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Reinaldo Rossano Alves DIREITO PROCESSUAL PENAL Niterói, RJ 2011 Atualização

Reinaldo Rossano Alves - Direito Processual Penal - Atualização - Cap. 9 - Das prisões e das outras medidas cautelares alternativas à prisão (2011)

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Reinaldo Rossano Alves

DIREITOPROCESSUAL

PENAL

Niterói, RJ2011

Atualização

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Capítulo 9

Das Prisões e Das Outras MeDiDas Cautel ares

alternativas à PrisãO

Prisão é a privação da liberdade, restringindo-se o direito de ir e vir.Reconhecem-se várias espécies de prisão no ordenamento jurídico pátrio.

Inicialmente, existe a prisão penal que, em virtude do princípio constitucional da presunção de inocência (não culpabilidade), decorre de uma sentença condenatória irrecorrível. Cumpre lembrar que parcela considerável da doutrina e da jurisprudência, ainda hoje, admite a execução provisória de pena quando o recurso interposto contra decisão condenatória não tenha efeito suspensivo. Aliás, este é o teor da ainda vigente Súmula nº 267 do Superior Tribunal de Justiça, verbis: “A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão.”

Por sua vez, Eugênio Pacelli assevera que:em casos excepcionais (embora não sejam tão raros os exemplos concretos), em que não haja qualquer dúvida quanto à autoria e à materialidade – confissão livre e espontânea em juízo, testemunhos claros e coerentes, ausência de prova da defesa etc. – e, menos ainda, quanto à classificação do crime, ou seja, quanto às questões de fato e de direito, não se deveria trancar em definitivo a possibilidade de execução provisória. O Direito, mesmo enquanto conjunto de regras, há que se manter aberto às exceções, inerentes à complexidade do mundo da vida e à diversidade histórica.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal, em decisão Plenária tomada por maioria (7 de seus 11 ministros) no julgamento do HC 84.078/MG, concedeu a ordem para permitir ao paciente o direito de recorrer em liberdade mesmo nas instâncias especial e extraordinária. Ou seja, só é constitucional a prisão antes do trânsito em julgado da sentença caso esteja revestida pelo periculum libertatis, evidenciando-se a sua natureza cautelar.

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Deste modo, o STJ passou a afastar a Súmula nº 267, não permitindo mais a execução provisória da pena:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS SEM EFEITO SUSPENSIVO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA NÃO CULPABILIDADE. DECISÃO DO PLENÁRIO DO STF. ORDEM CONCEDIDA.‘Ofende o princípio da não culpabilidade a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvada a hipótese de prisão cautelar do réu, desde que presentes os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP' (Informativo STF nº 534).2. Sendo decisão do Plenário do STF, a fidelidade ao enunciado sumular nº 267/STJ não se justifica, porquanto somente traria ônus ao paciente.3. Ordem concedida para determinar a expedição de alvará de soltura em favor do paciente, a fim de que permaneça em liberdade até o trânsito em julgado da condenação, sem prejuízo de que venha a ser decretada a custódia cautelar, com demonstração inequívoca de sua necessidade.(HC 126.577/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 04/06/2009, DJe, 17/08/2009.)

PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. APELAÇÃO DO RÉU. EXECUÇÃO DA PENA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ORIENTAÇÃO DO PRETÓRIO EXCELSO.I – O Plenário do c. Pretório Excelso, no julgamento do HC 84.078/MG, ocorrido em 05/02/2009, concluiu que 'ofende o princípio da não culpabilidade a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvada a hipótese de prisão cautelar do réu, desde que presentes os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP' (Informativo STF nº 534).II – In casu, o paciente requer a concessão da ordem para expedição de salvo-conduto a fim de que não perca sua liberdade em caso de não deferimento do efeito suspensivo aos recursos extraordinários interpostos.Ordem concedida.(HC 126.746/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 21/05/2009, DJe, 03/08/2009.)

A nosso ver, a execução provisória da pena é algo não recepcionado pela Constituição Federal de 1988, pois afronta o princípio da presunção da não culpabilidade. Ora, do que adianta a Carta Magna prever que ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória se

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permite a execução da pena antes mesmo desse momento. Portanto, em nosso entendimento, só é possível a imposição de pena após o trânsito em julgado da sentença condenatória, pouco importando a ausência de efeito suspensivo aos recursos interpostos, ou as matérias neles tratadas, pois existem questões de ordem pública que podem ser conhecidas de ofício e consequentemente acarretarem a absolvição (ou não condenação) do acusado.

Esta, inclusive, é a inteligência da nova redação do art. 283 do Código de Processo Penal, dada pela Lei nº 12.403, em vigor a partir de 4 de julho de 2011, verbis:

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva (grifos nossos).

A questão, entretanto, está longe de ser pacificada. Sobre o tema, consulte item 13.8.2.3.

Na esfera civil, proíbe-se, em regra, a prisão por dívida, só sendo cabível, conforme disposição constitucional (art. 5º, LXVII, da CF), nos casos do devedor de pensão alimentícia (Lei nº 5.478/1968, art. 733, § 1º, CPC); e do depositário infiel. Cumpre observar que o Supremo Tribunal Federal não mais admite a prisão por dívida do depositário infiel, nos exatos termos da Súmula Vinculante nº 25, verbis: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.”

Existe também a chamada prisão administrativa. Discute-se se esta teria sido recepcionada pela nova ordem constitucional. Na legislação, anterior à CF de 1988, havia previsão, no Código de Processo Penal, de prisão administrativa contra o remisso ou omisso na entrega aos cofres públicos de valores a seus cuidados e contra estrangeiro desertor de navio de guerra ou mercante em porto nacional (art. 319 do CPP – redação anterior à Lei nº 12.403/2011). Importante registrar, porém, que os casos de prisão administrativa previstos no art. 319 do CPP foram eliminados do nosso ordenamento jurídico após a Lei nº 12.403/2011.

Por sua vez, existe a prisão administrativa contra o estrangeiro até que seja finalizada a sua deportação, expulsão ou extradição (Lei nº 6.815/1980, arts. 61, 69 e 81). Neste caso, a prisão é vista como regra, porquanto constitui condição de procedibilidade do processo de deportação, expulsão ou extradição, sendo decretada administrativamente. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal,

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em decisões recentes, vem admitindo de maneira excepcional, nos casos de extradição, a liberdade provisória ao estrangeiro. Nesse sentido, confira: Ext 1.178, Rel. Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 10/06/2010, DJe-200, divulg. 21/10/2010, public. 22/10/2010, ement. vol. 02.420-01, p. 00001; Ext 1.035 AgR, Rel.ª Ministra Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 17/12/2009, DJe-035, divulg. 25/02/2010, public. 26/02/2010, ement. v. 02.391-03, p. 00838, LEXSTF, v. 32, nº 375, 2010, p. 235-246.

Cumpre lembrar, ainda, que a prisão decorrente de transgressão disciplinar não deixa de ter natureza administrativa. Ademais, a prisão em flagrante, após a Lei nº 12.403/2011, conforme se verá a seguir, passou a ter natureza exclusivamente administrativa.

A CF prevê, ainda, a prisão cautelar constitucional nos casos de estado de defesa e de sítio, em seus arts. 136 e 139.

Além das espécies referidas acima, há as prisões cautelares, também chamadas de processuais ou provisórias, porquanto existentes a bem do processo, restringindo-se a liberdade do réu, a fim de que seja garantida a aplicação do jus puniendi. Até as Leis nº 11.719/2008 e nº 11.403/2011, reconheciam-se como cautelares as prisões em flagrante, temporária, preventiva, e as decorrentes de pronúncia e da sentença condenatória pendente de recurso. Com exceção da primeira (flagrante), as demais só são efetuadas mediante ordem judicial competente, consubstanciada em um mandado de prisão (art. 285 do CPP).

No entanto, a partir da vigência da Lei nº 11.719/2008 as prisões decorrentes de pronúncia e de sentença condenatória recorrível deixaram de existir, sendo substituídas pela prisão preventiva. A conclusão decorre da redação do parágrafo único do art. 387 do CPP, dada pela Lei nº 11.719/2008, in verbis:

Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória:[...]Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.

Perceba que a redação do dispositivo em tela é clara ao determinar que o magistrado, ao condenar o acusado, decida sobre a imposição de “prisão preventiva” e não acerca de “prisão decorrente de sentença condenatória recorrível”. Ficaram afastadas, deste modo, as prisões decorrentes de

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pronúncia e de sentença condenatória passível de recurso. Portanto, após 2008, restaram no ordenamento jurídico pátrio somente, como prisões cautelares, a prisão em flagrante, a preventiva e a temporária.

É fato, todavia, que, após a CF de 1988, as prisões revogadas pela Lei nº 11.719/2008, só se mantiveram no direito pátrio sob a natureza cautelar, e não como efeito automático da respectiva decisão, sujeitando-se aos requisitos da prisão preventiva. Por essa razão, nesta edição, mantivemos as considerações acerca das prisões decorrentes de pronúncia e de sentença condenatória recorrível (item 9.2.3), por acreditarmos que a alteração, em essência, foi de mera terminologia.

A Lei nº 12.403/2011 deu nova roupagem à prisão em flagrante, eliminando a sua natureza cautelar, pois, conforme se verá, a segregação decorrente do flagrante só será mantida se for convertida em prisão preventiva, na forma preconizada pelo novo art. 310, inc. II, do CPP. O flagrante, assim, passa a ter cunho exclusivamente administrativo.

Portanto, atualmente, constituem prisões cautelares a prisão preventiva e a temporária.

As prisões cautelares caracterizam-se pela acessoriedade, preventividade, instrumentalidade e provisoriedade. São acessórias, pois se subordinam à decisão do processo principal. Preventivas, porque são determinadas para se evitar danos ou prejuízos à justiça. Entende-se por instrumentalidade a necessidade, ao menos, hipotética, de haver a qualidade do direito ou pretensão do autor como probabilidade, e não mera possibilidade de êxito, ou seja, a medida cautelar serve, hipoteticamente, para se atingir a pretensão principal. Além disso, a prisão cautelar é provisória, vigendo até o resultado do processo principal, ou até mesmo antes, quando não mais se fizer necessária.

São, ainda, revestidas pela excepcionalidade, conclusão inarredável que decorre da leitura do inc. LXVI do art. 5º da CF de 1988, segundo o qual “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. Atenta ao dispositivo constitucional, a Lei nº 12.403/2011 buscou colocar a prisão cautelar no seu devido lugar, assegurando que, em regra, o cidadão deve responder ao processo em liberdade e, só de maneira excepcional, terá sua liberdade cerceada antes do trânsito em julgado da condenação.

Nesse contexto, a novel norma, no art. 319 do CPP, criou várias medidas cautelares alternativas à prisão, a qual só poderá ser decretada se aquelas se mostrarem inadequadas ou insuficientes, conforme passam a dispor os §§ 4º e 6º do art. 282, e o parágrafo único do art.312, todos do CPP.

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Em princípio, qualquer pessoa pode ser presa provisoriamente. No entanto, em alguns casos, não é possível a decretação da prisão cautelar. É o que ocorre com os menores de 18 anos e os agentes possuidores de imunidade diplomática, bem como com o Presidente da República, o qual, por força do art. 86, § 3º, da CF, somente pode ser preso após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Não podem, desse modo, ser presos preventivamente, temporariamente ou mesmo em flagrante.

Por sua vez, os membros do Congresso Nacional (art. 53, § 1º, CF) e deputados estaduais e distritais (art. 27, § 1º, CF), somente podem ser presos em caso de flagrante por crime inafiançável, possuindo a prerrogativa de, desde a expedição do diploma, não serem presos em razão de outra prisão cautelar. Impossível, assim, a prisão preventiva ou temporária dessas autoridades.

A seu turno, magistrados (art. 33, II, LOMAN) e membros do Ministério Público (art. 40, inc. III, LOMP) somente podem ser presos por ordem judicial escrita ou em caso de flagrante por crime inafiançável. Ou seja, podem ser presos preventivamente ou temporariamente, mas, em flagrante, só por delito inafiançável.

Os advogados (art. 7º, § 3º, Lei nº 8.906/1994) somente podem ser presos por atos praticados no exercício da sua função, em razão de flagrante por crimes inafiançáveis.

Registre-se, ainda, que ao condutor de veículo, nos casos de acidentes de trânsito de que resulte vítima, não se imporá a prisão em flagrante, nem se exigirá fiança, se prestar pronto e integral socorro àquela (art. 301 da Lei nº 9.503/1997).

Do mesmo modo, no âmbito das infrações de menor potencial ofensivo, ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança (art. 69, parágrafo único, Lei nº 9.099/1995).

Algumas pessoas (art. 295 do CPP), em razão de seu cargo ou da função exercida, gozam da prerrogativa de prisão especial que consiste no recolhimento em quartéis ou em local distinto do da prisão comum. Trata-se de prerrogativa que só permanece antes da condenação definitiva. Ou seja, aplica-se às prisões cautelares e não à que decorre de uma condenação irrecorrível. No entanto, se o preso era, ao tempo do fato criminoso, funcionário da administração da justiça criminal (juiz, MP, DP, policiais civis ou militares etc.) ficará em dependência separada mesmo após a condenação definitiva, de acordo com o § 2º do art. 84 da Lei nº 7.210/1984. Importante notar, ainda,

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que a Lei nº 12.403/2011 afastou a prisão especial deferida aos jurados na antiga redação do art. 439 do CPP. Agora, porém, a função de jurado, embora constitua serviço público relevante e estabeleça presunção de idoneidade moral, não mais assegura prisão especial.

Cabe destacar, ainda, a prisão provisória domiciliar prevista na Lei nº 5.256/1967, a nosso ver, ainda em vigor. Com efeito, nas localidades em que não houver estabelecimento adequado ao recolhimento dos que tenham direito à prisão especial, o juiz, considerando a gravidade das circunstâncias do crime, ouvido o representante do Ministério Público, poderá autorizar a prisão do réu ou indiciado na própria residência, de onde o acusado não poderá afastar-se sem prévio consentimento judicial. Trata-se de um benefício maior até do que a prisão especial. Porém, tendo em vista a nova redação do § 2º do art. 295 do CPP (“§ 2º Não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento”) a incidência da prisão domiciliar provisória ficou bastante restrita.

No tocante aos advogados, porém, a jurisprudência do STF firmou a orientação de que possuem a prerrogativa de serem recolhidos, até o trânsito em julgado da condenação, em sala de Estado-Maior, nos termos do art. 7º, inc. V, da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia), e, não sendo possível, ou não existindo dependências definidas como tal, de lhes ser concedido o direito de prisão domiciliar. Nesse sentido: HC 96.539, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 13/04/2010, DJe-081, divulg. 06/05/2010, public. 07/05/2010, ement. v. 02.400-02, p. 00402, LEXSTF, v. 32, nº 377, 2010, p. 321-326; HC 91.150/SP, Rel. Ministro Menezes Direito, DJ, 31/10/2007, p. 091; HC-AgR 82850/SP, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJ, 28/09/2007, p. 00065. A questão, contudo, não está pacificada, conforme se vê, no julgamento das Reclamações nº 5826/PR e nº 8853/GO, Rel.ª Ministra Cármen Lúcia, 19/08/2010, ainda não finalizado, por força de pedido de vista do Ministro Dias Toffoli, verbis:

Informativo nº 596 – Reclamação e Sala de Estado-Maior – 1O Tribunal iniciou julgamento de duas reclamações ajuizadas por advogados em que se alega afronta à autoridade da decisão proferida nos autos da ADI 1.127/DF (DJE, 11.06.2010), em que reputado constitucional o art. 7º, V, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – EOAB, na parte em que determina o recolhimento dos advogados, antes de sentença transitada em julgado, em sala de Estado-Maior e, na sua falta, em prisão domiciliar. A Ministra Cármen Lúcia, relatora, julgou procedentes as reclamações, para assegurar o cumprimento da norma prevista no art. 7º, V, da Lei nº 8.906/1994 tal como interpretada pelo Supremo, devendo ser os reclamantes transferidos para uma sala

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de Estado-Maior ou, na ausência dela, para a prisão domiciliar, até o trânsito em julgado da ação penal. Considerou que um dos advogados estaria preso numa cela especial do Centro de Operações Especiais da Capital, no Paraná, a qual, não obstante dotada de condições dignas, não constituiria uma sala com características e finalidades estabelecidas expressamente pela legislação vigente e acentuadas pela jurisprudência deste Tribunal. Citou, no ponto, o que decidido na Rcl 4.535/DF (DJU, 15/06/2007) quanto à caracterização de sala de Estado-Maior, ou seja, entendendo por Estado-Maior o grupo de oficiais que assessoram o Comandante de uma organização militar (Exército, Marinha, Aeronáutica, Corpo de Bombeiros e Polícia Militar), a sala de Estado-Maior seria o compartimento de qualquer unidade militar que, ainda que potencialmente, pudesse por eles ser utilizado para exercer suas funções. Acrescentou que, segundo decidido naquela reclamação, a distinção que se deveria fazer é que, enquanto uma cela teria como finalidade típica o aprisionamento de alguém — e, por isso, de regra conteria grades —, uma sala apenas ocasionalmente seria destinada para esse fim. Além disso, o local deveria oferecer “instalações e comodidades condignas”, isto é, condições adequadas de higiene e segurança.No que se refere ao outro advogado, a favor do qual já fora deferida medida cautelar para garantir-lhe transferência para prisão domiciliar até o julgamento definitivo da reclamação, observou que ele estaria preso numa cela individual, no CIOPS da cidade de Valparaíso de Goiás, não havendo sala de Estado-Maior naquela Comarca. Afastou, quanto a este, ademais, óbice à concessão do aludido benefício, pela alegada falta de comprovação de que, à época do fato delituoso, o reclamante não exercia efetivamente a advocacia. Quanto a isso, a relatora disse que verificara, em consulta no sítio da OAB, o nome do reclamante, seu número de inscrição e a situação de normalidade de seu registro. Em divergência, a Ministra Ellen Gracie julgou improcedentes as reclamações. Aduziu que a ADI cuja conclusão se reputaria agredida não poderia ser considerada nessa estreiteza de colocação, qual seja, a de que uma sala de Estado-Maior só se localizaria necessariamente dentro de um quartel, haja vista que isso implicaria confusão entre conteúdo e continente. Afirmou que o Estado-Maior, que é o conjunto de oficiais, não funcionaria exclusivamente dentro de quartéis, mas se deslocaria junto com a tropa, instalando-se em qualquer local em que houvesse um quadro de operações militares. Destacou que o ponto decisivo de distinção estaria na diferenciação entre o que seria uma cela, fechada por barras e trancas, e aquilo que não corresponderia a uma cela, mas sim a uma sala, onde eventualmente poderiam desenvolver as suas atividades oficiais de Estado-Maior, ou seja, salas dotadas de comodidades e conforto, nas quais o advogado tivesse garantida a sua dignidade pessoal.

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O Ministro Ayres Britto acompanhou parcialmente a relatora, para assegurar aos advogados sua transferência para uma sala de unidade militar, e asseverou que o estabelecimento militar teria obrigação de cumprir a decisão da Corte. Ressaltou não mais existirem atualmente as salas de Estado-Maior, do ponto de vista físico, e que uma sala em unidade castrense, com condições condignas de comodidade, cumpriria, hoje, o desígnio protetor da lei. O Ministro Ricardo Lewandowski, também registrando a inexistência de salas de Estado-Maior no Brasil, e julgando a expressão “Estado-Maior” anacrônica, acompanhou a Ministra Ellen Gracie. Após, pediu vista dos autos o Ministro Dias Toffoli. Por fim, o Tribunal, por maioria, indeferiu habeas corpus de ofício em favor do advogado que se encontra preso no Paraná, contra os votos da relatora e do Ministro Marco Aurélio.(Rcl 5826/PR, rel. Ministra Cármen Lúcia, 19/08/2010.Rcl 8853/GO, rel. Ministra Cármen Lúcia, 19/08/2010.)

Veja que a questão no STJ também é polêmica, sendo mister destacar as seguintes decisões:

PROCESSUAL PENAL. ADVOGADA. SALA DE ESTADO-MAIOR OU, NA SUA FALTA, PRISÃO DOMICILIAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA.I – O inc. V do art. 7º da Lei nº 8.906/1941, que teve sua constitucionalidade confirmada em julgamento realizado pelo Pretório Excelso, assegura aos advogados presos provisoriamente o recolhimento em sala de Estado-Maior ou, na sua falta, em prisão domiciliar (Precedentes).II – No entanto, encontrando-se a paciente em cela especial individual, com instalações e comodidades condignas, que cumpre a mesma função da sala de Estado-Maior, não resta configurado qualquer constrangimento ilegal na segregação cautelar (Precedentes do STF e desta Corte).Habeas corpus denegado.(HC 149.056/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 27/05/2010, DJe, 30/08/2010).HABEAS CORPUS. PRETENSÃO DE RECOLHIMENTO A SALA DO ESTADO MAIOR. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O ACUSADO, À ÉPOCA DOS FATOS, EXERCESSE A ADVOCACIA.1. A Lei nº 8.906/1994 garante aos advogados, enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória, o direito de "não ser recolhido preso, senão em sala de Estado-Maior e, na sua falta, em prisão domiciliar" (art. 7º, inc. V).

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2. Entretanto, além de estar regularmente inscrito na OAB, deve o acusado efetivamente exercer a advocacia à época dos fatos, para que faça jus à benesse legal. Precedentes.3. Na hipótese, a Corte Estadual afastou a pretensão aqui veiculada sob o fundamento de que o recorrente não exercia aquela função essencial à Justiça. Ao revés, ele estaria à frente de escola de sua propriedade, trabalhando, ainda, na função de professor de informática.4. De se ver, ademais, que, mesmo após a denegação do writ originário, não cuidou a defesa de trazer aos autos a comprovação do exercício da advocacia.5. Recurso ordinário a que se nega provimento.(RHC 27.152/GO, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 18/11/2010, DJe, 13/12/2010.)

Além disso, a Lei nº 12.403/2011 criou, por razões humanitárias, outra espécie de prisão domiciliar dispondo ser esta cabível nos casos previstos no art. 318 do Código de Processo Penal, quais sejam, quando o agente for maior de 80 (oitenta) anos; extremamente debilitado por motivo de doença grave; imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco (v. item 9.3).

A prisão, em épocas de eleições, observa o disposto no art. 236 da Lei nº 4.737/1965 (Código Eleitoral). Tem-se a seguinte situação: – o eleitor, no intervalo entre 5 dias antes e 48 horas após a eleição, somente poderá ser preso em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto; – o candidato, no intervalo entre 15 dias antes e 48 horas após a eleição, somente poderá ser preso em flagrante delito; e – o membro de mesa receptora e fiscal de partido, durante o exercício de suas funções, não poderão ser presos, salvo em flagrante delito.

A seguir, passa-se ao estudo das espécies de prisões cautelares.

9.1. DA PRISÃO EM FLAGRANTE

A prisão em flagrante é medida administrativa (outrora tida como prisão cautelar) que visa a resguardar a ordem social, servindo de meio preventivo para inibir a prática de outros delitos. Também constitui um expediente facilitador das evidências do fato-crime e relevante elemento de prova, no que toca à culpabilidade. Cuida-se, ainda, de uma exceção à regra de que a prisão só se dá mediante ordem judicial (art. 5º, LXI, CF; art. 282 do CPP), pois

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independe desta providência, podendo ser efetivada por qualquer pessoa. Até a Lei nº 12.403/2011, era vista como espécie de prisão cautelar, sendo mantida no decorrer do processo quando presentes os motivos autorizadores da prisão preventiva. Todavia, com o advento da novel norma, o flagrante não mais subsistirá, devendo o juiz convertê-lo em prisão preventiva, caso decida por manter a segregação (art. 310, inc. II, do CPP), ou, relaxar a prisão, se ilegal, ou conceder liberdade provisória. Assim, a prisão em flagrante agora terá vida efêmera e natureza eminentemente administrativa.

Tem como fundamentos: evitar a fuga do infrator; resguardar a sociedade, dando-lhe confiança na lei; servir de exemplo para outros que porventura venham a delinquir; e preservar as provas colhidas no curso da investigação ou na instrução criminal (Paulo Rangel). Justifica-se, ainda, pela reação social imediata que se deve dar à prática de um delito, e pela necessidade de coleta imediata da prova (Frederico Marques).

