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Memória e Imitação na Percepção Musical Ricardo Dourado Freire [email protected] Departamento de Música, Universidade de Brasília Resumo O processo cognitivo da percepção musical acontece mediado pelas maneiras como a memória atua no registro e processamento das informações auditivas. A abordagem da percepção musical como processo cognitivo aceita que a memória pode atuar de diversas maneiras durante o processo de identificação e escrita musical. O presente artigo tem por objetivo estabelecer uma relação entre os diferentes tipos de memória e propor mo- delos de imitação compatíveis com as formas de funcionamento de cada tipo de memória apresentado: (1) memória de longa duração, (2) memória de curta duração / memória ope- racional e (3) memória sensorial / neurônios espelho. De acordo com o modelo clássico de Attkinson & Shiffrin (1971 apud Sternberg, 2000) a memória pode ser processada de di- versas maneiras: (1) armazenamento sensorial, períodos de tempo muito breves, (2) arma- zenamento de curto prazo, e (3) armazenamento de longo prazo. Baddeley e Hitch (1974 apud Werke 2008) propuseram o modelo de memória operacional que compreenderia e substituiria o conceito clássico de memória de curto prazo. O conceito memória sensorial pode ser revisto e ampliado a partir das pesquisas de Rizzolatti (2004) sobre neurônios espelho. No trabalho de percepção musical a imitação é uma ferramenta fundamental para o processo de aprendizagem. Cada tipo de memória pode ser desenvolvido por meio de um tipo específico de imitação que irá promover uma forma de processamento da informação musical. São propostas as denominações de imitação longa relacionada à memória de longa duração; imitação curta, relacionada à memória de curta duração, imi- tação operacional relacionada à memória operacional e imitação espelho relacionada ao funcionamento de neurônios espelho. O trabalho demonstrou a potencialidade de se con- ceber a imitação como ferramenta para o desenvolvimento da memória no contexto da percepção musical. Memória e Imitação A percepção musical pode considerar tanto os aspectos fiscos da vibração dos sons quanto os complexos processos de identificação e significação de eventos sonoros que possam ser semanticamente considerados como música. O processo cognitivo da percepção musical acontece mediado pela duração temporal das informações apresentadas e em conseqüência pelas formas como a memória atua no registro e processamento das informações auditivas. A abordagem tradicional do ensino de percepção centrado no conteúdo musical pressupõe que o aluno deva memorizar trechos musicais para ser capaz de escrever ditados musicais. No entanto, a aborda- gem da percepção musical como processo cognitivo complexo deve observar os di- ferentes tipos de memória que atuam de diversas maneiras durante o processo de identificação e decodificação musical. A partir da análise dos tipos de memórias en- 9

reicardo freire memoria e imitação na percepcao musical

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  • Memria e Imitao na Percepo MusicalRicardo Dourado Freire

    [email protected] de Msica, Universidade de Braslia

    ResumoO processo cognitivo da percepo musical acontece mediado pelas maneiras como amemria atua no registro e processamento das informaes auditivas. A abordagem dapercepo musical como processo cognitivo aceita que a memria pode atuar de diversasmaneiras durante o processo de identificao e escrita musical. O presente artigo tempor objetivo estabelecer uma relao entre os diferentes tipos de memria e propor mo-delos de imitao compatveis com as formas de funcionamento de cada tipo de memriaapresentado: (1) memria de longa durao, (2) memria de curta durao / memria ope-racional e (3) memria sensorial / neurnios espelho. De acordo com o modelo clssicode Attkinson & Shiffrin (1971 apud Sternberg, 2000) a memria pode ser processada de di-versas maneiras: (1) armazenamento sensorial, perodos de tempo muito breves, (2) arma-zenamento de curto prazo, e (3) armazenamento de longo prazo. Baddeley e Hitch (1974apud Werke 2008) propuseram o modelo de memria operacional que compreenderia esubstituiria o conceito clssico de memria de curto prazo. O conceito memria sensorialpode ser revisto e ampliado a partir das pesquisas de Rizzolatti (2004) sobre neurniosespelho. No trabalho de percepo musical a imitao uma ferramenta fundamentalpara o processo de aprendizagem. Cada tipo de memria pode ser desenvolvido pormeio de um tipo especfico de imitao que ir promover uma forma de processamentoda informao musical. So propostas as denominaes de imitao longa relacionada memria de longa durao; imitao curta, relacionada memria de curta durao, imi-tao operacional relacionada memria operacional e imitao espelho relacionada aofuncionamento de neurnios espelho. O trabalho demonstrou a potencialidade de se con-ceber a imitao como ferramenta para o desenvolvimento da memria no contexto dapercepo musical.

