Reformador outubro/2004 (revista espírita)

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ALLAN KARDECO codificador do Espiritismo

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EDITORIALA misso e o missionrioRevista de Espiritismo Cristo Ano 122 / Outubro, 2004 / No 2.107

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ENTREVISTA: LUCIANO KLEIN FILHORelaes entre pioneiros espritas brasileiros e franceses

PRESENA DE CHICO XAVIERJesus e Kardec Emmanuel

ESFLORANDO O EVANGELHOEspiritismo na f Emmanuel

REFORMADOR DE ONTEMFundada em 21 de janeiro de 1883 Fundador: Augusto Elias da Silva ISSN 1413-1749 Propriedade e orientao da Federao Esprita Brasileira Direo e Redao Av. L-2 Norte Q. 603 Conj. F (SGAN) 70830-030 Braslia (DF) Tel.: (61) 321-1767; Fax: (61) 322-0523

Allan Kardec Apstolo dos tempos modernos Hubert Forestier

A FEB E O ESPERANTOPalavra do Presidente da FEB aos esperantistas Nestor Joo Masotti Allan Kardec Juvanir Borges de Souza Allan Kardec e Csar dois gigantes da Humanidade Vianna de Carvalho Kardec no sculo XIX Amaral Ornellas Nos passos de Kardec Antonio Cesar Perri de Carvalho Uso e abuso Andr Luiz Amlie-Gabrielle Boudet O semeador de esperana M. ngela Coelho Mirault Conselho Esprita Internacional Reunio Ordinria em Paris Kardec e sua viso do futuro Jos Passini Doutrina Esprita Allan Kardec A Nova Era Fnelon Allan Kardec e seu Guia Espiritual Severino Barbosa Se semeias Francisco Malho Na casa da Sra. Plainemaison Adilton Pugliese Incio do Espiritismo em So Paulo Washington Luiz Nogueira Fernandes Humanizemos Kardec Cezar Braga Said 4o Congresso Esprita Mundial Dedicado ao Bicentenrio de Allan Kardec Kardec, obrigado! Irmo X

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Home page: http://www.febnet.org.br E-mail: [email protected] [email protected] o Brasil Assinatura anual Nmero avulso Para o Exterior Assinatura anual Simples Area

5 8 9 10 16 18 22 24 25 28 31 32 33 34 36 39 41 42

R$ 30,00 R$ 4,00 US$ 35,00 US$ 45,00

Diretor Nestor Joo Masotti; Diretor-Substituto e Editor Altivo Ferreira; Redatores Affonso Borges Gallego Soares, Antonio Cesar Perri de Carvalho, Evandro Noleto Bezerra e Lauro de Oliveira So Thiago; Secretria Snia Regina Ferreira Zaghetto; Gerente Amaury Alves da Silva; REFORMADOR: Registro de Publicao no 121.P.209/73 (DCDP do Departamento de Polcia Federal do Ministrio da Justia), CNPJ 33.644.857/0002-84 I. E. 81.600.503.

Departamento Editorial e Grfico Rua Souza Valente, 17 20941-040 Rio de Janeiro (RJ) Brasil Tel.: (21) 2589-6020; Fax: (21) 2589-6838 Capa: Luis Hu Rivas e Alessandro Figueredo

Tema da Capa: ALLAN KARDEC o Codificador do Espiritismo o tema desta Edio Especial, comemorativa do Bicentenrio de Allan Kardec.

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EditorialA misso e o missionriouando o Prof. Hippolyte Lon Denizard Rivail presenciou, pela primeira vez, em maio de 1855, na casa da Sra. Plainemaison, os fenmenos das mesas girantes e de escrita medinica numa ardsia, sentiu a seriedade do assunto e, depois, passando a freqentar as reunies semanais na residncia da famlia Baudin, comeou a estud-los com critrio cientfico, aplicando-lhes o mtodo experimental. Compreendi, antes de tudo afirma em suas memrias , a gravidade da explorao que ia empreender; percebi, naqueles fenmenos, a chave do problema to obscuro e to controvertido do passado e do futuro da Humanidade, a soluo que eu procurava em toda a minha vida. Era, em suma, toda uma revoluo nas idias e nas crenas (...).1 O Prof. Rivail questionou os Espritos, atravs da mediunidade das Srtas. Baudin, acerca dos problemas relacionados com a Filosofia, a Psicologia e o mundo espiritual, e quando o material reunido constitua um todo e ganhava as propores de uma doutrina, teve a idia de publicar os ensinos recebidos, para instruo de toda a gente.2 Desconhecia, contudo, a dimenso e o significado do trabalho que vinha executando. Somente em abril de 1856 cerca de um ano aps o incio de suas experincias , quando freqentava, tambm, as reunies na casa do Sr. Roustan e da mdium sonmbula Srta. Japhet, foi-lhe feita a primeira revelao de sua misso, ratificada, dias depois, pelo Esprito Hahnemann. O Esprito Verdade confirma-lhe a misso, em 12 de junho de 1856, fala-lhe do seu significado e alerta-o sobre os percalos que enfrentar: (...) a misso dos reformadores prenhe de escolhos e perigos. Previno-te de que rude a tua, porquanto se trata de abalar e transformar o mundo inteiro. No suponhas que te baste publicar um livro, dois livros, dez livros, para em seguida ficares tranqilamente em casa. Tens que expor a tua pessoa.3 O Prof. Rivail no vacila diante do quadro de dificuldades, perseguies, calnias, traies, de que ser alvo; aceita sem titubear a misso que lhe confiada e se entrega humildemente orao: Senhor! pois que te dignaste lanar os olhos sobre mim para cumprimento dos teus desgnios, faa-se a tua vontade! Est nas tuas mos a minha vida; dispe do teu servo.4 assim que o ilustre cidado e emrito educador Prof. Rivail sai de cena, emergindo a figura notvel de Allan Kardec, Codificador da Doutrina Esprita o Consolador prometido por Jesus. No Bicentenrio de Nascimento de Allan Kardec discpulo e missionrio do Cristo , Reformador, com esta Edio Especial, associa-se s homenagens que lhe so prestadas em todo o mundo.1 KARDEC, Allan. Obras 2 Idem, ibidem, p. 270. 3 Idem, ibidem, p. 282. 4

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Pstumas. 34. ed., Rio de Janeiro: FEB, 2004, p. 268.

Idem, ibidem, p. 283.

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Allan KardecJuvanir Borges de Souza

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as comemoraes do Bicentenrio de Nascimento de Hippolyte Lon Denizard Rivail, que se tornou conhecido pelo pseudnimo de Allan Kardec, empenham-se as organizaes e os movimentos espiritistas de todo o mundo. natural que, dentro das convenes humanas de tempo, de datas e calendrios, sejam relembrados os vultos e personalidades que se distinguiram por realizaes de extraordinria importncia. Memorizar Allan Kardec uma forma de agradecimento, de gratido, a um missionrio de excepcional mrito, que se distinguiu pela intermediao entre a Espiritualidade Superior e a Humanidade, carente de conhecimentos e de aperfeioamento moral. O gnero humano, como, alis, toda a criao de Deus, subordina-se s leis divinas, entre as quais a do progresso. A evoluo humana se faz pelas individualidades que pouco a pouco se instruem e se moralizam, usando o prprio esforo, vontade e livre-arbtrio. Mas, examinando-se a histria do homem, verificamos que, de tempos em tempos, surgem no seio da Humanidade homens de gnio, verdadeiros missionrios do CristoReformador/Outubro 2004

de Deus, que lhe impulsionam o progresso com o conhecimento de coisas novas, parcelas da grande Verdade. Allan Kardec o ltimo desses grandes enviados.

Renascendo no inicio do sculo XIX, a 3 de outubro de 1804, podemos hoje perceber, luz da Doutrina Esprita e de revelaes advindas da Espiritualidade Superior, que a reencarnao do missionrio obedeceu a um Planejamento Superior, tendo em vista o cumprimento da promessa do Cristo de enviar Terra outro Consolador, explcito no Evangelho de Joo, 14:1-17 e 26. Mas, outras razes somaram-se quela, correlacionando a novel Doutrina dos Espritos com a poca em que foi formulada, para conhecimento dos homens, pelo seu Codificador. No foi por mero acaso que o Espiritismo, como doutrina abrangente e esclarecedora, nos campos

da filosofia, da cincia, da religio, da moral, da educao, aparece nos meados do sculo XIX. Esse sculo se caracterizou pelo surgimento de doutrinas materialistas novas e pelo ressurgimento de outras antigas com novas roupagens, todas influenciando poderosamente as concepes humanas da vida, as instituies, a organizao social, as cincias, os usos e costumes. Essas doutrinas o positivismo, de A. Comte, o materialismo histrico-dialtico, de Karl Marx, o utilitarismo, de Bentam e Stuart Mill , no s inspiram e sugerem formas de vida nitidamente materialistas, instigando o prazer a qualquer custo e a preocupao com o homem econmico, mas induzem ao esquecimento do Esprito, a verdadeira essncia imortal, e no cogitando da vida futura. As religies tradicionais, com seus desvios e dogmas imprprios, viram-se impotentes para conter a onda materialista, que se tornou poderosa a partir dos meados do sculo XIX e se estendeu por todo o sculo XX. Justamente no perodo em que apareciam e se expandiam as doutrinas materialistas no mundo que o Consolador enviado pelo Cristo. Torna-se evidente que esse fato, essa coincidncia, no se devem a simples acaso. Se, por um lado, o materialismo multifrio espalhava-se e enraizava-se por toda parte, favoreci363 5

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do inclusive pela conquista da liberdade, a partir dos fins do sculo XVIII, por outro lado, a fenomenologia esprita fazia-se presente, na Amrica e na Europa, chamando a ateno para fatos inusitados, insistentes, que reclamavam uma explicao plausvel. As mesas girantes e falantes, manifestaes inicialmente inexplicveis, testemunhadas por milhares de pessoas nos Estados Unidos e nos sales de divertimentos da Europa, foram fenmenos provocados pela Espiritualidade, especialmente para despertar a ateno dos homens, na primeira metade do sculo XIX, num planejamento perfeito para demonstrar a existncia do mundo espiritual e sua presena constante no mundo das formas. No entendimento do povo, a fenomenologia esprita foi, inicialmente, tomada como simples entretenimento e distrao, para uns; para outros, eram trapaas. Mas em breve, muitas personalidades notveis, muitos estudiosos e homens de cincia, na Europa e na Amrica, voltaram-se para o estudo dos fenmenos, chegando a concluses diversas. A Espiritualidade Superior, entretanto, atingira sua primeira meta, qual a de despertar a ateno geral para a existncia e presena do mundo espiritual, atuando na esfera material da vida neste planeta. Constatada a causa dos fenmenos, mesmo por uma minoria da populao humana, os Espritos a servio da Governana do orbe terrestre iniciaram a segunda etapa da planificao: a explicao segura, racional, da fenomenologia espiritual, que sempre existiu, mas que, na oportunidade escolhida pelo Al6 364

to, seria a base para a grande Revelao de que carecia a Humanidade. dentro dessas circunstncias que, a partir de 1855, comea a observar a fenomenologia um servidor lcido e dedicado do Cristo, praticante do magnetismo, educador emrito formado na escola de Pestalozzi, a mais adiantada da poca H. L. D. Rivail, que ficaria conhecido mundialmente pelo pseudnimo Allan Kardec.

