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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Registro: 2018.0000285184 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0071825- 97.2006.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes BM POINT DISTRIBUIDORA DE VEÍCULOS LTDA e MARCELO DE CARVALHO MAGALHÃES, é apelado BMW DO BRASIL LTDA. ACORDAM, em 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Colhidos os votos do Relator sorteado e do 3º Juiz, que davam provimento parcial ao recurso, e da 2ª Juíza, que dava provimento parcial em maior extensão, foi estabelecida a divergência. Houve, nos termos do art. 942 do NCPC, a convocação de dois outros componentes da Câmara, Des. Carlos Russo e Des. Marcos Ramos, tendo o julgamento prosseguido, nos termos do § 1º do referido dispositivo legal, com o seguinte resultado final: por maioria de votos, deram provimento parcial ao recurso, vencida a 2ª juíza, que declarará voto.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ANDRADE NETO (Presidente), MARIA LÚCIA PIZZOTTI, LINO MACHADO, CARLOS RUSSO E MARCOS RAMOS. São Paulo, 18 de abril de 2018. Andrade Neto RELATOR Assinatura Eletrônica

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PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2018.0000285184

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0071825-97.2006.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes BM POINT DISTRIBUIDORA DE VEÍCULOS LTDA e MARCELO DE CARVALHO MAGALHÃES, é apelado BMW DO BRASIL LTDA.

ACORDAM, em 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Colhidos os votos do Relator sorteado e do 3º Juiz, que davam provimento parcial ao recurso, e da 2ª Juíza, que dava provimento parcial em maior extensão, foi estabelecida a divergência. Houve, nos termos do art. 942 do NCPC, a convocação de dois outros componentes da Câmara, Des. Carlos Russo e Des. Marcos Ramos, tendo o julgamento prosseguido, nos termos do § 1º do referido dispositivo legal, com o seguinte resultado final: por maioria de votos, deram provimento parcial ao recurso, vencida a 2ª juíza, que declarará voto.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ANDRADE NETO (Presidente), MARIA LÚCIA PIZZOTTI, LINO MACHADO, CARLOS RUSSO E MARCOS RAMOS.

São Paulo, 18 de abril de 2018.

Andrade NetoRELATOR

Assinatura Eletrônica

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelante: BM Point Distribuidora de Veículos Ltda. Apelada: BMW do Brasil Ltda.Comarca: São Paulo - 7ª Vara Cível (Autos n.º 130.663/06)Juíza prolatora: Márcia Blanes

CONCESSÃO COMERCIAL CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO E VENDA DE VEÍCULOS IMPORTADOS DA MARCA BMW RESCISÃO DO CONTRATO AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA DA CONCEDENTE PARA PROMOVER A RUPTURA DO VÍNCULO DEVER DE INDENIZAR RECONHECIDO INTELIGÊNCIA DO ART. 24 DA LEI N.º 6.729/79 INDENIZAÇÕES DE NATUREZA DIVERSA DAQUELAS PREVISTAS NA LEI ESPECIAL DESCABIMENTO INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS IMPOSSIBILIDADE- DANOS MORAIS NÃO CARACTERIZADOS - AÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE.

RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO

VOTO N.º 29139

Inconformados com a decisão de primeiro grau que

julgou improcedente ação objetivando o reconhecimento de culpa da ré

concedente na ruptura de contrato de concessão mercantil para

representação da marca BMW no Estado do Rio Grande do Sul e

consequente condenação ao pagamento das verbas indenizatórias prevista

na legislação de regência (Lei Ferrari), apelam os autores BM Point

Distribuidora de Veículos Ltda. e Marcelo de Carvalho Magalhães

pleiteando a inversão do julgado.

