Redescobrindo o Pensamento Richmondiano Diagnóstico Social

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    REDESCOBRINDO O PENSAMENTO RICHMONDIANO: DIAGNSTICO SOCIAL1

    Ilda Lopes Rodrigues da Silva2

    RESUMO

    Este artigo faz uma releitura da obra Diagnstico Social, de autoria de Mary Richmond, na perspectiva terica de estudo do objeto de conhecimento do Servio Social. Toma como quadro de referncia as categorias de anlise Evidncia Social / Investigao e Interpretao / Explicao, considerando o bem fazer e porque fazer o Servio Social. PALAVRAS-CHAVE: Diagnstico Social, Teoria do Servio Social, Mary Richmond.

    ABSTRACT

    This article is based on a rereading of the Mary Richmonds Social Diagnosis book within a theorical perspective of the study of the object of knowledge of Social Work. Its frame of reference are the following analytical categories: Social Evidence / Investigation and Interpretation / Explanation taking into consideration the well to do and the why to do in Social Work. Key-words: Social Diagnosis, Social Work Theory, Mary Richmond.

    Social Diagnosis , entre os livros de Mary Ellen Richmond, aquele onde pulsa simultaneamente o conjunto de inquietaes a partir do qual esta admirvel representante da crtica ao assistencialismo economicista pe a descoberto as dvidas, os obstculos e as posies assumidas pelas(os) trabalhadoras(es) no final do sculo XIX meados do sculo XX; e no qual se l o registro da construo da primeira sistematizao das bases cientficas do Servio Social. O livro constitui um excelente ponto de partida para uma tentativa de interpretao e organizao de seu pensamento. Este ponto de partida metodologicamente til porque uma leitura de Richmond implica certo esforo, pois as linhas de ordenao de seu pensamento exigem uma aproximao nem sempre fcil ao contexto scio-cultural e cientfico dominante em seu tempo. 1Texto adaptado de minha Dissertao de Mestrado em Servio Social defendida na Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, PUC-Rio, em 1976. 2Professora Associada do Departamento de Servio Social da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, PUC-RIO. Mestre em Servio Social pela PUC-RIO. Livre Docente em Servio Social pela Universidade Gama Filho UGF.

    Em Debate 04 (2006) Rev. do Depto. de Servio Social

    PUC-Rio http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br

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    A obra richmondiana est reunida em sete volumes e vrios artigos dispersos que revelam uma dupla pedagogia: uma voltada para a filosofia, ao indicar os valores subjacentes s prticas sociais; outra, para o mtodo, quando prescreve procedimentos de conhecimentos e ao, nas reflexes que empreende sobre bem fazer e porque fazer o trabalho social. Em 1899, organiza um manual para trabalhadoras sociais intitulado Friendly Visiting the Poor: A Handbook for Charity Workers editado por The Macmillan C, NY. Em 1907, escreve para os voluntrios The Good Neighbor in the Modern City, com edio especial de dez mil exemplares publicados por J.B. Lippincott C. A partir da exigncia da necessidade de conhecimento e preparo para o trabalho social, Richmond dedica-se pesquisa, levando a discusso cientfica ao campo social. Rene material durante vrios anos para seus livros Social Diagnosis (1917) e What is Social Case Work? An Introductory Description (1922), editados pela Russel Sage Foundation, NY. The Long View, ltimo livro, uma edio pstuma de 1930 que junta artigos e textos produzidos por Richmond no perodo de 1882 a 1928. Suas organizadoras Joanna G. Colcord e Ruth Z. S. Mann, apresentam essa coletnea de documentos de forma cronolgica, o que permite acompanhar o pensamento e as experincias da autora ao largo do tempo de sua existncia. Vale registrar as cinco partes desse livro editado tambm pela Russel Sage Foundation. So elas: 1-Anos Pr-profissionais, 1861 a 1889; 2-Baltimore, 1889 a 1900; 3-Filadlfia, 1900 a 1909; 4-Nova York, 1909 a 1917; 5-Nova York, 1917 a 1928. Social Diagnosis teve sua publicao em lngua portuguesa como DIAGNSTICO SOCIAL, em 1950, pelo Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge, de Lisboa, Portugal, por traduo do Dr. Jos Alberto de Faria. No houve aps essa iniciativa nenhuma outra que contemplasse esse livro integralmente, ou os demais da sua obra, de forma completa em portugus. Decorrido, portanto, mais de meio sculo, a oportunidade de reler o DIAGNSTICO SOCIAL de relevncia impar, pois o conhecimento das origens da profisso de Servio Social, e de sua matriz como uma nova disciplina social, fundamental para a construo de uma identidade, e instigante para procurar pistas para o encaminhamento dos problemas no resolvidos. O discurso de Richmond caracterizado por uma crtica, que permeia toda a sua elaborao, e pela descrio de suas construes tericas. A garantia que d a suas construes est baseada em sua experincia pessoal e nos conhecimentos cientficos de que dispunha. No as considera definitivas, mas admite que possam ser aperfeioadas, transformadas ou superadas. Isto porque o Servio Social, como disciplina, ter que acompanhar o progresso cientfico e a dinmica da sociedade. Usa a terminologia da poca. No tendo criado vocbulos prprios acrescenta aos termos tradicionais a palavra social. Dessa forma no deixa que seja percebida de imediato a especificidade neles contida.

