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5 Redução das emissões de GEE no tratamento de águas residuais. Um roteiro de ação para entidades gestoras Fernando Godinho a* , Cláudia Godinho b a Consultor independente. Rua D. Francisco Manuel de Melo, n.º 27. Vale de Milhaços. 2855-448 Corroios, Portugal b CONSULGAL/SISAQUA, Rua da Quinta Grande, n.º 15. 2780-156 Oeiras, Portugal Resumo Algumas iniciativas roadmapping têm vindo a ser desenvolvidas no sentido da definição de medidas e metas para a redução dos consumos energéticos e das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) na indústria da água. Neste artigo é apresentada uma descrição sumária de um roteiro para ser aplicado pelas entidades gestoras de sistemas de águas residuais, visando a realização do trabalho preparatório visando a sua participação pró-ativa naquelas iniciativas. O roteiro proposto engloba as seguintes atividades: formulação de cenários e de metas de redução de emissões de GEE; avaliação e seleção das medidas para atingir as metas de redução; sensibilização das entidades públicas para a necessidade da prevenção/criação de condições que, sendo externas ao domínio da atuação da entidade gestora, são essenciais para a implementação e eficácia das medidas de mitigação. Para apoio à implementação do roteiro e com base em abordagens inovadoras, é proposta uma ferramenta técnica que engloba metodologias para identificação e avaliação/seleção das medidas de mitigação mais custo-eficazes para fazer face aos cenários e metas de redução de emissões formuladas. Palavras-Chave: gases com efeito de estufa, mitigação, tratamento de águas residuais. doi: 10.22181/aer.2017.0201 * Autor para correspondência E-mail: [email protected] (Fernando Godinho)

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Redução das emissões de GEE no tratamento de águas residuais. Um roteiro de ação para entidades gestoras

Fernando Godinho a*, Cláudia Godinho b

a Consultor independente. Rua D. Francisco Manuel de Melo, n.º 27. Vale de Milhaços. 2855-448 Corroios, Portugal

b CONSULGAL/SISAQUA, Rua da Quinta Grande, n.º 15. 2780-156 Oeiras, Portugal

Resumo

Algumas iniciativas roadmapping têm vindo a ser desenvolvidas no sentido da definição

de medidas e metas para a redução dos consumos energéticos e das emissões de

gases com efeito de estufa (GEE) na indústria da água. Neste artigo é apresentada uma

descrição sumária de um roteiro para ser aplicado pelas entidades gestoras de sistemas

de águas residuais, visando a realização do trabalho preparatório visando a sua

participação pró-ativa naquelas iniciativas. O roteiro proposto engloba as seguintes

atividades: formulação de cenários e de metas de redução de emissões de GEE;

avaliação e seleção das medidas para atingir as metas de redução; sensibilização das

entidades públicas para a necessidade da prevenção/criação de condições que, sendo

externas ao domínio da atuação da entidade gestora, são essenciais para a

implementação e eficácia das medidas de mitigação. Para apoio à implementação do

roteiro e com base em abordagens inovadoras, é proposta uma ferramenta técnica que

engloba metodologias para identificação e avaliação/seleção das medidas de mitigação

mais custo-eficazes para fazer face aos cenários e metas de redução de emissões

formuladas.

Palavras-Chave: gases com efeito de estufa, mitigação, tratamento de águas residuais.

doi: 10.22181/aer.2017.0201

* Autor para correspondênciaE-mail: [email protected] (Fernando Godinho)

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Greenhouse gas emissions reduction in wastewater treatment. A roadmap for management entities

Fernando Godinho a, Cláudia Godinho b

a Consultor independente. Rua D. Francisco Manuel de Melo, n.º 27. Vale de Milhaços. 2855-448 Corroios, Portugal

b CONSULGAL/SISAQUA, Rua da Quinta Grande, n.º 15. 2780-156 Oeiras, Portugal

Abstract

Some roadmapping initiatives have been developed towards the definition of measures

and targets to reducing energy consumption and greenhouse gas (GHG) emissions in

water industry. This paper presents a summary description of a roadmap to be applied by

wastewater treatment system management entities, for carrying out the preparatory work

regarding their pro-active involvement in those roadmapping initiatives. The proposed

roadmap includes the following key activities: mitigation scenarios and GHG emissions

reducing targets formulation; evaluation and selection of the most cost-effective

measures to reach those targets; promoting stakeholders information and awareness

aiming to prevent/create conditions that, although not depending directly on the action of

the wastewater system management entity, are crucial to implement the most cost-

effective measures and to improve its effectiveness. Based on innovative approaches,

and to support the implementation of the roadmap, a tool involving methodologies for

identification and evaluation/selection of the most cost-effective solutions and measures

to reach the GHG emissions reduction targets is proposed.

