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1 Relações Pós-Coloniais entre Brasil e Bolívia: uma Perspectiva Sul-Sul na América Latina Autoria: Ana Christina Celano, Denise Franca Barros, Sergio Wanderley, Ana Lúcia Malheiros Guedes Resumo: Este artigo trata de relatos de "Othering" dos funcionários da Empresa X na Bolívia e seu relacionamento com a matriz, discutindo como se posicionam em relação à empresa. As conclusões do projeto original davam conta de aspectos que não pareciam relacionados aos objetivos originais da investigação. Tal fato parecia sugerir que um enquadramento teórico diferente poderia dar conta de questões que permaneceram inexplicadas na pesquisa original. Novos parâmetros de análise foram estabelecidos a partir de uma perspectiva pós-colonial, usando o conceito de fricção cultural (Shenkar, 2001; 2008) que podem ser capazes de mostrar questões de subalternidade.

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Relações Pós-Coloniais entre Brasil e Bolívia: uma Perspectiva Sul-Sul na América

Latina

Autoria: Ana Christina Celano, Denise Franca Barros, Sergio Wanderley, Ana Lúcia Malheiros Guedes

Resumo: Este artigo trata de relatos de "Othering" dos funcionários da Empresa X na

Bolívia e seu relacionamento com a matriz, discutindo como se posicionam em relação à empresa. As conclusões do projeto original davam conta de aspectos que não pareciam relacionados aos objetivos originais da investigação. Tal fato parecia sugerir que um enquadramento teórico diferente poderia dar conta de questões que permaneceram inexplicadas na pesquisa original. Novos parâmetros de análise foram estabelecidos a partir de uma perspectiva pós-colonial, usando o conceito de fricção cultural (Shenkar, 2001; 2008) que podem ser capazes de mostrar questões de subalternidade.

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Introdução Este trabalho discute os resultados de um projeto de consultoria conduzido em uma

grande transnacional brasileira, doravante chamada ‘Empresa X’, planejado para investigar processos de comunicação interna e a distância cultural entre os empregados bolivianos e a marca global da corporação. As conclusões do projeto original davam conta de aspectos que, embora relevantes e surpreendentes, não pareciam relacionados aos objetivos originais da investigação. Tal fato parecia sugerir que um enquadramento teórico diferente poderia dar conta de questões que permaneceram inexplicadas na pesquisa original. Novos parâmetros de análise foram estabelecidos a partir de uma perspectiva pós-colonial, usando como lente teórica o conceito de fricção cultural (Shenkar, 2001; 2008) que podem ser capazes de mostrar questões de subalternidade mais sutis que permaneceram pouco visíveis no projeto original.

Este artigo é sobre relatos de "Othering"i (João Feres Júnior, 2006, 2010; Prasad 2003; Spivak, 1988; Mignolo, 2000 e Bhabha, 1994) dos funcionários bolivianos da Empresa X que trabalhavam nas unidades de três cidades da Bolívia e seu relacionamento com a matriz. A partir de tais relatos, buscamos examinar como tais indivíduos se constroem e se posicionam em relação à empresa. Em tal processo, também procuramos problematizar o conhecimento gerado nos projetos de consultoria adhoc destinados a entender como gerenciar trabalhadores estrangeiros já que "as chamadas ‘transferência de conhecimento’ e apropriação do conhecimento parecem avançar sem problematizações e grande parte desta pesquisa é caracterizada por uma estreita abordagem funcionalista na construção do Outro - sejam eles outros mercados, instituições, governos nacionais, consumidores ou "internacional" ou 'do país anfitrião’ dos empregados" (Banerjee and Linstead, 2004: 223).

Um aspecto de fundamental importância aqui é que o projeto original não foi desenvolvido para descobrir qualquer tipo de hostilidade ou resistência – até porque não havia nenhuma demonstração visível! – nem os resultados foram utilizados para gerar formas de punição e controle dos empregados, simplesmente não era o objetivo ou escopo do estudo. Os resultados que à época foram considerados ambíguos ou intrigantes podem ser vistos como uma espécie de conseqüência não intencional do processo. Tendo tais características em mente, uma nova análise de dados foi realizada a partir de uma perspectiva pós-colonial Sul-Sul dentro da América Latina, utilizando o conceito de fricção cultural (Shenkar, 2008), a fim de compreender as questões de subalternidade que emergiram dos dados. Apesar de alinhados a uma perspectiva pós-colonial (Bhabha, 1990, 1994, Prasad, 2003; Banerjee e Prasad, 2008), tentamos ajustar sua geografia a uma perspectiva Sul-Sul, ao invés da visão norte-sul original. A temporalidade também deve sofrer ajustes, desta forma, nosso “calendário pós-colonial” nos limites da América Latina trabalha a partir do século XIX. Tal ajuste nos permite discutir a origem de elementos estruturantes um caso potencial de colonização entre duas ex-colônias.