    O livro DIAGNSTICO SOCIAL contm um prefcio e est composto por trs partes distribudas em vinte e oito captulos. A primeira parte intitulada Evidncias Sociais (na traduo portuguesa de 1950 est registrada como Realidades Sociais); a segunda parte, Mtodos que Conduzem ao Diagnstico; a terceira parte, Modalidades nos Processos. A seguir inclui trs apndices, bibliografia e ndice analtico. No prefcio Richmond descreve o caminho que percorreu para constituir sua obra, declarando que durante vrios anos recolheu material para responder a sua

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    indagao principal: - que noes bsicas e comuns haver que possam orientar as trabalhadoras sociais para chegar ao Diagnstico Social? Para alm de sua experincia, apoiou-se, na discusso cientfica com autores de seu tempo das reas do Direito, Psicologia, Histria, Medicina, Psiquiatria e Pedagogia. Termina o prefcio convidando os leitores a criticarem seu trabalho mostrando a abertura ao dilogo. Na primeira parte, Evidncias Sociais, analisa as origens do trabalho social e a natureza das evidncias em cinco captulos: Origens, A Natureza das Evidncias Sociais e a Utilizao de seu Conhecimento, Definies que Interessam Investigao, A Evidncia Testemunhal, e Dedues. Nesta parte inicial, ela trata da dimenso histrica do trabalho social baseado no inqurito. Percebe-se, logo na introduo, que o pensamento das trabalhadoras sociais na Inglaterra era orientado pela viso economicista, baseada no liberalismo econmico e na sociologia sob domnio positivista. Assim o inqurito geral desenvolvido nas ltimas dcadas do sculo XIX estava impregnado de um individualismo pragmtico, no admitindo procedimentos fora de seus critrios. Seus princpios fundamentavam as normas do trabalho assistencial que podem ser apresentadas resumidamente assim: a recepo de um auxlio fica sujeita a um minucioso inqurito; indispensvel provar a incapacidade de um necessitado; merece ateno verificar a inadequao do solicitante em relao sociedade. Por se vincular a estas normas, o papel da trabalhadora social era reduzido a investigar a verdade da misria, uma vez que cada benefcio era concedido em funo da prova.

    Richmond critica essa posio afirmando que qualquer homem com possibilidade de escapar a esse exame no se submeteria a ele; ainda mais, afirma que o objetivo do inqurito geral era antes represso do recurso desnecessrio caridade pblica do que o restabelecimento das energias ou a criao de oportunidades de aprendizagem (Richmond, 1950:7) de quem dele necessitava. Apresenta como reao a estas idias a experincia de Thomas Chalmers (1823) que, na parquia de Glasgow, fez ver a necessidade da caridade se tornar uma cincia baseada na observao com fins sociais, criando uma modalidade nova de trabalho: o inqurito individual que estimulava no indivduo a capacidade de auto-auxlio. Esse pensamento, entretanto, teve fraca aceitao na Inglaterra. Esclarece que uma nova possibilidade de trabalho social vislumbrada quando na segunda metade do sculo XIX fundada a controvertida Sociedade de Organizao de Caridade (Charity Organization Sociaty COS) em Londres (1869), logo aps na cidade de Bufallo, nos Estados Unidos da Amrica (1870). Nota, porm, que apesar de contar entre seus membros com pequeno grupo de reformadores sociais, as Sociedades continuaram a valorizar o inqurito geral. Nelas encontra-se tambm a caracterizao das causas da pobreza sob o ponto de vista individualista - que to profundamente marcou essa poca. Mesmo permitindo idias novas e desejosas de caracteriz-las, as Sociedades mantiveram, sempre, muito do esprito conservador. As grandes rupturas foram feitas muito lentamente. Richmond caracteriza o primeiro corte no processo de trabalho assistencial, quando indica, como contradio significativa dentro da Sociedade de Caridade de Londres, a tentativa de Octavia Hill, quando de seu trabalho educacional, junto a moradores de habitaes em condies subumanas (Londres, 1865). O seu esforo consistia em humanizar um programa de poltica habitacional, tirando elementos para o estudo da influncia do meio ambiente sobre as pessoas. Ela cria o sistema de visitao voluntria, cujos resultados permitiram a Octavia Hill descrever o inqurito, na Associao de Cincias (Inglaterra), como um trabalho social tendo por objetivo a reintegrao social dos indivduos.

