79
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Gerson Alves de Freitas Jr. Recursos naturais e desenvolvimento econômico: uma revisão do debate teórico MESTRADO EM ECONOMIA POLÍTICA São Paulo Agosto - 2012

Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Gerson Alves de Freitas Jr.

Recursos naturais e desenvolvimento econômico:

uma revisão do debate teórico

MESTRADO EM ECONOMIA POLÍTICA

São Paulo

Agosto - 2012

Page 2: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Gerson Alves de Freitas Jr.

Recursos naturais e desenvolvimento econômico:

uma revisão do debate teórico

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de Mestre em

Economia Política sob a orientação do Prof.

Carlos Eduardo Ferreira de Carvalho.

MESTRADO EM ECONOMIA POLÍTICA

São Paulo

Agosto - 2012

Page 3: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

BANCA EXAMINADORA

_________________________________

_________________________________

_________________________________

_________________________________

_________________________________

Page 4: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

Ao meu eterno amor, Tatiana.

Page 5: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

AGRADECIMENTOS

A todos que contribuíram, direta ou indiretamente, com a realização deste trabalho, em

especial o professor Carlos Eduardo Ferreira de Carvalho, que me orientou e incentivou

durante todo o processo, e o professor João Batista Pamplona, pela inspiração e importante

contribuição teórica.

Aos demais professores do Programa de Economia Política da PUC-SP e aos colegas com

quem convivi ao longo dessa jornada acadêmica, em especial Marcelo Figueiredo, Cristiane

Mancini, Rosângela Vieira e Fernando Gdikian.

À minha querida família, sobretudo meus pais, pelo apoio e compreensão incondicionais, e

aos amigos que se mantêm sempre por perto.

Obrigado.

Page 6: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

RESUMO

O objetivo desse trabalho é revisitar o debate sobre o papel dos recursos naturais no

desenvolvimento econômico. Trata-se de uma pesquisa exploratória, de caráter ensaístico, que

analisa teses e fatos estilizados sobre o tema – sobretudo aqueles que estabelecem uma

relação negativa entre a dotação de recursos naturais e o crescimento econômico – à luz das

mudanças estruturais na economia mundial e à alta nos preços internacionais dos produtos

primários na última década. Sua primeira conclusão é que não há, na literatura, trabalhos

capazes de atestar de maneira conclusiva a “maldição dos recursos naturais”, embora alguns

dos pressupostos a ela associados, tal como a existência de uma tendência secular de queda

nos termos de troca dos produtos primários, tenham se mostrado verdadeiras no século

passado – ainda que não o sejam nesse curto começo do século 21. As características técnicas

e econômicas do atual processo de globalização sugerem, pelo contrário, uma tendência

crescente de dinamização dos mercados de recursos naturais, o que pode representar uma

janela de oportunidades para economias ricas em produtos primários.

PALAVRAS-CHAVE: Recursos naturais. Commodities. Deterioração dos termos de troca.

Prebisch-Singer. América Latina. Doença Holandesa.

Page 7: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

ABSTRACT

The aim of this work is to revisit the debate surrounding the role of natural resources in

economic development. This is an exploratory essay, which examines theses and stylized facts

on the topic – especially those that establish a negative relationship between natural resource

endowment and economic growth – in light of structural changes in the global economy and

the rise in international primary product prices in the last decade. Its first conclusion is that

there isn’t any conclusive literary evidence of the so-called "resource curse," although some

of the assumptions associated with it, such as the existence of a secular trend of decline in

terms of the primary goods trade, have been proven true in the past century – although,

perhaps, not in the 21st century so far. The technical and economic characteristics of the

current globalization process suggest, on the other hand, an increasing trend of dynamic

natural resource markets, which may represent a window of opportunity for commodity-rich

economies.

KEYWORDS: Natural resources. Commodities. Deteriorating in terms of trade. Prebisch-

Singer. Latin America. Dutch Disease.

Page 8: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

8

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Índice de preços das commodities não energéticas, 1865-2009 40

Figura 2 – Termos de troca por grupos de commodities, 1865-2009 41

Page 9: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

9

LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Relação entre os preços de produtos primários e industrializados 28

Tabela 2. Os superciclos de preços das commodities 44

Page 10: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

10

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CEPAL: Comissão Econômica para América Latina e Caribe

PIB: Produto Interno Bruto

MUV: Índice do Valor Unitário de Manufatura

OPEP: Organização dos Países Exportadores de Petróleo

FOB: Free on board

CIF: Cost and freight basis

Page 11: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

1. A ECONOMIA E OS RECURSOS NATURAIS: FUNDAMENTOS TEÓRICOS 15

1.1. Os recursos naturais e o princípio da escassez 15

1.2. A abordagem institucionalista: “recursos não são; se tornam” 18

1.3. A maldição dos recursos naturais 20

1.4. A tese Prebisch-Singer 25

1.5. A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

2. RECURSOS NATURAIS E OS TERMOS DE TROCA 35

2.1. Questões metodológicas 36

2.2. Fatores envolvidos 37

2.3. A deterioração dos termos de troca no século 20 39

2.4. Os superciclos de preços 43

2.5. Os anos 2000 e a alta nos preços das commodities 47

3. RECURSOS NATURAIS E DESENVOLVIMENTO:

CONTRAPONTOS À “MALDIÇÃO” 53

3.1. Recursos naturais e crescimento econômico 53

3.1.1. A questão da produtividade 57

3.1.2. Maldição dos recursos ou da dívida externa? 59

3.1.3. Recursos naturais e capital humano 60

3.2. A revolução dos recursos naturais: as ideias de Carlota Perez 64

CONSIDERAÇÕES FINAIS 71

REFERÊNCIAS 75

Page 12: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

12

INTRODUÇÃO

A percepção de que a dotação de recursos naturais impõe uma barreira ao desenvolvimento

está presente no pensamento econômico há pelo menos 200 anos, embora suas raízes sejam

ainda mais antigas. Entre os economistas políticos do fim do século 18, imperava a ideia de

que a abundância de terras férteis e riquezas minerais produzia um comportamento indolente e

preguiçoso nos povos agraciados, o que desestimulava o trabalho e a produção. Em

contrapartida, as dificuldades impostas aos habitantes de regiões menos abastadas serviam

como impulso ao trabalho árduo, à produção dos itens necessários à sobrevivência e,

consequentemente, ao desenvolvimento econômico.

Com o passar dos anos, o debate ganhou novos e sofisticados elementos. Nos anos 1950, os

economistas Raul Prebisch e Hans Singer formularam a teoria segundo a qual os produtos

primários – as chamadas commodities –, exportados pelos países periféricos da economia

mundial, sofriam uma depreciação em relação às manufaturas que compravam dos países

industrializados, o que contribuía para aumentar o abismo entre as nações ricas e pobres. A

famosa tese Prebisch-Singer, como ficou conhecida, recomendava aos países em

desenvolvimento que perseguissem a industrialização como forma de aumentar sua

produtividade e melhorar as condições de vida de suas populações.

De fato, o século 20 experimentou uma profunda deterioração nos preços relativos dos

recursos naturais. Diferentes índices demonstram que, na média, produtos agrícolas, metálicos

e combustíveis ficaram até 50% mais baratos em relação aos produtos industrializados –

tendência que deu sustentação ao modelo fordista de crescimento, intensivo em recursos

naturais. Países especializados na produção de produtos primários se encontraram em

dificuldades e viram nações pobres em recursos naturais, como Japão e Coreia do Sul,

alcançarem elevados padrões de desenvolvimento com base na manufatura.

Nos anos 1970, economistas defenderam que a dotação de recursos naturais tendia a

sobrevalorizar a taxa de câmbio, comprometendo a competitividade da indústria e alocando

todo o capital e trabalho que poderiam ser utilizados pela produção manufatureira para o setor

de serviços, menos dinâmico, resultando em um processo de desindustrialização – mais

conhecido como “Doença Holandesa”. Nos anos 1990, estudos demonstraram empiricamente

Page 13: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

13

que países em desenvolvimento exportadores de commodities tinham seu potencial de

crescimento sufocado. Tais teses e pressupostos só fizeram alimentar a antiga percepção de

que existe uma “maldição” associada à abundância de recursos naturais.

Contudo, os pressupostos sobre recursos naturais passam por uma revisão diante das

mudanças estruturais na economia global. A escalada das chamadas economias emergentes

fez aumentar substancialmente a demanda por commodities e seus preços nos mercados

internacionais, enquanto a globalização da produção e a difusão dos ganhos de produtividade

levaram a uma queda dos preços dos produtos industrializados. Apesar dos preços mais altos,

barreiras técnicas e ambientais impõem dificuldades crescentes à expansão da oferta de

produtos primários. A extração de recursos minerais torna-se mais difícil, a disponibilidade de

terras férteis e água diminui, e a pressão por fontes renováveis e menos poluentes de energia

aumenta, o que demanda soluções cada vez mais complexas e caras.

Teriam as recentes mudanças criado um espaço novo para inovação na produção e no

consumo de recursos naturais, tornando os setores correlatos mais dinâmicos e intensivos em

tecnologia do que no passado e permitindo que os países abundantes em recursos naturais

adotem estratégias de desenvolvimento com base na exploração, produção e processamento

de produtos primários? É possível que as mudanças estruturais de que tratamos acima tenham

invalidado os pressupostos relacionados à “maldição”? Estes são alguns dos problemas sobre

os quais se debruça o presente trabalho, cujo objetivo central é revisitar o debate sobre o papel

dos recursos naturais no desenvolvimento econômico.

Trata-se de um estudo exploratório, de natureza qualitativa, delineado por pesquisa

bibliográfica e análises de caso. Em seu primeiro capítulo, vamos promover um resgate do

pensamento econômico acerca do problema dos recursos naturais, ressaltando os conceitos e

teorias mais relevantes para a discussão proposta, como as associadas à “maldição” dos

recursos naturais.

Em seguida, nos aprofundamos sobre o comportamento dos termos de troca dos produtos

primários, procurando compreender sua dinâmica.

No terceiro e último capítulo, discutimos a literatura contemporânea sobre o debate proposto,

com ênfase nos trabalhos que oferecem um contraponto à tese da maldição e evocam uma

Page 14: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

14

“nova era” para a produção de recursos naturais. Por fim, segue-se a conclusão, com as

percepções gerais do autor.

Page 15: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

15

1 – A ECONOMIA E OS RECURSOS NATURAIS: FUNDAMENTOS TEÓRICOS

A complexa relação entre a dotação de recursos naturais e o desenvolvimento das nações é

discutida pelo menos desde meados do século 18, com ênfase em suas implicações políticas,

institucionais e até comportamentais ou apenas em seus efeitos estritamente econômicos. Em

todo esse tempo, a ideia aparentemente contraditória de que a abundância de terras férteis,

fontes de energia, metais preciosos e básicos1 representa um obstáculo ao desenvolvimento

econômico esteve sempre presente, assim como os temores relacionados ao aparentemente

inevitável esgotamento desses recursos.

A discussão ganhou novos e importantes elementos a partir da década de 1950, com a tese de

Prebisch-Singer sobre a deterioração dos termos de troca dos produtos primários, e 1970, com

a tese da Doença Holandesa, que explorou os efeitos negativos da produção de recursos

naturais sobre a indústria manufatureira. Os trabalhos que apresentaram demonstrações

empíricas da existência de uma correlação negativa entre a exploração de recursos naturais e o

crescimento do PIB, a maioria dos quais publicados nos anos 1990, encerram o que a presente

dissertação considera a literatura básica sobre o tema.

1.1. Recursos naturais e o princípio da escassez

Os recursos naturais ocuparam um lugar central no debate entre os economistas ingleses dos

séculos 18 e 19. Tal como capital e trabalho, a terra foi descrita como um dos fatores

essenciais à produção capitalista, fonte dos alimentos e matérias-primas indispensáveis ao

desenvolvimento econômico e ao processo civilizatório. Sua importância para os clássicos é

sintetizada por Thomas Malthus (1996a, p. 85), quando o economista político descreve que a

terra produz os “meios mediante os quais – e somente mediante os quais – um aumento de

população pode ocorrer e ser mantido”.

No entanto, os clássicos descreviam a terra com um fator de produção finito e escasso que,

diferentemente do capital e do trabalho, não se podia reproduzir. Desse modo, haveria um

1 São metais básicos: minério de ferro, bauxita, cobre, níquel, zinco, chumbo e outros frequentemente usados

como matérias-primas na produção industrial

Page 16: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

16

limite para o crescimento da produção de alimentos e minérios, o que serviu de base para

projeções catastróficas. Em seu famoso Ensaio sobre a População (1996b, p.251), Malthus

prevê que uma grande fome inevitavelmente sobrecairia sobre a sociedade, não fossem

impostos rígidos controles sobre o aumento populacional. Enquanto a população (demanda)

tendia a crescer em progressão geométrica, dizia Malthus, os meios de subsistência (oferta)

aumentavam em progressão aritmética.

O caráter esgotável e finito dos recursos da terra implicava ainda que seus rendimentos seriam

decrescentes, o que novamente distinguia esse fator de produção do capital e do trabalho. A

explicação era que a produção de recursos naturais precisaria incorporar terras cada vez

menos produtivas e onde mais trabalho se faria necessário para satisfazer a demanda crescente

por matérias-primas imposta pelo aumento da renda e da população.

Em compensação, a remuneração da terra cresceria, progressivamente, à medida que tais áreas

fossem exploradas. Isso porque, segundo David Ricardo (1996), os preços das mercadorias

oriundas da terra teriam de ser suficientemente elevados para viabilizar economicamente a

produção demandada em condições menos favoráveis. No entanto, o aumento da renda

decorrente dos preços mais altos seria apropriado pelos proprietários das terras agrícolas ou

minas mais produtivas, onde os custos fossem mais baixos e menos esforço se fizesse

necessário para produzir.

O valor de troca de todas as mercadorias — manufaturadas, originárias das minas ou obtidas da terra — é

sempre regulado não pela menor quantidade de trabalho que bastaria para produzi-las em condições

altamente favoráveis, desfrutadas por aqueles que têm particulares facilidades de produção, mas pela

maior quantidade necessariamente aplicada por aqueles que não dispõem de tais facilidades e continuam a

produzi-las nas condições mais desfavoráveis (RICARDO, 1996, p. 53).

Desse modo, os economistas clássicos previam que, sendo a terra um bem escasso, os termos

de troca dos alimentos e minérios tendiam a se valorizar em relação aos produtos

manufaturados, uma vez que a indústria não estava sujeita à lei dos rendimentos decrescentes

e incorporava relativamente mais progresso técnico. Tal percepção foi, por muitos anos,

hegemônica entre os economistas ingleses.

Conforme Hochstetler (2001), a questão dos recursos naturais perdeu relevância no debate

econômico durante a primeira metade do século 20, tendo ficado circunscrita aos estudiosos

do tema. Embora não se contrapusessem às ideias de seus antecessores, os economistas

Page 17: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

17

neoclássicos consideravam que a questão havia sido superestimada e que os fatores de

produção reproduzíveis (capital e trabalho) e a inovação tecnológica eram mais relevantes

para a determinação do crescimento. É o que demonstra o fato de os principais modelos de

crescimento, tais como os de Harrod, Domar e Solow, negligenciarem a terra como um fator

de produção relevante para o crescimento. Todos desconsideram o caráter esgotável dos

recursos e contemplam a possibilidade de um estado estacionário de crescimento perpétuo.

Como observa Hochstetler, a mudança de ênfase tem uma explicação simples: mais de um

século após a publicação de Ensaio sobre a População, a economia industrial continuava a

crescer vigorosamente, sem qualquer evidência de esgotamento dos recursos naturais, queda

nos rendimentos da produção ou elevação nos preços dos produtos primários. Na verdade,

tanto os preços dos recursos quanto sua participação na renda total apenas diminuíram, de

modo que as profecias de Malthus se mostraram, em grande parte, equivocadas.

Evidentemente, os temores de esgotamento dos recursos naturais nunca foram completamente

abandonados, sendo frequentemente retomados em períodos de desajuste entre oferta e

demanda e aumento nos preços das matérias-primas. Jevons (1965, apud HOCHSTETLER,

2001) previu, em 1906, que as reservas de carvão economicamente viáveis do Reino Unido se

esgotariam em poucos anos, colocando em risco a soberania britânica. Em 1952, a Comissão

Paley da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos publicou um relatório chamado

“Resources for Freedom”, em que indagava se os americanos detinham os meios materiais

para sustentar sua civilização e alertava para uma possível piora nos padrões de vida da

população em decorrência do eventual esgotamento de seus recursos naturais.

In area after area the same pattern seems discernible: soaring demands, shrinking resources, the

consequent pressure toward rising real costs, the risk of wartime shortages, the ultimate threat of an

arrest of decline in the standard of living we cherish and hope to help others to attain. If such a threat

is to be averted, it will not be by inaction. After successive years of thinking about unemployment,

reemployment, full employment, about factory production, inflation and deflation, and hundreds of

other matters in the structure of economic life, the United States must now give new and deep

considerations to the fundamental upon which all employment, all daily activity, eventually rests: the

contents of the earth and its physical environment (RESOURCES FOR FREEDOM, apud DE

GREGORI, 1987, p. 1245).

Alertas semelhantes ganharam força nos anos 1970, com destaque para a publicação, pelo

Clube de Roma, do famoso “The Limits to Growth” (DONELLA H. MEADOWS ET AL,

1974, apud DE GREGORI, 1987), que demonstrou, por meio de modelos computacionais,

Page 18: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

18

que as reservas mundiais de petróleo e outros recursos naturais se aproximavam da exaustão e

que seus preços subiriam drasticamente nos anos seguintes. Contudo, mais uma vez, a

previsão foi desmentida pelo aumento da produção e queda nos preços dessas mercadorias nos

anos 1980 e 1990.

1.2. A abordagem institucionalista: “recursos não são; se tornam”

Os economistas da escola institucionalista rejeitaram o pressuposto dos economistas clássicos

de que os recursos da terra sejam finitos ou dados e propuseram outra abordagem para a

questão. Sua ideia central é que “recursos naturais não são, mas se tornam” em um processo

de interação com o homem. De Gregori (1987, p. 1247) afirma que os recursos não são dados

ou finitos porque não são naturais. Para ele, os diferentes materiais presentes na natureza só

podem ser considerados recursos quando submetidos a um processo criativo capaz de torná-

los úteis, funcionais e acessíveis pelo ser humano – um processo determinado pela ciência,

pela tecnologia e pelo próprio desenvolvimento econômico. Como ilustração, ele pondera que

as pedras, embora sempre abundantes na natureza, apenas se tornaram um recurso quando os

proto-hominídeos começaram a usá-las como utensílios. “The stones had not changed, but

ideas, skills, and behavior had, and these literally created the resource” (DE GREGORI,

1987, p.1242).

Embora nunca tenham se esgotado, as pedras deixaram de ser um recurso à medida que o

homem conseguiu transformar minérios sem valor em metais, com os quais foi capaz de criar

outras ferramentas e abrir novas fronteiras de interação com o meio ambiente e de criação de

recursos. Em seu “The Growing Abundance of Natural Resources”, Jerry Taylor (1992)

lembra que, há 200 anos, o petróleo era apenas um “lodo inútil”, que desvalorizava as

propriedades, até que o esforço, o conhecimento, a tecnologia e a criatividade humana o

transformaram em um recurso valioso. Do mesmo modo, o carvão apenas se tornou um

recurso essencial para o desenvolvimento quando da invenção da máquina a vapor, enquanto

o desenvolvimento dos motores abastecidos com combustíveis líquidos determinou a sua

substituição muito antes que se extinguissem suas reservas.

