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1 REDES POLÍTICAS DE RESISTÊNCIAS – A ESCALA COMO RECURSO E ESTRATÉGIA DE LUTA Luciano Bomfim do Nascimento Universidade Federal Fluminense-UFF [email protected] Resumo O objetivo deste trabalho é desenvolver um ensaio teórico que aborda o conceito de escala como um recurso de poder e estratégia política de luta para as redes políticas de resistências. A escala é vista neste trabalho como uma metáfora (espacial), no que tange às redes de associações que os atores formam. As redes políticas de resistências sendo uma metáfora espacial representacional nos possibilitando compreender melhor as estratégias de luta dos movimentos sociais. Palavras-chave: Movimentos sociais. Escala. Discurso. Representação. Introdução Este trabalho tem como objetivo desenvolver uma abordagem do conceito de escala como um recurso de poder e estratégia de luta para as redes políticas de resistências, incorporando as ideias de Cox (1998) sobre os espaços de dependências e espaços de comprometimento. Como vem sendo discutido na Geografia, a escala é uma construção social. E como tal, para nós, ela pode ser criada discursivamente atendendo interesses através das escalas. Desse modo, ela é uma estratégia de representação espacial dando visibilidade a seus atores. Este trabalho é um aprofundamento das ideias lançadas por nós, Nascimento (2008), quando analisamos as redes políticas como algo aberto, não natural, possíveis de serem modificadas através dos movimentos de contra-espaço. Posteriormente, Nascimento & Silva (2010), sistematizamos esses movimentos como redes políticas de resistências do agronegócio. O espaço onde as redes políticas de resistências do agronegócio ganham forma está inserido em um mais amplo conjunto de relações de características globais que constantemente ameaçam dissolver/desestruturar seus espaços de interesses, Nascimento (2010). Desse modo, pessoas, firmas, agências do estado, etc. organizam-se a fim de assegurar as condições que permitam a contínua existência desses espaços. E, ao fazê-lo, eles têm que se envolver com outros centros de poder social, como por exemplo, o governo local, a esfera nacional e, talvez, a internacional, formando, desse

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REDES POLÍTICAS DE RESISTÊNCIAS – A ESCALA COMO RECURSO E ESTRATÉGIA DE LUTA

Luciano Bomfim do Nascimento Universidade Federal Fluminense-UFF

[email protected]

Resumo O objetivo deste trabalho é desenvolver um ensaio teórico que aborda o conceito de escala como um recurso de poder e estratégia política de luta para as redes políticas de resistências. A escala é vista neste trabalho como uma metáfora (espacial), no que tange às redes de associações que os atores formam. As redes políticas de resistências sendo uma metáfora espacial representacional nos possibilitando compreender melhor as estratégias de luta dos movimentos sociais. Palavras-chave: Movimentos sociais. Escala. Discurso. Representação. Introdução Este trabalho tem como objetivo desenvolver uma abordagem do conceito de escala

como um recurso de poder e estratégia de luta para as redes políticas de resistências,

incorporando as ideias de Cox (1998) sobre os espaços de dependências e espaços de

comprometimento. Como vem sendo discutido na Geografia, a escala é uma construção

social. E como tal, para nós, ela pode ser criada discursivamente atendendo interesses

através das escalas. Desse modo, ela é uma estratégia de representação espacial

dando visibilidade a seus atores.

Este trabalho é um aprofundamento das ideias lançadas por nós, Nascimento (2008),

quando analisamos as redes políticas como algo aberto, não natural, possíveis de serem

modificadas através dos movimentos de contra-espaço. Posteriormente, Nascimento &

Silva (2010), sistematizamos esses movimentos como redes políticas de resistências do

agronegócio.

O espaço onde as redes políticas de resistências do agronegócio ganham forma está

inserido em um mais amplo conjunto de relações de características globais que

constantemente ameaçam dissolver/desestruturar seus espaços de interesses,

Nascimento (2010). Desse modo, pessoas, firmas, agências do estado, etc. organizam-se

a fim de assegurar as condições que permitam a contínua existência desses espaços. E,

ao fazê-lo, eles têm que se envolver com outros centros de poder social, como por

exemplo, o governo local, a esfera nacional e, talvez, a internacional, formando, desse

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modo, redes políticas de resistências. Redes em que as políticas, para assegurar aquele

espaço, se desenvolvem.

