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Revista de Sociologia e Política ISSN: 0104-4478 [email protected] Universidade Federal do Paraná Brasil Lacerda, Gustavo Biscaia de AUGUSTO COMTE E O "POSITIVISMO" REDESCOBERTOS Revista de Sociologia e Política, vol. 17, núm. 34, octubre, 2009, pp. 319-343 Universidade Federal do Paraná Curitiba, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=23816088020 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Revista de Sociologia e Política

ISSN: 0104-4478

[email protected]

Universidade Federal do Paraná

Brasil

Lacerda, Gustavo Biscaia de

AUGUSTO COMTE E O "POSITIVISMO" REDESCOBERTOS

Revista de Sociologia e Política, vol. 17, núm. 34, octubre, 2009, pp. 319-343

Universidade Federal do Paraná

Curitiba, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=23816088020

Como citar este artigo

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 34 : 319-343 OUT. 2009

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 17, n. 34, p. 319-343, out. 2009

Gustavo Biscaia de Lacerda

AUGUSTO COMTE E O “POSITIVISMO”REDESCOBERTOS

Recebido em 11 de agosto de 2009.Aprovado em 30 de agosto de 2009.

I. INTRODUÇÃO

É mais ou menos consensual no âmbito dasCiências Sociais que a palavra “Positivismo” temum significado negativo, assim como que já pos-suiu um significado positivo. Acompanhar a mu-dança de valoração dessa palavra é historiar umaparte importante da história das Ciências Sociaisno Brasil e no mundo ao longo do século XX einício do século XXI. Por outro lado, o conteúdodesse “Positivismo” não é algo consensual nemmuito menos preciso, variando desde a equiva-lência à reação política da burguesia (com Lênin)até à razão instrumental que desumaniza (com aEscola de Frankfurt); no Brasil, também são fre-qüentes as afirmações de que “os positivistas”estiveram na raiz do regime militar de 1964. Delambujem, afirma-se que o Positivismo Jurídico,o Comportamentalismo psicológico, o Positivismona História são variações, ou melhor, aplicaçõesdo Positivismo original, vinculado à Filosofia e àSociologia.

Em quaisquer dessas hipóteses, a origem do“Positivismo” é atribuída ao francês AugustoComte (1798-1857), autor dos famosos Système

Neste ensaio abordamos algumas pesquisas que, nos últimos dez anos ou mais, têm recuperado a obra dofundador do Positivismo, Augusto Comte. Essa recuperação consiste em perceber os trabalhos de Comte emsua inteireza e a partir de sua lógica interna, enfatizando em particular a sua segunda grande obra, oSystème de politique positive (1851-1854), e as suas contribuições para a reflexão social e política contem-porânea. A fim de tornar inteligível a novidade dessas novas pesquisas, apresentamos uma das narrativas-padrão a respeito de Comte e do Positivismo – no caso, a partir dos escritos de Anthony Giddens –; alémdisso, fazemos uma discussão sobre o significado da palavra “Positivismo” e as várias correntes teóricassubsumidas em tal expressão.

PALAVRAS-CHAVE: Positivismo; Augusto Comte; Système de politique positive; Anthony Giddens; Círculode Viena.

FÉDI, Laurent. 2008. Comte. São Paulo: Estação Liberdade.

GRANGE, Juliette. 1996. La philosophie d’Auguste Comte. Science, politique, religion. Paris : PUF.

TISKI, Sérgio. 2007. A questão da moral em Augusto Comte. Londrina: UEL.

de philosophie positive (1830-1842) e Cathéchismepositiviste (1852) e dos menos famosos Systèmede politique positive (1851-1854), Appel auxconservateurs (1855) e Synthèse subjective (1856),além de algumas outras publicações menores e deextensa correspondência. A relação que se esta-belece entre a filosofia do francês Comte – cha-mada de “filosofia positiva” ou “Positivismo” – eas várias correntes denominadas de “Positivismo”baseia-se em diversas possibilidades: a primeira,claro, é a identidade de nome em diversas situa-ções; em seguida, alguns vínculos históricos (te-óricos e políticos) entre eles; por fim, mera ex-tensão ou ampliação de sentido. Além disso, a crerem alguns abalizados pesquisadores da história daSociologia – pensamos em Anthony Giddens –,há mais continuidades que rupturas entre umaforma e outra, sendo possível caracterizar o se-gundo como um prenúncio do primeiro.

Essa caracterização é tanto mais incorretaquanto a influência exercida pelo “Positivismo”“filosófico” no Brasil foi enorme: basta pensar naconstante referência ao lema da bandeira nacio-nal, o “Ordem e Progresso”. Ora, passar de umainfluência tal que permitiu a inscrição no pavilhão

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nacional do lema do “Positivismo” “filosófico” paraa confusão corrente e a subsunção dessa “varie-dade” de “Positivismo” ao “intelectual” revelamuito não apenas dos hábitos intelectuais brasilei-ros quanto indica os descaminhos da história dasCiências Sociais e da História das Idéias, de modogeral, ao longo do século XX.

As vinculações indicadas acima constituemuma sugestão teórica – uma hipótese de pesquisa–, que começaria com a leitura do texto originalde Comte e avançaria pelas diversas correntes autoou heterodenominadas de “positivistas”, passan-do pelos críticos do “Positivismo”. Esse percur-so não apresenta nenhuma grande inovaçãometodológica, consistindo apenas no exame dasperspectivas teóricas e metodológicas de umaextensa literatura filosófica e sociológica: todavia,é curioso que ele não seja realizado, sendo mes-mo desprezado. Um passar de olhos em parteimportante da literatura teórica das Ciências Soci-ais contenta-se 1) em estabelecer a relação entreComte e os demais “positivismos” a partir da co-incidência de nomes e 2) em repetir lugares-co-muns a respeito do “Positivismo” (em particularcom um juízo de valor negativo).

Embora tais relatos, de boa ou de má-fé, pos-sam multiplicar-se bastante, é digno de nota quediversos pesquisadores, em vários países, têminvestigado diretamente a obra de Comte e chega-do à conclusão simples de que a maior parte dasrelações entre o Positivismo comtiano e os“positivismos” atuais consiste apenas em coinci-dência terminológica.

Neste ensaio bibliográfico trataremos de algu-mas das mais representativas dessas pesquisas querecuperam o pensamento original de Comte: deLaurent Fédi, Comte (2008); de Juliette Grange,La philosophie d’Auguste Comte. Science,politique, religion (1996), e, de Sérgio Tiski, Aquestão da religião em Augusto Comte (2008).Preocupados com questões diversas mas coinci-dindo em aspectos importantes, esses livros ca-racterizam-se pelo fato de tomarem como objetode análise o pensamento de Comte em si mesmo,sem deixarem de apresentar diálogos com ques-tões atuais e sem deixarem de lado perspectivas“críticas”.

“Recuperar” o pensamento de Comte é impor-tante por outro motivo, além de fazer justiça aofundador da Sociologia em pesquisas de Teoria

Política e Social. Considerando que o grandearquiinimigo de várias das principais correntesteóricas nas Ciências Sociais é, precisamente, o“Positivismo”, recuperar e discutir o pensamentodo próprio Comte é participar de maneira maisadequada, porque mais qualificada, das polêmi-cas teórico-metodológicas e políticas contempo-râneas. Além disso, retirada a extensa camada crí-tica sobreposta à obra comtiana, é possível per-ceber que, de fato, essa obra apresenta elementosefetivos para os debates teóricos, metodológicose políticos atuais.

Dessa forma, antes de discutirmos os livrosindicados acima, é necessário examinarmos duasoutras questões, intimamente relacionadas: 1) quaise o que são os “positivismos”? 2) Do que o“Positivismo” é acusado? Essas questões não sãosecundárias; considerando que desde há algumasdécadas o “Positivismo” é “outro” teórico contrao qual por assim dizer todos batem-se, variadossentidos do “Positivismo” produzem variadas im-plicações.

Este artigo terá a seguinte estrutura. Como opresente tema é a recuperação da obra de Comte,em um primeiro momento examinaremos algumasformas usuais de abordá-lo nas Ciências Sociais– em particular, na obra de Anthony Giddens, queapresenta um caráter paradigmático a respeito. Oexame das exposições de Giddens servirá comofio condutor para uma outra discussão: o examedas variedades do “Positivismo”, ou seja, a deter-minação do que se entende por essa palavra nosdebates das Ciências Sociais. Esse procedimentofacilitará a compreensão e a avaliação de algumasdas recentes obras que têm recuperado o pensa-mento comtiano; por fim, faremos alguns con-clusões gerais.

II. UM ANTIPOSITIVISTA PARADIGMÁTICO:GIDDENS

Como indicamos acima, não é novidade que apalavra “Positivismo” atualmente carrega um va-lor semântico bastante negativo. Entre a confu-são terminológica a respeito da palavra“Positivismo” e a crítica mais ou menos informa-da a respeito de Comte, várias são as correntesteóricas que se encarrega(ra)m de combatê-lo, apartir das mais variadas perspectivas, entre as quaispodemos citar o marxismo, o pós-modernismo, aSociologia Compreensiva. Como é evidente, cadauma delas mobiliza diferentes pressupostos filo-

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sóficos, a partir de suas preocupações políticas eintelectuais, o que resultaria em discussões muitomaiores das que podemos, no espaço de um arti-go, realizar.

Ainda assim, a tarefa impõe-se; cumpre exa-minar alguns dos argumentos sobre Comte nasapresentações críticas a seu respeito. A fim defacilitar, uma exposição sistemática da história daSociologia, informada por um projeto teórico-metodológico, é o que nos interessa; assim, paraos fins desta discussão, escolhemos AnthonyGiddens, autor de inúmeras obras de referênciaem Teoria Social e em história da Sociologia. Cer-tamente esse famoso sociólogo não é o único quecomete os erros que indicaremos; além disso, nãopretendemos negar a importância de várias de suaspesquisas nem, por outro lado, torná-lo uma es-pécie de bode expiatório teórico; contudo, sendoele o autor da atual narrativa-padrão da história daSociologia (segundo suas próprias palavras:GIDDENS & PIERSON, 1998, p. 45), autor denumerosos manuais ou livros em que aborda oconjunto das teorias sociológicas e políticas e, porfim, devido ao caráter sistemático dos erros so-bre Comte (e o “Positivismo”) que comete e ten-do várias de suas objeções repetidas por outrasescolas sociológicas, vale a pena elegê-lo comoexemplar.

Com uma extensa obra, para os nossos finspodemos simplificadamente afirmar que Giddenspossui livros de história da Teoria Social e livrosdedicados às suas próprias elaborações sociológi-cas; são principalmente os primeiros os que nosinteressam, em particular Giddens (1985; 1998;2000). Escritos mais ou menos na mesma época,esses relatos têm as características de 1) basea-rem-se na leitura de poucas obras de Comte, 2)usarem largamente opiniões de segunda mão (emparticular, Durkheim e Stuart Mill), 3) simples-mente desconsiderar os argumentos do próprioComte, 4) de modo a poder encaixar forçadamenteComte em categorias que Giddens deseja comba-ter.

II.1. Comte como promotor da tecnologia socialnão-reflexiva

Tomemos, por exemplo, o pequeno manualSociology – A Brief but Critical Introduction(GIDDENS, 1982). As referências a Comte ocu-pam quatro páginas (idem, p. 12-15), em queGiddens segue este percurso: inicialmente, afirma

que Comte foi um dos pensadores do século XIXque, impressionado com o desenvolvimento dasciências naturais em sua época, decidiu adotar osprocedimentos dessas mesmas ciências para es-tudar a sociedade; essa proposta, além disso, se-ria movida por um desejo similar de aplicação prá-tica dos conhecimentos científicos, resumido nafórmula “prévoir pour pouvoir” (“prever parapoder”). A metodologia por assim dizer“naturalística” seria caracterizada pela busca deleis naturais (sociais) e foi posteriormente reto-mada e formulada na regra durkheimiana de “con-ceber os fatos sociais como coisas” (idem, p. 12-13). Em seguida, Giddens rejeita a aproximaçãodas ciências sociais às ciências naturais por duasordens de motivos: 1) “we cannot approachsociety, or ‘social facts’, as we do objects orevents in the natural world, because societies onlyexist in so far as they are created and re-createdin our own actions as human beings. [...] We haveto grasp what I would call the double involvementof individuals and institutions: we create societyat the same time as we are created by it” (idem, p.13-14; grifos no original); 2) “[...] the practicalimplications of sociology are not directly parallelto the technological uses of science, and cannotbe. [...] As human beings, we do not just live inhistory; our understanding of history is an inte-gral part of what history is, and what it maybecome. This is why we cannot be content withComte’s idea of Prévoir pour pouvoir, seen associal technology” (idem, p. 14-15)1. Em outraspalavras, as suas objeções consistem em, por umlado, afirmar a particularidade das Ciências Soci-ais em relação às Ciências Naturais via reflexividadedo ser humano e, por outro lado, que essa

1 Tradução livre dos dois trechos: 1) “não podemos abor-dar a sociedade, ou os ‘fatos sociais’, como fazemos comobjetos ou eventos do mundo natural, pois as sociedadessomente existem na medida em que elas são criadas e recri-adas por nossas próprias ações como seres humanos. [...]Nós temos que adotar o que eu chamaria de duploenvolvimento de indivíduos e instituições: criamos a socie-dade ao mesmo tempo que somos criados por ela”; 2) “asimplicações práticas da Sociologia não são diretamenteparalelas aos usos tecnológicos da ciência e não podem ser.[...] Como seres humanos, nós não vivemos simplesmentena história; nosso entendimento da história é uma parteintegral do que a história é e do que ela pode tornar-se. Épor isso que não podemos contentarmo-nos com a idéia deComte de Prévoir pour pouvoir, vista como tecnologiasocial”.

