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Regulando a Desigualdade: a Lei de Zoneamento em São Paulo Resumo Por mais de trinta anos, a Lei de Zoneamento paulistana, inaugurada em 1972 com base no Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) aprovado no ano anterior, e fartamente complementada nos anos seguintes, foi referência obrigatória para apólogos e críticos do zoning. Apenas após 2004, com a implantação gradativa da nova Lei de Uso e Ocupação do Solo elaborada a partir do Plano Diretor Estratégico de 2002 e dos instrumentos do Estatuto da Cidade, começaram a ser reformulados os fundamentos desse quadro legal. Este trabalho, derivado de pesquisa apoiada pelo Lincoln Institute of Land Policy, aborda antecedentes da lei ao longo do século XX e concentra-se no período 1971-1981, momento decisivo na afirmação de uma legislação abrangente de zoneamento, uso, ocupação e parcelamento do solo no município - situado entre os grandes planos dos anos 1960 e a crise dos modelos de planejamento urbano integrado na década de 1980, quando propostas de desregulamentação e abertura à iniciativa privada, juntamente com a crítica ao caráter segregador e excludente da regulação urbanística, começaram a por em questão o quadro legal então vigente. Embora tenha se afirmado como principal instrumento regulador da cidade, e tenha sido objeto de constante aperfeiçoamento no período em questão, o zoneamento paulistano, herdeiro de ambiciosas proposições aparentemente modernas, revelou-se apenas parcialmente eficaz. Ecoando normatizações anteriores, voltou-se principalmente às regiões mais consolidadas e/ou valorizadas, enquanto a maior parte da ocupação urbana, periférica e de baixa renda se dava à margem da ordem legal proposta.

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Regulando a Desigualdade: a Lei de Zoneamento em São Paulo

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  • Regulando a Desigualdade: a Lei de Zoneamento em So Paulo

    Resumo

    Por mais de trinta anos, a Lei de Zoneamento paulistana, inaugurada em 1972 com base no Plano

    Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) aprovado no ano anterior, e fartamente

    complementada nos anos seguintes, foi referncia obrigatria para aplogos e crticos do zoning.

    Apenas aps 2004, com a implantao gradativa da nova Lei de Uso e Ocupao do Solo

    elaborada a partir do Plano Diretor Estratgico de 2002 e dos instrumentos do Estatuto da Cidade,

    comearam a ser reformulados os fundamentos desse quadro legal. Este trabalho, derivado de

    pesquisa apoiada pelo Lincoln Institute of Land Policy, aborda antecedentes da lei ao longo do

    sculo XX e concentra-se no perodo 1971-1981, momento decisivo na afirmao de uma

    legislao abrangente de zoneamento, uso, ocupao e parcelamento do solo no municpio -

    situado entre os grandes planos dos anos 1960 e a crise dos modelos de planejamento urbano

    integrado na dcada de 1980, quando propostas de desregulamentao e abertura iniciativa

    privada, juntamente com a crtica ao carter segregador e excludente da regulao urbanstica,

    comearam a por em questo o quadro legal ento vigente. Embora tenha se afirmado como

    principal instrumento regulador da cidade, e tenha sido objeto de constante aperfeioamento no

    perodo em questo, o zoneamento paulistano, herdeiro de ambiciosas proposies

    aparentemente modernas, revelou-se apenas parcialmente eficaz. Ecoando normatizaes

    anteriores, voltou-se principalmente s regies mais consolidadas e/ou valorizadas, enquanto a

    maior parte da ocupao urbana, perifrica e de baixa renda se dava margem da ordem legal

    proposta.

  • Introduo

    Em novembro de 1972 o prefeito Figueiredo Ferraz fazia aprovar pela Cmara Municipal a

    primeira legislao abrangente de zoneamento para o municpio de So Paulo. Desde ento a Lei

    de Zoneamento paulistana, da qual os principais elementos permaneceram em vigor por mais de

    trs dcadas, tornou-se referncia obrigatria para aplogos e crticos do zoning. Complementada

    nos anos seguintes, originou uma legislao intrincada, afirmando-se como principal instrumento

    regulador em nvel municipal, mas voltando-se primordialmente s pores consolidadas da

    cidade, enquanto a ocupao irregular de baixa renda seguia a lgica da desordem da produo

    social do espao urbano uma vez que, mesmo sem polticas sociais e habitacionais adequadas,

    o crescimento urbano intensivo continuava sendo condio do modelo econmico vigente no pas.

    Centrada no zoneamento, a regulao paulistana custava a incorporar outros dispositivos

    urbansticos, como mecanismos de recuperao da valorizao imobiliria, medidas reguladoras

    de carter fiscal e uma poltica fundiria consistente - temas que ao longo dos anos 1970 foram

    ganhando espao dentro e fora da administrao municipal. Mas a crtica aos modelos de

    planejamento integrado ao longo dos anos 1980, com a superao dos planos totalizantes pelo

    paradigma dos projetos urbanos pontuais e do planejamento estratgico, acentuou a crise de

    identidade do zoneamento.