Argumentam, em síntese, que a ruptura do vínculo foi

provocada pela ré, quem além de atuar de forma abusiva e maliciosa em

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relação à concessionária, tendo, inclusive, descumprido condições pré-

estabelecidas (dentre elas manutenção de estoque de peças e veículos) para

incentivar o coautor a assumir o controle acionário da concessionária, agiu

de modo desastroso ao, negligentemente, ter permitido o vencimento de

seu cadastro de importadora, ensejando o desabastecimento de veículos e

peças à concessionária por período de mais de 56 dias, com prejuízo

imediato de mais de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e perda de

faturamento da ordem de R$ 3.292.971,00 (três milhões duzentos e

noventa e dois mil e novecentos e setenta e um reais), além de ter noticiado

uma abrupta redução na importação dos veículos para o mercado brasileiro

(1600 para 600 unidades ano), ensejando-lhe significativa perda de receita

de faturamento. Acresça-se, ainda, o fato de faltar-lhe critério comercial

para fixação de preços de seus produtos um BMW 325i (entre outros) em

fevereiro de 2003 subiu de R$ 176.000,00 para R$ 190.500,00 e logo em

seguida, no mês de abril, foi vendido no mesmo valor de fevereiro.

O recurso foi recebido no duplo efeito e com

contrarrazões.

A ação, inicialmente proposta perante juízo civil da

cidade de Porto Alegre-RS, foi remetida para esta capital por força de

decisão do Superior Tribunal de Justiça, quem, validando cláusula de

eleição, decidiu ser esse o foro competente para dirimir a lide.

Sobreleva destacar, outrossim, que, no curso da ação

perante o foro gaúcho (7º Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre),

houve a determinação judicial de realização de prova pericial contábil, a

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qual, no entanto, foi declarada imprestável pelo magistrado então condutor

do processo por suspeição do perito oficial, quem teria quebrado a

confiança nele depositada ante a parcialidade demonstrada em favor da ré.

É o relatório.

A autora e ré mantinham contrato de concessão

comercial, iniciado em 26/05/1993, com duas renovações por instrumento

formal, uma em 28/03/1996 e outra em 01/01/2001, mediante o qual foi

conferido à primeira o direito de comercializar com exclusividade em

determinada área territorial os veículos BMW 0 km. produzidos pela

segunda, além de obrigar-se a segunda à prestação de assistência técnica

necessária ao uso da marca.

Ocorre que, em fevereiro de 2003, a concessionária

enviou à concedente uma carta, na qual, manifestando preocupação com a

informação obtida de que a segunda iria diminuir acentuadamente a

comercialização de veículos para o Brasil no ano de 2003, o que reduziria à

metade seu volume previsto de venda anual (107 veículos no ano, segundo

conforme projeção prévia da própria concedente), reclamou

esclarecimentos a respeito, sob pena de se ter por inviabilizada a

continuidade da concessão. Apontou ainda que estava sem receber veículos

há mais de 50 dias, fato que lhe causava inegáveis prejuízos (fls. 431/432).

Em resposta, a concedente encaminhou uma

notificação extrajudicial à concessionária, na qual, após responder de modo

evasivo sobre a projeção do volume anual de venda, dizendo-a sujeita a

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fatores imprevisíveis, “tais como variação do câmbio e situação

econômica do mercado” (fl. 433), apontou fatos que teriam sido praticados

pela concessionária (falta de garantia das dívidas pecuniárias, instalações

não condizentes com o padrão BMW, alteração societária da BM Point

sem aprovação da concedente e recusa de pagamento complementar dos

veículos adquiridos entre março e maio de 2001), os quais caracterizariam

inadimplemento de obrigações contratuais, suficientes para justificar a

rescisão do contrato por justa causa, culminando por propor “ negociar de

forma amigável essa extinção “ (fl. 437).

A concessionária autora contra-notificou em 07 de

março de 2003, dizendo não aceitar as imputações que lhe foram dirigidas.

Refutou-as para ao final reconhecer ter havido quebra de confiança, a

ensejar a ruptura do contrato por parte da concedente (fls. 438/440).

Alguns dias após (26/03/2003), deduziram os autores a

presente ação, mediante a qual, imputando à concedente práticas

violadoras do contrato e da boa-fé contratual, reclamaram, em tutela

antecipada, a manutenção compulsória do vínculo pelo prazo de seis meses

e, no mérito, a declaração de rescisão do contrato por culpa da concedente,

com sua condenação ao pagamento de indenização prevista no art. 24 da

Lei Ferrari, além de outros itens especificados no inicial (fls 57/58 da

petição inicial), mais danos morais por prejuízo à imagem e ao bom nome

de ambos.