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reflexividade não permite uma “tecnologia social”semelhante à engenharia (que é uma forma de“tecnologia física”)2.

Pois bem: ambas as objeções são incorretas.Não que sejam erradas em si, mas é incorreto atri-buí-las a Augusto Comte, que foi muito claro aseu respeito: por um lado, o caráter reflexivo doser humano foi desde o início afirmado por ele e,no fundo, a lei dos três estados pressupõe-na; ali-ás, o caráter específico do ser humano em rela-ção aos outros animais consiste, acima de tudo,em seu caráter histórico, que não é dado simples-mente pela acumulação de “materiais” geração apósgeração, mas pela reflexividade de cada geração arespeito das anteriores e – algo fundamental paraas discussões sociais contemporâneas – tambéma respeito das vindouras.

Por outro lado, a Sociologia existe para ter finspráticos. Esses fins “práticos” são, por um lado,intelectuais e morais: ter uma compreensão darealidade (cósmica e social) é importante para aharmonia mental de cada indivíduo; por outro lado,os fins “práticos” são políticos: para Comte, oconhecimento elaborado pelos sociólogos deve seraplicado politicamente sob a forma de conselhospráticos, não de engenharia social. A divisão entreos poderes Temporal e Espiritual é o maior resul-tado disso: o poder Temporal – grosso modo, oEstado – deve conhecer a sociedade para sabercomo lidar com ela: por exemplo, respeitando asfamílias, respeitando as várias tradições, permi-tindo as várias liberdades, em particular as de pen-samento e de expressão etc. Por outro lado, opoder Espiritual pode ser também chamado – lite-ralmente – de “sociedade civil” e consiste em umasérie de órgãos formuladores da opinião pública,capaz de orientar a ação do Estado e, acima detudo, de estabelecer limites para ela (o que inclui a(des)legitimação). O que é importante assinalar éque os sociólogos (ou, sendo mais correto a res-peito da terminologia comtiana, os sacerdotes)devem permanecer no poder Espiritual e não par-

ticipar do poder Temporal: essa restrição não foifeita no sentido de tornar o Estado incompetenteou irresponsável, mas para que os formuladoresda opinião pública permaneçam comoformuladores da opinião pública, sem confundi-rem as opiniões sob sua responsabilidade comprojetos de tomada do poder – o que, não rara-mente, podem tornar-se imposição da opinião ecensura; uma outra possibilidade da imposiçãopolítica do saber sociológico são as tecnocracias3

– ou, nos termos de Comte, a “pedantocracia”4.

II.2. A retórica da loucura

Vejamos outro texto de Giddens: “AugustoComte e o Positivismo”, publicado no Brasil em2000 (GIDDENS, 2000), mas consistindo de fatona republicação de um artigo de 1982. Esse artigode pouco mais de 11 páginas pretende fazer umaapresentação geral da importância teórica deComte, ajuntando aos comentários propriamenteteóricos algumas observações biográficas relevan-tes. Cumpre reconhecermos desde já um argu-mento, na verdade mais uma pequena indicação,bastante iluminadora e até simpática de Giddens arespeito da obra de Comte: a contraposiçãoestilística das duas grandes obras comtianas – oSystème de philosophie positive5 (1830-1842) e oSystème de politique positive (1851-1854)6 – re-vela uma alteração fundamental. Enquanto a

2 Um pouco adiante ele comenta que “[...] sociologicalanalysis teaches sobriety. For although knowledge may bean important adjunct to power, it is not the same as power.And our knowledge of history is always tentative andincomplete” (GIDDENS, 1982, p. 15) (“[...] a análise soci-ológica ensina a sobriedade. Pois embora o conhecimentopossa ser um importante adjunto do poder, ele não é amesma coisa que o poder. E o nosso conhecimento da his-tória é sempre tentativo e incompleto”).

3 Jean Lacroix (2003, p. 101) compreendeu esse aspectodo pensamento comtiano, ao comentar com clareza e sim-plicidade que “sua [de Comte] concepção de poder Espiri-tual afastava-o [...] de qualquer tendência tecnocrática”(LACROIX, 2003, p. 101).4 Uma das conseqüências do caráter sistêmico do pensa-mento comtiano é que, embora em cada capítulo de suasobras ele tratasse em particular de determinadas questões,essas mesmas questões eram discutidas sob outras pers-pectivas em outros capítulos, dedicados a outros temas;assim, não apenas a quantidade de citações possíveis paracada tema é enorme como a complexidade das perspectivastambém é grande – o que torna a apresentação de suasidéias uma tarefa sempre exigente. Essa constatação é feitapor todos os especialistas no pensamento comtiano (cf.,por exemplo, GRANGE, 1996; LACROIX, 2003; GANE,2006; FÉDI, 2008).5 Originalmente chamado de Cours de philosophie positive,foi alterado para “Système” em 1848 (cf. COMTE, 1957,p. 3).6 Para simplificar a redação, adotaremos as formassimplificadas de “Philosophie” para referirmo-nos aoSystème de philosophie positive e de “Politique” para asreferências ao Système de politique positive.

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Philosophie foi redigida em um estilo sóbrio e al-tamente impessoal, embora a vida pessoal e pro-fissional de Comte estivesse profundamente atri-bulada, a Politique foi redigida de maneira pesso-al e “apaixonada”, indicando uma grande altera-ção pessoal e profissional e, do ponto de vista te-órico, uma inflexão importante (GIDDENS, 2000,p. 223). O curioso, quase chocante, é que essaindicação notável é uma exceção em um artigoprofundamente antipático; mas como ninguém éobrigado a ter simpatia por ninguém, a questãoimportante é outra: a antipatia de Giddens é“justificada” por deturpações e más-interpretaçõesreiteradas.

Comecemos por um mito bastante difundido:a “loucura” de Comte. Giddens fala em “vida des-regrada” (idem, p. 217), “períodos de loucura”(no plural) (idem, p. 218), “estranhos excessos”da Politique (idem, p. 221), “decadência melan-cólica de um grande intelecto” (ao referir-se no-vamente à Politique) (Stuart Mill apud GIDDENS,2000, p. 223). Essas quatro observações – devi-damente feitas sem referências bibliográficas –causam a profunda impressão de que a obra deComte, em particular a de sua fase mais madura,foi o resultado da especulação de um lunático. Issoé um recurso retórico próximo ao sofisma adhominem, em que a argumentação teórica eempírica é substituída pela crítica ao autor; alémdisso, esse procedimento é particularmente espe-cioso, porquanto inúmeros pensadores e teóricosdas Ciências Sociais foram “loucos”, “desregra-dos”, mau-caracteres ou simplesmente tiveramsérios problemas emocionais e psicológicos. Ve-jamos alguns: o atualmente tão festejado FriedrichNietzsche era louco ou catatônico, alternando fa-ses mais ou menos lúcidas a longos períodos anor-mais; Karl Marx tinha esposa e amante e estupra-va ambas, além de difundir mentiras a respeito deseus inimigos políticos para desmoralizá-los7; MaxWeber teve um colapso nervoso e desde cerca de1900 até sua morte, em 1920, esteve incapaz delecionar oficialmente (embora extra-oficialmentetenha lecionado em diversas instituições do mun-do germanófono); John Stuart Mill passou por umasevera depressão no meio de sua carreira intelec-

tual; foram suicidas ou homicidas Roland Barthes,Nicos Poulantzas e Louis Althusser; Georg Lukácsabjurou inúmeras vezes perante Stálin e sua cor-te; Sartre fazia da promiscuidade sexual e intelec-tual um valor moral e político; last but not theleast, não podemos esquecer os nazistas CarlSchmidt e Martin Heidegger, que, após a quedado III Reich, encerraram-se em silêncios obse-quiosos mas sem jamais renegarem os passadosnacional-socialistas. Esses dados biográficos cos-tumam aparecer apenas a título de introdução bi-ográfica quando tratamos de cada um dos auto-res em questão, mas um exame aprofundado dascondições de sanidade dos teóricos sociais aindaestá por ser feito – exame que, como se podeperceber, não é nem um pouco ocioso, tal a inci-dência de problemas ou distúrbios psicológicosou emocionais. A despeito dos problemas de to-dos esses autores, os comentadores, exegetas ediscípulos de variados estilos não costumam le-var em consideração tais aspectos biográficos, poisassumem que não interferem na produção teóricaou até mesmo que, se interferirem, não têm im-portância negativa para a sua validade intelectual.Assim, apresenta-se com clareza a seguinte ques-tão: por que a gritante duplicidade de critérios emque se considera que a “loucura” de Comte é pre-judicial mas os sérios problemas emocionais epsicológicos de todos os demais autores não o é?Parece-nos que a resposta é simples: além de sim-ples hipocrisia, trata-se do recurso sistemático aojá citado sofisma ad hominem como estratégicaretórica para desqualificar o pensamento deAugusto Comte8.

Mas, a despeito de sua irrelevância para a prá-tica intelectual, é importante considerar a tese daloucura em si mesma, pelo que ela revela e devidoàs clivagens que surgem a partir dela na avaliaçãoda obra de Comte; para isso, é necessário apre-sentarmos um pequeno resumo biográfico do pen-sador francês.

7 Referências úteis sobre a biografia de Marx podem serencontradas nas obras dos anarquistas, adversários políti-cos e teóricos de Marx quando este vivia; cf., por exemplo,Bakunin (2001).

8 Talvez a observação acima cause espanto ou estranheza.Mas, parece-nos, isso é mais devido a uma sistemáticaausência de uma Sociologia das Ciências Sociais que porqualquer outro motivo. De qualquer forma, tal empreendi-mento não seria difícil de realizar: do ponto de vista teóri-co-metodológico, uma combinação entre alguns estudos dePierre Bourdieu (2004) e de Quentin Skinner (2002, espe-cialmente cap. 2-6) permitiriam um excelente ponto departida.

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Tendo nascido em 1798 em Montpellier, noSul da França, Augusto Comte foi sozinho paraParis durante a adolescência para estudar na ÉcolePolytechnique. Devido a problemas políticos, foiexpulso desse estabelecimento, voltou por umcurto período para Montpellier e fixou residência,afinal, em Paris em 1816. Para manter-se, lecio-nava Matemática como professor particular e,durante alguns anos, foi secretário de Saint-Simon;ainda assim, sua vida era financeiramente austerae sua disciplina intelectual, bastante rigorosa. Eisque, em 1825, casou-se com Carolina Massin; essamoça, inteligente e um pouco mais jovem que opróprio Comte, era uma prostituta a quem o pen-sador, solitário em Paris, resolveu auxiliar via ca-samento (em caso contrário, ela seria presa devi-do às suas atividades profissionais), esperandouma retribuição na forma de companheirismo e,claro, fidelidade. É perfeitamente possível afirmarque tal ação foi um excesso romântico: mas, em-bora o procedimento de Comte tenha sido eviden-temente ingênuo, em si não foi ruim, ou melhor,não representou demência, loucura ou desequili-bro mental, mas simples inexperiência de vida, alémde indicar generosidade pessoal. Carolina Massin,todavia, não correspondeu aos anseios de Comte,pois que sistematicamente o traía, retornando aosseus hábitos profissionais anteriores; da mesmaforma, ela insistia em que Comte deveria usar seustalentos intelectuais para ganhar dinheiro, semmaiores preocupações com o projeto intelectualque ele desenvolvia. Essa situação tornou-se in-sustentável e, em meados de 1826, a combinaçãoda penúria material com o descaso intelectual e astraições da esposa, além dos esforços intelectuaispróprios – em 1826 Comte deu início à apresen-tação oral e pública do seu Curso de filosofia po-sitiva –, resultaram em um sério esgotamento ner-voso, que chegou ao ponto de uma tentativa desuicídio. Nos dois anos seguintes Comte recupe-rou-se paulatinamente desse episódio, retomousuas atividades e, em 1830, iniciou a publicaçãoda Philosophie, projeto que só se completou em1842, quando se separou de Carolina Massin (em-bora restrita à separação de corpos e mantendouma pensão vitalícia).

Ao longo da década de 1840, Comte estavasozinho e com suas dificuldades financeiras, aomesmo tempo que se preparando para avançar emsuas elaborações intelectuais. Enquanto descan-sava e refletia para o que seria a sua Politique,conheceu a irmã de um de seus alunos em 1844:

Clotilde de Vaux. Essa moça, com cerca de 30anos de idade, tinha uma situação marital seme-lhante à de Comte, pois que fora abandonada porum marido devedor e caloteiro – e, assim, fugiti-vo da polícia. Comte apaixonou-se por ela, man-tendo um relacionamento platônico a partir de1845; ela, de início assustada, paulatinamente pas-sou a respeitar e até a corresponder ao afeto. Comtuberculose, em 1846 Clotilde de Vaux faleceu.Esse breve e intenso relacionamento marcou umainflexão fundamental na obra de Comte, que a partirdali passou a enfatizar mais os sentimentos e me-nos a inteligência; ou melhor, subordinou a inteli-gência aos estímulos afetivos (altruístas ou ego-ístas). Não somente ocorreu um redirecionamentoteórico como a própria produção de Comte inten-sificou-se: em 1848 ele redigiu dois livros, Discourssur l’esprit positive (COMTE, 1990) e o Discourssur l’ensemble du Positivisme (COMTE, 1957)9;depois, entre 1851 e 1854 redigiria os quatro vo-lumes da Politique (COMTE, 1890); em 1853, oCathéchisme positiviste (COMTE, 1934); em 1855,o Appel aux conservateurs (COMTE, 1899) e, em1856, o volume I e único dos quatro planejadosda Synthèse subjective (2000b), além de sua ex-tensa correspondência. Essa fase marca a afir-mação do “método subjetivo” e da criação da Re-ligião da Humanidade.