Page 19: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

19

O desenvolvimento de tecnologias de extração capazes de viabilizar o acesso a reservas

minerais antes inacessíveis, a substituição de materiais escassos por outros abundantes e o uso

mais eficiente dos materiais são rotineiros na história da civilização humana, o que significa

um processo contínuo de criação de recursos. O homem literalmente constitui novas reservas

de petróleo, quando se torna capaz de extrair o combustível escondido a quilômetros do fundo

do mar, ou novas terras agricultáveis, quando desenvolve tecnologias capazes de intensificar a

produção agrícola, encurtando seus ciclos, utilizando sementes mais produtivas ou plantas

geneticamente modificadas para resistir ao ataque de pragas, tolerar estiagens e produzir

alimentos mais nutritivos.

The ideas of science-based agriculture, or of certain technologies as "land-augmenting" or that

investment creates arable land, make sense in a functional theory of resources, but not in one that

assumes land as "natural" or as the non-human, non-manmade factor of production. (DE GREGORI,

1987, p. 1242)

De Gregori observa que os alertas de esgotamento dos recursos naturais em meados dos anos

1970 ignoravam o fato de que as reservas conhecidas da maioria dos minerais, assim como a

produção de alimentos, haviam crescido de modo expressivo nas décadas anteriores2. Sustenta

ainda que, embora os economistas do chamado mainstream fossem capazes de explicar as

tendências de curto prazo determinadas por mudanças técnicas e pelo aumento da eficiência, a

teoria básica dos recursos finitos os impedia de conceber a ideia de uma expansão infinita dos

recursos naturais.

Unchanging technology is resource-using. Changing technology is resource-creating. The history of

technology and human societies today testify to these basic conditions. Thus, the growth in resources

and the decline in their real price are not fortuitous, or accidental, or temporary, or paradoxical, but

fundamental to the process of technological change (DE GREGORI, 1987, p. 1256).

Porque os recursos naturais tornavam-se cada vez mais abundantes – e não menos, como

haviam antecipado os clássicos –, argumenta De Gregori, praticamente todas as categorias de

produtos primários haviam experimentado, com poucas exceções, declínios persistentes em

2 Entre os anos 1940 e 1960, as reservas de minério de ferro cresceram 122,1%, manganês, 27%, cromita, 675%,

cobre, 179% e chumbo, 115%. (DE GREGORI, 1987, p.1249).

Page 20: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

20

seus preços reais, de modo que, em meados dos anos 1980, a maioria dos minérios e produtos

agrícolas custava menos do que em 1950 (1987, p.1251).

1.3. A maldição dos recursos naturais

Embora considerassem os recursos naturais essenciais à sobrevivência dos povos e ao

desenvolvimento econômico, os pensadores clássicos acreditavam haver uma relação inversa

e paradoxal entre a abundância de recursos naturais e o desenvolvimento econômico e

político-institucional das nações – uma noção que remonta ao pensamento econômico grego.

Montesquieu (2004) sustentou, em 1748, que o clima e a fertilidade do solo desenvolvem um

papel fundamental na formação do caráter humano. Ambientes muito favoráveis, pensava o

filósofo, tornavam as pessoas ociosas e despreocupadas, enquanto condições inóspitas

estimulavam o trabalho e a valorização da liberdade.

A esterilidade das terras torna os homens industriosos, sóbrios, persistentes no trabalho, corajosos,

próprios para a guerra; é preciso que obtenham o que a terra nega. A fertilidade de um país proporciona,

com o conforto, a indolência e certo amor à conservação da vida. (MONTESQUIEU, 2004, p.133)

Montesquieu argumentou que a decadência de Espanha e Portugal estava diretamente

associada à descoberta das grandes reservas de ouro e prata em suas colônias na América.

Para ele, as duas monarquias haviam se iludido com uma riqueza artificial, obtida com a

exploração de escravos e sem qualquer vínculo com a vida econômica da metrópole – uma

situação oposta à das minas na Alemanha e na Hungria que, embora menos rentáveis, estavam

no Estado principal e empregavam um grande contingente de trabalhadores, que demandavam

uma grande quantidade de produtos e estimulavam o cultivo das terras ao redor. “São,

propriamente, uma manufatura do país”. (2004, p.180)

É um mau tipo de riqueza um tributo acidental que não depende da indústria da nação, do número de

seus habitantes ou do cultivo de suas terras. O rei da Espanha, que recebe grandes somas de sua

alfândega de Cádis, é apenas, neste sentido, um particular muito rico num Estado muito pobre. Tudo

acontece entre os estrangeiros e ele praticamente sem que seus súditos participem; esse comércio é

independente da boa ou da má fortuna de seu reino. Se algumas províncias em Castela lhe dessem

uma soma igual à da alfândega de Cádis, seu poder seria muito maior: suas riquezas só poderiam ser o

efeito das do país; estas províncias animariam todas as outras e estariam todas juntas m melhores

condições de sustentar os encargos respectivos: em vez de termos um grande tesouro, teríamos um

grande povo (MONTESQUIEU, 2004, p. 180).

Page 21: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

21

Em 1777, David Hume (1987, p. 286 apud BOIANOVSKY, 2013, p.6) observou que a

indústria se desenvolveu em todas as nações europeias após as descobertas de ouro no

continente americano, exceto nos países que exploravam as minas. Espanha e Portugal se

tornaram importadores dos produtos manufaturados produzidos pela Inglaterra e outros

países. Por essa razão, observa Boianovsky, o efeito que a descoberta de ouro teve sobre as

economias de Portugal e Espanha é descrito como uma das primeiras ilustrações históricas do

fenômeno que, no último quarto do século 20, ficou conhecido como “Doença Holandesa”.

Hume também atribuiu à relativa abundância de recursos naturais a pobreza de grande parte

das populações de França, Itália e Espanha, em meados do século 18. Para ele, os solos férteis

e o clima agradável do Sul do continente europeu tornavam a agricultura uma “arte fácil”, que

requeria pouco esforço, capital e técnica, e estimulavam uma postura “indolente” em seus

habitantes, satisfeitos com as condições de sobrevivência oferecidas pela natureza.

All the art, which the farmer knows, is to leave his ground fallow for a year, as soon as it is

exhausted; and the warmth of the sun alone and temperature of the climate enrich it, and restores its

fertility. Such poor peasants, therefore, require only a simple maintenance for their labor. They have

no stock or riches, which claim more; and at the same time they are forever dependent on their

landlord, who gives no leases, nor fears that his land will be spoiled by the ill methods of cultivation

(HUME, 1987, p. 266, apud BOIANOVSKY, 2013, p.5 ).

As condições eram menos favoráveis na Inglaterra, onde os custos e os requisitos técnicos da

produção eram mais altos. Contudo, os investimentos e o grande número de trabalhadores

empregados para viabilizar a produção no país dinamizavam a economia, distribuíam a renda

e, assim, compensavam essa desvantagem competitiva.

Adam Smith (1996), em 1776, chamou atenção para fraco desempenho econômico de

Espanha e Portugal e também para a dificuldade de suas colônias, abundantes em recursos

naturais, em se desenvolver, enquanto as colônias inglesas da América do Norte pareciam

prosperar em condições inferiores de clima e solo. Para Smith, a resposta para essa

contradição estava no grau de amadurecimento das instituições políticas.

Não existem colônias cujo progresso tenha sido mais rápido que o das colônias inglesas da América do

Norte. A abundância de terra de boa qualidade e a liberdade de conduzir suas atividades a seu próprio

modo parecem ser as duas grandes causas da prosperidade de todas as novas colônias. No que tange,

Page 22: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

22

porém, à abundância de terras de boa qualidade, as colônias inglesas da América do Norte, embora

sem dúvida estejam abundantemente providas, são inferiores às colônias dos espanhóis e dos

portugueses, e não superiores a algumas das colônias de propriedade dos franceses antes da última

guerra. Entretanto, as instituições políticas das colônias inglesas têm sido mais favoráveis ao

desenvolvimento e ao cultivo dessa terra do que as instituições políticas de qualquer uma das três

outras nações citadas. (Smith,1996, p. 71)

Smith (1996, p.72) observou que, ao contrário da América Latina, as colônias inglesas ao

norte limitaram o açambarcamento de terras não cultivadas e obrigaram seus proprietários a

desenvolver e plantar, dentro de um tempo restrito, certa porcentagem de suas terras, sob o

risco de serem desapropriados. As heranças eram divididas de modo relativamente igualitário

entre os filhos, enquanto nas colônias latinas prevalecia o direito do majorazzo “incluído na

sucessão de todas as grandes propriedades às quais está anexado qualquer título honorífico”.

Por fim, as leis nas colônias do norte favoreciam a alienação da terra em troca de pagamentos

fixos ou outros serviços ao proprietário, o que fomentava os arrendamentos, a produção e o

acúmulo de capital na agricultura.

As interpretações de Smith sobre o problema latino-americano foram compartilhadas por

Alexander von Humboldt (1972 apud BOIANOVSKY, 2013), que publicou, no início do

século 19, seus relatos sobre a recém-emancipada economia do México, que visitou entre

1803 e 1804, depois de conhecer também as regiões onde hoje se encontram Venezuela, Peru,

Equador, Colômbia e Cuba, entre 1799 e 1803. O geógrafo alemão observava que tanto a

população quanto a produção da ex-colônia espanhola cresciam a taxas inferiores àquelas

permitidas por seus recursos naturais e certamente menos do que nos Estados Unidos. Para

ele, o fraco desempenho da economia mexicana em relação ao país vizinho era explicado

pelos diferentes graus de perfeição de suas respectivas instituições sociais. Humboldt

destacou a extrema desigualdade na distribuição dos recursos no México, que mantinha os

nativos em condições de absoluta miséria e indolência.

Mexico is the country of inequality. Nowhere does there exist such a fearful difference in the

distribution of fortune, civilization, cultivation of the soil and population... The capital and several

other cities have scientific establishments, which will bear a comparison with those of Europe. The

architecture of the public and private edifices, the elegance of the furniture, the equipages, the luxury

and dress of the women, the tone of society, all announce a refinement to which the nakedness,

ignorance, and vulgarity of the lower people form the most striking contrast... The Mexican Indians,

when we consider them en masse, offer a picture of extreme misery. Banished into the most barren

districts, and indolent from nature, and more still from their political situation, the natives live only

from mouth to mouth (HUMBOLDT, 1811-1812, pp. 184-85, apud BOIANOVSKY, 2013, p.10).

Page 23: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

23

Segundo ele, a imensa desigualdade na região devia-se, em grande parte, ao sistema de

encomiendas, modelo baseado na distribuição de grandes blocos de terra, recursos naturais e

força de trabalho entre poucos colonizadores ligados a clãs poderosos, responsável pelos

elevados índices de concentração da terra e da riqueza nos territórios ocupados pela Espanha.

Apesar de sua crítica às instituições, Humboldt também acreditava haver uma relação inversa

entre o grau de civilização dos povos e a abundância de recursos naturais. Ao “multiplicar os

meios de subsistência”, acreditava, a riqueza do solo retardava o progresso das nações rumo à

civilização.

Under so mild and uniform a climate the only urgent want of man is that of food. It is the feeling of this

want only, which excites him to labor; and we may easily conceive, why in the midst of abundance,

beneath the shade of the plantain and breadfruit tree, the intellectual faculties unfold themselves less

rapidly than under a rigorous sky, in the region of corn, where our [European] race is in a perpetual

struggle with the elements (HUMBOLDT, 1818, p.14, apud BOIANOVSKY, 2013, p.12).

Humboldt também sugeriu que a grande quantidade de ouro e prata proveniente das minas

mexicanas, concentrada nas mãos de poucos indivíduos, retardava o desenvolvimento

industrial, à medida que estimulava a importação de produtos manufaturados. Seus cálculos

indicavam que a produção doméstica de metais preciosos, descontando-se o montante

apropriado pela Espanha, correspondia exatamente ao déficit comercial do país. Por essa

razão, pouco dinheiro circulava nas minas e os salários pagos aos trabalhadores continuavam

muito baixos (1811-1812, p. 106, apud BOIANOVSKY, p. 14).

Influenciado pelos relatos de Humboldt, Malthus (1996a, pp.180-181) sustentou que

habitantes de solos muito ricos “com uma divisão inicial distorcida da propriedade e com uma

localização desfavorável em relação aos mercados” teriam um crescimento de riqueza e

população “muito lento e provavelmente adquirirão o hábito da indolência”. Para o fisiocrata,

tratava-se de uma aparente contradição: a abundância de terra e a fácil obtenção dos itens

essenciais para a sobrevivência deveriam representar uma vantagem econômica, à medida que

liberassem trabalhadores para a produção de bens mais sofisticados e de maior valor. No

entanto, o pressuposto deixaria de ser verdadeiro se “o trabalhador considerasse a indolência

um luxo muito mais aprazível que os artigos que provavelmente obteria com mais trabalho” –

Page 24: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

24

uma escolha “muito comum nos períodos primitivos da sociedade” e “de forma alguma rara

nos países mais desenvolvidos”.

Também seria natural que países onde o solo fosse mais pobre tivessem de empregar mais

trabalhadores na agricultura, liberando poucos deles para a produção de manufaturas. No

entanto, a lógica mais uma vez parecia desmentida pela experiência inglesa. Embora a

qualidade de suas terras estivesse “longe de ocupar o posto mais alto numa escala de riqueza

comparativa”, a Inglaterra do século 18 era o país onde a agricultura mais havia se

desenvolvido e onde a proporção de trabalhadores ocupados na produção de “bens de conforto

e artigos de luxo” superava a de qualquer outro país agrícola. Paradoxalmente, conclui

Malthus, “é a insuficiência dos bens de primeira necessidade que estimula as classes

trabalhadoras a produzir artigos de luxo” (1996a, p.181).

Não há a menor dúvida de que é uma característica física de todas as terras férteis, quando trabalhadas

por pessoas que possuem determinado grau de operosidade e de habilidade técnica, proporcionar

grande quantidade de produtos, comparativamente ao número de braços empregados; mas se a

facilidade de produção proporcionada pela terra fértil tem como resultado, em certas circunstâncias,

impedir o desenvolvimento da operosidade e da habilidade técnica, a terra pode se tornar, na prática,

menos produtiva, comparativamente ao número de pessoas nela empregada, do que se não se

caracterizasse por sua fertilidade. (MALTHUS, 1996a, pp.181-182).

Em síntese, o economista acreditava que uma produção excessiva em relação ao trabalho nela

empregado tendia a manter os habitantes de uma região em estado de indolência, o que

imporia um obstáculo ao crescimento da riqueza e das populações. Essa condição era

agravada pelas condições políticas, embora também pudesse ser revertida mediante estímulos

de demanda. Foi o que concluiu Malthus ao tomar conhecimento do rápido crescimento da

atividade agrícola nas proximidades das minas latino-americanas, “onde se cria uma demanda

efetiva e vigorosa de trabalho e produtos”.

Assim como Humboldt e Smith, Malthus entendia que a situação de miséria e atraso das

colônias espanholas poderia ser combatida com uma melhor distribuição da propriedade entre

os nativos. “Terras que poderiam sustentar milhares de pessoas sustentam apenas umas

poucas centenas de cabeças de gado”. Para ele, a desigualdade fundiária tendia a “perpetuar a

insuficiência comparativa de comércio de manufaturas” e impedir o crescimento da demanda

Page 25: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

25

de trabalho e de produtos, “crescimento esse que é a única possibilidade de corrigir a falta de

estímulo ao aumento da população, ocasionada por essa desigualdade” (1996a, pp.184-186).

John E. Cairnes (1873) também se debruçou sobre a questão do subdesenvolvimento

associado à abundância de recursos naturais, tendo manifestado particular interesse pela

interpretação de Humboldt sobre os efeitos que as minas de ouro e prata3 tiveram sobre a

economia das colônias espanholas. Cairnes compreendia que o fraco desempenho de outros

setores em relação à mineração era perfeitamente compatível com a teoria ricardiana das

vantagens comparativas, uma vez que a posse dessas riquezas tornava mais vantajoso ao país

importar os bens de que necessitasse a produzi-los em seu próprio território.

I therefore find it impossible to believe that the mineral resources of the Spanish American States did

not exercise in these countries an influence prejudicial to the progress of their agriculture, and that

these were among the causes which contributed to that backward state of cultivation which Humboldt

notices and describes (CAIRNES, 1873, pp. 32-33).

Cairnes identificou uma tendência semelhante na Austrália, que fizera grandes descobertas de

ouro em meados do século 19. De acordo com o autor, a “febre do ouro” provocou uma

desorganização generalizada na indústria e na agricultura em todo o país, à medida que fez o

nível médio dos salários reais subir a um nível incompatível com a produtividade desses

setores. Por essa razão, a Austrália, mesmo possuindo solos mais férteis que muitos de seus

competidores, passou a importar mais da metade dos alimentos que consumia à época.

The extension of agriculture in Australia has thus (…) suffered a real check from the gold discoveries;

and the same influence has been felt throughout every branch of industry in that country, gold mining

excepted. (…) nothing in the nature of a manufactured product, even of the coarsest kind, being now

made in the colony, which can by any possibility be imported (…) All in strict conformity with the

established principles of economic science ... See chapter on “Foreign Trade” in Ricardo’s Works ...

(CAIRNES, 1873, pp. 35-37).

1.4 – A tese Prebisch-Singer: a tendência de deterioração dos termos de troca

Embora tenha perdido relevância na primeira metade do século 20, pelos motivos já expostos,

a discussão sobre os efeitos econômicos de uma produção abundante de recursos naturais

3 É preciso ponderar que, devido à sua função de moeda, ouro e prata representam um caso particular entre os

recursos naturais.

Page 26: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

26

ressurgiu com força nos anos 1950. Foi quando Raúl Prebisch (1949) e Hans Singer (1950)4

publicaram suas ideias sobre a deterioração dos termos de troca das matérias-primas. A

chamada “tese Prebisch-Singer” rompeu com a tradição secular dos economistas ingleses, que

previam uma apreciação dos termos de troca dos recursos naturais devido aos rendimentos

decrescentes da terra, e estabeleceu um novo marco teórico para o debate. Mais do que isso,

influenciou de modo decisivo a política dos países em desenvolvimento nas décadas

seguintes.

Na análise de Ocampo e Parra (2010, p.13), a tese Prebisch-Singer se resume em torno de

duas hipóteses centrais, relacionadas ao funcionamento dos mercados de bens e às assimetrias

existentes entre os mercados dos países centrais e periféricos. A primeira hipótese é que o

consumo mundial de recursos naturais tendia a crescer relativamente menos do que o de

produtos manufaturados, o que se devia tanto à baixa elasticidade-renda5 dos produtos

primários quanto pela tendência, determinada pelo progresso técnico, de economia crescente

no uso de recursos naturais pela indústria. Por essas duas razões, o processo de crescimento

econômico tendia a culminar em uma participação cada vez menor dos setores primários na

produção total.

A segunda hipótese era a de que os ganhos do comércio internacional e do progresso técnico

eram distribuídos de forma desigual entre os países centrais, que exportavam produtos

industrializados, e países periféricos, exportadores de produtos primários (de acordo com a

divisão internacional do trabalho na época), o que refletia, em grande parte, suas diferentes

estruturas de produção e formação de preços.