...A vida e a obra de Allan Kardec j foram objeto de estudos biogrficos diversos, dentre os quais os de Henri Sausse, Andr Moreil, Anna Blackwell e a meticulosa pesquisa biobibliogrfica de Zus Wantuil e Francisco Thiesen. Nosso propsito, pois, de homenagear o sistematizador da Doutrina Esprita, na oportunidade das comemoraes do Bicentenrio de seu Nascimento, ter por objeto especialmente o que realizou na segunda fase de sua existncia na Terra, quando se ocupou da obra de minha vida, como ele mesmo a ela se referiu. Se considerarmos, por um lado, que a Nova Revelao, a Doutrina dos Espritos, trouxe Humanidade muitos conhecimentos novos a respeito do homem, da vida atual e futura, das leis de Deus e da Governana da Terra por Aquele que uno com o Pai o Cristo; e ao constatarmos, por outro lado, que essa Doutrina Consoladora retifica muitos enganos das religies, das escolas filosficas e das cincias, sob a influncia de dogmas imprprios, de supersties e do materialismo, chegamos concluso lgica

que a Doutrina Esprita, profundamente esclarecedora, sobressai-se como conjunto de princpios que servem de base a um novo processo de educao intelecto-moral para a Humanidade. Educao, em sentido amplo, lato, extensivo, compreende conhecimento e moralizao. Por isso o Esprito de Verdade recomendou sinteticamente: Espritas! amai-vos, este o primeiro ensinamento; instru-vos, este o segundo. As Revelaes ocuparam-se do Amor como mandamento para todas as criaturas que se iniciam no carreiro evolutivo. Jesus ressalta o amor a Deus, e ao prximo como a si mesmo, como a primeira regra da Lei Maior. Todas as normas morais do Cristo esto incorporadas na Doutrina dos Espritos. Os Evangelhos, entendidos em esprito e verdade, constituem a parte moral do Espiritismo. J os conhecimentos, de vrias procedncias, tambm se incorporam Doutrina, desde que verdadeiros. Mas esses conhecimentos no se limitam ao campo material, como pretendem as cincias materialistas. Tambm devem ser pesquisados, admitidos e reunidos no corpo doutrinrio os conhecimentos referentes ao esprito, o outro elemento do Universo. Comprovada a superao de qualquer princpio doutrinrio, o Espiritismo, que tem carter progressivo, aceita o que for correto. Seu compromisso com a Verdade, que se vai revelando aos homens na medida de sua evoluo. O Cristianismo puro, constitudo pelos ensinos morais do CrisReformador/Outubro 2004

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to, somado s revelaes novas dos Espritos a servio do Mestre, constantes do outro Consolador, formam um Conjunto Educacional Superior, destinado a guiar os homens despertos a trabalharem na construo de um Mundo Regenerado. Para ns, espritas, o renascimento de H. L. D. Rivail no incio do sculo XIX, e a sua preparao como educador emrito, no ocorreram por acaso. O missionrio da Terceira Revelao, um dos mais lcidos discpulos do Cristo, no entendimento de Emmanuel, alm de sua considervel bagagem adquirida em diversas reencarnaes anteriores, aperfeioada na vida espiritual, teve o ensejo de dedicar-se inteiramente aos assuntos educacionais, seja como discpulo do maior educador da poca Pestalozzi seja como educador dedicado, por muitos anos. Assim, o estudioso dos fenmenos das mesas girantes, a partir de 1855, e das comunicaes srias do mundo espiritual atravs da mediunidade, que se fizeram cada vez mais presentes e complexas, no teve dificuldades maiores na tarefa ingente de reconhecer a interligao entre os dois mundos o visvel, material, e o invisvel, imaterial, espiritual. Ao contrrio das afirmaes das correntes materialistas, as comunicaes inteligentes mostravam a presena e a atuao de seres inteligentes invisveis, comprovando a existncia do outro elemento do Universo, alm da matria o esprito. Em breve o missionrio estava de posse de manifestaes de teor elevado, moral e intelectualmente,Reformador/Outubro 2004

oriundas de planos superiores, demonstrando e comprovando, objetivamente, a existncia dos mundos espirituais. Ao educador coube a tarefa difcil de separar o bom, o bem, o belo, o instrutivo, o superior, contidos nas comunicaes, do contedo inferior nelas existentes. Surgiam, assim, atravs da sistematizao e mtodo prprios do educador, as bases iniciais da novel Doutrina dos Espritos, com a publicao, em 18 de abril de 1857, da primeira edio de O Livro dos Espritos. Estava dado o passo inicial de uma nova doutrina, bela e esclarecedora, graas cooperao entre a Espiritualidade Superior, frente o Esprito de Verdade, e o plano material, representado pelo sistematizador, que utilizou o pseudnimo Allan Kardec, nome que recebeu em uma de suas encarnaes na antiga Glia. A partir de abril de 1857, marco inicial que assinala as fronteiras de uma Nova Era de conhecimentos espirituais, com fulcro na realidade dos fatos e nas leis divinas, os homens passam a conhecer melhor a si mesmos, dissipa-se o mistrio da morte e entende-se, com muito maior profundidade, os ensinos de Jesus em muitas passagens evanglicas. Era o Consolador prometido pelo Mestre que chegava, em socorro Humanidade, s religies, s cincias, colocando em evidncia aspectos desconhecidos da eterna verdade. A hora escolhida para o envio do Consolador era de sombras e de transvios, provocados pelas doutrinas materialistas. O Espiritismo seu opositor natural.

Mas, quele marco inicial seguir-se-ia um vasto desdobramento esclarecedor. A prpria obra bsica O Livro dos Espritos, ampliado e desenvolvido pelos Espritos Superiores em colaborao com o Codificador , tornou-se definitiva em sua 2a edio, publicada em maro de 1860. Ao livro bsico, sntese admirvel de uma doutrina extremamente abrangente, seguir-se-iam outros, desdobramentos de partes de O Livro dos Espritos. Surgiram, assim, sucessivamente: O Livro dos Mdiuns, O Evangelho segundo o Espiritismo, O Cu e o Inferno e A Gnese. Mas o Codificador da Doutrina no se limitava a receber e ordenar as respostas dos Espritos s perguntas formuladas por ele sobre os mais diferentes assuntos. Emitia tambm suas observaes e comentrios em notas explicativas sobre as questes em foco, numa atitude natural de educador seguro e experiente. O resultado do trabalho srio, esclarecedor, oriundo da Espiritualidade Maior, conjugado dedicao total do discpulo lcido do Cristo, reencarnado especialmente para o desempenho de uma misso extremamente difcil, foi positivo, enriquecedor para uma Humanidade carente de conhecimentos espirituais e de uma f racional. A Codificao Esprita, que se deve ao missionrio Allan Kardec, ser sempre atual, em suas bases e fundamentos, j que nela esto previstos novos conhecimentos e novas revelaes, que lhe sero incorporados, progressivamente.365 7

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Allan Kardec e Csar dois gigantes da Humanidadeinda eram tumultuados aqueles dias para Napoleo Bonaparte. Sucediam-se as insurreies e os planos para tirar-lhe a vida. Aps haver assinado com o Papa Pio VII a Concordata com o Vaticano, em 1801, ele reuniu os advogados mais emritos e os jurisconsultos mais notveis do pas, a fim de ser elaborado um Cdigo Civil que terminava com os privilgios no pas, fundando o estado social dos franceses. Houvera assinado o tratado de paz de Amiens, em 1802, com a Inglaterra, sendo eleito cnsul por um perodo de dez anos, o que foi alterado para o carter de perpetuidade, logo depois, em 1803. Nada obstante, porque reinasse a paz no continente europeu pela primeira vez desde a Revoluo, foi descoberta uma trama dos jacobinos interessados na sua morte, logo desbaratada. Os realistas j haviam tentado tirar-lhe a vida em 1800, o que se repetiu em 1804,

A

quando Cadoudal formou um grupo de sessenta adversrios dispostos a roubar-lhe a existncia fsica. Descoberta a trama srdida, o PRIMEIRO-CNSUL prendeu alguns inimigos, exilou outros e condenou morte o Duque dEnghien, que foi fuzilado. Ante as sucessivas ameaas de morte, o Senado resolveu conceder-lhe um ttulo hereditrio, a fim de salvar o Cdigo Civil e as Instituies republicanas, na mira dos realistas, proclamando-o Imperador dos Franceses, na condio de Napoleo I, em 1804. De imediato, um plebiscito confirmou essa deciso do Senado e, no dia 2 de dezembro, desse mesmo ano, na Igreja de Notre-Dame, com a presena do Papa Pio VII, que fora especialmente convidado para a solenidade, foi consagrado com o mesmo ritual e pompa que foram utilizados em homenagem a Carlos Magno, no pas-

sado, confirmando-o Imperador dos Franceses. Portador de temperamento arrebatado e rebelde, no momento da coroao, quebrando o protocolo, Napoleo tomou a coroa das mos do Papa, a quem detestava, e autocingiu-se, repetindo o gesto em relao a Josefina, na condio de Imperatriz. Apesar de todas essas conjunturas, pairava sobre a Frana uma psicosfera de harmonia e de esperana. Isto porque, nessa ocasio, dois meses antes da coroao do Imperador, em Lyon, regio das Glias lugdunenses antigas, reencarnava-se, no dia 3 de outubro do mesmo ano de 1804, Hippolyte Lon Denizard Rivail, o emissrio de Jesus, para a reconstruo da sociedade terrestre, iluminando-a e libertando-a da ignorncia com a mensagem grandiosa do Espiritismo. Em pocas recuadas, Csar e Kardec estiveram na mesma faina terrestre. O primeiro, que chegara s Glias, alargava ento os horizontes do mundo e submeteu-a governana do Imprio Romano, fazendo que a lngua latina adquirisse status deReformador/Outubro 2004

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universalidade, com vistas divulgao futura do Evangelho de Jesus, sem que ele o soubesse... O segundo, para preservar a crena na imortalidade da alma, na Justia Divina entre os druidas, em cujo grupo renascera. Novamente encontravam-se os dois missionrios. Csar, como Napoleo, conquistando a Europa, no seu sonho de um s Estado que deveria ter por capital Paris, difundiu a lngua francesa, e Allan Kardec, renascido como Denizard Rivail, para expandir o pensamento de Jesus atravs dos veculos nobres da Cincia, da Filosofia e da tica-moral de conseqncias religiosas. medida que Denizard avanava na conquista do conhecimento, em Yverdon, na Sua, com o insigne mestre Pestalozzi, o Corso, fascinado pelo carro da guerra, prosseguiu desencadeando intrminas lutas, sendo vencido pelos inimigos, mais de uma vez, retornado a Paris e outra vez banido para Santa Helena, onde desencarnou, abandonado, no dia 5 de maio de 1821. Enquanto se apagava a estrela do insigne guerreiro, vencido pela prpria tirania, deixando, porm, imenso campo a joeirar, o Prof. Denizard Rivail erguia-se como educador emrito, oferecendo Frana e aos pases francfonos a pedagogia libertadora do seu preclaro educador, preparando-se para a tarefa missionria que realizaria como Allan Kardec. Ambos, Espritos denodados e valorosos, cada qual em uma rea especfica de atividade humana, entregaram-se com abnegao ao ministrio, para o qual reencarnaram, sendo que um foi vencido pela paixo guerreira, enquanto o outroReformador/Outubro 2004

conseguiu o triunfo como apstolo da sabedoria e da paz. Enquanto Csar trazia a tarefa de apaziguar os povos, reunindo-os em uma s famlia, apesar da utilizao cruel da guerra, Allan Kardec desfraldava a bandeira da fraternidade para unir todos os homens e mulheres sob o postulado FORA DA CARIDADE NO H SALVAO. Ambos assinalaram uma poca na Histria da Humanidade, cabendo quele que codificou o Espiritismo a gloriosa misso de encerrar a jornada fsica, de maneira triunfante, legando, posteridade, o incomparvel tesouro da Doutrina Esprita.