A passagem do Positivismo “filosófico” parao “religioso” produziu dissensões ou “deserções”,como a indicada por Giddens a respeito de StuartMill (apud GIDDENS, 2001, p. 223): “decadên-cia melancólica de um grande intelecto”. Comtemorreu prematuramente em 1857, deixando seusbens (aí incluídos os direitos autorais de suasobras) para um grupo de 13 executores-testamenteiros. Logo em seguida, a viúva, Caroli-na Massin, procurou leiloar todos os bens deComte e anular o testamento, o que iniciou umprocesso judicial que se estendeu até 1870. Esseprocesso visava a permitir que Massin editasse asobras de Comte, retirando as várias referênciaselogiosas a Clotilde de Vaux e as referências nega-tivas a ela própria; além disso, em associação como ex-discípulo de Comte, o dicionarista Littré,pretendia permitir a publicação apenas do que foraescrito durante a convivência conjugal (essenci-almente a Philosophie), classificando, não por

9 O Discours sur l’ensemble seria incorporado ao volu-me I da Politique, a título de “Prefácio geral”, em 1851.

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acaso, de “produto de loucura” tudo aquilo quefoi escrito depois da separação conjugal. O resul-tado desse longo litígio foi que, com base em lau-dos médicos, em testemunhos e na análise do tes-tamento, a Justiça da França deu ganho de causaaos executores-testamenteiros, recusando assima tese da loucura (cf. LACERDA NETO, 2004, p.211-219).

Retomando a discussão anterior: o que Giddens(2001) faz, ao retomar o tema da loucura deComte, é adotar um discurso que visa adesqualificar de maneira rápida e superficial a obrareligiosa de Comte, pois que não a examina emmomento algum, e reduzindo o corpus comtianoà Philosophie – e, ainda por cima, a partir de umrelato sórdido10.

II.3. Filosofia das Ciências

Vimos acima que várias das opiniões atribuí-das por Giddens a Comte não procedem; essasopiniões supostamente se refeririam à obra valo-rizada com a acusação de loucura, ou seja, refe-rem-se à Philosophie. Em que consistiu essa vo-lumosa obra escrita em 12 anos e seis volumes?Em um exame sistemático das ciências abstratasconstituídas até então, de acordo com a “escalaenciclopédica” de Comte; a seqüência seria a se-guinte: Matemática, Astronomia, Física, Químicae Biologia. Esse exame das ciências não era umfim em si mesmo, mas um meio para um fimambicioso: a constituição da ciência da socieda-de, inicialmente chamada de “Física Social” e de-pois renomeada para “Sociologia”. Os três pri-meiros volumes foram dedicados a essa progres-são de ciências preliminares; já os três últimostrataram da definição do objeto e do método danova ciência, incluindo aí as tentativas anteriorese as principais questões teóricas (especificamen-te, a Estática e a Dinâmica sociais).

Convém notarmos que, a propósito da mudan-ça de nome da Sociologia, Giddens afirma que foidevida ao projeto de estatística social de Quetélet,

vista por Comte “com desdém” (GIDDENS, 2001,p. 222). A referência à proposta de matematizaçãoda sociedade é correta, mas o “desdém” afirmadopor Giddens sugere algo como ciúme profissio-nal, ou seja, uma motivação mesquinha, além deintelectual e teoricamente pobre. Essa insinuaçãoé incorreta: ao insistir em seu projeto específicode ciência da sociedade, a preocupação de Comteera preservar a especificidade teórico-metodológicada Sociologia, indicando que ela é irredutível àsdemais ciências tanto em termos de objeto quantode método – o que, no caso da proposta deQuételet, a intenção era evitar que a ciência socialfosse reduzida, desde o início, à sociometria. Maisainda: em vez de a Sociologia (e, por extensão, asCiências Humanas) dever subordinar-se às Ciên-cias Naturais, seriam estas que deveriam subordi-nar-se teoricamente à Sociologia, a partir de umaperspectiva que hoje chamaríamos detransdisciplinar, radicalmente humanista (esse é osentido da “síntese subjetiva” de Comte).

A Politique assume que a Sociologia já foi cri-ada e, a partir disso, consiste em umaprofundamento sistemático dessa perspectivahumanista (COMTE, 1890, v. I, Préface; v. III,Préface), por assim dizer “subjetivista” e“qualitativista”, das teorias sociológicas. Talaprofundamento considera, por um lado, as insti-tuições comuns a todas as sociedades humanas(religião, família, linguagem, propriedade, gover-no) – é a Estática Social, apresentada no volumeII – e as mudanças por que essas instituições pas-saram ao longo da história e suas inúmerasinterações (“reflexivas”, para usar o jargão deGiddens) – é a Dinâmica Social, do volume III daPolitique. O volume I da Politique apresenta, emsuma, considerações epistemológicas diversas; jáo volume IV apresenta um quadro geral do queseria a sociedade ideal, em que o ser humano poderealizar-se ao máximo de acordo com as suaspotencialidades reveladas historicamente: é, lite-ralmente, a utopia positivista. Nesses livros Comtediscute concepções de justiça social, de liberda-des públicas e assim por diante (cf., por exemplo,LACERDA, 2004; 2008a; 2008b; 2009a).

Essa digressão foi necessária para indicar qualo sentido dos relatos de Giddens: é afirmar umAugusto Comte “cientificista”, “naturalista”, mes-mo “quantitativista”. Veremos em detalhes na pró-xima seção que, para Giddens, qualquer“Positivismo” tem necessariamente tais caracte-rísticas; aqui ainda importa contrapor algumas das

10 Pode parecer estranho o uso de expressões como “sór-dido” em um artigo científico de Teoria Social; entretanto,não apenas não é possível qualificar de outra forma o epi-sódio como, por outro lado, o próprio Comte afirmava quenão se pode conhecer a realidade social sem a referência avalores (COMTE, 1890, v. II, cap. 1, 4); por fim, a com-preensão das várias fases da carreira comtiana não é possí-vel sem a adoção de juízos de valor (como mesmo Giddensimplicitamente admite).

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perspectivas sociológicas que Giddens atribui aComte com o que o próprio Comte dizia. Assim, arespeito de Filosofia da Ciência: “O Curso [aPhilosophie] apresenta uma extensa análise dodesenvolvimento das ciências como preâmbulonecessário ao seu programa prático por meio datese de que a evolução progressiva, porém ordei-ra, da ciência fornece o modelo para uma evolu-ção paralela da sociedade como um todo. O quediria Comte à moderna filosofia da ciência que,nos trabalhos de Bachelard, Kuhn e outros, su-plantou a evolução com a revolução bem no âma-go da própria ciência natural?” (GIDDENS, 2001,p. 224-225; grifo no original). Esse trecho apre-senta duas questões: por um lado, atribui a Comteum relato da evolução das ciências segundo o qualela teria sido “ordeira” e que, além disso, serviriacomo modelo para o desenvolvimento social; poroutro lado, contrapõe uma perspectiva“evolucionista” (Comte) a uma outra “revolucio-nária” (Bachelard, Kuhn) do desenvolvimento ci-entífico. Vejamos cada uma delas em separado.

Para Comte, o desenvolvimento das ciênciasnão é “ordeiro”, isto é, isento de conflitos ou so-bressaltos. Deixando de lado o fato de que atri-buir a Comte um desenvolvimento “ordeiro” é umaforma de torná-lo um apologeta da “ordem”, istoé, um conservador ou mesmo um reacionário (cf.GIDDENS, 2001, p. 222)11, a narrativa comtianado desenvolvimento das ciências é muito clara emuito rica ao tratar dos conflitos teóricos entreautores, escolas e “epistemes”. Antes de mais nada,a lei dos três estados indica que as concepçõeshumanas passam por três fases (teológica,metafísica e positiva) e que há, precisamente,

conflitos entre as várias tradições: esses conflitossão solucionados de acordo com as condiçõessociais gerais e também com o confronto com arealidade cósmica. A relação causal geral, portan-to, não é da ciência para a sociedade, mas, aocontrário, da sociedade para a ciência: ou seja, osconhecimentos humanos desenvolvem-se confor-me as condições e as necessidades sociais. Osconflitos sociais não deixam de ser refletidos nosconflitos teóricos; além disso, o surgimento dasciências, embora tenha obedecido a uma seqüên-cia histórica e lógica muito clara, nem por isso foi“contínuo”: basta ver que a Matemática e a Astro-nomia surgiram na Antigüidade (egípcia e grega)e só foram decididamente retomadas após oRenascimento, havendo um enorme lapso quecompreende o Império Romano e a Idade Médiaentre ambos os extremos. O comentário ligeirode Giddens apresenta ainda dois problemas teóri-cos: em primeiro lugar, ele mistura a constituiçãode corpos teóricos abstratos a respeito de fenô-menos específicos com o desenvolvimento dasociedade, ou, o que dá no mesmo, mistura o abs-trato com o concreto; em segundo lugar, ele pre-tende invalidar uma observação teórica (abstrata)apenas porque a realidade prática (concreta) émúltipla e variada – o que equivale a negar a (pos-sibilidade de) teoria com a platitude de que a “re-alidade é inesgotável”.

A respeito da concepção de ciência de Comteface à concepção “moderna”. Deixando de ladoos fatos de que Giddens propõe um evolucionismocanhestro (em que o que vem depois é sempremelhor do que o que veio antes) e de que as con-cepções “modernas” têm sempre um quê de sim-ples modismo, tanto a concepção comtiana não é“evolucionista” quanto o caráter “revolucionário”atribuído às mudanças paradigmáticas é discutí-vel. Vimos acima que para Comte há uma estreitarelação entre as condições sociais gerais e o de-senvolvimento do conhecimento em cada socie-dade; mas, além disso, as passagens das concep-ções teológicas para as metafísicas e destas paraas positivas são sempre “revolucionárias”, poisque envolvem amplas visões de mundo. Bastapensar na passagem do modelo geocêntrico parao heliocêntrico: para Comte, o deslocamento docentro do universo teve conseqüências radicais,tendo sido o responsável direto pela decadênciaintelectual da teologia. Mas, de maneira mais de-cisiva, a passagem das fases teológica e metafísicapara a positiva é muito mais importante; ela con-

11 No seguinte trecho, temos a clara impressão de que,segundo Giddens, Comte era um teórico exclusivamente da“ordem”, um conservador, talvez um reacionário: “[...] otipo de sociedade previsto por Comte com a garantia deambos, ordem e progresso, dava grande importância às ca-racterísticas constantes dos trabalhos da ‘escola retrógra-da’ [...], ainda que destituídas de associação específica como catolicismo” (GIDDENS, 2001, p. 222); aqui e ali Giddensusa a expressão “progresso com ordem” no mesmo senti-do. Essas observações são chocantes à luz da defesa dou-trinária que Comte fez dos direitos trabalhistas (incluindoo direito de greve), a radical liberdade de pensamento e deexpressão, do fim dos impérios coloniais (a começar peloda França, em relação à Argélia), da defesa da justiça sociale do combate ao liberalismo laissez-faire e “burguesocrata”,do apoio aos proletários parisienses que se sublevaram noinício de 1848 e diversas outras medidas.

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siste em passar do absolutismo filosófico para orelativismo, nisso consistindo a “revolução mo-derna”, para Comte.

Mas a idéia de “revolução” na filosofia da ci-ência moderna não é unívoca. Antes de mais nada,convém elucidar o sentido das palavras “revolu-ção” e “evolução”. A “revolução” pode ser umamudança brusca (às vezes violenta) e/ou umamudança radical; a “evolução” pode ser uma mu-dança gradual e/ou uma mudança pacífica. ComoGiddens adota a expressão “evolução” como equi-valente epistemológico para “ordem” ou“conservadorismo”, o que se depreende é que,para Comte, as mudanças teóricas sãoincrementalistas e “controladas”. É difícil conce-ber uma afirmação mais gratuita que essa, queaprisiona em uma camisa de força a compreensãoda prática científica e teórica. Tanto Comte quan-to Bachelard e Kuhn afirmam que as mudançascientíficas ocorrem de maneira incremental e demaneira abrupta; além disso, é há muito sabidoque não é possível “controlar” as descobertas ci-entíficas, tanto no sentido socialmente disruptivoquanto no sentido da própria prática científica.Em outras palavras, Giddens adota duas categori-as desnecessariamente restritivas e excludentespara poder forçar Comte em uma delas, que sãotambém as menos valorizadas.

III. DIFERENCIANDO OS “POSITIVISMOS”

A concepção de um Comte “cientificista” deGiddens torna-se mais clara no longo artigointitulado “Comte, Popper e o Positivismo”(GIDDENS, 1998). O objetivo desse texto é es-clarecer o sentido da expressão genérica“Positivismo”, indicando a descendência intelec-tual que vai de Comte a Mach, ao Círculo de Vie-na e a Popper, em termos de Filosofia das Ciênci-as, e de Comte a Durkheim e ao funcionalismo,na Teoria Social. Esse artigo de Giddens, portan-to, insere-nos em uma discussão mais ampla, quejá foi tratada por outros autores, embora não ne-cessariamente a respeito da Teoria Social. Pode-mos citar apresentações gerais do que é o“Positivismo”, além da de Giddens, as deKolakowski (1976) e de Arana (2007), que sãosucintas e bastante informativas. Todas elas, noentanto, apresentam um grave defeito: no esforçode buscar um denominador comum para a ex-pressão “Positivismo”, deixam de lado importan-tes aspectos particulares de cada teoria ou escolae realçam outros aspectos que não possuem in-

trinsecamente a importância atribuída pelosorganizadores. Dessa forma, esse esforço de afir-mar a validade do uso do rótulo “Positivismo”consiste em forçar a entrada de movimentos teó-ricos diversos em uma categoria única; importanisso muito menos as idéias de cada uma das teo-rias reunidas do que o valor operatório do rótulo.

