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CADERNO IEP/MPRJ, v. 1, n. 1, junho/2018. REFLEXÕES SOBRE A SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR E COLOCAÇÃO EM FAMÍLIA ADOTIVA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR Sandra da Hora Macedo* RESUMO: Há nos acolhimentos institucionais uma grande quantidade de crianças e adolescentes acolhidos sem poder usufruir o direito à convivência familiar, mesmo após a definição por relatório psicossocial de que não possuem condições de retorno à família de origem. Faz-se necessário serem buscadas soluções para diminuição do tempo de acolhimento institucional. Os trâmites administrativo e judicial normalmente ultrapassam os prazos impróprios previstos em lei e consequentemente alongam o tempo de institucionalização das crianças e adolescentes. Evidenciada a impossibilidade de retorno das crianças e adolescentes à família de origem, a decisão de suspensão do poder familiar na ação de destituição do poder familiar com a determinação de imediata busca de adotante(s) para a criança ou adolescente, dentre os habilitados do cadastro de adoção, colocando-se a criança em guarda do futuro adotante, é uma das formas de se diminuir o tempo de acolhimento institucional. O pretendente à adoção deverá ajuizar a pertinente ação de adoção, que ficará suspensa até o trânsito em julgado da ação de destituição do poder familiar. O exame e a interpretação sistemática do Estatuto da Criança e do Adolescente e legislação vigente demonstram tanto ser possível a utilização deste tipo de tutela de urgência, como aconselhável, considerando o princípio do superior interesse da criança e do adolescente que vige em nosso ordenamento, sendo úteis também alterações legislativas para incrementar essa prática. Palavras-Chave: Suspensão. Poder familiar. Guarda. Adoção. CNA. ABSTRACT: In institutional shelters, there are many children and teenagers who are sheltered without being able to enjoy the right to family living, even after psychosocial report defines they have no conditions to go back to their families of origin. It is necessary to find solutions to reduce the time of institutional sheltering. Legal and administrative procedures usually exceed terms provided by law, and thus increase the time children and teenagers are institutionalized. Upon the evidence of impossibility of chi ldren and teenagers’ return to their families of origin, the decision of suspension of family power in the action of destitution of family power with order of immediate search for adopter(s) for the child or teenager, among those able in the adoption registry, putting the child under custody of the future adopter, is one of the manners of reducing the time of institutional sheltering. The person intending to adopt should file the applicable adoption action, which shall be suspended until the action for destitution of family power becomes unappealleable. The examination and systematic interpretation of the Child and Adolescent Statute and laws in force show the possibility of using this kind of urgent remedy, as advisable, considering the principle of superior interest * Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Pós-graduada em Direito da Infância e Juventude pelo Instituto de Educação e Pesquisa do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro IEP/MPRJ.

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CADERNO IEP/MPRJ, v. 1, n. 1, junho/2018.

REFLEXÕES SOBRE A SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR E COLOCAÇÃO EM

FAMÍLIA ADOTIVA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA

AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR

Sandra da Hora Macedo*

RESUMO: Há nos acolhimentos institucionais uma grande quantidade de crianças e adolescentes acolhidos sem poder usufruir o direito à convivência familiar, mesmo após a

definição por relatório psicossocial de que não possuem condições de retorno à família de

origem. Faz-se necessário serem buscadas soluções para diminuição do tempo de acolhimento

institucional. Os trâmites administrativo e judicial normalmente ultrapassam os prazos

impróprios previstos em lei e consequentemente alongam o tempo de institucionalização das

crianças e adolescentes. Evidenciada a impossibilidade de retorno das crianças e adolescentes à família de origem, a decisão de suspensão do poder familiar na ação de destituição do poder

familiar com a determinação de imediata busca de adotante(s) para a criança ou adolescente,

dentre os habilitados do cadastro de adoção, colocando-se a criança em guarda do futuro

adotante, é uma das formas de se diminuir o tempo de acolhimento institucional. O

pretendente à adoção deverá ajuizar a pertinente ação de adoção, que ficará suspensa até o

trânsito em julgado da ação de destituição do poder familiar. O exame e a interpretação

sistemática do Estatuto da Criança e do Adolescente e legislação vigente demonstram tanto

ser possível a utilização deste tipo de tutela de urgência, como aconselhável, considerando o

princípio do superior interesse da criança e do adolescente que vige em nosso ordenamento,

sendo úteis também alterações legislativas para incrementar essa prática.

Palavras-Chave: Suspensão. Poder familiar. Guarda. Adoção. CNA.

ABSTRACT: In institutional shelters, there are many children and teenagers who are

sheltered without being able to enjoy the right to family living, even after psychosocial report

defines they have no conditions to go back to their families of origin. It is necessary to find

solutions to reduce the time of institutional sheltering. Legal and administrative procedures

usually exceed terms provided by law, and thus increase the time children and teenagers are

institutionalized. Upon the evidence of impossibility of children and teenagers’ return to their

families of origin, the decision of suspension of family power in the action of destitution of

family power with order of immediate search for adopter(s) for the child or teenager, among

those able in the adoption registry, putting the child under custody of the future adopter, is

one of the manners of reducing the time of institutional sheltering. The person intending to

adopt should file the applicable adoption action, which shall be suspended until the action for destitution of family power becomes unappealleable. The examination and systematic

interpretation of the Child and Adolescent Statute and laws in force show the possibility of

using this kind of urgent remedy, as advisable, considering the principle of superior interest

* Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Pós-graduada em Direito da Infância

e Juventude pelo Instituto de Educação e Pesquisa do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro –

IEP/MPRJ.

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of the child and the teenager provided by our rules, and legislative amendments are also

useful in order to improve such practice.

Keywords: Suspension. Family power. Custody. Adoption. Adoption registry.

Sumário: 1 Introdução. 2 O Acolhimento Institucional: reflexões sobre os trâmites

administrativo e judicial. 2.1 Trâmite administrativo após o acolhimento. 2.2 Trâmite após o

parecer conclusivo da equipe técnica no sentido da impossibilidade de reintegração familiar. 3

Acolhimento prolongado e suas severas consequências. Alguns dados das comarcas da capital

Fluminense e de Campos dos Goytacazes extraídos do 18º censo do MCA. 4 Colocação das

crianças ou adolescentes em guarda da família adotiva antes do trânsito em julgado da ação de

destituição do poder familiar. Reflexões. 5 Análise legislativa acerca da possibilidade de

suspensão do poder familiar e colocação da criança ou adolescente em guarda da família

substituta antes do trânsito em julgado da ação de destituição do poder familiar. 6 Jurisprudência e considerações sobre o Projeto de Lei em trâmite. Hipósteses de cabimento e

análise de casos concretos. 6.1 Reconhecimento pela Jurisprudência da possibilidade de

colocação do infante em guarda antes do trânsito em julgado da destituição. 6.2 Projetos de

Lei em curso e breves considerações sobre o Projeto de Lei nº 6594/2016. 5.3 Hipóteses de

cabimento e análise de alguns casos concretos da aplicação da suspensão do poder familiar

com deferimento de guarda provisória a habilitado no cadastro. 7 Considerações Finais.

Referências Bibliográficas.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como proposta discutir a concessão da tutela de urgência

consistente na suspensão do Poder familiar associada à colocação da criança ou adolescente

acolhida institucionalmente em família adotiva, antes do trânsito em julgado da destituição da

ação de destituição do poder familiar, com vistas a reduzir o tempo de institucionalização das

crianças e adolescentes acolhidos.

A ideia de estudar o tema surgiu da experiência como titular da 1ª Promotoria de

Justiça da Infância e da Juventude em atuação junto à Vara da Infância e Juventude de

Campos dos Goytacazes, Estado do Rio de Janeiro, instigando a um aprofundamento,

considerando a necessidade de buscar soluções para abreviar o período de acolhimento

institucional e também o grande número de recursos das decisões judiciais neste sentido, sob

o argumento da excepcionalidade da medida de suspensão do poder familiar e também do não

cabimento da medida determinação da inclusão da criança cuja destituição ainda não transitou

em julgado no CNA – Cadastro Nacional de Adoção, muitas vezes sendo citados nos recursos

a Resolução nº 54 do CNJ e o Ato Executivo nº 4065/2009 do Tribunal de Justiça do Estado

do Rio de Janeiro.

Argumenta-se também que, com a possibilidade de reversão da medida, e, com a

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criança formando vínculos com os adotantes que iniciarão a convivência com a criança,

poderá haver prejuízo para o infante, caso ao final da ação de destituição do poder familiar o

pedido seja julgado improcedente.

Foram utilizadas a pesquisa bibliográfica e análise de casos concretos para investigar

de modo particular e aprofundado alguns casos específicos da realidade profissional,

buscando concluir se a aplicação da medida estudada vem trazendo benefícios para a criança

acolhida.

Durante o estudo, foram apreciados os números relativos às crianças e adolescentes

que se encontram nas entidades de acolhimento de Campos dos Goytacazes, bem como feitas

considerações acerca do acolhimento institucional prolongado e sobre o cabimento deste tipo

de tutela de urgência frente à legislação vigente.

A tutela de urgência a que se refere este trabalho vem sendo apresentada como uma

das formas de diminuição do tempo de acolhimento de crianças e adolescentes, mormente das

crianças, uma vez que, notadamente, crianças em idade avançada e adolescentes apresentam

baixo índice de adoções e as adoções de crianças mais novas em geral possuem maiores

chances de êxito1.

Cynthia Lopes Peiter Carballido Mendes (2008), em sua dissertação de Mestrado

“Vínculos e rupturas na adoção: do abrigo para a família adotiva”, menciona pesquisas que

foram feitas demonstrando preconceitos em relação à adoção de crianças maiores, tendo como

algumas das motivações o receio de dificuldades na educação da criança e “possíveis maus

hábitos adquiridos pela criança na passagem pela institucionalização”.

Aplicada em casos extremamente graves de maus-tratos, negligência, abandono,

dentre outros, praticados pelos pais biológicos, detectada a impossibilidade de retorno da

criança ou adolescente à sua família de origem, a medida deve ter por premissa o atendimento

ao Princípio do Interesse Superior da Criança e do Adolescente2.

Esse modelo específico de tutela provisória de urgência, que vem a ser uma prática

bastante comum nas Varas de Infância e Juventude, parece pouco comentado na Doutrina.

1 “É fato notório que crianças de tenra idade são mais facilmente adotadas, bem como que a adaptação na família

adotante se dá com maior naturalidade, uma vez que a criança é criada no centro daquela estrutura, passando a

compartilhar os valores passados pelos pais adotivos.” (MACIEL, 2017, p. 241) 2 Como afirmado por Andréa Rodrigues Amin (2017, p. 75), “na análise do caso concreto, acima de todas as

circunstâncias fáticas e jurídicas, deve pairar o princípio do interesse superior, como garantidor do respeito aos

direitos fundamentais titularizados por crianças e jovens. Ou seja, atenderá o referido princípio toda e qualquer

decisão que primar pelo resguardo amplo dos direitos fundamentais, sem subjetivismos do intérprete. Interesse

superior ou melhor interesse não é o que o Julgador ou aplicador da lei entende que é melhor para a criança, mas

sim o que objetivamente atende à sua dignidade como pessoa em desenvolvimento, aos seus direitos

fundamentais em maior grau possível”.

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Entretanto, uma prova de sua utilização corriqueira é a consolidação do Enunciado nº 01/2014

do PROINFÂNCIA3 sobre o assunto.

Grandes vantagens são observadas na adoção do referido expediente jurídico, pela real

diminuição do tempo de acolhimento institucional das crianças, evitando-se que esta aguarde

o trâmite completo da ação de destituição do poder familiar, incluindo a longa espera pela

decisão final acerca da ação de destituição, considerando o esgotamento dos diversos recursos

que podem ser interpostos em nosso sistema processual. Assim, a criança cujos pais e família

biológica não têm possibilidade de exercer sua guarda não se verá obrigada a esperar, como

no mais das vezes acontece, por anos, o desfecho do processo referente à ação de destituição

do poder familiar de seus pais biológicos, podendo desde a decisão de suspensão do poder

familiar, se for o caso, ser incluída em família adotiva, privilegiando-se assim, o direito da

criança à convivência familiar, “em ambiente que lhe garanta seu desenvolvimento integral”,

observando-se um dos fundamentos da República Federativa do Brasil: a Dignidade da Pessoa

Humana4, bem como o direito à convivência familiar e comunitária, previsto no art. 227 da

Constituição da República Federativa do Brasil.

A par da diminuição do tempo de acolhimento, há outras vantagens com a alternativa

jurídica. Com a decisão da suspensão do poder familiar cumulada com a ordem de imediata

busca de colocação do infante em família adotiva, possibilita-se, além do mencionado acima,

a diminuição da necessidade de futuras adoções tardias.

