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Recife | Junho de 2010 (re) Descobrindo Recife “Hoje, já não se sabe arruar direito. Anda-se, ou melhor, corre-se pelas ruas.” É assim que o historiador Mário Sette, no livro Arruar, define as andanças da população pela cidade atualmente. Para ele, as pessoas estão sempre tão preocupadas com o tempo, que desaprenderam a andar nas ruas. Mesmo a pé, geralmente não reparam nem nas belezas históricas nem naturais do local em que vivem. Por isso, o Berro traz o especial (re)Descobrindo Recife, uma série de reportagens apresentando alguns pontos históricos e turísticos da cidade pouco conhecidos, além de uma materia especial sobre Fernando de Noronha.

REDESCOBRINDO PE 2 - unicap.br · No passado , a Rua também f oi sede da antig a Fábrica Pr ogresso ou Fábrica Aurora, que produzia, principalmente, pregos e lança-perfumes, artigo

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Recife | Junho de 2010

(re)Descobrindo

Recife

“Hoje, já não se sabe arruar direito.Anda-se, ou melhor, corre-se pelas ruas.”É assim que o historiador Mário Sette, nolivro Arruar, define as andanças dapopulação pela cidade atualmente. Paraele, as pessoas estão sempre tãopreocupadas com o tempo, quedesaprenderam a andar nas ruas. Mesmoa pé, geralmente não reparam nem nasbelezas históricas nem naturais do localem que vivem. Por isso, o Berro traz oespecial (re)Descobrindo Recife, uma sériede reportagens apresentando algunspontos históricos e turísticos da cidadepouco conhecidos, além de uma materiaespecial sobre Fernando de Noronha.

2 | Recife, junho de 2010 O BERRO

E X P E D I E N T EE X P E D I E N T EE X P E D I E N T EE X P E D I E N T EE X P E D I E N T E

Coordenador do Cursode JornalismoAlexandre Figueirôa

Professora OrientadoraFabíola Mendonça

SubeditoresClécio Sobral

Magda Negromonte

RepórteresAline Galvão

Ana Carolina Alves

Andressa Marque

Anete Carla

Clécio Sobral

Gabriela Galindo

Jéssica Nascimento

Josias Teófilo

Magda Negromonte

Rachel Pontes

Rebeca Duque

O BERRO é uma publicação da

Disciplina Jornal-Laboratório do Curso de Jornalismo da

Universidade Católica de Pernambuco.

Rua do Príncipe, 526 - Boa Vista - Recife-PE 50.050-900 -

CNPJ 10.847.721/0001-95 Fone: (081) 21194000 - Fax:

(081) 2119.4222 E-mail: [www.unicap.br]

No oriente, é tradição,desde a idade média, protegeras cidades com construções.Aos poucos, as muralhasforam sendo substituídas porportas nas principais ruas. NoRecife, ocorreu algo parecido:quando os holandeses chega-ram a Pernambuco, destruírama cerca de madeira ao redorda cidade e resolveram cons-truir cinco portas para contro-lar a entrada e a saída da po-pulação, cujo principal acessoera pela ponte. Mais tarde,essas portas foram demolidase três delas reconstruídas emalvenaria barroca e neoclássi-ca pelos portugueses, surgin-do os arcos do Senhor doBom Jesus, de Nossa Senhorada Conceição e o de SantoAntônio. Hoje, só restam pla-cas na ponte Maurício deNassau e no 3° Distrito Naval,um museu a céu aberto no Re-cife Antigo, e umas relíquiasespalhadas pela cidade pararelembrar essas edificações.

De acordo com o arquite-to José Luiz da Mota Mene-zes, eram comuns ocorreremfestas aos patronos em volta decada um desses arcos. O his-toriador Edvaldo Árlego relem-bra, em seu livro Recife de ontem

e de hoje, que, quando se homena-geava Nossa Senhora da Con-ceição, todo o comércio doentorno do arco parava. Já paraSanto Antônio, apenas o trânsitoera fechado. Após as solenida-des, seguia-se com uma procis-são. Mas, na década de 1910,essa rotina foi modificada: elesprecisaram ser demolidos paraalargar as avenidas, deixando apassagem livre para os bondese automóveis.