Ao definirmos a expressão “Positivismo”, épossível estabelecermos uma comparação com o“marxismo”: assim como há uma grandepolissemia a respeito do marxismo, sendo neces-sário explicitar a qual marxismo faz-se referên-cia, há também uma grande polissemia com oPositivismo. Entretanto, ao contrário do marxis-mo, em que é possível – na verdade, é necessário– fazer de alguma forma referência a Marx, nocaso do Positivismo as referências necessárias adeterminados autores não são possíveis, ocorrendona prática ou a utilização de um rótulo ou asubsunção de perspectivas metodológicas (em al-guns poucos casos, teóricas) sob uma rubricacomum. Embora nesses casos a referência aAugusto Comte seja corrente, ela não costumaser fácil, simples ou, como veremos, justificada.

Em um esforço para elucidar esses diferentessentidos, Peter Halfpenny escreveu um opúsculochamado Positivism and Sociology(HALFPENNY, 1982), em que identificou 12 sen-tidos para a palavra “Positivismo”. Vejamos quaissão eles.

1. “Positivism1 is a theory of history in whichimprovements in knowledge are both themotor of progress and the source of socialstability (Comte1).

2. Positivism2 is a theory of knowledgeaccording to which the only kind of soundknowledge available to humankind is thatof science grounded in observation (Comte2).

3. Positivism3 is a unity of science thesisaccording to which all sciences can beintegrated into a single natural system(Comte3).

4. Positivism4 is a secular religion of humanitydevoted to the worship of society (Comte4).

5. Positivism5 is a theory of history in whichthe motor of progress that guarantees theemergence of superior forms of society iscompetition between increasinglydifferentiated individuals (Spencer).

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6. Positivism6 is a theory of knowledgeaccording to which the natural science ofsociology consists of the collection andstatistical analysis of quantitative data aboutsociety (Durkheim).

7. Positivism7 is a theory of meaning,combining phenomenalism and logicisticmethod, and captured by the principle ofverifiability, according to which the meaningof a proposition consists in its method ofverification (logical positivism1).

8. Positivism8 is a programme for theunification of sciences both syntactically andsemantically (logical positivism2).

9. Positivism9 is a theory of knowledgeaccording to which science consists of acorpus of interrelated, true, simple, preciseand wide-ranging universal laws that arecentral to explanation and prediction in themanner described in the D-N [deductive-nomological] schema (Hempel).

10. Positivism10 is a theory of knowledgeaccording to which science consists of acorpus of causal laws on the basis of whichphenomena are explained and predicted.

11. Positivism11 is a theory of scientific methodaccording to which science progresses byinducting laws from observational and ex-perimental evidence (Bacon).

12. Positivism12 is a theory of scientific methodaccording to which science progresses byconjecturing hypotheses and attempting torefute them, so that false conjectures areeliminated and corroborated ones retained(Popper)” (idem, p. 114-115; sem grifos nooriginal)12.

A relação acima é bastante esclarecedora; em-bora apresente alguns problemas sérios13,Halfpenny esclarece que há inúmeras formas de“Positivismo” que não se referem (diretamente) aAugusto Comte – no caso, oito em 12, isto é, doisterços. Além dos sentidos 1 a 4, poderíamos tam-bém incluir na rubrica comtiana o nono, relativoàs leis naturais.

Parece claro que a relação acima está longe deesgotar o assunto; além dos sentidos habituais re-lativos à Sociologia e à Filosofia das Ciências, po-demos incluir alguns outros. Nesse sentido, é ne-

12 No original, essa relação consiste de apenas um único elongo parágrafo, que dividimos para facilitar a compreen-são. Tradução livre: “O Positivismo 1 é uma teoria da his-tória em que os desenvolvimentos do conhecimento sãotanto o motor da história quanto a fonte da estabilidadesocial (Comte 1). O Positivismo 2 é uma teoria do conheci-mento de acordo com a qual o único tipo são de conheci-mento disponível para a humanidade é o da ciência baseadana observação (Comte 2). O Positivismo 3 é uma tese daunidade da ciência segunda a qual todas as ciências podemser integradas em um único sistema natural (Comte 3). OPositivismo 4 é uma religião secular da Humanidade devo-tada à veneração da sociedade (Comte 4). O Positivismo 5é uma teoria da história em que o motor do progresso que

garante o surgimento de formas superiores de sociedade é acompetição entre indivíduos crescentemente diferenciados(Spencer). O Positivismo 6 é uma teoria do conhecimentode acordo com a qual a ciência natural da Sociologia consis-te na coleção e na análise estatística de dados quantitativossobre a sociedade (Durkheim). O Positivismo 7 é uma teo-ria do significado, combinando métodos fenomenológicos elógicos e obtida pelo princípio da verificabilidade, de acor-do com o qual o significado de uma proposição consiste emseu método de verificação (Positivismo Lógico 1). OPositivismo 8 é um programa para a unificação das ciênci-as, tanto sintática quanto semanticamente (PositivismoLógico 2). O Positivismo 9 é uma teoria do conhecimentode acordo com a qual a ciência consiste em um corpus deleis universais interrelacionadas, verdadeiras, simples, pre-cisas e de amplo alcance que são centrais para a explicaçãoe para a previsão, à maneira descrita pelo esquema DN[dedutivo-nomológico] (Hempel). O Positivismo 10 é umateoria do conhecimento de acordo com a qual a ciênciaconsiste em um corpus de leis causais, a partir dos quais osfenômenos são explicados e previstos. O Positivismo 11 éuma teoria do método científico de acordo com a qual aciência progride por meio de leis indutivas a partir de pro-vas observacionais e experimentais (Bacon). O Positivismo12 é uma teoria do método científico de acordo com a quala ciência progride conjecturando hipóteses e tentando refutá-las, de modo que as conjecturas falsas são eliminadas e ascorroboradas são retidas (Popper)”.13 Por exemplo: afirmar que a Sociologia de Durkheim éparticularmente quantitativa, o que é verdade em particularpara O suicídio, mas deixando de lado todas as demaisgrandes obras (A divisão do trabalho social, As formaselementares da vida religiosa e mesmo As regras do métodosociológico). No que se refere a Comte, podemos indicar oseguinte: na definição 1, o que garante a estabilidade socialnão é o conhecimento (de uma perspectiva estritamenteintelectual), mas os sentimentos (em particular, osaltruístas); na definição 3, a escala enciclopédica é concluídapela Sociologia e pela Moral e são elas que devem orientaresse conjunto; na definição 4, o objeto de culto da Religiãoda Humanidade não é a “sociedade”, mas uma abstraçãorelativa ao conjunto dos seres humanos altruístas,historicamente constituída.

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cessário distinguirmos duas variedades “discipli-nares” de Positivismo que guardam poucas rela-ções com o que nos interessa aqui; são elas oPositivismo Jurídico e o Histórico. O primeiro,também chamado de “Juspositivismo”, é obra doaustríaco Hans Kelsen, que no início do séculoXX afirmou, grosso modo, que as fontes do Di-reito têm que ser buscadas apenas no próprio Di-reito14, excluindo-se as fontes extrajurídicas,como hábitos e costumes compartilhados, alémde valores disseminados socialmente. Sem nos de-termos em uma extensa crítica a seu respeito, im-porta notar que essa perspectiva, se abre a possi-bilidade de uma Sociologia do Direito a partir daconsideração do Direito como um sistema fecha-do em si mesmo, em seus próprios termos nega apossibilidade de considerar na prática o Direitocomo integrante de um sistema maior (o sistemasocial), que o informe com outros princípios juri-dicamente aplicáveis. Como veremos adiante commaiores detalhes, esse raciocínio não integra opensamento comtiano, pois que este estava preo-cupado fundamentalmente em constituir um sis-tema de valores socialmente compartilhado capazde regular as relações sociais e dirimir os confli-tos sociais; secundariamente, convém notar queAugusto Comte simplesmente não tratou do Di-reito e as suas referências aos juristas eram, demodo geral, negativas, devido ao carátermetafísico deles, que negava precisamente as con-siderações sociológicas15.

O Positivismo na História seria aquela corren-te iniciada com a obra do historiador alemãoLeopold von Ranke, que no século XIX definiuque “os documentos falam por si próprios”, con-sistindo o trabalho do historiador em apresentaros “fatos” indicados pelos documentos. Assim,

além de carecer de interpretações e de hipótesesde fundo, essa historiografia caracterizar-se-ia porser dedicada aos fenômenos políticos, isto é, aosatos dos “grandes líderes” e à vida (política) dasnações, sem dúvida aí incluídas as guerras. OPositivismo comtiano afasta-se dessa modalidadeem primeiro lugar porque a historiografia por elesugerida não consiste, metodologicamente, naacumulação de fatos ou na ausência de hipótesesinterpretativas; em segundo lugar, porque em ter-mos teóricos a historiografia proposta por AugustoComte é de caráter sociológico, vinculada a “gran-des durações”: de fato, desde o início da carreiraComte afirmou que é necessário o pensamentosocial ultrapassar a crônica mais ou menosanedótica da vida política e passar para uma pers-pectiva totalizante da vida social (em que o políti-co não ocupa o nível fundamental) e em que osacontecimentos sociais engendram a si mesmos,continuamente, no método por ele denominado,com precisão, de “filiação histórica” (cf. COMTE,1890, v. III; 1895; 1972). Nesse sentido, não édifícil de perceber nem de sugerir uma continui-dade teórico-metodológica entre Comte e a Esco-la dos Anais16.

Enquanto as duas variedades de Positivismoacima indicadas são disciplinares, uma outra ver-tente é por assim dizer substantiva, isto é, consti-tui uma corrente filosófica, correspondendo aossentidos 7 e 8 de Halfpenny: é o “Positivismo Ló-gico”, também conhecido por “Neopositivismo”,“Empirismo Lógico” e “Círculo de Viena”. De-marcar a diferença dessa corrente com oPositivismo comtiano exige maiores comentári-os.

Antes de mais nada, enquanto a expressão “Cír-culo de Viena” indica a origem dos pensadores agru-pados em torno de um determinado projeto intelec-tual, “Empirismo Lógico” designa com grande pre-cisão o conteúdo desse projeto intelectual; já“Neopositivismo” é uma expressão menos descri-tiva e que apresenta o demérito de ser profunda-mente elusiva para o nosso presente fim. Na ver-dade, mesmo os “neopositivistas” desgostavamdessa expressão, tanto por ser pouco descritiva desuas preocupações intelectuais, como porque asremetia às idéias de Comte – com quem, aliás, não

14 Como o Direito escrito é o chamado “Direito Positivo”,a afirmação de que ele é a única fonte do Direito é o“positivismo jurídico”.15 A confusão entre os positivismos, no presente caso,surge também por um outro motivo: o juspositivismo bate-se contra as várias escolas de Direito Natural, que sãopercebidas como ilegítimas e, segundo a terminologiacomtiana, como metafísicas, isto é, inválidas. Entretanto,Comte não nega o Direito Natural para reduzir o Direito aoque está escrito: ele informaria pesadamente o Direito coma sua Sociologia e também, nos dias atuais, com aAntropologia. Para uma exposição pormenorizada doPositivismo Jurídico, cf. Bobbio (2001).

16 Para uma distinção mais pormenorizada sobre oPositivismo em História, cf. Reis (2004).

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mantinham grandes afinidades (cf. HALLER, 1990,p. 47)17. Além disso, o nome “Empirismo Lógico”esclarece as marcadas distâncias entre Comte e oCírculo de Viena, pelo apego deste grupo às ques-tões puramente empíricas somadas à análise lógicadas expressões lingüísticas utilizadas no dia-a-dia ena ciência. Mais do que isso: o “Empirismo Lógi-co” esclarece a origem do senso comum acadêmi-co que atribui ao “Positivismo” a pesquisa dos “fa-tos puros”: embora descrever dessa forma o proje-to do Círculo de Viena seja redutor (e, até certoponto, injusto), chegando ao ponto de constituir osofisma do espantalho18, o fato é que a exigênciade rigorosamente corresponder a toda afirmaçãoum fato empírico é do Círculo de Viena, não deComte (cf. DUTRA, 2005, seção 2.2).

Há pontos de contato entre a obra de Comte eas idéias do Círculo de Viena, o que atrapalha umpouco a diferenciação: por exemplo, os sentidos3 e 8, ou 2 e 9-12, da relação de Halpenny19. Issopermite que alguns autores – continuemos, paraos presentes fins, com Giddens (cf. GIDDENS,1998, p. 178) – a forçar os argumentos no senti-do de apresentar Comte como neopositivista avantla lettre20 .

Nesse sentido, a definição de “Positivista” cos-tuma ser reduzida a algumas características: 1) arejeição da teologia e da metafísica e 2) a afirma-ção da empiria (o que, em alguns casos ou emalgumas versões, é tomada como a referência aos“fatos puros”); 3) como conseqüência das carac-terísticas anteriores, a afirmação da ciência comoconhecimento verdadeiro da realidade. Essa defi-nição tripla, bastante comum e popular, na verda-de é superficial e redutora; um exame preliminarindica que, com um mínimo de rigor teórico emetodológico, pode-se englobar nela não apenasos assim chamados “positivistas” como todasaquelas linhas teóricas e metodológicas que valo-rizam a ciência, não se incomodam com a teolo-gia, rejeitam puras entidades abstratas e exigem areferência a “fatos” empíricos: em certo sentido,virtualmente todas as teorias sociológicas.

