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1 Relações Interorganizacionais: Cooperação e Competição como Vantagem Competitiva para o Arranjo Produtivo de Gemas e Pedras Preciosas de Soledade Autoria: Anelise Rebelato Mozzato Resumo: No atual contexto econômico caracterizado pela introdução de sucessivas e rápidas mudanças, emerge a questão do acirramento da competição. Diante da complexidade desse cenário de concorrência, também internacional, novas configurações organizacionais, como os Arranjos Produtivos Locais (APLs), têm ganho espaço. Nesse sentido, a crescente busca por novas formas de relacionamentos interorganizacionais vem se apresentando como estratégia viável e competitiva para o enfrentamento de um ambiente cada vez mais incerto, nos quais, os processos colaborativos facilitam a crença na confiança, podendo coexistir a cooperação e a competição. Inclusive, tais arranjos produtivos possibilitam a aprendizagem, o acesso a novos conhecimentos e tecnologias e o processo de inovação. Diante do exposto, o quadro teórico da presente pesquisa é fundamentado em autores como Jarillo (1988,1993); Jorde e teece (1989); Perrow (1992); Brandenburger e Nalebuff (1996); Human e Provan (1997); Ring (1997); Dyer e Singh (1998); Woolthuis, Hillebrand e Nooteboom (2005) Grandori e Cacciatori (2006); Shima (2006); Balestrin e Verschoore (2008); e Baiardi (2008), entre outros. O objetivo deste artigo consiste na análise dos ganhos obtidos por meio das relações interorganizacionais de cooperação estabelecidas no arranjo produtivo de gemas e pedras preciosas em Soledade, não eximindo, contudo, a existência da competição. O estudo caracteriza-se como uma pesquisa exploratória, na qual se buscou compreender, em nível macro, as principais características das relações interorganizacionais no APL em questão. Numa visão processual, se procurou identificar os diferentes agentes envolvidos e as formas relacionais estabelecidas. Diante ao estabelecido, sem desmerecer o que acontece no interior de cada organização, o estudo tem como foco os acontecimentos no ambiente empresarial externo (arranjos), o qual desempenha importante papel na atual concorrência global acirrada. O procedimento técnico adotado foi o do estudo de casos múltiplos, pois as unidades de análises são os vários agentes envolvidos no APL de Soledade: empresas, sindicato, Senai, Senac, Universidades, Prefeitura municipal. No que tange à abordagem do problema, caracteriza-se como uma pesquisa tipicamente qualitativa. Quanto aos meios para a realização da pesquisa de campo foram utilizados tanto dados primários como secundários. A observação e, sobretudo, a entrevista semi estruturada foram priorizadas. Por mais que a análise de conteúdo tenha sido priorizada como técnica analítica, outras análises foram realizadas à luz do referencial teórico pertinente, culminando nos resultados aqui apresentados. Tais resultados apontam para ganhos obtidos por meio das relações interorganizacionais de cooperação. Ainda, pode-se afirmar que o APL de Soledade está trabalhando com uma estratégia de sobrevivência e expansão global de acordo com a economia dos novos tempos, trazendo benefícios aos envolvidos, pois, cooperar, constitui-se numa alternativa estratégica competitiva. Também se torna evidente a possibilidade de coexistência da cooperação e da competição, inclusive, por meio das relações de confiança estabelecidas.

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Relações Interorganizacionais: Cooperação e Competição como Vantagem Competitiva para o Arranjo Produtivo de Gemas e Pedras Preciosas de Soledade

Autoria: Anelise Rebelato Mozzato

Resumo: No atual contexto econômico caracterizado pela introdução de sucessivas e rápidas mudanças, emerge a questão do acirramento da competição. Diante da complexidade desse cenário de concorrência, também internacional, novas configurações organizacionais, como os Arranjos Produtivos Locais (APLs), têm ganho espaço. Nesse sentido, a crescente busca por novas formas de relacionamentos interorganizacionais vem se apresentando como estratégia viável e competitiva para o enfrentamento de um ambiente cada vez mais incerto, nos quais, os processos colaborativos facilitam a crença na confiança, podendo coexistir a cooperação e a competição. Inclusive, tais arranjos produtivos possibilitam a aprendizagem, o acesso a novos conhecimentos e tecnologias e o processo de inovação. Diante do exposto, o quadro teórico da presente pesquisa é fundamentado em autores como Jarillo (1988,1993); Jorde e teece (1989); Perrow (1992); Brandenburger e Nalebuff (1996); Human e Provan (1997); Ring (1997); Dyer e Singh (1998); Woolthuis, Hillebrand e Nooteboom (2005) Grandori e Cacciatori (2006); Shima (2006); Balestrin e Verschoore (2008); e Baiardi (2008), entre outros. O objetivo deste artigo consiste na análise dos ganhos obtidos por meio das relações interorganizacionais de cooperação estabelecidas no arranjo produtivo de gemas e pedras preciosas em Soledade, não eximindo, contudo, a existência da competição. O estudo caracteriza-se como uma pesquisa exploratória, na qual se buscou compreender, em nível macro, as principais características das relações interorganizacionais no APL em questão. Numa visão processual, se procurou identificar os diferentes agentes envolvidos e as formas relacionais estabelecidas. Diante ao estabelecido, sem desmerecer o que acontece no interior de cada organização, o estudo tem como foco os acontecimentos no ambiente empresarial externo (arranjos), o qual desempenha importante papel na atual concorrência global acirrada. O procedimento técnico adotado foi o do estudo de casos múltiplos, pois as unidades de análises são os vários agentes envolvidos no APL de Soledade: empresas, sindicato, Senai, Senac, Universidades, Prefeitura municipal. No que tange à abordagem do problema, caracteriza-se como uma pesquisa tipicamente qualitativa. Quanto aos meios para a realização da pesquisa de campo foram utilizados tanto dados primários como secundários. A observação e, sobretudo, a entrevista semi estruturada foram priorizadas. Por mais que a análise de conteúdo tenha sido priorizada como técnica analítica, outras análises foram realizadas à luz do referencial teórico pertinente, culminando nos resultados aqui apresentados. Tais resultados apontam para ganhos obtidos por meio das relações interorganizacionais de cooperação. Ainda, pode-se afirmar que o APL de Soledade está trabalhando com uma estratégia de sobrevivência e expansão global de acordo com a economia dos novos tempos, trazendo benefícios aos envolvidos, pois, cooperar, constitui-se numa alternativa estratégica competitiva. Também se torna evidente a possibilidade de coexistência da cooperação e da competição, inclusive, por meio das relações de confiança estabelecidas.

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1 Introdução

No atual contexto econômico caracterizado pela introdução de sucessivas e rápidas mudanças, emerge a questão do acirramento da competição. Diante da complexidade desse cenário de concorrência, também internacional, novas configurações organizacionais, como os Arranjos Produtivos Locais (APLs), têm ganho espaço. Nesse sentido, a crescente busca por novas formas de relacionamentos interorganizacionais vem se apresentando como estratégia viável e competitiva para o enfrentamento de um ambiente cada vez mais incerto. (HUMAN; PROVAN, 1997).

Rompendo com princípios da estrutura burocrática tradicional, essas formas de relacionamentos interorganizacionais privilegiam as relações de cooperação, sem, no entanto, eliminar a competição e conflitos existentes em relacionamentos. Assim, a cooperação interorganizacional ganha espaço na economia mundial, nas suas diferentes configurações, incluindo os arranjos organizacionais formados pelas micro, pequenas e médias empresas, em forma de APLs, distritos industriais, clusters e outros. Schmitz (2002) chama atenção ao fato de que tais arranjos têm ganho visibilidade ao serem associados ao desenvolvimento local sustentado por meio de ações conjuntas que levam à eficiência coletiva.

Diante de tal cenário, realiza-se pesquisa empírica junto ao setor de pedras da cidade de Soledade, situada no Rio Grande do Sul. Nessa cidade há um aglomerado de firmas de diversos portes trabalhando na busca da competitividade nacional e, principalmente, internacional. No decorrer deste artigo será utilizado o termo “arranjo produtivo de gemas e pedras preciosas”, o qual é adotado pelo IBGM (2005).