Próximo à atual rua doBom Jesus, há um museu acéu aberto relembrando aPorta Norte que, após a Insur-reição Pernambucana, foiderrubada para dar lugar aoArco do Senhor do Bom Je-sus, o único onde, de tãograndioso, era possível reali-

Europa em Pernambuco

Renata Farias

Simone Lourenço

DiagramaçãoCarla Teixeira

O BERRO on-linewww.unicap.br/berro

ImpressãoFASA

MAGDA NEGROMONTE

zar as solenidades dentro daprópria capela. Entretanto,precisou ser demolido em 1850para, paradoxalmente, unir oRecife de dentro, o qual seestendia da praça do Arsenal daMarinha até a Igreja da Madrede Deus, ao de fora, que seguiaaté o Forte do Brum.

RelíquiasAinda existem, na capital

pernambucana, resquícios dosimponentes arcos portugueses.Talvez, algum visitante atétenha passado próximo a umdeles e não tenha percebido.

As imagens de Nossa Se-nhora da Conceição e de San-to Antônio, que ficavam nessesarcos, hoje se encontram,respectivamente, no Museu daOrdem Terceira de SãoFrancisco do Recife e na Igrejado Divino Espírito Santo.Porém, nenhuma está registradano inventário do Instituto doPatrimônio Histórico e Artís-tico Nacional (Iphan). Apenasa partir de uma procura em

EDIFICAÇÕES // Oito arcos de tradição medieval já protegeram o Recife

livros históricos, como osAnais Per nambucanos ePernambuco Preservado, é possí-vel encontrá-las.

No Instituto Histórico eGeográfico de Pernambuco,localizado na rua do Hospício,os pilares Norte e Sul do Arco

de Santo Antônio estão expos-tos à chuva e ao sol. E a lápide,em mármore branco, colocadano local onde existia o Arco doSenhor do Bom Jesus, logoapós a sua demolição, estáfixada em uma parede cominfiltrações.

A Aurora do Recife ALINE GALVÃO

Quem anda pela bela Rua da Aurora nem sempre se dá conta de que estápassando por um lugar cercado de História. O local, aterrado em 1806, já teveo nome de Rua Visconde do Rio Branco, passando depois a ser conhecidocomo Cais da Aurora e, por fim, a atual nomenclatura. Entre os prédios maispomposos estão o Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Mamam), aAssembléia Legislativa de Pernambuco, o Ginásio Pernambucano, o CinemaSão Luiz, além da garagem de remo do Clube Náutico Capibaribe.

A Rua da Aurora é uma das mais conhecidas do centro do Recife. Tem esse nomepor ter sua frente voltada para o leste, o nascer do sol. Situada às margens do RioCapibaribe, ela abriga, no trecho que vai da Avenida Conde da Boa Vista à Rua PrincesaIsabel, magníficos casarios coloniais, com as fachadas voltadas para o rio.

Andar pela Rua é circular em um museu ao ar livre. A Assembléia Legislativade Pernambuco, por exemplo, apresenta-se em uma edificação neoclássica de1876. Já o Ginásio Pernambucano, prédio de fachada avermelhada, situa-se

em uma construção também neoclássica, de 1855. Antes, o edifício abrigava oantigo Liceu de Artes e Ofícios. Também em casarão colonial, está o Mamam.O lugar foi criado em 1997 e homenageia um famoso designer pernambucanoque deu o nome ao museu.

No passado, a Rua também foi sede da antiga Fábrica Progresso ou FábricaAurora, que produzia, principalmente, pregos e lança-perfumes, artigo livre-mente consumido na época. Outra curiosidade é que, até 1936, o famosoClube Internacional do Recife, ponto de encontro da alta sociedadepernambucana da época, estava fincado no número 265 da Rua.

Segundo o PhD em Física e autor dos livros Um dia em Olinda e Um dia em

Recife, Plínio Santos, a História da arquitetura do Recife se confunde com aprópria história da cidade. “A construção dos edifícios está relacionada comos meios de produção e o Modus Vivendi das épocas”, explica.

SIMBOLISMOA Justiça

relembra o

arco de Santo

Antônio

Recife, junho de 2010 | 3O BERRO

Recife e Olinda são cida-des famosas em Pernambucopor suas histórias e arquite-tura. O que poucas pessoasconhecem, ou apenas passama conhecer, em um momentode tristeza, são as belezas quese pode encontrar em umcemitério como o de São BomJesus da Redenção, mais co-nhecido como CemitérioSanto Amaro. "Nunca vi umaobra tão bonita em toda minhavida que nem essa tumba dobarão e da baronesa! Reparamesmo no vestido dela, pare-ce até que é feito de renda.Isso é mármore italiano, é bo-nito demais!", afirma o covei-ro Inaldo Silva, 50 anos,referindo-se à tumba do barãoe da baronesa de Mesengana.