Trata-se de um ato complexo, consistente na detenção, voz de prisão, encaminhamento à delegacia, lavratura do respectivo auto e encarceramento. A voz de prisão é a legitimação da detenção, enquanto o encaminhamento para a delegacia serve para a autoridade policial autuar o flagrante, a fim de que seja verificada a legalidade da prisão. Nem sempre, porém, lavrado o auto de prisão em flagrante, haverá o recolhimento do autuado à prisão.

Fala-se, assim, em prisão-captura e prisão-custódia. A primeira refere-se aos três atos iniciais da prisão em flagrante, quando o autuado é detido, recebe voz de prisão e é encaminhado à delegacia. Por sua vez, a prisão-custódia existirá em caso de necessidade de encarceramento do autuado, ou seja, consiste “esta na conservação da prisão para as diversas finalidades do processo” (Romeu Pires de Campos Barros apud Polastri).

Destarte, o delegado de polícia, em um primeiro momento, avalia a legalidade da prisão (prisão-captura) e a necessidade de encarceramento do autuado (prisão-custódia).

Na sequência, a prisão deverá ser imediatamente comunicada ao juízo competente, ao Ministério Público e à família do preso ou pessoa por ele indicada (art. 306 do CPP – redação dada pela Lei nº 12.403/2011). Eventualmente, na hipótese de o preso não informar o nome de seu advogado, também será comunicada da prisão à Defensoria Pública.

Comunicado acerca do flagrante deve o juiz verificar não só a sua legalidade, como também a necessidade de se manter a prisão, avaliando se estão presentes o fumus comissi delicti e o periculum libertatis. Na prática, porém, o exame dos requisitos e, principalmente, dos fundamentos da medida cautelar,

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até meados de 2011, só era realizado pelo juiz no momento de apreciação de medida contra cautelar apresentada pela defesa (pedido de liberdade provisória, com ou sem fiança).

A Lei nº 12.403/2011, entretanto, passa a exigir do magistrado a análise imediata acerca da necessidade da manutenção da prisão já no momento da comunicação do flagrante. É o teor do novo art. 310 do CPP, verbis:

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:I – relaxar a prisão ilegal; ouII – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ouIII – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incs. I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação. (NR)

Deste modo, a segregação só será mantida se presentes os requisitos do art. 312 do CPP, oportunidade em que o juiz converterá o flagrante em prisão preventiva. Caso contrário, o magistrado deverá optar pela concessão da liberdade provisória, com ou sem fiança, na hipótese de prisão legal, ou relaxar a prisão ilegal. Tudo isso, a nosso ver, independentemente de qualquer manifestação do Ministério Público, pois a lei não fez qualquer exigência a esse respeito.

É bom que se diga, contudo, que o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução nº 87, de 15 de setembro de 2009 (alterou a redação do art. 1º da Resolução nº 66/2009), antes mesmo da Lei nº 12.403/2011, já exigia dos juízes criminais a análise da necessidade de manutenção da prisão em flagrante, dispondo que:

Art. 1º Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá, imediatamente, ouvido o Ministério Público nas hipóteses legais, fundamentar sobre:I – a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, quando a lei admitir;

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II – a manutenção da prisão, quando presentes os pressupostos da prisão preventiva, sempre por decisão fundamentada e observada a legislação pertinente; ouIII – o relaxamento da prisão ilegal. [...].

No entanto, era comum, na prática, mesmo diante da aludida resolução, a ausência de análise pelo juiz acerca da necessidade da manutenção da prisão já no momento da comunicação do flagrante, o que só era feito após o pedido de liberdade provisória.

Espera-se, assim, que os juízes cumpram a determinação legal e avaliem não só a legalidade como também a necessidade da manutenção da prisão cautelar.

Por sua vez, observa-se que há uma única diferença entre a Resolução do CNJ e a nova redação do art. 310 do CPP, pois nesta a segregação será mantida pela conversão da prisão em flagrante em preventiva; enquanto naquela tão somente se tinha a “manutenção” da prisão em flagrante, quando presentes os motivos da custódia preventiva.

Mas, sem sombra de dúvidas, ambas as disposições representam um avanço no nosso sistema processual penal, que, na forma da Constituição da República, tem a prisão cautelar como uma exceção, sendo a regra a liberdade.

Em princípio, qualquer pessoa pode ser presa em flagrante. Todavia, há exceções, pois não podem ser presos em flagrante delito: – os diplomatas estrangeiros a serviço de seu país; – o Presidente da República (art. 86, § 3º, CF). Por sua vez, os membros do Congresso Nacional e os deputados estaduais só podem ser presos em flagrante nos crimes inafiançáveis (art. 53, § 2º c/c art. 27, § 1º, CF). Igual situação ocorre com os magistrados e os membros do MP, por força de suas respectivas leis orgânicas.

Impede, ainda, o flagrante a apresentação espontânea à autoridade competente, a chamada “prisão por apresentação”. Cumpre esclarecer, contudo, que o flagrante só será ilegal, na espécie, quando ignorada a autoria do delito, ou se fracassada a perseguição empreendida contra o infrator conhecido. Neste sentido: STF – RT, 616/400; 584/447. Nada impede, porém, a decretação de sua prisão preventiva se presentes os requisitos legais, como, aliás, previa a antiga redação do art. 317 do CPP. A atual ausência de dispositivo legal a esse respeito, todavia, não mudará a posição pretoriana, permitindo-se a prisão preventiva mesmo na hipótese de apresentação espontânea.

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9.1.1. Espécies de Prisão em Flagrante

O termo flagrante provém do latim flagrare, que significa queimar, e de flagrantis, que, no léxico, é evidente, notório, visível, manifesto. Na acepção jurídica, flagrante é, então, uma qualidade do delito, daquele que está acontecendo (queimando), permitindo-se a prisão do autor da infração, ante a certeza visual do crime (Mirabete).

Quanto à pessoa que pratica a prisão, o flagrante pode ser facultativo ou obrigatório (compulsório). O primeiro é aquele levado a cabo por qualquer do povo. Obrigatório é o flagrante efetivado por policiais, no exercício de suas funções.

Atualmente, permite a legislação brasileira (Lei nº 9.034/1995, art. 2º, II) a ação controlada de policiais, que deixam de efetuar a prisão, visando a desmontar a organização criminosa. Trata-se de exceção ao flagrante obrigatório, chamado de flagrante retardado, diferido, prorrogado, postergado ou protelado. Consiste em retardar a interdição policial em casos de delitos praticados por organizações criminosas ou a elas vinculados, desde que mantidas sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações.

A Lei nº 9.613/1998 (Lavagem de Capitais) também o previu quando dispôs que “a ordem de prisão de pessoas ou da apreensão ou sequestro de bens, direitos ou valores, poderá ser suspensa pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata possa comprometer as investigações” (§ 4º do art. 4º).

Do mesmo modo, a Lei nº 11.343/2006, em seu art. 53, inc. II, faculta a não atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.

No que diz respeito ao momento em que é efetuada a prisão, o CPP (art. 302) prevê três modalidades de flagrante, denominadas na doutrina como flagrante próprio (perfeito, real, autêntico ou propriamente dito), quase flagrante (flagrante impróprio ou imperfeito) e flagrante presumido (ou ficto).

O flagrante é próprio (incs. I e II do art. 302) quando o agente está cometendo ou acaba de cometer a infração penal. Exige-se, assim, na primeira hipótese (está cometendo a infração), a certeza visual do delito por parte do condutor, o que pressupõe, necessariamente, a presença de testemunhas na cena do crime.

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Por sua vez, flagrante impróprio (inc. III do art. 302) é o que ocorre quando o agente é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que o faça presumir ser o autor da infração. Neste caso, a pessoa quase (por pouco) foi vista praticando o delito, sendo perseguida logo após o crime.

A perseguição tem que ser incontinente e ininterrupta, sem o que a prisão não estará legitimada. A incontinência (logo após) diz respeito ao fato e não à notitia criminis. Deste modo, não há que se falar em flagrante quando a perseguição, ainda que iniciada imediatamente após a delação, só ocorreu dias depois da data do delito. Com relação à ininterrupção, pouco importa o prazo em que ela aconteça: exige-se apenas que a perseguição não se paralise.

Não há uma definição, na doutrina e na jurisprudência, do que seja a expressão “logo após”. A expressão refere-se ao “tempo vizinho ao crime”. É o prazo entre o fato (e não do seu conhecimento) e a perseguição. É o incontinente. Na verdade, consiste no prazo dado à autoridade policial ou a seus agentes para se deslocarem até o local do crime e iniciar a perseguição, o que exige a análise isolada em cada caso concreto. Isso porque inexiste previsão na CF ou no CPP a respeito do prazo para que possa ocorrer. O que há é o prazo de 24 horas, após a prisão, para a entrega da nota de culpa ao preso, estabelecido no art. 306 do CPP. O certo é que o flagrante subsiste da localização e perseguição contínuas até a efetiva prisão.

Nesse contexto, o prazo de 24 horas para se livrar do flagrante não passa de crença popular, sendo desprovido de fundamento jurídico. A pessoa estará livre do flagrante se a perseguição não se iniciar ou for interrompida. Além disso, como já ressaltado anteriormente, a apresentação espontânea impede o flagrante.

A outra modalidade de flagrante é o presumido, que ocorre quando o agente é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. Difere-se do flagrante impróprio, pois aqui não há o elemento da perseguição. No flagrante presumido, a pessoa é encontrada em situação de flagrância. Exige-se, no entanto, o conhecimento sobre a existência do crime por parte da autoridade policial ou de seus agentes. Ou seja, o encontro dos instrumentos, armas, objetos ou papéis do delito deve ocorrer em razão da busca realizada em torno do suposto autor da infração penal, não necessariamente identificado.

Além disso, observa-se que, no flagrante impróprio, o CPP faz referência à expressão “logo após”; no presumido, o legislador utilizou os termos “logo depois”, que possuem, por certo, uma maior elasticidade em relação à expressão “logo após”. Nesse sentido: HC 34.168/SP, Rel. Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em 31/05/2005, DJ, 19/09/2005, p. 387.

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Com efeito, embora “logo após” e “logo depois” sejam lexicamente expressões sinônimas, esta última dá uma maior margem na discricionariedade da apreciação do elemento cronológico, que pode inclusive se estender do repouso noturno até o dia seguinte, se for o caso. Nesse sentido, o STJ reconheceu a legitimidade da prisão em flagrante na situação em que os agentes foram encontrados algumas horas após o roubo, em circunstâncias suspeitas, aptas a autorizar a presunção de serem os autores do delito, por estarem na posse do automóvel e de objetos da vítima (RT, 771/555). Em outro caso, não se reconheceu a ilegalidade do flagrante presumido quando a vítima veio a ser presa 5 (cinco) horas depois da prática do delito, sendo encontrado com instrumentos do crime. Conforme voto do Ministro Relator, “não influi no corrente caso, para a configuração do flagrante, o fato de a prisão ter sido efetivada após 5 (cinco) horas da ocorrência do delito, haja vista doutrina e jurisprudência reconhecerem uma interpretação elástica à expressão inserida no tipo “logo depois”, mais até do que a prevista no inc. III” (HC 34.168/SP, Rel. Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em 31/05/2005, DJ, 19/09/2005, p. 387).

Observe, a propósito, a seguinte decisão, in verbis:CRIMINAL. HC. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. FLAGRANTE IMPRÓPRIO OU QUASE FLAGRANTE. CARACTERIZAÇÃO. PACIENTE LOCALIZADO LOGO APÓS OS FATOS. PRESUNÇÃO DE AUTORIA VERIFICADA. ORDEM DENEGADA.I – A sequência cronológica dos fatos demonstram a ocorrência da hipótese de prisão em flagrante prevista no art. 302, inc. III, do Código de Processo Penal, denominada pela doutrina e jurisprudência flagrante impróprio, ou quase flagrante.II. Hipótese em que a polícia foi acionada às 05:00 horas, logo após a prática, em tese, do delito, saindo à procura do veículo utilizado pelo paciente, de propriedade de seu irmão, logrando êxito em localizá-lo por volta das 07:00 horas do mesmo dia, em frente à casa de sua mãe, onde o paciente se encontrava dormindo.III – Do momento em que fora acionada até a efetiva localização do paciente, a Polícia levou cerca de 02 (duas) horas, não havendo dúvidas de que a situação flagrancial se encontra caracterizada, notadamente porque foram encontrados os brincos da vítima no interior do veículo utilizado para a prática da suposta infração penal, fazendo presumir que, se infração houve, o paciente seria o autor.IV – Ordem denegada.(HC 55.559/GO, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 02/05/2006, DJ, 29/05/2006, p. 284.)

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Doutrinariamente, reconhecem-se, ainda, outras três espécies de flagrante, ligadas à legalidade da prisão: flagrante provocado (preparado), flagrante esperado, flagrante forjado e flagrante retardado (ou diferido). De fato, quando se fala em flagrantes preparado e forjado, a prisão é ilegal, devendo ser relaxada. Por outro lado, a prisão decorrente de flagrantes esperado e diferido é legítima.

No flagrante provocado (também conhecido como crime de ensaio ou delito putativo praticado por obra do agente provocador), o agente (autor do delito) acredita que possui o domínio do fato, mas na realidade são terceiros que são donos da situação fática. Neste caso, há duas condutas: a primeira, consiste no incentivo (induzimento ou instigação), geralmente realizada pelo emprego de uma isca; a segunda, é o monitoramento da ação do sujeito que torna a consumação do delito impossível. Assim, se a conduta do agente não é eficaz para a obtenção da consumação, há crime impossível, por absoluta ineficácia do meio, em virtude do monitoramento realizado. Deste modo, não há crime, pois tudo não passou de uma armação. Na primeira edição, defendíamos que, neste caso, o DP devia lavrar o auto, deixando de indiciar o autor do fato, por se tratar de crime impossível, e liberá-lo em seguida. Na sequência, deve enviar os autos ao MP. Analisando, porém, mais detidamente a questão, entendemos ser possível até mesmo que a autoridade policial deixe de lavrar o auto, já que a questão se insere na tipicidade do fato, elemento do crime passível de ser analisado pelo Delegado de Polícia.

O crime de ensaio é hipótese de flagrante ilegal, em virtude de ser o fato atípico. A propósito, a Súmula nº 145 do STF dispõe: “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.”

Entretanto, se o ato vier a se consumar, há o crime, pois, na realidade, quem detinha o domínio do fato era o criminoso. Aquele que colocou a isca poderá responder, inclusive, por delito culposo, se previsto em lei. Não havia crime impossível, tanto que o crime chegou a se consumar.

Por sua vez, no caso de delito de tóxicos, sendo o agente induzido a vender a droga por policiais, não há ilegalidade na prisão. Isso porque o crime de tráfico de entorpecentes é de ação múltipla não se restringindo apenas à venda de entorpecentes. Assim, sendo lavrado pela modalidade “venda”, o flagrante é ilegal (flagrante provocado). No entanto, lavrado na modalidade “guardar”, “transportar”, “ter em depósito”, “trazer consigo”, a prisão será válida, pelo fato de o crime já ter se consumado. Conforme decidido na jurisprudência, “não caracteriza a figura do flagrante preparado o artifício usado por agente policial que, se passando por consumidor interessado na aquisição de drogas,

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efetua a prisão do traficante, pois o crime de tráfico de entorpecentes não se configura apenas com o ato de venda de substância tóxica, mas, também, pela simples guarda ou manutenção em depósito” (RT, 763/568).

Há flagrante forjado quando se imputa ao agente uma conduta que não praticou, criando provas falsas de que teria cometido o delito. Há uma criação de um crime que o agente não praticou. A prisão, neste caso, é ilegal, devendo ser relaxada, sem prejuízo da responsabilização penal daqueles que forjaram o flagrante.

Por outro lado, no flagrante esperado, não há a intervenção no desdobramento causal do fato. A atividade policial, na espécie, é apenas de alerta, sem instigar o mecanismo causal da infração, colocando-se em posição de vigilância em virtude de informações de terceiros ou mesmo decorrente de investigação própria. Não há aqui a figura do agente provocador.

9.1.2. Flagrante em Determinadas Espécies Delitivas

Cumpre, ainda, destacar a possibilidade do flagrante em algumas espécies de delitos.

Nos crimes permanentes, enquanto não cessar a permanência, o agente encontra-se em situação de flagrante delito, podendo, deste modo, ser preso (art. 303 do CPP).

No que toca ao crime habitual, parte da doutrina (Capez) considera ser incabível a prisão em flagrante neste tipo de delito, pois o crime só se aperfeiçoa com a reiteração da conduta, não sendo possível se verificar em um único momento isolado. Assim, no instante em que um dos atos componentes da cadeia da habitualidade estiver sendo praticado, não se saberá ao certo se aquele ato era de preparação, execução ou consumação.

A doutrina majoritária, no entanto, entende ser possível a prisão em flagrante no crime habitual quando o infrator é surpreendido na prática do ato e se recolhem, naquele momento, provas cabais da habitualidade. Na jurisprudência, já se reconheceu a legalidade da prisão no caso de rufianismo e casa de prostituição, sob o argumento de que, nos crimes habituais, o flagrante serve apenas para pôr fim a prática de um ato ilícito jurídico (RT, 469/711-2, 490/310).

Quanto ao delito continuado, deve-se ter em mente que, tratando-se de concurso de crimes, existem várias ações independentes, sobre as quais incide, isoladamente, a possibilidade de se efetuar a prisão em flagrante.

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Em relação aos crimes sujeitos à ação penal privada ou pública condicionada, também será cabível a prisão em flagrante, ficando a lavratura do respectivo auto condicionada, no entanto, à solicitação ou à representação do ofendido ou à requisição do Ministro da Justiça, conforme o caso. Ou seja, a prisão-captura só se transformará em prisão-custódia caso a vítima autorize a lavratura do auto de prisão em flagrante.

9.1.3. Auto de Prisão em Flagrante

Preso, o agente deve ser levado imediatamente à presença da autoridade policial para fins de lavratura do respectivo auto de prisão em flagrante. O delegado de polícia avaliará, então, a necessidade de se lavrar o auto, decidindo pela existência ou não do flagrante e do próprio crime.

É possível ser o auto de prisão em flagrante lavrado por juiz com jurisdição penal, exclusivamente na hipótese do art. 307 do CPP. Neste caso, o magistrado não pode funcionar na ação penal, pois se encontra impedido. Caso seja o único juiz na comarca, deve remeter os autos para o magistrado da comarca mais próxima.

O auto de prisão em flagrante, conforme já visto, é peça inicial do inquérito policial, dispensando a portaria da autoridade policial. Possui o auto dois aspectos ou funções: informativo, pois serve de base para a denúncia; e coercitivo, pois é ele quem legitima a prisão.

O auto de prisão em flagrante é um procedimento administrativo extremamente formal e sensível. Exige-se o respeito a uma série de requisitos para que seja mantido em seus aspectos informativo e coercitivo. A bem da verdade, a não observância desses requisitos afasta, via de regra, tão somente a função coercitiva, tornando ilegal a prisão em flagrante que deverá ser relaxada. O auto de prisão em flagrante, no entanto, continuará em seu aspecto informativo.

De fato, a validade do auto requer a observância de determinadas formalidades, sob pena de nulidade, a qual, entretanto, só atinge a prisão que deve ser relaxada, não tendo forças de anular ação penal ou de impedir a continuidade das investigações (JSFT, 223/362; RSTJ, 27/82). Ou seja, havendo o descumprimento nos requisitos para a lavratura, o auto de prisão em flagrante mantém seu caráter informativo, sendo afastado, porém, o seu aspecto coercitivo, para que a prisão seja relaxada.

O auto de prisão em flagrante deve ser lavrado no local da prisão e não no lugar do crime. Porém, se lavrado em outro local (ex: lugar do crime), não há que se falar em nulidade, pois o CPP não trata de competência ratione locci em relação às autoridades policiais, que não exercem função jurisdicional (STJ – RSTJ, 59/1997).

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Com efeito, o auto deverá ser assinado por, no mínimo, duas testemunhas que acompanharam o caso. A jurisprudência admite que o condutor seja computado como testemunha. Portanto, na realidade é necessária a presença de, no mínimo, uma testemunha, para a lavratura do auto. Não havendo testemunhas, justifica-se o motivo da ausência, ouvindo-se duas pessoas que tenham presenciado a apresentação do preso à autoridade (§ 2º do art. 304 do CPP).

Além disso, deve-se observar a seguinte ordem de depoimentos: condutor (pessoa que deu voz de prisão ao infrator) – testemunhas – vítima (se for possível) – autor do fato. A inobservância dessa formalidade causa o afastamento do aspecto coercitivo do auto de prisão em flagrante. Na redação anterior do art. 304 do CPP, o condutor e as demais testemunhas do flagrante só assinavam o termo de sua oitiva ao final da lavratura do auto de prisão em flagrante, fazendo com que passassem, não raras vezes, noites inteiras na delegacia de polícia. A Lei nº 11.113, de 13 de maio de 2005, porém, alterando a redação do art. 304, passou a dispor que a cada oitiva seja assinado o respectivo termo, sendo o flagrante lavrado ao final. Assim, após serem ouvidos e assinarem o termo de seus depoimentos, o condutor e as testemunhas já podem ser liberados pela autoridade, não necessitando aguardar o término da lavratura do auto de prisão em flagrante.

A Lei nº 11.449, de 15 de janeiro de 2007, passou a exigir, dentro do prazo de 24 horas contados da prisão, o encaminhamento do auto de prisão em flagrante ao juiz competente.

Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou a pessoa por ele indicada.§ 1º Dentro em 24h (vinte e quatro horas) depois da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.§ 2º No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e o das testemunhas.(NR)

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A alteração, à época, foi salutar, pois não havia nada estabelecido nem na CF tampouco no CPP a respeito do prazo para a lavratura do auto. O que existia era o prazo de 24 horas após a prisão, previsto no art. 306 do CPP, para a entrega da Nota de Culpa ao preso.

Neste contexto, firmara-se a posição majoritária no sentido de que o auto de prisão em flagrante devia ser lavrado imediatamente ou no prazo máximo para a entrega da nota de culpa, qual seja em 24 horas.

A partir da Lei nº 11.449/2007, porém, o prazo para a lavratura do auto de prisão em flagrante foi positivado no CPP, sendo de 24 horas. É certo, porém, que o prazo para a lavratura não está rigidamente fixado, devendo a autoridade, sob o prisma da razoabilidade, lavrar o auto tão logo possível, sendo ilegal o flagrante lavrado vários dias depois da prisão sem motivo justificável (RT, 554/420, JTACRESP, 70/106).

Demais disso, a partir da mencionada alteração legislativa, o CPP passou a prever a obrigatoriedade, no caso de o autuado não informar o nome de seu advogado, de se encaminhar cópia integral para a Defensoria Pública do auto de prisão em flagrante. A providência tem por objetivo permitir que o autuado possa requerer ao Poder Judiciário, de imediato, o relaxamento da prisão ou a concessão de liberdade provisória, evitando, com isso, que indiciados e acusados permaneçam presos durante a persecução penal, quando não estiverem presentes os motivos da custódia cautelar. Por outro lado, caso venha a ser desrespeitada, acarretará a ilegalidade da prisão.

No entanto, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se no sentido de que a comunicação tardia da prisão em flagrante à Defensoria Pública constitui mera irregularidade que não tem forças para relaxar a prisão. Confira a seguinte decisão:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. NULIDADE DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE. COMUNICAÇÃO TARDIA. MERA IRREGULARIDADE. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO.I – Na linha de precedentes desta Corte, não há que se falar em vício formal na lavratura do auto de prisão em flagrante se sua comunicação, mesmo tendo ocorrido a destempo da regra prevista no art. 306, § 1º, do Código de Processo Penal, foi feita em lapso temporal que está dentro dos limites da razoabilidade (precedentes).II – Trata-se de recorrente preso em flagrante regular, posto que levava consigo cerca de três quilos de cocaína, quando preparava-se para embarcar para Fortaleza, de onde, posteriormente embarcaria para Portugal. Preso em 29/08/2008, sua prisão foi notificada à Defensoria

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Pública em 02/09/2008. Desse modo, em razão da regularidade da prisão em flagrante, entendo que o atraso na comunicação do órgão de defesa constitui-se em mera irregularidade que não tem o condão de ensejar o relaxamento de sua segregação. Ademais, não logrou a defesa a demonstração de prejuízo concreto para o recorrente que pudesse macular o auto de prisão em flagrante. Recurso ordinário desprovido.(RHC 25.633/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 13/08/2009, DJe, 14/09/2009.)

