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 1 WAGNER RICARDO JANN RELAÇÃO TIPOLÓGICA ENTRE A HISTÓRIA DA FESTA DA PÁSCOA E A PESSOA E OBRA DE JESUS CRISTO Trabalho de Conclusão de Curso para a obtenção do título de Bacharel em Teologia da Universidade Luterana do Brasil - Curso de Teologia Orientador: Prof. Dr. Acir Raymann Canoas 2005

Relação Tipológica Entre Páscoa e Cristo

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    WAGNER RICARDO JANN

    RELAO TIPOLGICA ENTRE A HISTRIA DA FESTA DA PSCOA E A PESSOA E OBRA DE JESUS CRISTO

    Trabalho de Concluso de Curso para a obteno do ttulo de Bacharel em Teologia da Universidade Luterana do Brasil - Curso de Teologia

    Orientador: Prof. Dr. Acir Raymann

    Canoas

    2005

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    DEDICATRIA

    Dedico este trabalho:

    A meu tio Florentino Jann, que foi um verdadeiro pai para mim.

    E a meu filho Illgner -

    presente de Deus para mim e para minha esposa.

    AGRADECIMENTOS

    AGRADEO...

    ... a todas as pessoas que contriburam

    para que este momento se concretizasse.

    ... a meu orientador Prof. Acir Raymann,

    pela prontido, pacincia e sabedoria.

    ... a meus pais: Waldemar e Dilza, e minha irm Valria, pela dedicao, carinho e incentivo.

    ... especialmente a minha amada esposa Gladis,

    pelo amor, companheirismo e

    por ter dado um novo sentido minha vida.

    Agradeo imensamente a nosso Senhor Jesus Cristo,

    que nos reveste com um manto de perdo, vida e salvao;

    e que a razo de minha dedicao ao estudo da teologia.

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    RESUMO

    Este trabalho apresenta uma pesquisa bibliogrfica acerca da festa da Pscoa e de sua relao com alguns aspectos da pessoa e obra de Jesus Cristo. Dentro de um enfoque hermenutico gramtico-histrico so tratados alguns aspectos histrico-bblicos e exegticos do tema da Pscoa. A tipologia bblica vista por vrios estudiosos como um instrumento hermenutico. atravs dela que se faz notria a relao entre ambos os testamentos e entre o prprio Cristo e o Antigo Testamento. A redeno da humanidade destacada, tendo em vista que a festa da Pscoa foi durante sculos o grande memorial de libertao dos israelitas do Egito e posteriormente ganhou seu cumprimento proftico e escatolgico na morte e ressurreio de Jesus Cristo. A redeno assim alcana seu brilho mximo; e o sacrifcio definitivo e vicrio de Cristo faz com que o antigo rito pascal seja abolido. Um novo memorial, portanto, assume o lugar do antigo a Santa Ceia que um eficaz meio da graa divina e o elo que une os cristos entre si e a Jesus Cristo. Uma nova aliana estabelecida por Cristo, firmada no seu sangue, na sua morte e na sua ressurreio.

    Palavras-chave: Tipologia Pscoa Santa Ceia Jesus Cristo.

    ABSTRACT

    This work presents a bibliographic research about the Feast of Passover and its connection with some aspects of person and work of Jesus Christ. In the perspective of the historical-grammatical hermeneutics the theme of the Passover is studied biblicaly and exegeticaly. The Biblical Typology is viewed by various scholars as a hermeneutic instrument. It is through Biblical Typology that a connection is done between both testaments and between Christ and the Old Testament. Humanitys redemption is outstanding having in view of the Feast of Passover. The Passover is the great memorial of Israelites liberation from Egypt and later took its prophetic and eschatological fulfillment in Jesus Christs death and resurrection. Thus, the Redemption obtains its maximum splendor; and Christs definitive and vicarious sacrifice abolishes this ancient rite. A new memorial, therefore, takes place the Lords Supper an effective mean of divine grace and the link that joins Christians between themselves and Jesus Christ. A new alliance it is established by Christ in his blood, in his death, and in his resurrection.

    Key-Words: Typology Passover Lords Supper Jesus Christ

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    SUMRIO

    INTRODUO..................................................................................................................... 8 1 A HISTRIA DA FESTA DA PSCOA NO CONTEXTO BBLICO.......................... 10

    1.1 Livro de xodo ........................................................................................................... 10 1.2 Consideraes sobre a Crtica Liberal ........................................................................ 11 1.3 As Festas Sagradas de Israel ...................................................................................... 14 1.4 Festa dos Pes Asmos ................................................................................................ 15 1.5 Festa da Pscoa .......................................................................................................... 16

    1.5.1 Adequaes Posteriores ..................................................................................... 20 1.5.2 Pscoa no Tempo de Jesus ................................................................................ 21

    2 TIPOLOGIA COMO INSTRUMENTO HERMENUTICO.......................................... 23 2.1 Tipologia: Hermenutica Bblica................................................................................ 23 2.2 Princpio Cristolgico................................................................................................. 26

    3 RELAO TIPOLGICA ENTRE A FESTA DA PSCOA E A PESSOA E OBRA DE JESUS CRISTO .................................................................................................................. 29

    3.1 A Santa Ceia e a Ceia Pascal ...................................................................................... 30 3.2 O Cordeiro Pascal e o Cordeiro de Deus .................................................................... 34 3.3 A Pscoa Escatolgica ............................................................................................... 35

    CONCLUSO..................................................................................................................... 39 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................ 41 OBRAS CONSULTADAS ................................................................................................. 43

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    INTRODUO

    O assunto deste trabalho de concluso de curso a Festa da Pscoa, delimitando-se a analisar a relao tipolgica entre a histria da festa da Pscoa e Jesus Cristo, em sua pessoa e obra.

    A festa da Pscoa no contexto bblico considerada um evento extremamente importante tanto para o desenvolvimento da histria do povo de Israel, quanto para o de duas das principais religies monotestas da atualidade: o Judasmo e o Cristianismo. Ambas as religies tm como ponto de partida para suas convices o Pentateuco, de onde se entende haver o relato da origem da Pscoa. Ambas tambm tm em comum o fato de preservarem at hoje o costume de celebrar a festa. Eis a principal motivao para a presente pesquisa: a relevncia do assunto para o cristianismo, sendo a Pscoa a principal data para o povo de Deus, pois marca a trajetria da histria da Salvao at culminar no grande evento salvfico descrito no Novo Testamento.

    A anlise da relao tipolgica entre a Pscoa e a pessoa e obra de Jesus se presta como um importante subsdio exegtico e hermenutico para telogos, acadmicos e demais interessados. A Pscoa tambm um dos temas-chave para a compreenso da Teologia do Antigo Testamento.

    Pretende-se responder ao problema: que relao h na Bblia entre a histria da festa da Pscoa e Jesus Cristo em sua vida, pessoa e obra? Para tanto, a realizao do trabalho se dar atravs de uma pesquisa bibliogrfica em literatura relacionada ao tema. Havendo o intento de tratar o assunto numa perspectiva confessional luterana, mas no sendo descartadas obras literrias que exponham opinies mais liberais ou contraditrias.

    As citaes da Bblia em portugus foram tiradas da Edio Almeida Revista e Atualizada, da Sociedade Bblica do Brasil. No aspecto de linguagem, o termo Po Asmo foi adotado neste trabalho em vez de Po zimo, embora alguns autores o citem assim.

    A pesquisa ter o seu desenvolvimento em trs captulos. No primeiro captulo ser abordada a histria da festa da Pscoa em seu contexto bblico. No segundo captulo, as opinies acerca da tipologia como mtodo hermenutico sero expostas. E no captulo final, a relao tipolgica entre a Pscoa e Jesus Cristo ser tratada, restringindo-se a alguns aspectos da sua pessoa e obra.

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    1 A HISTRIA DA FESTA DA PSCOA NO CONTEXTO BBLICO

    1.1 LIVRO DE XODO

    O livro que relata a origem da Pscoa tem grande valor para a compreenso de grandes eventos que marcaram a histria do povo de Israel. Ele tambm apresenta grandes temas para a teologia do Antigo Testamento, tais como: a revelao do nome de Deus, a libertao do seu povo do Egito, a entrega da Lei e a aliana firmada no monte Sinai.

