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REVISTA ELETRÔNICA DE DIREITO PROCESSUAL www.revistaprocessual.com 1ª Edição Outubro a Dezembro de 2007 Rio de Janeiro

REDP 1ª ed

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REVISTA ELETRNICA DE DIREITO PROCESSUALwww.revistaprocessual.com

1 Edio

Outubro a Dezembro de 2007

Rio de Janeiro

REVISTA ELETRNICA DE DIREITO PROCESSUAL www.revistaprocessual.com 1 Edio Outubro/Dezembro de 2007

APRESENTAO

Sempre se reflete quanto ao trabalho de pessoas que parecem estar envolvidas com diversas atividades, principalmente quanto ao Como?. Como conseguem? Como fazem tanta coisa? Como d tempo para tudo isto? Como tm energia e amor por tudo? E numa tarde do primeiro semestre de 2007 obtive uma resposta, sem palavras, sem discursos, sem tons profticos. As pessoas que fazem, as pessoas que produzem, as pessoas que criam so inquietas, tendentes a mudar o mundo, sempre procurando dar o melhor de si e extrair o melhor de todos os outros a cada dia. Mas o que teria isto a ver com a apresentao da 1 Edio da Revista Eletrnica de Direito Processual? Em primeiro lugar, para explicar o processo do parto, o qual aconteceu na referida tarde, como tantas outras de 2007, na qual perante a presena do Professor e Doutorando Delton Meirelles, do que lhes fala e de outro Mestrando da UERJ, o Professor Leonardo Greco, na expectativa do acontecimento de um novo CONPEDI1 no ms de novembro de 2007; aps o ltimo que o mesmo acabara de ajudar a promover perante a Faculdade de Direito de Campos dos Goitacazes; manifestou a sua constante preocupao e insatisfao com a baixa quantidade de produo acadmica com visibilidade para fora da Academia, do programa de Ps-Graduao da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, fato este que tambm se d em diversas outras Instituies de nvel superior nacionais.

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CONPEDI Conselho Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Direito www.conpedi.org.

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Em tom de conversa foram ainda abordadas as questes: (1) da dificuldade de publicao dos trabalhos acadmicos sobre Processo; (2) da enorme quantidade de trabalhos acadmicos que so elaborados semestralmente pelos Mestrandos, e a partir de 2008 Doutorandos, em Direito Processual da UERJ; (3) da qualidade dos referidos trabalhos semestrais; (4) da necessidade de dar conhecimento e visibilidade ao mundo externo das pesquisas sobre Processo; e, (5) da necessidade de criao de meios de comunicao adequados a velocidade das transformaes das matrias processuais, seja em decorrncia das ininterruptas reformas, seja diante do trabalho incessante, incansvel e numeroso dos Tribunais de Justia, Federais e Superiores, seja pela mutao da doutrina para adequar e construir um Processo socialmente devido, efetivo e justo para o atual Estado Democrtico de Direito brasileiro. Sem se perder tempo; como aprendido desde ento; e diante das idias lanadas pelo Professor Leonardo Greco, foi proposta a criao de um meio para publicao eletrnica de materiais sobre Direito Processual, sendo este o marco para a criao e desenvolvimento deste meio, que se entendeu denominar carinhosamente de REVISTA ELETRNICA DE DIREITO PROCESSUAL. A REVISTA ELETRNICA DE DIREITO PROCESSUAL se encontra no endereo eletrnico www.revistaprocessual.com, sendo composta das seguintes partes: - Apresentao (Fale conosco, Conselho Editorial, Colaboradores, Editor); - Edies eletrnicas (Artigos, Pareceres, Estudos, ...), ordenados por Edio e Ano; - Monografias (Graduao, Especializao, Mestrado, Doutorado, ...); - Jurisprudncia; - Legislao; - Livros e Eventos; - Links teis. Quanto as EDIES ELETRNICAS, as mesmas encontram-se organizadas da seguinte forma: - 1 PARTE: ARTIGOS, ESTUDOS, RESENHAS, PARECERES, ANLISE DE JURISPRUDNCIA e JURISPRUDNCIA TEMTICA; e, - 2a PARTE: MONOGRAFIAS e LIVROS ON-LINE, publicados em uma das Edies Eletrnicas e depois disponibilizados no SITE, na rea especfica. Entretanto, alm da participao e orientao do Professor Leonardo Greco, o Projeto ainda conta com o entusiasmo dos Professores Humberto Dalla, Aluisio Mendes, Delton Meirelles e a Professora Sabrina Morais; os quais imediatamente aderiram ao Projeto; alm do apoio do Professor Livre-Docente de Direito Processual da UERJ Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, principalmente quanto ao meio para a publicao das valiosas e inditas Dissertaes de Mestrado e futuras Teses de Doutorado que germinam anualmente do Programa de Ps-Graduao Stricto-sensu da UERJ. Os primeiros Professores e Professora integram o Conselho Editorial, presidido pelo Doutor Leonardo Greco. 3

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Enquanto ao Professor Paulo C. P. Carneiro dedicam-se palavras de admirao, afeto e respeito pela incansvel batalha diria que vem desenvolvendo em parceria com o Professor Livre-Docente da UERJ e Ministro do STJ Luiz Fux, para o aprimoramento do Direito Processual nos moldes traados entre as paredes da Escola Processual de Copacabana do Mestre Jos Carlos Barbosa Moreira. Na primeira EDIO ELETRNICA, referente aos meses de outubro a novembro de 2007, a SEGUNDA PARTE ser composta pelo Livro Eletrnico nela encartado, decorrente de estudos realizados para o Grupo de Pesquisa Obervatrios das Reformas Processuais dirigido pelo Professor Leonardo Greco desde o 1 semestre de 2007 e, pela Monografia de Gustavo Fontes Valente Em defesa da validade e eficcia da Clusula Compromissria, apresentada disciplina Teoria Geral do Processo da Ps-Graduao Stricto sensu da UERJ. Aps a publicao eletrnica da 1 Edio em 30 de dezembro de 2007, adotar-se-o as medidas necessrias para a obteno do ISSN, alm de se pretender apresentar as informaes para que os interessados obtenham o ISBN de suas Monografias e Livros. Por fim, mas o que deveria ter vindo no incio, deve-se agradecer e prestar homenagens a incomensurvel boa vontade do Presidente do Conselho Editorial por ter determinado ao Editor, nada mais do que um discpulo, a honra de lanar as linhas desta apresentao, pelo que se presta ao mesmo as homenagens devidas. A APRESENTAO na verdade, no do Editor, mas de todos os que participam deste sonho, quais sejam: Professor Dr. Leonardo Greco, Professor PhD. Humberto Dalla B. de Pinho, Professor PhD. Aluisio G. C. Mendes, Professora Dra. Sabrina Morais, Professor Msc. Delton Meirelles, Andr Vasconcelos Roque, Aloisio Libano, Ana Carolina Weber, Daniel Coelho, Diogo Rezende de Almeida, Fernanda Medina Pantoja, Flvia Pereira Hill, Mario Felippe de Lemos Gelli, Henrique Guelber de Mendona, Isabella Gameiro, Laura Oliveira Vidon, Matrina Magalhes Lopes, Mrcio Carvalho Faria, Patrcia Maria Nez Weber, Thiago Brega de Assis. Por fim, aguarda-se que participantes de outras Faculdades de Direito e outros Programas de Ps-Graduao do Brasil aproveitem, utilizem e participem deste PROJETO, que mesmo nascendo dentro do seio da Ps-Graduao Stricto sensu em Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ao mesmo no deve ficar restrito. Saudaes! Rio de Janeiro, 30 de dezembro de 2007. Mauricio Vasconcelos Galvo Filho Editor-Mantenedor [email protected] Revista Eletrnica de Direito Processual www.revistaprocessual.com

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SUMRIO

APRESENTAO

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1 PARTE: I. OS ATOS DE DISPOSIO PROCESSUAL PRIMEIRAS REFLEXES Leonardo Greco 7

II. A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PBLICA PARA A PROPOSITURA DE AES CIVIS PBLICAS: PRIMEIRAS IMPRESSES E QUESTES CONTROVERTIDAS 29 Humberto Dalla Bernardina de Pinho III. CONSTRUINDO O CDIGO BRASILEIRO DE PROCESSOS COLETIVOS: O ANTEPROJETO ELABORADO NO MBITO DOS PROGRAMAS DE PSGRADUAO DA UERJ E DA UNESA 49 Aluisio Gonalves de Castro Mendes IV. LA PROTECCIN DE DATOS EN EL MBITO ESPAOL Y EL PANORAMA JURDICO BRASILEO 57 Sabrina Morais IV. MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUO DE CONFLITOS: JUSTIA COEXISTENCIAL OU EFICINCIA ADMINISTRATIVA? ( ALTERNATIVE DISPUTE RESOLUTION: COEXISTENCIAL JUSTICE OR ADMINISTRATIVE EFFICIENCY) 70 Delton R. S. Meirelles V. CLASS ACTIONS E REFORMAS PROCESSUAIS: UM PONTO DE REFLEXO PARA AS AES COLETIVAS NO BRASIL 86 Andr Vasconcelos Roque VI. ARBITRAGEM NAS PARCERIAS PBLICO-PRIVADAS Ana Carolina Weber VII. REFORMAS PROCESSUAIS: SISTEMATIZAO E PERSPECTIVAS Fernanda Medina Pantoja IX. O RECURSO DE AGRAVO E A LEI No 11.187/05 Flvia Pereira Hill 125 144 168

X. REFLEXES SOBRE INSTRUMENTALIDADE, EFETIVIDADE E REFORMAS PROCESSUAIS 192 Mario Felippe de Lemos Gelli 5

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XI. O PRINCPIO DA COLEGIALIDADE E O PAPEL DO RELATOR NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO 208 Henrique Guelber de Mendona XII. PROPOSTA DE REFORMULAO DO LIVRO III DO CPC: ALGUMAS REFLEXES 227 Laura Oliveira Vidon XIII. O PRINCPIO DA CORRELAO ENTRE ACUSAO E SENTENA Marina Magalhes Lopes 251

XIV. DA CORRELAO ENTRE A ACUSAO E A SENTENA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO CONTEMPORNEO: O ART.384, CAPUT, DO CPP E A OFENSA AO SISTEMA ACUSATRIO E S FUNES PRIVATIVAS DO MINISTRIO PBLICO. 264 Mrcio Carvalho Faria XV. REFLEXES SOBRE CONDENATRIO. Patrcia Maria Nez Weber O NUS DA PROVA NO PROCESSO PENAL 297

2 PARTE: XVI. EM DEFESA DA VALIDADE E EFICCIA DA CLUSULA COMPROMISSRIA MONOGRAFIA DE CONCLUSO DA DISCIPLINA TEORIA GERAL DO PROCESSO 328 Gustavo Fontes Valente Salgueiro XVII. ANOTAES SOBRE A EVOLUO HISTRICA DA TUTELA COLETIVA NO DIREITO BRASILEIRO LIVRO ELETRNICO Mauricio Vasconcelos Galvo Filho

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I. OS ATOS DE DISPOSIO PROCESSUAL PRIMEIRAS REFLEXES

Leonardo Greco*

SUMRIO: 1. Consideraes gerais. 2. Limites. 3. Momento de eficcia. 4. Revogabilidade. 5. Regime legal. 6. Anlise de alguns atos em espcie. 6.1. Pactum de non petendo. 6.2. Pactum de foro prorogando. 6.3. Conveno de arbitragem. 6.4. Autorizao de juzos de equidade e de escolha da lei aplicvel. 6.5. Proposies, convenes e omisses fticas. 6.6. Disposies probatrias. 6.7. Disposies sobre o procedimento. 7. Consideraes finais.