Com relação às questões de subalternidade, outro aspecto de interesse é que os sujeitos desta pesquisa não seriam descritos como os assujeitados ou subalternos ‘comuns’. Todos eram empregados da corporação, que goza de renome mundial; nenhum deles se qualificaria como pertencente à população indígena ou negra; todos desemepnhavam atividades de nível hierárquico médio ou alto; eram, na sua maioria, homens (70%); o mesmo percentual dava conta de indivíduos com altos níveis de educação formal, graduados em áreas como jornalismo, engenharia e gestão, ocupando posições compatíveis no nível hierárquico; 70% residia em Santa Cruz de la Sierra, considerada a cidade mais importante do país.

Uma das pessoas que compõem a autoria deste artigo esteve presente e teve papel de liderança na condução do projeto original, fato que garantiu maior aprofundamento da contextualização original. Embora conscientes das limitações que uma nova análise de dados coletados para outro fim poderia trazer, acreditamos que a construção do novo enquadramento

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teórico, bem como os esforços de análise posteriores revela aspectos interessantes que podem oferecer elementos para uma nova perspectiva de análise em fenômenos na América Latina.

Pós-Colonialismo e a América Latina

"O Acre foi trocado por um cavalo", declarou o presidente eleito da Bolívia Evo Morales em 2006, no Encontro Latino-Americano/Europeu, em Viena. Esta declaração anti-colonialista clara trouxe à tona uma antiga disputa de fronteiras do Acre, que teve lugar entre Brasil e Bolívia no início do século XX, e que foi pacificamente resolvida pelo Tratado de Petrópolis, assinado em 1903 (IstoÉ, 2006 ). A província do Acre, na Amazônia Ocidental, foi o único caso em que o Brasil de fato 'colonizou' parte do território boliviano. Exploradores da borracha brasileira ocuparam a área que eles tinham um acesso mais fácil em comparação com os bolivianos, que eram separados pela Cordilheira dos Andes.

O Brasil tornou-se independente de Portugal em 1822 e a Bolívia, três anos mais tarde tornou-se independente da Espanha. Assim, ambas as histórias pós-coloniais começaram há mais de cem anos antes dos objetos normais de estudos pós-coloniais, as nações da Ásia e África que só tornaram-se independentes após a II Guerra Mundial. Tendo esta lacuna cronológica em mente, podemos argumentar que parte da originalidade deste estudo é problematizar as questões pós-coloniais na América Latina. Desta forma, queremos problematizar o interesse emergente no pós-colonialismo em estudos críticos em administração (CMS) (Brewis e Jack, de 2009; Jack, Westwood, Srinivas e Sardar, 2011), dentro dos limites da América Latina, não tendo em conta a relação Ocidente-resto do mundo ou a lógica Norte-Sul, mas como um projeto colonial pode ter lugar dentro de uma ordem Sul-Sul. Como Styrhe (2010:13) coloca, "o regime econômico contemporâneo e o período é uma mistura de antigas tradições coloniais e histórias, alguns avanços pós-coloniais de novas posições, visões de mundo e práticas emergentes e ações neocoloniais". Em nossa opinião, pode haver algumas categorias interessantes pós-coloniais que surgem na recente expansão de empresas brasileiras na América Latina que podem ser não intencionais e/ou veladas.

Banerjee e Prasad (2008) localizam o reconhecimento da perspectiva na academia ocidental a partir da publicação da obra-prima de Said (1978), "Orientalismo" como uma perspectiva nova e importante para uma crítica radical. A teoria pós-colonial é voltada para críticas radicais do colonialismo, imperialismo e neo-colonialismo, o último sendo uma extensão do colonialismo para além da ocupação do território por meio de elementos de controle político, econômico e cultural (Banerjee e Prasad, 2008). "A teoria pós-colonialista coloca uma posição firmemente empenhada em criticar o eurocentrismo ... (e) pode ser visto como uma crítica muito mais abrangente de desconstrução das práticas constitutivas e discursos de (neo-) colonialismo (Banerjee e Prasad, 2008: 92). Coloca o estudo da gestão e das organizações em contextos históricos e contemporâneos de relações culturais, econômicas e geopolíticas assimétricas dentre o chamado "Ocidente" e o "Resto". Tais relações são concebidas e dramatizadas como lutas de poder entre os interesses crescentes e a pretensão universalizante das (pós-)modernidade(s) ocidentais e as contestações e cumplicidades das elites e das populações subalternas locais. Pós-colonialismo nos obriga a enfrentar e incorporar de forma mais explícita em nosso trabalho uma apreciação de que a cultura global está organizada hierarquicamente e ligada de formas complexas às estruturas opressivas materiais da produção e consumo (Banerjee e Linstead 2001: 244). O termo pós-colonial apareceu primeiro na literatura, no início da década de 1990, mas é ainda um movimento marginal nos estudos de gestão (Jack et al, 2011). Destina-se a denunciar o discurso colonial que representa o colonizador como "desenvolvido" e "iluminado", e do colonizado como "ignorante" e "marginal". Neste artigo, nós seguimos, em particular, a corrente que procura explicar as razões e os mecanismos pelos quais os locais

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obliteram-se em face do "colonizador". O resto do mundo desaparece seja por meio de "o peso do conhecimento ocidental", isto é, através da representação de assuntos "locais" de forma ideológica através das lentes teóricas empregadas, ou através da ausência de reconhecimento de sua existência (Jack et al, 2008), como observado, por exemplo, por Thomas, Shenkar, e Clarke (1994), Alvarado (1996) e Wong-MingJi e Mir (1997) em relação à América Latina e África.

