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VOLUME 1 - ANO 6 - 2007 www.cebri.org.br REFLEXÕES SOBRE TECNOLOGIA, INOVAÇÃO, INFORMAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO OSCAR S. LORENZO FERNANDEZ

REFLEXÕES SOBRE TECNOLOGIA, INOVAÇÃO ...§as da Caixa Econômica Federal e Secretário de Tecnologia Industrial do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

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VOLUME 1 - ANO 6 - 2007www.cebri.org.br

REFLEXÕES SOBRE TECNOLOGIA,

INOVAÇÃO, INFORMAÇÃO E

GLOBALIZAÇÃO

OSCAR S. LORENZO FERNANDEZ

REFLEXÕES SOBRE TECNOLOGIA, INOVAÇÃO, INFORMAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO

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Quem Somos

O CEBRI – Centro Brasileiro de Relações Internacionais, sediadono Rio de Janeiro, é uma instituição independente, multidisciplinar

e apartidária. A Missão do Centro é criar um espaço para estudos e

debates, onde a sociedade, em particular, organizações da sociedade

civil atuantes na área internacional, possa discutir temas relativos

às relações internacionais e à política externa brasileira, com

conseqüente influência no processo decisório governamental e na

atuação do Brasil em negociações internacionais. O CEBRI produz

igualmente informação e conhecimento específico na área externa

e propostas para a elaboração de políticas públicas. Linhas

permanentes de pesquisa resultam em estudos, boletins, relatórios,

entre outros.

Conselho Curador

Presidente de HonraFernando Henrique Cardoso

Vice-Presidentes NatosDaniel Miguel KlabinLuiz Felipe Lampreia

PresidenteJosé Botafogo Gonçalves

Vice-PresidentesJosé Pio Borges de Castro FilhoTomas Zinner

Diretora ExecutivaDenise Gregory

ConselheirosCarlos Mariani BittencourtCélio BorjaCelso LaferEliezer Batista da SilvaGelson Fonseca Jr.João Clemente Baena SoaresJosé Aldo Rebelo FigueiredoLuiz Olavo BatistaMarcelo de Paiva AbreuMarco Aurélio GarciaMarcos Castrioto de AzambujasMarcos Vinícius Pratini de MoraesPedro MalanRoberto Teixeira da CostaSebastião do Rego BarrosWinston Fritsch

OSCAR S. LORENZO FERNANDEZ

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REFLEXÕES SOBRE TECNOLOGIA, INOVAÇÃO, INFORMAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO

Oscar S. Lorenzo Fernandez(*)

* Diplomata de carreira, serviu em Buenos Aires, Washington, Londres e Bonn. Foi, entre outras coisas, diretor definanças da Caixa Econômica Federal e Secretário de Tecnologia Industrial do Ministério de Desenvolvimento,Indústria e Comércio Exterior.

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Tecnologia é uma expressão que pertence hoje ao quotidiano e, de certa forma, éparte da consciência do mundo real. Entretanto, essa uma maneira de ver recente nãotem mais do que duas gerações: data do fim da II Guerra. Embora (de acordo, aliás, comsua raiz etimológica) a palavra simplesmente signifique “modo de fazer”, ela entrou parao nosso universo de idéias mais ou menos simultaneamente com as noções dedesenvolvimento econômico, quando, de repente, por assim se dizer, as pessoasperceberam que a realidade material imediata estava passando por um processo aceleradode transformação, em parte, pelo menos, deliberado.

O homem é o único ente que procura modificar intencionalmente o contexto que ocerca. Do seu primo mais próximo, o chimpanzé, sabe-se que ocasionalmente se vale deferramentas muito rudimentares, uma pedra, um galho. E há animais capazes de construirninhos elaborados e até, como o castor, pequenas barragens. Mas são atividadesgeneticamente programadas, destituídas do caráter cumulativo do conhecimento. Desdequando remonta a diferenciação da espécie humana, muito antes do Homo sapiens, emverdade, há uma sucessão de degraus tecnológicos: os primeiros utensílios de pedralascada, a fala, que permite a transmissão simbólica — e depois da última glaciação, háuns 13 mil anos, inicia-se o processo civilizatório, aos poucos suplantando a caça e coleta,com a produção de alimentos, com a agricultura, a domesticação de animais e o pastoreio,a cerâmica, a diversificação funcional nos primeiros assentamentos, a formação dehierarquias (levando ao clã, à tribo, às proto-organizações políticas com chefes, à escrita,isto é, ao uso de símbolos para representar informação e idéias, à diferenciação de atividadesrelacionadas à informação, às cidades-estado e aos impérios.

O conhecimento empregado para qualquer finalidade concreta no mundo e nocontexto humano é, pois, o que chamamos de tecnologia. Na evolução histórica, hácorrespondência entre os universos tecnológicos das grandes fases das civilizações e asformas de interação entre indivíduos e grupos delimitadas pelas possibilidades de geração,acesso, acumulação e uso do conhecimento — em última análise, pelas possibilidades deinteração social por meio da informação. Observa-se uma associação estreita entre o quepoderíamos chamar de metabolismo social da informação — como ela é coletada,transmitida, acumulada, usada, depreciada e atualizada e renovada — e as atitudes diantedo universo e do ambiente natural, a tecnologia, as formas de produção, e de apropriaçãoe uso dos excedentes produtivos, as estruturas de poder dentro da sociedade, as instituições,o domínio simbólico, os rituais, a superestrutura social, em geral, as manifestações artísticas,religiosas etc. As placas de argila e a escrita cuneiforme, na Mesopotâmia, os hieróglifosegípcios, o alfabeto fenício, ou os caracteres chineses foram outras tantas maneiras deapropriar conteúdo informativo, como função de condições sociais específicas, dentrodos limites das tecnologias disponíveis.

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Embora a quantidade de informação tratada e armazenada por essas técnicas daescrita crescesse paulatinamente, por degraus, continuaria limitada até que inovações domodo de registro, e do substrato sobre o qual se operava, permitissem uma significativamultiplicação da respectiva difusão. Isso havia ocorrido restritamente com o trabalho doscopistas antigos e o uso do papiro e do pergaminho, mas era sempre uma difusão limitadaa grupos especiais, funcionários, religiosos, letrados, camadas sociais superiores. Na China,onde a complexidade da escrita, com mais de cinco mil caracteres escorou uma alta classede burocratas, a invenção do papel e a reprodução de cópias de desenhos e caracteres pormeio de blocos de madeira permitiram popularizar, por exemplo, imagens comoinvocações mágicas. A tendência estática das sociedades de base agrária não induzia àdemanda de muito mais e a sólida administração centralizada do império chinês não eraparticularmente simpática a inovações. O contrário seria o caso da Europa, muitofragmentada econômica e politicamente e dividida por intermináveis querelas, onde aadaptação, por Gutenberg, na metade do século XV, da invenção chinesa, de uma prensade vinho à impressão por meio do tipo metálico móvel, no momento em que o papelcomeçava a surgir como um substrato de baixo custo, como um rastilho de pólvora,iniciaria a transformação das estruturas tradicionais, do papel central de Igreja, da difusãodo conhecimento tecnológico e, depois, científico — numa era de tremendas mudanças,que M. McLuhan chamaria a Galáxia de Gutenberg e outros têm apelidado de RevoluçãoGutenberguiana. Essa revolução atingiu talvez a sua cota máxima no século XIX, masrealmente continuaria ainda a desdobrar-se até a primeira metade do século XX, quandomeios novos, como o rádio, a televisão e, depois da invenção do transistor, em 1947, osinstrumentos eletrônicos, multiplicaram enormemente a rapidez, a abrangência e o alcanceda circulação da informação.

A quantidade de informação de que necessitava uma economia de subsistênciapodia ser razoavelmente suprida por transmissão oral de geração em geração. A tecnologiaprodutiva não comportava rápidas inovações: os conhecimentos sobre solos, clima, regimede chuvas, pragas, formas de preparar a terra, plantar e tratar estavam fixados poradaptação secular. Até hoje, grandes massas camponesas, notadamente na Ásia e na África,continuam analfabetas. A necessidade de métodos mais eficientes para facilitar o fluxo ea preservação da informação só apareceria com os assentamentos urbanos e ascorrespondentes exigências de modos de organização social e exercício da autoridade.Assentamentos urbanos precisam de estruturas administrativas e controles sociais maiscomplexos do que os bastantes para sociedades tribais, em virtude da crescentediferenciação e especialização de atividades, e para formas mais eficientes e elaboradasde apropriação sistemática de excedentes produzidos. A possibilidade de expansão sobregrandes áreas dessa forma de organização levou ao aparecimento de impérios, às estruturas

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de maior funcionalidade para as condições existentes, porquanto estabelecia mecanismosde solução de conflitos, inevitáveis à medida que a população avançava sobre uma basede recursos relativamente fixa. Impérios queriam dizer burocracias, distinção mais rígidaentre as classes sociais, e uma organização eficiente da circulação e do armazenamento dequantidades cada vez maiores de informação. Mesmo o império inca, que não chegou adesenvolver uma escrita tão avançada quanto os impérios antigos, tinha meios de anotare contabilizar a informação relevante. A linguagem escrita, por sua vez, permitiu o registrodos rituais, das concepções do mundo, em suma, das expressões culturais, e o começo dafixação de literaturas.

Desde o início dos tempos, até o começo da Era Moderna, a condição média da vidamaterial das pessoas variou relativamente pouco. A revolução neolítica, sem dúvida,promoveu um salto de capacidade produtiva, mas este se traduziu sobretudo emprogressivo aumento populacional. O produto per capita (conceito um tanto precário,especialmente nesse contexto, mas objeto de notáveis pesquisas de Angus Maddison eoutros) não variou muito segundo as grandes regiões: da Antigüidade Clássica até o ano1000 d.C., terá ficado em torno de US$ 400 (em US$ internacionais 1990; o correspondentea uns US$ 600 de 2005), isto é, um nível de subsistência muito estreito, pelo que, mesmosob condições espoliativas brutais, a geração de excedentes teria de ser muito restrita.

Os dados de Maddison indicam que, até o ano 1000 da nossa Era, a taxa do aumentodemográfico e do bem-estar material evoluiu quase imperceptivelmente e, desde então,até por volta de 1500, o crescimento do produto por habitante foi muito pequeno — naverdade, até 1800, terá aumentado uns 50%. No último milênio, contudo, a população domundo aumentou 22 vezes, a renda global foi multiplicada por 300 e a per capita, por 13;e a expectativa de vida ao nascer foi multiplicada por 2,8, sendo que nos paísesindustrializados a cifra chegou a 3,3. Do fim da última glaciação ao começo do tempocristão, o crescimento populacional terá sido de 0,05 por ano, se tanto (nas décadas de 60e 70, foi 40 vezes maior) e, apesar dos óbvios ganhos de produtividade trazidos pelaagricultura assentada e pelo pastoreio, a disponibilidade de bens per capita permaneceu,em média, praticamente no mesmo patamar. No fim do primeiro milênio, a esperança devida média não passaria de 24 anos e a mortalidade infantil no primeiro ano era de 1/3.