Ele trabalha no local há 22anos. Começou na firma doirmão construindo gavetaspara os cemitérios e depois

Cemitério também pode ser ponto turísticoANETE ALENCAR

Um dos monumentospouco conhecido do Recife,mas muito rico em histórias.Assim pode ser definida aCruz do Patrão, localizadaonde antes existia um istmoque ligava o Recife a Olinda,às margens do Rio Beberibe,no Recife Antigo. A Cruz,uma coluna de alvenaria comseis metros de altura, foierguida pelos holandeses, noséculo 17 e servia de orien-tação para os navios quechegavam ao porto. Por tersido construído para agradarao patrão-mor do porto, alémse servir de orientação paraos navegantes, lá eramenterrados os negrosescravos trazidos da Áfricapara o Brasil, que chegavammortos. Após algum tempo,a Cruz era usada para fuzilaros militares condenados àpena capital.

Com muitas mortes, o localficou batizado como malas-sombrado e ainda despertamedo nas pessoas que moramperto do monumento. Várias

Cruz do Patrão resgata cultura africanahistórias já foram contadaspelos veículos de comuni-cação da época sobre mortesno local. Esses contos foramretratados também por artis-tas locais, como o escritorFranklin Távora, autor de O

Cabeleira, que conta no livroque todos aqueles que passas-sem pelas imediações da Cruzdo Patrão, à noite, veriam vá-rios espíritos. Por existiremtantas histórias assombradasrelacionadas ao monumento,muitas pessoas ainda hojeevitam passar pelo local.

ArquiteturaHoje, a Cruz se encontra

bastante degradada e a popu-lação nem sabe do que se tratae qual a importância históricado local. Porém, a Prefeiturada Cidade do Recife, juntocom o Governo do Estado,realizou um projeto para olocal. O arquiteto da obra,Genival Junior, conta que oprojeto para a Cruz do Patrãopropõe um centro de infor-mação afro-brasileira. A ideia,segundo o arquiteto, é fazer

SIMONE LOURENÇO

MORTE O local também foi

utilizado para executar

militares

HISTÓRIA // Monumento no Recife Antigo será revitalizado e destinado a museu afro

com que o usuário caminhepelo projeto desde sua entra-da, sendo orientado para o queverá durante o passeio. Assim,o caminho principal ao longodo cais no Capibaribe foidesenhado como uma colchade retalhos a partir de influên-cias africanas, fruto de umapesquisa sobre a cultura afri-cana. Os equipamentos usadosnesse trajeto até o prédio prin-cipal também fazem parte daestética africana, reforçandoo imaginário visual.

O prédio principal tem for-mato de navio, trazendo àlembrança como os primeirosrepresentantes dessa culturachegaram aqui, com sua proavoltada para a água, comoque pronto para partir numaviagem de volta. “A intençãoé que o usuário do ambientepasse tempo no local vendoespetáculos, exposições, pales-tras, façam compras, comame se divirtam”, conta Genival.O projeto tem grande apeloturístico para o Recife, mas foitambém idealizado para aten-

der à cidade, onde há toda umademanda cultural e social daprópria população que precisaser atendida.

De acordo com o arqui-teto da obra, a Cruz do Patrão

EXÓTICO Tumba do barão e da baronesa de Mesengana

será um lançamento para a ci-dade do Recife porque o mo-numento está lá há tanto tem-po, é povoado de mistérios elendas, mas quase nenhum re-cifense conhece o local.

continuou em Santo Amarocomo coveiro. O horário doexpediente é integral, das 6haté as 18h e existe uma escala:trabalha-se um dia todo e folgano outro, uma rotina tranquilaapesar de triste. "Eu nãotenho medo não, viu? Mastem vezes que saio muitocarregado daqui, aí chego emcasa e tomo uns três banhospara ficar melhor", diz.

Seu Ferreira, 61, trabalhano cemitério há 35 anos e dizque a parte complicada équando os parentes dos mor-tos descontam neles a suaperda. "Teve uma vez quequando eu estava descendo ocaixão, a mulher começou abater em mim e a me chamarde um monte de coisa. Eu atéentendo, viu? Mas não tenhonada com isso, essa é umaprofissão que tem que ser dealguém e é minha".

