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Conceitos Elementares e Correntes Teóricas das Relações Internacionais MÓDULO I - CONCEITOS ELEMENTARES E CORRENTES TEÓRICAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS Site: Instituto Legislativo Brasileiro - ILB Curso: Relações Internacionais: Teoria e História - Turma 04 Livro: Conceitos Elementares e Correntes Teóricas das Relações Internacionais Impresso por: Claudio Cunha de Oliveira Data: sexta, 23 janeiro 2015, 08:56 Página 1 de 76 Conceitos Elementares e Correntes Teóricas das Relações Internacionais 23/01/2015 http://saberes.senado.leg.br/mod/book/tool/print/index.php?id=19941

REL - TH - Módulo I

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  • Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais

    MDULO I - CONCEITOS ELEMENTARES E CORRENTES TERICAS DAS RELAES INTERNACIONAIS

    Site: Instituto Legislativo Brasileiro - ILB

    Curso: Relaes Internacionais: Teoria e Histria - Turma 04

    Livro: Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais

    Impresso por: Claudio Cunha de Oliveira

    Data: sexta, 23 janeiro 2015, 08:56

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  • Sumrio

    Mdulo I - Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais

    Unidade 1 - As Relaes Internacionais no Mundo Contemporneo: Dilemas e PerspectivasPg. 2 - As Relaes Internacionais no mundo contemporneoPg. 3 - O Processo de GlobalizaoPg. 4 - Dilemas da GlobalizaoPg. 5 - Meio Ambiente, Direitos Humanos, Conflitos InternacionacionaisPg. 6 - Importncia do conhecimento de Relaes InternacionaisPg. 7 - As Relaes Internacionais e a Constituio BrasileiraPg. 8 - O Poder Legislativo e as Relaes InternacionaisPg. 9 - O Estudo das Relaes InternacionaisPg. 10 - Relaes Internacionais como disciplina independente

    Unidade 2 - Conceitos FundamentaisPg. 2 - Conceitos FundamentaisPg. 3 - Sociedade InternacionalPg. 4 - Sociedade InternacionalPg. 5 - Ator InternacionalPg. 6 - Sistema InternacionalPg. 7 - Foras ProfundasPg. 8 - PotnciaPg. 9 - PotnciaPg. 10 - PotnciaPg. 11 - HegemoniaPg. 12 - HegemoniaPg. 13 - Hegemonia

    Unidade 3 - Correntes tericas das Relaes InternacionaisPg. 2 - Teorias de Relaes InternacionaisPg. 3 - A fase idealistaPg. 4 - A fase idealistaPg. 5 - A fase idealistaPg. 6 - A fase realistaPg. 7 - Behavioristas e ps-behavioristasPg. 8 - Realismo, Pluralismo e GlobalismoPg. 9 - PluralismoPg. 10 - GlobalismoPg. 11 - Outras correntes tericasPg. 12 - Idealismo x RealismoPg. 13 - Tradicionalistas x CientficosPg. 14 - A Teoria Sistmica das Relaes InternacionaisPg. 15 - A Teoria Sistmica das Relaes InternacionaisPg. 16 - Realistas x PluralistasPg. 17 - Mudanas na Teoria das Relaes Internacionais

    Unidade 4 - O RealismoPg. 2 - O RealismoPg. 3 - O RealismoPg. 4 - O RealismoPg. 5 - O RealismoPg. 6 - O conflito e a questo da seguranaPg. 7 - Crticas ao RealismoPg. 8 - O NeorrealismoPg. 9 - O NeorrealismoPg. 10 - Os ltimos Grandes DebatesPg. 11 - Neorrealistas X GlobalistasPg. 12 - Neorrealistas X Neoliberais e a Teoria da InterdependnciaPg. 13 - Neorrealistas X Neoliberais e a Teoria da InterdependnciaPg. 14 - Neorrealistas x Neoliberais e a Teoria da InterdependnciaPg. 15 - Concluso

    Unidade 5 - Sociedade Internacional: Aspectos GeraisPg. 2 - Sociedade Internacional: Evoluo Histrica e ConceitoPg. 3 - Sociedade Internacional: Evoluo Histrica e ConceitoPg. 4 - Sociedade Internacional: Evoluo Histrica e ConceitoPg. 5 - Sociedade Internacional: Evoluo Histrica e ConceitoPg. 6 - Sociedade Internacional: Evoluo Histrica e ConceitoPg. 7 - Sociedade Internacional: Evoluo Histrica e ConceitoPg. 8 - Sociedade Internacional: Evoluo Histrica e ConceitoPg. 9 - Sociedade Internacional: Evoluo Histrica e ConceitoPg. 10 - Sociedade Internacional: Evoluo Histrica e ConceitoPg. 11 - Sociedade Internacional: Evoluo Histrica e ConceitoPg. 12 - Concluso do Mdulo I

    Exerccios de Fixao - Mdulo I

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  • Mdulo I - Conceitos Elementares e Correntes Tericas das Relaes Internacionais

    Unidade 1 - As Relaes Internacionais no Mundo Contemporneo: Dilemas e PerspectivasUnidade 2 - Conceitos FundamentaisUnidade 3 - Correntes Tericas das Relaes InternacionaisUnidade 4 - O Realismo

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  • Unidade 1 - As Relaes Internacionais no Mundo Contemporneo: Dilemas e Perspectivas

    Ao final desta Unidade inicial, o aluno dever estar apto a:

    identificar os principais pontos da agenda de relaes

    internacionais contemporneas;

    estabelecer o conceito e as caractersticas da Globalizao;

    estabelecer a importncia das relaes internacionais para o Brasil;

    assinalar a evoluo histrica e a importncia de Relaes Internacionais como disciplina acadmica.

    Em um curso de educao a distncia por meio da Internet, o estudante tem um papel central no estabelecimento de uma relao de qualidade com o contedo proposto. Portanto, procure organizar-se para ter o melhor aproveitamento possvel do curso.

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  • Pg. 2 - As Relaes Internacionais no mundo contemporneo

    As ltimas dcadas do sculo XX foram marcadas pela intensificao das relaes entre os povos, de uma maneira como nunca experimentada anteriormente. Cada vez mais, as distncias esto menores, tempo e espao perdem o significado que tinham para nossos pais e avs, e as pessoas de diferentes locais do globo tomam conscincia de que a menor distncia entre dois pontos uma tecla.

    O sculo XXI chegou trazendo grandes conquistas: o mundo est menor, globalizado, interligado fsica e eletronicamente; pode-se tomar caf em Londres e almoar em Washington; as fronteiras perdem sua importncia; o sistema internacional v-se cada vez mais integrado; a tecnologia alcana milhes de pessoas, e no h limite ao conhecimento humano. O ltimo sculo do segundo milnio presenciou uma evoluo tecnolgica inimaginvel!

    Antes de iniciar os estudos desta unidade, assista ao primeiro vdeo educacional da srie: Conexo Mundo ("Aldeia Global - Mundo Digital"), disponvel na pgina do ILB.

    Conexo Mundo uma srie de 20 programas sobre relaes internacionais que oferece informaes necessrias compreenso dos novos processos de intercmbio entre as naes. Os programas enfocam toda a histria das relaes entre os povos, os tratados e polticas para a nova ordem internacional e procuram desvendar conceitos como o de globalizao, blocos econmicos etc.

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  • Pg. 3 - O Processo de Globalizao

    O termo globalizao pode ser entendido como fenmeno de acelerao e intensificao de mecanismos, processos e atividades, com vista promoo de uma interdependncia global e, em ltima escala, integrao econmica e poltica em mbito mundial. Trata-se de conceitorevolucionrio, envolvendo aspectos sociais, econmicos, culturais e polticos. Registre-se, ademais, que essa apenas uma das vrias conceituaes do fenmeno, o qual no recente, mas se acelerou a partir da segunda metade do sculo XX.

    Um dos aspectos mais importantes da globalizao envolve a ideia crescente do mundo sem fronteiras. Isso perceptvel em termos como aldeia global e economia global. Poucos lugares do mundo esto a mais de dez dias de viagem, e a comunicao atravs das fronteiras praticamente instantnea.

    Em nossos dias, com as economias interligadas, blocos se formam, com consequncias que ultrapassam os benefcios econmicos, pois as conquistas sociais e polticas de um membro do bloco logo devero chegar aos territrios de todos os outros. Princpios como a democracia e a prevalncia dos direitos humanos podem ser defendidos e argudos em troca de benefcios econmicos. Cite-se, por exemplo, o caso de pases como Grcia, Portugal e Espanha, que, para serem aceitos na ento Comunidade Europeia, tiveram que promover importantes mudanas econmicas, sociais e polticas. O mesmo se aplica Turquia, que aspira a tornar-se parte da moderna Europa.

    No caso do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), h a chamada "clusula democrtica", a qual estabelece que apenas pases sob regimes democrticos podem participar do bloco. Essa clusula evita as alternativas autoritrias em alguns pases do Mercosul, em momentos de crise institucional.

    Assim, o atual processo de globalizao envolve a integrao econmica mundial em diversos nveis, com a reduo das distncias em virtude do desenvolvimento de mecanismos de produo e distribuio de bens em escala global, e do fortalecimento dos meios de comunicao. Nesse contexto, novos atores, como as organizaes no governamentais, as empresas transnacionais, a opinio pblica e a mdia, ganham destaque ao influenciarem a conduta dos Estados.

    Uma leitura essencial sobre o tema o artigo de Paulo Roberto de Almeida,

    Contra a Antiglobalizao.

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  • Pg. 4 - Dilemas da Globalizao

    Entretanto, a globalizao tambm marcada por problemas em escala mundial. Nesse sentido, h a criminalidade, que ultrapassa as fronteiras dos Estados, com organizaes criminosas exercendo suas atividades ilcitas no mbito internacional. Crimes como o narcotrfico, o trfico de armas, o trfico de pessoas e de animais e a pirataria, todos esses h muito no so problemas exclusivos de um ou outro pas, mas questes globais que devem ser encaradas sistemicamente. E a base do crime organizado a lavagem de dinheiro, que movimenta cerca de um trilho de dlares por ano no mundo, ou 4% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, segundo a Organizao das Naes Unidas (ONU).