As ideias do presente trabalho que sustentam a abordagem da escala como recurso de

poder e estratégia política estão calcadas na rede de alianças que indivíduos e

organizações desenvolvem através das mais diversas escalas - que este trabalho

considera como centros de poder social - para defender interesses de seus espaços

locais. Esses centros de poder são as escala de divisão territorial do Estado, mas esse

papel não é exclusivo desse ator, pois existem outros atores com forte poder territorial

fora da jurisdição do Estado, com sua escala de competência altamente demarcada,

como igrejas, partidos políticos etc.

Isto por que, a escala de divisão territorial (do Estado e desses outros atores) é, sobre

tudo, uma escala de divisão de trabalho. De competências. Cada um com seu específico

poder de tomadas de decisões e que por isso se constituem como centros de poder

social. Um recurso influenciando nas tomadas de decisões.

A rede de alianças é formada justamente quando a escala aonde o conflito se desenvolve

não é suficiente para resolver suas questões, levando os indivíduos a se articularem com

outras esferas. No caso de um conflito local, por exemplo, à esfera estadual, regional,

nacional e até global. Se engajando com a escala/ator que tem o poder de tomada de

decisões ou que possui os recursos necessários para influenciá-las. Isto ocorre porque

determinados atores podem pertencer a escalas mais globais, mas todos eles

compartilham um interesse em particular condições local, agregando assim diversos

atores/interesses/escalas.

Nessas políticas – alianças entre escalas - interesses são negociados, acordados e

compartilhados (conceito de rede política segundo JORDAN & SHUBERT 1992, VAN

WAARDEN 1992, DOWIND 1995 e LIMA, 2005), articulando essas escalas/atores,

com objetivos os mais variados - complementares e/ou conflitantes - em redes políticas.

Articulando-os em uma única escala. Sendo esta uma produção política através do

discurso para dar legitimidade a seus espaços. Criando os discursos que dão visibilidade

à escala.

É essa rede de alianças (escala) que esse trabalho considera como uma estratégia de

luta. Uma representação política. A rede política criando e nos possibilitando ver escala.

Uma questão local se torna nacional, senda ela lutada nessa escala. Da mesma forma o

são para uma questão mais global precisar ser defendida numa escala local.

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Desse modo, podemos ver escala através dessas redes de associações. E como discurso,

podendo ser manipulado, a escala é criada, sendo uma metáfora. E aqui nesse caso,

metáfora espacial. As redes políticas de resistências são por tanto uma metáfora espacial

representacional nos possibilitando compreender melhor as estratégias de luta dos

movimentos sociais.

Analisaremos o conceito de escala como estratégia de luta para redes políticas de

resistências no que se refere aos movimentos sociais de uma forma geral. Para, em um

trabalho posterior (pesquisa em andamento), articular essa estratégia com os

movimentos sociais específicos dos espaços do agronegócio brasileiro. Os Povos do

Cerrado, a tentativa de criação de outro estado na Bahia pelos atores do agronegócio são

exemplos de “criação” de escala, assim como a Moratória da Soja é um bom exemplo

das estratégias de articulação com uma escala mais global, além de muitos outros

exemplos.

Esses espaços, em função da cadeia de atividades que encerram as áreas de complexo

agroindustrial, as redes que este forma, é um terreno riquíssimo para a análise das

articulações que os atores do capital e consequentes resistências fazem com os mais

variados níveis/esferas de poder. Questões essas que extrapolam o objetivo deste

trabalho, conforme indicado.

Redes políticas de resistências e espaços de comprometimento O espaço é o lugar do encontro; de trajetórias diferentes. Onde as identidades estão

constituídas, mas também estão em permanentes mudanças. As conexões e ligações

estão em constante refazer (MASSEY, 2009). Como o espaço é o lugar do devir, aberto,

e imprevisível, ele se projeta para o futuro e, desse modo, para a mudança, para os

movimentos de contra-espaço (NASCIMENTO, no prelo). Pano de fundo às variações

dos interesses serem arrumados em movimentos de contra - espaço que aqui chamamos

de rede política de resistência. Sendo esta, conforme já havíamos indicado, aberta, não

natural.

