Refer Curric Vol5

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Sumrio33

Introduo05 11 25 29 37 40 46 47 48 48 51 51 53 56 60 65 66 67 Lies do Rio Grande: Referencial Curricular para as escolas estaduais Referenciais Curriculares da Educao Bsica para o Sculo 21 Por que competncias e habilidades na educao bsica? A gesto da escola comprometida com a aprendizagem Caracterizao da rea de Cincias Humanas e suas Tecnologias I - Competncias II- Interdisciplinaridade e Contextualizao nas Cincias Humanas III- Estratgias para a ao docente Concluso Referncias 102 110 113 87 94 86 71 71 74 76

GeografiaDisciplinadeGeografia Competncias e habilidades no ensino daGeografia Conceitos estruturadores do ensino da Geografia Contedos relacionados aos conceitos estruturantes e s habilidades e competncias. Operacionalizao metodolgica Temas estruturantes relacionados aos blocos de contedos Referncias

SociologiaCompetncias e conceitos estruturantes do ensino de Sociologia no ensino mdio Estratgias para o ensino da Sociologia Breve panorama das tendncias tericas da Sociologia Referncias

HistriaIntroduo I A disciplina de Histria II Como ensinar Histria? III Conceitos estruturantes IV Eixos temticos e seleo de contedos V - Estratgias para a ao docente e avaliao Concluso Referncias

Filosofia117 DisciplinadeFilosofia 118 CompetnciasehabilidadesemFilosofia 119 Significadodascompetnciasespecficas daFilosofia 122 127 128 129 Conceitos e temas estruturadores da Filosofia Estratgias para a ao docente Quadro resumo dos Referenciais de Filosofia Referncias

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Lies do Rio Grande Referencial Curricular para as escolas estaduaisMariza Abreu Secretria de Estado da Educao

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No Brasil e no Rio Grande do Sul, hoje o principal desafio melhorar a qualidade da educao de nossos alunos. E isso difcil. At algum tempo atrs, precisvamos aumentar o numero de vagas. O desafio era expandir o acesso educao escolar. Isso era mais fcil, pois se tratava de construir uma escola, inaugur-la e aumentar o nmero de matrculas. Hoje, o acesso escola est, em grande parte, resolvido ou relativamente encaminhado em todo o Pas e aqui no Estado, especialmente no ensino fundamental e mdio. Ainda problema na educao infantil, responsabilidade dos Municpios, e tambm problema na educao profissional, responsabilidade dos Estados. Mas no ensino fundamental no RS, de 98% a taxa de escolarizao das crianas nas escolas estaduais, municipais ou particulares. E 77% dos jovens de 15 a 17 anos esto matriculados no sistema de ensino. um percentual ainda pequeno quando comparado com a meta de escolarizar no mnimo 98% tambm da populao nessa faixa etria. E muitos desses jovens ainda esto atrasados, cursando o ensino fundamental. Entretanto, somadas as vagas nas escolas pblicas e particulares do ensino mdio, h vaga para todos os jovens de 15 a 17 anos residentes no Rio Grande do Sul. verdade que existe problema na distribuio geogrfica dessas vagas. s vezes faltam vagas em alguns lugares e h excesso noutros, principalmente nas cidades grandes e mais populosas, naquelas que recebem populao de outras regies ou de fora do Estado. s vezes, nas cidades grandes, falta em alguns bairros e sobra em outros. E no

ensino mdio, h ainda o problema de inadequao entre os turnos, com falta de vagas no diurno. Mas o grande desafio em todo o Brasil e no Rio Grande do Sul a falta de qualidade da educao escolar oferecida s nossas crianas e jovens. Colocamos muitos alunos na escola e os recursos pblicos destinados escola pblica no aumentaram na mesma proporo e, em consequncia, caiu a qualidade, as condies fsicas das escolas pioraram, baixou o valor dos salrios dos professores, cresceram as taxas de reprovao e repetncia e reduziu-se a aprendizagem. Melhorar a qualidade muito mais difcil. Em primeiro lugar, ningum tem a frmula pronta, pois, para comear, j no to simples conceituar, nos dias de hoje, o que qualidade da educao. Depois, no palpvel, no se pega com a mo, como escola construda e nmero de alunos matriculados. E depois, no to rpido. Construir escola possvel de se fazer no tempo de um governo e de capitalizar politicamente. Qualidade da educao mais lenta no tempo, mais devagar. E tem mais um problema. De modo legtimo, os governantes movimentam-se atendendo a demandas da populao. E educao de qualidade no ainda uma demanda de todos. Por isso, apesar dos discursos polticos e eleitorais, na prtica a educao no tem sido prioridade dos governos. Nas pesquisas de opinio, em geral, segurana, sade e s vezes tambm emprego aparecem antes da educao nas preocupaes da populao. Isso porque j h vaga para todos, ou quase todos na escola pblica, e, por exemplo, tem merenda

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para as crianas. As maiores reclamaes da populao referem-se a problemas com o transporte escolar ou a falta de professores. Dificilmente algum reclama que seu filho no est aprendendo. Dificilmente os pais ou a sociedade se mobilizam por falta de qualidade da educao. Por tudo isso que se diz que, se queremos educao de qualidade para todos, precisamos de todos pela educao de qualidade. E a melhoria da qualidade s pode ser resultado de um conjunto de aes, do governo e da sociedade. Como exemplos, em nosso governo, encaminhamos uma soluo para o problema do transporte escolar, por meio da aprovao, aps longa e proveitosa negociao com os prefeitos atravs da FAMURS, de uma lei na Assemblia Legislativa criando o Programa de Transporte Escolar no RS. Junto com as direes, a Secretaria de Educao est aperfeioando o processo de matrcula, rematrcula e organizao das turmas das escolas estaduais. A confirmao da rematrcula permite realizar um levantamento dos alunos que continuam frequentando a escola, eliminando os que deixam a escola por abandono ou so transferidos e ainda constam na listagem de alunos. Ao mesmo tempo, reaproxima os pais da escola, pois a relao da famlia com a escola uma das primeiras condies para que o aluno aprenda. De 2007 para 2008, a organizao das turmas das escolas em parceria com as CREs e a Secretaria foi realizada de forma artesanal, em fichas de papel; de 2008 para 2009, mais um passo utilizamos o nosso INE, a Informtica na Educao. E tambm est sendo feita uma pesquisa sobre o perfil socioeconmico das comunidades escolares para promover poltica de equidade em nossas escolas. A partir de agosto de 2008, aperfeioamos a autonomia financeira das escolas, com atualizao do nmero de alunos matriculados, pois at ento eram ainda utilizados os dados de 2003, e aperfeioamos os critrios de repasse dos recursos. Ao mesmo tempo, o valor mensal repassado s

escolas aumentou de 4,2 milhes para 5,4 milhes. Considerando-se a reduo da matrcula na rede estadual, pelo decrscimo da populao na idade escolar e a expanso da matrcula nas redes municipais, o valor da autonomia financeira aumentou de R$ 3,99 para R$ 4,18 por aluno. Em junho de 2008, foi lanado o Programa Estruturante Boa Escola para Todos, com cinco projetos: SAERS Sistema de Avaliao Educacional do Rio Grande do Sul; Professor Nota 10; Escola Legal; Sala de Aula Digital e Centros de Referncia na Educao Profissional. Precisamos de escolas com boas condies de funcionamento. Se muitas escolas estaduais encontram-se em condies adequadas, isso se deve muito mais aos professores e s equipes de direo que conseguiram se mobilizar e mobilizar suas comunidades para fazer o que o Governo do Estado, nesses quase 40 anos de crise fiscal, no foi capaz de fazer. Mas temos muitas escolas que no conseguiram fazer isso, ou porque suas direes no se mobilizaram o suficiente ou porque suas comunidades no tinham condies de assegurar os recursos necessrios para fazer o que o governo no conseguia fazer. difcil, em pouco tempo, recuperar o que o governo, em 30 ou 40 anos, no fez. Estamos realizando um esforo imenso para isso. Uma das primeiras medidas que o governo adotou foi assegurar que o salrioeducao fosse todo aplicado nas despesas que podem ser realizadas com esses recursos. Pela lei federal, o salrio educao no pode ser utilizado na folha de pagamento dos servidores da educao ou outros quaisquer. Entretanto, o salrio-educao saa da conta prpria onde era depositado pelo governo federal e, transferido para o caixa nico do Estado, no retornava s despesas em que pode ser aplicado. Para uma educao de qualidade necessrio levar s escolas a tecnologia da informao. um processo complicado no Brasil e em todo o mundo, como tivemos oportunidade de observar quando acompanhamos o Colgio Estadual Padre Colbachini, de Nova

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Bassano, no Prmio Educadores Inovadores da Microsoft, etapa internacional em Hong Kong. No adianta instalar laboratrio de informtica nas escolas se, nas salas de aula, o ensino continuar a ser desenvolvido apenas com quadro negro, giz e livro didtico. E o laboratrio for um espao utilizado uma ou duas vezes por semana para aprender informtica ou bater papo na internet, em geral com o atendimento de um professor especfico, enquanto os professores do currculo continuam a no utilizar softwares educacionais. O laboratrio de informtica precisa vir a funcionar como aquela antiga sala de udio-visual, onde se tinha o retroprojetor ou a televiso com o vdeo-cassete. Para utilizar esse espao didtico, os professores se agendavam para dar aulas especficas das suas disciplinas. preciso um servidor de apoio, de multi-meios, que saiba operar o hardware, mas os professores precisam ser capacitados para usarem a tecnologia da informao os laboratrios com os microcomputadores e os softwares educacionais como recursos didticos em suas aulas. Em parceria com o MEC, nossa meta instalar mais 500 laboratrios nas escolas estaduais em 2009, com parte dos microcomputadores comprados pela Secretaria e outros recebidos do MEC, atravs do PROINFO. O Sistema de Avaliao Educacional do Rio Grande do Sul constitudo por duas aes: o Projeto de Alfabetizao de Crianas de Seis e Sete Anos e o Sistema de Avaliao Externa da Aprendizagem. O Projeto de Alfabetizao foi iniciado em 2007, pois o Brasil acabara de introduzir a matrcula obrigatria a partir dos 6 anos de idade e de ampliar a durao do ensino fundamental para nove anos letivos, por meio de duas leis federais respectivamente de 2005 e 2006. O desafio passou a ser o de alfabetizar as crianas a partir dos 6 anos no primeiro ano do ensino fundamental. Nossa proposta construir uma matriz de habilidades e competncias da alfabetizao, comeando com o processo de alfabetizao aos 6 anos para complet-lo no mximo no segundo ano, aos 7 anos. O