    Assim, ao lado das grandes conquistas, h novos e grandes desafios: parte significativa da populao mundial ainda permaneceno sculo XIX. Naes ricas e prsperas convivem com Estados que comportam milhes de miserveis. Alguns locais do globo ainda no saram da Idade Mdia! Novas e antigas doenas afligem milhes. Cite-se, ainda, a parte significativa da raa humana que sofre com a fome, a pobreza, as guerras. A sociedade internacional presencia crises econmicas, polticas, culturais e sociais. E o destino da humanidade permanece uma grande incgnita.

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  • Pg. 5 - Meio Ambiente, Direitos Humanos, Conflitos Internacionacionais

    No ltimo quartel do sculo XX, a proteo ao meio ambiente passou a ser uma das grandes preocupaes da comunidadeinternacional, no s na esfera de governo, mas tambm entre todos os habitantes do planeta. A Conferncia do Rio de Janeiro de 1992 exerceu essa salutar influncia, e multiplicaram-se nas ltimas dcadas os tratados sobre todos os aspectosambientais, tanto assim que se calcula em mais de mil os tratados internacionais assinados sobre o tema.

    Tambm a proteo aos direitos humanos um assunto em voga, sobretudo quando notcias de violaes a esses direitos nos chegam de todas as partes do planeta. No moderno sistema internacional, agresses contra uma pessoa devem ser consideradas crimes contra toda a raa humana. O intenso trabalho das cortes internacionais de direitos humanos na Europa e no continente americano refletem essa nova realidade.

    Ademais, medida que nos aproximamos uns dos outros, surgem tambm os conflitos, outro componente marcante da agenda internacional desde sempre. E no extremo dos conflitos, temos a guerra, sob suas diferentes formas. Nesse sentido, o sculo XX foi marcado por uma grande quantidade de guerras por todo o globo, inclusive com dois conflitos que envolveram praticamente toda a sociedade internacional.

    De fato, uma das grandes certezas do sculo XXI que nele ainda presenciaremos o fenmeno da guerra. Entretanto, alguns cogitam mesmo que a guerra, neste sculo, no ser mais entre pases, mas entre civilizaes (HUNTINGTON, 1998).

    Outro importante tema de relaes internacionais neste mundo globalizado envolve os problemas ambientais. Cada vez mais a humanidade toma conscincia de que o meio ambiente no pode ser tratado como assunto interno dos Estados e que os danos ambientais ultrapassam as fronteiras. A terra um corpo nico e seus recursos so patrimnio de todos os seres humanos e das futuras geraes. Da que os males causados ao meio ambiente afetam toda a humanidade.

    Convm registrar que, para Relaes Internacionais como disciplina acadmica ou rea do conhecimento, empregaremos iniciaismaisculas, enquanto que, quando nos referirmos ao objeto de estudo, usaremos o termo em minsculas.

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  • Pg. 6 - Importncia do conhecimento de Relaes Internacionais

    Eis, portanto, o grande paradoxo global: ao lado de grandes conquistas, grandes desafios! E nesse contexto que se percebe a necessidade de conhecimento das relaes internacionais. Atualmente, quem no estiver informado sobre o que ocorre no mundo poder ver-se bastante limitado, pessoal e profissionalmente.

    Hoje, a sociedade internacional est to interligada, to integrada em um processo de globalizao, que situaes ocorridas na China podem afetar a ns, brasileiros, do outro lado do planeta. Da que o problema do outro passa a ser tambm um problema nosso, e o bem-estar de cada homem passa a significar o bem-estar de toda a humanidade. Nesse contexto, se voc no parte da soluo, parte do problema!

    Assista aula proferida pelo Professor Doutor Joanisval Brito Gonalves, por ocasio de curso presencial ministrado no ILB.Aumente o som de seu equipamento e bons estudos!

    Durao: 5min29

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    O Brasil e as Relaes Internacionacionais

    Como quinto maior pas do globo em populao e dimenso territorial, e estando entre as maiores economias do planeta, com condies e pretenses de se tornar uma grande potncia, o Brasil no pode se furtar a ter um papel de destaque nas relaes internacionais. As transformaes e acontecimentos no mundo globalizadofaro cada vez mais parte de nosso dia a dia, em uma tendncia praticamente irreversvel.

    Estamos estrategicamente localizados, temos fronteiras com praticamente todos os pases sul-americanos, e com o Atlntico, principal via para a Europa e a frica. Ademais, somos uma nao tida como pacfica e respeitadora do direito internacional e com incontestveis atributos de liderana regional. Finalmente, no devemos desconsiderar nossas maiores riquezas: os recursos naturais e um povo multitnico, empreendedor e, nos dizeres de Gilberto Freyre, com suas peculiares caractersticas antropofgicas.

    Pouco significativa diante de suas potencialidades a atuao brasileira no cenrio internacional. Apenas nas ltimas dcadas do sculo XX que o Brasil comeou a se fazer mais presente. Isso coincide com o surgimento e o desenvolvimento dosprimeiros cursos de Relaes Internacionais no Pas e com o aumento do interesse nas questes internacionais por parte de diversos setores da nossa sociedade.

    premente a necessidade de que os brasileiros tenham algum conhecimento de Relaes Internacionais. Na Administrao Pblica, essa demanda mais evidente. No Poder Legislativo, fundamental que aqueles que assessoram os legisladoresconheam as principais linhas da poltica internacional to bem quanto conhecem a poltica interna brasileira. Afinal, poltica interna e poltica externa esto estreitamente relacionadas: as aes daquela afetaro e sero afetadas por esta e vice-versa.

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  • Um stio interessante para o estudante e o profissional de Relaes Internacionais o Inforel, que traz cobertura atualizada das questes gerais da rea e tambm de defesa nacional, alm de artigos com anlises interessantes.

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  • Pg. 7 - As Relaes Internacionais e a Constituio Brasileira

    A importncia das relaes internacionais tambm pode ser percebida na maneira como o tema tratado na Constituio Federal. A Carta Magna, j em seu Ttulo I, referente aos Princpios Fundamentais, estabelece, no art. 4, os princpios que regem as relaes internacionais do Brasil:

    Ainda no que concerne Lei Maior, tambm os direitos e garantias fundamentais esto intimamente relacionados s experincias vivenciadas pela comunidade das naes ao longo de sua histria. Foi graas s revolues em pases como a Inglaterra, a Frana, os EUA e a Rssia, e difuso desses princpios para alm de suas fronteiras, que o mundo moldou uma cultura de direitos fundamentais que hoje so inquestionveis em todo o planeta. E a violao a esses direitos gera repulsa dacomunidade internacional.A Constituio de 1988 inovou ao elencar, de forma sistemtica, os princpios que regem nossas relaes internacionais. Para maior aprofundamento, sugerimos a leitura do artigo 'Os princpios das relaes internacionais e os 25 anos da Constituio Federal', do Professor Alexandre Pereira da Silva, disponvel na Biblioteca deste curso, em 'Textos complementares'.

    Vereshchetin (1996), por exemplo, v no que chama de fator direitos humanos um dos principais meios de retomada de uma cultura mnima de proteo internacional no ps-Guerra. O relacionamento entre Estado e indivduo, que tradicionalmente foiobjeto de preocupao de leis internas, no mais pode ser considerado uma questo puramente domstica dos pases.

    A Constituio da Rssia de 1993, por exemplo, trouxe como princpio a incorporao das normas internacionais ao sistema jurdico interno e a prevalncia dos acordos internacionais dos quais a Federao Russa faa parte, caso estes estabeleam regras que difiram daquelas estipuladas em lei interna. Isso tem se mostrado uma tendncia constitucional em vrios pases. Quando no h dispositivos legais expressos, as cortes constitucionais tm dado o rumo da interpretao. Na dcada de 1990, as cortes constitucionais da Hungria e da Polnia, por exemplo, decidiram que a Constituio e as normasinternas deveriam ser interpretadas de tal forma que as normas internacionais geralmente aceitas tivessem fora efetiva.

    H, portanto, em todo o planeta, sinais de uma crescente interdependncia at mesmo no campo jurdico, e o Tribunal Penal Internacional nada mais que uma expresso e consequncia disso.

    independncia nacional; prevalncia dos direitos humanos; autodeterminao dos povos; no interveno; igualdade entre os Estados; defesa da paz; soluo pacfica dos conflitos; repdio ao terrorismo e ao racismo; cooperao entre os povos para o progresso da humanidade; concesso de asilo poltico.

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  • Pg. 8 - O Poder Legislativo e as Relaes Internacionais

    As relaes internacionais do Brasil passam efetivamente pelo Poder Legislativo. Em nosso sistema jurdico-poltico, quaisquer tratados que o Brasil celebre com outras naes ou com organizaes internacionais devem necessariamente passar pelo aval do Congresso Nacional antes de serem ratificados.

    O art. 49 da Constituio Federal de 1988 claro ao estabelecer, logo nos dois primeiros incisos, as competncias exclusivas doCongresso Nacional:

    E o Senado Federal, por sua vez, tem atribuies mais especficas, pois a Casa Legislativa que avalia e aprova nossos embaixadores, autoridades mximas das misses diplomticas brasileiras, designados para representar o Pas no Exterior. Compete tambm ao Senado autorizar as operaes externas de natureza financeira dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios.

    Cada Casa Legislativa possui comisses encarregadas dos temas de relaes exteriores e defesa nacional. No Senado Federal, por exemplo, a Comisso de Relaes Exteriores e Defesa Nacional (CRE), composta por 19 membros titulares e 19 suplentes, competente para tratar das questes que envolvam as relaes internacionais do Pas.

    A legislao brasileira evidencia a importncia do Poder Legislativo nos destinos das relaes internacionais. E quanto mais oBrasil busque integrar-se na comunidade das naes e ocupar o seu devido papel de destaque, mais importante se faz o conhecimento, na esfera do Legislativo, dos principais temas da rea.

    Art. 49. da competncia exclusiva do Congresso Nacional:

    I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimnio nacional;

    II - autorizar o Presidente da Repblica a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que foras estrangeiras transitem pelo territrio nacional ou nele permaneam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar;

    (...)

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  • Pg. 9 - O Estudo das Relaes Internacionais

    Antes de concluirmos a primeira Unidade, convm apresentar algumas consideraes gerais sobre o estudo das relaes internacionais como disciplina, as reas de atuao do profissional da rea e a realidade brasileira.

    O estudo de Relaes Internacionais envolve conhecimentos gerais de Direito, Economia, Administrao, Histria, Filosofia, Sociologia, Antropologia, Estatstica e, sobretudo, de questes internacionais contemporneas.