Examinemos as características indicadas aci-ma, começando pela rejeição da teologia e dametafísica. A postura de Comte era de ultrapassarambas essas formas de interpretar a realidade emfavor da científica – ou, sendo mais específico,em favor da interpretação “positiva” da realida-de. Enquanto a teologia e a metafísica são absolu-tas, pesquisando questões inacessíveis ao ser hu-mano (de onde viemos? Para onde vamos? Qual a“essência” da vida e da realidade?), a positividadeé relativa, isto é, percebe que tudo é relativo parae ao ser humano e, portanto, pesquisa apenas asrelações entre seres e fenômenos: a partir daí,substitui a pesquisa das causas primeiras e finaispelas relações percebidas abstratamente entre fe-nômenos, ou seja, pelas leis. Mas ao advogar oconhecimento positivo da realidade, ao afirmar quea teologia e a metafísica são perspectivas irreais(no sentido de que não permitem um conhecimentoda realidade), Comte não deixa de lado a perspec-tiva sociológica, isto é, histórica: para ele, teolo-gia e metafísica foram condições necessárias e,em seu momento, insubstituíveis no desenvolvi-mento do espírito humano; nesse sentido, devemser respeitadas. Por outro lado, o conhecimentoda realidade pode ser analítico ou sintético: pri-meiro analítico, referente a aspectos isolados darealidade, por meio da ciência; em seguida sintéti-

17 A página indicada acima cita uma carta escrita por OttoNeurath – um dos fundadores do Círculo de Viena, tantoem sua versão de 1909 quanto em segunda versão, vinteanos posterior – para Rudolph Carnap em que manifestaseu profundo desagrado com a obra de Comte – e, daí, seurepúdio ao adjetivo “positivista”.18 O sofisma do espantalho consiste em simplificar aoextremo uma perspectiva filosófica ou um argumento –nesse movimento descaracterizando-o – para “refutá-lo”.19 Vejamos novamente: 2) teoria do conhecimento, em queo único tipo são de conhecimento é a ciência baseada naobservação; 3) tese da unidade da ciência, em que todas asciências podem ser integradas em um único sistema natu-ral; 8) programa para a unificação das ciências, tanto sintá-tica quanto semanticamente; 9) teoria do conhecimento deacordo em que a ciência consiste em um corpus de leisuniversais interrelacionadas, segundo o modelo dedutivo-nomológico; 10) teoria do conhecimento, em que a ciênciaconsiste em um corpus de leis causais; 11) teoria do méto-do científico, em que a ciência progride por meio de leisindutivas, com provas observacionais e experimentais; 12)teoria do método científico, em que a ciência progrideconjecturando hipóteses e tentando refutá-las.20 O seguinte comentário de Giddens é esclarecedor, nessesentido: “Considerarei a influência de Comte apenas sobdois aspectos. As formas pelas quais seus escritos porDurkheim e a extensão em que as concepções de Comte

obedeceram intelectualmente ao programa filosófico de-senvolvido pelo positivismo lógico” (GIDDENS, 1998, p.178; sem grifos no original). Uma autora que segue essaspropostas de Giddens é Alcântara (2008).

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co, elaborando uma visão de conjunto dessa mes-ma realidade mas atendendo também a necessida-des psicológicas não apenas intelectuais, masafetivas e por assim dizer psíquicas: essa visão deconjunto, essa síntese, é obra da filosofia21. Des-sa forma, em Comte há claras, embora pouco co-nhecidas, distinções entre, de um lado, ciência epositividade e, por outro lado, ciência e filosofia:a positividade é maior que a ciência, embora ba-seie-se nela; a filosofia não se reduz à ciência e,embora baseie-se nela, tem seu âmbito de pesqui-sas irredutível ao da ciência.

De maneira semelhante, o Círculo de Viena ti-nha em alta conta a ciência e em péssima conta ateologia e a metafísica22. Teologia e metafísica,não se referindo a questões de fato – empíricas,isto é, sujeitas a comprovação sensorial – erampercebidas como afirmações sem sentido. Poroutro lado, sendo a ciência o estudo da realidade,as afirmações científicas tinham que ter uma es-trutura lógica a que se faria correspondência coma realidade23. Considerando as obras de pensado-

res como Platão, Espinoza, Hegel etc., a filosofiaera percebida como sinônima de metafísica; parater algum sentido intrínseco, ela deveria mudar deobjeto e de procedimento e referir-se à análise dasafirmações científicas, o que resultou em análiselingüística e lógica das afirmações – ou, de ma-neira mais precisa: a filosofia foi reduzida à aná-lise lógica e lingüística das proposições científi-cas.

Não é difícil perceber as diferenças entre Comtee o Círculo de Viena no que se refere à teologia eà metafísica – e, por extensão, também à filoso-fia. Não se trata de afirmar que há em Comte uma“reabilitação” delas; o que ocorre é que o pensa-dor francês reconhecia seu inevitável papel histó-rico para o ser humano, de modo que a simples edireta afirmação de que elas são sem sentido nãocabe no sistema comtiano; muitas das obras e dasidéias teológicas e metafísicas conservariam seuvalor no caso de serem “traduzidas” para o espí-rito positivo24. Afirma-se que à negação da teolo-gia e da metafísica corresponde a “morte da filo-sofia”: se deixarmos de lado a estreita definiçãode “filosofia” como sendo “metafísica” (ou tam-bém “teologia”), perceberemos que tanto no casode Comte como no do Círculo de Viena isso éincorreto, embora possamos perfeitamente con-ceder que o papel da filosofia é bastante reduzidoe empobrecido para o Círculo de Viena – mas nãopara Comte, que lhe concede uma grande digni-dade25.

No que se refere à afirmação da empiria, háque se diferenciar as perspectivas de cada qual,

21 A partir de uma perspectiva kantiana, os conceitos de“analítico” e “sintético” esposados pelo Círculo de Vienadiferiam marcadamente dos de Comte: Comte consideraque o sintético é aquilo que apresenta uma visão de conjun-to, ou seja, são as observações concretas e também a elabo-ração filosófica de conjunto; o analítico corresponde àsperspectivas que estudam questões específicas dos fenô-menos (cf. COMTE, 1934); a perspectiva kantiana, poroutro lado, considera que uma afirmação analítica é pura-mente intelectual (as verdades matemáticas, por exemplo),ao passo que as afirmações sintéticas são aquelas originári-as das observações concretas, ou seja, todas as que não sãopuramente originárias da inteligência (cf. SALMON, 1969,p. 131-135).22 Convém notarmos que o uso da expressão “Círculo deViena” é um tanto arriscado: afinal, as perspectivas espo-sadas por seus membros não eram necessariamente con-cordantes entre si (chegando mesmo, em alguns casos, aserem contraditórias) – embora, por questões de propa-ganda intelectual e, daí, de um certo corporativismo, afir-massem alguns que havia uma unidade de pensamento en-tre eles (cf. AYER, 1959; HALLER, 1990, cap. 2; DUTRA,2005, seções 2.2-2.3).23 Dessa preocupação, é importante notarmos, desenvol-veu-se um dos mais profícuos e importantes programas depesquisas filosóficas e epistemológicas do século XX, in-vestigando-se as condições de correspondência entre enun-ciados e fatos, a estrutura de obtenção e de checagem dosfatos, a comprovação ou refutação de teorias científicas eassim por diante.

24 Dois exemplos marcantes disso: em primeiro lugar,Comte recomendava a leitura da obra do místico medievalalemão Tomás de Kempis, A imitação de Cristo, substitu-indo as referências teológicas (“deus”, “Cristo” etc.) porexpressões positivas, isto é, humanas e humanistas. Umesforço nesse sentido foi realizado pelo psiquiatra paulistaPaulo de Tarso Monte Serrat (1983). Em segundo lugar,Comte afirmava que a “plena racionalidade positiva” exigea incorporação da primeira etapa da teologia – o fetichismo– no Positivismo (COMTE, 1890, v. III passim). Essaincorporação equivale ao reconhecimento de méritos lógi-cos, práticos e afetivos do fetichismo – o que chegou areceber o elogio expresso de Lévi-Strauss (2008, cap. VIII).25 Contraste-se a discussão acima com a seguinte afirma-ção de Giddens (1998, p. 183): “Quando Comte e Machfalaram da preservação da filosofia, tratava-se da ‘filosofiapositiva’: aqui filosofia era o esclarecimento lógico da baseda ciência”.

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novamente. Vimos há pouco que, para o Círculode Viena, a correspondência das afirmações lin-güísticas com fatos empíricos era uma exigência;todavia, essa exigência revelou-se com o passardo tempo, com o avançar das discussões internasao grupo, mais como um postulado a ser investi-gado que como uma profissão de fé. No caso deComte, a necessidade da empiria consiste muitomais na exigência da verificação das afirmaçõesteóricas que na postulação de “fatos puros” e nadescoberta da dinâmica da realidade pela simplesinspeção dessa realidade e/ou pelo acumular deinformações isoladas. Nesse sentido, Comte erabastante explícito: sendo a ciência o conjunto deleis abstratas, o acúmulo de informações esparsasé qualquer coisa menos útil; mas, de maneira maisdecisiva, o conhecimento da realidade consistin-do nas representações teóricas verificadas na rea-lidade, só é possível saber o que procurar na rea-lidade a partir de uma teoria prévia26, de tal sorteque o ser humano, para conhecer a realidade, cons-tantemente “oscila” entre a postulação teórica e aobservação empírica. Afirmando que a diferençametodológica entre a teologia e a metafísica, deum lado, e a ciência, de outro lado, é a subordina-ção (e não supressão) da imaginação à observa-ção pela ciência, Comte considerava que a razãonormal é sempre próxima ao bom senso comume eqüidistante de dois vícios intelectuais opostos:o misticismo e o empirismo. O misticismo é atendência a considerar que as teorias bastam porsi sós e que os fatos empíricos são desnecessári-os; já o empirismo – que, para evitar ambigüida-des, poderíamos chamar por meio do anglicismo“empiricismo” – consiste em considerar que amera coleção de fatos é suficiente para conhecera realidade27.

Um outro elemento que, segundos alguns,aproxima Comte e o Círculo de Viena é a idéia deuma ciência unificada. Mais uma vez, a referên-cia ideal para essa aproximação é Giddens (1998,

p. 181-182); mas, novamente, tal aproximação ésuperficial e baseada em uma apreciação ligeira edesinformada dos projetos teóricos específicos.A proposta do Círculo de Viena era efetivamenteunificar as ciências por meio de um linguajar porassim dizer neutro (isto é, axiologicamente neu-tro), capaz de expressar pelos mesmos símbolose pelas mesmas operações lógicas os mais dife-rentes fenômenos. (Não é difícil de entender, comisso, a justiça do nome “Empirismo Lógico” auto-atribuído ao grupo por alguns de seus membros.)Para Comte, a única possibilidade de “unificação”da ciência é por meio de um método geral adota-do pelas diversas ciências particulares – a já refe-rida subordinação da imaginação à observação – epor meio de teorias homogêneas, isto é, que pos-sam comunicar-se entre si, relevando as relaçõesdos vários fenômenos (das diversas ciências) en-tre si: qualquer coisa além disso é, segundo aspalavras de Comte, “abusiva” (COMTE, 1890, v.I passim; v. II passim). Aliás, as intromissõesindevidas de teorias de uma ciência em outra re-cupera um termo usado anteriormente: cada ciên-cia tem sua dignidade própria, devendo preser-var-se tanto do misticismo (explicar um fenôme-no mais grosseiro por um mais nobre) quanto domaterialismo (explicar um fenômeno mais nobrepor um mais grosseiro)28. A síntese filosófica, poroutro lado, consiste na coordenação dos princi-pais resultados de cada ciência necessários paraque o ser humano possua uma visão de mundo(cosmológica e humana) coerente, capaz de con-ferir harmonia mental a cada um e também depermitir que cada um aja em sociedade: em outraspalavras, consiste em um humanismo forte.

Retornemos a Giddens. Para argumentar quehá uma relação entre Comte e o Círculo de Viena,Giddens apresenta Ernst Mach como mediadorentre eles (GIDDENS, 1998, p. 181) e cinco ca-racterísticas comuns aos três: 1) “a reconstrução

26 Essa necessidade, aliás, é o que justifica o fato de ateologia e a metafísica serem o início necessário da marchado espírito humano, pois que fornecem uma teoria atrativao suficiente para manter a atenção humana concentrada emquestões específicas por longos períodos de tempo – aindaque essas teorias revelem-se falsas e seus objetivos, inatin-gíveis.27 Bem notadas as coisas, o jogo entre teoria e empiria éuma das maiores conquistas do movimento epistemológicochamado, ironicamente, de “pós-positivismo”.

28 A palavra “misticismo” é utilizada ainda em uma tercei-ra oposição por Comte: agora entre misticismo e idiotismo,isto é, excesso de subjetividade e excesso de objetividade(ou seja, o “empiricismo” que comentamos há pouco). Semdúvida alguma, Comte estabelece uma identidade profundaentre os três usos da palavra “misticismo” e seus três paresde oposições (materialismo, empiricismo e idiotismo).Convém notar, mais uma vez: esses extremos intelectuais epsicológicos constituem pólos de que a razão normal devemanter-se distante – e a razão normal baseia-se no sensocomum, como um meio-termo entre a teoria e a observação,entre a subjetividade e a objetividade.

