19
A PESQUISA E O TEXTO - anotações sobre métodos e técnicas no trabalho intelectual Reginaldo C. Moraes Unicamp, 1998 Este caderno reúne anotações que têm finalidades didáticas bastante modestas. Estão longe, muito longe de pretender qualquer originalidade. Pelo contrário, em parte resultam de leituras de outros trabalhos sobre técnicas e métodos de pesquisa que têm sido utilizados nos cursos de ciências humanas nos últimos 30 ou 40 anos. Trazem também apropriações de experiências próprias e alheias, observadas com algum cuidado e interesse. São ainda anotações que reúnem conselhos que tenho dado a estudantes que trabalham ou trabalharam sob minha orientação. Acreditando que possam ter alguma utilidade para além desse pequeno círculo, organizei-as de modo mais sistemático em dois textos. O primeiro consiste numa série de recomendações relativas à organização de uma agenda de pesquisa. O segundo aborda uma outra fase do trabalho, a exposição de resultados. Assim, procura apoiar a confecção de relatórios, monografias e dissertações. 1. Pesquisar - o que é? Os tipos de estudos possíveis. Uma agenda para a pesquisa. Algumas observações a respeito das fontes. Estudos sobre autores, doutrinas ou escolas. 2. Pequeno guia para redigir dissertações, teses e relatórios de pesquisa. A forma e o estilo. Formatos geralmente utilizados na apresentação de dados e evidências. As principais partes do relatório. A introdução. A apresentação das evidências - dados e documentos. As conclusões. Do rascunho inicial à revisão. Roteiro para verificar a qualidade final do relatório de pesquisa.

Reginaldo C. Moraes - A Pesquisa e o Texto

Embed Size (px)

DESCRIPTION

p

Citation preview

  • A PESQUISA E O TEXTO - anotaes sobre mtodos e tcnicas no trabalho intelectual

    Reginaldo C. MoraesUnicamp, 1998

    Este caderno rene anotaes que tm finalidades didticas bastante modestas. Estolonge, muito longe de pretender qualquer originalidade. Pelo contrrio, em parte resultamde leituras de outros trabalhos sobre tcnicas e mtodos de pesquisa que tm sidoutilizados nos cursos de cincias humanas nos ltimos 30 ou 40 anos. Trazem tambmapropriaes de experincias prprias e alheias, observadas com algum cuidado einteresse. So ainda anotaes que renem conselhos que tenho dado a estudantes quetrabalham ou trabalharam sob minha orientao. Acreditando que possam ter algumautilidade para alm desse pequeno crculo, organizei-as de modo mais sistemtico em doistextos. O primeiro consiste numa srie de recomendaes relativas organizao de umaagenda de pesquisa. O segundo aborda uma outra fase do trabalho, a exposio deresultados. Assim, procura apoiar a confeco de relatrios, monografias e dissertaes.

    1. Pesquisar - o que ?Os tipos de estudos possveis. Uma agenda para a pesquisa. Algumasobservaes a respeito das fontes. Estudos sobre autores, doutrinas ou escolas.

    2. Pequeno guia para redigir dissertaes, teses e relatrios de pesquisa.A forma e o estilo. Formatos geralmente utilizados na apresentao de dados eevidncias. As principais partes do relatrio. A introduo. A apresentao dasevidncias - dados e documentos. As concluses. Do rascunho inicial reviso.Roteiro para verificar a qualidade final do relatrio de pesquisa.

  • 2I. PESQUISAR - O QUE ?

    Antes de mais nada...O acesso a maior nmero de dados no faz de um imbecil um sbio. Essa frase, atribuda

    a Laplace, pode parecer desatualizada em nosso mundo, em que se afirma a onipresena dainformao. Acontece que informao cientfica no pura e simplesmente um "dado". algo querequer alguma estruturao, estando mais prxima, portanto, daquilo que tambm chamamos deconhecimento. Ela envolve a compreenso de significados, contextos, tendncias, histrias,comparaes, ordens. Listas ordenadas, planilhas estatsticas, grficos e mapas, por exemplo,recortam, ordenam e estruturam os dados, de maneira a revelar algumas dessas dimenses doconhecimento.

    H quem afirme que a informao infinita. Outros dizem que tudo no mundo informao. Pode ser. Em todo o caso, mesmo sendo infinita, ela precisa ser organizada enquantodure. E os modos de fazer isso - organizar a informao - esses no so infinitos. H milhares deanos, os mais diferentes pensadores vm repetindo, de diferentes maneiras, uma idia bsica: oconhecimento , fundamentalmente, categorial, isto , ele exige a classificao das coisas e idiasem determinadas categorias. E as categorias que temos diante de ns - ou atrs de nossopensamento... - essas tambm no so infinitas. Se voc pensar bem no mundo de informaesque est sua volta, voc costuma classificar essas coisas e idias segundo meia dzia decritrios, aproximadamente: os tipos (separando e agrupando coisas pelas suas semelhanas deforma e espcie); as distribuies em intervalos de tempo; em lugares (pores do espao); pelonome (a ordem alfabtica, talvez a mais elementar e universal em nossa cultura); sequncia (pelaordem de grandeza, tamanho).

    Por isso, ao colocar diante de si a necessidade de investigar e conhecer, diminua pelomenos a ansiedade dos "dados" e informaes e procure, desde logo, estruturar seus objetivos. Sevoc no tem objetivos, ainda que inicialmente enunciados de modo genrico e provisrio, asescolhas de mtodo, caminho, procedimentos sero arbitrrias, determinadas pelo acaso, pelafacilidade ou pelo senso-comum.

    Pense na sua investigao como se ela fosse um mapa da sua cidade ou regio. A cartageogrfica traz a seu usurio o poder de mover-se com segurana. Diminui os desgastes fsicos epsicolgicos. Facilita o caminhar. O mapa uma forma de referenciar - e nesse sentido assemelha-se a um grfico, uma tabela, um calendrio, uma agenda. Eles do sentido e qualidade especficosa determinadas coisas, modelando portanto a imagem que essas coisas assumem na suacompreenso.

    Pois bem, assim como para o mapa, pensando na sua investigao, pergunte sempre, edesde logo: para que deve servir? E em seguida: de que grau de preciso e detalhe necessito?

  • 3I. DEFINIO DO PROJETO

    Algumas coisas devem estar claras desde o momento da formulao de um projeto depesquisa. Essas definies, ainda que iniciais e modificveis, ajudam bastante no estabelecimentodos objetivos e da relevncia do trabalho. Ajudam ainda na elaborao de uma agenda para arealizao efetiva da pesquisa. Procure redigir um texto, ainda que lacunar e provisrio, dandoconta das questes a seguir:

    1. Procure definir com clareza e exatido, primeiramente para voc mesmo, e depois para oseu eventual leitor, qual o perfil geral do produto esperado de seu trabalho. Por exemplo,tente completar as sentenas a seguir. Responda se, no final da investigao, voc esperater:(a) uma anlise de ...(b) um diagnstico de ...(c) prognsticos e previses relativas a...(d) uma srie de diretrizes e recomendaes para....