No âmbito do Estado do Rio de Janeiro foi desenvolvido pelo Parquet fluminense o

Sistema Quero Uma Família, gerenciado pelo Ministério Público, com vistas a incrementar a

busca de famílias para crianças e adolescentes acolhidos em condições de adotabilidade

(inclusive por decisão liminar determinando a colocação em família adotiva) que não

encontraram habilitados em sua adoção após consulta no CNA5, muitas das vezes crianças e

3 ENUNCIADO 01/2014 – PROINFÂNCIA: DA (DES)NECESSIDADE DO TRÂNSITO EM JULGADO DAS

DESTITUIÇÕES PARA QUE POSSA HAVER A INSERÇÃO EM FAMÍLIA SUBSTITUTA. A adoção

depende do prévio desligamento dos vínculos familiares entre adotando e adotante. Por outro lado, é possível ao

sistema de justiça identificar os casos mais graves, em que provavelmente ocorrerá a destituição do poder

familiar. Somente nestas ocasiões, se mostra oportuna a colocação da criança/adolescente em família substituta,

via guarda estatutária (art. 101, IX, Lei 8.069/90), dentre as famílias cadastradas, conforme recomendação nº

08/2012 do CNJ, como forma de abreviar o acolhimento institucional, pois o transcurso do tempo prejudica a

saudável e necessária convivência familiar entre os pretendentes à adoção e a criança/adolescente. Disponível

em: <http://www.proinfancia.net/>. Acesso em: 09 jun. 2017. 4 CRFB, art. 1º, III.

5 “O projeto se volta essencialmente à busca de famílias para as crianças e adolescentes acolhidos que se

encontram em condições de serem adotados (orfandade, pais desconhecidos, destituição do poder familiar

transitada em julgado ou decisão liminar determinando a colocação em família substituta) sem que tenham

encontrado habilitados interessados em sua adoção, após consulta ao CNA.” Disponível em:

<http://queroumafamilia.mprj.mp.br/documents/160911/162748/MANUAL_DO_USUARIO_Habilitado.pdf>.

Acesso em: 17 jun. 2017.

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adolescentes em idade considerada “avançada” para a adoção.

Através do sistema, o usuário adquire após preenchidos e analisados os requisitos,

dentre eles a habilitação para a adoção concluída, mediante cadastramento e senha, pode ter

maiores informações acerca das crianças disponíveis, buscando o sistema fomentar o encontro

de famílias para as crianças e adolescentes para os quais não foi encontrada (ainda) uma

família adotiva.

Outra vantagem que se verifica da decisão estudada no presente artigo é que, com a

colocação da criança em guarda provisória do habilitado no CNA, consequentemente virá em

seguida o ajuizamento da ação de adoção, que posteriormente deverá ser suspensa até o

trânsito em julgado da ação de destituição do poder familiar, o que já traz ao infante maiores

garantias.

No bojo da ação de adoção poderá o magistrado desde já deferir que se inicie o estágio

de convivência com vistas à futura adoção, o que certamente exigirá do postulante em

perfilhar aquela criança maior comprometimento, tanto moral como jurídico6. Também não

se pode olvidar da possibilidade da adoção post mortem, caso o pretendente à adoção venha a

falecer no curso do procedimento7.

Neste trabalho não serão abordadas com profundidade outras formas de colocação em

família substituta menos abrangentes que a adoção, e nem mesmo esgotados comentários

sobre as etapas acerca da possibilidade da reintegração familiar: aqui será tratada aquela

situação em que se encontra bastante evidenciada a impossibilidade de reintegração familiar

daquela criança que não merece ficar anos em regime de acolhimento sem a perspectiva de ser

6 Ainda que controvertido na Jurisprudência, há os que defendem possível a indenização por devolução durante

estágio de convivência. Neste sentido: Ementa: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA -

INDENIZAÇÃO - DANO MATERIAL E MORAL - ADOÇÃO - DESISTÊNCIA PELOS PAIS ADOTIVOS -

PRESTAÇÃO DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR - INEXISTÊNCIA - DANO MORAL NÃO CONFIGURADO

- RECURSO NÃO PROVIDO.

- Inexiste vedação legal para que os futuros pais desistam da adoção quando estiverem com a guarda da

criança.

- O ato de adoção somente se realiza e produz efeitos a partir da sentença judicial, conforme previsão dos arts.

47 e 199-A, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Antes da sentença, não há lei que imponha obrigação

alimentar aos apelados, que não concluíram o processo de adoção da criança.

- A própria lei prevê a possibilidade de desistência, no decorrer do processo de adoção, ao criar a figura do

estágio de convivência.

- Inexistindo prejuízo à integridade psicológica do indivíduo que interfira intensamente no seu comportamento

psicológico causando aflição e desequilíbrio em seu bem estar, indefere-se o pedido de indenização por danos

morais. Apelação Cível 1.0481.12.000289-6/002 TJ/MG. Ainda pode-se pensar, em caso de eventual devolução,

a depender do motivo, se evidente, grave e por culpa do habilitado, poderá ser pleiteada pelo Ministério Público

a exclusão daquele habilitado do CNA, o que indiscutivelmente trará benefício a todas as crianças do Cadastro

Nacional de Adoção. 7 O § 6º do art. 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que: A adoção poderá ser deferida ao adotante

que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a

sentença.

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reintegrada à família biológica.

Outra questão que não será abordada é a referente ao acolhimento familiar, em que

pese a preferência por tal espécie de acolhimento prevista no Estatuto da Criança e do

Adolescente8, já que se pretende estudar facetas do acolhimento institucional prolongado

daquelas crianças e adolescentes que não têm chance de voltar para a família de origem.

2 O ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: REFLEXÕES SOBRE OS TRÂMITES

ADMINISTRATIVO E JUDICIAL

Embora a previsão da duração do procedimento da ação de destituição do poder

familiar seja de 120 (cento e vinte) dias9 em primeira instância, sabe-se que, na prática

forense, na imensa maioria das vezes este prazo não é observado. Como bem aponta José

Antonio Borges Pereira (2016)10

, a própria soma dos prazos existentes na legislação já perfaz

270 (duzentos e setenta) dias de acolhimento institucional, ou seja, no mínimo nove meses de

acolhimento.

Com efeito, as diversas etapas administrativas e processuais que precisam ser

necessariamente transpostas por ocasião do acolhimento institucional e em uma ação de

destituição do poder familiar (DIAS, 2016), ultrapassam, até mesmo quando observadas, um

limite já evidentemente prejudicial à infância.

Como bem observa Maria Berenice Dias (2016, p.103) em suas contundentes palavras,

uma via-crúcis deve ser ultrapassada para se garantir à criança ou adolescente acolhido o

direito à convivência familiar:

Para que seja assegurado o direito constitucional à convivência familiar, quando esta

não acontece no âmbito dos vínculos biológicos, impõe o Estatuto da Criança e do

Adolescente uma verdadeira via-crúcis: vários procedimentos extrajudiciais e, no

mínimo, duas ações judiciais. [...] A criança e o adolescente têm pressa e não podem

ficar indefinidamente no limbo afetivo no aguardo da mãe ausente, do pai omisso ou

8 §1º do art. 34 do ECA: “A inclusão da criança ou adolescente em programas de acolhimento familiar terá

preferência a seu acolhimento institucional, observado, em qualquer caso, o caráter temporário e excepcional da

medida, nos termos desta Lei.” 9 Conforme prevê o § único do art. 163 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “O prazo máximo para

conclusão do procedimento será de 120 (cento e vinte) dias.” 10

“Somando os prazos atribuídos ao Ministério Público: 30 (trinta) dias para propor Ação de Destituição do

Poder Familiar aos 120 (cento e vinte) dias para o juiz instruir e julgar o processo e ao 60 (sessenta) dias que o

Relator deve colocar em mesa o recurso de apelação, temos 210 (duzentos e dez) dia. Sem contar o período que

a criança ou adolescente encontra-se institucionalizada a partir da expedição de Guia de Acolhimento em que a

Equipe Técnica da Instituição iniciará os trabalhos de aprofundamento dos fatos geralmente trazidos pelo

Conselho Tutelar. Primeiro, como há possibilidade do retorno à família natural e caso não seja favorável, faz-se

a busca pela família extensa ou ampliada, isso leva no mínimo 60 (sessenta) dias, perfazendo 270 (duzentos e

setenta) dias, ou seja, 09 (nove) meses, para eventual prolação de sentença de perda do poder familiar.”

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de uma tia distante que jamais os viu. A criança e o adolescente têm pressa: pressa

de ter respeitado o direito constitucional à convivência familiar.

Serão tratadas em seguida algumas etapas que ocorrem após o acolhimento

institucional: questões administrativas e judiciais atinentes à medida de acolhimento e à ação

de destituição do poder familiar.

A burocracia existente dificulta o cumprimento do prazo, sob pena até mesmo de não

se observar um processo justo tanto para a criança, que deve ser a protagonista de todo esse

procedimento e a quem é devido o maior enfoque, quanto para os pais biológicos, pois,

conforme preceitua o Estatuto, a adoção será medida protetiva excepcional, já que

“excepcionalmente a criança será colocada em família substituta”11

, sendo a adoção “medida

excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de

manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa”12

.

Sendo medida provisória e excepcional, utilizada - tal qual o acolhimento familiar -

“como forma de transição para reintegração familiar ou, não sendo esta possível, para a

colocação em família substituta” (§1º do art. 101 do ECA) - , devem os operadores do Direito

da Infância, inclusive integrantes de equipes técnicas, buscar o encurtamento do tempo de

acolhimento, em que a criança se vê tolhida de seu direito à convivência familiar e

comunitária.

2.1 TRÂMITE ADMINISTRATIVO APÓS O ACOLHIMENTO

O acolhimento institucional é providência para a qual existe reserva de jurisdição e

deve ser expedida a Guia de Acolhimento prevista no §3º do art. 101 do ECA, importando na

deflagração de procedimento judicial contencioso em que se garanta aos pais ou ao

responsável legal o exercício do contraditório e da ampla defesa13

. A Guia de Acolhimento

constitui importante documento que viabiliza o controle dos acolhimentos institucionais de

crianças e adolescentes da respectiva comarca, evitando-se assim a perpetuação dos mesmos

nas instituições.

Na prática jurídica muitas vezes são observadas dificuldades enfrentadas para o

11

Prevê o art. 19, caput do Estatuto da Criança e do Adolescente: “ É direito da criança e do adolescente ser

criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência

familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.” 12

Art. 39, §1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente: §1º A adoção é medida excepcional e irrevogável, à

qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família

natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei. 13

Estatuto da Criança e do Adolescente, § 2º, do art. 101.

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preenchimento completo da Guia de Acolhimento, em razão da falta de dados suficientes

sobre a criança e especialmente dos pais. Há casos, a exemplo de crianças em situação de rua,

abandono de recém-nascidos em hospitais (que às vezes em seguida “aparecem”), ou na

hipótese de ter a criança pai e/ou mãe apenas registrais, que há tempos não exercem sua

guarda e também com o filho não possuem sequer convivência, em que se verifica impossível

o preenchimento integral da Guia, conforme prevê o Estatuto (art. 101, § 3º).

Por vezes, por ocasião do ajuizamento da ação ou mesmo já deflagrada, é necessária a

busca dos endereços dos genitores para a completa qualificação, bem como de eventuais

interessados em exercer a guarda do acolhido (evidentemente dentro dos critérios do art. 25,

parágrafo único, do Estatuto), com vistas a uma possível reintegração familiar, havendo

ocasiões em que já houve até mesmo o falecimento de um ou ambos os genitores e aqueles

que conviviam com a criança quando esta foi exposta à situação de risco desconhecem tal

fato.

No Estado do Rio de Janeiro, o MCA – Módulo Criança e Adolescente – importante

instrumento que proporciona o incremento da articulação em rede14

-, possibilita maior

controle das crianças e adolescentes acolhidos em cada comarca. Previsto na Lei Estadual nº

6.937/2014, esse sistema eletrônico dispõe de funcionalidades que possibilitam maior

interação entre os participantes da rede de proteção, que devem inserir no sistema tanto a

informação do acolhimento institucional de cada criança que ingressar em qualquer tipo de

acolhimento, como quaisquer alterações posteriores, bem como as providências adotadas

pelos órgãos de proteção, atualizando-se a ficha de cada acolhido.

Voltando às dificuldades mencionadas acima, pela mesma motivação e com

consequências ainda piores, as dificuldades de preenchimento completo das guias de

acolhimento se repetem quando da elaboração do Plano Individual de Atendimento.

Prevê o Estatuto que imediatamente após o acolhimento institucional seja elaborado o

PIA (Plano Individual de Atendimento) da criança ou adolescente com vistas à reintegração

familiar, com exceção das hipóteses em que o Magistrado tiver proferido decisão escrita e

fundamentada em sentido contrário, caso em que o Plano Individual de Atendimento deve

desde logo contemplar a colocação da criança em família adotiva, ex vi do art. 101, § 4º, do

ECA.

14

“O MCA é um sistema destinado a atender todos os órgãos da rede de proteção da criança e do adolescente

envolvidos com as medidas de acolhimento, que podem trabalhar integrados on line pela busca do direito à

convivência familiar”. Disponível em: <http://mca.mp.rj.gov.br/wp-content/uploads/2012/08/MCA_Objetivo

.pdf>. Acesso em: 09 jun. 2017.

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Imediatamente após o acolhimento da criança ou do adolescente, a entidade

responsável pelo programa de acolhimento institucional ou familiar elaborará um

plano individual de atendimento, visando à reintegração familiar, ressalvada a

existência de ordem escrita e fundamentada em contrário de autoridade judiciária

competente, caso em que também deverá contemplar sua colocação em família

substituta, observadas as regras e princípios desta Lei.