An important difference is that, whereas the first hypothesis applies only to commodities (or, more

generally, to goods and services that exhibit a low-income elasticity of demand), the second applies to all

goods and services produced by developing countries. In other words, in the first case what matters is the

goods and services being traded; in the second, where they are produced. (OCAMPO; PARRA, 2010, p.

13)

4 À época, tanto Prebisch quanto Singer trabalhavam para a Organização das Nações Unidas (ONU) – Prebisch,

na Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), em Santiago, e Singer, no Departamento de

Assuntos Econômicos (DAE), em Nova York.

5 Fenômeno conhecido como Lei de Engel, formulada pelo estatístico alemão Ernst Engel, de acordo com a qual

o aumento da renda diminui proporcionalmente a despesa com alimentação (mesmo que esta cresça em termos

absolutos).

Page 27: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

27

Exceto por uma mudança estrutural na economia mundial, essa tendência tendia a se acentuar,

quanto maior fosse o comércio entre os dois blocos. Por isso, recomendaram os economistas,

os países periféricos deveriam perseguir industrialização por meio da substituição de

importações6.

Em seu “Desenvolvimento Econômico da América Latina e seus Principais Problemas”,

também conhecido como “Manifesto Latino-Americano”, publicado em 1949, Prebisch

sustenta que as vantagens teóricas da divisão internacional do trabalho – com as quais

concordava, em tese – eram “terminantemente” negadas pelos fatos. A tese clássica

sustentava que os frutos do progresso técnico, onde quer que fossem obtidos, seriam

repartidos entre os países por meio do intercâmbio de produtos, à medida que os preços na

indústria e na agricultura se ajustassem aos seus respectivos níveis de produtividade. Prebisch

sustentou, porém, que esses frutos não haviam chegado aos países periféricos – ao menos, não

na medida em que se estenderam às populações dos países centrais. Essa era a explicação para

o abismo social que separava os dois blocos e as “notórias discrepâncias entre suas

respectivas forças de capitalização” (PREBISCH, 1949, p.48).

Prebisch concordava que a divisão internacional do trabalho favorecia o progresso técnico e a

distribuição de remunerações crescentes, como defenderam os clássicos, mas apenas quando a

divisão era feita “entre iguais ou quase iguais”. Não era o caso da relação entre os países

centrais e os da periferia. Na primeira metade de século 20, o progresso técnico havia sido

mais acentuado na indústria do que na produção primária. Tal disparidade não constituiria um

problema para o desenvolvimento dos países mais pobres se os preços de ambas as categorias

de produto tivessem caído em sintonia com seus respectivos ganhos produtividade. Neste

caso, os países periféricos pagariam relativamente menos pelas manufaturas importadas e

teriam mais recursos para investir em seu território. Por essa razão, não precisariam se

industrializar.

6 Singer (1999) argumenta que a tese Prebisch-Singer, em si, não emite qualquer opinião sobre se os países em

desenvolvimento deveriam se industrializar por meio da substituição de importações ou pelo estímulo à

exportação. No entanto, as condições da época tornavam natural a escolha pela primeira alternativa, uma vez que

os países em desenvolvimento precisavam a) construir uma capacidade doméstica de produção para exportar

manufaturas e b) seria inicialmente mais fácil produzir para um mercado conhecido do que se arriscar a vender

para o desconhecido mercado global.

Page 28: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

28

Os frutos do progresso técnico ter-se-iam repartido, igualmente, em todo o mundo, segundo a premissa

implícita no esquema da divisão internacional do trabalho, e a América Latina não teria nenhuma

vantagem econômica em sua industrialização. Pelo contrário, sofreria uma perda efetiva, enquanto não

alcançasse eficácia produtiva igual à dos países industriais. (PREBISCH, 1949, p.55)

Mas a teoria das vantagens comparativas não havia se confirmado. Entre 1876 e 1947, as

relações de troca haviam se movido de forma adversa aos países da periferia, como demonstra

a tabela abaixo.

TABELA 1 - RELAÇÃO ENTRE OS PREÇOS DE PRODUTOS PRIMÁRIOS E

INDUSTRIALIZADOS

Período

Quantidade de artigos finais da indústria

que se podem obter com uma quantidade

determinada de produtos primários

1876-80 100

1881-85 102,4

1886-90 96 ,3

1891-95 90,1

1896-1900 87,1

1901-05 84,6

1906-10 85,8

1911-13 85,8

1921-25 67,3

1926-30 73,3

1931- 35 62, 0

1936-38 64,1

1946-47 68,7

Fonte: NAÇÕES UNIDAS, 1949. Relação de termos de troca entre países em desenvolvimento e

industrializados. Documento EjCN, 1949

Page 29: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

29

Prebisch relacionou ainda a deterioração dos termos de troca dos produtos primários aos

diferentes impactos que os ciclos econômicos, de crescimento e retração da produção, tinham

sobre os países centrais e os periféricos. Os períodos de expansão, quando havia excesso de

procura em relação à oferta, eram acompanhados de aumento nos preços dos produtos, nos

lucros dos empresários e da pressão dos trabalhadores organizados por salários mais altos.

Esse benefício era estendido aos produtores de recursos naturais, cujos preços tendiam a subir

relativamente mais do que no centro em virtude do tempo necessário para se aumentar a

produção e se recomporem os estoques. Em contrapartida, na fase decrescente do ciclo

econômico, os preços das matérias-primas caíam com mais intensidade do que os produtos

acabados – e, mais importante, de modo desproporcional aos ganhos obtidos anteriormente.

“Dessa forma, os preços finais se vão apartando, progressivamente, dos preços primários”.

(1949, p. 58)

Segundo Prebisch, o fenômeno era explicado pela maior organização dos trabalhadores nos

países centrais. Durante a fase crescente do ciclo, eles obtinham aumentos salariais maiores

do que os trabalhadores da periferia, e a conhecida rigidez dos salários impedia que os

benefícios fossem devidamente corridos nos períodos de depressão. Por essa razão, a pressão

por custos mais baixos era transferida para a periferia, onde a desorganização dos

trabalhadores, especialmente na agricultura, lhes impedia de conseguir aumentos comparáveis

aos obtidos nas nações industrializadas ou de conservá-los nos períodos de desaceleração.

Mesmo que se conceba na periferia uma rigidez parecida à do centro, a consequência disto seria aumentar

a intensidade da pressão deste sobre aquela. Pois, se não se comprime o benefício periférico, na medida

necessária para corrigir a disparidade entre a oferta e a procura nos centros cíclicos, continuarão a

acumular-se estoques de mercadorias nestes e a contrair-se a produção industrial, e, por conseguinte, a

procura de produtos primários. Esta diminuição da procura será tão forte quanto seja preciso para

conseguir a necessária compressão das remunerações no setor primário (PREBISCH, 1949, p. 58).

O economista conclui que o fruto do progresso técnico obtido pelos países centrais não se

traduziu, portanto, em preços mais baixos para os produtos exportados à periferia, mas em

aumento da remuneração dos fatores de produção no centro, de modo que os preços subiram

ao invés de cair. Se tais remunerações tivessem crescido, tanto no centro quanto na periferia,

proporcionalmente aos respectivos ganhos de produtividade, a evolução dos termos de troca

Page 30: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

30

teria beneficiado os produtores de matérias-primas, uma vez que a produtividade cresceu mais

rapidamente nas manufaturas.

Mas os produtores de matérias-primas não apenas haviam fracassado em absorver os

benefícios do aumento de produtividade obtido nos países centrais, como transferiram parte

de seus próprios ganhos, via preços mais baixos, para os consumidores dos países centrais.

“Ao passo que os centros retiveram integralmente o fruto do progresso técnico de sua

indústria, os países da periferia transpassaram-lhes uma parte do fruto de seu próprio

progresso” (1949, p. 57).

Prebisch acreditava que, como os preços não cediam em função dos ganhos de produtividade,

apenas a industrialização poderia levar os países da América Latina a aproveitar amplamente

as vantagens econômicas do progresso técnico, oferecendo empregos mais produtivos às

massas de trabalhadores, aumentando o nível geral de renda e o padrão de vida da população.

A industrialização da América Latina não era, contudo, incompatível com o desenvolvimento

da produção primária. Pelo contrário, Prebisch argumentava que a exportação de matérias-

primas era o meio de financiar a importação de bens de capital para a indústria e para a

própria agricultura. “Quanto mais ativo for o comércio exterior (...), tanto maiores serão as

possibilidades de aumentar a produtividade de seu trabalho, mediante intensa formação de

capitais” (1949, p. 49)

Outros argumentos se somaram à tese Prebisch-Singer contra a especialização dos países

periféricos em matérias-primas. Nurske (1958) sugeriu que a instabilidade nos preços das

matérias-primas representava um fator adicional de vulnerabilidade para os países em

desenvolvimento, causando oscilações bruscas na renda, nas taxas de câmbio e nos

investimentos. Hirschman (1958) alertou ainda que os lucros obtidos com os recursos naturais

não eram reinvestidos nos países periféricos, mas remetidos para o exterior pelas empresas

multinacionais que os exploravam, limitando os encadeamentos econômicos da atividade

(apud MARIN; NAVAS; PEREZ, p.4).

1.5 – A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento

Page 31: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

31

O termo “Doença Holandesa” foi cunhado pela revista The Economist, em 1977, para

descrever os efeitos negativos da descoberta de um imenso campo de gás natural, em 1959,

sobre a indústria manufatureira da Holanda. Basicamente, diz respeito ao processo de

apreciação das taxas reais de câmbio decorrente da descoberta de um recurso natural

abundante e valorizado no exterior, o que compromete a competitividade da indústria e

culmina em seu encolhimento relativo ou absoluto no produto de um país – processo

conhecido como desindustrialização7.

Embora a expressão seja relativamente nova, o fenômeno é antigo, como fica evidente nos

relatos de Cairnes (1873) sobre a Austrália do século 19, ou mesmo nas observações de David

Hume (1987), sobre o declínio de Espanha e Portugal durante o período colonialista. Como

observa Furtado (2008, p. 34), fenômeno semelhante foi observado em todas as economias

especializadas da América Latina muito antes da descoberta de gás na Holanda, provocado

pela carne argentina, a lã uruguaia, o nitrato e o cobre chilenos, o petróleo venezuelano, o

estanho boliviano e os minérios peruanos.

Conforme Gelb (1988, p. 22), a Doença Holandesa implica em uma realocação dos fatores de

produção em resposta ao aumento da renda decorrente da exploração de recursos naturais8.

Quando essa renda é consumida, duas consequências são observadas: um “efeito de

movimento de recursos” (“resource movement effect”), que desloca capital e trabalho de

outras atividades para o setor em expansão, e um “efeito de gasto” (“spending effect”), que

provoca um deslocamento semelhante para o setor de serviços. A variável de equilíbrio nesse

processo é a taxa real de câmbio.

Em uma economia dividida entre produtos transacionáveis (commodities e manufaturas) e não

transacionáveis (serviços), o primeiro grupo obedece à chamada “lei do preço único”, de

acordo com a qual seus preços tendem a se igualar aos preços internacionais por meio do

intercâmbio comercial, enquanto o segundo grupo reflete basicamente fatores domésticos.

Neste modelo, a taxa real de câmbio pode ser definida como o preço relativo dos produtos não

transacionáveis em relação aos transacionáveis.

7 Ou, no caso dos países não industrializados, uma barreira à industrialização.

8 O aumento da renda pode ser provocado tanto pela descoberta e exploração de novas reservas de recursos

naturais quanto por uma elevação nos preços dessas mercadorias.

Page 32: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

32

Quando ocorre um aumento brusco no poder doméstico de compra, os preços tendem a subir

relativamente mais no setor de produtos não transacionáveis (que não enfrenta competição

externa) do que no de produtos transacionáveis (que enfrenta competição externa),

provocando, portanto, uma apreciação da taxa real de câmbio. Nesse cenário, o setor de

produtos não transacionáveis tende a crescer e absorver mais capital e trabalho, com reflexos

sobre o nível geral dos salários reais. Em compensação, o setor de produtos transacionáveis

perde competitividade, em função tanto do câmbio apreciado quanto do aumento dos salários

reais, o que dificulta seu crescimento.

Conforme Wijnbergen (1984), a realocação dos fatores de produção para os setores de

recursos naturais e de serviços não seria, em si, um problema, não fosse o progresso técnico

na indústria mais rápido do que em qualquer outro setor. O acúmulo de capital explica apenas

uma pequena parte do crescimento econômico, sendo que a maior parte está associada ao

progresso técnico decorrente da experiência acumulada (processo conhecido como “learning-

by-doing” ou “aprender fazendo”, na tradução literal) que caracteriza os setores industriais.

Trata-se de um conhecimento cujo retorno não se restringe à firma, mas se difunde, à medida

que novos processos e inovações aplicados por uma empresa produzem uma informação

rapidamente assimilada por todos os participantes do mercado, que passam a adotar a melhor

técnica disponível.

Por essa razão, uma queda de participação do setor industrial no PIB em decorrência da

Doença Holandesa tenderia a reduzir o progresso técnico e, consequentemente, o potencial de

crescimento da economia. Não à toa, argumenta Wijnbergen, todas as histórias de sucesso

econômico após a segunda Guerra mundial foram contadas por países que investiram

agressivamente em sua produção de bens manufaturados.

It is a well-established ‘stylised fact’ the technological progress is faster in the traded non-sheltered

factors of an economy than in the non-traded sector. (…) Since Solow (1957) e Denison (1962) we know

that capital accumulation explains only a small part of the economic growth. If most of economic growth

is caused by Learning by Doing induced traded goods sector, a temporary decline in that sector may

permanently lower income per head compared with what could otherwise have been attained

(WIJNBERGEN, 1984, p. 41).

Page 33: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

33

Os argumentos contra a especialização em recursos naturais ganharam um reforço com a

publicação, nos anos 1990, de trabalhos que demonstraram empiricamente uma relação

negativa entre a exportação de produtos primários e o crescimento econômico. O de Sachs e

Warner (1995, 1997) foi, sem dúvida, o mais influente. Os pesquisadores apontaram, com

base em uma amostra de 95 países, que economias com elevadas taxas de exportação de

recursos naturais em relação ao PIB no ano-base de 1970 apresentaram taxas de crescimento

relativamente mais baixas nos 20 anos seguintes. Para os autores, o diagnóstico apenas

reforçava os precedentes históricos, de acordo com os quais economias com baixa dotação de

recursos superam aquelas onde os recursos são abundantes.

The oddity of resource-poor economies outperforming resource-rich economies has been a constant

motif of economic history. In the seventeenth century, resource-poor Netherlands eclipsed Spain,

despite the overflow of gold and silver from the Spanish colonies in the New World. In the nineteenth

and twentieth centuries, resource-poor countries such as Switzerland and Japan surged ahead of

resource-abundant economies such as Russia. In the past thirty years, the world´s star performers

have been the resource-poor Newly Industrializing Economies (NIEs) of East Asia – Korea, Taiwan,

Hong Kong, Singapure – while many resource-rich economies such as the oil-rich countries of

Mexico, Nigeria and Venezuela, have gone bankrupt. (SACHS; WARNER, 1995, p. 3)

Sachs e Warner (1995) argumentaram que a disponibilidade de recursos naturais era essencial

para o nascimento de uma nova indústria ou tecnologia quando os custos de transporte eram

muito altos, de modo que possuir reservas de carvão e minério em seu território foi uma pré-

condição para Grã-Bretanha, Alemanha e Estados Unidos desenvolverem sua indústria a

partir do século 19. Mas, com a queda desse custo, no século 20, a dotação de recursos dentro

do território nacional perdeu relevância, de modo que Japão e Coreia se transformaram em

grandes produtores de aço, apesar de sua total dependência das importações de minério de

ferro junto aos países periféricos. De todo modo, os autores afirmam que é uma contradição o

fato de a presença de recursos naturais ter um efeito negativo sobre o crescimento, o que se

explica principalmente por causa da Doença Holandesa.

Também Gylfason, Herbertson e Zoega (1999) observaram uma relação negativa entre o

tamanho do setor primário (medido pela participação inicial da produção primária na força de

trabalho) e a taxa média de crescimento econômico entre 1960 e 1992, a partir de uma base de

dados de 125 países. Segundo os autores, duas hipóteses podem explicar esse comportamento.

A primeira seria a de que um grande setor de recursos naturais, devido ao seu efeito sobre as

Page 34: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

34

taxas reais de câmbio, inibe a criação de um setor secundário e, consequentemente, a demanda

por capital humano e educação formal. A outra hipótese, não excludente, é a de que um

sistema educacional ruim desencoraja o setor secundário por meio de uma elevação dos custos

de treinamento, contribuindo para a predominância do setor primário.

Embora não tenham minimizado os efeitos da Doença Holandesa, Robinson, Torvik e Verdier

(2005) deram ênfase às consequências políticas e institucionais da abundância de recursos. Os

autores argumentam que governantes tendem a sobre-explorar os recursos naturais em relação

aos níveis de extração eficientes e a alocar os recursos de modo equivocado, com objetivos

estritamente políticos. Por isso, argumentam, o tipo de impacto causado por um eventual

aumento nas rendas advindas dos recursos naturais depende “criticamente” da existência de

instituições capazes de fiscalizar o uso público e a alocação desses recursos.

Page 35: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

35

2. RECURSOS NATURAIS E OS TERMOS DE TROCA

A tese de que a abundância ou, mais especificamente, a especialização na produção de

recursos naturais impõe uma barreira ao desenvolvimento econômico abrange uma grande

variedade de pressupostos, tanto de natureza política quanto econômica. Neste capítulo,

vamos nos debruçar especificamente sobre a questão da evolução dos termos de troca dos

exportadores de produtos primários desde o século 19. O objetivo é discutir a validade da

hipótese central da tese Prebisch-Singer, de acordo com a qual os preços relativos dos

produtos primários tendem a se deteriorar em relação aos dos manufaturados.

Os termos de troca são a razão entre o preço das exportações e o das importações de um país.

Basicamente, indicam quanto uma economia pode adquirir em bens e serviços produzidos no

exterior com a receita proveniente de um determinado volume de bens e serviços vendidos a

outros países. Se os volumes de comércio exterior e outros fatores se mantêm constantes, uma

depreciação nos termos de troca contribui para uma piora relativa no padrão de vida no país

exportador, à medida que imponha restrições à capacidade de importar e absorver as

vantagens do comércio internacional.

Even if the income terms remain constant (i.e. expansion of export volume maintains export revenue in

the face of declining barter terms of trade) this would still amount to international divergence, since the

poorer countries would have to mobilize greater resources for the increase in export volume. These

increased resources would have to be diverted from domestic consumption or investment increasing

divergence between countries in the world economy. (SINGER, 1999. p.912)

Por essa razão, a tese de que as economias periféricas, exportadoras de recursos naturais,

experimentariam uma deterioração contínua de seus termos de troca foi compreendida como

um alerta de que seu abismo em relação aos países centrais, exportadores de produtos

manufaturados, apenas faria crescer caso não se industrializassem. Há evidências que

confirmem a tese da deterioração dos termos de troca? Os dados coletados durante o século 20

demonstram que sim, mas não são conclusivos ou inquestionáveis. Além disso, a expressiva

alta nos preços relativos dos recursos naturais durante a última década e as mudanças em

curso na economia mundial deixam abertas as portas para uma mudança na tendência de

Page 36: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

36

longo prazo. Neste caso, a deterioração apontada por Prebisch e Singer teria sido um

fenômeno localizado no tempo.

