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1 RELATÓRIO DE IC Orientando: Henrique Chaves Nome do orientador: Márcia Cançado Faculdade de Letras/UFMG 2010 OS VERBOS DE EXPRESSÃO DO PORTUGUÊS BRASILEIRO 1. Introdução Esta pesquisa se insere nos estudos de interface sintaxe-semântica lexical. Nessa perspectiva teórica são comuns questionamentos do tipo: É possível prever propriedades semânticas e sintáticas de um verbo qualquer? Há algum tipo de relação entre tais propriedades? Caso exista, como explicitar seus princípios gerais? O que faz um verbo pertencer a uma classe? A pesquisa que desenvolveremos neste trabalho teve como um dos seus objetivos responder tais questionamentos. Para isso, escolhemos para análise uma classe especial de verbos do português brasileiro, a fim de investigar suas propriedades semânticas e, consequentemente sua repercussão na sintaxe. Evidentemente que essa concepção trás uma série de implicações, sobretudo em qual direção seria a relação entre a sintaxe e a semântica. Assumimos juntamente com vários autores Janckendoff (1990), Levin (1993), Levin e Rappaport (2005), entre outros, que propriedades semânticas específicas das classes verbais podem determinar o comportamento sintático dos verbos. Levin e Rappaport (2005) e Levin (1993) afirmam que dentre os chamados verbos de comunicação do inglês existe uma subclasse denominada Verbs of Manner of Speaking. Na literatura, há alguns trabalhos que discorrem acerca dessa classe de verbos, podemos citar Zwicky (1971), Mufwene (1978), Levin (1993), Pesetsky (1995) Levin e Rappaport (2005), entre outros, todavia, para o Português Brasileiro (daqui para frente PB) não há trabalhos específicos que trate do assunto. Os Verbos de Maneira de Falar constituem uma classe coesa de verbos com propriedades semântico-sintáticas muito bem definidas. O objetivo deste trabalho é explicitá-las e dar uma configuração uniforme para tal classe. Na fase inicial deste trabalho fizemos um levantamento dos Verbos de Comunicação para o PB e encontramos cerca de 200 verbos, dentre os quais elegemos 120 para a análise, por serem aqueles com os quais pudemos lidar com mais intuição. Subdividimos os verbos em quatro grandes grupos: Verbos de Transferência de Mensagem, Verbos de Advertência, Verbos de Maneira de Falar e Verbos de Conteúdo de Fala. Neste trabalho vamos analisar os verbos de maneira de falar. A motivação para essa escolha deve-se a escassez de

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RELATÓRIO DE IC

Orientando: Henrique Chaves

Nome do orientador: Márcia Cançado

Faculdade de Letras/UFMG

2010

OS VERBOS DE EXPRESSÃO DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

1. Introdução

Esta pesquisa se insere nos estudos de interface sintaxe-semântica lexical. Nessa perspectiva

teórica são comuns questionamentos do tipo: É possível prever propriedades semânticas e sintáticas

de um verbo qualquer? Há algum tipo de relação entre tais propriedades? Caso exista, como

explicitar seus princípios gerais? O que faz um verbo pertencer a uma classe? A pesquisa que

desenvolveremos neste trabalho teve como um dos seus objetivos responder tais questionamentos.

Para isso, escolhemos para análise uma classe especial de verbos do português brasileiro, a fim de

investigar suas propriedades semânticas e, consequentemente sua repercussão na sintaxe.

Evidentemente que essa concepção trás uma série de implicações, sobretudo em qual direção seria a

relação entre a sintaxe e a semântica. Assumimos juntamente com vários autores Janckendoff

(1990), Levin (1993), Levin e Rappaport (2005), entre outros, que propriedades semânticas

específicas das classes verbais podem determinar o comportamento sintático dos verbos.

Levin e Rappaport (2005) e Levin (1993) afirmam que dentre os chamados verbos de

comunicação do inglês existe uma subclasse denominada Verbs of Manner of Speaking. Na

literatura, há alguns trabalhos que discorrem acerca dessa classe de verbos, podemos citar Zwicky

(1971), Mufwene (1978), Levin (1993), Pesetsky (1995) Levin e Rappaport (2005), entre outros,

todavia, para o Português Brasileiro (daqui para frente PB) não há trabalhos específicos que trate do

assunto.

