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Revista Brasileira de Ciências Sociais ISSN: 0102-6909 [email protected] Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais Brasil Melo, Marcus André O viés majoritário na política comparada: responsabilização, desenho institucional e qualidade democrática Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 22, núm. 63, fevereiro, 2007, pp. 11-29 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais São Paulo, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=10706303 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Revista Brasileira de Ciências Sociais

ISSN: 0102-6909

[email protected]

Associação Nacional de Pós-Graduação e

Pesquisa em Ciências Sociais

Brasil

Melo, Marcus André

O viés majoritário na política comparada: responsabilização, desenho institucional e qualidade

democrática

Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 22, núm. 63, fevereiro, 2007, pp. 11-29

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais

São Paulo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=10706303

Como citar este artigo

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Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal

Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

Quanto maior o número de jogadores com poderde veto em um sistema político, mais difícil seráreduzir a pobreza e a desigualdade por meio de

um sistema amplo de bem-estar social.STEPAN (2004)

Introdução

A questão da qualidade da democracia res-surgiu com grande interesse na literatura de ciênciapolítica contemporânea (Diamond e Morlino 2005;O’ Donnell, Cullell e Iazetta, 2004). O debate se

rejuvenesceu a partir do avanço considerável ocor-rido na pesquisa empírica sobre o desenho institu-cional e seus impactos sobre dimensões relevantesdas democracias contemporâneas. Dentre estas,destaca-se a capacidade de responsabilização(accountability) de governantes pelos eleitores ou,de forma mais ampla, o potencial de responsabili-zação existente em distintos arranjos institucionais.1

O conhecimento sobre os efeitos de arranjos insti-tucionais distintos sobre a capacidade dos cidadãosde punir ou premiar ampliou-se consideravelmentea partir de contribuições informadas por modelosprincipal-agente (principal-agent) e de pontos deveto (veto players ou veto points analysis). Não obs-tante a capacidade preditiva desses modelos serpersuasiva, o mesmo não pode ser afirmado sobreo juízo normativo que muitos analistas fazem combase nos achados das pesquisas empíricas. Rarascontribuições efetivamente problematizam as impli-cações normativas dos achados da pesquisa empí-rica, e aparentemente muito poucas contribuições

O VIÉS MAJORITÁRIO NAPOLÍTICA COMPARADAResponsabilização,desenho institucional equalidade democrática*

Marcus André Melo

* Tradução do original em inglês por DenílsonBandeira.

Artigo recebido em dezembro/2005 Aprovado em maio/2006

RBCS Vol. 22 nº. 63 fevereiro/2007

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centrais da literatura comparada consideram ospressupostos normativos da pesquisa empírica.Neste artigo, discuto essa literatura, assinalando seuviés majoritário.2 Esse viés manifesta-se de duas for-mas principais. Em primeiro lugar, pela redução dadiscussão da qualidade da democracia à questão daresponsabilização (accountability) – conceito queestá enraizado profundamente no ideal normativomajoritário. Em segundo, pela assunção cada vezmais freqüente na área de política comparada deque a concentração de autoridade política é pre-condição para o exercício da responsabilização.

Contra Madison?

As tendências que identifico no debate con-temporâneo fariam estremecer Madison – o teóricopolítico mais instigante no tratamento das questõesde desenho institucional. Suas receitas de reformainstitucional – ou mais acertadamente de terapiaconstitucional – assentam-se no reconhecimento deque o poder político deve ser fragmentado devidoao potencial de tirania associado à ambição huma-na. Como afirmou enfaticamente “se os homensfossem anjos, não seria necessário haver governos.Se os homens fossem governados por anjos, dis-pensar-se-iam os controles internos e externos”(Madison, 1982 [1788], The Federalist 51, p. 337).Será que os achados empíricos da pesquisa com-parada em ciência política – parte da qual afirmaque a dispersão de poder produz ineficiência polí-tica e efeitos redistributivos perversos – devem noslevar a reconsiderar todo o edifício conceitual doideal madisoniano de checks and balances?

A capacidade ou o potencial de responsabili-zação de um arranjo político-institucional conver-teu-se em parâmetro cada vez mais privilegiado nodebate sobre o desenho constitucional. Esse fenô-meno traduz um processo mais amplo pelo qual a responsabilização adquiriu grande centralidadenão só no léxico das ciências sociais, mas tambémna mídia. É significativo que, no final de 2004, nosite de buscas Google, o número de referências àresponsabilização (accountability) tenha alcança-do a notável marca de 115 milhões de registros.Responsabilização efetivamente tornou-se a di-mensão privilegiada no debate sobre a boa gover-nança. Novos construtos informados por esse con-

ceito foram propostos para a análise de domíniosdistintos das sociedades democráticas –Estado,mercado e sociedade civil (Goodin, 2003). Outrosvalores normativos – como, por exemplo, a con-gruência entre políticas de governos e cidadãos, arepresentatividade ou a inclusividade – têm recebi-do muito menos atenção nas discussões sobredesenho institucional. Embora a responsabilizaçãoseja uma das dimensões centrais da democraciarepresentativa seu status conceitual nas duas últi-mas duas décadas é surpreendente.

Essa situação contrasta marcadamente com ostatus do conceito no período anterior. Em livroclássico escrito em meados da década de 1960, quese constitui seguramente na mais instigante discus-são sobre representação na ciência política con-temporânea, Pitkin (1967, cap. 3) desenvolve umacrítica devastadora da visão da representação polí-tica como responsabilização. Na realidade, foi essaa visão que prevaleceu após o intenso debate ocor-rido durante o período formativo dos governos re-presentativos modernos (Manin, 1995). A idéia deque os representantes devem ser responsabilizadospelo seu desempenho em executar instruções dosseus eleitores foi rejeitada em favor do conceito de representação como “agir em nome de outros”.Mas ela perdura, como será discutido a seguir, naavaliação de cientistas políticos norte-americanossobre seus país e em parte importante da literatu-ra de política comparada. O mais grave, no entan-to, é seu uso – marcado por inconsistência – naavaliação da qualidade das democracias de corteproporcionalista.

O controle de governos e a prevenção da tira-nia são peças fundamentais do conceito modernode democracia. Daí a necessidade de controlesexternos. O desenho constitucional, prevendo se-paração de poderes e estabelecendo bicameralis-mo, revisão judicial e federalismo, representa umesforço para assegurar um compromisso madiso-niano entre o poder de maiorias e o poder de mi-norias (Dahl, 1956, p. 4). O paradoxo é que quantomais o poder é fragmentado menor será a clarezade responsabilidade e, conseqüentemente, maislimitada a capacidade dos cidadãos controlar osgovernos. O foco recente sobre responsabilizaçãonas discussões a respeito do desenho institucionalinscreve-se em uma preocupação mais ampla coma questão da eficiência. Todavia, esse esforço ana-

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lítico é inteiramente inútil, porque não faz sentidoaplicar um conceito estreito de responsabilizaçãopara se avaliar a qualidade da governança em paí-ses que exibem um desenho constitucional propor-cionalista ou consociativo (Lijphart, 1984; Powell,2000). Neste artigo apresento uma discussão sobreos nexos entre desenho institucional e responsabi-lização, e identifico os supostos normativos sub-jacentes a distintas análises destes nexos na litera-tura comparada. O potencial de responsabilizaçãovaria amplamente em função dos arranjos insti-tucionais – ou, mais acertadamente, do desenhoconstitucional de um país. No entanto, como argu-mento ao longo deste artigo, a responsabilizaçãonão é a única dimensão relevante, nem tampoucoos achados empíricos das análises substantivas empolítica comparada comportam apenas um únicojuízo normativo.

A atual agenda de pesquisas na política com-parada está marcada por questões normativas nãoexplicitadas. Uma dessas questões é seguramente oviés normativo majoritário. Tal viés se manifestaespecificamente nas contribuições baseadas emmodelo de veto players, cujo suposto fundamental éque quanto menor o número de veto players, tantomelhor será a boa governança. O objetivo de serevisitar aqui a discussão de modelos majoritáriosversus proporcionalistas não é de apresentar maisuma defesa de Lijphart em face de seus críticos ou,ao contrário, de criticá-lo. Ambos os propósitos jáforam objeto de analises instigantes por Roller(2005) e MacGann (2006). Pretendo desenvolveruma critica original sobre o viés majoritário da polí-tica comparada, particularmente seu suposto deque a concentração de autoridade política (e seuscorrelatos – clareza de responsabilidade, “identifi-cabilidade” pré-eleitoral, entre outros conceitos) éprecondição para a boa governança. Quatro consi-derações de natureza empírica serviram de motiva-ção básica para este artigo. Em primeiro lugar ohiato cada vez maior entre a prática constitucionaldas democracias e os supostos normativos das vi-sões majoritárias. Nas últimas duas décadas vemocorrendo uma “revolução constitucional” sinaliza-da pela expansão global do Poder Judiciário (Tatee Valinder, 1995) e pela rápida difusão da prática decontrole da constitucionalidade das leis por cortesespeciais ou ordinárias (Hirschl, 2004). Dessa for-ma, o Poder Judiciário tem se constituído cada vez

mais em veto player,3 e mesmo países com desenhomajoritário – onde o Judiciário é pouco mais queum ramo especializado da burocracia – têm cres-centemente adotado tal prática. Em segundo lugar,a linguagem pública das democracias contemporâ-neas cada vez mais recorre à proteção de direitoscomo valor normativo, e tem recorrido a dispositi-vos cada vez mais freqüentes para a proteção deminorias e de direitos humanos. Essa judicializaçãocrescente dos direitos, essa linguagem tem comocontrapartida institucional a criação de pontos deveto antimajoritários no sistema político.

