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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE NORTE CENTRO CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇAO FÍSICA REFLEXÕES SOBRE O DITO E O FEITO NAS INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS NO PROGRAMA SEGUNDO TEMPO JUDSON CAVALCANTE BEZERRA Natal/RN Fevereiro de 2014

Reflexões Sobre o Dito e o Feito Nas Intervenções Pedagógicas No Programa Segundo Tempo

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Dissertação de Mestrado

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE NORTE

    CENTRO CINCIAS DA SADE

    DEPARTAMENTO DE EDUCAO FSICA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAAO FSICA

    REFLEXES SOBRE O DITO E O FEITO NAS

    INTERVENES PEDAGGICAS NO PROGRAMA

    SEGUNDO TEMPO

    JUDSON CAVALCANTE BEZERRA

    Natal/RN

    Fevereiro de 2014

  • 2

    Judson Cavalcante Bezerra

    REFLEXES SOBRE O DITO E O FEITO NAS INTERVENES

    PEDAGGICAS NO PROGRAMA SEGUNDO TEMPO

    Dissertao apresentada como requisito

    parcial para obteno do ttulo de mestre

    em Educao Fsica no Programa de

    Ps-Graduao em Educao Fsica da

    Universidade Federal do Rio Grande do

    Norte, na linha de pesquisa Estudos

    Pedaggicos sobre o Corpo e o

    Movimento Humano.

    Orientador: Prof. Dr. Jos Pereira de Melo

    Natal/RN

    Fevereiro de 2014

  • 3

    REFLEXES SOBRE O DITO E O FEITO NAS

    INTERVENES PEDAGGICAS NO PROGRAMA

    SEGUNDO TEMPO

    Diviso de Servios Tcnicos

    Catalogao da Publicao na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede

    Bezerra, Judson Cavalcante.

    Reflexes sobre o dito e o feito nas intervenes pedaggicas no Programa

    Segundo Tempo / Judson Cavalcante Bezerra. Natal, RN, 2014. 146 f. : il.

    Orientador: Jos Pereira de Melo.

    Dissertao (Mestrado) Universidade Federal do Rio Grande do Norte.Centro

    de Cincias da Sade. Programa de Ps-Graduao em Educao Fsica.

    1. Esporte Dissertao. 2. Esporte Prtica Pedaggica Dissertao. 3.

    Programa Segundo Tempo - Dissertao. 4. Polticas Pblicas - Dissertao. I. Melo,

    Jos Pereira de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Ttulo.

    RN/UF/BCZM CDU 796:37

  • 4

    Judson Cavalcante Bezerra

    REFLEXES SOBRE O DITO E O FEITO NAS INTERVENES PEDAGGICAS

    NO PROGRAMA SEGUNDO TEMPO

    Banca Examinadora:

    Professor Dr. (Orientador): Jos Pereira de Melo (UFRN)

    Professor Dr. (Membro Interno): Allyson Carvalho de Arajo (UFRN)

    Professora Dr (Membro Externo): Marta Gen Soares (UEPA)

    Professora Dr (Membro Suplente): Maria Aparecida Dias (UFRN)

    NATAL/RN

    2014

  • 5

    DEDICATRIA

    Este trabalho de Dissertao de Mestrado consolida mais um ciclo de minha

    formao acadmica na rea de Educao Fsica, agora em nvel de ps-graduao.

    Constitui-se fruto dos esforos demandados no somente nos dois anos de curso que

    exigem a ps-graduao stricto sensu do Programa de Ps-graduao em Educao

    Fsica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como tambm de muito

    trabalho j realizado desde a poca de graduao.

    nesse sentido que dedico este trabalho queles que me acompanharam desde o

    incio desta trajetria: professores, colegas e amigos de turmas e mais turmas, tanto da

    graduao como da ps-graduao, e familiares.

    Mas, especialmente, gostaria de dedicar este trabalho de dissertao ao meu

    querido Professor e Orientador Doutor Jos Pereira de Melo, pela pacincia, amizade,

    carinho, compreenso e, sobretudo, pela confiana demonstrada em todos esses anos. A

    voc, Pepe, dedico este trabalho!

  • 6

    AGRADECIMENTOS

    Meus agradecimentos vo primeiramente para aqueles a quem dediquei esta

    dissertao. Mas a lista de agradecimentos mais extensa e requer a meno de nomes.

    De incio, gostaria de agradecer a meus pais, Aldeci Dantas Bezerra e Maria de

    Jesus Cavalcante Bezerra, os quais, apesar de no terem muita noo do significado que

    a concluso de uma ps-graduao, no deixaram de se preocupar e de me apoiar.

    Aos amigos? Tenho muitos a agradecer! Acho que mais at do que os 740 que

    tenho espalhados pelo danado do Facebook. Portanto desculpem-me aqueles que no

    foram lembrados. So amigos de graduao, Eduardo Santos, Mackson Luiz, Daniel

    Ferreira, Raphael Ramos, Emanuel Augusto; de ps-graduao, Joo Cruz, Aline

    Paixo, Moaldecir, Alison Batista, Rodolfo Pio, Hudson Pablo; da Seleo de Futebol

    da UFRN de 2012 e 2013; enfim, amigos da vida.

    Agradeo aos meus professores pelos momentos de aprendizagem, Jos Pereira

    de Melo, Allyson Carvalho, Terezinha Petrucia, Maria Aparecida Dias, Antnio de

    Pdua e Maria Isabel.

    Me gustara agradecer tambin a una persona muy especial que ha surgido en mi

    vida, mi hermosa pesadilla, mi novia Karina Fraihaut, por los lindos momentos de

    cario y amor, que me viene demonstrando haca ms de un ao.

    Por fim, agradeo a todos os recursos humanos que compem o convnio do

    Programa Segundo Tempo na Prefeitura Municipal de Riacho da Cruz, pelo empenho e

    confiana depositados na proposta de trabalho desenvolvida nesta pesquisa: Evilzio,

    Evilzio Jnior, Damio, Estela, Nathlia, Ildevnia, Denis, Edriana, Ado-Blena, Ana

    Clia, Ana Lcia, Robevnio, Leonria, Gleydson, Liane, Nascimento, Ivanilde,

    Ivanzia, Regis e Sheyla. Em especial para o monitor de atividades esportivas Regis,

    pela proatividade; e para o coordenador de ncleo Denis e coordenador pedaggico

    Evilzio Jnior, que disponibilizaram total apoio a nossa instalao e permanncia em

    suas residncias pessoais durante o desenvolvimento desta pesquisa.

  • 7

    RESUMO

    Ao longo desta pesquisa, defendemos que projetos sociais como o Programa Segundo

    Tempo podem ampliar seus objetivos e aes interventivas para alm da incluso social

    de pessoas excludas socialmente do acesso a direitos sociais, considerando esses

    espaos tambm como promotores de possibilidades educativas. Dialogamos com

    diversos autores da rea da Educao, da Educao Fsica e das Cincias Sociais, para

    fortalecer nossos argumentos. Nesse sentido, nossa proposta de pesquisa orientou-se

    pelo mtodo de pesquisa ao e pelas estratgias e tcnicas de pesquisa que o apoiam,

    desenvolvendo uma proposta de interveno e acompanhamento sistemtico

    caracterizado basicamente pela realizao de seminrios e ciclos de observao da

    prtica pedaggica dos monitores e coordenadores de ncleo do PST no convnio da

    Prefeitura Municipal de Riacho da Cruz, a fim de contribuir para processos de tomada

    de conscincia e mudanas na prtica pedaggica que se apresentassem indesejveis s

    orientaes tericas e metodolgicas do PST. Para tanto, buscamos analisar os

    problemas da transio das orientaes tericas e metodolgicas do PST e contribuir

    para essa transio por meio de acompanhamento pedaggico sistemtico. Partimos de

    uma questo de estudo que no se encerra em si mesma, mas que foi constantemente

    alimentada por novas problemticas e objetivos emergidos do campo emprico durante a

    pesquisa: quais so os limites e possibilidades encontrados pelos monitores e

    coordenadores de ncleo do PST para aplicar as orientaes tericas e metodolgicas

    nos ncleos do programa? Os resultados demonstraram que as principais limitaes

    enfrentadas pelos recursos humanos do convnio da Prefeitura Municipal de Riacho da

    Cruz para aplicar as orientaes do PST so: no formao especfica na rea de

    Educao Fsica ou Esporte; experincias de trabalho com o ensino do esporte

    anteriores ao trabalho no PST, insuficientes ou inexistentes; fragilidades no processo de

    capacitao segundo modelo do PST que no possibilitaram mais exemplos de

    experincias para o ensino do esporte nos ncleos; e fragilidades no formato de

    acompanhamento pouco assduo realizado pela Equipe Colaboradora. Sobre as

    possibilidades para superao desse quadro encontramos, justamente na participao e

    envolvimento do prprio grupo sujeito em tentar minimizar essas limitaes, buscando

    na proposta de acompanhamento pedaggico por seminrios e ciclos de observaes das

    atividades desenvolvidas, uma alternativa importante para a resoluo das situaes-

    problemas emergidas nesta pesquisa. Desse modo, o sucesso da proposta desenvolvida

    nos levou a algumas concluses, dentre as quais est a de que o sucesso do PST no

    reside somente na cobrana da especificidade da rea ou grau de formao dos

    monitores e coordenadores de ncleo que lidam com o trabalho pedaggico nos ncleos

    dos convnios, mas na realizao de um acompanhamento mais assduo das Equipes

    Colaboradoras aos ncleos, que possibilite maiores momentos de troca de experincias

    entre as Equipes Colaboradoras do PST e o recursos humanos, inclusive considerando

    as variantes de contexto, estreitando assim a relao teoria e prtica no PST. Por fim,

    reconhecemos as limitaes do nosso estudo, o que abre perspectivas para futuras

    reformulaes, mas esperamos contribuir para a interface estabelecida entre as reas de

    Educao Fsica e Cincias Sociais, ampliando os conhecimentos relativos prtica

    pedaggica em projetos sociais.

    Palavras - chave: Esporte; Ensino; Polticas Pblicas.

  • 8

    LISTA DE ILUSTRAES

    Imagem 1 Cartaz de Identificao do Convnio de Riacho da Cruz. BEZERRA,

    Judson Cavalcante (2013) Pgina 49

    Imagem 2 Momento prtico da Capacitao. BEZERRA, Judson Cavalcante (2013)

    Pgina 53

    Imagem 3 Sala de apoio pedaggico do Convnio. BEZERRA, Judson Cavalcante

    (2013) Pgina 58

    Imagem 4 Concentrao dos professores antes da apresentao do Plano de

    Interveno. BEZERRA, Judson Cavalcante (2013) Pgina 59

    Imagem 5 Agrupamento dos recursos humanos por ncleo para realizao da

    entrevista coletiva. BEZERRA, Judson Cavalcante (2013) Pgina 60

    Imagem 6 Atividade vlei com lenol no Ncleo 4 sem separao entre meninos e

    meninas. BEZERRA, Judson Cavalcante (2013) Pgina 69

    Imagem 7 Atividade do lado abaixa no Ncleo 1. BEZERRA, Judson Cavalcante

    (2013) Pgina 71

    Imagem 8 Atividade para explorao de habilidades do atletismo no Ncleo 6.

