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REFLEXÕES ACERCA DAS CONTRIBUIÇÕES DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA LUTA PELA GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS
SOUZA, Lynara Ojeda1
MIGUEL, Katarini Dra.2
RESUMO: O presente artigo busca discutir, de forma teórica e reflexiva, a atuação dos movimentos sociais, entendidos, em linhas gerais, como grupo organizados em prol de justiça social, na efetivação e manutenção dos direitos humanos. Para tanto, propomos uma revisão bibliográfica sobre a evolução histórica, normativa e, principalmente, conceitual dos direitos humanos, relacionando com o papel determinante que os movimentos sociais exercem nesse processo. Buscamos ainda, preliminarmente, relacionar movimentos sociais, direitos humanos e comunicação, na tentativa de compreender os pilares importantes na busca pela inclusão social, pelo respeito à dignidade humana e pela garantia plena do exercício da cidadania. Palavras-chave: Direitos Humanos; Movimentos Sociais; Cidadania; Comunicação.
1 INTRODUÇÃO
O processo histórico brasileiro pela qual os direitos fundamentais foram criados nos
textos constitucionais e nas legislações contou com a efetiva participação da sociedade por
meio dos movimentos sociais. Os direitos humanos e fundamentais adquirem significado e
efetividade no processo da defesa da cidadania no Brasil, muitas vezes porque são
pautados pelos movimentos: grupos que assumem uma função mediadora no processo de
dar visibilidade aos temas sociais, tornando-se protagonistas na defesa da inviolabilidade 1 Jornalista, mestranda em Comunicação (linha de pesquisa: Linguagens, Processos e Produtos Midiáticos) do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), email: [email protected]. 2Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (linha de pesquisa: Linguagens, Processos e Produtos Midiáticos) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), e-mail: [email protected].
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da dignidade humana e do discurso contra-hegemônico; atuando de forma autoreflexiva,
conforme interpretam autores como Laraña (1999), Melucci (2001) e Gohn (2011).
Neste trabalho, fruto de um amplo levantamento bibliográfico para
desenvolvimento da dissertação de mestrado “O discurso do portal Campo Grande News
na cobertura jornalística sobre Direitos Humanos”3, reconhecemos que diversos avanços
no agendamento de temas urgentes na sociedade e a criação de diferentes mecanismos de
defesa dos direitos humanos se devem ao engajamento de movimentos que trabalham de
modo a contribuir para a visibilidade do tema, principalmente porque os meios de
comunicação tradicionais, que deveriam pautar e promover os debates sobre os assuntos
relacionados aos direitos humanos na sociedade acabam se furtando de exercer a função de
dar notoriedade a temáticas sociais e um lastro de sentido a essas questões.
Nesse sentido, buscamos realizar uma discussão teórico-reflexiva sobre o papel
desempenhado pelos movimentos sociais, com foco nos Novos Movimentos Sociais, na
consolidação dos direitos humanos, entendidos como processos provisórios de luta
(SANTOS, 1989; FLORES, 2009). E, preliminarmente, relacionar movimentos sociais,
direitos humanos e comunicação, na tentativa de compreender os pilares importantes na
busca pela inclusão social, pelo respeito à dignidade humana e pela garantia plena do
exercício da cidadania.
2 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Os direitos humanos e sua efetivação são temáticas recorrentes em nossa sociedade,
principalmente quando nos deparamos com acontecimentos violadores da dignidade
humana. Ao se pensar na luta histórica por direitos humanos, é possível defini-la como
uma busca pela alteridade, pela responsabilidade e compromisso com inviolabilidade do
outro (ARENDT, 2012; COMPARATO, 2010; PIOVESAN, 2007). Percebemos, assim,
uma necessidade da humanidade em identificar instrumentos ou mecanismos que
permitissem a garantia à liberdade individual, o ir e vir, o livre pensar, a livre manifestação
3 Pesquisa iniciada em 2016 no Programa de Pós-Graduação Mestrado em Comunicação da Faculdade de Artes, Letras e Comunicação (FAALC/UFMS).