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    Este posicionamento foi muito significativo para Richmond, pois para ela representou o primeiro texto em que o ser humano aparece acima de seu meio social inteiramente diferenciado do meio econmico. As teses de Octavia Hill tambm no tiveram grande repercusso na Inglaterra, mas foram aceitas por um pequeno grupo de trabalhadores sociais americanos como filosofia e como mtodo - e permaneceram como brechas abertas no sistema. Richmond, que inicia sua experincia no campo social na Sociedade de Organizao de Caridade (Baltimore, 1889), tomou o inqurito como um problema a ser estudado. Ela preocupa-se com o estudo dessa forma de trabalhar o que leva a uma anlise mais estreita das relaes entre padres de procedimento dos trabalhadores sociais no conhecimento e na ao; e com o estudo da qualificao dos trabalhadores sociais para a funo - em oposio ao sistema de inqurito geral. Na primeira parte do DIAGNSTICO SOCIAL, em resumo (cap. I a V), Richmond apresenta conceitos, formas e causas de seus empregos. Define social, diagnstico social, evidncia social, fatos, evidncias. Argumenta a favor da Evidncia Social para os propsitos do Diagnstico Social. A explicao conceitual pela definio d coerncia investigao. Expe finalmente os meios de raciocnio utilizados no Diagnstico Social. Na segunda parte, Mtodos que Conduzem ao Diagnstico (cap. VI a XVII) aborda a primeira entrevista como instrumento de investigao, de forma genrica e com aplicaes especficas no grupo familiar, nos campos mdico, escolar, profissional, vizinhana, instituies sociais e outros. No captulo XVIII ensina o que Comparao e Interpretao e como process-las. O captulo seguinte (XIX) indica as premissas em que baseia todo o trabalho social, diferenas entre indivduos (apoiada em Thorndike, 1911) e expanso da personalidade (apoiada em Helen Bosanquet, 1898,1906; Thorndike, 1911; James Mark Baldwin, 1912). Socialmente, claro que as semelhanas entre os homens devem levar igualdade de tratamento a todos - o que fortalece a melhoria das massas. Entretanto, Richmond chama a ateno para a necessidade de proceder de modo diferente para com pessoas diferentes - e a, sim, exercitar a democracia, a participao e o respeito para com o outro. Quanto ao conceito de expanso da personalidade parece a Richmond ser este fundamental, pois o esprito humano (evidentemente o esprito humano que o homem), pode ser descrito como somatrio das suas relaes sociais, portanto estas entram na organizao de novas experincias pessoais (Richmond, 1950: 315). Na terceira parte, Modalidades nos Processos, trabalha com questionrios visando responder de que maneiras sero indicados os modos possveis de obter melhores dados, quando necessrios (captulos XX a XXVIII)? Algumas das teses tratadas por Richmond so as seguintes: as trabalhadoras sociais seguem o modelo inqurito, portanto, do continuidade ao auxlio na viso economicista; as trabalhadoras apresentam as caractersticas de voluntariado por falta de preparo adequado ao trabalho social estabelecendo, dessa maneira, um elo de continuidade do modelo inqurito; o tratamento social se caracteriza, ao nvel de indivduos, pela omisso da articulao do necessitado no espao meio social; o pedido de auxlio, entendido pelo sistema inqurito, prende-se aos fatores econmicos, abandonando no necessitado as suas caractersticas de pessoa. O livro revela o empenho de Richmond em integrar o esprito cientfico numa sntese filosfica que considera o homem em seu mundo. Mostra suas construes originais: Evidncia Social e Diagnstico Social. A produo terica representa um corpo de conceitos articulados a partir de reflexes sobre momentos operativos. O estilo

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    de seu discurso se caracteriza por dois aspectos: um, relacionado defesa de suas teses (a problemtica da poca) e o outro s construes tericas que elaborou para propor um mtodo que diz respeito s condies de acesso aos dados, relacionando Evidncia Social e Investigao, e aquelas que tratam das condies propriamente construtivas, isto , a compreenso da Interpretao e Explicao. Assim, importa destacar os momentos do processo: um referente Evidncia Social, que organiza a configurao da dificuldade social; e o outro Interpretao que permite a sua compreenso. Frente ao questionamento do que se deve procurar acerca de qualquer ser humano e de sua dificuldade social, antes de obter o meio de resolver a situao, opta por realizar uma pesquisa de campo abrangendo 57 instituies sociais, das quais selecionou 2800 casos para estudo. Constri os critrios para a sua anlise fundada nos pressupostos:

    ... a melhoria da massa e a melhoria do indivduo so interdependentes; e o social empregado sempre que se trata do indivduo, duma associao humana ou princpio de sociedade, em que as relaes continuem a influenciar o esprito das unidades (Richmond, 1950:14). O social emerge das relaes sociais.

