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Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em Portugal: Regime Jurídico da Reparação dos Danos

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  • Acidentes de Trabalho e Doenas Prossionais em

    Portugal:

    Regime Jurdico da Reparao dos Danos

  • Ttulo:Acidentes de Trabalho e Doenas Prossionais em PortugalRegime Jurdico da Reparao dos Danos

    Relatrio elaborado no mbito do Estudo Programa de apoio manuteno e retorno ao trabalho das vtimas de doenas prossionais e acidentes de trabalho, promovido pelo CRPG Centro de Reabilitao Prossional de Gaia.

    Equipa tcnica:Jernimo Sousa (coord)Carlos SilvaElsa Pacheco Madalena MouraMaria ArajoSrgio Fabela

    Data:Dezembro 2005

    Centro de Reabilitao Prossional de Gaia, 2005Av. Joo Paulo II4410-406 Arcozelo [email protected]. 227 537 700Fax: 227 629 065

    Reservados todos os direitos.Reproduo autorizada.

  • Regime Jurdico da Reparao dos Danos

    Acidentes de Trabalho e Doenas Prossionais em Portugal:

    Contedos

    1. Enquadramento2. Natureza e fundamento do regime especial de reparao dos

    danos de acidentes de trabalho e de doenas prossionais A responsabilidade objectiva

    3. mbito e delimitao do acidente de trabalho3.1. mbito pessoal3.2. Delimitao do acidente de trabalho

    4. Responsabilidade pela reparao4.1. Excluso e reduo da responsabilidade4.2. Agravamento da responsabilidade4.3. Indemnizao

    5. Ocupao e reabilitao do trabalhador6. Doena prossional7. Procedimentos e processo

    7.1. Participaes7.2. Processo especial de acidentes de trabalho

    8. Igualdade de tratamento e no discriminao9. Concluses nais

    Pginas

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  • 4 Acidentes de Trabalho e Doenas Prossionais em Portugal

    Notas iniciais

    Este captulo faz uma abordagem do regime jurdico dos acidentes de trabalho e das doenas prossionais em vigor, previsto na Lei n 100/97, de 13 de Setembro, e nos diplomas que a regulamentam, o Decreto-Lei n 143/99, de 30 de Abril, relativamente aos acidentes de trabalho, e o Decreto-Lei n 248/99, de 2 de Julho, no que concerne s doenas prossionais.

    Por se considerar mais rigorosa, no plano da tcnica jurdica, a estrutura desta caracterizao segue muito de perto a sistematizao normativa adoptada no Cdigo do Trabalho, aprovado pela Lei n 99/2003, de 27 de Agosto, ainda que o captulo respeitante aos acidentes de trabalho e doenas prossionais previsto no Cdigo s entre em vigor com a emanao da legislao especial.

    Como se referiu, o Cdigo do Trabalho incorporou a matria relativa aos acidentes de trabalho e doenas prossionais - matria que at a esteve sempre regulada em legislao especial no se tendo, todavia, produzido modicaes estruturais no novo regime. Apenas com a publicao da legislao especial entraro em vigor as normas do Cdigo. Dada a natureza prtica deste trabalho, faz-se a caracterizao da lei actualmente em vigor, uma vez que a vigente no momento da sua elaborao.

    Siglas utilizadas

    LAT Lei n 100/97, de 13 de Setembro Aprova o novo regime jurdico dos acidentes de trabalho e das doenas prossionaisRLAT Decreto-Lei n 143/99, de 30 de Abril Regulamenta a lei n 100/97, quanto reparao dos danos emergentes de acidentes de trabalhoCT Cdigo do Trabalho, aprovado pela Lei n 99/2003, de 27 de AgostoCRP Constituio da Repblica Portuguesa

  • 5Regime Jurdico da Reparao dos Danos

    Enquadramento1

    A matria dos acidentes de trabalho tem uma grande relevncia em termos da litigao de trabalho, ocupando cerca de 50% das questes juslaborais accionadas junto dos tribunais de trabalho nacionais. Este facto estar associado com a grande sinistralidade laboral que ocorre em Portugal.

    A proteco dos trabalhadores sinistrados em virtude de acidentes de trabalho tem dignidade constitucional, estando consagrado na alnea f ) do n 1 do artigo 59 da Constituio da Repblica Portuguesa, desde a reviso de 1997, que todos os trabalhadores tm direito a assistncia e justa reparao, quando vtimas de acidentes de trabalho ou de doenas prossionais.

    Mas j antes da Lei Fundamental o legislador portugus consagrava regimes especcos de proteco dos trabalhadores sinistrados (desde a primeira Lei n 83, de 1913), tendo vindo a acompanhar, desde ento, o processo de alargamento da proteco a todos os trabalhadores, fomentado, especialmente, pelas Convenes da Organizao Internacional do Trabalho.

    Com a Lei n 100/97, de 13 de Setembro, que entrou em vigor em 2000, o legislador pretendeu melhorar as condies de reparao dos danos resultantes das leses corporais e materiais decorrentes de acidente de trabalho ou de doena prossional, e, sobretudo, assegurar a preveno, a reabilitao, a formao prossional e a reinsero social dos sinistrados.

    Faz-se, assim, neste captulo, a caracterizao deste regime, no deixando, desde j, por dizer que no esto ainda alcanados todos os objectivos preconizados por essa lei, no que respeita integral satisfao dos danos dos lesados no trabalho, e sobretudo na recuperao para o trabalho dos cidados sinistrados.

    Ainda que a preveno da sinistralidade laboral seja tambm um dos objectivos enunciados pela Lei n 100/97, a matria aparece nesta sede genericamente, com uma disposio geral (artigo 12) que obriga o empregador a garantir a organizao e funcionamento de servios de segurana, higiene e sade no trabalho, remetendo para legislao especial a sua regulamentao. No regime jurdico dos acidentes de trabalho e doenas prossionais, que se centra especialmente nas condies de reparao dos danos laborais, a fora legal para o cumprimento das disposies sobre preveno pelos empregadores e trabalhadores retira-se especialmente das disposies que, respectivamente, agravam ou excluem a responsabilidade, quando o sinistro ou a doena foi originado pela no observao das regras sobre segurana, higiene e sade no trabalho.

    Ainda que no faa parte do contedo da LAT, integrou-se neste trabalho uma sntese genrica das normas do Cdigo do Trabalho que dispem sobre igualdade e no discriminao no acesso e no desenvolvimento das relaes laborais, por ser matria pertinente com o objectivo da reintegrao na vida activa e prossional dos trabalhadores com incapacidade.

  • 6 Acidentes de Trabalho e Doenas Prossionais em Portugal

    Natureza e fundamento do regime especial de reparao dos danos de acidentes de trabalho e de doenas prossionais A responsabilidade objectiva

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    O direito infortunstico, designao normalmente adoptada nesta matria por ser mais abrangente no sentido de englobar os danos emergentes de acidentes de trabalho e de doenas prossionais, sofreu em Portugal, nos ltimos cem anos, uma evoluo, felizmente sempre no sentido de alargar e melhorar a proteco aos cidados, mas que ainda no assegura completamente a integral satisfao e reparao dos interesses dos lesados.

    Inicialmente, no existia autonomia dos acidentes de trabalho, aplicando-se aos sinistros laborais o regime geral da responsabilidade extracontratual, cujo princpio essencial est ligado ao requisito da culpa e imputao de uma conduta culposa a um agente para que exista a obrigao de reparao dos danos emergentes dessa conduta para o lesado. Assim, o sinistrado s seria ressarcido dos danos laborais se conseguisse provar que eles advieram de conduta culposa, activa ou omissiva, e imputvel ao empregador. Isto implicava para o trabalhador sinistrado uma posio fragilizada, sobretudo pela diculdade em apresentar elementos para provar a culpa do empregador, em especial em relao prova testemunhal a apresentar por colegas de trabalho. Por outro lado, com a introduo generalizada de maquinaria nos processos de trabalho, na segunda metade do sculo XIX, mais difcil se tornava para o lesado a comprovao da culpa do empregador no caso de o acidente ter sido causado por uma mquina, por no ser facilmente provado o mau funcionamento tcnico da maquinaria, e porque, tendo sido a maquinaria adquirida a um terceiro, o nexo de imputao da culpa ao empregador estaria dicultado.

    Evoluiu-se, posteriormente, para um regime de responsabilidade com culpa presumida, que pretendia favorecer a posio do trabalhador relativamente prova da culpa, fazendo impender sobre o empregador uma presuno de culpa na ocorrncia do acidente, presuno essa que seria passvel de ser refutada. Ora, muitas vezes o empregador afastava a responsabilidade por via de dois tipos de fundamentos: demonstrando que o acidente se tinha cado a dever a incria do sinistrado, ou que o acidente fora provocado por agentes externos a si, outro trabalhador ou terceiro estranho empresa, ou caso de fora maior, em particular relacionado com factos naturais.

    Mantendo o requisito clssico da culpa e persistindo em responsabilizar as entidades empregadoras apenas pelos acidentes de que fossem culpadas, os sinistrados continuavam a suportar sem indemnizao os acidentes em que o empregador conseguisse afastar a precria presuno criada a favor do trabalhador.

    Confrontado com uma grave situao social de iniquidade para os trabalhadores que no conseguiam, pela responsabilidade civil extracontratual, obter reparao para os danos ocorridos na prestao de trabalho, o legislador portugus cedo criou uma outra gura de responsabilidade civil, de excepo relativamente ao regime geral do princpio da culpa: a responsabilidade civil objectiva, sem culpa.

    Efectivamente, a gura da responsabilidade civil objectiva, sem culpa, tem o seu aparecimento relacionado com o ressarcimento dos danos de acidentes de trabalho, tendo posteriormente sido alargada a outras guras, como, por exemplo, os acidentes de viao e a responsabilidade do produtor. E foi uma soluo

  • 7Regime Jurdico da Reparao dos Danos

    legislativa tanto mais necessria quanto, aps a introduo da mquina no processo produtivo, se assistiu ao incremento do nmero de sinistros laborais, pelo que a responsabilidade objectiva surge, inicialmente, associada ideia de especial periculosidade criada pela maquinaria (Pedro Romano Martinez, 2002).

    Este regime da responsabilidade objectiva estava inicialmente associado teoria do risco prossional (risco especco) que propugnava o entendimento de que quem beneciasse com a actividade realizada pelo trabalhador devia, igualmente, responder pelos riscos inerentes a essa mesma actividade (correspondente mxima latina ubi commoda ibi incommoda). A culpa da entidade patronal como fundamento do direito indemnizao foi assim substituda por uma relao de causa e efeito entre o acidente e o exerccio do trabalho.