projeto piloto foi estendido em 2008 para as crianas de 7 anos no segundo ano do ensino fundamental e reiniciado com novas tur- 77 mas de crianas de 6 anos no primeiro ano. Em 2009, o projeto deixou de ser piloto e foi generalizado na rede estadual, pois passou a ser oferecido a todas as turmas com crianas de 6 anos no primeiro ano do ensino fundamental neste ano. O Projeto de Alfabetizao da Secretaria de Educao do Rio Grande do Sul adotou trs propostas pedaggicas testadas e validadas em experincias anteriores: o GEEMPA que desenvolve uma proposta ps-construtivista de alfabetizao; o Alfa e Beto que se constitui num mtodo fnico de alfabetizao e o Instituto Ayrton Senna que trabalha uma proposta de gerenciamento da aprendizagem, com base no mtodo de alfabetizao j utilizado pela escola. O Projeto Piloto, financiado em 2007 com recursos da iniciativa privada e, em 2008 e 2009, com recursos do MEC, foi desenvolvido em turmas de escolas estaduais e municipais, distribudas em todo o Estado. Para toda a rede estadual, em 2009 o Projeto financiado com recursos prprios do governo do Rio Grande do Sul. O SAERS Sistema de Avaliao Externa de Aprendizagem, iniciado em 2007 de forma universal nas escolas estaduais, complementar ao sistema nacional de avaliao do rendimento escolar desenvolvido pelo Ministrio da Educao. O governo federal aplica o SAEB Sistema de Avaliao da Educao Bsica desde o incio dos anos 90, numa amostra de escolas pblicas e privadas de ensino fundamental e mdio e, desde 2005, a Prova Brasil em todas as escolas pblicas de ensino fundamental com mais de 20 alunos nas sries avaliadas. A avaliao realizada para melhorar a qualidade da educao, para que os professores possam, por meio da entrega dos boletins pedaggicos s escolas, apropriar-se dos resultados da avaliao e, com isso, melhorar o processo de ensino-aprendizagem. Mas o Projeto mais importante do Programa Boa Escola para Todos o Professor Nota

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10, pois no existe escola de qualidade sem professor de qualidade, com boa formao, elevada auto-estima e comprometido com a aprendizagem de seus alunos. Para isso, necessrio uma formao continuada oferecida pelo Governo do Estado. Desde 2008 j foram realizadas vrias aes de formao continuada para os professores, como o Progesto, programa de formao continuada distncia para gestores escolares, desenvolvido pelo CONSED Conselho Nacional de Secretrios da Educao. Embora o governo estadual anterior tenha adquirido o material instrucional do Progesto, no implementou o programa para gestores das escolas estaduais. Desde 2000, o curso somente foi oferecido em alguns Municpios gachos para gestores municipais. Desenvolvemos o PDE Escola, junto com o MEC, o Acelera Brasil, e uma srie de aes de capacitao para professores de diferentes modalidades de ensino, como educao indgena, especial, prisional, de jovens e adultos, etc. Chegamos a capacitar em 2008 mais de 16 mil dos nossos cerca de 80 mil professores em atividade na rede estadual de ensino. E agora estamos entregando para vocs as Lies do Rio Grande. No Rio Grande do Sul, como no Brasil, o processo social e educacional desenvolve-se de maneira pendular. Nos anos 50/60 at os anos 70, tivemos um processo muito centralizado no que se refere a currculos escolares. Os currculos eram elaborados nas Secretarias de Educao e repassados s escolas, para que elas os executassem. Aqui no Rio Grande do Sul, inclusive os exames finais eram feitos na prpria Secretaria de Educao e eram enviados a todas as escolas do Estado, para serem aplicados. Eram elaborados no para avaliar o sistema, como o SAEB ou SAERS, mas para avaliar, aprovar ou reprovar os alunos. Os professores deviam desenvolver os currculos elaborados pela Secretaria de forma a preparar seus alunos para fazerem as provas da SEC. Naquela poca, a sociedade era muito mais simples, com menos

habitantes, e era menos diversificada. A frequncia escola era muito menor: apenas 36% da populao de 7 a 14 anos estavam na escola em 1950, enquanto hoje so 97% no Brasil e 98% no Estado. Quando apenas 36% da populao na faixa etria apropriada frequentava a escola, basicamente s a classe mdia estudava e a escola era mais padronizada, tanto no currculo quanto na forma de avaliao da aprendizagem. Atualmente, a sociedade brasileira muito mais complexa e diversificada, com mais habitantes, e o Brasil uma das sociedades mais desiguais do planeta. A escola de todos: todas as classes sociais esto na escola, sendo impossvel desenvolver um processo educacional padronizado como antigamente. Com a luta pela redemocratizao do Pas nos anos 80, conquistou-se o importante conceito de autonomia da escola. Entretanto, no movimento pendular da histria, fomos para o outro extremo. Hoje, no Pas existem diretrizes curriculares nas normas dos Conselhos de Educao, tanto Nacional como Estadual, mas essas diretrizes so muito gerais no existindo, assim, qualquer padro curricular. A partir dessas normas, as escolas so totalmente livres para fazerem os seus currculos, inclusive dificultando o prprio processo de ir e vir dos alunos entre as escolas, porque quando um aluno se transfere, diferente de escola para escola o que se ensina em uma mesma srie. O Brasil inteiro est fazendo um movimento de sntese entre esses dois extremos, entre aquilo que era totalmente centralizado nas Secretarias, at os anos 70, e a extrema autonomia da escola, no que se refere a currculos. Estamos chegando a uma posio intermediria, que uma proposta de referencial curricular para cada rede de ensino, definida pelas Secretarias: no aquela centralizao absoluta, nem a absoluta descentralizao de hoje. Essa sntese tambm um imperativo da sociedade a partir, por exemplo, das metas do Movimento Todos pela Educao. Esse Movimento, lanado em setembro de 2006, tm como objetivo construir uma

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educao bsica de qualidade para todos os brasileiros at 2022, a partir da premissa de que o Pas s vai ser efetivamente independente quando atingir esse objetivo, o que, simbolicamente significa, at o ano do bicentenrio da independncia poltica do Brasil. Para isso, fixou cinco metas: Meta 1 toda criana e jovem de 4 a 17 anos na escola Meta 2 toda criana plenamente alfabetizada at os 8 anos Meta 3 todo aluno com aprendizado adequado sua srie Meta 4 todo jovem com ensino mdio concludo at os 19 anos Meta 5 investimento em educao ampliado e bem gerido Para cumprir a meta 3, a sociedade brasileira tem que definir o que apropriado em termos de aprendizagem, para cada srie do ensino fundamental e do mdio. Para isso, preciso definir uma proposta de referencial curricular. o que estamos construindo para a rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul. Mas no se comea do zero e no se reinventa o que j existe, parte-se da experincia da prpria rede estadual de ensino e tambm daquilo que outros j fizeram, dos parmetros curriculares nacionais e do que outros pases j construram. Estudamos o que dois pases elaboraram: Argentina e Portugal, e o que outros Estados do Brasil j construram, especialmente So Paulo e Minas Gerais. Mas no se copia, se estuda e se faz o que apropriado para o Rio Grande do Sul. Constitumos uma comisso de 22 especialistas, formada por professores de vrias instituies de educao superior do Estado e professores da rede estadual de ensino, aposentados ou em atividade, titulados nas vrias reas do conhecimento. O ENCCEJA Exame de Certificao de Competncias da Educao de Jovens e Adultos aponta o caminho das grandes reas do conhecimento. O SAEB e a Prova Brasil, assim como o nosso SAERS, avaliam Lngua Portuguesa (leitura e interpretao de textos) e Matemtica (resoluo de pro-

blemas), nas quatro reas dos parmetros curriculares nacionais (nmeros e operaes, grandezas e medidas, espao e for- 99 ma, tratamento da informao). J o ENEM Exame Nacional do Ensino Mdio absolutamente interdisciplinar, com 63 questes objetivas e redao. As reas do conhecimento do ENCCEJA tm origem nas diretrizes curriculares para o ensino mdio aprovadas pela Cmara de Educao Bsica do Conselho Nacional de Educao em 1998, cuja relatora foi a professora Guiomar Namo de Mello. Naqueles documentos Parecer 15 e Resoluo 3 constavam trs reas, cada uma delas com determinado nmero de habilidades e competncias cognitivas, a saber: Linguagens, seus cdigos e tecnologias, incluindo lngua portuguesa e lngua estrangeira moderna, com nove habilidades e competncias; Cincias Exatas e da Natureza, seus cdigos e tecnologias, incluindo matemtica, fsica, qumica e biologia, com doze habilidades e competncias, e a rea das Cincias Humanas, seus cdigos e tecnologias, com nove habilidades e competncias. Em consonncia com a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, os currculos do ensino mdio deveriam tambm desenvolver, alm dessas reas, contedos de educao fsica e arte, sociologia e filosofia. Em 2002, ao organizar o ENCCEJA, o MEC primeiro separou matemtica das cincias da natureza, criando quatro reas do conhecimento, que passaram a corresponder s quatro provas do exame de certificao da EJA; segundo, organizou as reas de Matemtica e a de Cincias da Natureza tambm cada uma delas com nove habilidades e competncias cognitivas; terceiro, no caso das provas do ensino mdio, incluiu os contedos de sociologia e filosofia, ao lado da histria e geografia, na rea das Cincias Humanas; quarto, incluiu contedos de educao fsica e arte na prova de linguagens; e, por fim, cruzou as cinco competncias bsicas da inteligncia humana dominar linguagens, compreender fenmenos, enfren-