    Adota como categoria geral o caso tematizado no espao-temporalidade delimitado pela interveno da trabalhadora social. Como referente terico-normativo formula exigncias ao processo que conduz ao Diagnstico e organizao de um plano de tratamento: - as condies de acesso aos dados a colheita dos dados para averiguar a situao; e depois as condies propriamente construtivas as concluses que dessa averiguao se pode tirar. A colheita de dados, usando a expresso de Richmond, faz-se logo nos primeiros contatos que a trabalhadora social tiver: 1 com o interessado, 2 com a famlia deste, 3 com outras fontes de informao que no pertenam ao grupo familiar. Ao analisar os dados da pesquisa com base nessas referncias, Richmond relata as dificuldades que sentiu no tratamento dos dados, por no encontrar, nas informaes colhidas nos relatrios, a observncia dos critrios de objetividade, preciso, atualidade e fidedignidade. Em outras palavras eram dados subjetivos (fatos ou estrias de vida) apreendidos pelas trabalhadoras sociais em entrevistas, sem a preocupao com prova adequada a um trabalho de investigao social. Tenta demonstrar a impossibilidade de aceitar os fatos assim descritos como dados cientficos uma vez que os considerou contaminados. Ela desenvolve um trabalho de identificao das caractersticas da multiplicidade de fatos apreendidos, de fatos de diferente natureza, pela complexidade de fatores intervenientes e pela singularidade de cada situao caso. Ela trabalha a possibilidade de tornar em dados os fatos apreendidos, articulando a natureza dos aspectos dos diferentes fatos com as alternativas de conhecimentos disponveis. De imediato, porm, identifica a subjetividade da trabalhadora social e relaciona a exigncia de preparo cientfico para a profisso como uma varivel significativa. Chama a ateno, por exemplo, de que h regras para a trabalhadora social poder escolher entre testemunhas de confiana e outras, que tenham deitado certo sal nas informaes que prestarem.

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    Richmond questiona o problema da subjetividade frente ao postulado da interao fundamental entre o sujeito e o objeto de conhecimento, agravado nesta situao particular por ser esse objeto tambm um sujeito. Pois o problema se prendia a necessidade, no de dizer de forma melhor o que foi dito, mas de encontrar o no-dito inicial. Conta que refletiu sobre o saber que tinha a sua disposio: o mtodo das cincias naturais, o mtodo usado pelos tribunais, o mtodo associativo e o de testes usados pelos psiclogos, o mtodo da antropologia pedaggica, o mtodo de diagnstico mdico, o mtodo da histria. Aceita este ltimo como uma alternativa para o tratamento dos dados testemunhais. Ao tematizar esta alternativa dedica um captulo do livro (IV) para explicar a sua apropriao. Ao refutar os demais mtodos como inadequados, depara-se com um obstculo: a grande limitao ou a impossibilidade de fazer um experimento controlado. Os argumentos apresentados foram: no poder controlar atos e aes do passado no presente; no admitir a noo de permanncia em seu objeto de conhecimento; no aceitar o encadeamento causal unilateral; no admitir a possibilidade de apreender uma pessoa como objeto. A pesquisa mostrou a Richmond que as trabalhadoras sociais lidavam com dados subjetivos, que eram somados e voltados para exigncias de outras disciplinas no vinculadas caracterizao do objeto da disciplina trabalho social Servio Social; assim conclui pela necessidade de estudar as diferentes alternativas de evidncias (de razo, de fato, de sentimento e sensorial cap. III) em relao aos diferentes fatos aprendidos na pesquisa realizada. Considera que o saber por evidncia o saber por ter visto, por ter sentido de modo incontestvel. A partir do momento em que situa a evidncia como premissa, aceita como critrio a evidncia dos fatos e a evidencia social, isto , ver os fatos em conjunto, a totalidade dos fatos co-presentes e articulados, argumentando em favor do global. A Evidncia Social est dirigida para delimitar o objeto de conhecimento do Servio Social. A Evidncia Social reveste-se da funo de reunir todos os fatos da histria pessoal ou familiar, que considerados juntos indicam a natureza das dificuldades sociais de um dado cliente e os meios para a sua soluo. Pode-se entender que a expresso Evidncia Social no traduza com propriedade a operao do processo de conhecimento utilizado, mas pode-se inferir que equivale evidncia adequada, que pressupe um conceito de conhecimento. Por isso torna-se, para muitos, difcil numa rpida leitura descobrir o uso da evidncia em seu mtodo.