    2. Qual a finalidade e eventual uso do seu trabalho de investigao, de levantamento eanlise de dados e documentos? Ele permitiria responderia a que tipo de pergunta?Possibilitaria que tipo de anlise, concluso, interveno na realidade?

    3. Qual o destinatrio concreto de seu trabalho: quais pessoas, grupos ou instituies?4. Que tipo de dado ou documento necessrio obter e analisar, para responder s

    perguntas que voc formulou?5. Onde esto as fontes para esses dados?6. Qual a viabilidade da coleta ou levantamento desses dados?7. suficiente uma nica aferio, ou ser necessria uma coleta peridica, marcando

    diferentes momentos?8. Quais os recursos materiais e humanos necessrios investigao? Em particular, ser

    necessrio contar com pessoal para coleta, tabulao, classificao, sistematizao eanlise? Ser necessrio um treinamento preliminar para esses auxiliares?

    9. Que tratamento final voc prev para os dados? Relatrios analticos? Uma dissertao outese acadmica? Sries estatsticas? Artigos? Peridicos? Mapas?

  • 4II. OS TIPOS de ESTUDOS POSSVEIS:

    Em termos muito gerais, seu trabalho pode ter dois perfis:

    A. Estudo avanado, implicando teses originais e afirmaes fortemente conclusivas. A essencial garantir a exatido, evitar enfoques enviesados e demasiadamente parciais,fornecer provas precisas de cada afirmao. Estudos desse tipo em geral visam, porexemplo:1) definir caractersticas de uma situao, de um grupo ou instituio, ou mesmo de um

    indivduo (pense num estudo sobre um autor ou personagem, por exemplo).2) elaborar categorias e modelos analticos;3) verificar o modo e a frequncia com que algo ocorre, se esse evento est ligado a

    outros, em que medida, etc.;4) verificar a hiptese de relaes causais entre variveis.

    B. Estudo formulador, descritivo ou exploratrio. Com frequncia, este estudo umapreliminar indispensvel, j que permite:

    1) Definir problemas gerais, vocabulrio, conceitos e categorias;2) Formular perguntas mais localizadas e definidas3) Elaborar explicaes provisrias e suspeitas genricas4) Sugerir hipteses mais precisas, operacionais, mensurveis ou verificveis em geral5) Escolher tarefa realizvel, gerando informao valiosa sobre a viabilidade do trabalho -

    tempo, dados, recursos, etc. - delimitando condies e prioridades para qualquerestudo futuro;

    6) Listar e priorizar problemas considerados cruciais por pessoas que trabalham outrabalharam em determinado campo ou tema.

    7) Delimitar a rea de conhecimento em que se enquadra o problema, seu contextohistrico, antecedentes, referncia documental e bibliogrfica mais geral. Assimprocedendo, inscrevemos as questes dentro de um campo de anlise (uma escola depensamento, uma disciplina, uma rea de conhecimento). Passamos assim daformulao de um problema definio de uma problemtica, que inclui os processospelos quais o problema abordado, o quadro analtico em que o pensamos. Nessatentativa de passagem do problema problemtica, somos levados a contrapor,cuidadosamente, diferentes interpretaes, diferentes alternativas de abordagem,diferentes modelos tericos.

  • 5III. UMA AGENDA PARA A PESQUISA

    possvel prever que algumas estratgias sero teis e viveis para preparar estudosexploratrios. Uma delas a observao sistemtica, a imerso no fenmeno que se quer estudar.Outra, o estudo da literatura existente sobre o campo e reas afins. Pode ser tambm interessante,para estimular a compreenso do fenmeno que voc tem em vista, a anlise de exemplos e casosanlogos (ou contrastantes com). Ainda uma outra maneira de iniciar a investigao identificarpessoas com experincia prtica no campo estudado, realizando entrevistas com essas pessoas.Nesse caso, claro, conveniente preparar o seu "informante", por escrito, com antecedncia, paraque ele possa se municiar de informaes adequadas.

    A observao de pesquisas bem sucedidas nas Cincias Sociais tem mostrado que algumassituaes so particularmente proveitosas para detectar relaes entre fenmenos e compreensode sua natureza. Por exemplo:

    a) para compreender caractersticas de determinada situao ou comunidade, pode serrevelador o estudo de reaes de estranhos ou recm-chegados;

    b) ainda com relao ao caso anterior, pode ser proveitosa a observao de indivduos ougrupos que se colocam margem, na periferia da comunidade em questo, ou que comela mostram comportamentos divergentes;

    c) estudo de indivduos ou grupos que esto em transio de um estado para outro;d) estudo de "casos puros", exemplos extremados de situaes ou grupos.

    Ao iniciar a formulao do projeto, voc ir notar que as perguntas ou problemas a resolverprovavelmente tero uma das seguintes formas (ou mais de uma dessas formas):

    1) os acontecimentos seguem um mesmo padro?2) as circunstancias que cercam certos resultados so diferentes?3) certas condies conduzem necessariamente a determinados resultados?4) O que acontece quando...?5) O que aconteceria se... ?6) Qual o modo mais eficiente de obter... ?

    Por outro lado, a forma geral das respostas (provisrias) dever ser algo assim:1) tal evento ocorre em determinado caso;2) o evento tem determinada relao com o tempo;3) o evento tende a ser acompanhado de algum outro, mais ou menos constante;4) o evento revela alteraes quantitativas gerais: determinado aspecto geralmente maior oumenor que algum outro;5) certos fatores determinam a ocorrncia ou predominncia de outra caracterstica ou evento.

    Qual o significado das explicaes provisrias? Sugerindo hipteses elementares, orientam abusca de ordem entre os fatos. Alm disso, delimitam a natureza dos dados que precisam sercoligidos para respostas mais precisas. E, finalmente, indicam a maneira de organizar esses dadosde maneira mais eficiente no momento da anlise e da exposio.

  • 6Cuidados especiais tm que ser tomados com os conceitos e categorias utilizados. precisoprocurar definies abstratas, gerais. Mas tambm necessrio, na maior parte das vezes,construir definies operatrias. Ou seja, preciso definir as situaes tambm em termos dasoperaes atravs das quais sero representadas no estudo especifico. Para isso, precisoimaginar algumas operaes que provoquem resultados, os quais, por sua vez, possam ser aceitoscomo "indicadores visveis" do conceito.

    IV. ALGUMAS OBSERVAES A RESPEITO DAS FONTES

    Cuidados bsicos devem ser tomados com os dados alfanumricos. Os manuais sobreemprego de estatstica em cincias humanas, em particular, trazem vrias recomendaes a esserespeito. Em todo o caso, alguns so mais gerais e devem ser lembrados:

    a) muitos dos dados so fornecidos por registros sociais criados para fins administrativos.Exemplos: registros de imveis ou veculos, de processos judiciais, das informaes deemprego e salrio que os poderes pblicos exigem das empresas. Ora, os registros variam- em amplitude e forma de tratamento - de acordo com necessidades administrativas paraas quais foram inicialmente obtidos.

    b) Muitas vezes, no evidente onde podemos encontrar dados e indicadores relativos acertos fenmenos. necessrio identificar, descobrir as prprias fontes, o que pe provaa capacidade inventiva para descobrir materiais menos conhecidos.

    c) preciso ter em mos, sempre, a definio dos termos classificatrios que orientaram acoleta

    d) preciso levar em conta os limites do prprio mtodo da coleta de dados. Por exemplo, asdeclaraes de renda subestimam ou superestimam certos valores, conformeconvenincias dos informantes, que so parte interessada na manipulao do dado...