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tar situaes-problema, construir argumentaes e elaborar propostas que haviam orientado a organizao da prova do ENEM, com as nove habilidades e competncias de cada uma das quatro reas de conhecimento e criou uma matriz de referncia para o ENCCEJA com quarenta e cinco habilidades e competncias cognitivas a serem avaliadas nas provas desse exame nacional. Uma observao: educao fsica e arte foram includas numa prova escrita de certificao de competncias da EJA; nos novos concursos do magistrio e na organizao do currculo, devem ser trabalhadas como componentes curriculares especficos por pressuporem habilidades especficas, alm das exclusivamente cognitivas. As reas do conhecimento e a matriz de referncia do ENCCEJA so, hoje, o que se considera como a melhor alternativa para organizao dos currculos escolares da educao bsica, de forma a superar a fragmentao e pulverizao das disciplinas. Nessa direo, o MEC est reorganizando o ENEM com a intencionalidade de orientar a reorganizao dos currculos do ensino mdio brasileiro, dando assim consequncia s diretrizes curriculares de 1998. Nessa mesma direo, encaminham-se os Referenciais Curriculares para a rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul. Nessas quatro grandes reas do conhecimento, com seus contedos, que passaremos a trabalhar. A proposta de Referencial Curricular do Rio Grande do Sul contm as habilidades e competncias cognitivas e o conjunto mnimo de contedos que devem ser desenvolvidos em cada um dos anos letivos dos quatro anos finais do ensino fundamental e no ensino mdio. A partir desse Referencial, cada escola organiza o seu currculo. A autonomia pedaggica da escola consiste na liberdade de escolher o mtodo de ensino, em sua livre opo didtico-metodolgica, mas no no

direito de no ensinar, de no levar os alunos ao desenvolvimento daquelas habilidades e competncias cognitivas ou de no abordar aqueles contedos curriculares. Com o nosso Projeto de Alfabetizao, fica mais fcil entender o que queremos dizer. Com o projeto piloto, nosso objetivo desenvolver a matriz das habilidades e competncias cognitivas do processo de alfabetizao, em leitura e escrita e em matemtica, que deve ser desenvolvida com as crianas de seis e sete anos de idade no primeiro e segundo anos do ensino fundamental de nove anos de durao. Essa matriz o nosso combinado: o que fazer com os alunos para que aprendam aquilo que apropriado para sua idade. Cada escola continua com sua liberdade de escolher o mtodo de alfabetizao. Mas seja qual for o adotado, no final do ano letivo os alunos devem ter desenvolvido aquelas habilidades e competncias cognitivas. A escola no livre para escolher no alfabetizar, para escolher no ensinar. A liberdade da escola, sua autonomia, consiste em escolher como ensinar. Somos uma escola pblica. Temos compromisso com a sociedade, com a cidadania. Somos professores dos nossos alunos que so os futuros cidados e cidads do nosso Pas. E estamos aqui para cumprir o nosso compromisso com eles. E ns, da Secretaria da Educao, estamos aqui para cumprir o nosso compromisso com vocs, porque na escola que se d o ato pedaggico, na escola que acontece a relao professor/aluno. para trabalhar para vocs, professoras e professores das escolas estaduais do Rio Grande do Sul, que ns estamos aqui, na Secretaria de Estado da Educao. Bom trabalho! Julho de 2009.

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Referenciais Curriculares da Educao Bsica para o Sculo 21Guiomar Namo de Mello

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O objetivo principal de um currculo mapear o vasto territrio do conhecimento, recobrindo-o por meio de disciplinas, e articular as mesmas de tal modo que o mapa assim constitudo constitua um permanente convite a viagens, no representando apenas uma delimitao rgida de fronteiras entre os diversos territrios disciplinares.

Nilson Jos Machado

I - Por que importante um currculo estadual?A SEDUC-RS vem adotando medidas para enfrentar o desafio de melhorar a qualidade das aprendizagens dos alunos no ensino pblico estadual do Rio Grande do Sul. Entre essas medidas, os Referenciais Curriculares para as escolas estaduais gachas incidem sobre o que nuclear na instituio escola: o que se quer que os alunos aprendam e o que e como ensinar para que essas aprendizagens aconteam plenamente. A reflexo e a produo curricular brasileira tem se limitado, nas ltimas dcadas, aos documentos oficiais, legais ou normativos. Os estudos sobre currculo no despertam grande interesse da comunidade acadmica e tambm so escassos nos organismos tcnico-pedaggicos da gesto dos sistemas de ensino pblico. O currculo vem perdendo o sentido de instrumento para intervir e aperfeioar a gesto pedaggica da escola e a prtica docente.1 Provavelmente por essa razo, quando nos anos 1990 se aprovaram as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) e se elaboraram os Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs), os sistemas de ensino pblico estaduais e municipais consideraram esse trabalho um material a mais para enviar s escolas. E, por inexperincia de gesto curricular, assumiram que os Parmetros constituam um currculo pronto e suficiente para orientar as escolas e seus professores quanto ao que e como ensinar. Mas no eram.1

Os Parmetros no so um material a mais para enviar s escolas sozinhos. Formulados em nvel nacional para um pas grande e diverso, os Parmetros tambm no continham recomendaes suficientes sobre como fazlos acontecer na prtica. Eram necessariamente amplos e, por essa razo, insuficientes para estabelecer a ponte entre o currculo proposto e aquele que deve ser posto em ao na escola e na sala de aula.

OcurrculoalinhaO currculo integra e alinha, sob uma concepo educacional: as aprendizagens com as quais a escola se compromete na forma de competncias e habilidades a serem constitudas pelos alunos; as propostas de metodologias, estratgias, projetos de ensino, situaes de aprendizagem; os recursos didticos com os quais a escola conta, incluindo instalaes, equipamentos, materiais de apoio para alunos e professores; as propostas de formao continuada dos professores; a concepo e o formato da avaliao. Em outras palavras, o currculo o ncleo da Proposta Pedaggica, este por sua vez expresso da autonomia da escola. A arte e a dificuldade da gesto educacional articular e colocar em

Vale a pena lembrar que o Rio Grande do Sul foi um dos Estados que cultivou com grande competncia esse trabalho curricular nos anos 1960 e 1970.

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sinergia todos esses insumos do processo de aprendizagem e ensino. No desalinhamento deles, residem alguns dos entraves mais srios da reforma para a melhoria da qualidade desse processo. A noo de que na escola existe o curricular e o extracurricular foi profundamente revista ao longo do sculo 20. Era adequada para uma educao em que os contedos escolares deveriam ser memorizados e devolvidos tal como foram entregues aos alunos, e o currculo, abstrato e desmotivador, precisava de um tempero extracurricular na forma de atividades culturais, ldicas ou outras, para que a escola fosse menos aborrecida. Na concepo moderna, o currculo supe o tratamento dos contedos curriculares em contextos que faam sentido para os alunos, assim, o que acontece na escola ou curricular ou no deveria acontecer na escola. Atividades esportivas aos fins de semana sem qualquer vinculao com a Proposta Pedaggica da escola, na verdade, mais do que extracurriculares, so extraescolares, e s acontecem na escola por falta de outros espaos e tempos disponveis. Atividades de esporte, cultura ou lazer, planejadas e integradas aos contedos de Educao Fsica, Artes, Cincias ou Informtica, dentro da Proposta Pedaggica, so curriculares quer ocorram em dias letivos ou em fins de semana, na escola ou em qualquer outro espao de aprendizagem. O currculo, portanto, no uma lista de disciplinas confinadas sala de aula. todo o contedo da experincia escolar, que acontece na aula convencional e nas demais atividades articuladas pelo projeto pedaggico.

OcurrculotranspareceO currculo, detalhado em termos de o que e quando se espera que os alunos aprendam, tambm a melhor forma de dar transparncia ao educativa. Num momento em que se consolidam os sistemas de avaliao externa como a PROVA BRASIL, o SAEB e o ENEM, fundamental

que a avaliao incida sobre o que est de fato sendo trabalhado na escola, por diferentes razes. A primeira diz respeito ao compromisso com a aprendizagem das crianas e jovens de um sistema de ensino pblico. O currculo estabelece o bsico que todo aluno tem o direito de aprender e, para esse bsico, detalha os contextos que do sentido aos contedos, s atividades de alunos e professores, aos recursos didticos e s formas de avaliao. Orienta o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem no tempo, garantindo que o percurso seja cumprido pela maioria dos alunos num segmento de tempo dentro do ano letivo e de um ano letivo a outro, ordenando os anos de escolaridade. A segunda razo diz respeito gesto escolar, porque explicita quais resultados so esperados e pode ser a base para um compromisso da escola com a melhoria das aprendizagens dos alunos. O contrato de gesto por resultados tem no currculo sua base mais importante e na avaliao o seu indicador mais confivel. Isso requer que o currculo estabelea expectativas de aprendizagem viveis de serem alcanadas nas condies de tempo e recurso da escola. A terceira razo, pela qual importante que a avaliao incida sobre o que est sendo trabalhado na escola, diz respeito docncia, porque importante que, em cada srie e nvel da educao bsica, o professor saiba o que ser avaliado no desempenho de seus alunos. A avaliao externa no pode ser uma caixa-preta para o professor. A referncia da avaliao o currculo e no viceversa. No faz sentido, portanto, afirmar que se ensina tendo em vista a avaliao, quando o sentido exatamente o oposto: se avalia tendo em vista as aprendizagens esperadas estabelecidas no currculo. Finalmente, a quarta razo diz respeito aos pais e sociedade. Para acompanhar o desenvolvimento de seus filhos de modo ativo e no apenas reagir quando ocorre um problema, indispensvel que a famlia seja informada do que ser aprendido num

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perodo ou ano escolar. Essa informao deve tambm estar acessvel para a opinio pblica e a imprensa.

OcurrculoconectaPor sua abrangncia e transparncia, o currculo uma conexo vital que insere a escola no ambiente institucional e no quadro normativo que se estrutura desde o mbito federal at o estadual ou municipal. Nacionalmente, a Constituio e a LDB estabelecem os valores fundantes da educao nacional que vo direcionar o currculo. As DCNs, emanadas do Conselho Nacional de Educao, arrematam esse ambiente institucional em mbito nacional. Nos currculos que Estados e Municpios devem elaborar para as escolas de seus respectivos sistemas de ensino, observando as diretrizes nacionais, completa-se a conexo da escola com os entes polticos e institucionais da educao brasileira. O currculo dos sistemas pblicos, estaduais ou municipais, conecta a escola com as outras escolas do mesmo sistema, configurando o que, no jargo educacional, chamado de rede: rede estadual ou rede municipal de ensino. O termo rede, embora seja usado h tempos pelos educadores, assume atualmente um novo sentido que ainda mais apropriado para descrever esse conjunto de unidades escolares cujos mantenedores so os governos estaduais ou municipais. De fato, o termo rede hoje empregado pelas Tecnologias da Comunicao e Informao (TCIs), como um conjunto conectado de entidades que tm uma personalidade e estrutura prprias, mas que tambm tm muito a compartilhar com outras entidades. Uma rede pode ser de pessoas, de instituies, de pases. No caso de uma rede de escolas pblicas, a conexo que permite compartilhar e construir conhecimentos em colaborao muito facilitada com a existncia de um currculo que comum a todas e que

tambm assume caractersticas prprias da realidade e da experincia de cada escola. Pode-se mesmo afirmar que, embora os sis- 13 13 temas de ensino pblico venham sendo chamados de rede h bastante tempo, apenas com referncias curriculares comuns e com o uso de TCIs, essa rede assume a configurao e as caractersticas de rede no sentido contemporneo, um emaranhado que no catico, mas inteligente, e que pode abrigar uma aprendizagem colaborada. Finalmente, o currculo conecta a escola com o contexto, seja o imediato de seu entorno sociocultural, seja o mais vasto do Pas e do mundo. Se currculo cultura social, cientfica, cultural, por mais rido que um contedo possa parecer primeira vista, sempre poder ser conectado com um fato ou acontecimento significativo, passado ou presente. Sempre poder ser referido a um aspecto da realidade, prxima ou distante, vivida pelo aluno. Essa conexo tem sido designada como contextualizao, como se discutir mais adiante.