    O nome do livro: xodo, sem dvida seu tema principal. Seu ttulo foi dado pela traduo grega do Antigo Testamento, a Septuaginta.1

    Sobre o evento, v-se no relato bblico que Deus interveio para salvar o seu povo cativo e oprimido por um fara do imprio egpcio. Devido importncia do evento, observa-se na literatura relacionada diversos comentrios positivos. Para William S. LaSor o xodo o principal evento de redeno no Antigo Testamento;2 na opinio de Paul Hoff ele foi o acontecimento mais significativo na histria da nao;3 e para Claudionor Corra de Andrade foi a partir da que a histria da salvao comeou a ser esboada com cores mais fortes.4 David Gillett ainda destaca que todas as geraes futuras olhariam para ele5 e os pais tinham a obrigao de ensinar o seu significado aos filhos.6

    No do escopo deste trabalho determinar questes de data e de lugar do xodo, o que levaria a uma interminvel discusso sobre o assunto. Mesmo porque, como LaSor orienta: O livro em si jamais identifica o fara com quem Moiss contendeu; tambm no se registra nenhuma outra pessoa ou fato que sirva para relacion-lo com a histria conhecida do Egito e da Palestina.7

    1.2 CONSIDERAES SOBRE A CRTICA LIBERAL

    Antes de se apreciar os textos bblicos que relatam a festa da Pscoa preciso considerar que qualquer pesquisa teolgica bblica que envolva o Pentateuco estar sujeita a esbarrar nas opinies da Crtica Liberal. Isto ocorrer tanto nos aspectos isaggicos, quanto nos aspectos hermenuticos e exegticos.

    A primeira considerao que existe uma teoria, conhecida como Hiptese Documentria, tendo como alguns de seus representantes Wellhausen, Graf, Eissfeldt, Kaufmann, Delitzsch, que assevera no haver um nico autor para os livros que compem o Pentateuco. Trata-se, na sua viso, de uma reunio de textos extrados de vrias fontes diferentes, recolhidos ao longo de sculos, e produzidos principalmente nos perodos exlico e

    1 HARRISON, R. Introduccion al Antiguo Testamento. Jenison: Evangelical Literature League, 1990, v.1, p.92.

    2 LASOR, William S. Introduo ao Antigo Testamento. So Paulo: Vida Nova, 1999, p.56.

    3 HOFF, Paul. O Pentateuco, So Paulo: Editora Vida, 1983, p.121.

    4 ANDRADE, Claudionor Corra de. Pscoa in: Dicionrio Teolgico. Rio de Janeiro: CPAD, 1998, p.234.

    5 GILLETT, David. Temas e eventos-chave da Bblia in: ALEXANDER, Pat. Enciclopdia Ilustrada da Bblia. So Paulo: Paulinas, 1987, p.131.

    6 Ibidem.

    7 LASOR, op. cit., p.56.

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    ps-exlico. Segundo a Hiptese Documentria, h vrios autores annimos para cada um dos livros do Pentateuco. Estas fontes literrias so chamadas de J, E, JE, D e P, e cada qual possui suas prprias caractersticas. Destas teorias resulta, muitas vezes, uma avaliao negativa do texto bblico, colocando em prova o seu valor histrico e teolgico.8

    Em oposio a estas teorias, LaSor enfatiza que no Pentateuco h de fato uma grande complexidade literria, mas que esta no deve ser ressaltada em detrimento da importncia de sua unidade estrutural que domina suas partes.9 Esta idia aponta para uma tentativa de ver o texto bblico de uma forma mais positiva.10

    A narrativa bblica do captulo 12 do livro de xodo o ponto de partida para a investigao do contexto histrico da festa da Pscoa. Do ponto de vista conservador ali se encontra o registro do incio da sua celebrao, sendo esta uma festa de instituio mosaica.11 Contudo, h opinies diferentes que apontam a origem da Pscoa num perodo bem anterior, baseada em ritos pastoris. Roland de Vaux, arquelogo e biblista francs, um dos que afirmam haver muitas relaes entre os elementos ritualsticos da Pscoa e as festas dos pastores nmades rabes, que ofereciam s divindades os primognitos de seu rebanho.12 Sobre esta relao de Vaux afirma:

    um sacrifcio de nmades ou seminmades, aquele de todos os rituais israelitas que mais se aproxima dos sacrifcios dos antigos rabes: no h interveno de sacerdote, no h relao com o altar, mas h a importncia do rito de sangue.13

    Diante desta relao, de Vaux opina que a origem da Pscoa remonta poca em que os israelitas ainda eram seminmades. Ela a forma israelita da festa da Primavera, comum entre os semitas nmades, mas ela assumiu, em Israel, um sentido particular [...].14

    Christiane Saulnier, acompanhando este pensamento de R. de Vaux, diz que a Pscoa, bem como a festa dos Pes Asmos, das Semanas e das Tendas, foram celebraes inicialmente ligadas ao ritmo da natureza, e que no decurso dos sculos foram historicizadas, ou seja, a cada uma delas foi ligado um acontecimento histrico.15

    Contrrio a esta opinio est, por exemplo, Horace D. Hummel. Ele argumenta que uma forma mais primitiva de pscoa no est descartada, caso isto no venha a provocar uma

    8 ARCHER, Jr. Gleason L. Merece confiana o Antigo Testamento? 4.ed. So Paulo: Vida Nova, 1986, p.465-476; LASOR, op. cit., p.3-15.

    9 LASOR, op. cit., p.14.

    10 A autoria do Pentateuco discutida por Archer, que por um lado expe o ponto de vista de Wellhausen, e por outro, apresenta as evidncias a favor da autoria mosaica. Cf. ARCHER, op. cit., p.492-508.

    11 SCHULTZ, Samuel J. A histria de Israel no Antigo Testamento. So Paulo: Vida Nova, 1995, p.68.

    12 DE VAUX, Roland. Instituies de Israel no Antigo Testamento. So Paulo: Teolgica, Paulus, 2003, p.525-9.

    13 Idem, p.525.

    14 Idem, p.527.

    15 SAULNIER, Christiane; ROLLAND, Bernard. A Palestina no Tempo de Jesus. 6.ed. So Paulo: Paulus,

    2002, p.48.

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    negao dos relatos bblicos. No entanto, o telogo adverte que os significados pr-bblicos tm pouca relevncia para o significado cannico e para a teologia bblica.16

    LaSor diz que os indcios da origem dos festivais de primavera, tanto os pastoris quanto os agrcolas, que estariam ligados respectivamente s supostas origens das festas da Pscoa e dos Pes Asmos, so altamente sugestivos. Se a origem for realmente esta, diz LaSor, o significado dessas festas teria sido reinterpretado de modo radical em conseqncia do livramento dramtico das mos dos egpcios.17

    Outra considerao importante antes de se aprofundar no tema antever e rebater a anlise liberal do evento do xodo egpcio feita por uma corrente teolgica que no corresponde com a tipologia bblica. Trata-se da Teologia da Libertao. Desenvolvida em comunidades crists latino-americanas, ela interpreta o xodo como uma mensagem de libertao poltica e social, ou seja, a inteno divina de libertar as pessoas das injustias e opresses. A mensagem de salvao interpretada luz das opresses de que o homem precisa ser libertado. Portanto, no do intento da corrente pesquisa ratificar esta teoria. Concorda-se com Hummel, que tem a preocupao de refutar esse tipo de teologia ao afirmar que: the latter antitype must be accented against liberalism: Biblical typology or the analogy of Scripture will not honor popular, liberal use today of the exodus as a model or paradigm for political or sociological liberation.18