Os Verbos de Maneira de Falar constituem uma classe coesa de verbos com propriedades

semântico-sintáticas muito bem definidas. O objetivo deste trabalho é explicitá-las e dar uma

configuração uniforme para tal classe. Na fase inicial deste trabalho fizemos um levantamento dos

Verbos de Comunicação para o PB e encontramos cerca de 200 verbos, dentre os quais elegemos

120 para a análise, por serem aqueles com os quais pudemos lidar com mais intuição. Subdividimos

os verbos em quatro grandes grupos: Verbos de Transferência de Mensagem, Verbos de

Advertência, Verbos de Maneira de Falar e Verbos de Conteúdo de Fala. Neste trabalho vamos

analisar os verbos de maneira de falar. A motivação para essa escolha deve-se a escassez de

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trabalhos acerca dessa classe de verbos para o PB e os inúmeros aspectos formais que fazem dela

uma classe. Tais verbos, geralmente se referem a atos praticados com a intenção comunicativa

através da voz e descrevem características físicas desse ato. Portanto, os verbos dessa subclasse

especificam o modo pelo qual o falante se expressa. Observe que esse modo não se refere ao

veículo de expressão ou sua origem, mas às características físicas desse som. Esses verbos podem

dar informação acerca das atitudes vocais, do tom, da velocidade, ritmo, entonação, altura da voz,

etc. Dessa forma, o rótulo Verbos de Maneira de Falar é bastante apropriado. Os exemplos abaixo

mostram alguns desses verbos:

(1) a. O moribundo balbuciou algumas palavras.

b. Ele cochichou alguma coisa para a moça

c. O aluno sussurrou a resposta para o colega.

A fim de encontrarmos propriedades sintáticas e semânticas que caracterizassem os verbos

de maneira de falar como uma classe homogênea, aplicamos testes motivados pelas seguintes

perguntas: Quais são as propriedades semânticas desses verbos que podem predizer suas

propriedades sintáticas? Tais verbos podem introduzir discurso direto ou indireto? Tais verbos são

intransitivos, transitivos ou bitransitivos? Com que tipos de complementos (preposicionados ou

não) e adjuntos podem aparecer? Além disso, algumas outras propriedades sintáticas foram

examinadas como alternâncias ativo-passiva e construções clivadas.

Neste trabalho, mostraremos que os verbos de maneira de falar compartilham as seguintes

propriedades semântico-sintáticas: o argumento do verbo é sempre um agente animado e aceitam

objetos dos mais variados tipos; a forma intransitiva possui características bastante particulares que

mereceram uma investigação mais detalhada; aceitam a alternância ativo-passiva e construções

clivadas; não aceitam a construção reflexiva; as sentenças com esses verbos denotam apenas um

evento, uma atividade.

Os objetivos finais deste trabalho são descrever os Verbos de Maneira de Falar do PB,

explicar e caracterizar as propriedades semânticas destes verbos e seu reflexo na sintaxe e propor

uma representação lexical em metapredicados para esses verbos. Os procedimentos metodológicos a

serem seguidos são coleta de dados através do dicionário de Borba (1990) e dos trabalhos de Levin

(1993) e Zwicky (1971), aplicação de testes de aceitabilidade através de introspecção e

questionamento aos falantes acerca da gramaticalidade e agramaticalidade das sentenças. A base de

dados dessa pesquisa constitui de 19 verbos de maneira de falar em português brasileiro. Na

pesquisa incluímos outros itens relacionados, tais como outros verbos de comunicação, com

objetivo de demarcar diferenças. Porém, detivemos nossa análise nos verbos de maneira de falar

que constitui um grupo autônomo de verbos e carente de análise no PB. Um dos problemas

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metodológicos é que os julgamentos de aceitabilidade são muito sutis, e trabalhar apenas com

intuições pode não ser totalmente confiável. Dessa forma escolhemos somente aqueles verbos que

temos uma maior familiaridade e eliminamos da análise os seus usos metafóricos. Analisaremos os

dados coletados a partir de uma proposta de representação lexical proposta por Cançado e Godoy (a

sair).