    BEZERRA, Judson Cavalcante (2013) Pgina 72

    Imagem 9 Segundo Seminrio: Desenvolvimento Motor e Habilidades Motoras.

    BEZERRA, Judson Cavalcante (2013) Pgina 75

    Imagem 10 Roda inicial no Ncleo 5. BEZERRA, Judson Cavalcante (2013) Pgina

    86

    Imagem 11 Incio de aula no Ncleo 2. BEZERRA, Judson Cavalcante (2013)

    Pgina 99

    Imagem 12 Videoaula sobre ttica do futsal no Ncleo 2. BEZERRA, Judson

    Cavalcante (2013) Pgina 100

  • 9

    SUMRIO

    INTRODUO______________________________________________________10

    Captulo I

    Programa Segundo Tempo: o ofcio de ensinar em projetos sociais____________17

    Captulo II

    Delineamento metodolgico da pesquisa__________________________________36

    2.1. Diagnstico e Contratualizao_____________________________________38 2.1. Planejamento e realizao em espiral: os Seminrios e os Ciclos de

    Observaes_______________________________________________________39

    2.2. Tcnicas para coleta de dados_______________________________________41 2.4. Avaliao e teorizao____________________________________________44

    Captulo III

    Programa Segundo Tempo no municpio de Riacho da Cruz: experincias de um

    acompanhamento pedaggico___________________________________________47

    3.1. Primeira Parte: Capacitao segundo o modelo do Programa Segundo Tempo____________________________________________________________50

    3.2. Segunda Parte: Diagnstico e Contratualizao_________________________55 3.3. Terceira Parte: Seminrios e Ciclos de Observaes_____________________65 3.3.1. Primeiro Seminrio e Ciclo de Observaes___________________________65 3.3.2. Segundo Seminrio e Ciclo de Observaes ___________________________75 3.3.3. Terceiro Seminrio e Ciclo de Observaes ___________________________83 3.3.4. Quarto Seminrio e Ciclo de Observaes ____________________________88 3.3.5. Quinto Seminrio e Ciclo de Observaes ___________________________100

    CONSIDERAES FINAIS___________________________________________111

    REFERNCIAS_____________________________________________________115

    Apndice 1__________________________________________________________123

    Apndice 2__________________________________________________________126

    Apndice 3__________________________________________________________128

    Apndice 4__________________________________________________________140

    Apndice 5__________________________________________________________142

  • 10

    INTRODUO

    A intencionalidade pela investidura particular sobre o trabalho expresso nesta

    dissertao foi incutida a partir de experincias significativas ao longo da minha

    formao inicial no curso de graduao em Educao Fsica da Universidade Federal do

    Rio Grande do Norte (UFRN).

    Sem querer cometer o equvoco de menosprezar as demais experincias

    advindas dessa formao inicial, as quais, sem dvida alguma, tm sua parcela de

    contribuio para a formao humana e acadmica deste sujeito, destaco um momento

    importante de minha trajetria acadmica que considero particularmente decisivo para o

    investimento na ps-graduao. Esse momento deu-se a partir do meu ingresso num

    programa de iniciao cientfica em 2010, em que me dedicava ao estudo da relao dos

    programas e projetos sociais com a Educao Fsica escolar. Dessa memria, resgato

    especialmente as conversas com colegas e membros do Grupo de Pesquisa Corpo e

    Cultura de Movimento (GEPEC), as reunies com o orientador da pesquisa e a

    aprendizagem de tcnicas de pesquisa. Atribuo destaque a essa experincia acadmica

    porque foi dela que surgiu meu interesse em continuar estudando e ingressar no

    Programa de Ps-Graduao em Educao Fsica da UFRN.

    Confesso que sempre me interessei por questes ligadas Educao Fsica

    escolar, entretanto ainda me era estranha a discusso sobre programas e projetos sociais,

    sobretudo a relao destes com a Educao Fsica na escola. No incio, no foi fcil

    transitar por uma rea de estudos que no era a minha habitual naquela poca, a qual

    passou de estudos em Bioqumica para estudos nas reas das Cincias Polticas, Sociais

    e Humanas, mais especificamente estudos sobre a relao dos programas e projetos

    sociais com a Educao Fsica. Mesmo assim, com tantas dvidas acerca da temtica

    dos programas e projetos sociais, decidi investir nesse projeto de iniciao cientfica.

    Da relao estabelecida entre programas e projetos sociais e Educao Fsica

    escolar pelo referido projeto de iniciao cientfica, constatamos, nas nossas

    observaes, que a maioria dos programas e projetos sociais prev alguma prtica

    corporal no plano de suas aes interventivas, sendo o esporte a mais comum entre elas.

    Logo, os nossos estudos desde ento se concentraram na trade: Esporte, Educao

    Fsica Escolar e Polticas Pblicas Sociais.

  • 11

    Nesse cenrio, o Programa Segundo Tempo (PST), institudo em 24 de

    novembro de 2003 pelo Ministrio do Esporte, por meio da Portaria Interministerial n

    3.497, com o objetivo de democratizar o acesso prtica esportiva educacional para

    crianas, adolescentes e jovens inseridos em contextos de alta exposio a situaes de

    risco social1, configura-se como o exemplo mais expressivo dentre os programas e

    projetos sociais que se apropriam do esporte como meio de interveno.

    Algumas evidncias tm contribudo para que o PST assuma esse posto de mais

    expressivo programa social de esporte na atualidade, quais sejam: o PST ocupa lugar

    representativo no plano de aes estratgicas do Governo Federal para o oferecimento

    regular da prtica esportiva educacional, conforme a Poltica Nacional do Esporte

    publicada em 2004; o PST mobiliza milhares de estudantes e profissionais de Educao

    Fsica por todo o Brasil para trabalho e acompanhamento dos ncleos2 e convnios

    3 do

    programa; o PST j atendeu mais de trs milhes de crianas e adolescentes em situao

    de risco social espalhados pelas cinco regies administrativas do pas; e existe no PST

    um sistema descentralizado para acompanhamento administrativo e pedaggico das

    aes desenvolvidas nos convnios e ncleos do programa.

    Foi a partir da cadeia de relaes existentes entre o PST, o esporte e a Educao

    Fsica, bem como das justificativas anteriormente apresentadas, que decidimos tomar o

    PST dentre vrios outros programas e projetos sociais como nosso objeto de estudo.

    1 Entendemos por riscos sociais todas as situaes que expem a vida das crianas e adolescentes ao

    perigo constante (BRASIL, 2006, p. 5), perigos esses que expressam a exposio de crianas e adolescentes s drogas, prostituio, gravidez precoce, criminalidade, ao trabalho infantil, etc.

    2 De acordo com as diretrizes para o Programa Segundo Tempo, Ncleos de Esporte Educacional (NED)

    so os espaos onde o PST desenvolve suas intervenes, sendo o ncleo caracterizado pela composio

    de 100 crianas, adolescentes e/ou jovens, que tm suas atividades orientadas por um Monitor de

    atividades esportivas e um Coordenador de ncleo. As atividades dos ncleos podem ser desenvolvidas

    dentro da escola ou em espao comunitrio prximo escola, atendendo preferencialmente os alunos da

    escola em que o ncleo est inserido, mas podendo atender tambm crianas, adolescentes e jovens da

    comunidade.

    3 Convnio, no mbito do PST, so acordos ou ajustes que disciplinam as transferncias de recursos

    financeiros de dotaes consignadas nos oramentos Fiscal e da Seguridade Social da Unio e que tenha

    como partcipe, de um lado, rgo ou entidade da administrao pblica federal, direta ou indireta e, de

    outro lado, rgo ou entidade da administrao pblica estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta.

    Ou, ainda, entidades privadas sem fins lucrativos, visando execuo de programa de governo,

    envolvendo a realizao de projeto, atividade, servio, aquisio de bens ou realizao de evento de

    interesse recproco, em regime de mtua cooperao (art. 1, 1, VI, da Portaria Interministerial n

    127/2008).

  • 12

    Desde o incio da insero no referido projeto de iniciao cientfica, vimos

    despertando para algumas inquietaes em torno do PST, algumas das quais

    culminaram no exerccio de publicao e divulgao do conhecimento produzido a esse

    respeito em congressos internacionais, nacionais, seminrios, colquios e em trabalho

    de concluso de curso. Este, alis, teve como um de seus desdobramentos esta

    dissertao de mestrado.

    Evidencia-se, dessa forma, que uma das nossas inquietaes mais emblemticas

    em torno do PST concentrava-se e ainda se concentra na forma como as atividades dos

    ncleos do programa eram/so conduzidas. Essa questo foi o motivo problematizador

    de dois trabalhos produzidos e publicados ainda durante a fase de iniciao cientfica,

    sendo um deles publicado e apresentado no V Congresso Nacional de Educao Fsica,

    Sade e Cultura Corporal, em 2011, em Recife; e o outro foi produto do trabalho de

    concluso de curso em Licenciatura em Educao Fsica, tambm no mesmo ano.

    Ambos os trabalhos foram estudos exploratrios sobre a realidade dos ncleos do

    convnio 430/2007 do PST na Prefeitura Municipal de Natal.

    No primeiro trabalho4, foram realizadas observaes assistemticas de aulas para

    identificar os contedos e a metodologia adotados pelos monitores5 de ncleo do

    programa. Os resultados dessa pesquisa apontaram fragilidades metodolgicas na forma

    como o contedo esporte era acessado aos beneficiados em alguns ncleos,

    desvirtuando, muitas vezes, do pretendido pelas orientaes metodolgicas do PST. No

    segundo estudo6, discutimos os limites e as possibilidades pontuados pelos monitores de

    ncleo do PST para operacionalizar os conhecimentos advindos das capacitaes do

    Ministrio do Esporte. Nesse trabalho, os resultados apontaram fragilidades conceituais,

    pedaggicas e metodolgicas dos monitores para operacionalizar os conhecimentos

    advindos da capacitao, identificadas a partir do discurso dos monitores entrevistados.

    4 BEZERRA, Judson C.; MELO, Jos P.; MENDES, Izabel B. de S. Reflexo sobre as prticas corporais

    e as orientaes pedaggicas no Programa Segundo Tempo na cidade Natal/RN. IN: V Congresso

    Nacional de Educao Fsica, Sade e Cultura Corporal, 2011, Recife. Anais, 2011, Recife. CD-ROM.

    5 Monitor o estudante de graduao em Educao Fsica ou esporte que tenha cursado preferencialmente

    a primeira metade do curso. Suas atribuies se encerram na conduo das atividades esportivas

    educacionais desenvolvidas no ncleo.