Evocando-lhe o bero de luz, h duzentos anos, quando mergulhou nas sombras do corpo fsico, para tornar-se o mensageiro do Consolador Prometido por Jesus, cumpre-nos, a todos ns, Espritos-espritas, agradecer-lhe a grandeza moral e a renncia de apstolo, pelos benefcios de que nos fizemos legatrios, proclamando o nosso jbilo e a nossa gratido insupervel.Vianna de Carvalho (Pgina psicografada pelo mdium Divaldo P. Franco, no Centro Esprita Caminho da Redeno, no dia 8 de julho de 2004, em Salvador, Bahia.)

Kardec no sculo XIXChora a Terra infeliz de peito aberto em chaga. A Dvida, o Terror, a Guerra e a Guilhotina Inda espalham, gritando, a treva que domina E o suor da aflio que tudo atinge e alaga... Desvairada na sombra, a Razo desatina, Nega a Filosofia... a Cincia divaga... E a f perde a viso como luz que se apaga, Entre a maldade humana e a bondade divina. a noite que se alonga ao temporal violento, a loucura, a misria e a dor do pensamento E, em toda a parte, o mundo pvida cratera!... Mas Kardec chamado ao torvelinho insano E, revivendo a luz do Cristo Soberano, Acende no horizonte o Sol da Nova Era!...Amaral Ornellas (Alexandrinos recebidos por Francisco Cndido Xavier, na sesso solene realizada na sede da Unio Esprita Mineira, no dia 18 de abril de 1956, 99o aniversrio de O Livro dos Espritos. Inseridos no livro Doutrina e Vida.) Fonte: CHICO XAVIER Mandato de Amor. 4. ed., Belo Horizonte (MG): Unio Esprita Mineira, 1997, p. 158.

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Nos passos de KardecAntonio Cesar Perri de Carvalho

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Bicentenrio de Nascimento de Allan Kardec remete-nos a variadas reflexes, da natural anlise do significado das Obras Bsicas da Doutrina Esprita e de sua influncia sobre a sociedade brasileira, s rememoraes histricas. O fato de a capital francesa sediar o 4o Congresso Esprita Mundial neste ano de 2004, como parte das comemoraes da referida efemride, suscita a curiosidade pelo conhecimento de locais relacionados com a vida e a obra do Codificador. Os principais eventos ligados atuao do professor Hippolyte

Apartamento no 2o andar, fundos (Residncia de Kardec) rue des Martyrs, 8

Rue de la Grange-Batelire residncia da Sra. Plainemaison10 368

Lon Denizard Rivail nos momentos predecessores Codificao e ao seu trabalho como Allan Kardec podem ser recompostos em funo de uma vista de olhos numa seqncia cronolgica pelos locais considerados de valor histrico para os espritas. Torna-se vlido o destaque de que nos encontramos na faixa do sesquicentenrio de dois episdios significativos. No ano de 1854 o Prof. Rivail ouviu falar pela primeira vez sobre as mesas girantes atravs do Sr. Fortier. No ms de maio de 1855, compareceu residncia da sonmbula Sra. Roger e, em seguida, na residncia da Sra. Plainemaison. O Prof. Rivail presenciou pela primeira vez os fenmenos das me-

sas girantes e de escrita medinica em ardsia em reunio de experincias sobre tais manifestaes realizadas na residncia da Sra. Plainemaison, na rue de la Grange-Batelire, 18. Naqueles momentos conheceu tambm a famlia Baudin e recebeu convite para participar de outras reunies, quando comeou a levar questes aos Espritos comunicantes e teve a idia de publicar os ensinos recebidos. Simultaneamente, durante o ano de 1856, comeou a freqentar as reunies na casa do Sr. Roustan, cuja mdium era a senhorita Japhet, na rue Tiquetonne, 32. O Codificador destaca em seu depoimento em Obras Pstumas (2a Parte, p. 270): (...) Eram srias essas reunies e se realizavam com ordem.

Rue Tiquetonne residncia do Sr. Roustan e da mdium senhorita JaphetReformador/Outubro 2004

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Nestas reunies recebeu a primeira revelao da misso que teria a desempenhar, pela mdium Srta. Japhet. Ali tambm submeteu os originais de O Livro dos Espritos para uma reviso com a Srta. Japhet. Posteriormente, o Prof. Rivail consultou outros mdiuns. A elaborao de O Livro dos Espritos aconteceu em seu gabinete de trabalho, em sua residncia rue des Martyrs, 8 (2o andar, fundos). O Codificador relata rudos em seu gabinete, em certa noite, depois recebendo o esclarecimento de que a entidade espiritual Verdade chamava-lhe a ateno para uma incorreo no texto que elaborava. Nesta residncia passou a receber visitantes interessados em conhecer o autor de O Livro dos Espritos. No segundo semestre do ano de 1857 passou a realizar reunies s teras-feiras, contando com a colaborao da mdium Srta. E. Dufaux e com a presena de at 30 pessoas interessadas em conhecer a nascente Doutrina Esprita. O lanamento da obra inaugural da Doutrina Esprita ocorreu nas dependncias do histrico Palais Royal, a uma quadra curta do

Ilustrao da poca com a cobertura envidraada da Galerie DOrlans do Palais Royal

Museu do Louvre. O tradicional prdio foi erigido por partes em trs sculos, principalmente por integrantes da famlia real Orlans, em rea que pertenceu ao Cardeal Richelieu (vide Reformador, abril de 2004, p. 35-36). No interior da histrica e portentosa galeria comercial Palais Royal existiu a E. Dentu, Libraire no no 13 da Galerie dOrlans. Neste local Allan Kardec lanou O Livro dos Espritos, num sbado pela manh, a 18 de abril de 1857. Na poca, ali havia uma estrutura de madeira cobrindo a rea, com reas envidraadas. Nas depen-

Ilustrao da poca com Livraria Dentu na Galerie DOrlans do Palais RoyalReformador/Outubro 2004

dncias do Palais Royal Allan Kardec fundou o primeiro centro esprita do mundo, a Sociedade Parisiense de Estudos Espritas, que funcionava s teras-feiras em sala alugada, entre 1/4/1858 e 1/4/1859 na Galeria Valois (lado direito do Palais), e, de 1/4/1859 a 1/4/1860 em dependncia do restaurante Douix, na Galeria Montpensier (lado esquerdo do Palais). A poucas quadras do Palais Royal encontra-se a rue Sainte Anne. No nmero 59 desta rua, na Passage Sainte Anne, em apartamento no 2o andar, a Sociedade Parisiense de Estudos Espritas passou a funcionar em local prprio a partir de 1/4/1860. Este local centralizou o trabalho do Codificador. Neste apartamento Kardec desencarnou subitamente, em face do rompimento de um aneurisma, no dia 31/3/1869. No momento ele trabalhava, atendendo a um funcionrio de livraria. De imediato foi socorrido por Alexandre Delanne, seu grande amigo e, praticamente, vizinho. A famlia Delanne residia a poucos metros dali, na Passage Choiseul, perpendicular e em se369 11

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Sede da S. P. E. E. e local da desencarnao de Kardec

qncia ao final da Passage Sainte Anne. No trreo esto as lojas e nas sobrelojas e 1o andar esto as residncias. Em entrevista a Canuto Abreu, Gabriel Delanne relata que se recorda de, ento criana, freqentar o apartamento do Codificador: Acariciava-me e, duma feita, pondo-me ao joelho e abraando-me pela cintura, profetizou que eu seria um sacerdote do Espiritismo. No fui bem um sacerdote, mas tenho a presuno que fiz o possvel em minhas foras para servir Doutrina, no setor que me coube. Um ano aps a desencarnao, o corpo de Allan Kardec foi transladado do Cemitrio Montmartre para o histrico Cimitire du Pre-Lachaise, que possui tumbas de inmeras personalidades destacadas e de pioneiros espritas como Pierre-Gatan Leymarie e Gabriel Delanne. O dlmen druida foi inaugurado no dia 31/3/1870. O tmulo est sempre com flores frescas e constantemente visitado. Posteriormente, ali foi sepultada a viva Amlie-Gabrielle Boudet. Em geral, por pessoas msticas, de vrios12 370

pases, que ali levam flores, fazem-se preces e algumas tm o hbito de tocar no ombro esquerdo do busto de Kardec. Durante uma visita recente ao citado cemitrio, acompanhado de Cludia Bonmartin, conhecemos a pessoa que voluntria e diariamente cuida dos tmulos de Kardec, Delanne e Leymarie. A Sra. Antoinette Bastide comentou que h mais de 20 anos, diariamente, limpa e troca as flores dos trs tmulos. Conhece os livros de Kardec e cultiva este trabalho por gratido ao conhecimento obtido no Espiritismo. Relatou que d seqncia a idntico trabalho, feito por uma senhora durante quase 30 anos, j desencarnada, e que se considerava beneficiada por uma cura. As homenagens ao Codificador ocorrem com o desenvolvimento do programa do 4o Congresso Esprita Mundial, nas dependncias da Maison de la Mutualit, situada na rue Saint-Victor, 24, margem esquerda do rio Sena, proximidades da Catedral Notre-Dame, da Sorbonne e do local onde trabalhou Pierre-Gatan Leymarie, em sua Livraria na rue Saint-Jacques, 42. Leymarie residiu em apartamento quase em frente livraria. Esse roteiro pelos locais considerados histricos para os espritas

Tmulo de Kardec e da esposa

no deve ser confundido como culto ao passado e aos desencarnados. Trata-se de valorizao memria do Espiritismo e do reconhecimento de que o melhor culto o dos esforos que empregais por seguir os bons exemplos que vos deram (O Livro dos Espritos, questo 206). Da a oportunidade dos estudos e reflexes sobre o tema central do Congresso do Bicentenrio: Allan Kardec Edificador de uma Nova Era para a Regenerao da Humanidade.BIBLIOGRAFIA: AUDI, E. Vida e obra de Allan Kardec. Niteri: Lachtre, 1999. ABREU, Canuto. Gabriel Delanne. Revista da Sociedade Metapsquica de So Paulo, v. 1., p. 28-31, 1936. KARDEC, A. Obras Pstumas. Rio de Janeiro: Federao Esprita Brasileira, 2004. Prouse de Montclos, J. M. Paris. City of Art. (Trad. A-P-E International). New York: The Vendome Press, Chapter X, 2003. WANTUIL, Z.; Thiesen, F. Allan Kardec. Volumes II e III. Rio de Janeiro: Federao Esprita Brasileira, 1980 e 1988.Reformador/Outubro 2004

Tmulo de Pierre-Gatan Leymarie

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ENTREVISTA: LUCIANO KLEIN FILHO

Relaes entre pioneiros espritas brasileiros e francesesO ano do Bicentenrio de Allan Kardec enseja reflexes histricas. O historiador cearense Luciano Klein Filho dedica-se s pesquisas no Movimento Esprita, tem encontrado dados e fatos interessantes sobre vultos espritas brasileiros, e tambm relaes entre pioneiros espritas brasileiros e franceses P. Como iniciou suas pesquisas sobre a histria do Espiritismo? LK Iniciamos h dez anos, quando encontramos, na Biblioteca Pblica Menezes Pimentel, de Fortaleza, uma srie de artigos da autoria do tribuno cearense Vianna de Carvalho, escritos quase diariamente, nos idos de 1910 e 1911, em peridicos locais. Ficamos imensamente impressionados com sua coragem e seu acendrado amor Causa Esprita. Numa sociedade ultramontana, conservadora por excelncia, Vianna no se intimidou e encetou uma campanha para divulgar os postulados espritas atravs da palavra falada e escrita. Em conseqncia de seu trabalho profcuo foi fundado, em 1910, o Centro Esprita Cearense. Em face da admirao que passamos a ter pelo tribuno conterrneo, considerado a glria da oratria esprita de sua poca, escrevemos trs livros sobre ele. Desde ento no mais paramos de pesquisar sobre os fatos e feitos dos grandes baluartes do nosso Movimento, de forma especial aqueles que, infelizmente, ficaram relegados ao esquecimento. P. Voc dispe de algumasReformador/Outubro 2004