    Sendo ainda um regime de excepo relativamente ao princpio geral da responsabilidade pela culpa, a excepcionalidade deste regime traduzia-se tambm na relativa abrangncia da proteco conferida, que no era atribuda indiscriminadamente a todo o trabalho, mas, apenas, quelas prosses que comportavam riscos especcos. Por isso, inicialmente, a cobertura dos danos restringia-se aqueles que estivessem directamente ligados ao risco prprio de determinadas actividades. O empregador seria responsvel pelos danos causados aos trabalhadores pelo risco prprio da actividade por estes desenvolvida, porque poderia retirar as vantagens dessa mesma actividade.

    Havendo a necessidade de autonomizar, ainda mais, a responsabilidade pelos acidentes de trabalho, d-se uma evoluo natural desta teoria, substituindo-se o risco prossional pelo risco de autoridade ou risco empresarial, que no exige uma ligao directa com a natureza do trabalho exercido. Esta teoria, que enforma o sistema normativo vigente, fundamenta-se na noo de um risco genrico, ligado noo ampla de autoridade ou de integrao empresarial, em que a incluso do trabalhador na estrutura da empresa do empregador, sujeitando-o autoridade deste, constitui base de um alargamento da responsabilidade civil (Pedro Romano Martinez, 2002). Merecem proteco, assim, outras situaes no directamente relacionadas com a prestao do trabalho, como os acidentes de trajecto.

    No ordenamento jurdico portugus, desde sempre os acidentes de trabalho estiveram integrados num sistema privado de responsabilidade, incumbindo a sua reparao ao empregador, mas para que efectivamente a reparao seja realizada h que garantir a solvncia do responsvel civil, o que levou ao desenvolvimento da obrigao de celebrao de um contrato de seguro (obrigao imposta em Portugal desde 1919). O empregador est, assim, obrigado a transferir a sua responsabilidade pela reparao dos danos para uma entidade legalmente autorizada a realizar este seguro (as empresas seguradoras inscritas no Instituto de Seguros de Portugal), constituindo a sua falta uma contra-ordenao punvel com coima.

    Alguns autores, sobretudo na vigncia da Lei n 28/84, de 14 de Agosto (Lei de Bases da Segurana Social, cujo artigo 72 referia que a matria dos acidentes de trabalho iria ser integrada no regime geral da Segurana Social) consideravam existir uma inconstitucionalidade por omisso, por referncia ao disposto no n 3 do artigo 63 da CRP (o sistema de segurana social protege os cidados na doena, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situaes de falta ou diminuio de meios de subsistncia ou de capacidade para o trabalho).

    Hoje, a tendncia aponta no sentido de aliviar a Segurana Social das suas atribuies, transferindo-as para entidades privadas, considerando alguns autores que tal se fundamenta na incapacidade dos regimes pblicos de previdncia social responderem ecaz e ecientemente s necessidades dos cidados e da comunidade. A excessiva burocratizao dos procedimentos pblicos, comparativamente com o modelo de seguro privado, e a falncia econmica do sistema pblico, so dois problemas que, independentemente da opo jurdico-poltica que se tome entre um sistema que faz recair sobre o empregador ou sobre a comunidade a reparao dos danos do acidente de trabalho, contribuem para a manuteno, em Portugal, do regime de responsabilidade privada (Pedro Romano Martinez, 2002).

    A matria das doenas prossionais, em Portugal, evoluiu no sentido inverso. Progressivamente, desde 1962, a responsabilidade foi sendo transferida das entidades empregadoras para o sistema pblico de proteco, encontrando-se hoje atribuda ao Centro Nacional de Proteco Contra os Riscos Prossionais. No obstante

  • 8 Acidentes de Trabalho e Doenas Prossionais em Portugal

    ter sido includa num sistema de Direito Pblico, o regime jurdico da matria das doenas prossionais acompanha o que est previsto para a reparao dos acidentes de trabalho, sendo-lhe aplicadas, com as devidas adaptaes, o regime da Lei dos Acidentes de Trabalho, sem prejuzo do estabelecimento de regras especcas, sobretudo no que respeita forma de ressarcimento.

    A responsabilidade civil objectiva do empregador, ao contrrio da responsabilidade extracontratual, no ilimitada, sendo xados dois limites na lei para a sua aplicao: por um lado, na noo de acidente de trabalho, que xada pelo legislador; por outro lado, na xao dos danos ressarcveis, sendo s abrangidas as despesas respeitantes ao restabelecimento do estado de sade, recuperao da capacidade de trabalho e de ganho e, em caso de incapacidade ou de morte, de indemnizaes correspondentes reduo da capacidade, subsdios de readaptao, penses aos familiares e despesas de funeral. No so, assim, ressarcveis outros danos patrimoniais para alm destes (por exemplo, danos no vesturio e acessrios do trabalhador, e lucros cessantes de outras actividades), nem os danos no patrimoniais, uma vez que no esto previstos no artigo 10 da LAT.

  • 9Regime Jurdico da Reparao dos Danos

    mbito e delimitao do acidente de trabalho

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    3.1 mbito pessoal

    Nos termos do artigo 2 da LAT e do artigo 12 do RLAT, o direito reparao dos danos emergentes de acidentes de trabalho e de doenas prossionais abrange os trabalhadores por conta de outrem de qualquer actividade, considerando a lei, para esse efeito, que estes so:

    - os vinculados entidade empregadora por contrato de trabalho;- os vinculados entidade empregadora por contrato legalmente equiparado ao contrato de

    trabalho;- os praticantes, aprendizes, estagirios e demais situaes que devam considerar-se de formao

    prtica;- os que, considerando-se na dependncia econmica da pessoa servida, prestem, em conjunto ou

    isoladamente, determinado servio.

    O contrato de trabalho, segundo o artigo 10 do Cdigo do Trabalho, aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuio, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direco destas. consensual que o trao distintivo do contrato de trabalho relativamente a outros contratos em que tambm existe prestao de servio a subordinao jurdica, isto , o poder de ordem, direco e scalizao que uma pessoa pode exercer sob outra para conformar a sua actividade laboral.

    Este poder patronal de dirigir e orientar a prpria actividade do trabalhador pode, de facto, no ser exercido, bastando existir a mera possibilidade jurdica de ordem, direco e scalizao para que se possa considerar a existncia de um contrato de trabalho.

    Ainda, para efeitos de beneciar da proteco da lei, no sequer necessrio que o lesado seja parte num contrato de trabalho vlido, bastando que o trabalhador tenha desenvolvido a sua actividade para que os efeitos da relao laboral se produzam como se ela fosse vlida (por exemplo, um contrato celebrado com menor de 16 anos, invlido, no exonera o empregador de reparar os danos de um acidente de trabalho).

    Mas, no pode pensar-se que s um contrato de trabalho d origem obrigao de seguro. Tambm os trabalhadores que estejam vinculados por contrato de trabalho equiparado, isto , que tm por objecto a prestao de trabalho sem subordinao jurdica, mas em que o trabalhador se encontra na dependncia econmica do benecirio da actividade, beneciam da proteco da lei. justamente em razo da dependncia econmica que a lei os equipara aos contratos de trabalho.

    Como exemplos de contratos legalmente equiparados, temos aqueles em que a prestao de trabalho realizada no domiclio ou em estabelecimento do trabalhador (o chamado trabalho no domiclio), bem como os contratos em que este compra as matrias primas e fornece por certo preo ao vendedor delas o produto acabado (normalmente designado trabalho autnomo).

  • 10 Acidentes de Trabalho e Doenas Prossionais em Portugal

    Tambm os praticantes, aprendizes, estagirios e demais situaes que devam considerar-se de formao prtica so enquadrados no mbito da lei, o que signica, tambm para estes, a obrigatoriedade do empregador transferir a responsabilidade pela cobertura dos riscos. Por situaes de formao prtica, a lei entende, independentemente da designao que seja adoptada, as situaes que tenham por nalidade a preparao ou promoo prossional do trabalhador, necessria para o desempenho de funes enquadradas na actividade da entidade empregadora.

    Como se disse, tambm os trabalhadores sem contrato de trabalho que prestem, em conjunto ou isoladamente, uma actividade na dependncia econmica da pessoa servida esto abrangidos pela lei. Podero surgir dvidas relativamente ao que se considera como dependncia econmica, podendo considerar-se que ela pressupe a integrao do prestador da actividade no processo produtivo da empresa beneciria, associado a um requisito de continuidade da prestao de trabalho (Pedro Romano Martinez, 2002). Na dvida em relao a dada actividade, presume-se que o trabalhador se encontra na dependncia econmica da pessoa em proveito do qual o servio prestado, considerando-se, assim, como trabalhador por conta de outrem (artigo 12, n 3 do RLAT).

    Esto ainda abrangidos os administradores, directores, gerentes ou equiparados que, sem contrato de trabalho, sejam remunerados por essa actividade.

    indiferente que a actividade desenvolvida seja ou no explorada com ns lucrativos, para o efeito de a considerar enquadrada neste mbito.

    Desde 2000, concretizando a tendncia de alargar o mais possvel as garantias da reparao a um universo mais ampliado de trabalhadores, tambm os trabalhadores independentes esto obrigados a contratar um seguro que cubra os riscos que possam ocorrer no desenvolvimento da sua actividade prossional por conta prpria. O regime est previsto em diploma especial, o Decreto-Lei n 159/99, de 11 de Maio.

    E tambm os trabalhadores estrangeiros que exeram actividade em Portugal, e os trabalhadores portugueses e estrangeiros residentes em Portugal, ao servio de uma empresa portuguesa, que trabalhem no estrangeiro, se enquadram no mbito da proteco conferida pela lei, funcionando, em pleno, o princpio da igualdade de tratamento. Excepcionalmente, prev-se que na situao de o acidente ter ocorrido em pas estrangeiro ao servio de empresa portuguesa, se aplique a lei do pas onde ocorreu o acidente se esta for concretamente mais favorvel ao trabalhador.

    Em caso de morte do sinistrado, os lesados, para efeitos da LAT, so os familiares indicados no artigo 20: cnjuge ou a pessoa em unio de facto, ex-cnjuge ou cnjuge judicialmente separado data do acidente e com direito a alimentos, lhos, ascendentes e outros parentes sucessveis, nos termos estabelecidos nessa disposio, sendo essa enumerao taxativa.

    3.2. Delimitao do acidente de trabalho

    Por ser difcil, no plano jurdico-conceptual, enunciar uma formulao sucientemente elstica para abranger a enorme diversidade de formas e causas de ecloso e manifestao de um sinistro laboral, o legislador adoptou, historicamente, a soluo de apresentar uma descrio do acidente de trabalho, enunciando os requisitos que devero estar preenchidos para que se possa entender estar perante uma situao de sinistro indemnizvel.