    Didaticamente, expe que os dados da investigao so os elementos iniciais do diagnstico, os quais uma vez coletados, constitudos como evidncias, ao serem submetidos a exame crtico e comparativo criam condies para a interpretao. Como definio, para usar uma palavra que compreenda todos os tempos dessa operao prefere o termo diagnstico, mais apropriado como conceito das cincias da natureza e mtodo do campo da medicina, do que o termo investigao, ainda que o diagnstico seja na realidade o que se faz em ltimo lugar. Diagnstico acrescido da expresso social, portanto passa a referir-se da por diante ao Diagnstico Social. Richmond ao tematizar o Diagnstico Social, bom enfatizar, admitiu ser a Evidncia Social uma descrio em presena de multiplicidade evidentemente articulada, cujos limites no podem ser delimitados por erro, mas por impossibilidade. Assim ficou caracterizado que o problema no era analisar as partes, mas descobri-las, ou seja, no dividir as unidades, cuja existncia indiscutvel, mas p-las em relao. Uma vez que aceitou os fatos serem aprendidos na maioria das vezes de mais de uma fonte para assegurar a intersubjetividade, coloca a exigncia dos dados limitados

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    por duas situaes: a observao sucessiva e o processo de observao est sujeito a modificaes controladas. Enumera como riscos: a subjetividade disfarada quanto intencionalidade de busca de determinados dados; dedues com excluso da experincia anterior; tempo ilimitado no permitindo a formulao de hipteses. Richmond usa uma linguagem claramente pedaggica ao apontar a inferncia como uma forma de raciocnio. Salienta que a partir dela, como operao mental, o Servio Social chega a sua descoberta. Mostra ainda que, o trabalho com base em inferncias mediatas, o raciocnio pode ser tanto dedutivo como indutivo. Continua no captulo V:

    De muitos casos particulares podemos deduzir uma verdade a generalizar e tambm pode suceder que de uma verdade geralmente admitida possamos deduzir alguns fatos novos a respeito de um caso particular (Richmond, 1950:72).

    Em seguida, Richmond mostra preocupao de relacionar Evidncia Social com a construo de hipteses; isto , concluir algo a partir de certos dados ou antecedentes, seja de fatos conhecidos para fatos desconhecidos. E continua de forma repetitiva, atravs de vrias situaes, a mostrar como pode ser feita essa inferncia: isto , a transformao do conhecido ao desconhecido hiptese. Prosseguindo, ela enumera os riscos a que se expe o pensamento: adoo de regra geral errada; erro de analogia; erro na relao causal; erro de caso particular. Os demais obstculos levantados por Richmond so agrupados na classificao de riscos resultantes de mentalidade de quem julga: predisposies pessoais; convenes e preconceitos, limitao por falta de flexibilidade quanto a hbitos de raciocnio. Termina o estudo da inferncia indicando-a como instrumental com o qual a trabalhadora social consegue generalizar suas descobertas referentes aos fenmenos observados e explicados em forma de interpretao. A partir da justificativa, que d sobre o uso da inferncia, dedica em seu livro doze captulos (VI a XVII) para ilustrar a aplicao de seu mtodo. Primeiramente apresenta a entrevista e a observao como tcnicas para o estudo a ser realizado. Considera a primeira entrevista com o cliente o instrumento bsico. Ensina como detectar se as condies observadas podem-se constituir em objeto de estudo. Seu interesse mostrar a observao como tcnica cientfica que ser usada como tcnica especfica para o mtodo. Por no admitir a pessoa isolada, nem o trabalho do social limitado ao inter-relacionamento da trabalhadora social ou assistente social e cliente (termo que adota em substituio a necessitado), mostra as exigncias do mtodo quanto multiplicidade de tcnicas a serem empregadas nas entrevistas realizadas em funo das fontes de informao diversas. E ressalta de modo especial o grupo familiar. Ao ensinar com quem colher e onde colher, preocupa-se com o contedo do que vai ser registrado como expresses faladas, e o que vai se constituir em observao. Salienta ento as reflexes sobre: a fidelidade no registro dos fatos observados; a observao intersubjetiva; a observao indireta.