    6 BEZERRA, Judson C. Limites e possibilidades nas intervenes pedaggicas no Programa Segundo

    Tempo. Natal, 2011. 69f. Monografia (Graduao em Educao Fsica). Departamento de Educao

    Fsica, UFRN, 2011.

  • 13

    Os resultados encontrados nos dois estudos exploratrios mencionados acima

    nos forneceram indicadores da realidade do convnio da Prefeitura Municipal de Natal,

    incitando-nos a continuar estudando a problemtica em questo, mas no contexto de

    outros convnios, porque esse convnio estudado encerrou suas atividades no mesmo

    ano da pesquisa, ou seja, em 2011.

    O PST tem experimentado, nos ltimos anos, reformulaes necessrias para

    melhor qualificar suas aes. Nesse sentido, o Ministrio do Esporte tem investido uma

    quantia significativa de recursos financeiros para concretizar seus objetivos. Dentre os

    esforos do programa, destacamos a organizao do Projeto de Acompanhamento

    Pedaggico e Administrativo do Programa Segundo Tempo em 2008 pela Secretaria

    Nacional de Esporte Educacional (SNEED), em conjunto com a Universidade Federal

    do Rio Grande do Sul e Estaduais de Londrina e Maring, que, juntamente com outras

    universidades pblicas do Brasil, tm promovido, desde ento, os Ciclos de Capacitao

    especficos para o trabalho no programa por intermdio das Equipes Colaboradoras7

    (EC), alm de acompanhar administrativa e pedagogicamente os convnios do

    programa.

    Esses esforos tm insistido sobre a qualificao das intervenes pedaggicas e

    metodolgicas nos ncleos do programa, reforando a importncia das orientaes

    tericas e metodolgicas para o trabalho dos recursos humanos nos ncleos. Apesar de

    todas essas reformulaes pelas quais o PST vem passando, ainda constatamos, nos

    relatrios de visita aos ncleos da Equipe Colaboradora 38 do Ministrio do Esporte,

    socializados para todos os membros da equipe durante as reunies da mesma, reunies

    que frequentamos enquanto membros na condio de Avaliador9 entre o perodo de

    7 As Equipes Colaboradoras (EC) do Ministrio do Esporte revelam a lgica de gesto descentralizada do

    PST por intermdio de parceria estabelecida entre o Ministrio do Esporte e Instituies de Ensino

    Superior do Brasil. Sua funo de acompanhamento pedaggico e administrativo dos convnios do PST,

    levando para estes as diretrizes e os pressupostos tericos metodolgicos para o bom funcionamento do

    programa.

    8 De acordo com a estratgia de descentralizao do Ministrio do Esporte para acompanhamento dos

    convnios do PST, cada Equipe Colaboradora est encarregada de cobrir uma determinada rea de

    acompanhamento, sendo atualmente a rea abrangida pelos estados do Rio Grande do Norte, Paraba e

    parte do Cear a rea supervisionada pela Equipe Colaboradora 3.

    9 Numa Equipe Colaboradora, o Avaliador o profissional responsvel por realizar as visitas in loco aos

    convnios do PST na condio de representante do acompanhamento administrativo e pedaggico

    desempenhado pelas Equipes Colaboradoras do Ministrio do Esporte.

  • 14

    agosto de 2012 e janeiro de 2013, fragilidades no tocante questo das intervenes

    pedaggicas e metodolgicas nos ncleos e, por conseguinte, a pouca migrao das

    orientaes metodolgicas para a prtica pedaggica dos recursos humanos.

    Esse quadro pode provocar uma srie de problemas prticos nos ncleos, haja

    vista o descompasso entre o que est previsto nos documentos de orientao terica e

    metodolgica e a prtica pedaggica dos recursos humanos do programa.

    Desse modo, partindo-se do fato de que existem investimentos por parte do

    Ministrio do Esporte, especialmente no tocante ao sistema de acompanhamento

    administrativo e pedaggico para a qualificao das intervenes pedaggica dos

    recursos humanos nos ncleos do PST e das evidncias de que as orientaes tericas e

    metodolgicas do programa no esto efetivamente chegando na ponta, ou seja, nos

    beneficiados do programa, problematizamos a transposio das orientaes tericas e

    metodolgicas para a prtica pedaggica dos recursos humanos nos ncleos do PST.

    Assim, como objetivo geral nesta pesquisa, buscamos analisar os problemas da

    transio das orientaes tericas e metodolgicas do PST e contribuir para essa

    transio por meio de acompanhamento pedaggico sistemtico.

    Diante da problemtica evocada e do anseio de ampliarmos os estudos a ela

    relativos, partimos da seguinte questo de estudo: quais so os limites e possibilidades

    encontrados pelos monitores e coordenadores de ncleo10

    do PST para aplicar as

    orientaes tericas e metodolgicas nos ncleos do programa?

    Nossa questo de estudo coloca os professores do PST como nosso foco de

    pesquisa, alm de consider-los tambm pblico alvo desse programa social, alm das

    crianas, adolescentes e jovens alunos j comumente anunciados, na medida em que

    possibilita aos seus recursos humanos a oportunidade de se trabalhar com o ensino da

    perspectiva educacional do esporte com crianas e adolescentes, ampliando, assim, as

    experincias profissionais desse pblico.

    Enfim, percebemos que os programas e projetos sociais de cunho educacional,

    quando definem seu pblico-alvo, comumente se remetem aos seus beneficiados

    10

    Coordenador de Ncleo, o professor com formao na rea de Educao Fsica ou Esportes

    responsvel por gerenciar, acompanhar e intervir sobre as aes administrativas e pedaggicas de ncleo

    de esporte educacional.

  • 15

    primrios, quais sejam, crianas, adolescentes e jovens expostos s injustias das

    desigualdades sociais de nossa sociedade, desconsiderando muitas vezes aqueles que

    tm na possibilidade de trabalhar nesses programas e projetos a oportunidade de ampliar

    suas experincias profissionais e incrementar sua renda.

    Ao considerarmos os recursos humanos do PST como pblico-alvo de nossa

    pesquisa, e principalmente por reconhecermos tambm a experincia de atuao

    profissional no PST como importante espao de formao de saberes docentes, seja para

    profissionais ou estudantes da rea de Educao Fsica, seja de qualquer outra rea,

    reforamos a relevncia do nosso estudo, fugindo assim do tradicionalismo dos estudos

    que se propem a estudar uma poltica social implantada ao determinarem as crianas,

    adolescentes e jovens beneficiados pelas aes do programa como o pblico-alvo

    hegemnico.

    No mbito acadmico, a relevncia do nosso estudo desperta para um horizonte

    de pesquisa ainda pouco explorado, qual seja, o trabalho pedaggico em programas e

    projetos sociais, em particular os de cunho esportivo educacional, contribuindo para a

    produo do conhecimento nas interfaces estabelecidas entre programas e projetos

    sociais e a Educao Fsica. Com efeito, esperamos possibilitar a promoo de

    intervenes mais efetivas nos ncleos, que, por sua vez, contribuiro para o alcance

    dos objetivos do programa.

    Nesse sentido, tentamos ultrapassar a lgica descritiva to propagada em

    pesquisas sobre polticas pblicas esportivas (AMARAL; PEREIRA, 2009) e

    preocupamo-nos em intervir numa configurao social, qual seja, um convnio do PST,

    a fim de tentar reverter uma situao-problema que tanto nos inquieta, que a transio

    teoria prtica do trabalho pedaggico dos recursos humanos no PST.

    Desse modo, esta dissertao foi organizada segundo trs captulos, sendo o

    primeiro de fundamentao terica, o segundo captulo de detalhamento metodolgico

    da proposta de pesquisa desenvolvida, e o terceiro de apresentao e discusso dos

    resultados.

    No primeiro captulo, intitulado Programa Segundo Tempo: o ofcio de

    ensinar em projetos sociais, abrimos uma discusso sobre a definio e caracterizao

    de projetos sociais, concebendo-o tambm enquanto espao para sistematizao de

    possibilidades educativas que se apropriam do esporte como importante meio de

  • 16

    interveno. Procuramos discutir a questo do ensino em projetos sociais baseando-nos

    no caso do Programa Segundo Tempo. Nesse cenrio, apresentamos o Programa

    Segundo Tempo como um exemplo de projeto social que considera efetivamente a

    dimenso educativa em suas aes interventivas.

    No segundo captulo, Delineamento metodolgico da pesquisa, apresentamos a

    proposta metodolgica desenvolvida nesta pesquisa que detalha os aspectos

    metodolgicos envolvidos neste trabalho, desde o mtodo, as etapas de pesquisa,

    passando pelas estratgias metodolgicas e tcnicas de pesquisa empregadas.

    Acreditamos que as caractersticas da proposta metodolgica investida nesta pesquisa

    tenham subsidiado completamente os resultados encontrados, levando-nos a confiar na

    adoo do mtodo pesquisa-ao para o atendimento das situaes-problemas

    levantadas.

    No terceiro e ltimo captulo, nomeado Programa Segundo Tempo no

    municpio de Riacho da Cruz: experincias de um acompanhamento pedaggico,

    apresentamos e discutimos os resultados encontrados nesta pesquisa. Nesse captulo,

    detalhamos os eventos que compuseram a nossa proposta de interveno e

    acompanhamento sistemtico do convnio do PST da Prefeitura Municipal de Riacho da

    Cruz, relatando assim essa experincia e apontando possibilidades para outros estudos

    que porventura venham a investir em questes parecidas.

  • 17

    CAPTULO I

    PROGRAMA SEGUNDO TEMPO: O OFCIO DE ENSINAR EM PROJETOS

    SOCIAIS

    Em se tratando de conhecimentos prvios acerca de projetos sociais, a

    representao inicial que tnhamos era a de vrias crianas e/ou adolescentes jogando

    futebol num terreno abandonado e a figura de uma pessoa, geralmente um lder ou

    personalidade popular, responsvel pelas aes do projeto. Depois de algumas leituras,

    descobrimos que essa era apenas uma das formas de manifestao dos projetos sociais,

    qual seja, uma das menos estruturadas, que pode ser caracterizada pela falta de

    incentivos financeiros, pela boa vontade dos seus lderes em continuar desenvolvendo

    essa ao sem qualquer retorno financeiro, pela carncia de conhecimentos de gesto de

    projetos sociais, o que culmina no desenvolvimento de prticas baseadas no senso

    comum (CORREIA, 2008), mas de respeitvel altrusmo.

    Exemplos de projetos sociais como o relatado acima existem vrios, como

    tambm existem muitos outros programas e projetos sociais mais organizados e de

    maiores dimenses de atendimento, sendo muitas vezes financiados pelo Primeiro,

    Segundo ou Terceiro Setores, o que sugere um aporte de recursos humanos e materiais

    bem mais altos e, geralmente, mais qualificados.