    Suponha por exemplo que estejamos trabalhando com algumas fontes para dadosalfanumricos relativos rea de emprego e renda. Podemos classificar tais fontes nos seguintestipos:

    1. Inquritos - cobrem um universo e no amostra, e so feitos atravs de levantamentodirigido exclusivamente para esse fim, isto , para a medida dos fenmenos. Exemplo:Censos demogrficos.

    2. Cadastros obtidos a partir de registros legais e declaraes obrigatrias de pessoas fsicase jurdicas (juntas comerciais, cartrios, registros de imveis, registros de veculos,RAIS,etc.)

    3. Cadastros obtidos a partir de registros no obrigatrios mas estimulados (pelaconvenincia e pelo interesse): catlogos telefnicos; catlogos de entidades como aEmbratur, a Cacex, etc.

    4. Cadastros de consumo de insumos especficos e indicadores de atividades (gua, energia,etc.)

    5. Cadastros de entidades pblicas, registrando suas prprias atividades (exemplo: cadastrode unidades prestadoras de servios de sade, previdncia, educao, etc.)

    6. Cadastros obtidos a partir de recolhimentos obrigatrios (impostos, taxas, etc.), como IR(CGC), IPI, ICMS, PIS, FGTS, etc.

    7. Cadastros de adeso voluntria - como os de associaes de classe.

  • 7Outro tipo de fonte importante constitudo pelos documentos pessoais. Eles permitem, muitasvezes, que vejamos as outras pessoas do modo como elas prprias se vem. Contudo, desde logo bom notar que mesmo esse "modo de se ver" tem que ser levado em conta ... e explicado. Muitasvezes, esse tipo de depoimento dever ser lido com outro cuidado. Estamos nos referindo adistores e "enganos" em situaes nas quais o agente social tinha convenincia ou necessidadede fingir - por exemplo, a necessidade de mentir para no ser perseguido ou identificado. Oshistoriadores, em particular desenvolveram vrias tcnicas e cuidados para localizar "falsificaesintencionais". Ainda com relao aos documentos pessoais, importante verificar - e levar emconta, para "ler" as informaes - os motivos que teriam levado sua criao. Para que aquelesdepoimentos foram registrados, o que visavam, a quem se dirigiam, que tipo de respostapretendiam induzir?

    Evidentemente, h ainda uma srie de outras fontes que os estudos de fenmenos humanosutilizam: jornais, revistas, criaes artsticas, como as canes populares, a literatura de cordel, ocinema, os programas de radio e TV, etc.

    V. ESTUDOS SOBRE AUTORES, DOUTRINAS OU ESCOLAS

    O que a pesquisa voltada para entender a doutrina de um autor, uma corrente terica ouescola de pensamento? Quais os caminhos que podemos ou devemos tomar? Este tipo de estudotem particularidades s quais convm dedicar um cuidado adicional - um item parte em nossareflexo.

    O pesquisador defronta-se desde logo com correntes que defendem abordagens emetodologias bastante diferentes nesses estudos, geralmente voltados para tpicos da histria dasidias ou histria da cultura. Pode-se privilegiar o significado de um texto entendido como a funo(prtica ou prtico-terica) que desempenhou em seu momento histrico, ou o modo como foirecebido por leitores posteriores. Pode-se contudo entender esse significado como a "inteno" doautor, o que em certa medida implica uma "biografizao" do estudo, pelo menos no sentido deuma biografia intelectual do autor em causa. Pode-se privilegiar as articulaes internas dodiscurso, concentrando nosso exame numa "explicao dos textos" que pergunte pela suaconsistncia, coerncia e completude lgica. Pode-se ainda perguntar pelo significado que taldoutrina assumia para os contemporneos do autor, como eles o comentavam, apoiando oucriticando suas asseres.

    Todas essas vias envolvem algumas escolhas. H algumas dcadas, com a emergncia dosmtodos estruturalistas, quase como uma "moda terica", todo um debate se estabeleceu entreaqueles que privilegiavam a estrutura interna dos textos e doutrinas (examinando o tempo lgicodos textos, a particular rede epistmica que os constitua e que eles constituam, ou o pensamentodo autor segundo a ordem de suas razes) e aqueles que privilegiavam o aspecto histrico-gentico das doutrinas (examinando sua insero em prticas sociais, polmicas ideolgicas,continuidade ou ruptura com tradies doutrinrias outras).

    Resumindo parcialmente esse debate, arrolamos a seguir algumas reflexes sobre as virtudes elimites de duas grandes vias de acesso ao estudo de um pensamento, uma doutrina, uma escolaterica: aquela que poderamos chamar provisoriamente de abordagem contextualista e aquela quechamaramos, tambm provisoriamente, de abordagem lgico-filosfica. Desde logo, contudo,parece-nos apressado dizer que elas se excluam.

  • 81. Virtudes da abordagem "histrica" ou contextualista

    Este tipo de anlise permite iluminar circunstncias que contextualizavam a produo e tambma recepo da obra - motivaes dos autores, as rivalidades pessoais, as contendas polticas, aspolmicas ideolgicas e religiosas, etc. Desenha-se, desse modo, o contexto intelectual e prticoem que se inserem os enunciados. Isto nos permite examinar, por exemplo, como essesenunciados operavam em determinada polmica, sua eficcia e o uso que deles se poderia fazer.

    Deve-se notar, em apoio s tcnicas de contextualizao, que toda interpretao de umadoutrina depende tambm do exame de pressupostos semnticos e das prticas retricas em usonas circunstncias em que o texto foi produzido e acolhido pelos leitores, simpatizantes eoponentes. E claro que conhecimento detalhado dos cenrios histricos e intelectuais relevantespode evitar anacronismos, simplificaes, imputao de sentidos indevidos aos termos. A fora e orefinamento de uma interpretao podem ser bastante ampliadas com a familiaridade queadquirimos no trato com os termos-chave do texto e da poca, bem como com os padres dediscurso que permeiam textos com eles relacionados, ou com o conhecimento detalhado dosconflitos entre as instituies, grupos e escolas, das limitaes e possibilidades que delimitavam omomento e as circunstncias em que surgiu o texto.

    O conhecimento histrico contribui para refinar a sensibilidade analtica. Isto pode visto porexemplo no aumento da acuidade do pesquisador diante dos termos e padres lingusticos, para asua capacidade de reconhecer os usos diferenciados das palavras ao longo da histria, para aspalavras que parecem familiares ao leitor menos avisado e que no entanto carregam, para oanalista experiente e informado, estranhos e reveladores significados. Alm disso, o conhecimentodo contexto histrico pode aumentar a habilidade do pesquisador para decifrar ou mesmo adivinhara presena e o papel de certos modelos de argumentao e construo textual, generalizados napoca e presentes nos bastidores daquele discurso que estamos examinando. Padres deargumentao, modos de equacionar problemas, ficam mais visveis quando nos treinamos paraidentificar e compreender as formas com as quais apareciam no contexto em causa. Ou, visto deoutro ngulo, com esse treino nos habilitamos tambm para localizar, tematizar e eventualmenteexplicar, a ausncia desses modos e sua peculiar excluso no discurso sob nossa lupa. tambmesse tipo de conhecimento que nos permite notar como certos paradoxos, inconsistncias etransformaes na fala de um mesmo autor podem ser vinculados a "manobras tticas" no interiorde debates e confrontos.