Em terceiro lugar, as democracias contempo-râneas são cada vez mais heterogêneas, social eetnicamente, mas as propostas de desenhos insti-tucionais derivadas da política comparada pres-supõem sociedades homogêneas. Assume-se quequanto maior a congruência na preferência doscidadãos, tanto maior as precondições para a con-centração de autoridade política e, conseqüente-mente, maiores as possibilidades de eficiência naação de governo. A boa governança, segundo avisão prevalecente na política comparada, é alcan-çada pela adoção de desenhos institucionais quemaximizem a clareza de responsabilidade e a capa-cidade de produzir decisões que tenham “resoluti-vidade”. Esses exemplos representam mecanismospara a expressão de vetos de minorias, os quaisintroduzem ou robustecem elementos proporciona-listas nas democracias avançadas. Finalmente, oprocesso amplo de descentralização que caracteri-zou as democracias desde pelo menos a década de1980 representa outro mecanismo pelo qual ocor-reu a fragmentação de autoridade política. Essesquatro desenvolvimentos sugerem efetivamenteuma disjunção entre, de um lado, os achados e aspropostas de desenho institucional derivados daliteratura de política comparada e, de outro, as prá-ticas institucionais e as transformações ocorridasnas democracias avançadas.

Política comparada eteoria política normativa

As contribuições recentes, na área de políti-ca comparada, sobre o funcionamento dos siste-mas políticos democráticos têm iluminado aspec-tos centrais a respeito dos efeitos das instituições.

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Embora sejam apresentadas como teorias livres deconsiderações normativas, elas contêm pressupos-tos dessa natureza. Todavia, como já assinalado,esses pressupostos são freqüentemente ignoradose suas implicações normativas, desconsideradas.Este fato para muitos não deveria causar estranhe-za, uma vez que poderiam apenas expressar adivisão de trabalho cada vez maior entre pesqui-sadores empiricamente orientados e analistas deteoria política. Tal disjunção é, no entanto, pro-blemática nos trabalhos sobre as chamadas novasdemocracias, nos quais a questão da reforma ins-titucional está com freqüência relacionada aosachados das pesquisas empíricas. As democraciassão muitas vezes avaliadas em termos da eficiên-cia política, isto é, no sentido de produzir resul-tados tangíveis para a população, e também em termos da capacidade em agregar interesses e pro-duzir decisões consistentes de natureza pública(Diamond e Morlino, 2005).

No caso das novas democracias, a conclusãotípica na política comparada na década de 1980 erade que tais bens tangíveis não são produzidos emvirtude, – dentre outros fatores, da persistência doclientelismo. Por influência da abordagem neo-ins-titucional, as análises correntes agregaram a estediagnóstico a questão do desenho constitucional. A análise desenvolvida por Tsebelis (2002) sobreveto players tem-se constituído em uma das mais in-fluentes no campo da ciência política comparada. É fundamentalmente positiva e busca explicar pa-drões de produção legislativa, bem como os deter-minantes da estabilidade e da mudança em políti-cas públicas. Inegavelmente, a análise formal deveto players contribuiu de forma expressiva para o entendimento das formas por meio das quaisvariáveis institucionais afetam a capacidade dosgovernos em aprovar proposições legislativas eproduziu muitas hipóteses testáveis no campo dapolítica comparada. As contribuições de Haggard eMcCubbins (2001) refinaram este ponto e utilizaramum conceito similar – de número efetivo de pontosde veto – em várias áreas setoriais, que foi adotadoem diversos estudos de caso. Cox e McCubbins(2001) propõem um marco analítico geral paraestudar a separação de poderes – dos quais o pre-sidencialismo é uma variante – e a separação deobjetivos. Este último conceito está ancorado naproposição madisoniana segundo a qual, ao se

desenhar instituições, a “ambição deverá ser con-traposta à ambição” (Madison, 1982 [1788], TheFederalist 51, p. 337).

A separação de objetivos é ortogonal à sepa-ração de poderes, porque ela pode ocorrer com ousem separação de poderes. Essa tipologia sugeredois trade offs importantes. O primeiro refere-seàquilo que os autores denominam “resolutividade”(resoluteness) versus “decisividade” (decisiveness).Em um sistema em que o número efetivo de atorescom capacidade de veto é grande, a mudança depolítica é difícil, mas a credibilidade e, conseqüen-temente, a estabilidade da política será alta. Emoutras palavras, um sistema com maior decisivida-de, detendo uma grande capacidade de fazer ouimplementar mudanças, necessariamente será me-nos resoluto, mas terá menos capacidade de man-ter o status quo. Um sistema mais resoluto devenecessariamente ser menos capaz de produzir deci-sões, e dessa forma apresentar menos decisividade.Dois cenários patológicos são identificados: parali-sia decisória e instabilidade de políticas. O segundotrade off refere-se à orientação pública ou privada(private-regardedness) da política que, por sua vez,é produto de arranjos institucionais diferentes. ParaCox e McCubbins, quanto maior o número efetivode atores com capacidade de veto, tanto mais ori-entada privadamente será a política. De forma in-versa, quanto menor o número efetivo de atorescom capacidade de veto, tanto maiores as chancesde as políticas assumirem a forma de bens públicos.Argumentos semelhantes são apresentados porMesquita et al. (2003), para quem o tamanho da coa-lizão vencedora é um determinante decisivo paraque as políticas assumam a forma de bens públicos.Contrariamente, mecanismos institucionais que re-duzem o tamanho da coalizão vencedora – como,por exemplo, a representação proporcional – criamincentivos para a provisão de bens privados.

De uma perspectiva normativa, as implicaçõesdesses achados da política comparada são que ato-res com capacidade de veto (e que incluem, porexemplo, cortes constitucionais e governos subna-cionais) têm efeitos perversos. Cox e McCubbinssustentam que

[…] várias contribuições da pesquisa comparativaargumentam que dividir ou separar o poder – crian-do-se pontos de veto na estrutura do Estado – pode

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levar a uma falta de capacidade decisória. Quandogovernos divididos surgem, como freqüentementetem acontecido nos Estados Unidos ou na AméricaLatina, tem-se assinalado que uma síndrome deefeitos maléficos se instala (2001, p. 29).

Entre tais efeitos estão os conflitos interinsti-tucionais, unilateralismo, formas diversas de obs-trução, comportamentos rentistas e oportunistas,clientelismo e deficits orçamentários (as implica-ções mais gerais desses achados serão discutidasnas seções subseqüentes).

Naquilo que se convencionou chamar defilosofia pública americana, há uma tradição enrai-zada de considerar os checks and balances umasalvaguarda contra a tirania. Como Dahl assinala,

[…] a despeito de seus defeitos de lógica, defini-ção e utilidade científica, a ideologia madisonia-na tornar-se-á muito provavelmente um dos maisprevalentes e arraigados de todos os estilos depensamento que se poderia rotular de americano(1956, p. 30).4

No entanto, a agenda da chamada ciênciapolítica positiva tem sido marcada há várias déca-das por uma preocupação com os efeitos negativosda separação de poderes. Períodos prolongados degovernos divididos nos Estados Unidos levaramduas gerações de pesquisadores a se debruçar so-bre suas conseqüências para a formação de políti-cas, no que muitos conceitos foram propostos apartir de análise formal e/ou empírica.5 A agenda depesquisa da ciência política norte-americana passouentão a valorizar fortemente a idéia de “decisivida-de” de governos. Esse atributo está associado fun-damentalmente a governos de partido único quecontam tipicamente com uma maioria relativa deeleitores e/ou de cadeiras no Legislativo, e que de-les recebem um mandato para executar mudanças.A responsabilização seria alcançada pela alternân-cia no poder de partidos responsáveis. Como assi-nala Powell,

[…] a idéia de mandatos para formular políticastem tido muito apelo para os cientistas políticosamericanos, os quais tem se frustrado com a fra-queza de seus partidos políticos e a difusão geralde poder no seu governo (2000, pp. 69-70).