Na verdade, o ponto de referência no tempo mais importante, para a nossa avaliação,é o início do século XIX (1820 é a data tomada por Maddison), quando o impacto daRevolução Industrial Inglesa realmente dispara. Nesse momento, o conjunto formadopela Europa Ocidental, América do Norte, Australásia e Japão teria o dobro da renda per

capita do resto do mundo e a diferença material entre os países mais ricos e os mais pobresnão passaria muito de 3 para 1. Também o analfabetismo, condição da imensa maioria dogênero humano até bem entrada a Era Moderna, tem regredido aceleradamente. Em

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1950, no primeiro levantamento a respeito conduzido pela ONU, 44% da populaçãomundial era iletrada. No final do século, a proporção reduzira-se para 16% (embora empaíses do Sul da Ásia, árabes e da África subsaariana, oscilasse entre 40 e 50%).

O conhecimento tecnológico não tem evoluído sempre com exata proporcionalidadeem relação ao conhecimento científico, propriamente dito. Este teve, em campos como amatemática, períodos de florescimento, como na Grécia clássica e no auge da civilizaçãoislâmica, a que não corresponderam grandes mudanças tecnológicas. Até meados doséculo XVII, na Europa Ocidental, a tecnologia desenvolveu-se como resposta prática ademandas imediatas em certos setores produtivos, na navegação, na metalurgia e outrasatividades relacionadas com objetivos militares. A Era do Conhecimento tem significaçãomais específica no tempo e data da adoção de métodos experimentais para validar teorias,o grande feito de Galileu.

Quando comparada ao ritmo dos câmbios no cenário contemporâneo, a evoluçãotecnológica pré-moderna parece lenta. E assim seria necessariamente, porquanto asmudanças de modos de fazer as coisas surgiram da acumulação de experiências práticasdas pessoas diante do seu meio natural e social e dos resultados obtidos por sucessivosacertos e erros. O pensamento científico moderno começaria a tomar forma no século XVII,com a experimentação e a formalização matemática. A conexão entre a tecnologia e a pesquisacientífica só se daria, porém, bem mais tarde, ao fim da primeira fase da Revolução Industrial,quando na Inglaterra, por volta de 1840, principiou-se a aplicar a metalurgia à fabricação depeças ferroviárias e, um pouco depois, nesse país e na Alemanha, as descobertas de corantessintéticos forneceram o estímulo para o desenvolvimento da química orgânica. Contudo, ainvenção e a exploração prática de inventos continuariam a ser feitas, até a II Guerra,basicamente de forma empírica, apesar de alguns governos terem procurado promover oesforço de pesquisa científica, a começar pela Kaiser-Wilhelm-Gesellschaft, fundada naAlemanha, em 1911, abrangendo um conjunto de institutos autônomos, hoje sob o nome deMax Plank Gesellschaft. Na França, vários esforços resultaram no estabelecimento do CentreNational de la Recherche Scientifique (CNRS), em 1939; criaram-se, assim, nesses países,sistemas públicos de financiamento e promoção da pesquisa científica e tecnológica.

A Primeira Guerra estimulou alguns avanços, não-sistemáticos, notadamente emarmamentos, transportes, organização e logística. Mas a Segunda Guerra tornou prementepara a Inglaterra, e depois para os Estados Unidos, a mobilização de recursos científicos etecnológicos para fins militares; a Alemanha, apesar do seu nível científico, não teve focobem definido (Hitler; domínio da Europa) e dispersou esforços com armas secretas. Ogoverno americano promoveu, sob direção de Vannevar Bush, a mobilização coordenadacientífico-tecnológico-industrial, a integração das capacidades de cientistas, especialistas,engenheiros, industriais, administradores etc. e a programação e integração das atividades;

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os esforços de mobilização com as de produção industrial e agrícola, distribuição, logística,etc. tiveram tremendo sucesso. Os enormes avanços alcançados durante a guerra eramuniversalmente visíveis (armamentos, aviões a jato, radar, comunicações avançadas,veículos, medicamentos – sulfas, penicilina etc. – os primeiros passos em matéria decomputadores e algumas técnicas matemáticas e estatísticas aplicáveis à programação e àgestão – pesquisa operacional).

A nova compreensão da tecnologia

Depois da guerra, Vannevar Bush, num artigo de enorme repercussão (The EndlessFrontier, 1945) propôs a continuação, em tempo de paz, da mobilização científico-tecnológica; a Guerra Fria acentuou necessidade: acabou resultando na National ScienceFoundation (1950), para dirigir recursos para o desenvolvimento científico e tecnológicocom finalidades civis; o Brasil a seguiu quase imediatamente, estabelecendo o ConselhoNacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação deAperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em 1951. Coincidentemente, aUnião Soviética começou a dar passos gigantescos no desenvolvimento científico etecnológico (armamentos, foguetes, os primeiros satélites artificiais) e, até o começo dadécada de 60, sua economia crescia a um ritmo aparente bastante superior ao dos EstadosUnidos, o que teve fortes repercussões políticas nesse país.

Ao fim da Segunda Guerra, firmara-se o chamado paradigma de Vannevar Bush,uma concepção linear, em queda d´água, em que se partia dos níveis mais gerais e abstratosda pesquisa científica para a pesquisa aplicada, a engenharia etc., até se chegar, na ponta, aum produto pronto que se entregava ao departamento comercial para que se encarregassedo marketing. Essa noção ajustava-se bastante bem à tradição ortodoxa do pensamentoeconômico dita neoclássica (dominante no Ocidente na maior parte do século XX), segundoa qual, o mercado, em condições de liberdade, tende para um ponto de equilíbrio, em queos agentes econômicos não têm incentivos nem para aumentar, nem para reduzir, seja aoferta, seja a procura, quando os preços se aproximam de um rendimento marginal igual azero.

O pensamento neoclássico não oferecia espaço para a compreensão da tecnologiacomo fenômeno autônomo. Na verdade, não o tinha, tampouco, para abrigar as noçõesde informação e de conhecimento. Na visão do mundo neoclássica, a idéia de racionalidadesupunha que, em uma transação econômica, todas as partes poderiam ter acesso ao mesmouniverso de informação. A idéia da assimetria desta não ocupava um lugar significativona teoria e, se sequer cogitada, o seria antes uma exceção de menor importância do quecomo uma questão teórica a analisar. Não se distinguiam noções de informação econhecimento, tidas mais ou menos como sinônimos para referir sinais não-ambiguamente

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codificáveis (e, por conseguinte, decodificáveis) a respeito de estados do mundo real, queos agentes econômicos podiam usar meramente como insumos nos seus cálculos demaximização de vantagens.

Entretanto, a partir do final dos anos 60, o paradigma linear da função econômicada tecnologia iria demonstrar-se cada vez menos adequado para explicar o funcionamentoobservado das economias reais e, em especial, não servia para a compreensão daexperiência observável dos Estados Unidos e do Japão. Em termos de competitividade eprodutividade, a Europa, apesar do seu alto nível educacional, científico, tecnológico eindustrial, ficou muito para trás dessas duas economias (o que seria conhecido como oparadoxo europeu). A consciência dessa situação provocou uma forte crise, entre 1985 e1995, e levou à adoção de programas de grande alcance para acelerar o desenvolvimentotecnológico, assim como dos métodos de organização e gestão europeus.

Acabou-se por perceber, contudo, que esse esforço podia ser até contra-indicado,na medida em que se baseasse em tecnologias obsoletas ou não estimulasse a capacidadede inovação. As comparações com os Estados Unidos e o Japão mostravam que essespaíses, além de disporem de maior quantidade de recursos para a pesquisa, e de maiorproporção de engenheiros e cientistas por número de habitantes, coordenavam melhorseus esforços, exibiam mais adaptabilidade no uso da informação tecnológica, maiorcooperação entre universidade e indústria, além de uma cultura favorável à tomada deriscos (EUA) ou ao contínuo aperfeiçoamento técnico e à aplicação de novas técnicas(Japão) e de um sistema legal de baixo custo, favorável à proteção da inovaçãocomercialmente explorável (EUA), ou de maior capacidade de coordenação de estratégiasentre os setores privado, universitário e público (Japão). Os estudos revelaram que a basede pesquisas e industrial da Europa estava padecendo de uma série de fraquezas:investimento menor do que o dos seus competidores em pesquisa e desenvolvimentotecnológico; falta de coordenação nos vários níveis das atividades, dos programas e dasestratégias da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico; e o mais grave dos problemas,a capacidade relativamente limitada de converter descobrimentos científicos e sucessostecnológicos em êxitos industriais e comerciais.

Antes de passarmos à relação entre tecnologia e inovação — a noção que se tornoucentral em matéria econômica – conviria um giro brevíssimo sobre as tendências dopensamento econômico no período que estamos considerando.

Algumas novas perspectivas no pensamento econômico

Os pensadores clássicos não se ocuparam especificamente de tecnologia: o “modode fazer” estava implícito na atividade econômica. As concepções neoclássicas

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subseqüentes supunham que as atividades econômicas tendessem naturalmente pararetornos decrescentes (tecnicamente, funções de produção convexas). Essa maneira dever oferecia duas vantagens: a primeira, era que se aplicava satisfatoriamente à economiade chaminés, ao universo econômico da produção de bens materiais, de produtos, típicodas duas primeiras Revoluções Industriais; a segunda, era que facilitava bastante aformalização e o tratamento matemático da análise. A tecnologia não era, então, entendidacomo propriamente um fator de produção: supunha-se que o conhecimento ficasseembutido no capital e na habilidade da força de trabalho. E não parecia, então, necessárioencará-la de outro modo. A idéia de que pudessem ocorrer não-linearidades, e que aprodução apresentasse retornos crescentes, não só parecia invalidar as noçõesfundamentais do equilíbrio tendencial necessário do sistema, como realisticamente sópoderia ser percebida como exceção menor, passageira, num mundo em que a importânciaimediatamente visível cabia à produção material e os avanços tecnológicos continuavama ser essencialmente incrementais, um tanto espaçados e relativamente modestos. Retornoscrescentes, isto é, causados por mecanismos de realimentação positiva (feedbacks positivos),só começariam a adquirir maior visibilidade na esteira de avanços tecnológicosimportantes. O que foi antevisto por J. Schumpeter em 1912, no seu livro pioneiro sobreDesenvolvimento Econômico, mas pouca repercussão teria no domínio teórico até queprincipiasse, de fato, a ser sentida a força do impacto das inovações dos anos 40 e 50.