Tal perspectiva ganha mais aplicabilidade em um contexto de globalização, definida por Banerjee et al (2009: 187) como fenômeno centrado nas relações capitalistas de produção de atuação global constituído de uma série de relações: “relações globais entre os Estados e transnacionais; relações de identidade - concepções das pessoas sobre quem elas são e o que eles podem ser, às relações de diversidade multicultural das organizações e comunidades, e relações de sustentabilidade. Relações globais entre os estados e as transnacionais podem fornecer a estrutura constitutiva que promulga a globalização".

Freqüentemente, as corporações projetam suas marcas e culturas organizacionais como Anderson (1991) descreve nas nações: uma comunidade imaginada, construída. No processo de expansão e transnacionalização, um novo tipo de projeto de expansão colonial ocorre. Este novo quadro colonial é estabelecido sobre as relações empresariais e não apenas sobre os governos nacionais (Banerjee e Linstead, 2001).

Como Banerjee e Linstead (2004: 222-3) colocaram, "em uma era cada vez mais global informada e configurada pelo pensamento econômico neo-liberal ... a definição de quem ou o quê constitui o "outro internacional" depende de quem está fazendo as perguntas e, muitas vezes se perde em grande parte da pesquisa sobre a gestão internacional". A fim de manter o purismo do conceito de mercado livre do modelo dominante, as relações de poder assimétricas no contexto internacional não são levadas em consideração. Tais relações ocorrem entre os governos, organizações globais e transnacionais e vários agentes sociais (Faria, Ibarra-Colorado e Guedes, 2010). Jack et al (2008) sugerem que a literatura de negócios, de gestão internacional ou que tem como objeto de estudo empresas de atuação multi e transnacional, está fortemente enraizada na tradição positivista-funcionalista e que não passam por um processo reflexivo de suas conseqüências epistemológicas derivando em uma perspectiva histórica e descontextualizada (Westwood e Jack, 2007).

A adoção de tal perspectiva não é livre de armadilhas. Reconhecemos que, apesar de nosso engajamento na discussão de aspectos de dominação que poderiam sugerir um processo de colonização, todos os autores deste trabalho são brasileiros – nacionalidade do potencial colonizador - e, como tal, podemos "ingenua e problematicamente obscurecer a contínua opressão colonial" (Jack et al, 2011: 279). Se concordamos que as teorias são representações de alguns mundos e outras não ", uma maneira de saber e uma maneira de não saber", como sugerido por Adelle Mueller (1987: 8), então seria esperar pelo menos o reconhecimento mínimo que muitas teorias de enquadramento internacional de pesquisa são mais propensos a refletir o mundo de seus "criadores" do que o mundo dos seus "sujeitos" (Jack et al, 2008).

No nosso caso particular, podemos estar lidando com um processo de "Othering 'em uma região que é afetada por aquilo que Banerjee (2011) descreve como "colonialismo interno - gestão por extração: em troca de modernidade e desenvolvimento econômico, as comunidades locais são forçadas a desistir de sua soberania, autonomia e tradição para empresas estrangeiras. Esta dominação pode acabar não apenas a subjugar economicamente as comunidades locais, mas pode também "inscrever suas próprias maneiras de pensar sobre eles, assim obliterando tudo independente de auto-identidade, orgulho, e resistência no meio deles" (Gabriel, 2008: 226). Tal situação pode criar um processo de "Othering” até mesmo...

"Entre grupos que se conhecem bem e têm vivido em estreita proximidade durante séculos (...). Nestas situações, o othering é causado por aquilo que Freud se referiu como "narcisismo das pequenas diferenças" - a pessoa ou grupo que é "othered 'é

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aquele em maior proximidade física e simbólica, visto por apresentar uma grande ameaça à própria identidade e orgulho "(Gabriel, 2008: 213).

Além disso, não queremos equivocadamente, considerar a América Latina como uma entidade homogênea, mas sim como uma entidade inventada composta por atores e nações múltiplos e heterogêneos. A idéia de que "A América Latina deve ter algum tipo de coerência é carregada de percepções americanas de alteridade radical" (Feres, 2010: 129). Entendemos que, propondo uma perspectiva Sul-Sul pós-colonial na América Latina, podemos promover melhores condições de "diferenças e encontros cross-culturais e a construção conjunta de significado e identidade em tais encontros" (Westwood e Jack, 2007: 257).