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da história como realização do espírito positivo”;2) “a dissolução final da metafísica, intimamenteligada à idéia de superação da própria filosofia”;3) “a existência de um claro e definido limite entreo factual, o ‘observável’, e o imaginário, ou o ‘fic-tício’”; 4) “o ‘relativismo’ do conhecimento cien-tífico”; 5) “o vínculo integral entre ciência e mo-ral e progresso material da humanidade” (idem, p.181-182). Já comentamos, por outras vias, ascaracterísticas 1 a 3; falta tratar das duas últimas.

Ao discutir o relativismo, como nos casos an-teriores, Giddens apresenta corretamente as linhasgerais do pensamento comtiano, apenas paratorcê-lo nos detalhes, em direção àquilo que ele,Giddens, considera incorreto. Já vimos o sentidodo “relativo” comtiano, que está em oposição ao“absoluto”: o ser humano não tem acesso às cau-sas (primeiras e finais) nem a supostas “essênci-as”; a única coisa passível de observação são re-lações entre fenômenos; tais relações são, pordefinição, as leis naturais. De acordo com Giddens,para Mach as “relações” são (ou devem ser)redutíveis a expressões matemáticas; obtidas es-sas expressões, as teorias são descartáveis, porserem inúteis; “apesar de isso diferir da visão deComte, isso não está tão longe dela como podeparecer à primeira vista” (idem, p. 183), pois, “Nopositivismo de Comte, não era possível encontrarum lugar para o sujeito pensante: a psicologia nemmesmo aparecia na hierarquia das ciências e anoção de experiência subjetiva era encarada comouma ficção metafísica” (idem, p. 184). Deixandode lado o reiterado erro de imputar a Comte oprojeto de matematização da sociedade e da análi-se sociológica, atribuir a Comte a negação da sub-jetividade humana é uma afirmação recorrente masnem por isso correta. Comecemos pela lei dostrês estados: ela afirma a capacidade humana deinterpretar a realidade de acordo com diferentesprincípios gerais, historicamente modificáveis;além disso, o conhecimento humano é um contí-nuo e eterno diálogo entre o interior (subjetivo) eo exterior (objetivo). Em termos epistemológicos,isso é um dos temas mais importantes e que, háséculos, oscila entre os objetivistas e os materia-listas, mas que, para Comte, não é possível resol-ver de maneira categórica em que medida a subje-tividade e a objetividade entram no conhecimentohumano. Mas talvez seja a teoria da linguagemaquela parte das idéias comtianas que apresentama refutação mais direta do comentário de Giddens:para Comte, a linguagem são os meios disponí-

veis para o ser humano externar aquilo que estápresente em seu interior (COMTE, 1890, v. II,cap. III); o que é esse “interior”? São sensações,sentimentos e idéias – em outras palavras, exata-mente aquilo a que se dá o nome de “subjetivida-de”, cuja existência, aliás, não é “metafísica”.

Giddens também afirma que tanto Comte des-prezava os “indivíduos” e as capacidades huma-nas que nem chegou a incluir a Psicologia na suaescala enciclopédica, isto é, que a teria concluídona Sociologia. Ora, a escala enciclopédica deComte não parou na Sociologia, mas avançou maisum degrau: como Giddens considera apenas aPhilosophie para seus comentários sobre Comte,ignora a Politique, em cujos volumes II e III Comteafirma não apenas a necessidade de fundar umaciência dedicada ao ser humano individualmentetomado – nos termos de Comte, a “Moral”, o queequivale, nos dias de hoje, à “Psicologia” –, comocria formalmente essa sétima ciência, acima daSociologia. Convém notar que, se Comte não in-cluiu (inicialmente) a “Psicologia” na sua escalaenciclopédica, foi porque a “Psicologia” de suaépoca (e mesmo muito do que há ainda hoje) erapura metafísica, a começar pelo “método” psico-lógico, que consistia na pura introspecção – emque o observador observava a si mesmo enquan-to usava suas outras faculdades mentais, de modoque ao mesmo tempo observava e era observado(cf. COMTE, 1972; LAZINIER, 2002)29. Da mes-ma forma, a última obra de Comte, a Synthèsesubjective, teria quatro volumes, dos quais o se-gundo e o terceiro tratariam de modo específicodo estudo do ser humano individualmente consi-derado: entretanto, Comte morreu após publicaro primeiro desses quatro volumes30.

29 Ainda assim, podemos indicar dois livros brasileirosdedicados à “Psicologia” baseada em Comte: Escobar (1979)e Coelho (1982). Além dessas duas obras teóricas, houvetoda uma escola de Psicologia Clínica baseada em Comte, apartir das pesquisas do médico paulista Aníbal da Silveira.30 Somando o recurso às leis naturais à “ausência” dePsicologia, Giddens conclui que a Sociologia de Comte nãoapenas não é “reflexiva” como faz um apelo à“desresponsabilização” individual e coletiva, isto é, políti-ca. Nessa tese, Giddens foi seguido por Alcântara (2008):em Lacerda (2009b) apresentamos arrazoados demonstran-do o erro de tais teses. Em todo caso, em Comte (1899, p.45-60), afirma-se a necessidade de “consagrar para disci-plinar” as forças sociais quaisquer e, para o que nos inte-ressa, o indivíduo.

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Todavia, é necessário indicar que no capítuloI do volume IV da Politique, Comte distingue demaneira clara os “elementos sociais” (famílias,pátrias, humanidade e grupos intermediários) dos“agentes sociais”. Essa distinção já fora esboçadano capítulo III do volume II, dedicado às famíliascomo elementos sociológicos, mas no volume IVComte é formal na distinção entre uns e outros. Oque caracteriza os “elementos sociais” é o fato deserem homogêneos em relação às sociedades, oumelhor, serem sociedades em escalas diversas: épor esse motivo que as famílias são a unidade so-ciológica e não os indivíduos. Já os “agentes so-ciais” são os responsáveis pela existência objetivadas sociedades e, mais do que isso, pelas açõesconcretas; o que caracteriza esses “agentes” é oexercício das suas “vontades” (“volontés”), que,embora livres em si, são submetidas às diversascondições e fatalidades sociológicas, biológicas ecosmológicas. Da mesma forma que nas teoriassociológicas contemporâneas (em que se incluemas do próprio Giddens), esses “agentes” são osindivíduos, com a particularidade de que, paraComte, a ação desses indivíduos deve conjugar aliberdade individual (a que se associa, necessaria-mente, a responsabilidade) e a convergência, istoé, a busca do benefício coletivo, direto ou indire-to (cf. COMTE, 1890, v. IV, p. 30-40). Sem for-çar o argumento, e ao contrário do que afirmaGiddens, é possível afirmar que em Comte há aomesmo tempo a solução para uma forma dedualidade entre “agência” e "estrutura" e a defini-ção de um indivíduo que, capaz de agir autono-mamente, não se define pelo egoísmo, a partir dosmodernos conceitos metafísicos (e, portanto, emúltima análise, teológicos)31.

A última característica que Giddens atribui aComte é a íntima vinculação entre a ciência, porum lado, e o desenvolvimento moral e material dasociedade. Essa é uma mais ou menos elegante deafirmar que Comte foi um “cientificista” e, acimade tudo, um tecnocrata: quanto mais ciência, me-lhor desenvolvida a sociedade e mais “moraliza-da” ela será; a “moralidade” consistirá em varia-das formas de intelectualismo, a serem racional-mente controladas. Vimos anteriormente como,

do ponto de vista político, Comte rejeitava o quechamamos atualmente de tecnocracia; contudo,importa aqui desfazer o nó que vincula ciência edesenvolvimento da moralidade. Para isso, cum-pre definir o que é a moralidade, ou melhor, a moralpara Comte: é o conjunto de atributos “afetivos”dos seres humanos, voltados para o benefício in-dividual e, acima de tudo, coletivo. De modo maisespecífico, Comte determina dez “instintos” queoriginam as ações humanas, sete egoístas (volta-dos para a satisfação individual) e três altruístas(voltados para a colaboração e a satisfação dosoutros); esses instintos são ordenados de acordocom sua força decrescente e sua dignidade cres-cente: instintos nutritivo, sexual, materno,destrutivo, construtivo, orgulho e vaidade (comoegoístas), apego, veneração e bondade (como al-truístas)32. Para Comte, todo ser humano é umindivíduo e um membro de uma sociedade; cadasociedade, por sua vez, estimula mais alguns ins-tintos e desenvolve menos (ou reprime) outros. Odesenvolvimento moral, nesse quadro, consiste nofortalecimento dos instintos altruístas e na com-pressão (e nunca na extinção) dos instintos ego-ístas – ou, nos termos de Comte, no desenvolvi-mento da ternura (altruísmo) e da pureza (com-pressão do egoísmo).

Do ponto de vista histórico, o relacionamentoentre egoísmo e altruísmo variou. De uma pers-pectiva de longuíssima duração, o desenvolvimen-to material permite que a pressão das necessida-des individuais diminua e, portanto, que o altruís-mo seja desenvolvido. Sem dúvida alguma que aciência, como conhecimento da realidade, tem umpapel central nisso, mas o longo acumular de pro-dutos humanos (materiais, intelectuais, artísticosetc.) é o fator-chave aí, de modo que o desenvol-vimento moral é possível e até se realiza antes dea ciência constituir-se como tal.

De acordo com a filosofia da história deComte, o Ocidente apresenta uma inversão im-

32 Esses dez “instintos” somam-se a cinco funções inte-lectuais e a três da ação prática; esse conjunto de 18 fun-ções cerebrais constitui a “alma”, na teoria comtiana. Note-se que o móvel das ações são os instintos, que visam à suasatisfação; a inteligência (modernamente representada demaneira sintética pela ciência) ocupa um papel apenas ins-trumental aí. Não é difícil de perceber que essa teoria daalma – desenvolvida no longo capítulo III do volume I daPolitique (COMTE, 1890, v. I, cap. III) – é uma teoria daagência humana.

31 A respeito da gênese teológico-metafísica do individua-lismo moderno e de seu caráter egoísta, cf. Laffitte (1897,lições 5-6) e Dumont (1992, cap. 2).

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portante. Após a Grécia ter desenvolvido a inte-ligência (a arte, a filosofia e a ciência), os roma-nos desenvolveram a atividade prática (subordi-nando a inteligência à ação e criando uma vastacivilização pacificada, ao redor do Mediterrâneo),faltava o desenvolvimento da moralidade – o quese realizou na Idade Média, católico-feudal, maispor meio dos hábitos cavalheirescos que por meiodo dogma católico. Independentemente das rela-ções estabelecidas entre egoísmo e altruísmonesse período, é fácil perceber como não houverelação direta entre desenvolvimento científico edesenvolvimento moral no período. Aliás, paraComte – e bem ao contrário do que afirmaGiddens –, o período posterior à Idade Média(chamado por Comte de “modernidade”) con-siste em um desenvolvimento contínuo da inteli-gência em reação à moralidade católica; consi-derando que, para Comte, a moral católica é ego-ísta, até certo ponto faz sentido essa reação, maso combate ao catolicismo tornou-se combategeneralizado à moral como um todo. Além disso,inúmeras teorias científicas afirmam o materia-lismo, que é a subordinação de fenômenos maisnobres aos mais grosseiros: além de negarem asparticularidades do ser humano (em termos so-ciais e morais), há teóricos que afirmam o cará-ter intrinsecamente egoísta do homem, negandoo altruísmo (Hobbes é um bom exemplo, mastambém os “economistas políticos”). Dessa for-ma, não há relação causal entre “desenvolvimen-to da ciência” e “desenvolvimento moral” da hu-manidade, no pensamento comtiano.

Como se vê, portanto, a argumentação deGiddens é frágil e enviesada; baseado em uma lei-tura superficial de apenas uma obra de Comte (aPhilosophie), o conjunto da argumentação deGiddens cria um Augusto Comte cientificista etecnocrático; caso considerasse com seriedade asoutras obras de Comte (em particular, a Politique),seria difícil sustentar tais opiniões: é essa a gran-de virtude dos autores que recuperam Comte, deque trataremos em seguida33.

IV. O RECUPERAR DE COMTE

Em um artigo que visa a tratar de obras recen-tes sobre Augusto Comte, talvez tenha causadoestranheza as longas observações feitas acima.Esse procedimento justifica-se pelo seguinte mo-tivo: enquanto as obras de que trataremos na se-qüência apresentam esse pensamento social (emtodo ou em partes), sem considerar as críticasanteriores – mas sabendo que elas existem –, ascríticas correntes teriam que ser, em algum mo-mento, enfrentadas. Além disso, o valor da “recu-peração” aumenta quando se tem em mente a en-vergadura da “perda”.

Compreender o pensamento de Augusto Comteem si mesmo e em sua inteireza (ainda que semtratar de todo ele), deixando de lado o rótulo fácilde “positivista”, conforme o senso comum aca-dêmico contemporâneo estabelece, e perceber oselementos que o fundador do Positivismo apre-senta para as questões atuais – em outras pala-vras, não incorrer nos diversos problemas teóri-cos e metodológicos discutidos até aqui: esses sãoos elementos que unem os livros de Juliette Grange(1996), Sérgio Tiski (2007) e Laurent Fédi (2008).A procedência nacional dessas pesquisas é signi-ficativa: a maior parte delas é francesa (Grange eFédi), enquanto poucos são brasileiros (Tiski);embora não tratemos de nenhum anglófono aqui,o fato é que autores de língua inglesa ocupam umaposição intermediária34. Evidentemente, esses trêslivros não esgotam a fortuna crítica relativa aComte; da segunda metade do século XX para cápoderíamos também indicar diversos pesquisado-res que consideraram o “Positivismo” sem a ca-mada crítica apontada antes: Kremer-Marietti(1980), Aron (1999), Arnaud (1969), Bastide(1990), Lacroix (2003) e, no Brasil, Soares (1999),Ribeiro Jr. (2006) e Trindade (2007). O que dis-tingue dos demais os três livros que nos interes-sam aqui, além das datas de publicação mais re-centes, é a consciência das críticas com que lida-mos há pouco; é tendo essas críticas como panode fundo que os autores de que nos ocuparemos

33 Embora já tenhamos indicado, na primeira seção desteartigo, que Giddens não é o único autor a criticar de maneirasistemática Augusto Comte, convém realçar aqui tal fato;as críticas elaboradas pela Escola de Frankfurt, em particu-lar as surgidas durante e após a “polêmica do Positivismona Sociologia alemã”, exigem uma análise toda própria.