Assim, dificuldades de identificação e localização de genitores e familiares do

acolhido implicam, diversas vezes, verdadeiros entraves na elaboração do Plano Individual de

Atendimento pela equipe técnica da instituição de acolhimento, dificultando que o PIA seja

elaborado a contento e em curto espaço de tempo, atrasando sua necessária confecção.

No tocante à elaboração do Plano Individual de Atendimento, certo é que inicialmente

a meta é promover a reintegração familiar, como previsto em lei. Segundo Guilherme de

Souza Nucci (2014, p. 333), “a meta primária é promover a sua reintegração familiar – de

onde foi retirado. Mas, para tanto, torna-se preciso conhecer as razões do acolhimento. Se a

criança sofreu abuso sexual ou maus-tratos, não tem cabimento iniciar, de pronto, a sua

reintegração familiar”.

Nesse aspecto, é necessário que a equipe se atente para não se perder em estudos por

tempo indefinido, com sérios prejuízos à criança acolhida, e que as possibilidades de

reintegração sugeridas se baseiem em grandes chances de êxito, “quase certeza”, como

intensamente aponta Sávio Bittencourt (2013, p. 42-43): “Esgotar as possibilidades da

permanência da criança em sua família de origem não pode significar o esgotamento das

possibilidades de felicidade para a criança”15

.

Caso se verifique a possibilidade de reintegração familiar, o responsável pela

instituição de acolhimento comunicará ao Juízo, que imediatamente comunicará ao Ministério

Público para se manifestar no prazo de 5 (cinco) dias, devendo o Juiz também em cinco dias

decidir (parágrafo 8º do art. 101). Há que se ter muita cautela e bom-senso da equipe ao

buscar integrante da família de origem da criança para exercer sua guarda, situação com a

qual diversas vezes se depara na militância na seara da infância e juventude, valendo a

afirmação de José Antônio Borges Pereira (2016, p. 8):

Não podemos obrigar as pessoas que nutrem vínculos consanguíneos com as

crianças e adolescentes acolhidos a praticarem o ato de amor de assumirem os filhos

alheios. Trata-se de um ato genuíno de amor que deve ser motivado por um coração

15 Também Maria Berenice Dias (obra citada, página 110 e 111): “Desse modo, seja pelo motivo que for, quando

uma criança ou adolescente é retirado do seio de sua família, imediatamente precisa ser disponibilizada para

adoção. Não há solução que lhe seja mais favorável. Depositá-la em um abrigo e, durante anos, buscar a família

extensa, na tentativa de que alguém aceite ficar com ele, não atende ao seu melhor interesse. Sua situação junto

aos parentes é juridicamente precária. Fica sob a guarda, instituto que não gera qualquer direito com relação aos

guardiões, seja no âmbito do direito das famílias, seja em sede sucessória.” [Itálico no original].

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aberto e, nunca, por imposição, pois obrigar uma relação desprovida de afeto em

favor de crianças e adolescentes que, infelizmente, já passaram por graves traumas

que, inclusive, deram ensejo a medida de afastamento da família natural é

contraproducente e fere o Princípio da Afetividade que deve nortear as relações de

família no século XXI.

Muitas vezes ocorrem “devoluções” de crianças e adolescentes por família extensa,

hipótese bastante corriqueira na prática de quem lida com acolhimento institucional. Assim,

deve ser evitado, ou mesmo proibido, buscar “convencer” parentes que sequer atendem ao

requisito do parágrafo único do art. 25 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a ficar com

crianças acolhidas. Na 1ª Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude recentemente

surgiu um caso de “devolução” por família extensa que bem ilustra o que está sendo afirmado.

Os bisavós de uma criança assumiram a tutela da mesma aos três anos de idade, quando do

falecimento da genitora, sendo a avó pessoa de paradeiro desconhecido da família. Aos

quatorze anos de idade, já adolescente, a tia-bisavó, ainda relativamente jovem, noticiou

situação de saúde vivenciada pela bisavó, informando o desinteresse do bisavô (também tutor)

em cuidar da própria pupila, motivo pelo qual a adolescente foi “passada” à tia-bisavó, que foi

buscar “providências” no Ministério Público. A tia-bisavó e seu companheiro mostravam,

como argumento que entendiam (equivocadamente) que respaldava a institucionalização da

adolescente, fotografias da cama da menor por arrumar e da desorganização de seu quarto,

além de desconfiarem que a mesma havia consumido maconha e afirmarem que a adolescente

frequentava festas até tarde da noite. Aliás, devolução por família extensa é tema que, ao

menos na comarca de Campos dos Goytacazes, merece um estudo cuidadoso.

Em havendo o reconhecimento da impossibilidade de reintegração do acolhido à

família dita natural, “após seu encaminhamento a programas oficiais ou comunitários de

orientação, apoio e promoção social”, em relatório fundamentado onde constem as

providências tomadas, a equipe técnica da instituição irá recomendar expressamente a

destituição do poder familiar, tutela ou guarda, conforme o parágrafo 9º do artigo em comento

(art. 101, do ECA).

Pela simples leitura do dispositivo, verifica-se que, em diversas hipóteses, é necessário

tempo para a equipe técnica implementar a inserção nos programas mencionados no parágrafo

anterior, assim como de se verificar acerca do êxito ou não da medida, antes de

conclusivamente opinar, quer seja pela reintegração familiar, quer seja pela destituição do

poder familiar.

Embora se reconheça a necessidade do posicionamento célere e responsável pela

equipe, muitas vezes tal conclusão por parte dos técnicos por si só já extrapola o prazo

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previsto para o término da destituição em primeira instância.

2.2 TRÂMITE APÓS O PARECER CONCLUSIVO DA EQUIPE TÉCNICA NO SENTIDO

DA IMPOSSIBILIDADE DE REINTEGRAÇÃO FAMILIAR

O Ministério Público, ao receber o relatório conclusivo pela destituição elaborado

pela equipe técnica da entidade de acolhimento, dispõe de 30 (trinta) dias para ajuizar a ação

de destituição do poder familiar, salvo se entender que estudos complementares são

indispensáveis para complementarem o relatório já emitido, com vistas ao ajuizamento da

demanda (§ 9º). Acerca deste prazo, Guilherme de Souza Nucci (2014) tece críticas tanto

pelo fato de ser prazo impróprio, não trazendo maiores sanções ao Promotor de Justiça por

sua inobservância, bem como da possibilidade de o membro do Parquet requerer a realização

de estudos complementares, o que oportuniza, a seu ver, uma “abertura dada ao Ministério

Público para postergar, quanto tempo quiser, a referida propositura16

”.

Com o ajuizamento da ação de destituição do poder familiar, novos percalços podem

vir a ocorrer, o que comumente acontece.

O procedimento da ação de destituição do poder familiar pode ser deflagrado pelo

Ministério Público ou por quem tenha legítimo interesse (art. 155 do Estatuto).

Após o recebimento da inicial, determinada a citação dos genitores, deve ser

aguardado o tempo para a citação dos pais (despacho inicial do Magistrado, expedição de

mandado, distribuição ao Oficial de Justiça...), sendo certo que na hipótese de genitor ou

genitora preso, há que se fazer a citação pessoal no local onde este se encontrar privado de

liberdade, por vezes sendo necessária a expedição de carta precatória para viabilizar a citação,

algumas vezes até mesmo em outros Estados da Federação. Estando o genitor em outro País,

necessária a expedição de carta rogatória17

, sem falar tempo de espera para a resposta para as

referidas cartas, comumente estendido em razão da burocracia envolvida.

Após a citação, tendo havido a apresentação de resposta, o magistrado dará vista dos

autos ao Ministério Público por cinco dias, salvo quando este já for o requerente, e designará

audiência de instrução e julgamento.

O Magistrado poderá ordenar a realização de estudo social ou, se possível, perícia por

equipe interprofissional. Em geral, é ordenada a confecção dos estudos social e psicológico.

O procedimento previsto no parágrafo segundo do art. 162 determina a oitiva das 16

“Olvida-se, por outro lado, a situação delicada em que se encontra o abrigado, precisando definir a sua vida,

rapidamente, pois, quanto mais corre o tempo, menos “adotável” ele se torna”. (NUCCI, 2014, p. 341) 17

Código de Processo Civil, art. 237, II.

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testemunhas na audiência, colhendo-se oralmente o parecer técnico. Na prática jurídica,

dificilmente o parecer técnico é colhido apenas em audiência, juntando-se aos autos o parecer

e também eventualmente se realizando a oitiva do expert para esclarecimentos acerca de seu

parecer apresentado anteriormente.

A previsão legal é que ocorra a partir deste ponto a manifestação sucessiva do

requerente, do requerido e do Ministério Público, pelo prazo de 20 minutos, prorrogável por

mais dez, com a decisão proferida em audiência, excepcionalmente podendo a autoridade

judiciária designar data para a leitura da sentença em no máximo 5 (cinco) dias18

.

Ocorre que muitas vezes não se passam assim os acontecimentos. Por vezes, a

audiência é cindida, ocasionando o adiamento da oitiva de determinadas testemunhas, ou

mesmo sendo pleiteada pelas partes, em razão da complexidade da causa, da cisão da prova

oral (muitas vezes com a participação de outro membro do Parquet) ou do tempo exíguo entre

as audiências, a apresentação das alegações por memorias. Por essas razões, dentre outras,

muitas vezes o julgamento não ocorre na audiência.

Outros entraves podem ocorrer durante a tramitação, que fazem durar ainda mais o

processo de destituição, como dificuldade para encontrar os réus, necessidade de busca de

endereços nos cadastros que o Poder Judiciário tem acesso, para atendimento dos termos do

entendimento contido no enunciado da súmula 292 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio

de Janeiro, evitando-se alegações de nulidade da citação.

Não se obtendo êxito na citação pessoal, será determinada a citação editalícia19

, o que

também alarga o tempo do trâmite, e em caso de ausência de resposta à citação ficta, é feita a

nomeação de curador especial20

para o réu, que apresentará sua defesa e atuará nos autos.

Após a sentença, que de acordo com o art. 199 – B do Estatuto da Criança e do

Adolescente possui efeito meramente devolutivo, há os recursos cabíveis, que, embora com a

previsão de serem apreciados e decididos em 60 dias (art. 199-D), muitas das vezes sua

tramitação ultrapassa o prazo impróprio constante da previsão legal.

3 ACOLHIMENTO PROLONGADO E SUAS SEVERAS CONSEQUÊNCIAS.

ALGUNS DADOS DAS COMARCAS DA CAPITAL FLUMINENSE E DE

CAMPOS DOS GOYTACAZES EXTRAÍDOS DO 18º CENSO DO MCA

Os que militam na área da Infância e Juventude e possuem contato com crianças

18

Estatuto da Criança e do Adolescente, Art. 162, §2º. 19

Código de Processo Civil, Art. 256. 20

Código de Processo Civil, Art. 72, II.

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acolhidas institucionalmente com frequência verificam, especialmente quando a medida já se

estende por tempo excessivo, as incontestáveis marcas psicológicas21

sofridas pelos infantes.

Mesmo muito antes da institucionalização pelo prazo máximo de 2 (dois) anos22

, o que muitas

vezes vem a ocorrer, percebem-se as nefastas consequências psicológicas nas crianças e

adolescentes institucionalizados, sendo urgente a tomada de medidas para a definição da

situação jurídica da criança acolhida, assim como para a diminuição do tempo de

institucionalização. Como bem frisa Guilherme de Souza Nucci (2014, p. 331):“[...]É o que

se precisa, a todo custo, evitar. Juízes e promotores devem se conscientizar que um único dia

no abrigo é um elevado custo para a infância ou juventude”.

As marcas deixadas pelo acolhimento institucional prolongado são gravíssimas e

trazem à criança por longo tempo institucionalizada sérios prejuízos emocionais e até mesmo

físicos, como muito bem analisa Mônica Cuneo (2007)23

ao mencionar as consequências de

um abrigamento prolongado.

No Estado do Rio de Janeiro, segundo dados do 18º Censo do Módulo da Criança de

do Adolescente (2016), há 1.781 acolhidos, sendo 1.581 em entidades de acolhimento, 150

em família acolhedora, 39 em acolhimentos especializados no atendimento de dependentes

químicos, e ainda 11 em acolhimento institucional de 2ª a 6ª feira.

Na comarca de Campos dos Goytacazes, havia, à época da elaboração do 18º Censo do

MCA (2016)24

, 186 acolhidos (três de outros Municípios), havendo a preocupante situação de

apenas 26 estarem “aptos à adoção”25

, cinco por óbito dos pais e 21 por terem as respectivas

ações de destituição do poder familiar transitado em julgado. Do total de 186 acolhidos, 38%

estão acolhidos há mais de dois anos, prazo máximo previsto no ECA.