Parafraseando com Marx (1939): se a produção não tem nada de natural, regidas por leis

eternas e independentes da História - como querem colocar dissimuladamente alguns

economistas, sendo passíveis de serem modificadas, e desse modo, os atores e as

relações de dominação que essa produção responde - essa rede política também não é

natural, sendo passível de ser modificada, através da identificação de seus atores e de

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seus interesses, incorporando outros atores e interesses (conflitos sociais) fazendo jus a

um desenvolvimento territorial mais justo (NASCIMENTO, 2008).

Esses movimentos ou/e comunidades vem ou podem lançar mão de várias estratégias

para permanecerem em seu espaços/em suas terras e/ou conquistas de terra. E uma

dessas estratégias possíveis poderia ser uma rede de associações chamada por Cox

(1998) de espaços de ‘comprometimento¹’ (engagament).

Segundo Cox (1998), os espaços de dependência são representados pelas relações

sociais mais ou menos localizadas sobre as quais dependemos para realizações de

interesses essenciais, não existindo substituto em outro local. São condições específicas

do lugar para nosso bem-estar material e nosso sentido de “significação”. Esses lugares

são/estão inseridos em um mais amplo conjunto de relações de características globais

que constantemente ameaçam minar ou dissolver esses espaços.

Desse modo, pessoas, firmas, agências do estado, etc. organizam-se a fim de assegurar

as condições que permitam a contínua existência de seus espaços de dependência. E, ao

fazê-lo, eles têm que se envolver² (‘to engage’) com outros centros de poder social,

como por exemplo, o governo local, a esfera nacional e, talvez, a internacional,

formando, desse modo, o que ele chama de espaços de comprometimento ‘engagament’.

Espaço em que as políticas, para assegurar aquele espaço de dependência, se

desenvolvem. Esses espaços podem se dar numa escala mais global que o seu espaço de

dependência – ‘jumping scales’ - ou de forma contrária.

Este envolvimento com outros centros de poder se dá, porque a escala de divisão

territorial de poder do estado é, antes de mais nada, distribuição de competências, isto é,

de trabalho. O Estado é dividido nesses níveis para melhor gerir e administrar seu

espaço. Seu alcance territorial. Cada um desses níveis tem seu papel, atribuições e

obrigações a desempenhar que lhe são próprias; sua escala de competência. E que por

isso, segundo o referido autor, se constituem como centros de poder social. Além do

mais, dão conta de interesses já arraigados.

Dessa forma, para realizar suas metas, atores/agentes, individuais ou através de

organizações, têm de construir uma rede de ligações com outros centros de poder social,

podendo se dá de duas formas: se ‘engajando’ com àqueles centros de poder que têm a

capacidade de tomar decisões afetando diretamente a realização dos objetivos dos

agentes; e/ou, como também, - ou possivelmente como uma alternativa se àqueles

centros com poder de tomada de decisão estiverem resistente - esses agentes precisam

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criar ligações com atores/agentes que podem exercer alguma influência e/ou pressão

sobre aqueles centros com poder de decisão.

E dado o alcance territorial de agentes e organizações, seu desejo de exercer controle

sobre o conteúdo de áreas, os centros apropriados para a tomada de decisão são

provavelmente consistente de várias agências do estado (COX, 1998).

Sendo assim, a consideração da estrutura espacial do Estado, sua escala de divisão do

trabalho, faz dele um atrativo parceiro. Em muitos casos ele será o foco na construção

dos espaços de comprometimento (engagament) - associações que indivíduos e

organizações formam. Entretanto, duas questões devem ser esclarecidas em relação a

divisão territorial de trabalho do Estado.

A primeira, diz respeito à existência de outros centros de poder que não o Estado, pois

suas agências não são as únicas com poder territorial. É importante não exagerar na

posição estratégica do Estado. É verdade que ele tem capacidade de tomar decisões com

implicações territoriais e isto faz dele um parceiro atrativo para todos aqueles com

interesses locais ou identidades nessa tarefa. Na maioria dos casos, ele será o foco da

rede de associações construídas por aqueles que dependem de condições locais. Mas

não é o caso de que todos agentes com poder/responsabilidades territoriais sejam

agências do Estado.