Esta pesquisa tem como objetivo a análise dos possíveis ganhos obtidos por meio das relações interorganizacionais de cooperação estabelecidas no arranjo produtivo de gemas e pedras preciosas em Soledade, não eximindo, contudo, a existência da competição. Diante do objetivo proposto, emergem algumas questões: Quais são os fatores determinantes para a cooperação entre as empresas do setor de pedras de Soledade? Como ocorre a cooperação entre essas empresas, considerando também a coexistência da competição? Como as empresas inseridas no arranjo produtivo de gemas de Soledade se organizam para construção e consolidação de vantagens competitivas? Sem desmerecer o que acontece no interior de cada organização, o estudo tem como foco os acontecimentos no ambiente empresarial externo (arranjos), o qual desempenha importante papel na atual concorrência global acirrada.

Para um melhor entendimento do desenvolvimento desta pesquisa apresenta-se a forma como o presente artigo está estruturado. Após esta introdução, como resultado de pesquisa teórica, esboça-se, em primeiro lugar, análise geral do campo de estudo, apresentando os novos arranjos empresariais como alternativa pertinente às pequenas e médias empresas; logo a seguir, apresentam-se os pressupostos para a configuração de uma rede de cooperação interorganizacional, sendo elencados os respectivos ganhos e exigências para tanto, salientando a importância da confiança nas relações colaborativas, bem como a viabilidade dos processos cooperativos também em ambientes competitivos; por fim, apresenta-se um breve demonstrativo da possibilidade da coexistência equilibrada entre cooperar e competir. Num terceiro momento, o método de pesquisa adotado é detalhado. Na sequência a pesquisa empírica é descrita, sendo inserida a caracterização do arranjo produtivo de pedras em Soledade, seguida da discussão do caso empírico à luz do quadro teórico referencial. Por fim, considerações finais são apresentadas, momento no qual as limitações do estudo também são esboçadas, assim como implicações para pesquisas futuras. 2 Relações interorganizacionais colaborativas: arranjos produtivos e suas interfaces

Diante das novas dinâmicas impostas no atual mundo globalizado, têm-se verificado mudanças locais e globais em vários âmbitos. Nesse contexto de mudanças constantes,

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também as organizações bem-sucedidas estão mudando a forma de gerir seus negócios, buscando alternativas para a manutenção e o desenvolvimento de vantagens competitivas. Para tanto, as organizações necessitam desenvolver tanto comportamento estratégico orgânico como relacional (DYER; SINGH, 1998). Discute-se muito na atualidade a respeito da escolha de estratégias dinâmicas para as organizações na busca da criação, manutenção e renovação de vantagens competitivas. Como a busca de vantagem competitiva sustentável é considerada fundamental na estratégia empresarial, percebe-se a importância de serem pensadas essas “novas” formas de relações interorganizacionais por meio das relações de cooperação como alternativas competitivas. “A cooperação interfirmas aparece como uma necessidade estratégica para os agentes econômicos que operam na economia capitalista, assim como surge o desafio de conciliar competição e cooperação.” (KELLER, 2008, p.30).

Essa maior integração entre os agentes econômicos, decorrente também das mudanças em curso na economia mundial, constitui-se em vantagem competitiva principalmente para as micro, pequenas e médias empresas, também no mercado global. As experiências de sucesso da Terceira Itália – Europa são as grandes inspiradoras para a formação de arranjos produtivos locais, não desconsiderando, ainda, as experiências japonesas (BECATTINI, 1999; GURIZATTI, 1999; RABELLOTTI, 2003).

Nesse contexto, pensar em novas formas de configurações organizacionais pode ser uma saída, entre as quais se encontram as diferentes formas de cooperação, como os APLs. Parafraseando Costa e Costa (2007, p.56), APL é expressão utilizada com o objetivo de “representar uma forma de organização industrial cuja estrutura é constituída por um aglomerado de empresas – de um modo geral de pequeno e médio porte – localizadas territorialmente e relacionadas entre si por uma miúda divisão do trabalho.”

No que tange aos APLs, Gereffi (1999) chama a atenção paro o fato de que esses são intermediados por associações de classe, sindicatos, consultorias, Universidades, órgãos representativos do governo desde o trabalho inicial com a matéria-prima até o final do processo da comercialização, a venda. Os APLs constituem-se em alianças cooperativas estabelecidas em busca de estratégia competitiva.

Portanto, empresas são levadas a cooperar a fim de obterem uma posição de mercado mais favorável (MORRIS; KOÇAK; OZER, 2007). Para tanto, a cooperação, tanto vertical (segmentos produtivos diferenciados ao longo da cadeia) como horizontal (aglomerado espacial ou setorial num mesmo segmento produtivo), torna-se diferencial competitivo de um setor ou de uma região (BAIR; GEREFFI, 2001, p.1887). Os autores salientam a importância desta última para as firmas localizadas num mesmo cluster, emergindo a questão do embeddednes (enraizamento social ) como muito importante.

Keller (2008) destaca as relações interfirmas horizontais bilaterais e multilaterais, afirmando que ambas podem envolver as mais diversas formas de colaboração, como também, competição acirrada. A relação horizontal bilateral diz respeito ao compartilhamento de algo simples entre duas firmas, ao passo que a multilateral envolve várias firmas em alguma iniciativa conjunta, por meio de alguma associação empresarial ou por algum projeto coletivo. Ambas são importantes e podem ocorrer paralelamente num aglomerado.

Schmitz e Nadvi (1999) apontam a “eficiência coletiva passiva” e a “eficiência coletiva ativa”. A primeira diz respeito às condições coletivas que são dadas naturalmente, não exigindo nenhum esforço dos agentes econômicos; por sua vez, a segunda requer um posicionamento ativo por meio de ações conjuntas, requerendo esforços conjuntos dos diferentes agentes econômicos. Entretanto, salientam a importância de se distinguir o estágio de industrialização mais incipiente do mais avançado. Tal situação possui diversificadas experiências, “vão desde a simples aglomeração industrial (cluster) até o distrito industrial (cluster maduro).” (KELLER, 2008, p.31).

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Conceituando muito brevemente, Cluster consiste numa “concentração setorial e espacial de firmas” (SCHMITZ; NADVI, 1999, p.130). Refere Schmitz (1992) que a construção de um cluster estaria baseada em algumas características: concentração geográfica de organizações que atuam num mesmo segmento industrial; presença de empresas de tamanhos diversos, com destaque às micro e pequenas empresas; foco no produto e no mercado; os fornecedores, prestadores de serviços e produtores trabalhando de maneira integrada; flexibilidade nas quantidades e grande diferenciação de produto; a produção é dividida em nível horizontal por diferentes firmas por meio da complementaridade e pela subcontratação (terceirização); os complexos de maior sucesso concorrem em outras dimensões além do preço; a entrada de novas firmas é facilitada, além do acesso à informação. Contudo, distrito industrial é definido por Becattini (1999, p.49) como:

Um grande complexo produtivo, onde a coordenação das diferentes fases e o controle da regularidade de seu funcionamento não dependem de regras preestabelecidas e de mecanismos hierárquicos (como é o caso na grande empresa privada ou nas grandes empresas públicas de tipo soviético), mas, ao contrário, são submetidos, ao mesmo tempo, ao jogo automático do mercado e a um sistema de sanções sociais aplicado pela comunidade. A contigüidade espacial permite ao sistema territorial das empresas, ou seja, ao distrito industrial, apostar, na prática, em economias de escala ligadas ao conjunto dos processos produtivos sem perder, todavia, graças à segmentação desse processo, sua flexibilidade e adaptabilidade frente aos diversos acasos do mercado.

Ao diferenciar tipos de rede, Brito (2002, 373-374) menciona os distritos e aglomerações industriais, os quais estariam “baseados na obtenção de ganhos de eficiência em virtude da aglomeração espacial de atividades complementares do ponto de vista tecnológico e/ou mercadológico, através da formação de distritos ou aglomerações industriais.” No que tange ao surgimento de um distrito industrial, Keller (2008, p.40) refere que acontece

quando um cluster desenvolve mais do que especialização e divisão do trabalho entre firmas. O distrito industrial é marcado pelo surgimento de formas implícitas e explícitas de cooperação entre os agentes econômicos locais (fato que melhora a produção local e algumas vezes a capacidade de inovação) e pelo surgimento de fortes associações empresariais setoriais.