Luciano Klein Filho Palestra na C. R. Nordeste

informaes inditas sobre o Espiritismo no Brasil? LK Em seu livro Os Intelectuais e o Espiritismo, publicado pela Editora Lachtre, o jornalista Ubiratan Machado revela aspectos importantes do Movimento Esprita no Brasil do sculo XIX. Ao descrever as experincias medinicas realizadas por Manoel de Arajo Porto Alegre, mais tarde Baro de Santo ngelo, o autor menciona que, em 1863, Allan Kardec teria enviado a Porto Alegre um nmero da Revue Spirite. Afirma que Arajo Porto Alegre, diplomata, exercendo o cargo de Cnsul do Brasil na

Prssia e Saxnia, pode ter sido apresentado a Allan Kardec, atravs de um brasileiro chamado Borja, ento residente em Paris, resultando da o interesse do futuro Baro pelo Espiritismo. Ubiratan no encontrou nenhuma informao sobre esse brasileiro. Divulga, entretanto, trecho de uma carta de Borja, datada de 31 de janeiro de 1863, dirigida a Gonalves Dias, o grande poeta maranhense, na qual comenta: (...) Na segunda-feira da semana passada remeti ao Porto Alegre os livros que me encomendou; no sei se j chegaram, bem como um nmero da Revista, que o Allan Kardec informou-me ter enviado no princpio deste ms. P. Ento voc descobriu fatos relacionando brasileiros com o Codificador? LK Sim, diante dessa curiosa carta a que nos referimos, dispusemo-nos a tentar descobrir alguma informao sobre esse misterioso personagem, conhecido apenas como Borja, que tivera o ensejo de conhecer o Codificador e privar, quem sabe, de sua amizade. As dificuldades foram muitas, pois os dados eram insuficientes. Mas, recentemente, des371 13

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vendamos, acidentalmente, esse enigma. Pesquisvamos na biblioteca do Colgio Militar de Fortaleza, onde lecionamos, sobre a Comisso Cientfica de Explorao do Imprio que esteve no Cear entre 1859 e o incio da dcada de sessenta do sculo retrasado. Quando folhevamos um velho livro, coletnea das correspondncias dirigidas ao Senador Tomaz Pompeu, uma das grandes expresses da cultura cearense, encontramos cinco cartas remetidas a ele por algum chamado Borja. Esse Borja esteve no Cear estudando seu clima e sua geografia, entre 1859 e 1860, como membro da aludida Comisso Cientfica, tornando-se amigo do Senador, tambm cientista. Numa de suas cartas enviada de Paris, esse Borja fala, para nossa estupefao, da amizade que nutria por Manoel de Arajo Porto Alegre e Gonalves Dias. Descreve, ainda, os encantos de uma das filhas do Diplomata, ento residente em Dresden, e da ousadia que teve em pedir-lhe a mo em casamento. Os detalhes das demais missivas eram contundentes e suficientes para dirimir qualquer dvida de que se tratava do brasileiro que conheceu Kardec. Diante desta novidade samos a campo a fim de colher subsdios para compor sua biografia, que pretendemos, em breve, publicar. Podemos, todavia, adiantar que seu nome completo era Agostinho Victor de Borja Castro. Assinava suas cartas usando o nome Victor de Borja ou somente Borja. Foi professor da Escola Politcnica do Rio de Janeiro a partir de 1872. Integrou, juntamente com Gonalves Dias e Giacomo Raja Gabaglia, de quem era adjunto, a Comisso Cientfica de Explorao. Viajou com Gonal14 372

ves Dias a Paris, com o objetivo de comprar instrumentos para equipar a Comisso. Desencarnou, em 1893, na capital francesa. P. Poderia detalhar sobre as reunies medinicas que precederam ou foram simultneas obra de Kardec? LK Em nossas pesquisas deparamo-nos com uma anotao de Leopoldo Machado, constante do seu livro A Caravana da Fraternidade, na qual ele faz meno a um registro de seu xar Leopoldo Cirne, ex-presidente da FEB, em que este afirma ser a terra de Bezerra de Menezes o local onde teria surgido a primeira organizao esprita do Brasil. Confesso, achamos estranha tal informao, visto que, comprovadamente, o primeiro grupo esprita do nosso Estado remonta ltima dcada do sculo XIX. Mas, lembrando o velho ditado onde h fumaa h fogo , questionamos a possibilidade de algum fato acontecido por estas plagas, em meados do sculo XIX, ter provocado essa afirmativa. Tempos depois, folheando um opsculo, Memria Histrica do Espiritismo alguns dados publicado pela FEB em 1904, ao tempo da presidncia de Leopoldo Cirne, por ocasio do centenrio de nascimento de Allan Kardec , chegamos resposta. Ao estudar a amplitude do Movimento Esprita no Brasil, o organizador da obra colhe informaes de confrades dos diversos Estados, para aquele que seria nosso primeiro censo esprita. Sobre o Cear respondeu o farmacutico Cato Mamede, um dos pioneiros na disseminao da Boa Nova Esprita em nossa terra. Segundo Cato, concomitante s ocorrncias na

Frana, em Fortaleza, no ano de 1853, eram realizadas experincias com mesas girantes. As informaes de Cato Mamede so confiveis, sobretudo devido ao fato de seu pai igualmente farmacutico Antnio Paes da Cunha Mamede ter participado daquelas sesses. Leopoldo Cirne, portanto, referia-se, provavelmente, a essas experimentaes. Visto por este ngulo, teria certa razo o velho Leopoldo, no obstante a inadequao da palavra esprita para designar esse tipo de reunio. P. H mais detalhes sobre essas reunies? LK Prosseguindo nas pesquisas, identificamos o nome responsvel pela conduo dessas reunies. Tratava-se do comerciante portugus Jos Smith de Vasconcellos, que em sua residncia na Rua Formosa (hoje Rua Baro do Rio Branco) promoveu vrias experimentaes. O jornal bissemanal O Cearense, fundado em 1846, trouxe, por primeira vez, no seu nmero de 15 de julho de 1853, notcia alusiva ao fenmeno das mesas girantes na Frana. Na edio de 26 de julho, do mesmo ano, o peridico, sob o ttulo Mesas danantes, registrava: No s na Alemanha, Frana, Pernambuco, etc., que se fazem experincias eltrico-magnticas das tais mesas danantes. O Sr. Jos Smith de Vasconcellos fez, no domingo, uma experincia em sua casa, na presena de muitas pessoas, com uma mesa redonda, que depois de alguns minutos rodou pelo meio da sala, at que os experimentadores romperam a cadeia!! Neste momento presenciamos vrias experincias desta.Reformador/Outubro 2004

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Noticiando novamente o inslito fenmeno, O Cearense, de 2 de agosto de 1853, descreve outras reunies similares na residncia de Jos Smith de Vasconcellos, na qual se fizeram presentes figuras conspcuas da sociedade local. Em 1854 as experincias foram continuadas e, fato curioso, Smith, ao lado de seus companheiros, concluiu que a origem do fenmeno no se devia apenas ao magnetismo animal, mas interferncia de Espritos, concluso a que Allan Kardec s chegaria no ano seguinte. Comentando as novas experincias ocorridas na Europa, O Cearense, de 19 de maio de 1854, expe que toda a fenomenologia das mesas danantes e falantes eram simples exerccios, tmido entreabrir de cortinas para horizontes infinitos: Hoje, porm, amestradas pela experincia, instrudas pelas lies de hbeis professores, e tendo j ascendido ao ponto mais culminante da cincia, as mesas se pem em relao com os mortos, coligem-lhes os pensamentos e transcrevem-lhes as palavras. A evocao se faz por intermdio de um iluminado, a quem se d o nome de mdium. Ao que tudo indica, nesse artigo a palavra mdium foi empregada pela primeira vez na imprensa brasileira. Por motivos que desconhecemos, essas sesses no criaram elos de continuidade, mas ficaram como precursoras do Espiritismo no Brasil. Conseguimos, posteriormente, elaborar a biografia desse contemporneo de Kardec no Cear. Jos Smith de Vasconcellos recebeu da Coroa portuguesa o ttulo de Baro de Vasconcellos. Falecido em 1903, deixou descendncia no Rio de Janeiro e em So Paulo.Reformador/Outubro 2004

P. H algum dado relacionado com Bezerra de Menezes? LK Temos desde 1998 recolhido diversos documentos de Bezerra e garimpado novas informaes sobre sua vida. Conseguimos, atravs de dois sobrinhos trinetos dele, residentes em Fortaleza, cinco fotografias inditas. Essas fotos esto inseridas em um livro publicado pela editora Lachtre. H, entretanto, um fato curioso que somente agora revelamos. Quatro das fotos nos foram gentilmente cedidas por Renata Blanda Furtado. As fotos ficaram durante dcadas guardadas dentro de um velho ba de cedro,

Bezerra de Menezes aderiu, publicamente, ao Espiritismo no dia 16 de agosto de 1886na serra de Baturit, no Cear, na casa onde residiu sua bisav Ursulina, sobrinha de Bezerra. O ba de cedro e o clima da serra permitiram que as fotos ficassem em excelente estado de conservao. A primeira fotografia de Bezerra que vimos despertou-nos para um detalhe curioso: uma palavra escrita no verso. Na foto Bezerra se apresenta com os dois filhos do primeiro casamento. Supomos, pela ausncia da companheira a seu lado, j estivesse vivo. Esse retrato muito semelhante a um outro bastante difundido no meio esprita, mas que, devido a retoques, alterou muito suas expresses faciais. No verso dessa foto original, havia escrita a palavra Ingra-

to. Renata no sabia explicar o motivo daquela expresso to forte. Intuitivamente, opinamos talvez se justificasse em razo do rompimento de Bezerra de Menezes com as tradies catlicas familiares quando aderiu, publicamente, ao Espiritismo no dia 16 de agosto de 1886, fato que repercutiu no s na Corte, mas em sua terra natal. O irmo de Bezerra, pai de Ursulina, Manoel Soares da Silva Bezerra, que recebeu do papa Pio IX o hbito de So Gregrio Magno, pelos relevantes servios prestados Igreja de Roma, foi o mesmo que escreveu uma carta ao Mdico dos Pobres reprochando-lhe a conduta por sua converso a uma nova f. P. H algum episdio esprita histrico de que teria esclarecimentos como fruto de seus estudos? LK Entre alguns dos fatos que vimos tentando, momentaneamente, elucidar, destacamos uma inusitada informao obtida atravs da leitura de um trabalho do pesquisador francs Jacques Lantier. Para nossa surpresa afirma Lantier que Pierre-Getan Leymarie, de convices republicanas, foi proscrito aps o golpe de estado que levou Napoleo III ao poder e veio estabelecer-se no Brasil, onde conheceu a Doutrina Esprita atravs de outro francs, o professor Casimir Lieutaud. De volta Frana, tornou-se amigo de Kardec, tendo, em 1871, dois anos aps o desenlace do Codificador, assumido a direo da Revista Esprita. Esta informao nos era totalmente desconhecida. Sabamos da perseguio poltica sofrida pelo organizador de Obras Pstumas e de sua relao com Casimir Lieutaud, mas no tnhamos, como ainda no temos, documentos com373 15