A agenda da política comparada é marcada,

assim, pela agenda política ordinária nos EstadosUnidos. O famoso relatório que postula o governode partidos políticos responsáveis, preparado porum comitê ad hoc da Associação Americana deCiência Política e liderado por E. E. Schattsneider(American Political Science Association Committeeon Political Parties, 1950) é a peça canônica dessavisão, tendo marcado fortemente a disciplina na suaavaliação sobre a qualidade da democracia. Oapelo normativo era, portanto, relativo à concentra-ção de autoridade política, neste caso em partidosresponsáveis que pudessem ser responsabilizadosnas urnas pelo seu desempenho. Recentemente, es-te apelo normativo foi reiterado por Sundquist eFiorina. Sundquist (1992, p. 12) reconstituindo o de-bate norte-americano sobre os efeitos perversos dodesenho institucional de separação de poderes des-de Woodrow. Sundquist assinala que “as expressõesstalemate e deadlock – ou em sua última variante,gridlock, são o tema recorrente na crítica do refor-madores”. Fiorina, por sua vez, afirma que “o fe-deralismo, a separação de poderes, checks andbalances – as instituições fundamentais dos EstadosUnidos – operam para inibir a coerência e obscu-recer a responsabilidade na ação dos governos”(2002, p. 521).

Enquanto a linha de pesquisa referida ante-riormente é fundamentalmente positiva, muitos dosanalistas envolvidos não o são.6 Strom (2003) é umdos analistas que tem cuidado na apresentação desuas conclusões, assinalando a presença de tradeoffs normativos. Strom argumenta que os sistemasde separação de poderes são superiores em termosde transparência dos governos e em controlar orisco moral (moral hazard) dos representantes edos governos, ao passo que os regimes parlamen-taristas, em particular os modelos tipo Westminster,o são no controle dos problemas resultantes de se-leção adversa (adverse selection) na escolha decandidatos. Isso ocorre porque neste último casoos partidos políticos têm mais incentivos para exer-cer maior controle no recrutamento. Em conclusão,a “democracia parlamentarista é mais eficiente, maslhe falta freqüentemente transparência” (Strom,2003, p. 56). Partidos mais fortes e institucionaliza-dos incorrem em um maior ônus político nos casosde desvios de representantes, embora tenham for-tes desincentivos a exercer um controle horizontalsobre o Executivo. Por sua vez, os sistemas de sepa-

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ração de poderes apresentam incentivos para geraruma maior transparência, porque há competiçãoentre os agentes (presidentes e Legislativo) em res-ponder às demandas dos seus “principais” ou man-datários. Esses trade offs entre tipos de perdas dedelegação (agency losses) devem ser avaliados emfunção de valores normativos e da natureza dasociedade (Strom, 2003, p. 97; Persson, Roland eTabellini, 1997).

Como assinalado, poucos analistas seguemStrom na explicitação das questões normativas en-volvidas e oferecem suas conclusões de forma a-crítica.7 O programa de pesquisa de Stepan sobredemocracia e desenho institucional comparado ébastante exemplar nesse sentido, e neste artigorecorrerei aos seus textos como ilustração do argu-mento principal. Stepan (2001) é bastante críticodo funcionamento de várias democracias federalis-tas porque restringem a vontade majoritária deseus cidadãos (demos-constraining, em sua termi-nologia). Utilizando um índice de desigualdade narepresentação para medir este fenômeno, Stepancritica a alocação de poder sobre a decisão eimplementação de políticas públicas a entidadessubnacionais. Por outro lado, argumenta que “oprincípio de igual representação dos estados nacâmara alta não é democraticamente necessário”(democratically necessary) (1999, p. 25). Esse tipode argumentação está fortemente deslocado daprática democrática em muitos países – e tambémdos debates que são travados na teoria democráti-ca –; ele reflete o tom majoritário que caracterizahoje parte da área de política comparada.8 A pes-quisa empírica realizada atualmente sobre a Amé-rica Latina tem se debruçado sobre os fatores insti-tucionais que comprometem a governabilidadepolítica na região.9 Como resultado destas caracte-rísticas, muitos países teriam supostamente dificul-dades em garantir o surgimento de coalizões está-veis e implementar o mandato concedido peloseleitores. Brasil, Equador e Argentina são descritoscomo casos extremos de sistemas políticos frag-mentados devido à existência de muitos pontos deveto (Ames, 2002b; Levitsky e Murillo, 2005).

Para Ames (2002a), o Brasil é uma democra-cia bloqueada.10 Um sistema partidário fragmen-tado produz coalizões pós-eleitorais voláteis, asquais não garantem uma base de sustentação es-tável para o Executivo. Parlamentares demandam

políticas clientelistas para suas bases, produzindoum quadro de “balcanização” do Estado. Ames con-clui que a qualidade da democracia é baixa devidoao fato de que os governos não podem ser res-ponsabilizados dada a existência de muitos atoresde veto. Patologias do desenho institucional – re-presentação proporcional com lista aberta, fede-ralismo, presidencialismo e revisão judicial –, por-tanto, são responsáveis pela baixa capacidade deresponsabilização. Como será discutido mais adian-te, estes são atributos essenciais de desenhos cons-titucionais proporcionalistas. Como já assinalado,esse argumento fora aplicado para a análise dosistema político norte-americano. A visão prevale-cente na ciência política norte-americana é que osistema está fadado à paralisia, e a extensão desseargumento à América Latina é um passo.

Diagnósticos de ineficiência política oupatologias institucionais são muitas vezes basea-dos em conceitos e instrumentos ancorados emvalores normativos que são inconsistentes com aarquitetura constitucional de um país. Mais impor-tante: tais diagnósticos informam propostas de re-forma política. As conclusões normativas dessesdiagnósticos estão marcadas por um viés majori-tário, e por subsumirem outros valores normati-vos e ignorarem a constituição social de um paísdevem ser vistas com suspeita.

Modelos majoritários e proporciona-listas: supostos normativos

A responsabilização ocupa lugar privilegiadono quadro conceitual do majoritarismo como mo-delo ideal de desenho institucional, mas não noproporcionalista. Isso decorre do papel que as elei-ções ocupam na estrutura conceitual desses doismodelos. Nos governos representativos moder-nos, o momento estruturante do contrato entre ci-dadãos e representantes consiste nas eleições.Mas as expectativas em torno delas são distintasnos dois modelos normativos, como discutido deforma sistemática a seguir.

O confronto entre as bases normativas dosmodelos normativos majoritários e proporciona-listas não é uma questão nova na ciência política.Muitas dos debates iniciais sobre a representaçãoproporcional ilustram bem esta assertiva. Nos de-

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bates atuais sobre o multiculturalismo, há uma re-atualização das vantagens e desvantagens relati-vas do majoritarismo como princípio político. Acrítica multiculturalista persegue, na realidade,uma linha de argumentação de que ele falha emgarantir a diversidade de valores na sociedade.Como o objeto deste artigo são os nexos entredesenho institucional e responsabilização, muitosaspectos do confronto entre os dois modelos nãoserão explorados. O trabalho pioneiro de Liphartexplora as características institucionais dos modelosmajoritário ou de Westminster e o contrasta com omodelo consensual ou consociativo.11 Vale enfa-tizar primeiramente que o majoritarismo como re-gra da maioria é um princípio democrático básicoe, portanto, constitutivo da democracia. Ele per-mite distinguir entre democracias e não-democra-cias. Não é necessário reiterar neste ponto que,como tal, ele está presente em ambos os modelos.

O ponto básico distintivo dos modelos pro-porcionais é que seu ideal normativo está encap-sulado na idéia de que as preferências do maiornúmero de pessoas devem estar refletidas no pro-cesso político. Em outras palavras, o governodeve ser responsivo não a uma maioria, mas aomaior número de pessoas possível (Lijphart, 1984,p. 4). O requisito da maioria é considerado ape-nas como um requisito mínimo. A visão propor-cionalista afirma que as regras institucionais de-vem promover a participação e o alargamento dasmaiorias. Em contraste, no ideal majoritário busca-se assegurar que a vontade da maioria prevaleçasobre minorias. Nesse sentido, o majoritarismo re-presenta um ideal e não apenas a regra eleitoralou de método de agregação de interesses. ComoShugart (2001) assinala, mesmo no sentido eleitoralmais restrito, o termo é ambíguo. A assunção implí-cita é que o sistema representa uma maioria devotantes, mas, na prática, este princípio é violado,porque nos sistemas majoritários o que se requeré uma maioria relativa de cadeiras parlamentares.De fato, os dados revelam que as maiorias parla-mentares em governos de partido único são tipica-mente baseadas nas maiores minorias, freqüente-mente no intervalo entre 38% e 45% (Idem, p. 30).