    1.3 AS FESTAS SAGRADAS DE ISRAEL

    O povo de Israel tinha nas suas festas sagradas uma forte caracterstica. Era algo que os identificava e que marcava profundamente o seu cotidiano. Explica Saulnier que As festas de Deus [...] so, literalmente, entrevistas que Deus concede a seu povo para santificar o tempo.19 Esta compreenso de respeito pelo tempo como ato criador de Deus ponto decisivo ainda hoje tambm para a comunidade judaica, conforme Anne-Catherine Avril declara:

    A vida judaica poderia ser definida como a santificao do tempo [...] nos domnios do tempo que o homem consegue encontrar Deus e tomar conscincia de que cada momento um ato criador, visto como o tempo incessante renovao.20

    Stanley A. Ellisen tambm indica o propsito destas festas para Israel:

    O propsito divino nas festas de Israel era o de trazer o elemento tempo para o crculo de adorao. Eram os encontros do

    16 HUMMEL, Horace D. The Word becoming Flesh: an introduction to the origin, purpose and meaning of the

    Old Testament. St. Louis: Concordia Publishing House, 1979, p.72. 17

    LASOR, op. cit., p.76. 18

    HUMMEL, op. cit., p.70. o anttipo posterior deve ser acentuado contra o liberalismo: a tipologia bblica ou a analogia da Escritura no honraro o uso popular, liberal de hoje do xodo como um modelo ou paradigma para a libertao poltica ou sociolgica.

    19 SAULNIER, op. cit., p.52.

    20 AVRIL, Anne-Catherine; LA MAISONNEUVE, Dominique de. As Festas Judaicas. So Paulo: Paulus,

    1997, p.7.

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    Senhor com Israel para comunho, instruo e reflexo sobre o relacionamento e as responsabilidades da aliana.21

    Trs festas em Israel destacam-se das demais. So as chamadas festas de peregrinao: a Pscoa, o Pentecoste e os Tabernculos (ou Tendas). Todas as pessoas do sexo masculino eram convidadas a assistir aos servios do santurio; no poderiam comparecer ali de mos vazias, ou seja, sem levar uma oferta ao Senhor (Ex 23.14-17; 34.23; Dt 16.16). Segundo Saulnier estas grandes festas so momentos em que o povo faz questo de se reunir para manifestar a solidariedade que une seus membros e para celebrar as grandes intervenes do Senhor, libertador de seu povo.22

    1.4 FESTA DOS PES ASMOS

    Pes Asmos significam pes feitos sem fermento. A festa marcava o princpio da primavera e coincidia com o princpio da colheita do trigo.23

    Sobre o termo empregado para designar a festa, Gianfranco Ravasi apresenta-nos um detalhe: o vocbulo usado para indicar os zimos, massot, significa no ter gosto e evoca o ritual do po velho fermentado, magicamente destinado a no prejudicar os resultados da nova colheita que estava simbolizada nas primcias do po zimo.24 evidente que isto nos remete para a tpica questo crtica de apontar a origem desta festa para um perodo anterior ao xodo ou para ritos praticados por povos contemporneos dos israelitas.

    Este o ponto defendido por de Vaux ao afirmar que possvel que a festa tenha influncia dos cananeus, tendo em vista que s comeou a ser celebrada aps a entrada em Cana, conforme relato de Levtico 23.10 a propsito do primeiro feixe. Mas devido sua ligao com a festa da Semana (a festa dura sete dias, de um sbado a outro) e com o Sab, a festa dos Pes Asmos, mesmo que de origem canania, assumiu um carter propriamente israelita.25

    Ainda segundo de Vaux, a estrita relao que a festa dos Pes Asmos tinha com a Pscoa fez com que ambas fossem reunidas posteriormente, a partir do exlio, pois caam na mesma poca e possuam traos comuns. Segundo de Vaux, no se sabe ao certo quando foi efetivada esta juno, porm, na poca de Josias ela ainda no estava feita, s vindo a aparecer em Ezequiel 45.21 e nos textos sacerdotais, ou seja, no documento P.26

    Sob o ponto de vista bblico, no houve coincidncia na instituio da festa dos pes asmos com a Pscoa. Muito menos houve uma fuso posterior das festas. Ambas tiveram seu incio j no dia da celebrao da primeira Pscoa, portanto, no dia da libertao do Povo de Israel das mos dos egpcios sob ordem divina.

    1.5 FESTA DA PSCOA

    21 ELLISEN, Stanley A. Conhea Melhor o Antigo Testamento. So Paulo: Vida, 1991, p.44.

    22 SAULNIER, op. cit., p.47.

    23 Em Israel desenvolveu-se um calendrio lunissolar (baseado na lua e no sol), fixando todas as festas anuais na

    lua nova. O ano sagrado comeava com a lua nova do equincio da primavera, que se tornou o dia primeiro de Abibe (Nis, depois de 600 a.C.).

    24 RAVASI, Gianfranco. xodo. So Paulo: Paulinas, 1985, p.59.

    25 DE VAUX, op. cit., p.527-528.

    26 Idem, p.523.

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    Antes de apresentar os elementos que compem a festa da Pscoa importante observar qual o sentido e origem da palavra Pscoa. O sentido popular do termo passagem ou passar por. O prprio termo em ingls passover27, que identifica a festa, nos remete a esta idia de passar ou atravessar.

    Para Roland de Vaux difcil tirar concluses, pois a etimologia do termo pscoa muito discutida. No entanto, dentre as diversas etimologias existentes e defendidas pelos estudiosos no assunto, Victor P. Hamilton considera mais plausveis as seguintes: uma, o nome pscoa deriva do verbo xs;P', que significa passar por cima. H quatro exemplos do verbo com esse uso (Ex 12.13, 23, 27; Is 31.5). Esta etimologia refere-se, portanto ao misericordioso ato em que um poder destruidor passa por cima sem danificar. A outra etimologia o sentido de proteger, defender, significando que quando o SENHOR visse o sangue nos batentes da porta iria proteger a casa.28 Hamilton detalha esta etimologia assim:

    O SENHOR cobrir protetoramente as casas dos israelitas e no permitir que o destruidor entre. o destruidor que procura entrar nas casas, e o Senhor o rechaa, montando guarda junto s casas do seu povo. O sangue um sinal para o Senhor. Quando eu vir o sangue, [...] eu vos protegerei.29

    Luis Alonso Schkel concorda com Hamilton, acrescentando que em vrios casos , designa a vtima do sacrifcio e o banquete pascal.30

    Segundo Samuel J. Schultz, a Pscoa era a mais significativa de todas as festividades e observncias de Israel. Comemorava o maior de todos os milagres que o Senhor realizara em favor de Israel.31

    O prprio Deus institui a Pscoa ao orden-la a Moiss e Aro quando Israel ainda estava no Egito. A Festa da Pscoa abria o ano religioso israelita. Nenhuma outra festa tinha tamanha importncia para Israel quanto esta. Conforme Ellisen, o objetivo especfico da festa a lembrana da morte dos primognitos do Egito e da libertao dos israelitas do cativeiro que o fara lhes havia imposto.32 Quando ocorreu a dcima e definitiva praga, houve a passagem do Anjo do SENHOR (Ex 12.23), sendo poupadas as habitaes dos israelitas cujas portas tinham sido aspergidas com o sangue do cordeiro pascal.

    Por orientao divina, a Pscoa ocorria no dia quatorze do primeiro ms, chamado de Abibe (Ex 13.4; Lv 23.15) ou Nis (Et 3.7, Ne 2.1), seguindo-se imediatamente a festa dos Pes Asmos, que comeava no dia quinze e durava sete dias. A escolha de um cordeiro ou

    27 Conforme pode ser verificado na seguinte nota: Explained in vv. 13,23,27 to mean that the Lord would "pass

    over" and not destroy the occupants of houses that were under the sign of the blood. Passover, in: HOERBER, Robert G. (ed.). Concordia Self-Study Bible: New International Version. St. Louis: Concordia Publishing House, 1984, p.100. Explicado nos versos 13, 23, 27 para significar que o SENHOR passaria por" e no destruiria os ocupantes das casas que estavam sob o sinal do sangue.