    Se sabemos que o texto que examinamos constitui uma resposta a outros discursos, ouuma resposta a situaes no-textuais, a desafios prticos, ento pode ser extremamente til umbom conhecimento desses contendores do texto, isto , dos fatos ou discursos que se lhe opem.A cena da fala ajuda a entender o personagem. E o conhecimento dos padres de argumentao econstruo textual dominantes no meio em que foi produzido permitem, at certo ponto, identificar(ou pelo menos suspeitar) os problemas e fatores que no estavam exata e completamente naconscincia do autor.

    Autores e doutrinas com as quais o pensador em exame concorda (ou discorda) nemsempre sero explicitamente referidos. Por vezes aparecem como interlocutores no nomeados -s vezes nosso autor responde a objees que lhe foram feitos (ou imagina que seriam) por

  • 9adversrios que no nomeia; s vezes esses interlocutores sequer so reconhecidosconscientemente como tais pelo nosso prprio autor - ele dialoga, sem se dar conta a todomomento, com fantasmas que dirigem suas angstias e dilemas. Os vestgios desses emprstimose combates - conscientes, deliberados ou no - muitas vezes s aparecem quando escavamos alinguagem do autor e pelo menos estamos informados sobre o que se dizia (e como se dizia) napoca em que ele escrevia. Como descobriremos essa trama, que constitui indelevelmente oprprio significado da fala de nosso autor? Muitas vezes pelas prprias aluses, pelos conceitos enoes empregadas e pelas imagens. O economista J.M. Keynes era conhecido pela "obsessodos pressupostos" nas suas polmicas contra a tradio neoclssica. Por que? Porque desconfiavasempre que a adeso obtida pelos economistas do laissez-faire era fruto menos de seusargumentos explcitos e de seus malabarismos algbricos, e muito mais pelos argumentosimplcitos - pr-conceitos - que podiam ser lidos apenas na "imagem" de mundo quesubrepticiamente funcionava como premissa no declarada de seus encadeamentosdemonstrativos. A descoberta de tais elementos - demonstrativos ou imagticos - dependesubstancialmente de uma reconstruo que s o conhecimento histrico permite.

    Isto posto, ser que o conhecimento contextual adquirido no processo de estudo aparecena anlise, em todas as suas dimenses e detalhes? No necessariamente. Ele pode e deve estarsempre nos bastidores, iluminando nossos movimentos argumentativos, mas pode ficar, em suamaior parte, justamente a: nos bastidores.

    Em suma, a interao entre texto e contexto inegavelmente til e recomendvel paraaumentar nossa capacidade de compreenso sobre o significado e as especificidades dopensamento sob exame, ou para explicar o impacto e a importncia dessa obra, no momento desua publicao ou em ocasio posterior. Mas no basta para avaliar um texto do ponto de vistalgico ou filosfico.

    2. Virtudes da abordagem "filosfica", lgica ou imanente:

    Medir a densidade de uma fala terica no pode depender apenas da anlise contextual. preciso, desde logo, verificar se e como as premissas suportam as concluses. E tambmimprescindvel verificar como essas premissas e concluses se sustentam quando deslocadas deseu contexto original. O estudo histrico pode por exemplo mostrar o papel e poderes de umaargumentao numa determinada polmica. Mas o pesquisador deve perguntar tambm comoesse discurso se comportaria quando deslocado dessas contendas - o que sobraria de seu brilho evigor? Qual o poder, virtudes ou especificidades que sobrevivem, quando desenraizamos essa fala,quando a deslocamos da moldura que a disciplinava e do cenrio que a iluminava?

    A abordagem lgica (e mais ainda, a "filosfica") envolve certa dose de especulaoabstrata e parcialmente "desterritorializada". Envolve por isso a admisso de algumas posies"metafsicas" por parte do analista-pesquisador. Pensemos por exemplo na tentativa de verificar emque medida um autor sustenta como conciliveis doutrinas que reputamos dspares. Sob essatentativa, na aparncia pura e neutramente lgica, h um pressuposto de natureza filosfica emesmo metafsica: a de que certas concepes realmente conflitam com (e at excluem)determinadas outras. Mas a deteco dessa disparidade, ela mesma, envolve uma investigaopropriamente filosfica, um trabalho especulativo sobre as implicaes, conexes e fundamentos

  • 10

    de tais doutrinas, sobre o que elas supem sobre o mundo e sobre aquilo que excluem. Paraentender, por exemplo, porque o pensador que examinamos no percebeu tais inconsistncias (ou,para ser mais exato, no as admitiu como tais), necessrio essa investigao sobre os nexos e"disnexos" dessas doutrinas - s assim, eventualmente, ela poderia ter tomado como compatveiselementos to estranhos...

    Em suma, quando o pesquisador-intrprete tenta saber como um outro pensador admitiusentenas incompatveis, ele est implicitamente afirmando que tais sentenas so lgica e/ouontologicamente incompatveis. E, para sustentar essa sua posio prpria, ele no tm comoevitar a especulao filosfica.

    preciso em primeiro lugar reconstruir o argumento do outro em um modo que seriafamiliar e prprio a esse outro. Em certa medida, procurar ver os problemas definidos e enfrentadospelo autor do modo como ele os via. Essa exposio, embora envolva sim-patia, no implicaadeso e concordncia. No se pede que o investigador abandone suas prprias convices oudeixe de considerar condenveis pontos de vista com os quais tem radical discordncia. Noimplica sequer deixar de apontar razes condenveis pelas quais o outro adota tais posies deque discordamos. Pelo contrrio, quando compreendemos esse outro do modo como ele mesmose entende, temos bases ainda mais slidas para um combate a suas posies.

    O conhecimento histrico - til e decisivo como afirmamos - permite, entre outras coisasreconstruir determinantes (psicolgicos, sociais, econmicos, etc.) dos quais o autor nonecessariamente tem conscincia. Mas, como se v, compreender o pensamento no reconstruirsua argumentao a partir de tais determinantes. Contudo, resta ainda um aspecto de nossaanlise que vincula essas duas dimenses - a histrica e a filosfica, o contextualizar e ocompreender. Resta ainda o explicar, o que em certa medida significa apontar e sublinhar aqueleselementos que podem plausivelmente ter modelado e dirigido a conscincia do autor mas estavammuito alm dessa conscincia e do que explicitamente admitia, e do que poderia ter admitido semviolentar seus pressupostos. Nesse caso, estamos tratando com sinais ou sintomas - o queevidentemente recomenda cautela, para que no tomemos o texto como resposta condicionada acondies que arbitrariamente admitimos como determinantes, como resultante vetorial de forasidentificveis e selecionadas. Sempre vale a pena lembrar que o pensamento resposta, mas tambm a escolha das perguntas que julga relevantes e implica em grande medida a definioprvia dos termos da questo. E se por um lado verdade que "a humanidade s coloca osproblemas que pode resolver", por outro, como se sabe, os termos em que um problema equacionado determinam a natureza e a ordem de grandeza das respostas.