Organizaremos o relatório da seguinte forma: na parte 2, faremos uma breve revisão de

literatura sobre os verbos de falar, discutindo aspectos que consideramos mais relevantes; na parte

3, apresentamos o quadro teórico adotado na pesquisa e, consequentemente a justificativa dessa

escolha; na parte 4, mostraremos a análise feita para os verbos de maneira do PB; e, finalmente,

concluímos o relatório na parte 5. A parte 6 contém as Referências Bibliográficas

.

2. Os verbos de Modo de Falar na literatura

2.1 Zwicky (1971)

O artigo de Zwicky é a principal referência na literatura acerca dos verbos de maneira de

falar. Trata-se de um trabalho de descrição sintático-semântico desta classe de verbos do inglês e é

amplamente citado pelos autores presentes em nossa revisão bibliográfica. O trabalho merece

destaque dado que é o único que fornece uma pesquisa sistemática acerca da classe dos verbos de

maneira de falar. Está organizado da seguinte forma: Em primeiro lugar o autor apresenta uma

definição para a classe dos verbos de maneira de falar do inglês e fornece uma lista contendo 15

verbos. No segundo momento são listados os princípios gerais que norteiam a classe, tais princípios

são apresentados em itens divididos de A até F. Cada item é composto por uma afirmação geral e

alguns exemplos com intuito de sustentar a afirmação. De acordo com Zwicky, tais propriedades

são compartilhadas por todos os verbos da classe. Para o português algumas propriedades

correspondem: A- São verbos de atividade;

B- O referente do sujeito desses verbos é tipicamente humano;

C- Podem introduzir discurso indireto.

Em relação à propriedade C, Zwicky afirma que o alvo da expressão deve ser marcado pela

proposição to e que o referente do objeto deve ser tipicamente humano. Sabemos que o mesmo não

ocorre com o português.

(2) A criança sussurrou/ murmurou/ cochichou/ “nhac, nhac”!

(3) O homem gritou/berrou/ para o cão: “rua”!

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O exemplo em (2), temos a introdução de um discurso indireto pelo verbo sem que seja marcado

pela preposição to. Da mesma forma, no exemplo (3) temos o alvo da expressão um objeto –

humano.

D- Possibilidade de inserção de discurso direto e de diferentes tipos de objeto

Para o português, vamos discutir detalhadamente cada uma dessas possibilidades. O inglês possui

restrições bem particulares, nessa unidade é apresentada a alternância dativa, como uma

característica particular desses verbos. Nas construções de dativo, a estrutura argumental do verbo

compreende, além do argumento externo sujeito, dois argumentos internos complementos para

expressar a transferência de algo. Para o inglês, a ordem OD-OI, pode ser invertida em OI-OD em

contextos específicos. Essa é a chamada alternância dativa:

(4) I gave the rose to the beautiful girl.

(5) I gave the beautiful girl the rose.

Há ainda outros itens que abordam aquelas propriedades mais específicas ou particulares,

que não são compartilhadas por todos os verbos dessa subclasse. Tais itens estão subdivididos de G

até T. Curiosamente, encontramos para o português um número maior de itens correspondentes.

G- Possibilidade de apagamento do objeto;

H- Interpretação não comunicativa dos verbos em contextos específicos;

J- Existência de um homófono nominal correspondente para tais verbos;

M- Aceitam alternância ativo passiva quando não usados não comunicativamente.

A restrição em M funciona apenas para o inglês, trata-se muito mais de uma questão semântica do

que sintática. No caso do português a não ocorrência de passivas quando o verbo é utilizado com

intenção comunicativa, deve-se a presença obrigatória da preposição a fim de marcar o alvo. Dessa

forma é um impedimento sintático, uma vez que sentenças com objeto indireto não podem ser

passivizadas.

Como podemos observar, muitas propriedades elencadas pelo autor para os verbos de

maneira de falar do Inglês são compartilhadas pelos verbos do PB. Sobretudo, no que se refere às

propriedades gerais da classe e de suas idiossincrasias. Apesar do seu grande valor, o artigo

apresenta alguns problemas importantes. O principal deles está relacionado à forma como essas

propriedades são testadas e esses dados são coletados. Zwicky não é claro nesse ponto, o autor

parece sugerir que todos os dados são coletados via introspecção e os testes feitos de forma

intuitiva. Esse é um problema metodológico que procuramos evitar nessa pesquisa explicitando

cada passo metodológico e com exemplos e testes em anexo.