2.1. Questões metodológicas

Prebisch e Singer desenvolveram sua teoria sobre os termos de troca dos países periféricos

com base na evolução favorável dos intercâmbios do Reino Unido – um exportador líquido de

manufaturas e importador de matérias-primas – entre 1876 e 1947. Se os preços relativos das

exportações britânicas haviam subido, concluíram os autores, o inverso necessariamente teria

acontecido com os países que lhes exportavam matérias-primas.

Economistas da época apontaram pelo menos três problemas metodológicos com essa

generalização. O primeiro deles é que os termos de troca britânicos não eram representativos

do conjunto dos países industrializados; o segundo é que as economias centrais também eram

grandes exportadoras de recursos naturais, de modo que a relação inversa dos termos de troca

britânicos não era uma boa medida para se mensurarem os preços relativos das commodities;

além disso, o valor das exportações britânicas não contabilizava os custos de transporte, que,

por sua vez, estavam embutidos nos preços de importação9. Assim, a expressiva queda desses

custos durante o período averiguado teria melhorado os termos de troca do Reino Unido e

superdimensionado a queda dos preços relativos dos produtos primários (CUDDINGTON;

LUDEMA; JAYASURIYA, 2007, p.115).

Tais questionamentos foram postos de lado com o método elaborado por Grilli e Yang (1988)

e reproduzido por diversos autores desde então. Grilli e Yang construíram um índice de preço

(conhecido como índice GY) para 24 commodities10

não combustíveis, negociadas

internacionalmente, abrangendo o período entre 1900 e 1986. O índice levava em conta 11

produtos comestíveis (banana, carne bovina, cacau, café, cordeiro, milho, óleo de palma,

arroz, açúcar, chá e trigo), sete commodities agrícolas não comestíveis (algodão, couro, juta,

9 Os preços de exportação geralmente são “free on board” (FOB) e os de importação, base “cost, insurance and

freight” (CIF). 10

Os preços nominais foram retirados de uma base de dados do Banco Mundial, que continha informações sobre

24 commodities não combustíveis, mais petróleo e carvão, que ficaram de fora do índice de GY.

Page 37: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

37

borracha, madeira, tabaco e lã) e seis metais (alumínio, cobre, chumbo, prata, estanho e

zinco). No fim da década de 1970, esses produtos respondiam por 54% das commodities não

combustíveis, 49% dos alimentos, 83% dos produtos agrícolas não comestíveis e 45% dos

metais comercializados internacionalmente.

Grilli e Yang ponderaram os preços nominais dos 24 produtos selecionados por seus

respectivos pesos no comércio mundial de commodities entre 1977 e 1979 e os deflacionaram

pelo índice do Valor Unitário de Manufatura (“Manufacturing Unit Value” – MUV), que

mede o valor dos produtos manufaturados exportados dos países industrializados para os

países em desenvolvimento.

O método utilizado por Grilli e Yang vem servindo de base para outros autores, em estudos

que ampliam o período e o escopo da análise. Ocampo e Parra (2010), por exemplo,

acrescentaram à lista original sete produtos que ganharam participação no comércio

internacional de commodities nas últimas décadas (soja, óleo de soja, aves, suínos, peixes,

níquel e minério de ferro, com dados disponíveis a partir de 1962), anteciparam o início da

série para 1865 e a estenderam até 2009. Os produtos foram divididos em quatro índices:

total, metais, produtos agrícolas tropicais11

e não tropicais. Para o período entre 1865 a 1960,

os preços foram deflacionados pelo índice Arthur Lewis (1978) de exportação dos

manufaturadores e, a partir de então, pelo MUV. A mesma base de Ocampo e Parra (2010) foi

utilizada por Erten e Ocampo (2012), que atualizaram a série até 2010 e adicionaram ainda os

preços do petróleo à cesta analisada.

McKinsey (2011) construiu uma série com os preços de 28 produtos (índice GY mais

petróleo, gás natural, carvão e aço) para o período entre 1900 e 2011, divididos em quatro

subíndices (energia, metais, alimentos e matérias-primas agrícolas), ponderados por seu peso

no comércio mundial entre 1999 e 2001 e deflacionados pelo MUV.

2.2. A deterioração dos termos de troca no século 20

Todos os estudos apontam para uma expressiva deterioração dos termos de troca dos recursos

naturais no século passado, respaldando a tese Prebisch-Singer. De acordo com McKinsey

11 Banana, cacau, café, juta, oleo de palma, arroz, borracha, açúcar e chá.

Page 38: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

38

(2011), os preços relativos das commodities cederam, em média, 48% durante todo o período.

Ocampo e Parra (2010) demonstram que os produtos primários não combustíveis acumularam

uma queda de 53% na comparação entre a média das duas primeiras décadas e a verificada

entre 1998 e 2003 – uma taxa de desvalorização pouco inferior a 1% ao ano.12

Grilli e Yang

(1988) haviam concluído que os termos de troca dos produtos primários haviam caído, em

média, 0,6% ao ano entre 1900 e 1986.

Contudo, os preços relativos dos recursos naturais não apresentaram uma tendência contínua

de queda, como o tamanho das perdas acumuladas faz supor. Há um razoável consenso na

literatura recente que a evolução dos termos de troca foi afetada por duas quedas acentuadas

de preço – ou quebras estruturais de tendência (“structural breaks”) –, em 1921 e em algum

ponto entre as décadas de 1970 e 1980 (OCAMPO; PARRA, 2010. CUDDINGTON;

LUDEMA; JAYASURIYA, 2007. MCKINSEY, 2011).

Ocampo e Parra (2010, p. 31) demonstram que os termos de troca dos recursos naturais

tiveram uma significa apreciação entre 1865 e 1920 – taxa de valorização de 0,3% ao ano –,

caíram de forma abrupta em 1920 e oscilaram sem tendência definida até 1979, quando

sofreram uma nova quebra de tendência – desvalorização de 0,7% ao ano até 2003.

Cuddington, Ludema e Jayasuriya (2002, p. 35)13

observam dois possíveis choques, em 1921

e 1974, mas consideram o segundo estatisticamente insignificante, de modo que a evidência

mais forte aponta para uma única mudança estrutural, em 1921, sem qualquer tendência,

positiva ou negativa, antes e depois. Conforme Lederman e Maloney, tais resultados colocam

em xeque a ideia de que exista uma tendência à deterioração dos termos de troca das

commodities no longo prazo, como sugere a tese Prebisch-Singer14

.

This evidence is of practical interest, because it tells us that the best predictor of future relative prices of

commodities is today’s prices, although random breaks that push prices down or up could occur (…);

these breaks, however, tend to be unpredictably random and thus are irrelevant for policy formulation.

(LEDERMAN; MALONEY, 2007, p.7).

12 Resultado próximo ao obtido por Cashin e McDermott (2002), que apuraram uma queda de 1,3% ao ano para

o período entre 1862 e 1999.

13 Os autores utilizaram o índice GY como base para sua pesquisa.

14 Singer (1999, p.911) minimiza a questão e afirma “não importar muito” se os dados sobre a evolução dos

termos de troca dos produtos primários são interpretados como uma tendência persistente de queda ou uma

tendência essencialmente estacionária, com quebras intermitentes. Para ele, as evidências empíricas dão suporte

à tese Prebisch-Singer ou, pelo menos, não a refutam.

Page 39: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

39

Além disso, a queda dos preços relativos, em seu conjunto, esconde comportamentos bastante

distintos entre os diferentes produtos. Embora os preços do algodão e do trigo, por exemplo,

entre 1900 e 1999 tenham caído, em média, 1% e 0,8% ao ano, respectivamente, o aço não

apresentou qualquer tendência significativa e o petróleo subiu, em média, 0,3% ao ano, por

exemplo. (MCKINSEY, 2011, p.23)

Ocampo e Parra (2010, p.31) observam uma clara distinção entre o comportamento dos preços

dos produtos agrícolas (sobretudo, aqueles de origem tropical) e os dos minerais. Entre 1865 e

1920, apontam, os metais subiram, em média, 0,6% ao ano; os produtos agrícolas não

tropicais, 0,3%; e os agrícolas tropicais, apenas 0,1%. Entre 1921 e 1979, os preços agrícolas

não apresentaram qualquer tendência significativa, mas os metais tiveram uma valorização

média anual de 0,3% que, embora tímida, foi suficiente para praticamente reverter o tombo

sofrido em 1921 – do qual as agrícolas não se recuperaram. Entre 1979 e 2003, as

commodities registraram uma taxa média de desvalorização de 0,7% ao ano, mais uma vez

liderada pelos produtos agrícolas tropicais, que caíram 0,9%, mas os metais apresentaram uma

tendência estatisticamente insignificante (queda de 0,1% ao ano) no período.

Tropical agriculture did not enjoy the improvement in commodity prices of the late 19th and early 20th

centuries and the commodity group was most affected by adverse shocks, particularly that of 1920. In

contrast, mineral prices performed better: the early boom was stronger, the 1921-drop was gradually

reversed in the following decades and there was no statistically significant drift in the late 20th century.

(OCAMPO e PARRA, 2010, p.. 31-33).

2.3 – Fatores envolvidos

Ocampo e Parra (2010, p. 19) sustentam que, embora o poder de compra das commodities

tenha se deteriorado de modo significativo no século passado, nem o tamanho da queda

acumulada, nem as taxas de crescimento anuais fornecem uma base sobre a qual seja possível

fazer quaisquer projeções sobre o comportamento futuro dos preços no longo prazo. Para eles,

mais importante do que discutir se há ou não uma tendência secular de piora nos termos de

troca é compreender as dinâmicas por trás dos movimentos de preço. Para os autores, a

valorização dos termos de troca observada entre 1865 e 1920 decorreu de uma mudança

estrutural na tendência geral de preços da economia mundial (de deflacionária para

inflacionária), a partir de 1897, e do surgimento de demandas específicas advindas de algumas

Page 40: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

40

revoluções tecnológicas do fim do século 19 (automóveis, eletricidade). Já as rupturas dos

anos 1920 e 1980 seriam decorrentes de eventos que deprimiram o ritmo de crescimento da

economia global: a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a Crise do Petróleo (1973-1979)15

(OCAMPO; PARRA, 2010, p. 31).

FIGURA 1

ÍNDICE DE PREÇOS DAS COMMODITIES NÃO ENERGÉTICAS, 1865-2009

(1970-1979=100)

Fonte: Ocampo e Parra (2010)

15

Mais especificamente, do choque monetário perpetrado pelo Federal Reserve, em 1979, para conter a inflação

e que ocasionou a crise da dívida do mundo em desenvolvimento nos anos 1980.

Page 41: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

41

FIGURA 2. TERMOS DE TROCA POR GRUPO DE COMMODITY, 1865-2009

Fonte: Ocampo e Parra (2010)

Page 42: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

42

Embora haja dinâmicas específicas por trás do comportamento de preço de cada commodity,

de modo geral a demanda por recursos naturais cresceu menos que o produto da economia

mundial no século 20. A primeira explicação para esse fenômeno é que a fatia da renda

mundial destinada ao consumo intensivo em recursos naturais decresceu16

ao longo do

período, sobretudo nos países onde a renda per capita anual excedeu o patamar entre US$ 15

mil e US$ 20 mil, que foram os principais responsáveis pelo crescimento econômico do

período (MCKINSEY, 2011, p.23).

A segunda explicação para o menor consumo relativo foram os ganhos de eficiência no

consumo de recursos naturais. Entre 1980 e 2000, período para o qual há dados disponíveis, a

intensidade no uso de recursos naturais (energia, terra, minérios e água) do crescimento

econômico caiu, em média, de 0,5% a 2% ao ano. Nos Estados Unidos, por exemplo, a

participação do petróleo na geração de energia elétrica caiu de 12%, em 1970, para 3%, no

ano 2000, e apenas 1%, atualmente. A queda do muro de Berlim e o desmonte do bloco

soviético, em 1991, também contribuíram para esse processo, à medida que culminaram na

redução ou fechamento de setores industriais pouco eficientes e intensivos em recursos

naturais. (2011, pp. 25-26)

No lado da oferta, o acesso a novas e baratas fontes de recursos naturais em diversas partes do

mundo17

e os ganhos de produtividade, sobretudo na agricultura, também contribuíram para a

queda dos preços relativos dos produtos primários. De acordo com McKinsey (2011, p. 23),

embora a demanda mundial por grãos tenha crescido a uma taxa média de 2,2% ao ano entre

1961 e 2000, a área plantada aumentou em apenas 0,1% ao ano no mesmo período – reflexo

de um incremento médio anual de 2,1% no rendimento das lavouras em virtude da adoção de

melhores práticas agrícolas.

De acordo com Ocampo e Parra (2010), baseados em dados da OCDE, desde os anos 1960 a

produtividade agrícola cresce mais rápido que a da indústria manufatureira, o que explicaria

uma queda de aproximadamente 0,2% ao ano nos termos de troca da agricultura. Esse

comportamento contraria um dos pressupostos centrais da tese Prebisch-Singer, de acordo

com o qual a indústria tendia a apresentar ganhos mais acentuados de produtividade na

16

Comportamento condizente com a Lei de Engel. 17

No caso do petróleo, o aumento da produção em diversos países fez reduzir o poder de barganha da Opep, que

viu sua fatia na produção global cair de 51%, em 1974, para menos de 42%, em 2000 (MCKINSEY, 2011).

Page 43: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

43

comparação com a produção primária. Em contrapartida, é condizente com a tese de que os

países em desenvolvimento repassam para os consumidores do centro os ganhos obtidos com

seu progresso técnico via preços mais baixos.

Outro aspecto apontado por McKinsey (2011, p.26) como relevante para a estabilidade ou

queda dos preços dos recursos naturais no último século é o fato de esses preços não

refletirem o seu real valor econômico, uma vez que muitos governos – sobretudo nos países

desenvolvidos – subsidiam o custo de produção dos produtos primários. Além disso, os

preços raramente levam em conta as consequências secundárias de sua produção e uso,

incluindo as emissões de gases do efeito estufa e a perda de biodiversidade.

2.4. Os superciclos de preços

Erten e Ocampo (2012) demonstraram a existência de quatro “superciclos” de preços de

commodities entre 1865 e 2009. Com duração de 30 a 40 anos cada, esses superciclos seriam

compostos por uma fase de elevação e outra de retração nos preços das matérias-primas, com

amplitudes de 20% a 40% para cima ou para baixo da tendência de longo prazo. Além disso,

seu comportamento teria uma relação estreita com as taxas de crescimento do PIB global – o

que significa dizer que seriam determinados preponderantemente pela demanda. Embora a

existência de um comportamento cíclico, com a alternância entre fases de valorização e

desvalorização, possa parecer incoerente com a ideia de uma tendência secular ou contínua de

queda nos preços, os autores ponderam que o preço médio observado em cada uma dessas

ondas é decrescente, um comportamento que condiz com a tese Prebisch-Singer.

O primeiro desses ciclos para as commodities não energéticas começa em 1894, atinge seu

pico de preço em 1917, durante a Primeira Guerra, e se encerra 1932, com fases agudas de

alta e baixa. O segundo ciclo começa em 1932, atinge seu ápice em 1951, durante a

reconstrução da Europa, e termina em 1971. Aquele ano marca o início de um terceiro ciclo,

que atinge seu ponto mais alto já em 1973, ano do primeiro Choque do Petróleo, e se estende

até 199918

. A análise sugere ainda o surgimento de um novo ciclo em 1999, ainda incompleto,

18

Trata-se de um ciclo mais curto, com apenas 28 anos – o primeiro e o segundo ciclos tiveram uma duração

total de 38 e 39 anos, respectivamente. É também o que apresenta o menor período de elevação dos preços

Page 44: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

44

cujas características serão discutidas em um item específico neste capítulo sobre os termos de

troca das commodities nos anos 2000.

Heap (2004, p.2) define os superciclos como tendências prolongadas de alta nos preços das

commodities, determinadas pelo processo de urbanização e industrialização de uma grande

economia, que torna o processo de crescimento econômico intensivo em recursos naturais. A

queda na intensidade de uso das matérias-primas conduz os superciclos para um fim, à medida

que o crescimento econômico se torna menos dependente dos investimentos massivos em

formação bruta de capital fixo e passa a se basear mais no setor de serviços. Para o autor,

houve apenas dois superciclos nos últimos 150 anos: o primeiro tendo início no fim do século

19, com a emergência dos Estados Unidos como potência econômica; e o segundo, entre 1945

e 1975, resultado da reconstrução da Europa e do Japão após a Segunda Guerra e,

subsequentemente, do “renascimento” da economia japonesa.

Os superciclos de preços variam de modo considerável, tanto em duração quanto em

amplitude, de acordo com o grupo de produtos observado. Os metais se destacam em relação

às demais commodities não combustíveis, enquanto os produtos agrícolas de origem tropical

apresentam o pior desempenho. Contudo, a análise das séries mostra que a média dos preços

de cada superciclo é, em todos os grupos de commodities não energéticas, sempre inferior à

do ciclo anterior. A exceção19

é justamente o petróleo, que apresenta não apenas preços

médios mais altos a cada ciclo, mas também uma tendência de valorização no longo prazo.

TABELA 2. OS SUPERCICLOS DE PREÇOS DAS COMMODITIES

Total20

1894-1932 1932-1971 1971-1999 1999-atual Ápice 1917 1951 1973 2010

Valorização durante a fase de alta 50,2% 72,0% 38,9% 81,3%

Desvalorização durante a fase de queda -54,6% -43,3% -52,5% -

Duração do ciclo (anos) 38 39 28 -

Fase de alta (anos) 23 19 2 11

(apenas dois anos, ante 23 e 19 anos nos ciclos anteriores) e, consequentemente, o maior período de

desvalorização (26 anos, ante 15 e 20 anos nos ciclos anteriores). 19

Também os metais apresentam, no superciclo iniciado em 1999, uma média de preço superior à observada no

período anterior. Contudo, Erten e Ocampo (2012) lembram que o ciclo atual ainda não iniciou sua fase de baixa,

o que pode derrubar a média.

20

Apenas não combustíveis.