1. Consideraes gerais. A concepo publicstica do processo relegou a segundo plano a reflexo acadmica sobre os limites da autonomia da vontade das partes a respeito da multiplicidade de questes que podem ser suscitadas no processo ou, simplesmente, a consider-la sempre dependente da aprovao ou homologao do juiz, vigilante guardio dos fins sociais e do interesse pblico a serem atingidos e preponderantemente tutelados. Ningum defendeu com mais veemncia essa concepo entre ns do que BARBOSA MOREIRA, em mais de um estudo1, nos quais sempre criticou certas ondas privatizantes que, procurando associar o ativismo judicial a ideologias autoritrias, defenderam a adoo de um sistema processual em que preponderasse a autonomia da vontade das partes, como conseqncia de uma viso liberal e garantstica do processo. Apesar disso, o reconhecimento do processo civil como instrumento de tutela efetiva das situaes de vantagem que a ordem jurdica confere aos particulares, decorrncia da eficcia concreta dos direitos dos cidados caracterstica do Estado Democrtico contemporneo, tem levado boa parte da doutrina e os sistemas processuais, em maior ou menor escala, a reconhecer s prprias partes certo poder de disposio em relao ao prprio processo e a muitos dos seus atos, reservando em grande parte interveno judicial um carter subsidirio e assistencial2. E quando me refiro a esse poder de disposio, o fao no somente no sentido da prtica de atos prejudiciais aos seus autores, mas de verdadeiros atos decisrios que vo determinar a marcha do processo e nele produzir efeitos jurdicos, ou,*

Professor Titular de Direito Processual Civil da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Professor Adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Professor dos Programas de PsGraduao em Direito da Faculdade de Direito de Campos e da Universidade Gama Filho. 1 V. especialmente O neoprivatismo no processo civil, in Temas de Direito Processual, 9 srie, ed. Saraiva, So Paulo, 2007, p.87/102. 2 Um retrato da influncia das ideologias no Direito Processual Civil pode ser encontrado na recente obra Proceso civil e ideologia, coordenada por Juan Montero Aroca (ed. Tirant lo Blanch, Valencia, 2006), com ensaios de Franco Cipriani, Giovanni Verde, Girolamo Monteleone, Joan Pico i Junoy, Jos Carlos Barbosa Moreira (o estudo citado na nota anterior), Adolfo Alvarado Velloso, Federico G. Dominguez, Eugenia Ariano Deho e Lus Correia de Mendona, e duas cartas trocadas por Augusto Mario Morello e Juan Montero Aroca.

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conforme a lio de CARNELUTTI, de atos mediante os quais o agente regula, segundo o seu interesse, a composio ou o desenvolvimento do processo 3. No obstante esse poder das partes se contraponha ao poderes do juiz, no deve ser interpretado, de forma alguma, como uma tendncia de privatizao da relao processual, mas representa simplesmente a aceitao de que aquelas, como destinatrias da prestao jurisdicional, tm tambm interesse em influir na atividade-meio e, em certas circunstncias, esto mais habilitadas do que o prprio julgador a adotar decises sobre os seus rumos e a ditar providncias em harmonia com os objetivos publicsticos do processo, consistentes em assegurar a paz social e a prpria manuteno da ordem pblica. Afinal, se o processo judicial no apenas coisa das partes, so elas as destinatrias da tutela jurisdicional e so os seus interesses que a deciso judicial diretamente atinge, e, atravs deles, os seus fins ltimos, embora remotos e abstratos, de tutela do interesse geral da coletividade, do bem comum e da paz social. Entre esses atos de disposio, encontram-se as convenes das partes, assim entendidos todos os atos bilaterais praticados no curso do processo ou para nele produzirem efeitos, que dispem sobre questes do processo, subtraindo-as da apreciao judicial ou condicionando o contedo de decises judiciais subseqentes. O que caracteriza as convenes processuais ou a sede do ato ato integrante da relao processual, praticado no processo -, ou a sua finalidade de produzir efeitos em determinado processo, presente ou futuro. Muitos atos convencionais produzem efeitos em processos atuais ou futuros, embora no predispostos para esse fim. o caso, por exemplo, do contrato de locao na ao de despejo. As partes contrataram a locao para reger a relao jurdica entre elas e no para servir de critrio para o julgamento da procedncia ou improcedncia da ao de despejo. Apesar de utilizado pelo locador para fundamentar a ao de despejo por infrao contratual, o contrato de locao no uma conveno processual. O contedo dos atos de disposio processual pode compor-se de questes substantivas relativas ao direito material das partes ou de questes tipicamente processuais relativas a pressupostos processuais, impulso processual, admisso ou no de provas etc. Pouco importa. Umas e outras so questes do processo, suscitadas na relao processual, nela apreciadas e destinadas a produzir efeitos, sem prejuzo de eventualmente tambm produzirem efeitos fora do processo. BARBOSA MOREIRA, num dos poucos estudos sobre o assunto na literatura brasileira, ressalta a disciplina lacunosa que os atos convencionais tm merecido, assim como, louvado em doutrina aliengena, distingue claramente as convenes daquelas declaraes de vontade unilaterais cuja eficcia fica na dependncia da concordncia da parte contrria, como a desistncia da ao4.

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Francisco Carnelutti, Sistema de derecho procesal civil, v. III, ed. Uteha Argentina, Buenos Aires, 1944, p.7. Jos Carlos Barbosa Moreira, Convenes das partes sobre matria processual, in Temas de Direito Processual, 3 srie, ed. Saraiva, So Paulo, 1984, p. 88/89.

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CARNELUTTI, no Sistema, j diferenciava os acordos dos contratos ou convenes, aqueles como atos complexos, ou seja, atos bilaterais em que a declarao de vontade de cada parte preserva a sua autonomia em relao da outra, enquanto estes ltimos so atos compostos, nos quais nenhum dos elementos do ato constitui um ato jurdico singular 5. NICETO ALCAL-ZAMORA Y CASTILLO refere-se s partes que penetram na rea do julgador, no se detendo na sua estrita qualidade de sujeitos que pedem, mas se transformam em sujeitos que decidem, como ocorre na prorrogao da competncia, na fixao em certos casos do procedimento a ser observado, na transformao de um juzo em outro por acordo entre os litigantes ou mediante declarao unilateral de apenas uma das partes6. Uma investigao sobre o novo alcance que vo assumindo os atos processuais das partes certamente exigir uma reviso da doutrina dominante, segundo a qual no cabe perquirir o contedo da vontade ou da causa nesses atos, cujos efeitos so pr-determinados pela lei7. De algum modo essa reviso j se iniciou, especialmente atravs da sistematizao de CARNELUTTI, que defendeu a existncia de verdadeiros negcios jurdicos processuais, especialmente em atos dispositivos das partes e a transcendncia jurdica da vontade e da causa na teoria dos atos processuais8. Mais recentemente, SILVIA BARONA VILAR, na Espanha, prope a distino entre os atos das partes destinados a obter uma resoluo judicial, como a proposio de uma prova, e os criadores de situaes jurdicas, como a desistncia, a renncia, a transao, a indicao de endereo para receber intimaes e o acordo entre as partes na designao do perito9. Nestes primeiro estudo sobre os atos de disposio das partes sero, a princpio, ignoradas essas distines, para nos concentrarmos especialmente no exame de quatro questes a respeito de um primeiro grupo de fenmenos processuais: os limites do poder de disposio das partes, o momento de sua eficcia, o seu regime jurdico processual ou de direito material e a revogabilidade dos atos em que exercido. Em estudos subseqentes tentaremos dar continuidade anlise dessas questes num rol mais numeroso e mais complexo de atos de disposio e, qui, identificar outras afinidades que sirvam para uma compreenso mais adequada da distribuio entre o juiz e as partes dos poderes de direo do processo civil. Mas, antes, impe-se recordar alguns princpios e regras vigentes no Direito brasileiro que podero servir de critrios para a anlise projetada.

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Francisco Carnelutti, ob. cit., p. 117. Niceto Alcal-Zamora y Castillo, El antagonismo juzgador-partes: situaciones intermedias y dudosas, in Estudios de teoria general e historia del proceso (1945-1972), tomo I, ed. UNAM, Mxico, 1974, p.292/293. 7 V. Giovanni Verde, Profili del processo civile, vol.1, Jovene ed., Napoli, 6 ed., 2002, p.286. 8 Ob.cit., p.87, 417/448 e 451/485. 9 Juan Montero Aroca et. Alii, El nuevo proceso civil (Ley 1/2000), ed. Tirant lo Blanch, Valencia, 2000, p. 163/164.

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A instaurao do processo resulta em geral da iniciativa do autor (art. 262 do CPC), que individualiza a demanda atravs da chamada trplice identidade, fixando o chamado objeto litigioso. Ao ru tambm incumbe definir as questes de direito material que possam ilidir o pedido do autor, ressalvadas as de ordem pblica, que o prprio juiz pode suscitar (CPC, art. 303, inciso II). Os fatos geradores do direito material das partes, a que a lei se refere como fatos constitutivos, extintivos, modificativos ou impeditivos do direito do autor (CPC, arts. 326), tambm se sujeitam, em princpio, ao nus da sua afirmao pelas partes. Quanto s questes propriamente processuais, cumpre recordar que a falta de condies da ao e de pressupostos processuais, de um modo geral, matria aprecivel de ofcio, pouca margem havendo para a disponibilidade das partes, constituindo excees a argio da incompetncia relativa e a argio do compromisso arbitral (CPC, arts. 114 e 301, 4). Ademais, ao juiz incumbem os deveres de impulsionar o processo (CPC, arts. 125 e 262) e de determinar de ofcio a produo de todas as provas necessrias formao do seu convencimento (art. 130)10, o que reserva autonomia de vontade das partes pouco espao para deliberaes a respeito da marcha do procedimento e para a imposio de limitaes probatrias ao juiz, apesar da expressa previso legal de convenes sobre a distribuio do nus da prova (art. 333, pargrafo nico) e do chamado nus subjetivo, que faz recair sobre a parte que no demonstrou os fatos que a ela interessam a conseqncia do julgamento desfavorvel.