Sendo esse o quadro, possível reconhecer que a

iniciativa resolutória partiu da concedente, na medida em que foi ela quem,

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instada a fazer prevalecer sua projeção anual de vendas, acenou com a

ruptura do vínculo por justa causa, imputando à contraparte o

descumprimento de obrigações contratuais.

Dispõe o art.24 da Lei nº 6.729/79 (Lei Ferrari),

regente da matéria, que, em se tratando de contrato por prazo

indeterminado, como na espécie, se o concedente der causa à sua rescisão,

ficará obrigado a reparar a concessionária mediante a reaquisição de seu

estoque, a realização da compra prevista no art. 23, inc. II, e ao pagamento

de indenização por perdas e danos, nos moldes ali fixados (inc. III).

Resta claro, por conseguinte, que se a concedente

promover imotivadamente a rescisão do contrato, vale dizer, sem que haja

justa causa em razão de infrações cometidas pela concessionária, fica a

concedente obrigada a indenizar. Isso significa que, se demonstrado faltar à

concedente motivos e fundamentos jurídicos relevantes para reconhecer ter

a concessionária inadimplido suas obrigações, de modo a justificar a

ruptura do contrato, remanesce ela obrigada a ressarcir a concessionária,

nos moldes previstos na legislação de regência.

No caso presente, a ré manifestou intento resilitório

tendo por fundamento os fatos e circunstâncias descritos em sua

contranotificação de fls.433/438. Em assim sendo, cabe investigar se os

fatos alegados se prestariam ou não para justificar a ruptura do contrato por

culpa da concessionária.

Antes, porém, cabe observar que a lei de regência, em

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seu art. 19, previu uma convenção da marca sobre o regime de penalidades

gradativas como forma de garantir um tratamento uniforme das sanções

contratuais a serem aplicadas a todas as concessionárias de uma mesma

fabricante. Evitar-se-ia, assim, que fossem aplicadas penas diferentes para

concessionárias de um mesmo fabricante, em razão de idêntica infração

contratual.

Enquanto não celebrada a convenção, nada obsta às

partes disporem sobre a matéria em seus contratos individuais.

Por outro lado, o art. 22, § 1º, da mesma lei condiciona

a resolução do contrato por culpa à aplicação de penalidades gradativas,

praticamente exigindo que tais penalidades sejam pactuadas, pois elas

passaram a ser etapa necessária para a resolução do contrato por culpa.

O art. 22, § 1º, portanto, ao invés de ser "letra morta",

é um mandamento direcionado aos concedentes, no sentido de que incluam

em seus contratos uma gradação de penalidades, dada a impossibilidade de

resolução arbitrária do contrato.

Não havendo convenção da marca, nem cláusulas

contratuais válidas sobre as penalidades gradativas, como no presente caso,

surge uma lacuna normativa, cabendo ao juiz promover o seu suprimento.

Considerando ser o objetivo das penalidades

gradativas impedir a resolução arbitrária do contrato, caberá ao julgador,

atendendo à teleologia da lei, decidir, em cada caso concreto, se a infração,

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ou sequência de infrações, é grave o suficiente para justificar a resolução

do contrato, observado o caráter protetivo da Lei Ferrari.

Em síntese, nos contratos regidos pela Lei Ferrari, não

havendo pactuação de penalidades gradativas, caberá ao julgador não

apenas identificar eventuais irregularidades e descumprimentos das

obrigações contratuais assumidas no curso da relação contratual, mas,

principalmente, analisá-las e valorá-las, de modo a reputá-las

suficientemente graves para motivar uma ruptura do contrato.

É, portanto, nesse contexto que devem ser analisadas

as razões deduzidas pela concedente na contranotificação já referida, as

quais, forçoso convir, não se revelaram juridicamente convincentes para

justificar a rescisão do contrato por justa causa, consoante a seguir se

demonstra.