O Cemitério São BomJesus da Redenção é o primei-ro do Recife e foi fundado emmarço de 1851, no governode Francisco do Rego Barros.Logo na entrada, muitosmausoléus estão à vista, unsde grande e outros de médioporte, porém todos com umaestrutura imponente. Figurasimportantes do Recife foramenterradas lá como JoaquimNabuco, Agamenon Maga-lhães, Capiba, Chico Sciencee Miguel Arraes.

O lugar também é conhe-cido pelas lendas e tradiçõesque o rodeiam, como o casoda "menina sem nome". Nadécada de 1970, uma garotade 12 anos foi encontradadegolada na praia do Pina, ogoverno cedeu o terreno parao enterro e até hoje ela é visitadapor pessoas que acreditam queela seja um anjo.

4 | Recife, junho de 2010 O BERRO

A verdadeira história por trás das gradesTRANSFORMAÇÃO // De presídio de segurança máxima, a Casa da Cultura é um dos maiores centro de artesanado de Pernambuco

Com tantos lugares bonitose interessantes para se conhe-cer na cidade do Recife, umchama atenção pelo que já foino passado. A Casa da Cultura,um dos monumentos his-tóricos mais importantes,funcionou como presídiodurante 118 anos. O projetoarquitetônico da antiga Casade Detenção do Recife teminfluências do modelo neo-clássico do século 19.

Localizada em um lugarestratégico, sua construção foifundamental para o desenvol-vimento do bairro SantoAntônio devido aos aterrosrealizados, possibilitando aestruturação urbana local.

A mudança do antigo pre-sídio para um centro culturalfoi sugerida pelo artista plás-tico Francisco Brennand, que,na época, era o chefe da CasaCivil do Governo do Estado.Posteriormente, a Casa daCultura foi tombada pela Fun-dação do Patrimônio Histó-rico e Artístico de Pernam-buco, tornando-se o primeiroMonumento Histórico daCidade.

No local, existem mais de150 lojas fixadas ondeanteriormente eram aspequenas celas. Há umadiversidade imensa de pro-dutos artesanais que chegamde mais de 149 municípios.

Segundo a gestora daCasa, Adriana Martins, acultura popular está presenteatravés das mais diferentesmanifestações, vivenciadasem cursos e oficinas. Diversasassociações e entidades artís-ticas se reúnem no local, comoo Balé Popular do Recife e aAssociação Circense de Per-nambuco.

HistóriaEm 2010, a Casa da

Cultura foi eleita a 7ªMaravilha do Recife. É difícilimaginar o que hoje funcionacomo um grande polo

GABRIELA GALINDO

cultural já foi um presídiomarcado pela violência ecor r upção. Segundo o

sociólogo Filipe Soto, ospresos eram submetidos,constantemente, a graves

explorações. “Os botões dechifre fabricados pelosdetentos eram os melhores da

cidade. Muitos eram artesãose não tinham como venderseus produtos, então os

guardas confiscavam osobjetos e lucravam com suacomercialização”.

A situação dos detentos eradegradante. As celas, pro-jetadas para suportar apenasdois detentos, chegaram aabrigar mais de dez. Osistema interno era hierár-quico e havia situações cruéisde estupro e corrupção.

Segundo a historiadoraRita Machado, havia umadivisão de presos: os comuns,

formados por assassinos, la-drões e estupradores, e ospolíticos. “A disciplina geral daCasa era distinta para os doisgrupos. Os presos comuns po-diam circular livremente naárea externa desde a hora queacordavam até às 17h. Nocaso dos presos políticos, seuhorário era restrito, viviamsob o sistema de “Regime deTranca Dura”, pois passavama maior parte do tempo tran-cados”.

De acordo com o jorna-lista e ex-preso político daCasa de Detenção do Recifeno período de 1971 a 1973,Marcelo Mário Melo e seus40 companheiros de celasofriam muitas limitações.Não podiam ler e tinham suascorrespondências censuradase as visitas eram bastantelimitadas.

Mário Melo relembra osistema de espancamentosobre os presos comuns. “Porprotestarmos contra as agres-sões, sofríamos represálias eficávamos cerca de um mêssem sair das celas e proibidosde receber visitas”, recordou.

A Casa de Detenção doRecife abrigou sentenciadoscomo Gilberto Freyre, Gregó-rio Bezerra e Graciliano Ra-mos. Era considerada a únicagrande penitenciária de Per-nambuco. Durante o regimefechado de cárcere, houvevárias fugas seguidas de gran-des massacres.