A seu turno, a nota de culpa (art. 306 do CPP), conforme já ressaltado, deve ser entregue ao preso dentro do prazo de 24 horas após a prisão. Visa a esclarecer ao preso o motivo de sua prisão, o nome do condutor e o das testemunhas. Trata-se de verdadeiro direito do preso, pois, de um lado cerceia o abuso de detenções ilegais, e de outro possibilita a sua ampla defesa (RJDTACRIM, 5/166).

Portanto, a ausência da nota de culpa conduz ao relaxamento da prisão, eis que esta se torna ilegal. Porém, não causa a nulidade do auto de prisão em flagrante que poderá servir de base para dar início ao inquérito policial e para lastrear futura denúncia por parte do MP.

A Lei nº 12.403/2011 modificou a redação do art. 306, dispondo que:

Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.§ 1º Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.§ 2º No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas. (NR)

De relevante, a nova redação trouxe a obrigatoriedade de comunicação da prisão ao Ministério Público, o que já ocorria antes mesmo da novel norma, por força do art. 10 da Lei Complementar nº 75/1993, Lei Orgânica do Ministério Público da União, mas aplicável, por analogia, aos Ministérios Públicos Estaduais. Houve, ainda, a troca da expressão “dentro de 24 horas” para “em até 24 horas”, realçando o legislador que o prazo previsto deve ser interpretado como um lapso temporal máximo, só se admitindo a sua superação à luz da razoabilidade, consoante já mencionado anteriormente.

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Importa destacar, ainda, o necessário respeito à Súmula Vinculante nº 11 do STF, no tocante ao emprego de algemas, como condição necessária à validade da prisão efetuada. Sobre o tema, consulte o item 9.1.5.

Por fim, é necessário lembrar que tem o suposto infrator o direito ao silêncio, podendo invocar o princípio nemo tenetur se detegere.

9.1.4. Da Prisão no Interior do Domicílio

Discute-se acerca da legalidade da prisão realizada no interior do domicílio do infrator. É a hipótese de o agente, estando sendo perseguido, vir a entrar em sua residência ou em outra com a autorização do morador.

A CF estabelece, no inc. XI do art. 5º, que “a casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem o consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

Com efeito, parte da doutrina entende que a prisão, na espécie, só pode ocorrer por mandado do juiz, pois a expressão “em caso de flagrante delito”, que ressalva a ordem judicial, se aplica somente ao crime que ocorre dentro da casa, ou seja, ao flagrante próprio.

De acordo com esta corrente doutrinária (majoritária), deve-se fazer uma interpretação conjunta dos arts. 283 e 293 do CPP com o § 3º do art. 150 do CP, dispositivos referentes à prisão por mandado, mas que, por força do art. 294 do CPP, são igualmente aplicáveis ao flagrante. Vejamos.

O art. 283 do CPP dispõe que a prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio. Por sua vez, o art. 293 determina que:

Se o executor do mandado verificar, com segurança, que o réu entrou ou se encontra em alguma casa, o morador será intimado a entregá-lo, à vista da ordem de prisão. Se não for obedecido imediatamente, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará a força na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois da intimação ao morador, se não for atendido, fará guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e, logo que amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão.

Já o § 3º do art. 150 do CP prevê que não constitui crime de violação de domicílio a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser.

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Deste modo, entendem que o morador se encontra no exercício regular do seu direito, excluindo-se a ilicitude do fato (o ato, em tese, seria crime de favorecimento pessoal). Assim, a entrada, sem autorização judicial, não é lícita. Porém, se algum outro crime está sendo praticado pelo morador, ou contra este ou terceiro, o ingresso torna-se lícito (Mirabete).

Tourinho defende posição diversa (minoritária). Afirma que a CF, embora tornando o domicílio inviolável, admitiu algumas exceções, dentre essas, quando houver prisão em flagrante. Como o conceito de flagrante é dado pelo art. 302 do CPP, compreendendo o flagrante próprio, o impróprio e o presumido, há que se chegar a conclusão de que em todo e qualquer caso de flagrância será possível a entrada, mesmo à noite, no domicílio, ainda que sem o consentimento do morador. Assim, se alguém, no interior da casa estiver cometendo uma infração, ou se, após cometê-la, corre e se homizia em sua própria casa ou em outra, pouco importando se, noite ou dia, poderão os executores, inicialmente pelos meios dissuasórios (obter primeiro a permissão do morador sempre é aconselhável), adentrar a casa e efetuar a prisão.

Portanto, a prisão seria possível de dia ou mesmo à noite, não havendo no que se falar em ilegalidade do flagrante. É a nossa posição.

Neste sentido, o STJ (HC 10.899/GO, DJ, 23/04/2001, p. 166; RHC 11.774/MG, DJ, 08/04/2002, p. 232) entende que a situação da invasão de casa para prender autor de delito em situação de flagrante, não viola a regra constitucional, pois a expressão “em caso de flagrante” refere-se a todos os tipos de flagrante, e não somente ao propriamente dito.

9.1.5. O Emprego de Algemas

Recentemente, em razão da exposição pública das prisões de determinadas pessoas, em sua maioria autoridades e detentores de alto poder aquisitivo, passou-se a se discutir a necessidade do uso de algemas no momento da prisão ou mesmo na realização de determinados atos processuais. De fato, a legislação brasileira é omissa, pois só encontramos um dispositivo, contido na Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/1984 – LEP – art. 199), que faz referência ao tema, dispondo que o emprego de algemas será disciplinado por decreto federal.

Nesse contexto, coube ao Poder Judiciário, diante da ineficiência dos Poderes Legislativo e Executivo, regular o assunto. Com efeito, desde o início, o Judiciário entendeu que o emprego de algemas, por implicar ofensa à integridade física e moral, bem como à dignidade da pessoa humana, só

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seria cabível em situações excepcionais, nas quais restasse caracterizada a periculosidade do preso. A propósito, observe a decisão a seguir, proferida pelo STJ:

PENAL. RÉU. USO DE ALGEMAS. AVALIAÇÃO DA NECESSIDADE.A imposição do uso de algemas ao réu, por constituir afetação aos princípios de respeito à integridade física e moral do cidadão, deve ser aferida de modo cauteloso e diante de elementos concretos que demonstrem a periculosidade do acusado.Recurso provido.(RHC 5.663/SP, Rel. Ministro William Patterson, Sexta Turma, julgado em 19/08/1996, DJ, 23/09/1996, p. 35.156.)

Finalmente, diante dos exageros cometidos em alguns casos, o Supremo Tribunal Federal resolveu editar a Súmula Vinculante (nº 11) sobre o tema, dispondo, in verbis:

Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

Portanto, o emprego de algemas somente se justifica em três hipóteses: a) resistência; b) fundado receio de fuga; e c) respeito à integridade física do preso ou de terceiros (inclusive do próprio agente que efetua a prisão). Além disso, a excepcionalidade da medida deve ser justificada por escrito.

Mas não é só. Temendo que a disposição caísse no vazio, o Pretório Excelso fixou sanções em caso de descumprimento do verbete. Assim, o uso injustificado das algemas implica nulidade da prisão ou do ato processual, bem como responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e civil do Estado.

A prática mostrará o acerto ou desacerto da Súmula em questão. O fato é que o tema merecia, de alguma forma, ser regulado. Infelizmente, não o foi por meio de lei, fato que permitiria (pelo menos em tese) um amplo debate, a fim de que, de um lado, não houvesse desrespeito a direitos e garantias fundamentais, e de outro, à segurança da própria sociedade e dos agentes do Estado encarregados da persecução criminal.

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9.2. DAS PRISÕES CAUTELARES

Até as Leis nº 11.719/2008 e nº 11.403/2011, reconheciam-se como cautelares as prisões em flagrante, temporária, preventiva, e as decorrentes de pronúncia e da sentença condenatória pendente de recurso.

No entanto, a partir da vigência da Lei nº 11.719/2008 as prisões decorrentes de pronúncia e de sentença condenatória recorrível deixaram de existir, sendo substituídas pela prisão preventiva. A conclusão decorre da redação do parágrafo único do art. 387 do CPP, dada pela Lei nº 11.719/2008, in verbis:

Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória:[...]Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.

Perceba que a redação do dispositivo em tela é clara ao determinar que o magistrado, ao condenar o acusado, decida sobre a imposição de “prisão preventiva” e não acerca de “prisão decorrente de sentença condenatória recorrível”. Ficaram afastadas, deste modo, as prisões decorrentes de pronúncia e de sentença condenatória passível de recurso. Portanto, após 2008, restaram no ordenamento jurídico pátrio somente, como prisões cautelares, a prisão em flagrante, a preventiva e a temporária.

É fato, todavia, que, após a CF de 1988, as prisões revogadas pela Lei nº 11.719/2008, só se mantiveram no Direito pátrio sob a natureza cautelar, e não como efeito automático da respectiva decisão, sujeitando-se aos requisitos da prisão preventiva. Por essa razão, nesta edição mantivemos as considerações acerca das prisões decorrentes de pronúncia e de sentença condenatória recorrível (item 9.2.3), por acreditarmos que a alteração, em essência, foi de mera terminologia.

Agora, a Lei nº 12.403/2011 deu nova roupagem à prisão em flagrante, eliminando a sua natureza cautelar, pois, conforme se viu, a segregação decorrente do flagrante só se mantém se for convertida em prisão preventiva, na forma preconizada pelo novo art. 310, inc. II, do CPP. O flagrante, assim, passou a ter cunho exclusivamente administrativo.

Portanto, atualmente, constituem prisões cautelares a prisão preventiva e a temporária, sendo ambas decretadas por ordem judicial.

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O mandado de prisão obedecerá aos requisitos previstos no art. 285 do CPP. Com efeito, deve ser lavrado pelo escrivão e assinado pela autoridade; designará a pessoa que tiver de ser presa, por seu nome, alcunha ou sinais característicos; mencionará a infração penal que motivar a prisão; declarará o valor da fiança arbitrada, quando afiançável a infração; será dirigido a quem tiver qualidade para dar-lhe execução.

Além disso, será passado em duplicata, devendo o executor entregar uma via ao preso, com declaração do dia, hora e lugar da diligência. Tratando-se de infração inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará à prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado.

O mandado poderá ser executado em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as regras acerca da inviolabilidade do domicílio (art. 283 do CPP). Deste modo, se a prisão tiver que ser efetuada no domicílio do infrator ou de terceiro, deve o executor intimar o morador a entregá-lo. Não sendo obedecido, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará à força na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, depois da intimação ao morador, se não for atendido, fará guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e, logo que amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão (art. 293 do CPP).

Portanto, o morador sempre deverá ser intimado para entregar o réu. Não o fazendo, surgem as seguintes situações: a) sendo dia – o executor convoca duas testemunhas e entra à força na casa, arrombando as portas, se for preciso; b) sendo noite, o executor faz guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e, logo que amanheça, arromba as portas e efetua a prisão.

A prisão preventiva está prevista no CPP e se submete aos seguintes requisitos: fumus comissi delicti e periculum libertatis. A temporária encontra-se delineada na Lei nº 7.960/1989, sujeitando-se a requisitos específicos. Ambas, a partir da Lei nº 12.403/2011, só poderão ser decretadas se as medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP se mostrarem inadequadas ou insuficientes, conforme passam a dispor os §§ 4º e 6º do art. 282, e o parágrafo único do art. 312, todos do CPP (v. item 9.2.3).

9.2.1. Prisão Preventiva

A prisão preventiva está prevista no Capítulo III do Título IX (agora denominado “Da prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória”) do Livro I do CPP, nos arts. 311 a 316. Cuida-se de prisão (medida) cautelar, de caráter excepcional, decretada em favor dos interesses sociais de segurança.

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Como todas as demais medidas cautelares, a prisão preventiva subordina-se ao fumus boni juris e ao periculum in mora. O primeiro refere-se à plausibilidade do direito invocado e o segundo ao perigo que a ausência da imediata prestação jurisdicional pode causar àquele direito. Fazendo-se as devidas adaptações para o processo penal, fala-se que o fumus boni iuris corresponde aos requisitos (pressupostos) da cautelar, dizendo respeito à presença de elementos indicadores da existência do crime e da autoria; o perigo da demora, que encerra os fundamentos da segregação provisória, existe quando, em decorrência do tempo no julgamento, possa o acusado, solto, impedir a correta solução da causa ou a aplicação do direito de punir (Frederico Marques).

Aury Lopes Jr. afirma, com propriedade, que, no processo penal, os requisitos (ou pressupostos) para a prisão cautelar encontram-se descritos no fumus comissi delicti, e os fundamentos, no periculum libertatis. Acertadamente, defende que o requisito para a decretação de uma medida coercitiva não é a probabilidade de existência do alegado direito de acusação, mas a presença de um fato aparentemente punível (fumus comissi delicti). Por sua vez, o risco de não se conceder a medida cautelar não decorre do tempo, mas da situação de liberdade do acusado (periculum libertatis).

Nesse contexto, afigura-se mais técnico falar em fumus comissi delicti, consistente na prova da existência do crime e nos indícios suficientes de autoria, e em periculum libertatis, que corresponde ao perigo de se manter o indiciado ou acusado em liberdade.

A partir da Lei nº 12.403/2011, foi criado um terceiro pressuposto para a decretação da prisão cautelar, qual seja a impossibilidade de sua substituição por outra medida cautelar menos gravosa prevista no art. 319 do CPP, evidenciando-se o espírito da nova legislação de colocar a prisão no seu devido lugar, como medida de exceção.

O segundo requisito (periculum libertatis) refere-se aos “fundamentos” da prisão preventiva. Até a Lei nº 12.403/2011, cuidavam-se da garantia da ordem pública, da ordem econômica, da conveniência da instrução criminal e da garantia da aplicação da lei penal. Contudo, a partir da aludida lei, um novo fundamento foi criado. Vejamos:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

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Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º). (NR)

Tem-se, assim, um quinto fundamento apto à decretação da preventiva, consistente no descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares alternativas à prisão (art. 319) e de impossibilidade de substituição ou cumulação destas com outras (art. 282, § 4º).

Em regra, a garantia da ordem pública, usada como fundamento para a decretação da custódia preventiva, está relacionada à periculosidade do réu (do agente), sendo necessária para a preservação da boa convivência social, seja por prevenir a reprodução de outros fatos criminosos, ou para acautelar o meio social e, para alguns, a própria credibilidade da justiça (a possibilidade de decretação da prisão cautelar fundada nesta última hipótese é extremamente divergente como se verá a seguir).

Neste ponto, a prisão cautelar possui mais um cunho social do que propriamente cautelar, pois cerceia um direito individual para proteger a coletividade.

É bom que diga, porém, que a gravidade do delito ou a repercussão do fato, por si só, não justificam a prisão, ainda que se trate de delito hediondo. Conforme lição do Ministro Gilson Dipp, “o juízo valorativo sobre a gravidade genérica dos delitos imputados ao paciente, a existência de indícios da autoria e materialidade do crime, a credibilidade do Poder Judiciário, bem como a intranquilidade social não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão para garantia da ordem pública, se desvinculados de qualquer fator concreto, que não a própria conduta, em tese, delituosa” (HC 48.381/MG, Quinta Turma, julgado em 06/06/2006, DJ, 01/08/2006, p. 470). No mesmo sentido: HC 50.455/PA, Rel. Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em 02/05/2006, DJ, 01/08/2006, p. 554.

O STF possui o mesmo entendimento, consoante se vê na seguinte decisão:HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO E TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADOS, OCULTAÇÃO DE CADÁVER E SEQUESTRO. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CREDIBILIDADE DA JUSTIÇA, GRAVIDADE DO CRIME E CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS: INIDONEIDADE. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL: FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE.1. O fundamento da garantia da ordem pública é inidôneo quando alicerçado na credibilidade da justiça e na gravidade do crime. De igual modo, circunstâncias judiciais como a gravidade do crime, o

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motivo, a frieza, a premeditação, o emprego de violência exacerbada e o desprezo pelas normas que regem a vida em sociedade não conferem base concreta a justificar a exigência de garantia da ordem pública. Circunstâncias dessa ordem hão de refletir-se – e apenas isso – na fixação da pena.[...](HC 88.535/PE – Rel. Ministro Eros Grau – Segunda Turma – DJ, 02/06/2006, p. 00044).

No mesmo sentido: HC 86.371/SP – Rel. Ministro Cezar Peluso – Primeira Turma – DJ, 09/06/2006, p. 00018; HC 95.460/SP, rel. Ministro Joaquim Barbosa, 31/08/2010 (Informativo nº 598).

De fato, o Ministro Gilmar Mendes, em decisão proferida no HC nº 89.090/GO, destacou, a título ilustrativo, quatro circunstâncias principais que, a seu ver, justificariam o requisito da ordem pública. São elas: a) a necessidade de resguardar a integridade física do próprio paciente; b) a necessidade de resguardar a integridade física dos demais cidadãos; c) o imperativo de impedir a reiteração das práticas criminosas, desde que tal objetivo esteja lastreado em elementos concretos expostos fundamentadamente no decreto de custódia cautelar; e d) para assegurar a credibilidade das instituições públicas, em especial do Poder Judiciário, quanto à visibilidade e transparência de políticas públicas de persecução criminal e desde que diretamente relacionadas com a adoção tempestiva de medidas adequadas e eficazes associadas à base empírica concreta que tenha ensejado a custódia cautelar.

Em nosso entendimento, a prisão processual decretada para garantir a segurança do acusado é inaceitável. Ora, o Estado tem a obrigação de proteger o réu (ou qualquer cidadão), mantendo a sua liberdade e não a cerceando. Ademais, se não tem condições de protegê-lo em liberdade, não o terá também na prisão, porquanto os presídios ou cadeias públicas são reconhecidamente inseguros.

Quanto à possibilidade de decretação da cautelar nas hipóteses de resguardar a integridade física de terceiros e para evitar a prática reiterada de atos criminosos, não há maiores objeções na doutrina e na jurisprudência, constituindo fundamentos idôneos para a prisão.

Questão tormentosa refere-se a saber se a prisão fundada na credibilidade da justiça e das instituições públicas é legal. No STF, a matéria não é pacífica. Veja, à guisa de exemplo, as seguintes decisões:

Pela impossibilidade:RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIOS QUALIFICADOS. NEGATIVA DE AUTORIA. REEXAME DE PROVAS. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM

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PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. CLAMOR SOCIAL, GRAVIDADE DO CRIME E CREDIBILIDADE DA JUSTIÇA: INIDONEIDADE. PERICULOSIDADE DO PACIENTE. AMEAÇA A TESTEMUNHAS: PRESSUPOSTOS FÁTICOS. EXCESSO DE PRAZO: QUESTÃO SUPERADA COM A APRESENTAÇÃO DAS ALEGAÇÕES FINAIS. CONDIÇÕES PESSOAIS. INAPTIDÃO PARA ELIDIR A PRISÃO CAUTELAR.[...]3. Prisão preventiva para garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal. Abstraídas as alusões concernentes ao clamor social, à gravidade do crime e à credibilidade da Justiça, a segregação cautelar encontra respaldo na periculosidade do paciente, evidenciada no modus operandi na prática dos crimes e em ameaça feita aos executores.[...](RHC 95.906, Rel. Ministro Eros Grau, Segunda Turma, julgado em 30/09/2008, DJe-216, divulg. 13/11/2008, public. 14/11/2008, ement. v. 02.341-03, p. 00521).AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na necessidade de restabelecimento da ordem pública, abalada pela gravidade do crime. Exigência do clamor público e da credibilidade da Justiça. Inadmissibilidade. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Ofensa ao art. 5º, LVII, da CF. Precedentes. É ilegal o decreto de prisão preventiva baseado em suposta exigência do clamor público e da credibilidade da Justiça, para restabelecimento da ordem social abalada pela gravidade do fato.(HC 93.315, Rel. Ministro Cezar Peluso, Segunda Turma, julgado em 27/05/2008, DJe-117, divulg. 26/06/2008, public. 27/06/2008, ement. v. 02.325-04, p. 00660).Pela possibilidade:DIREITO PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. APLICAÇÃO DA LEI PENAL. INTENSA E EFETIVA PARTICIPAÇÃO. ART. 7º, LEI nº 9.034/1995. INCONSTITUCIONALIDADE INEXISTENTE.[...]4. A garantia da ordem pública é representada pelo imperativo de se impedir a reiteração das práticas criminosas, como se verifica no caso sob julgamento. A garantia da ordem pública se revela, ainda, na necessidade de se assegurar a credibilidade das instituições públicas quanto à visibilidade e transparência de políticas públicas de persecução criminal.

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Direito Processual Penal

[...](HC 89.143, Rel. Ministra Ellen GRACIE, Segunda Turma, julgado em 10/06/2008, DJe-117, divulg. 26/06/2008, public. 27/06/2008, ement. v. 02.325-02, p. 00407.)

No STJ, igualmente, a matéria é divergente. Confira as decisões:Pela impossibilidade:PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO CONSUMADO – PRISÃO PREVENTIVA MANTIDA COM BASE NA GRAVIDADE DO CRIME E MERAS CONJETURAS, SEM APOIO EM FATOS CONCRETOS CLAMOR SOCIAL E CREDIBILIDADE DA JUSTIÇA – FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. ORDEM CONCEDIDA.A prisão preventiva constitui uma exceção, e só deve ser determinada em casos excepcionais, não a justificando a simples gravidade do crime e meras conjeturas sem apoio em fatos concretos, posto que estas não afastam a presunção de não culpabilidade.O clamor social não pode se sobrepor à presunção constitucional de inocência, nem a credibilidade da justiça está na determinação indiscriminada de prisão preventiva, sem apoio em fatos concretos, mas na independência, imparcialidade e honestidade de seus membros, assim como na capacidade de agilizar a prestação jurisdicional, distribuindo-a de forma efetiva.Ordem concedida para revogar o decreto de prisão preventiva.(HC 116.852/RO, Rel.ª Ministra Jane Silva – desembargadora convocada do TJ/MG, Sexta Turma, julgado em 11/11/2008, DJe, 01/12/2008.)Pela possibilidade:HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. CAÇA-NÍQUEIS. ACUSAÇÃO FUNDADA NOS CRIMES DE ESTELIONATO, EXERCÍCIO DE ATIVIDADE COM INFRAÇÃO DE DECISÃO ADMINISTRATIVA, FORMAÇÃO DE QUADRILHA, CORRUPÇÃO ATIVA, CONTRABANDO/DESCAMINHO E NA CONTRAVENÇÃO EXPLORAÇÃO DE JOGOS DE AZAR. PRISÃO PREVENTIVA EM 03/12/2007. MEDIDA DEVIDAMENTE JUSTIFICADA. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. FUNDADO RISCO DE DESTRUIÇÃO DE PROVAS DOCUMENTAIS. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. COMPLEXA DIVISÃO DE TAREFAS. PROFISSIONALISMO. HABITUALIDADE DA EXPLORAÇÃO DE JOGOS DE AZAR. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA.[...]3. A preservação da ordem pública não se restringe às medidas preventivas da irrupção de conflitos e tumultos, mas abrange também a promoção daquelas providências de resguardo à integridade das

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instituições, à sua credibilidade social e ao aumento da confiança da população nos mecanismos oficiais de repressão às diversas formas de delinquência.[...](HC 99.259/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Tur-ão Nunes Maia Filho, Quinta Tur-o Nunes Maia Filho, Quinta Tur-ma, julgado em 27/11/2008, DJe, 19/12/2008.)