2. Limites. A definio dos limites entre os poderes do juiz e a autonomia das partes est diretamente vinculada a trs fatores: a) disponibilidade do prprio direito material posto em juzo; b) ao respeito ao equilbrio entre as partes e paridade de armas, para que uma delas, em razo de atos de disposio seus ou de seu adversrio, no se beneficie de sua particular posio de vantagem em relao outra quanto ao direito de acesso aos meios de ao e de defesa; e c) preservao da observncia dos princpios e garantias fundamentais do processo no Estado Democrtico de Direito. No processo judicial entre duas partes e eu afasto, por ora, do meu exame as aes coletivas e os procedimenos concursuais -, os interesses de ambas podem ser disponveis ou indisponveis, ou apenas o de uma delas ser indisponvel e o da outra ser disponvel. Os titulares de direitos disponveis podem dispor no processo do seu prprio direito material, assim como de todas as faculdades processuais cuja no utilizao possa resultar, direta ou indiretamente, em julgamento contrrio ao seu direito material. Como todo ato de disposio, deve ser livre e consciente: livre, por no ter sido resultado de qualquer coao ou intimidao por parte de outro sujeito que, em razo da sua posio de superioridade em relao ao disponente, impe-lhe a sua vontade para sujeit-lo a um mal qualquer, ainda que justo; e10

Talvez o maior reflexo do dilema liberdade x autoridade no processo civil moderno se encontre na iniciativa probatria. Nos pases que adotam cdigos considerados liberais, essa iniciativa incumbe exclusivamente s partes, o que tido como conseqncia necessria do princpio dispositivo (V. Salvatore Satta, Manual de Derecho Procesal Civil, vol.I, ed. EJEA, Buenos Aires, 1971, p.165/166), que se contrape ao princpio inquisitivo, prevalente nas causas que versam sobre direitos indisponveis.

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consciente de que o ato de disposio pode lhe acarretar o julgamento desfavorvel ou a perda do prprio direito material pleiteado em juzo. Isso no significa que os titulares de direitos indisponveis no possam praticar atos de disposio, tanto no sentido de atos prejudiciais quanto de atos decisrios, mas apenas que no podem praticar os que, direta ou indiretamente, possam prejudicar ou dificultar a tutela desses direitos. O equilbrio contratual e a paridade de armas tambm limitam a liberdade de disposio das partes. Exemplo recente nesse sentido encontra-se na Lei 11.280/2006, que facultou ao juiz reconhecer de ofcio a nulidade de clusula de eleio de foro em contrato de adeso, dando nova redao ao pargrafo nico do art. 112 e ao art. 114 do Cdigo de Processo Civil. Como j acentuei em outro estudo, a igualdade das partes deve ser concreta, e no apenas formal, o que exige um juiz vigilante para suprir, em carter assistencial, as deficincias defensivas do mais fraco em relao ao mais forte. A posio de dependncia de uma parte em relao outra, a inferioridade econmica em decorrncia da pobreza ou da proeminncia do Estado, so circunstncias que criam uma desigualdade concreta a exigir permanente interveno equalizadora do juiz e a limitar o seu poder de disposio 11. A preservao da observncia dos princpios e garantias fundamentais do processo o que me ocorre denominar de ordem pblica processual12. J me referi a essa noo quando tratei das nulidades absolutas, no meu livro sobre Execuo, como o conjunto de requisitos dos atos processuais, impostos de modo imperativo para assegurar a proteo de interesse pblico precisamente determinado, o respeito a direitos fundamentais e a observncia de princpios do devido processo legal, quando indisponveis pelas partes. Entre esses princpios indisponveis, porque impostos de modo absoluto, apontei ento: a independncia, a imparcialidade e a competncia absoluta do juiz; a capacidade das partes; a liberdade de acesso tutela jurisdicional em igualdade de condies por todos os cidados (igualdade de oportunidades e de meios de defesa); um procedimento previsvel, eqitativo, contraditrio e pblico; a concorrncia das condies da ao; a delimitao do objeto litigioso; o respeito ao princpio da iniciativa das partes e ao princpio da congruncia; a conservao do contedo dos atos processuais; a possibilidade de ampla e oportuna utilizao de todos os meios de defesa, inclusive a defesa tcnica e a autodefesa; a interveno do Ministrio Pblico nas causas que versam sobre direitos indisponveis, as de curador especial ou de curador lide; o controle da legalidade e causalidade das decises judiciais atravs da fundamentao13. A esses acrescento agora a celeridade do processo, pois a11

V. Leonardo Greco, Garantias fundamentais do processo: o processo justo, in Estudos de direito processual, ed. Faculdade de Direito de Campos, Campos dos Goytacazes, 2005, p. 255/257. 12 Teresa Arruda Alvim Wambier (Nulidades do processo e da sentena, 6 ed., Revista dos Tribunais, So Paulo, 2007, p.164) alerta com razo que nem tudo o que o juiz aprecia de ofcio encontra fundamento na ordem pblica. Entretanto, aqui pretendo fixar que a ordem pblica um limite livre disposio das partes, sem prejuzo de o juiz poder examinar outras questes, como a conexo, que no so regidas por normas imperativas ou princpios indisponveis. 13 Leonardo Greco, O Processo de Execuo, vol. 2, ed. Renovar, Rio de Janeiro, 2001, p. 265/266.

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litigiosidade uma situao de crise na eficcia dos direitos dos cidados que o juiz tem o dever de remediar com a maior rapidez possvel (CPC, art. 125), especialmente aps a introduo do novo inciso LXXVIII do artigo 5 da Constituio pela Emenda Constitucional n 45/2004. Acrescentaria tambm a garantia de uma cognio adequada pelo juiz, pois, esse um dos objetivos essenciais de toda a atividade processual.

3. Momento de eficcia. CARNELUTTI esclarece que a eficcia jurdica processual de um ato ou fato ocorre quando ele determina a mudana de uma situao jurdica processual14. At o advento do Cdigo de Processo Civil de 1973, a eficcia dos atos dispositivos das partes ficava sempre condicionada homologao ou ao deferimento judicial. PONTES DE MIRANDA exalta essa diferena de tratamento, afirmando ter sido profunda a alterao determinada nessa matria pelo artigo 158 do Cdigo de 1973, em relao ao antigo artigo 16 do Cdigo de 1939. No novo regime, todos os atos processuais, consistentes em declaraes de vontade, inclusive as omisses, quando delas resulte criao, modificao ou extino de alguma situao jurdica, produzem imediatamente esses efeitos. Excetua-se apenas a desistncia da ao, que dever ser objeto de sentena terminativa 15. A eficcia dos atos de disposio das partes no poderia ficar subordinada a condies ou a termos, na medida em que a seqncia dos atos do processo no deve sofrer quebra de continuidade. Nas palavras de BARBOSA MOREIRA, poderiam ser postos em risco a certeza e a segurana no desenvolvimento do processo16. Penso, entretanto, ser impossvel generalizar essa regra. certo que o processo deve seguir um procedimento pr-determinado, que siga as prescries da lei. Mas nada impede que as partes ajustem a dispensa da prova testemunhal, caso a percia j deferida esclarea determinado fato. O processo ter seguimento com ou sem a produo da prova testemunhal, conforme o resultado da percia.Com freqncia, se ajusta a suspenso do processo de execuo, pelo tempo necessrio ao pagamento do crdito em prestaes peridicas, retomando-se o seu curso se inadimplida alguma das prestaes (CPC, art. 792).

A conveno das partes pode, por seu lado, fixar termo para a eficcia de ato de disposio, como a suspenso do processo (CPC, art. 265, inciso II, e 3).

4. Revogabilidade. O tratamento da revogabilidade dos atos de disposio das partes, nos sistemas em que a eficcia desses atos depende de homologao judicial, normalmente associado supervenincia ou no dessa homologao 17. Para CARNELUTTI,14 15

Ob.cit., p.69. Pontes de Miranda, Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, tomo III, 3 ed., com atualizao legislativa de Sergio Bermudes, Forense, Rio, 1996, p. 61/62. 16 Ob. cit., p.95. 17 Barbosa Moreira, ob. cit., p. 90.

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todas as declaraes de vontade ou de cincia seriam revogveis, embora no necessariamente quanto a todos os seus efeitos18. Todavia, atualmente entre ns, preciso considerar o alcance do disposto no j citado art. 158 do Cdigo de Processo Civil, segundo o qual, salvo na desistncia da ao, os atos das partes, unilaterais ou bilaterais, seja qual for o seu contedo, produzem efeito imediato, independentemente de sua homologao ou aprovao pelo juiz. Essa eficcia imediata, no condicionada homologao judicial, impe limites mais rgidos sua revogao. Parece-me que esses limites devem ser encontrados no mais na homologao judicial, mas em pelo menos uma destas trs circunstncias: a) a necessidade de permanente continuidade do processo em direo ao seu fim, que no deve ser condescendente com retrocessos, a no ser por um motivo justificvel, alegado de boa f; b) o direito adquirido, decorrente da prtica ou omisso do ato por uma parte em benefcio da outra, que gere direito subjetivo em favor da outra; ou c) como conseqncia de uma dessas duas circunstncias, a precluso temporal ou consumativa, que impede que o ato praticado ou omitido tenha uma nova oportunidade de ser manifestado. Nos atos de disposio extrajudicial, a revogabilidade depender normalmente da vontade das prprias partes (conjuntamente, em caso de ato convencional) ou de expressa previso legal. Trazidos para o processo, produziro efeitos desde logo, podendo do mesmo modo ser revogados para o futuro, desde que no incorram em qualquer das trs hipteses mencionadas no pargrafo anterior, ou se a lei expressamente a admitir, como ocorre na hiptese da revogao da procurao (CPC, art. 44).

5. Regime legal. Como qualquer ato jurdico, o ato processual exige sujeito capaz, objeto lcito e forma prescrita ou no defesa em lei (Cdigo Civil, art. 104). Mas qual o sistema normativo que rege a capacidade do sujeito, a licitude do objeto e a forma do ato de disposio processual? A meu ver, todo ato do processo, ou seja, todo ato que seja praticado na relao processual, como seu elemento integrante, deve observar a capacidade do sujeito, o contedo e a forma prescritos pela prpria lei processual. O direito processual tem as suas prprias regras. Ainda que esses atos produzam efeitos de direito material, sua subordinao ao regime processual inerente sua natureza processual. Entretanto, cabe considerar que h atos do processo que possuem contedo de direito material, como uma transao. Se celebrada atravs de ato processual, deve observar em todos os seus elementos o direito processual, mas tambm dever observar, quanto ao contedo ou objeto, o direito material de regncia da respectiva relao jurdica. Todavia, se um ato processual contm um negcio de direito material em que este exige capacidade ou forma diversos dos prescritos pela lei processual, no se pense que o ato processual nesses aspectos deva observar o direito material. Seu contedo dever respeit-lo,18

Francisco Carnelutti, Sistema de derecho procesal civil, v. III, ed. Uteha Argentina, Buenos Aires, 1944, p.115.