OcurrculoumpontodeequilbrioO currculo procura equilibrar a prescrio estrita e a prescrio aberta. A primeira define o que comum para todas as escolas. A segunda procura deixar espao aberto para a criatividade e a inovao pedaggica, sugerindo material complementar, exemplos de atividades, pesquisas, projetos interdisciplinares, sequncias didticas. A presena da prescrio fechada e da prescrio aberta garante a autonomia para inovar. Quando tudo possvel, pode ser difcil decidir aes prioritrias e contedos indispensveis. Quando estes ltimos esto dados, oferecem uma base segura a partir da qual a escola poder empreender e adotar outras referncias para tratar os contedos, realizar experincias e projetos.

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Um bom currculo tambm combina realidade e viso. Suas prescries estritas precisam ser realistas ao prever quanto e quo bem possvel aprender e ensinar num determinado tempo e em condies determinadas. Mas esses possveis no podem ser to fceis que deixem de desafiar o esforo e o empenho da escola.

Ocurrculodemarca o espao de consensoTodo currculo tem como referncia primeira as finalidades da educao, consensuadas pela sociedade. No caso do Brasil, essas finalidades esto expressas na LDB e nos instrumentos normativos que a complementaram. Para cumpri-las, recortam-se os contedos e estabelecem-se as expectativas de aprendizagem, publicizando o espao para construir o consenso sobre a educao que vamos oferecer aos alunos. Isso mais srio do que tem sido considerado na prtica da escola bsica brasileira. No Brasil, a legislao nacional, que decorre da Constituio de 1988, tem um princpio pedaggico fundamental e inovador em relao ao quadro legal anterior, que o direito de aprendizagem. Esse princpio se sobrepe ao da liberdade de ensino, que foi um divisor de guas no campo educacional brasileiro nos anos 60. Quando o direito de aprender mais importante do que a liberdade de ensinar, no o ensino, operado pelo professor, e sim a aprendizagem dos alunos, que se constitui em indicador de desempenho e de qualidade. A educao bsica no forma especialistas, nem prepara para empregos especficos. Como seu prprio nome afirma, est total-

mente voltada para a constituio de pessoas capazes de viver, conviver e trabalhar nesta sociedade de modo produtivo, solidrio, integrado e prazeroso. Diante de cada disciplina ou contedo, preciso sempre problematizar: qual o papel desse contedo na formao bsica para viver no mundo contemporneo? Para que esse conhecimento importante? Se a resposta for para ingressar no ensino superior ou para engajar-se num emprego especfico, preciso lembrar que, segundo a LDB, a educao bsica no est destinada a nenhum desses objetivos. Afirmar que a educao bsica no se destina a preparar para um posto de trabalho especfico, nem para fazer vestibular, no significa que ela seja alheia ao trabalho e continuidade de estudos, ao contrrio. A LDB afirma logo em seu primeiro Artigo, Pargrafo 2, que A educao escolar dever vincular-se ao mundo do trabalho e prtica social. Nos Arts. 35 e 36, dedicados ao ensino mdio, a lei menciona explicitamente a preparao bsica para o trabalho. Sendo o trabalho projeto de todos os cidados e cidads, a educao bsica dever propiciar a todos a constituio das competncias necessrias para ingressar no mundo do trabalho. O acesso ao ensino superior ingresso numa carreira profissional, o que quer dizer que a educao bsica dever propiciar a todos as competncias que so pr-requisito para escolher e perseguir uma carreira de nvel superior. Portanto, a resposta s questes acima deve ser completada: a educao bsica no est destinada ao preparo para um trabalho especfico nem para entrar na faculdade, mas sendo bsica indispensvel a ambos.

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II - DCN, PCN e currculos dos sistemas pblicos estaduais ou municipaisNa origem dos estados modernos, a definio do que se deve aprender na escola esteve associada busca da unidade nacional e da igualdade formal entre os cidados, da o carter pblico e leigo que o currculo assume na maioria dos pases. Desse processo resulta a presena, na quase totalidade das naes democrticas, de leis de educao que estabelecem o currculo nacional, ainda que os nveis de especificao sejam distintos de um pas para outro. As profundas mudanas ocorridas no mundo aps a segunda guerra mundial provocaram rupturas e revises das bases democrticas da educao. A partir da segunda metade do sculo 20, os currculos nacionais passam por sucessivas reorganizaes. Alm de incorporar a rpida transformao da cincia e da cultura, essas revises tambm deram nfases crescentes aos valores da diversidade e da equidade, como forma de superar a intolerncia e a injustia social. Finalmente, desde o limiar do sculo 21, a revoluo tecnolgica est impondo a todas as naes revises curriculares com a finalidade de incorporar tambm, e para todos, os valores da autonomia, da sustentabilidade e da solidariedade, que sero necessrias para a cidadania nas sociedades ps-industriais. Essa rpida retrospeco histrica importante para destacar que a construo de currculos no um capricho pedaggico nem um ato arbitrrio dos nveis de conduo das polticas educacionais. , sim, um dever dos governos que esto gerenciando o Estado num momento de rupturas e mudanas de paradigmas educacionais. O Brasil um pas complexo. Por ser federao, a definio do currculo se inicia na regulao nacional do Congresso e do Conselho Nacional de Educao, passa pela coordenao do Governo Federal, finaliza na gesto estadual ou municipal para entrar em ao na escola. Alm disso, um pas de dimenses continentais, com grande diversidade regional e marcantes desigualdades sociais na distribuio da renda e do acesso qualidade de vida. Estabelecer currculos nessa realidade uma tarefa nada trivial, que a LDB inicia e ordena em duas perspectivas. A primeira perspectiva, a partir da qual a LDB regula o currculo, poltica e se refere diviso de tarefas entre a Unio e os entes federados quando estabelece para toda a educao bsica, em seu Art. 26, que Os currculos do ensino fundamental e Mdio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas caractersticas regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. Diferentemente das leis de diretrizes e bases que a antecederam, a LDB no definiu, nem delegou a nenhuma outra instncia, a definio de disciplinas ou matrias obrigatrias para integrar a base nacional comum a que se refere o Art. 26. A segunda perspectiva pedaggica e se refere ao paradigma curricular adotado pela Lei. Quando trata separadamente do ensino fundamental e do mdio, a LDB traa as diretrizes dos currculos de ambos segundo um paradigma comum, expresso em termos de competncias bsicas a serem constitudas pelos alunos e no de conhecimentos disciplinares (Arts. 32, 35 e 36). As competncias ficam assim estabelecidas como referncia dos currculos da educao escolar pblica e privada, dando destaque, entre outras, capacidade de aprender e de continuar aprendendo, compreenso do sentido das cincias, das artes e das letras e ao uso das linguagens como recursos de aprendizagem. Tambm aqui a LDB no emprega o termo matria ou disciplina, nem utiliza os nomes tradicionais das mesmas. Refere-se a contedos curriculares, componentes ou estudos.

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A lei nacional da educao brasileira cumpre o papel que lhe cabe num pas federativo. D incio a um processo de construo curricular que dever ser concludo pelos sistemas de ensino estaduais e municipais, para ser colocado em ao pelas suas escolas. Indica, no entanto, as diretrizes segundo as quais os sistemas e escolas devero pautar a finalizao desse processo. Essas indicaes fazem toda a diferena. Se a lei adotasse um paradigma curricular disciplinarista, a cooperao entre as esferas de governo seria concretizada na elaborao, pela Unio, de uma lista de disciplinas ou matrias obrigatrias que se complementaria com listas de disciplinas adicionais elaboradas pelas diversas instncias de definio curricular. Esse foi de fato o procedimento adotado no passado. A verificao do cumprimento das disposies curriculares legais, no caso do paradigma por disciplinas, feita pelo controle do comparecimento destas ltimas nos currculos propostos. Da a necessidade de listar disciplinas obrigatrias, impondo que toda escola deveria elaborar sua grade curricular, isto , a lista de disciplinas que constituam seu currculo, em duas partes: a base nacional comum e a parte diversificada, sendo que em cada uma dessas partes havia disciplinas obrigatrias. Esse modelo, que ainda adotado em muitas escolas pblicas e privadas, realmente uma grade no sentido de barreira que impede a passagem e a comunicao. Com o paradigma curricular estabelecido pela LDB, o cumprimento das diretrizes impe que tanto a base nacional comum como a parte diversificada prestem contas das competncias que os alunos devero constituir. E essas competncias no so aderentes a uma disciplina ou contedo especfico, mas devero estar presentes em todo o currculo. So competncias transversais. Alm disso, o cumprimento das

disposies legais curriculares, neste caso, no se realiza pela verificao de uma lista de matrias. Para viabiliz-la, preciso obter evidncias do desempenho dos alunos e constatar at que ponto constituram as competncias previstas. As disposies curriculares da LDB foram fundamentadas pelo Conselho Nacional de Educao, num trabalho do qual resultaram as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os diferentes nveis e modalidades da educao bsica. Foram tambm consubstanciadas nos Parmetros Curriculares Nacionais que o MEC elaborou como recomendao aos sistemas de ensino. Paradigmas, diretrizes e parmetros, ainda que bem fundamentados pedagogicamente, no promovem a melhoria da qualidade do ensino. Para no releg-los a peas formais e burocrticas, preciso criar as condies necessrias a sua implementao. E a condio de implementao mais importante a traduo da lei, das normas e das recomendaes curriculares nacionais em currculos que possam ser colocados em ao nas escolas, adequados s realidades diversas de estados, regies, municpios ou comunidade; detalhados o suficiente para servirem de guia de ao s equipes escolares; abrangentes o bastante para dar alinhamento e orientao ao conjunto dos insumos do ensino-aprendizagem: as atividades de alunos e professores, os recursos didticos, a capacitao dos professores para implementar o currculo utilizando os recursos didticos e os procedimentos de avaliao. Essa traduo do currculo do plano propositivo para o plano da ao uma tarefa intransfervel dos sistemas de ensino e de suas instituies escolares. para cumprir a sua parte que a SEDUC-RS entrega s escolas pblicas estaduais os presentes Referenciais Curriculares, cujos princpios norteadores so apresentados a seguir, reconhecendo que caber s escolas, em suas propostas pedaggicas, transform-los em currculos em ao, orientadas por estes referenciais e ancoradas nos contextos especficos em que cada escola est inserida.