Pois bem. Refletindo sobre o tema, entendemos, com o devido respeito às opiniões em contrário, que a prisão cautelar decretada para garantia da ordem pública, fundada na necessidade de assegurar a credibilidade das instituições públicas, em especial do Poder Judiciário, quanto à visibilidade e transparência de políticas públicas de persecução criminal, nada mais é do que a segregação baseada no “clamor popular” (para nós deveria chamar-se “clamor da mídia”). E como tal, não encontra amparo em nosso ordenamento jurídico. Ora, o Poder Judiciário não pode ferir sua imparcialidade pela pressão movida por parte da mídia sensacionalista. A prevalecer tal entendimento o cidadão ficaria à mercê da chamada “opinião pública”, e não da correta prestação jurisdicional.

Conforme já visto, a gravidade genérica (abstrata) do delito não constitui fundamento apto para justificar a prisão como garantia da ordem pública. Desse modo, ninguém pode ser levado à prisão ou nela mantido sob a só justificativa de estar sendo acusado de ter cometido um crime hediondo, pois, aqui, a segregação estaria fundada tão somente na gravidade genérica do delito.

Por outro lado, a jurisprudência permite a prisão cautelar quando fundada na chamada “gravidade concreta” do delito, que faz denotar a periculosidade em concreto do agente. São situações nas quais a ação do agente (modus operandi) transcende à conduta descrita no tipo penal, fazendo surgir a necessidade da prisão como garantia da ordem pública. Assim, por exemplo, se não se pode prender cautelarmente alguém pelo só fato de estar sendo acusado de um crime de latrocínio (gravidade genérica), é possível a segregação quando o agente tiver, por exemplo, matado a vítima, que não oferecia resistência à subtração, esquartejada. Ou seja, o caso concreto serviu para demonstrar a periculosidade do agente, surgindo a necessidade da prisão.

Nesse sentido, confira as seguintes decisões do Superior Tribunal de Justiça, verbis:

PROCESSUAL PENAL, HABEAS CORPUS, EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO, PRISÃO PREVENTIVA, REVOGAÇÃO, RESGUARDO DA ORDEM PÚBLICA, GRAVIDADE ABSTRATA DO CRIME, CLAMOR SOCIAL, ARGUMENTOS INIDÔNEOS, POSSIBILIDADE CONCRETA DE REITERAÇÃO DELITIVA, PERICULOSIDADE DO PACIENTE REVELADA

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PELO MODUS OPERANDI DE SUA CONDUTA, POSSIBILIDADE, PRIMARIEDADE E BONS ANTECEDENTES, IRRELEVÂNCIA, MANUTENÇÃO, RELAXAMENTO, EXCESSO DE PRAZO, FEITO COMPLEXO, CONTRIBUIÇÃO DA DEFESA, NECESSIDADE DE EXPEDIÇÃO DE CARTAS PRECATÓRIAS, PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE, MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA, ORDEM DENEGADA.I. A gravidade abstrata do delito atribuído ao agente é insuficiente para a manutenção de sua prisão provisória, sob pena de afronta à garantia constitucional de presunção de não culpabilidade.Precedentes.II. Da mesma forma, a invocação da repercussão social da conduta do acusado não se presta para a justificação da constrição cautelar, sob pena de antecipação do cumprimento da reprimenda, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio. Precedentes.III. Por outro lado, o receio de que o agente volte a delinquir caso venha a ser solto é suficiente para motivar a manutenção de sua prisão cautelar em prol da manutenção da ordem pública, desde que embasado em fatores concretos. Precedentes.IV. Evidenciando-se que o agente possui vasta folha de antecedentes criminais, além de que, depois da prática delitiva, se evadiu e somente foi encontrado após prisão em flagrante delito relacionado a outro crime (foi encontrado na posse de um veículo furtado com uma arma de fogo), há dados concretos para justificar sua prisão provisória para evitar eventual reiteração delitiva, eis que faz do crime seu meio de vida.V. Ademais, a concreta periculosidade do agente, revelada pelo modus operandi de sua conduta, também é suficiente para motivar a necessidade da manutenção de sua prisão preventiva, a bem do resguardo da ordem pública. Precedentes.[...](HC 120.108/ES, Rel.ª Ministra Jane Silva ‒ desembargadora convocada do TJ/MG, Sexta Turma, julgado em 23/06/2009, DJe, 10/08/2009).HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE CONCRETA DEMONSTRADA PELAS CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. PERICULOSIDADE DO PACIENTE. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PRONÚNCIA. MANUTENÇÃO DO CÁRCERE, COM FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. PRECEDENTES DESTA CORTE.

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1. A prisão preventiva decretada em desfavor do ora Paciente, já foi objeto de apreciação por esta Corte, quando da análise do HC nº 97.065/SP, ocasião em que restou denegada a ordem, diante do reconhecimento da presença de fundamentos aptos a justificar a custódia cautelar. Na ocasião, restou vislumbrada a necessidade da prisão como forma de garantia da ordem pública, em razão da periculosidade do Paciente, em razão de sua personalidade violenta, e do modus operandi do delito.[...](HC 112.329/SP, Rel.ª Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 26/05/2009, DJe, 15/06/2009.)

O Supremo Tribunal Federal comunga da mesma posição, como se observa na seguinte decisão, verbis:

Prisão Preventiva e FundamentaçãoA Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que pronunciado por dois homicídios qualificados e lesão corporal de natureza grave alegava falta de motivação da prisão cautelar contra ele decretada. Pleiteava o direito de aguardar em liberdade até a conclusão do processo-crime e aduzia que a gravidade em abstrato do delito não justificaria a sua custódia. Reputou-se que a justificativa da garantia da ordem pública seria apta para sustentar o decreto de prisão preventiva do paciente, mantido pela sentença de pronúncia. Realçou-se a dificuldade de formulação conceitual para a expressão “ordem pública” e consignou-se que, quando a situação for de evidente necessidade de acautelamento do meio social, não haveria como rejeitar-se a aplicabilidade do conceito de ordem pública. Entendeu-se, no caso, que o juízo processante — ao fazer a identificação entre a necessidade de preservação da ordem pública e o resguardo do meio social — dera razões capazes de atestar a evidente necessidade de acautelamento do meio social, tendo em conta o contexto empírico da causa, o qual revelaria a gravidade concreta — periculosidade — da conduta protagonizada pelo paciente, de violência incomum. Nesse sentido, enfatizou-se que sempre que sobressair da forma de execução do crime a extrema periculosidade do fato increpado ao agente, confere-se, ao decreto de prisão, a possibilidade de estabelecer um vínculo funcional entre o modus operandi do suposto delito e a garantia da ordem pública. Por fim, assinalou-se que o decreto prisional, além de apontar o paciente como investigado em vários outros crimes, encontraria apoio, ainda, na fuga do acusado logo após o cometimento do delito, a demonstrar o intento de se frustrar a aplicação da lei penal. Vencido o Ministro Marco Aurélio que deferia o writ para relaxar a prisão ao fundamento de que as premissas lançadas pelo juízo não seriam enquadráveis no

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art. 312 do CPP, porquanto apenas aludiriam à gravidade da imputação, à periculosidade do paciente (sem antecedentes criminais) e a sua fuga do distrito da culpa. Ademais, salientando que a custódia provisória já extravasara o período de dois anos, considerava configurado o excesso de prazo.(HC 97.688/MG, Rel. Ministro Carlos Britto, 27/10/2009 – Informativo nº 565).

A custódia será decretada, ainda, como garantia da ordem econômica quando a conduta tenha por objeto ou possa limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre-concorrência ou a livre-iniciativa; dominar mercado relevante de bens ou serviços; aumentar arbitrariamente os lucros; e exercer de forma abusiva posição dominante.

A decretação da prisão preventiva, fundada na conveniência da instrução criminal, visa a obstar que o criminoso desapareça com provas do crime, seja apagando vestígios, seja subornando, aliciando ou ameaçando testemunhas. Deve apoiar-se em fatos concretos e não em meras suposições. Cabe lembrar que o acusado não é obrigado a colaborar com a investigação ou produção de provas, em razão da consagração do princípio nemo tenetur se detegere (vide item 8.8.2). Pode, portanto, portar-se de maneira passiva na instrução sem que isso implique na sua prisão. O que lhe é vedado é a atuação ativa, com o fito de destruir provas.

Por sua vez, a cautelar será determinada como garantia da aplicação da lei penal, quando houver risco de fuga do sujeito. Conforme decidido pelo STF, a simples fuga do acusado do distrito da culpa, tão logo descoberto o crime praticado, já justifica o decreto de prisão preventiva (RT, 497/403). Porém, a decisão não pode ser fundada na condição econômica do acusado, seja ele mais ou menos abastado.

Ademais, a ausência de documento comprobatório de residência não pode servir, por si só, para a decretação ou manutenção da prisão sob a justificativa de ser necessária a segregação para assegurar a aplicação da lei penal. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, em recente decisão noticiada no Informativo nº 558, concedeu liberdade provisória a acusado, morador de rua, que fora preso para assegurar a aplicação da lei penal, sob a justificativa de não possuir residência fixa nem ocupação lícita. Confira:

O simples fato de o acusado não possuir residência fixa nem ocupação lícita não é motivo legal para a decretação da custódia cautelar. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para conceder liberdade provisória (CPP, art. 310, parágrafo único) a denunciado por suposta tentativa de homicídio qualificado, cuja prisão fora decretada

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para assegurar a aplicação da lei penal e preservar a ordem pública, porquanto morador de rua, sem endereço conhecido ou local onde pudesse ser encontrado com habitualidade.(HC 97.177/DF, Rel. Ministro Cezar Peluso, 08/09/2009.)

É certo, porém, que vários juízes, apoiados em corrente jurisprudencial minoritária, ainda exigem, na prática, documento comprobatório de residência como condição para a concessão de liberdade provisória ao indiciado ou acusado. Trata-se de exigência, a nosso ver, totalmente equivocada, porque não será a prova documental que vinculará o beneficiado pela liberdade provisória ao processo, mas sim o seu compromisso de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação do benefício, o que poderá implicar até na decretação da prisão preventiva, consoante dispõem o parágrafo único do art. 350 e o § 4º do art. 282 do CPP (redação dada pela Lei nº 12.403/2011). Sem falar que, ao ser colocado em liberdade, o indiciado ou acusado indica o lugar onde poderá ser encontrado para fim de comunicação para os momentos subsequentes do processo. Tudo isso desconsiderando que, nem sempre o cidadão, principalmente das classes menos abastadas, possui documento comprobatório de residência em seu nome.

Ressalte-se, ainda, que a decisão de decretação da prisão preventiva deve ser devidamente fundamentada, sempre apoiada no fumus comissi delicti e no periculum libertatis. E para a fundamentação não bastam meras citações de artigos de lei, sendo imprescindível a demonstração, caso a caso, da existência dos requisitos legais.

Permite-se, no entanto, a chamada motivação pela técnica per relationem, por meio da qual o magistrado se utiliza da manifestação do órgão acusador para a decretação da prisão, invocando o famoso “adoto como razões de decidir”. A nosso ver, neste caso, imprescindível se mostra a transcrição, na decisão judicial, dos fundamentos indicados no requerimento. A Suprema Corte, todavia, possui posição diversa admitindo a simples remissão ao pleito acusatório. Nesse sentido: HC 102.864, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 03/08/2010, DJe-173, divulg. 16/09/2010, public. 17/09/2010, ement. v. 02.415-02, p. 00424. Evidente que a segregação só será lícita se a aludida manifestação estiver baseada em elementos aptos necessários à decretação da preventiva. Mas, seguindo a posição pretoriana, se o pleito ministerial estiver apoiado em elementos concretos indicativos da periculosidade do agente, não haverá nulidade na decisão que o acolheu, mediante simples remissão aos seus termos.

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Por outro lado, não constituem “fundamentos idôneos, por si só, à prisão preventiva: a) o chamado clamor popular provocado pelo fato atribuído ao réu, mormente quando confundido, como é frequente, com a sua repercussão nos veículos de comunicação de massa; b) a consideração de que, interrogado, o acusado não haja demonstrado “interesse em colaborar com a Justiça”; ao indiciado não cabe o ônus de cooperar de qualquer modo com a apuração dos fatos que o possam incriminar – que é todo dos organismos estatais da repressão penal; c) a afirmação de ser o acusado capaz de interferir nas provas e influir em testemunhas, quando despida de qualquer base empírica; d) o subtrair-se o acusado, escondendo-se, ao cumprimento de decreto anterior de prisão processual” (STF – HC 79.781/SP – DJ, 09/06/2000, p. 022).

A defesa, por sua vez, terá de demonstrar que inexistem os motivos autorizadores da medida cautelar. Há, porém, circunstâncias, comumente invocadas pela defesa, que não impedem a decretação da prisão preventiva, se presentes os requisitos legais. São elas: – ser o acusado primário e de bons antecedentes; – ter residência fixa e profissão definida; – ter instrução superior; – ter família; – ter se apresentado espontaneamente à autoridade. Há de se ressaltar, porém, que são estes os meios disponíveis à defesa para a demonstração da ausência do periculum libertatis.

A prisão preventiva, em razão de sua cautelaridade, sujeita-se ao chamado princípio da homogeneidade. Segundo Paulo Rangel:

a medida cautelar a ser adotada deve ser proporcional a eventual resultado favorável ao pedido do autor, não sendo admissível que a restrição à liberdade, durante o curso do processo, seja mais severa que a sanção que será aplicada caso o pedido seja julgado procedente. A homogeneidade da medida é exatamente a proporcionalidade que deve existir entre o que está sendo dado e o que será concedido.

Com efeito, levando-se a termo a homogeneidade não se pode admitir, por exemplo, a decretação de prisão preventiva, quando se constatar que o réu, ao final do processo, não será submetido ao regime de prisão para cumprimento de sua pena. Assim, seria heterogênea a prisão preventiva concedida em processo que, em caso de condenação, fatalmente permitiria a aplicação de pena restritiva de direitos.

Nesse contexto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem se consolidando no sentido de que, fixado o regime semiaberto de cumprimento de pena, a negativa do apelo em liberdade constitui constrangimento ilegal,

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porquanto não pode o acusado aguardar o julgamento de seu recurso em regime mais gravoso do que aquele fixado na sentença condenatória. Confira as seguintes decisões:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ROUBO QUALIFICADO. PRISÃO EM FLAGRANTE. NEGATIVA DO BENEFÍCIO DA LIBERDADE PROVISÓRIA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. IMPOSIÇÃO DE REGIME PRISIONAL SEMIABERTO. EXCESSO DE PRAZO PREJUDICADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.[...]3. Fixado o regime semiaberto para o inicial do cumprimento da pena, a negativa do apelo em liberdade se constitui em constrangimento ilegal, porquanto não pode o acusado aguardar o julgamento de seu recurso em regime mais gravoso do que aquele fixado na sentença condenatória. Precedentes desta Quinta Turma.[...](HC 99.138/SP, Rel.ª Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 16/09/2008, DJe, 06/10/2008).HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. FIXAÇÃO DO REGIME SEMIABERTO. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. ORDEM NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.[...]3. Verifica-se notória contradição entre o cumprimento da pena em regime semiaberto e a manutenção da prisão cautelar, submetendo o paciente a regime mais grave de restrição de liberdade do que o previsto na sentença condenatória.4. Uma vez estipulado o regime inicial semiaberto para cumprimento da pena, mostra-se incompatível com a condenação a manutenção da custódia cautelar – antes em razão da prisão preventiva e conservada na sentença condenatória para negar ao paciente o apelo em liberdade.5. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido de ofício para que o paciente possa aguardar o julgamento do recurso de apelação em liberdade, se por outro motivo não estiver preso.(HC 80.081/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 16/09/2008, DJe, 20/10/2008).

O tema é polêmico, porquanto o próprio Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a fixação do regime semiaberto não é óbice à manutenção da prisão cautelar, se previstos os seus requisitos legais. Veja:

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PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO DUPLAMENTE QUALIFICADO. EVASÃO DO DISTRITO DA CULPA. PRISÃO PREVENTIVA. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. PENA A SER CUMPRIDA EM REGIME INICIAL SEMIABERTO. NEGATIVA DE RECURSO EM LIBERDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA.I. O simples fato da evasão é suficiente para justificar a segregação cautelar do paciente. Precedentes do STJ e STF.II. Não há incompatibilidade entre a fixação do regime inicial de cumprimento de pena semiaberto e a negativa de recurso em liberdade, se há fatos que justificam a segregação provisória.III. A situação de foragido da justiça por extenso lapso revela a intenção do paciente de frustrar a aplicação da lei penal, o que é suficiente para impedir a revogação de sua custódia preventiva, independentemente do regime inicial semiaberto fixado para o cumprimento da reprimenda imposta.IV. Ordem denegada.(HC 184.002/PA, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 14/04/2011, DJe, 16/05/2011).HABEAS CORPUS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. NECESSIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA JÁ ANALISADA POR ESTA CORTE EM OUTRO WRIT. DECRETO CONSIDERADO FUNDAMENTADO. SENTENÇA QUE NÃO CONSTITUI NOVO TÍTULO JUDICIAL. PRISÃO CAUTELAR E REGIME SEMIABERTO. COMPATIBILIDADE.1. Se a necessidade da prisão preventiva do paciente e dos corréus já foi analisada pela Sexta Turma desta Corte no julgamento de outros habeas corpus, sendo considerado suficientemente fundamentado o respectivo decreto, não se mostra possível a reapreciação da matéria.2. Não constitui novo título judicial no tocante à prisão cautelar a sentença condenatória que preserva a custódia pelos mesmos fundamentos aduzidos no decreto, tidos por razoáveis por esta Corte.3. Não há incompatibilidade entre a fixação do regime semiaberto e a manutenção da custódia provisória, desde que presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.4. Habeas corpus denegado, cassada a liminar.(HC 89.773/RJ, Rel. Ministro Nilson Naves, Rel. p/ Acórdão Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 18/09/2008, DJe, 28/10/2008).

Em nosso entendimento, a manutenção da prisão preventiva do acusado quando fixado o regime semiaberto de cumprimento de pena, importará em constrangimento ilegal se e tão somente não for possível a transferência

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imediata do réu para o local apropriado de cumprimento da sanção neste regime. De fato, se, prolatada a sentença condenatória, o réu vier a ser transferido imediatamente para o estabelecimento adequado, não haverá nenhum constrangimento na manutenção da segregação, ante a presença dos requisitos da prisão preventiva. Todavia, se isso não ocorrer, ao réu estará sendo imposto um regime de cumprimento mais gravoso (fechado) do que aquele fixado na sentença condenatória (semiaberto), sendo evidente a ilegalidade da decisão que mantém a sua segregação cautelar.

É, de fato, a aplicação do princípio da razoabilidade/proporcionalidade no campo das prisões provisórias, inclusive, no tocante a seus três subprincípios: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. Portanto, a prisão deve ser adequada (presença do fumus comissi delicti), necessária (periculum libertatis) e proporcional (homogeneidade), sob pena de ser relaxada.

Aliás, o postulado da proporcionalidade foi acolhido expressamente pela Lei nº 12.403/2011, ao conferir nova redação ao art. 282 do CPP, verbis:

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.[...]

Observa-se que a necessidade e a adequação foram positivadas como critérios de imposição de medida cautelar pessoal (prisão ou outra cautelar alternativa à prisão).

Não basta, todavia, à decretação da prisão preventiva a existência do fumus comissi delicti e o periculum libertatis, sendo indispensável a presença das chamadas condições de admissibilidade (art. 313 do CPP), que, certamente, também se inserem dentro do postulado da proporcionalidade. A aplicação dessas condições de admissibilidade, até a Lei nº 12.403/2011, levava à conclusão de que a prisão só podia ser decretada em casos de crimes dolosos, sendo incabível nos crimes culposos e nas contravenções penais. Além disso, em regra, indicavam que a segregação só era admitida em delitos apenados com reclusão. Quando aos crimes apenados com detenção, a medida somente

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era aceita quando se apurasse que o agente era vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecesse ou não indicasse elementos para esclarecê-la, ou se o réu tivesse sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado. Permitia-se, ainda, a prisão preventiva em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; neste caso, ainda que o delito fosse punido com detenção.

A Lei nº 12.403/2011, no entanto, deu nova redação ao art. 313 do CPP, dispondo que:

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;II – se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inc. I do caput do art. 64 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal;III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;IV – (revogado).Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. (NR)

Por certo, a mudança na redação do art. 313 insere-se dentro do objetivo maior da novel lei, de colocar a prisão dentro de seu devido lugar, realçando a sua natureza de medida excepcional, porque a liberdade é a regra; e a prisão, exceção.

Ora, no atual sistema penal brasileiro, o acusado, primário e de bons antecedentes, que vem a ser condenado por crime doloso a pena não superior a 4 (quatro) anos, ou por crime culposo qualquer que seja a pena cominada, não cumprirá pena privativa de liberdade, porque o art. 44 do Código Penal permite (na verdade, obriga) a substituição da reprimenda por sanção restrita de direitos. Nesse sentido, não há motivos para prender alguém antes da condenação, para depois desta colocá-lo em liberdade. Para essas situações, a

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Lei nº 12.403/2011 reserva outras medidas cautelares diversas da prisão (art. 319), as quais também só devem ser aplicadas se adequadas e necessárias (art. 282). Assim, se desde o primeiro momento, já se tem a certeza da não imposição de pena privativa de liberdade, porque o réu é primário e o crime pelo qual está sendo acusado, sendo doloso, possui pena máxima não superior a 4 (quatro) anos, ou é culposo, não é cabível a sua prisão cautelar, pois seria heterogênea, desproporcional.

Excepcionalmente, porém, permite-se a prisão preventiva mesmo em crime doloso cuja pena máxima seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, ou em crime culposo, quando o acusado já tiver sido condenado por outro crime doloso, ressalvado o disposto no inc. I do art. 64 do CP (lapso superior a cinco anos do cumprimento ou extinção da pena e a prática da nova infração). Ou, ainda, se o crime envolver violência doméstica e familiar não somente contra a mulher, mas também em detrimento de criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência deferidas.

Admite-se, também, a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

Evidente que devem ser afastadas as condições de admissibilidade do art. 313 do CPP, em caso de prisão preventiva decretada por descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares anteriormente fixadas, diante da impossibilidade de substituição ou cumulação destas com outras, na forma dos arts. 312, parágrafo único, e 282, § 4º. De fato, fixada uma medida cautelar e sendo esta descumprida imotivadamente a prisão preventiva poderá ser decretada, se, claro, for necessária e adequada. Mas, aqui, não se pode impedir a segregação só pelo fato de o crime doloso não ter pena máxima superior a 4 (quatro) anos e ou ser culposo. A prisão, nesta hipótese, é medida excepcionalíssima, e será decretada diante da falta de compromisso do agente com a sociedade. E a proporcionalidade, neste caso, restaria observada, por ser medida adequada, diante da desídia do acusado.

Por outro lado, a prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato sob o abrigo de uma causa excludente da ilicitude (legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de um direito e estrito cumprimento do dever legal), conforme dispõe o art. 314 do CPP.

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A prisão preventiva também não poderá ser decretada se à infração não for isolada, cumulativa ou alternativamente, cominada pena privativa de liberdade (art. 283, § 1º, CPP).

Eugênio Pacelli cita, ainda, outras duas hipóteses, não reguladas na legislação, nas quais a prisão preventiva também não seria cabível, ante a sua desproporcionalidade, quais sejam: nas infrações de menor potencial ofensivo e nos casos de cabimento da suspensão condicional do processo (infrações de médio potencial ofensivo). Com maestria, sustenta que:

Com redobradas razões, não se imporá a prisão preventiva e nem mesmo qualquer outra medida cautelar nas infrações consideradas de menor potencial ofensivo, segundo assim dispuser a respectiva Lei nº 9.099/1995, no âmbito dos Juizados Especiais Criminais. É que ali o processo se orienta pela informalidade e pela pacificação do conflito, ostentando, portanto, natureza conciliatória.Por fim, pensamos que, para as infrações penais para as quais sejam cabíveis e (desde que) aceitas as hipóteses de suspensão condicional do processo, tais como previstas no art. 89 da Lei nº 9.099/1995, não se poderá recorrer às novas medidas cautelares. E assim nos parece porque a suspensão do processo, em si, já determina a ausência de necessidade de preservação da efetividade do processo. Não bastasse isso, as condições exigidas e impostas para a suspensão, segundo o ali disposto (art. 89, I, II, III e IV), já oferecem garantias acauteladoras, guardando, inclusive, identidade com as novas regras trazidas pela Lei nº 12.403/11.