Mecanismos de retornos crescentes podem ser encontrados, na realidade, em quasetodos os setores da economia, porém mais fortemente numa fase inicial, depois da qualrendimentos decrescentes tendem a predominar nas indústrias de processo (manufaturas).Retornos crescentes aparecem sobretudo nas indústrias baseadas na informação e noconhecimento, mas estas ainda seriam pouco compreendidas até os anos 70. Só um tantorecentemente é que se reconheceu que, nos sistemas econômicos, eram comuns fenômenosde path dependence, dependência sensível a um conjunto de condições iniciais (como naFísica e na Matemática, a idéia de processos caóticos). Na década de 70, uma inovaçãoconceitual na teoria microeconômica introduziu, como elemento teórico importante, anoção da assimetria da informação (que o modelo neoclássico de Arrow-Debreu haviasuposto identicamente disseminada por todos os agentes econômicos). O que significaque esses agentes, ao invés de simplesmente tomarem os preços do mercado como dadosobjetivos (agindo como price-takers), passaram a ser vistos como atores participantes emjogos estratégicos. Dois teóricos exerceram um papel axial na mudança de enfoque dopensamento econômico: R. Solow, cuja contribuições inovadoras datam ainda de 1956 e57, e P. Romer, no final dos anos 80.

Em 1956, Solow introduziu um modelo de estrutura clássica, que viria a terextraordinária influência, estabelecendo uma nova ortodoxia formalizada para as idéias

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de crescimento econômico. Segundo Solow, a longo prazo (estado estacionário), onível do produto por habitante depende da taxa de poupança da economia (que determinao estoque de capital) e da função de produção, que depende do estado da tecnologia. Maso progresso tecnológico não é diretamente avaliado, é estimado apenas como resíduo (deuma função tipo Cobb-Douglas). No estado estacionário, a taxa de crescimento do produtoagregado depende do crescimento da população e do progresso tecnológico, consideradoum fator exógeno. O modelo tem um ponto estacionário único e estável, que será alcançadoquaisquer que sejam as condições iniciais, porque, se o progresso tecnológico difundir-sepelo mundo inteiro, haverá convergência das taxas de crescimento e também dos níveisde produto per capita. Trinta anos depois, Romer modificou o modelo de forma consideradarevolucionária, para tratar a tecnologia como endógena ao crescimento, um fator deprodução, como o capital. A teoria neoclássica do crescimento, altamente formalizada,procurou isolar dos insumos clássicos do crescimento (capital e trabalho) o progressotecnológico, ao qual atribuiu cerca de 80% do crescimento do Produto dos Estados Unidos.Romer, um dos arquitetos da chamada nova economia do crescimento, propôs, tambémcom extremo rigor formal, uma explicação para retornos crescentes e crescimento a longoprazo e mudança tecnológica endógena, em que o papel determinante compete aoprogresso tecnológico. O conhecimento seria, então, uma forma de capital e o crescimentoeconômico é movido pela acumulação do conhecimento. Ao invés do suposto clássicodos rendimentos decrescentes, a nova teoria do crescimento postula que a não-rivalidade(bem público) e os efeitos de formação de plataformas técnicas levem a rendimentoscrescentes. Essa forma de ver é muito importante, por incluir não-linearidades nos efeitosda tecnologia, entre os quais, os de redes.

A geração de rendimentos crescentes por efeito de inovações tecnológicas é mostradapor exemplos dramáticos do campo (recente, sob o ponto de vista teórico) da economiada informação. São muito conhecidos casos clássicos como o dos formatos de gravaçãode fita Betamax versus VHS. Muitos consideravam o Betamax o produto tecnicamentesuperior. Por questões de marketing, o formato VHS começou a ganhar maior base instaladae por feedbacks positivos aumentou muito rapidamente a sua vantagem, excluindopraticamente o Betamax do mercado. Considerações semelhantes aplicam-se ao sistemaoperacional DOS da Microsoft e, depois, à extrema dominação do Windows. Vantagensiniciais de mercado ou de percepção da superioridade de uma tecnologia podem expandir-se exponencialmente, permitindo o estabelecimento de posições dominantes no mercado.Isso se aplica, também, aos casos em que haja efeitos de rede, ou seja, em que o númerocrescente de nodos aumenta muito a vantagem da associação a uma rede.

É interessante notar que, no domínio puramente teórico do pensamento econômico,redescobriu-se, mais ou menos recentemente, a questão da concorrência monopolística,

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primeiro tratada matematicamente por A. Cournot (1838), que antecipou noções doequilíbrio de J. Nash, em teoria dos jogos, e J. Bertrand, quase meio século mais tarde.Ambas as formulações foram vistas como casos teóricos interessantes, mas não tinhamaplicação à problemática do crescimento econômico. Nos anos 30, sobre o fundo sombrioda Depressão, o tema seria retomado por J. Robinson e E. Chamberlain e recentemente,entre outros, por Avinash Dixit e Joseph Stiglitz. Romer, porém, situou o quadro teóricodo papel da tecnologia na perspectiva da concorrência monopolística, que passou a serentendida como o caso geral, não como uma exceção levantada por mero interesse deidéias, o que pode ser resumido com simplicidade. A ortodoxia neoclássica presumiauma economia em que a concorrência dar-se-ia basicamente por meio dos preços, demodo que a empresa mais eficiente tenderia a dominar o mercado. Essa, no entanto, nãoé a realidade observável. Em vez de um grande mercado indiferenciado, o que se vê é ummercado em que cada participante procura diferenciar sua posição, vale dizer, o seuproduto, por meio de qualidade, características tecnológicas, marca, propaganda, lealdadedo consumidor etc. Preços, obviamente, não perdem de todo a importância, mas, à medidaque os produtos aparecem como diferenciados aos olhos do comprador potencial, ovendedor procura diferenciá-los até o ponto em que aquele pensa estar diante de umobjeto único e específico, que responde idealmente à sua demanda.

A concorrência monopolística é característica de mercados em que os produtos sãoheterogêneos (ainda quando similares, não idênticos) e em que os produtores (em númerorelativamente grande) encontram razoável, mas não perfeita mobilidade de recursos,detêm considerável, mas não completa informação, e competem, pelo menos em parte,por meio da diferenciação dos produtos, pelo que conseguem exercer alguma influênciasobre os preços, graças à publicidade e à formação de lealdade das marcas. O caso, comose vê, é muito geral. Talvez metade da produção mundial provenha de firmas que operemem condições competitivas monopolísticas.

É importante entender-se essa questão em função da perspectiva tecnológica. Adiferenciação de produtos dá-se segundo três possíveis maneiras: diferenças físicas;diferenças percebidas basicamente pelo consumidor; e serviços de assistência e suporteoferecidos. Um bem, produto ou serviço, pode ser diferenciado para determinadoconsumidor, segundo as características que apresentam, tanto o bem, em si, quanto ocliente potencial. Artigos de moda, roupas, sapatos, objetos de decoração e de arte,perfumes, músicas, programas de televisão, cinema ou teatro, diversões outras, livrossão, via de regra, objeto de demanda extremamente específica, enquanto alimentos básicos,combustíveis e energia elétrica, por exemplo, em geral, respondem a preferências maisou menos difusas.

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Inovação

Inovar significa, de modo geral, simplesmente criar algo antes não existente; mas,no sentido técnico e econômico, consiste em criar um novo objeto ou processo, medianteestudo e experimentação (definição da Princeton University) — em outras palavras, éalgo que adiciona valor ao sistema; não é preciso entender valor só na acepção do mercado,mas este é o critério hoje totalmente dominante, inclusive porque oferece critérios objetivos(algoritmos, digamos) que permitem formas objetivas de quantificação; sem o que,estaríamos num domínio puramente abstrato, uma vez que modos de fazer, em termosgenéricos, são potencialmente infinitos (e quem trabalha no assunto, no Brasil, conhece ofenômeno do Professor Pardal, que reclama apoio oficial, muitas vezes com apoio depolíticos locais, para invenções e descobertas que acredita ter feito). Portanto, no nossosentido, inovação é o novo objeto ou processo que agrega valor econômico ao sistema.Essa conceituação é teórica e praticamente muito importante, porque marca o divisor deáguas, a partir dos anos 70, entre as concepções mais eficientes e avançadas (p. ex., dosEUA e do Japão) e as mais tradicionais que ficaram para trás (europeus e brasileiros),como vamos ver adiante. Nas próximas palestras, vamos tratar mais detidamente dealguns aspectos de inovação e tecnologia.

Tecnologia, em si mesma, é um conceito bastante difuso. Para uma análise maissegura, e para efeitos práticos, é evidentemente necessário poder medir aquilo de que setrata. Mas como medir tecnologia? Por algum critério de avaliação dos insumos que sãousados na produção do conteúdo tecnológico de determinado bem ou serviço? Isso talvezpossa ser feito, a título parcial, em relação a alguns processos produtivos concretos (v. g.,

no âmbito de setores de uma fábrica), mas seria muito difícil estabelecer princípiossuficientemente aceitáveis e não-ambíguos. Essa é uma das razões pelas quais, durantetanto tempo, o pensamento econômico não diferenciou o papel específico da tecnologiano processo produtivo. A partir dos anos 70, o centro de gravidade do interesse deslocou-se para o conceito (de resto, não propriamente novo) de inovação. E é fácil explicá-lo comsimplicidade: inovação é a mudança das características de um produto ou processoprodutivo que crie valor adicional (genericamente, como refletido nos preços de mercado,embora seja possível postular-se algum outro critério quantificável: trata-se de uma questãode conveniência, não de teoria).