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III - Desafios educacionais no Brasil contemporneoA sociedade ps-industrial est mudando a organizao do trabalho, a produo e disseminao da informao e as formas de exerccio da cidadania. Essas mudanas esto impondo revises dos currculos e da organizao das instituies escolares na maioria dos pases. Aqueles cujos sistemas educacionais esto consolidados, que promoveram a universalizao e democratizao da educao bsica na primeira metade do sculo passado, esto empenhados em vencer os obstculos culturais e polticos ao trnsito da escola para o sculo 21. Os emergentes como o Brasil, que ainda esto concluindo o ciclo de expanso quantitativa e universalizao da educao bsica, deparam-se com um duplo desafio. Herdeiro de uma tradio ibrica que destinava a escolaridade longa apenas a uma seleta minoria, h pouco tempo cerca de trs dcadas , nosso pas ainda devia esse direito bsico a quase metade das crianas em idade escolar. Quando todos chegaram escola e, por mecanismos diversos, a permaneceram, ficou visvel nossa incapacidade de criar, para a maioria das crianas e jovens brasileiros, situaes de aprendizagem eficazes para suas caractersticas e estilos cognitivos. , portanto, um pas que precisa urgentemente reinventar a escola para trabalhar com um alunado diversificado culturalmente e desigual socialmente. E deve dar conta desse desafio ao mesmo tempo em que transforma a educao bsica para fazer frente s demandas da sociedade do conhecimento. O sculo 21 chegou, e com ele a globalizao econmica, o aquecimento global, a despolarizao da poltica internacional, a urgncia de dar sustentabilidade ao desenvolvimento econmico, a valorizao da diversidade, as novas fronteiras cientficas, a acessibilidade da informao a um nmero cada vez maior de pessoas, o aparecimento de novas formas de comunicao. nesse tempo que os estudantes brasileiros esto vivendo, qualquer que seja sua origem social. 17 17 Mas na escola pblica que esto chegando as maiorias pobres e, portanto, a qualidade do ensino pblico que se torna estratgica para nosso destino como nao. O acesso requisito para democratizao do ensino bsico. Mas, para que esse processo seja plenamente consolidado, urgente garantir que a permanncia na escola resulte em aprendizagens de conhecimentos pertinentes. Conhecimentos que os cidados e cidads sejam capazes de aplicar no entendimento de seu mundo, na construo de um projeto de vida pessoal e profissional, na convivncia respeitosa e solidria com seus iguais e com seus diferentes, no exerccio de sua cidadania poltica e civil para escolher seus governantes e participar da soluo dos problemas do pas. Este um tempo em que os meios de comunicao constroem sentidos e disputam a ateno e a devoo da juventude, a escola precisa ser o lugar em que se aprende a analisar, criticar, pesar argumentos e fazer escolhas. Isso requer que os contedos do currculo sejam tratados de modo a fazer sentido para o aluno. Esse sentido nem sempre depende da realidade imediata e cotidiana, pode e deve, tambm, ser referido realidade mais ampla, remota, virtual ou imaginria do mundo contemporneo. Mas ter de ser acessvel experincia do aluno de alguma forma, imediata e direta ou mediata e alusiva. Esse o ponto de partida para aceder aos significados deliberados e sistemticos, constitudos pela cultura cientfica, artstica e lingustica da humanidade. Em nosso pas, a escolaridade bsica de 12 anos est sendo conquistada agora pelas camadas mais pobres, inseridas em processos de ascenso social. Milhes de jovens sero mais escolarizados que seus pais e, diferentemente destes, querem se incorporar ao mercado de trabalho no para sobreviver e seguir reproduzindo os padres de geraes anteriores. Trabalhar para estes jovens

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, antes de mais nada, uma estratgia para continuar estudando e melhorar de vida. So jovens que vivem num tempo em que a adolescncia tardia e o preparo para trabalhar mais longo e que, contraditoriamente, por sua origem social, precisam trabalhar precocemente para melhorar de vida no longo prazo. O currculo precisa identificar e propor s escolas conhecimentos e competncias que podem ser relevantes para o sucesso desse projeto complexo, envolvendo o trabalho precoce e a constituio da capacidade de continuar aprendendo para, no futuro, inserir-se nesse mesmo mercado com mais flexibilidade.

Nesse projeto, o fortalecimento do domnio da prpria lngua indispensvel para organizar cognitivamente a realidade, exercer a cidadania e comunicar-se com os outros. Alm disso, a competncia de leitura e escrita condio para o domnio de outras linguagens que precisam da lngua materna como suporte literatura, teatro, entre outras. O mundo contemporneo disputa o universo simblico de crianas e adolescentes, lanando mo de suportes os mais variados imagens, infogrficos, fotografia, sons, msica, corpo , veiculados de forma tambm variada a internet, a TV, a comunicao visual de ambientes pblicos, a publicidade, o celular. A escola precisa focalizar a competncia para ler e produzir na prpria lngua e abrir oportunidades para que os alunos acessem outros tipos de suportes e veculos, com o objetivo de selecionar, organizar e analisar criticamente a informao a presente. O currculo um recorte da cultura cientfica, lingustica e artstica da sociedade, ou seja, o currculo cultura. Os frequentes esforos de sair da escola, buscando a verdadeira cultura, tm efeitos devastadores: estiola e resseca o currculo, tira-lhe a vitalidade, torna-o aborrecido e desmotivador, um verdadeiro zumbi pedaggico. Em vez de perseguir a cultura premente

dar vida cultura presente no currculo, situando os contedos escolares no contexto cultural significativo para seus alunos. Em nosso Pas, de diversidade cultural marcante, revitalizar a cultura recortada no currculo condio para a construo de uma escola para a maioria. Onde se aprende a cultura universal sistematizada nas linguagens, nas cincias e nas artes sem perder a aderncia cultura local que d sentido universal. Finalmente, o grande desafio, diante da mudana curricular que o Brasil est promovendo, a capacidade do professor para operar o currculo. Tambm aqui importante desfazer-se de concepes passadas que orientaram a definio de cursos de capacitao sem uma proposta curricular, qualquer que fosse ela, para identificar as necessidades de aprendizagem do professor. Cursos de capacitao, geralmente contratados de agncias externas educao bsica, seguiram os padres e objetivos considerados valiosos para os gestores e formadores dessas agncias. Independentemente da qualidade pedaggica desses cursos ou programas de capacitao, a verdade que, sem que o sistema tivesse um currculo, cada professor teve acesso a contedos e atividades diferentes, muitas vezes descoladas da realidade da escola na qual esse professor trabalhava. Vencida quase uma dcada no novo sculo, a Secretaria de Educao do RS tem clareza de que a melhor capacitao em servio para os professores aquela que faz parte integrante do prprio currculo, organicamente articulada com o domnio, pelo professor, dos contedos curriculares a serem aprendidos por seus alunos e da organizao de situaes de aprendizagem compatveis. Este documento, ao explicar os fundamentos dos Referenciais Curriculares, inaugura essa nova perspectiva da capacitao em servio.

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IV - Princpios e fundamentos dos Referenciais Curriculares Importncia da aprendizagem de quem ensinaQuem ensina quem mais precisa aprender. Esse o primeiro princpio destes Referenciais. Os resultados das avaliaes externas realizadas na ltima dcada, entre as quais o SAEB, a PROVA BRASIL, o ENEM e agora o SAERS, indicam que os esforos e recursos aplicados na capacitao em servio dos professores no tm impactado positivamente o desempenho dos alunos. Essa falta de relao entre educao continuada do professor e desempenho dos alunos explicase pelo fato de que os contedos e formatos da capacitao nem sempre tm referncia naquilo que os alunos desses professores precisam aprender e na transposio didticas desses contedos. Dessa forma, estes Referenciais tm como princpio demarcar no s o que o professor vai ensinar, mas tambm o que ele precisa saber para desincumbir-se a contento da implementao do currculo e, se no sabe, como vai aprender. por esta razo que, diferentemente de muitos materiais didticos que comeam pelos livros, cadernos ou apostilas destinadas aos alunos, estes Referenciais comeam com materiais destinados aos professores. Tratase no de repetir os acertos ou desacertos da formao inicial em nvel superior, mas de promover a aderncia da capacitao dos professores aos contedos e metodologias indicados nos Referenciais. E como devem aprender os que ensinam? A resposta est dada nos prprios Referenciais: em contexto, por reas e com vinculao prtica. Se a importncia da aprendizagem de quem ensina for observada no trabalho escolar, os Referenciais devem ser base para decidir aes de capacitao em servio para a equipe como um todo e para os professores de distintas etapas e disciplinas da educao 19 19 bsica. E os princpios dos Referenciais devem orientar as estratgias de capacitao em nvel escolar, regional ou central.

Aprendizagem como processo coletivoNa escola, a aprendizagem de quem ensina no um processo individual. Mesmo no mercado de trabalho corporativo, as instituies esto valorizando cada vez mais a capacidade de trabalhar em equipe. A vantagem da educao que poucas atividades humanas submetem-se menos lgica da competitividade quanto a educao escolar, particularmente a docncia. O produto da escola obrigatoriamente coletivo, mesmo quando o trabalho coletivo no uma estratgia valorizada. Diante do fracasso do aluno, a responsabilidade recai em algum coletivo o governo, a educao em geral ou a escola, dificilmente sobre um professor em particular. Na docncia, o sucesso profissional depende menos do exerccio individual do que em outras atividades, como, por exemplo, as artsticas, a medicina, sem falar em outras mais bvias, como a publicidade, vendas ou gesto do setor produtivo privado. Os professores atuam em equipe mesmo que no reconheam. Esse carter coletivista (no bom sentido) da prtica escolar quase nunca aproveitado satisfatoriamente. Ao contrrio, muitas vezes, serve de escudo para uma responsabilizao annima e diluda, porque, embora todos sejam responsabilizados pelo fracasso, poucos se empenham coletivamente para o sucesso. Espera-se que estes Referenciais ajudem a reverter essa situao, servindo como base comum sobre a qual estabelecer, coletivamente, metas a serem alcanadas e indicadores para julgar se o foram ou no e o porqu. Sua organizao por reas j um primeiro passo nesse sentido.