Como bem salientado por Shima (2006), esses novos arranjos organizacionais se constituem em saídas importantes para sobrevivência no mercado, aumentando a competitividade. “Em outros termos, a aliança torna-se um elemento estrutural da própria concorrência.” (SHIMA, 2006, p.356). Nesse sentido, é exigido que as firmas tanto provoquem como aceitem tal processo inovativo. Com base em Coutinho e Ferraz (1994), Baiardi (2008) afirma que pode ocorrer maior eficiência da economia como um todo no momento em que um conglomerado volta-se para o aprimoramento e também a criação de condições sistêmicas de relacionamento, resultando em maior coesão e menor exclusão social.

No entanto, diante da busca de competitividade, Hitt (2002, p.53) afirma que as ameaças estão presentes e são representadas por qualquer condição no ambiente geral que possa vir a prejudicar os esforços das empresas para alcançarem os resultados almejados e/ou planejados. Entre essas ameaças o autor cita a recessão, crise e instabilidade econômica; alta competição no mercado; câmbio desfavorável para exportação, afetando os preços tanto dos insumos como dos produtos; crescimento do poder de barganha de clientes e fornecedores; mão de obra mais barata nos países asiáticos; leis trabalhistas ultrapassadas. 2.1 Arranjos organizacionais e respectivos ganhos e exigências

Como referem Jorde e Teece (1989), “novos” arranjos organizacionais possibilitam o aumento do acesso a novos conhecimentos, facilitando a aprendizagem organizacional, o acesso às novas tecnologias, o processo de inovação e permitindo a ampliação da capacidade tecnológica. No que tange à importância da inovação, refere Shima (2006, p.347): “A fonte de competitividade da firma não vem de fora, mas da sua capacidade de encontrar, num sentido

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mais geral, soluções criativas – como novos processos, diferenciação de produtos e, principalmente, novos arranjos organizacionais e/ou institucionais.”

Colaboração interorganizacional tem sido relacionada a uma variedade de importantes resultados, entre os quais a questão do sharing, em que a transferência do conhecimento é facilitada. A colaboração facilita a criação de novos conhecimentos, produzindo inovação e novas soluções, e pode ajudar as organizações a tomarem uma posição mais central e competitiva em relação àquelas que trabalham de forma isolada, evidenciando a possibilidade de coexistência da colaboração e da competição. Além disso, como afirmam Humphrey e Schmitz (1995), cada vez mais também as firmas agrupadas estão sendo forçadas a trabalhar com base em padrões internacionais, tanto em termos de custos como de qualidade. Dessa forma, a cooperação auxilia no sentido de maior competitividade global.

Muitos pesquisadores salientam que o fluxo das informações e, por conseqüência, do conhecimento é facilitado num sistema de cooperação interfirma, ficando evidenciada a necessária capacidade relacional para a criação e disseminação do conhecimento, buscando desenvolvimento de capacidades dinâmicas necessárias aos novos tempos. Shima (2006) ressalta a importância do compartilhamento de recursos e de informações interfirmas e o maior fluxo de informações necessárias às empresas globais.

Diante do exposto, percebe-se que as redes de cooperação servem como resposta às exigências do mercado nos últimos tempos, visto que a velocidade das mudanças no mundo dos negócios e a consequente busca pela competitividade exigem alto nível de qualidade, inovação e baixos custos. Nesse sentido, Jarillo (1988) explicita a rede como uma nova configuração organizacional, que, como tal, deve ser pensada em termos estratégicos e na qual os relacionamentos cooperativos podem ser a fonte das forças competitivas. Jarillo (1993) reforça que a visão atomista do modelo tradicional, em que cada participante está sozinho contra o mundo, pode não ser a forma mais eficiente de competir. Ainda refere que as estratégias em rede como inovação organizacional constituem-se como uma possibilidade emergente. Também Balestrin e Verschoore (2008, p.51) destacam as estratégias coletivas como emergentes, evidenciando que “os inúmeros casos de empresas que têm aumentado sua competitividade com a formação de redes, alianças e parcerias sugerem a necessidade de reavaliar as teorias clássicas sobre estratégia”.

Dyer e Singh (1998) propõem que o relacionamento interfirmas é uma unidade de análise importante para o entendimento da vantagem competitiva. Nesse sentido, identificam quatro fontes potenciais de vantagem competitiva nas relações interorganizacionais: relação com ativos específicos, compartilhamento de conhecimento, compartilhamento de recursos e de capacidades complementares e governança eficaz.

No entanto, para que seja formalizada uma rede de cooperação empresarial fazem-se necessários objetivos comuns, que podem ser vários e se constituem em propulsor primordial. Diante desses novos arranjos organizacionais, a questão do oportunismo é uma preocupação que muitas vezes se torna central e até empecilho para a cooperação. Dessa forma, estar apto a gerar confiança torna-se fundamental, tornando a existência da rede estratégica de cooperação economicamente viável. Para que isso ocorra, é preciso que os participantes estejam comprometidos a investir nesse tipo de configuração. Conclui-se que, por mais que se admita que as diferentes formas de cooperação constituem-se como estratégias viáveis, há o temor de que a cooperação entre empresas possa trazer problemas. Como referem Jorde e Teece (1989), a falta de confiança inibe certas atividades entre as firmas. 2.3 Processos cooperativos viáveis na competição: confiança e formas contratuais

Jorde e Teece ainda em 1989 afirmavam que a reconceitualização de competição se coloca como um desafio necessário e urgente, referindo que as múltiplas vantagens das atividades cooperativas estavam sendo reconhecidas. Ainda salientam que tem aumentado a frequencia da formação de alianças, principalmente em indústrias de alta tecnologia. Diante

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do exposto, torna-se evidente a necessidade de se repensar a questão da competição para além da conceituação convencional atrelada ao modelo econômico tradicional. Nesse sentido, Jorde e Teece (1989, p.26.) referem: “A convencional conceituação da concorrência leva a uma hostilidade para com muitas formas de conduta empresarial, particularmente se elas envolvem acordos com concorrentes”. (Tradução livre).

Na busca de uma nova noção de competitividade, as ações colaborativas, nas suas mais variadas formas, constituem-se como pertinentes. As alianças “são estratégicas por serem estabelecidas com interesses específicos por parte dos envolvidos, podendo portanto envolver firmas rivais. Nesse sentido, a cooperação e a concorrência são simultâneas, dinâmicas e contraditórias.” (SHIMA, 2006, p.356).

Só assim se torna viável pensar a cooperação em processos que coexistem com a competição. Como deixa claro Baiardi (2008), já faz algum tempo que a competição convive com a cooperação. Mesmo ao longo da história torna-se evidente que os grupos, ao cooperarem, agem em favor de seus interesses próprios, sobretudo econômicos, por mais que possam coexistir outros fatores que favoreçam tal cooperação, como criação de identidade, senso de pertencimento, status, amizade, etc. Portanto, todos os ganhos advindos da cooperação não eximem a competição, a qual é maior ou menor de acordo com as diferentes configurações adotadas em função dos diferentes interesses organizacionais. Enfim, mesmo em ambientes que há a concorrência a cooperação é viável.

Nesse sentido, Jorde e Teece (1989) deixam claro que nessas “novas” formas de organização as empresas podem cooperar para competir. No entanto, sugerem que se procure um equilíbrio entre a cooperação e a concorrência, o que influencia fortemente nas estratégias empresariais. Ainda enfatizam a respeito da necessidade de estudos mais aprofundados a fim de promover o equilíbrio entre cooperação e competição. Tendo em vista esse chamado “equilíbrio”, estes autores fazem referência à necessidade de acordos de cooperação que assegurem essa relação. A busca de equilíbrio em qualquer esfera nunca é fácil. No entanto, não se pode pensar que seja impossível, o que vale também para o dilema entre cooperar e competir. De forma semelhante, Jarillo (1993) refere que a cooperação em rede é possível como forma de competir, podendo haver cooperação entre companhias e, ao mesmo tempo, competição entre elas.