    O interesse por temas de relaes internacionais aumentou mais ainda aps os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Ao assistirmos queles dramticos acontecimentos em tempo real, alguns vus foram retirados, e aos poucos tomamos conscincia de que as distncias fsicas se estreitavam ao mesmo tempo em que as distncias culturais e sociais aumentavam. O terrorismo passa tambm a ser uma questo global, que afeta pases nos hemisfrios Norte e Sul, no Ocidente e no Oriente.

    No campo profissional, as relaes internacionais so aplicveis em diversas reas. No Brasil, h profissionais dessa reaatuando em vrios setores da Administrao Pblica e da iniciativa privada.

    No servio pblico, alm da Chancelaria, o profissional de relaes internacionais tem diante si alternativas de trabalho nos vrios rgos da Administrao Federal, Estadual e Municipal. Afinal, sempre h uma assessoria internacional em cada ministrio, secretaria, autarquia e empresas pblicas. E o perfil do internacionalista se destaca. Constata-se a presena de profissionais de relaes internacionais nas principais carreiras de Estado.

    Na iniciativa privada, outro leque de alternativas se abre aos que possuem formao na rea. Alm das grandes corporaes multinacionais e transnacionais, as empresas brasileiras de mdio e grande porte j percebem a necessidade de atuarem em uma economia globalizada. Assim, em um mundo cada vez mais integrado econmica e financeiramente, as empresas precisam de profissionais que as auxiliem a se integrarem e a permanecerem no sistema internacional. Aquelas que desconsideram essa percepo frequentemente acabam por sucumbir.

    Alm disso, h a possibilidade de trabalho nas centenas de Organizaes Internacionais e Organizaes No Governamentais que atuam no globo: ONU, OEA, OIT, OMC, OPEP, UNESCO, FAO, Greenpeace, WWF e outras. Braslia tem representao da maior parte dos organismos internacionais dos quais o Brasil membro e, com isso, o mercado do profissional de relaes internacionais se amplia na capital federal.

    Em termos de carreira, uma das mais conhecidas a diplomacia. O diplomata o legtimo representante do Governo e da nao junto a outros povos e organizaes internacionais.Para se tornar um diplomata no Brasil, necessrio o ingresso na carreira por meio de concurso pblico, promovido pelo Instituto Rio Branco (IRBr) do Ministrio das Relaes Exteriores. Aprovado no concurso, e, submetido a um perodo de treinamento no IRBr, o diplomata inicia uma carreira como Terceiro Secretrio, podendo chegar a Embaixador.

    Palcio do ItamaratyFonte:www.inforel.org

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  • Pg. 10 - Relaes Internacionais como disciplina independente

    At o incio do sculo XX, as relaes internacionais no eram estudadas como disciplina independente. O estudo do tema estava sempre sob o manto de outras cincias, como o Direito, a Economia, a Sociologia e a Cincia Poltica.

    medida que a sociedade internacional tornava-se mais complexa e as relaes entre os Estados mais diversificadas, relaes estas que envolviam conflito e cooperao, e que muitas vezes culminavam em situaes que interferiam diretamente no cotidiano das pessoas e na poltica interna das naes, percebeu-se a crescente necessidade de teorias que explicassem a conduta dos atores em um cenrio internacional. Essas teorias e seu estudo deveriam constituir uma nova rea do conhecimento, independente e com autonomia para gerar suas prprias percepes da realidade. Da o aparecimento das primeiras ctedras de Relaes Internacionais pelo mundo.

    Os cursos de Relaes Internacionais surgiram na primeira metade do sculo XX, nas principais universidades europeias e norte-americanas. Foram constitudos com o objetivo de produzir conhecimento que explicasse como se desenvolviam as relaes entre os Estados. Naquele contexto, as perguntas que impulsionariam o estudo estavam intimamente relacionadas ao grande trauma da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), conflito sem precedentes at ento, que envolvera diversas naes do globo e causara pesadas perdas, sobretudo no territrio europeu. Assim, os temas centrais eram:

    O que havia conduzido o mundo a uma situao de conflito to drstica? O que leva os Estados guerra? possvel se evitar o conflito entre os povos? Como agem os atores internacionais e quais foras que interferem na conduta desses entes?

    Claro que, no decorrer do sculo XX, o estudo de Relaes Internacionais diversificava-se medida que os laos entre os povos tornavam-se mais complexos e novos temas, como cooperao, desenvolvimento, integrao, paz, direitos humanos eglobalizao, vinham baila. Atualmente, a disciplina ampla e alcana as mais diferentes reas de estudo, e evolui medida que tambm evolui a complexidade da sociedade internacional. De fato, hoje h cursos de Relaes Internacionais nas principais universidades do mundo e profissionais da rea atuando nos mais variados segmentos dos setores pblico e privado.

    O primeiro curso de Relaes Internacionais no Brasil foi institudo na Universidade de Braslia, na dcada de 1970, fazendo da capital da Repblica o referencial brasileiro em estudos internacionais. At meados da dcada de 1990, havia apenas dois cursos de Relaes Internacionais no Brasil na Universidade de Braslia e na Universidade Estcio de S (Rio de Janeiro). Hoje, so dezenas de instituies que oferecem a graduao em Relaes Internacionais por todo o Pas. Trata-se, portanto, de carreira de grata expanso. Mesmo assim, a contribuio brasileira para as relaes internacionais ainda muito incipiente, sobretudo para um pas que tem potencial para se tornar uma grande potncia entre seus pares.

    Feitas essas primeiras consideraes acerca do tema de nosso curso, realize as atividades propostas e, em seguida, passemos s teorias e aos principais conceitos utilizados pelos profissionais e estudiosos das Relaes Internacionais.

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  • Unidade 2 - Conceitos Fundamentais

    Ao final desta unidade, o aluno dever ser capaz de identificar e definir os seguintes conceitos fundamentais de relaes internacionais: Sociedade Internacional; Atores; Foras Profundas; Sistema Internacional; Potncia; Hegemonia.

    Lembre-se sempre dos objetivos estabelecidos, que devem servir de guias para oestudo do contedo e para a autoavaliao do cursista. Tenha um bomaproveitamento!

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  • Pg. 2 - Conceitos Fundamentais

    Essencial para o desenvolvimento de nosso curso a compreenso de conceitos fundamentais de Relaes Internacionais. Nesse sentido, seria complicado tentar iniciar qualquer anlise de Relaes Internacionais sem as noes desses conceitos. Dentre eles ressaltamos:

    Sociedade Internacional;

    Atores;

    Foras Profundas;

    Sistema Internacional;

    Potncia;

    Hegemonia.

    A seguir, vamos procurar identificar os elementos mais importantes desses conceitos.

    Sociedade Internacional

    Um dos primeiros aspectos com o qual se depara aquele que inicia o estudo de Relaes Internacionais refere-se temtica que envolve a Sociedade Internacional.

    Como definir Sociedade Internacional? Quais os elementos constitutivos desse conceito?

    A ideia de Sociedade Internacional termo cunhado por Hugo Grcio no sculo XVII permitedirecionar a ateno para a atuao padronizada dos Estados. Apesar da ausncia de uma autoridade central no cenrio internacional, os Estados exibem padres de atuao que esto sujeitos a, e constitudos por, restries de diversas naturezas histricas, sistmicas, legais e morais, entre outras.

    Num primeiro momento, podemos relacionar Sociedade Internacional evoluo histrica das relaes entre os grupos, povos e, mais tarde, Estados-naes organizados em mbito espacialdeterminado. Podemos identificar a evoluo da Sociedade Internacional a partir das relaes entre os grupos primitivos da Antiguidade, passando pelos reinos e imprios e chegando Idade Contempornea, com a ascenso do Estado nacional e soberano nos sculos XVIII e XIX e o seu declnio, no sculo XX, frente a um sistema cada vez mais globalizado e interdependente.

    Antes de iniciar o estudo desta unidade, sugerimos que assista atentamente aos doisvdeos seguintes do Conexo Mundo,

    Conceitos Fundamentais de Relaes Internacionais, disponveis no stio do ILB.

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  • Pg. 3 - Sociedade Internacional

    Podemos falar em Sociedade Internacional antes mesmo da formao dos Estados nacionais, que s se deu, nos moldes como os concebemos hoje (compostos de povo, territrio e soberania), h dois sculos. Mesmo que no houvesse conscincia dospovos a esse respeito, no h como negar a existncia de fato de uma Sociedade Internacional na Antiguidade. Afinal, a partir do momento em que surgem os primeiros grupos independentes e diferenciados, exercendo relaes polticas, culturais ou comerciais entre si, tem-se uma Sociedade Internacional embrionria. Das tribos passaram-se aos reinos, s cidades-estados e aos imprios, e estes, vistos em um contexto macro e nas relaes entre si, formavam a Sociedade Internacional do mundo antigo.

    Claro que o primeiro modelo de Sociedade Internacional, inserido em um Sistema Internacional da Antiguidade, refletia mais um conjunto de sociedades regionais localizadas, muitas vezes sem qualquer contato entre si e at sem conscincia da existncia umas das outras. Era uma poca em que as foras naturais limitavam a comunicao entre Oriente e Ocidente, e aSociedade Internacional do sistema grego mantinha pouco contato com a Sociedade Internacional do extremo oriente na qual o imprio dinstico chins era o principal ator.

    Somente com as grandes navegaes e o expansionismo europeu pelo planeta que se estrutura uma Sociedade Internacional global. Assim, desde o sculo XVI, o mundo vai-se tornando cada vez mais integrado, seja pela fora da economia e do comrcio, seja pela fora dos canhes e das conquistas coloniais europeias. Paul Kennedy, em sua obra j clssica Ascenso e Queda das Grandes Potncias, analisa, com clareza, como o extremo oeste do continente euro-asitico, conhecido como Europa, com uma diversidade de povos e reinos autnomos e marcado por conflitos regionais e fratricidas, consegue expandir-se pelo mundo e, em pouco mais de dois sculos, tornar-se o centro de uma sociedade global, subjugando foras tradicionais como a China e o Imprio Otomano.

    O termo internacional foi utilizado pela primeira vez em 1780, pelo filsofo ingls Jeremias Bentham, em sua obra Princpios de Moral e Legislao. Essa a poca do apogeu dos Estados nacionais, com o incio do declnio do absolutismo no continente europeu. Era um perodo em que a ideia de nao ainda estava muito ligada figura do soberano. A Sociedade Internacional representava, para os europeus, a Cristandade, com seus paradigmas e princpios seculares. O Estado soberano era o principal ator internacional.