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As competncias como referncia220 20

O currculo por competncias constitui hoje um paradigma dominante na educao escolar, no Brasil e em quase todos os demais pases da Amrica, da Europa e at pases asiticos. Na frica, tambm vem sendo adotado como organizador de vrias propostas de reforma educacional e curricular. Nestes Referenciais, as competncias so entendidas como organizadores dos contedos curriculares a serem trabalhados nas escolas pblicas estaduais. Essa onipresena das competncias no discurso e nas propostas educacionais, nem sempre se faz acompanhar de explicaes para tornar o conceito mais claro no nvel das escolas, o que motiva estes Referenciais a estenderem-se no exame da questo. Como a maior parte dos conceitos usados em pedagogia, o de competncias responde a uma necessidade e uma caracterstica de nossos tempos. Na verdade, surge como resposta crise da escola na segunda metade do sculo 20 provocada, entre outros fenmenos, pela ento incipiente revoluo tecnolgica e pela crescente heterogeneidade dos alunos. Essa crise levou a uma forte crtica dos currculos voltados para objetivos operacionalizados e observveis, que fragmentava o processo pedaggico. As competncias so introduzidas como um conjunto de operaes mentais, que so resultados a serem alcanados nos aspectos mais gerais do desenvolvimento do aluno. Em outras palavras, caracterizaram-se, no incio, pela sua generalidade e transversalidade, no relacionadas com nenhum contedo curricular especfico, mas entendidas como indispensveis aquisio de qualquer conhecimento. O exame das muitas definies de competncia permite destacar o que est presente em todas elas. A competncia, nas vrias definies, se refere a:2

um conjunto de elementos.... que o sujeito pode mobilizar.... para resolver uma situao.... com xito. Existem diferenas no substantivas quanto ao que se entende de cada uma dessas palavras, o que no incomum quando se trata de descrever aspectos psicolgicos cognitivos ou emotivos. Em uma definio os elementos so designados como recursos, em outras, como conhecimentos, em outras, como saber. Mobilizar para uns significa colocar em ao, para outros colocar esquemas em operao e ainda selecionar e coordenar. Situao caracterizada como uma atividade complexa, como um problema e sua soluo, como uma representao da situao, pelo sujeito. O xito entendido como exerccio conveniente de um papel, funo ou atividade, ou como realizar uma ao eficaz, ou responder de modo pertinente s demandas da situao ou ainda como ao responsvel, realizada com conhecimento de causa. Analisando o contedo dos diversos termos utilizados para caracterizar o conceito de competncia, pode-se afirmar que no h polissemia, isto , diferentes significados de competncia, e apesar das diferenas terminolgicas todos tm em comum uma abordagem que entende a competncia como algo que acontece, existe e acionado desde processos internos ao sujeito. Este aspecto essencial, ou seja, de que a competncia no est na situao, nem em conhecimentos ou saberes do currculo, e sim naquilo que a situao de aprendizagem e esses saberes constituram no aluno, o que importa para fins pedaggicos por duas razes. A primeira a de que, se esses processos internos do aluno so constitudos, eles podem e devem ser aprendidos. A segunda a de que um currculo por competncias se expressa, manifesta e valida pelas aprendizagens

Deste ponto em diante este documento incorpora algumas ideias das discusses e dos textos de trabalho do grupo responsvel pela concepo do currculo na Secretaria da Educao do Estado de So Paulo.

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que constituiu no aluno e que este coloca em ao de determinada maneira em determinada situao. Os objetivos de ensino podem ser expressos naquilo que o professor faz, nos materiais que manipula, nos contdos que seleciona e nas operaes que realiza para explicar. Mas o que valida o currculo no so os objetivos de ensino e sim os processos que se constituram no aluno e se expressam pela competncia de saber, de saber fazer e de saber porque sabe. Um currculo que tem as competncias como referncia, organiza-se por operadores curriculares transversais, que se referem s competncias gerais que devem ser perseguidas em todas as reas ou disciplinas, porque so competncias indispensveis para aprender qualquer contedo curricular. Estes Referenciais adotam como competncias para aprender as cinco grandes competncias do ENEM, que podem ser consideradas seus operadores transversais: Dominar a norma culta e fazer uso das linguagens matemtica, artstica e cientfica; Construir e aplicar conceitos das vrias reas do conhecimento para a compreenso de fenmenos naturais, de processos histrico-geogrficos, da produo tecnolgica e das manifestaes artsticas; Selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informaes representados em diferentes formas, para tomar decises e enfrentar situaes-problema; Relacionar informaes, representadas de diferentes formas, e conhecimentos disponveis em situaes concretas, para construir argumentao consistente; Recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaborar propostas de interveno solidria na realidade, respeitando os valores humanos e considerando a diversidade sociocultural.

Mas um currculo constitudo por contedos e preciso que as competncias transversais para aprender, como as do ENEM, sejam articuladas 21 21 com as competncias a serem constitudas em cada uma das reas ou disciplinas. Na ausncia dessa articulao instaura-se uma aparente ruptura entre competncias e contedos curriculares, que tem levado ao entendimento equivocado de que a abordagem por competncias no valoriza os contedos curriculares, quando na verdade eles so nucleares e imprescindveis para a constituio de competncias.

A inseparabilidade entre competncia e conhecimentoUm currculo por competncias no elimina nem secundariza os contedos. Sem contedos, recursos intelectuais, saberes ou conhecimentos, no h o que possa ser mobilizado pelo sujeito para agir pertinentemente numa situao dada, portanto no se constituem competncias. Os contedos so a substncia do currculo e para tanto se organizam em reas do conhecimento ou disciplinas. preciso, portanto, construir um currculo que no se limite apenas s disciplinas, mas inclua necessariamente as situaes em que esses contedos devem ser aprendidos para que sejam constituintes de competncias transversais. Isso significa que um currculo referido a competncias s tem coerncia interna se contedos disciplinares e procedimentos de promover, orientar e avaliar a aprendizagem sejam inseparveis. Para isso preciso identificar, em cada contedo ou disciplina, os conceitos mais importantes e as situaes nas quais eles devem ser aprendidos de forma a constiturem competncias transversais como as do ENEM. A ausncia desse trabalho resultou, no Brasil, na anomia curricular instalada nos anos recentes, de currculos em ao nas escolas que so divorciados das normas curriculares mais gerais e dos pressupostos tericos que as orientam.

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V - Competncias e contedos nos currculos brasileiros22 22

O espao de articulao das competncias com os contedosNo processo de definio curricular j analisado nestes Referenciais, o paradigma curricular que poderia ser chamado de mestre est na Lei 9394/1996 LDB, que foi seguida das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) e dos Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs). As DCNs, obrigatrias, apresentam disciplinas ou reas de conhecimento e as competncias que devem ser constitudas. Quanto aos contedos, so bastante gerais, porque supem uma etapa intermediria de desenvolvimento curricular para adequar as diretrizes nacionais s distintas realidades regionais, locais e escolares, tarefa que cabe aos mantenedores e gestores das redes pblicas e privadas. Os PCNs e qualquer orientao emanada do MEC no tm carter obrigatrio. So recomendaes e assistncia tcnica aos sistemas de ensino. Tanto os PCNs como as DCNs no constituem um currculo pronto para ser colocado em ao. No so pontos de chegada e sim de partida para um caminho que se inicia nas normas nacionais e s consegue alcanar o cho da escola de modo eficaz, se os sistemas de ensino completarem o percurso, desenvolvendo seus prprios currculos. Estes currculos, partindo das competncias transversais e de indicaes genricas de contedos estabelecidas no mbito nacional, devem incluir: um recorte do contedo; sugesto de metodologia de ensino e de materiais de apoio didtico e situaes de aprendizagem; procedimentos de avaliao; e as necessidades de formao continuada dos professores. No Brasil, em funo do regime federativo e do regime de colaborao entre Unio, Estados e Municpios, a mediao entre o mbito nacional e o estadual, municipal ou escolar demarca o espao de articulao entre as competncias transversais ou competncias para aprender e os contedos curriculares. Nesse marco institucional, portanto, esse trabalho articulador de responsabilidade dos Estados, Municpios ou escolas.

A aprendizagem em contextoA passagem das competncias transversais para aprender para as competncias a constituir em cada rea ou contedo curricular e a passagem da representao, investigao e abstrao para a comunicao, compreenso e contextualizao, so facilitadas por meio de duas estratgias: a aprendizagem em contexto e a interdisciplinaridade. A contextualizao a abordagem para realizar a j mencionada, indispensvel e difcil tarefa de cruzar a lgica das competncias com a lgica dos objetos de aprendizagem. Para que o conhecimento constitua competncia e seja mobilizado na compreenso de uma situao ou na soluo de um problema, preciso que sua aprendizagem esteja referida a fatos da vida do aluno, a seu mundo imediato, ao mundo remoto que a comunicao tornou prximo ou ao mundo virtual cujos avatares tm existncia real para quem participa de sua lgica. Quando a lei indica, entre as finalidades do ensino mdio, etapa final da educao bsica, a compreenso dos fundamentos cientfico-tecnolgicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prtica, no ensino de cada disciplina (Art. 35 inciso IV); ou quando, no Art. 36, afirma que o currculo do ensino mdio destacar [...] a compreenso do significado da cincia, das letras e das artes (grifo nosso), est estabelecendo a aprendizagem em contexto como imperativo pedaggico da educao bsica. Mais ainda, ao vincular os contedos curriculares

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com os processos produtivos caracteriza um contexto no apenas relevante, mas mandatrio para tratar os contedos curriculares: o mundo do trabalho e da produo. O destaque da relao entre teoria e prtica em cada disciplina, lembra que a dimenso da prtica deve estar presente em todos os contedos. A prtica no se reduz a aes observveis, experincias de laboratrio ou elaborao de objetos materiais. A prtica comparece sempre que um conhecimento pode ser mobilizado para entender fatos da realidade social ou fsica, sempre que um conhecimento passa do plano das abstraes conceituais para o da relao com a realidade. A aprendizagem em contexto a abordagem por excelncia para estabelecer a relao da teoria com a prtica. As Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino mdio assim explicam a aprendizagem em contexto: O tratamento contextualizado do conhecimento o recurso que a escola tem para retirar o aluno da condio de espectador passivo. Se bem trabalhado, permite que, ao longo da transposio didtica, o contedo do ensino provoque aprendizagens significativas que mobilizem o aluno e estabeleam entre ele e o objeto do conhecimento uma relao de reciprocidade. A contextualizao evoca por isso reas, mbitos ou dimenses presentes na vida pessoal, social e cultural, e mobiliza competncias cognitivas j adquiridas (Parecer 15/98 da Cmara de Educao Bsica do Conselho Nacional de Educao). Organizar situaes de aprendizagem nas quais os contedos sejam tratados em contexto requer relacionar o conhecimento cientfico, por exemplo, a questes reais da vida do aluno, ou a fatos que o cercam e lhe fazem sentido. A Biologia ou a Qumica precisam fazer sentido como recursos para entender o prprio corpo e gerenciar sua sade, para identificar os problemas envolvidos no uso de drogas, na adoo de dietas radicais, ou na agresso ao meio ambiente.