Nesse sentido, Brandenburger e Nalebuff (1996) cunham o termo “coopetição”, assumindo-o como um termo definido como um modo de pensar simultaneamente a combinação entre cooperação e competição. Os autores desenvolvem tal conceito com base na ideia de que um negócio é um jogo, no qual em alguns momentos se compete e, em outros, se coopera, porém ambos são necessários e desejáveis numa estratégia de negócios, como também no jogo.

Neste contexto complexo de diferentes formas de cooperação diante das transformações econômicas, políticas e sociais das últimas décadas, destaca-se a importância de elos de confiança entre os agentes econômicos envolvidos. Portanto, torna-se evidente que a confiança necessita ser gerada, desenvolvida e mantida. Como assinala Lock (2001), a confiança é fator importante para a prosperidade, o desenvolvimento econômico e a eficiência dos diferentes arranjos organizacionais. Segundo Inkpen (2000), a confiança reflete a convicção de que a palavra do parceiro será cumprida, assegurando que as obrigações do relacionamento serão cumpridas. Dessa forma, de acordo com o autor, menor será o nível de competição entre os parceiros envolvidos na relação colaborativa.

Quando se fala em confiança, questiona-se sobre até que ponto as relações precisam ser regidas por contratos. Já Jorde e Teece (1989) salientavam a necessidade de regras judiciais claras para as empresas que venham a trair a confiança num processo colaborativo. Estudos atuais, como o de Grandori e Cacciantori (2006), apontam para a tendência da adoção de um modelo misto de meios extracontratuais e contratuais para governar relações de cooperação.

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Para as autoras, apenas o contrato relacional é viável em muitas circunstâncias. No entanto, ressaltam que, quando há conflito em potencial e empreendimentos bastante incertos, os contratos executáveis, chamados de “contratos constitucionais”, são recomendados.

Enfim, existem diferentes tipos de contratos capazes de cuidar das questões conflitantes e competitivas, ao mesmo tempo em que fornecem a flexibilidade necessária para projetos inovadores e complexos. Torna-se evidente a necessidade de se pensar em formas de coordenação e governança também diferenciadas, buscando atender a necessidades pertinentes nas relações de cooperação. Nesse sentido, os estudos apontam para a importância tanto da governança formal (contratos) como da informal (confiança), entre as quais há uma íntima inter-relação. Nesse sentido, Balestrin e Verschoore (2008, p.180) alertam quanto ao fato de que, “além dos instrumentos mais formais de gestão das redes, faz-se imprescindível, para sua maior integração, desenvolver um lastro de confiança e capital social.”

Por mais que Ring (1997) saliente que processos colaborativos facilitam a crença na confiança em redes interorganizacionais, afirma que a confiança não deve ser o único mecanismo de governança. Também Woolthuis, Hillebrand e Nooteboom (2005) enfatizam a confiança como importante, chegando à conclusão de que essa e o controle estão relacionados e podem ser tanto complementares como substitutivos, e ainda, suas diversas combinações influenciam positivamente no desenvolvimento das relações e nos resultados. 3 Aspectos metodológicos

O objetivo principal deste estudo consiste na análise dos possíveis ganhos obtidos por meio das relações interorganizacionais de cooperação estabelecidas no arranjo produtivo de gemas e pedras preciosas em Soledade, não eximindo, contudo, a existência da competição. Assim, caracteriza-se como uma pesquisa exploratória, na qual se buscou compreender, em nível macro, as principais características das relações interorganizacionais no APL em questão. Numa visão processual, se procurou identificar os diferentes agentes envolvidos e as formas relacionais estabelecidas.

Como procedimento técnico adotou-se o método do estudo de casos múltiplos (YIN, 2001), pois as unidades de análises são os vários agentes envolvidos no APL de Soledade: empresas, sindicato, Senai, Senac, Universidades, Prefeitura municipal. Quanto à abordagem do problema caracteriza-se como uma pesquisa tipicamente qualitativa, tendo-se buscado nas evidências empíricas adequações aos padrões conceituais teóricos estudados. Nessa perspectiva qualitativa, trabalhou-se na ótica de autores como Minayo (1994), Chizzoti (2006), Greswell (2007) e Flick (2009). Buscando atender ao objetivo proposto inicialmente, emergem algumas questões norteadoras para pesquisa: Quais são os fatores determinantes para a cooperação entre as empresas do setor de pedras de Soledade? Como ocorre a cooperação entre essas empresas, considerando também a coexistência da competição? Como as empresas inseridas no arranjo produtivo de gemas de Soledade se organizam para construção e consolidação de vantagens competitivas? Diante ao estabelecido, sem desmerecer o que acontece no interior de cada organização, o estudo tem como foco os acontecimentos no ambiente empresarial externo (arranjos), o qual desempenha importante papel na atual concorrência global acirrada. Dessa forma, categorias de investigação foram estabelecidas, as quais permitiram análises relacionais e macroestruturais dos dados coletados, tendo em vista dimensões fundamentais das relações interorganizacionais: colaboração nas relações interorganizacionais como vantagem competitiva, identificação dos diferentes agentes envolvidos nas formas relacionais estabelecidas, ganhos obtidos por meio da colaboração interorganizacional, competição coexistindo nos processos colaborativos, salientando a importância da confiança. Cabe salientar que cada uma dessas categorias de análise, se fosse tratada isoladamente e em profundidade, constitui-se, por si só, em objeto importante de pesquisa. Portanto, optou-se por

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trabalhá-las em conjunto com o intuito de analisar as dimensões fundamentais de um aglomerado de empresas que trabalham de maneira cooperativa.

O espaço geográfico da investigação empírica limita-se ao APL de gemas e pedras preciosas de Soledade – RS, realizada no período de julho e agosto de 2009. A escolha do local de pesquisa foi realizada de maneira intencional, a partir da importância do APL em nível nacional e internacional, o qual se reveste de importância ao estudo por possuir 186 empresas instaladas, sendo a maior parte de pequeno porte. Além disso, constitui-se num APL que reúne vários agentes, havendo transformações constantes visando a adaptação e prospecção no mercado. Noventa por cento dos produtos do APL é exportado e, em nível internacional, destaca-se por ser considerado ponto de referência para comercialização de gemas e pedras preciosas no Brasil. Por sua vez, o Brasil se sobressai mundialmente como o maior pólo de pedras preciosas em bruto (IBGM, 2005; Sindipedras, 2009).

Quanto aos meios para a realização da pesquisa de campo foram utilizados tanto dados primários como secundários. Para a coleta dos dados primários, a observação, e, sobretudo, a entrevista semi estruturada foram priorizadas junto a algumas empresas de diferentes portes. Tal amostra de pesquisa foi escolhida por acessibilidade e, na escolha dos diferentes portes, considerou-se também a conveniência. Como dados secundários foram utilizados informes e sites das próprias empresas pesquisadas, do Sindipedras (Sindicato das Indústrias de Pedras), do IBGM e outros materiais disponíveis na internet, além da pesquisa teórica.

As entrevistas foram realizadas junto a seis empresas: duas de grande porte, duas de médio porte e também duas de pequeno porte. Levando em consideração o conteúdo das respostas, os quais, de certa forma, apresentaram-se repetitivos, considera-se a amostra como suficiente para a abordagem exploratória qualitativa que este estudo propõe. Entretanto, torna-se evidente que não há uma representatividade estatística com o tamanho da amostra utilizada. No entanto, visto o fato de que as relações estabelecidas no aglomerado é que se constitui o foco da análise deste estudo, a realização de entrevistas aprofundadas e a utilização de outras técnicas de coleta de dados (observação por meio de visitas, análise de folders e sites das empresas, contato com representantes sindicais, da prefeitura e das universidades, análise documental da atuação do Senai e do Sebrae no APL), parecem suficientes.