Keywords: greenhouse gas emissions, mitigation, wastewater treatment.

doi: 10.22181/aer.2017.0201

* Corresponding authorE-mail: [email protected] (Fernando Godinho)

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1 Introdução

O crescimento da concentração de gases com efeito de estufa (GEE) na atmosfera,

desde o início da era industrial, é causado pela atividade humana e tem conduzido a um

aumento consistente da temperatura média global da atmosfera. A mitigação das

emissões de GEE, por forma a manter a sua concentração na atmosfera em níveis que

previnam um máximo de 2ºC para aquela subida de temperatura, é uma necessidade

premente, reconhecida no Acordo de Copenhaga e reassumida nas conferências de

Qatar 2012, Varsóvia 2013, Lima 2014 e Paris 2015.

As alterações climáticas representam uma dupla ameaça para os serviços da água:

uma ameaça direta, associada à maior variabilidade da temperatura da atmosfera, ao

agravamento dos fenómenos hidrológicos extremos e das suas consequências e à

subida do nível do mar, com impactos negativos nas disponibilidades hídricas e nas

infraestruturas (vida útil, segurança e custos de investimento e exploração);

uma ameaça indireta, associada aos potenciais impactos negativos das medidas de

mitigação das alterações climáticas nos outros setores da economia, centradas

essencialmente na procura de novas fontes de energia e de novas formas de gestão

energética que afetarão as disponibilidades de água e a sua procura.

O uso crescente de hidroeletricidade e a produção de biofuel aumentarão a procura da

água. A aposta na mobilidade elétrica requererá um enorme crescimento das atividades

potencialmente muito poluentes associadas à extração e transformação de lítio e à

produção e desembaraçamento final de baterias. A emergência de novas origens de

energia poderá traduzir-se também no aumento da procura da água. Neste contexto, os

serviços da água não poderão deixar de estar na linha da frente no confronto das

alterações climáticas (na mitigação e na adaptação).

A indústria da água no Reino Unido é responsável por cerca de 1% do total global das

emissões de GEE (EA 2009). Algumas iniciativas roadmapping têm sido desenvolvidas

no sentido da definição de roteiros para a redução do consumo energético e das

emissões de GEE na indústria da água (Godinho 2015). Estas iniciativas, normalmente

lançadas e coordenadas por entidades estatais, legisladoras e/ou reguladoras, requerem

a participação pró-ativa das entidades gestoras dos serviços da água.

Neste artigo é apresentada uma descrição sumária de um roteiro inovador, proposto em

Godinho (2015), para a realização do trabalho interno das entidades gestoras, visando a

sua preparação para a participação naquelas iniciativas roadmapping. O roteiro pretende

respostas para as seguintes questões, essenciais para aquela participação:

os cenários e metas de redução de emissões formuladas no âmbito das iniciativas

roadmapping são realísticas e socialmente sustentáveis?

que propostas alternativas pode a entidade gestora formular?

que condições externas devem ser salvaguardadas para prevenir a possibilidade do

alcance dessas metas?

O roteiro proposto incide especificamente no tratamento de águas residuais,

considerando-se interessante o seu alargamento a todo o ciclo urbano da água.

2 Âmbito e objetivos do roteiro proposto

O roteiro proposto visa os seguintes objetivos essenciais:

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a) Formulação de cenários e de metas de redução de emissões de GEE, por iniciativa

individual da entidade gestora ou no âmbito da sua participação em iniciativas

roadmapping lançadas e coordenadas por entidades estatais;

b) Avaliação das emissões de GEE associadas às atividades e processos inerentes ao

tratamento de águas residuais;

c) Avaliação das soluções para a redução de emissões (medidas, opções de gestão,

metas alcançáveis, custos), tendo em vista a obtenção da informação necessária

para a participação da entidade gestora nas iniciativas referidas na alínea a) acima;

d) Seleção do conjunto de medidas mais custo-eficaz, a aplicar ao conjunto de ETAR da

entidade gestora, para atingir as metas de redução formuladas;

e) Avaliação do impacto socioeconómico desse conjunto de medidas;

f) Identificação de constrangimentos visando a adoção, pela entidade gestora, de um

papel de consciencialização das entidades legisladoras e reguladoras para a

necessidade de adoção de políticas que previnam as condições propiciadoras da

implementação e da eficácia das medidas mais custo-eficazes;

g) Obtenção de informação técnica e económica essencial para a gestão mais eficiente

dos sistemas.