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probatrios desse episdio. Sendo Lantier compatriota de Leymarie, pode ter lanado mo de fontes a partir das quais nos fez essa revelao. Por enquanto investigamos. Entretanto, de tudo isso fica a certeza do trabalho pioneiro do francs Casimir Lieutaud, que considero o legtimo pioneiro do Espiritismo na Ptria do Cruzeiro. Lamentavelmente esquecido da maioria dos espritas da atualidade, foi lembrado somente pelo grande memorialista Zus Wantuil, que escreveu sua sntese biogrfica. Apesar de oficialmente reconhecermos o pioneirismo de Lus Olmpio Teles de Menezes, fundador do Grupo Familiar do Espiritismo, na Bahia, no ano de 1865, Casimir Lieutaud, com a colaborao de outros franceses, entre os quais, Adolphe Hu-

bert, Morin e a mdium psicgrafa Perret Collard, foi o verdadeiro introdutor das idias espritas no Brasil, chegando a publicar, em 1860, o livro Os Tempos so Chegados, talvez a primeira obra de temtica espiritista das Amricas. Casimir participou da fundao do Grupo Confcio, integrando sua Diretoria, e esteve presente na fundao da Federao Esprita Brasileira, em 1884, desencarnando cinco anos depois. P Voc est vinculado a alguma . instituio esprita voltada histria? LK Estamos vinculados ao Centro de Documentao Esprita do Cear, instituio que fundamos juntamente com os amigos Marcus V. Monteiro, Ary Bezerra Leite e Milton Borges, em 10 de dezembro de 1997, na data do aniversrio na-

talcio de Vianna de Carvalho. A idia, porm, foi inspirada no trabalho do confrade Eduardo Carvalho Monteiro. Eduardo o responsvel pelo Centro de Documentao Histrica da Unio das Sociedades Espritas do Estado de So Paulo, que funciona como um departamento daquela entidade federativa. O Centro de Documentao cearense, no entanto, filiado Federao Esprita do Estado do Cear, mas funciona como instituio autnoma contando, presentemente, com treze integrantes. Em 1999, atravs da iniciativa do irmo Marcus V. Monteiro, lanamos o jornal Gazeta Esprita, rgo do Centro de Documentao, de circulao bimestral, que passou a divulgar os resultados das nossas pesquisas.

Uso e abusoO uso o bom-senso da vida e o metro da caridade. Vida sem abuso, conscincia tranqila.*

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Saber fazer significa saber usar. Todos os objetos ou aparelhos, atitudes ou circustncias exigem uso adequado, sem o que surge o erro.*

Uso moderao em tudo. Abuso desequilbrio.*

O uso exprime alegria. Do abuso nasce a dor.*

Doena abuso da sade. Vcio abuso do hbito. Suprfluo abuso do necessrio. Egosmo abuso do direito. Todos os aspectos menos bons da existncia constituem abusos.*

Existem abusos de tempo, conhecimento e emoo. Por isso, muitas vezes, o uso chama-se absteno.*

O uso a lei que constri. O abuso a exorbitncia que desgasta. Eis por que progredir usar bem os emprstimos de Deus.Andr Luiz Fonte: XAVIER, Francisco C. Estude e Viva. 9. ed., Rio de Janeiro: FEB, 2001, p. 53-54.Reformador/Outubro 2004

O uso cria a reminiscncia confortadora. O abuso forja a lembrana infeliz.16 374

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PRESENA DE CHICO XAVIER

Jesus e Kardecnte a Revelao Divina, assevera Jesus:........................... Eu no vim destruir a Lei. E reafirma Allan Kardec: Tambm o Espiritismo diz: no venho destruir a lei crist, mas dar-lhe execuo. Perante a grandeza da vida, exclama o Divino Mestre: H muitas moradas na casa de meu Pai. E Allan Kardec acentua: A casa do Pai o Universo. As diferentes moradas so os mundos que circulam no espao infinito e oferecem aos Espritos, que neles reencarnam, moradas correspondentes ao adiantamento que lhes prprio. Exalando a lei de amor que rege o destino de todas as criaturas, advertiu-nos o Senhor: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei. E Allan Kardec proclama: Fora da caridade no h salvao. Destacando a necessidade de progresso para o conhecimento e para a virtude, recomenda o Cristo: No oculteis a candeia sob o alqueire. E Allan Kardec acrescenta: Para ser proveitosa, tem a f que ser ativa; no deve entorpecer-se. Encarecendo o imperativo do esforo prprio, sentencia o Senhor: Buscai e achareis.

A

E Allan Kardec dispe: Ajuda a ti mesmo que o Cu te ajudar. Salientando o impositivo da educao, disse o Excelso Orientador: Sede perfeitos como perfeito o vosso Pai Celestial. E Allan Kardec adiciona: Reconhece-se o verdadeiro esprita pela sua transformao moral e pelos esforos que emprega para domar suas inclinaes infelizes. Enaltecendo o esprito de servio, notificou o Eterno Amigo: Meu Pai trabalha at hoje e eu trabalho tambm. E Allan Kardec confirma: Se Deus houvesse isentado o homem do trabalho corpreo, seus membros ter-se-iam atrofiado, e, se o houvesse isentado do trabalho da inteligncia, seu esprito teria permanecido na infncia, no estado de instinto animal. Louvando a responsabilidade, ponderou o Senhor: Muito se pedir a quem muito recebeu. E Allan Kardec conclui: Aos espritas muito ser pedido, porque muito ho recebido. Exaltando a filosofia da evoluo, atravs das existncias numerosas que nos aperfeioam o ser, na reencarnao necessria, esclarece o Instrutor Sublime: Ningum poder ver o Reino de Deus se no nascer de novo. E Allan Kardec conclama: Nascer, morrer, renascer

ainda e progredir sempre, tal a lei. Consagrando a elevada misso da verdadeira cincia, avisa o Mestre dos mestres: Conhecereis a verdade e a verdade vos far livres. E Allan Kardec enuncia: F inabalvel s o aquela que pode encarar a razo face a face. To extremamente identificado com o Mestre Divino surge o Apstolo da Codificao, que os augustos mensageiros, que lhe supervisionaram a obra, foram positivos nesta sntese que recolhemos da Resposta Pergunta nmero 627, em O Livro dos Espritos: Estamos incumbidos de preparar o Reino do Bem que Jesus anunciou. Eis porque, ante o primeiro centenrio das pginas basilares da Codificao, saudamos no Espiritismo Chama da F Viva a resplender sobre o combustvel da Filosofia e da Cincia o Cristianismo Restaurado ou a Religio do Amor e da Sabedoria, que, partindo do Esprito Excelso de Nosso Senhor Jesus-Cristo, encontrou em Allan Kardec o seu fiel refletor para a libertao e ascenso da Humanidade inteira.Emmanuel (Mensagem recebida pelo mdium Francisco Cndido Xavier.) Fonte: Reformador de abril de 1957, p. 10(80).375 17

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Amlie-Gabrielle BoudetEsta edio de Reformador, dedicada ao Bicentenrio de Nascimento de Allan Kardec, no poderia olvidar sua esposa e devotada colaboradora, cujos dados biogrficos aqui reproduzimos*Filha nica de Julien-Louis Boudet, proprietrio e tabelio, homem portanto bem colocado na vida, e de Julie-Louise Seigneat de Lacombe, recebeu na pia batismal o nome de Amlie-Gabrielle Boudet. Aliando, desde cedo, grande vivacidade e forte interesse pelos estudos, ela no foi problema para os pais, que, a par de fina educao moral, lhe proporcionaram apurados dotes intelectuais. Aps cursar a escola primria, estabeleceu-se em Paris com a famlia, ingressando numa Escola Normal, de onde saiu diplomada em professora de 1a classe. Revela-nos o Dr. Canuto Abreu1 cujas pesquisas espritas em Paris, principalmente nos anos de 1921 e 22, o levaram a uma srie de documentos que a senhorinha Amlie tambm fora professora de Letras e Belas-Artes, trazendo de encarnaes passadas a tendncia inata, por assim dizer, para a poesia e o desenho. Culta e inteligente, chegou a dar luz trs obras, assim nomeadas: Contos Primaveris, 1825; Noes de Desenho, 1826; O Essencial em Belas-Artes, 1828.O Livro dos Espritos e sua tradio histrica e lendria, in Unificao, jornal esprita de S. Paulo, fevereiro de 1954.1

esposa de Denizard Rivail deu-lhe posteriormente todo o apoio na Instituio fundada em 1826. Sua colaborao se estenderia pelos anos afora, e seu nome pode figurar ao lado do de Mme. Pestalozzi, mulher admirada tanto por suas excelentes qualidades e doura de carter, quanto pela amenidade de suas maneiras e terna solicitude para com as crianas, e que secundou o marido por todos os meios, mormente na direo fsica e moral dos alunos mais jovens, necessitados de cuidados especiais. Essas duas senhoras pertencem ao nmero daquelas que a Histria regista como dedicadas e fiis colaboradoras dos seus maridos, sem as quais talvez eles no levassem a termo as suas misses. Escreve Henri Sausse que Madame Rivail nasceu em Thiais, comuna do departamento parisiense de Val-de-Marne (parte SE do antigo departamento do Sena), aos 2 do Frimrio do ano IV, segundo o Calendrio Republicano ento vigente na Frana, e que corresponde a 23 de novembro de 1795.

A

Vivendo em Paris, no mundo das letras e do ensino, quis o Destino que um dia a Srta. Amlie Boudet deparasse com o Prof. Hippolyte Lon Denizard Rivail. De estatura baixa, mas bem proporcionada, de olhos pardos e serenos, gentil e graciosa, vivaz nos gestos e na palavra, denunciando penetrao de esprito, Amlie Boudet, aliando ainda a todos esses predicados um sorriso terno e bondoso, logo se fez notar pelo circunspecto Prof. Rivail, em quem reconheceu, de imediato, um homem verdadeiramente superior. Em 6 de fevereiro de 1832, firmava-se o contrato de casamento. Ela tinha nove anos a mais do que ele, mas tal era a sua jovialidade fsica e espiritual, que a olhos vistos aparentava a mesma idade do marido. Jamais essa diferena constituiu entrave felicidade de ambos. curioso lembrar que Pestalozzi igualmente se consorciara com uma mulher de boa situao financeira e sete anos mais idosa que ele. At nisto o discpulo quis seguir o mestre? ou foi apenas coincidncia?

...A desencarnao de Allan Kardec foi uma perda irreparvel para o mundo espiritista.Reformador/Outubro 2004

*WANTUIL, Zus e THIESEN, Francisco. Allan Kardec, vol. I (p. 114-116), vol. III (p. 153-156 e 158-159). Transcrio parcial.