34 Podemos incluir no rol anglófono o pequeno mas inte-ressante livro de Mike Gane (2006), que historia as váriasformulações da “lei dos três estados”, e as muitas pesqui-sas de Mary Pickering, responsável por uma alentada bio-grafia intelectual de Comte, cujo volume segundo está pres-tes a ser lançada pela editora de Cambridge, embora o volu-me primeiro seja de 1993.

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escrevem; nesse sentido, é comum, e infelizmen-te cansativo, ler afirmações no sentido de quecumpre recuperar o pensamento de Comte, emprimeiro lugar lendo a obra no original e, em se-gundo lugar, em seus próprios termos (cf.GRANGE, 1996, p. 9-11; FÉDI, 2008, Prefácio).

O mais ambicioso é o de Juliette Grange, queconsiste em uma apresentação sistemática da obrade Comte. Com quase 450 páginas em letra pe-quena, a autora retraça os argumentos comtianosde acordo com a seqüência em que foram elabo-rados, isto é, começando pela discussão teórico-metodológica sobre as ciências, com o fito deapresentar a Sociologia; em seguida, tira as con-seqüências políticas e as aplicações práticas dasperspectivas teóricas, ao mesmo tempo que ilu-mina como essas preocupações concretas influ-enciaram as teorizações; no final do livro, estabe-lece a relação dessas idéias preliminares com a dereligião. Com uma grande quantidade de citaçõesdiretas e dialogando com questões atuais (ecolo-gia, empirismo, pacificismo, “império”,mundialização, economicismo, holismo etc.), olivro permite uma compreensão ao mesmo tempoaprofundada de Comte e indicativa de sua atuali-dade. Esses elementos permitem que o livro sejauma excelente introdução a Comte, em particularporque o todo de sua obra é analisado (superandoa afirmação da própria autora, de que “ninguém lêo conjunto das obras” (GRANGE, 1996, p. 9)).

A organização didática do livro, de acordo comum princípio mais ou menos cronológico, não im-pede a autora de (r)estabelecer a todo instante asinterconexões entre problemas epistemológicos,científicos, sociológicos, políticos, psicológicose artísticos que Augusto Comte estabelecia ao es-crever. Isso, sem dúvida, acarreta uma pequenadificuldade: o raciocínio é pleno de vaivéns, emque, à medida que se avança na exposição, a quan-tidade de pressupostos teóricos e metodológicosaumenta, exigindo tanto do autor quanto do leitorgrande concentração e necessidade de abstração(ainda que essa dificuldade seja atenuada pela re-petição dos elementos importantes quando as dis-cussões exigem-no).

O estilo da autora merece algumas observações.Em forma literária, a exposição apresenta a todoinstante perguntas-chave, por vezes retóricas, porvezes realmente importantes: “Que é uma obra re-presentativa?”, “O Positivismo é um fisicalismo?”,“A filosofia de uma ciência ultrapassada?”, “Filó-

sofo do século XXI?”. É claro que essa forma deexpor facilita a compreensão, quando menos por-que formula com clareza as questões que orientamos raciocínios. Além disso, a inspiração propria-mente literária tende à exposição por meio de con-tradições, o que dificulta um tanto a leitura e a evo-lução das idéias. Poder-se-ia argumentar que se tratade um artifício utilizado para, além de expressarum estilo de redação, também permitir a adoção devárias perspectivas e a constatação de pontos fra-cos ou falhos na matéria exposta.

O livro de Grange procura expor o pensamen-to profundo de Comte – “oculto”, segundo suaspalavras (idem, p. 10-11) – deixando de lado osenso comum e a referência a aspectos propria-mente datados. Assim, por exemplo, ela comenta:“Trata-se bem, todavia, de reler um texto [...] forados destinos ulteriores que múltiplas posteridadesinstitucionais ou ideológicas forjaram [...]. A his-tória da palavra positivismo o destino singular dessaobra, pouco comentada em si, que forneceu di-versos neologismos para a linguagem comum –neologismos cuja acepção usual contradizfreqüentemente o sentido proposto por Comte. Épor essa razão que será de fato preferível evitar ouso da palavra ‘positivismo’, o grande peso deseu uso trivial levando-nos a preferir a de‘comtismo’ [...]” (idem, p. 29-30).

Da mesma forma, na seção intitulada “OPositivismo é um fisicalismo?” (idem, p. 77-81), aautora faz referência direta às costumeiras aproxi-mações da obra de Comte com a dos vários mem-bros do Círculo de Viena (em particular com asdoutrinas de Rudolph Carnap, autor da expressão“fisicalismo”) para, após uma densa discussãoepistemológica, concluir que “O positivismo não énem um realismo, nem um fisicalismo: é umhistoricismo” (idem, p. 81): nesse historicismo, oumelhor, nessa epistemologia historicista, o ser hu-mano vive em uma realidade que o cerca e que oconstrange, mas que é também modificável por essemesmo ser humano, a partir do conhecimento abs-trato, parcial e relativo das regularidades; esse co-nhecimento muda de acordo com a sociedade e,em particular, de acordo com a acumulação histó-rica, em que as elaborações teóricas (isto é, cientí-ficas) são feitas a partir de uma conjugação entrenecessidades sociais, a realidade concreta e, claro,a subjetividade de cada pesquisador. Na seqüência,aliás, a autora discute precisamente a historicidadedo conhecimento (aí incluído o científico, mas to-

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mado em sentido geral), para indicar que, paraComte, essa historicidade refere-se, mais que a umcaráter temporário (como em certo sentido insis-tiu, por exemplo, Weber, em A ciência como voca-ção (WEBER, 1977)), às vinculações que o co-nhecimento tem com as sociedades que o produz,assim como à necessidade de acumular observa-ções, teorias e perspectivas35.

Mas o mais interessante no livro de Grange éque a discussão epistemológica não se confina emsi mesma, mas é apresentada – de acordo com oespírito da obra comtiana – como condição inte-lectual para considerações sociológicas e políti-cas mais amplas: o que chamamos hoje de“Epistemologia” e de “Filosofia das Ciências (So-ciais)” integra um exame mais geral da realidadehumana, com vistas à intervenção nessa mesmarealidade. Assim, não apenas esse gênero de dis-cussão ocupa apenas entre um quarto e um terçodo livro, como ele subordina-se sempre às consi-derações sociais. Talvez afirmar a “subordinaçãoàs considerações sociais” pareça óbvio para umcientista social, mas é necessário ter em mente osenso comum a respeito de Comte ou do“Positivismo”, em que ambos são percebidos ape-nas em termos epistemológicos e estritamente“cientifistas”.

Dessa forma, a autora tem em mente as idéiasprofundas da Sociologia e da política comtianas,mostrando o sentido da “lei dos três estados” comosendo, mais que propor a “morte de deus”, a afir-mação de uma sociedade plenamente humana ecaracterizada pelo conhecimento científico eimanente da realidade, além de pacífica e globalizada(idem, p. 8-41, 421-423 et passim)36. A partir des-sa perspectiva, outros aspectos são comentados,alguns deles com bastante insistência: a incorpora-ção do fetichismo no Positivismo, que a autora de-nomina de “neofetichismo” (idem, p. 129-136, 357-

370), as relações entre indivíduo e sociedade (idem,p. 267-276), a regulação prática (isto é, política)da sociedade (idem, parte II, cap. V-VI). A conclu-são geral da autora é que, embora vários aspectosepistemológicos, científicos, sociológicos e políti-cos de Comte sejam inevitavelmente datados eembora seu estilo dificulte, sem dúvida, a compre-ensão, o seu pensamento, isto é, a inspiração pro-funda e as questões que ele formulou são atuais,são as nossas (idem, p. 19-21, 421-423 et passim).

O livro de Fédi (2008) é, assim como o deGrange, uma apresentação didática do pensamen-to de Comte e igualmente realiza uma exposiçãodas idéias comtianas preocupando-se em indicarsua “atualidade”. Com pouco menos de 200 pági-nas, a edição original é do ano 2000 e segue umroteiro até certo ponto tradicional: ciências e filo-sofia das ciências; sociedade e Sociologia; reli-gião e política. Sua brevidade não diminui a quali-dade da apresentação, pois, embora o autor cite ooriginal, está mais preocupado em compreender eexpor a lógica subjacente do pensamento comtiano(em particular daquela mais madura, isto é, doSystème de politique positive e da Synthèsesubjective) que em apresentar passo a passo aconstituição desse pensamento. Isso confere gran-de agilidade à narrativa, que pode ser feita comfacilidade em um ou dois dias de leitura contínua.

Fédi discute com clareza várias das questõesque comentamos nas seções anteriores; ao mes-mo tempo em que reconstitui as característicasda obra comtiana, articula-as com questões maiscontemporâneas: a importância da afetividade eda subjetividade para o ser humano em geral epara a prática científica em particular (aí incluídaa incorporação do fetichismo na positividade)(idem, p. 35-87, 145-151); o relativismo especí-fico ao espírito positivo (idem, p. 74-78); adeontologia pacifista da sociedade moderna (idem,p. 137-144); a inclusão social (idem, p. 100-104);a separação entre Igreja e Estado e, por extensão,a crítica ao que chamaríamos hoje de “totalitaris-mo” e de “tecnocracia” (idem, p. 172-175).

Francamente simpáticos a Comte, tanto Grangequanto Fédi preocupam-se mais em resgatar umpensamento que consideram instigante que em fa-zer-lhe a crítica. É interessante notar que uma qua-lidade de ambos os livros é que esse resgate, essa“apresentação geral” do pensamento comtiano nãoé feita às custas da fluência do texto; em outraspalavras, não se tratam de apresentações por assim

35 Nesse sentido, Comte abarca as idéias de Thomas Kuhn,sem cair nos problemas criados pelo conceito de“paradigma” (em particular, a incomensurabilidade mútuados paradigmas).36 Considerando dessa perspectiva o empreendimentocientífico, a criação da sétima ciência por Comte – a “Mo-ral” – que, como outros elementos do seu pensamento, étão facilmente desdenhável – assume um aspecto bastanteatual, na forma da regulação social e ética das pesquisascientífica

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dizer burocráticas, mas de exposições vivas, que,por sua própria forma, tornam mais fácil a respos-ta à necessária pergunta a respeito da “atualidade”do pensamento de Comte. Grange considera que oprojeto religioso de Comte, em si, é impossível;mas, por outro lado, as críticas que Comte fez aoindividualismo, ao racionalismo, ao desregramentocientífico, ao absolutismo filosófico, assim comoa defesa da liberdade de pensamento e de expres-são, da separação entre Igreja e Estado e do prima-do do “social” em relação ao “econômico” são ele-mentos permanentes (GRANGE, 1996, p. 421-422); mais do que isso, logo no início do livro elaafirma que “[...] em grande medida, vivemos emum mundo quase inteiramente previsto por Comte”(idem, p. 19). Fédi, da sua parte, considera que aobra de Comte deve ser lida “[...] não na esperançairrisória de reabilitar Comte ou de impordogmaticamente suas soluções, mas simplesmentetendo em vista levar suas reflexões à discussão,com a convicção de que o interesse dessa filosofiapode se renovar à medida que surjam novos pro-blemas” (FÉDI, 2008, p. 168)37.

Por fim, o livro do brasileiro Sérgio Tiski (2006)é mais específico, tratando de uma questão cen-tral em Comte: a religião. Esse tema é importanteseja a partir do enunciado comtiano da “lei dostrês estados” (segundo a qual as concepções hu-manas passam por três fases sucessivas – teoló-gica, metafísica e positiva), seja porque a fase fi-nal de Comte caracterizou-se pela fundação da“Religião da Humanidade”, seja porque são váriasas referências à contradição entre a lei dos trêsestados e a Religião da Humanidade.

O procedimento que Tiski adotou foi adequa-do para sua proposta: verificar de que maneira, aolongo de sua carreira, Comte considerou o con-ceito de (e, portanto, a palavra) “religião”, bemcomo os conceitos associados de “teologia” e“deus”. Examinando do ponto de vista cronológi-co a obra comtiana, Tiski dividiu-a em quatro fa-ses, que passam de uma adesão à fé católica (1798-1812) à emancipação com respeito à teologia(1817-1848) até a criação da Religião da Humani-dade (1848-1857), de caráter humano; entre o

catolicismo e a emancipação, Tiski identifica umafase intermediária, de oscilação entre a emancipa-ção humanista com o uso de expressões teológi-cas (1812-1817). Ao investigar tanto os livrosquanto a extensa correspondência de AugustoComte (em oito volumes), o autor identificou cadauma das vezes em que o francês usou as expres-sões indicadas acima, determinando o sentido ado-tado; da mesma forma, há grande quantidade decitações diretas de Comte, o que enriquece sobre-maneira o texto.