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de idéias, enfim assegurar ao indivíduo a possibilidade de ser ele mesmo e de manifestar
sua presença no mundo.
Para Luño (1990, p. 48), os direitos humanos podem ser reconhecidos como “um
conjunto de faculdade e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as
exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humana, as quais devem ser
reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos a nível nacional e internacional”.
Assim, percebe-se que o ponto central dessa organização é a pessoa e a preservação de sua
dignidade.
É no período axial, que decorre entre o ano 800 a.C. e o ano 200 a.C., que a idéia de
igualdade entre todos os homens nasce. Porém, como assinala Comparato (2010, p. 24),
“foram necessários vinte e cinco séculos para que a primeira organização internacional a
englobar a quase totalidade dos povos da Terra proclamasse, na abertura de uma
Declaração Universal de Direitos Humanos, que todos os homens nascem livres e iguais
em dignidade”.
Desde o advento da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e
reiteração na Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, a sociedade ocidental
tem se organizado de modo a tentar compreender essa concepção como um conjunto
mínimo de direitos que cada ser humano possui baseado no respeito e garantia de sua
dignidade. É daí que decorre a importância dos direitos humanos no mundo
contemporâneo, bem como a incorporação do tema nos discursos e atividades por parte de
diversos segmentos da sociedade, principalmente governos, movimentos sociais e veículos
de comunicação.
O sentido de dignidade, igualdade e inviolabilidade da honra de todas as pessoas
passa a nortear todos os registros dos direitos humanos ao longo do tempo. Como na
Declaração do Povo da Virgínia de 12 de junho de 1776, que indica que a igualdade de
todos os homens é algo intrínseco a sua existência. “A busca pela felicidade, que foi o
paradigma da declaração de Independência dos Estados Unidos, é a razão de ser desses
direitos inerentes à própria condição humana, razão de ser imediatamente aceitável por
todos os povos” (COMPARATO, 2010, p. 38). Essa idéia de liberdade e igualdade é
retomada e reafirmada na Revolução Francesa, no artigo primeiro da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão quando afirma que “os homens nascem livres e iguais
em direitos”. Porém, como indica Comparato (2010), foi somente em 1948, com a
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Declaração Universal dos Direitos Humanos, que a idéia de organização e respeito de uma
vida comum e solidária entre os homens foi reconhecida.
Em Origens do totalitarismo, Arendt (2012), com base em seus estudos e vivências
durante e pós Segunda Guerra Mundial, defende que são as relações estabelecidas no
espaço público com os outros homens que vão garantir o caráter digno de sua existência.
Somente dentro da teia das relações humanas é que o indivíduo fará com que suas ações
atinjam o restante da comunidade e, assim, seus atos ganham relevância, sendo reflexos de
si mesmo. Para a autora, a dignidade de pertencer a uma comunidade traz consigo a
responsabilidade de se estabelecer uma humanidade comum e decente. Deste modo,
Arendt (2012) explica que os direitos humanos não são um dado, mas um constructo, uma
invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução que depende das
relações estabelecidas pelos indivíduos.
A autora reconhece a idéia de cidadania atrelada ao entendimento de que todos os
homens têm o direito de ter direito, para tanto a cidadania se fundamenta como um espaço
público e comum de construção e vivência coletiva. Assim, a vida em sociedade e o
respeito à dignidade continuam no centro do entendimento de direitos humanos.
Além disso, é preciso reconhecer que a chave para a compreensão histórica dos
direitos humanos está no entendimento de que eles sempre foram pensados e estabelecidos
a partir de grandes violências. Neste sentido, Piovesan (2014) complementa ao indicar que
os direitos humanos estão inseridos em um terreno de disputa simbólica: A ética emancipatória dos direitos humanos demanda transformação social, a fim de que cada pessoa possa exercer, em sua plenitude, suas potencialidades, sem violência e discriminação. É a ética que vê no outro um ser merecedor de igual consideração e profundo respeito, dotado do direito de desenvolver as potencialidades humanas, de forma livre, autônoma e plena. Enquanto um construído histórico, os direitos humanos não traduzem uma história linear, não compõem uma marcha triunfal, nem tampouco uma causa perdida. Mas refletem, a todo tempo, a história de um combate, mediante processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana (PIOVESAN, 2014, p. 337).