Dos 186, apenas 160 possuem pai e/ou mãe vivos, dos quais 135 crianças se

encontravam à época da confecção do 18º Censo com ação de destituição do poder familiar

21 Quantos de nós, integrantes da chamada rede de proteção da infância, ao visitarmos um abrigo já ouvimos de

um acolhido: “Tia... quero uma família...” 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, §2º do art. 19. 23 “A institucionalização prolongada impede a ocorrência de condições favoráveis ao bom desenvolvimento da

criança. A falta da vida em família dificulta a atenção individualizada, o que constitui obstáculo ao pleno

desenvolvimento das potencialidades biopsicossociais da criança.” (CUNEO, 2007, p. 68). 24 A data de corte escolhida para extração dos dados do Censo foi o dia 31 de dezembro de 2016. Disponível em:

<http://mca.mp.rj.gov.br/wp-content/uploads/2017/01/18_Censo_Criterios_adotados_2016.pdf>. Acesso em: 14

jun. 2016. 25 “Consideram-se aptos à adoção, os acolhidos em regime institucional ou familiar que, juridicamente, estejam

liberados para a colocação em família substituta, quais sejam, os que não se encontrem sob a égide do poder

familiar, em razão da orfandade, do desconhecimento acerca de sua filiação ou da destituição do poder familiar

dos pais, esta por sentença judicial transitada em julgado, ou aqueles cujos pais consentem com a medida.”

Utilizou-se o mesmo critério adotado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, na elaboração do Cadastro

Nacional de Adoção – CNA. Disponível em: <http://mca.mp.rj.gov.br/wp-content/uploads /2017/ 01/18

_Censo_Criterios_adotados_2016.pdf>. Acesso em: 14 jun. 2016.

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ajuizada ou transitada em julgado. Na tabela que explicita a motivação de estarem os 26

“aptos” à adoção, 21 foram considerados aptos em razão de ação de destituição do poder

familiar transitada em julgado, o que demonstra que há, dentre os acolhidos, 114 crianças ou

adolescentes com ação de destituição ajuizada em curso e 46 sem ação de destituição do poder

familiar ajuizada26

, podendo haver outras ações ajuizadas em seu favor, procedimentos

administrativos ou crianças/adolescentes sem ação.

Feitos os cálculos acima, demonstrada está a necessidade de um desfecho das ações

para disponibilizar as crianças e adolescentes à adoção o quanto antes, bem como serem

empreendidas formas de minimizar o tempo de acolhimento, sendo a medida estudada no

presente artigo uma delas.

Observa-se também o número elevado de crianças e adolescentes acolhidos há mais de

dois anos em Campos dos Goytacazes (38,71 %), assim como o número de acolhidos com

idades elevadas, cujo perfil é menos buscado pelos habilitados do CNA, reforçando a urgência

na busca de soluções para os casos em que se vislumbra que aquela a criança não poderá ser

reintegrada à sua família natural.

4 COLOCAÇÃO DAS CRIANÇAS OU ADOLESCENTES EM GUARDA DA

FAMÍLIA ADOTIVA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA AÇÃO DE

DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. REFLEXÕES.

Dentre as medidas possíveis para o encurtamento do tempo de acolhimento

institucional, certamente a melhor e ideal seria uma tramitação mais célere da ação de

destituição do poder familiar, com o trânsito em julgado o mais breve possível, o que

certamente pressupõe um melhor aparelhamento do Poder Judiciário e, não com menos

importância, do restante da rede de atendimento.

Contudo, considerando a demora que ocorre nos trâmites administrativos e

processuais, uma possibilidade que se vislumbra é a colocação da criança em guarda por sua

futura família adotiva antes do trânsito em julgado da ação de destituição.

Uma análise da legislação vigente demonstra que não há nenhuma proibição legal para

que se profira tal decisão, sendo, ao contrário, medida que se coaduna com os princípios

norteadores do Estatuto da Criança e do Adolescente, em especial com o Princípio do

26 Alguns dos 46 possuem outras ações em seu favor (ex: ação para tratamento de drogadição, com ajuizamento

relativamente comum entre os adolescentes, Representação Administrativa em face dos genitores e

procedimentos administrativos instaurados para acompanhamento. Há também adolescentes acolhidas com seus

filhos e que deles cuidam bem, não havendo razão para se ajuizar ação de destituição do poder familiar.)

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Superior Interesse da Criança, já que viabiliza o exercício do direito à convivência familiar da

criança institucionalizada que não tem possibilidade de retorno para a família de origem.

Aqueles que se mostram contrários à colocação da criança em família substituta antes

do trânsito em julgado baseiam-se na possibilidade de a decisão ser revertida tanto ao final da

ação de destituição do poder familiar como em sede de recurso, trazendo insegurança jurídica

aos adotantes e aos infantes27

. Argumenta-se com a possibilidade de reversão da decisão

proferida em sede de tutela de urgência e consequente trauma psicológico para a criança que

se verá obrigada a romper os vínculos criados com o(s) adotante(s), assim como a situação

traumática para os pais biológicos e para os próprios pais adotantes. A base de tal

entendimento, ao que parece, é a garantia à segurança jurídica. Há também a argumentação

da impossibilidade de colocação no CNA em razão de atos normativos.

Os que entendem pela possibilidade em geral se pautam pela necessidade de se

oportunizar o quanto antes a colocação em família substituta, antecipando e garantindo o

direito da criança ou adolescente à convivência familiar.

Guilherme de Souza Nucci (2014, p. 343), em sua obra, discorre sobre a colocação da

criança de forma provisória em família substituta antes do desfecho da ação de destituição do

poder familiar, quando trata da triste situação de crianças e adolescentes vivendo em abrigos

com situação jurídica indefinida, valendo a transcrição do trecho:

[...] Outro aspecto a considerar, quando o juiz é atento e cônscio de sua relevante

atividade na Vara da Infância e Juventude, é a situação provisória-definitiva.

Noutros termos, há casos em que se está processando os pais (ou somente um deles,

pois o outro é ausente) por conta de gravíssima conduta contra o filho; sabe o

magistrado que a volta ao lar natural é praticamente impossível. Deve inserir o

menor em família substituta, candidata à adoção, sabendo esta que está recebendo

alguém com situação indefinida. (Grifos nossos)

Também Maria Berenice Dias (2016, p. 117):

[...] Já na inicial deve o Ministério Público requerer, a título de tutela antecipada de

urgência de natureza cautelar, que a criança seja entregue à guarda de quem está

habilitado a adotá-la (art. 300, CPC). Afinal, é evidente a probabilidade do direito e

o perigo de dano se permanecer institucionalizada. A colocação em família

substituta se trata de situação excepcional para garantir-lhe a convivência familiar e

comunitária em ambiente que garanta o seu desenvolvimento integral (ECA 19).

(grifos da autora)

Quanto a questões afetivas que em caso de eventual reforma da decisão judicial - o 27 Ex.: TAMBOSI, Isabella Collet. In: “A Concessão da Guarda provisória nas ações de adoção antes da

confirmação da destituição do poder familiar”, Estatuto da Criança e do Adolescente – 25 anos de desafios e

conquistas – Editora Saraiva, 2015, páginas 367 a 386. Coordenadores: Josiane Rose Petry Veronese, Luciano

Alves Rossato e Paulo Eduardo Lépore, onde a autora se manifesta contra a providência. Outros exemplos se

verificam na prática, conforme parte da jurisprudência.

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que é raríssimo em se tratando de ação de destituição do poder familiar -, podendo trazer

eventuais traumas aos envolvidos, em hipótese de a decisão determinar o retorno à família

biológica, como também mencionado por Nucci (2014) na obra já citada, e sopesando a

imensa e esmagadora maioria das hipóteses em que a reversão no tribunal não ocorrerá, não

deve ser razão para se restringir um direito fundamental da criança ou adolescente. A

colocação imediata na família substituta é o que deve ser buscado nas hipóteses em que já se

antevê a impossibilidade de retorno à família biológica.

Hipótese em que também não há completa segurança jurídica acerca de sua reversão é

a do consentimento ou entrega voluntária de criança para a adoção pelos pais biológicos, já

que, à luz da legislação vigente, poderá haver a retratação até a data de publicação da sentença

constitutiva da adoção28

. Imagine-se uma hipótese de entrega voluntária de criança em

adoção, com a inserção no CNA, já que se trata de um dos casos clássicos de aptidão para a

adoção, e, iniciado o estágio de convivência da adoção, o trâmite processual desta demore - o

que não é incomum - o suficiente para a formação de vínculos afetivos entre a criança e o

adotante. Da mesmíssima forma haverá possibilidade de reversão e consequências

psicológicas negativas29

.

Caso não se aceitasse em hipótese alguma a ainda que remota chance de ser necessário

o rompimento de vínculos afetivos, não teria o legislador previsto e inclusive estipulado a

28 Estatuto da Criança e do Adolescente, § 5º do artigo 166: “O consentimento é retratável até a data da

publicação da sentença constitutiva da adoção”. 29 O caso da jurisprudência que segue retrata bem a hipótese: ADOÇÃO. RETRATAÇÃO. ANUÊNCIA.

GENITORA. Trata-se da ação de adoção ajuizada pelos recorrentes que buscaram, em liminar, a guarda

provisória da menor impúbere para sua posterior adoção. (...) 6a C Cível – Ap. Cível no. 0042061-

90.2009.8.19.0021 – B – Fls. 4 / 4. No REsp, busca-se definir se o constatado vício de consentimento da mãe

biológica quanto à sua declaração de que pretendia entregar sua filha é elemento suficiente para determinar a

improcedência do pedido de adoção formulado pelos recorrentes, que detêm a guarda da adotanda há quase nove

anos. Para a Min. Relatora, embora reconheça as emoções que envolvem as questões de adoção, a constatação de

vício no consentimento da mãe biológica, com relação à entrega de sua filha, não nulifica, por si só, a adoção já

provisoriamente realizada, na qual é possível constatar a boa-fé dos adotantes. Observa que, entre os direitos

materno-biológicos e os parentais-socioafetivos, deve ser assegurado primeiro o interesse da criança como

elemento autorizador da adoção (arts. 6º e 43 do ECA), garantindo-se as condições básicas para o seu bem-estar

e desenvolvimento sociopsicológico. Afirma não ignorar o sofrimento da mãe biológica da adotanda nem os

direitos que lhe são inerentes, porém, a seu ver, nem aquele nem esses são esteio suficiente para fragmentar a

única família de fato que a criança conhece, na qual convive desde a tenra idade; se ocorresse a separação, seria

afastar a criança de suas únicas referências de amor, solidariedade, conforto e autoridade. Frisa que houve todo

um ajuste pessoal da adotanda com os recorrentes, que, não obstante tenham três filhos comuns, dispuseram-se,

já com certa idade, a assumir a condição de pais da criança, com a qual não nutrem laços consanguíneos. Por

fim, entre outras considerações, registra que recolocar a adotanda na sua família biológica importaria a sofrida

necessidade de uma readaptação de todos os valores e costumes construídos ao longo desses anos, além de que

essa mudança se daria no conturbado período da pré-adolescência. Assim, entende, por todos esses motivos e

peculiaridades do caso, que se deve manter íntegro o núcleo familiar dos recorrentes. Diante do exposto, a

Turma deu provimento ao recurso para cassar o acórdão recorrido e restabelecer a sentença, concedendo aos

recorrentes a adoção pleiteada. Precedente citado: REsp 100.294-SP, DJ 19/11/2001. REsp 1.199.465-DF, Rel.

Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/6/2011. (grifos nossos)

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preferência pela família acolhedora em relação ao acolhimento institucional, quando há

possibilidade de reintegração familiar, consoante parágrafo 1º do art. 34 do Estatuto da

Criança e do Adolescente, já que, por mais que cientes a criança e os participantes do

programa estejam de não ser esta modalidade de acolhimento institucional caminho para

adoção, é salutar e não há óbice para a construção de vínculos entre os envolvidos.

Certamente o retorno da criança para sua família biológica trará consequências

psicológicas a todos, mesmo todos sabendo ser esta a meta, e ainda que mantenham visitação

(o que não pode ser obrigatório). Ainda assim, não há por esta razão descrédito na referida

modalidade de acolhimento institucional.

Outra consideração também a ser feita é que, em se tratando das exceções do § 13 do

art. 50 do Estatuto, em especial a do inciso III, quando o interessado na adoção propõe a ação

de adoção cumulada com ação de destituição do poder familiar, dificilmente se questiona a

colocação do infante ou adolescente em guarda provisória, o que na imensa maioria das vezes

ocorre. Argumenta-se (a defesa) muitas vezes contrariamente ao pedido do pretendente à

adoção, com a aptidão do pai e/ou mãe em exercer o poder familiar e a guarda da criança.

Neste caso, na hipótese de ser mantida no recebimento da inicial a guarda já exercida pelo

tutor ou guardião, grande maioria dos casos da exceção do inciso III, caso ao final do

processo o pedido de adoção seja indeferido e posteriormente se revogue a guarda ou se

destitua a tutela, igual sofrimento com a interrupção dos vínculos suportará a criança ou

adolescente.

5 ANÁLISE LEGISLATIVA ACERCA DA POSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO DO

PODER FAMILIAR E COLOCAÇÃO DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE EM

GUARDA DA FAMÍLIA SUBSTITUTA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO

DA AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR

O CNJ – Conselho Nacional de Justiça e o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de

Janeiro – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro possuem atos normativos que são

utilizados como argumentos de impedimento à colocação de crianças e adolescentes em

família adotiva de forma provisória antes do trânsito em julgado da ação de destituição do

poder familiar.