A idéia de religião em Comte, de fato, é cen-tral. Como demonstra Tiski, enquanto em um pri-meiro momento Comte identificava religião e teo-logia, isto é, considerava que a religião é a crençano sobrenatural, em vontades externas ao ser hu-mano que comandariam arbitrária e absolutamen-te a realidade (e a que se oporia a ciência, de cará-ter relativo), em sua fase mais madura Comte per-cebia na religião uma forma de unidade humana.Essa unidade seria ao mesmo tempo “moral” (decaráter individual, em que ocorreria a harmoniaafetiva, intelectual e prática) e coletiva (em que osindivíduos e os grupos sociais relacionar-se-iamde maneira construtiva e pacífica) e de que a teo-logia teria sido apenas uma forma de realização,temporária e transitória entre o fetichismo (está-gio inicial do ser humano) e o positivismo (está-gio final). Assim, a religião são é a prática e ainstituição sociais que denotam a totalidade daexistência humana, no pensamento comtiano.

As várias acepções que a “religião” teve nopensamento de Comte são um bom índice dasmudanças por que esse pensamento atravessou.Sem esposarmos a tese da ruptura entre essas fases– em particular entre a Philosophie e a Politique–, é possível identificar uma inflexão de um certo“cientificismo” – que, talvez, seja melhor qualifi-cado de “intelectualismo” – para um subjetivismoafetivo baseado no conhecimento científico.

Ao realizar tal investigação, Sérgio Tiski éexaustivo e minucioso. Embora isso torne a leitu-ra um tanto cansativa, o resultado é satisfatório,pois tornam-se claros vários elementos: a conti-nuidade na carreira de Comte; as relações teóri-cas, epistemológicas e políticas da “religião”, dateologia e da “positividade”; a possibilidade de uma religião humana e humanista.

Há alguns aspectos problemáticos, todavia, nolivro de Tiski; esses problemas não comprome-tem a investigação realizada, mas produzem re-

37 Convém notar que Fédi tem participado, juntamentecom Catherine Kintzler e outros, dos vivos debates recen-tes sobre a laicidade na França, citando Comte como umadas suas referências. Cf. Fédi (2007) e Kintzler (2008).

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sultados estranhos na argumentação do autor e,no final das contas, na própria compreensão dopensamento comtiano. Por um lado, há aspectosestilísticos do texto no mínimo desconcertantes,que geram uma dubiedade na interpretação quedificulta a compreensão e a apreensão dos argu-mentos pelos leitores. Essa dubiedade é caracteri-zada pelo uso recorrente de expressões com osímbolo gráfico da barra (“/”) e indicam que oautor não se decidiu a respeito de qual a interpre-tação que adotaria. Exemplos aleatórios e nãoexaustivos: “Os três últimos volumes (lições 46 a60) são dedicados à Sociologia/moral/política”(idem, p 160); “[...] supondo a transitividade/sinonímia entre os dois termos” (idem, p. 194);“E, referindo-se à unidade, harmonia conseguidaa partir de sua experiência de amor por Clotilde deVaux, unidade/harmonia que se tornaram ‘[...] umadas bases [...]’” (idem, p. 226); “[...] ao mesmotempo a justificação/legitimação da legitimação dahumanidade” (idem, p. 246); “[...] são explicitadasas duas funções/finalidades/destinações da religião[...]” (idem, p. 252).

Um segundo problema na interpretação deTiski refere-se à forma como apreende – e, por-tanto, expõe – o conceito de “religião” em Comte,ou seja, refere-se ao próprio objeto de sua inves-tigação; nesse sentido, é um problema mais cen-tral. O conjunto da pesquisa de Tiski é satisfatóriono sentido de indicar que Augusto Comte modifi-cou suas concepções a respeito da “religião”, emparticular entre as fases da Philosophie e daPolitique, que correspondem às terceira e quartafases identificadas pelo autor38. Enquanto na pri-meira dessas duas Comte adotava como sinôni-mo de “religião” a teologia, na segunda fase pas-sou a distinguir uma coisa da outra, considerandoque a religião é um estado de unidade e harmoniamoral e social, do indivíduo e dos grupos huma-nos e de que a teologia é apenas uma das modali-dades possíveis (e histórica e logicamente transi-tória). Assim, na fase final de Comte, há a afirma-ção da religião, mas agora humana e humanista:daí o nome de “Religião da Humanidade”.

Ora, mesmo considerando que o conceito de“religião” para Comte modificou-se ao longo do

tempo e que em sua obra mais madura ele pos-suía uma definição bastante particular e distantedo senso comum, é precisamente esse sentido dosenso comum (que toma como equivalente de re-ligião a teologia) que norteia a avaliação de Tiski.Basta notar os segintes comentários da investiga-ção: na “Introdução”, o autor afirma de maneirasimples, direta e reveladora que “Utilizamos o ter-mo religião no seu significado mais comum, con-forme aparece nos três trechos a seguir”; em se-guida cita três dicionários vernaculares e resume:“Como se pode notar, a pressuposição básica nanoção comum de religião é a existência da divin-dade, e a necessidade e a possibilidade de relacio-namento com ela, que explica e decide a sorte dohomem. [...] Uma grande porção da humanidadecontinua, de um modo ou de outro, sendo religio-sa nesse sentido tradicional, isto é, acreditandoem divindade sobrenatural e sendo, portanto,sobrenaturalista. O sobrenaturalismo é comum eestamos acostumados a ele” (idem, p. 1-2). Em-bora reconheça logo em seguida (idem, p. 3-5) aconfusão que se produz na compreensão deComte o uso desse sentido de senso comum arespeito da “religião” – e, como vimos, consistin-do exatamente na explicação desses sentidos es-pecíficos o objeto de sua pesquisa –, em outrostrechos o autor reafirma o senso comum. Veja-mos uma passagem decisiva, nesse sentido: “Éóbvio que com o ‘theos’ humanidade e com a re-ligião da humanidade A. Comte retorna a um teísmoe a uma teologia, além de retornar a uma religião.Do mesmo modo, com a sua ‘filosofia primei-ra’39 esboçada, prometida mas não escrita, eleretorna a uma metafísica. [...] A sua ‘metafísica’,o seu ‘teísmo’ e a sua ‘teologia’ são muito dife-rentes do tradicional, sobretudo pela restrição aohumano, ao natural e ao científico; nesse sentido,o não assumir e o não utilizar tais termos evitoutoda a confusão [...]. [...] A sua ‘filosofia pri-meira’ é uma ‘metafísica’, uma espécie demetafísica; o seu humanismo é um ‘teísmo’; e asua ‘teoria da humanidade’ uma ‘teologia’” (idem,p. 241; sem grifos no original). Por fim, no últi-mo parágrafo do livro: “Teísmo, só que humano:humanismo” (idem, p. 336).

38 As duas primeiras correspondem às da infância e daadolescência, o que, embora biograficamente sejam mais oumenos relevantes, não têm de fato nenhuma importânciapara a obra filosófica da maturidade.

39 Seguindo uma sugestão de Francis Bacon, a “filosofiaprimeira” de Comte consiste no conjunto de pressupostose procedimentos teóricos e epistemológicos do Positivismo(cf. COMTE, 1934, p. 479; cf. também LAFFITTE, 1894;1928).

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A insistência de Tiski em adotar o senso senti-do comum para a exposição das idéias de Comtegera confusão e dificulta o entendimento do queele mesmo, Tiski, pesquisa e expõe. Em um mo-mento, afirma que não se pode compreenderComte a partir do senso comum; em seguida, re-toma o mesmo sentido comum para expor as idéi-as de Comte. Essa hesitação teórica não deixa deser uma variação, mais profunda, do problemaanteriormente indicado, isto é, do uso do sinalgráfico da barra em sua exposição. Por outro lado,não se trata apenas de uma questão terminológica,isto é, de palavras sendo trocadas, mas de con-ceitos sendo misturados: como vimos anterior-mente, e como o próprio Tiski esclarece, a teolo-gia (assim como a metafísica) pressupõe o abso-lutismo filosófico e a pesquisa das causas, en-quanto a positividade requer o relativismo e a buscadas regularidades, cada qual com profundas im-plicações sociais (guerra versus pacifismo, con-fusão entre Igreja e Estado versus separação entreIgreja e Estado, escravidão versus trabalho livreetc.).

Esse problema – a hesitação teórica – de fatodificulta a compreensão; por outro lado, emboraexija do leitor um esforço redobrado para com-preender uma argumentação que, por si só, é den-sa, o conjunto da pesquisa não é comprometido:abstraindo-se dessas dificuldades, o resultado ésatisfatório.

IV. COMENTÁRIOS FINAIS

Em outra ocasião (LACERDA, 2008a) afirma-mos que cumpre recuperar Augusto Comte comoum clássico sociológico, de acordo com a defini-ção de Jeffrey Alexander (1996), isto é, como umautor capaz de fornecer quadros mentais, descri-ções sociológicas, juízos de valor e modelos deprocedimentos que inspirem e orientem, de ma-neira viva e efetiva, gerações de pesquisadores epensadores. É corrente afirmar que AugustoComte é um “clássico” da Sociologia (e, de ma-neira mais ampla, das Ciências Sociais e Huma-nas), mas tal classificação serve mais para incluí-lo em um escaninho estereotipado que paraservirmo-nos efetivamente dele.

Parafraseando o líder revolucionário francêsGeorges Danton, Comte afirmava que “só se des-trói o que se substitui” (COMTE, 1899, p. 191):não deixou de ser esse o percurso deste artigo. Afim de indicar as contribuições recentes de pes-quisadores que apresentam um Comte “clássico”(no sentido de Alexander), foi necessário antescomentar vários mitos e interpretações erradas aseu respeito. Como indicamos anteriormente, aescolha de Giddens como autor preferencial paraa crítica deve-se ao duplo motivo de ser ele o au-tor da narrativa-padrão atual da história da Socio-logia – narrativa que, a respeito de Comte, apre-senta sérias deformações que, longe de serem ino-centes, produzem um resultado teórico e práticofunesto. Mas, sem dúvida, outras tantas observa-ções poderiam ser feitas a propósito de outroscríticos e comentadores, de que a Escola de Frank-furt e mesmo alguns marxistas são bons exem-plos. Não se trata de integrar o debate teórico emetodológico próprio às disciplinas científicas,mas, antes, de evitar um senso comum acadêmi-co mais preocupado com a repetição mecânica deestereótipos que com a reflexão séria do pensa-mento de autores – mesmo, e talvez principalmen-te, daqueles de quem se discorda.

É claro que muitas das críticas direcionadas aComte são substantivas e, mesmo sem necessaria-mente concordar com elas, referem-se a diferen-ças reais entre as várias correntes de pensamentosocial e político; mas não deixa de ser irônico ofato de que, como se pode constatar com os livrosde Grange, Fédi e Tiski, muitas das críticas feitasao pensamento que se atribui a Comte são, na ver-dade, compartilhadas pelo mesmo que é criticado.

Dessa forma, o escrutínio dessa discussão éaltamente instrutivo; poder-se-ia, quem sabe, fa-lar-se em uma “Sociologia das Ciências Sociais”com um “estudo de caso: Comte e seu(s) legado(s)”.Trata-se não apenas de recuperar um pensamentorico, amplo e sugestivo – literalmente fundamental–, mas também de evitar automatismos mentais,em que a criatividade e a criticidade recuperam oespaço perdido para a rotulação estereotipada dascorrentes de pensamento.

Gustavo Biscaia de Lacerda ([email protected]) é Doutorando em Sociologia Política pela Universida-de Federal de Santa Catarina (UFSC), Sociólogo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), bolsista doConselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Editor-Executivo da Revistade Sociologia e Política.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 34: 347-354 OUT. 2009ABSTRACTS

AUGUSTE COMTE AND “POSITIVISM” REDISCOVERED

Gustavo Biscaia de Lacerda

In this essay we look at some research that has, within the last ten years, revisited the work ofPositivism’s founder, Augusto Comte. This return to his work has consisted of perceiving his work inits entirety and through its own internal logic, placing particular emphasis on his second great work,Système de politique positive (1851-1854), and its contributions for contemporary political andsocial thought. In order to make the novelty of this new research clearer, we present one of thestandard narratives on Comte and Positivism – in this case, through the work of Anthony Giddens –; we also go on to discuss the meaning of the term “Positivism” and the various theoretical currentsthat come together under this rubric.

Keywords: Positivism; theoretical interpretation; Augusto Comte; Anthony Giddens; Vienna Circle.

Page 28: Redalyc.AUGUSTO COMTE E O "POSITIVISMO" REDESCOBERTOS

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 34: 357-365 OUT. 2009RÉSUMÉS

AUGUSTE COMTE ET LE “POSITIVISME” RÉDÉCOUVERTS

Gustavo Biscaia de Lacerda

Dans cet essai nous abordons les recherches qui au cours des dix dernières années environ se sontpenchées sur l’oeuvre du fondateur du Positivisme, Auguste Comte. Ce retour consiste à comprendreles travaux de Comte dans leur ampleur et à partir de leur logique interne, surtout en ce qui concerneson second ouvrage, le Système de politique positive (1851-1854), et ses contributions pour uneréflexion sociale et politique contemporaine. Afin de rendre intelligible la réflexion des nouvellesrecherches, nous présentons un des récits-standards concernant Comte et le Positivisme – enl’ocurrence, à partir des écrits d’Anthony Giddens – ; en outre, nous discutons du sens du mot« Positivisme » et des plusieurs courants théoriques sousjacents à cette expression.

MOTS-CLÉS : positivismes ; interprétation théorique ; Auguste Comte ; Anthony Giddens ; Cerclede Vienne.