Page 45: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

45

Fase de queda (anos) 15 20 26 -

Média (de todo o ciclo) 157,3 119,4 86,2 82,2

Metais

1885-1921 1921-1945 1945-1999 1999-atual

Ápice 1916 1929 1956 2007

Valorização durante a fase de alta 105,7% 66,6% 98,0% 202,4%

Desvalorização durante a fase de queda -70,2% -51,9% -47,4% -

Duração do ciclo (anos) 36 24 54 -

Fase de alta (anos) 31 8 11 8

Fase de queda (anos) 5 16 43 -

Média (de todo o ciclo) 151,6 95,7 85,2 109,3

Produtos agrícolas

1894-1932 1932-1971 1971-1999 1999-atual

Ápice 1917 1951 1973 2010

Valorização durante a fase de alta 52,8% 90,3% 52,0% 76,6%

Desvalorização durante a fase de queda -56,2% -49,6% -56,0% -

Duração do ciclo (anos) 38 39 28 -

Fase de alta (anos) 23 19 2 11

Fase de queda (anos) 15 20 26 -

Média (de todo o ciclo) 163,2 127,0 87,5 74,3

Produtos agrícolas tropicais

1891-1933 1933-1972 1972-1999 1999-atual

Ápice 1910 1951 1977 2010

Valorização durante a fase de alta 54,5% 116,6% 74,3% 85,4%

Desvalorização durante a fase de queda -72,8% -50,9% -65,2% -

Duração do ciclo (anos) 42 39 27 -

Fase de alta (anos) 19 18 5 11

Fase de queda (anos) 23 21 22

Média (de todo o ciclo) 170,6 106,7 74,8 56,8

Produtos agrícolas não tropicais

1894-1932 1932-1971 1971-1999 1999-atual Ápice 1917 1951 1973 2010

Valorização durante a fase de alta 119,8% 81,7% 66,1% 59.7%

Desvalorização durante a fase de queda -57,4% -49,5% -58,0% -

Duração do ciclo (anos) 38 39 28 -

Fase de alta (anos) 23 19 2 11

Fase de queda (anos) 15 20 26 -

Média (de todo o ciclo) 156,8 138,0 93,8 86,5

Petróleo

1892-1947 1947-1973 1973-1998 1998-atual Ápice 1920 1958 1980 2008

Valorização durante a fase de alta 402,8% 27,4% 363,2% 466,5%

Desvalorização durante a fase de queda -65,2% -23,1% -69,9% -

Duração do ciclo (anos) 55 26 25 -

Page 46: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

46

Fase de alta (anos) 28 11 7 10

Fase de queda (anos) 27 15 18 -

Média (de todo o ciclo) 36,9 24,8 53,2 91,2

Fonte: (ERTEN; OCAMPO, 2012)

Para Erten e Ocampo (2012, p.15), a dinâmica dos superciclos está diretamente associada a

choques de demanda, que funcionam como gatilhos para os preços. A correlação entre os

preços das commodities e as taxas de crescimento econômico é bastante significativa, de

0,53%, em relação aos países da OCDE, e 0,58%, em relação à economia mundial. No caso

dos metais, essa correlação é ainda maior, de 0,61% e 0,73%, respectivamente. Já os preços

do petróleo destoam, com uma correlação de apenas 0,19% e 0,46%, na mesma comparação.

Conforme Erten e Ocampo (2012), Nikolai Kondratiev e Joseph Schumpeter desenvolveram

os primeiros grandes quadros analíticos sobre os ciclos de longa duração21

. Kondratiev

documentou a existência de grandes ondas, com duração de 40 a 60 anos, a partir da análise

de séries com preços de commodities, dados sobre produção industrial, taxas de juros e

comércio exterior. Em seus estudos sobre os determinantes dos ciclos longos, o economista

russo descartou alterações provocadas por fatores exógenos, como guerras e revoluções, e

priorizou a análise de fatores endógenos, tais como mudanças tecnológicas inerentes à

acumulação de capital. Para Schumpeter, o comportamento dos ciclos de Kondratiev estava

associado ao processo de destruição criativa.

Schumpeter acreditava que mudanças nas oportunidades de investimento advindas de

inovações tecnológicas geram crescimento em setores emergentes da produção e a decadência

dos setores ou métodos de produção antigos ou obsoletos. A transformação da economia por

meio desses clusters de inovação em setores emergentes constitui uma fase de prosperidade,

que é posteriormente acompanhada por uma fase de estagnação, durante a qual as inovações

são assimiladas pelas indústrias e as tecnologias se tornam mais padronizadas.

Durante a fase de prosperidade, com taxas crescentes de investimento e inovação na economia

real, a competição inicial por matérias-primas tende a impulsionar seus preços em relação aos

21

Antes deles, no entanto, Clarke, Jevons, Tugan-Baranovski e Wicksell já haviam reconhecido, ainda no século

19, a presença de flutuações de longo prazo nos preços das commodities (ERTEN; OCAMPO, 2012, p.2)

Page 47: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

47

produtos diretamente beneficiados pela inovação. À medida que as inovações são

disseminadas e a rentabilidade dos investimentos diminui, a economia entra em uma fase de

estagnação, na qual a demanda por matérias-primas diminui e os preços recuam. Assim, os

preços das commodities estariam diretamente relacionados às fases de expansão e retração

dos ciclos de Kondratiev. Schumpeter esperava ainda que, devido os ganhos de produtividade

advindos da inovação, os preços das matérias-primas ficassem sempre abaixo do mesmo

ponto do ciclo anterior (ERTEN; OCAMPO, 2012, p.3).

The lags involved in responding to a relative rise in food or raw material prices, and the fact that

the response often required the development of whole new regions, led to an overshooting of world

requirements and a period of relative surplus. A relative fall in the prices of food and raw

materials then followed … until expanding world requirements caught up with the excess capacity

(ROSTOW, 1979, p. 22 apud ERTEN; OCAMPO, 2012, p; 3).

Quando escreveu seu Business Cycles, em 1938, Schumpeter havia identificado três grandes

ciclos econômicos na história capitalista. O primeiro, entre 1786 e 1842, foi aquele em que se

deu a primeira revolução industrial na Grã-Bretanha. O segundo, de 1842 a 1897, foi marcado

pela exploração de novas oportunidades em carvão, ferro, ferrovias, estaleiros e têxteis. Uma

nova fase, iniciada em 1897 e considerada então incompleta por Schumpeter, estava associada

à emergência de negócios envolvendo aço, eletricidade, químicos orgânicos, máquinas de

combustão interna e automóveis. Rostow (1979), citado por Erten e Ocampo (2012), observou

longos ciclos de 50 anos nos preços das commodities, com fases de valorização entre 1790 e

1815, 1848 e 1873 e, finalmente, 1896 e 1920, e quedas acumuladas entre 1815 e 1848, 1873

e 1896 e 1920 e 1936.

Rosenberg e Frishtak (1983), também citados por Erten e Ocampo (2012), criticaram a tese

dos ciclos longos, argumentando que se trata de uma interpretação equivocada de mudanças

aleatórias na produção. Becker (1988, apud ERTEN; OCAMPO, 2012, p.5) afirmou que

seriam necessários mais 200 anos para determinar se ciclos de Kondratieff existem de fato ou

se são apenas uma invenção estatística de uma imaginação superativa.

2.5. Os anos 2000 e a alta nos preços das commodities

Os anos 2000 são marcados por uma forte reversão na tendência de queda dos termos de troca

observada nas duas décadas anteriores e, a rigor, em todo o século 20. Até 2008, os preços

Page 48: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

48

relativos dos recursos naturais não combustíveis haviam subido, em média, 109% em relação

a 2003 e 130% ante as mínimas de 1999, um aumento sem precedentes, de acordo com o

Banco Mundial (2009, p. 55). Segundo McKinsey (2011), as commodities combustíveis

dispararam 190% e os alimentos, 135%, entre 2000 e 2011, o suficiente para corrigir a queda

acumulada ao longo de todo o século 20.

A recente alta dos produtos primários foi sustentada por um choque global de demanda

proveniente das chamadas economias emergentes, com destaque para a China. Como nos

ciclos anteriores, o movimento foi interrompido por uma queda abruta nas taxas de

crescimento, desta vez, decorrente do estouro da bolha imobiliária dos Estados Unidos, em

2008. Contudo, os preços se recuperaram rapidamente após 2009 e, embora não tenham

retornado aos níveis pré-crise, se mantêm, de modo geral, em patamares historicamente

elevados. A intensidade e a duração desse movimento refletem a resiliência do crescimento

econômico dos países em desenvolvimento, ávidos consumidores de recursos naturais. Tal

resiliência é, em parte, explicada pela relativa facilidade com que essas economias

acomodaram o choque de preço das commodities – ela própria, resultante de condições

macroeconômicas extremamente favoráveis, com taxas de juros historicamente baixas e

extraordinária liquidez. (ERTEN; OCAMPO, 2012; BANCO MUNDIAL, 2009)

Outro fator que ajudou a sustentar a guinada nos preços dos recursos naturais foi o

crescimento limitado da oferta. A resposta dos produtores de recursos naturais aos estímulos

da demanda foi relativamente tímida, sobretudo nas indústrias extrativas, depois que os preços

persistentemente baixos dos anos 1980 e 1990 haviam desestimulado a exploração de novas

reservas e os investimentos no capital físico e humano necessário para se expandir a oferta.

As consequências do subinvestimento foram consideráveis, principalmente sobre a produção

de petróleo, que havia atravessado um longo período de grande ociosidade (BANCO

MUNDIAL, 2009, p. 57).

Após o choque de oferta dos anos 1970, os esforços conservacionistas e a busca por outras

fontes de energia deprimiram a demanda pelo produto, de modo que foram necessários 15

anos para que o consumo retomasse os níveis observados em 1979. Além disso, o aumento da

produção no Mar do Norte, México e Alasca minou o poder de barganha que a OPEP usava

Page 49: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

49

para manter os preços elevados mesmo em momentos de queda da demanda. Por volta de

1986, a cotação nominal do barril havia caído para menos de US$ 10 e a capacidade ociosa

nos países membros do cartel correspondia a mais de 13% da demanda mundial da época. A

ociosidade cresceu ainda mais na década seguinte. Depois da queda do Muro de Berlim,

muitas das indústrias intensivas em energia dos países que formavam o bloco soviético foram

fechadas ou reduzidas, o que fez a demanda por petróleo da região declinar de maneira

acentuada. De modo geral, a demanda por petróleo caiu 40%, ou cerca de 5 milhões de barris

por dia – o equivalente a 7% da demanda global em 2000 – entre 1987 e 1999.

The buildup of excess capacity meant that the real price of oil during the 1990s remained low, at $16 a

barrel, equivalent to half the price experienced during 1985. It also meant that there was little incentive

to invest in new, higher-cost oil fields. Overall spending by major American multinational oil companies

on exploration for new wells and the development of existing wells declined by more than 50 percent,

from $72 billion in 1980 to $30 billion in 1999 (figure 2.6).5 As a result, demand for the inputs required

for oil exploration and extraction was weak, and capacity in these supporting industries declined, as did

the number of new engineers trained to find and extract oil (BANCO MUNDIAL, 2009, p. 58).

A ociosidade gerada pelo declínio do consumo na antiga União Soviética foi reabsorvida

apenas por volta de 2004. Quando a economia mundial se recuperou da crise gerada pelo

estouro da bolha da internet, em 2001, a oferta de petróleo já não era suficiente para fazer

frente ao crescimento da demanda. Da mesma maneira, os preços dos metais – também

afetados pelo declínio da demanda no Leste Europeu – voltaram a subir, o que não refletia

uma demanda excepcionalmente forte, mas um cenário de estoques apartados e limitada

capacidade de expansão (BANCO MUNDIAL, 2009, p. 59).

A escalada dos preços reativou os investimentos. Os aportes globais anuais na produção de

metais não ferrosos, por exemplo, saltou de US$ 2 bilhões, em 2002, para US$ 9 bilhões, em

2007. No mesmo período, as multinacionais americanas aumentaram em 75% o nível de

investimento na produção de petróleo. Contudo, a demanda por insumos e serviços utilizados

na atividade petroleira cresceu muito além da oferta, de modo que os custos de investimento

do setor dispararam. Segundo dados da OIE, apresentados por McKinsey (2011, p. 6), o custo

médio real de explorar um novo poço dobrou entre 2000 e 2010 – um acréscimo de mais de

7% ao ano. Em alguns casos, a alta foi bem mais acentuada. O preço diário de uso de uma

plataforma semissubmersível no Golfo do México, por exemplo, saltou de US$ 36 mil, em

2000, para US$ 325 mil no início de 2008, tendência observada em vários outros insumos.

Page 50: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

50

Além disso, os prazos de entrega para as indústrias petroleira e mineradora mais que

triplicaram em alguns casos (BANCO MUNDIAL, 2009, p. 60).

Ainda conforme o Banco Mundial, os preços agrícolas começaram a subir em reação ao

aumento dos custos com insumos intensivos em energia (combustíveis, fertilizantes e

defensivos químicos), que representam até um terço dos custos de uma lavoura de milho nos

Estados Unidos. Além disso – e mais importante – a escalada do petróleo também pressionou

os preços dos alimentos ao estimular a produção de biocombustíveis à base matérias-primas

como o milho e a soja nos Estados Unidos e na Europa, com impacto indireto sobre outras

commodities agrícolas. Entre 2004 e 2008, aproximadamente dois terços do crescimento da

produção americana de milho foram destinados à fabricação de etanol, limitando a

disponibilidade de grãos para a produção de alimentos e rações. Estimativas sugerem que o

impacto dessa demanda adicional sobre os preços do milho tenham oscilado entre 47% e 70%.

(2009, p. 61)

O cenário agravou-se com uma sequência de quebras de safra decorrentes de intempéries

climáticas em países como Estados Unidos, Austrália, Brasil, Argentina, Rússia e Ucrânia nos

últimos anos. Antes da escalada dos preços, em 2007, os estoques globais de trigo haviam

caído para o menor patamar em 40 anos. Embora tenham aliviado o efeito da alta dos preços

sobre a pobreza, os controles de preço e subsídios praticados por vários países reduziram os

estímulos ao aumento da produção – e também os incentivos para que consumidores

substituíssem os produtos mais caros por outros mais baratos. Distorções também foram

criadas por barreiras à exportação, que limitaram a oferta de grãos nos mercados

internacionais – caso da Índia, que, em 2008, suspendeu os embarques de arroz e estimulou

outros países, notavelmente as Filipinas, a aumentar suas importações para compor estoques

de segurança. Como resultado, os preços do arroz saltaram de US$ 376 por tonelada, em

janeiro de 2008, para US$ 907, em abril do mesmo ano (BANCO MUNDIAL, 2009, p. 62).

Por fim, a desvalorização do dólar também colaborou para a guinada dos preços das

commodities nos anos 2000. De acordo com o Banco Mundial (2009, p.54), o preço real em

dólar dos metais e minerais comercializados internacionalmente subiu 158% entre 2000 e

2007, mas apenas 78% nos países em desenvolvimento (preços em moeda local,

Page 51: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

51

deflacionados pela inflação local). No caso dos alimentos, os preços reais em dólar avançaram

64% no mesmo período, mas apenas 14% nos países em desenvolvimento. Também podem

ter contribuído para a alta dos preços o aumento exponencial de recursos aplicados por

investidores financeiros nos mercados futuros de commodities ao longo da última década,

embora não haja consenso de que a especulação tenha efetivamente estimulado esse

movimento.

Heap (2005), Erten e Ocampo (2012) argumentam que a recente apreciação dos termos de

troca indica o início de um novo superciclo de commodities, determinado pelo intenso

processo de urbanização e industrialização da China, que teve um grande impacto sobre a

demanda por recursos naturais na última década. Entre 2002 e 2007, por exemplo, a fatia do

país no consumo global de minério de ferro saltou de 22,3% para 43,9%; no de cobre, de

18,2% para 27,1%; e no de alumínio, de 21,1% para 33,2%. Neste período, os preços dessas

matérias-primas saltaram 184,7%, 356,5% e 95,4%, respectivamente (JENKINS, 2011, p. 75).

.

Mckinsey (2011) sustenta que o atual choque nos preços das commodities possui diferenças

importantes em relação aos anteriores e que a escala dos desafios que impõe à economia

global não tem precedente. A primeira razão é o ritmo e a dimensão do crescimento asiático.

De acordo com a OCDE, a economia global deve incorporar quase 3 bilhões de pessoas às

classes médias de consumo até 2030. Isso significa que a parcela da população com renda

diária entre US$ 10 e US$ 100 – uma faixa intensiva em consumo de recursos naturais –, que

em 2009 somava 1,8 bilhão de habitantes, deverá chegar a 4,8 bilhões em apenas 20 anos.

Cerca de 90% desses novos consumidores estarão na Ásia e no Pacífico, preponderantemente

em China e Índia.

The increase in average income is happening on an unprecedented scale and at a speed that has

never before been witnessed. The pace of real per capita income growth has been increasing as

the world economy develops and is happening on a different scale. For instance, the United

Kingdom doubled real per capita GDP from $ 1,300 to $ 2,600 in PPP terms in 154 years with a

population of less than ten million. The United States, starting 120 years later, achieved this feat

in 53 years with a population of a little over ten million. In the 20th

century, Japan doubled its real

per capita income in 33 years with a population of around 50 million. Now China and India,

whose combined population today is more than 2.5 billion, are doubling real per capita incomes

every 12 and 16 years, respectively. This is about ten times the speed at which the UK achieved

this transformation – and on around 200 times the scale (MCKINSEY, 2011, p. 32).

Page 52: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

52

Ainda segundo a consultoria, a expansão do consumo na Ásia deve levar a um aumento de

33% na demanda primária global por energia até 2030 – o correspondente ao consumo atual

dos Estados Unidos e dos países europeus membros da OCDE. Trata-se ainda de um

crescimento 62% maior do que o observado nas duas últimas décadas do século 20. No caso

do aço, o crescimento de demanda esperado é de aproximadamente 80%, embora o consumo

de cereais deva crescer relativamente menos: 27%. Os autores sustentam que, embora as

reservas comprovadas de petróleo, carvão, gás, minérios, metais e terras agricultáveis sejam

suficientes para sustentar essa expansão, os custos marginais de produção tendem a crescer à

medida que a exploração de reservas de difícil acesso – como a de petróleo em águas

profundas ou areias betuminosas – ou o uso de terras menos produtivas ou localizadas em

regiões com infraestrutura precária se torne necessária. A complexidade e o custo de se

explorar esses recursos também tende a tornar a oferta menos elástica, tornando os preços

mais sensíveis mesmo estímulos tímidos no lado da demanda (2011, p. 45).

Contudo, o Banco Mundial (2009, pp. 64-66) minimiza a possibilidade de o mundo estar

caminhando para um cenário de preços de commodities permanentemente altos ou mesmo em

constante elevação devido à escassez dos recursos. A instituição lembra que, desde os anos

1970, a economia global cresce com uso menos intensivo de energia e alimentos22

– embora,

no caso dos metais, essa tendência tenha começado a se reverter em meados dos anos 1990.

Ou seja, nos últimos 40 anos, o PIB global cresceu mais que o consumo de matérias-primas,

embora o ritmo de expansão do consumo tenha sido maior do que o do crescimento

populacional.

Além disso, as taxas de crescimento da população e da renda mundiais serão mais baixas no

período entre 2015 e 2030 do que nos 15 anos anteriores, o que deve frear a taxa de expansão

da demanda por recursos naturais. Em contrapartida, a economia mundial não deve continuar

a se mover na direção do setor de serviços. Depois de bater recorde nos anos 2000, a

participação desse setor no PIB mundial deve recuar entre 2015 e 2013, uma tendência que

deve limitar o ritmo de queda nas taxas de intensidade de uso das commodities.

22

De modo geral, entre 1970 e 2004, as mudanças tecnológicas reduziram a demanda por energia em 56% em

relação ao que seria se tais transformações não tivessem acontecido. A expectativa é que, até 2005, a eficiência

energética mais do que dobre (BANCO MUNDIAL, 2009).

Page 53: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

53

3. RECURSOS NATURAIS E DESENVOLVIMENTO: CONTRAPONTOS À

“MALDIÇÃO”

O presente capítulo tem o objetivo de apresentar e discutir os contrapontos às teses e fatos

estilizados sobre a “maldição dos recursos naturais”, de acordo com a qual a abundância de

recursos representa, por diferentes razões, políticas e econômicas, um empecilho ao

desenvolvimento dos países com abundância de terra, minérios e petróleo. Na esteira das

mudanças estruturais na economia mundial e da consequente elevação dos preços relativos

dos produtos primários nos últimos anos, diversos autores revisitaram o debate sobre o papel

dos recursos naturais no desenvolvimento econômico e o horizonte das possibilidades a eles

associadas.