    Foi com a Revoluo Francesa que o conceito de nao deixou de ter carter puramente simblico e passou a relacionar-se diretamente questo da soberania. Esta passou a residir essencialmente na nao, onde o sdito tornou-se cidado e as relaes entre os Estados, at ento simbolizados e conduzidos pelos monarcas, estenderam-se s relaes entre os povos. O sculo XX esclarece essa nova perspectiva: as relaes entre naes no so necessariamente relaes entre os Estados, muito

    pelo contrrio.

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  • Pg. 4 - Sociedade Internacional

    No h dvida de que essa Sociedade Internacional dinmica e tem sua evoluo diretamente relacionada evoluo dos grupos, povos, reinos, Estados, Imprios e naes, enfim, de todos os atores que a compem ou a compuseram e das forasque influenciam a sua atuao.

    Qual , ento, o conceito de sociedade internacional?

    A resposta para essa pergunta percebida de maneira diferenciada pelos tericos das Relaes Internacionais, que podem ser reunidos em trs grandes grupos (CERVERA, 1991).

    Para os tericos do primeiro grupo, simplesmente impossvel definir Sociedade Internacional. Limitam-se, assim, ao estudo dos componentes da Sociedade Internacional e evoluo das relaes entre eles.

    Os tericos do segundo grupo dedicam-se a analisar a Sociedade Internacional em contraposio a outros grupos sociais. Por essa tica, a pergunta que se busca responder Como a Sociedade Internacional? irrelevante, portanto, para esses autores, a formulao de um conceito terico para Sociedade Internacional. De qualquer maneira, eles no deixam de apresentar sua definio de Sociedade Internacional, mas apenas para instrumentalizar suas explicaes, como veremosadiante.

    O terceiro grupo, majoritrio, afirma no s ser possvel, mas tambm necessrio, proceder definio do termo Sociedade Internacional, para que se possa tratar com mais propriedade o estudo dos fenmenos internacionais e das relaes que se desenvolvem em seu meio. Uma vez que concordamos com essa percepo, apresentaremos nosso conceito de Sociedade Internacional. Antes, porm, vejamos alguns conceitos de autores renomados.

    Colliard (1978) afirma que Sociedade Internacional o conjunto de seres humanos que vivem sobre a terra. Percebemos uma definio genrica e abrangente, que pe completamente de lado as estruturas em que os seres humanos esto agrupados, como as naes ou os Estados nacionais. Para o autor, o conceito de Sociedade Internacional confunde-se com o de humanidade. Chega-se a perceber mesmo uma concepo idealista, pois a Sociedade Internacional teria em primeiro plano o indivduo, independentemente de suas origens e do grupo ou povo a que pertence.

    Hedley Bull (2002), com base em uma anlise sistmica, definiu Sociedade Internacional como um grupo de comunidades polticas independentes que no formam um sistema simples.

    Juan Carlos Pereira (2001) apresenta uma definio mais precisa e completa: um mbito espacial e global em que se desenvolve um amplo conjunto de relaes entre grupos humanos diferenciados, territorialmente ou geograficamenteorganizados e com poder de deciso. O autor acredita que a Sociedade Internacional estaria evoluindo para uma Comunidade Internacional.

    Rafael Calduch Cervera (1991) define Sociedade Internacional como aquela sociedade global (macrossociedade) que compreende os grupos com um poder social autnomo, entre os quais se destacam os Estados, que mantm entre si relaes recprocas, intensas, duradouras e desiguais sobre as quais assentada certa ordem comum.

    Por fim, cabe apresentar nossa prpria conceituao de Sociedade Internacional, que baseada na corrente historiogrfica, pela qual buscamos reunir elementos que consideramos essenciais para a compreenso do termo e de sua evoluo desde a Antiguidade. A nosso ver, Sociedade Internacional pode ser definida como o conjunto de entes que interagem de maneira sistmica em uma esfera internacional sob a influncia de foras profundas.

    Desmembremos esse conceito para melhor compreenso.

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  • Pg. 5 - Ator Internacional

    A primeira parte de nosso conceito de Sociedade Internacional trata de um conjunto de entes. Esses entes nada mais so do que os Atores internacionais. Ator internacional toda autoridade, organizao, grupo ou pessoa que representa ou pode vir a representar um papel de destaque na Sociedade Internacional. A percepo desses atores varia conforme o tempo e a corrente terica que os identifica, mas podemos destacar aqueles que, na atualidade, podem ser considerados os mais importantes: osEstados nacionais, os atores governamentais interestatais (as organizaes internacionais), os atores no governamentais interestatais (i.e., organizaes no governamentais e empresas multi- e transnacionais, entre outros) e os indivduos.

    No so todas as pessoas, grupos ou organizaes que podem ser identificados como Ator Internacional. Para nossa classificao, necessrio que a atuao desses entes tenha destaque em escala global. Por exemplo, uma associaoestabelecida dentro de determinado pas e voltada em suas atividades e interesses prioritariamente ao mbito interno daquele pas no um Ator internacional.

    No obstante, qualquer grupo, organizao ou indivduo pode vir a tornar-se Ator internacional. Grandes empresas transnacionais de hoje foram, no passado, pequenas organizaes comerciais, algumas de natureza familiar, que atuavamexclusivamente no interior de seu pas de origem, no sendo poca Atores internacionais. medida que essas empresas cresceram, expandiram-se para alm das fronteiras de seus Estados de origem e comearam a atuar e influir na Sociedade Internacional, tornaram-se Atores internacionais.

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  • Pg. 6 - Sistema Internacional

    O segundo aspecto de nosso conceito de Sociedade Internacional refere-se atuao sistmica na esfera internacional. Adotamos uma abordagem sistmica, em que o aspecto relacional importante. Sistema pode ser conceituado como conjunto de elementos e instituies entre os quais se possa encontrar alguma relao ou, ainda, conjunto ordenado de meios de ao ou de ideias, tendente a um resultado. A abordagem sistmica em relaes internacionais v o conjunto de inter-relaes entre os Atores internacionais como sujeito a padres e normas enfim, a foras profundas , que remetem ao conjunto mais amplo, o sistema internacional como um todo.

    As primeiras consideraes a respeito do modelo sistmico para explicar as Relaes Internacionais tomaram por base referncias da Biologia e da Qumica. Nesse sentido, pode-se associar a noo de sistema ao corpo humano, no qual vriossubsistemas circulatrio, nervoso etc. so compostos de rgos que se relacionam e dependem uns dos outros. A ideia de sistema, portanto, est relacionada a um ordenamento nas relaes entre componentes e interdependncia entre esses componentes.

    Raymond Aron, em sua obra clssica Paz e Guerra entre as Naes, recorreu ao conceito de sistema para evocar a dinmica das relaes internacionais. Assim, a Sociedade Internacional tem caractersticas suficientemente estveis para que possamos perceb-la como um sistema onde os Atores conduzem suas relaes dentro de certos padres.

    Cabe aqui, tambm, apresentar um conceito de Sistema Internacional, de acordo com Frederic S. Pearson e J. Martin Rochester (2000, p. 641):

    Sistema Internacional. Conjunto de relaes em mbito mundial nas reas poltica, econmica, social etecnolgica, em torno do qual ocorrem as relaes internacionais em um dado momento.

    H ainda autores que separam as noes de Sociedade Internacional e de Sistema Internacional para identificar certos perodos histricos. Por exemplo, Sociedade Internacional teria como substrato a ideia de concerto e harmonia internacional, que alguns defendem corresponder, por exemplo, Europa do ps-1815. Em contrapartida, Sistema Internacional traduziria a existncia de vrios polos de poder que interagem entre si e no necessariamente se harmonizam no todo, o que alguns autores defendem corresponder ao mundo ps-1945.

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  • Pg. 7 - Foras Profundas

    Finalmente, de acordo com a nossa concepo de Sociedade Internacional, o terceiro elemento fundamental so as foras profundas. A ideia de foras profundas origina-se da corrente historiogrfica das Relaes Internacionais cujos principaisexpoentes foram Pierre Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle. De acordo com esses historiadores, as foras profundas nada mais seriam que determinados fatores que influenciariam as aes das coletividades.

    As condies geogrficas, os movimentos demogrficos, os interesses econmicos e financeiros, os traos da mentalidade coletiva, as grandes correntes sentimentais todas essas foras profundas formaram o quadro das relaes entre os grupos humanos e, em grande parte, lhes determinaram o carter. O homem de Estado, nas suas decises ou nos seus projetos, no pode negligenci-las; sofre-lhes a influncia e obrigado a constatar os limites que elas impem sua ao. Todavia, quando ele possui quer dons intelectuais, quer firmeza de carter, quer temperamento que o levam a transpor aqueles limites, pode tentar modificar o jogo de semelhantes foras e utiliz-las para seus prprios fins.

    Juan Carlos Pereira denomina tais foras profundas de fatores condicionantes (PEREIRA, 2001, p. 44). Identifica alguns desses fatores: fator geogrfico, fator demogrfico, fator econmico, fator tecnolgico, fator ideolgico/sistema de valores, fator poltico-jurdico e fator militar-estratgico.

    Portanto, a Sociedade Internacional composta de entes Estados, organizaes internacionais, organizaes no governamentais, empresas transnacionais, indivduos, entre outros que so influenciados pelas foras profundas fatores geogrficos, demogrficos, migratrios, polticos, econmicos e financeiros, ideolgicos, religiosos, tecnolgicos etc. em suas aes sistmicas na esfera internacional.

    Uma leitura complementar recomendada a do texto sobre Rio Branco e as Foras Profundas, de Arno Wehling:

    Viso de Rio Branco o homem de estado e os fundamentos de sua poltica.

    Alm do clssico Histoire des Rlations Internationales, obra-mestra dahistoriografia francesa das relaes internacionais, caberia destacar dois livros de

    Renouvin e Duroselle j traduzidos para o portugus: Introduo Histria dasRelaes Internacionais publicada em 1967 pela Difuso Europeia do Livro, de

    So Paulo e Todo Imprio Perecer um dos ltimos grandes trabalhos deDuroselle, lanado no Brasil em 2000.

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  • Pg. 8 - Potncia

    Alm dos conceitos j tratados, cabem, neste curso introdutrio, algumas observaes ainda que sem aprofundamento a respeito de outros conceitos essenciais para viabilizar nosso entendimento dos temas tratados no decorrer das prximasunidades. Passemos a eles.