    A lei teve vida longa: outras propostas de planos diretores, com carter liberalizante (1988) ou

    inovador (1991) no lograram mudar suas bases. Somente a partir das diretrizes do novo Plano

    Diretor Estratgico de So Paulo aprovado em 2002, dos instrumentos do Estatuto da Cidade e da

    aprovao dos Planos Diretores Regionais elaborados para as Subprefeituras, foi promulgada em

    2004 nova Lei de Uso e Ocupao do Solo para o municpio, cuja implantao gradativa implica a

    primeira reformulao abrangente desse aparato legal, embora no se saiba se o quadro de

    irregularidade poder ser revertido por esses instrumentos.

    Este trabalho, derivado de pesquisa apoiada pelo Lincoln Institute of Land Policy, aborda

    antecedentes da lei ao longo do sculo XX e concentra-se no perodo 1971-1981, decisivo na

    afirmao da primeira legislao abrangente de zoneamento, uso, ocupao e parcelamento do

    solo no municpio de So Paulo, situado entre os grandes planos dos anos 1960 e a crise dos

    modelos de planejamento urbano integrado na dcada de 1980 - quando propostas de

    desregulamentao e abertura iniciativa privada, de um lado, e a crtica ao carter parcial e

    excludente da regulao urbanstica, de outro, comearam a colocar em questo a legislao

    vigente. Embora tenha se afirmado como principal instrumento regulador numa cidade carente de

    mecanismos do gnero, e tenha sido objeto de constante aperfeioamento no perodo em

    questo, o zoneamento paulistano, herdeiro de ambiciosas proposies aparentemente

    modernas, revelou-se apenas parcialmente eficaz, voltado principalmente s regies mais

    consolidadas e/ou valorizadas, enquanto a maior parte da ocupao urbana, perifrica e de baixa

    renda se dava margem da ordem legal proposta.

  • Antecedentes

    A regulao urbanstica institucionalizada no municpio a partir da Repblica Velha abrangia

    controle de volumes e alturas, salubridade da habitao tambm envolvendo o Cdigo Sanitrio

    estadual (LEMOS, 1999) padres de arruamento e proteo das reas residenciais de alta

    renda. Em termos de diferenciao espacial, podem ser consideradas precursoras do

    zoneamento, desde o sculo XIX, a cortios e outras formas de ocupao popular no permetro

    central (ROLNIK, 1997); uniformizao volumtrica de inspirao haussmaniana em algumas ruas

    e avenidas do centro (Lei 1585/1912);1 diviso do municpio em zonas rural, suburbana, urbana e

    central, desde 1915 (Lei 1874). As primeiras compilaes do cdigo de obras, com parmetros de

    insolao e ventilao (Atos 849/1916 e 900/1916) foram detalhados pelo Padro Municipal (Lei

    2322/1920), que tambm estabelecia alturas mximas vinculadas largura da rua na zona central

    (SOMEKH, 1997). A Resoluo 171/1921 coibiu a verticalizao fora do centro, mas foi revogada

    em 1929 para vias mais largas (Lei 3427/1929). A Lei de Loteamentos (2611/1923) estabeleceu

    padres exigentes para novos arruamentos; o Cdigo de Obras "Arthur Saboya" (Ato 663/1934)

    manteve os limites vinculados largura da via no alinhamento, mas permitiu alturas maiores

    mediante escalonamento dos edifcios, at o teto de 80m (50m em algumas ruas centrais). Nos

    anos 1940 o prefeito Prestes Maia imps tetos menores (40 e 60m) nas ruas mais estreitas do

    centro e controles volumtricos especficos e limites maiores (at 115m) em algumas vias abertas

    com base em seu Plano de Avenidas de 1930, incentivando uma verticalizao disciplinada

    (Decreto 163/1941 e Decretos-Lei 41/1940, 75/1941 e 92/1941) (CAMPOS, 1999).

    Importante e sintomtica - medida precursora foi o Ato 127/1931, pelo qual o prefeito Anhaia

    Mello definiu o Jardim Amrica (bairro-jardim exclusivo j protegido por normas estipuladas em

    escritura pela empresa loteadora Companhia City), como estritamente residencial: aps 1937 (Lei

    3571), essa disposio, incorporada desde 1934 ao Art.40 do Cdigo de Obras, foi estendida a

    outras ruas e bairros de alta renda, porm permitindo edifcios residenciais com recuos, enquanto

    o prprio Jardim Amrica recebeu proteo adicional proibindo apartamentos (Ato 99/1941).

    Outros bairros-jardim tambm contavam com restries de escritura estipulando carter horizontal

    unifamiliar. Nenhuma dessas normas, porm, configurava legislao efetiva e abrangente de uso

    e ocupao do solo.

    Um zoning em moldes norte-americanos era defendido por urbanistas como Anhaia Mello desde

    os anos 1920 (MELLO, 1929), pela Sociedade Amigos da Cidade criada em 1935 (que

    encomendou opsculo sobre o tema a Prestes Maia), pela Comisso Orientadora do Plano da

    Cidade criada em 1947 e pelos tcnicos do Departamento de Urbanismo municipal criado no

    mesmo momento dentro da Secretaria de Obras (Decreto-Lei 431). Estes desenvolveram vrias

    propostas para zoneamento e Plano Diretor, sem sucesso (LEFEVRE, 1944; ANDRADE F, 1955;

    LODI, 1957; LODI, 1958). Alguns dos projetos de zoneamento elaborados no Departamento em

    1 Toda a legislao citada do Municpio de So Paulo, salvo quando indicado.

  • 1947, 1949, 1952 e 1955, encaixados como alteraes do Cdigo de Obras, nem chegaram ao

    legislativo. A partir de 1952, baseavam-se no exemplo nova-iorquino: receiturio de zonas com

    diferentes parmetros de usos, alturas e reas edificveis, tipificando funes em categorias e

    recorrendo a ndices matemticos para definir padres de ocupao (FELDMAN, 2005).