Após a realização das entrevistas, todo o material foi transcrito e analisado por meio da análise de conteúdo (BARDIN,1977), bem como, outras análises foram realizadas à luz do referencial teórico pertinente, culminando nos resultados aqui apresentados. 4 O Arranjo Produtivo de Gemas e Pedras Preciosas de Soledade – RS 4.1 Descrição geral do setor pesquisado

O setor de gemas e pedras preciosas brasileiro tem boa parte de sua estrutura produtiva baseada em APLs. É o caso de grande parte da produção, abrangendo o Polo de Gemas e Joias do estado do Amazonas, Polo de Gemas e Joias do estado da Bahia, Polo de Gemas e Joias do Distrito Federal, Polo de Gemas e Joias do estado do Ceará, Polo de Gemas e Joias do estado do Goiás, Polo de Gemas e Joias do estado do Mato Grosso, Polo de Gemas e Joias do estado de Minas Gerais, Polo de Gemas e Joias do estado do Pará, Polo de Gemas e Joias do estado do Piauí, Arranjo Produtivo Local de Joias do estado Rio de Janeiro, Arranjo Produtivo do estado de São Paulo e também, Arranjos Produtivos de Gemas e Joias do estado do Rio Grande do Sul, com destaque às Joias em Guaporé e às gemas em Soledade (IBGM, 2009). Levando em consideração que esta pesquisa concentra-se no APL de gemas e pedras preciosas em soledade, apresenta-se, por meio da Figura 1, o mapa gemológico brasileiro com as principais localizações das pedras.

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Figura 1 – Mapa gemológico brasileiro. Fonte: IBGM (2005)

Segundo dados da Prefeitura municipal de Soledade (2009), 186 empresas atuam no setor de pedras na cidade, sendo a maior parte de pequeno porte (com faturamento abaixo de R$ 100.000,00 anuais). De acordo com dados do IBGM, Prefeitura municipal de Soledade e Sindipedras (2009), a cidade destaca-se na industrialização e comercialização de pedras e não na extração da matéria-prima, sendo considerada ponto de referência para comercialização de gemas e pedras preciosas no Brasil e no exterior. O Brasil destaca-se mundialmente como o maior polo de pedras preciosas em bruto, no que tange a artefatos de pedras preciosas, ficando na quinta posição e, na sétima posição, em relação às pedras preciosas lapidadas.

A industrialização das pedras em Soledade ocorre em suas diversas atividades internas até a comercialização, culminando principalmente na exportação, que representam em torno de 90%. As exportações ocorrem especialmente para os EUA, China, Tailândia, Índia e vários países da Europa (Sindipedras e empresas pesquisadas, 2009). A maior parte das exportações das empresas menores é realizada em conjunto, no entanto, muitas vezes as maiores também participam da exportação colaborativa. Na realidade, centraliza-se em uma empresa a carga de várias outras, a qual realiza a documentação e o transporte, dividindo os custos e as respectivas receitas. Assim, vai havendo um rodízio das responsabilidades da exportação coletiva entre as empresas envolvidas, mas normalmente se concentram nas maiores, em razão da própria estrutura existente para tanto. As empresas de maior porte só realizam a exportação em conjunto visando facilitar ao cliente, o qual recebe todas as mercadorias juntas.

A matéria-prima das empresas de Soledade é oriunda de diferentes localidades, concentrando-se mais nas proximidades: ametista, na cidade de Ametista do Sul, e ágata, em Salto do Jacuí. Imagens de ambas são expostas por meio da figura 2 e 3, respectivamente. Outras gemas e pedras preciosas são oriundas de outros estados (Minas Gerais e Bahia) e até países (ametista do Uruguai), exigindo transporte dos garimpos, verificação e acompanhamento de oportunidades no mercado. Por mais que Soledade seja intitulada oficialmente como a “Capital das Pedras Preciosas”, não é um ponto de centralização de matéria-prima, e, sim, de produção, industrialização e comercialização. Inclusive, poucas empresas entre as maiores possuem garimpo próprio, porém não localizado em Soledade.

Figura 2 – Pedras Ametista Figura 3 – Pedras ágata Fonte: Lodi Pedras Preciosas (2009) Fonte: Lodi Pedras Preciosas (2009)

Por meio do trabalho de pesquisa a campo, tornam-se evidentes a diversidade e

complexidade das atividades do setor de pedras em Soledade, envolvendo uma série de processos produtivos e indústrias diferenciadas, além da busca diversificada por produtos e matéria-prima, incluindo importações. As maiores empresas chegam a oferecer mais de mil

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itens para venda, embora não com tamanha diversificação de pedras. Muito da complexidade do setor se deve à oferta de uma grande variedade de produtos distintos, o que permite que o arranjo produtivo de Soledade ganhe em termos de variedade e abrangência de produtos, tanto em tipos de pedras como em estilos e design. Contudo, nenhuma empresa abarca toda a produção dessa diversificação internamente, exigindo o relacionamento entre as empresas visando ao melhor atendimento ao cliente.

Como as empresas em Soledade cada vez mais estão adotando a estratégia de terceirização, produzindo uma escala menor de produtos internamente, parte do processo produtivo é realizado por empresas menores, que se especializam numa parte do processo ou num produto especificamente. Assim, empresas de diferentes portes mantêm intenso e significativo relacionamento; inclusive, muitas dessas empresas menores dependem da demanda de trabalho das maiores. E ainda, sem denotação de dependência, em algumas situações, como diante de uma venda em grande escala, há empréstimos, trocas ou vendas de matéria-prima ou mesmo de produtos entre empresas de portes diversos.

No que tange à geração de emprego, Soledade já teve maior potencial. Nos últimos anos as empresas de médio e grande porte têm optado pela terceirização de serviços, ou, mesmo, pela compra de alguns produtos, diminuindo o número de empregos (BRASIL, 2009). Buscando a maximização dos resultados, cada vez mais as empresas têm trabalhado com a subcontratação integral ou parcial de suas atividades numa perspectiva colaborativa. Tal perspectiva também é visível no que se refere às exportações, ou até mesmo em casos necessários de empréstimos, trocas ou vendas de matéria-prima ou de produtos.

Por outro lado, dados obtidos junto a Prefeitura Municipal de Soledade e Sindipedras (2009) revelam o surgimento de empresas menores ao longo dos últimos anos, não negando o fechamento de muitas outras, principalmente em razão da política cambial e de outras mudanças econômicas. Na realidade, houve uma queda significativa de vendas, contudo, não tanto em termos de volume de negócios, e, sim, em valores, pelo fato de as vendas serem realizadas em dólares e a compra da matéria-prima, em reais. Dessa forma, o aumento de custo das empresas não pode ser repassado ao preço de venda.

Na fala dos proprietários das empresas e representantes de entidades do setor de pedras em Soledade, também estão sentindo as ações das empresas chinesas, o que está gerando uma competição “desleal”. A China vem se destacando na compra de matéria-prima bruta da região para industrialização própria, com utilização da mão-de-obra chinesa, que é mais barata. Dessa forma, passa a exportar para muitos países, competindo com preços mais baratos. Inclusive, muitas vezes esses produtos acabados com a matéria-prima do Brasil retornam a Soledade, a exemplo das semijoias em cordão.

Diante dessa e de outras mudanças mercadológicas, principalmente das oscilações cambiais, as empresas têm buscado se especializar num (ou poucos) tipo de pedra, ou produto ou variedade de subprodutos, com poucas delas (as maiores) comercializando uma ampla variedade. No entanto, mesmo estas se reestruturaram, diminuindo o número de funcionários e trabalhando com empresas terceirizadas para poderem continuar com a mesma variação de produtos. Inclusive, algumas não trabalham mais com a produção, apenas com a comercialização, maneira encontrada para continuarem competitivas no mercado. Outra mudança recente é a presença de alguns compradores internacionais diretamente nos garimpos, fato que está assustando o empresariado por colocar em risco a atividade na região. Contudo, os empresários do ramo de pedras de Soledade não recebem (ou não percebem) o apoio do governo para a realização das suas atividades.