A primeira parte deste capítulo destaca as contribuições de autores como Lederman e

Maloney (2007), Marin e Mitra (1999), Manzano e Rigobon (2001) e Bravo-Ortega e De

Gregório (2005), que testaram a validade de algumas das teorias consagradas sobre o tema a

partir de análises empíricas e históricas. A segunda parte é dedicada às ideias da economista

britânico-venezuelana Carlota Perez (2010a, 2010b; MARIN, NAVAS e PEREZ, 2009), que

propõe uma nova abordagem à discussão sobre o papel dos recursos naturais no

desenvolvimento (sobretudo, na América Latina) ao situá-la no contexto dos paradigmas

técnicos e econômicos contemporâneos.

3.1. Recursos naturais e crescimento econômico

Um dos trabalhos mais influentes a defender a influência deletéria dos recursos naturais sobre

o desenvolvimento é o de Sachs e Warner (1995; 1997), já apresentado no capítulo 1. Os

autores defenderam haver uma correlação negativa entre a dotação de recursos naturais e o

ritmo de crescimento econômico, a partir da análise de dados econômicos de um grupo de 95

países em desenvolvimento durante o período entre 1970 e 199023

– possivelmente, a mais

contundente demonstração empírica da “maldição dos recursos” já apresentada. Contudo, suas

conclusões vêm sendo submetidas a críticas de caráter metodológico que, de maneira geral,

apontam para problemas de endogeneidade e enviesamento.

23

Cabe lembrar que o período escolhido para análise foi marcado por uma expressiva deterioração nos termos de

troca dos recursos naturais.

Page 54: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

54

Uma das críticas mais fortes a esses achados é a realizada por Lederman e Maloney (2007). A

primeira ponderação diz respeito à decisão de Sachs e Warner de utilizar a participação das

exportações de produtos primários no PIB como critério para quantificar a abundância de

recursos naturais de um país. Embora reconheçam que ainda não exista um consenso sobre o

método empírico mais apropriado para se calcular essa dotação, Lederman e Maloney

defendem que a medida mais apropriada e aceita na literatura é a utilizada por Leamer (1984),

ou seja, a exportação líquida de recursos naturais por trabalhador.

Sachs e Warner (1997, p.15) explicam que a escolha pelo critério envolve questões teóricas e

de mensuração. Eles argumentam que, no modelo da Doença Holandesa (uma dos canais

pelos quais a dotação de recursos poderia afetar o crescimento), o que importa é a parcela da

força de trabalho empregada no setor de bens não transacionáveis em relação àqueles

empregados na manufatura. Essa proporção está diretamente relacionada com o nível da

demanda por produtos não transacionáveis, o que, por sua vez, depende do efeito riqueza

gerado pelos recursos naturais. As exportações de recursos como proporção do PIB seria a

melhor maneira de capturar o tamanho dessa riqueza.

A definição desse parâmetro está longe de ser uma escolha trivial. De acordo com o método

usado por Sachs e Warner, os países mais abundantes em recursos naturais são República do

Congo, Cingapura, Papua Nova Guiné e Malásia. Pela medida de Leamer, são Noruega, Nova

Zelândia, Canadá, Trinidad e Tobago, Finlândia e Austrália (LEDERMAN; MALONEY,

2007, p.17). Obviamente, as conclusões sobre as consequências de uma grande dotação de

recursos sobre o desenvolvimento também mudam consideravelmente.

Um dos problemas com o critério adotado por Sachs e Warner é o fato de medir as

exportações em termos brutos, o que produz algumas distorções. Por essa razão, Cingapura,

um grande reexportador de matérias-primas produzidas em outros países, aparece entre os

países mais abundantes em recursos naturais – o que de maneira alguma reflete sua real

dotação nesse setor. Em uma revisão de seu trabalho, Sachs e Warner (1997 p. 29) corrigiram

parcialmente esse problema ao adotar, nos casos específicos de Cingapura e Trinidad e

Tobago (pelas mesmas razões do país asiático), a exportação líquida de recursos naturais em

relação ao PIB, um critério mais parecido com o de Leamer.

Page 55: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

55

Lederman e Maloney (2007, pp.17-22) sustentam, porém, que o ajuste deveria ser estendido a

todo o conjunto de países analisados, uma vez que diversas economias asiáticas e latino-

americanas possuem zonas especiais que apenas montam e reexportam componentes

industriais fabricados em outras origens, de modo que suas exportações brutas

superdimensionam seu real grau de industrialização. Além disso, ao adotar como base para

seu estudo as exportações em relação ao PIB em 1970, Sachs e Warner podem ter ignorado

mudanças na composição das pautas de exportação ao longo das quase duas décadas

analisadas. Lederman e Maloney também consideram inadequado, para esse tipo de estudo, o

uso de regressões do tipo cross-section, modelo que, segundo eles, enfrenta problemas

intrínsecos de endogeneidade e enviesamento, e sugerem que resultados muito diferentes aos

obtidos por Sachs e Warner são alcançados com a simples mudança do método de

estimação24

.

Lederman e Maloney estudaram a influência da estrutura de comércio – particularmente da

especialização em recursos naturais, do grau de concentração das exportações e do comércio

intraindústria – sobre o crescimento econômico e concluíram que, embora tais variáveis sejam

importantes determinantes do crescimento econômico, muitos dos fatos estilizados,

particularmente em relação aos recursos naturais, não são robustos quando submetidos à

técnica de estimação ou a variáveis condicionantes. Mais do que isso, sugerem que a dotação

de recursos naturais, medida tanto pelo critério sugerido por Leamer quanto pelo adotado por

Sachs e Warner, aparece positivamente correlacionada com o crescimento econômico.

Os pesquisadores estudaram o efeito da estrutura de comércio sobre o crescimento econômico

em uma amostra de 65 países para o período entre 1975 e 1990. Para demonstrar quão

sensíveis os resultados das regressões são às técnicas de estimação, utilizaram tanto o método

cross-section quanto o de dados em painel com coeficientes individuais. Às variáveis

condicionantes básicas aplicadas por Sachs e Warner (nível inicial de renda e grau de abertura

da economia), foram acrescentados controles para acumulação de capital físico e humano

24 Essa crítica é condizente com o trabalho de XAVIER (1999), que comparou o uso das regressões em sistemas

de equações cross-section com regressões em painéis com coeficientes individuais em estudo sobre

determinantes do crescimento econômico e encontrou resultados bastante distintos em cada um dos métodos de

estimação. Segundo o autor, a metodologia do cálculo de coeficientes individuais, em comparação com o sistema

cross-section, “possui a vantagem de destacar a importância das características específicas a cada país que

contribuem para determinar o comportamento das taxas de crescimento” (p.27).

Page 56: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

56

(medidos, respectivamente, pela taxa média de investimento em relação ao PIB e o número de

anos de estudo da população adulta), evolução dos termos de troca e taxa efetiva de câmbio

(apresentada como uma medida de macroestabilidade). O objetivo era compreender de que

forma e por quais canais a especialização em recursos naturais poderia afetar o crescimento.

Pelo método cross-section, o efeito da abundância de recursos naturais (segundo o critério de

Leamer, ou seja, a exportação líquida de recursos por trabalhador) sobre o crescimento não é

significante sob nenhuma condição, exceto quando o grau de concentração das exportações e

o comércio intraindústria são introduzidos na análise. A leitura dos dados em painel sugere,

por outro lado, que a exportação líquida de recursos naturais possui um efeito positivo

(embora pouco significativo) quando observadas as variáveis condicionantes principais. Esse

efeito torna-se mais positivo e significante quando são aplicados os controles para

acumulação de capital humano e físico, termos de troca e macroestabilidade. Estes seriam,

portanto, os três canais por meio dos quais os recursos naturais poderiam influenciar

negativamente o crescimento. Os dois métodos sugerem, ainda, que países exportadores de

produtos primários podem ter estruturas de exportação mais concentradas e menor incidência

de comércio intraindústria, efeitos também negativamente correlacionados ao crescimento.

Contudo, mesmo observados esses efeitos, a influência dos recursos naturais sobre o

crescimento permanece positiva.

The mystery now is no longer what the channels are through which resources reduce growth, but rather

why, once we have controlled for these channels, resource abundance continues to have such a positive

impact on growth. One possibility is through higher rates of productivity growth. (LEDERMAN;

MALONEY, 2007, p.29)

De modo geral, os resultados obtidos são semelhantes quando se aplica a medida de

abundância adotada por Sachs e Warner, ou seja, a participação das exportações de recursos

naturais no PIB. Pelo método cross-section, os recursos naturais parecem não ter qualquer

influência sobre o crescimento, independentemente das variáveis condicionantes aplicadas,

mas os dados em painel revelam um efeito positivo significativo quando se aplicam os

controles básicos. Quando se empregam as variáveis de acumulação de capital, esse efeito se

torna menos positivo e significativo, sugerindo que a exportação de recursos naturais pode,

neste caso, ser um fator de estímulo à acumulação de capital físico e humano. E, ao contrário

Page 57: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

57

do que observa no exercício com o método de Leamer, a abundância de recursos naturais aqui

não parece exercer qualquer influência sobre as variações dos termos de troca, a

macroestabilidade, a concentração das exportações e o comércio intraindústria.

Strikingly, broadly similar findings emerge using Sachs and Warner’s measure of resource exports

over GDP once enforcing a consistent processing of the data: there is no evidence in cross-section

of a negative impact of this variable on growth, and in the panel systems estimator, again, it enters

positively always, if not always significantly. At very least we should abandon the stylized fact that

natural resource abundance is somehow bad for growth and even perhaps consider a research

agenda on the channels through which it may have a positive effect, possibly through inducing

higher productivity growth (LEDERMAN; MALONEY, 2008, p.32)

Os autores também demonstram que a concentração das receitas de exportação, medida tanto

pelo índice de Herfindahl quanto pela participação dos recursos naturais nas exportações

totais, tem um efeito negativo sobre o crescimento, extremamente robusto no método cross-

section, embora menos no de painel. Para eles, as evidências mostram que é a concentração,

em si, e não os recursos naturais, em particular, que afetam negativamente o desempenho da

economia. Assim, a dependência de um único produto – seja o cobre no Chile ou,

hipoteticamente, microchips na Costa Rica – deixa os países vulneráveis a declínios

expressivos nos termos de troca.

3.1.1 . A questão da produtividade

Um dos argumentos mais utilizados contra a especialização em recursos naturais é o de que os

ganhos de produtividade no setor primário da produção são inferiores aos obtidos na indústria,

razão pela qual, como observou Prebisch (1949), a população dos países centrais gozava de

um padrão de vida superior ao verificado na periferia. Contudo, dados sugerem que este pode

ser mais um fato estilizado a respeito dos recursos naturais.

Marin e Mitra (1999) compararam o crescimento e a convergência dos fatores de

produtividade da agricultura e da indústria para o período entre 1967 e 1992. Com base em

informações sobre valor adicionado, capital físico, mão de obra e uso da terra de um conjunto

de 50 países, os autores encontraram evidências de que ambos os setores experimentaram

taxas elevadas de progresso técnico no período e que, surpreendentemente, o ritmo parece ter

sido mais acelerado na agricultura do que na indústria. Eles observaram ainda uma tendência

Page 58: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

58

mais forte de conversão dos níveis e taxas de crescimento da produtividade total dos fatores

na agricultura do que na indústria transformadora, sugerindo que a disseminação internacional

de inovações foi relativamente mais rápida nesse setor.

De acordo com o estudo, a produtividade total dos fatores da indústria cresceu, em média,

entre 1,13% e 1,86% ao ano, de acordo com a metodologia empregada, em toda a amostra.

Esse desempenho é superior nos países desenvolvidos, nos quais a taxa anual oscilou entre

1,91% e 3,29%. Nas economias em desenvolvimento, o ritmo foi bem inferior, tendo oscilado

entre 0,62% e 0,92%. Dividindo-se este grupo por faixa de renda, os autores observaram uma

taxa de crescimento de 0,22% a 0,93%, nos países de baixa renda, e de 0,76% a 0,97%, nos de

renda média.

Já a produtividade total dos fatores da agricultura apresentou uma taxa anual média de

crescimento de 2,34% a 2,91% para toda a amostra. Novamente, o ritmo de expansão foi mais

intenso nos países desenvolvidos, 3,35% a 3,46%, do que nos países em desenvolvimento,

1,76% a 2,62%. Entre as economias em desenvolvimento, observa-se uma taxa de 1,44% a

1,99% para os países de baixa renda e de 1,78% a 2,91% para os de renda média. Em todas as

comparações, portanto, a produtividade total dos fatores apresentou taxas mais elevadas na

agricultura do que na indústria.

Para os autores, seu achado enfraquece o argumento que dá sustentação a políticas que

preterem a agricultura em favor do setor manufatureiro, supostamente mais dinâmico, assim

como a tese de que países com grandes setores agrícolas tendem a crescer menos. No entanto,

eles reconhecem que, apesar do rápido progresso técnico na agricultura, não há razões para

acreditar que a participação do setor na economia mundial possa crescer ao longo do tempo.

At the global level, Engel's Law will clearly operate strongly, reducing the share of final spending

on agriculture, and hence the share of agricultural output in global income. In individual high-

growth developing economies, the share of agriculture can be expected to fall even more rapidly

because capital deepening will tend to pull resources out of agriculture and into more capital-

intensives sectors. For the world as a whole, rapid technical advances in agriculture facilitate the

flow of resources out of agriculture and into other sectors (MARIN; MITRA, 1999, p. 18).

Page 59: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

59

Para Lederman e Maloney (2007), os elevados ganhos de produtividade no setor agrícola são

o provável canal por meio do qual a presença de recursos naturais pode estimular o

crescimento econômico, a despeito de sua influência possivelmente negativa sobre outros

fatores.

3.1.2. Maldição dos recursos ou da dívida externa?

Manzano e Rigobón (2001) sustentam que os achados obtidos por Sachs e Warner e outros

autores foram influenciados por fatores que, embora correlacionados com a dotação de

recursos naturais, foram omitidos nas regressões. Em sua pesquisa, os autores sugerem que a

“maldição dos recursos naturais” sobre o crescimento desaparece quando se adota a dívida

externa como uma variável de controle. Sua conclusão é que foi o excesso de dívida, e não a

dotação de recursos naturais, a causa do fraco desempenho econômico dos países

exportadores de matérias-primas entre as décadas de 1970 e 1990.

Os autores defendem que durante a forte alta nos preços das commodities na primeira metade

da década de 1970, os países exportadores de produtos primários usaram seus recursos

naturais como uma garantia implícita – aceita pelos credores – para ampliar seu nível de

endividamento. Com a forte desvalorização dos produtos primários ao longo dos anos 1980 e

a consequente queda dos influxos de dólares provenientes do exterior (decorrente também do

choque monetário de 1979), esses países se viram excessivamente endividados, sem crédito e

obrigados a adotar medidas recessivas, que os conduziram a um longo período de estagnação.

Por essa razão, o fraco desempenho econômico dos países exportadores de produtos primários

parece não estar relacionado à dependência dos recursos naturais, em si. Antes, foi uma

consequência da conhecida imperfeição dos mercados de crédito, que tendem a correr mais

riscos e a se sobrealavancar em períodos de bonança econômica, criando distorções nos

preços de ativos.

In this respect, a boom-bust cycle in a commodity price is no different from a bubble in stock markets, as

was the case of Japan, or a bubble in real estate prices, as was in New England and Thailand. Our

interpretation is that the curse of natural resources, in this data, is another example of the curse on asset

prices bubbles (MANZANO; RIGOBON, 2001, p. 26)

Page 60: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

60

3.1.3. Recursos naturais e capital humano

Bravo-Ortega e De Gregório (2005) defenderam que a abundância de recursos naturais exerce

um efeito positivo sobre a renda per capita, embora esteja negativamente correlacionada com

a taxa de crescimento econômico. Ou seja, países exportadores de commodities primárias

tenderiam a crescer menos que seus pares especializados em produtos industrializados, mas

poderiam desfrutar de um bem-estar social maior.

De acordo com o modelo desenvolvido pelos autores, o crescimento econômico é uma média

ponderada entre as taxas de crescimento do setor de recursos naturais e da indústria, sendo

que o setor primário emprega uma quantidade constante de capital humano e não cresce25

,

enquanto o setor secundário pode adicionar capital humano indefinidamente e crescer a taxas

positivas. Por essa razão, uma maior dotação de recursos naturais aumenta a renda per capita,

mas reduz o ritmo de crescimento da economia ao provocar a expansão do tamanho do setor

primário.

Ainda segundo o modelo, uma maior quantidade de capital humano produz taxas de

crescimento mais altas para uma determinada dotação de recursos naturais, de modo que sua

abundância apenas limita o crescimento econômico quando o nível de capital humano é baixo

e não há recursos humanos suficientes para serem empregados em atividades que melhorem o

crescimento.

Bravo-Ortega e De Gregório aplicaram seu modelo em regressões de crescimento para o

período entre 1970 e 1900, utilizando a mesma medida de abundância de recursos utilizada

por Sachs e Warner, e concluíram que o impacto negativo dos recursos naturais sobre o

crescimento é neutralizado ou mesmo revertido em países com elevados níveis de capital

humano.26

Elevados índices de capital humano, demonstram, se contrapõe ao efeito negativo

que o deslocamento de fatores de produção da indústria para a exploração de recursos naturais

exerce sobre o crescimento econômico. Em outras palavras, a educação seria o remédio mais

adequado para tratar a Doença Holandesa.

25

Um pressuposto condizente com o pensamento econômico clássico. 26

Os autores utilizaram como medida o número médio de anos de estudo da população com mais de 25 anos de

idade.

Page 61: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

61

Os autores alegam ainda ser possível formalizar a ideia de um desenvolvimento conjunto de

setores industriais de alta tecnologia simultaneamente aos de recursos naturais, em um modelo

multissetorial, desde que a economia seja rica em capital humano – caso de países como

Estados Unidos, Austrália e Canadá. Em particular, a experiência dos países escandinavos,

onde o desenvolvimento dos recursos naturais foi acompanhado do crescimento de uma base

industrial ligada ao setor primário – por exemplo, a indústria de madeira e celulose que

emergiu a partir da exploração de produtos florestais – parece validar esse pressuposto.

A country would not benefit from giving away its natural resource endowment, as one might mistakenly

conclude from models that emphasize only the growth effect. A country that is rich in natural resources

can start with a high level of income, accumulate human capital, and see its growth accelerate. In this

sense, natural resources need not be a curse. However, extremely low levels of human capital may cause

such an economy to stagnate, because it then tends to specialize in natural resources extraction.

(BRAVO-ORTEGA; DE GREGÓRIO, 2005, p. 27)

Os autores comparam a experiência de países escandinavos e sul-americanos, ambos

exportadores líquidos de recursos naturais. Eles observam que, por volta de 1870, as duas

regiões possuíam economias relativamente próximas em tamanho. Naquele ano, a renda per

capita de Finlândia, Noruega e Suécia era muito semelhante àquela de Argentina e Chile

(ambos os grupos na faixa entre US$ 1.1 mil e US$ 1,6 mil). Em 1990, no entanto, esse valor

alcançou a faixa entre US$ 16 mil e US$ 17 mil nos países escandinavos, mas ainda se

encontrava no intervalo dos US$ 6 mil nos vizinhos sul-americanos. Para eles, o estoque

inicial de capital humano das duas regiões foi um fator decisivo – embora, certamente, não o

único – por trás dessa desigualdade. Entre 1870 e 1890, ponderam, a taxa média de

alfabetização era de 99% na Dinamarca, 98%, na Noruega e na Suécia, e 89%, na Finlândia,

mas não passava de 46%, na Argentina, 30,3%, no Chile e 14,8%, no Brasil.