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2.2 Levin (1993)

A hipótese da autora é a de que propriedades semânticas de um verbo influenciam o seu

comportamento sintático, dessa forma ao desenvolver uma análise detalhada da semântica dos

verbos do inglês poderemos construir uma ferramenta eficaz para estudar o léxico verbal de uma

língua qualquer. Ao longo do livro a autora apresenta estratégias de como identificar verbos com

comportamento sintático semelhante e fornece meios para distinguir as classes verbais

semanticamente coerentes. A autora isola as classes verbais com relação a uma variedade de

alternâncias sintáticas que refletem propriedades semânticas dos verbos envolvidos.

No que se refere aos verbos de comunicação (verbs of communication), a autora apresenta

uma categorização bem extensa subdividida nas seguintes classes: Verbs of Transfer of a Mensage,

Tell, Verbs of Manner of Speaking, Verbs of Instrument of Communication, Talk Verbs, Chitchat

Verbs, Say Verbs, Complain Verbs e Advice Verbs. Os verbos de maneira de falar do PB são

poucos, como previsto para uma língua românica. Talmy (1985) investiga a relação sistemática

encontrada nas línguas entre elementos semânticos e elementos sintáticos a fim de regras gerais de

lexicalização e observar seu comportamento em diferentes línguas. Para isso, Talmy elegeu a raiz

verbal como objeto de análise, buscando encontrar quais elementos semânticos são lexicalizados

nas raízes verbais, por exemplo, se Maneira, Trajetória, Movimento entre outros. O autor propõe

que existem três padrões de lexicalização nas línguas do mundo e cada uma delas elege um destes

padrões e isso será refletido na sua estrutura tipológica. Assim determinados padrões de informação

são incorporados nos itens lexicais. Os verbos de maneira do Inglês apresentam um núcleo verbal

somado a um componente adverbial que especificam o modo como se dá o evento em questão. Por

este motivo, há um número maior de verbos de comunicação do inglês se comparado ao português

que possui outro padrão de lexicalização. No português e nas línguas românicas em geral os verbos

geralmente especificam apenas o alvo da expressão e o conteúdo expresso pelo ato de fala.

Em nossa coleta de dados conseguimos discriminar quatro classes correspondentes: Verbos

de maneira de falar, verbos de transferência de mensagem, verbos de advertência e verbos de

conteúdo de fala. Especificamente sobre os verbos que estamos investigando, temos uma

importante lista de referências e de dados com 77 verbos de maneira de falar. Em relação ao

trabalho anterior de Zwicky (1971), o de Levin (1993) traz poucas novidades. As propriedades

elencadas neste trabalho (apagamento de objeto, possibilidade de alternância dativa, introdução de

objeto direto, entre outros) já foram destacadas por Zwicky em seu trabalho de 1971. O mérito deste

livro no que se refere aos verbos de maneira de falar, é o de fornecer uma primeira sistematização

para os verbos, incluindo um número maior de verbos do que aqueles apresentados por Zwicky e a

bibliografia presente no início da unidade.

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2.3 Pesetsky (1995)

O argumento que norteia o Zero Syntax é o de que a distribuição sintática e as posições

argumentais dos argumentos são determinadas pela estrutura das entradas lexicais e são sensíveis às

leis que regem suas próprias estruturas sintáticas. Ao longo do livro, Pesetsky analisa outras

questões relevantes para investigação linguística atual, sobretudo na área de sintaxe e semântica

lexical.