    28 HAMILTON, Victor P. Pesah, in: HARRIS, R. Laird; ARCHER Jr., Gleason L.; WALTKE, Bruce K. (org.)

    Dicionrio Internacional de Teologia do Antigo Testamento. So Paulo: Vida Nova, 1998, p.1224. 29

    Idem, p.1224. 30

    SCHKEL, Luis Alonso. Dicionrio bblico hebraico-portugus. 2.ed. So Paulo: Paulus, 1997, p.542. 31

    SCHULTZ, op. cit., p.69. 32

    ELLISEN, op. cit., p.44.

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    cabrito ocorria no dcimo dia do ms. Os animais deviam ser machos de um ano e sem qualquer defeito, sendo um deles por famlia ou entre vizinhos; tantos quantos pudessem com-lo sem que houvesse desperdcio. Ao chegar o dcimo quarto dia, no crepsculo da tarde, todos os israelitas matariam seus animais e, segundo a ordem do SENHOR, passariam sangue nos umbrais das portas de suas casas com um molho de hissopo. O animal deveria ser assado por inteiro, sem que lhe quebrassem nenhum osso, e com a cabea, as pernas e os midos. Naquela mesma noite os cordeiros deviam ser comidos, com po sem fermento, e com ervas amargas. Caso sobrasse algo da refeio at o dia seguinte deveria ser queimado. A ceia pascal deve ser comida apressadamente como se as pessoas estivessem prontas para viajar, ou seja, deveriam com-la j vestidos, calados e com o cajado na mo.

    Para os sete dias seguintes o fermento deveria ser retirado das casas e todos deveriam abster-se de comer po levedado, sob a pena de serem eliminados da congregao de Israel caso contrariassem tal ordem. O primeiro e o ltimo dia eram marcados por uma santa assemblia, ou seja, uma reunio cultual festiva e durante toda a semana os israelitas estavam isentos de trabalho.

    R. Alan Cole afirma que [...] nos dias do Velho Testamento, foi a noite da Pscoa que marcou a verdadeira redeno de Israel do Egito e por isso a Pscoa deve ser reconhecida como um dos poderosos feitos divinos.33

    Considerando a Pscoa e os Pes Asmos como uma celebrao continua e nica, pode-se ressaltar ainda duas caractersticas fundamentais da festa. Deus afirma que o dia da Pscoa deve ser um memorial para Israel, com celebrao solene ao SENHOR, e considerada decreto permanente (Ex 12.14, 17). Outra caracterstica que surge mais tarde, que esta era uma das festas da qual todos os homens de Israel eram convidados a comparecer diante do Senhor Deus e apresentar-lhe suas ofertas. A celebrao da Pscoa era um momento to importante e significativo para o povo de Israel de sorte que aquele que dela no participasse, segundo Schultz, caa no ostracismo (Nm 9.13).34 S no receberia tal castigo a pessoa que tivesse algum impedimento legtimo, como impureza, doena ou estar em viagem. Estes, no entanto, deveriam adiar a sua celebrao at o segundo ms do ano religioso (2Cr 30.2, 3).

    Schultz faz boa lembrana ao considerar que a festa demorou a ser realizada anualmente conforme havia sido prescrita. Pois Moiss celebrou a segunda Pscoa no deserto do Sinai, um ano depois que Israel saiu do Egito (Nm 9.1-14). Porm, a terceira Pscoa s veio a ser celebrada quarenta anos depois da primeira, em Gilgal, na terra de Cana, sob a liderana de Josu (Js 5.10-12). Isto porque, por fora da lei, a circunciso era uma condio indispensvel para a participao e celebrao da Pscoa (Ex 12.48) e nenhum dos que nasceram durante a peregrinao no deserto havia sido circuncidado (Js 5.5-6).35

    1.5.1 Adequaes Posteriores

    Quando a Pscoa foi instituda Israel no contava com o sacerdcio nem com o tabernculo. Com a inaugurao de ambos Israel passou a ter um santurio central. Ali Deus estava presente entre seu povo e os sacerdotes ofereciam os sacrifcios e as ofertas dos homens a Deus, sendo assim mediadores neste relacionamento. Desta forma, houve adequaes posteriores observncia original.

    33 COLE, R. Alan. xodo: introduo e comentrio. So Paulo: Vida Nova, 1972, p.29.

    34 SCHULTZ, op. cit., p.69.

    35 Idem, p.68-69.

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    A cada dia da semana da festa eram apresentadas pela nao ofertas queimadas em holocausto ao SENHOR (Lv 23.8), que consistiam de dois novilhos, um carneiro e sete cordeiros, juntamente com a prescrita oferta de manjares e um bode como oferta pelo pecado (Nm 28.16-25). Tambm era realizada a oferta do primeiro feixe da colheita (Lv 23.9-14).36 E a principal mudana foi a ordem para que os cordeiros pascais fossem mortos no santurio central e o sangue aspergido sobre o altar, em vez de ser sobre os umbrais das portas das casas ou tendas.

    Posteriormente, a construo do santurio nacional em Jerusalm foi determinante para mudanas na forma de culto do povo de Israel. Entre tais mudanas, a celebrao da Pscoa no Templo em Jerusalm fez com que a festa se tornasse uma festa de peregrinao anual, onde todos os israelitas espalhados pelo mundo se reuniam para celebr-la. Foi uma conseqncia da centralizao do culto a mudana do carter familiar da festa para um sentido mais comunitrio.37

    1.5.2 Pscoa no Tempo de Jesus

    Na poca de Jesus, durante os perodos das grandes festas de peregrinao, principalmente na Pscoa, o povo tinha que se deslocar para Jerusalm, que recebia nestas pocas um nmero muito grande de peregrinos, que vinham de toda parte, no s de cada canto da Palestina, mas tambm de pases distantes onde havia colnias de judeus estabelecidas aps a Dispora. Calcula-se que uma multido de cerca de quinhentas mil pessoas visitava Jerusalm nas grandes festas, o que corresponde a cinco vezes a sua populao normal.38

    Os cordeiros eram mortos no templo, entre 14h30m e 17h, mas a refeio pascal era tomada em grupos de 10 a 20 pessoas em casas particulares, visto que era impossvel todos comerem o cordeiro pascal no templo devido multido de peregrinos que vinham a Jerusalm.39 Henri Daniel-Rops destaca que o animal previamente escolhido era entregue aos sacrificadores que ficavam na entrada do ptio do templo, e um toque de trombeta dava o sinal para cada sacrifcio. O sacerdote recolhia o sangue e o despejava diante do altar.40 Aps isso o cordeiro era levado pelos ofertantes para ser comido na refeio ritual, conforme a prescrio da Lei.

    De acordo com os evangelhos sinticos, foi na festa da Pscoa (talvez antecipada de um dia) que Jesus instituiu a Santa Ceia. O evangelho de Joo, seguindo outro calendrio, apresenta Jesus morrendo na hora em que no Templo de Jerusalm comeava a grande matana dos cordeiros pascais para a festa dos judeus.41

    36 Idem, p.69.

    37 DE VAUX, op. cit., p.523-525.

    38 DANIEL-ROPS, Henri. Vida diria nos tempos de Jesus. So Paulo: Vida Nova, 1986, p.226-227.

    39 IMSCHOOT, P. van. Pscoa, in: DEN BORN, A. van. Dicionrio Enciclopdico da Bblia. Petrpolis:

    Vozes, 1971, p.1131. 40

    DANIEL-ROPS, op. cit., p.229-230. 41

    GUNDRY, Robert H. Panorama do Novo Testamento. So Paulo: Vida Nova, 1998, p.210.

  • 13

    2 TIPOLOGIA COMO INSTRUMENTO HERMENUTICO

    Como relacionar a histria de Israel relatada no Antigo Testamento com o fato da vinda de Jesus Cristo e com o propsito de sua vinda ao mundo, relatados a partir do Novo Testamento? H algum instrumento que possibilite identificar uma relao verdadeira entre ambos os Testamentos bblicos? Onde e como se pode ver Jesus Cristo no Antigo Testamento?