E Comparato reforça:
A compreensão da dignidade suprema da pessoa humana e de seus direitos, no curso da História, tem sido, em grande parte o fruto da dor física e do sofrimento moral. A cada grande surto de violência, os homens recuam, horrorizados, à vista da ignomínia que afinal se abre claramente diante de seus olhos; e o remorso pelas torturas, pelas mutilações em massa, pelos massacres coletivos e pelas explorações aviltantes faz nascer nas consciências, agora purificadas, a exigência
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de novas regras de uma vida mais digna para todos (COMPARATO, 2010, p. 50).
O que observamos é que a busca e defesa dos direitos humanos sempre surgiram
em terreno de lutas simbólicas, e tais direitos muitas vezes foram pensados somente no
decorrer de acontecimentos trágicos, fruto de extrema violência, como na Segunda Guerra
Mundial, que resultou na criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945, para
que assim fossem estabelecidas ações conjuntas entre os Estados para promoção e garantia
da paz. Foi a partir de então que surgiu a preocupação no sentido de elaboração de uma
Declaração de Direitos que definisse as diretrizes para reorganização dos Estados. E,
assim, no dia 10 de dezembro de 1948, tal documento foi aprovado, recebendo o nome de
Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Após a Segunda Guerra Mundial, os direitos humanos adquiriram uma força
autônoma culminando na massificação do processo de internacionalização desses direitos,
com instituições e corpos de leis específicos para sua garantia. Com as grandes tragédias
genocidas da guerra, essas instituições, em consonância com a sociedade civil, ganharam
proeminência e passaram a representar simbolicamente a luta pelos direitos humanos.
Igualmente, elas representaram o início de uma perspectiva de sociedade civil global
(SANTOS, 2013).
Para Comparato (2010), a criação e sua oficialização propiciaram a esses direitos a
sua expansão e aliada a isso, toda a concepção dos direitos humanos nascida basicamente
em dois países, Estados Unidos e França, foi transportada para outras realidades sociais
que se apoderaram das ideias e as alinharam com a necessidade da reformulação do
Estado.
O processo de universalização dos direitos humanos permitiu, por sua vez, a
formação de um sistema normativo internacional de proteção. E, a partir da aprovação da
Declaração Universal e da concepção contemporânea de direitos humanos por ela iniciada,
começa a se desenvolver uma normativa internacional dos direitos humanos, estabelecendo
a adoção de tratados internacionais voltados para a proteção de direitos fundamentais.
Para Piovesan (2014), a Declaração Universal confere lastro de valor a esse campo
do direito, com ênfase na universalidade, na indivisibilidade e na interdependência dos
direitos humanos. Como afirma Bobbio (1988, p. 30), “os direitos humanos nascem como
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direitos naturais universais e desenvolvem-se como direitos positivos particulares (quando
cada constituição incorpora declarações de direito), para finalmente encontrarem sua plena
realização como direitos positivos universais”.
Compreendemos, então, que historicamente a concepção contemporânea de direitos
humanos caracteriza-se pelos processos de universalização e internacionalização desses
direitos, reconhecidos sob o prisma de sua indivisibilidade. Ressaltamos ainda que a
Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993, reitera a concepção da Declaração de
1948, quando, em seu parágrafo 5o, afirma: “Todos os direitos humanos são universais,
interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos
humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma
ênfase”.