Powell (2000) recorre a uma terminologiasimilar em sua análise dos sistemas majoritários eproporcionalistas. No entanto, ele está fundamen-talmente interessado na distinção normativa entre

os dois e como a variação no desenho institucionalinfluencia o potencial de responsabilização eleito-ral (electoral accountability). Para este autor, noideal majoritário a concentração de poder em pou-cos agentes é um pré-requisito para o exercíciodo controle pelos cidadãos. Isso se deve funda-mentalmente ao fato de que a concentração depoder é necessária para garantir clareza de respon-sabilidades. O objeto da responsabilização nessemodelo são os tomadores de decisões autoritati-vas que ocupam posições no governo (em con-traste, por exemplo, com agentes que não ocupa-rão posições no governo, mas que agirão nosentido de barganhar as políticas que afetam suasbases. Em outras palavras, que agirão no melhorinteresse dos seus representantes). De forma dis-tinta, a dispersão de poder implica que o policy-making é resultado de barganha pós-eleitoral noâmbito da coalizão vencedora. A responsabilida-de difusa resultante dificulta o voto retrospectivovoltado para a responsabilização. A visão majori-tária supõe o objetivo de controle democrático expost e não de influência sobre o processo deci-sório, como é o caso da visão proporcionalista.Ela também está associada à idéia de representa-ção como investidura de um mandato. Os cida-dãos exercem controle ao aprovar propostas defuturos candidatos ao governo durante o proces-so eleitoral. Durante as eleições, tais candidatosrecebem um mandato para implementar as prefe-rências dos eleitores.

Duas visões do processo eleitoral podem seridentificadas, considerando-se a dimensão temporalda orientação do eleitor. Na primeira, os cidadãosvotam com base no desempenho dos governantes,punindo ou premiando com um voto retrospectivo.Numa visão complementar, o controle é exercidoao se investir os candidatos de um mandato pelovoto prospectivo. A despeito do contraste entre asdimensões temporais da avaliação, a rigor, ambasas descrições do mecanismo eleitoral – a de res-ponsabilização pelo desempenho e a de mandato –são consistentes com o ideal majoritário, embora aidéia de mandato reflita mais claramente o idealmajoritário em sua formulação originária, (pré-rike-riana). Ambas exigem concentração de autoridadepolítica para sua efetivação plena. A primeira delasé majoritária e está canonicamente exposta porRiker (1983). Nela, o papel do eleitorado é de ape-

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nas exercer um “veto popular” a governantes commau desempenho. Como argumenta Riker, ela éconsistente com a teoria da escolha social (socialchoice theory), na medida em que não se identificanas eleições nenhuma possibilidade de expressãode interesses gerais (que segundo a teoria seriamimpossíveis de serem revelados por quaisquermecanismos de agregação de preferências indivi-duais). Como será discutido adiante, salta aos olhosque esta concepção apenas faz sentido em um con-texto institucional específico.

No ideal proporcionalista, a representação eas eleições são concebidas de forma marcada-mente distinta. A dispersão de autoridade políticaé vista como precondição para a representaçãoefetiva de interesses sociais variados. O objetivobásico é aumentar a influência dos cidadãos sobreos governos. Porque o poder é fragmentado, arepresentação assume a forma de representaçãoautorizada como veículo para a expressão dosinteresses do eleitorado no processo de governo.De forma diversa do ideal majoritário, o eleitora-do não premia ou pune ocupantes de cargospúblicos por seu desempenho. Pelo contrário,eles são eleitos na expectativa de agir no melhorinteresse de parcelas do eleitorado, não sendoresponsabilizados pelos resultados que produzi-ram como governo, mas pela sua capacidade deinfluenciar os governos, mesmo estando foradeles. Os representantes são delegados ou agen-tes dos cidadãos, os quais acreditam que aquelesagiriam como eles próprios (Pitkin, 1967; Manin,Przeworski e Stokes, 1999). O ideal de fragmenta-ção da autoridade política assume que os cidadãostêm preferências heterogêneas e que o ideal demo-crático se realiza quando essa heterogeneidade sereflete na tomada de decisões públicas.

Distinções mais finas podem ser traçadas en-tre os dois ideais normativos. Em primeiro lugar, avisão de dispersão do poder confere grande im-portância para as minorias. Ao atribuir um papelimportante à oposição no processo de governo,espera-se que os interesses de muitos grupos sejamrepresentados, e não apenas a maioria que gover-na. Em segundo lugar, uma esfera de discrição eautonomia é esperada do representante. De formacontrária, na visão majoritarista espera-se que osrepresentantes executem instruções dos eleitores esejam responsabilizados por estes. Essas concep-

ções de representação política, portanto, estão sub-jacentes aos ideais normativos discutidos acima. O ideal de concentração de poder pressupõe umaconcepção de responsabilização (accountabilityview) na terminologia de Pitkin, na qual nenhumaautonomia é esperada do representante. Para estaautora, “a concepção de representação como res-ponsabilização (accountability view) é uma hipó-tese prática ou empírica disfarçada de concepçãoteórica” (1967, p. 55). Defendendo uma visão de re-presentação que pressupõe agir substantivamenteem nome de outrem, Pitkin argumenta que “a con-cepção de representação como responsabilização(accountability view) não nos diz nada sobre o queacontece durante a representação, sobre como umrepresentante deveria agir, ou o que se espera queele faça, ou como julgar se ele representou bem oumal” (Idem, p. 58).

Vale registrar, no entanto, que na concepçãode responsabilização informando visões majori-tárias pré-schumpeterianas freqüentemente se as-sumia que os interesses coletivos dos cidadãosexistem e podem ser identificados. As questõesassociadas à agregação de interesses individuaisem uma função de bem-estar social (ciclicidadede preferências, existência de maiorias distintassegundo a matéria em discussão, entre outros) nãoeram problematizadas. Nas discussões de desenhoinstitucional correntes na literatura de política com-parada, há uma visão implícita de que os cidadãossancionam ou recompensam incumbentes, semque se faça nenhum juízo normativo sobre a exis-tência de interesse público ou coletivo. A demo-cracia é entendida como um mecanismo com-petitivo schumpeteriano por meio do qual elitesadquirem ou não o suporte do eleitorado para pro-postas de políticas. A concepção de representaçãocomo responsabilização, portanto, não requer anoção de interesse coletivo.

Para que as eleições cumpram o papel de ins-trumentos da democracia, é necessário que os in-centivos associados ao voto retrospectivo e usadospelo eleitorado sejam internalizados (Powell, 2000;McDonald e Budge, 2005). Em outras palavras, es-pera-se que os incumbentes, antecipando a possi-bilidade de sanção, alinhem seu comportamentocom as preferências do eleitorado. A teoria da esco-lha social iluminou os problemas de identificaçãode um pacote de políticas que refletissem as prefe-

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rências dos eleitores. Independentemente da con-gruência entre este pacote e as preferências sociais,o processo tem início na mobilização do eleitoradopelas elites políticas. Os partidos cumprem papelfundamental nesse processo ao permitir a escolhade “tipos políticos” pelos cidadãos. Como meca-nismo de redução dos custos de transação, os par-tidos fornecem um “marca” para os eleitores. Ao selecionar potenciais representantes, o eleitoradoconfere um mandato com base em expectativas deresultados de políticas. Por outro lado, quando sele-cionam incumbentes, os eleitores responsabilizam-nos pelo seu desempenho. Tudo que precisamsaber para afastar os incumbentes de baixo desem-penho é quem é o responsável, e isso depende daclareza de responsabilidade, e para que ela estejaassegurada dois pré-requisitos essenciais são neces-sários. Primeiro, a identificabilidade12 de governosfuturos, na expressão de Powell (2002) – os cida-dãos devem ter condições de identificar, no mo-mento das eleições, quem formará o governo. Seeles não esperam que seu voto afetará a formaçãodo governo, eles não têm nenhum incentivo paravotar estrategicamente. Segundo, o partido ou a coa-lizão vencedora deverá formar o governo e imple-mentar as políticas anunciadas em seu programa.Se as regras constitucionais em um sistema impõema necessidade do partido ou da coalizão se engajarem barganha pós-eleitoral ou em interagir comoutros atores institucionais com capacidade de veto,o impacto do comportamento do eleitor será forte-mente afetado.

Enquanto a responsabilização (voto retrospec-tivo) e os mandatos são fundamentais para o mo-delo majoritário, o princípio constitutivo do mode-lo proporcionalista é da inclusividade no processode governo. Nele, responsabilização, em sentidorestrito, e mandatos não cumprem papel algum – oque está efetivamente em jogo é a congruência re-presentacional entre interesses sociais e exercíciodo poder político. A representação proporcionaltorna possível para os governos a tradução, em ter-mos de políticas de governo, da diversidade deinteresses sociais segundo cada questão ou dimen-são específica da política. Como Powell e Vanberg(2000) demonstraram, os sistemas proporcionais as-seguram mais congruência representacional do queos modelos majoritários.13. Em outras palavras, aspolíticas públicas em sistemas proporcionais man-

têm uma maior consistência com as preferências doeleitor mediano. Na introdução deste artigo, referi-me a esta congruência como um valor democráticocrucial que, no entanto, não é considerado deforma adequada pelas concepções majoritárias deresponsabilização (Powell, 2005). A insistência naquestão da clareza de responsabilidade como pre-condição para a existência de governos “responsa-bilizáveis” leva grande parte da literatura de políticacomparada a desconsiderá-la como valor normati-vo importante, e como um mecanismo indireto deaccountability. A congruência representacional ex-pressa um mecanismo macrossocial de responsabi-lização, uma vez que permite o alinhamento de pre-ferências – não, como costuma acontecer, entre a“maior minoria” e o governo, mas entre o governo eo conjunto dos representantes – o eleitor mediano.14

Escolhas constitucionais emodelos de democracia

A pesquisa neo-institucionalista recente teminsistido que as instituições são endógenas – ouseja, são escolhidas por atores participantes dojogo político pelas suas conseqüências redistribu-tivas – ou podem ser também, não raro, resultadosnão antecipados de escolhas randômicas ou emu-lativas. É razoável supor que na maior parte doscasos elas representam escolhas que refletem oequilíbrio entre jogadores.15 Quaisquer avaliaçõessobre a qualidade da democracia em um determi-nado país deve considerar em que medida arran-jos institucionais poderiam funcionar dadas as pre-ferências sociais e sua distribuição. Este ponto éfreqüentemente desconsiderado na literatura depolítica comparada. Suas conseqüências para aanálise normativa são previsíveis. E quando esseproblema se articula com o viés majoritário destaúltima, a análise torna-se bastante problemática.

