do pleito também

restou evidenciada por meio de diálogos interceptados”. (Vol. 8, Fl. 1687.)

No entanto, o recurso interposto pelo MPE (Vol. 7, Fls. 1499-

1511) versou apenas sobre o transporte ilegal de eleitores, “além da aquisição e

fornecimento de passagens para eleitores que viajaram em linhas regulares”. (Vol.

7, Fl. 1499.) A matéria relativa ao fornecimento de combustível aos eleitores

somente foi agitada em conexão com a atuação do Recorrido João de Lu. Dessa

forma, descabe conhecer da questão relativa ao fornecimento de combustível,

suscitada pela PRE, a qual não é passível de exame de ofício no tocante ao

Requerido Gervásio. CPC, Art. 515, caput. Vide item I, F, supra.

Além disso, nenhum eleitor foi flagrado recebendo

combustível. De qualquer forma, portanto, as conversas telefônicas interceptadas

não foram corroboradas por prova idônea.

Em suma, mantenho a sentença no ponto em que afastou a

caracterização do transporte ilegal de eleitores.

B

Por outro lado, o MPE requer o provimento do recurso para

condenar o Recorrido João de Lu “pela prática de captação ilícita de sufrágio,

abuso do poder econômico, captação e aplicação ilícita de recursos”, e, em

consequência, seja declarado “inelegível pelo período de 08 (oito) anos.” (Vol. 7,

Fls. 1521-1522.)

No tocante ao Recorrido João de Lu, o Juízo entendeu que

não ficou “devidamente comprovada a sua participação nos ilícitos eleitorais

apontados”. (Vol. 6, Fl. 1401.) O Juízo ressaltou que “[a]s conversas interceptadas

não demonstram por si só a prática de captação ilícita de sufrágio, nem o abuso

de poder econômico ou prática vedada pela Lei 9.504.” (Vol. 6, Fl. 1401.) Quanto

ao abastecimento do veículo do filho do Sr. João de Lu, com recursos da

Prefeitura de São Domingos, o Juízo destacou que o fato “refoge da seara

eleitoral”; e que “a jurisprudência tem admitido o abastecimento de carros para

passeatas e para as pessoas que trabalham para os candidatos, distinguindo-se

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Fl.

GBJF

dos casos em que implica entrega de combustível a eleitores.” (Vol. 6, Fl. 1401.)

No que concerne à captação ilícita de sufrágio, o MPE

destaca, no recurso, passagem de conversa interceptada na qual João de Lu

afirma que, “além de pedir voto, irá prometer emprego para eleitores”. (Vol. 3, Fl.

498; Vol. 7, Fls. 1513-1514.) Porém, essa informação constante dos diálogos

interceptados não foi corroborada por outros elementos probatórios, ainda que

indiciários. CPP, Art. 239.

No que respeita ao esquema de distribuição de combustíveis

aos eleitores (Vol. 1, Fls. 16-17, 29; Vol. 3, Fls. 497, 530, 532-533 e 547),

igualmente, o MPE ressalta passagem de conversa telefônica na qual João de Lu

detalha os procedimentos a serem observados “no esquema já conhecidíssimo”

de distribuição de combustível. (Vol. 1, Fls. 16-17.) Em outro diálogo, João de Lu

conversa com um HNI que diz precisar de combustível a fim de buscar duas

pessoas na Bahia para votar. João de Lu combina com o HNI de arrumar o

combustível no dia seguinte. (Vol. 3, Fl. 547.) Noutra conversa, João de Lu

concorda em entregar a um HNI um “dinheirinho” para “botar gasolina”. (Vol. 3, Fl.

532.) Em outro diálogo, ainda, João de Lu diz a um HNI que vai conversar com o

responsável pelo fornecimento do dinheiro para a aquisição de combustível. (Vol.

3, Fls. 532-533.) Em outra conversa, João de Lu promete fornecer gasolina à

pessoa de Eliane. (Vol. 3, Fl. 530.) Todavia, nenhum eleitor foi flagrado recebendo

combustível fornecido ilicitamente pelo Sr. João de Lu, ou por alguém a mando

dele. Nesse ponto, a interceptação telefônica não foi devidamente corroborada.

Quanto ao fato de o Sr. João de Lu haver se passado pelo

então prefeito de São Domingos, Rival Gonçalves da Silva, para convencer o

atendente do Posto Guanabara a abastecer o veículo de seu filho, Sr. João

Augusto, correta também a conclusão do Juízo. Essa ilicitude é estranha ao

direito eleitoral, podendo caracterizar, em tese, estelionato contra entidade de

direito público, o Município de São Domingos: “Obter, para si ou para outrem,

vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro,

mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”. Código Penal (CP),

Art. 171, caput. Aliás, o Sr. João de Lu e seu filho João Augusto foram

denunciados pelo MPE pela prática, em tese, do crime de estelionato contra o

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Município de São Domingos. CP, Art. 171, § 3º. (Vol. 6, Fls. 1205-1219.)

O MPE destaca, ainda, diálogo no qual Gervásio e João de

Lu conversam sobre o destino a ser dado aos recursos que não transitaram pela

conta do Comitê Financeiro. (Vol. 3, Fl. 512.) Noutra conversa, Gervásio e João

de Lu dialogam sobre a necessidade de levantar pelo menos R$ 50.000,00 até o

final da tarde do dia 2 de julho de 2013. (Vol. 3, Fl. 510.) Embora esses diálogos

sugiram que João de Lu tenha atuado também na prática da conduta ilícita

descrita no Art. 30-A da Lei 9.504, sozinhos, são insuficientes à condenação do

Recorrido João de Lu. Esses diálogos reforçam a conclusão do Juízo no sentido

da caracterização da prática da conduta ilícita descrita no Art. 30-A da Lei 9.504

em relação do Requerido Gervásio, em favor de Etélia e de Ruy. É que, em

relação ao Recorrente Gervásio, existem outros elementos probatórios idôneos

para corroborar a inferência sugerida pelo teor desses diálogos. Porém, idêntica

conclusão é inaplicável, dada a carência probatória, ao Recorrido João de Lu.