Assim, os direitos humanos tornaram-se cerne do debate constitucional
internacional na segunda metade do século XX. Reconhecemos que o universo dos direitos
humanos não apenas permeia as mais variadas cortes internacionais, como também
constituem os seus maiores problemas, isso porque a temática não envolve apenas uma
perspectiva jurídica. Pelo contrário, uma das maiores chaves, senão a maior, da questão
dos direitos humanos é o fato de que a construção desses direitos demanda uma análise
muito além do plano jurídico. E, por isso, os direitos humanos como fruto direto das
experiências sociais têm uma história repleta de contradições.
Os direitos humanos, tais como genericamente entendidos, são fruto das
transformações de concepções políticas e sociais ao longo da recente história, que se faz
presente para compreender os dilemas atuais desses direitos.
Em outras palavras, a noção de direitos humanos e o ideal de sua universalização são resquícios de uma utopia da modernidade, de um projeto não apenas inconcluso, mas já sem chance de realização? Ou estão na ordem do dia e constituem fatores importantes de propulsão de lutas emancipatórias, base para a difusão de demandas sociais, políticas e culturais internas de cada de cada nação e de diretrizes pacifistas para a regularização de conflitos internacionais? Pragmaticamente: é inútil ou cabe lutar pela defesa e universalização dos direitos humanos?(VENTURI, 2010, p. 10).
Nesse mesmo caminho, Piovesan (2014, p. 338-339) fala da necessidade de reconhecer a
importância das especificidades de cada sujeito de direito:
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Torna-se, contudo, insuficiente tratar o indivíduo de forma genérica geral e abstrata. Faz-se necessária a especificação do sujeito de direito, que passa a ser visto em suas peculiaridades e particularidades. Nesta ótica determinados sujeitos de direitos, ou determinadas violações de direitos, exigem uma resposta específica e diferenciada. Isto é, na esfera internacional, se uma primeira vertente de instrumentos internacionais nasce com a vocação de proporcionar uma proteção integral, genérica e abstrata, refletindo o próprio temor da diferença [...] percebe-se, posteriormente, a necessidade de conferir a determinados grupos uma proteção especial e particularizada, em face de sua própria vulnerabilidade. Isto significa que a diferença não mais seria utilizada para a aniquilação de direitos, mas ao invés, para a promoção de direitos.
Ainda assim, o que se entende é que a concepção de garantia dos direitos humanos
ganha forças e se torna imperativo após a criação da Declaração Universal dos Direitos do
Homem, porque esse conceito de direito nasce de uma idéia revolucionária de liberdade e
passa a ser a linguagem imperativa de emancipação.
Retrocessos conjunturais e localizados à parte, a história tem demonstrado que, no atacado, o desenvolvimento moral das sociedades nacionais em direção à universalização dos direitos é tendencialmente irreversível. Não pela determinação de alguma força suprema ou pela inexorabilidade de algum destino da humanidade. Mas pelo simples fato de que – exceto se destituídos de direitos civis e políticos – não ocorre aos sujeitos de direitos, uma vez tendo tomado consciência dos mesmos, abrir mão de sua titularidade (VENTURI, 2010, p. 14).
Ainda sobre o projeto emancipador do sujeito, uma gama de problemas foram
introduzidos na história da ideia dos direitos humanos. Ao elaborar uma crítica a essa
percepção, Hannah Arendt (2012, p. 327) esclarece que:
Os direitos do homem, supostamente inalienáveis, mostraram-se inexequíveis – mesmo nos países cujas constituições se baseavam neles – sempre que surgiam pessoas que não eram cidadãos de algum Estado soberano. A esse fato, por si já suficientemente desconcertante, deve acrescentar-se a confusão criada pelas numerosas tentativas de moldar o conceito de direitos humanos no sentido de defini-los com alguma convicção, em contraste com os direitos do cidadão, claramente delineados.
Nesse sentido, Santos (2013) justifica que, após 1948, os direitos humanos passam
a ser centrados no Estado, e estes passam a ter o monopólio dos direitos. Desse modo, o
direito perde o caráter revolucionário que ganhou durante a Revolução Americana e
Francesa, nas quais a centralidade dos direitos estava na idéia de liberdade e independência
do homem.