Com o passar do tempo, odesenvolvimento social doRecife, a consequente dina-mização de seus espaços sociaise a superlotação foram impri-mindo a necessidade doafastamento do presídio da áreacentral e urbana da cidade. Opoder político decidiu fechar aCasa de Detenção em 15 demarço de 1973. E a derrubadade suas muralhas marca oinício do processo detransformação.

Os presos eram, constantemente,submetidos a torturas eexplorações

CONTRATIDÓRIO Centro turístico e de lazer, a Casa da Cultura já foi a maior penitenciária de

Pernambuco e guarda uma história marcada por torturas, corrupção e massacres

Recife, junho de 2010 | 5O BERRO

Gostinho de tradição no Restaurante Leite

do rio Capibaribe, com o por-tuguês Armando Manoel Lei-te, responsável pelo primeironome do estabelecimento:Manoel Leite. Referência emqualidade e requinte, ganhou

força e logo foi substituídopor uma casa na Praça Joa-quim Nabuco. Em nova loca-ção, desenvolveu um am-biente refinado.

Nos anos seguintes, a casasuperou problemas finan-ceiros que o fizeram passarpelas mãos de mais doisproprietários. Em 1955, oportuguês Armênio FerreiraDias, atual dono, junto aosseus irmãos Luis e Amadeu,e o amigo Hugo Laprovítera,comprou o restaurante, que,nesta época, já era conhecidocomo Leite, conquistandonovamente o equilíbrio deoutros anos. As mesas da casaaté hoje ainda são frequen-tadas por grandes nomes dahistória. “Praticamente todosos presidentes do Brasil pas-saram pelo restaurante”, afir-ma o proprietário.

Para Armênio, o sucesso

está no atendimento. Dosgarçons que trabalham nacasa, o mais antigo é Cle-mentino Nunes, com 35 anosde prestação de serviço.“Existem clientes que sirvo hámais de 20 anos. É comoreceber um amigo”, define. Oaposentado Francisco Morei-ra , 71, é uma dessas pessoas.Frequentador assíduo, tem oLeite como uma extensão dasua casa. “Venho aqui quasetodos os dias, a comida éformidável e o ambiente émais que agradável.” Talfidelidade é graças aos quase60 pratos servidos. E comoautêntico restaurante cominfluências portuguesas, fezfama com o bacalhau à modado chef (lombo do peixegrelhado, batatas cozidas,azeitonas pretas e pimentõescoloridos).

Se o menu é tradicional, a

Um dos cartões postais doRecife, em poucos anos,passou a ser um objeto deconsumo das noivas: a Igrejado Carmo. Atualmente, abasílica (antigo Palácio da BoaVista), que foi uma das resi-dências de Maurício de Nas-sau, é um referencial para oscasamentos da alta sociedadepernambucana. Além disso,também leva o nome de NossaSenhora do Carmo, apadroeira da Cidade.

Erguida em 1767, a Ba-sílica está situada em uma dasavenidas mais movimentadasdo Centro da Cidade, a Dan-tas Barreto. Mas o que muitagente não sabe é que, antes detornar-se o que é hoje, a Igrejado Carmo, construída pelosholandeses e doada à OrdemCarmelita, seria o primeirohospício do Recife. Com aintervenção de alguns reli-giosos, que até colocaram

Igreja do Carmo: referencial de consumo e de fé

dinheiro do próprio bolso, aconstrução virou um grandecomplexo religioso.

¨Diogo Cavalcanti Vascon-celos, um famoso senhor deengenho, por volta de 1685,foi quem assumiu as despesasda construção da capela, em

troca do direito de ter a suasepultura e a de seus familiaresno local¨, explica a guia tu-rística Roberta da Silva.

Ao lado da Igreja, está oConvento do Carmo, terrenode Maurício de Nassau etambém doado aos Carme-litas para ser integrado aocomplexo. Foi lá onde FreiCaneca fez seus votos reli-

giosos. ¨Vários livros pre-sumem que o Frei foi en-terrado no Convento do Car-mo, mas, até hoje, o fato nãofoi comprovado, são apenasprevisões¨, conta o professorde história Sérgio Sales.

Consegu i r uma da ta

para matr imônio é umamissão quase impossível e,com as reformas no prédio,fica ainda mais complicado.Existem casais que espe-ram dois anos para conse-guir realizar o sonho, poiso loca l v i rou rea lmenteglamoroso, um verdadeiroreferencia l de consumo.¨Alguns chegam aqui que-

rendo marcar para t rês ,quatro meses depois e ficamsurpresos ao se depararemcom uma longa fila de espe-ra.”, conta Adirton.