    Assim, nos termos da lei, est-se perante um acidente de trabalho indemnizvel sempre que, cumulativamente, se veriquem os seguintes requisitos:

    - ser a vtima um trabalhador por conta de outrem ou equiparado, nos termos em que se descreveu no mbito pessoal;

  • 11Regime Jurdico da Reparao dos Danos

    - ser o trabalhador vtima de um acidente ocorrido no tempo e no local de trabalho;- ser o acidente causa directa ou indirecta de leso corporal, perturbao funcional ou doena para o

    trabalhador;- resultar dessa leso corporal, perturbao funcional ou doena, reduo na capacidade de ganho ou

    de trabalho ou a morte.

    Uma inovao relevante do Cdigo do Trabalho, que incorporou os elementos essenciais (subitaneidade e imprevisibilidade) que a jurisprudncia vem utilizando para a congurao do acidente de trabalho face doena prossional, a apresentao, no artigo 284 n1, de uma noo de acidente de trabalho: sinistro, entendido como acontecimento sbito e imprevisto, sofrido pelo trabalhador que se verique no local e no tempo de trabalho. Na nova enunciao apresentada pelo Cdigo do Trabalho, o dano autonomizado da noo de acidente de trabalho, o que, no plano conceptual, mais correcto porque o facto gerador de responsabilidade no pode ser denido atendendo consequncia (Pedro Romano Martinez, 2002). Todavia, ser sempre necessrio tambm fazer-se apelo noo de dano para concluir pela existncia ou no de um acidente de trabalho indemnizvel. Esta referncia ao dano para a qualicao do evento como acidente de trabalho pretende relevar que na responsabilidade emergente de acidentes de trabalho os danos so tpicos (s aqueles que esto previstos legalmente, constantes da Tabela Nacional de Incapacidades), correspondendo o dano tambm a um dos requisitos de responsabilidade.

    No artigo 286 n 1 do Cdigo do Trabalho, dene-se o dano como a leso corporal, perturbao funcional ou doena que determine reduo na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte do trabalhador resultante directa ou indirectamente de acidente de trabalho.

    Para a concretizao da noo de acidente de trabalho, h que, desde logo, preencher juridicamente os conceitos operatrios essenciais de local e de tempo de trabalho, que pretendem delimitar temporal e espacialmente a rea de autoridade do empregador, dentro da qual qualquer acidente se presume de trabalho.

    O n 3 do artigo 6 da LAT d uma noo bastante ampla de local de trabalho: todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador.

    Temos, assim, que se entende que no s o lugar onde o trabalho materialmente executado considerado, mas tambm todo o local onde o trabalhador se encontra para prestar o trabalho ou aonde deva dirigir-se em virtude do seu trabalho, desde que o empregador a tenha poder de controlo e de autoridade sobre o trabalhador, directa ou indirectamente.

    Por controlo directo, entende-se a situao normal em que, durante o horrio normal de trabalho, o trabalhador est sujeito ao poder de direco do empregador. O controlo indirecto existir naquelas situaes em que, nomeadamente, o trabalho realizado fora das instalaes da empresa (por exemplo, vendedores externos), ou com respeito a relaes extra laborais (por exemplo, trabalho no domiclio).

    Por sua vez, o artigo 6, n 4 apresenta tambm um conceito amplo de tempo de trabalho: alm do perodo normal de trabalho, o que precede o seu incio, em actos de preparao ou com ele relacionados, e que se lhe segue, em actos tambm com ele relacionados, e ainda as interrupes normais ou forosas de trabalho.

    Deve, assim, considerar-se no tempo de trabalho, por exemplo, o atropelamento sofrido pelo trabalhador, antes de iniciar o seu trabalho, quando vai buscar uma ferramenta a um barraco ao lado, ou quando troca de roupa no vestirio da empresa; ou quando, tendo j terminado o seu tempo de trabalho, vai arrumar as ferramentas no mesmo barraco e este desaba; ou quando interrompe o seu trabalho para ir beber gua ou satisfazer uma necessidade siolgica (Jos de Castro Santos, 2000).

  • 12 Acidentes de Trabalho e Doenas Prossionais em Portugal

    Consideram-se, pois, integradas no tempo de trabalho as interrupes normais os chamados intervalos de descanso, por exemplo, a pausa para almoo ou forosas do trabalho, como por exemplo as que resultam da avaria dos equipamentos de trabalho.

    Para alm do elemento espacial (local de trabalho) e do elemento temporal (tempo de trabalho), ainda relevante para a qualicao de acidente de trabalho a existncia do elemento causal nexo de causa e efeito entre o acidente e a leso, perturbao ou doena, e entre estas e a reduo da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.

    Em princpio, nos termos gerais de direito, caberia ao trabalhador sinistrado ou aos benecirios legais a prova de todos os elementos que integram o conceito de acidente de trabalho, incluindo o elemento causal e a vericao do acidente.

    Contudo, a lei estabelece a favor do titular do direito duas presunes legais:- se a leso corporal, perturbao ou doena for reconhecida a seguir a um acidente presume-se

    consequncia deste (artigo 6, n 5 da LAT);- a leso constatada no local e no tempo de trabalho (...) presume-se, at prova em contrrio,

    consequncia de acidente de trabalho (artigo 7, n 1 do RLAT).

    Ou seja, o sentido til da primeira presuno o de libertar o sinistrado da prova do nexo de causalidade entre o acidente e as leses, cabendo entidade responsvel alegar e provar que as mesmas no foram consequncia do acidente. No entanto, se a leso, perturbao ou doena no for reconhecida a seguir a um acidente de trabalho, compete ao trabalhador provar em juzo que ela se deveu a um acidente de trabalho.

    A segunda presuno estabelecida legalmente reporta-se, por seu turno, vericao da origem da leso, ou seja, do prprio acidente: quando observada uma leso no tempo e no local de trabalho, presume-se que a mesma consequncia de acidente de trabalho, competindo entidade responsvel provar que no existiu um acidente de trabalho.

    Extenso do conceito

    Por outro lado, prevem-se determinadas situaes que expressamente alargam o conceito de acidente de trabalho, mantendo-se, sempre, todavia, uma relao entre o acidente ocorrido e o desenvolvimento da relao de trabalho. Esta extenso do conceito permite alargar a proteco do trabalhador a situaes que, ainda que no tenham ocorrido no tempo e local de trabalho, se podem considerar inseridas no mbito do controlo do empregador, sendo assim, uma decorrncia da teoria do risco da autoridade.

    Dentro das situaes que estendem o conceito de acidente de trabalho indemnizvel, assumem particular relevncia os acidentes de trajecto, tambm designados por acidentes in itinere, cuja actual consagrao e congurao legal resultado de uma longa e trabalhosa construo jurisprudencial.

    So acidentes in itinere os que ocorrem no trajecto de ida e de regresso para e do local de trabalho, segundo o artigo 6, n 2 da LAT.

    A proteco dos acidentes de trajecto foi introduzida no ordenamento jurdico portugus pela Lei n 2127, de 3 de Agosto de 1965, e inicialmente estipulava-se que seria o empregador a suportar o risco pelo acidente ocorrido na ida para o local de trabalho ou no regresso deste desde que, em alternativa, se vericassem os seguintes pressupostos: ter sido utilizado meio de transporte fornecido pela entidade patronal, ter o acidente sido consequncia de particular perigo do percurso, ou ter o acidente resultado de outras circunstncias que tenham agravado o risco do mesmo percurso.

    A lei actual, prescindindo desses requisitos, veio generalizar a cobertura deste tipo de acidentes, passando a

  • 13Regime Jurdico da Reparao dos Danos

    estar abrangidos sempre que os sinistrados tenham um acidente no seu trajecto normal, independentemente da natureza do transportador e dos perigos especcos do percurso, e durante o perodo de tempo ininterrupto habitualmente gasto, exigindo-se uma conexo forte entre o acidente e o lugar e tempo que tm que ver com o cumprimento das obrigaes resultantes da relao entre o trabalhador e o empregador.

    Os tipos de trajecto protegidos legalmente so expressamente os seguintes:- o trajecto de ida e volta entre a sua residncia habitual e ocasional e as instalaes que constituem o

    seu local de trabalho;- o trajecto de ida e volta entre a sua residncia habitual ou ocasional e o local de pagamento da

    retribuio;- o trajecto de ida e volta entre a sua residncia habitual e o local onde ao trabalhador deva ser prestada

    qualquer forma de assistncia ou tratamento por virtude de anterior acidente;- o trajecto de ida e volta entre as instalaes que constituem o local de trabalho e o local de pagamento

    da retribuio;- o trajecto de ida e volta entre as instalaes que constituem o local de trabalho e o local onde ao

    trabalhador deva ser prestada qualquer forma de assistncia ou tratamento em virtude de anterior acidente;

    - entre o local de trabalho e o local da refeio;- o trajecto de ida e volta entre o local onde por determinao da entidade empregadora presta

    qualquer servio relacionado com o seu trabalho e as instalaes que constituem o seu local de trabalho habitual.

    Como se referiu, para que se qualique como acidente de trabalho um acidente que tenha ocorrido num dos trajectos enunciados supra, exigem-se dois requisitos:

    - que o acidente se verique no trajecto normalmente utilizado;- e durante o perodo de tempo ininterrupto habitualmente gasto pelo trabalhador.

    O trajecto normal ser aquele que for considerado, objectivamente, ideal, no tendo de ser forosamente o percurso mais curto, encontrando-se tambm referncias na doutrina de que ser o trajecto escolhido pelo trabalhador, independentemente das razes da sua escolha.

    Exige-se igualmente o carcter consecutivo do percurso, de modo a que se o acidente ocorre durante uma interrupo no trajecto deixa de estar abrangido pela obrigao de reparao pelo empregador. Todavia, o legislador admite aqui excepes, ou seja, continua a considerar acidentes de trabalho os que tenham ocorrido durante as interrupes ou desvios ao trajecto normal desde que tenham sido determinados:

    - para a satisfao de necessidades atendveis do trabalhador (por exemplo, satisfao de necessidades siolgicas);

    - por motivo de fora maior (por exemplo, enxurrada que cortou a estrada);- por caso fortuito (por exemplo, avaria mecnica no meio de transporte).

    Caber sempre ao julgador apreciar, em cada caso concreto, as circunstncias que determinaram a interrupo ou desvio no sentido de as considerar admissveis ou inadmissveis para o efeito da qualicao de acidente indemnizvel.

    Por outro lado, a residncia tanto pode ser a habitual como a ocasional. residncia habitual aquela onde o trabalhador mora, habita ou vive por via de regra, e de onde parte normalmente para o trabalho, podendo at ser um hotel. Residncia ocasional aquela onde o trabalhar pode habitar em certas ocasies (por exemplo, ao m de semana).

    No entanto, seja residncia habitual ou ocasional, ser sempre de considerar apenas como relevante o trajecto desde a porta de acesso para as reas comuns do edifcio (na situao de condomnio) ou para a via

  • 14 Acidentes de Trabalho e Doenas Prossionais em Portugal

    pblica at s instalaes do local de trabalho. Assim, a responsabilidade do empregador termina quando o trabalhador transpe a porta da casa onde vive e nela entra, por se considerar que se trata de um espao por ele controlado. Mas mantm-se a sua responsabilidade se o acidente se vericar nas partes comuns dos edifcios, por se entender que no apresentam qualquer intimidade com o habitante do apartamento (Parecer da Procuradoria Geral da Repblica n 78/76, citado em Pedro Romano Martinez, 2002).