A simplificação da medida por meio dos preços obtidos no mercado elide inúmeraspossíveis questões de insondável complicação e permite entender facilmente por quedeterminada tecnologia pode ser preferível em certas circunstâncias, não em outras.Naturalmente, preços não constituem um critério absoluto. Outros fatores podem ter deser levados em conta e, sem dúvidas, à autoridade pública cabe intervir dado o caso, seoutros valores de interesse geral, como saúde, meio ambiente, referências morais etc.,

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estiverem em jogo. O paradigma deslocou-se, assim, do conceito tradicional da pesquisae desenvolvimento (P&D), com seu caráter cumulativo simples, para o de inovação, queé a combinação específica de todos os meios, inclusive tecnologia, mas tambémorganização, gestão, finanças e marketing, para a criação de valor agregado. Não é oconhecimento, em si, mas o conhecimento ponderado por um fator preço, conforme aavaliação do mercado. É interessante observar-se que o conhecimento tecnológico formalse estima não representar muito mais do que 50% do valor das inovações e que o processoé muito dinâmico. O conhecimento sob a forma de patentes, por exemplo, tende adepreciar-se a uns 20% a 30% ao ano e tem de ser continuamente recompletado. Os custose a insegurança, que são enormes, levaram à criação de novas formas de cooperação egestão do conhecimento, em particular, à grande multiplicação de alianças estratégicas(90% delas, aliás, entre firmas americanas, européias e japonesas).

A nova ótica (v.g., modelos de Rosenberg e Kline, Pavitt etc.) passou a enfatizar osfeedbacks recíprocos entre as fases downstream (isto é, market-related) e upstream (isto é,technology-related) da inovação, o papel central do desenho industrial e as numerosasinterações entre ciência, tecnologia e outras atividades innovation-related, dentro das firmase entre elas (modelos interativos).

O deslocamento do paradigma tecnológico despertou contínuo interesse naidentificação e avaliação quantitativa do conhecimento, em especial, do seu valor demercado contrastado com o seu valor social e dos resultados econômicos da inovação,para o que contribuiu o desenvolvimento de técnicas estatísticas cada vez mais refinadas.Uma ampla pesquisa econométrica da OCDE baseada em regressões entre países e entreindústrias, concluída em 1996, abrangendo as economias mais altamente industrializadasdo mundo (G-7, mais a Austrália, a Dinamarca e Países Baixos), focalizando aprodutividade total dos fatores (TFP), revelou, por exemplo, que as taxas de retorno daPesquisa e Desenvolvimento, para a indústria, foram, na média, de 15% ao ano duranteas décadas de 70 e de 80, com tendências a crescer, mas com algumas desigualdades nosanos 80, de 40% no Japão e de 30% no Canadá. A P&D embutida mostrou resultadosainda mais altos: a tecnologia embutida em fluxos de bens de capital acusou um retornomédio de 130% nos anos 70 e de 190% nos anos 80. O cluster das indústrias de informaçãoe comunicação (ICT) exerceu um papel particularmente importante na geração e aquisiçãode novas tecnologias.

Falamos anteriormente nas vantagens relativas dos Estados Unidos e do Japão diantedas economias européias, pela ampla interatividade entre a pesquisa pura, a aplicada, aindústria e as demandas do mercado. É interessante ressaltar que, em ambos os países, hápontos de semelhança e outros de divergência. Nos Estados Unidos, esse processo foi, emgrande parte, espontâneo, não induzido pelo governo (embora a coordenação da pesquisa

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e da produção industrial/militar durante a Segunda Guerra tenha constituído um forteestímulo). Mas o planejamento, na medida em que existiu, foi principalmente impelidopelas grandes empresas privadas (se bem que os enormes programas de P&D apoiadospelo governo tenham produzido consideráveis spin-offs para o setor privado. Um especialistaamericano, Gavin Wright, considera que boa parte do êxito dos Estados Unidos deriva deuma disposição, sociocultural, para funcionar espontaneamente em rede (o que levou, porexemplo, à inovativa criação da engenharia química no final do século XIX). No Japão,sociedade bem mais coesa do que a americana, o Estado teve um papel central desde oimediato pós-guerra, com o sistema do Ministério do Comércio Internacional e da Indústria(Miti) e de seu órgão de tecnologia industrial. O Miti empreendeu análises estratégicas,promoveu programas de pesquisas de longo prazo, deu apoio a projetos de cooperaçãointernacional de R&D, ajudou a formação de joint-ventures como meio de acesso a tecnologiae funcionou como uma rede de apoio para as empresas japonesas (as quais tinham a facilidadeda formação de grandes conglomerados). Em ambas as sociedades, a capacidade de focalizarobjetivos sem interferências corporativistas foi decisiva.

Informação e Conhecimento

Informação e conhecimento são conceitos inextricavelmente ligados à idéia detecnologia. Um “modo de fazer” só muda quando se introduz alguma informação nova,ao precedente conjunto estruturado, isto é, ao conhecimento. Informação é, pois, a unidademais elementar a que podemos nos referir. Sua exploração teórica é recente: C. Shannon,em 1948, estudando a transmissão de mensagens num canal com ruído, desenvolveu aprimeira teoria da entropia verdadeiramente matemática, aplicando-a à teoria dainformação. Esta passou a ser entendida com redução da incerteza, isto é, da desordemdo sistema, uma noção parecida com as da termodinâmica (a medida da entropia deShannon é tomada como a medida da informação contida na mensagem, em oposição àparcela desta que é determinada pelas estruturas inerentes do sistema, da linguagemetc). Tecnicamente, podemos dizer que a informação é uma função decrescente daprobabilidade. Quanto menos provável o evento, maior o conteúdo de informação quandoacontece. Se p é a probabilidade do evento antes de a mensagem ser recebida, então oconteúdo da informação é I= log(1/p). Em geral, exprime-se sob a forma teórica maiselementar imaginável, o bit, que requer a mínima quantidade de energia que se possapensar para transmitir o seu conteúdo como mensagem. Mas têm sido propostas medidaspara quantificar a informação disponível.

Apenas a título de ilustração, mencionaríamos, entre essas propostas, um projetode pesquisas da Universidade de Berkeley, sob a direção de Peter Lyman e Hal R. Varian,que desde 2000 vem levantando a geração de informação nova no mundo, e que chegouà conclusão que, em 2002, haviam sido criados cerca de 5 exabytes de informação nova

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sob a forma de impressos, filem, e gravado em meios óticos e magnético (um exabyte é1018 bytes, ou 1 bilhão de gigabytes). Essa descomunal cifra corresponde a 37 mil vezes oconteúdo dos 19 milhões de livros da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. Issoequivale a quase 800 MB de informação armazenada por pessoa no mundo. A informaçãoque transita por canais eletrônicos (telefone, rádio, televisão e Internet) é estimada emquase 18 exabytes em 2002, 3,5 vezes o montante de informação armazenada. Estima-seque os Estados Unidos gerem cerca de 40% de toda a informação nova armazenada. Háoutras estimativas e os métodos não são necessariamente intercompatíveis. A empresaIDC, de pesquisa tecnológica, estimando, para 2006, o conteúdo total de fotos, e-mails,vídeos, páginas da Web, mensagens instantâneas, ligações telefônicas e mais conteúdodigital, chegou a um total de 161 hexabytes de informação produzida. São cifrasastronômicas: observe-se que a capacidade do cérebro humano, estimada por Thomas K.Landauer, cientista dos Bell Labs, é pouco superior a 200 MB.

Informação processada, classificada e interligada é a base do conhecimento. E, comonotamos, característica mais saliente deste é seu caráter cumulativo, que dá a impressãode ser geométrico. Nos últimos 300 ou 400 anos, tomou uma forma aproximadamenteexponencial, que se pode observar hoje de maneira muito nítida. Um inglês típico demeados do século XVIII provavelmente não estaria exposto, ao longo de toda a sua vida,ao volume de informação que se contém hoje em uma edição diária do New York Times. Oprimeiro periódico científico de que se tem notícia, Philosophical Transactions of the Royal

Society of London, foi publicado em 1665. Derek Price, num trabalho pioneiro de há quase30 anos, apresentou evidências de que a literatura científica vinha dobrando, a cada 20anos, ao longo dos últimos três séculos. Em 1750, havia dez periódicos científicos; forammultiplicados por dez a cada meio século, dobrando a cada 15 anos; uma taxa decrescimento espantosa. O número de livros e artigos publicados entre 1980 e 2000 é iguala toda a literatura científica desde o começo da escrita até 1980. Além disso, estariamvivos agora 80% a 90% de todos os cientistas que jamais viveram em todos os tempos.Segundo Price, em 1800, haveria uns 1.000 cientistas individuais; em 1850, 10.000; em1900, uns 100.000; em 1950, 1 milhão; e em 2000, seriam (não há ainda dados concretospara confirmar), 10 milhões.

Estamos diante de números tão espantosos, que excedem até nossa imaginação. E,com isso, está-se gerando uma nova categoria de problemas, a que alguns se têm referidocomo sobrecarga (overload) de informação. A capacidade humana (a começar pelaslimitações do cérebro) para ter acesso à informação relevante está ficando cada vez maisrestrita. É preciso filtrar, processar, classificar, armazenar e recuperar quantidades crescentesde dados. Isso está dando origem a um conjunto de tarefas especializadas, executadascoletivamente, possivelmente com a ajuda de meios informáticos de busca. Mas, como

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vão cada vez mais além da capacidade dos indivíduos, requerem métodos cada vez maiscomplicados, cuja operação é sempre difícil de avaliar. A essa necessidade, a resposta temsido o desenvolvimento de métodos heurísticos, que vão do simplesmente prático uso deveículos especializados, como jornais, consultorias e outros meios do interesse específicode setores econômicos, grupos e pessoas, até a pesquisa teórica de algoritmos cada vezmais complexos. Dessa situação, resulta que tanto os empresários, as burocraciasgovernamentais etc., quanto até mesmo as mais rotineiras tarefas de Pesquisa eDesenvolvimento exigem formas de organização ultra-especializadas, para identificar omais rapidamente possível informações potencialmente prioritárias, evitar duplicaçãode esforços (p. ex., em linhas de pesquisas e em patenteamento e outras formas de proteçãodo conhecimento).

Como regra, as sociedades sempre procuraram identificar as modalidades deinformação, e do conhecimento, que julgavam críticas para a defesa do seu bem-estar ede sua integridade. Não se tratava, porém, de uma visão contemporânea, com base crítica.Na maioria das vezes, tais modalidades correspondiam a interesses ou idiossincrasias degrupos política ou economicamente dominantes. Antes do Séc. XIX, não foram raros oscasos de governos que procuraram impedir a exportação, ou promover a importação, deconhecimentos: por exemplo, Veneza, ao punir severamente a divulgação dos segredosdo fabrico do vidro, e a Inglaterra de Henrique VIII, ao atrair metalurgistas alemães. Poroutro lado, antes da segunda fase da Revolução Industrial e do aumento da complexidadee rivalidade industrial e tecnológica européias, não haveria uma idéia definida do queteria de ser defendido e como. A idéia de propriedade intelectual, no entanto, érelativamente nova, embora o copyright (o direito de cópia) haja-se originado na Inglaterra,na segunda metade do século XVII — não sem razão, porque era a sociedade política eintelectualmente mais amadurecida da época. A história das patentes é ainda menosclara, por estar muito ligada a privilégios de comércio ou produção concedidos adeterminados indivíduos; mas já no século XV se conhecem exemplos de privilégios demanufatura. E no final do século XIX, já se havia chegado ao ponto do estabelecimento deatos internacionais.