    As respostas so filhas das perguntas. H filhos rebeldes, que rompem com asimposies paternas e superam as limitaes do meio em que foram educados - e nesse sentido,para citar a clebre sentena, eles sero aquilo que conseguirem fazer daquilo que ascircunstncias fizeram deles. Ainda assim, carregaro consigo, pelo menos, a marca indelvel deum patrimnio gentico.

  • 11

    PEQUENO GUIA PARA REDIGIR DISSERTAES, TESES E RELATRIOS DE PESQUISA

    Coletar e analisar dados apenas uma parte do trabalho do pesquisador. Depois disso,ele enfrenta um desafio igualmente difcil: apresent-los de modo que sejam inteligveis e utilizveispor outras pessoas. Para isso se redige um relatrio, uma dissertao, tese ou monografia.

    A primeira dificuldade descobrir exatamente quais, dentre os diferentes aspectos desuas descobertas, interessam mais diretamente aos diferentes tipos de leitores. Alguns destes sotambm pesquisadores, interessando-se pelo conjunto da investigao. Pretendem estudar osmtodos, tcnicas, dados e documentos utilizados, procuram revisar cuidadosamente as anlises,para enfim julgar as concluses. Alguns talvez pretendam mesmo refazer as experincias eobservaes, reestudar as fontes, para verificar os resultados. Ainda alguns desses leitores maisatentos estaro a caminho de pesquisas adicionais, complementares quela que voc realizou.Mas existem tambm aqueles que iro buscar, no seu texto, apenas as concluses e resultados, ouainda as recomendaes prticas derivadas da anlise.

    Assim, a menos que voc esteja produzindo uma pesquisa quase que totalmente dirigidae conhea muito bem o seu pblico-alvo, proceda como se estivesse escrevendo para leitores cominteresses muito variados e nveis de exigncia tambm desiguais. O melhor caminho, nesse caso, redigir um registro estruturado e completo: expor o seu problema, o mtodo de abord-lo, asanlises e concluses. Isto dar aos leitores a possibilidade de decidir: aqueles que tenhaminteresses bastante especficos podero concentrar-se nos aspectos do relatrio que julgam maisimportantes para eles. Para facilitar a vida desses leitores, leve a srio a confeco de adequados"sinais de trnsito" no seu texto, principalmente se ele for longo: sumrios bem detalhados, ndicestemticos e analticos, resumos de partes e captulos do ao leitor a opo de deter-se mais nesteou naquele ponto da sua exposio.

    Se voc estiver trabalhando basicamente com dados quantitativos, talvez possa iniciar afeitura do relatrio com a construo de tabelas e grficos necessrios exposio de seumaterial. Logo depois de montar cada uma das tabelas ou grficos, escreva os comentrios arespeito, "pregando-os" nas figuras ou quadros. Se os dados forem basicamente qualitativos, vocpode usar um procedimento um pouco parecido. Agrupe as anotaes conforme os tpicosespecficos a que elas se referem; escreva a discusso-comentrio do tpico correspondente e"pregue-a" junto s fichas de referncia e anotao.

    A partir desse ponto, elabore um esboo numerado, isto , estruturado em itens esubitens, mostrando de que modo e em qual seqncia os diferentes tpicos deveriam serapresentados. Se estiver escrevendo em papel (e no em um computador), registre cada ponto emuma pgina separada, mesmo que o enunciado de cada ponto seja curto. Desse modo voc podereorganizar a ordem dos tpicos, como as fichas, sem precisar cortar, colar, reescrever.

    Lembre-se de que uma exposio clara, exata, ordenada e completa tem ainda umasegunda utilidade, uma utilidade para o prprio pesquisador. que, frequentemente, quandoprocuramos escrever um relatrio detalhado, acabamos por descobrir erros ou pontos quenecessitem mais pesquisa e reflexo. Uma cuidadosa exposio do procedimento de pesquisa,passo a passo, pode ajudar bastante a esclarecer nossas prprias idias. evidente, ainda, queconvm pedir a colegas e orientadores que leiam os rascunhos e dem sugestes. Pode ser til,

  • 12

    ainda, organizar exposies orais do relatrio, com base nos esquemas preliminares acimamencionados, para testar a consistncia da futura apresentao escrita.

    A FORMA E O ESTILO

    Um texto de boa qualidade deve ter clareza, estrutura lgica, anlises bem fundadas e, depreferncia, um estilo fluente e sedutor. Mas para cativar seu leitor, preciso que voc mesmoesteja convencido de que os resultados de seu trabalho merecem tal esforo. Sem essa convico,pode estar certo de que ser bem difcil de produzir um bom texto...

    Um texto legvel no apenas escrito em bom portugus, sem erros gramaticais. , emprimeiro lugar, algo que no deixa o leitor confuso a respeito daquilo que se quer dizer, nemaborrecido com a forma da exposio. Seriedade e honestidade no so sinnimos de monotonia eenfado. difcil conciliar rigor e apresentao cativante, e com certeza temos de fazer escolhascomplexas no momento da exposio. Por exemplo: como selecionar todos os detalhes pertinentese relevantes - e excluir aqueles que no o so? Durante a pesquisa, voc deve ter colecionado umasrie de ilustraes, imagens, exemplos e passagens anedticas que muitas vezes "enfeitariam" otexto. Mas o exagero pode desviar o verdadeiro objetivo do relatrio, que informar sobre suainvestigao.

    Procure sempre a clareza, a exatido e a meticulosidade - esses cuidados visam evitarque o leitor interprete equivocadamente aquilo que voc disse. Alm disso, os materiais que vocexpe devem ser encadeados de tal modo que evitem falhas e vazios, na passagem de um pontopara outro. Procure sempre evitar os excessos retricos, controle as metforas, a linguagemdemasiado coloquial, os termos vulgares, os estrangeirismos e as grias. Evite tambm o excessode jargo e os dialetos profissionais, muito especializados. Procure sempre utilizar as palavras nosentido usual, moderando o uso daqueles termos tcnicos que so familiares apenas a pessoascom considervel formao numa rea especfica de conhecimento.

    Em certas disciplinas, palavras de uso comum adquirem significado tcnico especial.Muitas vezes, a pressa, inexperincia ou a nossa prpria familiaridade nos levam a esquecer dedefinir essas expresses. Nesse caso, nosso relato ser pouco acessvel ao leitor que tenhaformao um pouco diferente. H ocasies em que a clareza impe a repetio de termos eexpresses, mesmo que isto parea menos elegante literariamente. Contudo, voc deve sempretentar unir informao clara e precisa com um razovel grau de leveza esttica.