Dois tipos de regras institucionais são funda-mentais para se entender a visão normativa queinforma os desenhos constitucionais: as regras quegovernam a representação e as que especificam oprocesso decisório. As regras eleitorais são decisi-vas na determinação de como as maiorias legisla-tivas são formadas – parte essencial do desenhomajoritário – e do grau de inclusividade do siste-ma de representação – algo que, por sua vez, é

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fundamental para a concepção proporcionalista.Por outro lado, as regras constitucionais definemtambém o grau de concentração dos poderes emrelação às decisões de política. Como demonstraLijphart (1984, 1999), nos países com desenho cons-titucional majoritário há forte concentração dessespoderes.

Como discutido na ampla literatura sobre oassunto, as regras eleitorais são preditores impor-tantes do número efetivo de partidos e do limiareleitoral (a parcela de votos para um partido polí-tico obter representação). A análise empírica reve-la que via de regra as maiorias legislativas sãomanufaturadas pelos sistemas eleitorais. Os go-vernos majoritários de partido único são raras, efreqüentemente o que se observa são maioriasrelativas. As regras constitucionais, dessa forma,expressam um trade off entre representação ouinclusividade e governabilidade. Regras inclusivascomo as vigentes em sistemas proporcionais mul-tinominais, de elevada magnitude dos distritos ebaixos limiares para a representação, permitemuma maior inclusividade de representação e le-vam ao multipartidarismo. Por sua vez, essa par-ticipação ampliada produz ceteris paribus maiscustos políticos de transação. Em contrapartida, asregras típicas de sistemas majoritários – distritouninominal e formula first past the post – implicamem menos representação de minorias ou grupos,embora produzam mais eficiência governativa pe-la maior facilidade de formação de maiorias.

O desenho constitucional implica tambémum trade off entre arranjos que permitem a esco-lha de um futuro governo antes de eleições ou de partidos predominantes depois de eleições(Shugart, 2001, p. 29). Esse trade off consiste fun-damentalmente numa escolha entre identificabili-dade e clareza de responsabilidade, de um lado,e representatividade e congruência representacio-nal, de outro. Com a inclusividade maximizada,os cidadãos defrontam-se com uma ampla gamade partidos em dimensões relevantes distintas,mas, em compensação, como os governos prova-velmente só serão formados em processos de bar-ganha pós-eleitoral, a identificabilidade dos go-vernantes futuros fica comprometida (Idem, pp.29-30). Ao oferecer aos eleitores uma escolha cla-ra sobre alternativas para o futuro governo, os de-senhos majoritários permitem maior identificabili-

dade no sistema eleitoral, possibilitando, assim,que o eleitor faça uma escolha.16 Como assinala-do anteriormente, a identificabilidade é um dospré-requisitos do modelo de responsabilização tí-pica do majoritarismo. Ela produz clareza de res-ponsabilidade, possibilitando que cidadãos san-cionem ou recompensem os governos conformeseu desempenho.17

A maior clareza de responsabilidade, toda-via, tem um custo. Sistemas majoritários do tipoWestminster exibem um déficit democrático pro-duzido pelo fato de que as maiorias, na realidade,são as “maiores minorias”, sem mencionar os ca-sos de “ganhador errado”, que ocorrem quandoas regras eleitorais manufaturam maiorias legisla-tivas para partidos que não obtiveram uma maio-ria de votos. Afora essas patologias extremas, sis-temas com poucos pontos de veto concentrampoderes de agenda no Executivo e, portanto, sãomais suscetíveis de apresentar desvios entre aspolíticas do governo e as preferências dos cida-dãos. Em sistemas majoritários, os gabinetes utili-zam seu poder de agenda para aprovar políticasincongruentes com as preferências do eleitor me-diano. Isto ocorre sobretudo em situações estra-tégicas em que o “ponto de reversão” da política– ou seja o status quo – é rejeitado pelo eleitormediano (Strom, 2003, pp. 81-83).

As regras que disciplinam o processo deaprovação e implementação de políticas especifi-cam como o poder de propor e aprovar políticasestá distribuído entre o Executivo, o Legislativo eo Judiciário (a separação horizontal de poderes),entre os níveis de governo (separação vertical depoderes), como também no interior do Legisla-tivo. Sistemas políticos de desenho tipicamentemajoritário têm regras que incentivam a formaçãode governos majoritários, têm governos unifica-dos (parlamentarismo), são unitários e não têmrevisão judicial. Na arena legislativa, pouco ou ne-nhum poder é conferido à oposição, e as comis-sões legislativas são fracas.18 Por outro lado, osgovernos controlam a agenda legislativa, e as re-gras restringem os poderes de emendamento dascomissões (Doering, 1995).

Por sua vez, os sistemas políticos de desenhoproporcionalistas apresentam legislativos descentra-lizados e muitas vezes bicamerais, comissões legis-lativas fortes, e garantem um papel ativo à oposição,

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reservando-lhe a presidência de comissões, e assimpor diante. Nesses sistemas, os governos subnacio-nais são fortes em virtude da prevalência do fede-ralismo. O controle da constitucionalidade das leisocupa um lugar importante nos sistemas propor-cionais. Mecanismos consociativos também são fre-qüentemente introduzidos e incluem atores sociaise institucionais variados (interesses organizados dotrabalho e capital ou governadores). Em adição aoscitados, eles se caracterizam por instituições anti-majoritárias, tais como agências reguladoras inde-pendentes, constituições escritas e bancos centraistambém independentes. Há mecanismos robustosde inércia constitucional – exigências de ratificação,seqüência (propositura em uma legislatura e apro-vação em outra) e supermaiorias para emendamen-to. Destes, o atributo mais explicitamente antima-joritário é o requisito de supermaiorias. Pelo altograu de autonomia e discricionariedade previsto pa-ra o Judiciário, as agências reguladoras e os bancoscentrais, a delegação legislativa implícita viola clara-mente o principio básico do modelo de responsabi-lização majoritário.19

Qualidade da democracia eescolha constitucional

Quando muitos pontos recebem guaridaconstitucional, o resultado é profundamente anti-democrático porque essas questões não podem serdecididas por maiorias normais (Stepan, 1999, p.29, grifo meu).

Neste ponto, é possível retomar a discussãoanterior sobre escolhas constitucionais, concen-tração e dispersão de autoridade política e, porfim, qualidade da democracia. Porque o númerode pontos de veto nos sistemas ou modelos pro-porcionalistas é elevado, a decisividade – a capa-cidade de chegar a decisões e aprová-las – ficacomprometida e a resolutividade (capacidade demanter uma decisão tomada), enfraquecida. Cox eMcCubbins analisam este dilema da seguinte forma:

Sistemas políticos que combinam divisões ins-titucionais da autoridade sobre a tomada de deci-são com divisões de objetivos ou tenderão paraindecisividade ou estarão propensos a pulverizara política pública, ou farão ambas as coisas. As

divisões institucionais de poder podem ser resul-tado da adoção do presidencialismo, do bicame-ralismo, do federalismo, do controle da constitu-cionalidade das leis, e assim por diante. Divisõespolíticas de poder, por sua vez, podem decorrerda diversidade inerente de opinião numa naçãoou dos incentivos dados pelo sistema eleitoralpara agregar esses interesses em poucas ou mui-tas organizações políticas. Alguns sistemas eleito-rais encorajam a formação de poucos partidos hie-rárquicos, cujos líderes internalizem os custos e osbenefícios das políticas públicas, tais como afetamparcelas amplas da população. Outros sistemas,por sua vez, levam à criação ou de um númeroelevado de partidos ou de partidos descentraliza-dos (facciosos ou atomizados) (2001, p. 46).