De fato, a decretação de preventiva em infrações de menor potencial ofensivo ou mesmo em casos em que é manifesto o cabimento da suspensão condicional do processo ofende a proporcionalidade, sendo inteiramente procedentes as argumentações retrotranscritas.

Noutro norte, regulando a legitimidade para pleiteá-la, a competência e o momento de decretação da prisão preventiva, o art. 311 do CPP tinha a seguinte redação, verbis:

Art. 311. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial.

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Contudo, o mencionado dispositivo foi alterado pela Lei nº 12.403/2011, passando a ter a seguinte redação:

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. (NR)

Nesse contexto, observa-se que possuíam legitimidade para pleitear a preventiva o Ministério Público e o querelante, mediante requerimento, e o delegado, por meio de representação. A situação, porém, foi modificada, pois, com a novel norma, o assistente passou também a ter legitimação para requerer a prisão preventiva. Evidente que essa possibilidade restringe-se ao curso da ação penal, porque a assistência, em processo penal, não é admitida no curso do inquérito, mas apenas no curso da lide (v. item 5.2).

A redação anterior dispunha ser cabível a cautelar em qualquer fase do inquérito policial ou da “instrução criminal”. Houve época em que parcela considerável da doutrina, à qual nos alinhávamos, repelia a decretação da preventiva na fase recursal, ante a literalidade do art. 311, que previa a segregação apenas na “instrução criminal”. É fato que o Código de Processo Penal, em sua origem, previa a decretação automática da prisão cautelar quando o réu era condenado na primeira instância, o que tornava desnecessária a decretação da prisão preventiva, após a sentença condenatória. Ou seja, não havia a possibilidade de o acusado recorrer em liberdade. Não se pode olvidar, ainda, que o parágrafo único do art. 387 do CPP (redação dada pela Lei nº 11.719/2008) previu a decretação da prisão preventiva na sentença condenatória, colocando uma pá de cal sobre qualquer divergência outrora existente. A nova redação, mais abrangente, emprega a expressão “ação penal”, o que torna cabível a decretação da prisão mesmo na fase recursal. Portanto, a Lei nº 12.403/2011 veio, neste ponto, apenas para confirmar algo já implementado na reforma de 2008.

Quanto à competência, a redação anterior previa que a cautelar podia ser decretada pelo juiz de ofício ou mediante provocação, durante o inquérito policial ou na instrução criminal. Todavia, malgrado a literalidade da redação revogada, a possibilidade de decretação de ofício da prisão cautelar durante o inquérito policial não era pacificamente admitida na doutrina e na jurisprudência, pois a interferência do juiz, nesta fase, sem ter sido provocado, acabaria por macular a sua imparcialidade, exigida no sistema acusatório.

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Na prática, contudo, não eram raras as hipóteses em que os juízes, recebendo a comunicação de flagrante ilegal, relaxavam a segregação e decretavam, de ofício, a prisão preventiva, mesmo no curso da investigação policial.

Entretanto, objetivando mais uma vez adequar o Código de Processo Penal ao sistema acusatório, o legislador, por meio da Lei nº 12.403/2011, vedou a decretação, de ofício, da prisão preventiva no curso do inquérito, só o permitindo durante a ação. Desse modo, a segregação no curso do inquérito só será cabível se for precedida de provocação dos legitimados.

Não se pode esquecer, por outro lado, que o inc. II do art. 310 (redação dada pela Lei nº 12.403/2011) permite ao magistrado, no caso de prisão em flagrante, a conversão desta em preventiva. E esta conversão, por certo, poderá ser efetivada de ofício, presentes os requisitos do art. 312 (v. item 9.1).

Na verdade, a Lei nº 12.403/2011 criou três espécies (tipos, modalidades ou formas de decretação) de prisão preventiva: – inicial, autônoma ou originária; – convertida ou derivada; e – substitutiva de outra medida cautelar descumprida.

A primeira (inicial) encontra-se prevista no art. 311, e não poderá ser decretada de ofício no curso do inquérito, só se admitindo a sua decretação, nessa fase da persecução, se houver requerimento do Ministério Público ou do querelante ou representação da autoridade policial. Veja, nesta hipótese, não houve prisão em flagrante ou esta é manifestamente ilegal. Prisão, neste caso, só mediante provocação.

Por sua vez, a derivada (convertida do flagrante) tem seu berço no inc. II do art. 310. Aqui, não se veda ao magistrado a conversão, de ofício, do flagrante em prisão preventiva.

Finalmente, a prisão preventiva substitutiva de outra medida cautelar não cumprida decorre do parágrafo único do art. 312 e do § 4º do art. 282 do CPP. Neste caso, entendemos não ser possível a decretação no curso do inquérito sem que haja provocação, diante da inteligência do § 2º do art. 282, segundo o qual “as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público”. Ademais, a decretação de ofício da cautelar, neste caso, ofenderia, a nosso ver, o sistema acusatório.

Portanto, no regime instituído pela Lei nº 12.403/2011, só será válida a decretação de ofício da preventiva, no curso do inquérito policial, quando decorrer da conversão do flagrante, na forma do inc. II do art. 310 do CPP, vedando-se a prisão preventiva inicial e da substitutiva de outra medida cautelar descumprida, nesta fase da persecução penal, sem que o magistrado seja provocado.

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Por outro lado, a Lei nº 12.403/2011 não regulou o prazo da prisão preventiva, perdendo, sem dúvida, ótima oportunidade para tanto. Desse modo, caberá mais uma vez a doutrina e a jurisprudência regular algo omitido pelo legislador.

Nesse sentido, certamente será mantida a posição doutrinária e pretoriana de que a prisão preventiva (ou mesmo a prisão em flagrante) pode perdurar até o trânsito em julgado da sentença condenatória, desde que respeitados os prazos legais, quando a segregação se transformará em prisão-pena. Se o réu for absolvido, mesmo em decisão ainda passível de recurso, a prisão preventiva não poderá ser mantida, eis que, neste caso, restará evidenciada a ausência de seus elementos, em especial o fumus comissi delicti. Em suma, se respeitados os prazos legais, a prisão preventiva vigorará até o trânsito em julgado da condenação, ou até a prolação se eventual decisão absolutória. Também será o caso de revogá-la se o juiz, condenando o réu, lhe conceder o direito de recorrer em liberdade, ou mesmo se converter a pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.

Discute-se se seria possível a manutenção da prisão preventiva no curso do inquérito policial (IP), em face de pedido de novas diligências por parte do MP, antes do oferecimento da denúncia. De fato, cumpre distinguir duas situações: – se o IP ainda estiver em andamento, sem que a polícia tenha concluído as investigações, nada impede que seja decretada a prisão, contando-se, a partir da sua efetivação, o prazo (em regra) de 10 dias para a conclusão (réu preso); – se o IP já estiver concluído (relatado), o juiz deverá revogar a prisão preventiva, pois, se ainda não há indícios de autoria suficientes para a denúncia, também não há para a manutenção da custódia cautelar.

A doutrina e a jurisprudência dominantes, no entanto, não fazem tal distinção, entendendo que o pedido de novas diligências em casos tais implica no relaxamento da prisão. Argumenta-se que se não há elementos para denunciar, tanto que o MP requisitou diligências, também inexistem aqueles pressupostos necessários para manter o indiciado preso.

A prisão preventiva, dado o seu caráter provisório, é extremamente tangível, podendo ser revista a qualquer momento pelo juiz. Pode, assim, ser revogada no decorrer do processo, se o juiz verificar a falta de motivo para que subsista, bem como ser decretada novamente, se sobrevierem razões que a justifiquem (art. 316 do CPP). É a aplicação da cláusula rebus sic stantibus (teoria da imprevisão), a que Aury Lopes Jr. chama de princípio da provisionalidade.

Indeferida a cautelar pode o MP, querelante, conforme o caso, interpor recurso em sentido estrito (art. 581, V, CPP). Como não requer a prisão preventiva, mas apenas representa pela custódia cautelar, à autoridade

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policial não é dado o direito de interpor recurso contra a decisão que indefere o pedido de prisão preventiva. O assistente, agora legitimado para pugnar pela segregação, a nosso ver, também poderá recorrer em sentido estrito quando tiver requerido a prisão preventiva, não havendo motivos para negar-lhe essa possibilidade, pois, no mínimo, seria desarrazoado, permitir-lhe requerer a medida e lhe obstar recorrer da decisão que a tenha indeferido. É certo que haverá quem não reconhecerá a possibilidade de interposição de recurso pelo assistente, sob o fundamento de que os poderes deste são limitados ao estabelecido em lei. Mas entendemos que tal posição, até por uma questão lógica, não poderá prevalecer (v. item 5.2).

Por outro lado, a decisão que decreta a prisão preventiva é irrecorrível, podendo ser combatida por meio do remédio heroico, o habeas corpus. Incabível, por fim, o pedido de liberdade provisória, neste caso, pois esta se mostra incompatível com os motivos autorizadores da prisão preventiva.

9.2.2. Prisão Temporária

A Lei nº 7.960/1989 criou outra espécie de medida cautelar pessoal, a prisão temporária, cuja decretação pressupõe o bem das investigações policiais. Conforme noticia Nucci, essa medida cautelar foi “idealizada para substituir, legalmente, a antiga prisão para averiguação, que a polícia judiciária estava habituada a realizar, justamente para auxiliar nas suas investigações”. De fato, após a promulgação da CF de 1988, não mais encontrava abrigo no ordenamento jurídico pátrio a prisão para averiguação, eis que a segregação cautelar, à exceção do flagrante, pressupõe ordem judicial. Daí, a necessidade de o legislador ter criado a prisão temporária.

Nesse contexto, a medida só é cabível no curso do IP, sendo decretada pelo juiz, a requerimento do MP ou mediante representação do delegado de polícia. Não pode, ao contrário da prisão preventiva, ser decretada de ofício pelo juiz.

É decretada: I) quando imprescindível para as investigações do IP; II) quando o réu não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; III) quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: homicídio doloso; sequestro ou cárcere privado; roubo; extorsão; extorsão mediante sequestro; estupro; atentado violento ao pudor; rapto violento; epidemia com resultado morte; envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte; quadrilha ou bando; genocídio; tráfico de drogas; crimes contra o sistema financeiro. Os requisitos encontram-se previstos no art. 1º da Lei nº 7.960/1989, em seus incs. I a III.

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Diverge a doutrina quanto à aplicação da prisão temporária, tendo se formado três posições. Para a primeira (Mirabete e Tourinho), é cabível a prisão temporária em qualquer das situações acima previstas (I, II ou III), pois os requisitos são alternativos. A segunda posição (Antônio Scarance) defende que a prisão temporária só pode ser decretada se estiverem presentes as três situações, pois os requisitos são cumulativos. Por sua vez, para a última corrente (Damásio, Capez, Nucci e Magalhães Gomes Filho) a prisão temporária só pode ser decretada nos crimes previstos na lei (inc. III do art. 1º) e desde que concorra qualquer uma das duas primeiras situações (medida imprescindível para a investigação ou se o endereço ou identificação do indiciado forem incertos). É a posição majoritária.

Em nossa opinião, a partir da Lei nº 12.403/2011, foi criado um terceiro pressuposto para a decretação da prisão cautelar, qual seja a impossibilidade de sua substituição por outra medida cautelar menos gravosa prevista no art. 319 do CPP. É bom que se diga que, malgrado a novel redação do § 6º do art. 282 do CPP (“Art. 319 [...] § 6º A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319)”) referir-se apenas à prisão preventiva, resta evidente, pelo próprio espírito da nova legislação de colocar a prisão no seu devido lugar, como medida de exceção, que a temporária também só se justificará quando não for cabível, igualmente, outra cautelar alternativa à privação da liberdade.

Há quem entenda, ainda, que, à decretação da prisão, devem concorrer os motivos que autorizem a decretação da prisão preventiva (Greco Filho). No entanto, com a devida vênia do renomado autor, a exigência dos requisitos da prisão preventiva acabaria por confundi-la com a prisão temporária, sendo certo que ambas são espécies diversas, tendo finalidades distintas. A primeira é decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal e para garantir a aplicação da lei penal. A prisão temporária, para que a investigação se mostre mais efetiva.

Frise-se, ainda, que, todos os crimes hediondos e a eles equiparados admitem a prisão temporária, por força do § 4º do art. 2º da Lei nº 8.072/1990. Assim, a despeito de não integrarem o rol do inc. III, os crimes de tortura e os de falsificação, corrupção, adulteração de produto para fins terapêuticos ou medicinais, delitos hediondos (e equiparados), também se sujeitam à prisão temporária.

Interessante notar que a primeira parte do inc. II do art. 1º da Lei nº 7.960/1989 permite a decretação da prisão quando o indiciado não tiver residência fixa. Contudo, entendemos que a medida não será cabível em tal hipótese, porque permitiria a prisão de uma pessoa tão somente em razão

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de sua condição socioeconômica, ferindo a própria dignidade da pessoa humana. Veja, por exemplo, que o Supremo Tribunal Federal, afastou a prisão preventiva, concedendo liberdade provisória a acusado, morador de rua, que fora preso para assegurar a aplicação da lei penal, sob a justificativa de não possuir residência fixa nem ocupação lícita. Confira:

O simples fato de o acusado não possuir residência fixa nem ocupação lícita não é motivo legal para a decretação da custódia cautelar. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para conceder liberdade provisória (CPP, art. 310, parágrafo único) a denunciado por suposta tentativa de homicídio qualificado, cuja prisão fora decretada para assegurar a aplicação da lei penal e preservar a ordem pública, porquanto morador de rua, sem endereço conhecido ou local onde pudesse ser encontrado com habitualidade.HC 97.177/DF, rel. Ministro Cezar Peluso, 08/09/2009 – Informativo nº 558.

O mesmo entendimento aplicado à preventiva, a nosso juízo, deve ser empregado em relação à prisão temporária.

Ademais, decretada a prisão temporária sob o fundamento do indiciado não ter fornecido elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade (combinação dos incs. III e II, parte final, do art. 1º da Lei nº 7.960/1989), o preso deverá ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida, por força da nova redação do parágrafo único do art. 313 do CPP, aplicável por analogia à prisão temporária.

O prazo da medida é de cinco dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. Para os crimes hediondos, tortura, tráfico de drogas e terrorismo o prazo é de 30 dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

Assim, terminado o prazo legal (ou realizada a diligência), não sendo o caso de prorrogação, o preso deve ser posto em liberdade, salvo se já tiver sido decretada sua prisão preventiva, sob pena de responsabilização por crime de abuso de autoridade (Lei nº 4.898/1965, art. 4º, i).

Ressalte-se não ser necessária nova ordem judicial para que o indiciado seja colocado em liberdade. Desse modo, superado o prazo determinado na decisão judicial, a liberdade se impõe, caso não exista outro motivo que a sustente, como por exemplo, a prisão preventiva ou a prorrogação do prazo da temporária.

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Por outro lado, cuida-se de prazo máximo, sendo comum, na prática, a decretação por período inferior ao legalmente previsto. Entretanto, a prorrogação, caso exista, deverá observar o máximo legal. Assim, por exemplo, se a prisão foi fixada em 15 dias (tratando de crime hediondo) a prorrogação deverá observar o prazo não superior a 45 dias, com o fim de que o prazo de 60 dias (máximo legal) não seja superado.

Reconhece-se, porém, que, realizada a diligência que motivara a custódia cautelar, a prisão temporária deve ser imediatamente revogada, transformando-se em preventiva ou colocando o indiciado em liberdade, ainda que dentro do prazo legal. Neste caso, deve a autoridade policial oficiar ao juiz, requerendo a revogação da prisão temporária ou mesmo a decretação da preventiva.

Por fim, como a prisão temporária se distingue da prisão preventiva e é um plus em relação a esta, o tempo em que o indiciado estiver recolhido em virtude dela não deve ser computado no prazo máximo fixado na lei para a ultimação do IP, ou do processo criminal, conforme entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência.

9.2.3. Prisão Decorrente de Sentença Condenatória Recorrível e de Pronúncia

Na forma concebida originariamente no CPP, a prolação de uma decisão condenatória, ainda passível de recurso, ou de uma pronúncia, já trazia como efeito automático o recolhimento à prisão.

É o que dispunha a antiga redação do § 1º do art. 408, in verbis:

Art. 408. [...]§ 1º Na sentença de pronúncia o juiz declarará o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu, mandará lançar-lhe o nome no rol dos culpados, recomendá-lo-á, na prisão em que se achar, ou expedirá as ordens necessárias para a sua captura.

No mesmo sentido, a redação do art. 393, finalmente revogado pela Lei nº 12.403/2011, previa que:

Art. 393. São efeitos da sentença condenatória recorrível:I – ser o réu preso ou conservado na prisão, assim nas infrações inafiançáveis, como nas afiançáveis enquanto não prestar fiança;II – ser o nome do réu lançado no rol dos culpados.

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Todavia, com a consagração do princípio constitucional da presunção de inocência não se pode mais aceitar a existência das mencionadas prisões nos moldes concebidos originalmente pelo CPP.

Com efeito, as medidas em tela devem ser vistas como espécies de prisões cautelares, sujeitas ao fumus comissi delicti e ao periculum libertatis. Trata-se, portanto, de medidas cautelares pessoais.

Em ambos os casos, há que se distinguir se o réu se encontrava preso ou solto. De fato, estando o acusado preso durante o processo, permite-se que o juiz, ao condená-lo, e na própria sentença, o recomende na prisão, ratificando os motivos (periculum libertatis) que autorizaram a custódia cautelar anteriormente decretada. Neste caso, teremos tão somente a manutenção da prisão em flagrante ou da preventiva anteriormente decretada, que podem subsistir, conforme já visto anteriormente, até o trânsito em julgado.

Por outro lado, se o réu permaneceu solto durante a lide, o juiz, proferindo veredicto condenatório, deverá justificar, fundamentadamente, na própria sentença, se assegura ao acusado o direito de recorrer em liberdade ou, se presentes o fumus comissi delicti e o periculum libertatis (que, na verdade, são os mesmos motivos da prisão preventiva), decretar-lhe a prisão cautelar. Esta, no caso, decorrerá de sentença condenatória recorrível. A mesma situação pode ocorrer no caso de pronúncia. Aqui teremos verdadeiramente a prisão decorrente de sentença condenatória recorrível ou de pronúncia.

Ou seja, em regra, se estava preso cautelarmente, continuará nesta situação ao recorrer; por outro lado, estando em liberdade, assim permanecerá caso, condenado ou pronunciado, venha a recorrer.

Isto porque, é pacífico, que as decisões em tela, por si só, não autorizam a medida cautelar restritiva da liberdade. Ou seja, não decorrem pela só prolação da decisão, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da presunção de não culpabilidade.

Por outro lado, em caso de impronúncia ou absolvição, não há de se falar em prisão cautelar, devendo o acusado ser colocado imediatamente em liberdade, se por outro motivo não estiver preso.

Três dispositivos – arts. 585, 594 e 595 – relacionados às prisões decorrentes de pronúncia e de sentença condenatória recorrível precisam ser bem analisados.

Observe a redação dos dispositivos:Art. 585. O réu não poderá recorrer da pronúncia senão depois de preso, salvo se prestar fiança, nos casos em que a lei a admitir.

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Art. 594. O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto.

Art. 595. Se o réu condenado fugir depois de haver apelado, será declarada deserta a apelação.

Os primeiros dois dispositivos em destaque exigem o prévio recolhimento à prisão do réu, sob pena de não conhecimento (o que se chama de denegação) do apelo ou do recurso em sentido estrito. O terceiro refere-se à deserção do recurso de apelação em caso de fuga do recorrente.

São normas de constitucionalidade duvidosa.Argumentava-se, de início, que as mencionadas disposições feriam o

princípio da presunção de inocência. Na verdade, com a consagração do caráter cautelar das prisões decorrente de pronúncia e de sentença condenatória recorrível, não há, de fato, ofensa à presunção de não culpabilidade. Nesse sentido, a Súmula nº 9 do STJ assevera que “a exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência”.

Na verdade, a exigência de recolhimento à prisão para apelar, ou recorrer em sentido em estrito da decisão de pronúncia, deve, ao teor da Súmula, ser vista como lícita quando presentes os elementos necessários à prisão cautelar – fumus comissi delicti e periculum libertatis – em respeito ao princípio da presunção de não culpabilidade (de inocência). Nesse contexto, em reiteradas decisões vinha se manifestando o STJ pela constitucionalidade da exigência, desde que presentes os fundamentos da prisão cautelar. A propósito, a seguinte decisão:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 121, § 2º, II E IV, E ART. 121, § 2º, II, C.C ART. 14, II, TODOS DO CÓDIGO PENAL. EXCESSO DE PRAZO PARA O JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. PREJUDICADO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. SENTENÇA CONDENATÓRIA PROLATADA.I – Uma vez realizada a Sessão de Julgamento pelo Tribunal do Júri, fica sem objeto o habeas corpus que objetivava ver reconhecido o constrangimento ilegal decorrente do excesso de prazo para o fim da instrução criminal (Precedentes).II – O decreto prisional demonstrou as circunstâncias concretas ensejadoras da segregação cautelar, evidenciando, portanto, a necessidade do encarceramento preventivo dos pacientes (Precedentes).

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III – O direito de apelar em liberdade de sentença condenatória não se aplica ao réu já preso, desde o início da instrução criminal, em decorrência de flagrante ou de preventiva (Precedentes do STJ e do STF).IV – A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência (Súmula nº 9 do STJ).V – Condições pessoais favoráveis não têm o condão de, por si só, garantir ao paciente o benefício da liberdade provisória se há nos autos fundamentos suficientes a recomendar a manutenção de sua custódia cautelar (Precedentes). Writ denegado.(HC 48.110/RS, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 20/04/2006, DJ, 12/06/2006, p. 510.)

No mesmo sentido: HC 54.836/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 16/05/2006, DJ, 26/06/2006, p. 179; HC 46.290/SP, Rel. Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em 28/03/2006, DJ, 02/05/2006, p. 395.

A nosso ver, porém, as três exigências – arts. 585, 594 e 595 – são inconstitucionais. Conforme lição lapidar dos Professores Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes, a previsão:

afronta o princípio da isonomia, pois não são impostas exigências com força restritiva semelhante ao direito de recorrer à parte contrária: Ministério Público ou ofendido. Limita o amplo exercício do direito de defesa. Impede a plena atuação do duplo grau de jurisdição.

Felizmente, o STF passou a entender que a exigência da prisão para apelar fere o duplo grau de jurisdição, não encontrando mais guarida no ordenamento jurídico brasileiro. Veja a ementa:

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DE APELAÇÃO. PROCESSAMENTO. POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DO RÉU À PRISÃO. DECRETO DE CUSTÓDIA CAUTELAR NÃO PREJUDICADO. PRISÃO PREVENTIVA SUBSISTENTE ENQUANTO PERDURAREM OS MOTIVOS QUE A MOTIVARAM. ORDEM CONCEDIDA.I – Independe do recolhimento à prisão o regular processamento de recurso de apelação do condenado.II – O decreto de prisão preventiva, porém, pode subsistir enquanto perdurarem os motivos que justificaram a sua decretação.III – A garantia do devido processo legal engloba o direito ao duplo grau de jurisdição, sobrepondo-se à exigência prevista no art. 594 do CPP.

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IV – O acesso à instância recursal superior consubstancia direito que se encontra incorporado ao sistema pátrio de direitos e garantias fundamentais.V – Ainda que não se empreste dignidade constitucional ao duplo grau de jurisdição, trata-se de garantia prevista na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, cuja ratificação pelo Brasil deu-se em 1992, data posterior à promulgação Código de Processo Penal.VI – A incorporação posterior ao ordenamento brasileiro de regra prevista em tratado internacional tem o condão de modificar a legislação ordinária que lhe é anterior.VII – Ordem concedida.(HC 88420/PR,Rel. Ricardo Lewandowski,DJ, 08/06/2007, p. 00037.)

No mesmo sentido: STF, HC 85880/MS, Rel. Ministro Carlos Brito, DJ, 10/03/2006, p. 00029.