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    Com este ltimo recurso - observao indireta - mostra a importncia do documento, que j contm uma anlise anterior de outro profissional, ser tambm tomado com objeto de estudo do Servio Social, ou seja, em sua perspectiva particular. Destaca nos trabalhos com casos sociais todas as tcnicas que vo cumprir os requisitos do seu mtodo. Aproveita essa oportunidade, mais uma vez, para ilustrar as condies de instncia de preparo profissional para o assistente social, especificando-as na ordem intelectual, tica, e da prpria filosofia da disciplina. Para melhor explicitar as operaes que garantem o Diagnstico Social relevante o captulo a respeito de Comparao e Interpretao (XVIII). O trabalho desta fase exige a compreenso do conhecimento de que na Evidncia Social os fatos esto reunidos na forma como foram recolhidos. Em outras palavras, os fatos ainda no teriam sido ordenados - de modo que os elementos componentes das relaes consideradas bsicas apaream como variantes uns dos outros - nem apaream como um conjunto na viso totalizante do caso social. Richmond considera muito importante o resultado da comparao dos dados, pois ela que vai determinar a organizao dos dados j no mais da maneira apresentada pela Evidncia Social - ou seja, como foram apreendidos. Ainda mais porque esta organizao ser a base sobre a qual sero levantadas as hipteses. Por isso no captulo XX (Incapacidades Sociais e Planos de Questionrios), relaciona o tema s exigncias dos questionamentos que podem auxiliar a comparao dos dados. A Evidncia Social ao mesmo tempo uma informao colheita de dados e um problema que o trabalhador social deve resolver ativamente para atingir e ultrapassar esta informao, passando de uma condio de organizador para uma posio de descobridor quando, agindo sobre ela, cria uma nova informao. Richmond, ao trabalhar com hiptese, usa o modelo dedutivo a partir da inferncia imediata. Salienta as regras importantes, que ao contrrio do que aparentam, so de difcil cumprimento. Admite o carter aberto da hiptese, logo aceita que as concluses so provisrias. Considera que o processo lgico, inserido na hiptese, constitui uma inferncia vlida, apesar de passiva de transformao. Expressa essa objetividade na interpretao, considerada como hiptese integral, cuja validade nas proposies pode ser aceita, e ou acreditada, dentro da prpria compreenso do humano que se deixa descobrir. Poderia se dizer ento que o Diagnstico Social explica, ao interpretar a sua prpria hiptese. Richmond, ao colocar o exame crtico e a comparao como operaes necessrias, indica a exigncia do trabalho de verificao lgica: a coerncia e a verificao tcnica. Em seguida ocupa-se da verificao cientfica (resultado estrito). Assim todo o conjunto de dados que compe a Evidncia Social passa ao nvel de hiptese. No discurso, o processo de observar tudo, ou colher todos os fatos em funo de um pedido de ajuda, delimitado no conceito de Diagnstico Social pela hiptese integral. Admite, como forma de verificao, a observao dirigida para o exame de novas formas de comportamentos e atitudes. Tudo em dependncia direta com o contedo especfico (Evidncia Social, a priori), o carter das pressuposies em questo (hipteses) e os controles (observao direta, indireta ou de campo) selecionados para corrigir ou rejeitar a hiptese integral (o a priori sinttico). Admite a experincia controlada pelo fator tempo, submetido s exigncias do objetivo do trabalho social. Afirma em seu discurso que a hiptese, considerada como ponto de partida obrigatria do trabalho, j contm antecipadamente uma idia. A pobreza intelectual da hiptese que determina a pobreza da interpretao. E ainda que, em verdade, no haja

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    condies para ser satisfeita essa exigncia, explica que toda hiptese o resultado de um processo mental de esquematizao e de abstrao a partir de dados sensveis, mas que nenhuma expresso terica corresponde exatamente realidade exterior. Alm disso, ela distingue o nvel do processo de pensamento (trabalho intelectual) da pressuposio filosofia do Servio Social.

    Richmond, no captulo VI, aborda por interpretao:

    ...a tentativa de deduzir das evidncias, que se tenham apurado, uma definio to exata quanto possvel das dificuldades sociais do cliente, de onde resulta que na interpretao afinal que consiste o diagnstico (Richmond 1950:75).

    Mostra grande preocupao em indicar no captulo XVIII, o contedo do diagnstico e diz:

    ... um diagnstico social perfeito aquele que abrange todos os fatores principais que importam reconstruo social com incluso de todos os dados sobre que se possa afirmar o tratamento social a empreender. Nesta seleo dos elementos deve a trabalhadora social evitar sempre qualquer preferncia por fatores causais, resultante de impulsos, predisposies ou simpatias pessoais (Richmond, 1950: 305).