    O texto final deve utilizar recursos sinalizadores que ajudem a legibilidade. para issoque serve uma adequada diviso em pargrafos, ou o uso de sentenas especiais que sintetizemtpicos - ou pargrafos destacados no meio de uma seo do texto. Os outros recursos daexposio devem ser utilizados equilibradamente: ilustraes, exemplos, ttulos e subttulos parasees, referncias em rodaps, bibliografia completa e corretamente indicada.

    Pode parecer detalhe, algo secundrio, mas cuidado com a diviso em pargrafos. Umpargrafo no deve conter idias demais, com um nmero muito grande de oraes intercaladas,aluses, digresses, etc. Demasiado curto ou demasiado longo, ele diminui a legibilidade do texto.Considere, como regra geral, que um pargrafo no deveria ser mais longo do que uma dzia delinhas datilografadas. Pargrafos bastante curtos devem ser usados raramente; pargrafos denica frase, quase nunca. Tente, sempre que possvel, utilizar uma sentena "tpica" no comeo ou

  • 13

    no fim de cada pargrafo - isto , uma sentena que indique sinteticamente seu contedo oupropsito.

    Leve em conta que voc precisa interessar o leitor, mostrando as provas de seuargumento modo claro, exato e instigante. Ao mesmo tempo, deve preocupar-se em incluir todas asprovas - fatos, documentos e referncias. Alguns desses elementos devem ser expostos quaseexatamente como foram coletados. Mas os dados numricos, por exemplo, devem recebertratamento prvio: devem ser agrupados, classificados ou tabulados. Algumas vezes eles podemser demasiado volumosos e enfadonhos, congestionando o corpo do texto. Outras vezes nemtodos os dados so relevantes - quando por exemplo a anlise feita com base em grande nmerode entrevistas, registros ou depoimentos, dos quais apenas uma parte do material bruto pertinente ao seu tema. Em ambos os casos, pode ser boa estratgia manter no corpo do texto umresumo, apenas indicando os dados primrios, os quais, eventualmente, podem ser reproduzidospor extenso num apndice. Mas cuidado: seu relatrio, em alguma parte, deve trazer todos osdados, especialmente aqueles que so originais no estudo, de modo que o leitor tenha critriospara julgar a sua interpretao.

    Os dados numricos geralmente so apresentados em tabelas - e estas devem sermontadas conforme regras enunciadas nos bons manuais de tcnicas estatsticas. Preste atenonessas normas e recomendaes, para produzir quadros consistentes, completos e coerentes. Masacima de tudo leve em conta que o seu texto no deve ser um exerccio de pacincia, em que oleitor gasta tempo tentando livrar-se das suas tabelas. Alis, na grande maioria das vezes, bomtexto aquele em que se pode compreender razoavelmente o argumento com pouca ou mesmonenhuma referncia s tabelas. E, em geral, deve-se evitar que o texto seja a tabela exatamentetranscrita, s que sem nmeros. Em suma, o texto no deve repetir as tabelas, mas delas extrairconcluses. Pense que se o leitor deseja conhecer o fundamento das interpretaes, ele podeconsultar as tabelas e fazer seu prprio caminho dedutivo.

    Tome cuidado tambm com as informaes coletadas por outros autores e utilizadas noseu trabalho. O leitor deve ter como consult-los ou pelo menos conferir a veracidade dos dados.s vezes, trata-se de fonte facilmente encontrvel numa biblioteca, por exemplo - nesse caso,basta a referncia no rodap, reduzindo a quantidade de citaes e parfrases. Pode ocorrer,contudo, que o trabalho em questo no tenha sido publicado (ou traduzido); pode ser material dedifcil acesso, disponvel em poucas cpias, ou em bibliotecas privadas. Nesse caso, convm queas referncias sejam muito precisas e as citaes suficientemente longas para reconstruir em boamedida o contexto, evitando a acusao de que voc escolheu apenas algumas frases, ejustamente aquelas que reforam o seu argumento...

    FORMATOS GERALMENTE UTILIZADOS NA APRESENTAO DE DADOS E EVIDNCIAS

    Uma exposio pode ter diferentes formas: texto, tabelas e quadros, grficos, mapas. Seurelatrio pode ter apenas um desses elementos, ou todos eles ao mesmo tempo.

    A forma textual descreve ou explica os fatos, evitando tanto quanto possvel repeties. com frequncia recomendvel colocar os dados quantitativos na forma de tabelas ou de grficos, jque s vezes a forma narrativa pode cansar o leitor e portanto reduzir a eficincia do seu trabalho.As informaes gerais, que contextualizam os dados, os materiais inditos, raros e especficos, as

  • 14

    referncias e ilaes - tudo isso deve estar em forma de texto. Se voc julgar necessriaspassagens muito longas de outros autores, relevantes para o estudo, procure coloc-las em umapndice.

    A forma tabular utilizada para apresentar dados quantitativos. Como j dissemos, astabelas devem ser completas, tendo sentido em si mesmas, compreensveis mesmo sem aexplicao textual. Alm disso, devem ser numeradas e ter um ttulo suficientemente descritivo ecuidadosa indicao da fonte dos dados. Evite tabelas demasiado complexas, seja pelo nmero dedados, seja pela quantidade de conexes estabelecidas. Isso dificulta o controle, o manuseio e acompreenso. prefervel que uma tabela caiba numa nica numa pgina. Considere apossibilidade de reorganizar os materiais contidos em tabelas muito amplas, subdividindo-a emoutras tabelas menores. A colocao da tabela tambm importante para a qualidade do relatrio:tente que ela fique o mais prximo possvel do lugar do texto onde discutida, para que o leitor noseja forado a deslocar-se pginas para a frente e para trs, para ver os quadros.

    O uso de grficos tem demonstrado muita eficincia persuasiva e demonstrativa, porexemplo, quando se trata de apresentar dados nos quais so importantes as mudanas ao longodo tempo. Grficos de linhas ou barras, mapas com pontos indicando distribuies emdeterminadas reas, etc. podem complementar a exposio textual ou tabular. Apelando ao sentidovisual do leitor, eles permitem que complicados conjuntos de conexes e tendncias sejamrevelados e interpretados rapidamente. Procure tambm numerar os grficos, para facilitar areferncia e localizao; como as tabelas, devem ser limitados a uma pgina, ter ttulos descritivose meno da fonte dos dados.

    AS PRINCIPAIS PARTES DO RELATRIO

    Em geral, o corpo principal do relatrio tem as seguintes partes:

    (1) xposio do objeto, da relevncia e dos motivos do estudo;(2) descrio da problemtica em que se insere a pesquisa e da metodologia utilizada;(3) apresentao e anlise das provas e evidncias (dados e documentos);(4) Concluses - onde geralmente se inclui tambm um sumrio ou balano do conjunto do

    estudo.

    Quantos captulos tem cada uma dessas partes? Isso depende do estilo do autor, mastambm da natureza do projeto e dos interesses e caractersticas dos leitores que pretendemosatingir. De qualquer modo, como regra geral, observe que a apresentao das evidncias e aanlise correspondente devem ocupar sempre o maior nmero de pginas do relatrio.