It is difficult to explain the greater persistence of growth in Scandinavia than in Latin America without

remarking on the educational gap that emerged between the two groups of countries over the period

1870-1910, and which remained large throughout the twentieth century (BRAVO-ORTEGA; DE

GREGÓRIO, 2005, p. 7).

O elevado nível educacional da força de trabalho nos países nórdicos teria facilita a alocação

de trabalhadores entre diferentes atividades econômicas e o desenvolvimento de segmentos

Page 62: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

62

industriais atrelados ao processo de exploração dos recursos naturais: ainda no século 19, a

Dinamarca começou a substituir a exportação de grãos pela de carnes; Suécia e Noruega

migraram do comércio de madeiras para o de celulose e a Suécia foi capaz de adotar e

aperfeiçoar as técnicas metalúrgicas britânicas, que lhe permitiram constituir sua própria

indústria metalúrgica.

Situações que teriam causado uma crise social na América Latina, como a provocada pela

crise do nitrato, que levou a uma migração em massa para as cidades no Chile, se mostraram,

na Escandinávia, um episódio schumpeteriano de destruição criativa (BRAVO-ORTEGA; DE

GREGÓRIO, 2005, p. 9). A distinção entre o desempenho da América Latina e da

Escandinávia também teria relação com questões institucionais. Já no começo do século 19,

escandinavos empreenderam reformas agrárias e educacionais, além de práticas políticas

favoráveis ao livre comércio, na contramão da maioria dos países latino-americanos.

Blomström e Kokko (2007) afirmam que o processo de transformação de Suécia e Finlândia,

de países agrícolas subdesenvolvidos em economias avançadas e de bem-estar social, sugere

ser possível às economias exportadoras de produtos primários construírem fundamentos

sólidos para o desenvolvimento sustentável, a diversificação e o crescimento de indústrias

avançadas com base na exploração de seus em recursos naturais.

Ainda de acordo com os autores, embora tenham perdido espaço na produção, nas

exportações e na geração de empregos ao longo das últimas décadas, as indústrias baseadas

em recursos naturais ainda respondem por uma fatia significativa da economia dos países

escandinavos – as indústrias madeireira e siderúrgica empregam, juntas, quase um quinto da

força de trabalho industrial e garantem cerca de um quarto das exportações da Suécia, com

participação ainda mais relevante na Finlândia.

The continuing prominence of these sectors implies that raw-material-based production is not only a

temporary stage in economic development, but can instead be a sustainable element of an advanced

industrial structure (BLOMSTRÖM; KOKKO, 2007, p.214).

Conforme lembram Wright e Czelusta (2007), a história revela uma série de casos bem-

sucedidos de desenvolvimento baseado na produção e exploração de recursos naturais, que

desafiam a tese de uma associação intrínseca entre a dotação de recursos naturais e o

subdesenvolvimento. Os Estados Unidos, maior economia do mundo, são o principal

Page 63: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

63

exemplo. De acordo com os autores, os americanos eram os maiores produtores de

praticamente todos os principais recursos minerais entre o fim do século 19 e início do século

20, exatamente quando se transformou também no maior produtor de produtos

manufaturados. Para os autores, o rápido desenvolvimento industrial americano não ocorreu

apesar da abundância de recursos naturais, mas também em função dela, como demonstra o

fato de que a intensidade mineral relativa das exportações americanas cresceu de modo

expressivo entre 1879 e 1914.

The American economy may have been resource abundant, but Americans were not renters living

passively off of their mineral royalties. Clearly the American economy made something of its abundant

resources. Nearly all major U.S. manufactured goods were closely linked to the resource economy in one

way or another: petroleum products, primary copper, meat and poultry packing, steel works and rolling

mills, coal mining, vegetable oils, grain mill products, sawmill products, and so on. The only items not

conspicuously resource-oriented were various categories of machinery. Even here, however, some types

of machinery (such as farm equipment) serviced the resource economy, while virtually all were

beneficiaries in that they were made of American metal.These observations by no means diminish the

country’s industrial achievement, but they confirm that American industrialization was built upon natural

resources. (WRIGHT E CZELUSTA, 2007, pg. 185 e 186)

David e Wright (1997, apud WRIGHT; CZELUSTA, 2007) argumentam que a abundância de

recursos minerais dos Estados Unidos não foi o resultado exclusivo de sua dotação geológica,

mas refletiu um processo intensivo de prospecção, de investimentos massivos em tecnologias

de extração, refino e aplicação, educação nas áreas de mineração, minérios e metalurgia,

desenvolvimento de mercado e infraestrutura de transporte, além de estruturas legais,

institucionais e políticas favoráveis ao desenvolvimento do setor, de modo que, em 1913, a

participação norte-americana na produção superava, em grande medida, sua fatia nas reservas

mundiais conhecidas.

Como observado em International (2009), muitos dos mercados emergentes no período que

antecedeu a segunda Guerra Mundial eram exportadores de commodities, cresceram mais

rápido que qualquer outro grupo durante a década de 1930 e hoje figuram entre as economias

mais desenvolvidas do mundo. Entre os países de alta renda membros da OCDE, alguns são

grandes exportadores líquidos de recursos naturais. São os casos notórios de Noruega, onde o

balanço das commodities corresponde a 64% das exportações, Austrália (41,8%), Nova

Zelândia (17,3%) e Canadá (15,7%).

Page 64: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

64

3.2. A revolução dos recursos naturais: as ideias de Carlota Perez

Dentro do debate recente sobre desenvolvimento e recursos naturais, as ideias apresentadas

pela economista britânico-venezuelana Carlota Perez merecem destaque. Em trabalhos

desenvolvidos no âmbito da Cepal, individualmente ou em parceria com Anabel Marin e

Lizbeth Navas-Aleman (2009), Carlota Perez propõe uma nova abordagem sobre o tema e a

revisão de alguns dos principais pressupostos aceitos ao longo das últimas décadas sobre a

especialização em recursos naturais.

Seu argumento central é que as teorias sobre o papel dos recursos naturais no

desenvolvimento não são definitivas ou universais, mas estão sujeitas a condições que são

históricas. O grande salto de desenvolvimento experimentado por países como Estados

Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, no fim do século 19, deram aos economistas da

época boas razões para considerar que a dotação de recursos naturais representava um

estímulo ao desenvolvimento.

Mas as condições mudaram radicalmente na primeira metade do século 20, o que transformou

o debate a partir dos anos 1940 e 1950, com o surgimento da tese Prebisch-Singer, e seus

desdobramentos teóricos nas décadas seguintes. Por uma série de razões, a abundância de

recursos naturais parecia não mais favorecer o desenvolvimento em um período em que as

grandes histórias de sucesso econômico, como Japão, Coreia do Sul e China, foram baseadas

em processos de industrialização.

Contudo, os argumentos que pautaram a discussão nos últimos 50 anos parecem não ser mais

adequados para discutir a relação entre recursos naturais e desenvolvimento no começo do

século 21. De acordo com a economista, o processo de globalização associado à última revolução

tecnológica alterou a estrutura econômica mundial e criou uma janela de oportunidade para que os

países da América Latina cresçam e se desenvolvam tecnologicamente com base na exploração,

produção e processamento de recursos naturais.

Para Carlota Perez, uma economista da escola neo-schumpeteriana, as oportunidades de

desenvolvimento associadas aos recursos naturais mudam conforme novos paradigmas

técnicos e econômicos emergem e se estabelecem, o que demanda o surgimento de teorias

capazes de contemplar a questão em sua devida época.

Page 65: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

65

Essa visão está inserida em sua abordagem sobre as chamadas revoluções tecnológicas,

grandes surtos de desenvolvimento marcados pelo surgimento de todo um conjunto de novas

indústrias, princípios organizacionais e externalidades de infraestrutura e conhecimento, que

levam à modernização de praticamente todos os setores da economia e trazem consigo um

novo paradigma técnico-econômico, isto é, um novo senso comum sobre a melhor maneira de

se organizar a produção. Ao todo, a economia capitalista experimentou cinco revoluções

tecnológicas, a começar pela Revolução Industrial do século 18 (PEREZ, 2010a).

Assim, muitos dos fatos estilizados a respeito dos recursos naturais seriam, de fato,

condizentes com os paradigmas estabelecidos pela quarta revolução tecnológica, iniciada no

começo do século passado, com o fordismo nos Estados Unidos, e que deu forma àquela que

ficou conhecida como a Era do petróleo, dos automóveis e da produção em massa – uma era

intensiva no consumo de recursos naturais e que, por isso, demandava uma oferta abundante e

barata de produtos primários.

Contudo, esses pressupostos pouco dizem respeito aos parâmetros da quinta revolução,

iniciada nos anos 1970, e que deu origem à Era das Tecnologias da Informação e

Comunicação (TICs), marcada por um intenso processo de globalização da produção.

Segundo Marin, Navas e Perez (2009), a era das TICs criou um novo espaço para a

dinamização tecnológica e organizacional da produção e do consumo de produtos de origem

natural.

Essa mudança está diretamente associada aos novos propulsores da demanda por recursos

naturais. Uma das características da era das TICs foi a reorganização das cadeias produtivas,

em escala global e baseada em vantagens comparativas, que destinou aos países populosos da

Ásia, sobretudo a China, com grande oferta de mão de obra barata e qualificada, o papel de

“fábrica do mundo” (PEREZ, 2010b). Essa etapa do processo de globalização culminou na

transferência de diversas indústrias antes situadas nos países desenvolvidos (e mesmo em

alguns países em desenvolvimento, como o Brasil) para o Oriente e na obtenção de ganhos

expressivos de escala naquela região.

A primeira consequência, que vai de encontro a um dos argumentos centrais da tese Prebisch-

Singer, foi a queda nos preços relativos das manufaturas exportadas a partir da Ásia,

revertendo a tendência que prevaleceu ao longo de praticamente todo o século passado. Esse

Page 66: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

66

movimento impôs um obstáculo adicional à industrialização dos países com menor densidade

populacional, como é o caso dos latino-americanos, que passaram a ter cada vez mais

dificuldades para competir com a barata manufatura da região.

Os países asiáticos também foram bem-sucedidos à medida que desenvolveram capacidades e

acumularam conhecimento em setores estratégicos na área das TICs, de modo que hoje

possuem companhias multinacionais capazes de inovar em setores de ponta relacionados a

esse paradigma tecnológico – uma porta que já se fechou para os países da América Latina27

.

(MARIN, NAVAS E PEREZ, 2009, p.8)

Em contrapartida, o crescimento econômico gerado por esse padrão de globalização em países

como China e Índia, com suas grandes populações e relativa escassez de recursos naturais,

teve impactos importantes sobre a demanda mundial por minérios, energia e alimentos, com

seu efeito já descrito sobre os preços relativos dessas matérias-primas. Isso permitiu que os

países da América Latina e da África ampliassem suas exportações para a Ásia, estabelecendo

uma forte relação de complementaridade econômica entre as duas regiões e abrindo um novo

leque de oportunidades de desenvolvimento baseadas em recursos naturais (PEREZ, 2010b,

p.125).

Partindo de um pressuposto clássico, de acordo com o qual a produção de recursos naturais

cresce mediante a incorporação de terras e reservas minerais em condições menos favoráveis

do que aquelas já exploradas – e, portanto, a custos crescentes –, Marin, Navas e Perez (2009)

argumentam que o forte aumento da demanda por produtos primários decorrente do “viés

asiático” do atual processo de globalização deve multiplicar consideravelmente os estímulos

econômicos à inovação em toda a cadeia de recursos naturais, especialmente se os preços se

mantiverem em patamares elevados.

Essa tendência é acentuada ainda pelas crescentes preocupações com o aquecimento global e

a preservação ambiental, que devem aumentar a pressão (por meio de novas taxas, aumento

dos custos de energia e movimentos civis organizados) por ganhos de produtividade na

extração, transporte, processamento e consumo de recursos naturais, de modo a reduzir seu

impacto sobre as condições de vida no planeta.

27

Em 1998, Rosemary Thorp (apud CUDDINGTON, LUDEMA, JAYASURIYA, 2007) alertava que a

economia globalizada empurraria a América Latina ainda mais na direção da produção de recursos naturais,

especialmente petróleo e minérios.

Page 67: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

67

If prices increase enough, pushing against the limits of natural resource availability can make it

attractive to access almost unreachable deposits, under the sea, deep underground or in inhospitable

landscapes such as the Arctic or Siberia. Major innovation is required in those cases for exploration,

extraction and transport. The case of the deep ocean oil reserves found in Brazil and the complexities of

its exploitation are a vivid example of this. In a previous occasion, when the OPEC price rise in the

1970s drove the developed economies to try to increase their own reserves, Norway not only became an

important producer of undersea oil but it promoted the emergence of a whole network of specialised

suppliers of equipment and services that are today moving to participate in the Brazilian fields. (MARIN;

NAVAS;PEREZ, 2009, p.10)

O crescimento da demanda representa também uma janela de oportunidade para que países

ricos em recursos naturais se especializem nas indústrias de processamento, tais como

siderúrgicas, petroquímicas, esmagadoras de grãos e fábricas de celulose, e invistam em

sistemas de transporte e telecomunicação que aumentem sua eficiência. Isso porque a alta nos

preços de energia pode fazer com que o processamento de matérias-primas, hoje realizado

preferencialmente perto dos mercados consumidores, fique mais competitivo nas regiões

produtoras.

Materiais não processados têm valor muito baixo em relação ao seu peso (o que significa altos

custos energéticos e ambientais no transporte), de modo que transportar o produto acabado

pode significar uma economia importante para os mercados consumidores. Como tornar essas

indústrias, tradicionalmente intensivas em energia, mais flexíveis, relativamente móveis e

menos dependentes das economias de escala é apenas um desafio de inovação que os países

produtores de recursos naturais devem enfrentar (MARIN, NAVAS; PEREZ, 2009, p.11)

É possível afirmar que a produção de recursos naturais sempre demandou, em maior ou menor

grau, algum processo de inovação e a busca por ganhos de produtividade, como demonstrou a

Revolução Verde dos anos 1970, na agricultura. Responder se as recompensas de preço têm

sido historicamente compatíveis com o investimento e o esforço de inovação não é tão

simples.

No cenário descrito por Prebisch e Singer, os ganhos de produtividade obtidos pelos

produtores de recursos naturais se traduziam em preços mais baixos aos consumidores. A

literatura clássica sugere ainda que é o produtor mais bem localizado, que colhe mais e com

menos esforço, quem aufere os lucros da inovação demandada para se produzir em áreas

menos produtivas. Tais observações ajudaram a alimentar a desconfiança sobre a condução de

estratégias de desenvolvimento baseadas em recursos naturais.

Page 68: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

68

Marin, Navas e Perez (2009, p.12) sugerem que algumas das características intrínsecas à era

das TICs devem não apenas intensificar os estímulos endógenos à inovação nos setores de

recursos naturais, mas também abrir caminho para que alguns dos tradicionais obstáculos que

limitam a aferição dos lucros sobre esses investimentos sejam superados. Um desses atributos

é o que os autores chamam de hipersegmentação (ou fragmentação refinada) do mercado em

todos os setores da economia, uma tendência que, cada vez mais, permite criar, comercializar

e distribuir, para qualquer lugar do mundo, produtos customizados, em segmentos muito

específicos e com baixos volumes – algo impensável no paradigma da produção em massa.

Essa característica, argumentam, facilita a criação semimonopólios temporários, condição

favorável à amortização dos esforços de inovação.

Desse modo, a produção de recursos naturais passa a contar com novos estímulos de

diferenciação ou “descommoditização”, que pode ser alcançada por meio da criação de

marcas associadas a produtos de qualidade superior e característicos de uma região em

particular (tais como vinhos, cafés gourmet e queijos) ou inseridos em um determinado modo

de produção (alimentos orgânicos), que atendem às exigências de consumidores preocupados

com a saúde e o meio ambiente. É o caso, ainda, de produtos desenvolvidos para atender a

necessidades específicas de determinados clientes ou mercados, como os chamados aços

especiais (ou de “boutique”).

One of the characteristics of the current paradigm that enables taking advantage of niche products

is the ease of direct communication with the specialised users or distributors. This allows both the

acquisition of information about the precise characteristics of a required material, for example,

and the identification of sufficient clients to build a reasonably sized niche. At the same time, the

transformation of the transportation services to handle small quantities and special requirements

with high efficiency and decreasing costs makes it possible to cater to a globally disperse niche

(MARIN; NAVAS; PEREZ, 2009, p.12).

Obviamente, a quase totalidade da produção de recursos naturais continua a ser composta por

commodities. Carlota Perez (2010b) pondera que o mesmo pode ser dito em relação à

indústria28

. Os enormes ganhos de escala, a queda nos custos de produção e a forte

28 O próprio Hans Singer, em um artigo recente, (1999, p.2), chamou a atenção para o fato de que os termos de

troca das manufaturas exportadas pelos países em desenvolvimento estavam se deteriorando em relação aos

produtos importados dos países centrais (tanto ou mais do que os produtos primários), devido aos diferentes

graus de conteúdo tecnológico. Por essa razão, sugeriu uma extensão da tese Prebisch-Singer, com mudança de

ênfase: em vez de industrialização e diversificação das exportações, em sua formulação original, os países

deveriam perseguir aumento de capacidade tecnológica, das habilidades empreendedoras e do capital humano.

Page 69: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

69

concorrência, decorrentes do atual processo de globalização, tendem a transformar uma série

de bens de consumo, tais como discos rígidos, celulares, computadores, eletrodomésticos e

autopeças em commodities, isto é, em produtos com baixíssima diferenciação, grande volume

de produção, baixas margens de lucro e competição por custo.

Desse modo, a divisão entre “recursos naturais” e “manufatura” – que fazia sentido no

paradigma da produção em massa – perde força a dá lugar a uma divisão entre produtos

“básicos” e “diferenciados”, ou ainda, “padronizados” e “inovadores”, em todos os setores da

economia – recursos naturais, indústria e serviços.

One of the consequences of this complex structure of all markets is the switch from

considering “industrialization” as the top of the range in development, to perhaps

having to coin a term such as “technologization” to refer to the more advantageous

positions in the world market maps. This, together with the growth of raw materials

prices, driven by the advance of globalization, can contribute to eliminate or

significantly diminish the traditional disadvantage of raw materials. (PEREZ,

2010b, p. 129)

Marin, Navas e Perez (2009, p.16) sugerem ainda que um cenário de relativa escassez,

aumento dos preços e da volatilidade nos mercados de metais, energia e alimentos pode

alterar a relação de forças e ter consequências positivas para as estratégias comerciais dos

países produtores de recursos naturais. De um lado, há uma crescente competição entre os

países importadores para assegurar seu abastecimento, o que significa um maior poder de

barganha, por parte dos exportadores, na atração por investimentos estrangeiros, aquisição de

tecnologia e abertura de mercados. Do outro, para as companhias globais de recursos naturais,

o acesso às melhores terras, minas ou campos de petróleo torna-se um elemento cada vez mais

importante para a sua estratégia. Trata-se, portanto, de um contexto favorável à criação de novos

modelos de negócio, mecanismos de financiamento e políticas governamentais.