O roteiro proposto em Godinho (2015) contempla metodologias para abordagem dos

objetivos referidos nas alíneas a), e) e f) acima. Visando a abordagem dos objetivos

referidos nas alíneas b), c) e d), é proposta uma ferramenta técnica de apoio à

implementação do roteiro.

A Figura 1 mostra a interface entre as principais atividades a desenvolver pelas

entidades gestoras, no âmbito do seu trabalho interno (zona inferior da figura), e as

atividades a desenvolver no âmbito de uma iniciativa roadmapping coordenada por

entidades legisladoras e reguladoras (zona superior da figura). A metodologia proposta

para o desenvolvimento do roteiro é baseada essencialmente em análises de forecasting

para a formulação de cenários e metas de redução de emissões de GEE, e em análises

de backcasting para a identificação das soluções de mitigação mais custo-eficazes.

Figura 1. Diagrama concetual do roteiro proposto (Godinho 2015)

PREPARAÇÃO DA

INFORMAÇÃO DE BASE

FORMAÇÃO

INFORMAÇÃO

SENSIBILIZAÇÃO

AVALIAÇÃO DA NECESSI-

DADE DE REDUÇÃO DE

EMISSÕES DE GEE

AVALIAÇÃO DAS

EMISSÕES DE GEE

AVALIAÇÃO DE

CUSTOS AVALIAÇÃO

SOCIOECONÓMICA

PESSOAL INTERNO

RECOLHA E ANÁLISE

DA INFORMAÇÃO

FORMULAÇÃO DE

CENÁRIOS E METAS

DE REDUÇÃO

PREPARAÇÃO

E

PLANEAMENTO

AVALIAÇÃO E SELEÇÃO

DAS MEDIDAS E AÇÕES

PARTICIPAÇÃO PROACTIVA

As metas são realistas?

Propostas alternativas?

Condicões externas a salvaguardar?

MONITORIZAÇÃO

E REVISÃO

EFICIÊNCIA NA GESTÃO

E EXPLORAÇÃO DOSSISTEMAS

ENTIDADES

LEGISLADORA E

RGULADORAS

ENTIDADES NÃO

GOVERNAMENTAIS

COORDENAÇÃO

LEGISLAÇÃO

PROGRAMAS

PLANOS

PROPOSTA DE METAS

DE REDUÇÃO

INICIATIVAS

"ROADMAPPING"

PROPOSTA DE

MEDIDAS E

ORIENTAÇÕES GERAIS

MERCADOS E

TECNOLOGIAS

UTILIZADORES

CONSUMIDORES

MODELO

GEEM-WWTP

Ferramenta

proposta

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A implementação de algumas das medidas de mitigação mais eficazes (valorização do

biogás, cogeração, uso de fontes renováveis de energia, valorização de lamas no solo,

reutilização de águas residuais) pode ser confrontada com constrangimentos e

obstáculos cuja identificação é um dos principais objetivos da análise backcasting.

3 Formulação de cenários e metas de redução de emissões de GEE

Os cenários e metas de redução de emissões de GEE a considerar resultarão de

análises de forecasting tendo em conta:

os planos de ação e os acordos nacionais e comunitários em vigor no âmbito da

mitigação das alterações climáticas;

os cenários e metas que vêm sendo adotados noutros países que se encontram num

estado mais avançado na mitigação das emissões de GEE no setor da água;

o Comercio Europeu das Licenças de Emissão (CELE) e as previsões da sua

evolução;

a legislação, as diretivas e as políticas nacionais e comunitárias nos domínios da

água (Diretiva – Quadro da Água) e das alterações climáticas.

As metas de redução de emissões nas ETAR de um sistema de águas residuais poderão

ser orientadas, nos cenários e metas de redução, para as intensidades de emissão

(kgCO2e/m3 de águas residuais tratadas) ou para as emissões em valor absoluto

(tCO2e/ano). No caso das intensidades de emissão, as metas poderão apontar para uma

percentagem de redução em determinado horizonte temporal e tomando determinado

ano por referência (por exemplo reduzir, até 2020, em 20% as intensidades de emissão

verificadas em 2010). Uma meta de redução estabelecida em valor absoluto poderá ser

traduzida pela redução, até um determinado ano horizonte (e.g. 2020), das emissões de,

por exemplo, 500 tCO2e/ano, relativamente a um determinado ano de referência.