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mas a capacidade dos sujeitos e a forma se desprendem do direito material para submeter-se s regras prprias do direito processual. Assim, por exemplo, antes do novo Cdigo Civil, que reduziu a maioridade dos 21 para os 18 anos, o indivduo nesse faixa etria somente podia celebrar uma transao assistido pelo seu representante legal. Entretanto, no juizado especial, ele podia faz-lo sem essa assistncia, porque autorizado pela lei processual (Lei 9.099/95, art. 8, 2). Se a alienao de um imvel, pela lei civil, exigiria escritura pblica, podia ela ser ajustada no processo atravs de simples petio, sem a solenidade da escritura pblica. Mas tambm existem atos das partes que so praticados fora do processo, embora destinados exclusivamente a nele produzir efeitos. No momento da sua prtica eles no integram a relao processual, embora devam vir a ser nela posteriormente documentados e a produzir efeitos. o caso da procurao outorgada ao advogado. Apesar de serem atos extraprocessuais, devero observar a capacidade, o contedo e a forma prescritos pelo direito processual. Diferentemente, se forem atos extraprocessuais destinados a produzir efeitos de direito material e de direito processual. Estes ltimos, quanto capacidade e forma, devero observar o respectivo direito material, mas quanto ao contedo reger-se-o tanto pelo direito material quanto pelo direito processual, podendo ocorrer que sejam considerados lcitos e eficazes para um e no para outro. A prevalncia do direito material ou do direito processual, quanto capacidade e forma, se os atos forem praticados fora ou dentro do processo ou neste exclusivamente destinados a produzir efeitos, e a observncia, quanto ao contedo, de um e de outro, na medida em que os efeitos dos atos devam produzir-se neste ou noutro plano, so princpios que somente expressa disposio legal em contrrio pode derrogar, porque, embora, no Brasil, a Unio possa legislar sobre o direito processual e tambm sobre grande parte do direito material, o direito processual tem os seus prprios princpios, como o princpio pro actione e o da liberdade das formas, que facilitam o acesso justia mesmo de sujeitos ou entes que no tm personalidade jurdica ou capacidade civil e relegam a plano secundrio muitas garantias formais supridas pela instrumentalidade do processo e pela sua permanente sujeio superviso da mais qualificada e confivel autoridade pblica, que o juiz, que no deve ser entendida como supressora da liberdade das partes, mas fiscalizadora da adequao do seu exerccio com os fins institucionais do processo.

6. Anlise de alguns atos em espcie. Fixados esses critrios bsicos, passarei a examinar algumas espcies de atos de disposio das partes, judiciais e extrajudiciais, especialmente quanto aos limites do poder de disposio, ao momento de sua eficcia, ao seu regime jurdico processual ou extraprocessual e possibilidade de sua revogao. 6.1. Pactum de non petendo. Uma primeira espcie convencional extrajudicial o chamado pactum de non petendo. Nas suas origens romanas correspondia ao compromisso

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pelo qual o credor se obrigava, em certas circunstncias, como a do compromisso arbitral, a no exigir judicialmente o pagamento do seu crdito19. O instituto, que tambm citado como correspondente ao perdo da dvida 20, pode ser equiparado renncia tutela jurisdicional, a que fiz aluso no meu estudo sobre as garantias fundamentais do processo, no qual manifestei opinio no sentido da sua plena admissibilidade, desde que as circunstncias de que se cerque evidenciem que ela foi livre e consciente, no imposta pela necessidade de livrar-se de qualquer espcie de sujeio, nem como condio de acesso a quaisquer bens ou direitos21. O direito moderno apresenta outras modalidades de renncia jurisdio, como a submisso justia interna das associaes de opinio e a pactuao das chamadas obrigaes de paz nas relaes trabalhistas e em certas comunidades empresariais. Associaes de opinio so entidades que congregam pessoas partidrias de certas correntes polticas, integrantes de determinados grupos tnicos ou religiosos, simpatizantes ou praticantes de determinado esporte ou hobby que, em benefcio da fidelidade e da coeso de todos os participantes em torno das regras comuns de convivncia, renunciam a disputar na justia estatal eventuais divergncias surgidas no seio da respectiva associao. TROCKER, na sua principal obra, mostrou como a sociedade europia respeita essa autonomia das associaes privadas, desde que elas sejam capazes de estruturar internamente rgos de soluo de conflitos entre os associados, dotados da necessria independncia em relao s suas esferas dirigentes, e desde que no processo interno de apurao e imposio de sanes aos associados sejam assegurados o contraditrio, a ampla defesa e a motivao das decises22. No Brasil, temos uma limitada experincia desse tipo, no propriamente de renncia jurisdio, mas de postergao da sua invocao, nas associaes desportivas, por fora do disposto no art. 217 da Constituio Federal. As obrigaes de paz so pactuaes comuns nas relaes trabalhistas entre patres e empregados e nas relaes empresariais, especialmente em alguns pases desenvolvidos, nas quais os interessados se comprometem a no ingressar em juzo e no deflagrar aes de hostilidade em relao ao adversrio, sem antes submeter o litgio a um foro de negociao geralmente composto por representantes qualificados das duas classes, no caso das relaes trabalhistas, ou assemblia da associao empresarial a que os dois litigantes sejam filiados, no caso de relaes empresariais, em busca de uma soluo que atenda aos interesses de ambos e da prpria comunidade23. Tmida obrigao de paz a obrigao de submeter o conflito coletivo de trabalho negociao coletiva, como condio necessria para o ajuizamento do dissdio coletivo, conforme previso dos 1 e 2 do art. 114 da Constituio, o ltimo com a redao da Emenda Constitucional n 45/2004.19 20

Vittorio Scialoja, Procedimiento civil romano, ed. EJEA, Buenos Aires, 1954, p.434. Humberto Cuenca, Proceso civil romano, ed. EJEA, Buenos Aires, 1957, ns.287, 290, 292 e 300. 21 Leonardo Greco, Garantias ..., p.248. 22 Nicol Trocker, Processo civile e Costituzione, ed. Giuffr, Milano, 1974, p.248. 23 V. Gabriel Aubert, Lobligation de paix du travail tude de droit suisse et compar, ed. Georg Librairie de lUniversit, Genve, 1981, passim.

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Essas convenes me parecem plenamente vlidas, desde que revestidas das exigncias mnimas de renncia jurisdio acima expostas, a saber, pactuadas de forma absolutamente livre e consciente, e no como meios de obter algum benefcio imediato ou de livrar-se de algum mal iminente. Na verdade, as obrigaes de paz no so propriamente pactos de renncia tutela jurisdicional, mas de postergao do ingresso em juzo enquanto se desenrolam as negociaes dentro dos rgos representativos da comunidade. Essa postergao deve ter um limite temporal razovel e no pode impedir o imediato ingresso em juzo sempre que qualquer das partes necessitar de alguma modalidade de tutela de urgncia. Tambm nos procedimentos sancionadores internos das associaes de opinio deve existir esse limite temporal e a ressalva da possibilidade imediata de tutela judicial de urgncia. Em um como em outro caso (associaes de opinio ou obrigaes de paz) no estamos diante de uma conveno de arbitragem, mas de ausncia temporria da possibilidade de ingresso em juzo. Torna-se relevante no estudo do tema definir se essas pactuaes tm contedo de direito material ou processual24, isto , se o contedo do direito material somente se perfaz, tornando-se exigvel em juzo, aps o cumprimento da consulta prvia ou da condio temporal, nas obrigaes de paz, ou desta e do procedimento sancionador associativo, nas associaes de opinio; ou se se trata apenas de falta de condio da ao, o interesse de agir, e, portanto, do direito jurisdio que est sujeito implementao dessas circunstncias. BARBOSA MOREIRA assinala25 que a doutrina tem admitido convenes processuais condicionais, embora possam elas perturbar a marcha do processo. Parece-me que se essas convenes antecedem ao processo no ocorre esse risco. Em minha opinio, no o direito material que deixou de preencher um dos seus requisitos ou est com a sua eficcia subordinada a uma condio. O direito material pode ser plenamente eficaz antes mesmo do preenchimento das circunstncias apontadas, mas apenas a sua postulao judicial foi diferida. Nesses casos, o no implemento desses requisitos suprime o interesse de agir, ressalvada a necessidade de tutela de urgncia. Diferente ser a soluo, naquelas hipteses em que o direito declarado desde logo inexigvel judicialmente. Aqui, mais do que a simples ausncia de condio da ao, pareceme configurado verdadeiro pacto de non petendo, correspondente declarao da inexistncia do direito material ou ao perdo da dvida. Foi o que aconteceu com o acordo relativo aos expurgos das contas do FGTS, objeto da Lei Complementar n 110/2001, em que o trabalhador, que aderiu ao acordo, alm de concordar com os termos, percentuais e prazos ajustados com a Caixa Econmica Federal, assinou declarao de que no est nem ingressar em juzo discutindo os complementos de atualizao monetria expurgados.24 25

V. analogamente Trocker, ob. cit., p.270, sobre postergaes semelhantes determinadas pela prpria lei. Ob. cit., p.95.

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Verdadeira renncia ao direito material e no apenas ao direito de ingressar em juzo, que no satisfaz aos requisitos acima, quais sejam, a livre e consciente pactuao, posto que induzida como meio de obter benefcio imediato, alm do desrespeito ao equilbrio contratual e paridade de armas, diante da evidncia da manifesta posio de vantagem da Caixa Econmica Federal na celebrao do acordo e em qualquer eventual disputa do direito material em juzo. Se, apesar da renncia, o direito for pleiteado em juzo e o julgador considerar vlida a pactuao, julgar improcedente o pedido. Se, ao contrrio, reputar nula a renncia, julgar provavelmente procedente o pedido, salvo se subsistir algum outro fundamento para rejeit-lo. Quanto ao momento da eficcia, cumpre analisar as diversas hipteses mencionadas. Nas associaes de opinio, a eficcia da postergao ocorrer no momento em que, configurado o litgio, mas ainda no concludo o procedimento sancionador interno e no atingido o seu limite temporal, carece o prejudicado de interesse de agir judicialmente, exceto para a propositura de medidas de urgncia. Nas obrigaes de paz, a eficcia dar-se- tambm no momento em que, configurado o litgio, mas ainda no concludas as negociaes entre as entidades de classe ou dentro do rgo de representao da comunidade e no atingido o seu limite temporal, igualmente subsistir a falta de interesse de agir. J na renncia ao direito ou na quitao extrajudicial de dvida, o pacto eficaz desde a sua celebrao, salvo disposio legal ou contratual em contrrio. A revogabilidade depender da vontade conjunta das partes (Cdigo Civil, art.472) ou da previso legal. No momento em que ocorrer essa revogao, configurar-se- desde logo o interesse de agir para o exerccio da ao judicial ou para a sua continuidade, se j proposta, nas hipteses de associaes de opinio e de obrigaes de paz, enquanto na revogao da renncia ao direito ou da quitao, restabelece-se o direito material com toda a sua eficcia. Se nesse momento estiver pendente ao judicial, a revogao constituir direito superveniente, nos termos do art. 303, inciso I, do Cdigo de Processo Civil. E o regime legal o preconizado no item 5 acima, salvo disposio legal expressa em contrrio. Ou seja, a capacidade e a forma reger-se-o pelo direito material, enquanto o contedo obedecer s regras do direito material e, quanto aos seus efeitos processuais (carncia de ao, julgamento de mrito etc.), pelo direito processual.