Percebemos que mesmo havendo um esforço para a ampla garantia da dignidade
humana e pela inviolabilidade de direitos estabelecidos em todo o mundo, na prática, ainda
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existe um abismo que separa o que foi estabelecido em declarações e convenções e a
vivência plena desses direitos para muitos sujeitos.
O objetivo de adotar declarações internacionais e de regime e instituições internacionais de direitos humanos visava garantir mínimos de dignidade aos indivíduos sempre e quando os direitos de pertença a uma coletividade política não existissem ou fossem violados. Ao longo dos últimos duzentos anos, os direitos humanos foram sendo incorporados nas constituições e nas práticas jurídico-políticas de muitos países e foram reconceptualizados como direitos de cidadania, diretamente garantidos pelo Estado e aplicados coercitivamente pelos tribunais: direitos cívicos, políticos, sociais, econômicos e culturais. Mas a verdade é que a efetividade da proteção ampla dos direitos de cidadania foi sempre precária na grande maioria dos países (SANTOS, 2013, p. 50).
Assim, Santos (2013) problematiza que os direitos humanos são ao mesmo tempo
afirmados e reconhecidos para uns acabam, na prática, sendo negados ao restante. Na pior,
ou melhor, das hipóteses, os direitos humanos fornecem um padrão de crítica aos seus
governos.
A questão é que, como defende Arendt (2012), a garantia do respeito à dignidade
depende de que as pessoas assumam uma postura ativa por direitos, que esses indivíduos
estabeleçam esses valores para boa vivência em comunidade. Os demais setores da
sociedade, incluindo organizações por direitos humanos podem apenas sustentá-los. Um
Estado que adota certos direitos formalmente se vê menos propício à violação daqueles,
embora não seja impossível. “Estamos diante de um processo de filogênese da moralidade
– ou seja, de um desenvolvimento moral da espécie humana que, no entanto, não se
manifesta necessariamente em cada indivíduo, nem no conjunto deles” (VENTURI, 2010,
p. 11).
Isto indica que o entendimento da sociedade em relação à necessidade de efetivar
os direitos humanos e o seu engajamento na luta por essa garantia é algo essencial para que
a dignidade e sua inviolabilidade sejam estabelecidas. A sociedade atuando consciente e de
forma organizada é fundamental para o respeito aos direitos humanos. Nesse sentido, está a
atuação dos movimentos sociais para garantir a aplicação normativa e a reflexão necessária
sobre os direitos humanos.
2. 1 MOVIMENTOS SOCIAIS COMO MEDIADORES DE LUTAS
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No Brasil, o grande marco na democratização do país foi a Constituição Federal de
1988, “colocando-se entre as Constituições mais avançadas do mundo” (PIOVESAN,
2007, p. 25), e que garantiu, em seu ordenamento jurídico, os direitos fundamentais
estabelecidos pelos documentos internacionais dos quais o país é signatário.
A Constituição Federal foi promulgada em 05 de outubro de 1988 e em seu artigo
1° traz que “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissociável dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito
em tem como fundamentos: II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana”.
Já no artigo 4° afirma que “a República Federativa do Brasil rege-se nas suas
relações internacionais pelos seguintes princípios: I – prevalência dos direitos humanos; V
– igualdade entre os Estados; VI – defesa da paz; IX – cooperação entre os povos para o
progresso da humanidade”. A partir da Constituição, observamos que a dignidade humana
pode ser considerada como o fundamento do Estado brasileiro. E como fonte de valor, é
dessa dignidade humana que decorre todos os demais direitos humanos.
E tal avanço jurídico foi construído a partir de lutas travadas por organizações da
sociedade brasileira que reivindicaram o direito a participação na elaboração do
documento, priorizando demandas vindas de grupos que não tinham seus direitos humanos
garantidos.