    Programas e projetos sociais financiados pelo Governo Federal, empresas

    privadas ou por Organizaes no Governamentais comumente desenvolvem aes

    mais estruturadas, apresentam propostas e objetivos bem definidos, alm de usualmente

    se desenvolverem em equipamentos pblicos como escolas, parques, praas, teatros ou

    centros comunitrios.

    H aqueles projetos sociais fortemente assistencialistas, que s preveem em seus

    objetivos atingir as demandas de injustia social, pela transferncia de valores para

    famlias necessitadas, ou por medidas de reabilitao social atravs do trabalho para

    jovens delinquentes, ou pela ocupao do tempo ocioso de crianas, adolescentes e

    jovens com atividades esportivas ou de lazer. Existem ainda aqueles projetos sociais

    que, alm de incluir socialmente crianas, adolescentes e jovens, preocupam-se em

    promover experincias educativas srias com propostas bem definidas.

  • 18

    Nesse sentido, a concepo de todo e qualquer projeto social precedida por

    uma srie de reflexes sobre suas intencionalidades e seus impactos na sociedade, em

    especial no pblico-alvo que se pretende atingir. Tais reflexes culminam na elaborao

    da proposta que se pretende desenvolver, em que ficam patentes suas razes e os

    princpios que orientaro as aes das pessoas envolvidas. assim que os projetos

    sociais expressam, alm das intencionalidades dos seus mentores, uma srie de

    argumentos e razes que sustentam e justificam sua existncia, dando-lhes bases slidas

    para o seu desenvolvimento.

    Entretanto muitos projetos sociais, segundo Correia (2008b), so dotados de

    boas e ms intenes e seguem comumente princpios paternalistas, utilitaristas ou

    clientelistas de promoo social. Ainda, Gohn (2000, p. 16) refora que h projetos que

    de social s tm o nome, pois tratam os indivduos isoladamente, como usurios,

    clientes consumidores de polticas sociais de cunho compensatrio.

    De maneira geral, os programas e projetos sociais procuram atingir um problema

    social que aflige populaes especficas da sociedade com vistas soluo desse

    problema. Os problemas sociais manifestam-se na ausncia total ou na escassez de

    acesso a um bem social comum e podem ser identificados como sendo problemas de

    acesso educao, segurana, sade, ao trabalho, moradia, ao lazer, ao esporte,

    etc. Diz-se das populaes que, por algum motivo, no conseguem ter acesso a esses

    bens, que se encontram em situao de vulnerabilidade social ou em situao de risco

    social, quando as injustias sociais colocam em risco a prpria integridade fsica, mental

    e moral das pessoas.

    Assim, de acordo com Stephanou (2003 apud MELO; DIAS, 2009, p. 16),

    projetos sociais nascem do desejo de mudar uma realidade. Os

    projetos so pontes entre o desejo e a realidade. So aes

    estruturantes e intencionais, de um grupo ou organizao social, que

    partem da reflexo e do diagnstico sobre determinada problemtica e

    buscam contribuir, em alguma medida, para outro mundo possvel.

    No contexto de desigualdades sociais vigentes no Brasil, os projetos sociais

    erguem-se como alternativas para minimizao do caos social. De forma geral, esses

    projetos

  • 19

    objetivam a participao dos cidados visando inclu-los, enquanto

    parcela dos excludos, em programas sociais de natureza variada.

    Muitos deles se desenvolvendo por meio de atividades scio-

    educativas que se preocupam, de fato, com a mudana social e a

    emancipao dos indivduos. Eles buscam criar uma interlocuo que

    lhes possibilite constiturem-se como sujeitos coletivos e autnomos. Entretanto, h outros projetos que de social s tm o

    nome, pois tratam os indivduos isoladamente, como usurios, clientes

    consumidores de polticas sociais de cunho compensatrio (GOHN,

    2000, p. 17).

    Desse modo, definimos projetos sociais como aes diretivas e planejadas por

    organizaes governamentais ou no governamentais para grupos especficos da

    sociedade que, por algum motivo, encontram-se vulnerveis socialmente no tocante ao

    acesso a algum direito social previsto em lei. Seus objetivos vo da democratizao ao

    acesso de algum bem pblico, proteo social e pessoal. Eles podem se estender s

    diferentes camadas sociais sem discriminao de etnia, cultura, orientao sexual,

    condio fsica, idade ou conhecimento cientfico. Compartilham do princpio da

    universalizao e da emancipao. Vale ressaltar, tambm, que um projeto social nasce

    da convico de pessoas, organizaes governamentais ou no-governamentais, tendo-

    se como princpio a necessidade de mudar realidades que afetam as condies de vida e

    o desenvolvimento das pessoas (MELO; DIAS, 2009, p. 17).

    O conceito de projeto social muito se confunde com o de programa social, mas

    h certas caractersticas que os distinguem, lanando-nos a necessidade de ampliarmos

    os julgamentos acerca desse objeto. Enquanto os projetos sociais atendem, mais

    pontualmente, grupos relativamente pequenos da sociedade, geralmente expostos a

    algum tipo de injustia social, apresentando como principais caractersticas: durao

    determinada, utilizao de recursos tcnicos, financeiros e materiais, alcance de

    resultados previstos em sua concepo (CORREIA, 2008b, p. 119) os programas

    sociais assumem propores de atendimento em grande escala e geralmente no tm

    tempo de durao determinado. De acordo com o mesmo autor: o que diferencia os

    dois a magnitude e a amplitude dos objetivos. Vrios projetos constituem um

    programa que, necessariamente, devem estar articulados entre si.

    De acordo com Correia (2008a), Gawryszewski (2006) e Vianna e Lovisolo

    (2009), na expectativa de solucionar os problemas sociais, em muitas ocasies, o

  • 20

    esporte, como canal de socializao ou incluso social11

    , frequentemente incorporado

    nos programas e projetos sociais como meio interventivo para transformao da

    realidade das classes mais populares.

    As questes que se colocam para explicar o lugar do esporte na agenda poltica

    do Governo so vrias e partem indiscutivelmente das evidncias de que ele se tornou

    um dos fenmenos mais expressivos da atualidade (BRACHT, 2005).

    Evidncias disso so sublinhadas por Stigger (2002, pp. 1-2), tanto a partir de

    um olhar para o cotidiano, como para o contexto social mais amplo:

    so as pessoas que praticam o esporte nos parques, nas praias, nas ruas; so

    as famlias que organizam seus fins de semana a partir da programao

    esportiva veiculada pelos meios de comunicao de massa; so as inmeras

    pginas de jornais e revistas destinadas a esta temtica; so os muitos

    empregos e inclusive profisses direta ou indiretamente relacionadas a esta

    atividade; so as muitas horas de antena que, a preos astronmicos esto

    voltadas para eventos esportivos; so os incontveis grupos de indivduos que

    despendem muito das suas vidas nas atividades das torcidas organizadas de

    futebol; o enorme fluxo de dinheiro que circula pelo mundo, relacionado ao

    patrocnio e outros aspectos relativos ao esporte; o grande mercado de bens

    e servios vinculado a esta atividade.

    Entretanto o esporte nem sempre foi compreendido como uma manifestao a

    que todos pudessem ter acesso, porque historicamente esteve atrelado a interesses

    ideolgicos e polticos, predominando seu carter competitivo e de alto rendimento

    (BRACHT, 2005).

    Foi a partir do movimento de reviso conceitual do esporte, verificado a partir da

    dcada de 1960, que essa compreenso comeou a ser modificada. Esse movimento teve

    como uma de suas aes principais o surgimento e o desenvolvimento do movimento

    Esporte para Todos (TUBINO, 2001).

    O movimento Esporte para Todos, contestando o carter competitivo e de alto

    rendimento do esporte, possibilitou grandes campanhas de valorizao das prticas

    esportivas, reforando muito o aumento da abrangncia do renovado conceito de

    esporte (TUBINO, 2001, p. 14).

    11

    Por incluso social entendemos que esta relaciona-se com a igualdade e a luta contra a excluso social de grupos marginalizados em larga escala, seja por motivos culturais ou por outro tipo de contexto social (PACHECO et al., 2007, p. 16).

  • 21

    No Brasil, o movimento Esporte para Todos (EPT) foi lanado em 1977, num

    contexto poltico e social conturbado pelo regime de ditadura militar que se perdurara

    desde a dcada de 1960 e se prolongaria at a dcada de 1980. A proposta de

    democratizao da prtica esportiva de lazer no EPT trouxe uma nova perspectiva de

    interveno pelo esporte, que at ento era muito restrita prtica esportiva de alto

    rendimento (CAVALCANTI, 1984).

    Nesse contexto social de represso militar, o esporte e a Educao Fsica eram

    frequentemente utilizados como elementos estratgicos tanto para ocupao dos jovens

    rebeldes, como para fins ideolgicos de elevao do nome da nao pelas conquistas

    esportivas junto ao cenrio internacional (CAVALCANTI, 1984).

    Em 1985, o Regime Ditatorial arruinou-se, mas o esporte continuou na pauta de

    interesses do Estado brasileiro aps muitas reivindicaes com a publicao da

    Constituio Federal de 1988, a qual prev o esporte como um direito social.

    Atualmente o Ministrio do Esporte tem dedicado bastante ateno ao fomento do

    esporte em suas diversas dimenses e em todo o territrio nacional. Nesse sentido,

    podemos mencionar as iniciativas de criao de programas sociais, tais como o

    Programa Esporte e Lazer na Cidade, o Programa Pintando a Liberdade, o

    Programa Pintando a Cidadania, o Programa Bolsa-Atleta, o Programa Descoberta

    de Talento Esportivo e o Programa Segundo Tempo. Programas sociais que buscam

    dar vazo ao direito constitucional, viabilizando e democratizando a prtica do esporte

    em mbito nacional, regional, estadual e local.

    Nesse cenrio, sobre o Programa Segundo Tempo que o Ministrio do Esporte

    tem demandado maior ateno.

    Projetos sociais como o PST so exemplos de que o argumento da incluso

    social como objetivo dos projetos sociais pode ser ampliado e ressignificado, abrindo

    perspectivas tambm para possibilidades intencionalmente educativas e de maior

    controle social.

    Dessa maneira, so previstos como princpios fundamentais que regem o PST: a

    reverso do quadro atual de injustia, excluso e vulnerabilidade social; o fomento ao

    esporte e ao lazer como direito de cada um e dever do Estado; a universalizao e

    incluso social; e a democratizao da gesto e da participao (BRASIL, 2007).

  • 22

    Partindo desses princpios, foram nomeados os seguintes objetivos12

    para o

    programa:

    Democratizar o acesso prtica esportiva e ao lazer prioritariamente em reas

    de vulnerabilidade social;

    Oferecer prticas esportivas educacionais, estimulando crianas e adolescentes

    a manter uma interao efetiva que contribua para o seu desenvolvimento

    integral;

    Oferecer condies adequadas para a prtica esportiva educacional de

    qualidade;

    Desenvolver valores sociais;

    Contribuir para a melhoria das capacidades fsicas e habilidades motoras;

    Contribuir para a melhoria da qualidade de vida (autoestima, convvio,

    integrao social e sade);

    Contribuir para a diminuio da exposio aos riscos sociais (drogas,

    prostituio, gravidez precoce, criminalidade, trabalho infantil e a

    conscientizao da prtica esportiva, assegurando o exerccio da cidadania).