Alguns autores examinaram o nível de res-ponsabilização existente em uma sociedade a par-tir da existência ou não de checks institucionais ex-ternos e pontos de veto. Przeworski (2001) critica oargumento de que nas democracias latino-america-nas não há controle sobre os executivos. Contras-tando o número de pontos de veto no Brasil e noReino Unido, ele conclui que, por eles serem maisnumerosos no Brasil, não se pode utilizar o concei-to de democracia delegativa e a noção de respon-sabilização horizontal (horizontal accountability).O’Donnel argumenta que as instituições de checksand balances são frágeis na América Latina e suste-nta que a consolidação da democracia é enfraque-cida pela ausência de controle sobre os executivosna região – e em outra partes do mundo. A críticade Przeworski, na realidade, incide sobre um pon-to equivocado, porque com efeito o argumento deO’Donnell se dirige às razões (segundo ele predo-minantemente de natureza histórica ou sociológicae não institucional) para a falta de efetividade doscontroles. No entanto, sua crítica exibe o mesmo re-ducionismo na avaliação das democracias com umfoco exclusivo sobre as questões de accountability.

Uma crítica mais apurada foi apresentada porMoreno, Crisp e Shugart (2003), argumentando quea eficiência do controle é determinada fundamen-talmente pela qualidade da cadeia de delegaçãoentre cidadãos, como mandatários ou “‘principais”,e políticos, como seus agentes. Ancorados nessetipo de modelo, eles afirmam que a responsabili-zação é sobretudo um ato de delegação. Os incen-tivos para tornar os agentes políticos responsabili-

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záveis pelos seus atos e para punir desvios sãomoldados pela cadeia de delegação, que assumeformas distintas segundo a natureza do regime.Como os chefes dos executivos nomeiam os mem-bros do judiciário e de outras instituições similares,como ombusdman, procuradores gerais, entre ou-tros, que devem ser ratificados pelo Legislativo, oscidadãos, como eleitores, estão envolvidos indire-tamente na cadeia de delegação. Em sistemas comseparação de poderes, a cadeia da delegação até oExecutivo é direta em virtude da independência deorigem do mandato e da sobrevivência política do Executivo e do Legislativo. Dessa forma, o elei-torado tem dois agentes (três se o congresso é bi-cameral) que transacionam entre si. Pelo fato de oschecks and balances serem essencialmente umarelação entre iguais, os autores concluem que nãohá delegação envolvida na relação entre esses doisagentes. Ademais, essa relação – denominada trocahorizontal (horizontal exchange) e não responsa-bilização horizontal (horizontal accountability) –não envolve sanções, a não ser no raro caso de im-pedimento de executivos pelo Legislativo. É porisso que eles rejeitam o conceito de responsabili-zação horizontal como um oxímoro (Idem, p. 80).Conclusão correta, ao meu ver, e também consis-tente com uma visão de representação como res-ponsabilização.

A questão de fundo, portanto, para Moreno,Crisp e Shugart é que a responsabilização horizon-tal é função da qualidade da responsabilização ver-tical entre eleitores e seus representantes. Se essarelação vertical é deficiente, então a horizontal seránecessariamente afetada. Das patologias criadaspelas distintas configurações de regras eleitorais esistemas partidários, esse autores deduzem as insu-ficiências potenciais do que denominam troca hori-zontal. Sistemas centrados nos candidatos, como oscom regras eleitorais que incentivam a competiçãointrapartidária entre candidatos (voto preferencial,voto proporcional de lista aberta), enfraquecemessa conexão porque os representantes tenderão abeneficiar os interesses específicos de suas basesem detrimento de questões programáticas de maioralcance. Da mesma forma – e no pólo oposto –, sis-temas muito centralizados, em que a seleção decandidatos está monopolizada nas mãos de líderes,os representantes serão responsivos às preferênciasdaqueles, e não às dos eleitores. A natureza da tro-

ca horizontal entre os diferentes poderes e agênciasautônomas depende ainda de dois fatores adicio-nais. Esses atores institucionais devem ter poderesque se sobrepõem e são interdependentes (over-lapping powers) (isto é, sua interação é necessáriapara a aprovação de leis ou para o exercício dogoverno) e devem estar ocupados por agentes com“ambição distintas e opostas”. Se este não for ocaso, quando, por exemplo, a maioria dos repre-sentantes está essencialmente interessada em patro-nagem e apropriação de rendas, não tendo, assim,incentivo para selecionar agentes públicos para asagências autônomas (inclusive o Judiciário) quepossam exercer efetivamente controle sobre taisdesvios, a troca horizontal degenera e se converteem conluio. Por outro lado, se os poderes não tive-rem poderes sobrepostos, essa troca assume aforma de meros alarmes de incêndio e não de con-trole e sanção. A conclusão normativa mais geraldessa análise é que ceteris paribus os países queadotam a representação proporcional com voto pre-ferencial ou com forte descolamento entre li-deranças partidárias e eleitores apresentarão baixacapacidade de responsabilização. A análise, no en-tanto, deixa entrever a possibilidade de desenhosproporcionalistas em que tais desviam não ocorram.

Embora a literatura sobre pontos de veto tra-ga contribuições importantes para o nosso conhe-cimento substantivo em política comparada, as con-clusões normativas que muitos comparativistaschegam são inconsistentes. Como assinalado, o su-posto normativo implícito é que quanto menos ato-res com poder de veto, tanto mais eficiente será osistema político. Mesmo quando não utilizam esseinstrumental teórico, muitos comparativistas che-gam a conclusões similares a respeito de institui-ções que são pilares dos checks and balances, taiscomo as cortes constitucionais, um constitucionalis-mo robusto e o federalismo. Stepan, mais uma vez,ilustra esse argumento. Seu majoritarismo se expres-sa de forma clara na afirmação na epígrafe destaseção sobre constitucionalismo e suas supostas im-plicações profundamente antidemocráticas (Stepan,1999, p. 29). Esse viés é ainda mais evidente nas dis-cussões sobre responsabilização.

A literatura sobre democratização e reformasestá repleta de exemplos que enfatizam esteponto. O caso brasileiro, em particular, é freqüen-temente citado como exemplo de patologia insti-

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tucional. É curioso que na literatura sobre as novasdemocracias se observa um duplo viés. Não sómajoritário, mas também de critérios supra-institu-cionais, resultantes da própria situação de subde-senvolvimento econômico, do clientelismo e dopatrimonialismo, em análises em que a direção dacausalidade não pode ser bem estabelecida. Assupostas singularidades dessas democracias emtermos de pontos de veto contrastam com osachados da literatura sobre democracias avança-das, o que revela que há juízos normativos nãoexplicitados (cf. Przeworski, 2001). Contrastemosas afirmações de Ames com a análise de Powell.Ames faz a seguinte questão: “Por que as propos-tas presidenciais tão raramente emergem incólu-mes do Congresso?” (2002b, p. 185). E conclui emtom negativo que as “propostas que sobrevivemao processo legislativo emergem desfiguradas porconcessões substantivas e transferências clientelis-tas”. (Idem, p. 213). Powell, por sua vez, analisapositivamente o fato de que “na Alemanha osgovernos têm sucesso na aprovação de aproxima-damente 85% dos projetos que propõem aoBundstag, mas eles são com muita freqüênciaemendados e alterados das formas mais variadaspara refletir interesses setoriais (specialized)”(2000, p. 63). Conclusões igualmente negativas –com um viés majoritário – também são apresenta-das a respeito da Dinamarca, onde os governosminoritários com extensas coalizões são a regra, enão a exceção, ou como os Países Baixos, que adespeito de suas exuberantes qualidades demo-cráticas, estão no final do ranking dos países commenor clareza de responsabilidade e responsabili-zação eleitoral (cf. Powell, 2000), ou em termos deincongruência entre prática de governo e platafor-mas eleitorais (cf. Klingeman, Hofferbert e Budge,1994; Strom, 2003).

Comissões congressuais fortes devem serinterpretadas como pontos de veto ou mecanismosque asseguram que as políticas possam se alinharcom as preferências do eleitor mediano? O viésmajoritário manifesta-se no suposto de que propos-tas de política tais como apresentadas pelos policy-makers do governo são necessariamente melhores,por causa do mandato que lhes foi investido, doque suas versões emendadas. Do ponto de vista daresponsabilização, emendas representam mecanis-mos que difundem responsabilidades. Muitos pon-

tos de veto, na realidade, representam soluções ins-titucionais para problemas sociais. Em sociedadesetnicamente divididas, as instituições do bicamera-lismo e do federalismo representam garantias demelhor governança, e não o contrário. O mesmovale ceteris paribus para instituições judiciais. Noideal majoritário, a democracia concretiza-se plena-mente pela autorização de propostas, sua imple-mentação e o veto popular ao mau desempenho. Apopularidade dessa visão decorre de sua similari-dade com mecanismos contratuais no mercado e,conseqüentemente, da possibilidade do tratamentocom o instrumental formal de modelos do tipoprincipal-agente, os quais se mostram muito úteis,mas seus limites devem ser compreendidos. Nessesmodelos, a questão central reside em como criaruma estrutura de incentivos que possibilite a mini-mização de “perdas de agência” (agency losses)entre cidadãos e representantes.