    Uma das formas de se compreender o sentido das palavras e dos fatos do Antigo Testamento, relacionando-os vida e obra de Jesus Cristo, a linha hermenutica chamada tipologia. Como veremos a seguir, sob muitos aspectos, ela tem sido um grande instrumento para se compreender a obra redentora de Cristo em ambos os Testamentos.

    2.1 TIPOLOGIA: HERMENUTICA BBLICA

    O Antigo Testamento , segundo a descrio de Antnio Neves de Mesquita, o livro da histria da interveno de Deus na vida do povo israelita e bem como do mundo inteiro, para lev-los salvao. A concretizao desta salvao, no entanto, s seria plena em Jesus Cristo. Todos os atos divinos do Antigo Testamento so sombras ou tipos da manifestao completa de Deus aos homens dada em Jesus Cristo.42

    Leonhard Goppelt um dos estudiosos que faz uso da tipologia como mtodo para interpretar as Escrituras. Diz ele: We have established that typology is the basic method used to interpret Scripture in the NT.43 Goppelt, ao fazer uma anlise da histria de Cristo em relao ao Antigo Testamento de acordo com o apstolo Paulo, conclui que o princpio hermenutico de Paulo pode ser extrado da passagem de 2 Corntios 3.14 e 16. Na seqncia do estudo, duas palavras-chave so extradas da hermenutica paulina: promessa e tipo. O vocbulo evpaggeli,a, promessa, ganha em Paulo um expressivo sentido teolgico: a proclamao da salvao escatolgica feita primeiramente a Abrao.44 A linha do Antigo Testamento que conduz para Cristo interpretada como promessa, e a obra salvfica de Cristo descrita como a consolidao da promessa. O outro vocbulo tu,poj, utilizado pelo apstolo para descrever a relao entre o que acontece no Antigo Testamento e o que acontece no Novo Testamento como, por exemplo, em 1 Corntios 10.11. Segundo Goppelt:

    O termo grego typos muito significativo. Originalmente designava o prottipo que serve para cunhar por exemplo um selo. Paulo usa esse vocbulo como termo hermenutico para uma forma de interpretao da histria veterotestamentria [...] A interpretao tipolgica do AT no constitui um mtodo exegtico, mas, sim, um modo de pensar claramente definido, empregado de forma meditativa: A partir da ao de Deus em Cristo, Paulo descobre em personagens, instituies ou acontecimentos do AT prenunciadoras descries antecipadas da ao de Deus nos ltimos tempos.45

    42 MESQUITA, Antnio Neves de. Estudo no Livro de xodo. 4.ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1979, p.84.

    43 GOPPELT, Leonhard. Typos: the typological interpretation of the Old Testament in the New. Grand Rapids:

    Eerdmans, 1978, p.200. Ns estabelecemos que tipologia o mtodo bsico para interpretar a Escritura no NT.

    44 GOPPELT, Leonhard. Teologia do Novo Testamento. 3.ed. So Paulo: Teolgica, 2002, p.307.

    45 Idem, p.308.

  • 14

    O papel de Cristo na tipologia ressaltado por Goppelt, como se pode observar nesta afirmao:

    in his person Christ takes the place of temple and sacrifice and every other OT means of salvation. He is not simply the mediator of God's New Covenant; he is the incarnation of it. His place in typology becomes clear only when we realize there is no typology that by-passes Christ; he is the antitype of the OT.46

    No seu livro, The Word becoming flesh, Horace D. Hummel atribui a nfase teolgica principal de sua obra tipologia.47 No contexto da teologia ou de estudos bblicos, recorre-se a um mtodo de descrio da unidade dos dois testamentos. habitual se falar do tipo primitivo-primrio (prottipo, arqutipo, modelo, analogia) e o subseqente anttipo.48 Comumente fala-se que existem trs exemplos de tipos: so pessoas, eventos e instituies do Antigo Testamento que prefiguram a pessoa e obra de Jesus Cristo. A Pscoa, portanto, se enquadra nesta definio de tipo.

    Hummel, no entanto, julga importante enfatizar que [...] all valid typology is both eschatological and Christological,49 tendo em vista que h um risco de confundir o paganismo, apegado alegoria, fruto da filosofia de Plato, com a teologia bblica. O paganismo orientado, segundo Hummel, verticalmente; ocorrendo como exemplo a salvao da histria. Enquanto que a teologia bblica orientada de forma horizontal, isto , [...] the Bibles basic orientation is toward the future, (salvation incarnationally through history).50

    Uma das ltimas vises sobre o mtodo observa-se em Walter C. Kaiser Jr. Com um posicionamento mais liberal ele afirma que: Typology is [] a historic-theological reflection on the fact that the God-ordained persons, events, institutions, and things often tended to come in clusters and repeat themselves over and over in the progress of revelation.51

    Apesar deste posicionamento mais crtico pode-se aproveitar algumas caractersticas de um tipo que so apresentadas por Kaiser Jr. A correspondncia histrica a caracterstica bsica e primria. Caracterstica esta defendida por Goppelt: The historicity of what is reported and the literal meaning of the text are of no consequence for allegorical

    46 GOPPELT. Typos, op. cit., p.116. [...] na sua prpria pessoa Cristo toma o lugar do templo, sacrifcio e todo

    outro meio de salvao do AT. Ele no simplesmente o mediador da Nova Aliana de Deus; ele a encarnao dela. O seu lugar na tipologia fica claro apenas quando percebemos que no h nenhuma tipologia que ignore Cristo; ele o anttipo do AT.

    47 HUMMEL, op. cit., p.16.

    48 Ibidem.

    49 Ibidem. [...] toda tipologia vlida escatolgica e Cristolgica.

    50 Ibidem. [...] a orientao bsica da Bblia est para o futuro, (salvao encarnacionalmente por meio da

    histria). 51

    KAISER Jr., Walter C. The Uses of the Old Testament in the New. Chicago: Moody Press, 1985, p.106. [...] tipologia uma reflexo historico-teolgica no fato de que as pessoas, eventos, instituies, e coisas ordenadas de Deus tenderam freqentemente a entrar em agrupamentos e a se repetir sempre de novo no progresso da revelao.

  • 15

    interpretation, but for typology they are foundational.52 A segunda caracterstica envolve um progresso, aumento, intensificao ou ampliao do tipo para o anttipo, tambm apoiada por Goppelt. Outra caracterstica, a mais difcil para se estabelecer, a prefigurao. E a ltima a designao e inteno divina em prover tipo e anttipo.53 Esta caracterstica foi ressaltada por Estvo Bettencourt. Ele afirma que foi do intento de Deus dispor no passado homens e fatos que se relacionassem com anlogos futuros sendo desta forma a fonte do tipo e dando a ele consistncia.54 Segundo Bettencourt:

    O tipo implica um personagem, um objeto ou um acontecimento que realmente existiu na histria e que Deus houve por bem ordenar, como aceno ou figura longnqua, a outro personagem, objeto ou acontecimento da era messinica; Deus o pode perfeitamente fazer j que todos os tempos lhe so igualmente presentes [...].55

    2.2 PRINCPIO CRISTOLGICO

    James W. Voelz concorda com a perspectiva cristolgica e escatolgica da tipologia bblica, vista em alguns dos argumentos acima. Ele ressalta o Princpio Cristolgico, ou seja, the principle that all Scripture is Christocentric, centered on the person and work of Christ.56 E ao tratar deste assunto aponta o Reino de Deus como o tema organizador e unificador das Sagradas Escrituras, e defende a tese de que o Reino de Deus se cumpriu prolepticamente em Jesus Cristo e em sua obra.57

    Ampliando seus argumentos vemos que Deus reina sobre seu povo diretamente, e tambm estabelecendo este governo atravs de reis e juzes que conduziram o povo de Israel. Havia no Antigo Testamento uma esperana proftica de que Deus visitaria seu povo. Esta visitao divina era chamada pelos profetas, entre outras formas, de o Dia do Senhor, que era visto como algo histrico (no tempo) e tambm escatolgico; e que possua caractersticas de juzo e graa. Esta esperana se cumpriu plenamente em Jesus Cristo de trs formas simultneas: na sua pessoa, de fato e em princpio.