    Doutrinalmente questiona-se se a enumerao dos tipos de trajecto considerveis taxativa ou simplesmente indicativa. Pedro Romano Martinez refere, designadamente, o trajecto realizado pelo trabalhador para tomar caf em qualquer pausa que lhe seja concedida ou, tendo duas ocupaes, quando se desloca de uma empresa para outra. Paulo Morgado de Carvalho (2002) sustenta, tambm, referindo-se ao segundo exemplo, correspondente a uma situao cada vez mais frequente nos dias de hoje, que o legislador o deveria ter includo expressamente nos tipos de trajecto legalmente protegidos, j que no mbito da responsabilidade objectiva ou pelo risco est limitada qualquer interpretao extensiva que alargue a previsibilidade legal.

    Quanto a este aspecto, Pedro Romano Martinez, no deixando de apelar especial natureza do regime da responsabilidade objectiva, parece consentir que seja feita uma interpretao extensiva deste normativo, ainda que ela tenha de ser apreciada com a devida cautela, pois que se trata de uma excepo introduzida num regime, que, por natureza, j excepcional.

    interessante referir que outros autores consentem a extenso do trajecto a outras situaes, como Carlos Alegre (2000), que refere que no h razo para no considerar o trajecto de ida ou de regresso para e do local onde decorre o curso de formao prossional, fora das instalaes da empresa, quando este for expressamente autorizado pelo empregador, apesar de no estar expressamente previsto na lei.

    Para alm dos acidentes in itinere, resulta do artigo 6 da LAT que se considera tambm acidente de trabalho aquele que ocorre:

    - na execuo de servios espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito econmico para o empregador;

    - no local de trabalho, quando no exerccio do direito de reunio ou de actividade de representante dos trabalhadores;

    - no local de trabalho, quando em frequncia de curso de formao prossional ou, fora do local de trabalho, quando exista autorizao expressa do empregador para tal frequncia;

    - em actividade de procura de emprego durante o crdito de horas para tal concedido por lei aos trabalhadores com processo de cessao de trabalho em curso;

    - fora do local ou do tempo de trabalho, quando vericado na execuo de servios determinados pelo empregador ou por este consentidos.

    Relativamente primeira situao, acidente durante a execuo de servios espontaneamente prestados, estatui-se a obrigao de reparao dos danos do sinistro, mesmo que a actividade no tenha sido realizada por ordem do empregador (parecendo o legislador prescindir tambm dos pressupostos tempo e local de trabalho), estabelecendo-se, porm, que s o ser se a actividade pudesse ter sido proveitosa para o empregador, do ponto de vista econmico. Cabem aqui situaes como o combate de um incndio nas imediaes da empresa ou, simplesmente, a frequente execuo de qualquer trabalho suplementar (Pedro Romano Martinez, 2002).

    Reforce-se que o legislador no exige que da actividade desenvolvida tenha efectivamente resultado um proveito econmico para o empregador, o que ser muitas vezes de difcil prova, bastando-se com a potencialidade do benefcio para o empregador.

    Predisposio patolgica e incapacidade

    Uma especicidade do nexo de causalidade entre o acidente e os danos da resultantes refere-se existncia de uma predisposio patolgica ou incapacidade anterior no trabalhador sinistrado.

  • 15Regime Jurdico da Reparao dos Danos

    A regra geral que a predisposio patolgica no exonera a entidade responsvel da obrigao de indemnizar integralmente os danos, salvo se ela foi ocultada pelo trabalhador. Agura-se, assim, que caber sempre entidade responsvel alegar e provar que o sinistrado j sabia ter predisposio patolgica para a leso ou doena e que escondeu esse facto.

    Como escreve Carlos Alegre, a predisposio patolgica no , em si, doena ou patogenia: antes uma causa latente ou oculta que prepara o organismo para, num prazo mais ou menos longo e segundo graus de vria intensidade, poder vir a sofrer determinadas doenas. O acidente de trabalho funciona, nesta situao, como agente ou causa prxima desencadeadora da doena ou leso.

    Assim, ainda que o nexo de causa-efeito nas situaes desta natureza esteja mais diludo, uma vez que existe um factor endgeno que propicia a ocorrncia da leso ou doena, o legislador continua a proteger o trabalhador sempre que se demonstre a ocorrncia de uma causa prxima que desencadeie os efeitos danosos, ou seja, um acidente de trabalho.

    Relativamente avaliao do grau de incapacidade, prev-se a situao de a leso ou doena consecutivas ao acidente serem agravadas por leso ou doena anteriores, ou a doena anterior ser agravada pelo acidente de trabalho. Nestas situaes de agravamento de danos considerar-se- que tudo foi consequncia do acidente para efeitos de determinao do grau de incapacidade.

    Prev-se, ainda, a situao de o trabalhador sinistrado j padecer de uma incapacidade permanente anterior, sendo que, neste caso, o legislador dispe que a reparao ser apenas a correspondente entre a incapacidade permanente anterior e a que for calculada como se tudo fosse imputado ao acidente.

    Estatui-se, ainda, que se durante o tratamento de leso ou doena consequncia de acidente de trabalho se manifestar outra leso ou doena que sejam consequncia do tratamento, se atribui tambm o dever de reparao por esses danos entidade responsvel pelo acidente de que o trabalhador estava a ser tratado.

  • 16 Acidentes de Trabalho e Doenas Prossionais em Portugal

    Responsabilidade pela reparao4O direito laboral tem um cunho vincadamente proteccionista dos direitos dos trabalhadores, sendo que, neste mbito, a liberdade contratual sofre algumas restries justicadas pela necessidade de proteger a parte que teoricamente se encontra numa posio mais fragilizada em termos negociais, por motivo da dependncia econmica.

    O regime normativo de reparao dos danos emergentes de acidentes de trabalho e doenas prossionais tipicamente imperativo, o que implica a nulidade (no produo de efeitos) de qualquer clusula de contrato individual de trabalho ou de conveno colectiva que no assegure aos trabalhadores, em caso de acidente de trabalho ou de doena prossional, os direitos e garantias que a lei lhes confere, assim como fere de nulidade qualquer acto ou contrato que vise a renncia dos trabalhadores a esses direitos ou garantias.

    Nesta linha de proteco dos direitos dos trabalhadores, expressamente se probe o empregador de utilizar a retribuio do trabalhador a ttulo de compensao dos encargos que lhe advenham pela reparao de danos indemnizveis, nem mesmo na eventualidade da existncia de acordo com o trabalhador, que sempre seria ferido de nulidade, e, consequentemente, no produziria qualquer efeito.

    Todavia, do disposto no artigo 34 da LAT, pode depreender-se que ser vlido um regime convencionado entre as partes que exceda os limites legais, designadamente admitindo uma indemnizao xada por parmetros mais elevados do que a retribuio ou abrangendo outros danos, como os lucros cessantes (Pedro Romano Martinez, 2002).

    Como se sabe, em Portugal vigora o princpio do seguro obrigatrio, sendo os empregadores obrigados a transferir a responsabilidade pelos danos emergentes de acidentes de trabalho para as entidades de seguro legalmente autorizadas, que so as que esto inscritas no Instituto de Seguros de Portugal.

    A lei estabelece que a aplice uniforme de seguros de acidentes de trabalho deve ser adequada s diferentes prosses e actividades, devendo obedecer tambm ao princpio da graduao dos prmios de seguro em funo do grau de risco de acidente, e tendo tambm em conta as condies concretas relacionadas com a natureza da actividade prossional e as condies de segurana implantadas nos locais de trabalho.

    O legislador prev expressamente, tambm, a situao de o empregador no declarar no contrato de seguro a totalidade da retribuio do trabalhador, com o intuito de reduzir o montante do prmio, dispondo que neste caso a seguradora s responsvel em relao ao montante da retribuio declarada, respondendo o empregador pela diferena e pelas despesas efectuadas com a hospitalizao, assistncia clnica e transporte, na respectiva proporo.

  • 17Regime Jurdico da Reparao dos Danos

    4.1. Excluso e reduo da responsabilidade

    A entidade responsvel s est desobrigada da reparao dos danos nas situaes expressamente previstas na lei, enunciadas nos artigos 7 e 8 da LAT. A epgrafe do artigo 7 da actual lei refere-se descaracterizao do acidente, conceito que foi eliminado no Cdigo do Trabalho, por se entender que nessas situaes no deixa de existir um acidente de trabalho, somente existem circunstncias ligadas ao comportamento do trabalhador ou fora da natureza que afastam a obrigao de reparao.

    Assim, o empregador no tem de indemnizar os danos de acidente que:- for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omisso, que importe violao,

    sem causa justicativa, das condies de segurana estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;- provier exclusivamente de negligncia grosseira do sinistrado;- resultar da privao permanente ou acidental do uso da razo do sinistrado, nos termos do Cdigo

    Civil, salvo se tal privao derivar da prpria prestao do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se o empregador ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestao;

    - provier de motivo de fora maior.

    No primeiro caso prevem-se as situaes em que o acidente se deveu inteno dolosa do trabalhador, tendo este no s tido a inteno de praticar o acto determinante do acidente como tambm querido as suas consequncias nocivas. Teoricamente, situam-se aqui as situaes de auto-mutilao e os actos de sabotagem provocados pelo trabalhador motivados pela inteno de prejudicar o empregador.

    Muito importante em termos das obrigaes de cumprimento das prescries de higiene e segurana na execuo do seu trabalho, a previso da situao em que o acidente se deveu ao incumprimento pelo trabalhador, sem causa justicativa, das normas de segurana estabelecidas pelo empregador e pela lei.

    Esta violao, se no tiver uma justicao que seja atendvel judicialmente, importa a situao de sinistro no indemnizvel. Neste mbito, vem o n 1 do artigo 8 do RLAT esclarecer o que se considera por causa justicativa para a violao, pelo sinistrado, das condies de segurana estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei, designadamente:

    - quando o trabalhador no chegou a ter acesso norma que impunha que adoptasse determinado comportamento de preveno;

    - quando ao trabalhador, apesar de ter tido acesso a essa norma, lhe fosse manifestamente difcil entend-la, em virtude, nomeadamente, do seu pouco grau de instruo.

    Como se referiu, tambm se considera a actuao negligente do trabalhador como situao que desonera o responsvel da obrigao de reparar. Tambm o artigo 8 do RLAT enuncia o entendimento do que seja negligncia grosseira nesta matria: o comportamento temerrio, em alto e relevante grau, que no se consubstancie em acto ou omisso resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da conana na experincia prossional ou dos usos e costumes da prosso.