Diferenças na América Latina? Distância Cultural versus Fricção Cultural

A internacionalização das empresas brasileiras e de outros países emergentes é um caso recente no cenário global (Ramamurti, 2010). De acordo com Fleury e Fleury (2007), a literatura a este respeito ainda é ambígua e até mesmo cética em relação a seu impacto no cenário mundial. A literatura específica sobre essa área do conhecimento ainda está em construção (Ramamurti, 2004; Child e Rodrigues, 2005) e é dentro desse novo contexto de novas relações, suas interações e dinâmicas que a adoção da literatura anglo-americana de forma acrítica pode causar grande impacto (Alcadipani, 2010; Faria, Ibarra-Colado e Guedes, 2010). Assim, as relações entre essas empresas e seus novos públicos, especialmente aqueles que também se apresentou em países emergentes (Sul -Sul), como autoridades e comunidades passam por uma nova compreensão.

Empresas brasileiras de várias áreas são exemplos do movimento de expansão na América do Sul: Camargo Corrêa, Votorantim, Vale, AmBev, Gerdau, Natura, Embraer e Petrobras. Em tal processo, as relações entre empregados locais de uma estrutura multinacional estrangeira e a estrutura organizacional da matriz muitas vezes escondem dimensões que não são facilmente reveladas, mas que devem ser consideradas. No entanto, o quadro mais utilizado para este conceito tem seguido um caminho reducionista que deve ser criticado, especialmente por causa do fenômeno da globalização e da nova dinâmica gerada pelos mercados emergentes globais (Shenkar, 2001, 2008).

A distância cultural foi definida por Johanson e Wiederscheim-Paul (1975, p.307) como "fatores inibidores ou que impedem o fluxo de informações entre a empresa e o mercado." No entanto, a distância psicológica tornou-se mais profundamente analisada dentro da teoria do processo de internacionalização postulada pela Escola de Uppsala (Johanson e Vahlne, 1977). Nela, a escolha de mercados considerados prioritários na internacionalização segue um critério relacionado com a distância psicológica que seus membros têm com tais locais, suas culturas e valores (Johanson e Vahlne, 1977, 1990) ou “a soma dos fatores inibidores do fluxo de informações de mercado e do mercado" (p. 24).

Outras definições clássicas que ressaltam apenas o conceito da distância cultural também podem ser encontradas na literatura, como em Kogut e Singh (1988, p. 413) que definem o fenômeno como "a extensão de características que faltam a uma firma em um mercado estrangeiro" ou a teoria formulada por Hofstede (1980) das dimensões culturais. Mesmo Ford (1984, p. 102), apresenta o conceito como "o grau em que normas e valores das duas empresas diferem por causa de suas características individuais nacionais". No entanto Boyacigiller (1990) sugere que os fatores que contribuem para a distância cultural devem incluir a religião dominante, a linguagem dos negócios, forma de governo, desenvolvimento econômico e as taxas de migração. Por outro lado, Evans et al. (2000) sugerem que esta prática pode ser definida pela linguagem, pelas empresas, pelos sistemas jurídicos e políticos, a educação, o desenvolvimento econômico da infra-estrutura para comercialização, bem como a estrutura da indústria e cultura. Já Nordstrom e Vahlne (1994) definem o conceito em

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relação aos fatores que impedem ou dificultam a aprendizagem da empresa e entendimento sobre um ambiente desconhecido.

Assim, a base do conceito, mesmo variando entre distância psicológica e distância cultural foi sedimentada nos princípios da expansão dos mercados e de uma maneira geral, para criar teorias "livres de contexto" (Jack et al, 2008). A falta de uma preocupação específica com o empregado estrangeiro de uma organização de outro país ou de outras relações públicas ignorando como as comunidades locais e fornecedores e identificam-se com a cultura da empresa, ou como essa interação acontece. Shenkar (2001) assume que muitos estudiosos basearam suas teorias sobre a existência de uma suposta homogeneidade cultural dentro de um país ou local específico (Kogut e Singh, 1988; Grispud e Benito, 1992; Fletcher e Bohn, 1998, Hofstede, 1980) e faz uma crítica dessas teorias, uma vez que muitos países são feitos de diferentes etnias ou regionalmente desenvolvidos sob diferentes valores e tradições culturais (Grady O 'e Lane, 1996, Jack et al 2008).

Ainda há uma ilusão enganosa de encurtar a distância pela proximidade cultural dos países em questão (Shenkar, 2001), como no estudo de caso atual entre os países vizinhos, Brasil e Bolívia. Além disso, a globalização se compromete a trazer a diversidade de uma forma bastante fragmentada em organizações, favorecendo a análise individual do fenômeno, apenas, com as considerações críticas sobre as influências externas e coletivas.