    Para se entender esta relao atemporal de cumprimento do Dia do Senhor, Voelz conclui que: The in-principle fulfillment in Christ of the OT prophetic hope may be characterized as proleptic in that it came ahead of time into history, before the final consummation (cf. Matt. 8:29: h]lqej w-de pro.pro.pro.pro. kairo/ukairo/ukairo/ukairo/u)".58 No evento de Cristo (vida, morte, e ressurreio de Cristo e no Pentecoste) vivemos j a realidade do e;skaton. Em sua

    52 GOPPELT, Typos, op. cit., p.18. A historicidade do que informado e o significado literal do texto no traz

    nenhuma conseqncia para a interpretao alegrica, mas para a tipologia so fundamentais. 53

    KAISER Jr., op. cit., p.101-110. 54

    BETTENCOURT, Estvo. Para entender o Antigo Testamento. 3.ed. Rio de Janeiro: Agir, 1965, p.103. 55

    Idem, p.106. 56

    VOELZ, James W. What does this mean?: principles of biblical interpretation in the post-modern world. Saint Louis: Concordia Publishing House, 1995, p.362. O princpio que toda Escritura Cristocntrica, centrada na pessoa e obra de Cristo.

    57 Idem, p.244-262.

    58 Idem, p.251. Este cumprimento da esperana proftica do AT em Cristo em princpio pode ser caracterizada

    como prolptica no sentido de que veio antes do tempo para dentro da Histria, antes da consumao final (cf. Mt 8.29: h]lqej w-de pro. kairo/u).

  • 16

    essncia o Reino de Deus veio no evento de Cristo, embora ainda reste a : a segunda e definitiva vinda de Cristo para a consumao dos tempos.59

    Esta compreenso de Voelz muito oportuna para o tema desta pesquisa, uma vez que a Pscoa uma instituio veterotestamentria que ganha propores escatolgicas no evento de Cristo. Voelz categrico ao afirmar que: virtually all of Israels history is a proleptic manifestation in surface form of Gods eschatological actions of judgment and grace.60 Para Voelz, esta a forma de reconhecer Cristo no Antigo Testamento:

    Only when one sees the OT and the events, institutions, people, etc., as shaped by the eschatological fulfillment, which fulfillment itself has already taken incarnate shape in the coming of the Promised One, can one see the OT in all of its Christocentricity.61

    59 Idem, op. cit., p.250-251.

    60 Idem, op. cit., p.258. virtualmente tudo na histria de Israel uma manifestao prolptica em forma

    superficial das aes escatolgicas de Deus, em julgamento e graa. 61

    Idem, op. cit., p.261. Apenas quando algum v o AT e os eventos, instituies, povo, etc., como tipos do cumprimento escatolgico, que o prprio cumprimento possui tomado de forma encarnada na vinda do Prometido, pode ver o AT em toda sua Cristocentricidade.

  • 17

    3 RELAO TIPOLGICA ENTRE A PSCOA E A PESSOA E OBRA DE JESUS CRISTO

    Que relao h na Bblia entre a histria da festa da Pscoa e a pessoa e obra de Jesus Cristo? Tendo em vista o que foi apresentado no captulo acima, pode-se dizer que uma relao existente entre a Pscoa e a vida e obra de Jesus a tipolgica. A pesquisa realizada apontar a seguir como se d essa relao em alguns aspectos da obra de Cristo.

    No por acaso que a festa da Pscoa foi a maior e mais solene festividade israelita e continuou tendo a mesma importncia e relevncia para a Igreja crist, desde os tempos da cristandade primitiva at os dias de hoje. Ambas so festas que celebram a redeno do Povo de Deus, e entende-se que essa redeno obra de Cristo em seu aspecto prolptico. No Antigo Testamento a festa era em si uma sombra do que viria de fato se cumprir em Jesus; uma prefigurao do sacrifcio do Cordeiro de Deus.

    A Pscoa no Novo Testamento foi ocasio onde se deu a paixo e morte de Cristo para a salvao da humanidade pecadora. O evento Pscoa marca em si a definitiva redeno do povo de Deus. Para Hoff a Pscoa segundo o Novo Testamento, um smbolo proftico da morte de Cristo, da salvao e do andar na f a partir da redeno.62

    J Mesquita, num paralelo da funo da festa como um memorial para o povo, afirma:

    Deus tinha em mira, ao instituir a Pscoa, pr diante do povo um memorial que o atrasse e lhe fizesse lembrar que sua liberdade tinha sido ganha custa da sua interveno na histria do Egito. Do mesmo modo, Jesus nos deixou o memorial de sua morte para que por ele sejamos lembrados de que nossa redeno foi ganha custa do sacrifcio do Filho de Deus.63

    3.1 A SANTA CEIA E A CEIA PASCAL

    A Santa Ceia, tambm chamada de Ceia do Senhor, possui o carter propriamente tipolgico da Ceia Pascal. Em vrios pontos pode-se relacionar ambas. Jlio Paulo Tavares Zabatiero diz que a Ceia do Senhor o anttipo da celebrao pascal da velha aliana.64

    Para P. van Imschoot a ltima ceia de Jesus foi uma ceia pascal no verdadeiro sentido.65 Bertold Klappert concorda com este fato afirmando que com toda a probabilidade foi uma refeio da Pscoa.66 Ou seja, j o prprio contexto em que Jesus instituiu a Santa Ceia foi o de uma festa da Pscoa judaica, com toda a srie de procedimentos da poca e os evidentemente prescritos na lei mosaica.

    62 HOFF, op. cit., p.118.

    63 MESQUITA, op. cit., p.84.

    64 ZABATIERO, Jlio Paulo Tavares. Ceia do Senhor, in: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. (orgs.)

    Dicionrio Internacional de Teologia do Novo Testamento. 2.ed. So Paulo: Vida Nova, 2000. v.1, p.333. 65

    IMSCHOOT, P. van. Ceia Pascal, in: DEN BORN, A. van. Dicionrio Enciclopdico da Bblia. Petrpolis: Vozes, 1971, p.261.

    66 KLAPPERT, B. Ceia do Senhor, in: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. (orgs.) Dicionrio Internacional

    de Teologia do Novo Testamento. 2.ed. So Paulo: Vida Nova, 2000. v.1, p.326.

  • 18

    Como Goppelt ressalta, a Santa Ceia foi o momento que Jesus declara o estabelecimento da Nova Aliana, e este sem dvida um evento decisivo para a compreenso teolgica de ambos os Testamentos.

    The institution of the Lords Supper is an important summary of all OT typology in the NT. The comprehensive concept in which this is all summarized is found here also: it is the New Covenant. Jesus is the Christ, the mediator, and the incarnation of the New Covenant. His church is the people of the New Covenant.67

    O estudo de Paul G. Bretscher sobre a Aliana de Sangue68 um bom parmetro para se fundamentar a aplicao do tema na presente pesquisa pois trata diretamente do ponto Santa Ceia. Este tpico do capitulo ir se basear nos paralelos que Bretscher aponta. Todos so fundamentados com passagens bblicas, e que podem ser extrados da relao entre o banquete do Antigo e o do Novo Testamento. A tese de Bretscher de que o conceito de sangue, com todas as suas implicaes, e que perpassa toda a Bblia, a linha de unidade que liga os dois Testamentos bblicos em uma nica religio.69 Na parte final de seu estudo, ele fala sobre o Sangue da Pscoa afirmando que:

    The ceremonial and spiritual climax of the Old Testament religion was the Feast of the Passover; in the New Testament it is the Lord's Supper. In these two feasts, especially as the one merges into the other, the covenant of blood is revealed in its fullest clarity and beauty. The words that Jesus spoke that Passover night in the Upper Room, "This is My blood of the new Testament," are the simple key which confirms and summarizes the unity of the testaments in the covenant of blood. If this cup is the blood of Jesus Christ in the new testament, then there is or has been also a blood of the old testament. Now, however, the new fulfills the old, and abolishes it. 70

    Segundo Bretscher cada banquete institudo mediante a ordem de Deus. Ambos envolvem o sacrifcio de um cordeiro, com a observao de que no Novo Testamento a passagem de 1 Corntios 5.7 e as palavras dado e derramado na instituio da Ceia do Senhor indicam claramente um sacrifcio. Este sacrifcio consiste em um cordeiro sem

    67 GOPPELT, Typos. op. cit., p.116. A instituio da Ceia do Senhor um resumo importante de toda a

    tipologia do AT dentro do NT. O conceito inclusivo no qual tudo isto est resumido tambm encontrado aqui: a Nova Aliana. Jesus o Cristo, o mediador, e a encarnao da Nova Aliana. A sua igreja o povo da Nova Aliana.