Pesetsky (1995: 14) traz um debate interessante acerca dos verbos de comunicação do

Inglês. A discussão sobre quais seriam as propriedades gramaticalmente relevantes de uma classe

verbal tem presença marcante nos textos de semântica lexical. O autor faz uma reflexão, motivado,

sobretudo pelas construções de duplo objeto, sobre os verbos de comunicação do Inglês. Ele

distingue duas subclasses em particular: verbs of communicated message e verbs communication of

propositions. O autor cita Gropen (1989) como responsável por essa classificação. Pesetsky nos fala

em verbos de "instantaneous causation of ballistic motion" e "continuous causation of accompanied

motion." Segundo Pesetsky (1995: 14) os verbos de “communicated message” envolvem um ato

inicial do comunicador que resulta em uma mensagem que está sendo recebida por um destinatário,

contudo outros aspectos da transmissão da mensagem estão fora do controle do comunicador. É por

isso que esses verbos, de uma forma ou de outra, caracterizam apenas a mensagem e não a

proposição transmitida pelo comunicador. O autor compara com um movimento balístico em que

temos uma fonte e um alvo. O atirador pode calcular preparar e atirar um projétil, porém ele perde o

controle sobre o projétil a partir do momento em que ele é lançado. Assim, se eu relatar que João

disse que p, há inúmeras possibilidades, João pode ter mostrado p, ensinado p, todavia não pode ter

dito literalmente p, por se tratar de uma proposição. O que está sendo expresso é um conjunto de

proposições, que desencadeia em uma cadeia de raciocínio em que o ouvinte que captou a

mensagem p. Essa segunda classe de verbos faz parte dos verbos que estamos estudando. Os verbos

de "comunicação de proposições", por outro lado, envolve um ato comunicativo, que é

supervisionado (ou acompanhada) pelo comunicador, de modo que a proposição compreendida pelo

referente é justamente a proposição proferida pelo comunicador. Se eu relatar que João disse que p

(ou alegou que p, ela deve ter dito "p"ou alguma paráfrase disso) o conteúdo do que foi dito é

exatamente o de p. Assim, o falante seria responsável por cada passo na comunicação de p para um

ouvinte. Os verbos de maneira de falar são, portanto verbos de comunicação de proposições, ao

invés de verbos de comunicação da mensagem. Dessa maneira, Se Maria sussurra uma resposta ao

João, o conteúdo de seus “sussurros” deve ser o conteúdo da resposta, e não alguma outra

proposição de que João pode-se inferir a resposta. O Sussurro assemelha-se ao dizer, e não ao

ensinar ou mostrar. Na verdade, ao contrário de dizer, esses verbos, sempre que aparecem com

intenção comunicativa, são incompatíveis com qualquer tipo de mensagem não literal.

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No que se refere aos verbos estudados nesse trabalho, Pesetsky (1995: 143) afirma que a

distinção entre os verbos de Intensidade do Som (verbs of loud speech) (por exemplo, berrar,

gritar) e verbos de fala suave (por exemplo, murmurar, sussurrar) não é relevantes para a sintaxe.

Essas observações não devem ser tomadas como uma negativa à importância destes elementos, eles

apenas não figuram em generalizações de ordem linguísticas. Em contrapartida, como Pesetsky

(1995: 143) aponta, a distinção entre os verbos da maneira de falar (verbs of manner of speaking),

como gritar, sussurrar, e os verbos de conteúdo de falar (verbs of content of speaking), como dizer,

propor, seriam gramaticalmente relevantes. Pesetsky apoia este ponto, fazendo referência às

propriedades gramaticais particulares dessas classes de verbos. Uma delas e que os verbos de

maneira de falar do inglês quando usados comunicativamente não permitem exclusão do seu

complemento e consequentemente de seu adjunto e possuem um sujeito agente.

Diferentemente dos demais autores citados na bibliografia, Pesetsky afirma tais verbos

desautorizam construções de duplo objeto. Ele apresenta dois argumentos: um empírico e um

teórico. O argumento empírico é o de que quando tomam dois objetos, esses verbos são claramente

verbos de comunicação de proposições, em vez de verbos de comunicação de mensagem. Dessa

maneira se Maria grita uma resposta a João, o conteúdo do seu grito deve ser o conteúdo da

resposta. Não há outra proposição que pode ser inferida por João a partir dessa resposta. Observe os

exemplos dados pelo autor:

(6) a. Sue told Bill, in effect, that she was hungry.

b. #Sue said to Bill, in effect, that she was hungry.

c. # Sue shouted to Bill, in effect, that she was hungry.