6.2. Pactum de foro prorogando. O artigo 111 do Cdigo de Processo Civil prev o acordo de eleio de foro, desde que conste de contrato escrito e se refira expressamente a determinado negcio ( 1). Na esteira de jurisprudncia constante posterior ao Cdigo de Defesa do Consumidor, a Lei 11.280/2006 facultou ao juiz declarar de ofcio a nulidade da clusula de eleio de foro em contrato de adeso (art. 112, pargrafo nico, do CPC), determinando a prorrogao da competncia do juiz perante o qual a causa tenha sido proposta, caso no tenha ele declinado 17

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da sua competncia na forma do dispositivo anteriormente mencionado ou se no oferecida pelo ru exceo de incompetncia (art. 114). Essas novas regras no so de fcil integrao com as anteriormente vigentes em matria de incompetncia relativa, porque, em verdade, criaram hiptese de declarao de ofcio de uma nulidade relativa, que se convalida se no for argida, nem declarada. Ocorre que a lei no estabelece em que momento o juiz pode declarar a nulidade da clusula de eleio de foro, nem em que momento se considerar prorrogada a sua competncia por no ter sido a incompetncia argida ou declarada. Parece-me que a nulidade ou a excessiva onerosidade da clusula de eleio de foro constituem matria que pode exigir dilao probatria, ainda que sumria. Assim, se a parte no argiu a nulidade do foro de eleio atravs de exceo de incompetncia e o juiz no declinou dessa competncia at o despacho saneador, pois at esse momento que ele deve examinar as questes processuais pendentes (art. 331, 2), ficar prorrogada a competncia do juzo perante o qual foi a ao inicialmente proposta26. Assim, ao foro de eleio se aplicam os limites indicados no item 2 acima, sendo as regras da recente Lei 11.280/2006 uma exemplificao do segundo limite, relativo exigncia de respeito ao equilbrio contratual e paridade de armas. As regras de competncia da parte final do artigo 95 do CPC e da Lei de Falncias (Lei 11.101/2005, arts. 3 e 76) so limitaes admissibilidade do foro de eleio em razo da ordem pblica processual. O momento de eficcia do pacto ser o da propositura de qualquer ao decorrente do contrato celebrado entre as partes, que fixar e perpetuar a competncia, nos termos do artigo 87 do Cdigo de Processo Civil. A sua revogabilidade depender de novo acordo de vontade entre os contratantes que venham a ser partes no litgio ajuizado, no podendo depender da concorrncia da vontade de outros contratantes que, eventualmente, no participem do litgio ajuizado, mas ter como limite temporal o ajuizamento da demanda porque, desde esse momento, a perpetuatio jurisdictionis no mais a permitir. A nica hiptese de eficcia temporal incidente ao processo j ajuizado bem lembrada por PONTES DE MIRANDA, a que denomina de acordo sucessivo se, proposta a ao em determinado foro e oferecida pelo ru exceo de incompetncia, vm as partes, antes do julgamento desta, a pactuar manuteno da causa no juzo perante o qual foi proposta, desistindo o ru da referida exceo e, assim, prorrogando-se a competncia do juzo original27.

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Para Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wambier e Jos Miguel Garcia Medina, se o ru contestou a ao sem argir a incompetncia, no existir motivo para a apreciao de ofcio da nulidade da clusula de eleio de foro, porque esta no ter prejudicado o exerccio da defesa. Assim, a aplicao do novo pargrafo nico do art. 112 dever ser excepcional, reservada apenas para os casos de flagrante e evidente nulidade (in Teresa de Arruda Alvim Wambier, ob. cit., p.221). 27 Pontes de Miranda, Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, tomo II, 3 ed., com atualizao legislativa de Sergio Bermudes, Forense, Rio, 1995, p.322.

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E, quanto ao regime legal, este um caso de ato de disposio praticado fora do processo, mas destinado a produzir efeitos exclusivamente no processo judicial. Apesar de inserido em um contrato de direito material, a clusula de foro de eleio ser regida, tanto em relao capacidade das partes, quanto ao contedo e a forma pela lei processual 28. No artigo 111 do CPC encontram-se as regras especiais sobre o contedo e a forma que devero ser observadas29. A validade da clusula, de acordo com o seu regime processual, absolutamente independente da validade do contrato como um todo, luz do direito material que o rege. 6.3. Conveno de arbitragem. De acordo com o art. 1 da Lei 9.307/96, a conveno de arbitragem o contrato ou a clusula de um contrato atravs dos quais pessoas capazes instituem ou se comprometem a instituir um juzo arbitral extrajudicial para resolver litgio relativo a direitos patrimoniais disponveis. A clusula compromissria de um contrato deve observar as disposies dos arts. 4 a 8 da referida Lei, enquanto o compromisso arbitral, que um contrato tpico, regerse- pelos arts. 9 a 12 do mesmo diploma e pelos arts. 851 a 853 do Cdigo Civil. O compromisso no necessariamente uma conveno extrajudicial, porque tambm pode adotar a forma judicial, ou seja, ser objeto de um ato interno de um processo judicial em andamento (Lei 9.307/96, art. 9, 1)30. Nem sempre a clusula e o compromisso produziro efeitos em um processo judicial, mas isso poder ocorrer em diversas situaes, como a instituio compulsria da arbitragem (Lei 9.307/96, art. 7.), a ao de nulidade da sentena arbitral (art. 33) e a impugnao execuo da sentena arbitral (CPC, arts. 475-J a 475-N, introduzidos pela Lei 11.232/2005). Nesses casos, poder o juiz ser chamado a examinar os limites da autonomia da vontade das partes, luz das regras de direito material acima referidas, podendo recusar a validade da arbitragem em razo da indisponibilidade do direito material (Lei 9.307/96, art. 1), da violao do equilbrio contratual e da paridade armas pela pactuao em contrato de adeso sem as cautelas legais (art. 4, 2) ou da ofensa aos princpios e garantias fundamentais da arbitragem e do processo arbitral (art. 32). Peculiaridade desse controle que, diferentemente do que ocorre na maior parte dos atos de disposio processual das partes, esses limites somente podem ser examinados pela autoridade judiciria atravs de aes prprias, como a de instituio compulsria da arbitragem, a ao de nulidade do artigo28

Na Alemanha h controvrsia sobre a natureza processual ou material dos acordos sobre competncia, que so largamente utilizados e previstos nos 38 a 40 da ZPO. V. Stefan Leible, Proceso civil alemn, ed. Konrad Adenauer Stiftung, Medelln, Colmbia, 1999, p.124; Peter L. Murray e Rolf Strner, German Civil Justice, Carolina Academic Press, Durham, North Carolina, 2004, p. 144.29

Pontes de Miranda (Comentrios...tomo II, p.321) admite a validade de clusula de eleio de foro em negcios jurdicos unilaterais, como as promessas de recompensa, bem como a sua vinculao no a determinado negcio jurdico, mas a um ato-fato ilcito, como o mau uso da propriedade, ou a um ato-fato jurdico, como uma descoberta cientfica. 30 Uma modalidade de juzo arbitral institudo por conveno judicial est prevista nos arts. 24 a 26 da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95).

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33 da Lei de Arbitragem ou a impugnao incidental execuo, ou ainda se argida a existncia de conveno ou sentena arbitral como matria de defesa pela parte interessada (CPC, art. 301, inciso IX e 4), no me parecendo possvel a sua apreciao ex-officio pelo juiz31. A conveno arbitral produzir efeitos desde o momento em que uma das partes no contrato decida manifestar outra a inteno de instituir a arbitragem (Lei 9.307/96, arts. 5 a 7) ou desde que alegada a sua existncia como matria de defesa em processo judicial (CPC, ltimos dispositivos citados). Quanto revogabilidade, enquanto objeto de um contrato privado, a conveno arbitral pode ser a qualquer tempo revogada pela mesma forma do contrato, com a anuncia das mesmas partes. Os limites a essa revogabilidade encontram-se nos arts. 28 e 29 da Lei 9.307/96. Antes da sentena arbitral, podem as partes livremente pr fim ao litgio e prpria arbitragem. Proferida a sentena arbitral, estar exaurida a conveno e no ser mais possvel a sua revogao. A revogao tcita da conveno arbitral tambm ocorrer no curso de processo judicial proposto sobre o mesmo litgio objeto da conveno ou do processo arbitral, se o ru no argir a sua existncia como preliminar da contestao (CPC, art. 301, inciso IX e 4). No me parece possvel essa revogao tcita depois de proferida a sentena arbitral. Argida a conveno arbitral como preliminar da contestao, mas ainda no extinto o processo sem resoluo do mrito (CPC, art. 267, inciso VII), sendo essa questo livremente disponvel pelo ru, pode este vir a dela desistir, consumando-se a sua revogao expressa, da no resultando qualquer prejuzo para o autor, mas sempre antes da sentena arbitral. O compromisso e a clusula compromissria devero obedecer ao regime contratual que lhes prprio, quanto capacidade das partes, ao contedo e forma. Apenas a produo de seus efeitos e dos efeitos da sentena arbitral em processo judicial que observar a lei processual. Se o compromisso tiver sido ajustado em processo judicial, entretanto, apesar do seu contedo contratual, dever, como ato processual, revestir-se dos requisitos de validade impostos pela lei processual, quanto capacidade dos sujeitos, licitude do objeto e forma, sem prejuzo de igualmente observar o regime jurdico do direito privado quanto ao contedo e ao objeto. 6.4. Autorizao de juzos de equidade e de escolha da lei aplicvel. Invocando o art. 127 do Cdigo de Processo Civil, segundo o qual a deciso por eqidade depende de expressa previso legal, BARBOSA MOREIRA condena convenes processuais que autorizem o juiz a decidir por eqidade32.

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Teresa Arruda Alvim Wambier (ob.cit., p. 80/81), explorando a divergncia de redao entre o inciso IX (conveno de arbitragem) e o 4(compromisso arbitral), sustenta que, no tendo sido a clusula compromissria mencionada no ltimo dispositivo, deve ser reconhecida de ofcio. 32 Ob. cit., p.94.