Além de toda essa ad-miração pela Igreja do Car-mo, ela também é um re-ferencial da fé e ocupa lugarde destaque na história docatolicismo pernambucano.São muitos os que a segueme cumprem promessas, comoé o caso de Dona Do CarmoChaves, de 69 anos. ¨Venhoagradecer pelas maravilhasque Nossa Senhora meproporciona. Além da sortede ter o mesmo nome, é Elaque me guia nos momentos deangústia¨, desabafa a devota,que sempre leva flores amare-las, cor símbolo de NossaSenhora do Carmo.

No dia 16 de julho, écelebrada a festa da padroeirado Recife, que conta com

uma semana de come-morações. Cerca de 100 milpessoas passam pela Igreja,durante os oito dias de festa.¨A semana dedicada a NossaSenhora é realmente defestejo. O pátio em frente àIgreja lota não só de devotosmas também de curiosos. Aspessoas entendem, de fato, opropósito da homenagem¨,disse Adirton.

Em 1909, a Virgem doCarmo foi proclamada padro-eira do Recife pelo Papa PioX e, no dia 21 de setembrode 1919, coroada oficialmentecomo padroeira. Em 1917, aigreja foi agregada à Basílicade São Pedro, no Vaticano e,em 1922, passou a serconsiderada uma basílica.Hoje, Nossa Senhora doCarmo já completou ocentenário como a padroeiraoficial da capital pernam-bucana.

A capital pernambucanaabriga, desde 1882, o res-taurante em funcionamentomais antigo do Brasil: o Leite.Esse longo percurso começouem um quiosque, às margens

RENATA FARIAS

REBECA DUQUE

PATRIMÔNIO // Um marco na história nacional é referência de sucesso gastronômico

modernização vem nas insta-lações. Pelas reformas passa-das, o Leite ganhou, entreoutras coisas, sistema de ar-condicionado e tratamentoacústico para o som do piano,adquirido nos anos 1950 eutilizado até hoje. O últimoajuste, em 2009, foi responsá-vel pela fachada, climatizaçãoda cozinha e projeto de ilu-minação.

E é lá que, há quase 130anos, mais de mil pessoascirculam, de domingo a sexta,apenas no almoço. E, paraapreciar as saborosas receitas,é necessário, antes de maisnada, fazer reserva ou esperarpacientemente nas filas. Aconcorrência por um espaçodentro da casa é grande.“Cuido do restaurante comoda minha vida, ele significamuito para mim”, afirma,orgulhoso, Armênio.

A Igreja leva o nome de NossaSenhora do Carmo, a padroeirada capital pernambucana

ARMÊNIO: “O sucesso do restaurante está no atendimento”

6 | Recife, junho de 2010 O BERRO

Rua Visconde de Irajá,número 330, Torre. Nesseendereço, em um passadonem tão distante, funcionavao Cine Torre, que, até hoje, élembrado pelas pessoas quetiveram oportunidade de fre-quentá-lo. O local era um doschamados cinema de bairro,que desperta boas lembrançasem muitos recifenses. Até osanos de 1960, esses cinemaseram famosos e bastantefrequentados, viraram a mania

dos jovens que viveram aadolescência naqueles anos econtribuíram para a históriacultural da cidade.

O Recife, na década de 20do século passado, ficoubastante conhecido como a"Hollywood do Brasil". Ocinema tornou-se a moda da

época. O antropólogo, escritore sociólogo Gilberto Freyreescreve em seu livro Guia Prá-

tico, Histórico e Sentimental da

cidade do Recife que até os anosde 1940 existiam 28 cinemasdistribuídos pelos bairros. Emmeio a essa febre, foi inau-gurado, na década de 1930, oCine Torre, que teve dias degrande movimentação e fezsucesso durante muitos anos.Desde a abertura das pri-meiras salas de exibição, ir ao

local tornou-se um hábitobastante apreciado pelos mo-radores do bairro da Torre eda vizinhança. "Eu sempremorei na rua do Cine Torre,por isso não perdia um filme.Passávamos, eu e minhasirmãs, a semana esperandochegar o sábado. Nos arrumá-

vamos e íamos andando atélá. Sempre chegávamos bemantes de a sessão começarpara colocar a conversa emdia com os amigos", lembra amédica Maria Filomena.