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Amlie Boudet, que partilhara com admirvel resignao as desiluses e os infortnios do esposo, suportaria agora qualquer realidade mais dura. Tinha a seu favor os cabelos nevados pelos seus 74 anos de uma existncia bem vivida e a alma sublimada pelos ensinos dos Espritos do Senhor. Ante a partida do querido companheiro para a Espiritualidade, portou-se como verdadeira esprita, cheia de f e estoicismo, conquanto, como natural, abalada no profundo do ser. Parafraseando o escritor Carlyle, poder-se-ia dizer que Madame Allan Kardec, pelo espao de quase quarenta anos, foi a companheira amante e fiel do seu marido, e com seus atos e suas palavras sempre o ajudou em tudo quanto ele empreendeu de digno e de bom. Intrigas, traies, insultos, ingratides cercaram o ilustre Codificador, mas em todos os momentos de provas e dificuldades sempre encontrou, no terno afeto de sua nobre esposa, amparo e consolao, confirmando-se essas palavras de Simalen: A mulher a estrela de bonana nos temporais da vida. Na RS de 1865, ao falar de seus sacrifcios em prol do Espiritismo, Kardec no se esqueceu de lembrar o quanto devia a Amlie Boudet, declarando a pginas 164: (...) minha mulher (...) aderiu plenamente aos meus intentos e me secundou na minha laboriosa tarefa, como o faz ainda, atravs de um trabalho freqentemente acima de suas foras, sacrificando, sem pesar, os prazeres e as distraes do mundo aos quais sua posio de famlia havia habituado.Reformador/Outubro 2004

Dias aps o desenlace do seu marido, recebia Madame Allan Kardec efusivas e clidas manifestaes de simpatia e encorajamento dos espiritistas de vrios pases, inclusive de alm-mar, o que lhe redobrou as foras no sentido de levar avante a obra do amado esposo. No desejo de contribuir para a realizao do plano de organizao do Espiritismo, que a lcida previso de Kardec tinha preparado e publicado na Revue Spirite de dezembro de 1868, a Sra. Allan Kardec, nica proprietria legal das

Mme. Allan Kardec em 1882

obras kardequianas, da Revue e da Livraria, comunicou, na sesso de 16 de abril da Sociedade Esprita de Paris, estas decises: ela doaria anualmente Caixa Geral do Espiritismo o excedente dos lucros provenientes da venda dos livros espritas e das assinaturas da Revue, isto , das operaes da Livraria Esprita; os artigos a serem publicados

na Revue Spirite deveriam ser primeiro sancionados por ela e pela Comisso de Redao; a Caixa Geral do Espiritismo seria confiada a um tesoureiro, encarregado de gerir os fundos, sob a superviso da Comisso diretora2. Esses fundos, at nova resoluo, seriam aplicados na aquisio de propriedades, a fim de que se pudessem remediar quaisquer eventualidades futuras. ....................................................... Outras judiciosas decises foram por ela tomadas no sentido de salvaguardar a propaganda do Espiritismo, sendo, por isso, bastante apreciado pelos espritas de todo o Mundo o seu nobre desinteresse e devotamento. Nos planos futuros de Allan Kardec estava a criao de um museu esprita, para o qual j tinha recebido vrios quadros pintados pelo Sr. Raymond Auguste Quinsac Monvoisin (1790-1870), artista de talento e esprita devotado. A Sra. Rivail declarou, ento, pela Revue Spirite, que esses quadros estavam em seu poder, aguardando a compra de um local apropriado para o Museu, e que poderiam ser examinados e apreciados por qualquer esprita, em sua residncia particular. Como se v, ela nada esquecia, pondo os correligionrios a par de tudo que se fazia e se passava na sua administrao. Se Madame Allan Kardec conforme se l na Revue Spirite de 1869 se entregasse aos seus interesses pessoais, deixando que as coisas andassem por si mesmas e2

Revue Spirite, 1869, p. 155.

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sem preocupao de sua parte, ela facilmente poderia assegurar tranqilidade e repouso sua velhice. Mas, colocando-se num ponto de vista superior, e guiada, alm disso, pela certeza de que Allan Kardec com ela contava para prosseguir, no rumo j traado, a obra moralizadora que lhe fora objeto de toda a solicitude, Madame Allan Kardec no hesitou um s instante. Profundamente convencida da verdade dos ensinos espritas, buscou garantir a vitalidade do Espiritismo no futuro, e, conforme ela mesma o disse, melhor no saberia aplicar o tempo que ainda lhe restava na Terra, antes de reunir-se ao esposo. Na reunio da Sociedade, em 3 de julho de 1869 (RS, 1883, p. 206), a fim de realizar material e moralmente, na medida do possvel, os planos de Allan Kardec, ficou constituda a Socit anonyme parts dintrt et capital variable de la caisse gnrale et centrale du Spiritisme, simplesmente conhecida por Socit anonyme du Spiritisme. O projeto de Allan Kardec fora cuidadosamente estudado por Mme. Allan Kardec e vrios conselheiros, executando-se o que na ocasio era praticvel. Formou-se, assim, uma base de associao comercial, como o nico meio legal possvel de se chegar a fundar alguma coisa de durvel. Suas operaes se fariam com a Revue Spirite, com a publicao dos livros de Kardec, a includas as suas obras pstumas, e com todas as demais que tratassem de Espiritismo. Em suma: tudo giraria em torno da Livraria. A durao da Sociedade foi fixada em 99 anos, a datar de sua20 378

constituio definitiva, que ocorreu em agosto de 1869. Com sede rua de Lille no 7, era administrada por uma comisso de membros nomeados pela assemblia geral dos associados, e escolhidos dentre eles. Kardec consagrara inteiramente o produto de suas obras e da Revue Spirite s necessidades materiais de instalao do Espiritismo. No quis, e tinha esse direito, distrair parcela alguma para seu proveito pessoal. Sua esposa, animada dos mesmos sentimentos, disps igualmente esse produto a bem do Espiritismo, em prol de sua estabilidade legal e do seu desenvolvimento. ...................................................... Apesar de sua avanada idade, a Viva Allan Kardec demonstrava um esprito de trabalho fora do comum, fazendo questo de tudo gerir pessoalmente, cuidando de assuntos diversos, que demandariam vrias cabeas. Graas sua viso, ao seu empenho, ao seu devotamento sem limites, o Espiritismo pde crescer a passos de gigante, no s na Frana, que tambm no mundo todo. Estafantes eram os afazeres dessa admirvel mulher, cuja idade j lhe exigia repouso fsico e sossego de esprito. ..................................................... Muito ainda fez essa extraordinria mulher a prol do Espiritismo e de todos quantos lhe pediam um conselho ou uma palavra de consolo, at que em 21 de janeiro de 1883, s 5 horas da madrugada, docemente, com rara lucidez de esprito, com aquele mesmo gracioso e meigo sorriso que sempre lhe brincava nos lbios, desatou-se dos

ltimos laos que a prendiam matria. A querida velhinha tinha ento 87 anos, e nessa idade, contam os que a conheceram, ainda lia sem precisar de culos e escrevia ao mesmo tempo corretamente e com letra firme. Aplicando-lhe as expresses de clebre escritor, pode-se dizer, sem nenhum excesso, que sua existncia inteira foi um poema cheio de coragem, perseverana, caridade e sabedoria. Compreensvel, pois, era a consternao que atingiu a famlia esprita em todos os quadrantes do Globo. De acordo com os seus prprios desejos, o enterro de Madame Allan Kardec foi simples e espiriticamente realizado, saindo o fretro de sua residncia, na Avenida e Vila Sgur no 39, para o Pre-Lachaise, a 12 quilmetros de distncia. Grande multido, composta de pessoas humildes e de destaque, compareceu em 23 de janeiro s exquias junto ao dlmen de Kardec, no qual os despojos da velhinha foram inumados e onde todos os anos, at sua desencarnao, ela comparecia s solenidades de 31 de maro. Na coluna que suporta o busto do Codificador foram depois gravados, esquerda, esses dizeres em letras maisculas:AMLIE GABRIELLE BOUDET VEUVE ALLAN KARDEC 21 NOVEMBRE 1795 21 JANVIER 18833Cometeu-se, como se v, um engano, ao ser gravado o dia do nascimento, que foi realmente em 23. (Ver Henri Sausse, Biographie dAllan Kardec, 4me d., p. 22.)Reformador/Outubro 20043

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ESFLORANDO O EVANGELHOEmmanuel

Espiritismo na fE estes sinais seguiro aos que crerem; em meu nome expulsaro os demnios; falaro novas lnguas. Jesus. (Marcos, 16:17.)Permanecem as manifestaes da vida espiritual em todos os fundamentos da Revelao Divina, nos mais variados crculos da f. Espiritismo em si, portanto, deixa de ser novidade, dos tempos que correm, para figurar na raiz de todas as escolas religiosas. Moiss estabelece contacto com o plano espiritual no Sinai. Jesus visto pelos discpulos, no Tabor, ladeado por mortos ilustres. O colgio apostlico relaciona-se com o Esprito do Mestre, aps a morte dEle, e consolida no mundo o Cristianismo redentor. Os mrtires dos circos abandonam a carne flagelada, contemplando vises sublimes. Maom inicia a tarefa religiosa, ouvindo um mensageiro invisvel. Francisco de Assis percebe emissrios do Cu que o exortam renovao da Igreja. Lutero registra a presena de seres de outro mundo. Teresa dvila recebe a visita de amigos desencarnados e chega a inspecionar regies purgatoriais, atravs do fenmeno medinico do desdobramento. Sinais do reino dos Espritos seguiro os que crerem, afirma o Cristo. Em todas as instituies da f, h os que gozam, que aproveitam, que calculam, que criticam, que fiscalizam... Esses so, ainda, candidatos iluminao definitiva e renovadora. Os que crem, contudo, e aceitam as determinaes de servio que fluem do Alto, sero seguidos pelas notas reveladoras da imortalidade, onde estiverem. Em nome do Senhor, emitindo vibraes santificantes, expulsaro a treva e a maldade, e sero facilmente conhecidos, entre os homens espantados, porque falaro sempre na linguagem nova do sacrifcio e da paz, da renncia e do amor.Fonte: XAVIER, Francisco Cndido. Po Nosso. 24. ed., Rio de Janeiro: FEB, 2004, cap. 174, p. 359-360.

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O semeador de esperanaM. ngela Coelho Mirault

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le no conheceu o telefone (inventado em 1876 e implantado efetivamente em 1892), nem desfrutou do conforto proporcionado pela luz eltrica (1879), sequer estava aqui quando as primeiras ondas do rdio (1895) fizeram-se ouvir, enchendo o ar de notcias e msica, muito menos conheceu o fongrafo (1877), no podendo, portanto, deleitar-se com a msica transportada das salas de espetculos para os ambientes domsticos. Decerto, no chegou a conhecer a mquina de escrever (1870) nem os benefcios que, certamente, lhe proporcionaria durante a tarefa que tinha a empreender. No conheceu a televiso (uma inveno da dcada de 1920) e sua magia de teletransportar gente. No vivenciou o encurtamento das distncias e do tempo proporcionado pela inveno do automvel (1885) e do avio (1906), que dir o advento da internet e mesmo do celular, que nos conectam a tudo e a todos. No contou com a fora da propaganda e da imprensa de massa, no entanto, sua figura perpetua-se na histria da Humanidade, lcida e atual como poucas, destacando-o como um dos maiores divulgadores de idias paradigmticas de todos os tempos. Sem mesmo dar-se conta da amplitude e repercusso de suas22 380

pesquisas, Hippolyte Lon Denizard Rivail (nascido em 3 de outubro de 1804) iniciou a gestao de Allan Kardec e da prpria Doutrina Esprita em 1855, ano em que decidiu dedicar-se com seriedade ao estudo dos fenmenos psquicos, para os quais fora convidado a participar como mero observador. A partir dessa curiosidade no levaria mais do que dois anos para lanar sua primeira, das cinco obras que deram luz a uma nova doutrina Esprita (termo cunhado por ele para dar conta da nova cincia) , introduzindo tambm um novo personagem na histria do pensamento humano. Com sua obra, o emrito educador francs, dileto discpulo de Pestalozzi, e j consagrado escritor, membro da Academia Real dArras autor de inmeros livros de cunho didtico recolher-se-ia para sempre, dando lugar ao surgimento de Allan Kardec1, pseudnimo com que passaria a assinar suas produes espritas. Ele teria pouco mais de quinze anos para dedicar-se queles incompreendidos, inexplorados e mesmo deturpados fenmenos, at ento considerados sobrenaturais anteriormente esposados por Scrates e Plato, apregoados e vivenciados em toda sua significativa amplitude por Jesus , realizar seu trabalho e regis1

trar a mensagem de esperana que com clareza e preciso, ecoando do Plano Espiritual, propugnava um novo paradigma para a concepo do mundo e da prpria vida. Tal como concebido em meados do sculo XIX, o corpo doutrinrio que Kardec reuniu, organizou, interpelou e codificou alcana com extrema lucidez o homem deste Terceiro Milnio, to atual como no passado, reverberando ao longo do tempo uma slida mensagem de esperana. Concretizada em sucessivas edies, sua mensagem revela desde o dia 18 de abril de 1857 quando foi lanada, em Paris, a primeira edio de O Livro dos Espritos as implicaes resultantes de sua descoberta sobre a inequvoca existncia e predominncia de uma realidade imaterial. Um novo paradigma Afirmam alguns estudiosos que um novo paradigma no resulta de um processo linear e acumulativo. Seu surgimento decorre de um evento inusitadamente inesperado, como uma exploso entrpica, que altera todo o curso anterior do que antes se tinha como verdade, assinalando o fim de algo que est sendo superado e a abertura para novas possibilidades. Talvez um instante de desvelamento de verdades preexistentes e apenas ocultas, que de repente se abre percepo, reorganizando o que, antes, aparentemenReformador/Outubro 2004

Seu nome em anterior encarnao como sacerdote druida, segundo revelao dos Espritos.