    Memria e ImitaoA percepo musical pode considerar tanto os aspectos fiscos da vibrao dos sonsquanto os complexos processos de identificao e significao de eventos sonorosque possam ser semanticamente considerados como msica. O processo cognitivoda percepo musical acontece mediado pela durao temporal das informaesapresentadas e em conseqncia pelas formas como a memria atua no registro eprocessamento das informaes auditivas. A abordagem tradicional do ensino depercepo centrado no contedo musical pressupe que o aluno deva memorizartrechos musicais para ser capaz de escrever ditados musicais. No entanto, a aborda-gem da percepo musical como processo cognitivo complexo deve observar os di-ferentes tipos de memria que atuam de diversas maneiras durante o processo deidentificao e decodificao musical. A partir da anlise dos tipos de memrias en-

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    Anais do VI Simpsio de Cognio e Artes Musicais Internacional, Rio de Janeiro, 2010

  • volvidos no processo e suas relaes com os processos de imitao propostos pos-svel direcionar as prticas de percepo musical realizadas em atividades pedaggi-cas.Os estudos inicias sobre a Psicologia da Msica realizados por Seashore (1938) co-locavam a memria como um dos aspectos fundamentais da aprendizagem.

    O processo de aprendizagem em msica envolve dois aspectos principais: aqui-sio e reteno de informaes e experincias musicais, e o desenvolvimento dehabilidades musicais. Estes dois aspectos podem ser includos no uso comum dotermo memria; assim sendo, ns possumos uma memria consciente, que a capacidade de tornar acessvel a informao e habilidades armazenadas, e tam-bm uma memria subconsciente ou automtica, que um tipo de hbito, de-monstrado nos vrios tipos de habilidades musicais durante a performance.(Seashore, 1938, pag. 149)

    Ao refletir sobre as idias de Seashore podemos verificar que ele prope que naaprendizagem esto presentes a aquisio de informaes musicais, que podem serrealizadas por meio da imitao e a reteno da informao, caracterstica funda-mental da memria musical.De acordo com Costa (1997), a memria auditiva caracteriza-se pela capacidadede ouvir os sons internamente, ou seja, pensar os sons na ausncia de fonte sonora.Seashore (1938) refere-se a esta memria interna a partir do conceito de imaginaomusical (auditory imagery) como a capacidade de ouvir msica na lembrana, notrabalho criativo, e para suplementar os sons fsicos atuais na audio musical. Uti-lizou analogias com os processos de pintura e escultura para exemplificar seu con-ceito. Descreveu tambm que as imagens auditivas operam durante a audio damsica, na reconstruo (recall) da msica ou no processo de criao musical. Gor-don (1997) definiu o processo cognitivo de audio interna a partir da criao deum novo termo terico: audiao (audiation) que acontece quando possvel assi-milar e compreender em nossas mentes, msicas que estejam sendo executadas, queforam executadas no passado, ou para a qual o som no esteja fisicamente presente.Tambm definiu tipos e estgios de audiao que incluem: (1) ouvir, (2) ler, (3) es-crever, (4) lembrar e tocar, (5) lembrar e escrever, (6) criar e improvisar na perfor-mance, (7) criar e improvisar durante a leitura, e (8) criar e improvisar durante aescrita. Lehman, Sloboda e Woody (2007) argumentaram que a performance mu-sical pode ser considerada, principalmente, como uma habilidade mental e no ape-nas uma atividade fsica. Utilizaram o conceito de representao mental como areconstruo interna do mundo externo vinculado s vrias habilidades musicais.Imitao pode ser considerada como um dos procedimentos pedaggicos bsicosutilizados no processo de aprendizagem musical. Processos tradicionais de ensinoinstrumental e vocal, seja em conservatrios europeus ou em culturas de tradiooral, utilizam a imitao de trechos musicais como elemento de aprendizagem. Naabordagem de Edwin Gordon (1997), o autor estabelece o processo de imitao de