    Potncia

    O Sistema Internacional composto por uma diversidade de atores. Nesse contexto, o Estado ocupa papel de destaque, mas existem diferenas marcantes entre os Estados na esfera internacional e o grau de influncia (poder) que eles exercem. Assim, importante para a compreenso das relaes internacionais a ideia de Potncia e das diferentes gradaes dessa classificao.

    H inmeras definies para Potncia.

    Segundo Martin Wight (2002), Potncia um Estado moderno e soberano em seu aspecto externo, e quase pode ser definido como a lealdade mxima em defesa da qual os homens hoje iro lutar.

    Rafael Calduch Cervera (1991), por sua vez, cita o conceito de Potncia Internacional segundo C. M. Smouts, ou seja, como aquele Estado mais ou menos poderoso segundo sua capacidade de controlar as regras do jogo em um ou mais mbitos-chaves da disputa internacional e segundo sua habilidade de relacionar tais mbitos para alcanar uma vantagem.

    Ao tratar da capacidade dos Estados de influenciarem a Sociedade Internacional, Martin Wight relaciona Potncias Dominantes, Grandes Potncias, Potncias Mundiais e Potncias Menores. Potncias Dominantes e Potncias Mundiais seriam subdivises do gnero Grande Potncia, uma vez que ambas as categorias se referem a Estados com interesses globais e capacidade deinfluncia significativa no Sistema Internacional. Em ltima anlise, a diferenciao poderia ser restringida a Grandes Potncias e Potncias Menores.

    Wight define Potncia Dominante como aquela capaz de medir foras contra todos os rivais juntos. E cita exemplos ao longo dos sculos, como Atenas, poca das Guerras do Peloponeso, o Imprio Romano, a Espanha de Carlos V e de Filipe II, a Frana de Lus XIV, a Gr-Bretanha no sculo XIX e os EUA no sculo XX.

    Outro termo muito utilizado e cujas caractersticas vo alm da Potncia Dominante,conforme definida por Wight, o de Superpotncia. Esse termo, cunhado com o advento da Guerra Fria, designava exclusivamente URSS e EUA. Esses pases, em virtude de suas capacidades nucleares com poder de destruio global , inmeras vezes associadas ao poderio militar convencional e influncia poltico-ideolgica mundial, tinham status nico na comunidade das naes.

    Gounelle (1992) indica quatro caractersticas das Superpotncias:

    tm capacidade de intervir em qualquer parte do globo;

    dispem de amplo arsenal, capaz de causar danos diferenciados dos armamentosconvencionais e composto tanto de armas nucleares quanto de outros meios de destruio em massa;

    assumem a liderana de uma aliana militar (os EUA da OTAN e a URSS do Pacto de Varsvia);

    pretendem oferecer um modelo universal de sociedade.

    Convm lembrar que a ideia de Superpotncia ultrapassa em muito o poderio exclusivamente militar. De fato, a capacidade de destruio massiva do planeta o elemento central do conceito de Superpotncia, mas o aspecto de liderana de um bloco de naes e de pretenses de estabelecimento de uma sociedade universal em seus moldes poltico-econmico-ideolgico-sociais no pode ser desconsiderado.

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  • Pg. 9 - Potncia

    Atualmente, com o colapso da URSS, restou, no planeta, apenas uma Superpotncia: os EUA. Alguns autores vislumbram a possibilidade de a China vir a ocupar, na segunda metade do sculo XXI, o lugar da URSS. Entretanto, ainda no h que se falar na China como Superpotncia, uma vez que esta, alm de no dispor de arsenais nucleares capazes de fazer frente ao poderio de Estados como EUA e Rssia, no tem pretenses nem condies de projetar um modelo scio-poltico-cultural-ideolgico seu para o mundo. A Rssia, por sua vez, apesar de dispor de arsenais nucleares com capacidade de destruio massiva do planeta, no pode ser chamada de Superpotncia, exatamente porque tambm no tem condies de aspirar a qualquer pretenso hegemnica no sistema internacional, como fazia a URSS. Assim, os EUA, considerados os vencedores da Guerra Fria, so hoje o nico Estado com as caractersticas bsicas da superpotncia, e, de fato, essa nao tem-se tornado to poderosa que j se cunha o conceito de Hiperpotncia, algo sem precedentes na Histria.

    A Hiperpotncia dispe de um aparato blico superior ao das demais Potncias juntas. Esse aparato no se resume ao acervo das armas de destruio em massa, mas inclui armamento convencional significativo e capacidade de operao militar em mais de um teatro no globo. Ademais, trata-se de uma Economia de peso diante do sistema, sua influncia na poltica internacional marcante e, ainda, consegue projetar seu modelo scio-cultural e poltico para outras regies do planeta.

    Assim, os EUA no encontram, no incio do sculo XXI, adversrios militares altura, e so a Grande Potncia econmica e a liderana mundial. Do ponto de vista econmico, por exemplo, apenas a coalizo das grandes economias europeias pode fazer frente aos EUA, o mesmo se podendo dizer das economias asiticas. A projeo de poder dos norte-americanos no mundo no encontra precedentes, e alguns analistas j comeam a analisar a poltica externa estadunidense como uma poltica deimprio. De qualquer maneira, o conceito de Hiperpotncia ainda encontra-se em desenvolvimento.

    O conceito de Wight para Potncia Dominante tem grande proximidade com a ideia de hegemon, ou seja, uma potncia to poderosa que seria necessria uma coalizo de todas as demais naes para cont-la. A concepo de hegemon ultrapassa a esfera exclusivamente poltico-militar, de modo que o Estado que detm esse ttulo influencia a Sociedade Internacional em esferas diversas, como a cultura, a estrutura social interna, a Economia e at o Direito. Alm disso, essa influncia do hegemon no ocorre necessariamente de maneira impositiva. De fato, a hegemonia, como veremos a seguir, envolve um misto de coero e consenso. Finalmente, convm lembrar que o hegemon continua influenciando a Sociedade Internacional mesmo aps perder esse status.

    Interessante observar que a hegemonia dos EUA hoje mantida mais por outros meios o que alguns autores chamam de soft power (poder suave) , como a presena marcante na compilao e divulgao de notcias e diverses, na produo de bens de consumo, nas inmeras formas de cultura popular e sua identificao com a liberdade poltica e de mercado, do que propriamente por meio do hard power (poder militar).

    Alm da potncia hegemnica, h outros atores estatais com capacidade significativa de influncia na Sociedade Internacional. Esses so as Grandes Potncias, as quais, inclusive, disputam a hegemonia entre si e aspiram tornar-se a potncia dominante, chegando, muitas vezes, a alcanar esse objetivo. De fato, as relaes internacionais seriam um grande tabuleiro onde essas Potncias disputariam poder em um jogo de influncia. Como exemplos atuais de Grandes Potncias teramos China, Frana,Rssia, Alemanha, Japo e Gr-Bretanha.

    As potncias menores constituem a maioria. Seu grau de influncia no sistema varia significativamente. Nesse grupo, poderiam ser relacionadas desde as Potncias Mundiais menores como Espanha e ndia at as Potncias Regionais Argentina e Egito, por exemplo. Vale destacar que uma Potncia Menor hoje pode vir a tornar-se uma Grande Potncia e at a Potncia Dominante. Os EUA so um bom exemplo disso.

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  • Pg. 10 - Potncia

    Max Gounelle (1992) comenta que, medida que dispe de capacidade de influenciar de maneira significativa os outros entes da Sociedade Internacional em prol de seus interesses particulares, um Estado pode ser classificado como Microestado, Potncia Local, Potncia Mdia, Grande Potncia ou Superpotncia.

    Os microestados so aquelas pequenas soberanias que persistem em nossos dias e que, em sua maioria, tiveram origem na formao histrica dos Estados nacionais europeus ou no processo de descolonizao. Encontram-se constantemente sob amplo grau de dependncia frente a uma Potncia e integram-se a grupos de Estados organizados no seio de organizaes internacionais. Conviria exemplificar nessa categoria pases como o Principado de Mnaco e a Repblica de San Marino,diversos Estados-arquiplagos no Pacfico ou at algumas Repblicas da Amrica Central e Caribe. Apesar de minimamente influentes na Sociedade Internacional, esses entes ganham fora quando se associam e se fazem representar em organismosinternacionais onde tenham poder de voto igual ao de outros Estados.

    As Potncias Locais so as mais numerosas. Participantes das atividades comuns da vida internacional, esses entes tm como objetivos principais sua prpria sobrevivncia e a defesa de sua soberania territorial. De maneira geral, no tm grandes pretenses internacionais de projeo de poder e acabam tambm associados s Grandes Potncias ou a Potncias Regionais. Como exemplos para essa categoria, temos pases como Bolvia, Paraguai, Camboja, Albnia e Moambique.

    So classificados como Potncia Regional ou Potncia Mdia aqueles Estados aptos a representarem certo papel de destaque em grandes reas geopolticas. Egito, Sria, Nigria, Brasil, Argentina e Ir so exemplos de Potncias Regionais ou Mdias. Esses pases exercem influncia em virtude de suas aptides de liderana sob certos limites geogrficos, fundadas em seus potenciais materiais ou demogrficos, sua envergadura ideolgicas ou seu peso militar, econmico e at social.

    Gounelle, no entanto, diferencia Potncias Regionais de Potncias Mdias ao afirmar que estas ltimas tm ambies mundiais restritas s suas prprias capacidades. Tais pretenses poderiam ser limitadas a domnios especficos (nuclear, cultural,econmico, diplomtico). A Frana, a Alemanha, a China e o Japo estariam nessa categoria. De fato, o que Gounelle relaciona como Potncias Mdias seria o que se costuma chamar mais apropriadamente de Grandes Potncias, ou seja, Potncias com interesses globais e capacidade de influenciar a Sociedade Internacional em diferentes domnios. Ao chamar Potncias como China e Gr-Bretanha de Potncias Mdias, Gounelle o faz comparando-as s Superpotncias poca, URSS e EUA.

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  • Pg. 11 - Hegemonia

    Hegemonia, em grego, significa liderana. Em sentido amplo, portanto, em Relaes Internacionais, o hegemon o lder ou o Estado lder de um grupo de naes.

    Para que os conceitos de hegemonia e de hegemon sejam aplicveis, presume-se que haja uma certa ordem na Sociedade Internacional. Da que, apesar de ser o Estado mais poderoso no cenrio internacional, o hegemon s pode exercer sualiderana (hegemonia) se houver relaes de poder entre entes em um meio internacional.