A situação de referência, que servirá de baseline, poderá ser o nível de emissões num

ano passado (meta representada pelo segmento BC da Figura 2), ou o nível de emissões

que ocorreria no ano horizonte temporal (da meta em análise) se nenhuma medida de

redução fosse adotada (segmento AC da Figura 2).

Figura 2. Redução de emissões de GEE proporcionada por uma medida de mitigação

(Godinho 2015)

Ano de referência da

meta de redução

A

B

C

Ano da construção de

medidas de redução

Tempo (anos)

Previsão das emissões operacionais antes

de medidas de redução (solução "nada fazer")

Em

issõ

es a

nu

ais

de G

EE

kg C

O2e

/ano

Previsão das emissões totais (construção + operacionais)

após implementação das medidas de redução

Horizonte temporal da meta de

redução de emissões

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4 Ferramenta técnica proposta

4.1 Avaliação de emissões de GEE associadas ao tratamento de águas residuais

De acordo com as metodologias de classificação estabelecidas, designadamente no

âmbito do Protocolo de Quioto, as emissões de GEE devem ser classificadas nos

seguintes campos ou domínios (scope):

scope 1 – emissões diretas geradas na ETAR, resultantes de processos de tratamento

das águas residuais (biológicos ou físico-químicos) ou de queima de combustíveis

fósseis;

scope 2 – emissões indiretas associadas à produção, no exterior, da energia elétrica

consumida na ETAR (energia elétrica comprada);

scope 3 – emissões indiretas associadas a atividades desenvolvidas no exterior e sem

nenhum controlo ou influência por parte da entidade gestora da ETAR.

As principais emissões de GEE associadas ao tratamento de águas residuais são as

seguintes:

dióxido de carbono (CO2), associadas às seguintes atividades e processos:

- oxidação biológica de matéria orgânica carbonácea por microrganismos aeróbios,

em processos na ETAR – emissões que, de acordo com as metodologias

propostas pelo IPCC (IPCC 2006), pela sua origem biogénica, não serão

contabilizadas, devendo, contudo, ser objeto de avaliação e reporte (scope 1);

- produção externa da energia elétrica consumida na ETAR (scope 2);

- queima direta de combustíveis fósseis (scope 1);

- transporte de reagentes e de subprodutos (scope 3);

- produção externa de reagentes e materiais utilizados no tratamento de águas

residuais (scope 3);

metano (CH4), associadas aos seguintes processos:

- decomposição anaeróbia de matéria orgânica carbonácea, em processos na ETAR

(scope 1);

- decomposição anaeróbia das lamas nos aterros recetores das mesmas e no

tratamento dos lixiviados gerados nos aterros (scope 3);

- decomposição anaeróbia em solos recetores de lamas quando, excecionalmente,

ocorrem ambientes anaeróbios (scope 3);

- processos de incineração de lamas (scope 1);

óxido nitroso (N2O), associadas aos seguintes processos:

- processos biológicos de nitrificação/desnitrificação em processos na ETAR (fase

líquida, fase sólida e desodorização) (scope 1);

- processos de nitrificação/desnitrificação no tratamento dos lixiviados gerados em

aterros recetores das lamas de depuração (scope 3);

- processos biológicos nos meios recetores (solo e água) de águas residuais

tratadas.

As emissões dos diferentes GEE são objeto de transformação em emissões de CO2

equivalente, usando como fatores de transformação a relação entre os potenciais de

aquecimento global dos dois gases: aquele cujas emissões se pretende transformar em

equivalentes de carbono e o CO2.

Em Godinho (2015) são propostas, com base em pesquisa bibliográfica complementada

com abordagens inovadoras, metodologias e formulações para a avaliação das emissões

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de GEE associadas às atividades e processos desenvolvidos em torno do funcionamento

de uma ETAR. É proposto, também, um modelo de cálculo automático, em Excel, para a

aplicação das formulações propostas e para a avaliação das emissões de GEE de uma

determinada ETAR, em função da sua linha processual.

Em IPCC (2006) são propostas Guidelines para contabilização nacional das emissões de

GEE (o volume 5 contempla dois capítulos dedicados ao tratamento de águas residuais).