A concedente refere à existência de inadimplemento da

concessionária em relação a algumas dívidas, em especial, ao pagamento

de um contrato de mútuo celebrado entre as partes. Segundo

esclarecimentos prestados pela própria concedente, dívida anterior não

paga foi renegociada em julho de 1998, mediante celebração de escritura

pública de confissão de dívida (R$ 1.377.865,11), a ser paga em dezoito

parcelas mensais. A concedente aceitou suspender a cobrança dessa dívida

pelo prazo de doze meses, com reinício em julho de 2000. Posteriormente,

as partes culminaram por prorrogar o vencimento, tendo sido a

concessionária isentada do pagamento de juros e correção no período de

julho de 2000 a outubro de 2001. O pacto voltou a ser negociado em 06 de

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dezembro de 2001, tendo as partes celebrado um contrato de novação e

confissão de dívida, mediante o qual a concessionária reconheceu débito

no valor de R$ 994.349,04, a ser quitado em 24 parcelas sucessivas de R$

41.432,21. Esse contrato recebeu a sigla de APVD.

Esse contrato foi honrado parcialmente, tendo a

concedente afirmado ter a concessionária deixado de pagar a 12ª parcela,

vencida em dezembro de 2002, com solicitação de nova repactuação.

Afirma a concessionária que, embora tenha solicitado nova negociação,

pagou a referida parcela, conforme documentos anexados aos autos (fls.

480/481). Nova repactuação não ocorreu, tendo a concessionária deduzido

ação revisional, a qual foi parcialmente acolhida para reconhecer ilegal a

taxa de juros cobrada, reduzindo-a para 1% a.m.

Sendo esse o quadro, não se há falar na existência de

situação de inadimplência que justificasse a ruptura da concessão, mais

ainda quando se constata ter sido seu valor constituído mediante incidência

de taxa de juros tida como ilegal pelo poder judiciário. Ora, se estava sendo

cobrado mais do que se mostrava efetivamente devido, inexiste quadro de

inadimplência capaz de produzir a ruptura do vínculo contratual.

Imputou-se também à concessionária falta de

instalações condizentes ao padrão da clientela BMW. Não obstante tal

imputação, nenhum dado concreto e relevante foi especificado para

permitir conclusão de verdadeira deficiência das instalações, o que torna a

imputação leviana por falta de convincentes fundamentos fáticos.

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A questão relativa ao pagamento complementar em

razão de exigência do fisco gaúcho de alíquota de ICMS de 17% ao invés

de 12%, relativa ao período de março a maio de 2001, tampouco se presta

para autorizar o reconhecimento de justa causa para a ruptura do contrato.

No caso, manteve o fisco a alíquota maior durante o referido período,

cobrando o respectivo valor da concedente, considerada sua condição de

substituta tributária. A recusa da concessionária de reembolsar a

concedente não se qualifica como fato que justifique a cessação da relação

contratual entre as partes, traduzindo fato acessório, pretérito e episódico,

cuja solução, à mingua de acordo, poderia ser trazido à discussão perante o

judiciário, sem que tal servisse para afetar de morte a relação contratual

principal. Ademais, a concessionária chegou a admitir sua

responsabilidade, tendo pleiteado efetuar o pagamento em 60 meses,

conforme permite a legislação para parcelamento de débitos fiscais, o que

não foi aceito pela concedente.

A outra infração contratual descrita no sentido de ter

havido alteração societária da concessionária sem autorização da

concedente sequer ocorreu. Nesse caso, há farta documentação nos autos

historiando as várias e prévias negociações entre as partes, para efeito de

celebração do último contrato, cuja análise deixa clara a concordância

final da concedente com a transferência das cotas sociais da primitiva sócia

Juliana Slavieiro para o coautor Marcelo Magalhães, não sendo possível

entrever nenhuma conduta da concessionária que pudesse ser vista como

tendente a sonegar informação relevante á concedente.

Sobreleva observar que, em janeiro de 2001, a

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montadora alemã BMW, por meio de sua representante brasileira,

encaminhou missiva à concessionária autora, exigindo dela a assinatura de

um novo contrato de concessão para “modernizar as relações e trazer

mais certeza e eficiência ao negócio” -, sob pena de interrupção imediata

no faturamento de veículos.1 Esse novo contrato foi assinado em 01 de

janeiro de 2001.

Posteriormente, em maio de 2002, a sócia majoritária

(Juliana Slaviero) ofertou sua participação acionária (85% do capital

social) ao coautor (Marcelo Magalhães), sendo certo que tal negociação

somente foi concluída após várias reuniões entre o pretendente e

representantes da concedente.