    Com efeito, so esperados como impactos sociais diretos sobre os beneficiados

    do programa na realidade social onde eles esto inseridos: interao entre eles e destes

    com a sua realidade local; melhoria da autoestima; melhoria das capacidades e das

    habilidades motoras; melhoria das condies de sade; aumento do nmero de

    praticantes de atividades esportivas educacionais; melhoria da qualificao de

    professores e estagirios de educao fsica, pedagogia ou esporte (BRASIL, 2007).

    Para a instalao de um convnio do PST necessrio o estabelecimento

    primeiro de um convnio firmado entre rgos ou entidades da administrao pblica,

    direta e indireta, de qualquer esfera de governo, bem como entidade privada sem fins

    lucrativos, atravs de acordo previsto entre a entidade proponente e o Ministrio do

    Esporte.

    12

    MINISTRIO DO ESPORTE. Programa Segundo Tempo. Disponvel em:

    http://www.esporte.gov.br/snee/segundotempo. Acesso em: maio de 2011.

  • 23

    A gesto desses convnios dada a um Coordenador Geral por convnio

    firmado diretamente com o Ministrio do Esporte, preferencialmente profissional da

    rea de Educao Fsica ou de Educao, com experincia em gesto de programas

    esportivos educacionais, seguido do auxlio de outros profissionais, como um

    Coordenador Setorial para convnios a partir de 20 ncleos, com formao na rea de

    Educao Fsica ou Esporte e experincia no desenvolvimento de aes comunitrias,

    organizao e superviso de projetos; um Coordenador Pedaggico com formao em

    Educao Fsica ou Esporte e experincia pedaggica para coordenao, superviso e

    orientao na elaborao de propostas pedaggicas; tantos quantos forem necessrios

    Coordenadores de Ncleo, tambm da rea, para cada ncleo de 100 alunos

    beneficiados; e de dois Monitores para cada 100 alunos beneficiados, sendo um Monitor

    de Atividades Esportivas e outro para Atividades Complementares, alm de estudantes

    de graduao regularmente matriculados em curso de Educao Fsica ou Educao,

    preferencialmente com a primeira metade do curso j concluda (BRASIL, 2011).

    Os ncleos podem funcionar tanto nas escolas como em outros espaos pblicos

    ou privados, desde que sem prejudicar o rendimento dos beneficiados nas escolas,

    oferecendo atividades no contraturno de aulas regulares. Assim, recomenda-se para

    frequentar as aulas do PST apenas os beneficiados matriculados nas escolas no

    contraturno s atividades do programa.

    Desde o estabelecimento do convnio entre a entidade proponente e o Ministrio

    do Esporte, deve ser definida a oferta obrigatria nos ncleos de pelo menos duas

    modalidades esportivas coletivas e uma individual, orientadas por professores e

    estagirios de Educao Fsica.

    Essas atividades so desenvolvidas em escolas ou espaos fsicos da comunidade

    onde o ncleo est inserido, denominados Ncleos de Esporte Educacional, mediante

    programao de atividades a serem desenvolvidas no contraturno escolar, tendo como

    enfoque principal o esporte educacional.

    Assim, no PST o esporte concebido na sua dimenso educacional como

    promotor de desenvolvimento integral. A busca por talentos no a sua finalidade

    primria, pois o PST apresenta como princpios fundamentais a universalizao da

    prtica esportiva e a incluso social, tendo-se no esporte educacional um meio para

  • 24

    contribuir no desenvolvimento integral de crianas e adolescentes (MELO; DIAS,

    2009, p. 22).

    De acordo com Darido e Oliveira (2009, p. 209), no PST,

    [...] o esporte ultrapassa a ideia de estar voltado apenas para o ensino

    das tcnicas, tticas e regras dos esportes, embora inclua esses

    aspectos. Muito mais que isso, cabe aos professores e Monitores de

    Educao Fsica vinculados ao PST problematizar, interpretar,

    relacionar, compreender com seus alunos as amplas manifestaes da

    cultura corporal, de tal forma que os alunos compreendam os sentidos

    e significados impregnados nas prticas corporais.

    No mbito do PST, via dimenso educacional do esporte que as aes de

    incluso, emancipao, transformao e formao integral devem ser materializadas,

    conforme preconizado pela Poltica Nacional do Esporte.

    Assim sendo, trata-se de um esporte trabalhado no mbito de um

    programa que contempla o acervo de contedos ou temas da cultura

    corporal, sem hierarquia. Um esporte que foge da ditadura dos gestos,

    modelos e regras, que tem suas normas questionadas e adaptado

    realidade social e cultural dos alunos. Um esporte desmistificado pelo

    conhecimento, praticado de forma prazerosa, com vivncias de

    sucesso para todos. Um esporte apropriado como bem cultural, cuja

    prtica passa a ser compreendida como direito (LORENZINI;

    SANTOS, 2010, p. 35).

    Alm disso, no mbito do PST, o esporte deve dar um tratamento plural aos seus

    beneficiados, respeitando a diversidade. De acordo com Goellner (2009), as prticas

    pedaggicas no PST devem flexibilizar os conceitos de performance, aptido fsica,

    capacidade e funcionalidade no esporte, sem delas se distanciar, claro. Para tanto, foram

    investidos grandes esforos do Ministrio do Esporte para qualificar a formao

    esportiva educativa dos seus beneficiados, inclusive lanando um sistema de

    capacitao especfico para o trabalho dos recursos humanos nos ncleos do programa,

    bem como a publicao de materiais de referncia pedaggica especficos para esse

    trabalho (OLIVEIRA; PERIM, 2008; OLIVEIRA, 2011a; OLIVEIRA, 2011b;

    OLIVEIRA; PERIM, 2009).

    Nesse sentido, destacamos o avano do PST sobre a questo da qualificao de

    suas aes pedaggicas, se comparado a outros projetos sociais. O exemplo disso pode

    ser verificado nas orientaes tericas e metodolgicas do programa expressas tanto nas

    capacitaes como nos livros de referncia.

  • 25

    Desde a constituio do PST, esteve prevista e garantida a capacitao dos

    recursos humanos do programa, como indicado no artigo n 10 da j citada portaria

    (BRASIL, 2003), mas esta, assim como o prprio programa, experimentou substanciais

    modificaes desde a sua inaugurao at os dias atuais.

    Inicialmente, as capacitaes dos recursos humanos eram ministradas pelo

    Centro de Ensino Distncia da Fundao Universidade de Braslia UnB, por

    intermdio de parceria firmada com o Ministrio do Esporte. E eram previstos dois

    formatos de capacitaes diferentes para Coordenadores e Monitores.

    At 2006, as capacitaes eram especficas para cada recurso humano do PST, e

    o formato das capacitaes para os Coordenadores Gerais e de Ncleo seguia

    caractersticas de ps-graduao, com titulao de Especialista em Esporte Escolar ao

    final do processo, aps defesas de monografias perante bancas examinadoras. O curso

    era estruturado em seis mdulos temticos com carga horria de 60 horas cada um,

    sendo necessrios momentos presenciais de formao, totalizando 360h. Para os

    monitores, era previsto um formato de capacitao por meio de cursos menores,

    ministrados pelos prprios Coordenadores Gerais e de Ncleos previamente capacitados

    pelo formato especializao, em dois mdulos de 60h horas cada um, com atividades

    especficas desenvolvidas nos prprios ncleos (BRASIL, 2006).

    Pensando na reviso desse formato de capacitao para os recursos humanos do

    programa, a Secretaria Nacional de Esporte Educacional comeou, no ano de 2007,

    alguns experimentos realizados em parceria com o Instituto Ayrton Senna, bem como a

    realizao de projetos-pilotos de capacitao e acompanhamento pedaggico em

    convnios dos estados de So Paulo, Santa Catarina, Paran e Rio Grande do Sul.

    Durante o ano de 2007, a partir dos experimentos e da experincia de cada

    professor convidado, foi editado e publicado no ano de 2008 o primeiro livro para

    orientao do novo formato nacional de capacitao dos recursos humanos do PST.

    O primeiro livro Fundamentos Pedaggicos para o Programa Segundo Tempo:

    1 ciclo nacional de capacitao dos coordenadores de ncleos, tambm chamado

    capa verde, reunia a colaborao de vrios estudiosos da rea de Educao Fsica e

    constituiu-se um dos primeiros esforos do programa para elaborar um material que

  • 26

    subsidiasse uma estruturao pedaggica consistente que atenda aos preceitos tcnicos

    e tericos da constituio dos Ncleos do PST (GAYA, 2008, p. 12).

    A necessidade de elaborao de um material que orientasse o trabalho dos

    recursos humanos nos ncleos do programa, bem como subsidiasse o trabalho dos

    professores formadores no novo modelo de capacitao, tornou esse livro um marco

    referencial para o PST.

    O livro foi organizado em nove temas que abordam diversos assuntos

    delimitando as concepes que fundamentam as diretrizes do programa, desde conceitos

    a exemplos de experincias prticas com o ensino do esporte educacional, quais sejam:

    1) Educao para o Desenvolvimento Humano pelo Esporte; 2) A Cultura Corporal do

    Movimento Humano e o Esporte Educacional; 3) Aquisio e Desenvolvimento de

    Habilidades Esportivas: consideraes para a prtica; 4) A Metodologia de Ensino dos

    Esportes no Marco do Programa Segundo Tempo; 5) Percepes de Competncia,

    Autoconceito e Motivao: consideraes para a prtica esportiva; 6) Incluso, Gnero e

    Deficincia; 7) Processos Avaliativos para Acompanhamento do Desenvolvimento

    Humano e Capacidades Fsicas; 8) Planejamento e Organizao para o Programa

    Segundo Tempo; 9) Experincias Prticas: aes diferenciadas por faixa etria.

    Dessa forma, iniciou-se, em 2008, o Primeiro Ciclo de Capacitao para o

    trabalho no PST, fruto da parceria estabelecida entre o Ministrio do Esporte e IES, com

    a participao dos Coordenadores Gerais e de Ncleos, e Monitores ao mesmo processo

    de capacitao. Esse formato de capacitao funcionava de acordo com trs modelos, a

    saber: presencial; integrado presencial e a distncia; e telepresencial.

    Monitores e Coordenadores Gerais e de Ncleo tinham acesso ao mesmo

    referencial terico-metodolgico para o trabalho no programa13

    , porm via

    procedimentos e focos diferenciados, segundo a especificidade de sua funo no

    programa.

    No novo formato, era de responsabilidade do Ministrio do Esporte, atravs da

    Secretaria Nacional de Esporte Educacional e da parceria estabelecida com a

    13

    OLIVEIRA, Amauri A. B. de; PERIM, Gianna L. (org.). Fundamentos Pedaggicos para o programa

    segundo tempo: 1 ciclo nacional de capacitao dos coordenadores de ncleos. Braslia: Ministrio dos

    Esportes; Porto Alegre: UFRGS, 2008.