Nesse período, reivindicavam-se a criação de espaços de participação, em que a sociedade civil organizada pudesse canalizar suas demandas e influir nos processos decisórios de políticas públicas. Essa vertente de reivindicações visava a encontrar soluções para o enfrentamento do crescente déficit social das classes urbanas de baixa renda nas áreas de saneamento, urbanização, saúde e habitação (ROCHA, 2002, p. 134-135).
O que demonstra o papel fundamental da sociedade civil organizada no
agendamento das demandas de grupos minoritários. Sendo, assim, precisamos reconhecer
que no processo histórico brasileiro pela qual os direitos fundamentais foram criados nos
textos constitucionais e nas legislações contou com a efetiva participação da população por
meio dos movimentos sociais.
É muitas vezes pelas lutas e os movimentos sociais que os direitos humanos e
fundamentais adquirem significado e efetividade no processo da defesa da cidadania no
Brasil. Castells (2013, p. 157) afirma que “ao longo da história, os movimentos sociais
foram e continuam a ser as alavancas da mudança social”.
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Gohn (1997) explica que as pautas defendidas por esses movimentos sociais estão
alinhadas aos princípios norteadores dos direitos humanos, ficando a dignidade, liberdade e
inviolabilidade no centro do discurso.
Os valores defendidos pelos movimentos em si não contêm nada de novo, pois eles se referem "aos princípios e exigências morais acerca da dignidade e da autonomia da pessoa, da integridade das condições físicas da vida, da igualdade e participação e de formas pacíficas e solidárias de organização social (GOHN, 1997, p. 167).
Pautados na defesa de direitos humanos, os movimentos ocupam espaços
buscando dar visibilidade a diferentes grupos da sociedade e diminuir as desigualdades.
Assim, observamos que diversos avanços normativos e a criação de mecanismos de defesa
dos direitos humanos se devem ao trabalho de movimentos que trabalham de maneira
autoreflexiva e permitem que a sociedade enxergue de forma lúcida suas mazelas;
contribuem ainda na vigilância social e no agendamento de temas em uma mídia que,
muitas vezes, se furta de exercer a função de dar notoriedade a temáticas sociais e
contribuir para dar um lastro de sentido a essas questões.
Nesse contexto, é preciso compreender que abordamos aqui, essencialmente, os
Novos Movimentos Sociais, que segundo Gohn (1997), caracterizam-se como grupos
sociais descentralizados e não hierárquicos focados em ações coletivas sem ter
propriamente uma base classicista, como os primeiros movimentos de operários e
camponeses. Os Novos Movimentos recusam a política de cooperação entre as agências estatais e os sindicatos e estão mais preocupados em as segurar direitos sociais - existentes ou a ser adquiridos para suas clientelas. Eles usam a mídia e as atividades de protestos para mobilizar a opinião pública a seu favor, como forma de pressão sobre os órgãos e políticas estatais. Por meio de ações diretas, buscam promover mudanças nos valores dominantes e alterar situações de discriminação, principalmente dentro de instituições da própria sociedade civil (GOHN, 1997, p. 125).
Seguindo o mesmo caminho, ao apresentar os novos movimentos sociais, Santos
(1999) define que os protagonistas das lutas a que se refere são “grupos socais, ora
maiores, ora menores que classes, com contornos mais ou menos definidos em vista de
interesses coletivos por vezes muito localizados, mas potencialmente universalizáveis”
(SANTOS, 1999, p. 225). São grupos que muitas vezes assumem uma função mediadora
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no processo de dar visibilidade aos temas sociais, tornando-se protagonistas na defesa da
inviolabilidade da dignidade humana e do discurso contra-hegemônico.
Santos (2013) destaca a atuação dos movimentos como um dos pilares para a
construção de uma concepção contra-hegemônica de direitos humanos. “O trabalho
político dos movimentos e organizações sociais que lutam por uma sociedade mais justa e
digna: só à luz desse trabalho é possível definir os termos em que a gramática dos direitos
humanos potencia ou limita os objetivos de luta”. (SANTOS, 2013, p. 53).