A Resolução nº 54/2008, que instituiu o Cadastro Nacional de Adoção (CNA),

previsto no art. 50, parágrafo 5º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, textualmente

proíbe a inserção de crianças no CNA antes do trânsito em julgado da ação de destituição do

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poder familiar30

.

Na mesma linha de entendimento, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

também publicou o ato executivo nº 4.065/2008, cujo art. 32, que trata da inserção no CNA,

dispõe31

:“Art. 32 - A inserção no cadastro nacional de adoção somente poderá ocorrer após o

trânsito em julgado da ação de destituição do poder familiar.”

Ocorre que, tanto a Resolução do CNJ quanto o ato executivo do Tribunal de Justiça

do Estado do Rio de Janeiro, preveem proibição para a inserção no Cadastro Nacional de

Adoção, e não para a colocação da criança em família substituta de forma provisória,

antecipando-se à criança o direito de usufruir de seu direito à convivência familiar.

A resolução do CNJ trata em seu artigo 1º especificamente da implantação do Banco

Nacional de Adoção, “que tem por finalidade consolidar dados de todas as comarcas das

unidades da federação referentes a crianças e adolescentes disponíveis para adoção, após o

trânsito em julgado dos respectivos processos”. Na atual redação do artigo 1º da Resolução,

alterada pela resolução nº 190 do CNJ32

, há referência ao Cadastro Nacional de Adoção, em

lugar de Banco Nacional de Adoção.

A própria interpretação literal do dispositivo já deixa antever que ali se trata de

implantação de banco nacional (ou atualmente, de Cadastro Nacional). Ao mencionar

“crianças e adolescentes disponíveis para a adoção, após o trânsito em julgado dos respectivos

processos” (grifo nosso), transparece a possibilidade de existir criança ou adolescente

disponível à adoção antes do trânsito em julgado de seus respectivos processos, hipótese na

qual não poderá ser inserida no CNA, segundo a proibição do artigo 1º.

No que diz respeito ao ato executivo do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de

Janeiro, basta a leitura dos artigos 40 e 43 para se chegar a esta conclusão através de uma

interpretação sistemática:

Art. 40 - Estando apta a criança ou adolescente para adoção, deverá o Magistrado,

independente de haver sido proposta a ação de destituição do poder familiar,

30

Art. 1º. O Conselho Nacional de Justiça implantará o Banco Nacional de Adoção, que tem por finalidade

consolidar dados de todas as comarcas das unidades da federação referentes a crianças e adolescentes disponíveis

para adoção, após o trânsito em julgado dos respectivos processos, assim como dos pretendentes a adoção

domiciliados no Brasil e devidamente habilitados. (grifo nosso) 31

O Ato Executivo nº. 4065/2009: Regulamenta os procedimentos da Comissão Estadual Judiciária de Adoção

do Estado do Rio de Janeiro e dá outras providências. 32

Nova redação do art. 1º da Resolução 54: “Art. 1º O Conselho Nacional de Justiça implantará o Cadastro

Nacional de Adoção, que tem por finalidade consolidar dados de todas as comarcas das unidades da federação

referentes a crianças e adolescentes disponíveis para adoção, após o trânsito em julgado dos respectivos

processos, assim como dos pretendentes à adoção domiciliados no Brasil e no exterior, devidamente habilitados,

havendo registro em sub cadastro distinto para os interessados domiciliados no exterior, inserido no sistema do

CNA”.

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CADERNO IEP/MPRJ, v. 1, n. 1, junho/2018.

determinar, de ofício, a colocação em família substituta, acionando-se, para tanto, o

Cadastro de Adoção, considerando-se, sempre, os superiores interesses da criança

ou adolescente.

§ 1° - Na hipótese do caput, poderá ser deferida a guarda provisória, utilizando- se o

poder geral de cautela previsto no artigo 798 do CPC, vigorando por até 60 dias,

prazo máximo para a propositura da competente ação de adoção, cumulada com

destituição do poder familiar.

[...] Art. 43 - Quando da prolação da decisão inicial de conteúdo positivo nas ações do

poder familiar cumulado com suspensão, deverá ser analisado pelo juiz, de ofício ou

a pedido da parte, o deferimento liminar da guarda provisória, à pessoa habilitada no

Cadastro de Adoção, vigorando por até 60 (sessenta) dias, prazo máximo para a

propositura da competente ação de adoção cumulada com destituição do poder

familiar.

Enquanto o art. 32 do ato executivo se encontra localizado no título referente à

inserção no CNA e menciona textualmente Cadastro Nacional de Adoção, os artigos 40 e 43

se encontram no subtítulo “Dos Procedimentos Jurisdicionais”, nos capítulos “Do

Acolhimento e Desacolhimento” e “Da Destituição do Poder Familiar”, respectivamente.

O art. 40 menciona criança “apta” à adoção. As crianças “aptas” em tese seriam:

crianças cuja ação de destituição do poder familiar já transitou em julgado, crianças órfãs,

crianças com genitores desconhecidos e ainda aqueles cujos pais consentiram na adoção (art.

166 do ECA). Ocorre que no mesmo caput o artigo dispõe que, independentemente de ter

sido ajuizada a ação de destituição do poder familiar, deverá o juiz, inclusive de ofício,

proceder à colocação em família substituta, acionando-se o Cadastro de Adoção (grifo

nosso).

Assim, infere-se que não está tratando o caput do art. 40 apenas das hipóteses em que

é desnecessário o ajuizamento da ação de destituição (os casos clássicos de aptidão para a

adoção listados acima), já que seria desnecessária a menção à expressão “independente de ter

sido ajuizada...”. Mister salientar também que o caput determina “acionando-se o cadastro de

adoção”, não se referindo propriamente ou, ao menos, claramente, ao CNA. Em seguida, o

parágrafo único de forma direta avisa da possibilidade de colocação da criança ou adolescente

em guarda provisória, utilizando o Juiz para tanto o Poder Geral de Cautela.

A previsão contida no art. 43 da necessidade de que a adoção seja cumulada com

pedido de destituição do poder familiar “vigorando por até 60 (sessenta) dias, prazo máximo

para propositura da competente ação de adoção cumulada com destituição do poder familiar”,

assim como a previsão do art. 4733

do mesmo ato executivo é completamente equivocada,

gerando evidente litispendência parcial34

.

33

“Art. 47 – Os pedidos de adoção devem ser cumulados com o pedido de destituição do poder familiar, mesmo

quando já proposta ação de destituição do poder familiar pelo Ministério Público”. 34

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ADOÇÃO. DECISÃO QUE DETERMINA A EMENDA À

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CADERNO IEP/MPRJ, v. 1, n. 1, junho/2018.

Além da litispendência parcial, nos casos em que o Ministério Público já propôs ação

de destituição do poder familiar em face dos genitores, surge a “nova oportunidade de defesa”

para os genitores, sobre os mesmos fatos. Se, por exemplo, a ação de destituição do poder

familiar já se encontrar em tramitação adiantada - e geralmente se encontrará, em se tratando

de criança ou adolescente acolhido – , terão os pais biológicos nova oportunidade de

contestar, atrasando ainda mais os procedimentos com vistas a oportunizar aos infantes a

colocação em família substituta, privilegiando mais uma vez, e de forma desnecessária, os

pais biológicos em detrimento do infante, já que aqueles novamente terão chance para defesa.

Considere-se que, no mais das vezes, em se tratando de criança ou adolescente

acolhido, dificilmente o habilitado do cadastro ao ajuizar a ação de adoção terá mais e

melhores provas a produzir do que o Ministério Público, que teve contato com o caso daquela

criança muitas vezes até mesmo antes do acolhimento, em virtude de atividade extrajudicial,

que já obteve provas da impossibilidade de reintegração familiar para o ajuizamento da ação

de destituição, sem falar que, dada a sigilosidade dos processos administrativos e judiciais

envolvendo crianças e adolescentes, o Ministério Público terá amplo acesso às provas,

prerrogativa da qual certamente o habilitado não dispõe. Assim, além de despicienda a

cumulação, a mesma gera ainda mais transtornos para o infante ou adolescente acolhido.

O art. 43 mais uma vez prevê a possibilidade da medida, desta vez de forma explícita,

ao tratar do despacho inicial da ação de destituição do poder familiar, podendo o juiz na

decisão que defere o pedido de suspensão do poder familiar até mesmo de ofício deferir

liminarmente a guarda provisória à pessoa habilitada no Cadastro de Adoção.

Ainda que inexista o convencimento da não proibição de colocação da criança em

família adotiva antes do trânsito em julgado da destituição pelas considerações acima nos

dispositivos analisados, muito mais importante é a impossibilidade de ato normativo criar

proibição onde a lei não fez.

Com efeito, o Estatuto da Criança e do Adolescente não obsta a inserção da criança ou

adolescente em família substituta antes do trânsito em julgado, sendo a possibilidade

decorrente da análise conjunta da própria lei estatutária com o Código de Processo Civil. A

possibilidade de suspensão do poder familiar está expressamente prevista no art.

INICIAL PARA QUE SEJA INCLUÍDO O PEDIDO DE DESTITUIÇÃO DO PATRIO PODER.

INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO SOB O ARGUMENTO QUE JÁ EXISTE AJUIZADA A

AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR, QUE É PREJUDICIAL AO PEDIDO DE ADOÇÃO.

LITISPENDÊNCIA PARCIAL. APENSAMENTO DAS AÇÕES. SUSPENSÃO DA AÇÃO DE ADOÇÃO,

MANTENDO-SE HÍGIDA A GUARDA PROVISÓRIA E SEUS EFEITOS. PROVIMENTO DO RECURSO”.

0071258-46.2015.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. (grifo nosso)

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CADERNO IEP/MPRJ, v. 1, n. 1, junho/2018.

157 do Estatuto da Criança e do Adolescente35

.

A previsão expressa da suspensão do poder familiar de forma liminar ou

incidentalmente, até o julgamento definitivo da causa tem por premissa a existência de motivo

grave, o que já traduz uma garantia de segurança jurídica tanto para o protagonista da ação de

destituição, qual seja, a criança ou adolescente, como para os demais envolvidos neste tipo de

ação.

A suspensão somente ocorrerá em havendo motivo grave e poderá ser deferida em

caráter liminar, logo por ocasião da propositura da ação de destituição do poder familiar ou

em caráter incidental. O art. 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente menciona razões para

a perda e a suspensão do poder familiar: hipóteses previstas na lei civil e no descumprimento

injustificado dos deveres e obrigações previstos no art. 22 do Estatuto.

Nucci (2014, p. 531) aduz que, a seu ver, “a regra é a suspensão do poder familiar,

durante o trâmite da ação de destituição, pois nos soa ilógico manter o filho com os pais se há

motivo para a perda do poder familiar”. Ao tratar de “pessoa idônea”, menciona a

possibilidade de convocar habilitado do CNA: “[...] Uma das possibilidades é convocar

alguém do cadastro de adoção, que se adapte àquela criança ou adolescente, para assumir a

guarda provisória, pois há intuito de permanência definitiva, o que reduz o trauma para o

infante ou jovem [...]”.

Também trata o autor durante a análise do art. 161 do Estatuto, que quando é ajuizada

a ação de destituição do poder familiar, várias etapas já foram ultrapassadas (2014, p. 538).

Nesta esteira, ainda, Kátia Maciel (2017, p. 864) afirma a possibilidade da pessoa ou

casal idôneo ser oriundo do cadastro de adoção e, inclusive, postular desde logo a adoção em

favor da criança acolhida:

[...] impende consignar que, na prática, proposta a ação de destituição do poder

familiar pelo Parquet e suspenso o poder familiar liminarmente, há a possibilidade

de pessoa ou casal habilitado e cadastrado postular pedido de adoção em favor de

criança ou de adolescente acolhido, cujos pais estejam respondendo àquela demanda

destituitória. Nesta hipótese, desnecessária a cumulação do pleito de adoção com a

destituição do poder familiar, na medida em que já existiria ação em trâmite,

inclusive com liminar deferida, bastando que ambas as ações tramitem em apenso

para julgamento conjunto, ante a conexidade. Caso seja cumulada à adoção uma

nova demanda de perda do poder familiar, há evidentes litispendência e

prejudicialidade externas, portanto, o segundo pedido de destituição deve ser extinto

(art. 337, § 1º e § 3º c/c 485, V do NCPC)

35 Art. 157. Havendo motivo grave, poderá a autoridade judiciária, ouvido o Ministério Público, decretar a

suspensão do poder familiar, liminar ou incidentalmente, até o julgamento definitivo da causa, ficando a criança

ou adolescente confiado a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade.

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CADERNO IEP/MPRJ, v. 1, n. 1, junho/2018.

Por outro lado, a referida autora defende que a medida de colocação da criança em

família substituta adotiva em casos de suspensão do poder familiar deve ser respaldada de

cuidados, somente quando comprovada a inviabilidade da manutenção na família de origem,

pois a inserção do nome da criança no cadastro nacional de adoção não é consequência lógica

e imediata da suspensão do poder familiar (2017, p. 866):

Note-se que a inserção do nome da criança, cujos pais sejam os réus desta espécie de

demanda, no cadastro nacional de adoção não é consequência lógica e imediata da

decisão que suspende o múnus parental. Pelo contrário, deve estar revestida de

muitos cuidados, de modo a não ferir as normas norteadoras da medida de adoção e,

principalmente, o princípio do superior interesse da criança, uma vez que esta, de

modo açodado, pode ser colocada em uma família substituta precipitadamente, sem

qualquer avaliação prévia da inviabilidade de permanência no ambiente familiar

natural.