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Parece-me que essa objeo do mestre no pode mais subsistir, a partir do advento da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), que em seu artigo 2 autorizou o convencionamento da arbitragem de eqidade. Se o juiz cumpre a sentena arbitral adotada em juzo de eqidade, deve ter a possibilidade de receber das partes, ele prprio, a confiana para a formulao de juzos alheios a critrios de estrita legalidade. No Cdigo italiano h previso expressa dessa possibilidade no artigo 114, que permite o julgamento por eqidade do mrito da causa que verse sobre direitos disponveis, a pedido conjunto de ambas as partes. Alis, no apenas o julgamento de eqidade que pode ser livremente convencionado, desde que no mbito dos direitos patrimoniais disponveis. Tambm a escolha da lei de direito material aplicvel a essas relaes jurdicas, consoante previso da mesma Lei de Arbitragem que se refere expressamente aos princpios gerais de direito, aos usos e costumes e s regras internacionais de comrcio33. Tambm tratados internacionais em vigor no Brasil se referem possibilidade de submisso voluntria lei de um determinado pas, em matria de obrigaes, como ocorre com a Conveno de Nova Iorque de 10 de junho de 1958 (art. 5). HAROLDO VALLADO, no seu anteprojeto de lei geral de aplicao de normas jurdicas, apontava apenas dois limites a essa estipulao: o abuso de direito e a ordem pblica (art. 50) 34. Tambm se aplicam a essas convenes, se por essas hipteses no abrangidos, os limites indicados no item 2, acima. A eficcia da autorizao para deciso por eqidade, que fica restrita s questes de mrito, se produzir a partir da instaurao do processo judicial que verse sobre a correspondente relao jurdica. J a da escolha da lei aplicvel, como fonte de direito contratual, dar-se- desde o momento de incio da vigncia do prprio contrato e, portanto, ainda antes de sua argio em qualquer processo judicial. A revogao de uma e de outra poder ocorrer convencionalmente a qualquer tempo, respeitadas at essa data e enquanto no modificadas por decises judiciais posteriores, as adotadas at a revogao. Salvo se celebradas atravs de ato praticado em processo em curso, como uma transao judicial, essas convenes estaro sujeitas, em todos os aspectos, ao direito material de regncia do seu prprio contedo. 6.5. Proposies, convenes e omisses fticas. Em que circunstncias podem ser os fatos objeto de atos de disposio das partes matria complexa, que comportaria um estudo a parte. Cabe distinguir os fatos jurgenos dos fatos simples ou complementares. E entre os primeiros, cabe distinguir os constitutivos do direito alegado pelo autor dos fatos extintivos, modificativos ou impeditivos desse direito, que sustentam o direito alegado pelo ru.33

a chamada lex mercatoria (Carlos Alberto Carmona, Arbitragem e processo: um comentrio Lei 9.307/96, ed. Malheiros, So Paulo, 1998, p. 69/70). 34 Jacob Dolinger e Carmen Tiburcio, Vade-mcum de Direito Internacional Privado, ed. Renovar, Rio de Janeiro, 1994, p.54.

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Os fatos constitutivos do direito do autor integram o objeto litigioso, compondo a causa de pedir. Podem gerar direitos absolutos, como os direitos da personalidade e os direitos reais de gozo, tambm chamados de direitos autodeterminados; ou servir de fundamento a direitos relativos, como os direitos de crdito e os direitos reais de garantia, tambm denominados de direitos heterodeterminados35. Os direitos autodeterminados podem ser gerados pelos fatos inicialmente propostos ou por quaisquer outros, desde que possuam as mesmas caractersticas jurdicas. Os fatos fundantes de direitos relativos, cabe ao autor aleg-los na petio inicial e o juiz no tem qualquer ingerncia nessa escolha. Desde o ajuizamento produzem efeitos no processo (CPC, arts. 87 e 219, 1). At a citao, pode o autor unilateralmente alterar as proposies fticas iniciais, seja para retirar, seja para incluir algum fato. Depois da citao e at o saneamento do processo, eventuais alteraes dependero da concordncia do ru. E depois do saneador est proibida qualquer alterao (CPC, art. 264). J nos direitos absolutos, embora tenha o autor o nus de enunciar os fatos geradores do seu direito na petio inicial, se ele no circunscrever expressamente a sua postulao apenas a esses fatos, poder o juiz a qualquer tempo tomar conhecimento de ofcio de quaisquer outros fatos com as mesmas caractersticas e, com base neles, julgar o pedido (CPC, art. 462), como poder o prprio autor, depois da citao e do saneador aleg-los. Os fatos produziro efeitos no processo desde a sua alegao ou revelao. At a citao poder o autor unilateralmente retir-los do objeto litigioso; aps a citao, mas antes do saneador, somente o poder com a concordncia do ru; aps o saneador estar vedada qualquer restrio. J os fatos alegados pelo ru como fundamento do seu direito material, que se ope ao do autor, integrando a chamada causa excipiendi, igualmente produzem efeitos no processo desde o ajuizamento da contestao (CPC, art. 326). Em geral, o juiz no pode conhec-los de ofcio, excetuados os geradores de direito indisponvel do ru ou de fundamentos de defesa de ordem pblica (CPC, art. 303, inciso II), como hoje a prescrio (CPC, art. 219, 5, com a redao da Lei 11.280/2006). A revogao unilateral da alegao destes ltimos por parte do ru no me parece possvel. J a dos demais, inexistindo os fundamentos da indisponibilidade e da ordem pblica, pode ocorrer at a sentena de mrito, inclusive em grau de recurso. Nos limites aqui expostos, podero as partes dispor a respeito da revelao de fatos jurgenos, unilateralmente, atravs de convenes ou at mesmo da omisso na sua alegao tempestiva. E quanto aos fatos simples, que so os fatos secundrios que servem para provar a existncia dos fatos jurgenos, podem sempre ser conhecidos de ofcio pelo juiz por35

V. Leonardo Greco, A teoria da ao no processo civil, ed. Dialtica, So Paulo, 2003, p.64.

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ocasio do julgamento dos fatos, que ocorre em geral na sentena (CPC, art. 131). Produzem efeitos no processo desde o momento em que revelados no processo atravs de algum ato das partes ou de qualquer outro sujeito processual, no estando ao alcance de qualquer das partes dispor a respeito da sua revelao ou da sua apreciao pelo juiz. O regime legal dos atos de disposio a respeito dos fatos ser sempre o processual, ainda que objeto de conveno extraprocessual. 6.6. Disposies probatrias . As convenes sobre a distribuio do nus da prova esto expressamente admitidas pelo pargrafo nico do art. 333 do Cdigo de Processo Civil, salvo se recarem sobre direito indisponvel ou se a conveno tornar excessivamente difcil a uma parte o exerccio do direito. Respeitados esses limites, que favorecem a imputao desse nus ao litigante que tiver mais facilidade de produo da prova do fato, as partes podem ajustar qual delas ser prejudicada no julgamento, caso determinado fato relevante no fique comprovado36. Se extraprocessuais, tais convenes produziro efeitos no processo a partir da sua argio por uma das partes atravs de algum ato processual. Se reveladas ou praticadas depois do saneador, podero obrigar o juiz a rever a sua deliberao a respeito das provas a serem produzidas. Sua revogao somente pode ocorrer consensualmente, at a prolao da sentena, porque nesse momento culminante que o juiz aplicar as conseqncias definitivas das regras de distribuio do nus da prova. A meu ver ocorrer a revogao tcita se nenhuma das partes a invocar no momento da proposio das provas que se d, normalmente, na petio inicial e na contestao (arts.282, inciso VI, e 300). O regime dessas convenes ser sempre o da lei processual. Mas alm dos limites bem definidos no pargrafo nico do art. 333, que, segundo MOACYR AMARAL SANTOS37, se modelou no artigo 2.698 do Cdigo Civil italiano, preciso reconhecer a reduzida importncia que atualmente possuem as regras relativas ao nus probatrio, que, de nenhum modo podem prejudicar o livre convencimento do juiz, servindo principalmente para auxili-lo em caso de dvida. Outras convenes probatrias tambm so admissveis, desde que disponvel o direito material que por elas possa ser atingido e que no seja tolhido o livre convencimento de juiz, nem limitado o seu poder de determinar de ofcio a produo das provas que julgar necessrias devida e veraz elucidao dos fatos. LOPES DA COSTA, apontado como um adversrio das convenes de distribuio do nus da prova, lecionava, entretanto: O que elas podem dispensar de prova certos fatos, confessando-os fictamente, como no os

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V. o meu estudo A prova no Processo Civil: do Cdigo de 1.973 ao novo Cdigo Civil, in Estudos de direito processual, ed. Faculdade de Direito de Campos, Campos dos Goytacazes, 2005, p.357/392. 37 Moacyr Amaral Santos, Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, vol. IV, 2 ed., Forense, Rio de Janeiro, 1977, p.40.

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contestando (art. 209) ou expressamente. Tambm se lhes permite combinarem, para determinados atos, certa prova38. Nada impede que essas espcies de convenes sejam celebradas no curso do processo j em andamento. Exemplos outros, ainda poderiam figurar-se de convenes probatrias. BARBOSA MOREIRA39 admite a conveno em que ambas as partes dispensem a indicao de assistentes tcnicos. Como essa indicao uma faculdade de cada uma das partes, nada impede que, de comum acordo, ambas resolvam no exerc-la. A conveno produzir efeito a partir da prtica do ato processual em que for comunicada no processo e somente poder ser revogada consensualmente at a deciso do juiz que determinar a produo da prova pericial. Posteriormente, parece-me que no deveria ser admitida essa revogao, por violar a precluso. Incuas, por outro lado, e at mesmo nulas, seriam outras espcies de convenes probatrias, como, por exemplo, a designao de comum acordo do perito nico ou a limitao da investigao probatria produo apenas de provas orais. No sistema brasileiro, no podem as partes limitar os poderes do juiz na investigao da verdade. Ainda que deva exerc-los normalmente em carter subsidirio, no pode deles abrir mo. Este pode aceitar a indicao do perito feita de comum acordo pelas partes, mas a deliberao final ser de sua responsabilidade, no daquelas. Pode ele igualmente convencer-se no ser necessria ou til qualquer outra prova, exceto as de natureza oral, acolhendo a sugesto das partes. Em outros sistemas, encontram-se regras consagradoras de algum tipo de limitao iniciativa probatria do juiz. Assim, no direito alemo, cabe s partes a indicao das testemunhas, no podendo o juiz de ofcio determinar a inquirio de qualquer pessoa 40. So sistemas em que mais acentuada a autonomia das partes, com a conseqente reduo dos poderes do juiz. Entre os atos de disposio probatria encontra-se a confisso, que pode ser extrajudicial ou judicial, subdividindo-se esta em espontnea ou provocada. Seu limite a disponibilidade do direito material. O momento em que se inicia a produo dos seus efeitos o da prtica do ato de confisso judicial ou da revelao no processo do ato de confisso extrajudicial. A sua revogao depende de ao prpria (CPC, art. 352), motivada em erro, dolo ou coao. Como fato processual que ser livremente apreciado pelo juiz, a confisso no comporta retratao41. O seu regime legal o processual (CPC, arts. 342/354)42.38 39

Moacyr Amaral Santos, ob. e loc. cits. Ob. cit., p. 92. 40 V. Stefan Leible, Proceso civil alemn, ed. Konrad Adenauer Stiftung/Dik, Medelln, 1999, p.137; Peter L. Murray e Rolf Strner, German Civil Justice, ed. Carolina Academic Press, Durham, 2004, p.264. 41 Giovanni Verde, Profili del processo civile, vol.2, Jovene ed., Napoli, 2 ed., 2002, p.118. 42 Em alentado estudo no Direito portugus (A confisso no direito probatrio, ed. Coimbra, 1991, p.269/329), Jos Lebre de Freitas sustenta a eficcia substantiva da confisso.