    A INTRODUO

    A introduo aparece no incio do relatrio, mas no redigida, integralmente pelo menos,no incio. A sua forma final s pode ser escrita quando voc j conhece as concluses e a estruturado trabalho, embora apresente ao leitor essas informaes na forma da pergunta e da dvida.

    Uma boa introduo deve:

  • 15

    1.Definir o problema e descrever seus contornos gerais, incluindo a explicitao de palavras-chave,conceitos e categorias especiais que sero utilizadas no estudo.

    2.Dividir o problema em seus elementos constitutivos e operacionais, gerando questes claras, aserem respondidas na sequncia do trabalho.

    3.Descrever o escopo e os limites do projeto de investigao que voc empreendeu (inclusive oslimites determinados pelas fontes);

    4.Estabelecer relaes entre o seu estudo e outros trabalhos existentes na rea ou disciplina. Jnos referimos a isso, anteriormente: relacionando o problema tratado pelo estudo com aproblemtica em que se insere, desenha-se tambm o quadro de filiaes (ediscordncias) do autor com relao a modelos analticos j existentes;

    5.Expor a necessidade, relevncia, utilidade e (se couber) eventuais implicaes do estudo.6.Anunciar a concatenao entre as diferentes etapas da exposio.

    Na montagem dessa introduo, leve em conta que o objetivo geral deve ficar claro desdelogo, se possvel nos pargrafos iniciais. Indique o contexto histrico e a importncia atual doproblema, de modo que fique claro o significado de sua investigao. Em seguida, mostre comoabordar o seu objeto de estudo, indicando pelo menos os seguintes elementos: (a) as fontes dosdados, sua confiabilidade e adequao; (b) as tcnicas manuseadas para analisar os dados(indique ainda porque julga que elas so adequadas soluo do problema); (c) a terminologiatcnica empregada;(d) as hipteses e pressupostos do estudo.

    Tenha o cuidado de ser muito explcito e claro nessa descrio, como se estivessecolocando nas mos do leitor a possibilidade de repetir plenamente a investigao que vocmesmo fez, de modo a corroborar ou refutar as suas descobertas. A introduo tem que ser clara ecompleta. A partir desse ponto, o leitor dever estar sabendo o que encontrar em seguida: quaisso as questes, os objetivos e pressupostos, a terminologia, o quadro terico-analtico, as fontesde dados, as tcnicas com que so manuseados.

    A APRESENTAO DAS EVIDNCIAS - DADOS E DOCUMENTOS

    Esta a parte do relatrio que com certeza mais interessar aos a leitores que desejamestudar detalhadamente o problema. Portanto, todos as passos relevantes da sua interpretaodevem ser sustentados por rigoroso raciocnio lgico e consistentes fatos empricos. O nmero decaptulos e sua extenso dependem da quantidade e da natureza dos elementos a serem expostos.De qualquer modo, nesta parte do trabalho que devem ser apresentadas todas as evidncias queresultem das anlises. Os dados relevantes devem ser descritos plenamente e analisados emdetalhe.

    Procure estruturar os elementos de sua demonstrao, separando-os em tpicos eidentificando-os com ttulos e interttulos adequados. Eis aqui uma sugesto para estruturar seuargumento:1.Defina as questes (ou hipteses) que esto especificamente em exame.2.Apresente os dados relevantes3.Interprete os dados4.Fornea concluses e interpretao para cada uma das questes e hipteses especficas

    colocadas no item 1.

  • 16

    Nunca demais mencionar alguns perigos e tentaes. Procure evitar que excessos nosdetalhes e aspectos especficos impeam a viso do objetivo principal do estudo. Existe sempre atentao de alongar-se sobre tpicos a respeito dos quais mais fcil obter informao, reduzindoo empenho sobre aqueles de mais difcil acesso. Acontece que infelizmente nem sempre aquiloque mais fcil de descobrir mais importante para entender o fenmeno. Alm disso, muitospesquisadores, no momento de redigir, tm pena de deixar de lado todas as fichas de referncia ouanotaes de leitura que fizeram antes, mesmo quando essas informaes desviem a atenofrente ao problema central do estudo. Evite esse risco e busque uma apresentao enxuta eordenada. Pode ser til submeter seu relatrio ao seguinte teste de qualidade:1.O conjunto do texto responde adequadamente a todas as principais questes enunciadas na

    introduo?2.Quando h respostas para questes secundrias, elas ajudam a esclarecer as questes

    principais?3.Ou, ao contrrio, concedemos demasiada ateno s questes menores, em prejuzo das

    principais?4.Foram eliminados todos os materiais no essenciais ao relato?6.Existe alguma distoro interpretativa causada pela omisso de evidncias?7.Existe distoro proveniente dos mtodos pelos quais foram obtidos os dados e informaes?8.O texto contm um nmero excessivo de exemplos, citaes, estatsticas?9.Ou, pelo contrrio, deveria ter ainda mais exemplos, citaes e nmeros, para permitir a

    compreenso plena do debate?10. A tabelas mostram, em si mesmas, de modo claro, aquilo que eu digo que elas dizem?11. O texto final no est demasiado "tcnico", parecendo muito mais uma espcie de exerccio de

    erudio, exibio de habilidades, matemticas, lingusticas, etc.?12. possvel imaginar interesses e preconceitos que tenham levado a distores ou tenham

    mesmo determinado o prprio modo de ver e formular os problemas?

    AS CONCLUSES

    Procure escrever esta seo do trabalho como se ela pudesse existir por si mesma.Conforme j lembramos, h leitores que prestaro ateno quase exclusivamente na introduo enas concluses. Estas duas partes devem ter sentido em si mesmas e, ao mesmo tempo,espelharem uma a outra. Por isso, a concluso deve conter uma sntese dos captulosprecedentes, alm de indicar o(s) problema(s) investigado(s), as fontes dos dados e o mtodo deanlise, bem como os resultados ou solues que o pesquisador encontrou. Em alguns casos,quando a natureza do projeto exigir, aqui deve ser apontada ainda as aplicaes permitidas peloestudo, ou as recomendaes do autor com relao ao problema em causa. Qual o grau de detalhede cada um desses pontos? Isso depende em parte do tipo de apresentao e anlise feitas noscaptulos anteriores. Mas preste ateno num cuidado fundamental: o captulo conclusivo no lugar para introduzir novos dados e documentos, nem anlise nova sobre os materiaisapresentados.

  • 17

    O momento em que estiver redigindo esta parte pode ser excelente oportunidade para revisarrapidamente - mas sem repetir - os elementos de evidncia que reuniu e analisou sobre cada umadas concluses. um bom teste para garantir que voc apresentou, nos captulos anteriores,elementos que sustentam de modo pleno e seguro as generalizaes ou concluses que estpropondo.

    Tambm aqui, no momento de escrever concluses, til lanar algumas dvidas eprovocaes, como um teste para julgar a consistncia e a confiabilidade de seu relatrio:1.As concluses so amplas demais, quando confrontadas com as evidncias que as sustentam?2.Ou, pelo contrrio, as concluses so pobres ou insuficientemente amplas, luz dessas

    evidncias?3.Os dados e documentos so adequados para as concluses, em quantidade e qualidade?5.Seria mais prudente limitar, qualificar, relativizar as concluses?3.Foi omitida alguma evidncia que eventualmente pudesse enfraquecer as concluses

    estabelecidas?4.As relaes causais estabelecidas so plenamente sustentveis, ou as evidencias apenas

    indicam que um fato segue o outro, sem comprovar necessariamente uma causalidade?