A pessoa idônea para quem o juiz pode confiar, colocando em guarda (na letra da lei,

mediante termo de responsabilidade) deverá ser, tal qual é feito no cotidiano das varas de

infância, a pessoa habilitada no CNA, excetuando-se os casos de adoção intuitu personae

(adoção consentida dirigida, para os que entendem possível no ordenamento vigente) e adoção

por família extensa, em que não se buscará no CNA. Isso porque tal pessoa ou casal (do

CNA) já ultrapassou o importante procedimento previsto no art. 197 – A a 197 – E do ECA,

inclusive tendo havido junto ao habilitado a intervenção da equipe multiprofissional da Vara

da Infância e Juventude.

Outra razão para ser considerado o habilitado a “pessoa idônea” para a qual o juiz

confiará a criança antes do trânsito em julgado da adoção é a própria sistemática do Estatuto

da Criança e do Adolescente: além de a destituição do poder familiar funcionar como

penalidade civil aos pais biológicos nos casos previstos em lei, certo é que propicia a

colocação do infante em família adotiva. Considerando que deve prevalecer o Superior

Interesse da Criança, uma vez destituído o poder familiar dos pais biológicos, ou tão logo

percebida a impossibilidade de manutenção na família de origem, urge se buscar para o

infante o atendimento de seu direito à convivência familiar. Como a colocação em família

substituta pode se dar através de guarda, tutela ou adoção36

, deverá ser buscada a forma de

colocação em família substituta que mais amplamente atenderá aos interesses do infante, que

evidentemente é a adoção37

.

36

Estatuto da Criança e do Adolescente, Art. 28. 37

“De todas as modalidades de colocação em família substituta previstas em nosso ordenamento jurídico, a

adoção é a mais completa, no sentido de que há a inserção da criança/adolescente no seio de um novo núcleo

familiar, enquanto as demais (guarda e tutela) limitam-se a conceder ao responsável alguns dos atributos do

poder familiar. A adoção transforma a criança/adolescente em membro da família, o que faz com que a proteção

que será dada ao adotando seja muito mais integral.” (BORDALLO, 2017, p. 334)

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Sendo a adoção preferencial em relação à guarda e à tutela, e havendo em nosso

sistema vigente a previsão do cadastro (art. 50 do ECA), a consequência lógica é a de se

buscar desde logo que se confie a criança, cujos pais foram suspensos do poder familiar para

os quais a criança certamente não retornará, a uma pessoa habilitada para a adoção, em ordem

cronológica e de acordo com o perfil do infante.

Além das considerações anteriores acerca da inexistência de proibição da colocação

provisória do infante na família substituta, a própria letra da lei não coloca como requisito à

colocação em família substituta em nenhuma de suas formas o trânsito em julgado da ação de

destituição do poder familiar, como se infere do caput do art. 28 do Estatuto da Criança e do

Adolescente: “Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou

adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta

Lei.” (grifo nosso).

Considerando a utilização do advérbio independentemente, resta induvidosa a

possibilidade defendida neste artigo.

Em relação à criança e ao adolescente cujos pais já foram destituídos em primeiro grau

de jurisdição, não há qualquer questão que mereça ser debatida, trazendo o Estatuto da

Criança e do Adolescente a previsão expressa de ser o eventual recurso de apelação recebido

apenas no efeito devolutivo38

.

Em linha um pouco diversa é a doutrina de Dimas Messias de Carvalho (2017, p. 685),

no entanto, sem mencionar acerca da guarda provisória da criança ao adotante e criticando o

fato de o recurso ser recebido apenas em seu efeito devolutivo:

Somente após o trânsito em julgado, se procedente a ação, poderá ser deferida a

adoção sem a autorização dos pais biológicos. O entendimento é enfraquecido pela

Lei n. 12.010/2009, ao acrescentar no Estatuto da Criança e do Adolescente que a

sentença que destitui o poder familiar fica sujeita à apelação recebida apenas no

efeito devolutivo, o que poderá causar dano irreparável se a adoção for deferida e

posteriormente reformada a decisão que destituiu o poder familiar. [g.n.]

Assim, da análise conjunta dos preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente e

especialmente em observância da provisoriedade prevista em lei da medida de acolhimento

institucional, a utilização da tutela de urgência como defendida acima com a finalidade de se

diminuir o tempo de acolhimento institucional da criança ou adolescente é perfeitamente

38

Art. 199-A. A sentença que deferir a adoção produz efeito desde logo, embora sujeita a apelação, que será

recebida exclusivamente no efeito devolutivo, salvo se se tratar de adoção internacional ou se houver perigo de

dano irreparável ou de difícil reparação ao adotando.

Art. 199-B. A sentença que destituir ambos ou qualquer dos genitores do poder familiar fica sujeita a apelação,

que deverá ser recebida apenas no efeito devolutivo. [g.n.]

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válida, vantajosa e harmônica com a legislação vigente.

6 JURISPRUDÊNCIA E CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETOS DE LEI EM

TRÂMITE. HIPÓTESES DE CABIMENTO E ANÁLISE DE CASOS CONCRETOS

6.1 RECONHECIMENTO PELA JURISPRUDÊNCIA DA POSSIBILIDADE DE

COLOCAÇÃO DO INFANTE EM GUARDA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO

DA DESTITUIÇÃO

A colocação da criança em guarda de integrante do CNA antes do trânsito em julgado

vem sendo admitida na jurisprudência, seja após a sentença, mas antes do esgotamento dos

recursos cabíveis, ou ainda no curso da ação de destituição do poder familiar, quando

constatada a inaptidão da família “natural” para criar a criança ou adolescente, como se

observa dos julgados que seguem:

DIREITO CIVIL. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ART. 1638,

II, DO CÓDIGO CIVIL. ART. 23 DO ECA. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE

PODER FAMILIAR. SENTENÇA QUE, FRENTE À COMPROVAÇÃO DE

ABANDONO E NEGLIGÊNCIA POR PARTE DA GENITORA, ACOLHE A

PRETENSÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DETERMINANDO A INCLUSÃO

DO NOME DA FILHA NO CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO.

APELAÇÃO IMPROVIDA. DECISÃO UNÂNIME. Conquanto o art. 23 do ECA

reze que a situação de pobreza não é suficiente para acarretar a extinção do poder

familiar, tal medida se impõe quando nos autos resta comprovado o abandono e

descaso por parte da genitora, mormente após ter deixado a filha adolescente sob os

cuidados de abrigo por mais de dez anos. Sentença mantida. (Apelação nº 2905020 –

Rel. André Oliveira da Silva Guimarães – Julgamento: 05/11/2013 – 1ª Câmara

Cível - TJPE) [g.n]

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.

AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR C/C REPRESENTAÇÃO

ADMINISTRATIVA E APLICAÇÃO DE MULTA PROTETIVA. SENTENÇA DE

PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE DESTITUIÇÃO, DEIXANDO DE APLICAR

MULTA DIANTE DA HIPOSSUFIÊNCIA LATENTE DA GENITORA QUE

ENCONTRA-SE ACAUTELADA EM UNIDADE PRISIONAL DESTE ESTADO.

RECURSO DA GENITORA. Pai da criança citado por edital. Provas contundentes

da incapacidade da genitora de criar, educar e conviver com sua filha. Criança que

nasceu quando a mãe estava encarcerada por cometer crime de homicídio e foi

criada na maior parte de seus quatro anos de vida pela ex-companheira da mãe que a

conheceu quando internas na mesma unidade prisional. Genitora que por ciúmes

ateou fogo na casa do ex-casal com a filha dentro tendo esta sofrido queimaduras

graves. Folha de Antecedentes criminais da mãe com inúmeras anotações de crimes

contra a vida. Menor entregue ao Conselho Tutelar pela ex-vizinha já que a genitora

encontrava-se em local incerto e não sabido e a ex-companheira foragida. Mãe que

mesmo após ser aconselhada e orientada pelo Conselho Tutelar nada fez para

restabelecer a guarda de sua filha, que aliás o laudo da equipe interdisciplinar afirma

não ter afinidade com aquela. Ao contrário, no curso do processo a mesma foi

novamente presa e condenada, agora por tráfico de drogas. Os relatórios e os estudos

sociais realizados retratam total descumprimento dos deveres inerentes ao poder

familiar. Aplicação do Princípio do Melhor Interesse e da doutrina da proteção

integral (artigo 1º da Lei nº 8.069/90). Destituição do poder familiar de ambos os

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CADERNO IEP/MPRJ, v. 1, n. 1, junho/2018.

genitores mantida. Criança que terá seu nome incluído no Cadastro Nacional

de Adoção. Sentença mantida. Recurso conhecido e desprovido. Precedentes.

(Apelação nº 0048998-35.2012.8.19.0014 – Rel. Des. Marco Aurélio Bezerra de

Melo – Julgamento: 15/07/2014 – 16ª Câmara Cível - TJRJ) [g.n]

DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. FAMÍLIA. ESTATUTO DA CRIANÇA

E DO ADOLESCENTE. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR C/C

PEDIDO CAUTELAR DE SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR E GUARDA

PROVISÓRIA, INAUDITA ALTERA PARTE C/C GUARDA DEFINITIVA,

ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL E INSCRIÇÃO NO CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO. SENTENÇA PELA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

APELAÇÃO. TESES. APTIDÃO DOS GENITORES PARA O EXERCÍCIO DO

PODER FAMILIAR. IRREGULARIDADE DAS MEDIDAS PROTETIVAS

APLICADAS AOS MENORES. AFASTADAS. DEMONSTRAÇÃO DA

INCAPACIDADE DOS PAIS DE PROPORCIONAR AMBIENTE SAUDÁVEL

AO DESENVOLVIMENTO FÍSICO E PSICOLÓGICO DOS FILHOS.

HISTÓRICO DE ALCOOLISMO, VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E NEGLIGÊNCIA.

LONGO ACOMPANHAMENTO DA FAMÍLIA PELO CONSELHO TUTELAR

DE IGACI E PELO CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

(CRAS). AUSÊNCIA DE MELHORA SIGNIFICATIVA OU DURADOURA.

RECOLHIMENTO DA MENOR V. F. de O. AOS CUIDADOS DE FAMÍLIA

ACOLHEDORA. ÚNICA MEDIDA CABÍVEL NAS CIRCUNSTÂNCIAS.

GUARDA PROVISÓRIA CONCEDIDA POR MEIO DE DECISÃO JUDICIAL.

SAÍDA DOS MENORES M. F. O. E M. F. da S. DA INSTITUIÇÃO FUNDANOR

SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. TOMADAS AS PROVIDÊNCIAS CABÍVEIS.

CASAL ATUALMENTE DETÉM A GUARDA DESTES COM AVAL

JUDICIAL. RECURSO CONHECIDO, MAS NÃO PROVIDO. DECISÃO

UNÂNIME. (APELAÇÃO nº 0000616-22.2011.8.02.0013 – REL. DES. PEDRO

AUGUSTO MENDONÇA DE ARAUJO – JULGAMENTO: 04/04/2013 – 2ª

CÂMARA CIVEL - TJAL) [g.n]

PROCESSO CIVIL. CIVIL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SUSPENSÃO DO PODER

FAMILIAR. INCLUSÃO DO MENOR NO CADASTRO PARA ADOÇÃO.

SUSPENSÃO DAS VISITAS. PRIMAZIA DO INTERESSE E BEM-ESTAR

DO MENOR. 1. A CONCESSÃO DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

DEPENDE DE PROVA INEQUÍVOCA QUE CONVENÇA DA

VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES, BEM COMO DO FUNDADO

RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO,

REQUISITOS DEMONSTRADOS NO CASO EM EXAME PARA

JUSTIFICAR A SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR E A INCLUSÃO DO

NOME DO MENOR NO CADASTRO PARA ADOÇÃO, BEM COMO A

CESSAÇÃO DAS VISITAS DA GENITORA, DE MODO A GARANTIR,

NUM EXAME PERFUNCTÓRIO, A PRIMAZIA DO INTERESSE E BEM- ESTAR DA CRIANÇA. 2. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ-DF - AG

57336320098070000 - DF 0005733-63.2009.807.0000 - 4ª Turma Cível – Relator

Des. Cruz Macedo – Julgamento em 16/09/2009). [g.n.]

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SUSPENSÃO

DO PODER FAMILIAR.

INCLUSÃO DO MENOR NO CADASTRO DE ADOÇÃO. PRESSUPOSTOS

LEGAIS ATENDIDOS. MANUTENÇÃO DA DECISÃO QUE ANTECIPOU A

TUTELA. - PRESENTES A PROVA INEQUÍVOCA QUE CONVENÇA DA

VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES, BEM COMO FUNDADO

RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO, A

CONCESSÃO DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA É MEDIDA QUE SE IMPÕE. - RECURSO IMPROVIDO. UNÂNIME. (TJ-DF - AI

51305320108070000 - DF 0005130-53.2010.807.0000 - 6ª Turma Cível – Relator

Des. Otávio Augusto – Julgamento: 28/07/2010). [g.n.]