    O zoning norte-americano, alm de controlar densidades e usos, era usado para consagrar a

    segregao scio-espacial e proteger valores imobilirios (MANCUSO, 1978, p.306). Mesmo

    assim, em So Paulo propostas do gnero eram barradas pelo legislativo. Nos anos 1950 o

    crescimento vertical se acentuou com a ocupao da rea central com modernos prdios de

    escritrios ou quitinetes, explorando ao mximo os terrenos (SAMPAIO, 2002). Ao mesmo tempo,

    o crescimento urbano irregular era objeto de anistias peridicas, oficializando em massa as ruas

    de loteamentos clandestinos (Leis 4371/1953; 4663/1955; 5968/1962; 7180/1968).

    Enquanto Plano Diretor e zoneamento abrangente no eram aprovados, o Art.40 do Cdigo de

    Obras de 1934, definindo uso estritamente residencial, continuava sendo estendido por decreto

    (abrindo algumas excees para comrcio/servios de mbito local) a alguns bairros e ruas; a

    partir de 1954 esse processo se acelerou atingindo grande parte do quadrante Sudoeste.

    Mantinha-se o princpio de promulgar leis parciais no lugar do zoneamento abrangente, voltadas

    proteo das reas urbanas de alta renda. Havia ainda ruas com recuos especiais, gabaritos,

    tratamento arquitetnico e excees variadas (CALDAS, 1958).

    Fig.1: Detalhe de mapa mostrando ruas com diversas normas especiais (CALDAS, 1958, p.36).

    Em 1955 a Lei 4792 permitiu ncleos comerciais locais no bairro-jardim do Pacaembu; e a Lei

    4805 (Lei de Rudos) estabeleceu zonas estritamente residenciais, industriais e

    predominantemente residenciais, alm da zona central, coibindo usos incmodos; mas apenas

    consagrava, na prtica, a proteo j garantida pelo Art.40 s reas residenciais de alto padro,

  • no regulando as construes no restante da cidade (FELDMAN, 1996, p.108-109). Em 1957,

    seguindo proposta estimulada por Anhaia Mello e pela Comisso Orientadora do Plano da Cidade,

    a Lei 5261 estabeleceu coeficientes mximos de aproveitamento para todo o municpio sem

    diferenciar zonas: quatro vezes a rea do lote para uso residencial e seis para usos

    comerciais/servios (SOMEKH, 1987). Visando frear o adensamento exacerbado com grandes

    conjuntos residenciais que ocupavam terrenos centrais (MEYER, 1991, p.169-179), exigia cota

    mnima de 35 m2 de terreno por unidade habitacional para prdios de apartamentos, e impunha

    densidade lquida mxima de 600 habitantes/hectare.

    Limitava-se a oferta de apartamentos menores ou quitinetes, limitando a moradia vertical s

    camadas de maior renda. A Lei 5261 suscitou violenta oposio e passou a ser burlada pela

    aprovao de apartamentos como escritrios ou hotis, ou pela designao de quartos como

    salas. Sucessivas iniciativas de alterao culminariam na aprovao por decurso de prazo da Lei

    6877/1966, autorizando o coeficiente 6 para todos os usos, e excluindo garagens e trreos com

    pilotis do clculo.

    Em 1956 o prefeito Toledo Piza encomendou importante pesquisa sobre a Estruturao Territorial

    da Aglomerao Paulistana, baseada nos preceitos do Pe.Lebret e movimento Economia e

    Humanismo, realizada pela SAGMACS, apontando dficits urbanos e propondo subdiviso distrital

    em Subprefeituras (LEME, 1999). A valorizao dos subcentros locais identificados, assim como o

    princpio das unidades de vizinhana, pautavam propostas do Departamento de Urbanismo para o

    zoneamento (SANGIRARDI, 1959).

    Fig.2: Zonas e sub-centros previstos pelo Depto. de Urbanismo em 1959 (SANGIRARDI, 1959, p.13).

    Com a crescente verticalizao do centro, a aplicao do Art.40 por decreto e a extenso dos

    loteamentos irregulares, configurava-se uma regulao desigual: protetora nos bairros residenciais

    privilegiados, mais permissiva no centro, ausente ou ineficaz em regies perifricas. Mesmo aps

  • a Lei de Zoneamento, esse quadro continuaria marcando a regulao urbanstica em So Paulo,

    impondo limites a seu alcance e eficcia.

    Do PUB ao PDDI

    A ampliao do escopo da interveno estatal por parte do regime militar iniciado em 1964 inclua

    um sistema nacional de planificao que concedia espao ao planejamento urbano, por meio do

    Serfhau-Servio Federal de Habitao e Urbanismo (1964) e do Fundo de Financiamento de

    Planos de Desenvolvimento Local Integrado, bancado pelo BNH (Decreto Federal 5917/1966).