Entretanto, por mais que se começasse a compreender o valor econômico doconhecimento em si, isto é, não necessariamente embutido num substrato material (comouma máquina), à medida que o eixo da economia se deslocava, em ritmo crescente, daprodução de bens materiais simples, para a produção de bens, materiais ou imateriais,aos quais se agregava um conteúdo cada vez maior de conhecimento, a quantificaçãoefetiva desse valor continuaria, até depois da Segunda Guerra, demasiado arbitrária eincerta. Nos centros econômicos mais avançados, surgia, por outro lado, uma preocupaçãonova com o valor dos ativos intangíveis. Só relativamente há pouco tempo é que começou

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a generalizar-se nos meios de negócios e nas suas esferas de influência política acompreensão da importância econômica dos ativos intangíveis por contraste com ostangíveis. Na verdade, o ponto de inflexão se situa por volta de 1985, quando a moedaamericana é estabilizada por ação internacional conjunta e se anuncia a Rodada Uruguaido GATT.

Uma óbvia avenida nesse domínio seria proporcionada pela crescente divulgaçãode dados contábeis e bursáteis. K. E. Sveiby desenvolveu, primeiro na Suécia, uma análiserefinada da relação entre intangíveis e tangíveis e analisando as grandes companhiascotadas em bolsa do índice Dow Jones, desde os anos 20, chegou à conclusão de que osintangíveis, embora variando com a conjuntura, podiam chegar, em média, a duas a trêsvezes o valor dos ativos materiais, pelo que o valor em bolsa podia ser muito superior aoPL apurado em balanço. Uma parcela, que pode ser muito significativa no caso de empresasde alto nível tecnológico (v.g., na de informática, microeletrônica, farmacêutica etc., emque pode superar 10 para 1), é constituída por propriedade intelectual: patentes, marcas,direitos de uso ou execução etc. Ou seja, os direitos estão ficando cada vez mais descoladosdo seu substrato material de início.

Em fins de 1995, as 500 companhias listadas no Standard and Poor, que representamcerca de 70% das companhias transacionadas em bolsa (o universo das açõestransacionadas chega a 16 mil) nos Estados Unidos, tinham ativos fixos estimados em 1,2trilhão, ao passo que seu valor de mercado, em bolsa, chegava a US$ 4,6 trilhões. A diferençade US$ 3,4 trilhões correspondia a intangíveis, em última análise, o valor da informaçãocontida, sob todas as formas (inclusive propriedade intelectual), nessas empresas.Extrapolado para o conjunto das empresas em bolsa, daria US$ 4,9 trilhões (para um PIBentão de US$ 7,4 trilhões). Um elemento complicador é o chamado efeito de crescimentodo valor versus o valor tangível, ou patrimonial, das firmas, que passou a ter grandeimpacto nas bolsas. A diferença entre o market value e o book value das empresas (estudado,p. ex., por K. E. Sveiby) mostra, no período 1920-1995, duas características interessantes:forte sensibilidade cíclica, acompanhando a conjuntura, e tendência a crescimentopersistente: em 1920, era 87%, em 1928 (ano de grande atividade nas bolsas) chegou a240%, caiu a -27% em 1932, voltou a 100% em 1964-65, baixou para 2% na crise de 74-75,ficou negativa entre 78 e 81 e atingiu 282% em 1995. Esse extraordinário prêmio dadopelo mercado reflete sua percepção do valor do conhecimento, englobando o seucomponente de P&D, embora também outros elementos intangíveis.

Vê-se, assim, a progressiva morfose do domínio abstrato da informação e doconhecimento no da tecnologia e desta para a inovação, para o espaço mais difuso dovalor econômico, mensurável por meio de mecanismos competitivos de mercado. E asenormes dimensões do esforço dos Estados nessa matéria não são explicáveis apenas por

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considerações políticas de defesa externa ou de ambição intelectual. Em 2000, ano para oqual temos dados razoavelmente mais completos, o total dos gastos com pesquisas foi deUS$ 603 bilhões em Parcerias Público-Privadas (PPP), dos quais os Estados Unidosparticiparam com 44% (US$ 265 bilhões); agregando-se China (US$ 50,3 bilhões), Rússia(US$ 10,6 bilhões), Israel (US$ 5,6 bilhões) e Brasil US$ 4,6 bilhões), Argentina (US$ 1,3bilhão), Chile e Colômbia (respectivamente US$ 0,4 e 0,2 bilhão), tem-se um total deUS$ 676 bilhões. Os países que ficam fora dessa estatística não representam mais que 4%a 5% do total mundial. Nesse ano, o PIB mundial correspondeu a US$ 44,236 trilhões PPP(US$ 31,426 trilhões a câmbio corrente) e as 29 economias mais avançadas participaramcom 55,5% do total (EUA, 21,1% e área do Euro, 15,9%). O Brasil já mostra uma participaçãonão-residual, em torno de 0,7% do total, abaixo, porém, da proporção da sua economiano Produto mundial (2,8%). Nos 12 países mais representativos, a parcela da indústria nototal dos gastos com P&D superou folgadamente a do setor público.

Não é difícil entender o foco cada vez mais intenso das maiores potências econômicasna institucionalização e consolidação internacional das normas jurídicas e dos direitos edeveres relacionados com a propriedade intelectual. É que, enquanto setor econômico,esta está se projetanto com importância dominante. A título de ilustração, considere-seque nos Estados Unidos, a economia líder do mundo nesse campo, apenas o setordesignado como total copyright industries (que não inclui marcas e patentes, p. ex.) contribuiu,em 2005, com 11,12% do Produto Interno, sendo, assim, de longe, o de maior peso naeconomia; e vem crescendo ao dobro da taxa da economia. Como um todo, a tecnologiavai convergindo cada vez mais para um valor de mercado, num circuito complexo, emque feedbacks recíprocos dão-se desde o nível e a orientação da pesquisa pura, até arranjosprodutivos específicos, locais, nacionais e internacionais e estratégias concorrência e decomercialização.

Globalização, informação e tecnologia

Os fenômenos referidos hoje sob o termo globalização são freqüentemente pensadoscomo de natureza física, tal como a circulação de produtos e pessoas em escala mundial.Isso, de fato, se dá, mas a globalização precisa ser entendida sobretudo como um processode informação, numa escala jamais imaginável até faz pouco mais de meio século. Emverdade, pode tomar-se a invenção do transistor, em 1947, como uma referênciaexcessivamente teatral, mas inaugurou a era eletrônica e, com esta, a Revolução daInformação e das Comunicações, que alguns preferem chamar de Terceira RevoluçãoIndustrial.

As novas tecnologias possibilitaram quatro mudanças radicais simultâneas: acomunicação interativa, ubíqua, instantânea e universal. A comunicação instantânea entre

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pontos fora alcançada no século XIX com o telégrafo elétrico e o telefone. A comunicaçãouniversal instantânea de um ponto a muitos foi viabilizada na primeira metade do séculoXX pelo broadcasting (Rádio e Televisão); os circuitos integrados miniaturizadosmultiplicaram extraordinariamente a capacidade dos sistemas e as redes (p. ex., a Internet),permitiram integrar feedbacks em tempo real. Permitiram ainda o enorme desenvolvimentode técnicas de controle, o desenvolvimento de robôs e a interatividade generalizada emescala planetária, que as redes de satélites artificiais tornaram universal e muito eficiente,permitindo localização precisa sobre toda a superfície terrestre, observação contínua destaem tempo real, transmissão de imagens cada vez mais minuciosas, graças à crescentedisponibilidade de largura de banda.

Isso tornou possíveis formas descentralizadas de controle de processosorganizacionais e produtivos, em boa parte automatizadas, praticamente instantâneas,dispensando pesadas estruturas burocráticas em pirâmide. Passou a ser viável oferecerao público escolhas individualizadas, mesmo em produtos tradicionalmente típicos decadeias de montagem (v.g, modelos de automóveis individualizados), manter controlecontínuo de estoques, contabilidade etc., em alguns casos, diretamente de computador acomputador, sem intervenção de funcionários. Isso pode dispensar controles financeirose administrativos de empresas dominantes sobre as periféricas (partes automotivas,farmácias, postos de gasolina, supermercados etc.). O impacto das inovações sobre osetor de serviços é incalculável: desde intervenções cirúrgicas ou diagnósticos a distância,a uma formidável expansão das mídias, das atividades de lazer, da educação, da consultoriae serviços técnicos etc.

A empresa é tradicionalmente a unidade de organização das atividades econômicas.Até muito recentemente (e especialmente no período 1930-1980), a sua identidade e seucampo de ação eram definidos e circunscritos pela inserção num espaço nacional soberano,dentro de regras determinadas essencialmente por autoridades domésticas. A empresaera uma forma de organização local, geograficamente explicitada. Essa condição deixou,no entanto, de ser tecnologicamente necessária na nova economia internacional dainformação digitalizada. Hoje, é literalmente possível organizar uma empresa sem sede,para um único negócio, se for o caso: por exemplo, financiamento alemão, gerenciamentocontábil sueco, operações comandadas de Chicago, logística suíça, sede física nas IlhasSeychelles. O negócio, assim, tende a ser o ponto focal da atividade e o todo pode ser umempreendimento, antes do que uma empresa. Curiosamente, há nesse quadro algo quelembra o início das atividades mercantis, quando uma embarcação era armada para umaúnica expedição, ao fim da qual os lucros e perdas realizados eram apurados e a atividadeencerrada, até que nova expedição comercial fosse organizada.

No pós-guerra, o ininterrupto e acelerado crescimento do comércio internacional

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de bens e serviços resultou na elevação contínua da relação da exportação e importação/Produto Bruto: desde 1948, à taxa média de 6% ao ano, enquanto o Produto o tem feito a3,7%. No ano 2000, essa participação atingiu perto de 45% do Produto mundial.