    Hegemonia consiste, ento, no exerccio de uma liderana ou comando em uma sociedade, com base em recursos de poder. Esses recursos fundamentam-se em dois aspectos: coero e consenso. Assim, toda relao de poder tem por base os graus de coero e consenso exercidos por um ente ou mais de um sobre os demais. medida que alterada essa relao, mudatambm a liderana no grupo.

    Para o exerccio da hegemonia, o hegemon deve ter capacidade de atuar nas esferas de consenso e coero. Uma relao que se baseie apenas na coero por meio de recursos de fora militar ou econmica no pode ser verdadeiramentehegemnica, da mesma maneira que impossvel a liderana da comunidade internacional com fulcro apenas no consenso dos demais atores.

    As relaes internacionais tm sido marcadas pela disputa, por parte das Potncias, da hegemonia na Sociedade Internacional. Essa hegemonia, alm de poltica, pode ser militar, econmica, cultural ou ideolgica. Pode ser regional ou global. Um Estado que seja a Potncia hegemnica em uma dessas reas muito provavelmente o ser na maioria das outras. claro que tal liderana pode ter diferentes gradaes e que uma grande Potncia econmica em nossos dias pode no ter o mesmo poder de influncia cultural ou at militar no cenrio internacional.

    A Sociedade Internacional ser sempre marcada por um hegemon, cujo interesse manter o status quo do sistema, diante de outras Potncias que no pouparo esforos para se tornar o hegemon. De acordo com a teoria da estabilidade hegemnica, o hegemon tem que ter capacidade de garantir a ordem do sistema, ordem que deve ser percebida pelos demais entes da comunidade como positiva a seus interesses. Para isso, o hegemon deveria dispor de alguns atributos: liderana em um setor econmico ou tecnolgico e poder poltico baseado no poder militar. Podemos acrescentar a esses atributos a capacidade de obter consenso sobre sua liderana.

    Tomamos como base para o conceito de Hegemonia a obra International Relations: the Key Concepts, de Martin Griffiths e Terry OCallaghan (London: Routledge, 2002).

    No acumule dvidas. Procure san-las logo que apaream.

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  • Pg. 12 - Hegemonia

    Para Robert Gilpin, a estabilidade internacional depende da existncia de uma hegemonia, que tenha tanto capacidade quanto vontade de fornecer bens pblicos internacionais, como lei, ordem e moeda estvel. Conforme didtica explicao de Griffiths (2004, p. 26-27):

    (...) os mercados no podem crescer em produo e distribuio de bens e servios se no houver um Estado que fornea certos pr-requisitos. Por definio, os mercados dependem da transferncia, por meio de um mecanismo de preo eficiente, de bens e servios que possam ser comprados e vendidos entre os principais agentes particulares que permutam direitos de posse. Mas os mercados dependem do Estado para lhes dar, por coero, regulamentos, taxas e certos bens pblicos que eles sozinhos no podem gerar. Isto inclui uma infraestrutura legal de direitos e leis de propriedade para fazer contratos, uma infraestrutura coerciva que assegure a obedincia lei, alm de um meio de permuta estvel (dinheiro) que assegure um padro de avaliao dos bens e servios. Dentro das fronteiras territoriais do Estado, os governos fornecem tais bens. claro que, internacionalmente, no existe Estado no mundo capaz de multiplicar sua proviso em escala global. Baseando-se na obra de Charles Kindleberger e naanlise de E. H. Carr sobre o papel da Gr-Bretanha na economia internacional no sculo XIX, Gilpin argumenta que a estabilidade e a liberalizao da permuta internacional dependem da existncia de uma hegemonia, que tenha tanto capacidade quanto vontade de fornecer bens pblicos internacionais, como lei, ordem e uma moeda estvel para o comrcio financeiro.

    Em termos gerais, essa a Teoria da Estabilidade Hegemnica.

    As Potncias hegemnicas so as Grandes Potncias na concepo de Wight, e o hegemon nada mais que a Potncia Dominante. A hegemonia poltico-ideolgica no planeta, por exemplo, era disputada pelas Superpotncias no contexto da Guerra Fria, mas a URSS dificilmente poderia ser caracterizada como ameaa hegemonia econmica dos EUA.

    uma teoria importante e voltaremos a ela na Unidade 4, ao tratarmos do debate terico travado entre neorrealistas e neoliberais.

    Deve-se esclarecer, todavia, que, durante a maior parte da Guerra Fria, imaginava-se que a Unio Sovitica se tornaria

    uma grande potncia econmica.Isso especialmente vlido para os anos 30: enquanto as

    economias ocidentais agonizavam por causa da crise de 1929, a economia sovitica crescia a taxas espantosamente altas.

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  • Pg. 13 - Hegemonia

    Complementando os estudos sobre o conceito de Hegemonia, atente para esta aula do Professor Joanisval.

    Durao: 2min55Caso no consiga visualizar:1) seu acesso ao Youtube pode estar bloqueado;2) pode precisar atualizar o Flash Player (http://get.adobe.com/br/flashplayer/)

    Essas observaes introdutrias so suficientes e fundamentais para a compreenso das unidades seguintes e para a discusso dos temas tratados neste curso.

    Artigo interessante para concluir os estudos desta Unidade o texto de Joo Marques de Almeida, sobre Hegemonia Americana e Multilateralismo.

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  • Unidade 3 - Correntes tericas das Relaes Internacionais

    Ao final da unidade, o aluno dever ser capaz de:

    indicar e caracterizar as principais correntes tericas das RelaesInternacionais no Sculo XX;

    identificar os principais debates tericos da disciplina

    Esperamos que voc tenha excelente aproveitamento em seus estudos!

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  • Pg. 2 - Teorias de Relaes Internacionais

    O objeto material de qualquer cincia se define pela parcela de realidade que se pretende conhecer mediante a formao de teorias e a utilizao de um mtodo cientfico (CERVERA, 1991). A teorizao sobre as Relaes Internacionais surgiu quando se buscou explicar a existncia e as condutas dos entes internacionais. na Grcia Antiga, com a obra de Tucdides, Histria da Guerra do Peloponeso, que se tem a primeira manifestao embrionria de uma teoria de Relaes Internacionais.

    H algo que as cincias naturais e as cincias sociais, conforme Karl Popper, certamente tm em comum: a necessidade da teoria para se desenvolverem. Nas palavras de Tomassini (1989, p. 55):

    "A cincia exige algo mais do que fatos e descries de fatos. Exige uma explicao de por que ocorreram, que efeitos causaram e algumas predies (ou, no caso das cincias sociais, conjecturas) sobre seu comportamento provvel no futuro, uma mescla de causalidade, teleologia e prospeco. No campo das cincias sociais, como em outras cincias, a teoria chamada a ministrar essas explicaes, pondo ordem ao mundo heterogneo e muitas vezes incompreensvel dos fatos isolados, e a arriscar algumas predies."

    A Teoria do Equilbrio de Poder

    Comeamos por essa teoria por uma razo simples: para muitos estudiosos da poltica internacional, a Teoria do Equilbrio de Poder, tambm conhecida como Teoria do Balano de Poder, o que mais prximo existe de uma teoria poltica das relaes internacionais. Arnold Toynbee, conhecido historiador, chegou mesmo a dizer que tal teoria constitua uma lei da Histria.

    Na era moderna, com o surgimento e desenvolvimento do Estado-nao, multiplicaram-se tambm as teorizaes a respeito das relaes internacionais. Em um contexto de anarquia internacional e de conflito entre os Estados, as prticas dos agentes e dosatores na Sociedade Internacional levaram formulao de uma teoria que pode ser considerada a precursora da anlise convencional realista das relaes internacionais, a Teoria do Equilbrio de Poder.

    A Teoria do Equilbrio de Poder percebe o cenrio internacional em uma situao deequilbrio, no qual o poder distribudo entre os diversos Estados. Quando um Estado comea a se destacar e a buscar aumentar seu poder frente aos demais, h uma perturbao no equilbrio, e faz-se necessria uma coalizo das Potncias para conter o Estado pretensioso e restaurar a ordem. Assim, pressupondo o Estado como um ator racional, a teoria defende que o balano ou o equilbrio de poder a escolha prefervel e, portanto, a tendncia do sistema internacional. A Teoria orientou as relaes

    internacionais nos quatro sculos compreendidos entre a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) e a Primeira Guerra Mundial(1914-1918). Foi til para justificar as condutas dos Estados e aes de governantes em um contexto anrquico e conflituoso, como ser visto nas Unidades 2 e 3 do mdulo seguinte deste nosso curso.

    Alguns autores distinguem entre o equilbrio de poder como uma poltica (esforo deliberado para prevenir predominncia,hegemonia) e como um padro da poltica internacional (em que a interao entre os Estados tende a limitar ou frear a busca por hegemonia e, como resultado, resulta num equilbrio geral).

    Com o fim da Primeira Guerra Mundial e as consequentes mudanas no cenrio internacional e no equilbrio de foras, em virtude dos traumas causados pelo conflito e do desenvolvimento do discurso pacifista junto opinio pblica internacional, aTeoria do Equilbrio de Poder foi questionada. Sob o argumento de que essa doutrina no poderia perdurar em um sistema em que a guerra deveria ser evitada a qualquer custo, o imediato ps-guerra foi marcado por novas concepes sobre as relaes internacionais, baseadas em uma nova corrente terica, a qual se fundamentava no Direito Internacional, na soluo pacfica das controvrsias e na busca de uma estrutura supranacional que garantisse a paz: o Idealismo das Relaes Internacionais.

    Foi, portanto, na primeira metade do sculo XX que os primeiros tericos de Relaes Internacionais comearam a desenvolver suas explicaes sobre o tema em um contexto de disciplina autnoma. Claro que, em virtude de um objeto de estudo to complexo, diversas foram as correntes tericas institudas nas ltimas dcadas. Como no este um curso de teoria, pretendemos apresentar apenas as linhas gerais das correntes mais reconhecidas.

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  • Pg. 3 - A fase idealista

    O Idealismo, como ficou conhecida a primeira grande corrente terica de Relaes Internacionais, surge em um contexto do final de um conflito muito marcante, a Primeira Guerra Mundial, e reflete a crescente preocupao daqueles que ento comeavam a teorizar sobre as relaes internacionais:

    Como se poderia buscar a paz na Sociedade Internacional, ou melhor, como evitar o conflito, sobretudo blico, entre os Estados?