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  • padres meldicos e padres rtmicos como elemento fundamental da aprendizagema partir da qual sero estabelecidos os procedimentos de instruo musical.O processo de imitao pode ser abordado de diversas maneiras, desde a imitaode notas individuais, imitao de intervalos musicais (2 notas), imitao de acordes(grupos de trs notas simultneas), imitao de linhas meldicas curtas, imitaode frases musicais, at a imitao de peas musicais completas. No entanto, quaissos as relaes que podem existir entre memria e imitao e de que maneira a es-truturao da imitao contribui na organizao da memria.

    Tipos de MemriaNa rea de msica existem vrias abordagens para o estudo da memria. Principal-mente nos processos de memorizao musical de peas musicais nas quais esto re-lacionados elementos da memria mecnica/cinestsica, memria auditiva, memriavisual e memria analtica. (Costa, 1997)Neste trabalho, ser observada, como referncia inicial, a abordagem da psicologiacognitiva que de acordo com o modelo clssico de Attkinson & Shiffrin (1971 apudStenberg, 2000) a memria pode ser processada de trs maneiras: 1) armazenamentosensorial, 2) armazenamento de curto prazo, e 3) armazenamento de longo prazo.A partir de um estmulo externo a informao pode ser registrada pelo sistema sen-sorial tanto visual quanto auditivo. A partir do registro sensorial, criador de umamemria sensorial, a informao pode ser registrada na Memria de Curta Durao,controlado pelos processos de ensaio, codificao, deciso e estratgias de recupera-o da informao. A fixao permanente da informao ir produzir a Memria deLonga Durao.Baddeley (2004) explica o modelo de memria operacional que pressupe a exis-tncia de um sistema executivo central que gerencia e atua no controle da atenodas aes armazenadas. Este sistema auxiliado pela ala fonolgica ou articulatria(phonological loop) que ter a funo de manter na memria, por poucos segundos,as informaes da linguagem funcional, como um ensaio silencioso das informaesarmazenadas a partir de referncias verbais. O exemplo da ala fonolgica pode serobservada quando uma pessoa repete silenciosamente um nmero de telefone, ouum endereo, por vrias vezes, at ter certeza da memorizao. O esboo vsuo-es-pacial (visuospatial sketchpad), um segundo sistema auxiliar, tm a funo de arma-zenamento temporrio e manipulao de informaes visuais e espaciais. De acordo com Sternberg (2000) a memria sensorial caracterizada pelo armaze-namento rpido que ocorre nos milisegundos seguintes a apresentao de uma in-formao. Funciona como um repositrio inicial, propiciado pelos sentidos, de umconjunto de informaes que sero selecionadas e que ingressam nos armazenamen-tos de curta e longa durao. O conceito de memria sensorial pode ser revisto eampliado a partir das pesquisas de Rizzolatti (2004) sobre neurnios espelho que