Mas a contextualizao no pode ser um fim em si mesma. Se a transposio didtica se limitar ao contexto, o conhecimento cons- 23 23 titudo pode ficar refm do imediato, do sentido particular daquele contexto, e essa no a finalidade ltima do currculo. Como recorte da cultura humanista, cientfica e artstica, que se sistematiza e organiza em nvel mais universal e abstrato, o currculo quer, em ltima instncia, tornar o aluno participante dessa cultura sistematizada. Partir do que prximo significativo e presente no mundo do aluno uma estratgia. Seu propsito final propiciar apropriao daquilo que, mesmo sendo longnquo, sistemtico e planetrio, tambm intelectual e emocionalmente significativo. A contextualizao, portanto, no elimina, ao contrrio, requer um fechamento pela sistematizao e pela abstrao. No queremos cidados aprisionados em seu mundo cultural e afetivo prximo, queremos cidados do mundo no sentido mais generoso dessa expresso.

Interdisciplinaridade como prtica permanenteA interdisciplinaridade acontece como um caso particular de contextualizao. Como os contextos so quase sempre multidisciplinares, quando o contedo de uma determinada rea ou disciplina em contexto, quase inevitvel a presena de outras reas de conhecimento. Um contedo de histria, por exemplo, no contexto de um lugar, instituio ou tempo especfico, depara-se com questes de geografia, de meio ambiente, de poltica ou de cultura. Nessa aprendizagem em contexto trata-se no apenas de aprender fatos histricos, mas de entender relaes do tipo: como os recursos naturais determinaram a histria dos povos e o que aconteceu quando esses recursos se esgotaram; ou como a histria de um lugar foi determinada por seu relevo ou bacia hidrogrfica. Esse entendimento inevitavelmente requer conhecimentos de biologia e geografia para aprender o que so os recursos naturais e entender o territrio como determinante desses recursos.

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A interdisciplinaridade acontece naturalmente se houver sensibilidade para o contexto, mas sua prtica e sistematizao demandam trabalho didtico de um ou mais professores. Por falta de tempo, interesse ou preparo, o exerccio docente na maioria das vezes ignora a interveno de outras disciplinas na realidade ou fato que est trabalhando com os alunos. H inmeras formas de realizar atividades ou trabalhos interdisciplinares. Muitos professores dos anos iniciais do ensino fundamental trabalham de modo interdisciplinar. Mesmo o professor disciplinarista pode realizar a interdisciplinaridade de um professor s, identificando e fazendo relaes entre o contedo de sua disciplina e o de outras, existentes no currculo ou no. Numa mesma rea de conhecimento as possibilidades de abordagem interdisciplinar so ainda mais amplas, seja pelo fato de um professor assumir mais de uma disciplina da rea, seja pela proximidade entre elas que permite estabelecer conexes entre os contedos.

A interdisciplinaridade, portanto, no precisa, necessariamente, de um projeto especfico. Pode ser incorporada no plano de trabalho do professor de modo contnuo; pode ser realizada por um professor que atua em uma s disciplina ou por aquele que d mais de uma, dentro da mesma rea ou no; e pode, finalmente, ser objeto de um projeto, com um planejamento especfico, envolvendo dois ou mais professores, com tempos e espaos prprios. Ao tratarmos da interdisciplinaridade fundamental levar em conta que, como o prprio nome indica, ela implica a existncia de disci-

plinas. Sem domnios disciplinares no h relaes a estabelecer. Por esta razo, conveniente lembrar que a melhor interdisciplinaridade a que se d por transbordamento, ou seja, o domnio profundo e consolidado de uma disciplina que torna claras suas fronteiras e suas incurses nas fronteiras de outras disciplinas ou saberes. Dessa forma, o trabalho interdisciplinar no impede e, ao contrrio, pode requerer que uma vez tratado o objeto de perspectivas disciplinares distintas, se promova o movimento ao contrrio, sistematizando em nvel disciplinar os conhecimentos constitudos interdisciplinarmente. Duas observaes para concluir. A interdisciplinaridade pode ser simples, parte da prtica cotidiana da gesto do currculo na escola e da gesto do ensino na sala de aula. Para isso, mais do que um projeto especfico, preciso que o currculo seja conhecido e entendido por todos, que os planos dos professores sejam articulados, que as reunies levantem continuamente os contedos que esto sendo desenvolvidos e as possibilidades de conexo entre eles, que exista abertura para aprender um com o outro. Segundo, a interdisciplinaridade requer generosidade, humildade e segurana. Humildade para reconhecer nossas limitaes diante da ousada tarefa de conhecer e levar os alunos a conhecerem o mundo que nos cerca. Generosidade para admitir que a minha disciplina no a nica e, talvez, nem a mais importante num determinado contexto e momento da vida de uma escola. E segurana, porque s quem conhece profundamente sua disciplina pode dar-se ao luxo didtico de abrir para os alunos outras formas de entender o mesmo fenmeno ou de buscar em outros o auxlio para isso.

Referncias:ETTAYEBI, Moussadak; OPERTTI, Renato; JONNAERT, Philippe. Logique de comptences et dvelopment curriculaire: dbats, perspectives et alternative pour les systmes ducatifs. Paris: Harmattan, 2008. DENYER, Monique; FURNMONT, Jacques; POULAIN, Roger; VANLOUBBEECK, Georges. Las competencias em ducacin: un balance. Mexico: Fondo de Cultura Econmica, 2007.

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Por que competncias e habilidades na educao bsica?Lino de Macedo Instituto de Psicologia, USP 2009

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O objetivo de nossa reflexo analisar o problema da aprendizagem relacionada ao desenvolvimento de competncias e habilidades na educao bsica. Em outras palavras, trata-se de pensar a questo quais so os argumentos para a defesa de um currculo comprometido com o desenvolvimento de competncias e habilidades na educao bsica? Sabemos que elas sempre foram uma condio para a continuidade do exerccio de profisses qualificadas e socialmente valorizadas. Mas, hoje, temos duas alteraes fundamentais, que expressam conquistas de direitos humanos e superao de desigualdades sociais. Primeira, competncias e habilidades so julgadas necessrias para todas as profisses e ocupaes. Segunda, mais que isto, so essenciais para uma boa gesto e cuidado da prpria vida, na forma complexa que assume, hoje. O melhor momento e lugar para formar competncias profissionais na escola superior ou em cursos de habilitao. O melhor momento e lugar para formar competncias e habilidades vlidas para qualquer profisso e que tm valor para a vida como um todo na educao bsica, ou seja, no sistema de ensino que a compe (Escola de Educao Infantil, Escola Fundamental e Escola de Ensino Mdio). E se os contedos e os procedimentos relativos s competncias e habilidades profissionais so necessariamente especializados, as competncias e habilidades bsicas s podem ser gerais e consideradas nas diferentes disciplinas que compem o currculo da educao bsica. Da nossa opo pelas competncias valorizadas no Exame Nacional do ensino mdio (ENEM) como referncia. Consideremos, agora, o problema da aprendizagem em si mesma. Aprender sem-

pre foi e ser uma necessidade do ser humano. que os recursos biolgicos (esquemas inatos ou reflexos) de que dispomos ao nascer no so suficientes, ocorrendo o mesmo com os valores e condies socioculturais que lhes so complementares, expressos como cuidados dos adultos. Por exemplo, a criana nasce sabendo mamar, isto , nasce com esquema reflexo de suco. Mas neste reflexo no esto previstos, nem poderiam estar, as caractersticas (fsicas, psicolgicas, sociais, culturais, etc.) da mama e da mame, que a amamentar. Da parte da mame a mesma coisa. Mesmo que ter um filho seja um projeto querido, sua mama cheia de leite e seu corao cheio de disponibilidade no substituem os esforos de suco de seu filho, deste filho em particular, com suas caractersticas e condies singulares, no previsveis para a pessoa que cuidar dele. Para que esta interao entre dois particulares seja bem sucedida, mesmo que apoiada em dois gerais (uma criana e uma me), ambos tero de aprender continuamente, tero de reformular, corrigir, estender, aprofundar os aspectos adquiridos. Aprender uma necessidade constante do ser humano, necessidade que encerra muitos conflitos e problemas, apesar de sua importncia. Nem sempre reunimos ou dominamos os diferentes elementos que envolvem uma aprendizagem. Cometemos erros. Calculamos mal, no sabemos observar os aspectos positivos e negativos que compreendem uma mesma coisa, nem sempre sabemos ponderar os diferentes lados de um mesmo problema. Da a necessidade de fazer regulaes, de prestar ateno, aperfeioar, orientar as aes em favor do resultado buscado. Este processo sustentado pelo interesse de

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aprender. As crianas desde cedo descobrem o prazer funcional de realizar uma mesma atividade, de repeti-la pelo gosto de repetir, pelo gosto de explorar ou investigar modos de compreender e realizar, de enfrentar e resolver problemas que elas mesmas se colocam. Gosto de aprender, no s pelas consequncias, no s como um meio para outro fim, mas como um fim em si mesmo. Como conservar na escola este modo de se relacionar com os processos de aprendizagem? Um modo que a reconhece como soluo para um problema interessante? Que valoriza a aprendizagem no apenas por suas consequncias futuras (algo difcil de ser entendido por uma criana), mas pelo prazer funcional de realiz-la em um contexto de problemas, tarefas ou desafios que comportam significaes presentes, atuais, para os alunos? Uma caracterstica de certas formas de aprendizagem que, em sendo adquiridas, se estabelecem como hbitos ou padres condicionados. Funcionam como modos de respostas que, uma vez adquiridas, nos possibilitam responder de modo pronto, imediato aos problemas do cotidiano. Mesmo que seus processos de formao tenham sido ativos, presentes, pouco a pouco vo se tornando habituais. Se estas respostas so suficientes, tudo bem. Se no, muitas vezes temos desistncias, desinteresses, ocorrncias de padres emocionais negativos. Alm disso, nelas o interesse sustentado por consequncias (ameaas, reforos) externas que substituem, agora, o prazer funcional da prpria ao. Fazemos porque necessrio fazer, porque deve ser feito. H outras formas de aprendizagem que sempre devero conservar o sabor e o desafio de seus modos de construo. Sempre tero algo original, novo como forma ou contedo, que nunca ser suficiente repetir ou aplicar o j conhecido. No assim, por exemplo, em uma situao de jogo? Por mais que seus objetivos e regras sejam conhecidos, por mais que a estrutura (sistema de normas e valores) se mantenha, cada partida tem sua especificidade, tem problemas e desafios cuja resolu-