O argumento teórico é o de que pode haver uma razão morfológica para tal impossibilidade. A ideia

é de que há um complementizador foneticamente nulo governando tais verbos.

Trata-se de um texto interessante, mas que pouco contribuiu para o tipo de análise que

estamos fazendo neste trabalho. O texto motivou a existência de uma classe particular de verbos

denominada verbos de maneira de falar, contudo pouco acrescentou a nossa investigação.

2.4 Levin e Rappaport (2005)

A relação entre os verbos e seus argumentos é um tema amplamente debatido em linguística.

Neste livro as autoras fornecem uma visão geral desta importante área de investigação, explorando

as teorias de como a semântica de um verbo pode determinar a realização morfossintática dos seus

argumentos.

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As autoras apresentam uma pequena revisão de bibliografia, fazendo apontamentos acerca

dos verbos de maneira de falar. Autores mencionados nessa pesquisa são revisitados e discutidos

alguns pontos em particular.

Em um primeiro momento a autora discute as diferenças entre duas classes de verbos de

comunicação: (1) Verbos de maneira de falar; (2) Verbos de Conteúdo da Fala. Neste momento há

uma também uma discussão acerca do que constitui uma propriedade gramaticalmente relevante.

Argumentam que embora a noção de cor seja cognitivamente importante tal noção não é capaz de

fazer generalizações sobre a realização morfossintática dos seus argumentos. Da mesma forma,

Pesetsky (1995: 14) escreve que a distinção entre os verbos de Intensidade do Som (verbs of loud

speech) (por exemplo, berrar, gritar) e verbos de fala suave (por exemplo, murmurar, sussurrar) não

é relevantes para a sintaxe. As autoras continuam citando Pesetsky (1995) apresentam o seu

argumento sobre a distinção entre os verbos da maneira de falar e os verbos de conteúdo de fala.

Um ponto interessante do livro é quando as autoras abordam os verbos de emissão do inglês.

O Inglês tem uma grande classe de verbos de emissão, que pode ser subdividido de acordo com a

natureza do elemento emitido: luz, som, cheiro, ou substância (B. Levin 1993). Verbos de emissão

de som possuem uma variedade de formas de realização argumental, algumas das quais

aparentemente estão restritas a determinados subconjuntos de verbos. Todos recebem um

argumento que denota o emissor de som, contudo há alguns verbos, por exemplo, chocalhar, gemer,

que podem usar de uma causalidade com o emissor. Esses são os casos em que há uma entidade ou

força natural responsável pela emissão sonora.

A classe dos verbos de emissão de som engloba um número muito grande de verbos.

Inclusive os que estamos estudando. Mesmo assim o que interessa nessa classe e o que é relevante

gramaticalmente é o modo como se dá essa produção de som e não seu volume, ressonância, etc.

Levin e Rappaport (2005) afirmam que alguns sons são produzidos internamente pelo emissor do

som (balbuciar, murmurar, sussurrar, gritar, balbuciar), enquanto outros são produzidos

externamente a ele (por exemplo, chocalhar). Outros podem ainda ser produzidos de outra maneira,

dependendo do emissor (por exemplo, zumbir, chiar, assobiar, guinchar), por exemplo, um guincho

pode ser produzido internamente através do som de um trator, como quando um bebê grita, ou

externamente, devido ao atrito entre duas superfícies. Os verbos de som com usos causadores estão

associados com sons produzidos externamente. B. Levin, Song e Atkins, (1997); Song (1996)

argumentam ainda que, no entanto, não é o modo de produção de som que determina o

comportamento de um verbo, mas sim, se o verbo lexicalizam um evento interno causado ou um

evento externamente causado. Esses autores mostram que o modo de produção de som se

correlaciona com a distinção entre os eventos causados externamente e internamente. Verbos

usados para descrever ruídos que podem ser produzidos internamente ou externamente, de acordo

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com a escolha do emissor e estão abertos a qualquer uma classificação, dependendo do modo

produção desse som.

Embora ambos os tipos de verbos pudessem expressar o destinatário chefiado por preposição

do tipo para e com e possa ter um discurso indireto como complemento, como em (7), os verbos da

maneira de falar permitem ao destinatário a ser expresso através de um PP e ter seu conteúdo ser

expresso em um PP chefiado por uma preposição do tipo sobre. Por outro lado, os verbos de

conteúdo de falar não aceitam essa possibilidade, como mostrado em (8) e (9).