De acordo com Shenkar (2008, p. 905), "a metáfora da distância cultural domina a investigação internacional de gestão, promovendo uma visão estéril onde antecedentes estáticos na forma de diferenças artificialmente construídas servem como lente através da qual a cultura dominante é vista e seu impacto avaliado". Então, este autor propõe uma nova metáfora, a "fricção cultural" que adota uma abordagem construcionista social. Ele propõe o atrito cultural como uma metáfora substituta centrado no encontro real dos sistemas culturais dentro de um contexto de poder e do conflito potencial entre uma empresa multinacional e seus diversos públicos no país de acolhimento. Ele defende que a nova metáfora pode captar melhor a essência do encontro intercultural aplicada a fenômenos de negócios internacionais. É especialmente no campo internacional, onde existe um mosaico dinâmico e complexo do meio ambiente, que várias lentes disciplinares são necessárias para evitar confundir uma porção do fenômeno para o todo (Roberts e Boyacigiller, 1984).

No Dicionário Oxford de Inglês, o atrito é definido como "a ação do atrito e fricção" e pudemos ver uma definição secundária, como "a fricção de um corpo contra o outro.": "A resistência física e mecânica, que qualquer organismo se encontra com em que se move sobre outro corpo "e" o chocante e o conflito de opiniões, ao contrário, temperamentos "compreendendo conotações de tensão e luta com a natureza do encontro. Enquanto Coser (1956: 23) observa que o conflito não é necessariamente "disfuncional e perturbador" (ver também Morgan, 1997), ele reconheceu que se trata de um encontro de interesses divergentes. Substituir "distância" por "fricção" denota mudar a ênfase das diferenças abstratas em direção ao contato entre as entidades específicas, para as suas preocupações partidárias. Implica, também, deixar para trás uma visão ingênua da globalização como uma era onde as pessoas, capitais, bens e ideias se movem sem impedimento e em que as barreiras à interação são onipresentes (Tsing, 2005). Com a lente de atrito, a cultura passa a ser vista como sendo criada e recriada (Jelinek et al, 1983). Por atores inseridos em identidades organizacionais e nacionais (Schneider, 1988; Weber, Shenkar, e Raveh, 1996), possuindo divergentes recursos e interesses, e que detêm o poder assimétrico e posição hierárquica (Burrell & Morgan, 1979), que estão envolvidas em uma troca permanente, que consiste de uma cadeia de respostas e contra respostas (Homans, 1950).

Dentro da metáfora de atrito ou fricção cultural existe a real possibilidade de contemplar a divergência fundamental de interesses entre uma multinacional e o país de acolhimento, pois as metas nacionais, econômicas, sociais são procuradas pelos nativos e são fundamentalmente

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diferentes dos objetivos das corporações multinacionais (Shenkar, 2008; Grosse, 1996; Poynter, 1985).

Alguns conceitos básicos da metáfora atrito cultural proposto por Shenkar et al (2008) são representadas pelo "ponto de contato" em que as entidades se cruzam para produzir atrito cultural, e a "troca cultural", onde os bens culturais são negociados e trocados.

O ponto de contato mostra, a partir de uma perspectiva de atrito, que ao invés de olhar para o modo de entrada da maneira tradicional, como um produto das diferenças culturais, vemos isso como algo que é pelo menos parcialmente determinado pelo poder que, por sua vez, influencia o nível e a natureza de atrito cultural. O modo de entrada da Empresa X neste caso ocorreu parcialmente por meio de negociações entre os dois Estados e a Empresa X. Parte das plantas, e negócios foram planejados e construídos desde o início. Outra parte do plano de negócios foi feita por aquisições de empresas bolivianas.

A partir desta perspectiva, é importante notar que as estruturas representam uma tentativa de dominação cultural e centralização do poder, tanto como um esforço para aumentar a eficiência organizacional.

A troca que ocorre durante o encontro cultural pode ser regulada por empresas através dos recursos humanos e ações de comunicação interna. Empresas transnacionais geralmente contratam os executivos que são culturalmente sensíveis e/ou que tem o conhecimento cultural sobre o país anfitrião (Shenkar et al, 2008; Spreitzer, McCall e Mahoney, 1997). A cultura da empresa pode ser vista como um meio de controlar, uma vez que pode substituir, em algum nível, sistemas de cultura nacionais. Luo e Shenkar (2007) e Laurent (1986) postulam que a fricção ou o atrito potencial entre os sistemas culturais pode realmente ser aumentada por uma forte cultura corporativa. As comunicações internas são geralmente vistos como um processo particular eficiente de se comunicar e difundir uma cultura corporativa. O ponto de contacto é importante para compreender a natureza do encontro cultural.