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  • identificou em macacos a presena de neurnios com funcionamento especfico paraativar aes musculares so executadas e quando as mesmas aes so apenas obser-vadas ou escutadas, sendo que este funcionamento tambm est presente nos hu-manos. Desta maneira, tornou-se possvel verificar que a mente capaz de realizarrepresentaes mentais de aes fsicas de maneira muito rpida e quase que simul-taneamente enviar estmulos para a reproduo das aes musculares observadas.Gallese e Goldman (2000) realizaram pesquisas sobre neurnios espelho investi-gando as questes de leitura mental de macacos e observaram que a atuao de neu-rnios espelho facilitam a ao de grupos musculares dos sujeitos observadores emrelao aos sujeitos atores. Neste caso, os dados indicam que neurnios espelhopodem funcionar de acordo de uma perspectiva de uma teoria da estimulao naqual os sujeitos observadores conseguem adotar a perspectiva dos sujeitos atores porconseguirem estabelecer um funcionamento cerebral semelhante ao original.O presente artigo tem por objetivo estabelecer uma relao entre os diferentes tiposde memria e propor modelos de imitao compatveis com as formas de funciona-mento de cada tipo de memria apresentado: 1) memria de longa durao, 2) me-mria de curta durao, 3) memria operacional e 4) memria sensorial / neurniosespelho. Neste processo so caracterizadas as maneiras de utilizao dos tipos de me-mria e as formas como estas memrias podem ser usadas nas atividades de percep-o musical. Nesta contextualizao do uso da memria faz-se necessrio articularos tipos de funcionamento da memria e as possibilidades de exerccios de percepomusical.

    Discusso TericaA memria musical atua como um processo de acmulo de informaes que devemser processadas durante o reconhecimento e transcrio de trechos musicais. A me-mria pode funcionar de uma maneira positiva ao criar hierarquias e grupamentosde notas ou de maneira negativa ao interferir na identificao dos elementos musicais.Deutsch (1999) indica que a memria na msica precisa ter o funcionamento deum sistema heterogneo, no qual as vrias subdivises se diferenciam a partir da pr-existncia de elementos que iro reter a informao. Assim, na atividade de percep-o, o funcionamento da memria envolve vrios aspectos que compem essesistema complexo e diversificado de estmulos e processos de decodificao da in-formao. Entre as discusses sobre as similaridades e diferenas entre a memria de curta du-rao e a memria operacional, destacamos alguns estudos. De acordo com Kenrick(1994, p. 220 apud Engle et al.2000) a memria de curta durao usada para reterinformaes por perodos curtos. No entanto, a definio de memria operacionalrefere-se a um construto mais complexo, definido como um conjunto de elementosda memria ativados aos processos centrais de execuo (Cowan apud Engle et al.2000).

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  • Os conceitos tradicionais de memria esto sendo revistos atualmente com novaspropostas de construtos tericos. Ericsson e Kintsch (1995) apresentam estudospropondo a necessidade de ampliar o conceito de memorial operacional para situa-es de longo prazo. A partir da anlise dos processos cognitivos presentes na leiturae compreenso de textos, performance de alto nvel e na atividade de jogadores avan-ados de xadrez, os autores refletem sobre os processos de armazenamento de infor-maes que precisam ser constantemente acessadas para realizao de tarefascomplexas. Em atividades que exigem percia, a aquisio de habilidades de mem-ria permitem que informaes importantes sejam armazenadas na memria de longadurao e acessadas pela memria de curto prazo (Ericsson e Kintsch, 1995).Na rea de msica, Mariana Werke (2008) investigou se a memria operacional capaz de lidar igualmente com sons verbais (nmeros e pseudopalavras) e no-ver-bais (tons).O estudo observou indcios de que material meldico tem caractersticasdiferentes do material verbal, pois a manipulao de seqncias meldicas na me-mria operacional parece ser mais difcil do que a manipulao de seqncias verbaispara os trs grupos experimentais. Os resultados indicam que pode existir uma alafonolgica exclusiva para o contedo musica e indica demonstra so necessriasnovas pesquisas para caracterizar melhor as condies em que sequncias meldicasso armazenadas e manipuladas na memria operacional. A hiptese da existnciade uma ala musical, ou o treinamento de uma operao musical, permite a elabo-rao de atividades que possam se beneficiar de um funcionamento rpido ao acessodas informaes musicais.Overy e Molnar- Szakacs (2009) propuseram que os neurnios espelho podem estarativos em situaes musicais como uma sequncia de aes motoras que precedemos sinais musicais, e que o sistema humano de neurnios espelho permite a co-re-presentao e troca de experincias entre msico e audincia. Neste contexto, foiproposto que a imitao, a sincronizao, e o compartilhamento de experinciaspodem ser elementos que promovam o sucesso na realizao de atividades musico-terpicas e com crianas com necessidades especiais. Neste caso, o funcionamentode neurnios espelho permite uma comunicao direta entre os participantes doprocesso, atividades de espelhamento permitem trocas significativas entre os parti-cipantes das experincias musicais, valorizando aspectos sociais e afetivos envolvidosno processo.Em trabalho anterior, Freire (2008) investigou a relao da imitao em tempo-real,e as imitaes simultneas de atividades musicais que foi caracterizada, a princpio,como ao simultnea que aps reviso ser considerada como uma atividade espe-lho:

    O processo de Ao Simultnea (espelho) est presente em vrias atividades co-letivas, de uma forma direta e produtiva para lderes e participantes de gruposmusicais ou de atividades esportivas. Uma aula de ginstica aerbica um bom

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  • exemplo de uma situao em que os participantes conseguem seguir em temporeal, as indicaes dos movimentos corporais do professor de educao fsica.Nestas aulas, o movimento observado e repetido simultaneamente com a m-sica, sendo que o estmulo visual do professor observado, copiado e reproduzidocomo em um espelho ao mesmo tempo em que apresentado pelo instrutor.Nesta situao, o estmulo visual o fator que permite a ao simultnea entreos movimentos dos instrutores e os movimentos dos alunos. Um Coral de Leigos um bom exemplo de situao musical na qual as pessoas conseguem acompa-nhar a performance musical, mesmo sem saber a leitura musical. Nesta situaoos participantes seguem as indicaes musicais do regente e os lderes de naipe,ouvindo, olhando os movimentos labiais, seguindo a letra da msica, sendo quemuitas partes da msica no esto memorizadas e necessitam de exemplos musi-cais (colegas, piano, instrumentos, regente) para que as pessoas possam acompa-nhar e participar da performance musical. (Freire, 2008)

    Resultados O processo de imitao consiste na repetio de uma determinada informao. Notrabalho de percepo musical a imitao uma ferramenta fundamental para o pro-cesso de aprendizagem. Cada tipo de memria pode ser trabalhada por meio de umtipo especfico de imitao que ir promover uma forma de processamento da in-formao musical. Desta maneira so propostas as categorias: imitao longa, rela-cionada memria de longa durao; imitao curta, relacionada memria decurta durao; imitao operacional, relacionada memria operacional e imitaoespelho, relacionada ao funcionamento de neurnios espelho. (Fig. 1)

    Figura1 Correlao entre tipos de memria e tipos de imitao

    A imitao longa, relacionada memria de longo prazo, pode ser trabalhada pormeio de atividades nas quais os sujeitos possam memorizar trechos musicais longos,aps diversas audies, e tentar decodificar verbalmente por meio de solfejo, outranscrever os trechos musicais. (Fig. 2) A caracterstica deste tipo de imitao estem permitir uma viso do contexto musical de maneira completa, de forma que osujeito possa descobrir os detalhes a partir do todo. Neste contexto, a aprendizagemocorre da macroestrutura para a microestrutura.

    Memria de Longo Prazo Imitao LongaMemria de Curto Prazo Imitao Curta

    Memria Operacional Imitao OperacionalMemria Sensorial/Neurnios Espelho Imitao

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  • Figura 2 Atlntico (Ernesto Nazareth Domnio Pblico) Trecho para imitao longa.

    A imitao curta, vinculada memria de curto prazo, pode ser trabalhada pormeio de atividades nas quais os sujeitos podem memorizar trechos musicais curtos,aps poucas audies, e tentar decodificar verbalmente por meio de solfejo, ou trans-crever os trechos musicais. (Fig. 3) Neste caso, os trechos a serem imitados so decurta durao (um ou dois compassos) e cada trecho pode ser imitado vrias vezesantes de outro trecho ser apresentado. Neste caso a ao de ouvir e imitar trechoscurtos refora a memria de curta durao, que a partir do armazenamento de di-versos trechos pode construir uma memria de longa durao.

    Figura 3 Atlntico (Ernesto Nazareth DP) Trecho para realizao de exerccios de imitao curta.