    Sempre se tem entendido que, para que haja descaracterizao do acidente e consequente excluso da obrigao de indemnizar, se impe que se verique, cumulativamente, a culpa grave e indesculpvel da vtima e a exclusividade dessa culpa. Ou seja, para que se verique falta grave e indesculpvel necessrio se torna a existncia de um comportamento temerrio, intil, indesculpvel e reprovado por um elementar sentido de prudncia. No basta a culpa leve, uma simples imprudncia, uma distraco ou comportamentos semelhantes para descaracterizar o acidente. Por outro lado, necessrio que esse comportamento temerrio tenha sido a causa nica da ecloso do acidente. Naqueles casos em que eventualmente haja concorrncia de culpa do empregador, no ca este isento da obrigao de indemnizar.

    Sempre se entendeu, tambm, que a existncia de falta grave e indesculpvel do sinistrado no deve ser apreciada em relao a um tipo abstracto de comportamento, mas casuisticamente em relao a cada caso concreto.

  • 18 Acidentes de Trabalho e Doenas Prossionais em Portugal

    Ainda, para que se considere relevante a negligncia para o efeito de descaracterizar o acidente, necessrio que o comportamento do trabalhador no se congure como uma actuao que traduz uma habitualidade ao perigo, na situao em que, pela repetio do comportamento, pela experincia prossional, o trabalhador se conforma com uma conduta menos previdente.

    Sendo a negligncia grosseira um facto impeditivo do direito de reparao que cabe ao trabalhador, necessrio se torna que ela seja alegada e comprovada pelo empregador para o desonerar da obrigao de reparar.

    Tambm se considera que a situao de privao do uso da razo pode excluir o dever de reparar, mas sempre se refere que esse facto ser irrelevante, em qualquer destas circunstncias:

    - se a privao do uso da razo derivar da prpria prestao do trabalho (por exemplo, sncopes provenientes da absoro de gases txicos emanados de substncias manipuladas pelo trabalhador, vertigens provocadas pela execuo de trabalhos em lugares elevados);

    - se a privao do uso da razo for independente da vontade do sinistrado (nomeadamente por ataque epilptico);

    - se, conhecendo o estado do trabalhador, o empregador ou seu representante, ainda assim, consentiu na continuidade da prestao do trabalho.

    Por ltimo, referem-se as situaes de fora maior que desoneram o empregador do dever de indemnizao do acidente. O n 2 do artigo 7 da LAT enuncia aquelas situaes que se consideram caso de fora maior:

    - foras inevitveis da natureza independentes de interveno humana;- no constitua risco criado pelas condies de trabalho;- nem se produza ao executar servio expressamente ordenado pelo empregador em condies de

    perigo evidente.

    No artigo 8 da LAT, excluem-se ainda algumas situaes especiais, designadamente os acidentes ocorridos na prestao de servios que revistam, cumulativamente as seguintes caractersticas:

    - sejam eventuais ou ocasionais;- sejam de curta durao;- sejam prestados a pessoas singulares;- sejam prestados em actividades que no tenham por objecto explorao lucrativa.

    O legislador considera como eventuais ou ocasionais os servios que ocorrem por necessidades imprevistas e excepcionalmente em qualquer ocasio, no se incluindo aqui aqueles servios que ocorrem peridica ou sazonalmente, como, por exemplo, os trabalhos de vindimas da actividade agrcola.

    Por curta durao, a jurisprudncia tem entendido que se devam considerar os servios que no se prolonguem por mais de uma semana, ainda que, na ausncia de denio na lei deste conceito, compita ao julgador, no caso concreto, apreciar esse elemento.

    O entendimento de explorao lucrativa est expresso no artigo 4 do RLAT, pela negativa: no se consideram lucrativas, para o efeito do disposto na lei e neste regulamento, as actividades cuja produo se destine exclusivamente ao consumo ou utilizao do agregado familiar da entidade empregadora.

    De realar, porm, que mesmo que se esteja perante uma actividade espordica, sendo a explorao lucrativa, o acidente ser qualicado como sendo de trabalho. Ainda, nos termos deste artigo 8, de notar que no haver excluso do dever de reparao nos acidentes ocorridos nestas circunstncias quando se trate de acidente que resulte da utilizao de mquinas e de outros equipamentos de especial perigosidade.

    Tambm expressamente se prev na lei, no artigo 31, a situao de o acidente ter sido originado por outro trabalhador ou terceiro, considerando-se que, nesta situao, continua o trabalhador sinistrado a

  • 19Regime Jurdico da Reparao dos Danos

    ter o direito de exigir do seu empregador a reparao dos danos resultantes do acidente, no cando prejudicado, naturalmente, o direito de esse mesmo trabalhador accionar judicialmente o causador do sinistro nos termos da lei geral.

    Quanto s indemnizaes a devida pelo empregador e a devida pelo causador do acidente rera-se que elas no se acumulam, antes se completam at ao ressarcimento completo dos danos, nos termos que vm referidos nos nos 2, 3 e 4 do artigo 31.

    Assim, se o sinistrado receber de outro trabalhador ou terceiro indemnizao superior quela que teria direito do seu empregador (ou seguradora), ca este desonerado da obrigao de reparar que lhe competiria nos termos da lei de reparao dos acidentes de trabalho, e com direito de reembolso, do sinistrado, das quantias que j lhe tiver pago ou dispendido; contrariamente, se a indemnizao que lhe tiver sido arbitrada for inferior que teria direito nos termos desta lei, ento o empregador (ou a seguradora) ca parcialmente desobrigado, ou seja, ca desobrigado da quantia que lhe tiver sido arbitrada em sede de responsabilidade geral.

    Com o intuito de proteger os interesses do empregador ou seguradora nas situaes em que haja de indemnizar trabalhadores aos seu servio sinistrados por acidentes causados por outros trabalhadores ou terceiros, confere-lhe a lei o direito de se sub-rogar no direito do sinistrado de exigir do responsvel pelo acidentes a reparao dos danos, no caso de o sinistrado no o fazer no prazo de um ano a contar do acidente.

    A acrescentar, a lei confere-lhes a legitimidade de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exige do causador do acidente a reparao dos danos.

    4.2. Agravamento da responsabilidade

    O regime regra da matria dos acidentes de trabalho e doenas prossionais, como se disse, associado existncia do risco de autoridade ou empresarial que corre por conta do empregador, sendo a este imputada a obrigao de reparao que, todavia, delimitada em termos do montante da indemnizao.

    Ora, o legislador prev tambm a situao de o sinistro ter ocorrido por culpa do empregador, seja por um comportamento activo ou omissivo, o que, naturalmente, denir um outro regime jurdico a aplicar ao caso, mais prximo do regime geral da responsabilidade civil.

    Consideram-se aqui as situaes em que o acidente foi provocado pelo empregador ou seu representante, ou resultou da falta de observao, por aqueles, das regras sobre segurana, higiene e sade no trabalho. Nestes casos, que correspondem a um agravamento da responsabilidade, prescreve o legislador, no artigo 18 da LAT, que as prestaes se xam segundo as regras seguintes:

    - nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou temporria, e de morte sero iguais retribuio;

    - nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporria, tero por base a reduo de capacidade resultante do acidente.

    Assim, nas situaes em que o empregador no observou os deveres que esto previstos em matria de higiene e segurana no trabalho, dando, dessa forma, azo ocorrncia do acidente, as prestaes, ao contrrio de corresponderem a uma percentagem do dano, como se ver mais frente, vo ser determinadas em funo de todo o dano, correspondendo essa diferena ao agravamento da responsabilidade.

    A responsabilidade subjectiva prevista no artigo 18 recai sobre o agente causador, o empregador, limi-tando-se a seguradora a responder apenas subsidiariamente pelas prestaes normais que a lei prev.

  • 20 Acidentes de Trabalho e Doenas Prossionais em Portugal

    Rera-se, ainda, que o agravamento da indemnizao no prejudica a eventual responsabilidade criminal em que o empregador, ou o seu representante, tenha incorrido, nem a responsabilidade por danos no patrimoniais, que nesta situao, e s nesta, so passveis de ressarcimento.

    4.3. Indemnizao

    Uma das dimenses da excepcionalidade do regime de responsabilidade pela reparao dos danos laborais face ao regime geral a tipicao das formas de ressarcimento, estipulando a LAT, no seu artigo 10, que o direito a reparao compreende duas espcies de prestaes: as prestaes em espcie e as prestaes em dinheiro.

    As prestaes em espcie so:- as prestaes de natureza mdica;- as prestaes de natureza cirrgica;- as prestaes de natureza farmacutica;- as prestaes de natureza hospitalar;- quaisquer outras prestaes.

    A lei no impe a forma da prestao em espcie, ou seja, por vontade das partes podem ser substitudas por prestaes pecunirias, mas dispe que a prestao em espcie ter que cumprir os requisitos de necessidade e de adequao:

    - ao restabelecimento do estado de sade e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado;- recuperao para a vida activa.

    No n 1 do artigo 23 do RLAT, apresentam-se modalidades de prestaes em espcie:a) assistncia mdica e cirrgica, geral ou especializada, incluindo todos os necessrios elementos de

    diagnstico e de tratamento;b) assistncia farmacutica;c) enfermagem;d) hospitalizao e tratamentos termais;e) hospedagem;f ) transportes para observao, tratamento ou comparncia a actos judiciais;g) fornecimento de aparelhos de prtese, orttese e ortopedia, sua renovao e reparao;h) reabilitao funcional.

    No corpo da lei encontramos outras prestaes com a nalidade de promover a recuperao da capacidade para a vida activa do sinistrado, localizadas em disposio autnoma que versa sobre a reabilitao, podendo essa opo pela autonomizao do contedo signicar o interesse do legislador em destacar a matria referente reabilitao prossional, comprometendo nesse objectivo o empregador ao servio do qual ocorreu o acidente ou se fez desenvolver a doena prossional. Alis, a reabilitao, a par da preveno e reparao, referenciada na exposio de motivos da Lei n 100/97 como um dos trs grandes objectivos da sua elaborao.

    Estando ainda por produzir a regulamentao autnoma que apoiar a implementao dessa matria, a LAT enuncia no seu artigo 40 as prestaes devidas pelo empregador ao trabalhador sinistrado para a sua reabilitao:

    - formao prossional e a adaptao do posto de trabalho;- trabalho a tempo parcial;- licena para formao ou novo emprego.

    Na modalidade de assistncia mdica, rera-se que considerada tambm a assistncia psicolgica ou psiquitrica que venha a ser reconhecida necessria pelo mdico assistente.

  • 21Regime Jurdico da Reparao dos Danos

    O internamento e os tratamentos mdicos devem ser feitos no em quaisquer estabelecimentos, mas apenas nos estabelecimentos que se mostrem adequados ao restabelecimento e reabilitao do sinistrado.