Metodologia A pesquisa original realizada para a Empresa X ocorreu entre 21 e 27 novembro de 2005 e

teve como objetivo investigar os meios de comunicação mais eficazes no processo de comunicação interna e a distância cultural entre os trabalhadores locais (na Bolívia) e a identidade organizacional global da empresa. Tal projeto de consultoria foi bem além do caso aqui descrito: a Bolívia foi o primeiro dos nove países onde a pesquisa foi realizada, servindo como projeto piloto, devido à proximidade das eleições presidenciaisii.

É relevante notar que a Empresa X opera no setor de energia e que seus ativos na Bolívia se concentravam em exploração de gás combustível, distribuição e refino. As atividades estavam espalhadas por vários locais no país e suas atividades econômicas naquele momento representavam 20% do PIB deste país.

Foi neste cenário que 29 entrevistas individuais semi-estruturadas foram realizadas em cinco diferentes unidades operacionais da companhia em três cidades (Santa Cruz de la Sierra, Cochabamba e Tarija). Após as entrevistas os funcionários foram convidados a fazer um desenho ou colagem representando primeiramente a distância geográfica que imaginava existir entre a sua cidade e a cidade do Rio de Janeiro e em uma segunda etapa, entre Bolívia e Brasil. Depois, eles foram convidados a representar a distância que sentiam existir entre a empresa no seu país e a matriz no Brasil. Finalmente eram convidados a responder a seguinte pergunta: "O que significa, para você, para fazer parte da Empresa X?". O tempo utilizado pelos empregados bolivianos para realizar os desenhos quase sempre ultrapassou o tempo limite estipulado para a atividade de 60 minutos, chegando as vezes a marca de 120 minutos.

A utilização desta etapa de coleta (técnica projetiva, por meio de desenhos e colagens) foi fundamental para o levantamento dos dados que sugerem os aspectos de uma relação de

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dominação, uma vez que nas entrevistas tais questões foram freqüentemente obliteradas. Como Alcadipani (2010) coloca, é importante notar que embora o uso de técnicas projetivas seja comum na psicologia por mais de um século, a adoção desse procedimento na análise dos processos organizacionais é recente, mas seu uso tem crescido (Buchanan, 2001; Dougherty e Kund, 1990; Kunter &Bell, 2006; Strangleman, 2004; Symon e Cassell, 1998; Zuboff, 1988.

Além disso, a fala ou discurso expressos em entrevistas pode ser mais facilmente controlado pelos indivíduos, enquanto que os desenhos são realizados mais livremente e são, portanto, mais próximos da realidade sob observação. Outro argumento é que, mesmo na pesquisa qualitativa, o significado atribuído pelos indivíduos para as suas experiências na organização é quase esquecido (Caldas; Tonelli, 2002; Wood Jr. Caldas, 2005) e o desenho é uma técnica que pode recuperar esse sentido, livre das limitações impostas pela racionalidade. Meyer (2001), argumenta que o uso de técnicas projetivas, como desenhos, é um procedimento vantajoso em relação às técnicas tradicionais, uma vez que os projetos permitem a comunicação com o campo multidimensional de pesquisa (e não apenas uma dimensão, como falar em entrevistas), e superar a sua racionalidade e expressar emoções de forma mais clara. Análise e discussão

A coleta de dados original aconteceu um pouco antes das eleições presidenciais e, como era esperado, os sinais de incerteza foram fortemente sentidos, principalmente pela novidade da situação: desde a independência em 1825, 3,6 milhões de eleitores, representando uma população total de 9,7 milhões, experimentavam a oportunidade de escolher, de uma só vez, não apenas o presidente e o vice, bem como os 157 senadores e deputados, os governadores de nove províncias e os prefeitos de 314 municípios do país. Mesmo quando perguntados de forma geral sobre as atividades da empresa no país, a incerteza política emergia nas respostas. Quase metade dos entrevistados verbalizou preocupação com o momento político. Entre os gestores, havia uma certeza de que a Bolívia seria o palco de grande instabilidade nos próximos anos, uma crença que se sustentava independente de quem ganhasse as eleições presidenciais. Para proceder à nova análise dos dados originalmente coletados, optamos pelo uso de lentes pós-coloniais e do conceito de fricção cultural (Shenkar, Luo e Yeheskel, 2008). A seguir, apresentamos os principais resultados.

Como forma de contextualizar as impressões gerais, focadas no objeto original da pesquisa indicamos que os respondentes se sentiam informados (30%) ou moderadamente informados (70%) sobre o que acontecia tanto na Matriz brasileira quanto na unidade pesquisada. No entanto, quando questionados sobre a suficiência de informação apenas relacionada à empresa X, no Brasil, 94% consideravam que não recebiam informações suficientes das atividades localizadas naquele país ou fora dele. Os temas considerados mais deficientes foram: Informações sobre as atividades e interesses internacionais (conquistas e objetivos traçados em outros países pela companhia); o papel e a importância da Bolívia no contexto internacional da empresa, assim como “mais conhecimento sobre a grandeza e a história da empresa X”, no dizer de um dos sujeitos de pesquisa.