Nesse mesmo período, as empresas transnacionais tiveram um enorme aumentode participação no comércio e no Produto mundiais. As companhias que, nos temposmercantilistas, desde o século XVII, exploravam monopólios de comércio nas regiõescoloniais com privilégios oficiais, eram extensões do poder do Estado e não podem sertidas por precursoras exatas dessas atuais empresas, que constituem um fenômenorelativamente recente, seja pela natureza, seja pela escala. Essas empresas, que eram poucase tinham um papel relativamente discreto até os início dos anos 70 (quando eramaproximadamente 7 mil, são hoje 64 mil, com 860 mil filiais. As 100 maiores EmpresasTransnacionais (ETN) não-financeiras possuem hoje US$ 2 trilhões de ativos no exterior,onde empregam 40 milhões de trabalhadores, concentram-se nos setores elétrico eeletrônico, automobilístico, petrolífero, químico e farmacêutico, aqueles que reúnem omaior conteúdo tecnológico. As vendas de suas filiais somam US$ 14 trilhões (mais dodobro do comércio internacional) e a sua produção internacional geral cerca de 1/10 doPIB mundial). A aceleração do crescimento deveu-se, em parte, à liberalização regulatóriados anos 90 em quase todas as partes. Entre 1982 e 1999, as vendas de filiais estrangeirasaumentaram 5,5 vezes (para um total de $ 13.560 bilhões), os ativos 9,4 vezes, (para umtotal de $ 17.680 bilhões) e as exportações 5 vezes (para um total de $ 3.167 bilhões).

Essa tendência globalizante refletiu-se também no rápido crescimento dainterdependência tecnológica durante os últimos 15 a 20 anos, com a utilização de acordose outras formas de transferência cruzada de tecnologia entre empresas e com parcelassignificativas da pesquisa sendo realizadas fora dos países de origem (14% no caso dosEstados Unidos, perto de 20 % no da Europa e quase 10% no do Japão).

Pode-se dizer, na verdade, que os avanços no terreno da informação e dascomunicações fizeram com que as variáveis mais relevantes tendessem a convergir,formando um desenho econômico comum, tecnológico e sociocultural globalizado. Masesse processo é liderado pela ciência e pela tecnologia, as quais, por sua vez,desenvolveram-se a partir das premissas de racionalidade operacional e liberdade deindagação, firmadas na lógica interna da civilização européia. Tais premissas estão hoje,bem ou mal, integradas no tecido econômico contemporâneo em escala mundial,sobretudo diante das atuais necessidades operacionais (como usar máquinas, meios detransporte e de comunicação, organizar atividades produtivas complexas, aplicarconhecimentos científicos à saúde, à agricultura e assim por diante — e, é claro, armas eequipamentos militares). Deve ter-se em conta, portanto, que a globalização financeira,comercial, produtiva, tecnológica, política e, por via de conseqüência, também social ecultural, com reflexos políticos na difusão mundial da democracia representativa, na

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realidade, constitui um único processo de abrangência universal que, de certa forma,repete tendências que se observam desde o século XV.

Bens intangíveis e Propriedade intelectual

Embora privilégios e proteção de segredos de produção sejam antigos (p. ex., Venezapunindo com a morte quem contrabandeasse o segredo da fabricação do vidro), só naInglaterra do século XVII é que se estabelece o conceito de copyright para proteger autores.Mas desde meados do século XIX, o eixo da economia começou a deslocar-se, em ritmocrescente, da produção de bens materiais simples para a produção de bens, materiais ouimateriais, aos quais se agregava um conteúdo cada vez maior de conhecimento. Noscentros econômicos mais avançados, surgiu, também, uma preocupação nova com ovalor dos ativos intangíveis. A proteção de marcas também se daria por essa época. Comose sabe, o primeiro organismo de caráter internacional (no caso, intergovernamental) foicriado, há 120 anos, com a Convenção de Paris de 1883 para a proteção de criaçõesintelectuais na forma de propriedade industrial (então basicamente patentes) — da qualo Brasil foi um dos 14 membros. Essa foi a antecessora da Organização Mundial daPropriedade Intelectual (Ompi), ampliada pouco depois, em 1886, com a Convenção deBerna para a Proteção de Obras Literárias e Artísticas, sobre o direito autoral (que serestringia sobretudo a obras escritas; para execuções musicais e artes plásticas, a dificuldadede reprodução reduzia os riscos de apropriação). O desenvolvimento institucional foi, noentanto, paulatino até por volta de 1960. Em 1974, a Ompi (atualmente com 170 Estadosmembros) foi formada como gência Especializada da ONU.

Hoje, não há quem não tenha alguma idéia da importância das patentes, dos direitos,e outros e dos complicados conflitos de interesses que se formam tanto no plano domésticoquanto no internacional. E a cena tem-se volvido cada vez mais complicada, com noçõesde novos direitos (recursos genéticos, conhecimentos tradicionais, folklore). Em 1993, entrouem vigor a Convenção sobre Diversidade Biológica, que se propõe a assegurar umarepartição justa e eqüitativa dos recursos genéticos e conservar e sustentar a diversidadebiológica. Trata-se de um domínio no qual as fronteiras são bastante fluidas e as questõesfacilmente exageráveis pela mídia, e ideologizáveis — inflamadas, por exemplo, por casosde patentes farmacêuticas indevidamente concedidas nos países industrializados. Patentesfarmacêuticas constituem um óbvio tema para demagogia, mas as opiniões extremadascontra patentes e outras formas de proteção da propriedade intelectual pecam pelaincompreensão de que conhecimento requer custos para ser produzido e se deprecia(algo um tanto parecido com o capital físico). Há estimativas de que o custo de um novofármaco de real interesse requeira uma garimpagem entre 5 mil a 10 mil novas combinaçõesquímicas e fique, atualmente, acima dos US$ 800 milhões.

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Conviria um alerta sobre as ilusões que podem induzir uma visão qualitativaentusiástica difusa, freqüentemente infiltrada no discurso político da P&T. As instituiçõesacadêmicas constituem o grande viveiro da competência científica e um importantesupridor de pessoal de muito alta qualificação para a pesquisa aplicada e, em parte, paraas tarefas de desenvolvimento tecnológico. Mas não são, no mundo, a maior fonte deoferta de inovação e de aplicações tecnológicas. Uma interessante ilustração desse fatopode ser obtida dos depósitos e da concessão de patentes na maior potência industrial domundo, os Estados Unidos. As patentes (utility patents) pedidas pelas universidades, comoproporção do total geral de patentes, embora com uma visível tendência a aumentar, nãotêm passado de 1% a 2% e, em relação às patentes das empresas, têm estado entre 2% amenos de 5%.

Nessa matéria, infelizmente, a contribuição brasileira tem sido muito fraca. Em1998, por exemplo, de um total de patentes de 147.520, das quais 80.294 originárias dosEstados Unidos e 67.226 de outros países, o Brasil aparece em 28o lugar, com 74 patentese isso depois de um período de mais de quatro anos de considerável aceleração do esforçooficial de desenvolvimento da P&D no País, que elevou a participação da P&D no PIB dacifra média histórica de 0,6% a 0,7% para mais de 1,2%, o que, embora ainda não no níveltípico dos maiores países industriais, já nos coloca entre a Itália e o Canadá, ambosindustrialmente alcançados e membros do G-7. No que se refere a depósitos de patentesrealizados no próprio País, a situação brasileira é ainda menos satisfatória. Levantamentosrealizados pela Secretaria de Tecnologia Industrial do atual Ministério do Desenvolvimento,Indústria e Comércio Exterior, cobrindo os nove anos 1988-1996 (para os quais foi possívelencontrar informação adequada), revelaram que, de um total de 112.436, dos quais 54.251de não-residentes e 58.185 de residentes, as universidades do País entraram com 229 e oscentros e institutos científicos/tecnológicos, com 352. Nesse mesmo período, quatrograndes empresas estatais (Petrobras, CVRD, Furnas e Usiminas) fizeram 951 depósitos(5% do total correspondente às pessoas jurídicas). Das universidades, a USP e a Unicamp,ambas de São Paulo, representaram 62% do total, seguidas pela UFRJ, com quase 10%.

Todos aqui têm idéia das acerbas discussões que se dão em torno de patentes e depirataria e da duríssima pressão que os Estados Unidos exercem a respeito em todos osforos e bilateralmente. Por outro lado, é compreensível. Há 50 anos, apenas 10% dasexportações americanas dependiam de alguma forma de proteção de propriedade intelectual,ao passo que, hoje, a cifra passa dos 50% e as indústrias da propriedade intelectual (parausarmos uma expressão americana) são o maior setor da economia do País, em termos deProduto gerado (1/5 da contribuição do setor privado para o PIB), de exportações (2/5 dacontribuição dos produtos e serviços de value added) e de emprego (18 milhões). Nos

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Estados Unidos, país que concentra 45% da P&D do mundo, mais de US$ 265 bilhões noano 2001, todas as universidades de alguma importância possuem departamentos depropriedade intelectual que orientam professores e pesquisadores na matéria,especialmente de patentes e de direito autoral. A Association of American Universities ea Association of Research Libraries, com outros parceiros, há dois anos chegaram a umentendimento sobre os sistemas emergentes de publições universitárias, que têm comoum dos objetivos centrais orientar as partes sobre questões de propriedade intelectual,fair use etc.

A primeira sinalização oficial do interesse estratégico americano data de 1973-74,quando o Senado de lá realizou uma sessão com o objetivo de apurar se o país estavasendo mantido refém em outras áreas da economia. A Task Force que estudou o assuntoconcluiu que as formas de tratar a informação ou os produtos de informação “...diferemda aplicação das teorias da propriedade à matéria tangível”. Foi o ponto de partida parauma política interna e externa muito ativa na matéria, que levou ao Special 301, em 1988(legislação que estabelece retaliações econômicas contra países que violam direitos depropriedade intelectual americanos), e à campanha para incluir a propriedade intelectualsob as sanções do sistema internacional de comércio, o que foi feito com Agreement onTrade Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS), integrado à OMC em 1995,e é hoje uma das mais intensas áreas da ação dos Estados Unidos no cenário internacional.

A enérgica legislação americana autoriza as companhias domésticas, assim comoas filiais locais de companhias estrangeiras, a requerer à International Trade Commissiona proibição da importação de produtos que infrinjam direitos de propriedade intelectualamericanos. O processo é rápido, geralmente concluído em menos de 12 meses, e vemacompanhado de um remédio muito poderoso, uma vez que pode levar à proibição deimportação de classes inteiras de produtos, quaisquer que sejam as suas origens.Compreende-se, assim, facilmente, porque o governo americano exerceu um papel centralna longa Rodada Uruguai do GATT (a última das oito dessa organização criada no pós-guerra), um processo que se prolongaria de 1986 a 1994 e conduziria a duas inovações deenorme importância no cenário da economia internacional: i – a criação da OrganizaçãoMundial do Comércio, que passou a ter dentes, de mecanismos de sanção, em substituição aoGATT, que não os tinha (Acordo de Marrakesh, Marrocos, de 15 de abril de 1994); e ii – a adoçãodo TRIPS (Anexo 1-C do Acordo de Marrakesh), que pela primeira vez deslocou as questõesde propriedade intelectual do âmbito técnico negociado da Ompi para o do comérciointernacional, numa Organização, pela primeira vez na economia mundial, dotada depoderes de sanção. Em evolução simultânea, também a partir de meados dos anos 80, asempresas multinacionais passaram a mostrar-se cada vez mais diligentes e agressivas nagestão dos seus ativos de propriedade intelectual, assim como na reclamação da sua

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titularidade não apenas em relação a eventuais infratores, mas aos países de destino dosseus investimentos ou exportações de bens, serviços e tecnologia.