    No est vedada a possibilidade de recurso a estabelecimento hospitalar fora do territrio nacional, mas este s poder ocorrer aps parecer de junta mdica que comprove a impossibilidade de tratamento e estabelecimento hospitalar no territrio nacional.

    No n 1 do artigo 14 da LAT estabelece-se o dever de os sinistrados se submeterem ao tratamento e s prescries clnicas e cirrgicas do mdico designado pela entidade responsvel, desde que necessrias cura da leso ou doena e recuperao da capacidade de trabalho; por outro lado, a lei assegura-lhes o direito de reclamarem para o tribunal do trabalho, solicitando exame pericial, no caso de discordncia com aquele mdico.

    No n 2 desse artigo prevem-se trs tipos de comportamento censurveis do sinistrado que podem importar a perda dos direitos de reparao, desde que seja reconhecido judicialmente que a incapacidade resultou de tais comportamentos, e na medida em que deles resultou. So os seguintes os comportamentos impeditivos do direito de indemnizao:

    - recusa declarada e injusticada em seguir as determinaes do mdico assistente;- no observncia dessas determinaes;- agravamento voluntrio da leso ou doena.

    No n 3, considera-se sempre justicada a recusa de interveno cirrgica que, quer pela sua natureza, quer pelo estado de sade do sinistrado, possa pr em risco a vida deste.

    No mbito das prestaes imediatas que competem ao empregador logo aps o conhecimento do acidente incluem-se a providncia pelos imediatos e indispensveis socorros mdicos e farmacuticos ao sinistrado, e o adequado transporte para esses efeitos, independentemente de qualquer apreciao sobre as condies legais de reparao que o empregador possa fazer do caso concreto.

    Relativamente s prestaes em dinheiro, desde a lei de 2000 que se alargou o seu elenco, compreen-dendo-se aqui:

    - indemnizao por incapacidade temporria absoluta ou parcial para o trabalho;- indemnizao em capital ou penso vitalcia correspondente reduo na capacidade de trabalho ou

    de ganho, em caso de incapacidade permanente;- penses aos familiares do sinistrado;- subsdio por situaes de elevada incapacidade permanente;- subsdio para readaptao de habitao;- subsdio por morte e despesas de funeral.

    O montante das indemnizaes est dependente do dano do trabalhador (seja incapacidade permanente ou temporria, seja absoluta ou parcial, ou a morte), sendo tambm necessrio apurar o grau de incapacidade, que determinado por coecientes, constantes da Tabela Nacional de Incapacidades.

    Para alm destes elementos, necessrio aferir-se tambm a retribuio do trabalhador, que, para efeitos indemnizatrios nesta sede, inclui todas as prestaes recebidas com carcter regular, que no se destinem a compensar custos aleatrios. Incluem-se, assim, tanto as prestaes pecunirias de base, como as acessrias designadamente as que correspondem ao trabalho suplementar habitual, subsdio de refeio ou de transporte ou graticaes usuais, mesmo que no pagas mensalmente e pagamentos em espcie (habitao, automvel), que correspondam a uma vantagem econmica do trabalhador.

    A indemnizao, por via de regra, no xada pela totalidade da retribuio, mas por uma percentagem desta, como se pode ver no Quadro 1, pelo que se entende que um regime essencialmente compensatrio. Relembre-se que na hiptese de culpa do empregador, os montantes que forem determinados nos termos que se referiu so agravados, passando a indemnizao a ser xada em funo da totalidade da retribuio ou da efectiva reduo de capacidade.

  • 22 Acidentes de Trabalho e Doenas Prossionais em Portugal

    Quadro 1 Indemnizaes e penses por incapacidade Fonte: Baseado em Jos de Castro Santos, 2000

    Incapacidades

    Permanente Temporria

    Absoluta (IPA) Parcial (IPP) Absoluta (ITA) Parcial (ITP)

    Para todo e qualquer trabalho

    Para o trabalho habitual

    Igual ou superior a 30% Inferior a 30%

    Indemnizao diria igual a 70% da

    retribuio

    Indemnizao diria igual a 70%

    da reduo da capacidade geral de

    ganho

    Penso anual e vitalcia

    igual a 80% da retribuio,

    acrescida de 10% por cada familiar a cargo at 100%

    da retribuio, e subsdio

    por situaes de elevada

    incapacidade permanente.

    Pode ser atribudo subsdio de

    readaptao.

    Penso anual e vitalcia entre 50% e 70% da

    retribuio, conforme a

    maior ou menor capacidade funcional

    residual para o exerccio de outra funo compatvel, e subsdio

    por situaes de elevada

    incapacidade permanente.

    Pode ser atribudo

    subsdio de readaptao.

    Penso anual e vitalcia

    correspondente a 70% da reduo da capacidade geral de ganho

    e subsdio por situao de elevada

    incapacidade permanente em caso de

    incapacidade igual ou superior a 70%.

    Capital de remio de uma penso

    anual e vitalcia correspondente

    a 70% da reduo sofrida na capacidade

    de ganho.

    Qualquer das formas de prestao (seja em espcie seja em dinheiro) pode ser revista, depois de arbitrada, podendo a modicao advir de agravamento, recidiva, recada ou melhoria da leso ou doena, o que pode levar, em funo da alterao vericada, indemnizao ser aumentada, reduzida ou excluda.

    Quanto intencionalidade da indemnizao, decorre do artigo 562 do Cdigo Civil que o princpio geral da obrigao de indemnizao se funda na restaurao natural, ou seja, a reparao de um dano deve reconstituir a situao que existiria se no se tivesse vericado o evento que obriga reparao.

    Segundo a doutrina, a nalidade da obrigao geral de indemnizao a de prover directa remoo do dano real custa do responsvel, visto ser esse o meio mais ecaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes (Antunes Varela, Das obrigaes em geral, 10 edio).

    No entanto, o direito infortunstico limita o contedo da obrigao de indemnizao a dois tipos de prestaes - em espcie e em dinheiro -, que so enumeradas taxativamente, correspondendo ao tipo delimitado de dano estabelecido pelo legislador, no sendo possvel, neste mbito, a indemnizao por outro tipo de danos, como os danos no patrimoniais e os lucros cessantes.

    Esta limitao legislativa tem sido sentida como incongruente, levando a que a proteco legal dos trabalhadores sinistrados que aqum do objectivo de assegurar at ao mximo de extenso possvel a recuperao do integridade fsica, psquica e patrimonial do trabalhador.

  • 23Regime Jurdico da Reparao dos Danos

    Segundo Carlos Alegre, a no admissibilidade de reparao dos danos no patrimoniais (morais) sofridos pelos trabalhadores sinistrados no faz com que por via da indemnizao se satisfaam cabalmente todos os interesses lesados na vida e pessoa do sinistrado pelo acidente de trabalho ou doena prossional, como postula o princpio geral da responsabilidade civil, sendo esta limitao tanto mais agrante e inqua quando comparamos com outros regimes de responsabilidade objectiva, como, por exemplo, por acidentes de viao, que admitem a reparao pelos danos no patrimoniais.

  • 24 Acidentes de Trabalho e Doenas Prossionais em Portugal

    Ocupao e reabilitao do trabalhador5O sistema de responsabilidade por danos laborais no pode nem deve ter uma funo essencialmente compensatria da reduo de capacidade de ganho. Alis, se atentarmos na verdadeira e essencial nalidade do regime da responsabilidade civil - restabelecimento da situao do lesado anterior ao dano - e na fundamentao da reparao em espcie nesta sede - recuperao para a vida activa e restabelecimento da capacidade de trabalho e de ganho claramente se retira do esprito da lei a inteno de orientar a indemnizao para a reconstituio da integridade do indivduo sinistrado no exerccio prossional, numa perspectiva holstica, desenvolvimental e integradora.

    A lei assegura aos trabalhadores sinistrados alguns direitos ligados segurana no emprego e reabilitao prossional, que impendem sobre os empregadores ao servio dos quais o acidente ocorreu.

    O artigo 30 da lei dispe sobre a ocupao e despedimento durante a incapacidade temporria, nos seguintes termos:

    N 1. Durante o perodo de incapacidade temporria parcial, as entidades empregadoras sero obrigadas a ocupar, nos termos e na medida em que vierem a ser regulamentarmente estabelecidos, os trabalhadores sinistrados em acidentes ao seu servio em funes compatveis com o estado desses trabalhadores. A retribuio ter por base a do dia do acidente, excepto se entretanto a retribuio da categoria correspondente tiver sido objecto de alterao, caso em que ser esta a considerada, e nunca ser inferior devida pela incapacidade restante.

    N 2. O despedimento sem justa causa de trabalhador temporariamente incapaz em resultado de acidente de trabalho confere quele, sem prejuzo de outros direitos consagrados na lei aplicvel, caso opte pela no reintegrao, o direito a uma indemnizao igual ao dobro da que lhe competiria por despedimento sem justa causa.

    Da compaginao deste artigo com o artigo que o regulamenta (artigo 54 do RLAT), podemos concluir o seguinte:

    1 - Relativamente ao despedimento:a) arma-se a ilicitude do despedimento sem justa causa de trabalhador sinistrado em acidente

    ao servio do empregador durante o perodo de incapacidade temporria (parcial ou absoluta), estabelecendo-se um regime de indemnizao mais favorvel que o geral, ou seja, o dobro da que lhe competiria por despedimento ilcito, caso o trabalhador no opte pela reintegrao (Carlos Alegre refere que, mesmo na hiptese de reintegrao, o agravamento da indemnizao para o dobro do valor se aplica tambm aos salrios vencidos e no pagos);

    2 - Relativamente obrigao de ocupao efectiva: a) apenas impende sobre empregadores que empreguem, pelo menos, 10 trabalhadores;b) restrita aos trabalhadores que tenham sofrido ao seu servio um acidente de trabalho, e

    s aqueles que estejam afectados de incapacidade temporria parcial no superior a 50%;

  • 25Regime Jurdico da Reparao dos Danos

    c) a ocupao deve ser feita em condies compatveis com a capacidade restante e o estado de sade do trabalhador, sendo-lhe pago pelo trabalho prestado uma retribuio aferida quela que existia data do acidente;

    d) a obrigao de ocupao cessa se o trabalhador no se apresentar ao empregador no prazo de dez dias a contar da data de xao da incapacidade temporria, com o objectivo de conhecer as funes e condies de trabalho em que vai ser ocupado, a menos que justique, devidamente, a no apresentao;

    e) o no cumprimento pelo empregador da obrigao de efectiva ocupao nos termos expostos constitui uma contra-ordenao punvel com coima, segundo o artigo 67 do RLAT, e constitui o empregador na obrigao de pagar ao trabalhador a retribuio que lhe competiria se tivesse cumprido o dever de ocupao.