    68 BRETSCHER, Paul G. The Covenant of Blood in: Concordia Theological Monthly. v.25, n.1, p.2-27; n.2,

    p.109-125 e n.3, p.199-207. St. Louis: Concordia Publishing House, 1954. 69

    Idem, v.25, n.1, p.2. 70

    Idem, v.25, n.3, p.199. O clmax cerimonial e espiritual da religio do Antigo Testamento era a Festa da Pscoa; no Novo Testamento este a Ceia do Senhor. Nestes dois banquetes, especialmente como um se funde no outro, a aliana de sangue revelada em sua mais completa clareza e beleza. As palavras que Jesus disse naquela noite de Pscoa no cenculo, "Este Meu sangue do novo Testamento", so a chave simples que confirma e resume a unidade dos testamentos na aliana de sangue. Se este clice for o sangue de Jesus Cristo no novo testamento, ento h ou tambm houve um sangue do antigo testamento. Porm, agora o novo cumpre o velho, e abole este.

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    defeito, ou seja, em ambos os Testamentos no havia razo para ele morrer, no sentido de que Cristo no possua pecado e no estava sujeito morte que o salrio do pecado. Tambm, em cada banquete nenhum osso do sacrifcio quebrado e comendo do sacrifcio que o indivduo dele participa e dele recebe seus benefcios pessoalmente.

    Bretscher aponta ainda que Deus liga cada banquete sua promessa. No Antigo Testamento para a ordem da Pscoa Deus prende a promessa de poupar o seu povo da dcima praga.71 No julgamento de Deus todas as pessoas daquela cena mereciam a morte e a destruio completa. No somente os egpcios, mas cada israelita estava sujeito ao juzo divino. Diz Bretscher: Otherwise why is a sacrifice necessary to spare them?.72 Sobre este detalhe Mesquita conclui que diante de Deus, tanto devia morrer um primognito egpcio como um judeu, mas o sangue fez a diferena, em que um morria e o outro era salvo [...] S haveria salvao onde houvesse sangue.73 Deus no Novo Testamento tambm liga uma promessa Pscoa. Segundo Bretscher, no sangue da nova aliana h perdo de pecados:

    Thus the Passover testifies to the powerful truth that man is a sinner and that the wages of sin is death. But the Passover is, above all, Gospel. The wrath of God falls, not on the man who deserves to die, but on the spotless lamb, and man is spared the destruction of God. Indirectly, therefore, the promise of forgiveness of sin and of God's grace inheres in the Passover sacrifice. In the Lord's Supper of the New Testament, forgiveness of sin is directly promised: "This is My blood, which is shed for you for the remission of sins."74

    Outro paralelo que ambas as ceias so um precioso memorial para o povo de Deus. Evidentemente este banquete comemorativo a partir do Novo Testamento aponta no mais para a libertao do Egito, transcorrida h tanto tempo, mas sim para a morte de Cristo; e no somente isto, mas efetivamente traz para a humanidade os seus benefcios a remisso dos pecados, vida e salvao. Diz Bretscher: our eating and drinking in this feast tells us that Christ died as a sacrifice was not simply slaughtered as animals are slaughtered for meat, but died willingly and for a purpose, namely, for the remission of our sins, as the Substitute for our death.75

    A necessidade de f tambm apontada por Bretscher entre os paralelos. Um verdadeiro esprito de humildade, arrependimento e f so determinantes para a celebrao de ambos os banquetes.76

    71 Cf. MUELLER, John T. Dogmtica Crist. 4.ed. Porto Alegre: Concrdia, 2004, p.440.

    72 BRETSCHER, op. cit., v.25, n.3, p.201-202. Caso contrrio por que necessrio um sacrifcio para poup-

    los?. 73

    MESQUITA, op. cit., p.83. 74

    BRETSCHER, op. cit., v.25, n.3, p.202. Assim a Pscoa testemunha a poderosa verdade de que o homem um pecador e que o salrio de pecado a morte. Mas a Pscoa , acima de tudo, Evangelho. A ira de Deus cai no no homem, que merece morrer, mas no cordeiro imaculado, e o homem poupado da destruio de Deus. Indiretamente, ento, a promessa de perdo dos pecados e de graa de Deus est inerente ao sacrifcio de Pscoa. Na Ceia do Senhor do Novo Testamento, o perdo de pecados prometido diretamente: Este o Meu sangue derramado por vs para perdo de pecados.

    75 Idem, p.203. [...] nosso comer e beber neste banquete nos fala que Cristo morreu como um sacrifcio ele

    simplesmente no foi morto como um animal morto, mas morreu de boa vontade e por um propsito, isto , para o perdo de nossos pecados, como o Substituto para a nossa morte.

    76 Idem, p.204.

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    A ltima comparao que se destaca entre a Pscoa do Antigo Testamento e a Santa Ceia no Novo o carter exclusivo delas. Ou seja, para Bretscher:

    the Passover feast is given exclusively to God's covenant people. Also non-Israelites, in fact, anyone who desires to enter that covenant, must do so through the rite of circumcision. So also the Lord's Supper belongs to God's people only, to the Christian Church, to the one body in Christ.77

    Se por um lado a condio no Antigo Testamento era a circunciso, por outro o Batismo se faz necessrio para que a pessoa tenha o privilgio de participar da Ceia do Senhor. Apesar de no haver uma prescrio imediata desta condio, Bretscher remete a questo para a ordem missionria de Mateus 28.78 Bretscher conclui dizendo: The Lord's Supper is for Christians only; but the divinely ordained means of becoming a Christian is Christian Baptism.79

    3.2 O CORDEIRO PASCAL E O CORDEIRO DE DEUS

    Para iniciar o tpico v-se na frase de Ellisen que h uma relao tipolgica entre o cordeiro pascal e Jesus Cristo: O cordeiro sacrificado tipificou a morte vicria de Cristo pelo pecado.80

    Como foi visto acima no primeiro captulo, o termo pscoa pode ser aplicado tambm ao cordeiro que servia de sacrifcio no dia da ceia pascal. No Novo Testamento, Cristo o Cordeiro de Deus sacrificado de uma vez por todas em prol da salvao de toda a humanidade. O sangue do cordeiro no Antigo Testamento poupou da morte os primognitos daquelas famlias que o aspergisse na entrada de sua casa. No Novo Testamento, Cristo o cordeiro substituto, em virtude de quem os seres humanos so poupados da morte eterna.

    Paulo chama Cristo em 1 Corntios 5.7 de nosso Cordeiro pascal. E no evangelho de Joo 1.29, Joo Batista vendo a Jesus, que vinha em sua direo, disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!. Sobre esta passagem, Johannes Gess ressalta que no se trata meramente de uma comparao, na qual se diz que Jesus como um cordeiro; pelo contrrio, Ele o Cordeiro de Deus.81 Gess, para explicar a declarao de Joo Batista, afirma que se cordeiro representa oferenda, ento fica clara a declarao de Joo Batista. Nenhuma oferenda trazida pelos homens pode levar embora o pecado do mundo. O prprio

    77 Idem, p.205-206. O banquete da Pscoa determinado exclusivamente para o povo da aliana de Deus. Na

    realidade, tambm os no-israelitas ou qualquer um que desejasse entrar naquela aliana, teria que passar pelo rito de circunciso. Tambm a Ceia do Senhor pertence apenas ao povo de Deus, para a Igreja Crist, para o nico corpo em Cristo.