    Lembre que as concluses devem sempre estar apoiadas em provas que voc apresentouanteriormente. Mas no fique obcecado em qualificar, limitar e relativizar indefinidamente asconcluses, caso contrrio o relatrio e a pesquisa parecero quase sem aplicaes vida e aosproblemas reais. Cabe a voc avaliar os materiais de que dispe, analisando, concluindo,generalizando e apresentando recomendaes, quando for o caso. Quando precisar enunciarjuzos de valor, eventualmente contrariando convices e interesses estabelecidos, faa-oexplicitamente, com toda a clareza, justificando seu prprio julgamento e explicitando seus critrios.

    Este capitulo pode ainda indicar tpicos que exijam outras pesquisas. Voc pode concluirque certo tipo de tcnica ou mtodo de anlise til dentro de certos limites. Nesse caso pode serpertinente formular questes do seguinte tipo: "e se as circunstncias sofressem tais e taisalteraes, a tcnica tambm seria bem sucedida?". Alm disso, temas e problemas laterais,inesperados, podem ser sugeridos pela prpria investigao: voc deve indic-los. Voc pode aindachegar concluso de que os procedimentos que utilizou no cobrem todas as possveis situaesem que o problema aparece, de modo que se recomenda pesquisa ulterior, alterando osprocedimentos para preencher essa lacuna. Estudos exploratrios e descritivos devem indicarquais testes adicionais - mais amplos em extenso e/ou profundidade - so necessrios antes queas concluses sejam extradas e validadas. Todas estas indicaes, no sumrio de seu relatrio,podem sugerir outros projetos de investigao.

    H pesquisas que permitem gerar recomendaes prticas, iniciativas, polticas e atitudes.Nesse caso, elas devem ser afirmadas com clareza. Evidentemente, o autor do estudo a pessoamais indicada para formul-las. Contudo, procure garantir que as recomendaes sejamsustentadas pelas evidncias que apresentou, evitando o teor meramente opinativo. Alm disso,esteja certo de que elas dizem respeito ao problema efetivamente investigado - e no a assuntosparalelos insuficientemente estudados.

  • 18

    DO RASCUNHO INICIAL REVISOA etapa da reviso no fcil, e geralmente exige mais tempo do que a feitura do primeiro

    rascunho. O primeiro grande problema julgar seu prprio trabalho de maneira objetiva, com odistanciamento de um outro observador, que pela primeira vez tomasse o seu texto diante dosolhos. Experimente deixar a primeira verso "esfriando" durante alguns dias, para esquecer pelomenos as falhas maiores. Talvez com essa simples providncia voc j seja capaz de localizarerros e lacunas nos originais. Se puder alternar entre partes diferentes do trabalho, de modo a l-las em pocas um pouco distantes, isso tambm ajuda a aumentar sua objetividade. Afamiliaridade com o assunto imprescindvel para o pesquisador, mas tambm um obstculo nomomento de reconhecer lacunas, cacoetes, vcios de expresso e outros defeitos potenciais dorelatrio. tambm um obstculo percepo daquilo que seria o ponto de vista do outro, do leitorno to familiarizado com o tema e ao qual voc pretende comunicar sua investigao. Como evidente, tambm nesse momento a leitura de colegas e colaboradores essencial eextremamente til.

    Como j dissemos, o momento de redigir pode ser extremamente til para que vocperceba erros de raciocnio, assim como fragilidades e insuficincias nos seus dados edocumentos. A reviso do relatrio pode mostrar a necessidade de pesquisar mais, localizandoconcluses errneas e precipitadas, melhorando a sequncia da exposio. Antes de comear aredigir a verso final, releia cuidadosamente os ltimos rascunhos, teste a ordenao lgica, aunidade, a coeso, os encadeamentos entre as idias, a clareza das expresses, a exatido e aadequao dos dados, a preciso das afirmaes. Julgue a qualidade do rascunho antes, paradepois redigir a verso final, acabada e burilada. Para isso, talvez seja til formular algumasperguntas, tais como aquelas que mencionamos a seguir.

    ROTEIRO PARA VERIFICAR A QUALIDADE FINAL DO RELATRIO DE PESQUISARelatrios de pesquisa, monografias, dissertaes e teses tm sempre elos fracos e fortes.

    Nem sempre fcil detect-los. Tente utilizar as perguntas e provocaes que indicamos a seguir,algumas coletadas de outros autores, outras sugeridas em parte pelo bom senso e em parte pelaexperincia.

    Aspectos gerais1.Comece pelo ttulo: ele breve e ao mesmo tempo capaz de indicar claramente o problema

    selecionado?2.A primeira leitura deixa a impresso de uma totalidade clara e lgica?3.A forma de expresso prende a ateno do leitor e facilita o acompanhamento da discusso?4.O estilo preciso, simples e direto?

    Apresentao do problema1.Boa escolha e competente definio do problema j constituem um mrito. Verifique se o objetivo

    do estudo claramente exposto e delimitado.2.Voc indica o contexto histrico e possveis implicaes do problema, de modo a permitir um

    julgamento sobre o seu significado e relevncia?3.O tema geral foi adequadamente subdividido em partes menores, com a formulao de questes

    mais especficas, operacionais, concretas e localizadas?4.Foi realizado um bom balano dos estudos anteriores sobre o problema?

  • 19

    Metodologia

    1.Os procedimentos da pesquisa foram descritos com clareza e preciso? Foram justificados?2.Existe adequao entre a metodologia escolhida e o tipo de problema? E com os dados e

    documentos utilizados?3.Foi mencionada a rejeio de modelos e metodologias alternativos? Foram expostos os motivos?4.A coleta de dados foi cuidadosa e sem margem para equvocos? Foram explicados os riscos de

    distores e os modos de evit-los?5.Os dados so exatos, precisos e adequados aos objetivos da investigao?6.Os dados apresentados so relevantes e logicamente encadeados? O material claramente

    suprfluo foi eliminado?7.A anlise levou a respostas para o problema equacionado na introduo?8.Frmulas, equaes e passagens tcnicas foram corretamente utilizadas e claramente

    expressas?9.As implicaes da anlise foram plena e claramente enunciadas?

    Concluses

    1.Lembre mais uma vez: no se deve introduzir, aqui, dados e documentos novos.2.O problema foi breve mas adequadamente descrito? Idem, quanto ao o modo pelo qual se tentou

    solucion-lo?3.O captulo resume as argumentaes anteriores?4.Foram enunciadas concluses, estimativas, julgamentos, generalizaes e sugestes prticas?5.As concluses so baseadas rigorosa e estritamente em dados que foram plenamente expostos?6.H passagens que expem apenas a opinio do autor?7.Foram estabelecidos com clareza os limites quanto extenso das respostas e ao grau de

    generalizao que as concluses permitem?8.As recomendaes prticas parecem sensatas?9.Foram sugeridos rumos para pesquisas futuras?