  • 27

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade Federal do Rio Grande do

    Norte, garantir a oferta de capacitaes para os Coordenadores Gerais e de Ncleos, e

    estes, por sua vez, se responsabilizariam pela replicao da capacitao para os

    Monitores dos Ncleos dentro das Diretrizes e Propostas apresentadas (BRASIL, 2007).

    Logo, as capacitaes deveriam se dividir numa fase nacional e outra regional e

    tinham a inteno de constituir padres conceituais, operacionais e metodolgicos

    minimamente homogneos, abordando aspectos gerenciais e pedaggicos por meio da

    formao de multiplicadores, devendo ocorrer de forma regional e descentralizada

    (Idem, p. 15).

    Aps os experimentos realizados e a publicao do primeiro livro, a SNEED, em

    conjunto com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidades Estaduais

    de Londrina e Maring, organizou o Projeto de Acompanhamento Pedaggico e

    Administrativo do Programa Segundo Tempo em 2008, o qual, desde ento, e

    juntamente com outras universidades pblicas do Brasil, tem promovido Ciclos de

    Capacitao especficos para o trabalho no programa por intermdio das Equipes

    Colaboradoras (EC) do Ministrio do Esporte (OLIVEIRA, KRAVCHYCHYN, 2011).

    Embora satisfeitos com os resultados positivos dos eventos de capacitao em

    massa realizados segundo esse formato, a SNEED considerava a possibilidade de

    aprimorar ainda mais esse formato de capacitao, de maneira a contribuir para a

    consolidao de sua proposta (FILGUEIRA; PERIM; OLIVEIRA, 2009).

    Segundo Filgueira, Perim e Oliveira (2009, p. 14), foram sendo identificadas

    lacunas no processo de formao, entre as quais se destacou a necessidade de reviso e

    aprofundamento dos fundamentos pedaggicos estabelecidos inicialmente.

    Nesse sentido, partindo das contribuies do primeiro livro e das constataes

    das Equipes Colaboradoras em campo, foi elaborada uma nova proposta pedaggica

    para o PST com a ajuda de alguns autores iniciais e outros autores convidados que se

    integraram ao processo.

    Assim, com a publicao do segundo livro Fundamentos Pedaggicos do

    Programa Segundo Tempo: da reflexo prtica, ou tambm chamado capa branca,

    iniciou-se o Segundo Ciclo de Capacitaes do Programa Segundo Tempo, com o

  • 28

    objetivo de qualificar o trabalho desenvolvido pelos profissionais da rea nos NEE14 e

    consolidar a proposta pedaggica construda a muitas mos pelos professores que

    constituem as Equipes Colaboradoras do Programa (FILGUEIRA; PERIM;

    OLIVEIRA, 2009, p. 15).

    O novo livro permitiu revisar os temas anteriores, atualizando-os, bem como

    aprofundou algumas temticas que se apresentaram essenciais para a consolidao da

    nova proposta pedaggica do programa, a saber: 1) Fundamentos do Programa Segundo

    Tempo: entrelaamentos do esporte, do desenvolvimento humano, da cultura e da

    educao; 2) Fundamentos do lazer e da animao cultural; 3) Corpo, gnero e

    sexualidade: educando para a diversidade; 4) Estilos de ensino e aprendizagem motora:

    implicaes para a prtica; 5) Questes da deficincia e as aes no Programa Segundo

    Tempo; 6) Organizao e desenvolvimento pedaggico do esporte no Programa

    Segundo Tempo; 7) Procedimentos metodolgicos para o Programa Segundo Tempo; 8)

    Planejamento do Programa Segundo Tempo: a inteno compartilhar conhecimentos,

    saberes e mudar o jogo.

    Com a continuidade de alguns autores iniciais e integrao de novos autores

    nesse segundo livro, algumas temticas abordadas no primeiro livro foram suprimidas,

    outras condensadas em discusses dentro de novos captulos, algumas foram

    atualizadas, e outras foram mais aprofundadas.

    Para o ano de 2010, manteve-se a estrutura idealizada no ano anterior, exigindo-

    se que apenas os novos coordenadores (novos contratados e/ou substitutos de

    coordenadores que se afastaram) tivessem a obrigao de realizar nova capacitao.

    Mas os esforos do PST para a concretizao de seus objetivos no cessaram.

    Atendendo novamente a constataes das Equipes Colaboradoras em suas visitas

    sistemticas para acompanhamento dos convnios, foram elaborados e publicados dois

    novos livros menos terico-reflexivos e com mais exemplos de experincias prticas de

    sistematizao do contedo esporte.

    De acordo com Oliveira (2011, p. 13), os novos livros do PST constituem-se um

    material didtico,

    14

    NEE significa Ncleo de Esporte Educacional

  • 29

    fruto da colaborao dos integrantes das Equipes Colaboradoras, que

    ao analisarem e pesquisarem as aes desenvolvidas pelos

    Coordenadores de Ncleos e Monitores dos diversos convnios se

    propuseram a disponibilizar suas experincias e vivncias, a fim de

    potencializar a proposta pedaggica do Programa.

    Os dois novos livros, na verdade, so dois volumes e, diferentemente dos dois

    primeiros livros do PST, Ensinando e aprendendo esportes no Programa Segundo

    Tempo, procuram estreitar as barreiras entre a teoria e prtica, apresentando propostas

    de sistematizao de contedos esportivos a partir de experincias dos seus autores com

    o ensino das especficas modalidades esportivas.

    Dessa maneira, percebemos os esforos do Programa Segundo tempo em

    realmente qualificar as suas aes pedaggicas, evidenciando o compromisso do

    programa em garantir aos seus beneficiados possibilidades efetivamente educativas que

    superam o discurso da incluso social.

    Em todos os referenciais citados, constam as orientaes necessrias para o

    trabalho pedaggico no PST. Desde conceitos a propostas metodolgicas especficas

    para o trabalho pedaggico com o esporte educacional nos ncleos do programa.

    Sobre todas as reformulaes pelas quais vem passando o programa, Oliveira e

    Kravchychyn (2011, p. 3) inferem que

    O processo institudo pela SNEED/ME para os atores do PST em

    relao formao continuada em servio se coloca como indito em

    termos de Programas Sociais. O PST tem procurado inovar e avanar

    com suas aes e procedimentos, reconhecendo a necessidade da

    formao qualificada de seus quadros. Entretanto, como se trata

    tambm de uma ao indita, muito teve que ser criado e idealizado

    sem uma base de experincia, portanto, passvel de equvocos e

    acertos. Felizmente, os acertos tm sido maiores do que os erros, mas

    mesmo assim, muito ainda h que ser aprimorado, conforme apontam

    os avaliadores das ECs.

    Com efeito, o PST assume o pioneirismo entre programas e projetos sociais

    esportivos educacionais na elaborao e publicao de referenciais tericos

    metodolgicos prprios ao seu funcionamento, bem como de realizao de ciclos de

    capacitao especficos para o trabalho no programa.

    A partir de ento, os profissionais do PST tm sua disposio referenciais

    mpares para a concretizao dos objetivos do programa.

  • 30

    Desse modo, o PST procura contribuir para minimizar o tempo de exposio de

    crianas, adolescentes e jovens a situaes de riscos sociais quando estes no esto nos

    seus horrios de aulas regulares, atribuindo ao esporte um papel central, alm de tentar

    ampliar as possibilidades educativas de seus alunos por meio da dimenso educacional

    do Esporte.

    Nesse sentido, Leal (2010) demonstra concretas possibilidades educativas do

    esporte educacional democratizado pelo PST, relatando sua experincia com a

    sistematizao desse esporte mediante as orientaes do programa num ncleo de

    esporte educacional do convnio firmado entre o Ministrio do Esporte e a Associao

    Caruaruense de Ensino Superior (ASCES), desenvolvido na Escola Estadual Andr

    Cordeiro, no municpio de Brejo da Madre de Deus, no estado de Pernambuco.

    A experincia relatada pelo autor consistiu na sistematizao do contedo

    esporte para uma turma do Ncleo IV do convnio da ASCES composta por 30 alunos,

    segundo uma proposta de pedagogizao do esporte a partir da criao de jogos

    desenvolvida em 15 aulas, a fim de confirmar os efeitos educacionais e emancipatrios

    das orientaes metodolgicas do PST (LEAL, 2010).

    Cada turma foi dividida em trs grupos de 10 alunos, sendo lanada para as

    turmas individuais a tarefa de pesquisar e apresentar jogos que utilizassem bolas com os

    ps, jogos que utilizassem bolas com as mos e jogos que no utilizassem o aparato da

    bola. A organizao das 15 aulas adotou uma estratgia que partiu primeiro de

    momentos de pesquisa e apresentao dos grupos de alunos sobre as trs tarefas

    geradoras para, em seguida, serem sistematizados os ciclos de criao, transformao e

    experimentao dos jogos.

    Para os ciclos de criao, transformao e experimentao dos jogos, cada grupo

    foi previamente instalado num espao determinado da quadra segundo a diviso das

    tarefas que os definiram enquanto grupos, ou seja, segundo os tipos de jogos com

    utilizao da bola com os ps ou com as mos, ou sem bola. O objetivo dessa

    organizao era possibilitar, at o final das 15 aulas, um rodzio de criao,

    apresentao e experimentao dos diferentes tipos de jogos por todos os grupos.

    Assim, cada grupo deveria criar, apresentar e experimentar os trs tipos de jogos que

    utilizassem a bola com os ps ou com as mos, ou jogos que no se utilizavam da bola.

  • 31

    Ao final dessa experincia, o autor chegou concluso de que foi possvel

    promover possibilidades educativas mediante as orientaes do PST para os

    beneficiados do programa, quando constatou o interesse participativo, efetivo e eficaz

    dos beneficiados na resoluo das atividades pertinentes metodologia utilizada

    (LEAL, 2010).

    Entretanto Bezerra (2011) e Bezerra, Melo e Mendes (2011) demonstraram que

    a tarefa de ensinar em projetos sociais no nada fcil, inclusive em convnios do

    prprio PST. Segundo Bezerra (2011), entre as principais dificuldades encontradas

    pelos monitores e coordenadores de ncleo do PST para operacionalizar as aulas no

    programa esto: a) condies estruturais dos espaos onde as prticas so realizadas; b)

    dificuldades de ordem pedaggica para conduzir as aulas; c) conflitos entre as aulas do

    PST e outros programas sociais ou entre o PST e a prpria escola; d) compreenso

    reducionista do PST por parte de membros da comunidade escolar quando inserido na

    escola; e) dificuldades de se trabalhar em ncleos inseridos em contextos de to

    evidentes riscos sociais.

    No entanto, a escassez de estudos que abordem a questo do ensino em projetos

    sociais revela o desafio que para ns abordar essa temtica.