Em CCME (2009) é proposto um modelo de cálculo direcionado para o cálculo das

emissões das atividades associadas à gestão de biossólidos.

4.2 Avaliação das reduções de emissões necessárias face às metas formuladas

Tendo em conta a avaliação das emissões de GEE do sistema de águas residuais, atuais

e futuras (previsão de evolução face aos caudais e cargas poluentes a tratar), serão

avaliadas as necessidades de redução dessas emissões para fazer face aos cenários e

metas de redução admitidas, nos respetivos anos horizonte.

4.3 Medidas elegíveis para redução de emissões de GEE

A avaliação das medidas elegíveis para redução das emissões de GEE, em termos do

seu potencial de redução e dos custos associados, será efetuada, num primeiro passo,

individualmente para cada uma das ETAR integrantes do sistema de águas residuais.

Num segundo passo será determinado o conjunto de medidas, a aplicar globalmente ao

conjunto de ETAR, discriminadas por ETAR, que permitirão alcançar a redução requerida

ao mais baixo custo (conjunto de medidas mais custo-eficaz).

Tendo em vista a aplicabilidade da metodologia proposta para a seleção do conjunto de

medidas mais custo-eficaz (adiante descrita), as medidas serão consideradas tipificadas

da seguinte forma:

medidas do tipo M1 – melhoria da eficiência energética na ETAR, quer em termos

do uso das diferentes fontes de energia, quer em termos da gestão dos processos de

tratamento e da gestão dos sistemas/instalações (melhorias na operação e

manutenção);

medidas do tipo M2 – implementação ou maximização da valorização agrícola das

lamas, visando a redução do seu lançamento em aterro e potenciando a reciclagem

de nutrientes e materiais;

medidas do tipo M3 – melhoria da linha processual de tratamento da ETAR,

priorizando os processos menos emissores e privilegiando aqueles que permitam a

recuperação da energia incorporada nas águas residuais;

medidas do tipo M4 – implementação ou maximização da reutilização das águas

residuais tratadas, visando as reduções de emissões propiciadas pela eliminação das

descargas de águas residuais nos meios recetores, pela poupança de energia, pela

reciclagem de nutrientes e pelo aumento do sequestro do carbono no solo regado

com águas reutilizadas;

medidas do tipo M5 – utilização de fontes de energia renováveis para satisfação das

necessidades da ETAR.

Se existirem planos, programas ou legislação que imponham determinadas medidas, as

quais deverão ser obrigatoriamente implementadas na ETAR, independentemente da

sua eficácia de custos, tais medidas serão classificadas no tipo M0.

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4.4 Avaliação da redução de emissões de GEE proporcionada por cada medida elegível

A redução de emissões proporcionada por cada medida elegível, em cada uma das

ETAR do sistema de águas residuais, no ano horizonte em análise, será estimada

através da subtração, ao valor das emissões esperadas nesse ano sem a medida de

redução em análise (ponto A da Figura 3), do valor das emissões esperadas nesse

mesmo ano considerando a medida de redução implementada (ponto D da Figura 3). O

segmento AD da Figura 3 representa a redução de emissões proporcionada pela medida

em avaliação.

A implementação das medidas de redução de emissões pode provocar emissões

temporárias de GEE não negligenciáveis, associadas aos trabalhos de construção e ao

fabrico, transporte e montagem dos equipamentos e materiais utilizados. O tratamento

destas emissões temporárias, em conjunto com as emissões operativas (associadas às

atividades e processos inerentes ao tratamento de águas residuais) que evoluem ano a

ano em função dos caudais e cargas a tratar, apresenta alguma dificuldade. Para

ultrapassar esta dificuldade, é proposta uma metodologia que consiste essencialmente

em dividir o valor das emissões temporárias pelo número de anos do período de vida útil

das instalações incluídas na medida de redução (por exemplo 40 anos para a construção

civil e 10 anos para os equipamentos).

Com o desenvolvimento do mercado do carbono, as emissões de GEE podem ser

tratadas, do ponto de vista económico, como qualquer outro bem. Assim, é proposta a

consideração de uma taxa de desconto do tempo para efeito da divisão atrás referida,

sendo as emissões temporárias em análise transformadas em anuidades.

A redução líquida de emissões de GEE proporcionada por uma medida de redução,

tendo em conta as emissões temporárias associadas à sua implementação, será dada

pelo segmento AC da Figura 3.