Diante desta decisão, o STJ passou a possuir o mesmo entendimento de que os dispositivos em questão não teriam sido recepcionados, conforme se vê nas seguintes decisões:

HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL. APELO EM LIBERDADE. RÉU FORAGIDO. NÃO CONHECIMENTO DO APELO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CARACTERIZAÇÃO.1. A jurisprudência dos Tribunais Superiores, incluidamente do Pretório Excelso, firmou-se já no sentido de que em se tratando de réu preso em flagrante, e que nessa condição permaneceu durante todo o processo, não tem incidência o art. 594 do Código de Processo Penal, fazendo-se, pois, imperiosa a manutenção da sua custódia quando da sentença condenatória.2. As normas processuais que estabelecem a prisão do réu como condição de admissibilidade do recurso de apelação são incompatíveis com o direito à ampla defesa, porque, às expressas, o é com todos os recursos a ela inerentes, não havendo falar, em caso tal, em prisão pena ou prisão cautelar.3. É caso, pois, assim como o é também o da regra de deserção determinada pela fuga do réu, de conflito manifesto e intolerável entre a Lei e a Constituição, que se há de resolver pela não recepção ou inconstitucionalidade da norma legal, se anterior ou posterior à Lei Fundamental.4. Ordem concedida.(HC 89.865/MG, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em 29/11/2007, DJ, 17/12/2007, p. 350.)

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Direito Processual Penal

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. LATROCÍNIO. ADMISSIBILIDADE DA APELAÇÃO DO RÉU. DESNECESSIDADE DE RECOLHIMENTO À PRISÃO. DECRETO PRISIONAL SEM MOTIVAÇÃO CONCRETA. ART. 312 DO CPP. ORDEM CONCEDIDA.1. O recebimento da apelação do réu prescinde do seu recolhimento à prisão. Prevalece o princípio constitucional do duplo grau de jurisdição à exigência procedimental prevista no art. 594 do CPP.Precedente do STF (HC 88.420/PR, Primeira Turma, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, DJ, 08/06/2007).2. Sabe-se que as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, envolvendo controle incidental de constitucionalidade de ato normativo, têm seus efeitos limitados às partes que figuram na relação processual em exame, não alcançando terceiros. Entretanto, essas decisões, quando, necessariamente, implicam juízo sobre a validade da norma legal aplicada ao caso concreto, acabam por alcançar outras situações jurídicas semelhantes, por força dos princípios da igualdade e da segurança jurídica, com inevitável extensão dos seus efeitos, uma vez que, afastado determinado ato normativo por contrariedade à Constituição, indiscutível é o reconhecimento de sua inaptidão para incidência em qualquer situação, inclusive pretérita.3. A necessidade de recolhimento do réu à prisão durante o processamento de sua apelação deve estar devidamente motivada, sendo insuficiente a mera consideração acerca do caráter hediondo ou da gravidade do delito.4. Ordem concedida para afastar a exigência do recolhimento do réu a prisão para o conhecimento de sua apelação e para anular o decreto de prisão cautelar por vício de fundamentação, sem prejuízo de expedição de nova ordem, desde que atendidos, in concreto, os pressupostos contidos no art. 312 do CPP.(HC 68.159/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 25/09/2007, DJ, 05/11/2007, p. 305).

O art. 595 também era visto como constitucional, se presentes os motivos autorizadores da segregação cautelar. Ademais, a deserção do apelo ocorre ainda que seja recapturado antes do julgamento. Nesse sentido: STF, HC 82.126/PR, Rel. Ministro Sydney Sanches, DJ, 19/12/2002 p. 00092; RHC 82.007/SP, Rel.ª Ministra Ellen Gracie, DJ, 27/09/2002 p. 00117; RHC 81.742/MG, Rel. Ministro Maurício Corrêa, DJ, 26/04/2002 p. 00090; STJ, REsp 488.203/MT, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 12/06/2006, DJ, 01/08/2006, p. 511; REsp 779.608/SC, Rel.ª Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 14/03/2006, DJ, 03/04/2006, p. 405; TJ/DF: 19990710036166APR, Rel. Getulio Pinheiro, Segunda Turma Criminal, julgado em 26/04/2001, DJ, 27/06/2001, p. 111.

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Contudo, o Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua Sexta Turma, decidiu pela não recepção da norma do art. 595 do CPP:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. APELAÇÃO. FUGA DO RÉU. DESERÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 595 DO CPP. DESCABIMENTO. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA E DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. ART. 5º, INCS. LV E LVII. ORDEM CONCEDIDA.A nova ordem jurídico-constitucional inaugurada com a CF/1988 não recepcionou a norma esculpida no art. 595 do CPP.As disposições do art. 595 do CPP não podem impedir que se conheça da apelação do réu foragido, porque seria desconsiderar os princípios contidos no art. 5º, inc. LV, da Constituição Federal.Tendo como balizas os princípios da ampla defesa, do duplo grau de jurisdição e o inegável anseio de status libertatis inerente a todo e qualquer ser humano, entendo que, embora havendo fuga do sentenciado ou ausência de recolhimento deste ao cárcere após a interposição de recurso, não há que se falar em deserção.Ordem CONCEDIDA para que o Tribunal a quo conheça do recurso interposto.(HC 35.997/SP, Rel. Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em 11/10/2005, DJ, 21/11/2005, p. 304.)

A Quinta Turma também passou a possuir a mesma orientação, conforme se vê na seguinte decisão:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. (1) FUGA. APELAÇÃO. DESERÇÃO. CONSTRANGIMENTO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. (2) PRÉVIA ORDEM NÃO CONHECIDA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CONHECIMENTO NESTA INSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE.1. No Estado Democrático de Direito, identificado pelo respeito ao devido processo legal, não tem lugar a aplicação a disposição do art. 595 do CPP, que obstaculiza a ampla defesa e o duplo grau de jurisdição ao réu foragido.2. Assegurado o processamento da apelação, garante-se a apreciação da matéria objeto do prévio writ.3. Não tendo sido conhecida a prévia ordem, não é dado a este Tribunal da matéria, sob pena de indevida supressão de instância.4. Writ não conhecido e ordem, de ofício, concedida para anular a decisão que aplicou a disposição do art. 595 do Código de Processo Penal, a fim de que se julgue a apelação do paciente (Apelação Criminal nº 1.757/01, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro).(HC 65.458/RJ, Rel.ª Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 04/09/2007, DJ, 24/09/2007, p. 376).

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Cumpre destacar, por fim, que a exigência de prisão e a deserção, mesmo para aqueles que as consideram constitucionais, só se aplicam à apelação, ressalvada a hipótese de recolhimento à prisão para recorrer em sentido estrito da decisão de pronúncia (art. 585), não sendo aplicadas aos demais recursos, nem à revisão criminal.

Finalmente, o STJ sumulou a questão, posicionando-se pela não recepção dos arts. 594 e 595 do CPP. Veja, a propósito, o teor da novel Súmula 347, in verbis: “O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão”.

A Lei nº 11.719/2008 pôs uma pá de cal sobre a absurda exigência de recolhimento à prisão para recorrer. Com efeito, a novel norma revogou o art. 594 (art. 3º) e deu nova redação ao parágrafo único do art. 387 do CPP, dispondo que: “o juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta”.

Veja que o legislador não mais condicionou o conhecimento da apelação ao recolhimento à prisão, determinando ao juiz que decida, fundamentadamente, sobre a manutenção ou imposição de prisão preventiva imposta ao acusado.

A nosso ver, houve revogação tácita do art. 595 do CPP, porquanto a nova regra do parágrafo único do art. 387 do CPP não mais condicionou o conhecimento do apelo à prisão do sentenciado. Assim, não há mais no que se falar em deserção da apelação em face da fuga do réu. A alteração legal, por certo, atinge também o recurso em sentido estrito interposto contra a decisão de pronúncia.

O STF, no julgamento do HC 85.916, pôs fim à discussão, decidindo pela não recepção do art. 595 do CPP, conforme se vê na seguinte ementa, verbis:

RECURSO, PRESSUPOSTOS DE RECORRIBILIDADE. Os pressupostos de recorribilidade hão de estar ligados ao inconformismo revelado pela parte, ao próprio recurso interposto. APELAÇÃO CRIMINAL, DESERÇÃO. Surge extravagante ter-se como deserta a apelação ante o fato de o réu condenado haver empreendido fuga. APELAÇÃO CRIMINAL, DESERÇÃO, ART. 595 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. O art. 595 do Código de Processo Penal mostrou-se incompatível com a Constituição Federal de 1988, surgindo, na dicção da ilustrada maioria, a ausência de recebimento do preceito, concluindo o relator pela inconstitucionalidade.(HC 85.961, Rel. Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 05/03/2009, DJe-071, divulg. 16/04/2009, public. 17/04/2009, ement. v. 02.356-02, p. 00416 RB v. 21, nº 547, 2009, p. 21-24, RT, v. 98, nº 885, 2009, p. 471-478.)

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Recentemente, a Lei nº 12.403/2011 revogou expressamente o art. 595, mas perdeu a oportunidade de fazer o mesmo em relação ao art. 585.

Sobre o tema, consulte o item 13.8.1.1.

9.3. DA PRISÃO DOMICILIAR

Orientada por razões humanitárias, a Lei nº 12.403/2011 instituiu a prisão domiciliar, cabível nas hipóteses previstas no novo art. 318 do CPP, verbis:

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:I – maior de 80 (oitenta) anos;II – extremamente debilitado por motivo de doença grave;III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;IV – gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo. (NR)

A medida não se confunde com a prisão domiciliar prevista no art. 117 da LEP (Lei nº 7.210/1984), aplicável durante a execução da pena aos condenados que se encontrem no regime aberto e preencham os requisitos ali estabelecidos. Isso porque é concedida antes da condenação, como espécie de medida cautelar.

Do mesmo modo, difere-se da prisão provisória domiciliar tratada na Lei nº 5.256/1967, pois esta última é deferida apenas aos que tenham direito à prisão especial, nas localidades onde não houver estabelecimento adequado ao recolhimento para o cumprimento dessa prerrogativa. Esta prisão provisória domiciliar praticamente perdeu aplicação a partir da nova redação do § 2º do art. 295 do CPP (“§ 2º Não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento”), dada pela Lei nº 10.258/2011, havendo corrente, inclusive, que defende a revogação tácita da Lei nº 5.256/1976 por essa última norma.

Igualmente, é diversa da medida prevista no inc. IV do art. 319 (recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos), pois esta é medida cautelar alternativa à prisão. Ou seja, diante da prisão domiciliar ou de outra medida cautelar alternativa à prisão, o magistrado deve optar por esta, quando se mostrar adequada e suficiente no caso (§ 6º do art. 282).

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A segregação domiciliar, ao contrário, é efetivamente prisão cautelar, mas que, por razões humanitárias, é cumprida na residência do indiciado ou acusado. Desse modo, cuidando-se de segregação cautelar, o período de prisão domiciliar deve ser levado em conta para fins de detração do art. 42 do Código Penal.

Por outro lado, a despeito de o caput do art. 318 admiti-la apenas em substituição à prisão preventiva, em nosso entendimento, não há motivos para que também venha a substituir a prisão temporária, nas hipóteses ali tratadas, quando não inviabilizar a colheita dos elementos de investigação que justificaram a segregação. A seu turno, a omissão do legislador à prisão em flagrante é justificada, porque esta não mais subsiste, sendo convertida em prisão preventiva (art. 310, II, do CPP).

Nesse contexto, vislumbramos a prisão domiciliar efetivamente como forma de cumprimento de prisão preventiva (ou temporária), menos onerosa ao indiciado ou acusado, justificada por razões humanitárias.

As hipóteses de cabimento da prisão domiciliar encontram-se previstas, em princípio, de modo taxativo no art. 318. Entretanto, nada impede que o juiz, à luz da razoabilidade, movido também por questões humanitárias, e dentro do seu poder geral de cautela, venha a estendê-la a outros casos.

Os requisitos devem ser comprovados por meio de prova idônea, conforme exige o parágrafo único do art. 318.

Decretada a prisão domiciliar, o indiciado ou o acusado só poderá se ausentar da residência mediante ordem judicial. Por fim, é necessário destacar que o descumprimento do recolhimento domiciliar não implicará necessariamente no restabelecimento da prisão preventiva, sendo o caso de o magistrado aplicar o § 2º do art. 282 do CPP, ou seja, “substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva”.

9.4. OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS À PRISÃO

Como alternativa à prisão cautelar, a Lei nº 12.403/2011 criou um rol de medidas cautelares pessoais, previsto no art. 319, verbis:

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;

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III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;VIII – fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;IX – monitoração eletrônica. [...].

No art. 320, todavia, há outra medida cautelar, cuidando-se da proibição do indiciado ou acusado de ausentar-se do país, com a consequente entrega de passaporte, verbis:

Art. 320. A proibição de ausentar-se do País será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas. (NR)

São cautelares pessoais alternativas não só à prisão preventiva, como também à prisão temporária.

Isso porque, malgrado a novel redação do § 6º do art. 282 do CPP (“Art. 319 [...] § 6º A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319)”) referir-se apenas à prisão preventiva, resta evidente, pelo próprio espírito da nova legislação de colocar a prisão no seu devido lugar, como medida de exceção, a temporária também só se justificará quando não for cabível, igualmente, outra cautelar alternativa à privação da liberdade.

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A inovação, ao contrário do apregoado por alguns, não estimulará a impunidade, ao colocar a prisão cautelar como medida de exceção. Nesse sentido, são precisas as palavras de Ali Mazloum, ao comentar a Lei nº 12.403/2011:

[...] Para alguns, a lei tornará inviável a decretação da prisão preventiva, permitindo que autores de delitos graves permaneçam soltos durante o processo. Além disso – o que já não é pouco -, praguejam contra as inovadoras medidas cautelares, que despontam como alternativas ao cárcere antes da condenação definitiva. O Estado – argumentam esses críticos – não terá condições de fiscalizá-las. Enfim, proclama-se a coroação da impunidade no Brasil![...]Perceba-se a sutileza da mudança: os presos que deixarão imediatamente o cárcere, ao contrário do que pregam os antagonistas da lei, são justamente os que nele não deveriam estar. Rompe-se com o modelo perverso pelo qual novatos aprendem com veteranos do crime.Por outro lado, a nova sistemática confere ao Estado maior controle sobre o agente. Se entre a liberdade e a prisão nada mais havia, doravante o juiz terá à sua disposição nada menos que nove medidas cautelares de alto impacto pessoal e social. Perceba-se: as medidas cautelares funcionarão como uma espécie de "período de prova preventivo" durante o processo. O descumprimento de obrigações impostas renderá ensejo ao decreto prisional.A sociedade poderá ficar mais tranquila sabendo que um possível culpado, solto, estará sendo monitorado durante o processo, ao mesmo tempo que um presumido inocente não será levado à prisão injustificadamente. Esse é o paradigma constitucional. Desde 1988, nossa Carta Política impõe ao Estado que ninguém seja levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade (inc. LXVI do art. 5º). A prisão é a ultima ratio.(Disponível em: http://sergyovitro.blogspot.com/2011/06/ineficacia-da-prisao-no-brasil-ali.html. Acesso em 23/06/2011.)

De fato, se anteriormente à Lei nº 12.403/2011, o juiz tinha apenas duas opções – prisão ou liberdade –, agora lhe foi permitida uma terceira: a imposição de medidas cautelares alternativas à prisão. Trata-se de uma “liberdade vigiada”, cujas regras, se desrespeitadas, poderão levar à prisão preventiva (substitutiva).

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Cumpre destacar que a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) já criara medidas protetivas em benefício da mulher, as quais, por outro lado, funcionavam como medidas alternativas à prisão. Porém, repudiava-se a aplicação dessas medidas a outros casos fora do âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher, porquanto “medidas restritivas de liberdade concedidas dentro do poder geral de cautela do juiz, no processo penal, são limitadas à legalidade”. Nesse sentido: HC 75.662, Rel. Ministro Marco Aurélio, Segunda Turma, julgado em 03/03/1998, DJ, 17/04/1998, p. 0000,3 ement. v. 01.906-02 p. 00278.

Ou seja, o vazio legislativo continuava, impedindo o juiz de adotar um “meio-termo” entre a prisão e a liberdade. Vejamos o seguinte exemplo.

Um indivíduo, primário e de bons antecedentes, é preso em flagrante por supostamente haver agredido e ameaçado seu padrasto, um senhor de 70 anos de idade. Tendo em vista a gravidade dos delitos e as circunstâncias pessoais do autor, certamente a liberdade provisória é medida que se impõe. Porém, a vítima e sua outra filha relatam estar atemorizadas com a possibilidade de o agressor ser colocado em liberdade, mas que não desejam a manutenção da prisão, pois o indiciado não é um “criminoso”. No regime anterior, o magistrado teria duas opções: manter a prisão ou conceder a liberdade provisória. A manutenção da prisão seria desproporcional, mas não é possível simplesmente ignorar o temor da vítima e de sua filha.

Orientado pela nova lei, o juiz pode conceder a liberdade, mas, por exemplo, impor ao agente a medida cautelar de proibição de contato com a vítima e seus familiares, o que importará, inclusive, no afastamento do lar, restando consignado que eventual descumprimento poderá resultar no restabelecimento da prisão. Esta solução seria incabível se não tivéssemos a Lei nº 12.403/2011. Injustas, em nosso entendimento, são as críticas a novel norma, neste ponto.

Não vemos, nesse contexto, como reconhecer o avanço proporcionado pela novel norma. Os meios, agora, estão nas mãos dos aplicadores da lei, que, dentro do seu poder geral de cautela, deverão escolher a medida necessária “para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais” e adequada “à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado” (art. 282, incs. I e II, do CPP), sempre tendo em mente o comando constitucional de que a liberdade é regra, enquanto a prisão, exceção.

Alerte-se que a gravidade isolada (genérica ou abstrata) do crime não poderá servir de justificativa para aplicação de qualquer medida cautelar prevista no art. 319 do CPP, mas apenas quando aliada às circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. Aliás, conforme se viu,

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a jurisprudência encontra-se consolidada no sentido de que a gravidade genérica não é fundamento apto a justificar a decretação da prisão preventiva (v. item 9.2.1).

É oportuno mencionar que a previsão do art. 319 do CPP constitui regra geral, o que, evidentemente, permite sua aplicação em outros procedimentos não previstos no Código, como, por exemplo, no âmbito do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei de Drogas.

As medidas cautelares alternativas são de fácil interpretação, quanto ao seu significado, o que não demanda maiores digressões sobre o tema. Algumas delas, como comparecimento periódico em juízo e a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares e de ausentar-se da Comarca já eram conhecidas em nosso ordenamento jurídico como condições impostas ao beneficiado pela suspensão condicional do processo (art. 89, § 1º, da Lei nº 9.099/1995). A proibição de contato já estava prevista na Lei Maria da Penha como medida protetiva.

A fiança, vista pela maior parte da doutrina como uma medida contracautelar, como uma espécie de liberdade provisória, é erigida pelo legislador à verdadeira medida cautelar alternativa à prisão. Inclusive, a Lei nº 12.403/2011 objetivou restabelecer a fiança em nosso ordenamento jurídico, tentativa que, a nosso ver será em vão, conforme se verá no item 10.2.

As medidas cautelares alternativas à prisão deverão ser dosadas sempre à luz do postulado da proporcionalidade, por importarem em uma “liberdade vigiada”, isto é, em uma limitação do direito de ir e vir. Não podem, desse modo, ser aplicadas se “à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade” (art. 283, § 1º, CPP).

Eugênio Pacelli cita, ainda, outras duas hipóteses, não reguladas na legislação, nas quais as medidas cautelares não seriam cabíveis, ante a sua desproporcionalidade, quais sejam: nas infrações de menor potencial ofensivo e nos casos de cabimento da suspensão condicional do processo (infrações de médio potencial ofensivo). Com maestria, sustenta que:

Com redobradas razões, não se imporá a prisão preventiva e nem mesmo qualquer outra medida cautelar nas infrações consideradas de menor potencial ofensivo, segundo assim dispuser a respectiva Lei nº 9.099/1995, no âmbito dos Juizados Especiais Criminais. É que ali o processo se orienta pela informalidade e pela pacificação do conflito, ostentando, portanto, natureza conciliatória.

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Por fim, pensamos que, para as infrações penais para as quais sejam cabíveis e (desde que) aceitas as hipóteses de suspensão condicional do processo, tais como previstas no art. 89 da Lei nº 9.099/1995, não se poderá recorrer às novas medidas cautelares. E assim nos parece porque a suspensão do processo, em si, já determina a ausência de necessidade de preservação da efetividade do processo. Não bastasse isso, as condições exigidas e impostas para a suspensão, segundo o ali disposto (art. 89, I, II, III e IV), já oferecem garantias acauteladoras, guardando, inclusive, identidade com as novas regras trazidas pela Lei nº 12.403/11.

De fato, a imposição de medida cautelar pessoal em infrações de menor potencial ofensivo ou mesmo em casos em que é manifesto o cabimento da suspensão condicional do processo ofende a proporcionalidade, sendo inteiramente procedentes as argumentações retrotranscritas.

Cabe registrar que, como não são espécies de prisão cautelar, mas sim medidas alternativas à segregação, o tempo de cumprimento das cautelares previstas no art. 318 do CPP, em princípio, não pode ser descontado da pena imposta na condenação.

Excetua-se a medida de internação provisória (inc. VII do art. 318), em face do disposto na parte final do art. 42 do Código Penal.

Há quem sustente, contudo, que a cautelar de “recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos” (inc. V do art. 318) também deve ser considerada para fins de detração penal. Em lúcida lição sobre o tema, Pacelli sustenta que:

E, como se trata de medida de inegável gravidade, limitativa da liberdade de locomoção, ainda que somente em período noturno e nas folgas do trabalho, pensamos que o tempo de seu cumprimento deve ser levado à conta da detração da pena, como se tratasse de verdadeira prisão provisória, nos termos, portanto, do art. 42 do Código Penal.E nem se diga que o desconto do tempo na pena seria incabível em razão da liberdade para o trabalho. Ora, sabe-se ser esse um dos principais objetivos da execução da pena no Brasil, na perspectiva da ressocialização do condenado. O trabalho deve ser sempre incentivado, quando não oportunizado pelo Estado, instituindo-se, no ponto, como verdadeiro direito fundamental (art. 6º da Constituição da República). É também nesse sentido a doutrina e a jurisprudência portuguesa sobre a matéria (Confira-se SILVA, Germano Marques da. Curso de processo penal, citado, p. 276).

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Impossível discordar das razões expostas, motivo pelo qual também entendemos que o tempo de recolhimento domiciliar deve ser detraído da pena imposta em eventual condenação.

Finalmente, a medida que, certamente, trará longos debates na doutrina e na jurisprudência é a monitoração eletrônica. Antes da Lei nº 12.403/2011, a Lei nº 10.258/2010 já instituíra o “monitoramento eletrônico” no ordenamento jurídico pátrio, com aplicação durante a execução da pena, nos casos de saídas temporárias e prisão domiciliar. É fato, porém, que, pelo Projeto de Lei enviado à sanção, a monitoração também seria aplicada nas hipóteses de regime aberto, nas penas restritivas de direito, no livramento condicional e na suspensão condicional da pena. Entretanto, os dispositivos que instituíram o monitoramento nessas hipóteses foram vetados pelo Presidente da República, que assim se manifestou, verbis:

[...] A adoção do monitoramento eletrônico no regime aberto, nas penas restritivas de direito, no livramento condicional e na suspensão condicional da pena contraria a sistemática de cumprimento de pena prevista no ordenamento jurídico brasileiro e, com isso, a necessária individualização, proporcionalidade e suficiência da execução penal. Ademais, o projeto aumenta os custos com a execução penal sem auxiliar no reajuste da população dos presídios, uma vez que não retira do cárcere quem lá não deveria estar e não impede o ingresso de quem não deva ser preso [...].