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CADERNO IEP/MPRJ, v. 1, n. 1, junho/2018.

Por outro lado, em outra hipótese, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

negou a manutenção de decisão de suspensão liminar do poder familiar com busca por

habilitado do CNA para o infante, em razão de divergência entre estudos técnicos realizados e

de não ter sido encerrada a instrução probatória:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR E

INCLUSÃO DA MENOR EM CADASTRO DE ADOÇÃO. REFORMA DA

DECISÃO. 1. Recurso voltado contra decisão que determinou a suspensão do poder

familiar e a inclusão da menor envolvida em cadastro para adoção. 2. Rejeição da

preliminar de falta de fundamentação da decisão, eis que de sua simples leitura se

observa ter sido a mesma embasada nos documentos produzidos pelo agravado e nos

artigos 1.637, segunda figura, e 1.638, incisos II e IV, do CC. 3. Dicotomia

demonstrada ao longo dos estudos realizados, que aponta para o descabimento da

manutenção da decisão agravada, proferida sem que a instrução probatória esteja

completada, sob pena de se colocar a criança em estado mais instável do que já se

encontra, provocando um ir e vir que não atende seus interesses. 4. Recurso ao qual

se dá provimento” (TJRJ, 8ª Câm. Cív. Agravo de Instrumento 0000015-

81.2011.8.19.0000, Rel. Des. Monica Costa Di Piero, j. 7-6-2011

6.2 PROJETOS DE LEI EM CURSO E BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO

DE LEI Nº 6594/2016

Há em tramitação na Câmara dos Deputados Projetos de Lei relacionados à destituição

do poder familiar e à adoção39

. Por destacar expressamente a possibilidade de colocação em

família substituta de forma provisória, será analisado o Projeto de Lei nº 6.594/201640

.

De autoria da Deputada Tia Eron, em especial na previsão de inserção de parágrafo

único ao art. 157, o projeto demonstra a preocupação em constar expressamente na redação do

Estatuto a possibilidade, uma vez suspenso o poder familiar, de ser inserida a criança no

CNA:

“Art. 157. [...] Parágrafo único. Com a decisão liminar de suspensão do poder familiar, a criança ou

o adolescente poderá ser inserida no Cadastro Nacional de Adoção, procedendo-se a

anotação de que não há sentença transitada em julgado. (NR)”

O projeto de lei ainda prevê que a guarda a ser deferida será denominada “guarda para

39

PL 6.924 de 2017 apresentado em 15/02/2017 pela Deputada Carmen Zanotto, PL 5.850 de 2016, do Deputado

Augusto Coutinho, PL 5.443 de 2016 do Deputado Carlos Bezerra, PL nº 1432 de 2011, do Deputado Jorge

Tadeu Mudalen, que possui 20 apensos que tratam de alterações no sistema de adoção, cadastro, habilitação,

tempo de acolhimento, novas espécies de adoção alteração no procedimento de adoção e de suspensão e

destituição do poder familiar e assuntos correlatos (PL 5908/2013, PL 7521/2014, PL 7632/2014, PL 2607/2015,

PL 2894/2015, PL 3731/2015, PL 5171/2016, PL 4811/2016, PL 3904/2015, PL 4717/2016, PL 4640/2016, PL

5443/2016, PL 62/2015, PL 5223/2016, PL 7563/2014, PL 2662/2015, PL 620/2015, PL 1731/2015, PL

6594/2016 e PL 7197/2017) e PL 6594/2016 da Deputada Tia Eron. 40

Último despacho em 12/12/2016: Apense-se à(ao) PL-1432/2011. Proposição Sujeita à Apreciação Conclusiva

pelas Comissões - Art. 24 II. Regime de Tramitação: Prioridade (Art. 151, II, RICD). Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb /ficha de tramitação? id Proposição =2119044>. Acesso em: 17 jul.

2017.

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CADERNO IEP/MPRJ, v. 1, n. 1, junho/2018.

fins de adoção”:

“Art. 167. [...]

Parágrafo único. Deferida a concessão da guarda provisória, a criança ou o

adolescente será entregue ao interessado, mediante termo de responsabilidade, que

conterá, obrigatoriamente, o título “Guarda Provisória para fins de Adoção”. (NR)”

Também salutar, o projeto prevê um prazo máximo, embora impróprio, para a

conclusão da ação de adoção, salvo se for necessária excepcionalmente a prorrogação da

guarda provisória para fins de adoção, por meio de decisão fundamentada. O exemplo

vislumbrado é justamente de não ter a ação de destituição do poder familiar transitado em

julgado, sendo necessária a prorrogação da “guarda para fins de adoção.” Segue o teor do

projeto neste particular:

Art. 170- A. O prazo máximo para conclusão da ação de adoção será de trezentos e

sessenta e cinco dias, salvo se houver necessidade excepcional de prorrogação da

guarda provisória para fins de adoção a ser estabelecida por meio de decisão judicial

fundamentada. (NR)

Expressa também ficará, caso aprovado o projeto, a possibilidade já admitida na

jurisprudência de consequências para a desistência da “guarda para fins de adoção41

”:

“Art. 197 - E [...]

§ 4º A desistência do adotante de guarda para fins de adoção ou após a adoção

transitado em julgado com devolução da criança ou do adolescente poderá importar

exclusão imediata do Cadastro Nacional de Adoção e vedação de renovação da

habilitação, sem prejuízo das demais medidas para responsabilização do habilitado

ou adotante. (NR)”

Além das previsões acima destacadas, é importante também a implementação de

alterações legislativas que agilizem a tramitação da ação de destituição do poder familiar.

6.3 HIPÓTESES DE CABIMENTO E ANÁLISE DE ALGUNS CASOS CONCRETOS DA

APLICAÇÃO DA SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR COM DEFERIMENTO DE

GUARDA PROVISÓRIA A HABILITADO NO CADASTRO

41

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADOÇÃO. DESISTÊNCIA NO CURSO DO ESTÁGIO

DE CONVIVÊNCIA. PERÍODO PREVISTO NO ART. 46 DO ECA QUE TEM COMO FINALIDADE

AVALIAR A ADEQUAÇÃO DA CRIANÇA À FAMÍLIA SUBSTITUTA PARA FINS DE ADOÇÃO.

DEVOLUÇÃO IMOTIVADA QUE GERA, INQUESTIONAVELMENTE, TRANSTORNOS QUE

ULTRAPASSAM O MERO DISSABOR, JÁ QUE FRUSTRAM O SONHO DA CRIANÇA EM FAZER

PARTE DE UM LAR. O estágio de convivência não pode servir de justificativa legítima para a causação,

voluntária ou negligente, de prejuízo emocional ou psicológico a criança ou adolescente entregue para fins de

adoção. Após alimentar as esperanças de uma criança com um verdadeiro lar, fazer com que o menor volte ao

acolhimento institucional refletindo o motivo pelo qual foi rejeitado novamente, configura inquestionável dano

moral, e sem dúvida acarreta o dever de indenizar daqueles que deram causa de forma imotivada a tal situação.

Sentença mantida. Recurso desprovido.” (Apelação nº 0001435-17.2013.8.19.0206).

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CADERNO IEP/MPRJ, v. 1, n. 1, junho/2018.

Como leciona Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel (2016, p. 836), a decisão

de suspensão do poder familiar é medida a ser deferida na hipótese de constatada falta de

observância aos deveres relacionados no art. 1.634 e diante das hipóteses do art. 1.637, ambos

do Código Civil, e ainda quando verificada a possibilidade de perigo ou risco para a criança

ou adolescente:

[...] constatada a falta aos deveres relacionados no art. 1.634 do Código Civil e

diante das hipóteses do art. 1.637 do mesmo diploma, bem como verificada a

possibilidade de eventual perigo ou risco para a criança ou adolescente com a

permanência no convívio com o detentor do poder familiar, o Juiz pode conceder a

suspensão deste encargo ante a presença dos requisitos das tutelas de urgência (art.

300 do NCPC): fumus boni iuris e periculum in mora. O pedido, promovido pelo

Ministério Público ou pessoa que possua legítimo interesse (art. 155 do ECA),

poderá ter a natureza de tutela antecipada (art. 303 do NCPC) ou natureza de tutela

cautelar (art. 305 do NCPC).

Assim, tem-se que a medida de suspensão é excepcional e provisória e deve ser

aplicada aos casos mais graves de violação de direitos, não importando em consequência na

colocação imediata do nome da criança no CNA, como já mencionado acima, ressaltando-se

que, muitas das vezes, a própria medida de suspensão já é suficiente para estancar o risco ao

qual a criança estaria exposta, sendo revertida ao final da ação de destituição do poder

familiar, como ressalta a autora (2016, p. 838): “[...] Por vezes, a medida de suspensão da

autoridade parental surte efeitos suficientes sobre a família, tornando inadequada a aplicação

da perda do poder familiar [...]”.

Da análise jurisprudencial e de casos concretos, observa-se que a medida de suspensão

do poder familiar com a colocação em guarda de futuro adotante deverá ser cercada sempre de

responsabilidade e cuidados, já que necessária a preservação da integridade psíquica da

criança ou adolescente, devendo ser aplicada apenas aos casos de gravíssimas violações de

direitos, mormente quando verificada por equipe técnica a impossibilidade de reintegração

familiar aos genitores, como por exemplo, hipóteses de negligência ou maus-tratos graves,

abuso sexual praticado contra a criança ou adolescente com a conivência ou acobertamento

pelos genitores, e até mesmo em hipótese de o genitor ou genitores de forma evidente não

demonstrarem interesse na manutenção do poder familiar. Outra consideração de hipótese a

se constatar é quando, existindo outros filhos já destituídos, em especial em curto espaço de

tempo, verificar-se a inércia dos genitores em buscar mudanças de comportamento com a

repetição das violações já aplicadas aos filhos já destituídos.

Serão analisados adiante os históricos de acolhimento institucional de crianças que se

encontravam nas entidades de acolhimento LARA – Lar de Acolhimento, Respeito e Amor e

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CADERNO IEP/MPRJ, v. 1, n. 1, junho/2018.

Despertar, situados em Campos dos Goytacazes.

A escolha das referidas entidades de acolhimento foi feita em razão do perfil de suas

crianças acolhidas – bebês, crianças pequenas, grupos de irmãos e adolescentes acolhidas com

seus filhos.

Os casos foram escolhidos com a intenção de abordar o impacto da decisão de

suspensão do poder familiar com a colocação provisória em família substituta na trajetória

dessas crianças. Notar-se-á que os momentos processuais em que ocorreu a decisão tratada

neste artigo são diferentes. Será buscado verificar também a duração do tempo de

acolhimento institucional de cada delas, antes da decisão e após, bem como o andamento

processual de suas respectivas ações de destituição do poder familiar e de adoção.

Os nomes das crianças não serão expostos, dada a natureza sigilosa dos processos que

tramitam na Vara da Infância e Juventude. Para a pesquisa foram utilizados dados do MCA,

de consulta processual no site do TJRJ – Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e também

dados obtidos da leitura dos autos dos processos de cada uma das crianças. A utilização dos

processos para fins deste estudo foi autorizada judicialmente, tendo sido esclarecido no

requerimento que o sigilo relativo aos infantes seria rigorosamente observado.

Criança “A”: institucionalizada dos três meses aos quatro anos de idade. Sentença

prolatada em seis meses após o acolhimento institucional. Criança com paternidade

não registrada. Inserção em família substituta aos quatro anos de idade, antes do esgotamento

dos recursos. Trânsito em julgado com a criança já em família substituta, aos cinco anos de

idade.

A criança “A”, nascida em junho de 2011, foi acolhida em setembro de 2011, poucos

dias após completar três meses de idade. Não foi possível o acesso à ação de destituição do

poder familiar desta criança em razão de os autos se encontrarem no arquivo geral do Tribunal

de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, mas houve acesso ao procedimento através do qual se

acompanhou a criança a partir da sentença, já que houve recursos, e aos autos da adoção.

Da leitura dos capítulos da sentença (há cópia nos autos), prolatada por em abril de

2012, ocasião em que a criança se encontrava com 09 meses de idade, verificou-se que há

menção de ter ocorrido o acolhimento institucional da criança A, em razão de denúncia de

negligência e maus tratos. Consta da sentença que a criança recebia visitas de familiares

raramente. Na sentença há ainda informação de que, antes do acolhimento, a genitora

perambulava pelas ruas com a criança. No dispositivo foi determinada a inclusão no cadastro

após a coisa julgada. Uma vez interposto o recurso, o magistrado, ao proferir a decisão a que

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CADERNO IEP/MPRJ, v. 1, n. 1, junho/2018.

se refere o art. 198, VII, do Estatuto da Criança e do Adolescente42

, menciona o tempo de

acolhimento da criança – à época já com 1 ano e 2 meses de idade - , a total negligência

materna e as tentativas infrutíferas de reintegração familiar, ressaltando inclusive abuso

sexual perpetrado pela genitora contra a criança dentro da entidade de acolhimento.

Percebe-se que, em relação à criança “A”, o tempo decorrido entre o início do

acolhimento e o da prolação da sentença pouco ultrapassou o prazo previsto no caput do art.