    Em So Paulo a gesto Faria Lima (1965-1969), marcada por ambiciosas obras virias e pelo

    incio da construo do metr, criou em 1967 (Decreto-Lei 6942) o GEP-Grupo Executivo de

    Planejamento, ligado diretamente ao gabinete do prefeito, desvinculando o urbanismo da

    Secretaria de Obras, medida almejada pelo setor desde 1961 (INTRAURBE, 1983b).

    Paralelamente, encomendou o PUB-Plano Urbanstico Bsico, elaborado em 1968 por consrcio

    de empresas de consultoria, coordenado pelo eng.Mario Larangeira (que havia integrado a equipe

    SAGMACS) e publicado no ano seguinte (PMSP, 1969).

    Com escopo ambicioso o PUB tornou-se exemplo maior dos super-planos dos anos 1960 e 1970

    (VILLAA, 1999, p.215). Contrastando com precedentes como Plano de Avenidas e Relatrio

    Moses (1950), que priorizavam o crescimento, pretendia limitar a expanso urbana, prevendo

    controle do adensamento com densidades residenciais entre 300 habitantes/hectare no centro e

    75 habitantes/hectare na periferia (PMSP, 1969). Para atender a essa ocupao previam-se

    815km de vias expressas, dispostas em malha, isolando unidades urbanas semi-autnomas, para

    contrabalanar a estrutura radial-perimetral existente e a centralizao excessiva das atividades

    urbanas; e 450km de metr, alm de metas ambiciosas de habitao, equipamentos e servios.

    Mas com o fim da gesto Faria Lima em 1969, o prefeito nomeado pelo regime autoritrio, Paulo

    Maluf, no manifestou interesse pelo PUB e retirou-o de discusso.

    No obstante, esforos pelo plano diretor tiveram continuidade. Em 1971 foi nomeado prefeito o

    eng.Jos Carlos de Figueiredo Ferraz - ligado a Anhaia Mello e Secretrio de Obras quando da

    promulgao da Lei 5261 que determinou finalizao a curto prazo, pelo GEP, de plano oficial,

    aprovado pela Cmara no mesmo ano: o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI), o

    primeiro consagrado em lei no municpio (Lei 7688/1971).

    Montava-se o arcabouo legal/institucional que regularia a metrpole paulistana: na esfera

    municipal criou-se a Emurb-Empresa Municipal de Urbanizao (Lei 7670/1971) e o GEP foi

    transformado em COGEP (Lei 7694/1972). Na esfera estadual o GEGRAN, criado em 1968,

    responsvel pelo Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado, foi sucedido em 1974 pela

    EMPLASA-Empresa de Planejamento da Grande So Paulo, tendo como instrumentos a

    legislao de proteo aos mananciais (Lei Estadual 898/1975) e o zoneamento industrial

    metropolitano (Lei Estadual 1817/1978), alm do controle da poluio a cargo da CETESB (criada

  • em 1970). A proteo ao patrimnio histrico envolveria o conselho estadual CONDEPHAAT (Lei

    Estadual 10247/1968) e o DPH municipal.

    O PDDI, alm de derivar dos trabalhos do GEP, desenvolvia aspectos da minuta de lei prevista

    pelo PUB. Na exposio de motivos da lei 7688 destaca-se viso controladora e reguladora da

    expanso urbana. Denuncia "o ritmo extremamente acelerado da urbanizao [com] ausncia de

    mecanismos eficientes de controle". Seria preciso "fixao das densidades demogrficas [e]

    ordenao das atividades e funes urbanas". A reduo dos coeficientes de aproveitamento era

    considerada condio bsica para disciplina do desenvolvimento urbano".

    Assim, o plano reduzia de forma drstica os ndices em relao aos at ento vigentes. Alm de

    impor o coeficiente 4 como teto absoluto (Art.3), este seria permitido em algumas reas, enquanto

    na maior parte da cidade se poderia construir apenas uma ou duas vezes a rea do terreno.

    Citando a pesquisa SAGMACS e o PUB, o PDDI adotava sistema de "unidades territoriais"

    hierarquizadas: nvel 1, correspondendo a unidades de vizinhana, nvel 2 intermedirio, e nvel 3,

    equivalente s Administraes Regionais criadas em 1967. Quadro definia metas ambiciosas em

    termos de equipamentos, servios e infra-estrutura.

    Nas palavras do PDDI o zoneamento seria "o mais importante" mecanismo de controle do

    desenvolvimento urbano. Seu Art.22 definiu oito tipos de zonas:

    -Z1/estritamente residencial unifamiliar;

    -Z2/predominantemente residencial, uni e multifamiliar, com comrcio/servios locais;

    -Z3/predominantemente residencial de mdia densidade com comrcio e servios de maior porte;

    -Z4/mista densa;

    -Z5/mista central de alta densidade;

    -Z6/predominantemente industrial;

    -Z7/estritamente industrial; e

    -Z8/usos especiais que embasariam a legislao a seguir.

    A Lei de Zoneamento de 1972

    Aprovado o plano, a gesto Ferraz concentrou esforos na aprovao da lei reguladora do uso e

    ocupao do solo nos termos explicitados, igualmente elaborada pelo GEP, em especial pelo

    eng.Benjamin Adiron Ribeiro, antes tcnico do Departamento de Urbanismo, coordenador da

    COGEP (1972-1976). Apoiada em conceitos tambm presentes no PUB estrutura viria em

    malha, descentralizao, conteno do crescimento e previso de grandes investimentos em vias

    expressas, metr, habitao e estudos anteriores da Prefeitura (LACERDA, 1966), foi submetida

    Cmara e aprovada a primeira legislao abrangente de zoneamento para So Paulo (Lei

    7805/1972), proposta como principal instrumento regulador da cidade (CAMPOS, 2002).