Porém, no final da décadade 1960 do século passado, oscinemas de bairros foramsendo desativados e não foidiferente com o Cine Torre.Mais tarde, o casarão foi

Cine Torre ainda permeia história do bairroANDRESSA MARQUES

destruído e, hoje, no mesmolugar, encontra-se um prédioresidencial chamado EdifícioCine Torre, em homenagemà casa de exibição. O imóvelé moderno, tem 14 andares,com quatro apartamentos emcada pavimento. O que antesera sinônimo de descontraçãoe cultura, hoje, dá lugar a maisum dos incontáveis prédiosresidenciais da cidade.

“Eu sempre morei na rua do CineTorre, por isso não perdianenhuma sessão. Junto comminhas irmãs e amigos, era onosso programa de todos ossábados” - Maria Filomena

A decadência dos cinemasde bairro é atribuída a váriosfatores: o progresso e a como-didade da televisão, do vídeo-cassete e do DVD e a falta depúblico. Atualmente, partedesses antigos cinemasdesapareceu e os poucosedifícios que ainda resistiramao tempo, ao descaso, estãobastante descaracterizados ouem pleno desuso.

RESIDENCIAL Prédio abrigava o antigo cinema do bairro da Torre

MEMÓRIA // Onde hoje está erguido um prédio residencial, já foi um dos cinemas mais tradicionais do Recife

Centenas de anos depois dabatalha que deu nome à ave-nida 17 de Agosto - principalvia de acesso ao bairro de CasaForte -, carros de boi, carroçase carruagens, com suas ricassenhoras, deram espaço amilhares e barulhentos au-tomóveis.

Com uma população dequase quatro mil e quinhentoshabitantes, de acordo com oúltimo censo do IBGE, o bairroconsegue atrair cada vez maisfamílias com sua área verde eclima aconchegante. Casa Fortedetém a segunda maior rendaper capita da cidade (R$4.002,59) atrás apenas daJaqueira.

Modernidade e tradição, marcas de Casa Forte

Atentas aos desejos domercado, empresas imobiliáriaspassaram a adquirir terrenospara construção de prédios epontos comerciais. A funcio-nária pública e moradora dobairro, Andrea Freitas, 47,

considera essa mudança inevi-tável para o desenvolvimentodo local. “Na área do meuedifício, e dos dois vizinhos,morava apenas uma família.

Com a compra do terreno, aempresa construiu três prédios,criando novas 182 moradias”,disse a funcionária pública.

A Praça de Casa Forte é umexemplo claro desse crescimento.Considerado o local mais cobiçado

do bairro, os seus antigos casarõesperderam espaço para imensosarranha-céus, com apartamentosque chegam a R$ 1 milhão.

Projetada em 1945 pelo

paisagista Burle Marx, a praçaencanta a todos com jardinsinspirados em moldes fran-ceses. Seus vários espelhosd’água contendo plantas aquá-ticas como a vitória-régiaamazônica são a grande atra-ção do espaço.

Há 31 anos, ela serve depalco para a grande Festa daVitória-Régia, que acontece nomês de novembro e é realizadapela paróquia da Matriz de CasaForte. Apenas no ano passado,cerca de 60 mil pessoas visita-ram o evento, que contou combarracas regionais, parque dediversões e apresentaçõesfolclóricas.

Hoje, a Praça serve como

ponto de encontro para pes-soas de todas as idades: jovens,adultos e idosos se reúnem nosarredores do local para conver-sar, fazer exercício físico, comeruma empadinha ou até exporcarros antigos. A estudanteRachel Ferreira, 18, semprevisita a praça com os amigos.“A gente compra alguns sal-gados, fica andando e conver-sando perto do laguinho”,afirmou a estudante. Já para aaposentada Eliete Alcântara, 78,a programação é bem maissaudável. “Todo dia pela manhãeu caminho pela praça com umaamiga. Nos encontramos nafrente da igreja às 6h e andamosjuntas até as 7h”, disse Eliete.

JESSICA NASCIMENTO

A Praça serve como ponto deencontro para pessoas de todasas idades.

Recife, junho de 2010 | 7O BERRO

O arquipélago de Fernando de Noronha, a 545quilômetros do Recife, é um verdadeiro paraísonatural em pleno oceano atlântico. Vista do ar, daágua ou da terra, a beleza é de encantar qualquerum. Mas muitas pessoas até hoje ainda não sabemque o lugar já foi palco de torturas e opressão.Durante 201 anos (1737 a 1938), o local serviu decentro de reclusão prisional, a chamada ColôniaCorrecional. Esse é um dos muitos lados que cercama história de Noronha.