    E conclui afirmando, ainda no mesmo captulo, ser a interpretao o Diagnstico Social, que define mais uma vez assim:

    Diagnstico Social pode ser definido como sendo a tentativa para se formar um juzo to exato quanto possvel da situao, da personalidade dum ser humano que tenha qualquer necessidade social, situao e intencionalidade estas em relao aos outros seres humanos de quem ele dependa ou que dependam dele, em relao tambm as instituies sociais de sua comunidade (Richmond, 1950:310).

    A interpretao , na verdade, a concluso a que chega o trabalhador social assistente social. Em outras palavras, interpretar localizar o cliente no espao e tempo da sociedade em que est inserido. Compreend-lo atravs das relaes que constitui. Perceb-lo como pessoa vivendo uma situao de dificuldade. Essa compreenso do homem no social faz Richmond reforar a sua teoria de interdependncia de massa e indivduo e, consequentemente, da reforma social e o trabalho dos casos caminharem a par. Isso permite considerar o Diagnstico Social numa viso mais ampla, mostrando quanto a ordenao e a classificao de Evidncias

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    Sociais podero trazer subsdios para o estabelecimento e aplicao de legislao social, exigindo reformas no s a ela concernentes, mas tambm quanto prpria ao do Servio Social. No desenvolvimento do discurso de Richmond, observam-se as transformaes que substituem um pensar assistencial acerca do necessitado para outro bem diferente: o social, em que a concepo de dependncia no processo de ajuda cede lugar a uma concepo da dinmica que existe entre o cliente e o seu meio social. Concepo que aceita a compreenso dessas realidades e a possibilidade de transformao reconstruo social. Em outras palavras conhecer para transformar. Trata de uma fundamentao, de uma metodologia, de um tipo de cliente, de um conceito de homem, de um tipo de relao. Um mtodo que busca o conhecimento de dificuldades sociais, por serem estas representativas da problemtica social (a interdependncia da melhoria da massa e do indivduo), conceito bsico dessa teoria, que se l como filosofia. Filosofia que provocou uma ruptura com o procedimento anterior. Num outro nvel, seu discurso apresenta caractersticas bem definidas. No se pode consider-lo como teoria de Servio Social, mas apenas do Diagnstico Social. Entretanto ele se caracteriza melhor como um mtodo de analisar relaes e criar construes cientficas. A compreenso do que seja o trabalho cientfico de Richmond no fcil. Ao construir o objeto de conhecimento, luta para respeitar as ordenaes cientficas da explorao cientfica. No reduz o problema pedido de ajuda para uma dificuldade a seus elementos constitutivos considerando-os isoladamente. Mas admite como ponto de partida que qualquer dificuldade social resultante de uma multiplicidade de fatores inter-relacionados. Por conseguinte, o Diagnstico Social o mtodo de anlise dessas relaes colocado numa perspectiva dinmica. Por isso o diagnstico no definitivo. O discurso focaliza como especificidades que o distingue: o mtodo quanto ao objeto de conhecimento; o interesse pelos aspectos dinmicos (personalidade versus reconstruo social); a anlise (exame crtico) da situao como um todo (Evidncia Social). Richmond questiona, na sua pesquisa, como atender as exigncias do mtodo cientfico, arriscando com a Evidncia Social uma espcie de objetivao da subjetividade humana apropriada ao Servio Social. Por isso a organizao da Evidncia Social proposta supe um tipo de comportamento que lhe assegura objetividade prpria. Em DIAGNSTICO SOCIAL, Richmond apresenta uma das mais brilhantes e originais construes do Servio Social. Estas construes esto a servio da nova disciplina Social Case Work, que ir desenvolver mais adiante em seu livro What is Social Case Work? An Introductory Description em 1922. Suas lies de criatividade intelectual e de insero em trabalhos sociais desafiadores indicam uma trajetria extraordinria para uma mulher nascida na segunda metade do sculo XIX. Mary Ellen Richmond, nasceu em Belleville, Illinois nos Estados Unidos da Amrica em 5 de agosto de 1861, e faleceu em 12 de setembro de 1928 em Nova York.

    Cr-se que seu ambiente familiar teve enorme influncia no desenvolvimento de sua personalidade, pois so extremamente significativos os fatos da histria da sua infncia e adolescncia.

    Cresceu em Baltimore, sob os cuidados da av e sua tia militantes dos chamados movimentos radicais, aps a morte prematura de seus pais vitimados pela tuberculose.

    No lar vivia uma atmosfera onde os temas polticos (voto da mulher, problemas raciais, sociais e outros) eram exaustivamente debatidos. A posio contrria

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    pedagogia tradicional era assumida, e o contato direto com as obras literrias era freqente. Aprendeu a ler em casa e s vai escola com onze anos. Adquiriu nesse perodo qualificaes tcnicas de disciplina cientfica que lhe foram impostas com a exigncia de leituras e fichamento do material lido. Completou os estudos de grau colegial aos dezesseis anos no Easton High School, onde criou com suas colegas de turma, o clube Laura De Valin com o objetivo de estudo da literatura clssica inglesa. Assim, alm da leitura dos representantes dos movimentos radicais, passa a estudar os escritores, poetas, romancistas e a preparar artigos, comentrios e comunicaes orais sobre os mesmos.