Nessas reuniões, o pretendente e ora coautor Marcelo

apresentou plano formal de negócio para os próximos anos, incluindo a

projeção de vendas e estratégia de marketing para viabilizar o negócio,

sendo certo que, reunião realizada em 07.06.2002, ponderou sobre a

necessidade de realização de um série de sugestões, dentre elas, venda

inicial de 12 veículos/mês mais crescimento de 1% ao mês com margem

bruta de 2,5% e over-bônus de 2,5%; venda de usados no equivalente a

40% do faturamento dos novos, com margem bruta de 7%; faturamento

bruto de R$ 85.000,00/mês com crescimento de 0,17% ao mês; aprovação

de linha de crédito de R$ 500.000,00( quinhentos mil reais), a ser

amortizada em 36 meses, com taxa de 2% ao mês, para investimentos nas

novas instalações; aumento do limite de crédito de Floor Plan de

1 Ato ilegal e sem efeito, uma vez que nos termos do art. 21 da Lei Ferrari, a concessão firmada com o distribuidor de veículos automotores será de prazo indeterminando e somente cessará nos casos específicos previstos em lei

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R$1.900.000,00 (um milhão e novecentos mil) para R$ 2.700.00,00 (dois

milhões e setecentos mil), com liberdade para uso em novos e usados;

revisão do cronograma de pagamentos relativo aos parcelamentos em curso

junto à BMW Comercial, permitindo coincidir a quitação das parcelas com

o recebimento dos Bônus.

Em reunião realizada em 20 de junho de 2002, a ré

concedente, após avaliar o plano de negócios e sugestões do pretendente

coautor, culminou por concordar com as seguintes iniciativas: venda inicial

de veículos novos partindo de 10 unidades por mês, com crescimento de

1% ao mês, gerando um total de 127 para o 1º ano; 143 unidades no 2º ano

e 161 unidades no 3º ano; empréstimo de R$ 500.000,00 (quinhentos mil

reais) desde que com juros de mercado e não à taxa de 2%; elevação do

limite de crédito de Floor Plan desde que majorada a garantia para o

equivalente a 70% do valor do aumento; revisão do cronograma de

pagamentos relativo aos parcelamentos em curso junto à BMW Comercial,

permitindo coincidir a quitação das parcelas com o recebimento dos

Bônus, com manutenção do fluxo de fornecimento de serviços e peças

Verifica-se, por conseguinte, que poucos meses antes

da iniciativa rescisória, a concedente manifestava plena intenção de

prosseguir com o negócio, tendo, inclusive, acatado algumas das sugestões

do coautor. Ora, estivesse diante de uma parceira comercial inconfiável ou

que tivesse, ao longo do tempo, descumprido suas obrigações, de modo a

afetar os interesses da concedente, evidente que não teria ela a postura

cooperativa e propícia ao prosseguimento do negocia que houvera

demonstrado.

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Em realidade, a reação da concedente derivou da

reclamação feita pela concessionária sobre a possibilidade de não

cumprimento do volume de vendas prometido, traduzindo postura mais

preocupada em retaliar do que a defesa de seus interesses econômicos em

razão do inadimplemento da contraparte contratual.

Aqui, cabe acentuar que, conforme documento da

concedente ao coautor Marcelo, datado de 22 de janeiro de 2003, houve a

expressa previsão de comercialização de 1600 carros no ano, cabendo à

concessionária o direito de negociar 107 veículos (fl. 518).

Sendo assim, perfeitamente compreensível a

preocupação da concessionária quanto à possibilidade de revisão desses

números para menos, suspeitas que acabaram por se confirmar, dada a

resposta evasiva da concedente (fl. 433), conforme já antes realçado.

Nestas circunstâncias, forçoso convir que o

rebaixamento à metade da expectativa de faturamento anual da

concessionária já seria mesmo motivo suficiente para autorizá-la a romper

o vínculo, mormente quando falto motivo verdadeiramente relevante para

justificar tal grau de redução.