    Segundo Gohn (2009), tem aumentado a preocupao a respeito da qualidade

    das prticas educativas desenvolvidas em projetos sociais, porm esses projetos, em si,

    ainda no so tratados como objetos de estudo pela rea da Educao, tornando essa

    realidade muito incipiente de estudos aprofundados a esse respeito.

    Ainda, segundo Pacheco (2006) e Correia (2008), estudos na rea de educao

    que investigam projetos sociais ainda so pouco difundidos, porque fundamentalmente

    se baseiam em prticas livres de intervenes pedaggicas slidas, ausentes de dilogo

    com o Projeto Pedaggico da escola quando inseridos nesta, e desenvolvendo prticas

    baseadas no senso comum, quando no movidos por aes oportunistas.

    Embora sejam poucos os casos de projetos sociais que se preocupam de fato com

    a qualidade das aes educativas desenvolvidas, temos observado em alguns projetos

    sociais, como o Programa Segundo Tempo e o Programa Mais Educao15

    , exemplos de

    15

    O Programa Mais Educao um programa social criado pela Portaria Interministerial n

    17/2007, que objetiva aumentar a oferta educativa nas escolas pblicas por meio de atividades

  • 32

    prticas educativas conscientes, deliberadas e planificadas, com a finalidade explcita de

    instruo ou ensino de algum saber socialmente construdo e culturalmente organizado,

    inserindo-os, a nosso ver, tambm no quadro das agncias promotoras de educao. So

    projetos sociais que, alm da inteno de incluir socialmente, preocupam-se de fato em

    sistematizar intencional e explicitamente algum saber social, tendo no esporte um de

    seus principais meios de interveno.

    Logo, percebe-se que a questo da prtica pedaggica em projetos sociais algo

    ainda pouco discutido, porque, em linhas gerais, seus objetivos tm se limitado a

    questes assistencialistas. Tanto que muitos autores orientados pelas cincias polticas e

    sociais definem projetos sociais como atividades de carter educacional no-formal

    (ZALUAR, 1994; PACHECO, 2006; GOHN, 2009).

    Mas nossos esforos, nesta dissertao, so de demonstrar exatamente o

    contrrio e que h projetos sociais que no se limitam apenas incluso social, mas que

    vo alm e tambm pensam no carter educativo de suas propostas, inclusive

    legitimando a importncia da qualidade dos saberes sistematizados, bem como da

    qualificao necessria dos professores para o trabalho nesses projetos. Procuramos,

    assim, evidenciar que no cabe somente escola a tarefa de proceder a momentos de

    socializao sistematizada dos saberes.

    Para tanto, torna-se necessrio delimitar uma compreenso de educao que

    supere a compreenso tradicional de educao realizada apenas no mbito escolar

    (LEAL, 2010).

    Nesse sentido, Libneo (1994, p. 22) define educao como:

    um conceito amplo que se refere ao processo de desenvolvimento

    onilateral da personalidade, envolvendo a formao de qualidades

    humanas fsicas, morais, intelectuais, estticas tendo em vista a orientao da atividade humana na sua relao com o meio social,

    num determinado contexto de relaes sociais.

    O autor, ampliando esse conceito, ainda argumenta que tambm se pode falar em

    educao formal e educao no-formal segundo a intencionalidade, os objetivos

    pretendidos e os meios onde se processam as prticas educativas:

    optativas agrupadas em macrocampos, como: acompanhamento pedaggico, meio ambiente,

    esporte e lazer, direitos humanos, cultura e artes, cultura digital, preveno e promoo da

    sade, educomunicao, educao cientfica e educao econmica.

  • 33

    Educao no-formal quando se trata de atividade educativa

    estruturada fora do sistema escolar convencional (como o caso de

    movimentos sociais organizados, dos meios de comunicao de

    massa, etc.) e da educao formal que se realiza nas escolas ou outras

    agncias de instruo e educao (igrejas, sindicatos, partidos,

    empresas) implicando aes de ensino com objetivos pedaggicos

    explcitos, sistematizao, procedimentos didticos (LIBNEO, 1994,

    p. 18).

    Nesse sentido, o que distingue se uma prtica educativa configura-se como

    sendo formal ou no-formal no o espao onde ela est sendo desenvolvida, tampouco

    podem ser definidas como sendo educao formal somente aquelas prticas educativas

    desenvolvidas dentro da escola, ou educao no-formal aquelas prticas educativas

    desenvolvidas fora escola. Acreditamos que o que define se uma prtica educativa

    configura-se como sendo formal ou no-formal a intencionalidade explcita de educar,

    os objetivos pedaggicos almejados, a sistematizao do ensino e os procedimentos

    didticos empregados, e no somente os espaos.

    A escola , reconhecidamente, um espao de educao formal, porque nela esto

    explcitos os interesses educativos e os procedimentos necessrios sistematizao da

    prtica educativa, mas isso no quer dizer que outros espaos extramuros escolares no

    possam se configurar como tal (LIBNEO, 1994).

    Instituir fronteiras entre educao formal e no-formal, alegando apenas que

    uma se processa na escola, e a outra usualmente fora da escola, reduzir a compreenso

    desses conceitos, porque em algum momento processos educativos formais podem se

    configurar fora da escola, segundo a sua intencionalidade educativa, a sistemtica de

    suas intervenes, as estratgias empregadas e os espaos solicitados, bem como o

    contrrio, na prpria escola haver processos no-formais de educao.

    Nessa concepo, compreendemos, portanto, que alguns projetos sociais podem

    se configurar como espaos de prtica social e educao formal, desde que se articulem

    para esse determinado interesse.

    Nesse caso, podemos citar o exemplo do Programa Segundo Tempo, que pode

    desenvolver suas atividades intencionalmente educativas tanto em espaos pblicos,

    como as escolas, quanto em espaos privados das comunidades onde est inserido.

    Quando o PST desenvolvido em escolas, seu papel educativo parece ser mais

    evidente, utilizando-se do espao escolar, bem como dos alunos nela inseridos, o que

  • 34

    atualmente pode ser evidenciado na parceria composta entre o Programa Mais

    Educao, o Programa Segundo Tempo e a escola.

    O fato de o PST estar inserido na escola refora, portanto, seu compromisso

    social na formao dos beneficiados. Assim sendo, acreditamos que o PST deve se

    aproximar do Projeto Pedaggico da escola, a fim de melhor dialogar com os objetivos

    desta.

    O PST, quando inserido na escola, deve nutrir e tambm ser nutrido pelo Projeto

    Pedaggico desta, e no ser concebido de forma parasita. Por meio de uma proposta

    integrada que dialogue com os interesses da escola e da comunidade, o PST segue para

    o sucesso de suas intervenes. Quando concebido de forma indiferente, ele corre o

    risco de promover intervenes vagas e descontextualizadas da realidade em que est

    inserido.

    De acordo com a portaria que regula o PST, no seu artigo 3, est previsto o

    incentivo integrao do PST ao planejamento escolar dos estabelecimentos de ensino

    em que for implantado (BRASIL, 2003). Nesse sentido, PST e escola no devem ser

    compreendidos de forma estanque, um separado do outro, mas sim unidos pelo mesmo

    propsito, o de educar. Nessa acepo, exatamente na escola onde a interface do PST

    com a disciplina curricular de Educao Fsica mais se evidenciam.

    Da insero do PST no espao escolar, da Educao Fsica que ele mais se

    aproxima. Do contedo esporte semelhante a procedimentos metodolgicos parecidos,

    seria inevitvel negar a relao do PST com esse componente curricular. Alm de

    procedimentos metodolgicos e o contedo esporte em comum, ambos partilham

    frequentemente o mesmo espao na escola. Mesmo fora dela, as experincias que o PST

    proporciona aos seus beneficiados constituem-se em ricos momentos de reforo dos

    contedos da Educao Fsica escolar, se assim podemos dizer.

    Se seus beneficiados no fossem devidamente identificados com a camisa e o

    bon do PST, materiais concedidos pelo Ministrio do Esporte, qualquer desavisado que

    visualizasse o programa em ao, num ambiente escolar, poderia confundir as aulas do

    PST com uma aula de Educao Fsica.

    No obstante, o PST e a Educao Fsica escolar no so uma mesma unidade de

    sistematizao do contedo esporte que, na ausncia de um, o outro pode suprir.

  • 35

    Conforme previsto no artigo 7 da supracitada portaria, a participao do aluno no PST

    no o dispensa das aulas de Educao Fsica (BRASIL, 2003). Tampouco, o PST deve

    ser concebido de forma independente da escola, a ponto de lhe ser atribuda uma funo

    parasita, em que a escola sua hospedeira e de nada importa o dilogo com o

    Projeto Pedaggico desta.

    De certa forma, as atividades do PST so um complemento da Educao Fsica

    escolar quando da apropriao do esporte em suas intervenes. Inserido ou no nas

    escolas, de responsabilidade do PST promover a incluso social por meio de

    atividades esportivas intencionalmente educativas, de maneira a atingir a formao

    integral dos beneficiados.

    Por fim, cremos que, para o sucesso do PST, no basta apenas capacitar os

    recursos humanos envolvidos com o trabalho pedaggico no programa ou publicar

    documentos de orientao. necessrio tambm haver a intencionalidade em cada um

    dos atores sociais envolvidos com o trabalho nos ncleos do programa em transformar a

    realidade; necessria a assuno da responsabilidade social de cada um, para que a

    proposta do programa possa ser concretizada. necessrio haver aquele impulso ntimo

    que leva os sujeitos a agirem sobre a realidade. necessria, sobretudo, uma pedagogia

    da esperana!

  • 36

    CAPTULO II

    DELINEAMENTO METODOLGICO DA PESQUISA

    Como j comentado anteriormente, nossa inteno de pesquisa parte de uma

    problemtica que nos inquieta j h algum tempo: a migrao das orientaes tericas e

    metodolgicas do PST para as intervenes pedaggicas dos recursos humanos do

    programa. Essa inquietao nos levou ao exerccio de investigao e publicao de dois

    trabalhos exploratrios. Embora esses estudos exploratrios tenham identificado

    fragilidades na prtica pedaggica de coordenadores de ncleo e monitores do PST

    apenas no convnio n 430/2007 da Prefeitura Municipal de Natal/RN, encerrado no

    ano de 2011, ainda temos constatado, nos relatrios de visita in loco da Equipe

    Colaboradora 3 (EC-3) do Ministrio do Esporte aos convnios da PST sob sua

    jurisdio, fragilidades no tocante questo das intervenes pedaggicas e

    metodolgicas nos ncleos e, por conseguinte, a pouca migrao das orientaes

    tericas e metodolgicas para a prtica pedaggica dos monitores e coordenadores de

    ncleo.

    No devemos refutar, entretanto, ao destacarmos os problemas identificados, os

    casos exitosos de experincias com a sistematizao do esporte educacional sob as

    orientaes tericas e metodolgicas do programa tanto em convnios supervisionados

    pela Equipe Colaboradora 3 como em outros convnios do PST espalhados pelo Brasil,

    superestimando os problemas (LEAL, 2010).