Tipos de sociedade earranjos institucionais

A literatura de política comparada, discutidade forma bastante seletiva nas seções anteriores,chega a duas conclusões essenciais. A primeira é que os países com desenho institucional deautoridade política dispersa são inferiores aos de autoridade política concentrada em sua capa-cidade de alcançar objetivos coletivos nacionais,assim como em termos do controle social dosgovernos. A despeito do antídoto produzido pelacontribuição seminal de Lijphart, tal conclusãoreproduz o juízo crítico feito pelos cientistas polí-ticos norte-americanos no pós-guerra a respeitode seu próprio país e ao arrebatamento ante asinstituições políticas britânicas. A questão básica éque os sistemas proporcionalistas têm baixa capa-cidade de produzir decisões rápidas e efetivas. Aliteratura de política comparada voltada para asnovas democracias chegam a conclusões seme-lhantes. Entre os objetivos coletivos minados pelaexistência de muitos pontos de veto estão a redu-ção da pobreza e as reformas econômicas. Naepígrafe deste artigo, cito Stepan, que corroboraessa idéia. Mainwaring chegou a conclusões simi-lares em uma análise do caso brasileiro:

[…] estas dificuldades [em promover as reformas

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econômicas] ilustram de forma extremada os pro-blemas que podem surgir a partir de uma combi-nação institucional que promove a dispersão depoder entre partidos, estados, regiões em umademocracia jovem, em que se exige um Execu-tivo ágil (1997, p. 109).

As dificuldades de responsabilização tam-bém se potencializariam, segundo muitos autores,em ambientes institucionais marcados pela multi-plicidade de pontos de veto.

Segunda conclusão importante é que ceterisparibus sociedades homogêneas implicam em sis-temas políticos mais eficientes. O grau de homoge-neidade social mantém uma alta correlação com ograu de separação de propósitos ou objetivos. Emconseqüência, quanto mais heterogênea as socie-dades, menos eficientes seus governos. Em outraspalavras, diversidade de preferências, ou, no piorcenário possível, quanto mais polarizadas as prefe-rências, tanto menos “decisivo” será o sistema polí-tico. Essas sugestões indicam que as expectativasde Madison, de que quanto mais extensos, nume-rosos e diversificados os interesses em um eleitora-do, tanto menor os riscos que uma facção tiranizeas outras, devem ser postas de ponta cabeça. Doisimportantes expoentes da política comparada –Cox e McCubbins – são uns dos poucos que fazemreferência a essa questão, mas suas conclusões sãoauspiciosas: “na medida em que uma sociedade setorna mais heterogênea, se o sistema político tiverum número pequeno de pontos de veto, os riscosde desigualdade e de sub-representação aumenta-rão” ( 2001, p. 63).

As sociedades não são variáveis de escolhapara os cidadãos ou arquitetos constitucionais.Pelo contrário, sua heterogeneidade ou homoge-neidade devem ser tomadas como historicamentedadas, ao menos dentro de um horizonte tempo-ral razoável. Os desenhadores de instituiçõesdevem buscar a maximização de outros valores eobjetivos como, por exemplo, legitimidade, naausência dos quais a sociedade pode, hobbesia-namente falando, degenerar em guerra de todoscontra todos. A legitimidade, por sua vez, teráforte impacto sobre a eficiência política (decisivi-dade e resolutividade). Em sociedades multicultu-rais, com grande extensão territorial ou muitopolarizadas, desenhos institucionais proporciona-

listas são o único arranjo viável, para dizer o míni-mo. Os achados da política comparada têm con-seqüências normativas importantes, mas exigem,para se transformarem em propostas efetivas dereforma institucional, a consideração das socieda-des para as quais se destinam. Em um mundocada vez mais globalizado, essas consideraçõestornam-se a fortiori mais persuasivas. Não háregras universais de desenho institucional, porqueelas são contingentes às sociedades para as quaisse destinam.

Uma consideração de ordem mais hipotéticapode também ser avançada aqui. A pesquisaempírica está fundamentalmente preocupada como poder explicativo e preditivo de seus achados.E se eles nos levassem a concluir que as conse-qüências dos vários mecanismos de controle daautoridade política tivessem efeitos perversos emtermos redistributivos, em termos de capacidaderesolutiva e eficiência governamental? Parte signi-ficativa da experiência institucional dos paísescom modelos proporcionalistas teria sido um aci-dente ou erro histórico? Esse cenário é imprová-vel por duas importantes razões. Antes de tudo épreciso dizer que não foi analisada aqui, apenascitada en passant quando cabível, a pesquisaempírica que chega a conclusões distintas daque-las que vêm sendo apresentadas, uma vez que ofoco deste artigo recai sobre a literatura que dis-cute o viés majoritário. Contudo, vale lembrar quenão há consenso sobre os efeitos de desenhosinstitucionais – primeira razão. Em segundo lugar,há motivos conceituais robustos para acreditarque o edifício conceitual madisoniano se sustentae não desmoronará por causa de uma geração detrabalhos empíricos. O ponto enfatizado ao longodeste artigo não é a validade dos achados da lite-ratura política. Pelo contrário, quero chamar aten-ção para a inconsistência de se utilizar parâmetrosmajoritários – sobretudo o conceito de responsa-bilização – para a avaliação da qualidade dademocracia em modelo proporcionalistas, poiseles buscam basicamente maximizar valores nor-mativos distintos. O conceito normativo centraldo proporcionalismo é a participação ampliadana atividade governativa, e para isso se confereum papel à oposição. Em um nível menos global,este ideal se manifesta em maior “eficiência darepresentação”, para usar a expressão de Strom

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(2003), obtida pela congruência entre políticas degoverno e preferências do eleitor mediano.

Conclusão

Neste trabalho argumento que a literatura depolítica comparada apresenta um viés normativoe que suas propostas de terapia institucional estãomarcadas por juízos normativos não-explicitados.Este viés se manifesta mais claramente na literatu-ra sobre as chamadas novas democracias do quena sobre as velhas democracias, possivelmentedevido ao influente trabalho de Lijphart. A ques-tão fundamental, na realidade, pode vir a serempírica. Se a questão for colocada em termos dequais são as conseqüências sobre a governabili-dade de conjunto x de instituições específicas,então a resposta pode vir a ser empírica, mas comimplicações normativas importantes. O problemade fundo, no entanto, é estabelecer qual é a variá-vel dependente que deve ser uma proxy impor-tante de qualidade da democracia. Trata-se daconcentração ou dispersão de poder? O potencialde responsabilização política de um conjunto deregras? A concentração promove uma maior iden-tificabilidade de futuros governos e clareza deresponsabilidade; portanto, mais responsabiliza-ção no sentido de capacidade de sanção ourecompensa por desempenho. No entanto, comodiscutido amplamente ao longo do artigo, a res-ponsabilização pode ser avaliada em termos decongruência representacional e grau de desvio de preferências do eleitor mediano.

A literatura de política comparada é bastanteinconsistente ao examinar modelos proporciona-listas com parâmetros supostamente universais –tais como o que Pitkin denominou criticamente deaccountability view da representação. Cabe assi-nalar, por fim, que as fontes de ineficiência políti-ca ou governabilidade não são exclusivamenteinstitucionais. A qualidade da governança vai de-pender tanto das regras institucionais adotadascomo da distribuição de preferências (e de manei-ra ainda mais forte, da distribuição de renda).Como assinalado por Goodin (1997), do ponto devista ideal a democracia não deveria ter nenhumaminoria persistente. Onde elas existem, a regra damaioria implica em opressão persistente. A análise

positiva na ciência política pode informar propos-tas de terapia institucional, mas elas nunca serãouniversais.

A reflexão apresentada neste artigo pressu-põe que a escolha constitucional em um momen-to fundante na história de um determinado paísreflita, de fato, uma escolha social não arbitrária(objeto de emulação ou imposição externa). Ouseja, pressupõe-se que as instituições sejam endó-genas – isto é, escolhidas por atores participantesdo jogo político pelas suas conseqüências redis-tributivas, refletindo um equilíbrio, no sentidomicroeconômico do termo. Se isto é verdade, en-tão tal escolha seria ótima ou possivelmente subó-tima. No entanto, dadas as limitações cognitivasdos atores, as conseqüências distributivas (ou emtermos de eficiência alocativa) não são plena-mente conhecidas ex ante. O ideal normativomadisoniano de checks and balances e separaçãode poderes poderia, como assinalado, vir a serevelar como um ideal político naive – uma mira-gem coletiva de proporções históricas.

Notas

1 Traduzimos o termo accountability como usado naliteratura anglo-saxônica para o português como“responsabilização”.

2 Utilizo o conceito de desenho majoritário como sinô-nimo de modelo majoritário (Lijphart, 1984), confor-me seu uso em Powell (2000). Da mesma forma usoos termos modelos ou desenho proporcionalista, demaneira intercambiável, para designar modelo con-sociativo ou democracia de consenso, também utli-zado por Lijphart.