Hoje, as ruínas tomam conta do antigo presídionoronhense. Segundo a arquiteto Carlos HenriqueUchoa, as construções seguem moldes de alguns prédioeuropeus. “As portas de entradas e as janelas sãoinspiradas em edificações portuguesas. A fachada eratoda emblemática. Possuía uma espécie de brasão,prática comum nos séculos 18 e 19”, disse.

Durante o período de funcionamento da ColôniaCorrecional, os presos não ficavam algemados nemtrancados nas celas, porém viviam com um regimebastante cruel e desumano. Apesar de ficarem soltospela ilha, eram obrigados a trabalhar para ocupar otempo com alguma atividade e depois retornar parao centro prisional. Os castigos eram comuns naquelaépoca, segundo afirma a historiadora e pesquisadoraoficial do arquipélago, Grazielle Rodrigues doNascimento. “Quem não obedecia às ordens dostenentes e dos carcerários apanhavam e, em seguida,mandados para a Ilha Rata, um local cheio de bichos,totalmente escuro e isolado, sem comida nem águadoce para beber”.

Ainda de acordo com Grazielle, por causa do

FERNANDO DE NORONHA // Por dois séculos, o arquipélago funcionou como um centro de reclusão para presos comuns e políticos

CLÉCIO SOBRAL

isolamento do continente e das duras penalidadessofridas, os presos tentavam fugir constantemente.“Existe um relato de um recluso que foi resgatado,em uma espécie de canoa, quase chegando ao estadodo Rio Grande Norte. Para construir esse tipo deembarcação, os presidiários acabaram cortandomuitas árvores, chegando até a extinguir algumasdas espécie que só existiam em Noronha” disse.

Segundo a historiadora e coordenadora doPrograma de Documentação de Fernando deNoronha, Marieta Borges, “o presídio não era bempolítico como a maioria das pessoas até hojeacredita. Na verdade, tratava-se de uma prisãopara pessoas com penas relativamente longas e que,por ventura, acabou abrigando presos políticos,principalmente durante o período da ditaduramilitar”.

De 1938 a 1945, o arquipélago, de acordo comMarieta, funcionou como uma espécie de presídiopolítico. Algumas pessoas importantes passaram porlá durante esse período como, por exemplo, o ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes.

A Colônia Correcional também serviu dereclusão para alguns grupos sociais marginalizadospela sociedade como, por exemplo, os ciganos e oscapoeiristas, considerados perturbadores da ordempública e má influência para os cidadãos de bem.

Presença femininaNo começo, só os presidiários podiam ir para a

ilha. Somente por volta do século 19, as mulherespassaram a ser mandadas para o local. Como elaseram minorias, uma tenente (cargo não existia na

época para as mulheres, entretanto foi criado para darapoio às presas) foi designada para comandá-las.

Era comum naquela época, segundo MarietaBorges, a “inversão de sexo”. Até hoje a presençamasculina na ilha é maior do que a feminina. Mas,durante o período em que o presídio funcionava,essa proporção era ainda maior. “Como não existiammulheres, os homens acabavam transando uns comos outros. Os presos mais jovens e recém-chegadosacabavam sendo os principais alvos dos maisantigos”, explicou a historiadora.

Existem bastantes lendas que giram em tornode Fernando de Noronha e especificamente ligadasà época do presídio. Segundo Marieta Borges, apesarde não passarem de mitos e fantasias, muitas delastêm base em fatos ligados à realidade. “Há umamistura forte de fatos históricos atrelados àimaginação popular. Uma das lendas mais antigas elembradas até hoje é a da Alamoa”.

De acordo com o guia turístico Sérgio Rock deLima, mais conhecido por Rock, uma mulher muitobonita de cabelos longos e loiros, parecida com umaalemã, aparecia toda de branco em noite de lua cheiapara encantar os presos. “Era difícil resistir aosencantos da bela”, disse Rock. Mas o que os homensnão sabiam é que essa seria a última noite de prazerdeles. “A Alamoa transava a noite inteira com oshomens até eles ficarem exaustos e morrerem decansaço”, explicou. Verdade ou não, Fernando deNoronha possui muitas outras lendas e casoscuriosos, que, ao longo do tempo, vão sendoincrementadas e outras criadas pela população local.

Um presídio no meio doparaíso

CRUELDADEEmbora não

vivessem trancados

nas celas, os presos

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