o no se reduz a um conhecido ou controlvel. Ou seja, no basta repetir ou seguir um hbito ou resposta aprendida. necessrio estar presente, sensvel, atento aos diferentes aspectos que caracterizam o desenrolar de uma partida. necessrio manter o foco (concentrao), saber planejar, antecipar, fazer boas inferncias, tornar-se um observador de si mesmo, do oponente e do prprio jogo. Alm disso, nesta situao o sujeito deve se manter ativo, no passivo nem distrado, consciente de que suas aes tm consequncias e que supem boa capacidade de leitura e de tomada de deciso. Esta forma de aprendizagem como se pde observar tem todas as caractersticas que qualificam uma pessoa competente e habilidosa. Aprender muito importante, dentro e fora da escola. Qual a diferena entre estes dois ambientes? Na escola, a aprendizagem se refere a domnios que s ela pode melhor prover. So aprendizagens que supem professores e gestores, intencionalidade pedaggica, projeto curricular, materiais e recursos didticos, todo um complexo e caro sistema de ensino e avaliao que sustenta e legitima os conhecimentos pelos quais a escola socialmente responsvel por sua transmisso e valorizao. Fora da escola, todos estes aspectos no esto presentes, s o ter de aprender que se mantm. Seja por exigncias externas (dos pais, por exemplo) ou por exigncias internas (a criana quer brincar ou usar um objeto e o que j sabe no suficiente para isso). Necessidade constante de aprender combina com caractersticas de nossa sociedade atual: tecnolgica, consumista, globalizada e influenciada pelo conhecimento cientfico. So muitos interesses, problemas, informaes, novidades a serem adquiridos, consumidos. E no basta poder comprar ou possuir uma tecnologia, preciso aprender a us-la e, de preferncia, a us-la bem. Como oferecer na escola as bases para as aprendizagens fora dela? Como reconhecer e assumir que em uma cultura tecnolgica derivada do conhecimento cientfico, em uma sociedade de consumo, globalizada, os

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conhecimentos e seus modos de produo, os valores e suas orientaes positivas e negativas, so cada vez mais uma deciso pessoal e coletiva ao mesmo tempo? No mbito da escola, a aprendizagem gerida pelos profissionais da educa. Fora dela, trata-se de uma gesto de pessoas sobre algo, cuja complexidade e importncia requerem habilidades e competncias aplicveis ao contexto profissional, mas igualmente para as formas de conduzir a prpria vida e suas implicaes ambientais e coletivas. O que significa competncia? Consideremos os principais significados propostos no dicionrio (Aurlio Eletrnico, por exemplo): 1. Faculdade concedida por lei a um funcionrio, juiz ou tribunal para apreciar e julgar pleitos ou questes. 2. Qualidade de quem capaz de apreciar e resolver certo assunto, fazer determinada coisa; capacidade, habilidade, aptido, idoneidade. 3. Oposio, conflito, luta. O significado 1 indica que se trata de um poder atribudo a algum para fazer julgamentos, tomar decises. Destaquemos aqui dois aspectos: competncia requer uma instituio ou rgo com legitimidade para esta atribuio e que confere ou transfere aos seus possuidores um poder para. O significado 2 qualifica estes poderes em termos de capacidade, habilidade, idoneidade de uma pessoa. O significado 3 caracteriza o contexto (situaes de oposio, conflito ou luta) em que a competncia se aplica. Depreende-se da proposio do dicionrio que o melhor exemplo de competncia aquela que se verifica, ou que deveria se verificar, no sistema jurdico. Depreende-se, tambm, pelo significado 3, que competncia se refere a situaes nas quais as pessoas envolvidas em uma situao de conflito ou oposio no podem ou no sabem elas mesmas darem conta do problema, recorrendo justia para que se decida pela melhor soluo para o conflito. Como transpor estas significaes para o campo educacional, sobretudo para a esco-

la fundamental? Por que fazer isto? O que se conserva, o que se modifica em relao ao que est proposto no dicionrio? O que 27 27 se conserva que uma instituio a escola mantm o direito e a obrigao de legitimar o ensino que transmite aos alunos. Este ensino corresponde a competncias e habilidades, no profissionais no sentido estrito, mas fundamentais seja para a aprendizagem de uma profisso ou, principalmente, para o cuidado da prpria vida. Vida cuja natureza complexa, interdependente, exige tomadas de deciso e enfrentamentos em contexto de muitas oposies, conflitos, oportunidades diversas ou impedimentos e dificuldades que se expressam de muitas formas. Na educao bsica, como mencionado, as competncias a serem desenvolvidas no so relativas a profisses em sua especificidade. Como se viu no dicionrio, a significao tradicional de competncia refere-se capacidade ou habilidade de um profissional, legitimado por uma instituio, para apreciar, julgar ou decidir situaes que envolvem conflito, luta, oposio. Por exemplo, uma pessoa que est doente recorre a um mdico para ser tratada. Do ponto de vista dos gestores e dos professores, ou seja, dos profissionais da educao (ou da aprendizagem), o mesmo acontece; espera-se que eles sejam competentes para cuidar das necessidades fundamentais das crianas (aprender a ler e a escrever, etc.), pois nenhuma delas pode fazer isto por si mesma. Seus recursos so insuficientes e em caso de conflito relacional, brigas, disputas, nem sempre podem chegar por si mesmas a uma boa soluo destes impasses. Nestes dois exemplo, limites para a aprendizagem escolar e dificuldades ou problemas relacionais, gestores e professores so profissionais qualificados, ou devem ser, para transformarem estas limitaes em oportunidades de construo de conhecimento. Defender no currculo da educao bsica o desenvolvimento de competncias e habilidades significa ampliar sua funo tradicional relacionada especificamente ao mbito profissional, considerando-as tambm na

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perspectiva dos alunos, incluindo por isto mesmo conhecimentos e valores que envolvem a vida pessoal e social como um todo. E isto se faz atravs das disciplinas escolares, dos contedos, mtodos e recursos necessrios ao ensino das matrias que compem a grade curricular. Trata-se, ento, de criar situaes de aprendizagem organizadas para desenvolver competncias e habilidades no contexto das disciplinas. Nestas situaes, como propusemos, as competncias de referncia so as do ENEM e as habilidades so as que possibilitam aprender os contedos disciplinares, ou seja, observar, identificar, comparar, reconhecer, calcular, discutir,

definir a ideia principal, desenhar, respeitar, consentir, etc. Assim, o aluno, pouco a pouco, vai se tornando uma pessoa habilidosa, que faz bem feito, que tem destreza mental ou fsica, que valoriza, porque aprendeu a fazer bem, a compreender bem, a viver e conviver bem. Estamos sonhando? Quem sabe, mas so estes tipos de sonhos que justificam o nosso presente como profissionais da educao, que nos do esperana para um futuro melhor e mais digno para nossos alunos. Que os professores do Rio Grande do Sul se sintam bem qualificados hoje, para esta imensa tarefa de construir em seus alunos as bases para um melhor amanh!

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A gesto da escola comprometida com a aprendizagemSonia Balzano e Snia Bier

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Nos ltimos anos, a sociedade brasileira vem tomando conscincia da necessidade de melhorar a qualidade do ensino oferecido maioria da populao, por meio do fortalecimento e da qualificao da gesto da escola. A gesto escolar deve mobilizar e articular as condies materiais e humanas necessrias promoo da efetiva aprendizagem dos alunos, tornando-os capazes de enfrentar os desafios da sociedade do sculo XXI. A partir da LDB (art.15), a escola passou a ter maior autonomia nas reas administrativa, pedaggica e financeira, e a sua gesto tornou-se mais complexa, o que passou a exigir da equipe gestora, alm de uma viso global, a capacidade de reconhecer que na sociedade do conhecimento, a dimenso pedaggica da gesto a mais importante. Assim, o foco da gesto passa a ser pedaggico e as dimenses administrativa e financeira so meios para alcanar as finalidades da educao. Para responder s exigncias da sociedade do conhecimento, o Movimento Todos pela Educao estabeleceu 5 metas para a educao brasileira, que devem ser cumpridas at 2022. Entre elas, a de nmero trs prev que todo aluno aprenda o que adequado sua srie. Mas, o que adequado a cada srie? Hoje, na rede estadual, cada escola fixa o que entende ser o adequado. Pois no h referncias que definam as aprendizagens necessrias em cada momento da educao bsica, o que abre espao para os livros didticos fazerem esse papel. Os parmetros e as diretrizes curriculares nacionais tm carter geral, no suprem essa necessidade. Apenas as matrizes de competncia das avaliaes externas, como o SAEB e a PROVA BRASIL, estabelecem um patamar de aprendizagens a serem atingidas ao final da 4 srie/5 ano e da 8 srie/9 ano do ensino fundamental e do 3 ano do en-

sino mdio. O SAERS avalia aprendizagens de sries intermedirias, utilizando a mesma matriz do SAEB. Embora tenham finalidade diversa, essas avaliaes tornam-se, em muitos casos, referncia para as aprendizagens na escola, desempenhando outro papel alm daquele para o qual foram criados. Com a inteno de suprir essa lacuna, apresentamos s escolas da rede estadual do RS estes Referenciais Curriculares que fixam, por rea de conhecimentos e disciplinas, aprendizagens que devem ocorrer em cada momento da educao bsica, a partir da 5 srie do ensino fundamental, indicando a unidade mnima que deve ser comum a uma rede de ensino. Em consonncia com as mais atualizadas concepes de currculo, este Referencial desloca o foco do ensino para a aprendizagem, o que significa organizar o processo educativo para o desenvolvimento de competncias bsicas que a sociedade demanda. Por isso, o planejamento das situaes de aprendizagem em todas as reas do conhecimento, respeitadas suas especificidades, tem a finalidade de levar o aluno a: expressar idias com clareza, oralmente e por escrito; analisar informaes e proposies de forma contextualizada; ser capaz de tomar decises e argumentar; e resolver problemas/ conflitos. Essas competncias esto previstas na LDB em objetivos do ensino fundamental (artigo 32), como o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios bsicos o pleno domnio da leitura, da escrita e do clculo, e do ensino mdio, (artigo 35), em especial, a preparao bsica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com

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flexibilidade a novas condies de ocupao ou aperfeioamento posteriores.30 30

Orientados por este Referencial Curricular, a proposta pedaggica da escola, os planos de e