3 Ver a crescente literatura a esse respeito, Alivizatos(1995) e Andrews e Montinola (2004).

4 Dahl critica Madison porque acredita que a maioriade suas afirmações não se sustenta empiricamente.Por outro lado, ele argumenta que a resiliência histó-rica do madisonianismo se deve ao papel que cum-priu ao longo da história. “Durante a elaboração daconstituição, o estilo madisoniano de argumentaçãofornecia uma ideologia protetora, persuasiva e satis-fatória para as minorias detentoras de riqueza, statuse poder, as quais temiam seus inimigos mais ardoro-sos – os artesãos e agricultores de menor riqueza, sta-tus e poder, os quais julgavam constituir a ‘maioriapopular’. Hoje, no entanto, parece provável que por

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razões explicáveis historicamente um número pre-ponderante de americanos ativos acreditam ser elespróprios, pelo menos parte do tempo, membros deuma ou mais minorias – minorias, no entanto, cujosobjetivos podem ser ameaçados se a autoridadeconstitucional constituída fosse legalmente ilimitada”(1956, p. 30). Escrito na década de 1950, esta expli-cação tornou-se mais persuasiva ainda na atualidade.

5 Dentre eles, podemos citar, por exemplo, os de dea-dlock, gridlock e stalemate.

6 Há exceções importantes, no entanto. Levy e Spiller(1996) discutiram veto players em uma chave positi-va. O veto em sua análise representa um instrumen-to de pré-compromisso que permite superar proble-mas de oportunismo. Da mesma forma, a literaturasobre o federalismo como promotor de mercadoschega à mesma conclusão (ver Weingast, 1995).

7 Uma importante exceção é Ackerman (2000), queanalisa o nexo entre desenho institucional e aspec-tos normativos.

8 A pesquisa comparada sobre países africanos parecesofrer menos do viés majoritário. Há pouca referên-cia sobre os efeitos fragmentadores do excesso dedispersão do poder produzido pelas regras institu-cionais. A esse respeito, ver a discussão instigante docaso sul-africano em Cranenburgh e Kopeck (2004).Pelo contrário, a dispersão é vista como precondiçãopara a governabilidade, dada a heterogeneidadesocial e étnica. Humphreys e Bates, na realidadde,testaram a hipótese contrária ao que a literatura pre-diz, a saber, “que quanto maior os pontos de veto naestrutura do governo, maior será a probabilidade deos governos produzirem bens públicos” (2005, p. 2).

9 Para uma revisão sobre o assunto, ver Carol eShugart (2006).

10 O título do livro de Ames no original em inglês é Thedeadlock of democracy in Brazil. Krebiehl (1998)traça a genealogia desse conceito e seus similarescomo gridlock. Este último teria se originado em1980 para descrever o pior cenário do tráfico emNova York, quando as linhas ficavam presas emtodas as direções. Burns (1963), no inicio da décadade 1960, já demonstrava insatisfação com o funcio-namento da democracia norte-americana pela dis-persão de poder e partidos políticos frágeis, em livrointitulado The deadlock of democracy. Para a históriaintelectual deste argumento, cf. Sundquist (1992).

11 A tipologia de Lijphart tem sido objeto de muitas crí-ticas que não podem ser revistas no espaço restritodeste artigo. Ver a esse respeito, Gerring, Thacker e

Moreno (no prelo). McGann e Latner (2006) argu-mentam que muitos dos países classificados comoconsensuais (Holanda, Suécia etc.), na realidade,estão entre os paises onde há as formas mais purasde utilização de regra da maioria, não tendo pratica-mente nenhum dos checks and balances constitucio-nais. Eles também defendem a idéia de que gover-nos com muitos pontos de veto – como os decoalizão – levam à flexibilidade nas políticas e nãoao imobilismo.

12 Para o conceito de identificabilidade (identifiability),ver Shugart (2001) e Powell (2000).

13 Para uma discussão detalhada a esse respeito, verMcDonald e Budge (2005).

14 Este conceito, no entanto, deve ser qualificado, poisé vulnerável a pelo menos uma crítica significativa.Essa congruência só faz efetivamente sentido se aagenda política for unidimensional. Se a agenda formultidimensional, sabemos desde Arrow, que nãoexiste nenhum mecanismo de agregação de prefe-rências que resulte em uma escolha social ótima.Como utilizado por Powell e Vanberg, o conceitorefere-se ao continuum esquerda-direita, e apenasse sustenta enquanto este último fizer sentido. Há,no entanto, uma dimensão importante que é captu-rada e que se refere à legitimidade das decisões.

15 Refiro-me a equilíbrio no sentido em que esse termoé utilizado em microeconomia ou na teoria dosjogos – equilíbrio pode ser ineficiente ou subótimo.

16 Isso, na realidade, só deverá ocorrer se existir alter-nativas viáveis, o que no mundo real nem sempreacontece.

17 A literatura empírica sobre esse tema fornecevários achados não consensuais. Em relação aosefeitos da magnitude do distrito, alguns analistasargumentam que quanto mais baixa ela for, menorserá o potencial de responsabilização dos gover-nantes, com a conseqüência de haver maior extra-ção de rendas públicas por este último. Outros sus-tentam exatamente o contrário: quanto maior amagnitude, menor a extração de rendas (Persson,Roland e Tabellini, 2003, pp. 9-21). Argumenta-seque isto ocorre porque as barreiras à entrada denovos candidatos ou partidos são baixas, criando-se uma situação oligopolista ou monopolista nomercado político. Nesse modelo, partidos e candi-datos variam essencialmente em duas dimensões:ideológica e relativa à honestidade intrínseca. Oscidadãos, em geral, preferem candidatos honestos,mas divergem quanto à ideologia. Incumbentesdesonestos ainda podem permanecer no poder se

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os eleitores com que partilham as mesmas prefe-rências ideológicas não puderem identificar umcandidato honesto substituto. A probabilidadedisso ocorrer em distritos de baixa magnitude émuito maior. Para o efeito de regras eleitoraissobre a corrupção e a responsabilização, verAdserá, Boix e Page (2003). A variável central nacapacidade de responsabilização neste último tra-balho nada tem a ver, no entanto, com o desenhoinstitucional, refere-se ao acesso à informação.

18 Para um índice comparativo de influência da oposi-ção, ver Strom (1990).

19 O conceito de mandato não é aplicável neste caso.Agências independentes estão mais próximas a dele-gados, dos quais se espera que ajam no melhor inte-resse dos representados. Mandatos não fazem senti-do em um contexto de informação assimétrica entrecidadãos ou políticos e reguladores (Majone, 1999;Levy e Spiller, 1996). O controle procedural é a únicaalternativa (McCubbins e Schwartz, 1984).

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O VIÉS MAJORITÁRIO NAPOLÍTICA COMPARADA:RESPONSABILIZAÇÃO, DESENHOINSTITUCIONAL E QUALIDADEDEMOCRÁTICA

Marcus André Melo

Palavras-chave: Responsabilização;Política comparada; Qualidade da de-mocracia.

Este artigo examina as principaiscontribuições contemporâneas da li-teratura de política comparada e dis-cute o viés majoritário existente nascontribuições recentes em torno daquestão da qualidade da democra-cia. Esse viés manifesta-se de duasformas principais. Em primeirolugar, pela redução da discussão daqualidade da democracia à questãoda responsabilização (accountabili-ty) – conceito que está enraizadoprofundamente no ideal normativomajoritário. Em segundo lugar, pelaassunção cada vez mais freqüentena área de política comparada deque a concentração de autoridadepolítica é precondição para o exer-cício da responsabilização.

THE MAJORITARIAN BIASIN COMPARATIVE POLITICS:ACCOUNTABILITY, INSTITUTIONALDESIGN AND DEMOCRATICQUALITY

Marcus André Melo

Keywords: Accountability; Compa-rative politic; Quality of democracy.

The article reviews the main recentcontributions to the literature ofcomparative politics and discussesits majoritarian bias. The latter man-ifests itself in two ways. First, in thediscussion of the quality of democ-racy exclusively in terms of the issueof accountability – a concept that isdeeply rooted in the majoritariannormative ideal. Second, in the as-sumption increasingly made that theconcentration of political authorityis a pre-condition for accountability.

LE BIAIS MAJORITAIREEN POLITIQUE COMPARÉE:RESPONSABILITÉ FINANCIÈRE,FORME INSTITUTIONELLE ETQUALITÉ DÉMOCRATIQUE

Marcus André Melo

Mots-clés : Responsabilité financière ;Politique comparée ; Qualité de ladémocratie.

Cet article analyse les principalescontributions de la littérature con-temporaine sur la politique compa-rée et aborde le biais majoritaireexistant dans les contributions ré-centes à propos de la question de laqualité de la démocratie. Ce biais semanifeste de deux façons princi-pales: tout d’abord, par la réductionde la discussion sur la qualité de ladémocratie, qui se résume à la ques-tion de la responsabilité financière(accountability) – un concept pro-fondément enraciné dans l’idéalnormatif majoritaire; ensuite, parl’assomption, de plus en plus fré-quente dans le domaine de la poli-tique comparée, d’après laquelle laconcentration d’autorité politiqueest une condition préalable à l’exer-cice de la responsabilité financière.