Figura 3. Conceito de redução líquida de emissões de GEE (Godinho 2015)

EIcc

Ano de referência da meta de redução

EIeq

EIcc -

EIeq -

A

B

C

Ano da construção de medidas de redução

Tempo (anos)

Anuidades de emissões correspondentes à "amortização" das emissões

associadas à construção das medidas (Construção civil + equipamento)

Previsão das emissões operacionais antes

de medidas de redução (solução "nada fazer")

Em

issõ

es a

nua

is d

e G

EE

kg C

O2e

/an

o

Previsão das emissões totais (construção + operacionais)

após implementação das medidas de redução

Previsão das emissões operacionais após implemen-

tação das medidas de redução

Emissões incorporadas na componente construção civil da construção das medidas de mitigação

Horizonte temporal da meta de

redução de emissões

Emissões incorporadas na componente equipamentos da construção das medidas de mitigação

D

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4.5 Estimativa dos custos das medidas elegíveis

Os custos de investimento e exploração (ao longo do período de observação da análise)

associados a uma medida de redução serão estimados através da subtração das

seguintes duas curvas:

curva de evolução, ao longo dos anos, dos custos estimados de investimento e

exploração da ETAR, considerando a implementação da medida de redução em

análise;

curva (de referência) de evolução dos custos de investimento e exploração da ETAR,

sem implementação da medida de redução.

Esta subtração traduz-se numa curva de evolução de diferenciais de custos, ao longo

dos anos do período de observação. A atualização desta curva, considerando uma

determinada taxa de desconto do tempo, dará o custo atualizado líquido da medida em

análise.

No que respeita aos custos de investimento, os diferenciais serão normalmente positivos.

Já no que se refere aos custos de exploração, aqueles diferenciais poderão ser positivos

(se a medida se traduzir em acréscimo de custos), ou negativos (se a implementação da

medida se traduzir em ganhos ou poupanças nos custos de exploração).

A metodologia proposta para a seleção do conjunto de medidas mais custo-eficaz

requere a determinação do custo específico atualizado líquido de cada medida elegível.

Este valor será obtido dividindo o custo atualizado líquido da medida pelo valor da

redução de emissões proporcionada pela medida no ano horizonte da meta de redução

em análise, valor expresso, por exemplo, em euro/(t CO2e/ano).

4.6 Seleção das medidas de redução

O passo seguinte será a determinação do conjunto de medidas a adotar, ETAR a ETAR,

para atingir a meta de redução de emissões formulada globalmente para o conjunto de

ETAR geridas pela entidade gestora.

Nesta determinação serão adotados dois critérios. O primeiro consistirá na priorização

das medidas impostas por legislação ou planos ou programas, nacionais ou comunitários

(medidas do tipo M0). O segundo será um critério económico e consistirá na priorização

das medidas mais custo-eficazes para atingir a meta de redução de emissões em

análise, por forma a atingir a solução global ótima.

Ordenando as medidas elegíveis por ordem crescente do seu custo específico atualizado

líquido (matriz de seriação das medidas), é possível selecionar sequencialmente as

medidas até se atingir o valor acumulado de redução líquida de emissões que ultrapasse

o valor da meta de redução em análise, obtendo-se, assim, o conjunto de medidas mais

custo-eficaz. No Quadro 1 é apresentado um exemplo de uma matriz de seriação e uma

ilustração esquemática da forma de selecionar o conjunto de medidas a adotar.

No caso de uma eventual futura aplicação ao setor da água de uma taxa de emissão de

carbono, a análise de custo-eficácia descrita poderá, em face da possibilidade de

valorizar monetariamente as emissões, ser complementada com uma análise de custo-

benefício (ACB). Esta ACB visará a comparação de diferentes conjuntos de medidas de

redução elegíveis e capazes de atingir a meta em análise, através da comparação, por

exemplo, da sua taxa interna de rentabilidade. Neste caso de uma ACB haverá que

valorizar todas as emissões (e todas as reduções de emissões proporcionadas pelas

medidas em análise) ao longo do período de observação, e não considerar apenas a

redução de emissões no ano horizonte da meta de redução como acontece na análise

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de custo-eficácia proposta. Mas esta valorização só será possível ou interessante no

caso de uma futura aplicação ao setor da água de taxa de emissão de GEE.