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6.7. Disposies sobre o procedimento. Mais difcil a definio dos limites disposio a respeito do procedimento, sabendo-se que, entre ns, este regulado estritamente pela lei. s vezes a prpria lei que abre margem disciplina procedimental convencionalmente ajustada pelas partes, como na suspenso do processo, na modificao de prazos legais dilatrios ou no adiamento da audincia (CPC, art. 265-II, art. 181 e art. 453-I). Mas no silncio da lei, o procedimento legal deve ser respeitado, pois ele a garantia do tratamento isonmico de todos os cidados e na sua ritualidade se encontram as escolhas do legislador que procuram compor in abstracto de modo equilibrado as variadas situaes subjetivas que nele se defrontam. A par dessa desejvel homogeneidade genrica, igualmente indispensvel uma certa flexibilidade, para assegurar in concreto a paridade de armas e a ampla defesa43, assim como para fazer valer a natureza instrumental dos atos processuais, hoje no mais refm de inteis formalismos. Assim, a prtica de atos processuais pelas partes, sem a rigorosa observncia dos requisitos estabelecidos pela lei, fato do cotidiano forense, que no prejudica a validade da maioria dos atos assim praticados, na medida em que a sua finalidade foi atingida ou em que os requisitos inobservados no eram essenciais. Embora a teoria dos defeitos dos atos processuais ainda no esteja definitivamente construda, sofrendo excessiva influncia do direito material, j tive oportunidade em outras ocasies de ensaiar uma certa sistematizao, ditada particularmente pelo progressivo declnio das chamadas nulidades absolutas e pela necessidade de restringir o culto forma apenas ao descumprimento de regras impostas pela proteo da eficcia de normas imperativas protetivas de direitos indisponveis, como j referido acima44. Excludos os casos de nulidades absolutas, se o ato praticado por uma das partes deixou de observar algum requisito essencial imposto pela lei e a outra parte no alegou a sua nulidade na primeira oportunidade que teve para falar nos autos, nem demonstrou ter sofrido algum prejuzo, a nulidade do ato estar sanada e o ato produzir validamente, desde o momento em que foi praticado, todos os seus efeitos, sem que o juiz possa ter nesse resultado qualquer ingerncia. Se o vcio do ato uma mera irregularidade, ou seja, o descumprimento de um requisito meramente til do ato, o juiz pode exigir que a parte o regularize, se for possvel. Mas se o juiz no atentar para to leve defeito at o final do processo, a prestao jurisdicional ser plenamente vlida e o vcio estar totalmente sanado. Enfim, o juiz deve velar pelo ncleo duro de princpios e garantias que formam a ordem pblica processual, aceitando que as partes disponham com liberdade sobre a marcha do processo, desde que respeitado esse mnimo irredutvel45.43

V. Leonardo Greco, Garantias fundamentais do processo: o processo justo, in Estudos de direito processual, ed. Faculdade de Direito de Campos, Campos dos Goytacazes, 2005, p. 225/286. 44 V. os dois ltimos pargrafos do item 2 acima. V. tambm: Leonardo Greco, O Processo de Execuo, vol.2, p. 256/290. e ainda O valor da causa e as custas iniciais no mandado de segurana, in Estudos de direito processual, ed. Faculdade de Direito de Campos, Campos dos Goytacazes, 2005, p. 175/196. 45 Em perspectiva diversa, qual seja a de reforo dos poderes do juiz, Jos Roberto dos Santos Bedaque igualmente sustenta a flexibilidade da tcnica no controle da validade dos atos processuais (Efetividade do processo e tcnica processual, ed. Malheiros, So Paulo, 2006, p.107/111).

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Convenes sobre o procedimento, dentro desses limites, devem ser acolhidas e respeitadas pelo juiz. Entretanto, o legislador brasileiro nem sempre fiel a esses critrios, atendo-se muitas vezes a uma rigidez procedimental incompatvel com o respeito s garantias fundamentais do processo e totalmente distanciada do respeito devido ordem pblica processual. Cito como exemplo, o disposto no art. 182 do Cdigo de Processo Civil, que probe s partes, mesmo de comum acordo, reduzir ou prorrogar os prazos peremptrios. Ora, a reduo do prazo recursal de sentenas de partilha em inventrios prtica usual, vedada por esse dispositivo. E por que no poderiam as partes prorrogar esse ou qualquer outro prazo processual, desde que o fizessem moderadamente, sem que isso implicasse em excessivo retardamento do desfecho do processo e, portanto, em comprometimento da celeridade? No ultrapassados esses limites e no comprometida a adequada cognio da causa pelo juiz, parece-me perfeitamente aceitvel a regulao convencional do procedimento. Assim, por exemplo, se, mesmo no sendo evidente a complexidade da causa, ambas as partes decidirem optar por memoriais escritos em lugar das alegaes finais orais, o juiz deve deferilos (CPC, art. 454, 3). Quanto ao uso de idioma estrangeiro46, no deve ser admitida a sua adoo convencional, porque prejudicaria a cognio adequada do juiz ou, pelo menos, a presuno de que o juiz somente conhecedor do idioma nacional, no havendo qualquer segurana de que conhea to bem idioma estrangeiro a ponto de nele poder exercer a funo jurisdicional. A crescente circulao de documentos em certos idiomas estrangeiros, como o espanhol e o ingls, a nacionalizao de expresses e frases e o uso da internet desde a infncia podero suprimir no futuro a necessidade dessa proibio. De acordo com o art. 158 do CPC, os atos de disposio sobre o procedimento produziro efeitos desde o momento em que forem praticados ou revelados no processo, salvo se a lei expressamente dispuser de modo diverso, como ocorre com a desistncia da ao, que somente se consumar com a homologao judicial (CPC, art. 158, pargrafo nico). Os limites sua revogabilidade devero ser analisados caso a caso, luz das diretrizes expostas no item 4 acima, cabendo observar, quanto desistncia da ao que, enquanto no homologada, podem ela e a concordncia do ru ser revogadas unilateralmente, pois sua eficcia depende dessa homologao, no havendo qualquer situao jurdica definitivamente consolidada antes dela. Como atos de contedo exclusivamente processual, seu regime , em todos os aspectos, o da lei processual. 7. Consideraes finais. A partir do marco terico aqui delineado, espero, em estudos subseqentes, dar seqncia investigao ora iniciada, analisando todas as situaes46

V. Barbosa Moreira, ob.cit., p. 91.

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jurdicas em que possam ocorrer os atos de disposio das partes, observando-os sob os quatro aspectos inicialmente propostos - limites, momento de eficcia, revogabilidade e regime legal e, eventualmente mais algum outro que contribua para a sua compreenso e sistematizao. Estaro sob o foco desses estudos as seguintes situaes, previstas no Cdigo de Processo Civil: a) a possibilidade de substituio do ru na nomeao autoria (arts. 65 e 66); b) a substituio do alienante ou cedente pelo adquirente ou cessionrio (art. 42, 1); c) o reconhecimento do pedido (art. 269, inciso II); d) a transao judicial (arts. 269, inciso III; 475-N, incisos III e V, e 794, inciso II) a suspenso do processo por conveno das partes (arts. 265, inciso II, e 792); f) o adiamento da audincia por conveno das partes (art. 453, inciso I); g) o requerimento conjunto de preferncia no julgamento perante os tribunais (art. 565, pargrafo nico); h) as convenes sobre prazos (art. 181); i) as convenes sobre alegaes finais orais de litisconsortes (art. 454, 1); j) a desistncia da ao (arts. 267, 4, e 158, pargrafo nico); l) a conciliao em audincia (arts. 447/449); m) a desistncia da execuo (art. 569), n) a liquidao por arbitramento por conveno das partes (art. 475-C, inciso I); o) a administrao de estabelecimento penhorado (art. 677, 2); p) a escolha do juzo da execuo (art. 475-P, pargrafo nico); q) a escolha da prestao nas obrigaes alternativas (art. 571); r) a escolha do foro pela Fazenda na execuo fiscal (art. 578, pargrafo nico); s) a escolha do meio executrio pelo exeqente (art. 568); t) a escolha do bem na entrega de coisa incerta (art. 629); u) a opo do exeqente pelas perdas e danos na execuo de obrigaes de fazer (art. 633); v) a execuo da obra pelo prprio exeqente nas prestaes de fazer (art. 637); x) o depsito em mos do executado com a anuncia do exeqente (art. 666, 1); z) a desistncia da penhora pelo exeqente (art. 667, inciso III); aa) a sub-rogao ou alienao judicial do crdito penhorado (art. 673); bb) o acordo sobre a forma de administrao na penhora de estabelecimento (art. 677, 2); cc) a dispensa da avaliao se o exeqente aceitar a estimativa do executado (art. 684-I); dd) a opo do exeqente pela adjudicao ou pela alienao particular (art. 686); ee) a substituio da arrematao pela alienao via internet a requerimento do exeqente (art. 689-A); ff) a nomeao do administrador no usufruto (art. 719); gg) a escolha do rito da execuo de alimentos (arts. 732/735); hh) a opo do executado pelo pagamento em prestaes (art. 745A); ii) o acordo de pagamento amigvel pelo insolvente (art. 783); jj) a escolha de depositrio de bens seqestrados (art. 824-I); ll) o acordo de partilha amigvel (art. 1.031); mm) a alienao de bens em depsito judicial (art. 1.113, 3) Alm dessas hipteses de atos de disposio, cogito examinar algumas outras, existentes em outros ordenamentos processuais, mencionadas pela doutrina ou possivelmente compatveis com o ordenamento brasileiro, como a renncia bilateral antecipada do recurso futuro, a penhora em lugar inacessvel, a no impugnao do valor da causa, a escolha do procedimento, o acordo de alienao antecipada dos bens penhorados e a conveno sobre a escolha do bem a ser penhorado. Talvez seja ainda muito cedo para concluses definitivas, mas, de qualquer modo, parece estar aberta a porta para uma compreenso mais precisa sobre a relao de 27

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equilbrio que deve existir entre os poderes do juiz e os poderes de disposio das partes no processo civil brasileiro. A cooperao e o dilogo humano, que devem constituir o clima dominante no desenvolvimento do processo, exige o mtuo reconhecimento das posies de vantagem que cada um dos interlocutores est em condies mais favorveis de tutelar, sem rivalidades, nem autoritarismos, mas no esprito construtivo do processo mais justo possvel e da conseqente soluo mais adequada possvel da causa. Rio de Janeiro, 2 de junho de 2007

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II. A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PBLICA PARA A PROPOSITURA DE AES CIVIS PBLICAS: PRIMEIRAS IMPRESSES E QUESTES CONTROVERTIDAS. Humberto Dalla Bernardina de Pinho1

A Lei Federal n 11.418, de 15 de janeiro de 2007 , a um s tempo, um marco histrico e a correo de uma injusta discriminao com uma das mais importantes e respeitadas instituies brasileiras. O artigo 2 dessa Lei, ao dar nova redao ao artigo 5 da Lei n 7.347/85, denominada Lei da Ao Civil Pblica, inscreve a Defensoria Pblica entre os legitimados para a propositura de tais demandas. Nas linhas abaixo, faremos uma anlise da evoluo legislativa em matria de aes coletivas. Aps, teceremos algumas consideraes sobre as modalidades de direitos transindividuais para, em seguida, examinar as perspectivas no Projeto de Cdigo de Direitos Coletivos2 apresentado recentemente pelo IBDP. Com efeito, o texto base sobre a ao civil pblica a j referida Lei n 7.347/85, o que denota que o ordenamento brasileiro ainda nefito no tema3. Portanto, apenas trs anos antes4 da edio de nossa atual Carta Poltica, nosso legislador comea a se preocupar com a proteo dos interesses sociais, para utilizar a expresso cunhada pelo texto constitucional no artigo 127. Ps-Doutor em Direito (University of Connecticut School of Law). Mestre, Doutor em Direito e Professor Adjunto de Direito Processual (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Professor da Universidade Estcio de S. Promotor de Justia Titular no Estado do Rio de Janeiro.12