Existem instituições com alto poder territorial, com suas escalas de distribuições de poder

altamente demarcadas, como as igrejas, partidos políticos, sindicatos, empresas de

serviços públicos, corporações etc. levando os atores/associações a ‘engaja-se’ com esses

centros de acordo com as necessidades de suas reivindicações, como indicado acima.

Possuem, tais instituições, o poder efetivo da tomada de decisão para as reivindicações ou

então para fazer pressão naqueles centros que possuam. Em outras palavras, desenvolvem

suas formas territoriais através dos quais organizam suas atividades (COX, ibidem).

A segunda questão referida - em relação à divisão territorial de trabalho do Estado -, diz

respeito a duas características das estratégias que os atores podem e fazem uso.

Primeiro, ao avaliar as estratégias de agentes individuais ou organizações e como eles

constroem sua rede de associações, essa estrutura espacial do Estado - sua escala de

divisão do trabalho - é uma importante consideração. Entretanto, tal estrutura não é um

horizonte imóvel (chegando bem próximo da ideia da rede política não ser natural e, por

tanto, ela é aberta). Essas organizações podem ter como meta mudar àquela distribuição

de poder e responsabilidades ao invés de trabalhar dentro dela.

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A segunda característica refere-se aos níveis do Estado, que são formalmente distintos. Apesar de seus poderes e responsabilidades diferentemente acordados, territorialmente

definidos, esses níveis podem ter funções substitutas caso imperfeitas, do ponto de vista

dos agentes perseguindo objetivos particulares. Um governo local não pode faltar com o

poder para impor impactos de taxas para uma construtora, mas ele pode ser capaz de

preventivamente comprar a terra e colocá-la dentro de um parque público (COX,

Ibidem).

Desse modo, em busca de influência, os atores dessa rede política de resistência, pode,

por seu turno, precisar construir as mais elaboradas redes de conexões com outros

centros de poder social. E isto pode se dar pela combinação da força numérica deles

e/ou pelo controle deles sobre outros recursos significantes para àqueles com poder de

tomada de decisão. Controlando, desse modo, diretamente as alavancas/níveis do poder.

Assumindo uma diversidade de formas diferentes.

Na criação dessas redes como estratégias, há diferenças entre condições, metas e

interesses no que tange às redes políticas e/ou de resistências, diferenciando conteúdo

(e forma, discutida em um trabalho posterior). Organizações comprometidas em realizar

os interesses de membros em localidades específicas, coalizões de crescimento, pode

entrar em coalizão com outras redes políticas de resistências em qualquer outro lugar,

seja onde for. E isto ocorrerá caso as condições a serem influenciadas são por todos

compartilhadas e se mudanças naquelas condições alterarão suas habilidades na

realização de seus objetivos, como, por exemplo, atrair investimentos internos.

Em outros casos, a estratégia da rede política de resistência seria, dentro da construção

de redes que estamos analisando, uma questão de mobilizar aqueles que identificam-se

com as metas de algum agente ou organizações, senão compartilham seus interesses.

Esses dois últimos exemplos representam alianças com aqueles cujos fins últimos são

diferentes, mas que compartilham um interesse em particular condições local. Isto é,

condições local que realizarão simultaneamente aqueles diversos fins.

Desse modo, forma-se uma rede política mais ampla, se estendendo para além da

localidade e subordinando-a dentro de uma maior - amplamente realizada/difundida -

gama de identidades social. Um exemplo, poderíamos assim dizer, seria mobilizar um

sentido de identificação com algo, atividade ou situação do local com tal agregado de

identidades, fazendo este agregado mobilizar os recursos necessários em seu nome. E

fazendo isso, em nome da localidade/rede política.

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Um ótimo exemplo analisado por Cox foi de um conflito de uso de terra em torno da

extração de depósitos de areia da companhia inglesa Village Chackmore. Os oponentes

locais, nesse caso, quase perderam essa luta devido a apresentação de um plano nacional

de uso da terra especificando que estes recursos eram importantes para as necessidades

minerais da nação, e, desse modo, tornando muito difícil a oposição local para o plano.

Entretanto, tal oposição com bastante sucesso lutou contra o plano nacional de uso da

terra por impor um discurso alternativo de herança nacional centrado em torno do Stowe

Park como um lugar que foi largamente reconhecido por sua paisagem ornamental.