Os entrevistados se mostravam de forma ambígua no que diz respeito ao relacionamento da Empresa X com a Bolívia. Por outro lado se mostravam freqüentemente agradecidos e de forma respeitosa à empresa X por sua atuação no país anfitrião. Logicamente não se esperava que os empregados fossem abertamente agressivos ou contrários à organização no projeto de consultoria, mas os resultados da Bolívia foram mais expressivos neste ponto do que em outras unidades (países) da empresa X onde a consultoria também foi realizada. Em questões abertas, sem respostas pré-determinadas, os sujeitos atribuíram à empresa X de forma espontânea um papel decisivo e valoroso na formação e desenvolvimento do país.

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Em alguns momentos, a empresa parecia assumir o papel de Estado, um terço dos entrevistados declararam que ela “traz desenvolvimento social, econômico e tecnológico para o país”, o que parece ser confirmado pelo fato dos empregados acreditarem que ela tem uma boa imagem com a população em geral.

É importante ressaltar que a boa imagem da empresa X não parece ser sempre acompanhada por uma boa imagem do país de origem da empresa, o Brasil. No entanto, ainda nas respostas espontâneas, são freqüentes as menções à empresa X como sendo "melhor" do que outras empresas estrangeiras e de outras empresas no mesmo ramo de negócio em termos de imagem, responsabilidade social, ambiental e ética empresarial. Os informantes chegam a qualificá-la como "muito importante" para a Bolívia e reforçam a atuação da Empresa X como um modelo exemplar de conduta, principalmente quanto ao tratamento dado aos empregados com ênfase nos aspectos relacionados à segurança, treinamento e benefícios.

Esses atributos positivos parecem ser específicos da Empresa X e não do Brasil. Os desenhos mostram que a forte percepção de distância entre os dois países diminui à medida que passam a ser representadas as dimensões organizacionais. Figuras 1 e 2 são bons exemplos deste fato.

Figuras 1 e 2

A Figura 1 é a representação simbólica de como o informante sente a distância entre a

sua cidade (no caso, Santa Cruz) e a cidade onde se localiza a matriz da Empresa X (Rio de Janeiro) e a Figura 2 representa a distância percebida entre a unidade organizacional de seu país e a matriz da empresa no Brasil. Ambos mostram duas figuras humanas, sendo uma delas pequena, como uma criança que veste um boné e calças curtas, enquanto a figura da direita é significativamente maior sugerindo ser um adulto, usando calça comprida, chapéu preto e bigode. Embaixo de ambos os desenhos na parte da esquerda, existe a qualificação "Santa Cruz", mas na figura 1 na parte da direita, aparece a indicação "Brasil"e na Figura 2 a indicação de matriz. Desta forma, a representação da distância geográfica parece ser atenuada quando a entidade Brasil é substituída pela organização. É interessante notar que a ligação entre as figuras apresentadas na Figura 1 parece ser uma corrente que desaparece na Figura 2 sugerindo que as representações humanas estão de mãos dadas e a proporção da figura "Santa Cruz" é aumentada.

A aparente posição de inferioridade estabelecida entre as duas figuras pode ser explicada pelo processo de mimetismo através da perspectiva do colonizado e de como ele se sente representado diante do colonizador (Ozkazanç-Pan, 2008).

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Seguindo esta linha, pudemos observar que em outros desenhos, as cidades bolivianas são freqüentemente associadas a elementos naturais, como sol, rio, mar e árvores enquanto o Rio de Janeiro (local da matriz da empresa X) é representado por prédios e outros elementos ‘mais modernos’. A empresa X também é representada por objetos industrializados como computadores, edifícios, fábricas e estradas.

Figuras 3 e 4

Se levarmos em considerção a questão do ponto de contato, como descrito por Shenkar (2008) o modo de entrada de uma empresa em um país pode impactar a forma como se dará a fricção e a relação entre essa empresa e a cultura nacional. Neste caso específico notamos uma complexa relação entre dois atores, o Estado e a Empresa X, que pareceu desde o início das negociações limitarem e darem as bases de construção para “ponto de contato”(Weber et al., 1996)”. (Shenkar et al , 2008: 915-916).

Este traço pode ser observado com freqüência nos desenhos que sugerem uma representação de diminuição de importância através do uso de setas que saem dos elementos naturais relacionados a Bolívia apontando para os elementos artificiais, ou desenvolvidos, associados a empresa e a seu local geográfico original (Brasil/Rio de janeiro), este traço pode ser visto na Figura 3.

Nesta representação simbólica de troca, pode-se perceber que o tipo de relação se estabelece entre o empregado e a Empresa X. Muitos desenhos indicam que a empresa X oferece e representa uma oportunidade de crescimento e de segurança. Chegam mesmo a ser claros os exemplos de “ganhos” que advém desta troca expressos pelas representações de hospitais e escolas.