Não se observa tecnologia avançada nas atividades de industrialização do setor, a qual se resume a máquinas de corte (serras de tamanhos diversos ), lixamento (dois ou três processos com grãos com tamanho diferente), polimento e quando algumas pedras são tingidas, o forno para tingimento. A maioria dessas máquinas é planejada e desenvolvida em

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tornearias da própria cidade, de acordo com as necessidades das empresas. Raras são as máquinas compradas fora, visto não haver muita oferta deste tipo de especificidade tecnológica e também porque a atividade é de cunho bastante artesanal.

A mão-de-obra necessária para as atividades voltadas à industrialização de pedras é facilmente encontrada no município, pois não são exigidas tantas qualificações para a maior parte das funções. No que tange às funções que exigem maior qualificação, além do aprendizado no dia-a-dia, principalmente oriundo da tradição familiar no ramo, a cidade conta com um centro tecnológico de pedras, gemas e joias do Rio Grande do sul desde 2006, em parceria com o Ministério de Ciência e Tecnologia, órgão federal voltado à qualificação de mão-de-obra e novas tecnologias. Dessa forma, ele opera em parceria com o Sindepedras, Senai e universidades: UPF, UFRGS, Univates. Os cursos oferecidos são totalmente gratuitos.

Soledade conta com um programa de assessoria do Sebrae, principalmente voltado para a assessoria logística, atividades de marketing, gestão e participação em feiras. Em nível de apoio estadual, há incentivos financeiros para o desenvolvimento e promoção de feiras em outros estados. No entanto, são as empresas do ramo de joias de Soledade que costumam apostar nessas iniciativas, bem como no mercado interno. A atuação do governo federal também se dá por meio da fiscalização. Pelo fato de a matéria-prima ser um bem natural, atitudes no sentido de preservação são exigidas por órgãos governamentais para preservar a natureza. O Sindipedras apresenta suporte logístico para as cooperativas dos garimpeiros, os quais recebem apoio das maiores empresas de gemas e pedras da cidade de Soledade, visando à legalização de jazidas junto ao Ibama e a Fepam, inclusive no sentido de preservação da saúde do trabalhador, pelo o fato de o pó de pedra ser muito prejudicial à saúde.

Por meio da pesquisa de campo e documental, torna-se evidente a predominância de empresas familiares em Soledade, cuja gestão em muitas das mais antigas já está na segunda e/ou terceira geração, havendo a passagem do conhecimento de geração a geração. Também observa-se que muitas das pequenas empresas nascem em decorrência do conhecimento adquirido no dia-a-dia de trabalho de funcionários em empresas maiores, ou até mesmo em razão de relações de parentesco e amizade, ocorrendo a disseminação do conhecimento.

Torna-se evidente que a maioria das empresas conta com profissionais com inglês fluente para lidar com as exportações. Entre esses profissionais, nas empresas maiores exercem essa tarefa os próprios donos e filhos que cursam faculdade e se aperfeiçoam no inglês, inclusive com cursos no exterior para lidar com tal atividade. Entretanto, para aquelas empresas que não contam com esse tipo de profissional, há na cidade a presença de agentes (em torno de dez pessoas) que trabalham promovendo e organizando as exportações. Dessa forma, esses agentes trabalham com empresas de diferentes portes, principalmente com as menores, que não possuem uma estrutura bem organizada nesse sentido. Esses agentes ganham 5% de toda a venda realizada, reunindo produtos de diferentes empresas da cidade, inclusive das maiores.

No que tange ao preço de venda dos produtos, muitos empresários demonstram insatisfação pelo fato de que é muito difícil aumentar o preço em razão de vários fatores, inclusive do fato de estes seguirem os parâmetros ditados por eles próprios, em consonância com o setor como um todo, é claro. É relatado pelo empresariado que muitas vezes, informalmente, há uma “combinação” de reajustes de preços diferenciados. Contudo, esse acordo informal é muito difícil de ser seguido em virtude de cada empresa ter uma realidade diferente: estoque maior de certo produto, acesso mais facilitado a certo produto, etc.

Percebe-se que as inovações são constantes em termos de novos produtos, visando, sobretudo, ao mercado externo e suas exigências. Nessa busca para atender às exigências do mercado internacional, muitas das empresas, inclusive as de porte menor (essas com menor frequencia), participam de feiras internacionais. A participação nessas feiras tem como principal meta a verificação de tendências e contato com os clientes, não havendo a

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participação como expositores. Muitos proprietários e até funcionários das pequenas e médias empresas, logicamente mais das maiores, costumam frequentar a feira de Tucson nos Estados Unidos - feira de referência mundial e considerada a maior e mais importante do setor. Com menor frequencia também visitam feiras na Alemanha e Hong Kong, também importantes, embora bem menores e significativas que a de Tucson. Segundo relatos de empresários e do Sindipedra, a feira de Tucson é referência em termos de tendências, inclusive de vendas.

O arranjo produtivo de gemas e pedras preciosas de Soledade conta com a Soledade Gem & Mineral Fair, mais conhecida no Brasil como ExpoSol- Exposição Feira de Soledade, tal evento que ocorre anualmente e já está programada a sua décima edição para o ano de 2010, visa promover a visibilidade de Soledade, sobretudo em termos internacionais. A feira é promovida pela Associação Brasileira de Gemas e Joias (Aprosol). Tal feira trabalha de forma setorizada, havendo as seguintes divisões macro, com os respectivos apoiadores: 1) Feira de Gemas e Pedras Preciosas com o apoio do Sindipedras, 2) Feira Rural e Pequenos Animais, representada pela Emater e o pelo Sindicato Rural, 3) Feira do Comércio e da Indústria, representada pela Acisa e CDL. 4.2 Análise das relações de cooperação interorganizacionais estabelecidas no APL Soledade

Após a descrição do setor, apresenta-se a discussão dos dados coletados de acordo com as categorias de análise norteadoras desta pesquisa. 4.2.1 colaboração nas relações interorganizacionais como vantagem competitiva

Diante dos resultados da pesquisa empírica e tendo como referência a pesquisa teórica e documental realizada neste trabalho, percebe-se nitidamente a cooperação entre as empresas de Soledade, a qual coexiste com a competição na busca de maior vantagem competitiva. Torna-se notório que os empresários acompanham tendências atuais para manutenção de vantagem competitiva por meio da cooperação, configurando-se num APL - Arranjo Produtivos de Gemas e Joias do estado do Rio Grande do Sul, conhecido tanto nacional como internacionalmente como a “Capital das Pedras Preciosas”. O município trabalha com uma estratégia viável e competitiva, como afirmam Human e Provan (1997), porque dessa forma o enfrentamento de um ambiente cada vez mais incerto é facilitado. Além disso, Soledade cada vez mais se solidifica como a cidade brasileira mais importante no setor de gemas e pedras preciosas. Muitos autores compartilham com a ideia de “novos” arranjos produtivos por meio da colaboração em busca da competitividade, entre os quais Dyer e Singh (1998), Shima (2006), Balestrin e Verschoore (2008) e Baiardi (2008).

Nesse sentido, Keller (2008) chama atenção para o fato de que a cooperação interfirmas culmina numa necessidade estratégica viável aos agentes econômicos inseridos numa economia capitalista. Becattini (1999) e Gurizatti (1999) salientam que esse tipo de interação entre diferentes agentes econômicos constitui-se em vantagem competitiva que possibilita uma maior inserção no mercado global, principalmente para as empresas de menor porte, realidade de Soledade. Dessa forma, conclui-se que Soledade está trabalhando com uma estratégia de sobrevivência (SHIMA, 2006) e expansão global de acordo com a economia dos novos tempos, trazendo benefícios aos envolvidos.