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te j se achava convencionalmente organizado. Mas, bom que se diga: um novo paradigma no se valida repentinamente, convencendo seus oponentes, antes rejeitado, j que traz em si uma nova forma de concepo do real. E para que isso ocorra, necessrio que o paradigma dominante j no satisfaa mais as inquietaes subjacentes e que seus postulados, antes inquestionveis, estejam sendo colocados agora em cheque. nessa brecha que as novas idias florescem, mas preciso que se tenha um esprito livre e questionador do status quo a fim de que se esteja preparado para entrever a ruptura, captar a mudana e acolher o novo enunciado. Sob essa perspectiva, a obra do Professor Hippolyte Lon Denizard Rivail, o Allan Kardec, subsidiaria um momento entrpico de mudana paradigmtica, pois, inegvel que, a partir do corpo de conhecimento doutrinrio-filosfico-cientfico nela contido pode-se conceber (enxergar) uma nova forma de interpretar uma mesma realidade sob novos decodificadores interpretativos que diro respeito a tudo e a todos, ontem, hoje e amanh. Allan Kardec no foi somente um pesquisador visionrio, mas, antes de tudo, foi um autntico semeador do Bem, proporcionando Humanidade uma slida opo alternativa entre duas correntes filosfico-religiosas: o atesmo2 e o2 Concepo que se d a quem no cr em Deus.

agnosticismo3. Redimensionando a concepo antropomrfica que se tem de Deus, auxiliou, a partir de

ento, o prprio homem a tecer fio a fio as vestes da esperana em um futuro venturoso, conquistado individualmente, palmo a palmo, na trilha da imortalidade. Organizando, primeiramente, cerca de cinqenta cadernos que lhe foram entregues e cujos contedos registravam cinco anos de relatos sobre os fenmenos, at ento, considerados paranormais, pouco a3

Designao que se d a quem afirma no ser possvel comprovar-se a existncia de Deus.

pouco, foi-lhes dando forma e, com a complementao trazida pelos Espritos, acompanhada de suas elucidaes, Kardec estrutura toda a base filosfico-cientfico-religiosa da Doutrina Esprita. Utilizando-se do mtodo cientfico-experimental, cuja disciplina impunha a observao dos fenmenos, a comparao e a deduo lgica, antecedentes a generalizaes, Kardec debruara-se sobre fatos relegados por ele, tambm inicialmente desconsiderados ao mbito do sobrenatural, e, apenas depois de estar convencido das dedues daquelas revelaes proporcionadas pelo intercmbio comunicacional entre os dois planos da vida, investiga-os minuciosamente, legando Humanidade uma nova doutrina coerentemente lgica, racional e consoladora. Aps a divulgao dos resultados do seu meticuloso trabalho de pesquisa junto aos Espritos imortais, que se comunicavam pela intermediao de mdiuns, e da lgica de suas dedues, nem a Filosofia, ou a Cincia, ou, ainda, a Religio seriam mais as mesmas. A semente consoladora da imortalidade, antes anunciada pelo Evangelho de Jesus, estaria definitivamente consolidada na alma humana e, com ela, a vitria da vida sobre a morte estaria determinada. Fundamentada em constataes indiscutveis, disponibiliza um corpo de conhecimentos que trar respostas aos mais corriqueiros questionamentos, elucidando o grande enigma existencial humano, ou se381 23

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ja, de onde viemos e para onde vamos, bem como traando-nos uma segura metodologia para a escolha de caminhos mais dignos e conscientes diante de uma nica existncia imortal. Ao deparar-se com os fenmenos tidos como paranormais constata ele haver entrevisto a chave do problema to obscuro e to controvertido do passado e do futuro, e at a soluo do que havia procurado toda a sua vida, afirma ento4. Allan Kardec formula e registra um novo paradigma cientfico, tal a grandiosidade da sua enunciao. Somos seres nicos e imortais, em permanente processo de evoluo, destinados felicidade, responsveis por nosso passado, nosso presente e nosso futuro. Com o estabelecimento dos princpios bsicos sobre a imortalidade, o livre-arbtrio em consonncia com a lei de causa e efeito correlacionada tese da reencarnao, a esperana passa a habitar os coraes e mentes libertas do medo, da superstio e do dogmatismo religioso. Sua obra frtil dirige-se, desde ento, ao homem livre de todos os tempos, destinado, antes de tudo mais do que s provaes e aos resgates felicidade e perfectibilidade. A morte, o aniquilamento, a punio eterna cedem lugar conquista intermitente do Esprito imortal em busca do seu prprio aperfeioamento a caminho da redeno. Desde o lanamento de sua obra at sua desencarnao, em 1869, a par das mais variadas dedues filosficas e surpreendentes4

descobertas cientficas, nenhuma das constataes ali contidas sofreu qualquer correo, mantendo-se to atual e conseqente quanto poca de sua edificao. Semeando esperana, formulando um novo paradigma filosfico-cientfico para a Humanidade, Allan Kardec permanece vivo em sua magnfica obra, a qual, sucessivamente reeditada, mantm-se atual, vibrante e acessvel ao esprito empreendedor que, tal como ele, de posse da liberdade de pensar, busque novos paradigmas decodificadores de uma realidade aparentemente incompreensvel e considere, como fez o Codificador, no haver mais qualquer possibilidade de manter-se uma f inabalvel, seno pelo escopo da razo, em todas as pocas da Humanidade. Ao tomar para si a responsabilidade de desmistificar a Religio, a Filosofia e a Cincia, evidenciando os elos espirituais que amalgamam a grande corrente da vida, apresentando o encadeamento holstico intrnseco a essas grandes vertentes do conhecimento, o Professor

Hippolyte Lon Denizard Rivail Allan Kardec assume um lugar definitivo na corrente de pensamentos que tem buscado auxiliar o homem no entendimento da vida, perpetuando-se na histria humana. Desde esta sua passagem pela Terra e sua lcida contribuio para a Codificao da Doutrina Consoladora, a Humanidade passou a dispor de um novo paradigma para uma melhor compreenso da realidade e do fenmeno da prpria Vida, em toda sua complexidade e implicaes transcendentais, como contraponto ao paradigma cientfico-materialista predominante nos dias atuais. Durante o ano de 2004, os espritas do mundo inteiro tm reverenciado o Esprito imortal deste semeador de esperanas, comemorando o Bicentenrio de sua ltima reencarnao como o lcido missionrio incumbido da propagao da mensagem renovadora crist, propugnada pelo Mestre Jesus, h mais de dois mil anos.

Conselho Esprita InternacionalReunio Ordinria em ParisO Conselho Esprita Internacional realiza em Paris, nos dias 6 e 7 de outubro, aps o 4o Congresso Esprita Mundial, sua 10a Reunio Ordinria, nas dependncias do Hotel Campanille Porte de Bagnolet. Fundado em Madrid (Espanha), no dia 28 de novembro de 1992, por 9 pases, durante o Congresso Mundial de Espiritismo (CME/92), o CEI conta hoje, decorridos 12 anos, com 24 pases de 4 continentes: Europa, Amrica, sia e frica. administrado por uma Comisso Executiva e possui as seguintes Coordenadorias: Europa, Amrica do Norte, Amrica Central e Caribe, e Amrica do Sul.

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Kardec e sua viso do futuroJos Passini

o fazermos uma anlise da personalidade de Kardec, buscando conhecer-lhe a cultura, aliada profunda identificao com o Evangelho, no devemos ter por objetivo apenas homenagear-lhe a memria. Devemos v-lo como algum que veio para cumprir uma promessa de Jesus. Devemos avaliar-lhe a estatura espiritual, no para que apenas nos encantemos, mas a fim de nos conscientizarmos da nossa condio de beneficirios da sua obra, desse acervo imenso de esclarecimentos, que marcaram efetivamente uma nova etapa na evoluo humana. necessrio pensarmos em Kardec na sua poca, a fim de avaliar-lhe o avano no tempo em relao ao pensamento predominante de ento. Precisaramos, todos ns, ter a possibilidade de transportar-nos, de caminhar para o passado, a fim de sentirmos a poca, com seus costumes e, principalmente, com suas limitaes. S assim poderamos observar com justeza o avano do pensamento de Kardec em relao aos seus contemporneos, e at de muitos dos atuais pensadores das searas religiosas, polticas e sociais. A Igreja, recm-sada da Inquisio em Portugal terminou, por decreto da Regncia, em 1821 ainda impunha o seu poder. Nos

A

pases, ditos catlicos, no havia separao entre o Estado e a Igreja. Para se ter idia desse poder, s lembrarmos que em 9 de outubro de 1861, na Espanha, foram queimadas, em praa pblica, 300 obras espritas, legalmente importadas da Frana, no assim chamado Auto-de-f em Barcelona. Entretanto, apesar da forte presso dominadora exercida pela Igreja, no sentido de ser mantida a sua verso do Cristianismo, durante o sculo XIX, em algumas partes da Europa ocorria uma libertao quase rebelde de muitos intelectuais, em relao s pregaes religiosas, que j no mais conseguiam convenc-los. O descompasso entre a religio e a cincia tornava-se cada vez mais agudo, ensejando um desencanto que levou muitos espritos lcidos tomada de posies eminentemente materialistas, criando o ambiente para o surgimento do Positivismo, doutrina que visa superao dos estados teolgico e metafsico, negando tudo o que no fosse fisicamente mensurvel, e preparando o terreno para o materialismo do sculo XX. No campo social, a mensagem religiosa servia apenas para coonestar o egosmo vivenciado pelos poderosos, sem que houvesse a mnima ao no sentido de amenizar a desumana e angustiosa situao das classes trabalhadoras, notadamente dos operrios. dessa poca a famosa frase atribuda a Karl Marx: A religio o pio do povo. E

realmente o era, pois se constatava facilmente a imensa distncia que havia entre a mensagem simples, fraterna, amorosa e atuante de Jesus, e aquilo que era oferecido como Cristianismo pela Igreja, totalmente comprometida com o poder temporal. Kardec no se curva Igreja, mas no adere ao materialismo seco e destrutivo, como tantos pensadores do seu tempo. Sua viso de missionrio permite-lhe discordar daquilo que a Igreja oferecia como verdade e possibilita-lhe uma proposta religiosa a ser experienciada principalmente fora dos templos. Uma religio a ser vivida em clima de liberdade, tanto na rea do sentimento, quanto da razo, conforme os ensinamentos e exemplos de Jesus. Diante da atuao de Kardec, seria difcil enquadr-lo nas reas do conhecimento humano. Revela-se como telogo ao dialogar com os Espritos Superiores a respeito de Deus, demonstrando independncia e superioridade de pensamento em relao aos seus contemporneos, quando formula a pergunta: Que Deus?1 Isso dito numa poca em que grandes pensadores estavam ainda atrelados idia de um Deus antropomrfico, portador de limitaes humanas, quanto forma e aos atributos. O Codificador demonstra que sua viso de Deus csmica e est em perfeita consonncia com os avanos da Astronomia,383 25