Quadro 1. Seleção das medidas de redução de emissões de GEE (adaptado de Godinho 2015)

4.7 Avaliação do impacto socioeconómico

O impacto social das metas de redução de emissões formuladas (por iniciativa individual

da entidade gestora ou durante as iniciativas roadmapping) será avaliado através da

estimação do impacto dos custos do conjunto das medidas de redução (conjunto de

maior eficácia de custos) no valor da tarifa de saneamento a pagar pela população

servida. A disponibilidade desta informação será determinante para a participação

proactiva da entidade gestora nas iniciativas roadmapping, na medida em que permite

confrontar as metas de redução formuladas com os decorrentes impactos sociais e,

assim, avaliar o realismo e a sustentabilidade dessas metas.

5 Informação e consciencialização das entidades públicas

A viabilidade e a eficiência das medidas e ações para minimizar o consumo energético e

as emissões de GEE associadas ao tratamento de águas residuais dependem de um

conjunto de condições externas não controladas pelas entidades gestoras dos sistemas

de águas residuais. A eficiência de uma ETAR, relativamente ao consumo energético e

às emissões de GEE, pode ser significativamente afetada pelas características das

águas residuais afluentes à instalação, das seguintes formas:

uma excessiva variabilidade das características qualitativas e quantitativas;

a presença de materiais inertes afetando o funcionamento hidráulico e a operação

dos sistemas;

a presença de determinados elementos e substâncias poluentes cuja remoção das

águas residuais implica processos muito consumidores de energia e de materiais;

a presença de condições de toxicidade para os processos biológicos responsáveis

pelo tratamento das águas residuais, causando perdas de eficiência.

A valorização das lamas no solo e a reutilização das águas residuais tratadas são

medidas muito eficazes para a mitigação das emissões de GEE. Contudo, a viabilidade

destas práticas depende de certas condições, principalmente de uma adequada

qualidade das lamas produzidas na ETAR e das águas residuais tratadas. Certos

poluentes não são elimináveis das águas residuais com processos de tratamento

convencionais e socialmente sustentáveis e outros são simplesmente transferidos das

águas residuais para as lamas produzidas. O controlo da qualidade das afluências às

ETAR, com incidência especial nos metais pesados, nos elementos e substâncias

tóxicas e na salinidade, assume, por isso, um papel determinante na viabilização da

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reutilização e da valorização das lamas e, assim, na mitigação das emissões de GEE no

tratamento de águas residuais.

A qualidade das águas residuais afluente às ETAR depende do

comportamento/desempenho dos seguintes agentes:

consumidores de água e utilizadores dos sistemas de águas residuais (cidadãos

individuais, municípios e utilizadores industriais):

entidades legisladoras que emitem legislação relacionada com o ordenamento do

território, com o uso da água e com a utilização dos serviços de drenagem de águas

residuais;

autoridades públicas responsáveis pela definição e implementação de políticas de

ordenamento do território e de planeamento da utilização dos recursos hídricos e da

energia;

entidades reguladoras do setor.

Uma das atividades mais importantes a desenvolver pelas entidades gestoras no âmbito

do roteiro proposto será a informação e consciencialização destes agentes para a

necessidade de comportamentos, atitudes e políticas que, para além de contribuírem

para a minimização dos consumos energéticos e das emissões de GEE, viabilizem a

implementação e otimização das medidas de mitigação mais custo-eficazes.

6 Conclusões

Neste artigo apresenta-se, de forma resumida, uma metodologia a ser aplicada por uma

entidade gestora de um sistema de tratamento de águas residuais, visando dois

objetivos essenciais:

a otimização da sua atividade, dos pontos de vista da energia e dos processos, para

minimização dos consumos energéticos e das emissões de GEE;

a obtenção da informação necessária para a entidade gestora poder participar

proactivamente nas iniciativas roadmapping, lançadas e coordenadas por entidades

reguladoras e legisladoras visando a mitigação das alterações climáticas.

Dado o cariz inovador e a complexidade e pluridisciplinaridade de conhecimentos

requerida por algumas das matérias versadas, algumas das abordagens e metodologias

propostas não são consideradas definitivas, carecendo ainda de reflexão futura.

A ferramenta técnica proposta carece ainda de desenvolvimento e investigação/reflexão,

devendo ser entendida como um contributo para o estabelecimento de metodologias e

formulações consensuais para a avaliação das emissões de GEE no tratamento de

águas residuais e para a avaliação/seleção das medidas e ações para a sua mitigação.

Referências

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