  • Sua exposio de motivos explicita a ligao com o PDDI e traz princpios similares queles

    defendidos por Ribeiro em seu manual de planejamento (RIBEIRO, 1988, p.141-142). Embora

    enumere as funes da Carta de Atenas, habitao, trabalho, lazer e circulao, no adota

    separao absoluta entre elas. Das oito zonas previstas, apenas a Z1 estritamente residencial

    unifamiliar teria carter monofuncional. As restantes seriam mistas, com residncias uni e

    multifamiliares, comrcio/servios, usos institucionais e industriais em diferentes medidas. A lei

    preconiza "predominncias (...) sem coibir proximidade de usos diferentes, mas estabelecendo

    (...) rigoroso controle sobre os nveis de incmodo".

    Propondo-se a "orientar sem forar", sua definio de permetros procurou acompanhar

    tendncias de ocupao existentes, sobretudo na rea central, cintures industriais e quadrante

    Oeste/Sudoeste, abrangendo setores de alta renda e frentes de valorizao imobiliria.

    Bairros-jardim, alguns j protegidos pelo Art.40 do Cdigo de Obras, foram transformados em Z1,

    incluindo loteamentos de alto padro da Cia. City e congneres, cujo carter verde e horizontal

    contrastava com o perfil misto e verticalizado das demais zonas. Cintures industriais ao longo

    das vrzeas e linhas frreas foram consagrados como Z6 ou Z7. Com parmetros de uso e

    ocupao diferenciados para cada caso, a Z8 abrangeu usos especiais como parques e

    aeroportos, alm de reas escolhidas para projetos de reurbanizao, nunca realizados (Luz,

    objeto de plano do escritrio Rino Levi, de 1974; e Bela Vista, com projeto de Paulo Mendes da

    Rocha; esta seria descongelada em 1978) e a zona rural (Z8-100).

    Densidade mxima (Z5) seria permitida apenas no centro histrico, Rua da Consolao e

    Av.Paulista. Sub-centros consagrados, principalmente no vetor Oeste/Sudoeste, como Lapa,

    Pinheiros, Itaim e Moema, foram definidos como Z4. Ambas foram rodeadas/ladeadas por Z3.

    Algumas vias rpidas destinadas ao transporte individual foram "isoladas" por zonas restritivas;

    previses de maior adensamento foram associadas oferta e previses de transporte coletivo,

    tanto na rea central, que continuou foco das redes de nibus e metr, como nas Z3/Z4 regionais.

    Toda a extenso urbanizada no enquadrada nas demais zonas foi designada Z2: a maior parte

    do anel intermedirio e da periferia tornou-se imensa e indiferenciada zona predominantemente

    residencial de baixa densidade, com baixo coeficiente de aproveitamento, contribuindo para

    desestimular investimentos imobilirios.

    Quadrantes populares (Leste, Norte) foram zoneados de acordo com esquema apoiado em

    previses da poca para vias expressas, arteriais e metr, em grande parte no-realizados,

    determinando, onde no havia outras referncias, a localizao de faixas de Z3 e plos de Z4

    sobre um fundo de Z2 - formando, segundo a Exposio de Motivos da lei, "plos e corredores." A

    distribuio das zonas nesses casos corresponderia s unidades imaginadas pelo PDDI: Z2 nas

    unidades de vizinhana simples; Z3 e Z4 nos centros de bairro (unidades territoriais de nvel 2) e

    sub-centros regionais (nvel 3).

  • Fig.5: Mapa geral do zoneamento estabelecido pela Lei 7805: Z1=amarelo, Z2=branco, Z3=bege, Z4=azul,

    Z5=magenta, Z6 e Z7=rosa e Z8=verde (CAMPOS, 2002, p.127).

    Figs.6/7: Z3/Z4 associadas a metr/Linha Sul e Z2 perifrica (OESP, 2003, p.36;39).

    Enquanto nas zonas Leste e Norte vrios sub-centros nunca ganharam o adensamento previsto,

    em contraste no vetor Oeste/Sudoeste consagrado como setor privilegiado da cidade (VILLAA,

    1998) - mesmo reas s exploradas pelo setor imobilirio mais tarde, como na regio da Av. Lus

    Carlos Berrini (transformada em plo tercirio a partir dos anos 1980) e na Vila Olmpia (que

    ganhou destaque na dcada de 1990), foram definidas como Z4 em 1972.

  • Figs.8/9: Regio dos Jardins no quadrante Sudoeste; Z2/Z3/Z4 na Z.Norte (OESP, 2003, p.24;7).

    Controle do adensamento

    No mago da lei 7805 est a postura controladora que ganhou corpo na gesto Figueiredo Ferraz:

    segundo o prprio prefeito, visava impor severas redues na taxa de ocupao e no coeficiente

    de aproveitamento (...) evitando uma ocupao desbragada e propiciando maior defesa das

    edificaes no tocante altura, distanciamento recproco, iluminao, insolao e higiene

    (FERRAZ, 1991, p.56).