    Ao terminar a escola, em 1878, foi para a cidade de Nova York junto tia que era empregada como revisora de publicaes. Empregada, tambm, na mesma firma, aplica-se as mesmas atividades. Aps a doena da tia que regressara a Baltimore, fica sozinha em Nova York para sustentar ambas, passando por momentos difceis, decorrentes de ela mesma adquirir a doena dos pulmes e malria.

    Volta a Baltimore em 1881 e ela mesma conta que na sua juventude, suas ocupaes profissionais foram sem significao para suas aspiraes: guarda livros num armazm de papel e a seguir num hotel. Enfrentou problemas religiosos optando pela Igreja Unitria. Nela, leciona na escola dominical e cria um clube literrio, talvez seu primeiro encontro com o social a sua experincia de um modo de ser til oferecendo oportunidades de desenvolvimento de pessoas.

    Comea a segunda fase de sua vida em 1889, ao assumir a funo de tesoureira na Sociedade de Organizao de Caridade de Baltimore. A eficincia do desenvolvimento das tarefas e o interesse pela justia social, levaram-na a assumir encargos de maior responsabilidade profissional: secretria da Sociedade de Organizao de Caridade de Baltimore (1889-1900), secretria da Sociedade de Organizao de Caridade de Filadlfia (1900-1909) e diretora do Departamento de Organizao de Caridade da Russel Sage de Nova York (1909-1928).

    Grande incentivadora do aperfeioamento do pessoal ocupado com o trabalho social, colaborou com a formao do assistente social lecionando em cursos e desenvolvendo superviso.

    Richmond, pelas suas realizaes, se tornou conhecida e desfrutava de grande prestgio dentro e fora do grupo dos assistentes sociais. Pode-se inferir que a compreenso que tinha do papel da cultura e do trabalho cientfico tenha sido nela desenvolvida desde a sua formao, por isso nunca desprezou e sempre procurou a colaborao de cientistas, de profissionais notveis e de colegas de comprovada experincia.

    Em 1921, foi lhe conferido pelo Smith College, Massachussets, o grau honorrio de Master of Arts, por ter estabelecido as bases cientficas de uma nova profisso.

    A partir de 1924 tem pouca sade, trabalhando vrias horas em sua casa, sem cessar sua produo. Em 1926, constitui um grupo informal denominado The Talkers para estudos e debates de temas de interesse variado.

    A preocupao com o homem e seu meio social sempre a motivou e orientou em seu engajamento na realidade social e em sua realizao intelectual.

    Aps o DIAGNSTICO SOCIAL, Richmond, no satisfeita plenamente e levando s ltimas conseqncias suas interrogaes, prossegue suas pesquisas em What is Social Case Work? (1922). A obra retrata uma atitude intelectual no mais fundada na busca da prova explicativa, mas em razes do por que e do como, o que possibilita a passagem da descrio do caso social a um nvel de compreenso de novas conexes da aquisio do conhecimento, em combinao com a ao do desenvolvimento do Servio Social.

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    Seu pensamento, pela eloqente capacidade de reflexo, luz de diferentes formas de conhecimento, e pela conseqente reviso de conceitos e mtodos, que acarretou uma base original, legitimou o exerccio de uma nova disciplina, representando um projeto aberto e ousado.

    Muito distante das imputaes dogmticas, que foram atribudas a Richmond por alguns de seus crticos, sua produo terica tornou-se clssica porque sua viso continua inspiradora.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    RICHMOND, Mary E. Social Diagnosis. New York: Russel Sage Foundation, 1917. ______. Diagnstico Social. Traduo de Jos Alberto de Faria, Lisboa: Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge, 1950. ______. What is Social Case Work? And Introductory Description, New York: Russel Sage Foundation, 1922. ______. The Long View Papers and Address. Seleo e Edio com Notas Biogrficas por Joanna C. Colcord e Ruth Z. S. Mann, New York: Russel Sage Foundation, 1930. SILVA, Ilda Lopes Rodrigues da. Mary Richmond: um olhar sobre os fundamentos do Servio Social, Rio de Janeiro: CBCISS, 2004. ______. Introduo ao Pensamento de Mary Richmond- Construo do Diagnstico Social. Rio de Janeiro, PUC-Rio, Dissertao de Mestrado em Servio Social, 1976.