    78 Mateus 28.18-20: Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no cu e na

    terra. Ide, portanto, fazei discpulos de todas as naes, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Esprito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. [...].

    79 BRETSCHER, op. cit., v.25, n.3, p.206. A Ceia do Senhor somente para os cristos; mas o meio

    divinamente ordenado de se tornar um cristo o Batismo Cristo. 80

    ELLISEN, op. cit., p.45. 81

    GESS, Johannes. Cordeiro in: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. (orgs.) Dicionrio Internacional de Teologia do Novo Testamento. 2.ed. So Paulo: Vida Nova, 2000. v.1, p.430.

  • 21

    Deus, no entanto, providencia uma oferenda que pode realmente remover o pecado. Deu Seu Filho unignito, e no O poupou.82

    O cordeiro da Pscoa no Antigo Testamento foi, portanto, um notvel tipo de Cristo como o Cordeiro de Deus. E sendo Jesus Cristo o sacrifcio perfeito, pleno e definitivo (o cumprimento do tipo veterotestamentrio), no h mais a necessidade de se sacrificarem os cordeiros, pois ele foi o sacrifcio vicrio para a salvao de toda a humanidade. Gordon J. Wenham aponta uma curiosidade dessa cessao dos sacrifcios, uma conseqncia histrica decorrente da queda de Jerusalm: A sua morte tornou obsoletos os sacrifcios de animais, e de fato os sacrifcios do templo cessaram quarenta anos depois, quando Jerusalm foi invadida em 70 A.D., e o templo destrudo.83

    3.3 A PSCOA ESCATOLGICA

    Segundo a perspectiva de Voelz acima apontada, pode-se dizer que tambm a Pscoa foi instituda por causa do futuro. Para Voelz [...] things happened in Israels history, OT people experienced what they experienced, because of what God would do in the Age to Come which age invaded history proleptically, and manifested its shape and form, in the Christ-event.84 Portanto, a Pscoa uma manifestao na era presente do futuro escatolgico.

    Esta perspectiva escatolgica confere com o pensamento de Goppelt. Ao falar sobre a Ceia do Senhor, este afirma:

    The institution of the Lords Supper proclaims that the situation in which the church passes through history is not yet the consummation. The Last Supper is itself another prophecy in type, a type that points to the joyous banquet in the future that Christ will celebrate with his disciples in the kingdom of God. Therefore, each Lords Supper celebrated by the church points to the consummation.85

    O pensamento acima est em harmonia com o tema do banquete messinico apresentado na Bblia, uma vez que o Reino de Deus tambm anunciado como um grande banquete. Trata-se de uma grande festa em torno da qual todos os justos e santos estaro celebrando na companhia do Deus trino. Pode-se apreciar o tema nas seguintes passagens selecionadas abaixo.

    No livro do profeta Isaas consta uma aluso ao tema do banquete messinico: O SENHOR dos Exrcitos dar neste monte a todos os povos um banquete de coisas gordurosas, uma festa com vinhos velhos, pratos gordurosos com tutanos e vinhos velhos bem clarificados (Is 25.6).

    82 Ibidem.

    83 WENHAM, Gordon J. Nmeros: introduo e comentrio. So Paulo: Vida Nova, 1991, p.208.

    84 VOELZ, op. cit., p.259-260. [...] as coisas que aconteceram na histria de Israel, o povo do AT experimentou

    o que experimentou, por causa do que Deus iria fazer na era por vir (era que, no evento de Cristo, invadiu prolepticamente a histria e manifestou sua configurao e forma).

    85 GOPPELT, op. cit., p.116. A instituio da Ceia do Senhor proclama que a situao na qual a igreja passa

    atravs da histria no , contudo final. A ltima Ceia em si mesma outra profecia em tipo, um tipo que aponta para o banquete festivo no futuro que Cristo celebrar com os seus discpulos no reino de Deus. Portanto, a cada Ceia do Senhor celebrada pela igreja aponta para a final.

  • 22

    No livro de Apocalipse repete-se a expectativa de uma ceia escatolgica: Ento, me falou o anjo: Escreve: Bem-aventurados aqueles que so chamados ceia das bodas do Cordeiro. E acrescentou: So estas as verdadeiras palavras de Deus (Ap 19.9). Tambm no versculo 19.17: Vinde, reuni-vos para a grande ceia de Deus.

    Esta imagem de um banquete tambm aparece em Mateus 8.11 e Lucas 13.29. Na parbola da grande ceia registrada em Lucas 14.15-24, e principalmente numa das passagens da instituio da Ceia do Senhor, em Mateus 26.29, h uma aluso direta ao banquete escatolgico.

    Klappert, ao falar das principais idias teolgicas da Ceia do Senhor, concorda com o pensamento at aqui desenvolvido e afirma:

    A perspectiva escatolgica (Mc 14:25) deu Ceia do Senhor uma referncia futura. Assim como Jesus, mediante a distribuio do po e do vinho, trouxe Seus discpulos para a comunho com Si prprio, e para a participao do poder expiador universal de Sua morte, colocou-os, assim, dentro da esfera da vinda do reino de Deus. Numa declarao solene da Sua vontade, na forma de um juramento, Jesus prometeu a consumao da salvao e assegurou Seus discpulos de que esta seria Sua ltima refeio com eles antes da refeio da consumao. Sua morte expiatria vicria em prol dos muitos (expresso universal), na qual os discpulos participaram na Ceia do Senhor, fez que eles fossem, outrossim, participantes da soberania de Deus que irrompia entre os homens.86

    Portanto, quando afinal os cristos estiverem juntos do Senhor, na consumao dos sculos, iro celebrar esta festa pascal e jubilantes cantaro louvores, daro glrias ao Cordeiro de Deus, junto das multides de anjos: proclamando em grande voz: Digno o Cordeiro que foi morto de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e fora, e honra, e glria, e louvor (Ap 5.12).

    86 KLAPPERT, op. cit., p.329.

  • 23

    CONCLUSO

    A presente pesquisa procurou explanar sobre o assunto Festa da Pscoa numa perspectiva tipolgica das Sagradas Escrituras. Como observou-se, a Bblia sempre aponta para Jesus Cristo, tendo seu foco na sua pessoa e obra. Portanto, ao se falar de Pscoa, mesmo que no contexto do Antigo Testamento, fala-se tambm de Cristo, de sua vida e de sua obra.

    O problema levantado na pesquisa foi: Que relao h na Bblia entre a histria da festa da Pscoa e Jesus Cristo em sua vida, pessoa e obra?

    A tese de que h uma relao tipolgica entre a festa da Pscoa e Jesus Cristo pde ser comprovada pela exposio do tema, mediante pesquisa bibliogrfica em obras de diversas correntes teolgicas, mas preferencialmente naquelas de linha confessional. Quando a festa da Pscoa est em discusso, ou quando o foco dos estudos e apontamentos so a obra redentora de Cristo ou o carter de sacrifcio vicrio de sua morte, vrios autores fazem meno, ou tratam diretamente do assunto. Em geral, h um consenso sobre a viso da festa da Pscoa judaica como uma prefigurao da redeno de Cristo.

    Para a corrente pesquisa trs pontos de convergncia tipolgica foram ressaltados. A correspondncia tipolgica da Ceia Pascal e da Santa Ceia instituda por Cristo; o Cordeiro Pascal e o Cordeiro de Deus e o carter escatolgico da Pscoa. De todos estes pontos resulta uma forte pregao de consolo para os cristos, uma vez que a graa de Deus anunciada com toda a clareza.

    Outros aspectos de relevncia teolgica poderiam ser tratados em um aprofundamento do tema, tais como a forma prtica de anunciar o tema; o aspecto da redeno dos primognitos; o aspecto cltico e litrgico da Pscoa; todo o novo sentido que a Pscoa ganha a partir do Novo Testamento com a ressurreio de Jesus Cristo, ou mesmo o impacto que ela gerou na Igreja primitiva impulsionando a expanso do cristianismo pelo mundo.

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