Assim sendo, poder-se-ia até mesmo identificar na

espécie não uma simples ausência de justa causa da concedente para

romper o vínculo, mas sim o reconhecimento à concessionária de rescisão

por justa causa, vale dizer, por culpa da concedente.

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Qualquer das duas hipóteses enseja a mesma

consequência jurídica, vale dizer, a aplicação do art. 24 da lei de regência.

Assim, merece o apelo provimento para esse fim.

Contudo, há que se obtemperar que, havendo regra

específica para a hipótese, a indenização devida há de se ater aos seus

estritos termos, não sendo possível indenizar de modo diverso ao que a lei

prescreve.

Nessa perspectiva, há que se afastar todas as

pretensões alheias ao texto legal, deduzidas pelos autores, ficando, por

conseguinte indeferidas os seguintes pedidos deduzidas na inicial : item

“g” (indenização á base de 5% do valor de cada peça, a cada pedido

emergencial que fez à ré e não foi atendido em 48 horas; item “h”

(indenização de 5% sobre o valor da peça para cada peça de estoque que

não foi entregue no prazo de 72 horas; item “i” (reembolso de despesas

com aluguel de veículos para clientes em virtude de não poder consertar os

veículos por falta de peças); item “j” (reembolso das despesas com

treinamento de seus funcionários); item ”l” (indenização pela clientela a

teor dos artigos 710 e seguintes do Código Civil); item “m” (recomposição

de margem subtraída quando da implantação do floor plan e bônus dos

veículos vendidos de julho/01 até o final do contrato). Acresça-se, em

relação a esse último item outro fundamento para seu indeferimento, vale

dizer, o fato de que essa alteração promovida pelo ter sido aceita pelo co-

autor Marcelo, ao assumir o controle acionário da empresa em junho de

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2002; item “ n” (margem bruta e bonificação dos 28 veículos não vendidos

no ano de 2002 por falta de produto e/ou bloqueio de fornecimento); item

“o” (perda da receita de assistência técnica provocada pela omissão da ré

na instalação e crescimento do mercado paralelo e homônimo).

Também mercê repulsa a pretensão dos autores de

indenização por danos morais. A hipótese apenas caracteriza conflito de

interesses econômico-materiais, passíveis de resolução no âmbito restrito

prejuízos materiais, inexistente situação que qualifique um atentado a

direito personalíssimo, capaz de configurar uma ofensa indenizável ao

patrimônio ético de qualquer dos autores da ação.

A relação contratual teve início em 26/05/1993 e,

considerando ter havido, no curso da ação, concessão de liminar,

determinando a manutenção compulsória do contrato (fl. 1375) por seis

meses, houve a prorrogação da vigência até 20/08/2003, devendo ser essas

as datas que devem ser utilizadas, respectivamente, como marco inicial e

rescisório do contrato.

Observo, ainda, que, conforme corretamente

deliberado no curso da ação, o laudo pericial produzido perante o juízo

gaúcho foi declarado imprestável pela juíza que conduzia o processo, com

determinação de restituição dos honorários recebidos e substituição por

outro perito. A substituição não se operou, tendo em vista a modificação de

competência, com remessa dos autos para esse estado, tendo a julgadora

paulista que os recebeu julgado desde logo a ação. Desse modo, havendo

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solução condenatória, o valor há de ser apurado em sede de liquidação.

Desse modo, fica a empresa ré condenada, nos

exclusivos termos da lei de regência, a readquirir dos autores o estoque de

veículos automotores e componentes novos pelo preço de venda à rede de

distribuição, vigente na data de reaquisição (art. 24, inc.I); comprar os

autores os equipamentos, máquinas, ferramental e instalações à concessão,

pelo preço de mercado correspondente ao estado em que se encontrarem e

cuja aquisição o concedente determinara ou dela tivera ciência por escrito

sem lhe fazer oposição imediata e documentada, excluídos desta obrigação

os imóveis do concessionário (art. 24, inc. II); e pagar-lhes perdas e danos,

à razão de quatro por cento do faturamento projetado para um período de

24 meses (soma de dezoito meses mais seis meses três por cada

quinquênio do contrato), devendo a projeção tomar por base o valor

corrigido monetariamente do faturamento de bens e serviços concernentes

à concessão, que o concessionário tiver realizado nos dois anos anteriores à

rescisão (art. 24, inc. III).