163 do Estatuto da Criança e do Adolescente, já que a ação de destituição do poder familiar

foi distribuída no dia 29/09/2011, tendo sido concluído o processo em primeiro grau em 184

dias.

Após a sentença, foi interposta apelação, autuada em setembro de 2012, à qual, por

unanimidade, foi negado provimento, tendo sido publicado o acórdão em 15/02/2013, quando

a criança “A” se encontrava com aproximadamente 1 ano e 8 meses. Parecer psicológico

confeccionado em março de 2013 no processo que a acompanhava em primeira instância

narra a continuidade da irresponsabilidade materna, discurso apresentando contradições em

relação a seu cotidiano e baixíssima visitação, uma vez ao mês, e nenhuma visita de outros

familiares.

Em 09 de abril de 2013 foram interpostos embargos de declaração, rejeitados por

unanimidade, com acórdão publicado em 28/06/2013. Após, foi pela defesa interposto

Recurso Especial, que não foi admitido, em 13/09/2013. Foi interposto agravo interno de

Recurso Especial em 19/03/2014. Foi determinado que outro julgamento fosse realizado,

visando afastar omissão apontada pela defesa embargante, qual seja, sobre a necessidade de a

Corte de Justiça se manifestar sobre questão apontada como relevante ao deslinde da

controvérsia, sendo esta a necessidade de inclusão da genitora em programas de orientação e

auxílio à família, para que, apenas após, houvesse a destituição do poder familiar.

Os embargos foram então conhecidos e providos por unanimidade, mencionando o

voto do relator a comprovação nos autos de já terem sido tomadas providências em favor da

família da criança “A”, que restaram infrutíferas, inviabilizando a manutenção do poder

familiar. Constou do voto que, suprida esta omissão, nenhuma repercussão havia a ponto de

provocar alteração no resultado do julgamento, mantendo-se a sentença (prolatada em

audiência em abril de 2012).

Não tendo havido recurso desta decisão em sede de embargos de declaração, em

42

Art. 198, VII, do ECA: “antes de determinar a remessa dos autos à superior instância, no caso de apelação, ou

do instrumento, no caso de agravo, a autoridade judiciária proferirá despacho fundamentado, mantendo ou

reformando a decisão, no prazo de cinco dias”.

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CADERNO IEP/MPRJ, v. 1, n. 1, junho/2018.

novembro de 2015 os autos foram recebidos na Vara da Infância e Juventude de Campos dos

Goytacazes e, finalmente, em junho de 2016 a adoção da criança “A” se concretizou, com a

infante já com cinco anos de idade.

Em paralelo, enquanto ainda tramitavam os recursos, em abril de 2015 foi deferido

pedido de colocação da criança em família substituta provisoriamente antes do trânsito em

julgado, considerando o art. 199-B do Estatuto da Criança e do Adolescente. Com a

preclusão da decisão de colocação em família substituta de forma provisória, foi buscado o

primeiro habilitado com perfil na ordem de preferência do CNA. Em junho de 2015, a criança

“A” iniciou a visitação com pernoite com o casal habilitado, tendo a criança já completado

quatro anos. O casal foi informado de que a ação de destituição do poder familiar não havia

transitado em julgado.

Percebe-se da análise acima que, enquanto após pouco mais seis meses do

acolhimento foi prolatada a sentença na ação de destituição do poder familiar, a tramitação em

sede recursal durou mais de três anos, sendo completamente desarrazoado tal tempo de espera

para uma criança acolhida ainda bebê, aos três meses de idade.

O deferimento da suspensão com a ordem de colocação em família substituta antes do

trânsito em julgado da criança “A” diminuiu, ainda que ainda que pouco, o tempo de

acolhimento da criança A, oportunizando a convivência familiar da mesma com a família

adotiva um ano antes da concretização da adoção, cuja inicial foi ofertada pelos adotantes em

julho de 2015.

Criança “B”: acolhida em maio de 2016, aos dois anos e quatro meses, colocada em

família substituta aos três anos e três meses, antes da sentença da ação de destituição do poder

familiar. Criança com pai e mãe biológicos. Genitora com outros três filhos em família

substituta, um deles entregue pessoalmente por ela a terceira pessoa. Genitor que pouquíssimo

visitava, afirmando não ter condições de criar a criança.

A criança “B” (nascida em dezembro de 2013) foi acolhida em maio de 2016 em razão

de situação de rua. A inicial de destituição foi recebida em cartório no mês seguinte. O núcleo

familiar da genitora já era acompanhado pelo conselho tutelar desde 2009, em razão de

negligência da mãe biológica em relação a outro filho. A ré já havia sido destituída do poder

familiar de dois outros filhos que já se encontravam em família substituta, já tendo também

sido condenada criminalmente em razão de crime cometido contra um de seus filhos (tentativa

de abandono), consistente em a genitora ter jogado o filho da janela de um ônibus quando um

transeunte o segurou. Também havia outro filho da genitora sido “entregue” por ela mesma a

uma terceira pessoa aos onze dias de vida, já sendo alvo de ação de adoção. O genitor da

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CADERNO IEP/MPRJ, v. 1, n. 1, junho/2018.

criança “B” pouco visitou e afirmou à equipe técnica do acolhimento não possuir condições

de criar a criança acolhida. Num dos relatórios que respaldaram a inicial consta que o núcleo

familiar é complexo e que a família da ré não apresentava condição de cuidar da criança. Em

outubro de 2016, foi deferida a suspensão do poder familiar com a determinação de imediata

colocação da criança “B” em família substituta. Foi interposto agravo de instrumento no

mesmo mês da decisão (outubro/2016), cujo efeito suspensivo ativo foi indeferido em

dezembro de 2016. Em fevereiro de 2017 ocorreu finalmente a busca de habilitado do

cadastro e no mesmo mês a criança iniciou a visitação com os pretendentes à adoção. Em

junho de 2017, o recurso de agravo foi julgado no mérito e não foi sequer conhecido pela

Corte.

Enquanto isso, os pretendentes à adoção da criança “B” já ingressaram com a ação de

adoção desde março de 2017, antes de se dar o julgamento em primeiro grau da ação de

destituição do poder familiar. A ação de destituição do poder familiar se encontra em fase de

designação de audiência de instrução e julgamento.

A decisão de suspensão do poder familiar com a determinação de colocação em

família substituta de forma provisória possibilitou neste caso que acolhimento durasse pouco

menos de um ano.

Criança “C”: criança sem paternidade registrada. Genitora espancou e tentou afogá-la

no banheiro de um shopping em Município de outro Estado. Criança acolhida na data da

agressão, com um ano e nove meses. Reintegração familiar em família extensa aos três anos e

três meses, com devolução pela família extensa ao acolhimento aos cinco anos e dez meses.

Colocação em família substituta aos seis anos e um mês antes da sentença. Informação de

maus-tratos anteriores ao acolhimento.

A criança “C”, sem paternidade registrada, nasceu em maio de 2010. Sua genitora foi

presa fevereiro de 2012 em um Município de outro Estado da Federação em razão de ter

agredido a criança “C” dentro do banheiro de um shopping. Nos autos de pedido de

providências há boletim de ocorrência policial onde consta que os policiais se deslocaram ao

shopping em razão de a criança “C” ter sido espancada pela genitora e que a “mãe” havia

tentado afogá-la no vaso sanitário.

Antes mesmo da ocorrência acima, o Conselho Tutelar de Campos dos Goytacazes já

possuía notícia de maus tratos e negligência da genitora em relação a outros filhos desde

2004. Ainda em 2011, segundo denúncias feitas ao Conselho Tutelar de Campos, a genitora

havia esfaqueado sua mãe e fugido levando consigo a criança “C”. Na época, em razão de

negligência e maus tratos em relação aos filhos, o Ministério Público havia oferecido

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Representação Administrativa em face da genitora (julho de 2011, na comarca de Campos).

No bojo desta Representação Administrativa, já em 2013, surge a informação do acolhimento

da criança “C” à época da agressão no shopping (em dezembro de 2012), tendo, desde então,

a genitora da criança desaparecido daquela comarca, não tendo sido localizados parentes da

criança. Naquela ocasião havia familiares em Campos que, embora não convivessem com a

criança “C”, demonstraram interesse em sua guarda, que foi deferida.

Foi ajuizada pelo Ministério Público do outro Estado da Federação (onde ocorreram as

agressões), em abril de 2013, ação de destituição do poder familiar em face da genitora.

Interessante que, apesar de ter havido ainda em maio de 2013 decisão judicial suspendendo o

poder familiar e determinando a imediata colocação em família substituta, tal providência não

se concretizou, tendo sido a criança “C” reintegrada à família extensa (tia), residente em

Campos dos Goytacazes em setembro de 2013, em outros autos que tramitaram na comarca

onde ocorreu a agressão, motivo pelo qual houve o declínio da competência para a comarca

de Campos em dezembro de 2015.

Em fevereiro de 2016, no entanto, com a criança a essa altura com quase seis anos, a

própria tia solicitou ao Conselho Tutelar o novo acolhimento da criança em Campos,

alegando falta de condições para cuidar da mesma, pleiteando sua volta ao abrigo, o que de

fato ocorreu em março de 2016. Em maio de 2016, foi determinada a inserção da criança “C”

em família substituta. A visitação com a família adotiva iniciou-se em julho de 2016. A

sentença julgando procedente o pedido de destituição da genitora foi prolatada em dezembro

de 2016, quando se deu o trânsito em julgado da ação de destituição do poder familiar, já que

se tratava de ré citada pessoalmente que não apresentou contestação e não compareceu aos

atos do processo.

Em paralelo ao andamento da ação de destituição, a adotante ingressou com a ação de

adoção em setembro de 2016, concretizando-se a adoção em dezembro de 2016.

Pelas etapas descritas acima, percebe-se que, embora desde maio de 2013 houvesse

decisão judicial suspendendo o poder familiar e determinando a busca por adotante, esta

entretanto não ocorreu em razão da reintegração à tia em Campos dos Goytacazes. Com a

nova decisão da Vara da Infância e Juventude de Campos neste sentido, concretizada em julho

de 2016, tendo a sentença de destituição transitado em julgado em dezembro de 2016,

antecipou-se em pelo menos seis meses a possibilidade de a criança usufruir de seu direito à

convivência familiar.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O acolhimento institucional constitui medida excepcional e transitória, devendo ser

buscadas, sempre que possível, outras formas de proteção à criança ou adolescente para a

garantia de seus direitos. Uma vez ocorrida a medida extrema, há que se pensar em formas

céleres de possibilitar ao acolhido seu retorno aos pais ou família de origem, segundo a

legislação vigente. Não sendo possível, tão logo verificada esta impossibilidade com as

cautelas necessárias, devem ser empreendidos esforços para que a criança ou adolescente

acolhido volte a usufruir de seu direito à convivência familiar.

A colocação da criança ou adolescente em família substituta antes do trânsito em

julgado da ação de destituição do poder familiar se apresenta como uma das medidas que

servem para encurtar o período de acolhimento.

A legislação, especificamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código de

Processo Civil não impedem a adoção de tal medida e, pela interpretação sistemática do ECA

com a aplicação de seus princípios norteadores, notadamente o do Superior Interesse da

Criança, demonstrado resta que é a medida, na verdade, garantidora de direitos.

Atos normativos não podem impedir o que a lei não proíbe. Verifica-se que os atos

normativos estudados de fato não proíbem, sendo certo que o ato executivo do Tribunal de

Justiça do Estado do Rio de Janeiro até mesmo recomenda a utilização da medida estudada

em seus artigos 40 e 41.

A inserção no Cadastro Nacional de Adoção, de fato não é possibilitada, de acordo

com a Resolução 54 do CNJ. Mas não permitir a inserção no CNA está longe de proibir a

possibilidade de uma criança usufruir de um direito tão básico, que é o direito à convivência

familiar.

Uma alteração legislativa será útil para tornar expressa a possibilidade da medida,

como no projeto de lei nº 6594/2016, ou mesmo da forma mais contundente do ato executivo

do tribunal fluminense, que utiliza a expressão “deverá”. Também deveria haver artigo

expresso sobre a possibilidade da medida dirigido à determinação por parte das instâncias

superiores, quando por acaso em primeiro grau não tiver sido determinada a busca por

adotantes em caso de procedência do pedido da ação de destituição do poder familiar, em que

pese a redação do art. 199 – B do ECA.

Não é normal, humano, nem razoável uma criança passar anos a fio esperando uma

família, sendo cuidado por funcionários da instituição, esperando na fila do self service do

serviço de acolhimento a sua vez de se servir e se alimentar, indo na Kombi do serviço de

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CADERNO IEP/MPRJ, v. 1, n. 1, junho/2018.

acolhimento para a escola, voltando para casa, melhor dizendo, para a instituição, na Kombi

do serviço de acolhimento. Doente, ser cuidada por educadores do abrigo, dentre outras

tantas provações e privações da vida institucionalizada, sem o aconchego que só família

oferece. Por anos a fio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMIN, Andrea Rodrigues. Princípios orientadores do direito da criança e do adolescente. In:

MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. (coord.). Curso de direito da criança e do

adolescente: aspectos teóricos e práticos. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

BITTENCOURT, Sávio. A nova lei de adoção: do abandono à garanta do direito à convivência familiar e comunitária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo

Andrade (coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e

práticos. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

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