Finalmente, Perez (2010b) argumenta que a escolha por uma estratégia de desenvolvimento

baseada em recursos naturais pode colocar a América Latina em condições favoráveis para a

próxima revolução tecnológica, já em gestação e com grandes chances de ocorrer nas

próximas duas ou três décadas, respeitados os padrões das revoluções anteriores. De acordo

com a pesquisadora, a próxima revolução deve ser determinada por uma combinação de

Page 70: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

70

biotecnologias, nanotecnologias, bioeletrônicos, novos materiais e novas fontes de energia,

todas possivelmente associadas à indústria de processamento e recursos naturais – razão pela

qual é fundamental, desde já, desenvolver habilidades neste setor. Contudo, a autora afirma

que a janela de oportunidade para que esse salto seja dado é custo – talvez, não mais do que

uma década –, de modo que os primeiros passos precisam começar a ser dados.

Latin America can now make a start on enhancing its capabilities in preparation for the next revolution,

using its current resource-based exports as a platform for leading-edge innovation and as a source of

funding. It is important to note that Japan and the “Asian tigers” acquired their initial experience by

assembling transistors and electronic equipment in the 1950s and especially the 1960s and early 1970s.

At the time, these were being used in products typical of the mass production revolution: radios,

televisions, record players, etc., with the portable versions constituting a market-expanding innovation.

This placed those countries in an advantageous position in terms of experience and capabilities when the

microprocessor inaugurated the ICT revolution. Something similar could take place in Latin America the

next time around, not however by chance but because of a conscious drive in this direction (PEREZ,

2010b, p.135).

Page 71: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

71

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O papel dos recursos naturais no desenvolvimento econômico ainda é alvo de inúmeras

controvérsias. De modo geral, as evidências são incapazes de demonstrar categoricamente a

existência de uma “maldição”, que sempre dificulte ou mesmo até impeça o desenvolvimento

econômico de países com elevada dotação de recursos naturais. Por outro lado, a simples

existência da controvérsia é suficiente para atestar que a dotação de recursos em abundância

não representa uma vantagem óbvia, como seria natural supor.

Como vimos no capítulo 3, estudos empíricos sobre a influência dos recursos naturais sobre o

crescimento econômico apresentam resultados bastante distintos de acordo com o método de

estimação, a medida de abundância e as variáveis de controle empregadas. Fatores como

elevado grau de concentração das exportações, excesso de endividamento e baixos níveis de

capital humano podem ter comprometido o desempenho econômico de países exportadores de

produtos primários nas últimas décadas. Os mecanismos de interação entre essas variáveis,

contudo, continuam a requerer estudos mais aprofundados.

É provável que, como argumenta Carlota Perez, as teorias sobre recursos naturais e

desenvolvimento não sejam universais ou seculares, mas pertinentes às condições econômicas

e aos paradigmas técnicos da época em que são elaboradas. De fato, a dotação de recursos

teve um papel crucial para o desenvolvimento de países como Estados Unidos, Canadá,

Austrália, Nova Zelândia, Suécia, Noruega e Finlândia no século 19, ainda que não tenham

contribuído decisivamente para um maior grau de desenvolvimento na América Latina. No

entanto, faltam exemplos de economias que tenham dado grandes saltos com estratégias

baseadas em recursos naturais na segunda metade do século 20.

Talvez, como argumentam Sachs e Warner (1995), a disponibilidade de recursos fosse

realmente essencial para o nascimento de novas indústrias e tecnologias em uma época em

que os custos de transporte eram muito elevados, mas tenha se tornado irrelevante à medida

que esses gastos caíram. A mesma lógica sugere, porém, que a forte elevação nos preços de

energia e, consequentemente, dos fretes marítimos, como se observou nos últimos anos, pode

tornar a dotação de recursos mais uma vez relevante para o desenvolvimento de indústrias

Page 72: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

72

locais, inviabilizando o transporte por longas distâncias de matérias-primas não processadas,

de baixo valor agregado, conforme argumenta Carlota Perez.

Do mesmo modo, a tese da deterioração dos termos de troca dos recursos naturais,

apresentada por Prebisch e Singer nos anos 1950, carece de uma revisão em virtude das

mudanças estruturais observadas na economia mundial nas últimas décadas. A divisão

internacional do trabalho mudou radicalmente, de modo que o esquema centro-periferia não

mais oferece uma compreensão adequada do mundo de hoje.

Com a migração de boa parte da indústria para a China, os custos de mão de obra da produção

manufatureira desabaram e os frutos do propagado progresso técnico industrial, antes

capturados pelos trabalhadores organizados dos países desenvolvidos, foram finalmente

repassados para os preços dos bens manufaturados – condição que, segundo Prebisch (1949),

tornava a industrialização desnecessária e até indesejável onde não houvesse as devidas

vantagens comparativas. O processo de “commoditização” da produção manufatureira,

descrito por Carlota Perez, apenas reforça essa tendência.

Além disso, a análise da evolução dos termos de troca dos recursos naturais nos últimos 140

anos mostra que a deterioração anunciada por Prebisch-Singer não foi homogênea. Como

demonstram Ocampo e Parra (2010) e Erten e Ocampo (2012), no capítulo 2, a queda ficou

praticamente restrita aos produtos agrícolas, sobretudo aqueles de origem tropical, como café,

açúcar, cacau, banana e óleo de palma. Eles apresentaram a menor valorização nos ciclos de

alta dos preços das commodities e as quedas mais acentuadas nos ciclos de contração.

O fato de serem produtos típicos de países pouco desenvolvidos, com menor grau de

organização de seus trabalhadores e mecanismos adequados de comercialização talvez

explique, ao menos parcialmente, esse comportamento. Outra possível explicação, sem

respaldo na literatura, é que a maioria dos produtos agrícolas tropicais são culturas perenes,

uma característica que dificulta o ajuste da oferta em períodos de retração na demanda. Em

comparação, os preços relativos dos metais e do petróleo experimentaram uma apreciação ao

longo de todo o período e, na última década, atingiram os maiores níveis da história.

Page 73: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

73

É impossível antever o comportamento futuro dos preços das commodities. Obviamente, o

forte crescimento da China e da Índia impõe uma enorme pressão sobre a oferta de recursos

naturais, o que deve manter os preços dos produtos primários em patamares elevados por mais

alguns anos, até que a oferta se ajuste aos novos patamares da demanda. Em todas as partes do

mundo, diversos investimentos estão sendo feitos na exploração de petróleo, minérios e terras

agricultáveis. É uma questão de tempo até que esses investimentos maturem e comecem a

produzir.

Além disso, é de se esperar que a intensidade do uso de recursos naturais no crescimento

econômico continue a diminur nos próximos anos, com o amadurecimento da economia

chinesa – menor participação dos investimentos na composição do PIB e uma maior

participação do consumo –, a redução no ritmo de crescimento da população mundial e os

ganhos de eficiência na indústria se contraponham, em alguma medida, à tendência altista dos

últimos anos.

Durante os dois primeiros superciclos de preço das commodities (1894-1932 e 1932-1971), os

termos de troca subiram por 23 anos e 19 anos, respectivamente, antes de começarem a cair.

Como comparação, a atual fase de alta dos produtos primários começou há 11 anos, o que

sugere haver espaço para pelo menos mais uma década de elevação, desde que os países em

desenvolvimento continuem a puxar o crescimento mundial.

Contudo, é plausível a hipótese de que o mundo esteja caminhando para uma era de recursos

escassos, que produza uma valorização duradoura dos termos de troca dos produtos primários

– tal como sugeriram os pensadores do fim do século 18. Embora essa tese tenha sido

desmentida inúmeras vezes, por sucessivos aumentos de produção, as restrições ambientais,

técnicas e econômicas ao aumento da oferta são crescentes e exigem soluções custosas. Se o

século 20 testemunhou a descoberta de imensos campos de petróleo com baixíssimo custo de

extração no Oriente Médio, o século 21 pode depender do óleo escondido a milhares de

quilômetros abaixo do nível do mar na costa brasileira.

Neste sentido, é bastante clara a tendência de dinamização do setor de recursos naturais, com

maior incorporação de tecnologia, capital físico e humano nos próximos anos, como sugere

Page 74: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

74

Carlota Perez. Aplicações nas áreas de biotecnologia e nanotecnologia, possíveis veículos de

uma nova revolução tecnológica, tendem a ser tornar cada vez mais frequentes na produção e

no consumo de matérias-primas agrícolas, combustíveis e metálicas, o que coloca os países da

América Latina em condição privilegiada para traçar estratégias de desenvolvimento

tecnológico com base em sua abundância de recursos naturais. Contudo, não se pode descartar

que nos tornemos meros usuários de tecnologias desenvolvidas no exterior – como ocorre

com a transgenia na agricultura brasileira, por exemplo.

De todo modo, o aumento da renda advindo da alta dos preços relativos das commodities cria

condições excepcionais para que países como o Brasil invistam em sua infraestrutura de

transportes, telecomunicações e na formação de capital humano, ampliando os níveis de

competitividade de sua economia como um todo e se contrapondo aos efeitos potencialmente

negativos da abundância de recursos sobre o crescimento.

A produção de recursos naturais não precisa e não deve ser um fim, mas pode ser a base para

financiar o desenvolvimento e aumento da capacidade produtiva em outros setores, o que

depende da formulação de políticas públicas e da construção de arcabouços institucionais

adequados. Em contrapartida, os países com dotação de recursos naturais terão desperdiçado

uma grande oportunidade se utilizarem esses recursos de maneira inadequada, financiando tão

somente o consumo e o aumento das importações e satisfazendo anseios rentistas. O papel das

instituições é, portanto, fundamental.

Page 75: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

75

REFERÊNCIAS

BANCO MUNDIAL. Global economic prospects: Commodities at the Crossroads.

Washington DC., 2009

BECKER, Gary. Family Economics and Macro Behavior. American Economic Review, 78

(1), 1988

BLOMSTRÖM, Magnus; KOKKO, Ari: From Natural Resources to High-Tech

Production: The Evolution of Industrial Competitiveness in Sweden and Finland.

Natural Resources: Neither Curse not Destiny. The World Bank and Stanford University

Press, 2007

BOIANOVSKY, Mauro. Humboldt and the Economists on Natural Resources,

Institutions and Underdevelopment (1752-1859). European Journal of the History of

Economic Thought, vol. 20, no 1, 2013. Disponível em <http://ssrn.com/abstract=1727605>.

Acesso em: 15 abr. 2012

BRAVO-ORTEGA, Claudio; DE GREGÓRIO, José (2005). The relative richness of the

poor? natural resources, human capital, and economic growth. Policy Research Working

Paper Series 3484, Banco Mundial, 2005. Disponível em: <http://www-

wds.worldbank.org/servlet/WDSContentServer/WDSP/IB/1999/09/25/000094946_99090805

303688/Rendered/PDF/multi_page.pdf> Acesso em: 18 jul.2012

CAIRNES, J.E. Essays in political economy. Londres: Macmillan, 1873. Disponível em <

http://archive.org/stream/essaysinpolitic00cairgoog#page/n12/mode/2up> Acesso em: 25

abr.2012

CASHIN, P.; MCDERMOTT, J. The Long-run Behaviour of Commodity Prices:

Small Trends and Big Variability. IMF Staff Papers 49 (2). 2002

CUDDINGTON, John; LUDEMA, Rodney; JAYASURIYA, Shamila. Reassessing the

Prebisch-Singer Hypothesis: Long-Run Trends with Possible Structural Breaks at

Unknown Dates. Washington, DC: Working Paper, Georgetown University, 2002

CUDDINGTON, John; LUDEMA, Rodney; JAYASURIYA, Shamila. Prebisch-Singer

Redux, apud Natural Resources: Neither Curse not Destiny. The World Bank and Stanford

University Press, 2007

DAVID, Paul; GAVIN, Wright. The Genesis of American Resource Abundance. Industrial

and Corporate Change 6, 1997: 203-45

DE GREGORI , THOMAS R. Resources Are Not; They Become: An Institutional Theory.

Journal of Economic Issues, Vol. 21, No. 3, Evolutionary Economics I: Foundations of

Institutional Thought, 1987: pp. 1241-1263

Page 76: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

76

DONELLA H. MEADOWS ET AL. The Limits to Growth: A Report for the Club of

Rome's Project on the Predicament of Mankind. New York: Universe Books, 1974.

ERTEN, Bilge; OCAMPO, José Antonio. Super-cycles of commodity prices since the mid-

nineteenth century. DESA Working Paper No. 110, 2012.

FURTADO, João. Muito além da especialização regressiva e da doença holandesa:

oportunidades para o desenvolvimento brasileiro. Novos estud. - CEBRAP, São Paulo: n.

81, July 2008 Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-

33002008000200005&lng=en&nrm=iso>. access on 30 Aug. 2012.

http://dx.doi.org/10.1590/S0101-33002008000200005

GELB, Alan H. Oil windfalls: blessing or curse? New York: Oxford University, 1988

GRILLI, Enzo R; YANG, M. C.. Primary Commodity Prices, Manufactured

Goods Prices, and the Terms of Trade of Developing Countries: What the

Long Run Shows. The World Bank Economic Review 2 (1): 1–47, 1988

GYLFASON, Thorvaldur; HERBERTSON, Tryggvi; ZOEGA, Gylfi. A Mixed Blessing.

Natural Resources and Economic Growth. Cambridge University Press: Cambridge,1999

JENKINS, Rhys. The “China effect” on commodity prices and Latin American export

earnings. Cepal Review, 103, 2011: 73-87

LEAMER, Edward. Sources of International Comparative Advantage: Theory and

Evidence. Cambridge: The MIT Press, 1984

PEREZ, Carlota. The financial crisis and the future of innovation: a view of technical

change with the aid of history. Working Papers in Technology, Governance and Economic

Dynamics no28, 2010a

PEREZ, Carlota. Tecnological dynamism and social inclusion in Latin America: a

resource-based production development strategy. Cepal Review 100, 121-141, 2010b

HEAP, Alan. China – The Engine of a Commodities Super Cycle. Sydney: Citigroup

Global Markets, 2006

HIRSCHMAN, Albert. Strategy of economic development. New Haven: Yale University

Press, 1958

HOCHSTETLER, Richard. Recursos Naturais e o Mercado: Três Ensaios. São Paulo:

Universidade de São Paulo, 2002.

HUMBOLDT, A. Von. Personal Narratives of the Travels to the Equinoctial Regions of

the New Continent during the Years 1799-1804. Londres: Longman,1818

HUMBOLDT, A. Von. Political Essays on the Kingdom of New Spain, 4

vols.Londres:Longmans, 1811-1812

Page 77: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

77

HUME, David. Essays - Moral, Political, and Literary. Indianapolis: Liberty Fund, 1987.

Publicação inicial em 1777.

INTERNATIONAL: Commodities force re-think on growth. United Kingdom, 2009.

Disponível em <http://search.proquest.com/docview/192460539?accountid=146586> acesso

em 24 mai. 2012

LEDERMAN, Daniel; MALONEY, William. Natural Resources: Neither Curse not

Destiny. The World Bank and Stanford University Press, 2007

JEVONS, W. S. Coal Question: An inquiry concerning the progress of the nation, and

the probable exhaustion of our coal-mines (3rd

edition). New York: Augustus M. Kelley,

1965. Publicação inicial em 1906.

LEWIS, A. Growth and Fluctuations, 1870-1913. Cambridge, UK: George Allen and

Unwin, 1978

MCKINSEY. Resource Revolution: Meeting the world’s energy, materials, food and

water needs. 2011

MALTHUS, Thomas. Ensaio sobre a População. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996b.

Publicação inicial em 1798.

MALTHUS, Thomas. Princípios de Economia Política. São Paulo: Editora Nova Cultural,

1996a. Publicação inicial em 1820.

MANZANO, Osmel; RIGOBON, Roberto. Resource Curse or Debt Overhang? Cambridge:

NBERWorking Paper 8390, 2001

MARIN, Anabel; NAVAS, Lizbeth; PEREZ, Carlota. The possible dynamic role of natural

resource-based networks in Latin American development strategies. CEPAL-SEGIB

Project, 2009

MARTIN, Will; MITRA; Devasbzsb. Productivity Growth and Convergence in

Agriculture and Manufacturing. Policy Research Working Paper 2171, Banco Mundial,

1999. Disponível em < http://www-

wds.worldbank.org/servlet/WDSContentServer/WDSP/IB/1999/09/25/000094946_99090805

303688/Rendered/PDF/multi_page.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2012

MONTESQUIEU, Charles de. O Espírito das Leis. São Paulo: Editora Nova Cultural, 2004.

Publicação inicial em 1748.

NURSKE, Ragnar. The Quest for a Stabilization Policy in Primary Producing Countries:

A Symposium. Kyklos 11:139-265, 1958

OCAMPO, José Antônio; MARIÁNGELA, Parra-Lancourt. The Terms of Trade For

Commodities Since the Mid-19th Century. Madri: Journal of Iberian and Latin America

Economic History. Vol, 28, n. 1, 2010: 11-43.

Page 78: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

78

PREBISCH, Raul. O desenvolvimento econômico da América Latina e seus principais

problemas. Revista Brasileira de Economia, vol. 3. Rio de Janeiro: 1949. Disponível em

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rbe/article/viewArticle/2443>. Acesso em: 27

mar. 2012

RESOURCES FOR FREEDOM. Communication from the President of the United States,

Transmitting the Report of the President's Materials Policy Commission. Washington

D.C.: U.S. Government Printing Office, 1952.

RICARDO, David. Princípios de Economia Política e Tributação. São Paulo: Editora Nova

Cultural, 1996. Publicação inicial em 1817.

ROBINSON, James, TORVIK, Ragnar, VERDIER, Thierry. Political Foundations of the

Resource Curse, 2005

ROSENBERG, Nathan; FRISCHTAK, Claudio. Long Waves and Economic Growth: A

Critical Appraisal. American Economic Review, 73 (2): 146-151, 1983

ROSTOW, Walt. Getting from Here to There: A Policy for the Post-Keynesian Age.

Londres: Macmillan, 1979

SACHS, Jeffrey; WARNER, Andrew. Natural resource abundance and economic growth.

Harvard University. Cambridge University Press: Cambridge, 1995, 1997

SINGER, Hans. The distribution of gains between investing and borrowing countries.

American Economic Review, 40, 1950: 473-485

SINGER, Hans. Beyond Terms of Trade – Convergence and Divergence. Brighton: Institute

of Development Studies, University of Sussex, 1999: 911-916

SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996. Publicação

inicial em 1776

TAYLOR, Jerry. The Growing Abundance of Natural Resources. Apresentado na

Conferência das Nações Unidas sobre Meio-Ambiente e Desenvolvimento, 1992.Disponível

em <http://www.cato.org/pubs/chapters/marlib21.html>. Acesso em: 25 mai. 2012

THORP, Rosemary. Progress, Poverty, and Exclusion: An Economic History of Latin

America in the Twentieth Century. Washington, DC: Inter-American Development Bank;

Johns Hopkins University Press, 1998

WIJNBERGEN, Sweder. The ‘Dutch Disease’: A Disease After All? The Economic

Journal, Volume 94, Issue 373, 41-55, 1984

WRIGHT, Gavin; CZELUSTA, Jesse. Resource-Based Growth Past and

Present. apud Natural Resources: Neither Curse not Destiny. The World Bank

and Stanford University Press, 2007

Page 79: Recursos naturais e desenvolvimento econômico: … › bitstream › handle › 9197 › 1 › Gerson...A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30

79

XAVIER, Sérgio Luís Guerra. Determinantes do crescimento – uma comparação das

regressões em sistemas de equações cross-section com regressões em painéis com

coeficientes individuais. São Paulo: EPGE-FGV, 1999