Ante o exposto, pelo meu voto, dou parcial

provimento ao recurso para julgar parcialmente procedente a ação e

condenar a ré ao pagamento da indenização, nos moldes supra aduzidos,

cujo valor, a ser apurado mediante liquidação por arbitramento em sede de

execução, deverá ser acrescido de juros mora de 1% a.m., contados a partir

da citação e correção monetária, a ser calculada mediante aplicação do

índices da tabela prática do tribunal, incidente sobre os valores históricos

vigentes e apurados a partir da rescisão do contrato (20/08/2003). Sendo

parcial a condenação, as custas e despesas processuais remanescem a

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cargo das partes, cada qual sendo responsável pelos valores que

desembolsou. Quanto aos honorários advocatícios, condeno a ré a pagar ao

patrono do autor o equivalente a 15% do valor da condenação, anotando-se

que tal valor já contempla a sucumbência parcial. Conforme já decidiu o

STJ, “... A verba honorária sobre o valor da condenação já leva em conta

a sucumbência parcial” (Resp. n.º 242.598/RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de

Aguiar, DJ de 27.11.2000).

ANDRADE NETORelator

PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Voto nº 22395Apelação nº 0071825-97.2006.8.26.0000Comarca: São PauloApelantes: Bm Point Distribuidora de Veículos Ltda e Marcelo de Carvalho Magalhães Apelado: Bmw do Brasil Ltda

DECLARAÇÃO DE VOTO

Vistos.

Respeitado o entendimento do Nobre Desembargador Relator, ousei

divergir parcialmente de suas conclusões, para reconhecer os pedidos de indenização

por dano material pleiteados na inicial, a serem fixados em fase de liquidação, por

arbitramento, e de indenização por dano moral.

Inconteste a culpa da concedente pela rescisão do contrato de concessão

mercantil, nos exatos termos do voto do i. Relator. Há vasto suporte probatório nos autos

que indica que a rescisão do contrato foi unilateral e injustificada por parte da

concedente; ausente justa causa, passível a indenização à concessionária, nos termos da

Lei Ferrari.

Contudo, no caso dos autos, a indenização não deve ser limitada ao

previsto no art. 24, III da Lei Ferrari, já que todos os danos alegados pela apelante

dizem respeito às consequências da relação jurídica mantida entre as partes, de modo

que, referidas perdas e danos devem ser indenizadas, como decorrência lógica do

reconhecimento da culpa pela rescisão.

A apelante indica como perdas e danos os seguintes itens: item “g”

(indenização á base de 5% do valor de cada peça, a cada pedido emergencial que fez à

ré e não foi atendido em 48 horas; item “h” (indenização de 5% sobre o valor da peça

para cada peça de estoque que não foi entregue no prazo de 72 horas; item “i”

(reembolso de despesas com aluguel de veículos para clientes em virtude de não poder

consertar os veículos por falta de peças); item “j” (reembolso das despesas com

treinamento de seus funcionários); item ”l” (indenização pela clientela a teor dos artigos

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710 e seguintes do Código Civil); item “m” (recomposição de margem subtraída quando

da implantação do floor plan e bônus dos veículos vendidos de julho/01 até o final do

contrato). Acresça-se, em relação a esse último item outro fundamento para seu

indeferimento, vale dizer, o fato de que essa alteração promovida pelo ter sido aceita pelo

co-autor Marcelo, ao assumir o controle acionário da empresa em junho de 2002; item “ n”

(margem bruta e bonificação dos 28 veículos não vendidos no ano de 2002 por falta de

produto e/ou bloqueio de fornecimento); item “o” (perda da receita de assistência técnica

provocada pela omissão da ré na instalação e crescimento do mercado paralelo e

homônimo).

Como se observa, os danos alegados não foram quantificados nos autos,

de modo que se torna imprescindível a realização de perícia contábil para apuração do

valor da indenização.