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que, caminhando frente das religies, j demonstrara queles que tm olhos de ver que o Universo conhecido era maior do que o Deus ensinado por elas. Entretanto, sua concepo cientfica da grandeza csmica de Deus no o impediu de resgatar a figura do Pai justo, providente, amoroso e infinitamente misericordioso, conforme os ensinamentos de Jesus, contrapondo-se frontalmente criao dos telogos: o Inferno de penas eternas, dentro do contexto cristo. Nesse campo, revela o Codificador a sua condio tambm de educador e de penlogo, ao examinar com impecvel lucidez temas como Cu, Purgatrio e Inferno, principalmente na obra O Cu e o Inferno. Entretanto, se abriu as portas do Inferno, demonstrou que as do Cu no se descerram custa de ofcios religiosos encomendados, de legados post mortem, mas atravs do esforo individual, intransfervel e consciente de cada Esprito, conforme sentenciou Jesus: Se algum quiser vir aps mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz e siga-me.2 A reencarnao, rejeitada e ridicularizada quela poca, mereceu-lhe anlise clara, profunda e irretorquvel, em tese que o futuro, que vivemos hoje, tem consagrado como vitoriosa, uma vez que at o presente no existe nenhum trabalho srio que a conteste. Demonstra com clareza a imortalidade da alma, no apenas como artigo de f, estribada em dogmas, mas no campo da experimentao cientfica, atravs do resgate do exerccio da mediunidade, prtica que seria objeto de estudos levados a efeito na rea acadmica, primei26 384

ramente sob o nome de Metapsquica e, mais tarde, de Parapsicologia. Revelou-se socilogo eminentemente cristo ao dialogar com os Espritos sobre questes sociais, pondo em evidncia temas que outras religies s dcadas mais tarde viriam discutir.

Todo aquele que tem o poder de mandar responsvel pelo excesso de trabalho que imponha a seus inferioresO trabalho, ensinado no meio religioso como castigo, mostrado como oportunidade enobrecedora de colaborao na obra de Deus. Pela primeira vez o relacionamento entre capital e trabalho tratado no meio religioso, com srias advertncias queles que, abusando do poder de mandar, impem excessivo trabalho a seus inferiores, pois eram comuns na Europa as jornadas de trabalho excederem a doze horas. Pela primeira vez, na histria do Cristianismo, algum cria ambiente para que Espritos Superiores advirtam o homem, em nome de Deus, a respeito da responsabilidade no emprego do poder: (...) Todo aquele que tem o poder de mandar responsvel pelo excesso de trabalho que imponha a seus inferiores, porquanto, assim fazendo,

transgride a lei de Deus.3 Enquanto as vozes religiosas se calavam, Kardec inquire os Espritos a respeito do direito do trabalhador de repousar depois de ter dado o vigor de sua juventude em trabalho: Mas, que h de fazer o velho que precisa trabalhar para viver e no pode? 4 A resposta lapidar, que deveria servir de epgrafe e inspirao para muitos discursos sociolgicos e religiosos: O forte deve trabalhar para o fraco. No tendo este famlia, a sociedade deve fazer as vezes desta. a lei de caridade.4 S 31 anos depois da edio definitiva de O Livro dos Espritos, a encclica Rerum Novarum, em l891, revela algum despertamento do meio catlico para o tema. Relativamente escravido, os poderes religiosos tambm se mantinham calados at ento, impedidos de erguer a bandeira abolicionista por estarem comprometidos com aqueles que se beneficiavam com o trabalho escravo. Contra esse ignominioso domnio de um ser humano sobre outro, manifestaram-se os Espritos, falando em nome de Deus, graas s perguntas de Kardec, que, com isso, inseriram conceitos de moral religiosa num campo eminentemente social. Nove anos antes da publicao da obra Sujeio das Mulheres, de Stuart Mill, que tida como uma das molas propulsoras do movimento feminista, Kardec publica o dilogo que manteve com os Espritos Superiores e comentrios seus, analisando a igualdade dos direitos do homem e da mulher, enquanto as demais correntes crists mantinham, e ainda mantm em seu prprio seio, posies altamente discriminatrias, em que a mulher conReformador/Outubro 2004

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tinua como subalterna, malgrado os exemplos dignificantes de Jesus. Ao perguntar aos Espritos: Ser contrrio lei da Natureza o casamento, isto , a unio permanente de dois seres?5, recebendo dos Espritos a resposta um progresso na marcha da Humanidade. , o Codificador demonstra conceituar o casamento como ato eminentemente moral, mtuo compromisso assumido no mbito da conscincia de um homem e de uma mulher, acima de toda e qualquer bno sacerdotal ou da assinatura de um documento civil. Evidenciada por Kardec h um sculo e meio, essa a viso que se tem hoje, quando cada vez mais prospera o entendimento de que ningum casa ningum; as criaturas se casam, e s elas so responsveis pela manuteno do vnculo livremente estabelecido. digna de nota a posio do Codificador, pois se de um lado esclarece, libertando a criatura dos grilhes criados por uma bno sacerdotal pretensamente dada em nome de Deus , por outro, chama-lhe a ateno para os compromissos assumidos perante o altar de sua prpria conscincia. O valor que Kardec atribui ao casamento est perfeitamente explicitado no comentrio feito ao tratar do assunto: (...) A abolio do casamento seria, pois, regredir infncia da Humanidade e colocaria o homem abaixo mesmo de certos animais que lhe do o exemplo de unies constantes.6 Numa poca em que as religies no discutiam o papel da famlia, por julg-la estabelecida em funo de sacramento ministrado em nome de Deus embora, em alguns casos, at mesmo contra aReformador/Outubro 2004

vontade de quem o recebia , Kardec, antevendo atitudes e questionamentos futuros, analisa e discute com os Espritos Superiores o papel do instituto familiar. Obteve respostas esclarecedoras dos Espritos, situando a famlia como ncleo insubstituvel da educao humana, ncleo formado no em funo de uma evoluo social, mas decorrente de desgnio divino. Por isso, o Espiritismo j tinha resposta antecipada s duras contestaes que viriam dcadas mais tarde, quando regimes totalitrios pretenderam instituir um modelo de educao da criana pelo Estado e, mais tarde ainda, atravs das propostas de vida livre levadas a efeito pelos

Coube a Kardec o papel histrico de construir uma ponte luminosa, ligando Cincia e Religiohippies e daqueles que lhes partilharam as idias. Ao assumir veemente combate contra a pena de morte enquanto setores religiosos se mantinham silenciosos ou mesmo coniventes , Kardec tira o no matars de dentro dos templos, levando-o discusso penal e social, antecipando-se, em dcadas, a campanhas que surgiriam bem mais tarde. O imenso abismo cavado entre a Cincia e a Religio pelos estudos de Coprnico e Galileu alargou-se ainda mais com a publicao da

obra Da Origem das Espcies, de Charles Darwin. Coube a Kardec o papel histrico de construir uma ponte luminosa, ligando Cincia e Religio. Contestando o Criacionismo, pe em evidncia a evoluo do Esprito, que caminha pari passu com a evoluo fsica demonstrada por Darwin, ao tempo em que resgata diante da conscincia humana um dos atributos bsicos de um Ser Perfeito: a Justia. Tudo promana de uma mesma fonte, todos partimos de um mesmo ponto, dotados da mesma potencialidade evolutiva, conforme ensinaram os Espritos: (...) assim que tudo serve, que tudo se encadeia na Natureza, desde o tomo primitivo at o arcanjo, que tambm comeou por ser tomo. (...) 7 Por conhecer essa luz divina, imanente em toda a Criao, que Jesus lanou o desafio evolutivo: Assim resplandea a vossa luz diante dos homens (...).8 No se pretendeu aqui fazer uma anlise exaustiva da obra de Kardec, nem da sua capacidade como filsofo, educador ou telogo. Buscou-se enfocar apenas o avano do seu pensamento, em relao aos seus contemporneos. Kardec transcende sua poca, enxergando alm dos interesses, da cultura, do meio social e religioso em que convive. Se o Prof. Hippolyte Lon Denizard Rivail tivesse publicado suas obras sem revelar os dilogos com os Espritos e o seu aspecto religioso, por certo a Frana o teria includo entre seus filsofos, conforme j o fizera entre seus grandes educadores. No decorrer deste milnio, quando o dogmatismo religioso e o academicismo enfatuado se fizerem menos presentes, e quando no mais385 27

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estiverem to distanciados das verdades do Evangelho puro, Kardec certamente ser estudado nas universidades, ser descoberto como um gnio do sculo XIX, maravilhando Espritos que j tero reencarnado para o estabelecimento de diretrizes educativas dos tempos novos. Nessa ocasio, tero dificuldade em situ-lo numa rea do saber humano, em face do domnio revelado por ele no campo da sociologia, do direito, da educao, da filosofia e, principalmente, da teologia. A marca inquestionvel da sua condio de grande missionrio o fato de o seu pensamento no estar preso ao lugar e poca. Seu pensamento vigoroso projeta-se no futuro, numa anteviso terrena dos caminhos da Humanidade. Espiritualmente falando, no anteviso, simplesmente a recordao dos temas humanos que mereceram seu estudo, sua anlise minuciosa, no Espao, antes de reencarnar-se. Guardadas as devidas propores, o mesmo fenmeno que se deu com Jesus que, transcendendo os conhecimentos, os interesses, as aspiraes a prpria cultura da poca fez abordagens de assuntos incomuns e deixou ensinamentos e diretrizes evolutivas para os sculos porvindouros.REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:1

Doutrina Esprita

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KARDEC, Allan. O Livro dos Espritos. 83. ed., Rio de Janeiro: FEB, 2002, q. 1. Mateus, 16:24. KARDEC, Allan. O Livro dos Espritos. 83. ed., Rio de Janeiro: FEB, 2002, q. 684. Idem, ibidem, q. 685a. Idem, ibidem, q. 695. Idem, ibidem, q. 696 (Comentrio). Idem, ibidem, q. 540. Mateus, 5:16.

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princpio inteligente independe da matria. A alma individual preexiste e sobrevive ao corpo. O ponto de partida ou de origem o mesmo para todas as almas, sem exceo; todas so criadas simples e ignorantes e sujeitas a progresso indefinido. Nada de criaturas privilegiadas e mais favorecidas do que outras. Os anjos so seres que chegaram perfeio, depois de haverem passado, como todas as outras criaturas, por todos os graus da inferioridade. As almas ou Espritos progridem mais ou menos rapidamente, mediante o uso do livre-arbtrio, pelo trabalho e pela boa vontade. A vida espiritual a vida normal; a vida corprea uma fase temporria da vida do Esprito, que durante ela se reveste de um envoltrio material, de que se despe por ocasio da morte. O Esprito progride no estado corporal e no estado espiritual. O estado corpreo necessrio ao Esprito, at que haja galgado um certo grau de perfeio. Ele a se desenvolve pelo trabalho a que submetido pelas suas prprias necessidades e adquire conhecimentos prticos especiais. Sendo insuficiente uma s existncia corporal para que adquira todas as perfeies, retoma um corpo