A linguagem do TRIPS é forte. No artigo 61, por exemplo, os países obrigam-se aestabelecer procedimentos criminais para, pelo menos, casos específicos de violaçãodeliberada de contrafação de marcas e pirataria de direito autoral em escala comercial e,além disso, de modo geral, em todos os casos de infração aos direitos de propriedadeintelectual, prevendo-se, também, o confisco e destruição dos produtos, materiais eimplementos usados para tais fins. Cabe ao Conselho do TRIPS monitorar o cumprimentodas obrigações do Acordo pelos Membros e permitir a consulta em matérias de propriedadeintelectual relacionadas ao comércio, o que se revelou a chave-mestra com a qual a área foiaberta para um novo sistema internacional voltado para o comércio mundial, liderado efortemente influenciado pelas grandes potências econômicas.

Intra-industry trade

A teoria padrão do comércio internacional, das vantagens comparativas formuladapor D. Ricardo há 188 anos), considerava apenas o comércio de produtos homogêneos(considerava que os produtos eram bem mais móveis através das fronteiras que os fatoresde produção: terra, trabalho e capital); assim, sob condições neoclássicas de concorrênciaperfeita, os preços seriam determinados pelas vantagens comparativas dos custos deprodução; mas Ricardo e os clássicos (e neoclássicos, em geral) focalizavam essencialmenteo comércio de produtos finais ou commodities; as transações intra-setores e indústrias nãotinham, então, maior significação, porque o transporte de partes, peças, componentes,produtos semi-acabados etc. — obviamente, sem se falar no complexo caso dos bensintangíveis (direitos, obrigações etc.) — teria de ser muito limitado pelas restrições logísticase, mais importante, de informação e comunicações. O atual avanço dos negócios intra-indústrias só é possível em uma escala tão elevada porque os meios de comunicação eprocessamento de dados operam de modo praticamente instantâneo, de modo que épossível controlar subsidiárias, filiais, e até firmas apenas clientes automaticamente, on-

line; e, naturalmente, aumenta-se o potencial oligopolístico das empresas; e, inclusivetecnologicamente, o processo de controle entre firmas não requer mais comando societário,apenas contratos geridos automaticamente por computadores.

Naturalmente, vantagens comparativas ainda constituem uma premissaparcialmente aceitável para o comércio intra-industry, uma vez que, em última análise, ospreços relativos são importantes para o conjunto da operação; depois da Segunda Guerra,o comércio mundial cresceu a mais de 6% ao ano, bastante mais rápido que o ProdutoBruto, que foi perto de 3,8%; como vimos, o comércio mundial multiplicou-se por maisde 26 vezes desde 1950. O comércio intra-indústrias representa hoje mais de 60% na

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Europa; nos países industrializados vai de 53,9% a 76%, exceto em alguns poucos: Japão,Coréia, Austrália, Nova Zelândia, Noruega, Grécia, Turquia, Islândia, onde vai de 20% a57,5%; em grande parte, essas transações transfronteiras dão-se intrafirma (ou related party

trade): as exportações intrafirmas correspondem, nos Estados Unidos, a 36,2% dasexportações e 39,4% das importações.

Comércio de compensação, counter-trade, off-set, barter

O comércio de compensação, i.e., de produtos contra produtos, sem passarnecessariamente por transações monetárias, não é propriamente novidade; existiu nascondições de comércio mais primitivas. Poderia parecer um tanto estranho que no mundoatual, apesar do gigantesco desenvolvimento dos meios monetários e dos intermediáriose instituições financeiros, formas de comércio de compensação, tais como, counter-trade,off-set e barter, tenham ganho espaço. Não é difícil explicar, no entanto, por que essasformas aumentam as possibilidades de transações em casos em que há restrições dosmeios usuais de liquidação. Começando nos anos 50, quando ainda era real o fenômenoda escassez de dólares, e continuando até os anos da década seguinte, quando já sentiaproblemas de balanço de pagamentos, o governo americano, por meio da CommodityCredit Corporation, até promoveu trocas diretas de produtos agrícolas por armazenarmateriais de interesse estratégico, ou outros bens e serviços do interesse de agênciasamericanas no exterior (v. g., o custeio das tropas americanas na Alemanha mediantevendas de armas a esta). Compensações ou off-sets tornaram-se comuns nas transaçõesintergovernamentais, em particular, nas referentes a armas – e também de equipamentospara países com dificuldades de pagamentos e, ainda, a pacotes compensatórios deinvestimentos. Isso tornou-se importante nas relações com os países em desenvolvimentomenos capazes de ter acesso a empréstimos de bancos comerciais. Concessões eempréstimos oficiais representaram 65% do financiamento aos países em desenvolvimentoem 1985-89, contra cerca de 35% em 1980-82. A American Countertrade Association estimaque, atualmente, 25% das exportações mundiais dão-se sob forma de barter. Nos EstadosUnidos, as normas contábeis e os impostos cobrados sobre operações de barter são pequenosse comparados com as operações comerciais ordinárias. Por sua vez, a criptografiaeletrônica permite disfarçar transações via straw countries, de modo que sistemasinformatizados e o uso de e-cash, ou outras formas de transferências eletrônicas, aumentema informalidade dessa forma de comércio.

Exclusão de acesso à tecnologia

Formas de exclusão de acesso a tecnologias e ao conhecimento científico, que sãoostensivamente justificadas por consideração de segurança nacional, mas certamente

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contêm fatores específicos de interesse econômico e político e não são muito diferentes decolocações mercantilistas. Controles da divulgação de informações estratégicas não sãopropriamente novidade. Desde a Primeira Guerra e, mais ainda, na Segunda, segredoscientíficos, tecnológicos e industriais passaram a ser guardados de forma sistemática,geralmente em função, entretanto, de necessidades militares específicas. Os regimesautoritários sempre demonstraram preferência pelo mínimo de divulgação sobre a situaçãointerna, estatísticas etc. No contexto da Guerra Fria, não só os países do Bloco Soviéticoprocuraram ser extremamente fechados, como, em especial, os Estados Unidos, a maiorconcentração mundial de Pesquisa e Desenvolvimento e de geração de tecnologias deponta, tentou impedir o acesso a certas pesquisas científicas e a muitos tipos deconhecimentos. Em conseqüência, a exportação de armas, de aparelhos científicos,computadores, de uma enorme gama de materiais e equipamentos avançados e dainformação científica e tecnológica correspondente passou a ser rigorosamente controlada.Hoje, esses controles estão a cargo do Departamento de Comércio e do Departamento deEstado e obedecem a dois critérios: i – segurança nacional e ii – proteção do comércio (oque pode entender-se como de interesses maiores da economia). Esse rigor se estendeinclusive à participação de estrangeiros em determinadas atividades de pesquisa, àassociação com empresas estrangeiras e à partilha de pesquisa com estrangeiros não-cidadãos e residentes não-permanentes.

Durante a Guerra Fria, em 1949, foi estabelecido o Coordinating Committee forMultilateral Export Controls (Cocom), com 17 países membros e seis cooperantes, daEuropa Ocidental mais a Turquia; em 1995 entrou em funcionamento, em seu lugar, oEntendimento de Wassenaar, com a participação de 34 países, entre os quais, a Argentina(não o Brasil), Rússia e alguns outros do ex-Bloco Soviético. As restrições a tecnologias deuso dual (na prática, quase todas de alto nível), que podem ser bastante severas, nãoimplicaram o desmantelamento dos controles dos Estados Unidos, apesar de ocasionaisreclamações das indústrias americanas. São nove categorias, mais uma sensível e outramuito sensível, além da de munições, que compreendem inclusive software de encriptaçãoforte, grandes computadores, máquinas-ferramentas de alta precisão, sensores muitosensíveis, máquinas com controle numérico, visores e tubos amplificadores de imagens,componentes de compostos fluorinados, certos tipos de laminados, materiais compostos,de polímeros eletrocondutores, certas ligas metálicas e cerâmicas, resinas e materiaisfibrosos, rolamentos, de eletrodeposição a vapor, lasers, vários tipos de circuitos integrados,microprocessadores e equipamento litográfico, de aparelhos de telecomunicações e desegurança de informações, equipamentos marítimos, câmeras de muito alta velocidade,certos equipamentos para pilotos automáticos e radares e de uso subaquático, criogênicos,para turbinas a gás e propulsão de mísseis etc.

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Embora se observe nas últimas duas décadas certa tendência ao relaxamento dealgumas exigências, as cansativas referências anteriores dão idéia de como qualquertecnologia realmente avançada pode vir facilmente a ser incluída numa lista de controlee, quando menos, submetida a complicados trâmites técnico-burocráticos, tornando difícil,por exemplo, a aquisição de um supercomputador. De qualquer maneira, tais controlessão complexos e difíceis de implementar bem, sobretudo quando governos não-democráticos promovem formas de espionagem e compra dissimulada de informação emateriais críticos. Por outro lado, entretanto, a globalização dos negócios e a universalizaçãodas comunicações e da informação, além das repercussões de mais longo prazo do fimdo antagonismo Leste–Oeste, evoluem no sentido de reduzir a abrangência e eficácia doscontroles de tecnologia, os quais, de resto, operam sobretudo no domínio estratégico dasrelações entre os governos dos países economicamente mais avançados e as suas grandesempresas, que, efetivamente, detêm o controle eficiente da tecnologia capaz de uso efetivo.