    O carter rigoroso da regulao imaginada por Ferraz se traduziu nos ndices de ocupao

    estabelecidos (Art.19). Para cada zona definiram-se usos conformes, segundo diretrizes

    estabelecidas no PDDI, reas e frentes mnimas de lote (geralmente 250 m2 e 10 metros), recuos

    mnimos de frente, laterais e de fundos, taxa de ocupao mxima e, mais importante, coeficiente

    de aproveitamento mximo. Em Z1 e para quase todos os usos em Z2 este seria de apenas uma

    vez a rea do terreno. Em Z3, seria de 2,5, com taxa de ocupao de 50%; em Z4, 3, com taxa de

    ocupao de 70%, e em Z5, 3,5, com taxa de 80%.

    Ecoando o ideal modernista de torres isoladas no verde, o coeficiente mximo 4 s poderia ser

    atingido, em Z3, Z4 ou Z5, reduzindo-se a taxa de ocupao, por meio de mecanismo alcunhado

    "frmula de Adiron". Privilegiando zonas que representavam apenas 10% da rea urbanizada,

    gerou-se escassez de terrenos para incorporao. Segundo o mesmo princpio, em Z2 (ou seja,

    em 80% da rea urbanizada) o mesmo mecanismo se aplicava somente ao uso R3 - conjuntos

    residenciais formados por um ou mais blocos verticais com espaos comuns de lazer, e chegando

    apenas ao coeficiente 2. Sistema de altura proporcional ao recuo consagrado no Cdigo de Obras

    (Lei 8266/1975) contribua para estimular edifcios mais esguios e inviabilizava a incorporao em

    terrenos menores. Modificava-se drasticamente o potencial de lucratividade urbana; ao mesmo

  • tempo, a localizao das Z5 e Z4 favoreceu o deslocamento da verticalizao e dos usos

    tercirios no vetor Oeste/Sudoeste tradicionalmente privilegiado (CAMPOS, 2004).

    Espaos comuns e de lazer eram excludos do clculo do coeficiente. A legislao reforava a

    emergente cultura do condomnio fechado por parte das camadas de maior renda, refugiadas em

    espaos coletivos privados, murados e vigiados (CALDEIRA, 2000, p.257-284). Logo aps a lei de

    1972 surgiram grandes conjuntos, prottipos dessa aspirao, como Ilha do Sul e Portal do

    Morumbi. Contudo, a escassez de grandes terrenos fez com que a maioria dos empreendimentos

    adotasse o mesmo princpio em escala reduzida, espremendo atrativos em lotes que raramente

    ultrapassam 2000m2, em quarteires fragmentados por muros e desnveis, isolados por grades. E

    a legislao continuou estimulando a construo de garagens subterrneas, eliminando-as do

    clculo do coeficiente, e permitindo que ocupassem todo o lote (exceto o recuo frontal),

    favorecendo a impermeabilizao do solo urbano.

    Complementao e detalhamento da legislao (1973-1981)

    Ao longo dos anos seguintes a legislao foi detalhada, aperfeioada e emendada em muitos

    aspectos, mantendo, todavia, suas diretrizes bsicas. Um ano aps a aprovao da lei 7805 que

    j previa reviso permanente por meio de "contnuo aperfeioamento" ela foi reescrita com

    pequenas alteraes e aprimoramentos de redao (Lei 8001/1973). Permetros antes ambguos

    foram melhor definidos. Mais uma restrio foi explicitada: a largura mnima das vias para

    implantao dos usos, em qualquer zona. Apartamentos s seriam admitidos em ruas com no

    mnimo 12m de seo; usos comerciais, em ruas com 14m ou mais; comrcio atacadista e

    indstrias, mnimo de 18m. Tambm criou corredores de uso especial em determinadas vias.

    Figueiredo Ferraz j havia sido substitudo por Miguel Colassuono (1973-1975) - queda atribuda

    ao desgaste ocasionado pela implementao do zoneamento. No obstante, nos anos seguintes a

    legislao se consolidou, com requintes de detalhamento: embora o arcabouo bsico Z1 a Z8

    tenha sido mantido na maior parte da rea urbana, seriam criadas mais onze zonas, alm de

    novos corredores, cinco tipos de zona rural e a Zona Metr-Leste (ZML) congelando reas para

    controlar a valorizao fundiria ao longo da linha Leste do Metr. Alguns usos (hotis, hospitais,

    escolas) ganharam concesses (Leis 8006/1974; 8076/1974; 8211/1975; 8904/1979; 8964/1979).

    Importantes complementaes ocorreram em 1975, 1978 e 1981. A Lei 8328/1075 detalhou as

    inmeras zonas Z8; criou Z8-200 (pontos e manchas de preservao histrica) e novas zonas

    com situaes intermedirias entre Z1 estritamente residencial, horizontal unifamiliar e Z2, mais

    permissiva:

    -Z9, horizontal permitindo casas em renque, verso popular da Z1 (que ganhou comrcio/servios

    de mbito local pela Lei 8800/1978);

    -Z10, estritamente residencial com apartamentos (tambm ganhou usos tercirios em 1978, pela

    Lei 8840); e

  • -Z11, similar Z2 mas sem uso industrial, destinada s reas de mananciais.

    Num patamar intermedirio entre Z2 e Z3 criou-se a Z12, semelhante Z2 com maior coeficiente

    de aproveitamento (2,5-4) em terrenos maiores, estimulando o remembramento de lotes.