Cumpre relembrar que a ação, inicialmente proposta perante juízo civil da

cidade de Porto Alegre-RS, foi remetida para esta capital por força de decisão do

Superior Tribunal de Justiça, que, validando cláusula de eleição, decidiu ser esse o foro

competente para dirimir a lide. No curso da ação perante a 7ª Vara Cível do Foro Central

de Porto Alegre, houve realização de prova pericial contábil, a qual, no entanto, foi

declarada imprestável pelo magistrado então condutor do processo por suspeição

do perito oficial, quem teria quebrado a confiança nele depositada ante a parcialidade

demonstrada em favor da ré.

Após a declaração de nulidade daquela perícia, não foi realizada outra

prova capaz de quantificar os danos alegados. Por outro lado, considerando que o

processo já tramita há mais de 10 anos e que o objetivo da perícia NÃO É REDISCUTIR

A CULPA PELA RESCISÃO DO CONTRATO já que esta está sendo definida por esta

Turma Julgadora - entendo ser inviável e desnecessária a anulação da r. sentença,

tampouco a conversão do julgamento em diligência. Isso porque a fixação do quantum

devido a título de danos materiais poderá ser feita em fase de liquidação de

sentença, por arbitramento, nos termos do art. 510 do NCPC.

Por fim, forçoso reconhecer também a indenização por dano moral.

No caso, inquestionável que não se trata de “mero descumprimento

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contratual”, na medida em que a autora experimentou sérios prejuízos financeiros em

decorrência da quebra de expectativa e confiança que depositou na ré, como parceira

comercial.

O contrato de concessão mercantil é reconhecidamente um instrumento

que favorece às concessionárias, de modo que, em boa hora, foi necessária a edição da

Lei Ferrari, para regular as relações jurídicas entre as partes. Esta, ser um estatuto

protecionista da empresa concessionária, parte mais fraca da relação contratual, e,

portanto, a mais sujeita aos abusos perpetrados pela concedente, a Lei Renato

Ferrari prevê as formas de reparação pelos prejuízos por ela suportados, nos termos do

art. 24 do diploma.

Sendo presumida a vulnerabilidade das concessionárias frente às

concedentes no que tange o poder econômico e, no caso dos autos, reconhecida a culpa

da concedente pela rescisão contratual, torna-se inegável que a concessionária teve

sua honra objetiva e seu prestígio comercial abalados, em decorrência da conduta

abusiva da ré.

Deve ser destacado que foi ultrapassado o tempo em que dano moral

equivalia à dor, sofrimento e angústia da vítima em razão da ofensa. Os mais renomados

estudiosos da responsabilidade civil modernamente conceituam o dano moral de maneira

bastante clara e objetiva: trata-se de ofensa aos direitos da personalidade e, em sentido

mais amplo, à própria dignidade da pessoa humana. A consequência, os efeitos de

mencionada ofensa podem, estes sim, ser constituídos pela dor, sofrimento ou vexame

causado.

Fenômeno interno, portanto, o dano moral, em si mesmo, não se pode

exigir que seja provado. O que deve ser provado são fatos, condutas ou omissões que

ocasionem a mencionada ofensa aos direitos da personalidade e, por consequência,

sofrimento e dor ao prejudicado. A avaliação sobre quais fatos que causam dano moral

deve ser feita pelo juiz, segundo a jurisprudência e as regras da experiência.

No caso, entendo que a indenização deve ser fixada em R$30.000,00

(cinquenta mil reais), como suficiente para bem reparar os danos sofridos.

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Destarte, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO ao recurso, para condenar a

ré ao pagamento de indenização por danos materiais, a serem fixados em fase de

liquidação, por arbitramento, através de perícia contábil, e indenização por danos morais

fixados em R$30.000,00 (trinta mil reais), nos termos da súmula 362 do STJ, bem como

acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação.

MARIA LÚCIA PIZZOTTIDesembargadora

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Este documento é cópia do original que recebeu as seguintes assinaturas digitais:

Pg. inicial Pg. final Categoria Nome do assinante Confirmação

1 17 Acórdãos

Eletrônicos

ALBERTO DE OLIVEIRA ANDRADE NETO 8424995

18 21 Declarações de

Votos

MARIA LUCIA RIBEIRO DE CASTRO PIZZOTTI

MENDES

792192D

Para conferir o original acesse o site: https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informando o processo 0071825-97.2006.8.26.0000 e o código de confirmação da tabela acima.