Trazendo, desse modo, para si, vários atores/organizações que compartilhavam dessas

ideias.

Neste caso, a questão local foi lutada nacionalmente, mas somente em parte, porque no

tempo, foi o grupo de oposição local (CAGE) removido da disputa, e o evidente pulo –

‘jamp’ – de escala nos argumentos do grupo não eliminou a importância do local, ele

meramente o adicionou para o mix do discurso político. Uma escala não substituiu a

outra, porque escala não é tão mais uma área quanto ela é uma rede. Aqui temos

alianças com aqueles cujos fins últimos são diferentes, mas compartilham um interesse

em particular condições local, condições essas que realizaram simultaneamente àqueles

diversos fins.

Outro exemplo analisado por Cox seria da articulação entre uma associação de

construtores e o governo federal, em 1932, nos Estados Unidos. Esse autor descreve a

batalha em torno da padronização/normalização federal do planejamento, subdivisão e

regulação de hipoteca nesse país. O programa de seguro da FHA’s estimulou a demanda

habitacional que agradou/satisfez os corretores de imóveis locais, mas também o

programa de seguro levou à padronização das regulações do planejamento urbano. Estas

regulações estabilizaram o mercado habitacional/imobiliário permitindo a comunidade

de construtores investirem em grandes subdivisões com um maior nível de garantia de

que eles colheriam os lucros de seu investimento infra-estrutural.

Esses dois diferentes grupos, corretores e comunidades de construtores, podem ambos

serem considerados locais, e ambos se beneficiaram da regulação ‘de cima para baixo’,

mas em diferentes formas. Os corretores de imóveis se beneficiaram porque o seguro de

hipoteca estimulou a demanda por habitação; a comunidade de construtores se

beneficiou porque os procedimentos exatos e estritos do planejamento do uso da terra

ajudaram a assegurar que incompatíveis adjacentes usos da terra não desvalorizaria

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seu produto. Deste modo, interesses local - até no mesmo local - não fazem

necessariamente um mapa perfeito/ordenadamente um para/em o outro. ‘O local’ como

escala é um complicado conceito que não pode ser reduzido para um nível ou interesse.

Do mesmo modo, se por um lado, a ‘comunidade de construtores’ desejava estabilidade

nos seus investimentos local de respectivo mercado de moradia para que pudesse ai

ganhar dinheiro, o governo federal, por outro lado, desejava uma estimulação da

economia nacional através do impulso de uma demanda que ele acreditava vir do

aumento da compra de casa. Para ambos atores, a segurança de condições para

investimento em moradia em áreas urbanas, a redução do risco para a comunidade de

construtores, foi um importante e compartilhado meio, mas para diferentes fins.

A comunidade de construtores percebeu que não resolveria seu problema a partir da

jurisdição do governo local devido a vários interesses divergentes principalmente da

comunidade de corretores de imóveis (tal nível local não daria conta definitivamente de

seus interesses), essa comunidade se articulou com a esfera federal vendo nisso uma

estratégia para seus objetivos. Aqui temos o objetivo do Estado e das comunidades de

construtores em assegurar as condições de investimento em moradia nas áreas urbanas e

a redução dos riscos para a comunidade de construtores: foi um importante e

compartilhado meio, mas para fins diferentes.

E por fim, um outro exemplo seria o da realocação forçada - os townships – na África

do Sul. A fim de resistir à realocação forçada, a população agregou-se em torno da

organização Brits Action Committee (BAC). Esse grupo de oposição teve como

estratégia conectar-se com o movimento Antiapartheid e, desse modo, tirar proveito do

suporte de grupos antiapartheid na região como um todo, na África do Sul e até fora do

país. Isto, por sua vez, pôde disponibilizar para o BAC uma variedade de táticas

efetivas, desenvolvidas em outros lugares na África do Sul, como a mobilização da

mídia estrangeira em seu nome.

Conectado com o movimento antiapartheid, o caso da Brits ganhou repercussão em

jornais de peso no cenário internacional, como a primeira página do New york time e o

Washington Post. Além de ser matéria de notícias e de debate em grandes emissoras de

televisão. Todas as histórias tinham o mesmo tema: o que aconteceu em Oukasie (Brits

Old Location) foi um presságio de um retorno à era de remoção forçada?