A evolução brasileira na competitividade tecnológica

O Brasil, que tinha uma longa tradição de tentar adotar fórmulas avançadas, foimuito rápido quando, meses depois do estabelecimento da National Science Foundationamericana, criou, em 1951, o CNPq e a Capes. Obviamente, centros de pesquisas, institutosde ensino, laboratórios e iniciativas governamentais na criação de indústrias de pontanão se perdem e, no caso brasileiro, centros de excelência reconhecidos foram implantadosem vários lugares. Por outro lado, o Brasil nunca se viu propriamente como um paísexótico: sua elite sempre se considerou uma extensão da Europa mas se retardou nocampo tecnológico e na resposta aos desafios da mudança da economia pelo bruscoaumento da competitividade e pela integração no sistema internacional de mercado. Osfatores que, a meu ver, oferecem as explicações parciais mais adequadas podem seragrupados em três categorias:

1. institucionais, herança de corporativismo, controle governamental, limitações deconcorrência e favores especiais;

2. culturais, legado de fatores culturais geralmente desfavoráveis ao pensamentooperacional em termos de custos/benefícios;

3. econômicos, o prolongamento excessivo das políticas de substituição de importações,cuja validade foi bruscamente cortada pela prolongada crise, começada com ospreços do petróleo, no fim de 1973, depois de um longo boom, de perto de seis anos.

Embora houvesse interessantes exemplos de pioneirismo (CNPq, em 1951, IPT, hámais de 100 anos, Butantã, Instituto Oswaldo Cruz, Embrapa, CPQD do sistema detelecomunicações etc.), a linha geral era equivocada: a industrialização por substituiçãode importações não estimularia naturalmente interesse em pesquisa e desenvolvimento.

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A liderança caberia ao Estado e, inevitavelmente, tenderia a haver um divórcio entre aoferta institucional, sobretudo acadêmica, e as demandas concretas do setor produtivo,que depende da integração do conhecimento no processo produtivo em função dasnecessidades competitivas. É praticamente unânime entre os especialistas nacionais eestrangeiros que analisaram o desenvolvimento e as políticas de P&D do País a opiniãode que, até por volta de 1995, existia um sério divórcio entre a estrutura e a orientaçãoinstitucional-acadêmica e as demandas da economia, em geral, e do setor produtivo, emespecial, com inexistência de um sistema de inovação industrial.

Por outro lado, há um caso notório de importante desvio de rumo na reserva demercado para a informática, iniciado por políticas ligadas a um grupo de militares do ServiçoNacional de Informações, que foi criada em lei aprovada pelo Congresso Nacional emoutubro de 1984, com prazo de vigência estabelecido em oito anos, caso único de políticasetorial regulamentada por lei e com término previamente estabelecido. Suaimplementação teve aspectos positivos e negativos. Entre os aspectos positivos destacam-se o rápido crescimento da indústria de informática nos anos 80, enquanto a indústria detransformação como um todo permanecia praticamente estagnada; a presença majoritáriade empresas nacionais; a significativa criação de empregos diretos (70 mil até 1989, dosquais 24 mil de nível superior); o elevado nível de gastos em P&D das empresas nacionais(cerca de 5% da receita líquida), em relação à média da indústria de transformação; e oelevado coeficiente de importações (18%) em comparação com a indústria detransformação como um todo.

Os aspetos negativos foram, porém, sérios: ausência de sinergias com outrasindústrias do complexo eletrônico, não-desenvolvimento da indústria de microeletrônica,desatenção quanto à capacitação em software e não-aplicação (ou aplicação apenas parcial)dos instrumentos previstos na lei de informática (incentivos fiscais, créditos, investimentos,compras do governo). Em segundo lugar, a falta de uma política de exportação, o queimpôs limites às possibilidades de ampliação de escalas. Em terceiro lugar, a subestimaçãodo ritmo e da intensidade da mudança técnica na indústria eletrônica. Por último, a não-seletividade da política, que superestimou a possibilidade de aparecimento de empresáriosinovadores e deu oportunidade, de fato, ao surgimento de empresários rentistas (rent-

seekers) na indústria de informática, à semelhança do que ocorreu na indústria detransformação de modo geral sob os esquemas de proteção da política industrial. Mas,além de tudo, deve-se mencionar a falta de uma posição política clara e de apoio daprópria área econômica do governo federal e a falta de apoio da sociedade à política deinformática. Em 1991 uma nova lei de informática foi aprovada no Congresso, confirmandoo fim da reserva de mercado para o prazo previsto (outubro de 1992), alterando o conceitode empresa nacional, de modo a favorecer maior participação de capital estrangeiro, e

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criando novos incentivos fiscais para a indústria de informática com contrapartida deinvestimentos em P&D de no mínimo 5% da receita líquida.

Na questão, houve interferências militares, cuja natureza não está clara, mas a noçãoda reserva de mercado revelou extrema desinformação teórica, na medida em que o setordigital foi entendido e tratado como se fosse um setor de bens físicos, e tendo a tecnologiacomo um objeto, comparável, digamos, à produção de tecidos ou alimentos enlatados.

Como quer que seja, o Brasil vem investindo recursos significativos na construçãode sua capacidade de ciência e tecnologia. Bolsas fundadas pelo sistema de C&T Federalaumentaram de 5.000 para 40.000 por ano. Somente o CNPq gastou em média mais deUS$ 500 milhões anualmente no treinamento de recursos humanos. Como conseqüênciadesse esforço, um sistema de C&T relativamente grande e uma variedade ampla deinstituições relacionadas a C&T e políticas evoluiu, após os anos 80, quando:

• o número anual de publicações científicas indexadas aumentou por um fator de 2,8de 1981 para 1995. O Brasil praticamente dobrou (de 0,44% em 1981 para 0,82% em1995) sua participação mundial no total de publicações indexadas. Somente 17 paísescontribuem acima de 1,0%;

• conseguiu elevar de 0,6% para cerca de 1,2% a parcela do PIB destinada à C&T;

• no final do século, uma série de iniciativas culminou na criação dos Fundos Setoriais,no projeto da Lei da Inovação e em atividades voltadas para a aproximação dapesquisa e tecnologia com o setor produtivo, inclusive o promissor, em tese;

• surgiu Programa de Estímulo à Interação Universidade – Empresa para Apoio àInovação, criado por meio da Lei no 10.168, de 29/12/2000, para estimular odesenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científicae tecnológica que intensifiquem a cooperação de Instituições de Ensino Superior ecentros de pesquisa com o setor produtivo. Os recursos recolhidos, conforme previstosna citada Lei, na Lei no 10.332, de 19/12/2001, e na Lei no 10.176, de 11/01/2001, serãogeridos sob a denominação de Fundo Verde-Amarelo (FVA).

• a Reunião Anual da SBPC é a maior reunião científica do Hemisfério Sul.

Esta breve exposição não é lugar apropriado para a formulação de conclusões.Contudo, cabe observar que a janela de oportunidade de um estilo de desenvolvimentoeconômico e tecnológico, que esteve aberta por mais de três décadas e permitiu, por exemplo,o desenvolvimento autônomo dos Tigres Asiáticos (e, na verdade, o grande surto deindustrialização por substituição de importações, no Brasil, de 1968 a 1979), está agorareduzida a uma fresta: as oportunidades de políticas nacionais positivas são parcial mascrescentemente cerceadas a alguns poucos setores pela Revolução da Informação e dasComunicações, pelas tendências da distribuição internacional dos investimentos e, em

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conseqüência, pelas políticas de P&D dos grandes grupos transnacionais e cada vez maispelas obrigações externas, tais como, as assumidas na OMC — que substituiu o GATT earmou com dentes afiados os seus mecanismos.

Trata-se, aqui, de mero juízo de fato, não de valor. No Brasil, como em partes do quejá se chamou de Terceiro Mundo, e ocasionalmente nos desvãos de intelectualidadesmarginalizadas dos países ricos, ouvem-se ainda objeções à economia internacional demercado, em nome de “um outro mundo é possível” (para citarmos o lema do fugazsucesso do Fórum Social Mundial de Porto Alegre). A utopia de moldar o mundo talvezseja inerente ao espírito humano.

De certo modo, o mundo retornou às perspectivas anteriores a 1930, quando osgovernos promoviam a educação, instituíam ou financiavam centros científicos e davamapoio a determinados avanços tecnológicos. As grandes potências (hoje, além dosEstados Unidos e da Rússia, a China e a Índia) levam a cabo enormes programas depesquisa e desenvolvimento, de interesse não apenas militar, mas também econômico— estado de coisas com uma ligeira fragrância mercantilista. Nenhuma sociedadeeconômica, porém, sequer as maiores potências, pode escapar ao enquadramento nosistema-mundo, cujo formato atual globalizado, com seu prêmio à competitividade,impulsiona certa universalização dos conhecimentos e competências. O centro degravidade está se deslocando das políticas de suficiência nacional em setores específicos,para a qualidade da educação e das instituições de P&D.

No caso especial do Brasil, o processo de ajustamento da economia à liberalizaçãoglobalizante, tal como feito nos anos 90, provocou uma considerável desnacionalizaçãodo controle das empresas brasileiras. Nas décadas de 70 e 80, cerca de 2/3 do faturamentodas 500 maiores do País estavam sob controle estatal ou privado doméstico. No começodo século XXI, perto de 46% das 500 maiores empresas do País estão sob controle decapitais externos. Esse processo, bastante generalizado, obviamente não constitui umaexclusividade nossa e é objeto, aqui, apenas de um juízo de fato, não de valor. O pontoa ressaltar é que as formas dirigistas aplicadas ao desenvolvimento econômico etecnológico só são hoje praticadas por governos anedóticos, em países sem maiorexpressão.

Não se trata, porém, de um processo que tenha chegado ao seu limite final. Ocenário científico-tecnológico não é estático e o seu dinamismo (em setores nos quaisnão-linearidades positivas estejam presentes) pode levar a movimentos expansivos nãonecessariamente circunscritos ao domínio oligopolístico das empresas transnacionais.Em campos como a biotecnologia, a informática, o software e os serviços, sobretudo nosrelacionados ao entretenimento (cuja importância econômica é cada vez maior), asvantagens de escala das grandes potências econômicas podem ser relativizadas e um

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país como o Brasil não está, de modo algum, fora do jogo — se não descurar a lição decasa. O jogo do desenvolvimento não se encerrou, mas foi transposto do domínio daintervenção direta do Poder para o de estratégias competitivas sob condições deincerteza, muitíssimo mais complexas e difíceis, cujas possibilidades de desenvolvimentopodem ficar estioladas na medida em que o sistema político privilegie questões locaisou imediatas, às custas dos problemas de grande abrangência e longo prazo.

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O CEBRI Tese é uma publicação semestral, cujo objetivo é dar maior visibilidadeàs teses de doutorado que abordam assuntos internacionais sob novas perspecti-vas. Cada volume traz uma introdução, a transcrição da apresentação da tese e dodebate subseqüente.

O CEBRI Notícias é uma publicação trimestral, com a função de informar à socie-dade a respeito das atividades desenvolvidas pelo CEBRI.

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