Pode-se ressaltar que a partir do momento que a empresa X expressou o interesse em realizar uma pesquisa para compreender melhor a percepção de seus empregados estrangeiros, na Bolívia, quanto a questão da comunicação da companhia, ela parece reconhecer a

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necessidade de conhecer e mitigar os atritos que possam ser ocasionados pelas diferenças culturais. Na verdade o movimento que busca uma melhor adequação da comunicação interna tem efeitos positivos e é necessária para os dois lados.

A posição inferior assumida pelos bolivianos é reforçada pelos empregados brasileiros lá presentes. Um respondente brasileiro citou que considera os empregados estrangeiros das unidades do exterior como “pouco curiosos, por que eles podem procurar sempre por mais informações da empresa nos sites disponíveis”, sugerindo que eles não o fazem por escolha ou incapacidade. Já os empregados bolivianos verbalizaram claramente que gostariam de receber mais informações sobre as ações da empresa X não só referentes à Bolívia, mas ao Brasil e a todo o mundo. Pudemos notar que de fato alguns empregados bolivianos entrevistados chegaram a expressar grande interesse nos artefatos físicos de comunicação, como revistas corporativas e folders, contando que chegavam a manter coleções destas peças em suas casas.

Luo e Shenkar (2007) e Laurent (1986) afirmam que a fricção entre diferentes sistemas culturais pode ser aumentada quando submetida a uma cultura organizacional forte e que mostre seus mecanismos de controle claramente. Em alguns casos, esta questão pode ser vista como uma resistência frontal, mas no caso particular da Bolívia, a natureza do encontro cultural foi caracterizado pela submissão, traço sugerido pelas Figuras 1 e 2.

Considerações finais

Neste artigo, nosso objetivo foi discutir o processo de “othering” dos empregados bolivianos da Empresa X utilizando uma perspectiva pós-colonial sul-sul dentro da América latina. Usamos o conceito de fricção cultural (Shenkar, 2001, 2007, 2008) para reanalisar os dados de uma pesquisa originalmente conduzida por uma consultoria. De forma geral, o pós-colonialismo “ olha para as relações coloniais e seu legado como paradigmas de como o poder e a dominação acontecem nas sociedades fundadas pela expansão colonial” (Gabriel, 2008:206), e, em particular “observa como as identidades dominantes no ocidente foram forjadas pela criação da alteridade dos povos colonizados e suas culturas, negando-lhes uma voz e violando as suas histórias e tradições” (Gabriel, 2008:226). Neste caso especificamente, a relação de dominação não acontece no eixo típico de estudos pós-coloniais, mas dentro da América Latina, entre a Empresa X e seus empregados bolivianos.

A partir dos dados observou-se que na percepção dos empregados a empresa como uma espécie de salvadora e possível substituta do poder do Estado, tal percepção sendo confirmada pelo posicionamento diante deste poder de forma subalterna, inferior ou mesmo infantilizada. Podemos considerar que, mesmo de forma não intencional, a empresa brasileira pode “inscrever seus próprios modos de pensar sobre eles, assim obliterando sua auto-identidade, orgulho, e resistência” (Gabriel, 2008:226).

Através do conceito de fricção cultural (Shenkar, 2008), notamos através da análise dos desenhos realizados pelos empregados, que é possível ter um melhor entendimento do que representa um relacionamento multicultural. Pois a partir desta nova perspectiva proposta existe uma possibilidade real de contemplar as diferenças fundamentais de interesses entre uma multinacional, seus funcionários locais e o país anfitrião, uma vez que estas entidades não compartilham de objetivos comuns (Shenkar, 2008; Grosse, 1996; Poynter, 1985). Desta forma, consideramos a perspectiva do encontro e da fricção como mais apropriada e rica ao fenômeno no lugar do construto da distância cultural que analisa este elemento sob uma condição homogênea e estática, e não leva em consideração a dinâmica da interação e a forma como acontecem as trocas entre as diferentes culturas.

Cabe ainda destacar que pode persistir uma ilusão enganosa de encurtamento de “distância” pela proximidade cultural dos países em questão (Shenkar, 2001), como entre Brasil e Bolívia, países vizinhos citados neste artigo. Além disso, a globalização se

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compromete a trazer a diversidade de uma forma bastante fragmentada em organizações, favorecendo a análise individual do fenômeno, apenas, com as considerações críticas sobre as influências externas e coletivas Dessa forma, argumentamos que é necessário utilizar novos referenciais e enquadramentos para as pesquisas focadas no fenômeno da globalização e suas novas facetas. Consideramos este artigo como uma contribuição por trazer a luz a analise de dados sob uma visão pós-colonial focados de maneira pioneira na América Latina sob uma perspectiva sul-sul.

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ii A empresa julgou pertinente realizar a coleta de dados em tal período como forma de monitorar medos e anseios dos funcionários que poderiam se materializar em obstáculos aos processos de comunicação interna.