    As memrias de longo e curto prazo so tradicionalmente trabalhadas em atividadesde percepo musical, sejam em ditados ou em procedimentos que msicos popu-lares e eruditos usam para aprender novas msicas a partir de gravaes. A memriaoperacional apresenta caractersticas distintas das anteriores, pois faz-se necessrioacessar e relacionar pequenas quantidades de informao que sero trabalhadas emtempo real. Por exemplo, quando um violonista acompanha de ouvido uma msicanova, ele necessita ouvir e memorizar partes da melodia e ao mesmo tempo criar re-cursos para verificar qual o acorde dever ser utilizado. Esta complexa operao damemria de trabalho processada pelo sistema executivo central ao lidar com o ar-mazenamento de informaes novas (melodia) e sua relao com um conhecimentoadquirido (acordes) a partir da ateno do material sonoro, capacidade de resumirmelodias e planejamento das opes harmnicas. A imitao operacional pode sertrabalhada a partir da repetio de pequenos grupos de trs ou quatro notas, queprecisam ser imitados imediatamente, para que as informaes sejam mantidas ouensaiadas mentalmente. A imitao operacional se diferencia da memria de curtoprazo por depender da repetio imediata e da relao entre as informaes que estosendo armazenadas em tempo real. Outro exemplo de atividade de imitao opera-

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  • cional a diviso de um trecho musical em pequenos motivos que podem ser apre-sentados em rpidas sequncias. (Fig. 4)

    Figura 4 Atlntico (Ernesto Nazareth DP) Trecho para ser realizado como imitao operacional

    A caracterstica dos neurnios espelho promover uma imitao imediata, ou es-pelhada, da atividade principal. A ao e imitao ocorrem quase que simultanea-mente, pois a imitao ocorre fraes de segundo aps a ao principal. Por exemplo,quando uma pessoa tenta cantar uma msica que no conhece com outra pessoa queesteja cantando. A pessoa tenta acompanhar a outra cantando um pouco depois emuitas vezes completando as frases j iniciadas. Esta atividade pode ser adaptadapara atividades de percepo musical, quando uma linha musical apresentada,sendo imitada imediatamente. Neste caso uma nota precisa ser realizada e imitadaantes da nota seguinte. (Fig. 5) Na imitao espelho a aprendizagem ocorre a partirda microestrutura, da identificao de cada nota apresentada. A princpio, neces-srio uma curta frao de segundo antes da imitao, mas o tempo de resposta podeser reduzido consideravelmente a partir de um treinamento progressivo. Pode-se ca-racterizar que a funo da imitao espelho seja uma ao que permite a interaomusical em tempo real cujo estmulo e resposta musicais ocorrem to rpido de ma-neira que sejam percebidos como uma reverberao sonora, ou seja, algo semelhanteao efeito de delay de aparelhos de amplificao.

    Figura 5 Atlntico com valores aumentados (Ernesto Nazareth DP) Trecho para ser realizado como imitao espelho

    A relao entre memria e imitao pode direcionar o trabalho pedaggico de per-cepo musical com sujeitos de diversas idades. A escolha de um tipo de imitao,que implica no uso de um determinado tipo de memria, possibilita compreendermelhor qual o modo de aprendizagem envolvido nas diferentes atividades.

    ConclusoEsta pesquisa demonstrou a potencialidade de se conceber a imitao como ferra-menta estratgica para o desenvolvimento da memria no contexto da percepo

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  • musical. Cada tipo de memria pode ser trabalhada por meio de um tipo de imitao,que ir promover uma forma especfica de processamento da informao musical. Aimitao de trechos longos, com 4 a 8 compassos, refora o uso da memria de longadurao enquanto a repetio de frases musicais de dois a quatro compassos utilizaa memria de curta durao. Em casos nos quais so apresentados padres musicaisde quatro a seis notas, imitados logo em seguida, estar usando a memria opera-cional. O uso da memria sensorial/neurnios espelho, por meio da imitao espe-lho, que tenta reproduzir simultaneamente a informao apresentada. O uso deestratgias diversificadas de imitao permite a articulao entre os modos de assi-milao da informao musical e seu processamento pelos diferentes tipos de memria.

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