BARBALHO (2005, p. 29-30) lembra que:
A partir dos anos 1950, e de modo crescente, novos movimentos socais ocupam espaços importantes e colocam outras questões, ao lado das reinvindicações político-econômicas. São as minorias (sexuais, religiosas, étnicas etc.) que implodem o cenário social com suas bandeiras político-culturais, exigindo do Estado não só seguro-desemprego, assistência social e serviços públicos, mas também o reconhecimento de suas diferenças, de suas singularidades, de suas identidades.
Percebemos que nesse espaço de disputas simbólicas pela efetivação dos direitos
humanos, grupos sociais organizados passam a desenvolver um papel fundamental,
incluindo na luta pela inviolabilidade da dignidade do homem o agendamento de questões
urgentes e a mobilização da sociedade. Geralmente se originam de uma crise nas condições de vida que torna insustentável a existência cotidiana para a maioria das pessoas. São induzidos por uma profunda desconfiança nas instituições políticas que administram a sociedade. A conjuminância de degradação das condições materiais de vida e crise de legitimidade dos governantes encarregados de conduzir os assuntos públicos leva as pessoas a tomar as coisas em suas próprias mãos (CASTELLS, 2013, p. 157).
Nesse processo, ao lado dos movimentos sociais, os meios de comunicação
desenvolvem papel também importante na sociedade, pois cabe a eles pautar a população,
levando às pessoas as informações necessárias para a que elas tenham a capacidade de
formar suas opiniões. Ao se tratar de direitos humanos, os veículos de comunicação são
considerados estratégicos e fundamentais para a fiscalização, promoção e divulgação
desses direitos. Muitas vezes, é somente por meio da imprensa que a população toma
conhecimento de serviços de relevância pública ou de direitos que precisam ser acessados
e/ou demandado. Principalmente ao abordar temáticas que problematizam a violação de
direitos humanos de grupos minoritários, como é o caso dos grupos que estudamos
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diretamente na dissertação de mestrado em desenvolvimento, sendo: mulheres, povos
indígenas, crianças e adolescentes.
Para Paiva (2005), um dos maiores desafios da atualidade é a aceitação radical do
outro, por isso, defende que é preciso de um esforço para estabelecer novas relações socais
que contemplem novas estruturas responsáveis pelas mediações sociais. Nesse sentido, ela
chama atenção para o papel da mídia.
Esse esforço deve deter-se necessariamente no entendimento do lugar que a mídia assume um papel de tamanha envergadura, capaz de, se não substituir, definir, de maneira cabal, todas as antigas mediações sociais. Em síntese, a mídia responsabiliza-se hoje por todas as mediações sociais, é ela que regula a relação do indivíduo com o mundo e seus pares (PAIVA, 2005, p. 16).
Sodré (2005, p. 13) indica que “nas tecnodemocracias ocidentais, a mídia é um dos
principais territórios” da luta travada pelas minorias contra o poder hegemônico. O autor
ainda reconhece que, na atualidade, as estratégias discursivas, muitas utilizando os meios
de comunicação, como revistas, jornais e programas de televisão, estabelecem-se como
importantes recursos dessa luta.
Compreendemos, assim, que o trabalho jornalístico garante visibilidade às lutas e
permite que a população tenha as informações necessárias para um debate crítico e pautado
nas complexidades sociais que envolvem as mudanças de paradigmas nos direitos
fundamentais. O que indica que uma prática jornalística dedicada à contextualização das
notícias fortalece a cidadania, auxilia a revigorar e ampliar o capital social, além de
permitir o entendimento da atuação dos movimentos sociais.
E reconhecendo a importância do poder estratégico da mídia, percebe-se, então, que
os movimentos sociais e diversas instituições que atuam na proteção e garantia dos direitos
humanos, atualmente, aproveitam esse cenário e criam estratégias de agendamento de
temas ligados à cidadania, estabelecendo parcerias.