    Diante disso, procuramos, nesta pesquisa, investir numa proposta de interveno

    e acompanhamento sistemtico de algum convnio do PST supervisionado pela EC-3,

    sendo o convnio n 740366/2010 da Prefeitura Municipal de Riacho da Cruz, Rio

    Grande Norte, o convnio escolhido como nosso campo emprico, porque procurvamos

    algum convnio do PST que nos recebesse por, no mnimo, meio ciclo pedaggico de

    funcionamento (seis meses), j que buscvamos levar os recursos humanos a processos

    de tomada de conscincia e possveis mudanas na prtica pedaggica, conscientes de

    que demandaramos tempo para promover tais mudanas.

    Dentre as opes de convnios que tnhamos, todos j haviam iniciado suas

    atividades ou j estavam prximos de encerrar sua vigncia de um ciclo pedaggico

  • 37

    equivalente a um ano de durao. Portanto decidimos pelo convnio de Riacho da Cruz,

    porque este daria incio a suas atividades justamente no perodo previsto para o incio

    do trabalho de campo, embora sua localizao fosse afastada da nossa cidade de

    residncia, Natal, tambm no estado do Rio Grande do Norte.

    Assim, pela longa distncia existente entre a nossa cidade e o campo emprico da

    pesquisa, a qual totaliza 357 quilmetros, nossa proposta se deu por momentos

    presenciais e no presenciais.

    No acompanhamento a distncia, os coordenadores pedaggico e geral do

    convnio constituram-se os nossos colaboradores mais ntimos, mas as atribuies

    individuais de cada um se mantiveram respeitadas. Alm de desenvolverem suas

    atribuies pedaggicas e administrativas normalmente, auxiliavam nosso

    acompanhamento pedaggico, mantendo-nos atualizados sobre as deliberaes do

    convnio, sobretudo pedaggicas, e fornecendo a logstica necessria ao bom

    andamento desta pesquisa.

    O acompanhamento presencial no seguiu uma periodizao fixa, devido a

    entraves como: feriados, festas regionais, paralisaes das atividades do convnio,

    cumprimento de obrigaes acadmicas do pesquisador, anlise do material coletado,

    programao e edio do retorno ao campo emprico e motivos pessoais do pesquisador.

    Mas foi sobre o acompanhamento presencial do convnio nosso maior

    investimento nesta pesquisa, uma vez que propomos uma metodologia de interveno

    social fundamentada no mtodo de pesquisa-ao, porque o objetivo desse mtodo,

    assim como o nosso, promover mudanas numa realidade social a partir da conduo

    de processos de tomada de conscincia, culminando na produo de conhecimentos a

    esse respeito, sempre com a esperana de resoluo de um problema (BRACHT, 2002).

    Assim, nossa proposta de pesquisa est balizada nas orientaes de Barbier

    (2007), que infere existirem quatro etapas centrais no processo de pesquisa-ao, a

    saber: (1) identificao da situao-problema e a contratualizao; (2) o planejamento e

    a realizao em espiral; (3) as tcnicas para coleta de dados em pesquisa-ao; (4) a

    teorizao, a avaliao e a publicao dos resultados. Elas foram balizadoras das etapas

    desta pesquisa, bem como da prpria estrutura desta dissertao e sero descritas com

    detalhes mais adiante.

  • 38

    Os tpicos descritos em seguida neste captulo caracterizam cada uma dessas

    etapas e como elas se apresentaram nesta pesquisa.

    2.1. Diagnstico e Contratualizao

    Esta pesquisa teve incio no dia 31 de agosto de 2012, quando tivemos a

    oportunidade de capacitar os monitores e coordenadores de ncleo do convnio da

    Prefeitura Municipal de Riacho da Cruz.

    Diferentemente de outras pesquisas, em pesquisa-ao, o problema ou situao-

    problema no suscitado pelo pesquisador, este preferencialmente deve acolh-los

    depois de j inseridos no campo emprico (BARBIER, 2007).

    Nesse sentido, reunindo os resultados dos eventos diagnsticos desta pesquisa,

    identificamos trs situaes-problemas na migrao das orientaes tericas e

    metodolgicas do PST para a prtica dos recursos humanos nos ncleos, quais sejam:

    problemas para elaborao e sistematizao de instrumentos avaliativos, dificuldades

    para planejamento e necessidade de mais exemplos de experincias prticas de ensino

    do esporte.

    Segundo as recomendaes de Barbier (2007), depois de identificada a situao-

    problema, o prximo passo formalizar de fato o contrato de pesquisa com o grupo

    sujeito da situao investigada.

    Numa pesquisa-ao, o contrato precisa as funes de cada um, o sistema de

    reciprocidades, as finalidades da ao, os encargos financeiros, a temporalidade, as

    fronteiras fsicas e simblicas, as zonas de transgresso e o cdigo tico da pesquisa

    (BARBIER, 2007, p. 120).

    A partir desse contrato, foi formalizada a participao ativa dos monitores e

    coordenadores de ncleo na pesquisa na funo de pesquisadores implicados na situao

    investigada como colaboradores da pesquisa coordenada por um pesquisador

  • 39

    profissional16

    , constituindo assim um grupo-sujeito de pesquisa denominado por Barbier

    (2007) de pesquisador-coletivo.

    De acordo com Barbier (2007, p. 103), o pesquisador-coletivo um grupo-

    sujeito de pesquisa constitudo por pesquisadores profissionais (provenientes de

    organismos de pesquisa ou de universidades) e por membros, que gozam de todos os

    privilgios (mas particularmente implicados), da produo vinculada a investigao

    participativa.

    Portanto, para constituir esse pesquisador-coletivo, convidamos todos os

    monitores (doze), todos os coordenadores de ncleo (seis), o coordenador pedaggico e

    o coordenador geral do convnio da Prefeitura Municipal de Riacho da Cruz para

    compor nossa amostra intencional de pesquisa, porque acreditamos na possibilidade de

    trabalharmos coletivamente sobre as trs situaes-problema identificadas com esse

    quantitativo de colaboradores sem, contudo, inviabilizar a proposta de pesquisa (GIL,

    2009). Sem distino, todo e qualquer colaborador poder se afastar dessa pesquisa a

    qualquer momento sem nenhuma punio.

    2.2. Planejamento e realizao em espiral: os Seminrios e os Ciclos de

    Observaes

    Toda investigao que se pretende pesquisa-ao requer do pesquisador um

    papel ativo no equacionamento dos problemas encontrados, no acompanhamento e na

    avaliao das aes desencadeadas em funo dos problemas (THIOLLENT, 2011, p.

    21). De acordo com Barbier (2007, p. 117) o esprito mesmo da pesquisa-ao consiste

    em uma abordagem em espiral que a todos utiliza. [...] todo avano em pesquisa-ao

    implica o efeito recursivo em funo de uma reflexo permanente sobre a ao.

    Assim, o pesquisador vai e volta, passa e repassa sobre a situao pesquisada,

    recorrendo permanentemente teorizao da prtica e prtica da teorizao. Em outras

    palavras, a pesquisa-ao a cincia da prxis. Essa tcnica de pesquisa extrapola o

    positivismo cientfico em que se necessrio conhecer para depois agir. Na pesquisa-

    16

    Pesquisador profissional o especialista proveniente de organismos de pesquisa ou de universidades

    (BARBIER, 2007).

  • 40

    ao, a prpria ao torna-se objeto de investigao numa lgica recursiva de reflexo

    sobre a ao.

    De acordo com Gil (2009) existem diversas tcnicas que podem ser utilizadas

    em pesquisa-ao, tais como entrevista coletiva ou individual, questionrios, observao

    participante, dirio de campo ou histria de vida, e Thiollent (2011) aponta para o

    seminrio como sendo uma tcnica para coleta de dados importante em pesquisa-ao.

    Acreditamos que o movimento de reflexo, ao e retorno reflexo,

    oportunizado pelos investimentos dessa pesquisa, podem provocar conflitos

    sociocognitivos na prtica educativa dos professores, levando a mudanas na sua prtica

    educativa.

    Em estudo semelhante, Palma (2001, p. 26) j havia chegado a concluso

    parecida:

    Ao se optar por um processo de capacitao continuada e em servio,

    por meio da pesquisa-ao, teve-se claro que ele estaria compreendido

    de momentos de reflexo, anlise e abstrao. Nesse sentido, foram

    adotados, como processo de interveno, situaes que

    constantemente suscitaram conflitos scios-cognitivos.

    Segundo Carugati e Mugny (1988 apud PALMA, 2001, p. 26), uma das

    eficcias do conflito sociocognitivo justamente a de proporcionar informaes que

    ajudam os sujeitos a elaborarem uma resposta nova.

    Nessa lgica, os seminrios constituram os momentos de reflexo que

    encaminharam sugestes para ao e foram caracterizados nessa pesquisa pelos

    momentos de formao, planejamento e avaliao, os quais foram pensados segundo o

    princpio de que devemos refletir, agir e voltar a refletir incansavelmente sobre a nossa

    prtica pedaggica, dialogando com os ensinamentos de Paulo Freire (2011) quando nos

    adverte de que a pesquisa e a reflexo crtica sobre a prtica so saberes necessrios

    prtica educativa.

    A estratgia por seminrios adotada nesta pesquisa seguiu uma ordem

    sistemtica de eventos peridicos de visitas ao convnio da Prefeitura Municipal de

    Riacho da Cruz, num prazo que perdurou por cinco meses, desde o incio da realizao

    do primeiro seminrio, a fim de atender os interesses de pesquisa do pesquisador e dos

    objetivos de ao emergidos do campo emprico.

  • 41

    No total foram realizados cinco seminrios, seguidos por cinco ciclos de

    observaes. Todos os seminrios procuraram atingir tanto as situaes-problemas

    diagnosticadas nesta pesquisa como os objetivos de ao emergidos dos ciclos de

    observaes por meio de estratgias que suscitaram momentos de reflexo sobre a ao

    e encaminharam novas aes sobre as reflexes tecidas.

    Os ciclos de observaes alimentavam as reflexes sobre a prpria prtica

    pedaggica do grupo-sujeito, funcionando tambm como mecanismo de avaliao do

    impacto das intervenes dos seminrios para o pesquisador e para os monitores e

    coordenadores de ncleo que compem o grupo-sujeito, numa forma de ciclo de

    reflexo-ao-reflexo sobre a prtica pedaggica.

    Dessa maneira, o investigador e os sujeitos investigados no ocupam espaos

    estanques. Ambos esto unidos na busca pela resoluo da situao-problema. Tanto o

    investigador como os outros atores sociais da pesquisa17

    participam democraticamente

    do processo de produo do conhecimento.

    Assim, entre monitores e coordenadores de ncleo no houve diferenciao

    quanto s suas contribuies nesta pesquisa,