Em consonância com a fundamentação acima, mantenho a

sentença no ponto em que julgou improcedentes os pedidos formulados contra o

Requerido João de Lu.

C

Finalmente, o MPE requer a majoração da multa imposta ao

casal Etélia e Gervásio para o máximo previsto em lei. (Vol. 7, Fl. 1522.)

O Juízo aplicou aos Requeridos Etélia e Gervásio multa no

valor de R$ 20.000,00 para cada um deles. O Juízo entendeu que esse valor é

“razoável, considerando as peculiaridades do caso concreto.” (Vol. 6, Fl. 1397.)

O MPE argumenta que o valor fixado “deve ser majorado

para seu patamar máximo, sobretudo porquanto os réus tinham pleno

conhecimento dos fatos que levaram à realização das eleições suplementares,

notadamente a prática de abusos do poder, fraudes e captações ilícitas praticadas

pelo prefeito cassado OLDEMAR DE ALMEIDA, e ainda assim, mesmo com esta

ciência, optaram por seguir o péssimo exemplo de seu antecessor.” (Vol. 7, Fl.

1519. Negrito omitido. Caixa alta mantida.)

O MPE assevera que os Requeridos Etélia e Gervásio, além

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Fl.

GBJF

de terem seguido os passos do ex-prefeito Oldemar, “valeram-se de seus

‘préstimos e conhecimentos’ também para praticarem os abusos constatados”.

(Vol. 7, Fl. 1520.)

De outra parte, o MPE alega que “[a] multa, além da

naturez[a] punitiva, reveste-se de um caráter pedagógico, mormente na situação

dos autos, em que o pleito tornou-se ainda mais sensível diante da fraude

anterior”. (Vol. 7, Fl. 1520.) Todavia, assim como no Direito Penal,31 a fixação da

pena de multa no Direito Eleitoral deve observar as circunstâncias que envolvem

a conduta ilícita julgada provada e as condições pessoais de fortuna do infrator, 32

mas, não, fatos anteriores e alheios à sua conduta.

Dessa forma, a multa imposta aos Requeridos Etélia e

Gervásio não pode ser majorada em virtude da conduta ilícita perpetrada

anteriormente por terceiros, mas, somente, com base nas circunstâncias da

conduta ilícita por eles praticada.

Em síntese, também aqui, confirmo a sentença.

IV

À vista do exposto:

A) nego provimento aos recursos;

B) tendo em vista que os Recorrentes Etélia e Ruy, cujos

diplomas foram cassados, obtiveram mais de 50% dos votos válidos, bem como

considerando o disposto nos Arts. 222 e 224, ambos do CE33, determino, após o

julgamento de eventuais embargos de declaração, que seja realizada Eleição

31 As “circunstâncias do crime: são os elementos acidentais e extrínsecos ao tipo penal, mas

que defluem do fato delituoso, tais como forma e meios utilizados na prática do crime, objeto, tempo, forma de execução etc”. (TRF 2ª Região, ACR 201051030007255, Rel. Desembargadora Federal LILIANE RORIZ, Segunda Turma Especializada, E-DJF2R 28/06/2011 P. 62-63.)

32 “Na fixação da pena de multa o juiz deve atender, principalmente, à situação econômica

do réu.” CP, Art. 60, caput.

33 “Art. 222. É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso

de meios de que trata o Art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei. [...] Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.” CE, Arts. 222 e 224.

Page 65: RECURSO ELEITORAL Nº 35-04.2013.6.09.0047 TRIBUNAL ... · Público Eleitoral (MPE) propôs, perante o Juízo da 47ª Zona Eleitoral, São Domingos, Ação de Investigação Judicial

RECURSO ELEITORAL Nº 35-04.2013.6.09.0047

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Fl.

GBJF

Direta (CF, Art. 81) para os cargos de prefeito e de vice-prefeito, em data a ser

definida por esta Corte;

C) determino, após o julgamento de eventuais embargos de

declaração, o afastamento dos Recorrentes Etélia e Ruy da Chefia do Executivo

Municipal, bem como seja oficiado ao Presidente da Câmara de Vereadores do

Município de São Domingos para que assuma, provisoriamente, o cargo de

Prefeito do referido Município, nos termos do parágrafo único do Art. 257 do CE34,

comunicando a este Relator, no prazo de 48 horas, o cumprimento desta

determinação;

D) julgo extinta a Ação Cautelar 2711-32.2014.6.09.0000

(Protocolo 44.427/2014), sem resolução do mérito, diante da perda superveniente

do interesse processual (CPC, Art. 267, inciso VI), e revogo a decisão cautelar

proferida naqueles autos, por meio da qual foi concedido efeito suspensivo ao

presente Recurso Eleitoral.

Goiânia, 18 de novembro de 2014.

Juiz LEÃO APARECIDO ALVES

34 “Art. 257. Os recursos eleitorais não terão efeito suspensivo. Parágrafo único. A execução

de qualquer acórdão será feita imediatamente, através de comunicação por ofício, telegrama, ou, em casos especiais, a critério do presidente do Tribunal, através de cópia do acórdão.” CE, Art. 257.