    Rera-se que est prevista a possibilidade de recurso a peritagem especializada, designadamente do Ministrio do Trabalho e da Solidariedade, para a resoluo de dvidas sobre as incapacidades referidas no artigo 54 (incapacidade temporria parcial no superior a 50%) ou sobre o emprego dos incapacitados em funes compatveis com o seu estado.

    Quanto a este dever de ocupao, quer a doutrina quer a jurisprudncia tm divergido quanto sua natureza absoluta ou relativa. Existe quem defenda que se trata de um dever absoluto, pelo que o empregador ter sempre de encontrar funo compatvel com o estado de sade do trabalhador. Outros entendem que no sendo possvel identicar posto de trabalho ou funo compatvel, a ocupao no pode entender-se como obrigatria, o que implicaria a caducidade do contrato de trabalho.

    Nos termos da lei, o contrato de trabalho caduca em caso de impossibilidade superveniente, absoluta e denitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber. Relativamente ao carcter absoluto e denitivo da impossibilidade, no domnio laboral, algumas posies sustentam que deve ser analisado sob o ponto de vista jurdico, e no com o enfoque naturalstico, sendo de existir situaes em que a incapacidade, apesar de temporria, to longa que no se deve exigir ao empregador a manuteno do contrato de trabalho; ou que a impossibilidade, sendo relativa, deva ser entendida como absoluta, por, por exemplo, originar uma incapacidade para o exerccio do trabalho habitual uma vez que esto alteradas as condies que foram contratadas no incio com o trabalhador; para estes, o empregador s estar obrigado a fornecer uma ocupao desde que ela ainda se encontre no leque de funes que foram contratadas ab initio com o trabalhador.

    Outros entendem, e esta a posio maioritria na jurisprudncia1, que a obrigao de prestao de trabalho ao trabalhador que entretanto cou afectado de incapacidade para o trabalho habitual, mas com capacidade funcional residual, se mantm, desde que na empresa existam funes ou postos de trabalho compatveis com a capacidade funcional existente, o que poder implicar a alterao do objecto do contrato, mas no afectando a retribuio do trabalhador.

    No n 1 do artigo 40 da LAT, sob a epgrafe Reabilitao, est previsto que aos trabalhadores afectados de leso ou doena que lhes reduza a capacidade de trabalho ou de ganho, em consequncia de acidente de trabalho, ser assegurada na empresa ao servio da qual ocorreu o acidente a ocupao em funes compatveis com o respectivo estado, nos termos que vierem a ser regulamentados.

    Esta norma remete, assim, para diploma regulamentar o desenvolvimento do dever de ocupao. Encontramos referncias na doutrina (Carlos Alegre, 2000; Jos de Castro Santos, 2000) que consideram que a regulamentao desta obrigao do empregador foi produzida pelo artigo 54 do Regulamento da Lei n 100/97 (ocupao obrigatria), o que no constituiu uma inovao nem melhoria quanto s garantias de

    1 - Acrdo do Tribunal da Relao do Porto de 2005.05.16, Processo n 0540084, www.dgsi.pt

  • 26 Acidentes de Trabalho e Doenas Prossionais em Portugal

    segurana no emprego dadas ao trabalhador pois, como atrs se exps, ela s impende sobre empresas que empreguem pelo menos 10 trabalhadores, e durante o perodo de incapacidade temporria que no seja superior a um coeciente de 50%.

    J Pedro Romano Martinez sustenta, quando se refere ao artigo 40 que versa sobre a reabilitao, que a se impe empresa onde ocorreu o acidente de trabalho que ocupe o trabalhador com incapacidade permanente numa actividade compatvel com o respectivo estado, mas que esta obrigao, no tendo sido ainda regulamentada no , por conseguinte, exigvel. Todavia, como se referiu supra relativamente cessao do vnculo contratual, a jurisprudncia dominante (nomeadamente do Tribunal Constitucional) entende que se o trabalhador sofre de incapacidade para o exerccio das funes da sua categoria prossional, a entidade empregadora tem de o colocar no exerccio de funes compatveis com a sua incapacidade, sendo que tal obrigatoriedade s no se vericar se o empregador demonstrar que no possui qualquer actividade que o trabalhador possa exercer2 (o nus da prova compete, assim, entidade empregadora).

    Corroborando esta tese, Morais Antunes e Ribeiro Guerra (Despedimentos e outras formas de cessao do contrato de trabalho), citados no acrdo do Tribunal Constitucional n 117/2001, de 2001.03.14, referem: Relativamente s incapacidades permanentes entendemos que a incapacidade permanente parcial e a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual no determinam, igualmente, a caducidade do contrato uma vez que a impossibilidade no tem carcter absoluto (...) desde que, nas situaes de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, se verique a integrao do trabalhador em actividade compatvel com a sua capacidade residual.

    Associado ao dever de ocupao efectiva, o artigo 40 enuncia outras obrigaes para o empregador perante o trabalhador sinistrado ao seu servio, que no foram ainda regulamentadas:

    - formao prossional e a adaptao ou readaptao do posto de trabalho;- colocao em regime de trabalho a tempo parcial;- licena para formao ou (procura de) novo emprego.

    2 - Acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 2001.06.28, Processo n 01S375, www.dgsi.pt

  • 27Regime Jurdico da Reparao dos Danos

    Doena prossional6

    As doenas prossionais resultam do exerccio de uma actividade prossional, sendo, por via de regra, por comparao com o acidente de trabalho que pressupe que seja sbito o seu aparecimento, caracterizada por uma produo lenta e progressiva, surgindo de modo imperceptvel no organismo. So provocadas por agentes nocivos a que os trabalhadores, por fora da sua actividade laboral, esto habitual ou continuamente expostos, no local e no tempo em que desempenham essa funo prossional.

    A proteco pela eventualidade de doena prossional abrange os trabalhadores enquadrados pelo regime geral dos trabalhadores por conta de outrem e dos independentes e os que no o estando, ou sendo apenas cobertos em algumas eventualidades, exeram actividade prossional no sector privado.

    Nos termos da Lei dos Acidentes de Trabalho, para efeitos indemnizatrios, as doenas prossionais so as doenas constantes da Lista das Doenas Prossionais, sendo tambm assim consideradas as leses, perturbaes funcionais ou doenas que, ainda que no estejam tipicadas nessa lista, se venham a comprovar como sendo consequncia necessria e directa da actividade exercida pelos trabalhadores e no representem normal desgaste do organismo.

    Existe, assim, no ordenamento jurdico portugus um sistema misto, ou comummente designado de lista aberta, pois admite-se o reconhecimento de outras doenas para alm daquelas que esto tipicadas legalmente, sendo que esta distino tem repercusses ao nvel do tratamento jurdico das condies de reparao. De acordo com o artigo 26 do Decreto-Lei n 248/99, de 2 de Julho, que regulamenta a LAT no que respeita s doenas prossionais, a atribuio das prestaes para compensao dos danos depende de o trabalhador benecirio reunir cumulativamente as seguintes condies:

    - estar afectado por doena prossional;- ter estado exposto ao respectivo risco pela natureza da indstria, actividade ou condies, ambiente

    e tcnicas de trabalho.

    No que respeita s doenas prossionais constantes da Lista, basta que o trabalhador prove estes dois requisitos para lhe ser assegurado o direito de reparao, pois o nexo de causalidade presumido, sendo, todavia, passvel de ser ilidido. Quanto s leses, perturbaes funcionais ou doenas no constantes da Lista, o trabalhador tem que fazer a prova do nexo de causalidade entre a contraco do dano e a natureza do trabalho, ou seja, provar que os danos so consequncia necessria e directa da actividade prossional exercida e no representam normal desgaste do organismo.

    No obstante a gura das doenas prossionais andar associada com a dos acidentes de trabalho, a sua forma de ressarcimento enquadra-se em parmetros diferentes, de Direito Pblico, segundo o regime no decreto regulamentar.

    A certicao e a reviso das incapacidades da exclusiva responsabilidade do CNPCRP Centro Nacional de Proteco Contra os Riscos Prossionais, estando expressamente previsto o dever de os mdicos participarem ao CNPCRP todos os casos clnicos em que seja de presumir a existncia de doena prossional (artigo 84do Decreto-Lei referido supra).

  • 28 Acidentes de Trabalho e Doenas Prossionais em Portugal

    Para alm da consagrao de prestaes em dinheiro e em espcie, semelhana do que previsto em sede de acidentes de trabalho, est tambm cometido ao empregador o dever de assegurar a ocupao em funes compatveis com o estado e capacidade residual, bem como a formao prossional, a adaptao de posto de trabalho, o trabalho a tempo parcial e a licena para formao ou novo emprego dos trabalhadores afectados de leso ou doena que lhes reduza a capacidade de trabalho ou de ganho em consequncia de doena prossional.

  • 29Regime Jurdico da Reparao dos Danos

    Procedimentos e processo7

    7.1. Participaes

    7.1.1 Acidentes de trabalho

    Em caso de acidente de trabalho, decorrem da lei os seguintes procedimentos:

    Participaes obrigatrias

    o Para o sinistrado e benecirios

    - O sinistrado ou os benecirios legais de penses devem participar o acidente, verbalmente ou por escrito, nas quarenta e oito horas (48) seguintes, entidade empregadora ou pessoa que a represente na direco do trabalho, salvo se estas o presenciaram ou dele vieram a ter conhecimento no mesmo perodo (n 1 do artigo 14 do RLAT).

    De referir que se o estado do sinistrado ou outra circunstncia, devidamente comprovada, no permitir o cumprimento do prazo de quarenta e oito horas (48), esse prazo conta-se a partir do m do impedimento.

    Ainda, se a leso se revelar ou for reconhecida em data posterior do acidente, o prazo de 48 horas contar-se- a partir da data da revelao ou do reconhecimento, sendo certo que, neste caso, compete vtima provar que a leso foi consequncia do acidente.

    A falta de participao do acidente pelo sinistrado ao empregador, e a eventual e consequente falta de prestao de primeiros socorros pode resultar em incapacidades que a vtima no viria a padecer caso estes tivessem sido prestados com oportunidade e adequao. Nesta situao, o empregador no ser responsvel pelas prestaes respeitantes s incapacidades que forem judicialmente reconhecidas como consequncia daquela falta, na proporo em que da falta tenham resultado.

    o Para as entidades empregadoras com a responsabilidade transferida

    Os empregadores devem participar o acidente empresa de seguros, nos termos estabelecidos na aplice (artigo 15 do RLAT), devendo o segurado enviar a participao seguradora, no prazo de vinte e quatro (24 horas), a partir do respectivo conhecimento. No caso de incumprimento pelo segurado, a seguradora ca exonerada das obrigaes que possam advir do agravamento das leses que da falta atempada de participao possam resultar.