Assim, a sociedade civil se mobiliza de modo a sensibilizar e enviar aos meios de
comunicação assuntos importantes para a sociedade, a fim de promover a produção da
notícia de utilidade pública e estabelecer uma parceria com os profissionais da imprensa.
Silva (2010) apud Lago e Benetti (2010, p. 85) afirma que, “pode-se, então, afirmar que o
contra-agendamento de um tema pode ser parte de uma mobilização social; parte de um
Plano de Enfrentamento de um Problema, coorporativo ou coletivo”.
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Desse modo, é relevante observar que a sociedade e os movimentos sociais
organizados têm se apropriado de ferramentas de comunicação e das TICS justamente para
estrategicamente pautar a imprensa, e assim, levar à população as informações necessárias
para o debate acerca da proteção aos direitos humanos e promoção da cidadania.
3 DISCUSSÕES FINAIS
No presente artigo discutimos a evolução histórica, normativa e, principalmente,
conceitual dos direitos humanos, relacionando com o papel determinante que os
movimentos sociais, entendidos, em linhas gerais, como grupo organizados em prol de
justiça social, exercem para efetivação e manutenção dos direitos próprios da dignidade
humana, garantidos por uma declaração que se pretende universal e internacional.
Defendemos a concepção de que esses direitos são um processo, uma construção,
um corpo provisório que precisa de constante renovação e vigilância de uma sociedade
civil organizada, engajada e atenta às demandas sociais mais marginalizadas e oriundas de
uma minoria invisibilizada pelos poderes e, mais especificamente o que nos interessa aqui,
pelo sistema midiático.
Essa discussão integra a dissertação de mestrado que objetiva avaliar a cobertura
jornalística sobre direitos humanos no ciberjornal mais acesso do Mato Grosso do Sul, o
Campo Grande News4, em três temáticas principais: mulher, povos indígenas e crianças e
adolescentes. E preliminarmente já conseguimos corroborar a importância da mobilização
social para pautar esses grupos nas mídias, e provocar que sejam atendidos pelo estado de
direito e por políticas públicas específicas.
Observamos alguns dispositivos legais importantes para a garantia dos direitos
humanos desses grupos minoritários, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (lei
federal 8.069/90), foram frutos de intensa atuação dos movimentos socais que colocaram
as temáticas que envolviam a população infanto-juvenil no centro do debate público,
criando campanhas e mobilizações sociais para a criação do documento.
E isso se repete com a lei 11.340/2006, chamada de Maria da Penha, que é
resultado também dos esforços do movimento feminista e dos movimentos sociais pela 4 Com média de dois milhões de visitas mensais, segundo o site https://www.similarweb.com.
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efetivação dos direitos humanos. Com a lei, foram criados mecanismos para coibir a
violência doméstica e familiar contra a mulher, estabelecendo medidas para a prevenção,
assistência e proteção às mulheres em situação de violência.
No que diz respeito à população indígena, observamos também a efetiva
participação de movimentos sociais que lutam para dar visibilidade aos direitos dessa
população. Entre os temas urgentes na agenda desses movimentos está a atualização e
adequação da legislação específica que atende essa população. Pois desde 1973 está em
vigência no Brasil o Estatuto do Índio (lei 6.001/1973), mas não atende a realidade dos
indígenas. Por isso, diversos projetos de lei já foram apresentados no Congresso Nacional e
Senado, sendo que o último é o de n° 169 /2016, que propõe o novo Estatuto dos Povos
Indígenas.
Tais aspectos nos indicam que para compreender a evolução histórica dos direitos
humanos e a luta por sua visibilidade e efetivação, é preciso reconhecer que a atuação de
movimentos sociais é um dos pilares desse processo. Pois eles recorrem não somente a
mobilizações populares, mas também traçam estratégias de parcerias e articulação com a
mídia, para assim auxiliar na proposição do debate na sociedade sobre temáticas voltadas
aos direitos humanos e cidadania.
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