Desse modo, a estratégia da Brits foi mobilizar a mídia em nome do Apartheid, e, com

isso, em seu nome, o que fez bastante pressão na África do Sul. A perda de uma aliança

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com o centro levou as organizações/agências/ responsáveis pela remoção forçada – e

com ela seus interesses econômicos e políticos - à falência. Aqui temos a mobilização

de atores que se identificam com as metas de alguns agentes que não compartilham dos

seus interesses. A participação do movimento anti-apartheid não foi devido ao fato de

que eles compartilhavam o interesse de preservar o ‘township of Oukasie’ e facilitar a

vida de seus habitantes. Ao invés disso, foram as características racistas e arbitrárias de

ação do governo que os envolveram.

Escala, representação e poder Cox (1998), através da relação entre espaços de dependência e espaços de

‘comprometimento’ com foco na questão da política local, está preocupado em mostrar

como a escala pode ser por nós apreendida e como é importante questionar o conceito

de escala, sendo ela uma construção social. Totalmente distante do conceito areal ou

como um espaço fechado.

Deveríamos pensar redes políticas (de resistências) como uma estratégia - rede ligando

lutas locais com eventos regionais, nacionais ou globais. Ao fazer esse ‘pulo’ de escala

ou construir tais redes, grupos locais praticam políticas, segundo Jones (1998), por

reformular ativamente os discursos dentro dos quais suas lutas são constituídas. Eles

mostram os pontos em comum entre seus objetivos políticos e outros mais amplos,

ligando, desse modo, discursivamente sua causa com outra(s), de uma forma que

funcione a seu favor.

Desse modo, estas redes estão praticando uma estratégia representacional. Elas

discursivamente (re) presentam suas lutas políticas em\através da escala e ao fazer isso,

eles ajudam a reformular a oposição para si. Mostra que uma batalha ‘local’, por

exemplo, pode também ser representado como uma luta global. E quando isto é feito, a

luta local pode fazer um coro com muitas pessoas que argumentarão em seu nome

(JONES, 1998). Aquela diferenciação feita no item anterior, entre condições, metas e

interesses, em muitos casos, fazem parte dessas práticas discursivas.

Podemos ver nisso – e os exemplos da comunidade de construtores, de exploração de

areia da companhia Chackmore e os da realocação forçada (os townships) mostram

muito bem isso - uma evidência de que a construção dessas redes é feita através de

práticas representacionais – elas podem assim ser entendidas como relacionalmente

situadas dentro de uma comunidade de leitores e produtores que dão sentido às práticas

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de escala. Além disso, esta construção é continuamente contestada. Na verdade, escala é

o resultado da contestação (resistências). E o modo como ela é resolvida em um

momento pode ser bastante diferente em outro. Sendo, desse modo, específica-

historicamente e matéria de mudança em termos dos vários conceitos de escala em si

(JONES, ibidem).

Redes políticas seriam uma prática representacional desenvolvida pelos participantes

em batalha. Uma prática situada dentro de uma comunidade de leitores e produtores que

ativamente negocia e constrói ela. Sendo assim, se os participantes em disputas políticas

desenvolvem argumentos sobre escala discursivamente - alternativamente representa

sua posição como global ou local para melhorar sua posição -, nós devemos também

aceitar que escala em si é uma metáfora representacional, uma forma de construir uma

espacialidade-política que por sua vez tem efeitos materiais.

E se escala é uma metáfora, então não podemos vê-la como neutra ou transparente na

forma como é representada. Toda metáfora carrega com ela sua própria retórica. Sua

própria habilidade de moldar o significado do espaço (DUNCAN, 1996 apud JONES,

1998). Metáfora\apresentação pode ser o resultado de um conjunto de práticas técnicas

que são em si uma retórica, uma forma de comunicação persuasiva. Em sua construção,

se prática seleção, simplificação e classificação e estes passos são todos inerentemente

retóricos.

Este é o poder da seleção e simplificação; ou categorização, que dá representação ao seu

poder persuasivo. As estratégias de apresentação (como eles se apresentam - o que é

deixado ou jogado fora) de si constroem uma particular forma de conhecimento. Eles

ambos encorajam certos significados e constrói ou limitam outros (NORRIS 1987 apud

JONES 1998).