    Em 1978 a Lei 8769 criou Z13, similar Z2 com coeficiente varivel conforme rea do lote (item

    revogado em 1981); e trs zonas de baixssima densidade para reas de proteo a mananciais,

    conforme legislao estadual:

    -Z14, residencial horizontal em grandes lotes (mnimo 2000m2);

    -Z15, para chcaras (mnimo 5000 m2); e

    -Z16, para clubes.

    No entanto, assim como as normas metropolitanas, essas medidas no impediram o

    adensamento das reas de mananciais; ao contrrio: na Zona Sul, em torno das represas Billings

    e Guarapiranga, padres exigentes desestimularam empreendimentos regulares, criando um

    vcuo que favoreceu a ocupao irregular e de baixa renda.

    Em 1981 a Lei 9300 regulou a zona rural, prevendo a implantao de conjuntos habitacionais: em

    permetros designados seriam o nico uso residencial multifamiliar permitido, facilitando a

    aquisio pela COHAB de grandes glebas a baixo preo - esboando indita poltica fundiria,

    mas consagrando modelo de assentamento habitacional popular em regies perifricas.

    Para criar reas de transio entre Z1 e zonas verticais lindeiras, a Lei 9049/1980 criou Z17 e

    Z18, permitindo apartamentos em prdios com at 25m de altura ou oito pavimentos. Permetros

    de Z1 e suas zonas de transio foram consolidados pela Lei 9411/1981. Finalmente, em 1991

    (Lei 11158) seria criada Z19, no entorno das estaes afastadas do ramal Leste do metr - para

    descongelar a ZML, da qual trechos centrais se tornaram Z3.

    O esforo regulador dos anos 1970 teve ltima manifestao na Lei de Parcelamento do Solo

    (9413/1981), atualizando normas de loteamento segundo as diretrizes fixadas nacionalmente pela

    Lei Lehmann (Lei Federal 6766/1979). O lote mnimo passou a ser de 125m2 em Z2, Z9 e Z11

    que abrangiam quase toda a periferia. Embora a lei permitisse processar loteadores clandestinos,

    esse rigor nunca se fez valer, perpetuando-se em vez disso as regularizaes e anistias

    (GROSTEIN, 1986).

    A reviso do PDDI e os estudos da COGEP

    Ao longo da gesto Olavo Setbal (1975-1979) debates em torno de conceitos urbansticos como

    solo criado e outros, junto com mudanas no panorama poltico, levaram retomada da questo

    do Plano Diretor, com os trabalhos de reviso do PDDI pelos tcnicos da COGEP, ento

    coordenada pelo urbanista Cndido Malta Campos Filho (1976-1981).

  • Procurou-se formular poltica de desenvolvimento urbano que pudesse embasar reviso do plano

    e do zoneamento, a partir do reconhecimento das consequncias do "crescimento desigual"; das

    contradies presentes na produo do espao e da possibilidade de obter avanos no contexto

    de uma sociedade civil revigorada" pela redemocratizao do pas (COGEP, 1980, p.15-17).

    Para embasar a reviso da legislao de uso e ocupao do solo, supondo que o adensamento

    deveria ser compatvel com a capacidade de suporte da infra-estrutura - particularmente dos

    sistemas virio e de transporte - foi desenvolvido termo de referncia para o MUT-Modelo de Usos

    do Solo e Transporte, programa computadorizado que obteria previses sobre o impacto de

    diferentes polticas (COGEP, 1979a, p.176-180).

    No mesmo sentido foi desenvolvida sistemtica de clculo de custos de urbanizao (COGEP,

    1979b). Estudos previam o aperfeioamento da legislao de zoneamento e novos instrumentos,

    como imposto territorial progressivo e solo criado, sobre o qual levantaram-se experincias

    francesa, norte-americana e italiana. Procurou-se ainda calcular para diferentes zonas qual seria o

    "coeficiente de equilbrio" que embasaria o coeficiente bsico, referncia para o solo criado

    (COGEP, 1979c).

    Contudo, a reviso do PPDI no foi completada e a partir do final da gesto Reynaldo de Barros

    (1979-1982) o prprio zoneamento tornou-se um status quo cada vez mais questionado; tanto por

    interesses imobilirios consubstanciados em recorrentes projetos de lei com alteraes pontuais

    surgidos na Cmara, como pelo prprio debate urbanstico, denunciando seu carter segregador

    (MANCUSO, 1978).

    Na gesto Mrio Covas (1983-1986) a Sempla, presidida pelo urbanista Jorge Wilheim, elaborou

    nova proposta para o Plano Diretor, que no chegou a ser levada a votao (1985), prevendo

    Operaes Urbanas que liberariam alguns controles em termos de usos e coeficientes mediante

    contrapartidas em permetros definidos por lei. Em sua formulao inicial trabalhou equipe

    liderada pelo urbanista Lus Carlos Costa.

    Na administrao Jnio Quadros (1986-1989) liberalizaes lote a lote negociadas diretamente

    pelo Executivo foram permitidas por meio de Operaes Interligadas (Lei 10209/1986, anulada

    pela Justia Estadual em 1998) e aprovou-se, por decurso de prazo, novo Plano Diretor (Lei

    10676/1988) priorizando participao da iniciativa privada no processo de planejamento.