As razões de veto aos dispositivos da Lei nº 12.258/2010, em nosso entendimento, não podem ser invocados para afastar a constitucionalidade da medida instituída pela Lei nº 12.403/2011. Primeiro, porque, ao que parece, a aplicação da cautelar deverá ser analisada caso a caso, o que afasta qualquer ofensa à individualização. Segundo, pois será utilizada como alternativa à prisão cautelar (preventiva ou temporária), reduzindo os custos e efeitos nefastos do encarceramento, caso se mostre adequada e necessária no caso concreto. Terceiro, porquanto será cautelar excepcional, por importar em típica “liberdade vigiada”. Quarto, porque, espera-se, será implementada com cautela, evitando-se exposições desnecessárias do acusado ou indiciado, em respeito à dignidade da pessoa humana.

No entanto, o que tempos até agora é apenas a previsão da medida de monitoração eletrônica, pois a sua execução, certamente, demandará regulamentação do Poder Executivo ou por meio de outra lei.

Por ora cumpre-nos apenas ressaltar que eventuais questionamentos sobre a constitucionalidade da medida devem ser guardados para a regulamentação da execução da cautelar, sendo precipitada qualquer conclusão antes deste momento.

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Capítulo 10

Da liberDaDe PrOvisória

Em nosso sistema, ao mesmo tempo em que existem as prisões cautelares, há medidas contracautelares, consistentes na liberdade provisória, com ou sem fiança, no pedido de relaxamento de prisão e no habeas corpus. São medidas que objetivam, em última análise, a restituição da liberdade, afastando a decretação ou manutenção da segregação.

A liberdade provisória encontra seu fundamento no princípio da presunção da não culpabilidade e, especificamente, no inc. LXVI do art. 5º da CF de 1988, segundo o qual ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. É medida cabível na hipótese de prisão em flagrante legal, mas desnecessária, porque inocorrentes os requisitos da prisão preventiva, embora presentes a materialidade do crime e indícios de autoria, além da situação de flagrância, bem como cumpridos todos os requisitos necessários à lavratura do auto de prisão em flagrante. A liberdade provisória também ocorrerá quando cessarem os motivos da prisão preventiva. Jamais será concedida quando presente o periculum libertatis.

Por outro lado, sendo ilegal o flagrante, em razão de não haver prova do crime ou indícios de autoria, ou ainda, porque inexistente situação flagrancial ou pelo fato de terem sido desrespeitados os requisitos para a lavratura do auto de prisão em flagrante, o caso não será de liberdade provisória, mas de pedido de relaxamento de prisão (ou habeas corpus), formulado com fulcro no inc. LXV do art. 5º da CF.

Portanto, no relaxamento ataca-se a legalidade da prisão; no pedido de liberdade provisória, a sua necessidade (ou melhor, desnecessidade), representada pela ausência do periculum libertatis, isto é, dos motivos autorizadores da prisão preventiva.

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10.1. DA LIBERDADE PROVISÓRIA SEM FIANÇAApós a Lei nº 12.403/2011, a liberdade provisória passou a ser prevista no

art. 321 do CPP, dispondo que inexistentes:

os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código e observados os critérios constantes do art. 282 deste Código.

Também é mencionada no inc. III do art. 310 do CPP, previsão que obriga o magistrado a concedê-la, quando não for o caso de relaxamento do flagrante ou de conversão deste em prisão preventiva.

A doutrina tradicional divide a liberdade provisória em obrigatória, permitida e vedada.

A primeira ocorre quando o réu se livra solto do flagrante independentemente de qualquer vinculação ou restrição, e estava prevista nas hipóteses do antigo art. 321 do CPP. Referido dispositivo previa que, no caso de infração, a que não fosse cominada, isolada, cumulativa ou alternativamente, pena privativa de liberdade; ou quando o máximo da pena privativa de liberdade, isolada, cumulativa ou alternativamente cominada, não excedesse a 3 (três) meses, a liberdade provisória devia ser obrigatoriamente concedida. A partir da Lei nº 12.403/2011, a hipótese de liberdade obrigatória passou a ser acolhida expressamente no § 1º do art. 283, vedando-se ao juiz fixar qualquer medida cautelar pessoal (prisão preventiva ou temporária ou outra cautelar prevista no art. 319) quando à infração não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade. Neste caso, o acusado é colocado imediatamente em liberdade, após a lavratura do auto de prisão em flagrante (art. 309 do CPP).

Na verdade, pode-se dizer que não se trata de uma espécie de liberdade provisória, pois, neste caso, a liberdade é definitiva, e concedida sem qualquer vinculação de o beneficiado comparecer aos atos do processo (conhecida como liberdade provisória sem vinculação), porquanto, mesmo na hipótese de condenação, o réu, face à natureza da sanção, não será preso.

A liberdade também será obrigatória quando o agente tiver praticado o fato sob o abrigo de uma causa excludente de ilicitude, por ser vedada, nesta hipótese, a decretação da prisão preventiva, por força do art. 314 do CPP. Ora, ausentes os requisitos da preventiva, a liberdade é a única medida que se impõe.

Por sua vez, tratando-se de infração de menor potencial ofensivo submetida à competência do Juizado Especial Criminal, ao autor que for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, além do direito à liberdade, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança (parágrafo único do art. 69 da Lei nº 9.099/1995).

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Do mesmo modo, em nosso entendimento, nos casos em que é manifesto o cabimento da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995) a liberdade também será obrigatória, ante a impossibilidade de aplicação de medidas cautelares pessoais, em respeito ao postulado da proporcionalidade (v. itens 9.2.1 e 9.4).

Diz-se permitida a liberdade provisória nas hipóteses em que não couber a prisão preventiva ou se o réu não se livrar solto (liberdade obrigatória), ou ainda, quando ausente vedação ao seu deferimento por outra lei (a despeito de proibições legais, por si só, não afastarem o benefício, consoante se verá a seguir).

Por sua vez, a liberdade provisória é vedada quando couber a prisão preventiva ou quando a Constituição Federal ou a lei expressamente a proibir. Nesse contexto, a CF dispõe serem inafiançáveis a prática de racismo (art. 5º, XLII), os crimes hediondos e os a eles equiparados (XLIII) e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (XLIV).

Veja que o crime de racismo é inafiançável, diante da disposição constitucional, mas a ele pode ser concedida a liberdade provisória (sem fiança), porque a Constituição não a veda.

A seu turno, o art. 2º, II, da Lei nº 8.072/1990, em sua redação original, dispunha serem insuscetíveis de fiança e liberdade provisória os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo (v. observação ao final acerca da Lei nº 11.464/2007).

No mesmo sentido, o art. 7º da Lei nº 9.034/1995 veda a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa.

O art. 3º da Lei nº 9.613/1998 obsta a concessão de fiança e liberdade provisória para os acusados por crimes de lavagem de dinheiro.

Também há vedação de concessão de liberdade provisória no art. 21 da Lei nº 10.826/2003 para os crimes definidos nos arts. 16 (posse ou porte de arma de uso restrito), 17 (comércio ilegal de arma de fogo) e 18 (tráfico internacional de arma de fogo). O dispositivo, entretanto, foi declarado inconstitucional pelo STF, no julgamento da ADI 3.112/DF (Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, DJ, 26/10/2007, p. 00028).

Por fim, há, ainda, o art. 44 da Lei nº 11.343/2006 que impede a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, para os delitos previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37.

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Não se pode confundir, deste modo, fiança e liberdade provisória, pois esta é gênero da qual aquela é espécie. Essa conclusão, por mais óbvia que pareça, não é admitida pacificamente na doutrina e na jurisprudência, conforme se verá a seguir.

Em nossa visão, porém, em todos os casos, a vedação legal só se efetivará se estiverem presentes os motivos da prisão preventiva, não podendo servir de negativa para a liberdade provisória a simples proibição normativa.

Ora, se a liberdade é a regra e a prisão provisória é a exceção, sendo medida extrema e excepcional, não há como deixar de concedê-la quando não estiverem presentes os requisitos para a custódia cautelar. Conforme asseverado pela Ministra Laurita Vaz, em posição, infelizmente, não pacificada no STJ:

mesmo para os crimes em que há vedação expressa à liberdade provisória, como é o caso do Estatuto do Desarmamento, da Lei dos Crimes Hediondos e a das Organizações Criminosas, a teor da jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, remanesce a necessidade de fundamentação concreta para o indeferimento do pedido, prestigiando-se, assim, a regra constitucional da liberdade em contraposição ao cárcere cautelar, quando não houver demonstrada a necessidade da segregação” (REsp 768.235/BA, Rel.ª Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 02/05/2006, DJ, 05/06/2006, p. 313).

O Supremo Tribunal Federal, na mesma linha do entendimento adotado por ocasião da declaração de inconstitucionalidade do art. 21 da Lei nº 10.826/2003 (ADI 3.112/DF, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, DJ, 26/10/2007, p. 00028), deu interpretação conforme ao art. 7º da Lei nº 9.034/1995 e ao art. 3º da Lei nº 9.613/1998, só admitindo as vedações se presentes os requisitos da prisão preventiva. Elucidativa sobre o tema a decisão noticiada no Informativo nº 537 do STF, verbis:

Prisão Cautelar e Art. 3º da Lei nº 9.613/1998 – 2Diante das circunstâncias de o STF ter declarado a inconstitucionalidade de norma semelhante à impugnada, qual seja, a do art. 9º da Lei nº 9.034/1995 (“O réu não poderá apelar em liberdade, nos crimes previstos nesta lei.”) e de já haver dado interpretação conforme ao art. 3º da Lei nº 9.613/1998, a fim de conjugá-lo com o art. 312 do CPP — no sentido de que o juiz decidirá, fundamentadamente, se o réu poderá, ou não, apelar em liberdade, verificando se estão presentes os requisitos da prisão cautelar —, ressaltou-se que o Tribunal deveria apreciar se, na presente situação, a decretação da prisão provisória estaria motivada ou derivaria de simples aplicação textual do art. 3º da Lei nº 9.613/1998. Assim, ultrapassada a questão do exame da

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inconstitucionalidade do dispositivo questionado pela impetração, entendeu-se que a segregação tivera como base não só o referido art. 3º da Lei nº 9.613/1998, mas também a necessidade de garantia da ordem pública, tanto em face da gravidade dos delitos perpetrados quanto em razão da personalidade do paciente, voltada para o crime. Enfatizou-se, ainda, que a Lei nº 11.719/2008, além de revogar o art. 594 do CPP, introduziu o parágrafo único ao art. 387, desse mesmo código, dispondo que, no momento da sentença, o juiz poderá decretar a prisão preventiva, se a medida se mostrar necessária, observada a devida justificação, como ocorrera na hipótese. Dessa forma, concluiu-se que, nos termos mencionados no art. 387, parágrafo único, do CPP, a magistrada, quando da prolação da sentença, motivara suficientemente a imprescindibilidade de decretação da custódia do paciente, registrando a gravidade dos delitos, sua repercussão e, de igual modo, a necessidade de evitar repetição de ações criminosas. Por conseguinte, asseverou-se que tais justificativas encontrariam amparo no art. 312 do CPP, havendo justa causa para o decreto prisional.(HC 83.868/AM, Rel. orig. Ministro Marco Aurélio, Rel.ª p/ o acórdão Ministra Ellen Gracie, 05/03/2009.)

Entretanto, em relação às vedações contidas na Lei dos Crimes Hediondos e da Lei de Drogas, a jurisprudência até o presente momento não se assentou, havendo decisões no sentido de que as vedações legais, por si só, impedem à concessão de liberdade provisória e outras em sentido contrário, segundo as quais a manutenção da segregação só se justifica se presentes os requisitos da prisão preventiva.

De fato, a Lei nº 8.072/1990, em sua redação original, vedava para os crimes hediondos e equiparados a concessão de fiança e liberdade provisória. À época, prevaleceu na jurisprudência o entendimento de que a vedação legal se encontrava em consonância com a Constituição Federal.

Posteriormente, porém, a Lei nº 11.464/2007 alterou a redação do art. 2º da Lei nº 8.072/1990, que passou a dispor:

Art. 2º

[...]II – fiança.§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.§ 2º A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.

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§ 3º Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.§ 4º A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.” (NR)

Note que a citada lei, além de disciplinar a progressão de regime para os crimes hediondos, suprimiu a vedação legal, até então vigente, de liberdade provisória sem fiança a tais delitos.

Desse modo, restou evidenciada que a vontade atual do legislador foi a de não proibir a liberdade provisória (sem fiança) aos crimes hediondos. A alteração legislativa, todavia, não foi suficiente para pacificar doutrina e jurisprudência.

Isso porque se, de um lado, não há mais vedação legal à concessão de liberdade provisória aos crimes hediondos e equiparados, para parte da doutrina e da jurisprudência a proibição decorre da própria inafiançabilidade dos delitos hediondos, contida na Constituição Federal, pois seria redundante também se vedar no Texto Constitucional a liberdade provisória. Sustenta-se que, se a fiança, medida deferida a crimes menos graves, é proibida, por óbvio, a Carta Magna também obstou a liberdade provisória para esses delitos mais gravosos. Nesse sentido: TJ/DFT: 20070020039445HBC, Rel. Getulio Pinheiro, Segunda Turma Criminal, julgado em 10/05/2007, DJ, 30/05/2007, p. 112; STJ: HC 91.140/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 06/03/2008, DJ, 07/04/2008, p. 1; HC 83.729/CE, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 02/08/2007, DJ, 10/09/2007, p. 291; HC 84.245/SC, Rel.ª Ministra Jane Silva (Desembargadora Convocada do TJ/MG), Quinta Turma, julgado em 27/09/2007, DJ, 15/10/2007, p. 332; HC 61.304/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 27/09/2007, DJ, 15/10/2007, p. 308.

A propósito, veja as seguintes decisões recentes proferidas pela Primeira Turma do STF e pela Quinta Turma do STJ, verbis:

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSO PENAL. PRISÃO EM FLAGRANTE POR TRÁFICO DE DROGAS. LIBERDADE PROVISÓRIA: INADMISSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.1. A proibição de liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e equiparados, decorre da própria inafiançabilidade imposta pela Constituição da República à legislação ordinária (Constituição da República, art. 5º, inc. XLIII): Precedentes. O art. 2º, inc. II, da Lei

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nº 8.072/1990 atendeu ao comando constitucional, ao considerar inafiançáveis os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. Inconstitucional seria a legislação ordinária que dispusesse diversamente, tendo como afiançáveis delitos que a Constituição da República determina sejam inafiançáveis. Desnecessidade de se reconhecer a inconstitucionalidade da Lei nº 11.464/2007, que, ao retirar a expressão “e liberdade provisória” do art. 2º, inc. II, da Lei nº 8.072/1990, limitou-se a uma alteração textual. A proibição da liberdade provisória decorre da vedação da fiança, não da expressão suprimida, a qual, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, constituía redundância. Mera alteração textual, sem modificação da norma proibitiva de concessão da liberdade provisória aos crimes hediondos e equiparados, que continua vedada aos presos em flagrante por quaisquer daqueles delitos.[...]5. Ordem denegada.(HC 103715, Rel.ª Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 23/11/2010, DJe-055, divulg. 23/03/2011, public. 24/03/2011, ement. v. 02.488-01, p. 00065.)RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. VALIDADE DA VEDAÇÃO CONTIDA NO ART. 44 DA LEI Nº 11.343/2006. GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. PACIENTE ESTRANGEIRO, SEM VÍNCULO COM O DISTRITO DA CULPA. RECURSO DESPROVIDO.[...]2. É firme a orientação da Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a vedação expressa da liberdade provisória nos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes é, por si só, motivo suficiente para impedir a concessão da benesse ao réu preso em flagrante por crime hediondo ou equiparado, nos termos do disposto no art. 5º, inc. XLIII, da Constituição da República, que impõe a inafiançabilidade das referidas infrações penais. Precedentes desta Turma e do Supremo Tribunal Federal.[...]4. Recurso desprovido.(RHC 29.362/PR, Rel.ª Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 31/05/2011, DJe, 14/06/2011).

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Em posição contrária, todavia, a 2ª Turma do STF e a 6ª Turma do STJ reconhecem a possibilidade de concessão de liberdade provisória aos acusados por crimes hediondos, consoante se vê nas seguintes decisões:

HABEAS CORPUS. PENAL, PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. SEGREGAÇÃO CAUTELAR. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE SITUAÇÃO FÁTICA. LIBERDADE PROVISÓRIA INDEFERIDA COM FUNDAMENTO NO ART. 44 DA LEI Nº 11.343. INCONSTITUCIONALIDADE: NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DESSE PRECEITO AOS ARTS. 1º, INC. III, E 5º, INCS. LIV E LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.1. Liberdade provisória indeferida com fundamento na vedação contida no art. 44 da Lei nº 11.343/2006, sem indicação de situação fática vinculada a qualquer das hipóteses do art. 3art. 3art. 3art. 3art. 312 do Código de Processo Penal.2. Entendimento respaldado na inafiançabilidade do crime de tráfico de entorpecentes, estabelecida no art. 5º, inc. XLIII, da Constituição do Brasil. Afronta escancarada aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana.3. Inexistência de antinomias na Constituição. Necessidade de adequação, a esses princípios, da norma infraconstitucional e da veiculada no art. 5º, inc. XLIII, da Constituição do Brasil. A regra estabelecida na Constituição, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade. A prisão faz exceção a essa regra, de modo que, a admitir-se que o art. 5º, inc. XLIII, estabelece, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória, o conflito entre normas estaria instalado.4. A inafiançabilidade não pode e não deve – considerados os princípios da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana, da ampla defesa e do devido processo legal – constituir causa impeditiva da liberdade provisória.5. Não se nega a acentuada nocividade da conduta do traficante de entorpecentes. Nocividade aferível pelos malefícios provocados no que concerne à saúde pública, exposta a sociedade a danos concretos e a riscos iminentes. Não obstante, a regra consagrada no ordenamento jurídico brasileiro é a liberdade; a prisão, a exceção. A regra cede a ela em situações marcadas pela demonstração cabal da necessidade da segregação ante tempus. Impõe-se, porém, ao Juiz o dever de explicitar as razões pelas quais alguém deva ser preso ou mantido preso cautelarmente. Ordem concedida a fim de que o paciente seja posto em liberdade, se por al não estiver preso.(HC 98.103, Rel. p/ Acórdão Ministro Eros Grau, Segunda Turma, julgado em 16/03/2010, DJe-179, divulg. 23/09/2010 public. 24/09/2010 ement. v. 02.416-02 p. 00407, RMDPPP, v. 7, nº 38, 2010, p. 105-111.)

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AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR QUANTO AO MÉRITO. ART. 557, § 1º-A, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. APLICAÇÃO ANALÓGICA NOS TERMOS DO ART. 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. DEFERIMENTO. VEDAÇÃO DA LEI Nº 11.343/2006. INAPLICABILIDADE.[...]2. In casu, a negativa de seguimento ao recurso especial por meio de decisão monocrática, fez prevalecer orientação atual desta Sexta Turma, no sentido de que, mesmo nas hipóteses de crimes hediondos ou equiparados, como nos casos de tráfico de entorpecentes, é imprescindível que se demonstre, com base em elementos concretos, a necessidade da custódia, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, sendo a simples vedação contida na nova Lei de Drogas insuficiente para o indeferimento da liberdade provisória, eis que entendido ser a liberdade, antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, por imperativo constitucional, a regra, não a exceção.[...](AgRg no REsp 1.204.543/RS, Rel. Ministro Haroldo Rodrigues – desembargador convocado do TJ/CE, Sexta Turma, julgado em 05/05/2011, DJe, 15/06/2011).

Aplicada a posição da Primeira Turma do STF e da Quinta Turma do STJ teremos as seguintes situações: a) se o acusado foi preso em flagrante delito e não houve ilegalidade nesta prisão, a vedação constitucional aplica-se por si só, impedindo a liberdade provisória; b) sendo ilegal o flagrante a prisão deve ser relaxada, só se permitindo a decretação da prisão preventiva, caso presentes seus pressupostos e fundamentos, não sendo legítima a segregação apoiada tão somente na classificação hedionda do delito (não há prisão preventiva obrigatória); c) não tendo sido preso em flagrante o acusado a decretará da prisão preventiva só será legal se presentes seus pressupostos e fundamentos, não sendo suficiente para justificá-la a natureza hedionda do crime (não há prisão preventiva obrigatória).

Para Nucci, “resta certa ilogicidade no sistema”. Ora:se o indivíduo é preso em flagrante, acusado de crime hediondo, por exemplo, não poderá receber o benefício da liberdade provisória, mesmo que seja primário, de bons antecedentes e não ofereça maiores riscos à sociedade, mas se conseguir fugir do local do crime, apresentando-se depois à polícia, sem a lavratura do flagrante, poderá ficar em liberdade durante todo o processo, pelo mesmo crime hediondo, pois o juiz não está obrigado a decretar a prisão preventiva. Parece-nos incompreensível essa desigualdade de tratamento.

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Poderíamos, ainda, complementar a lição do renomado autor, dizendo que, na hipótese de ausência de flagrante descrita anteriormente, o juiz sequer poderia decretar a prisão preventiva, eis que inocorrentes os motivos dessa cautelar, pois a gravidade do delito ou a sua classificação hedionda é insuficiente para a decretação da medida.

Assim, resta evidente a contradição do sistema, a partir da adoção dessa corrente à qual não nos alinhamos e que parte, em nosso entendimento, de uma premissa equivocada, de que a Constituição Federal, ao vedar a fiança, também estaria a proibir a liberdade provisória.

Ora, fosse assim, o crime de racismo também deveria seguir a mesma linha de raciocínio, vedando-se para ele, inclusive, a liberdade provisória e não somente a fiança, o que ofenderia a proporcionalidade. Isso porque, basta uma simples leitura à Lei nº 7.716/1989, que define os crimes de racismo, para verificar que as infrações lá contidas possuem penas máximas de três a cinco anos e mínimas entre um a dois anos, admitindo a maior delas a suspensão condicional do processo. Ademais, o novo art. 313 do CPP só permite, em princípio, a prisão preventiva para as infrações com pena máxima superior a quatro anos.

Portanto, a questão acerca da possibilidade de concessão de liberdade provisória a acusados por crimes hediondos, atualmente, divide o STF e o STJ, embora, em nosso entendimento, não subsista qualquer dúvida sobre o seu cabimento a tais delitos, mormente após a Lei nº 11.464/2007. Para a Primeira Turma do STF e a Quinta Turma do STJ, mesmo com o advento da novel norma permanece a vedação que decorre da inafiançabilidade Constitucional dessas infrações; a seu turno, para a Segunda Turma do STF e a Sexta Turma do STJ não subsiste mais a proibição.

Em relação ao tráfico de drogas e outras figuras assemelhadas na Lei de Drogas, a questão também divide os tribunais superiores.

Com efeito, partindo da premissa que a Lei nº 11.464/2007 permitiu para os crimes hediondos a liberdade provisória sem fiança, passou-se a discutir se a vedação de liberdade provisória para crimes relativos a drogas (arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37), contida no art. 44 da Lei nº 11.343/2006 ainda subsistiria.

Duas correntes se formaram. Para a primeira, a vedação (norma especial) não foi revogada pela Lei nº 11.464/07 (norma geral). Nesse sentido: TJ-RS, 3ª Câmara Criminal, HC nº 70019151349, Rel.ª Des.ª Elba Aparecida Nicolli Bastos, public. 03/05/2007; STJ, HC 83.010/MG, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 19/06/2007, DJ, 06/08/2007, p. 602. Argumenta-se que “a superveniência da modificação trazida pela Lei nº 11.464/2007 não

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possibilitou a concessão da liberdade provisória aos réus que respondem ação penal pela prática do crime de tráfico de entorpecentes. A Lei nº 11.343/2006 cuida de legislação especial, e contém disposição expressa quanto à proibição do deferimento da liberdade provisória nas hipóteses de tráfico de entorpecentes. Em se tratando de lei especial, não se mostra plausível a tese de que tal dispositivo foi derrogado tacitamente pela Lei nº 11.464/2007”. É a posição atual da Primeira Turma do STF e da Quinta Turma do STJ.