    No que se refere ao contexto internacional, lembra Arenal (1984), o clima nunca poderia ter sido mais favorvel ao Idealismo. A Grande Guerra havia demonstrado a fragilidade da tradicional diplomacia europeia como meio para assegurar a ordem e a pazinternacional. As enormes perdas humanas e materiais produzidas pelo conflito foram responsveis, tambm, pelo advento de uma opinio comum universal segundo a qual a guerra deveria ser erradicada como instrumento de poltica dos Estados.Pregava-se, ademais, o estabelecimento de um modelo de segurana coletiva capaz de evitar novas contendas.

    Assim, sob os auspcios do discurso idealista e moralizante do presidente estadunidense Woodrow Wilson, foi criada a Sociedade (ou Liga) das Naes (SDN), com o objetivo de ser a organizao central de um sistema de segurana coletiva e um frum em que os Estados pudessem resolver suas contendas de maneira pacfica. A SDN, portanto, contribua para acentuar o otimismo frente ao futuro da Sociedade Internacional e estabelecia os fundamentos de um sistema dirigido para preservar a paz. Nesse contexto, a teoria internacional dominante se orientava pelos caminhos do Idealismo, dos projetos de organizao internacional, do estabelecimento de mecanismos tendentes soluo pacfica e de propostas de desarmamento. Importncia significativa foi dada pelos idealistas ao Direito Internacional e s instituies jurdico-normativas que garantissem a ordem nas relaes entre os Estados: ganhava fora o institucionalismo nas relaes internacionais.

    O Idealismo partia do princpio de que as relaes internacionais encontram-se em estado de natureza, ou seja, de anarquia internacional. As naes devem buscar, destarte, superar essa anarquia e estabelecer um contrato social em mbitointernacional que ordene as relaes entre os povos. Os Estados, acreditavam os idealistas, deveriam portar-se de acordo com os mesmos princpios morais que guiam a conduta do indivduo. Para estimular ou obrigar esses Estados a seguir tais princpios, seria fundamental que se institucionalizasse, em escala mundial, o interesse comum de todos os povos em alcanar a paz e a prosperidade. O estudo de Relaes Internacionais, como disciplina autnoma, mostrou-se como uma cincia da paz.

    Anarquia internacional no significa desordem, mas, sim, ausncia de um governo central superior aos Estados (que so soberanos e s prestam contas a si mesmos e a outros Atores do

    sistema). Anarquia , portanto, ausncia de governo.

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  • Pg. 4 - A fase idealista

    O Realismo e o Idealismo encerram, na verdade, duas vises de mundo opostas, em que o ponto de partida a dicotomia anarquia x ordem. Apesar de Tucdides, com Histria da Guerra do Peloponeso, antes mesmo de surgirem os conceitos de soberania e a tese do estado de natureza, j ter iniciado a moldar uma concepo anrquica do mundo, com Thomas Hobbes, em Leviat, e, em seguida, com John Locke, em O Estado de Guerra (Captulo III da obra Segundo Tratado do Governo Civil), em que se explora, pela primeira vez, o estado de natureza anrquico a respeito das relaes internacionais.

    Segundo Lijphart (1982), as noes de soberania e de anarquia internacional inspiraram trs teorias interligadas: a do governo mundial, a do equilbrio de poder (ou balano do poder) e a da segurana coletiva.

    Segundo a teoria do governo mundial, dado que a anarquia responsvel pela tenso internacional, necessrio celebrar um contrato social internacional para instituir um governo mundial soberano e nico, para pr fim anarquia.

    A teoria do equilbrio de poder, ao contrrio, defende que a luta pelo poder entre os Estados soberanos tende a gerar um equilbrio, o qual no alimenta uma tenso perptua, mas cria uma ordem internacional.

    Para a teoria da segurana coletiva, o melhor seria que os Estados se empenhassem em tomar medidas coletivas contra todo agressor, o que acabaria atenuando a anarquia internacional.

    Todas essas teorias aceitam a tese de que a anarquia reina entre os Estados soberanos. Segundo Inis L. Claude, citado por Lijphart, essas trs teorias correspondem a estgios sucessivos de uma progresso em direo a uma centralizao cada vez mais repleta de autoridade e poder (no sentido balano de poder > segurana coletiva > governo mundial). O mundo nunca passou do segundo estgio, o qual foi, na verdade, o foco da maior parte dos autores idealistas.

    Para as Relaes Internacionais, particularmente importante a viso construda por Hugo Grcio sobre a sociedade internacional a partir da teoria do contrato. Grcio, considerado o pai do Direito Internacional, defendeu ser o direito um conjunto de normas ditadas pela razo e sugeridas pelo appetitus societatis. A base da doutrina de Grcio a solidariedade, ou potencial solidariedade, entre os Estados em relao aplicao da lei internacional, e procura estabelecer uma ordem mundial restringindo os direitos dos Estados de irem para a guerra por motivaes polticas e promover a ideia de que a fora s pode ser legitimamente usada em nome dos objetivos e anseios da comunidade internacional como um todo.

    Grcio, como se observa, apresenta uma hiptese inversa do equilbrio de poder. Para ele, existe um fundamento comum de normas morais e jurdicas, e o mundo uma sociedade composta de Estados onde reina um consenso normativo suficientemente amplo e intimidador para que a noo de estado de natureza e de anarquia internacional no seja aplicvel. A tese de Grcio parte da noo de anarquia, mas a minimiza para efeitos de teorizao, desconsiderando a relao necessria entre anarquia e guerra, relao esta reduzida a mera hiptese (e no a um dado ou premissa, como fazem os realistas).

    Historicamente, no desenvolvimento do sistema de Estados da Europa,soberania normalmente associada aos trabalhos de Jean Bodin e ThomasHobbes, nos quais significava o direito de exercer poder irrestrito. Todavia, ahistria do sistema de Estados modernos, do sculo XVII em diante, umatentativa de se distanciar da rigidez dessa concepo original em busca da ideiade igualdade formal.

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  • Pg. 5 - A fase idealista

    A teoria e a prtica das relaes internacionais desde a Primeira Guerra Mundial, principalmente com o Pacto da Liga das Naes (o Pacto de Paris), a Carta da Organizao das Naes Unidas (ONU) e a Carta do Tribunal Internacional de Nuremberg, derivam da frmula grociana, que concebe a sociedade internacional de forma ordenada, fruto da analogia com a alegoria da sociedade domstica usada pelos tericos do contrato social dos sculos XVII e XVIII.

    Edward Hallett Carr, autor do clssico Vinte Anos de Crise: 1919-1939, cuja primeira edio foi lanada logo aps o desencadeamento da Segunda Guerra Mundial, em 1939, analisa a dicotomia entre uma perspectiva utpica e a prtica realista dos Estados e ilustra bem a maneira como os idealistas viam as relaes internacionais e os argumentos que utilizavam ao tratarem das interaes entre os povos:

    O aspecto teleolgico da cincia da poltica internacional tem estado evidente desde o princpio. Surgiu de uma grande e desastrosa guerra; e o objetivo-mestre que inspirou os pioneiros da nova cincia foi o de evitar a recidiva dessa doena do corpo internacional. O desejo passional de evitar a guerra determinou todo o curso e direo iniciais do estudo. Como outras cincias na infncia, a cincia poltica internacional tem sido marcada e francamente utpica. Ela se encontra no estgio inicial, no qual o desejo prevalece sobre o pensamento, a generalizao sobre a observao, e poucas tentativas so efetuadas de uma anlise crtica dos fatos existentes e dos meios disponveis. Neste estgio, a ateno est concentrada quase exclusivamente no fim a ser alcanado.

    Carr cita, ainda, o discurso do Presidente Wilson que refletia o pensamento idealista geral e que continha a resposta de Wilson: se no funcionar, teremos que faz-lo funcionar!, quando indagado se aquele modelo moralizante e pacifista funcionaria e esclarece:

    "O advogado de um plano para uma fora de polcia internacional, ou para a segurana coletiva, ou de algum outro projeto para uma ordem internacional, geralmente responde crtica, no com um argumento destinado a mostrar como e por que ele pensa que seu plano funcionaria, mas sim, ou com uma declarao de que ele tem que ser posto a funcionar porque as consequncias de sua ausncia de funcionamento seriam desastrosas, ou com a demanda por alguma panaceia alternativa."

    Aps a Primeira Guerra Mundial, a Liga das Naes foi um esforo especfico da poltica internacional de substituir o princpio do equilbrio de poder pelo princpio da segurana coletiva. Tal princpio, que sustentou a criao daquela Organizao, foi elaborado para remover a necessidade de equilbrio ou balano. Para os realistas, essa sua remoo no perodo entreguerras teria sido justamente a causa da Segunda Guerra Mundial. Como resultado, o sistema internacional ps-1945 deixou de ser explicado em termos do princpio idealista da segurana coletiva, e noes de bipolaridade e multipolaridade, tpicas dasanlises de balano de poder, o substituram. Chegou-se mesmo, nos perodos mais quentes da Guerra Fria, em se falar de balano de terror.

    Para reforar e ilustrar os conceitos acima, assista ao vdeo.

    Durao: 10min

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  • Pg. 6 - A fase realista

    A dcada de 1930, entretanto, caracterizada por uma crescente instabilidade internacional, consequncia de comoes polticas, econmicas e ideolgicas, internas e internacionais, e pelo fracasso do sistema da Sociedade das Naes e da poltica de apaziguamento das democracias europeias, marca a decadncia da perspectiva idealista para a teoria das Relaes Internacionais. Nesse perodo, tem-se o debate entre o Idealismo e uma nova corrente que ganhava fora, o Realismo Poltico.

    Os acontecimentos internacionais novamente foram essenciais para a mudana no aporte terico. O Realismo representou, em um primeiro momento, a reao dos especialistas s insuficincias tericas e prticas dos idealistas, no contexto de convulses internacionais dos anos trinta e da prpria Segunda Guerra Mundial. Para os realistas, o apelo opinio pblica e razo humanista, preconizada pelos idealistas, mostrou-se incapaz de prevenir a guerra, fazendo-se necessrio retomar as ideias de segurana nacional e de fora militar como suportes da diplomacia. Apenas por meio de um poder efetivo, acreditavam, os Estados poderiam assegurar a paz internacional e a soluo pacfica das controvrsias. Carr assinalava que o significado ltimo da crise internacional era "o colapso da total estrutura do utopismo baseado no conceito de harmonia de interesses".