  • 30 Acidentes de Trabalho e Doenas Prossionais em Portugal

    o Para as entidades empregadoras sem responsabilidade transferida

    Os empregadores que no tenham transferido a sua responsabilidade para uma empresa de seguros (como obrigatoriamente est previsto na lei), devem participar o acidente ao tribunal competente, por escrito, at oito (8) dias a contar da data do acidente ou do seu conhecimento, ou, no caso de morte, imediatamente, por telecpia ou outra via com o mesmo efeito de registo escrito de mensagens (artigo 16 do RLAT).

    A obrigao impende sobre a entidade empregadora ou, no caso de impossibilidade desta, sobre quem a representa na direco do trabalho, e deve ser feita independentemente de qualquer apreciao das condies legais de reparao.

    o Para as empresas de seguros

    As empresas de seguros participam ao tribunal competente, por escrito, no prazo de oito (8) dias, os acidentes cuja responsabilidade para elas foi transferida, designadamente:

    - acidentes de que tenha resultado incapacidade permanente (8 dias contados a partir da cura clnica ou alta denitiva);

    - acidentes de que tenha resultado a morte (8 dias contados da data da morte);- acidentes em que a incapacidade temporria ultrapasse 12 meses (8 dias contados da data em

    que se completem 12 meses da data do acidente).

    Em caso de morte, para alm da participao formal referida supra, impende sobre a seguradora a obrigao de participar imediatamente o acidente ao tribunal competente, atravs de telecpia ou outra via com o mesmo efeito de registo escrito de mensagens.

    Importa, ainda, saber que:

    - O no cumprimento do nus de participao nas condies legalmente previstas, constitui contra-ordenao punvel com coima.

    - O tribunal competente afere-se em razo da matria - tribunal do trabalho e em razo do territrio tribunal do trabalho que abranja territorialmente o lugar onde o acidente ocorreu.

    Participaes facultativas ao tribunal

    Com o propsito de conseguir com que todas as participaes de acidentes de trabalho que devam ser feitas ao tribunal sejam efectivamente participadas judicialmente, o legislador, para alm das participaes obrigatrias, prev participaes facultativas que podem ser feitas:

    - pelo sinistrado, directamente ou por interposta pessoa;- pelos familiares do sinistrado;- por qualquer entidade com direito a receber o valor das prestaes;- pela autoridade que tenha tomado conhecimento do acidente, sendo o sinistrado um incapaz;- pelo director do estabelecimento hospitalar, assistencial ou prisional onde o sinistrado esteja internado,

    tendo o acidente ocorrido ao servio de outra entidade.

    Forma das participaes

    Todas as participaes a tribunal, seja qual for o participante, devem ser apresentadas em duplicado.A participao feita pelas empresas de seguros deve ser acompanhada de toda a informao clnica e nosolgica disponvel, de cpia da aplice e seus adicionais em vigor, bem como da folha de salrios do ms

  • 31Regime Jurdico da Reparao dos Danos

    anterior ao do acidente, nota discriminativa das incapacidades e internamentos e cpia dos documentos comprovativos das indemnizaes pagas desde o acidente.

    7.1.2 Doenas prossionais

    Na situao de doena prossional, importa reter que:

    - Impende sobre os mdicos o dever de participao obrigatria ao CNPCRP de todos os casos clnicos em que seja de presumir a existncia de doena prossional.

    - O direito s prestaes requerido pelos interessados ou seus representantes legais, em impresso prprio, ao CNPCRP, devendo ser acompanhado de informao mdica, designadamente dos servios de sade e do mdico do trabalho do respectivo empregador.

    7.2. Processo especial emergente de acidente de trabalho

    Nos termos do disposto no artigo 26, n 2 e 3 do Cdigo do Processo de Trabalho, os processos emergentes de acidentes de trabalho e de doena prossional tm natureza:

    Urgente por urgente pode entender-se que devem ter prioridade relativamente a outros processos, dentro dos limites da legalidade;

    Ociosa correm ociosamente porque no dependem da iniciativa ou impulso das partes, aps a participao ao tribunal, pelo menos durante uma fase do processo a conciliao.

    Nos processos de acidente de trabalho os sinistrados e os seus familiares esto isentos de custas judiciais, desde que representados ou patrocinados pelo Ministrio Pblico.

    O processo de acidente de trabalho poder desenrolar-se em duas fases: a conciliatria e a contenciosa.

    A fase conciliatria tem por base a participao do acidente, sendo presidida pelo Ministrio Pblico que promover o acordo de harmonia com os direitos consignados na legislao, tomando por base os elementos fornecidos pelo processo, designadamente o resultado do exame mdico.

    Em audincia de tentativa de conciliao, as partes tero necessariamente que tomar posio sobre os seguintes factos: existncia e caracterizao do acidente, nexo causal entre a leso e o acidente, retribuio do sinistrado, entidade responsvel, grau e natureza da incapacidade.

    Se as partes no se conciliarem, so consignados os factos sobre os quais no houve acordo, passando-se para a fase contenciosa, presidida pelo juiz, s se discutindo a as questes acerca das quais no foi obtido acordo na fase conciliatria.

    Quando apenas est em causa a discordncia sobre o grau de incapacidade, a fase contenciosa inicia-se com o requerimento de junta mdica, que deve ser fundamentado.

  • 32 Acidentes de Trabalho e Doenas Prossionais em Portugal

    Igualdade de tratamento e no discriminao8Um dos princpios basilares do sistema jurdico portugus o princpio da igualdade que est consagrado no Artigo 13 da Constituio da Repblica Portuguesa, cujo n 1 dispe que Todos os cidados tm a mesma dignidade social e so iguais perante a lei.

    No plano infra-constitucional, decorrente da transposio para a ordem jurdica interna da Directiva 2000/78/CE, de 27 de Novembro, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade prossional, o Cdigo do Trabalho, estatui, no artigo 22, o direito igualdade no acesso ao emprego e no trabalho, adoptando as vertentes positiva e negativa do direito igualdade previsto constitucionalmente.

    O n 1 consagra a vertente positiva: Todos os trabalhadores tm direito igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, formao e promoo prossionais e s condies de trabalho.

    O n 2 determina a proibio da discriminao: Nenhum trabalhador ou candidato a emprego pode ser privilegiado, beneciado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razo, nomeadamente, de ascendncia, idade, sexo, orientao sexual, estado civil, situao familiar, patrimnio gentico, capacidade de trabalho reduzida, decincia, doena crnica, nacionalidade, origem tnica, religio, convices polticas ou ideolgicas e liao sindical.

    O Cdigo do Trabalho instituiu, assim, um regime unitrio relativamente igualdade e no discriminao, afastando qualquer factor de discriminao.

    Os factores de discriminao indicados so exemplicativos, o que signica que o regime aplicvel a outros factores que possam fundamentar uma conduta discriminatria, por atentarem contra a dignidade da pessoa humana.

    A Lei n 35/2004, de 29 de Julho, dene os conceitos de discriminao directa ou indirecta, que so fundamentais para a repartio do nus da prova: Cabe a quem alegar a discriminao fundament-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relao aos quais se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenas de condies de trabalho no assentam em nenhum dos factores indicados. Verica-se, assim, a inverso do nus da prova, pois incumbe ao empregador provar que as diferenas no assentaram em nenhum dos factores passveis de originar discriminao.

    O artigo 35 da Lei n 35/2004 estende a aplicao da inverso do nus da prova ao acesso ao emprego, formao e promoo prossionais, uma vez que o n 3 do artigo 23 do CT apenas se refere s condies de trabalho.

    O artigo 25 do CT estabelece que no so consideradas discriminatrias as medidas de carcter temporrio concretamente denido de natureza legislativa que beneciem certos grupos desfavorecidos, nomeadamente em funo do sexo, capacidade de trabalho reduzida, decincia ou doena crnica, nacionalidade ou origem tnica, com o objectivo de garantir o exerccio, em condies de igualdade, dos direitos previstos neste Cdigo e de corrigir uma situao factual de desigualdade que persista na vida social.

  • 33Regime Jurdico da Reparao dos Danos

    O artigo 26 do Cdigo reconhece expressamente ao trabalhador ou candidato a emprego o direito ao ressarcimento de danos no patrimoniais em caso de discriminao, sem prejuzo do direito a uma indemnizao, por danos patrimoniais e no patrimoniais, nos termos gerais.

    Nos termos do artigo 34 da Lei n 35/2004, invlido qualquer acto que prejudique o trabalhador em consequncia de rejeio ou submisso a actos discriminatrios.

    Quanto ao trabalhador com decincia ou doena crnica, o Cdigo do Trabalho (artigos 73 a 78) determina que titular dos mesmos direitos e est adstrito aos mesmos deveres dos demais trabalhadores no acesso ao emprego, formao e promoo prossionais e s condies de trabalho, sem prejuzo das especicidades inerentes sua situao, e, ainda, que o Estado deve estimular e apoiar a aco do empregador na contratao e readaptao prossional de trabalhadores com decincia ou doena crnica.

  • 34 Acidentes de Trabalho e Doenas Prossionais em Portugal

    Concluses nais9O regime jurdico de reparao dos danos de acidentes de trabalho e de doenas prossionais evoluiu, como se viu, no sentido do alargamento da proteco dos sinistrados laborais.

    No entanto, parece justo concluir que a legislao actual ainda concede preponderncia compensao econmica decorrente da reduo da incapacidade de ganho, descurando aspectos fundamentais como sejam a reabilitao e a recuperao para a vida activa dos sinistrados no trabalho.

    Ainda que na exposio de motivos da Lei n 100/97, de 13 de Setembro, o legislador tenha enunciado que era seu objectivo assegurar uma adequada reabilitao e reinsero no trabalho aos sinistrados cuja leso ou doena reduza a respectiva capacidade de trabalho, estipulando que a entidade empregadora asseguraria a formao prossional, a adaptao ao posto de trabalho, o trabalho a tempo parcial e a licena para formao ou novo emprego aos sinistrados, a verdade que, neste domnio, o legislador est passivo, no tendo sido produzida a regulamentao devida desta norma, prevista na lei desde 2000.

    O sinistro laboral h muito que deixou de ser entendido como um infortnio marcado pelo destino, um azar do lesado que produz consequncias unicamente na sua esfera, uma vez que a par dos danos sofridos pelo trabalhador (patrimoniais, e, frise-se, no patrimoniais), se produzem impactes relevantes na estrutura econmico-social.

    O desinteresse legal desta matria no contribui para que, na prtica, todos os implicados na ocorrncia de um sinistro trabalhador, empregador, seguradora, operadores judicirios - actuem de forma intencional e concertada para a manuteno e retorno ao trabalho dos cidados que mantm capacidade produtiva.

    Referncias bibliogrcas:

    CARLOS ALEGRE, Regime Jurdico dos Acidentes de Trabalho e das Doenas Prossionais, Almedina, 2000

    JOS DE CASTRO SANTOS, Acidentes de Trabalho e Doenas Prossionais, Quid Juris, 2000

    PAULO MORGADO DE CARVALHO, Um Olh