Para a segunda, com a Lei nº 11.464/2007 não mais subsiste a vedação abstrata do art. 44 da Lei nº 11.343/2006. Isto porque a questão não deve ser resolvida pela aplicação do princípio da especialidade, pois este só é invocado quando há um conflito aparente entre duas normas vigentes. O presente caso, no entanto, resolve-se pela aplicação da nova lei mais favorável (Lei nº 11.464/2007) que, no ponto, revogou tacitamente a norma anterior (art. 44 da Lei nº 11.343/2006). É a nossa posição.

É a corrente acolhida pela Segunda Turma do STF e pela Sexta Turma do STJ para quem a vedação legal não mais subsiste (HC 137.201/MG, Rel. Ministro Celso Limongi – desembargador convocado do TJ/SP, Sexta Turma, julgado em 25/08/2009, DJe, 14/09/2009; HC 131.302/PB, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 13/08/2009, DJe, 21/09/2009). A propósito, confira a seguinte decisão:

A Turma, superando a restrição fundada no Enunciado 691 da Súmula do STF, concedeu, de ofício, habeas corpus para assegurar a denunciado pela suposta prática do delito de tráfico de substância entorpecente (Lei nº 11.343/2006, art. 33) o direito de permanecer em liberdade, salvo nova decisão judicial em contrário do magistrado competente fundada em razões supervenientes. Enfatizou-se que a prisão cautelar do paciente fora mantida com base, tão somente, no art. 44 da Lei nº 11.343/2006 (“Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.”) que, segundo a Turma, seria de constitucionalidade, ao menos, duvidosa”.(HC 100.742/SC, Rel. Celso de Mello, 03/11/2009 – Informativo nº 566).

Em nossa opinião, além do erro na aplicação do princípio da especialidade, conforme relatado anteriormente, a posição ora acolhida pela Primeira Turma do STF e pela Quinta Turma do STJ, de não permitir liberdade provisória para os crimes de tráfico de drogas ofende também, não raras vezes, ao princípio da proporcionalidade.

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Isso porque, em recente decisão, o Plenário do Pretório Excelso declarou a inconstitucionalidade do art. 44 e do § 4º do art. 33, ambos da Lei nº 11.343/2006, na parte em que vedavam a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos. A propósito, confira a ementa, verbis:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 44 DA LEI Nº 11.343/2006: IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INC. XLVI DO ART. 5º DA CF/1988). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.1. O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinquente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material.2. No momento sentencial da dosimetria da pena, o juiz sentenciante se movimenta com ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da liberdade do condenado e uma outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado. Pelo que é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória.3. As penas restritivas de direitos são, em essência, uma alternativa aos efeitos certamente traumáticos, estigmatizantes e onerosos do cárcere. Não é à toa que todas elas são comumente chamadas de penas alternativas, pois essa é mesmo a sua natureza: constituir-se num substitutivo ao encarceramento e suas sequelas. E o fato é que a pena privativa de liberdade corporal não é a única a cumprir a função retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal. As demais penas também são vocacionadas para esse geminado papel da retribuição-prevenção-ressocialização, e ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto, qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero.

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4. No plano dos tratados e convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro, é conferido tratamento diferenciado ao tráfico ilícito de entorpecentes que se caracterize pelo seu menor potencial ofensivo. Tratamento diferenciado, esse, para possibilitar alternativas ao encarceramento. É o caso da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno pelo Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991. Norma supralegal de hierarquia intermediária, portanto, que autoriza cada Estado soberano a adotar norma comum interna que viabilize a aplicação da pena substitutiva (a restritiva de direitos) no aludido crime de tráfico ilícito de entorpecentes.5. Ordem parcialmente concedida tão somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei nº 11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente.(HC 97.256, Rel. Ministro Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 01/09/2010, DJe-247, divulg. 15/12/2010, public. 1/12/2010, ement. v. 02.452-01 p. 00113).

Ora, fere a proporcionalidade manter alguém preso se ao final do processo será colocado em liberdade, em razão da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Sem falar que, considerando a morosidade da justiça, é bem capaz de o acusado não ter sequer a oportunidade de cumprir a pena alternativa, por ter ficado preso cautelarmente durante todo o curso do processo, pois a pena cominada (mínima de um ano e oito meses – art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006) pode ser igual ou até mesmo menor do que o período da prisão cautelar.

A questão se encontra submetida ao Plenário do STF, nos HC nº 92.687/MG e 100.949/SP, consoante noticiado no Informativo nº 612, e provavelmente será declarada a perda do objeto do primeiro writ, restando a análise apenas do segundo. Confira:

Liberdade provisória e tráfico de drogas – 5O Plenário retomou julgamento conjunto de dois habeas corpus, afetados pela Segunda Turma, nos quais questionada a proibição de liberdade provisória, prevista no art. 44 da Lei nº 11.343/2006, a presos em flagrante por tráfico ilícito de entorpecentes — v. Informativos

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599 e 611. Em voto-vista, a Ministra Cármen Lúcia não conheceu do HC 92.687/DF. Destacou que, de acordo com informações prestadas em data anterior à impetração do writ nesta Corte, o juízo de origem deferira a liberdade provisória, desclassificando o crime de tráfico para o de posse, e que, portanto, não haveria objeto. Reajustaram seus votos pelo não conhecimento os Ministros relator e Dias Toffoli. No que se refere ao HC 100.949/SP, após manifestação da Ministra Cármen Lúcia esclarecendo que, na espécie, o acórdão recorrido não teria em nenhum momento tratado da Lei nº 11.343/2006, mas fundamentado a custódia cautelar no art. 312 do CPP, o Ministro Joaquim Barbosa indicou adiamento.(HC 92.687/MG e HC 100.949/SP, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, 09/12/2010.)

Cumpre destacar, por oportuno, a nova redação do caput do art. 283 do CPP dada pela Lei nº 12.403/2011, verbis:

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

Resta claro que a prisão cautelar só se mantém por “ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária”, o que, a nosso ver, reforça o entendimento de que eventual vedação legal, por si só, não é suficiente para obstar a concessão de liberdade provisória.

Nesse contexto, ausentes os motivos da prisão preventiva e não sendo o caso de ilegalidade do flagrante (o que demandaria o relaxamento da prisão), surge a possibilidade da concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança. Mas que espécie de liberdade provisória deverá ser aplicada no caso: com fiança ou sem fiança?

A resposta parece ser óbvia à primeira vista: sendo inafiançável a infração, cabe ao réu pleitear a liberdade provisória sem fiança, pois, como visto, estas não se confundem; se for afiançável, cabível será a fiança.

A Lei nº 12.403/2011, neste particular, buscou fazer uma profunda alteração no sistema, tentando revigorar a fiança, em detrimento da liberdade provisória sem fiança.

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De fato, antes da novel norma, era comum, na prática, a opção pela liberdade provisória prevista na antiga redação do parágrafo único do art. 310 (dada pela Lei nº 6.416/1977) em oposição à fiança. Isso porque a fiança, até então cabível apenas em algumas infrações, quais sejam as apenadas com detenção e as com reclusão, cuja pena mínima não excedesse a dois anos (antiga redação do art. 323 do CPP), trazia ao beneficiado mais obrigações do que a própria liberdade provisória sem fiança. Com efeito, além de não efetuar qualquer pagamento (exigido, por evidente, na fiança), ao agraciado pela liberdade provisória sem fiança não podiam ser impostas as obrigações constantes dos arts. 327 e 328, porquanto estas são aplicadas exclusivamente aos delitos afiançáveis. A única obrigação era comparecer a todos os atos do processo.

Tal situação levou ao pouco emprego da fiança na prática, porque, por uma questão de razoabilidade, a liberdade provisória sem fiança, prevista no antigo parágrafo único, do art. 310 do CPP, também poderia ser pleiteada por acusados por crimes afiançáveis, por serem estes menos gravosos do que os inafiançáveis. Ficava facultada ao requerente, em se tratando de delito afiançável, a escolha entre fiança ou liberdade provisória sem fiança.

A liberdade provisória, na forma do revogado parágrafo único do art. 310, era concedida quando inexistiam os requisitos que autorizavam a prisão preventiva, exigindo-se, no entanto, a prévia oitiva do Ministério Público, cuja manifestação, por certo, não vinculava a decisão judicial.

Portanto, cabia ao requerente provar tão somente que não se faziam presentes os requisitos da medida cautelar, quais sejam o fumus comissi delicti e o periculum libertatis (v. item 9.2.1).

A partir da Lei nº 12.403/2011, contudo, a liberdade provisória passou a ser regulada em dois dispositivos do CPP, quais sejam os arts. 310, inc. III, e 321, verbis:

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:I – relaxar a prisão ilegal; ouII – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ouIII – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. [...]

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Art. 321. Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código e observados os critérios constantes do art. 282 deste Código.I – (revogado)II – (revogado). (NR)

Nesse contexto, observa-se que não mais se exige a manifestação prévia do Ministério Público para a concessão de liberdade provisória, a qual, inclusive, deverá ser concedida de ofício pelo magistrado ao receber o auto de prisão em flagrante, se verificar a ausência dos requisitos que autorizam a decretação da preventiva (v. item 9.2.1). Cumpre ressaltar que o flagrante não mais subsistirá após a comunicação ao juiz, e a segregação só será mantida se for convertida em prisão preventiva. Cumprirá ao magistrado, agora, não só a análise de legalidade do flagrante, mas também acerca da necessidade de se manter a prisão (v. item 9.1).

Por outro lado, a Lei nº 12.403/2011 passou a admitir a fiança para todas as infrações, salvo para aquelas cuja inafiançabilidade decorre da própria Constituição Federal, como os crimes de racismo; de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos; e os cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Não se pode esquecer, ainda, que há delitos inafiançáveis por força de vedação legal. É o que ocorre com os crimes contra o sistema financeiro (art. 31 da Lei nº 7.492/86), os previstos na Lei nº 9.034/1995 (ações praticadas por organizações criminosas – crimes de quadrilha ou bando) e na Lei nº 9.613/1998 (art. 3º), disposições que, a nosso ver, por constituírem normas especiais continuam em vigor, não tendo sido atingidas pela Lei nº 12.403/2011. Mesmo, assim, a esmagadora maioria das infrações, agora, passam a ser sujeitas à fiança.

Possibilitou-se, no entanto, ao juiz, verificando a situação econômica do preso, a concessão de liberdade provisória sem fiança, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 do CPP e a outras medidas cautelares do art. 319, se for o caso. Assim, a liberdade provisória sem fiança, na forma da novel norma, obrigará o indiciado ou acusado a: – comparecer a todos os atos do processo; – não mudar de residência, sem prévia permissão da autoridade processante; – não se ausentar por mais de 8 (oito) dias de sua residência, sem comunicar ao juiz o lugar onde será encontrado.

Tudo isso, sob pena de aplicação do § 4º do art. 282 do CPP, verbis:

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Art. 282.

[...]§ 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único)[...].

Ou seja, o descumprimento das obrigações impostas, sem motivo justificado, poderá importar em prisão preventiva, mas não de maneira automática, como ocorria no regime anterior, pois a segregação só será cabível em último caso. Atualmente, todavia, o magistrado deve decidir sempre de acordo com o caso concreto, verificando, antes de eventual prisão, a possibilidade de substituição da medida ou de imposição cumulada de outra cautelar alternativa à prisão (art. 319).

Questão relevante e que certamente será bastante discutida e atormentará doutrina e jurisprudência será a seguinte: no sistema atual instituído pela Lei nº 12.403/2011 continuará sendo facultada ao requerente, em se tratando de delito afiançável, a escolha entre fiança ou liberdade provisória sem fiança?

Em nossa opinião sim, posição que deixará a fiança exatamente como estava antes da novel norma, ou seja, com pouca aplicação na prática.

Com efeito, acusados por tráfico de drogas, terrorismo, tortura e por crimes hediondos, ausentes os motivos da prisão preventiva, serão beneficiados pela liberdade provisória sem fiança, diante da inafiançabilidade constitucional desses delitos. Assim, se, nestes casos, de infrações gravíssimas, o indiciado ou acusado é liberado independentemente do pagamento de fiança, não há motivos para que, em outras infrações de menor gravidade, seja compelido a pagar pela sua liberdade.

Pode-se pensar, ainda, que em crimes de maior gravidade e inafiançáveis, como os hediondos, a concessão de liberdade provisória será cumulada com outras medidas cautelares, tendo em vista o inc. II do art. 282 do CPP. Contudo, a gravidade isolada (genérica ou abstrata) do crime não poderá servir de justificativa para aplicação de qualquer medida cautelar prevista no art. 319 do CPP, mas apenas quando aliada as circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado (v. item 9.4).

Desse modo, em nosso entendimento, continuará sendo facultada ao requerente a escolha, em se tratando de delito afiançável, entre fiança ou liberdade provisória sem fiança, tendo em vista o postulado da proporcionalidade.

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E, certamente, optará pela liberdade provisória sem fiança em vez desta, já que as condições impostas para ambos os casos são as mesmas (arts. 327 e 328), mas a última importa no pagamento de valor, algo inocorrente na primeira. Daí, a nossa conclusão, de que a fiança continuará pouco ocorrente na prática.

É claro que estamos partindo da premissa de ser cabível a liberdade provisória para crimes hediondos e equiparados, inobstante a divergência jurisprudencial sobre o tema, conforme visto anteriormente.

Não se pode olvidar, também, que fere a dignidade da pessoa humana não devolver a liberdade tão somente pelo fato de o indiciado ou acusado não possuir recursos para efetuar o pagamento da fiança. Para esses casos, poder-se-á argumentar que o legislador previu a isenção da fiança pelo juiz, nos termos do art. 350 do CPP. Mas, na nossa visão, essa previsão não é suficiente para afastar a ofensa ao postulado da proporcionalidade anteriormente apontada.

Lado outro, o requerente deve atentar-se que o pedido de liberdade provisória só deve ser aviado em caso de prisão manifestamente legal, cabendo-lhe provar que a segregação cautelar não é necessária. Isso porque, na hipótese de prisão ilegal, o pedido deve ser o de relaxamento de prisão ou de habeas corpus. Nada impede, porém, que, em uma mesma petição, se requeira, preliminarmente, o relaxamento de prisão e, como questão de mérito, a concessão de liberdade provisória.

A decisão que concede liberdade provisória desafia o recurso em sentido estrito (art. 581, V, CPP). A que denega a liberdade provisória é irrecorrível, dela cabendo somente habeas corpus.

10.2. DA LIBERDADE PROVISÓRIA COM FIANÇA

A fiança é uma garantia real de cumprimento das obrigações processuais do réu (Mirabete). Trata-se de direito público subjetivo do acusado, pois estando previstos os requisitos o juiz está obrigado a concedê-la (STF – RTJ, 116/139). Talvez por vê-la como direito o Legislador Constituinte, equivocadamente, optou por proibi-la para infrações mais gravosas, como os crimes hediondos e equiparados. De fato, a fiança não pode ser vista como um benefício; na verdade, cuida-se de uma restrição, pois o indiciado ou acusado, para conseguir a sua liberdade, fica obrigado a prestá-la. A vedação constitucional derrubará por terra um dos grandes objetivos da Lei nº 12.403/2011, qual seja restabelecer a fiança em nosso ordenamento jurídico.

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Com efeito, no regime instituído pela novel norma, a fiança foi colocada no seu devido lugar como medida cautelar alternativa à prisão. Porém, até pela locução constitucional (inc. LXVI do art. 5º da CF de 1988), a fiança continuará a ser tratada como uma espécie de liberdade provisória, ascendendo daí uma contradição no sistema: crimes mais graves, como os hediondos, não se submetem à fiança, mas à liberdade provisória sem fiança; em outras infrações menos gravosas, a liberdade provisória será condicionada ao pagamento da fiança.

Ora, se as condições impostas para ambos os casos – liberdade provisória e fiança – são as mesmas (arts. 327 e 328), mas a última importa no pagamento de valor, algo inocorrente na primeira, certamente, por uma questão de proporcionalidade, ficará facultado ao requerente, em se tratando de crime afiançável, a escolha pela liberdade provisória sem fiança (v. item 10.1) e, certamente, o fará, o que manterá a fiança ainda em desuso, mormente nos casos em que a liberdade for requerida ao juiz.

O CPP não disse quais crimes são afiançáveis. Preferiu apontar os casos de inafiançabilidade, nos arts. 323 e 324.

Com efeito, a fiança não era concedida nos seguintes casos: a) crimes punidos com pena mínima de reclusão superior a dois anos; b) contravenções de vadiagem e mendicância; c) crimes punidos com pena privativa de liberdade, se já tivesse sido definitivamente condenado por outro crime doloso; d) se o réu fosse vadio; e) crimes punidos com reclusão que provocassem clamor público ou que tenham sido cometidos mediante violência ou grave ameaça à pessoa; d) aos que tivessem quebrado, no mesmo processo, a fiança; e) quando presentes os motivos que autorizam a prisão preventiva; f ) aos que estivessem em gozo de sursis ou livramento condicional, salvo se se tratasse de crime culposo ou contravenção afiançáveis.

No entanto, a Lei nº 12.403/2011, objetivando revigorar a fiança em nosso ordenamento jurídico, deu nova redação aos arts. 323 e 324, que passaram a dispor, verbis:

Art. 323. Não será concedida fiança:I – nos crimes de racismo;II – nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos;III – nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;IV – (revogado);V – (revogado). (NR)

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Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança:I – aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código;II – em caso de prisão civil ou militar;III – (revogado);IV – quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312). (NR)

Percebe-se, desse modo, que todas as infrações passaram a ser afiançáveis, à exceção daquelas cuja inafiançabilidade decorre da própria Constituição Federal, elencadas no rol do novo art. 323. Assim, são inafiançáveis a prática de racismo, tortura, terrorismo, crimes hediondos, ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático.

Incabível a fiança, ainda, aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 do Código; em caso de prisão civil ou militar; ou quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva.

Não se pode esquecer, ainda, que há delitos inafiançáveis por força de vedação legal. É o que ocorre com os crimes contra o sistema financeiro (art. 31 da Lei nº 7.492/1986), os previstos na Lei nº 9.034/1995 (ações praticadas por organizações criminosas – crimes de quadrilha ou bando) e na Lei nº 9.613/1998 (art. 3º), disposições que, a nosso ver, por constituírem normas especiais continuam em vigor, não tendo sido atingidas pela Lei nº 12.403/2011. A propósito, são normas que repetem o erro da Constituição Federal de 1988, porque para esses delitos (crimes contra o sistema financeiro e de lavagem de dinheiro) que geralmente envolvem vultosas quantias, seria razoável, por óbvio, exigir do indiciado ou acusado o pagamento da fiança, como garantia para eventual ressarcimento dos prejuízos causados em caso de condenação. Contudo, as vedações continuam vigentes, o que torna impossível a imposição de fiança para as citadas infrações.

Mesmo, assim, a esmagadora maioria das infrações, agora, passam a ser sujeitas à fiança.

A fiança pode ser concedida (na verdade, decretada ou fixada, se vista como uma medida cautelar) desde a prisão em flagrante até o trânsito em julgado da sentença (art. 334 do CPP), sendo cabível, inclusive, após a sentença condenatória, na fase recursal.

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Em regra, a fiança deve ser fixada pelo juiz. Excepcionalmente, porém, poderá ser concedida pela autoridade policial. No regime anterior, o delegado de polícia podia concedê-la nos casos de infração punida com detenção ou prisão simples (antiga redação do art. 322). Impossível era o seu arbitramento pelo delegado de polícia, nos crimes de sonegação fiscal e contra a economia popular, ainda que apenados com detenção, pois, nestes delitos, a fiança só pode ser concedida pelo juiz, nos termos do § 2º do art. 325 do CPP (ora revogado).

Todavia, a Lei nº 12.403/2011 revogou o § 2º do art. 325 do CPP (os crimes de sonegação fiscal e contra a economia popular passaram a ser afiançáveis) e deu nova redação ao art. 322, dispondo, verbis:

Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas. (NR)

Assim, atualmente, a autoridade policial pode restituir a liberdade do indiciado preso em flagrante, mediante o arbitramento de fiança, nos casos de infração punida com pena máxima não superior a quatro anos, independentemente da natureza da sanção privativa de liberdade (reclusão ou detenção). Crimes como furto simples (art. 155, caput, do CP) e receptação (art. 180, caput, do CP), por exemplo, cuja concessão da fiança anteriormente dependia de ordem judicial, agora poderão, desde logo, terem arbitrada a fiança por ato do delegado de polícia.

Sem dúvidas, nestes casos em que o delegado de polícia pode arbitrá-la, a fiança será bastante empregada na prática, porquanto o pagamento desta pelo indiciado obstará o seu encarceramento.

Recusando ou demorando a autoridade policial na concessão da fiança, o preso, ou alguém por ele, poderá requerê-la, mediante simples petição, perante o juiz competente que decidirá em 48 horas. Não há mais necessidade de manifestação do delegado de polícia neste caso, conforme a nova redação do art. 335 do CPP (Lei nº 12.403/2011).

Quando o feito estiver em fase recursal, a fiança será requerida perante o tribunal, cuja decisão competirá ao relator.

Concedida a fiança, o acusado ficará obrigado a comparecer perante a autoridade, toda vez que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para o julgamento, sob pena de quebramento da fiança (art. 327 do

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CPP). Do mesmo modo, o réu afiançado não poderá mudar de residência, sem prévia permissão da autoridade processante, ou ausentar-se por mais de 8 (oito) dias de sua residência, sem comunicar àquela autoridade o lugar onde será encontrado (art. 328 do CPP).

A concessão de fiança prescinde de oitiva prévia do Ministério Público, que só será ouvido após a decisão, nos termos do art. 333 do CPP.

Aliás, esta era uma das poucas vantagens da fiança frente à liberdade provisória, concedida na forma do antigo parágrafo único do art. 310 do CPP, pois esta última só era concedida após a oitiva do MP. Ou seja, a fiança era concedida com mais celeridade. A situação, em nosso entendimento, foi alterada pela Lei nº 12.403/2011, que, ao dar nova redação ao art. 310 do CPP, não mais exige a manifestação prévia do Ministério Público para a concessão de liberdade provisória (v. item 10.1).

Pode haver a cassação, a quebra ou a perda da fiança.A fiança será cassada quando se reconheça não ser cabível na espécie ou

quando reconhecida a existência de delito inafiançável, no caso de inovação na classificação do delito (arts. 338 e 339 do CPP).

A quebra da fiança será decretada, nas hipóteses do art. 341 (redação dada pela Lei nº 12.403/2011) quando o réu: – regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem motivo justo; – deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo; – descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança; – resistir injustificadamente a ordem judicial; – praticar nova infração penal dolosa.

O quebramento da fiança importará a perda de metade do seu valor, cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva, consoante disposto no art. 343 do CPP (redação dada pela Lei nº 12.403/2011).

Haverá perda da fiança se, condenado, o réu não se apresentar à prisão para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta. Neste caso, depois de deduzidas as custas e demais encargos a que o réu estiver obrigado, o saldo será recolhido fundo penitenciário (arts. 344 e 345).

Para determinar o valor da fiança, a autoridade (juiz ou delegado de polícia, conforme o caso) deverá levar em consideração a natureza da infração, as condições econômicas e vida pregressa do acusado, as circunstâncias indicativas de sua periculosidade, bem como a importância provável das custas do processo, até final julgamento (art. 326 do CPP).

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A garantia pode consistir em depósito de dinheiro, pedras, objetos ou metais preciosos, títulos da dívida pública, federal, estadual ou municipal, ou em hipoteca inscrita em primeiro lugar (art. 330 do CPP).

Os valores pagos a título de fiança ficarão sujeitos ao pagamento das custas, da indenização do dano e da multa, se o réu for condenado em definitivo, ainda que posteriormente a esta condenação ocorra a extinção da punibilidade. Por outro lado, não havendo a prolação de sentença condenatória, como nas hipóteses de absolvição ou de mera declaração de extinção da punibilidade, o dinheiro ou objetos dados como fiança deverão ser restituídos a quem os prestou.

Por fim, concedida, negada, cassada, julgada quebrada ou perdida a fiança a parte poderá interpor recurso em sentido estrito, o qual só terá efeito suspensivo no caso de perda. Portanto, qualquer decisão relacionada à fiança é atacável por meio de recurso em sentido estrito. Nada impede, porém, que, indeferida a fiança, a parte impetre habeas corpus, sustentando a ilegalidade da decisão.