Portanto, as empresas de soledade têm buscado se especializar num (ou poucos) tipo de pedra, ou produto ou variedade de subprodutos, com poucas delas (as maiores) comercializando uma ampla variedade. Além disso, cada vez mais as empresas têm adotado a estratégia de terceirização, produzindo uma escala menor de produtos internamente, além de parte do processo produtivo ser realizado por empresas menores, que se especializam numa parte específica do processo ou mesmo num produto específico. Assim, percebe-se o intenso e significativo relacionamento (cooperativo) entre as empresas dos mais variados portes. 4.2.2 identificação dos diferentes agentes envolvidos nas formas relacionais estabelecidas

Ao se observar a conceituação de APL de Costa e Costa (2007) e Gereffi (1999), percebe-se que a forma como a cidade de Soledade se organizou em relação à produção e à

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comercialização de gemas e pedras preciosas, caracteriza-se como tal, por apresentar numa mesma localidade um aglomerado de empresas de pequeno e médio porte que se relacionam entre si. Na realidade, existem apenas três empresas de grande porte na cidade.

Contudo, como chama atenção Gerefi (1999), essas empresas de Soledade são intermediadas por sindicato (Sindipedras), universidades (UPF, UFRGS e Univates) e órgãos representativos do governo (Centro Tecnológico de Pedras, Gemas e Joias do Rio Grande do sul, Senai, Sebrae, Prefeitura Municipal) que promovem maior dinamismo e organização ao setor. Inclusive, essa intermediação ocorre durante todo o processo, como destaca o autor: começa na extração da matéria-prima (junto às jazidas), passando pela produção por meio do apoio técnico das universidades e órgãos representativos do governo (qualificação de mão-de-obra, assessorias e consultorias em diversas áreas), até o final do processo, com o auxílio técnico para a execução de vendas e exportações, por meio da promoção de feiras, consultorias e também atuação de agentes externos para a efetivação de vendas e organização das exportações. Enfim, a participação de entidades e associações atuantes no APL aproxima e fortalece as relações entre os diferentes agentes, congregando o desafio de união de esforços em questões diversas, tais como organização de eventos e representação em órgãos públicos.

Na busca por uma posição de mercado mais favorável, as empresas sentem-se “obrigadas” a cooperar (MORRIS; KOÇAK; OZER, 2007). Portanto, Soledade trabalha na forma de um aglomerado espacial e setorial num mesmo segmento produtivo, o que culmina num diferencial competitivo tanto para o setor como para a região (BAIR; GEREFFI, 2001). Também diante dos resultados da pesquisa a campo em Soledade, torna-se notório o embeddednes, salientado como muito importante pelos autores. 4.2.3 ganhos obtidos por meio da colaboração interorganizacional

Observa-se que em Soledade ocorre a cooperação horizontal e também a vertical, por mais que em menor escala, na forma de um APL, arranjo produtivo que cada vez mais é visto como fonte de vantagem competitiva, principalmente para as pequenas e médias empresas, configurando-se como alternativa viável e de acordo com a realidade dos novos tempos. Seguindo o pensamento de Keller (2008) no que tange às relações interfirmas horizontais bilaterais e multilaterais, percebe-se que os dois tipos de relações ocorrem em Soledade, por mais que em ambas esteja inserida a cooperação, mas também a competição acirrada. Ocorre a “relação horizontal bilateral” quando duas empresas compartilham algo simples, como o caso de troca, empréstimo ou venda de matéria-prima, ou atividade conjunta de exportação entre as empresas de portes variados. Quanto à “relação horizontal multilateral”, também ocorre em Soledade por meio da ExpoSol e pela participação em outras feiras, exportações conjuntas etc. Como afirma o autor, ambas são importantes e podem ocorrer paralelamente, o que se observa na população pesquisada.

Em Soledade ocorre tanto a “eficiência coletiva passiva” como a “eficiência coletiva ativa” (SCHMITZ; NADVI,1999). Segundo os autores, a “eficiência coletiva passiva” é aquela em que as condições coletivas são dadas naturalmente, não exigindo nenhum esforço dos agentes econômicos. Como tais condições pode-se citar o fato de a cidade de Soledade ter matéria-prima nas proximidades, além de que, naturalmente (até porque no passado existia matéria-prima na cidade), as empresas foram começando as suas atividades no ramo, formando um “polo” de conhecimento no setor. Quanto à “eficiência coletiva ativa”, a qual requer um posicionamento ativo por meio de ações e esforços em conjunto por parte dos diferentes agentes econômicos, percebe-se tal movimento em razão da própria dinâmica de cooperação entre as empresas no que tange a troca, empréstimo ou venda de matéria-prima, além das atividades organizadas por meio do Sindipedras, salientando-se a Exposol.

Diante do exposto, tanto em relação ao estudo empírico como teórico, há consenso de que a situação de aglomeração auxilia as pequenas e médias empresas a competir, inclusive de maneira global. Como refere Keller (2008), a situação de aglomeração proporciona

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diversificadas experiências, as quais vão desde a simples aglomeração industrial (cluster) até o distrito industrial (cluster maduro); ou, nas palavras de Schmitz e Nadvi (1999), desde o estágio de industrialização mais incipiente até o mais avançado. Por mais que o presente trabalho não tenha como objetivo uma classificação, ao se estudarem as características desses diferentes níveis ou tipos de aglomerados com base na literatura (SHIMA, 2006; BECATTINI,1999), infere-se que Soledade pode ser classificada como um distrito industrial. No entanto, como ficou claro desde o início deste artigo, optou-se por tratá-lo como um APL.

Já é consenso na academia que os arranjos organizacionais “bem organizados” possibilitam ganhos e também exigências aos envolvidos, além de gerarem competição concomitantemente (JORDE; TEECE, 1989), o que não é diferente no arranjo produtivo de gemas e pedras preciosas de Soledade. Como afirmam os autores em relação ao aumento do acesso a novos conhecimentos, maior facilidade de aprendizagem organizacional, facilidade no acesso às novas tecnologias, facilidade no processo de inovação e ampliação da capacidade tecnológica por meio dos arranjos produtivos, observam-se tais ganhos na organização do setor de pedras em Soledade. Exemplifica-se por meio das ações conjuntas tomadas na cidade com o apoio da prefeitura, dos governo estadual e federal, entre as quais a Exposol, Centro Tecnológico de Pedras, Gemas e Joias do Rio Grande do sul, apoio a participação em feiras diversas, mão-de-obra qualificada em abundância, etc.

As estratégias que envolvem o relacionamento interfirmas de forma colaborativa são consideradas importantes tanto para sobrevivência no mercado como para o aumento de competitividade. Nesse sentido, as diferentes atividades colaborativas tornam-se um diferencial para as empresas de Soledade, não havendo a negação da competição nesse contexto. Como bem pontua Shima (2006), por mais que exista a competição nos processos de cooperação, o que também ocorre em Soledade, tal arranjo estabelecido na cidade constitui-se numa estratégia para o alcance de uma posição de mercado que seria impossível obter de forma isolada. Soledade realmente se consolida como o maior polo do Brasil e da América Latina, com visibilidade internacional, no que tange à industrialização e à comercialização de gemas e pedras preciosas.

Seguindo o pensamento de Porter (1999), a vantagem competitiva depende da utilização mais produtiva dos insumos, requerendo constante inovação. Como já evidenciado, as empresas de Soledade buscam inovações constantes em termos de novos produtos, visando, principalmente o mercado externo e suas exigências. Dessa forma, as empresas se mantêm vivas e competitivas num mercado global com concorrência cada vez mais acirrada, até porque as empresas de Soledade, como referem Humphrey e Schmitz (1995), são forçadas a trabalharem seguindo padrões internacionais, visto que quase a totalidade do seu mercado é externo. Nessa busca por inovação e oferta de produtos diferenciados e que agradem a um cliente cada vez mais exigente, entre outras ações, muitas empresas, principalmente as maiores, participam regularmente das feiras, sobretudo da de Tucson nos Estados Unidos, a qual dita tendências tanto em termo de produtos como de perspectivas de vendas. 4.2.4 competição coexistindo nos processos colaborativos: a importância da confiança

No sentido da coexistência entre a cooperação e a competição, como refere Keller (2008), fica o desafio de conciliá-las. Nesse sentido, por mais que haja relatos e evidências da acirrada concorrência por preços e também na oferta de produtos diferenciados, parece que as empresas de Soledade estão conseguindo fazer essa conciliação.