Disponvel para consulta no stio do Instituto, em http://www.direitoprocessual.org.br, acesso em 22 de fevereiro de 2007. 3 Apenas para que se tenha uma idia de nosso atraso, datam de 1820 os primeiros processos coletivos na experincia norte-americana, destacando-se, em especial, o pioneiro West v. Rendall, de 1820, em que certo residente de Massachussets tinha pretenses indenizatrias face a seus trustees, que teriam dilapidado seu patrimnio. No obstante o julgamento da ao como inepta pela Corte Federal3, o Justice Joseph Story argumenta em seu voto que, caso o feito fosse admitido, todos os residentes de Rhode Island deveriam ser partes no processo, por faltar quela regio a jurisdio da equity e pela impossibilidade prtica de todas as partes figurarem no processo. Para maiores informaes, consulte-se YEAZELL, Stephen C. From Medieval Group Litigation to the Modern Class Action, London: Yale University Press, 1987, p. 149. 4 bem verdade que Barbosa Moreira j estudava o assunto desde a edio da Lei da Ao Popular, no ano de 1965, enquanto Paulo Cezar Pinheiro Carneiro sustenta que o primeiro registro legal da tutela de tais direitos em nosso pas remonta Consolidao das Leis do Trabalho, quando tratou dos dissdios coletivos. Para maiores informaes, conferir: BARBOSA MOREIRA, Jos Carlos. A Ao Popular no Direito Brasileiro como

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A partir da, podemos dizer que se inicia o movimento para mover o eixo estrutural do processo de um vis puramente individual para a seara coletiva, o que j vinha acontecendo com o direito civil5 e j era advertido pela doutrina processual6 italiana. Com a Lei n 7.347/85, foram ampliadas as hipteses de cabimento de demandas visando tutela dos direitos difusos e coletivos, podendo tal ao ser utilizada no somente para a proteo do patrimnio pblico, que j era tutelvel via ao popular, mas, da mesma forma, para a proteo do meio ambiente, dos consumidores, bens e direitos de valor artstico, esttico, histrico, turstico, bem como qualquer interesse difuso ou coletivo 7. Depois, mister fazer referncia Constituio Federal de 1988, que teve papel fundamental na tutela dos direitos coletivos lato sensu, uma vez que ampliou o objeto da ao popular, permitindo a sua utilizao tambm para a preservao do meio ambiente e da moralidade administrativa; previu a possibilidade de mandado de segurana coletivo; e, por fim, disps expressamente sobre a legitimidade para tanto8. A Lei da Ao Civil Pblica foi seguida pela Lei 7853/89, que disciplina especificamente a tutela dos direitos e interesses coletivos e difusos de pessoas portadoras de deficincia, e pela Lei 7913/89, que prev a ao civil pblica de responsabilidade por danos a investidores do mercado de valores mobilirios. Posteriormente, tivemos a edio do E.C.A. (Lei n 8.069, de 13 de julho de 1990), que contemplou a viabilidade da ao civil pblica por ofensa a direitos da criana e do adolescente.

Instrumento de Tutela Jurisdicional dos Chamados Direitos Difusos, in Temas de Direito Processual, Primeira Srie, So Paulo: Saraiva, 1977; e CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso Justia: juizados especiais cveis e ao civil pblica, Rio de Janeiro: Forense, 2000. 5 PERLINGIERI, Pietro. Il Diritto civile nella Legalit Costituzionale, Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 1991. 6 CAPPELLETTI, Mauro. Formaes Sociais e Interesses Coletivos Diante da Justia Civil, in Revista de Processo, Vol. 5, pp. 128/159. 7 Art. 1 da Lei 7347/85. 8 O artigo 5 da Constituio Federal de 1988 trata da ao popular e do mandado de segurana coletivo: Art. 5(...): LXX o mandado de segurana coletivo pode ser impetrado por: a) partido poltico com representao no Congresso Nacional; b) organizao sindical, entidade de classe ou associao legalmente constituda e em funcionamento h pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados; (...) LXXIII qualquer cidado parte legtima para propor ao popular que vise a anular ato lesivo ao patrimnio pblico ou de entidade de que o Estado participe, moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimnio histrico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada m-f, isento de custas judiciais e do nus da sucumbncia;. A ao civil pblica vem inserida no captulo que trata do Ministrio Pblico, como sendo uma de suas funes institucionais: Art. 127 O Ministrio Pblico instituio permanente, essencial funo jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurdica, do regime democrtico e dos interesses sociais e individuais indisponveis. (...) Art. 129 So funes institucionais do Ministrio Pblico: (...) III promover o inqurito civil e a ao civil pblica, para a proteo do patrimnio pblico e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

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Logo aps, foi editado o Cdigo de Defesa do Consumidor (Lei n 8.078, de 11.09.90), que alterou diversos dispositivos da Lei da Ao Civil Pblica e tambm regulamentou no ordenamento ptrio a ao coletiva nos seus artigos 91 a 100. Importante, ainda, apontarmos a edio da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n 8.429/92), que visa ao combate dos atos ilcitos praticados por funcionrios pblicos no exerccio de suas funes, criando mecanismos para a represso a esses atos e a devoluo aos cofres pblicos das quantias desviadas de suas finalidades originais; da Lei n 8.884/94 (Lei Antitruste), que dispe sobre a preveno e a represso de infraes econmicas; e da Lei 8.974/95, que estabelece normas de proteo vida e sade do homem, dos animais, das plantas, bem como do meio ambiente. A seguir, tivemos a Lei n 10.257/01, que em seu artigo 54 (que remete Lei n 7.347/85) contemplou a defesa coletiva da ordem urbana, e o Estatuto do Idoso (Lei n 10.741, de 1 de outubro de 2003) que criou uma srie de normas protetivas s pessoas maiores de sessenta anos, bem como regulamentou o uso da ao civil pblica para a defesa dos interesses desses indivduos. Por fim, a Lei Maria da Penha Lei n 10340/06 que visa a coibir a violncia domstica, tambm contemplou a tutela coletiva nos artigos 26, inciso II e 37. Vistos todos esses Diplomas, surge a inevitvel indagao: qual a extenso da legitimidade da Defensoria Pblica nesse contexto? Estamos em que, diante da previso genrica no artigo inciso II do art. 5 da Lei n 7.347/85, a Defensoria Pblica estar legitimada para todas as matrias contempladas nas Leis acima referidas. A nica exceo que poder ser oposta diz respeito matria de improbidade administrativa, uma vez que a Lei n 8.429/92 traz regra especfica e restritiva a respeito do tema no artigo 16, que dispe serem legitimados apenas o Ministrio Pblico e a pessoa jurdica de direito pblico interno lesada. Quer me parecer que aqui, por se tratar de moralidade administrativa, com claros reflexos nas instncias penal e, por vezes, eleitoral, a legitimidade deve ser mesmo mais restrita, constituindo-se em norma especfica que no admite revogao por Lei posterior. Importante observar que o Estatuto do Idoso, traz em seu artigo 81 um rol de legitimados para a ao coletiva, que chega a incluir a Ordem dos Advogados do Brasil (inciso III), embora nada disponha sobre a Defensoria Pblica. Tambm a Lei Maria da Penha traz redao restritiva no artigo 37, dispondo que para aes coletivas em matria de violncia domstica estaro legitimados o 31

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Ministrio Pblico e as Associaes Civis, observado quanto a essas ltimas, o requisito da pertinncia temtica. Mesmo nesses dois casos, temos sustentado que a nova Lei n 11.448/07, por ser norma posterior e por estar inserida exatamente no Diploma Base da Ao civil pblica, que, alis, invocado por quase todas as demais Leis, se aplica tambm a esses casos. Por outro lado, sendo ente legitimado para a propositura da ao, certamente poder tambm habilitar-se como litisconsorte (art. 94 do C.D.C.). Pode-se ainda pensar numa interpretao extensiva do art. 5, 5 da Lei n 7.347/85, de modo a se permitir um litisconsrcio entre Defensorias Pblicas de Estados diversos ou ainda entre o ente estadual e a Defensoria Pblica da Unio. Contudo, mais ponderado que tal dispositivo venha a ser inserido na Lei Orgnica da Defensoria Pblica, tanto em nvel federal (Lei Complementar n 80/94) como nos planos estaduais (no caso do Rio de Janeiro, Lei Complementar n 06/77). Em razo das restries contidas no art. 129, inciso III da Constituio da Repblica, c/c art. 8 da Lei n 7.347/85, a D.P. no pode instaurar inqurito civil, eis que se trata de providncia privativa do Ministrio Pblico, na medida em que este instrumento demanda uma srie de providncias investigatrias, como a requisio de documentos, depoimentos de testemunhas e realizao de percias, incompatveis com a natureza constitucional da Defensoria. Por outro lado, nos termos do artigo 5, 6 da Lei da Ao Civil Pblica, poder normalmente firmar compromissos de ajustamento de conduta, eis que se insere na definio legal de rgo pblico. Outras providncias, como a convocao de audincias pblicas e expedio de recomendaes devem ser, por enquanto, evitadas, eis que sua efetivao, a nosso ver, demanda previso legal especfica nas respectivas leis orgnicas, como referido acima. Como ocorre com os demais legitimados, D.P. tambm ser imposta a restrio referida no pargrafo nico do artigo 1 da Lei da Ao Civil Pblica, introduzido pela Medida Provisria n 2180-35, de 24 de agosto de 2001, no sentido de no ser cabvel a tutela coletiva para veicular pretenses que envolvam tributos, contribuies previdencirias, o Fundo de Garantia de Tempo de Servio FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficirios podem ser individualmente determinados. Ainda quanto legitimidade, preciso investigar sua dimenso polticosocial, a fim de ofertar sustentculo dogmtico nova Lei. 32

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Nesse passo, mister referir dois autores de grande relevncia nessa matria e que ajudaram a construir a ponte entre os mundos poltico e jurdico. Barbosa Moreira9 talvez tenha sido o primeiro processualista a ofertar uma viso sistemtica da legitimidade, aclarando alguns pontos sobre o instituto. Para o Mestre, legitimao a coincidncia entre a situao jurdica de uma pessoa tal como resulta da postulao formulada perante o rgo judicial, e uma situao legitimante prevista em lei para posio que essa pessoa se atribui, ou que ela mesma pretende assumir. Prosseguindo nessa linha de raciocnio, Donaldo Armelin10 faz distino entre a legitimidade poltica-social e a legitimidade jurdica, asseverando que o ponto de contato entre elas reside na justificao do exerccio do poder. Destarte, o conceito de legitimidade formado a partir de dois elementos, a saber: (i) objetivo, que representa a qualidade atribuda pela ordem jurdica ao sujeito legitimado para o exerccio de determinados atos; e (ii) subjetivo, que indica a existnci