    A pragmtica nova gerao de estudiosos do ps-Segunda Guerra Mundial baseava-se no pensamento clssico maquiavlico e hobbesiano e via na defesa dos interesses nacionais, em relao a poder, o grande eixo da conduta dos Estados soberanos no meio internacional. O Realismo encontrou maior respaldo nos EUA. Desse pas, a doutrina realista difundiu-se pelo globo, tornando-se a corrente terica mais relevante para explicar as Relaes Internacionais.

    Abordaremos essa corrente com mais detalhes a seguir e tambm em unidade prpria.

    Atualmente, cerca de 90% da produo acadmica dos EUA em RelaesInternacionais tm por fundamento a corrente realista.

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  • Pg. 7 - Behavioristas e ps-behavioristas

    A terceira fase da Teoria das Relaes Internacionais desenvolveu-se tambm nos EUA como resposta aos excessos do Realismo. Trata-se de uma aproximao com a vertente behaviorista da Sociologia. Essa corrente ficou conhecida como behaviorista ou cientfica. Para Arenal (1984, p.82):

    No incio dos anos cinquenta, alguns especialistas norte-americanos em poltica de segurana nacional repensam os postulados do realismo poltico, com base no carter impreciso e intuitivo dos mesmos para a anlise da realidade internacional, e buscam um enfoque de carter cientfico capaz de dar resposta complexidade das Relaes Internacionais. O impacto dos mtodos de pesquisa e os modelos das cincias fsico-naturais so notados com fora nas pesquisas que comeam a pr em marcha. A partir desse momento, uma onda de cientificismo, que trata de desenvolver uma cincia das Relaes Internacionais, com base na aplicao de mtodos quantitativo-matemticos, invade as Relaes Internacionais, impondo-se o que se denominou perspectiva behaviorista ou conducista.

    Para os behavioristas, o objetivo das Relaes Internacionais o comportamento dos atores. O estudo desse objeto deveatentar para parmetros que envolvam fases como a coleta e a elaborao de dados, o tratamento quantitativo desses dados e, finalmente, a produo de modelos dentro do rigor cientfico das cincias exatas. Para os behavioristas, os estudos devem estar sempre voltados para os casos concretos, a partir dos quais uma linguagem cientfica das cincias sociais deve ser elaborada com base em dados empricos, rejeitando-se anlises provenientes do Direito, da Histria ou da Filosofia. Entre os vrios enfoques da corrente behaviorista, convm destacar a Teoria da Tomada de Decises, a Teoria Sistmica das RelaesInternacionais e a Teoria dos Jogos. Os autores cientficos mais renomados so Morton Kaplan, David Singer e G. T. Allison.

    O desenvolvimento da corrente cientfica gerou um grande debate nos anos sessenta entre os tradicionalistas filosfico-intuitivos (idealistas e realistas) e os cientficos (behavioristas).

    Finalmente, Arenal identifica uma quarta fase, motivada pelo que David Easton (1969) chamou de nova revoluo da cincia poltica, e que se convencionou chamar de ps-behaviorismo. Essa nova revoluo ter-se-ia produzido devido a uma profundainsatisfao com a pesquisa poltica e os ensinamentos behavioristas, sobretudo por quererem converter o estudo da poltica em uma cincia segundo o modelo fsico-natural. As bandeiras levantadas pelos ps-behavioristas so ao e relevncia. O novo movimento, sem abandonar o enfoque cientfico do behaviorismo, dirige sua ateno conduta humana enquanto tal e aos problemas reais do mundo, s motivaes e aos valores subjacentes a toda conduta. Busca-se uma pesquisa com nfase ao caso concreto, dando ateno a um objeto de anlise que difere dos objetos das cincias exatas. O ps-behaviorismo constituiu, portanto, a sntese do debate entre as concepes tradicionalistas e as cientficas.

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  • Pg. 8 - Realismo, Pluralismo e Globalismo

    Atualmente, a doutrina reconhece trs grandes correntes tericas das Relaes Internacionais: o Realismo, o Pluralismo e o Globalismo. So tambm chamados de paradigmas tericos, dado que as variadas teorias que existem na disciplina podem ser encaixadas em uma dessas trs correntes. O Realismo trabalha mais com os conceitos de poder e equilbrio de poder, oGlobalismo com dependncia, e o Pluralismo, por sua vez, com os conceitos de processo de tomada de deciso e transnacionalismo.

    Vamos abord-las brevemente a seguir.

    Assistindo ao vdeo abaixo, ainda com o Professor Joanisval, um dos conteudistas deste curso, voc ter uma viso introdutria do surgimento do Realismo.

    Durao: 5min25

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    Realismo

    O Realismo tem algumas proposies bsicas.

    Primeiro, o Estado o ator principal no meio internacional, e o estudo das relaes internacionais foca essa unidade poltica. Atores no estatais, como as empresas multinacionais, so menos relevantes para a anlise, e as organizaes internacionais, como a ONU ou a OTAN, no possuem existncia autnoma ou independente, porque so compostas de Estados, as verdadeiras unidades soberanas, independentes e autnomas, que determinam o comportamento dessas organizaes internacionais.

    O Conselho de Segurana da ONU, por exemplo, que era uma forma de gerncia do poder na viso realista, foi paralisado, durante a Guerra Fria, pelo veto os interesses de poder da URSS e dos EUA iam em sentidos opostos e, por consequncia, impediam a organizao de funcionar. No ps-Guerra Fria, apesar da superao das rivalidades dentro do Conselho, a Organizao ainda no funcionava automaticamente, dependendo, em cada circunstncia, do interesse dos Estados para atuar. Realistas citam, por exemplo, o contraste entre a ao rpida na Guerra do Golfo e a inrcia diante da crise iugoslava.

    Segundo, os Estados so atores unitrios. So unitrios porque quaisquer diferenas de viso entre os lderes polticos ou burocracias dentro do Estado so, no final das contas, resolvidas, para que o Estado fale uma s voz.

    Terceiro, os Estados so atores racionais. Isso porque, dados certos objetivos, trabalham com alternativas viveis para alcan-los, luz de suas capacidades, por meio de uma anlise de custo-benefcio. Os realistas reconhecem a existncia de problemas como falta ou rudo de informao, incerteza, pr-julgamento e erros de percepo, mas, contudo, pressupem que os tomadores de deciso no medem esforos para alcanar a melhor deciso possvel.

    Finalmente, para os realistas, a segurana nacional a questo de maior importncia para a agenda de poltica exterior de qualquer Estado. Questes polticas e militares dominam a agenda e so chamadas de alta poltica (high politics). Os Estadosatuam para maximizar o interesse nacional. Em outras palavras, os Estados tentam maximizar a probabilidade de atingirem qualquer objetivo que tenham estabelecido, o que inclui preocupaes de alta poltica relativas sobrevivncia do Estado (segurana) assim como os objetivos de baixa poltica ligados a esse campo, como comrcio, finanas, cmbio e bem-estar.

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  • A guerra responsiva dos EUA contra o Afeganisto, aps os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, e sua guerra preventiva contra o Iraque, em 2003, evidenciam o conflito alta poltica x baixa poltica, pois, durante os quatro anos do Governo Bush, os democratas o criticaram constantemente por ter abandonado as questes de economia domstica em nome da segurana nacional. At mesmo o direito interno foi suspenso nos EUA: vm sendo negados a vrios suspeitos, estrangeiros e nacionais, direitos garantidos constitucionalmente, em ampla afronta ao princpio do devido processo legal (due process of law), conquista de mais de dois sculos da sociedade norte-americana.

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  • Pg. 9 - Pluralismo

    Assista aula introdutria, gravada no curso presencial no ILB, sobre Pluralismo. Vamos l!

    Durao:6min24

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    Os anos de 1980 e 1990 deram fora corrente terica conhecida como Pluralismo, que veio para desafiar as proposies do Realismo. Nessa corrente normalmente se enquadram os neoliberais.

    O Pluralismo baseado em quatro proposies bsicas.

    Primeiro, atores no estatais so importantes na poltica internacional. Organizaes internacionais, por exemplo, podem tornar-se, em algumas questes, atores independentes, ao contrrio do que defendem os realistas. Elas so mais do que simples fruns em que Estados competem e cooperam uns com os outros. O corpo de funcionrios de uma organizao internacional pode reter um grau expressivo de poder ao determinar os termos de uma agenda, assim como ao fornecer informaes sobre em quais representantes de Estado baseiam suas demandas (como acontece com o FMI em relao aos pases que pedem emprstimos alm de suas cotas, e, por consequncia, precisam seguir o receiturio do consenso de Washington).

    Similarmente, organizaes no governamentais, como a WWF, e corporaes multinacionais, como a Petrobras, a IBM, a Sony, a General Motors, a Exxon, o Citicorp, entre vrias outras, tambm desempenham papis importantes na poltica mundial. Atualmente, lembram os pluralistas, at mesmo na rea comercial as ONGs tm sido chamadas a atuar.

    Para os pluralistas, tambm no se poderia negar o impacto de atores no estatais, como grupos terroristas (como a Al Qaeda), comerciantes de armas da mfia russa, movimentos guerrilheiros, como as FARC colombianas etc.

    Segundo, para os pluralistas, o Estado no um ator unitrio. O Estado composto de indivduos, grupos de interesse e burocracias que competem entre si. Apesar de as decises serem noticiadas como decises de tal pas, geralmente mais correto se falar em deciso feita por uma coalizo governamental particular, uma agncia burocrtica do Executivo ou mesmo um nico indivduo. A deciso no tomada por uma entidade abstrata chamada Brasil, China ou EUA, mas por uma combinao de atores por trs da definio da poltica externa.

    Diferentes organizaes podem apresentar perspectivas distintas em determinada questo de poltica externa. Competio, formao de coalizes e compromissos eventualmente resultaro numa deciso que ser anunciada como uma deciso do pas. Essa deciso estatal pode ser o resultado de lobbies levado a efeito por atores no governamentais (como o lobby dos fazendeiros norte-americanos contra o fim dos subsdios agrcolas, das empresas multinacionais, de grupos de interesse, ou mesmo de um ente amorfo, a opinio pblica). Assim, para os pluralistas, o Estado no pode ser visto como um ator unitrio, uma vez que tal rtulo perderia de vista a multiplicidade de atores que formam e compem a entidade chamada de Estado-nao.