Muitos autores trabalham a questão da confiança como fator importante para a prosperidade, o desenvolvimento econômico e a eficiência dos diferentes arranjos organizacionais (JORDE; TEECE, 1989; INKPEN, 2000; LOCK, 2001; GRANDORI; CACCIANTORI, 2006). De acordo com Inkpen (2000), quanto maior o nível de colaboração e confiança, menor será o nível de competição entre os envolvidos. Por meio das entrevistas junto aos proprietários das diferentes empresas, torna-se notória a cooperação aliada à

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confiança. No entanto, por mais que admitam que a competição é acirrada, dizem que não atrapalha os relacionamentos colaborativos e nem de amizade e laços familiares. Em razão da natureza das atividades colaborativas e a confiança estabelecida entre os diferentes agentes econômicos, não há nenhuma formalização de contratos. O contrato relacional, como evidenciam Grandori e Cacciantori (2006), é viável para a população pesquisada, justamente em razão de que os processos colaborativos facilitam a crença na confiança (RING, 1997). Diante de tal realidade, não parece haver necessidade do estabelecimento de meios contratuais no APL de Soledade. A confiança e o controle (contratos formais) podem ser tanto complementares como substitutivos (Woolthuis, Hillebrand e Nooteboom, 2005), sendo que neste caso estudado, até o presente momento, a confiança está funcionando bem como substitutiva aos contratos formais.

Como referem Jorde e Teece (1989), a conceituação de concorrência na atualidade permite o estabelecimento de acordos com concorrentes em favor de interesse próprio (principalmente econômico), tornando-se viável pensar a cooperação coexistindo com a competição. É nessa perspectiva que as empresas de Soledade cooperam para competir, numa perspectiva “equilibrada” (JORDE; TEECE, 1989). Como evidencia Baiardi (2008), também em Soledade se observa que a competição convive com a cooperação, evidenciando ganhos a todos os agentes econômicos envolvidos. Diante deste contexto, pode-se utilizar o termo “coopetição”, cunhado por Brandenburger e Nalebuff (1996) para descrever a coexistência da cooperação e competição no APL pesquisado.

Entretanto, torna-se evidente a insatisfação dos empresários de Soledade em relação às condições do ambiente geral (atitudes do governo, recessão, política cambial, mão-de-obra barata dos países emergentes, novos entrantes) no sentido exposto por Hitt (2002), visto que seus esforços são insuficientes no sentido do alcance dos resultados almejados e/ou planejados. Diante das constantes mudanças na procura de superação de dificuldades, a busca por novos processos, produtos e arranjos produtivos pelo empresariado do setor de pedras de Soledade precisa continuar uma constante, a exemplo do que já vem acontecendo, como a criação recente do Centro Tecnológico de Pedras, Gemas e Joias do Rio Grande do sul. Contudo, parece carecer de maior mobilização (conscientização) do empresariado do aglomerado no sentido de trabalhar mais efetivamente e de maneira mais abrangente outras relações interorganizacionais colaborativas, a exemplo, a busca por ferramentas e técnicas que auxiliem no processo gerencial do APL.

Em virtude da velocidade das mudanças no mundo dos negócios e das novas exigências do mercado atual em nível global, percebe-se que o arranjo produtivo de gemas e pedras preciosas de Soledade constitui-se numa alternativa viável e competitiva, porém necessita de constante avaliação e reinvenção para a manutenção da sua visibilidade no setor. 5 Considerações finais

Ambientes de incertezas e turbulências vêm caracterizando o novo século e, como consequencia, podem-se perceber mudanças organizacionais, como o aumento de relações interorganizacionais diferenciadas, a exemplo os APLs. Despontam, então, formas diferentes de cooperação como uma resposta à necessidade premente de articular e agilizar relações, pois é a chave desse processo. Assim, torna-se explícito que essas diferenciadas configurações constituem-se num vasto campo de estudos, apresentando uma relevância cada vez maior para o entendimento do comportamento e do desempenho das empresas na atualidade.

Ao que parece, num ambiente de acirramento da concorrência e globalização dos mercados, juntar esforços pode ser uma estratégia fundamental na busca de competitividade. Assim, um desafio se apresenta: analisar as relações interorganizacionais com base no imbricamento entre as dimensões econômica, social, política e também de poder, com vistas a melhor determinar e fazer a governança da ampla gama diferenciada de formas colaborativas

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interorganizaconais. Dessa forma, tanto o processo competitivo como o estratégico necessitam ser colocados em pauta para contornar os problemas vividos nas relações interorganizacionais de pequenas, médias e, também, de grandes organizações, em razão da emergência da empresa horizontalizada como tentativa de dinamizar os elementos da estrutura organizacional, a fim de assimilar os benefícios da flexibilidade dessas configurações.

Chegando ao final deste artigo, pode-se afirmar que cooperar constitui-se numa alternativa estratégica competitiva, como apontam Jarillo (1988, 1993), Jorde e Teece (1989), Perrow (1992), Brandenburger e Nalebuff (1996), Grandori e Cacciatori (2006), Balestrin e Verschoore (2008), Baiardi (2008), entre outros. Também se torna evidente a possibilidade de equilíbrio para o dilema cooperação e competição, podendo haver a coexistência de ambos nos arranjos interorganizacionais estabelecidos, a exemplo do que tem ocorrido no APL de Soledade, em que o setor tem ganho na soma das ações coletivas e expansão global de acordo com a economia dos novos tempos, trazendo benefícios aos envolvidos. (SHIMA, 2006).

Diante do contexto tal como se apresenta, não se pretende encerrar a questão em si com o desenvolvimento deste estudo empírico, porém confirmam-se aspectos teóricos importantes, o que pode vir a contribuir com o campo de estudo, principalmente em razão do seu caráter prático empírico. O arranjo produtivo de gemas e pedras preciosas de Soledade apresenta-se como um caso de sucesso de relacionamento interorganizacional de cooperação.

Por fim, torna-se pertinente salientar que outras questões importantes trabalhadas no escopo deste artigo merecem maior aprofundamento, no entanto não poderiam ser tratadas aqui pelo fato de exigirem uma dedicação exclusiva em razão de sua importância, a exemplo das questões relacionadas às exportações e governança do aglomerado. Dessa forma, apresenta-se como principal desafio o repensar de novas possibilidades de estudo, que não se limitem aos resultados aqui apresentados. Tendo em vista tal constatação, que em nada desmerece os resultados apresentados, tornam-se evidentes as possibilidades de outros estudos, tanto no que tange ao próprio arranjo produtivo local de Soledade, como às formas de cooperação e competição desse setor, inclusive com abrangência para além do município e dados quantitativos que complementem a pesquisa qualitativa desenvolvida. Além do mais, sugere-se o aprimoramento dos conceitos e vantagens destas “novas” configurações interorganizacionais para o aprofundamento do tema na academia. Referencias BAIARDI, A. Competição e Competição: Cooperação. Organização & Sociedade. v.15, n.45, abril/jun. 2008. BAIR, J.; GEREFFI, G. Local clusters in global chains: the causes and consequences of export dynamism in Torreon’s blue jeans industry. World Development, Oxford, v.29, n.11, p.1885-1903, 2001. BALESTRIN, A.; VERSCHOORE, J. Redes de cooperação empresarial: estratégias de gestão na nova economia. Porto Alegre: Bookman, 2008. BECATTINI, G. Os distritos industriais na Itália. In: URANI, A. et al. Empresários e empregos nos novos territórios produtivos: o caso da Terceira Itália. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. BRANDENBURGER, A; NALEBUFF, Barry. Co-opetição. São Paulo: Rocco, 1996. BRASIL. Ministério do Trabalho. Disponível em: <ministeriodotrabalho>. Acesso em: agosto 2009. BRITO, J. Cooperação interinstitucinal e redes de empresas. In: KUPFERI D.; HASMCLEVER L. (Orgs.). Economia industrial: fundamentos teóricos e práticos no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 2002. COSTA, A. B.; COSTA, B. M. Cooperação e capital social em arranjos produtivos locais. Revista de Desenvolvimento Econômico (RDE), ano IX, n.15, Salvador, Bahia, Jan. 2007.

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