Desse modo, escala deve ser intimamente ligada ao nosso conhecimento de poder e do

espaço. Devendo ser contextualizada sócio-culturalmente e historicamente. Como uma

metáfora representacional, escala pode ser\estar implicada em permitir particulares

relações de poder e espaço que dão vantagens a alguns grupos sociais em desvantagem

de outros. Os papéis de ordem social e as práticas de representação andando de mãos

dadas. O ‘verdadeiro’ significado pode nunca simplesmente passar de uma metáfora.

Ele é sempre moldado. Representação é poder. Redes políticas são uma prática

representacional.

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Conclusões Como nos pôde ser percebido, a escala de divisão territorial do poder tende a ser porosa.

O alcance territorial das agências do estado, e de outros atores/organizações com

poderes territorialmente definidos, são imperfeitas; têm sempre redes políticas de

resistências. A escala de divisão territorial do poder é um poder formal que é afetado em

sua atual aplicação por condições contingentes.

Desse modo, atores nas redes políticas que formam (conectando-se a vários níveis de

poder) não são em nada limitados por esses limites (cercos) de divisão territorial de

poder. Políticas de governo local podem ser apeladas para os mais altos níveis de

autoridade, como no exemplo da remoção forçada na África do Sul em que redes de

associações foram criadas através de fronteiras nacionais. Revelando-nos forma

(discutido num trabalho posterior) e deturpando discurso.

Notas 1 A primeira correlação das redes políticas de resistências (SILVA & NASCIMENTO, 2010) com os espaços de dependência/comprometimento das análises de Cox (1998) foi feita por Lima (2010), em que este autor se pergunta até que ponto essas redes se relacionariam com as análises dos espaços de Cox. ² Para ficar claro para o leitor, usaremos o verbo que pensamos ser o mais próximo do usado pelo autor, que seria o verbo engajar. No qual usaremos no sentido de se conectar, envolver e comprometer-se.

Referências COX, K. Spaces of dependence, spaces of engagament and the politics of scale, or : looking for local politics in Political Geography, vol. 17, n.1, 1998. DOWIND, K. Model or metaphor? A critica review of the policy network approach in Potical Studies, XLIII, 1995. JONES, K. Scale as epistemology in Political Geography, vol. 17, n.1, 1998. JORDAN, G.: SHUBERT, K. A preliminary ordering of policy network labels in European Journal of Political Research, Netherlands, n. 21, 1992. Lima, I. Redes políticas e recomposição do território. 2005. 240 f. Tese (Doutorado em Geografia) Programa de Pós-Graduação em Geografia, UFF, Niterói. __________. A complexidade das redes políticas in Silva, Carlos Alberto & Nascimento, Luciano B. (org.) As redes políticas do agronegócio da soja: interesses, estratégias e resistências. Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2010.

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MARX, K. Introdução à crítica da economia política. São Paulo: Expressão Popular, 1939. MASSEY, D. Pelo espaço. Uma nova política da espacialidade. Tradução de Hilda Pareto Maciel e Rogério Haesbaert. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009. NASCIMENTO, L. As redes políticas da Fundação Mato Grosso. 2008. 160 f. Dissertação (mestrado em Geografia) Programa interno de Pós-Graduação em Geografia, UFF, Niterói. _____. Redes políticas e redes de interesses: uma proposta de análise dos espaços agroindustriais. 2009. 90 f. Monografia apresentada ao curso de Graduação, UFF, Niterói. _____. A Rede política/de interesse dos complexos agroindustriais: um ensaio teórico conceitual in Silva, Carlos Alberto F. & Nascimento, Luciano, B. (org.) As redes políticas do agronegócio da soja: interesses, estratégias e resistências. Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2010. _____. As redes políticas/de interesses da Fundação Mato Grosso in Silva, Carlos Alberto F. & Nascimento, Luciano B. (org.). As redes políticas do agronegócio da soja: interesses, estratégias e resistências. Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2010. SILVA, C. Redes políticas do agronegócio da soja na Amazônia in Silva, Carlos Alberto F & Nascimento, Luciano B. (org.). As redes políticas do agronegócio da soja: interesses, estratégias e resistências. Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2010. VAN WAARDEN, F. Dimensions and types of policy networks in Political European Journal of Research, 1992.