    Posteriormente seriam aprovadas as operaes urbanas Anhangaba (Lei 11090/1991), Faria

    Lima (Lei 11732/1995; renovada pela Lei 13769/2004), gua Branca (Lei 11774/1995); Centro (Lei

    12349/1997); gua Espraiada (Lei 13260/2001) e Rio Verde-Jacu (Lei 13430/2002).

    A partir dos anos 1980 medidas levantadas na dcada anterior, como participao popular nos

    processos de planificao, fundos de Habitao e de Desenvolvimento Urbano, e instrumentos

    como solo criado (outorga onerosa do direito de construir), imposto territorial progressivo e

    tributao do lucro imobilirio (COGEP, 1980, p.23;34;49) passavam a ser buscadas em nvel

  • federal por tcnicos e lideranas ligadas questo urbana, levando sua incorporao

    Constituio de 1988 e promulgao do Estatuto da Cidade em 2001.

    Em So Paulo o princpio do solo criado embasou a proposta do Plano Diretor 1991 da

    administrao Luiza Erundina (1989-1992), propondo coeficiente bsico nico 1, s ultrapassvel

    mediante outorga onerosa, e macrozoneamento definindo zonas adensveis ou no de acordo

    com infra-estrutura existente - tampouco levada a votao (ANTONUCCI, 1999). Instrumentos

    consagrados pelo Estatuto da Cidade seriam finalmente incorporados pelo Plano Diretor

    Estratgico (Lei 13430/2002) aprovado na gesto Marta Suplicy (2001-2004), consagrando a

    outorga onerosa do direito de construir - o qual, juntamente com os Planos Regionais Estratgicos

    elaborados para cada Subprefeitura, deu origem a nova Lei de Uso e Ocupao do Solo para o

    municpio (13885/2004). Sua implantao gradual implica a primeira reviso abrangente da

    legislao de zoneamento inaugurada em 1972 - embora princpios como a proteo aos bairros

    residenciais de alta renda tenham sido mantidos.

    Consideraes finais

    Funcionando como principal instrumento regulador da cidade, o zoneamento abrangente institudo

    desde 1972 controlou o adensamento e garantiu regras para o processo imobilirio, mas

    configurou tratamento desigual para diferentes regies da cidade, consagrando tradicionais

    dicotomias centro-periferia e Zona Sudoeste - Zona Leste. Enquanto nos setores mais valorizados

    a distribuio das zonas correspondeu a condies e tendncias existentes, reas de menor

    renda foram zoneadas com base na aplicao de conceitos como "plos" e corredores

    vinculados a malha de vias e rede de metr, em grande parte no-executadas. Ao mesmo tempo

    a legislao gerou escassez de terrenos com maior potencial construtivo. Exacerbou-se a

    discrepncia entre regies valorizadas e perifricas, reforando a reproduo da desigualdade.

    O aperfeioamento da legislao buscou completar e adequar o instrumental montado em 1972

    diversidade das situaes urbanas, embora o arcabouo das zonas Z1 a Z8 continuasse

    prevalecendo. A complexidade adquirida pelo quadro legal, exceto no referente s zonas

    estritamente residenciais, dificultou sua incorporao ao debate pblico, tendendo a limitar

    discusses esfera tcnica especializada e ao setor imobilirio. E o controle da verticalizao

    concentrou-se em parmetros relativos s reas construdas, recuos e percentuais de ocupao,

    com poucas consideraes a respeito da paisagem construda.

    A lei contribuiu para reiterar padres predominantes na urbanizao paulistana: consagrou a

    formao do "centro expandido" pelo qual se estendem usos verticais e tercirios; e manteve o

    privilegiamento do quadrante Oeste/Sudoeste eleito pelas camadas de alta renda, com

    deslocamento progressivo do tercirio avanado e da verticalizao de alto padro nesse vetor,

    prioritariamente beneficiado por obras virias formando fatia valorizada com "novos centros"

    cada vez mais distantes, avanando para as avs.Paulista, Faria Lima e Marginal Pinheiros.

  • Paradoxalmente, em situao social marcada por desigualdades, bairros submetidos ao

    crescimento vertical passaram a sofrer desadensamento populacional, enquanto a ocupao

    perifrica, originalmente zoneada como baixa densidade, adquire crescente intensidade de

    aproveitamento, com subdiviso dos lotes e favelizao de reas livres, agravando condies de

    vida, salubridade e carncia de espaos pblicos. Aps 1980/1991 dados censitrios passaram a

    apontar queda de populao em bairros centrais, alguns em pleno processo de verticalizao,

    enquanto a densidade habitacional na periferia chega a superar em alguns casos a do centro.

    Mecanismos presentes no processo de produo do espao, muitas vezes reforados por polticas

    pblicas, exacerbaram a valorizao fundiria de determinadas reas, dificultando o acesso formal

    moradia por parte da populao de baixa renda. Conseqentemente, a maior parte da cidade

    continuou sendo ocupada de maneira precria e/ou irregular, repetindo-se ciclos de esgotamento

    das reas eleitas para investimentos imobilirios, as quais requerem constantes renovaes de

    infra-estrutura, enquanto regies populares e perifricas permanecem margem lgica perversa

    que o zoneamento no conseguiu eliminar.

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    Regulando a Desigualdade: a Lei de Zoneamento em So PauloResumoIntroduoAntecedentesDo PUB ao PDDI

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