(7) a. Evelyn screamed (to Marilyn) to go.

b. Evelyn said (to Marilyn) to go.

(8) a. Evelyn screamed at Marilyn.

b. ∗Evelyn said at Marilyn.

(9) a. Claudia screamed about the new management.

b. ∗Claudia said about the new management.

Mufwene (1978) demonstra que muitas propriedades distintas dos verbos da maneira de

falar estabelecidas no Zwicky (1971) não são exclusivas para esses verbos, mas também se

manifestam por verbos de outros tipos de semântica. Por exemplo, Mufwene (1978: 282) observa

que, verbos como chat, complain, speak, and talk como verbos de maneira de falar permitem frases

como em (10):

(10) Claudia queixou / falou / cochichou sobre a gestão de novo.

Assim, esses verbos devem ter alguma propriedade semântica em comum com os verbos da

maneira de falar, o que dá origem ao seu comportamento parcialmente compartilhado. As

diferenças nas opções de realização argumental entre as duas classes ( verbos de modo de falar e de

verbos de conteúdo) surgem a partir de elementos de sentido que não estão associadas

exclusivamente com os membros destas duas classes individuais, mas eles são compartilhados com

outras classes. (É claro que mais estudos são necessários para identificar o conjunto de propriedades

semânticas que é a origem da constelação de propriedades comportamentais que primeiro levou

Zwicky para identificar uma classe de verbos de maneiras de Falar).

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3. Referencial Teórico

Neste trabalho utilizaremos a decomposição dos itens lexicais em predicados primitivos

como forma de representar, definir e explicitar as propriedades semântico-sintáticas relevantes da

classe dos Verbos de Modo de Falar. Na literatura há diversas abordagens nessa perspectiva. Para

este trabalho vamos adotar a proposta de representação lexical de Cançado e Godoy (2010).

Em seu artigo, Cançado e Godoy propõem dois níveis representacionais para os verbos do

PB: Um nível semântico-lexical e um nível sintático-lexical. O nível semântico-lexical tem a função

de organizar e caracterizar semanticamente as classes verbais e é dado em termos de

metapredicados semânticos. Por sua vez, o nível sintático-lexical é o nível que faz a

correspondência entre tais propriedades semânticas e sua realização na sintática sentencial. Esse

nível é dado em estruturas arbóreas propostas por Hale e Keyser (2002). O argumento central do

artigo é que ao vincular os dois níveis de representação lexical é possível tornar explícita a

correspondência entre os argumentos semânticos presentes nos metapredicados e as posições

sintáticas. Dessa forma a sintaxe lexical proposta por Hale e Keyser (2002) teria a função de

hierarquizar os argumentos semânticos, fazendo a interface da semântica lexical com a sintaxe

sentencial. Vale realçar que para os autores a sintaxe lexical é a própria estrutura argumental,

diferentemente do que é assumido por Cançado e Godoy (2010). Para compreendermos melhor

como as autoras associam hipóteses aparentemente dicotômicas, perspectivas Lexicalista e não

lexicalista, é necessário explicitar o que estamos chamando de raiz. A raiz é um elemento que

representa o sentido idiossincrático do verbo e pode ser classificada quanto a uma ontologia das

raízes. Nas estruturas sintático-lexicais, a raiz é um elemento pertencente a uma categoria

gramatical e compõe, através de operações de merge, a estrutura argumental do verbo. Cançado e

Godoy (2010) propõem que as raízes das estruturas semânticas serão projetadas nas estruturas

sintáticas de acordo com a categoria ontológica a que pertencem. Dessa forma, é papel das raízes

relacionar os dois níveis de representação lexical. Por ora, tudo pode parecer bastante abstrato,

contudo à medida que formos avançando a análise ficará mais palpável.

A decomposição de itens lexicais em predicados primitivos é uma ferramenta de análise que

nos permite explicitar propriedades semânticas de uma classe qualquer de verbos e isolar aquelas

propriedades relevantes para as alternâncias argumentais das quais participam os verbos. Inspirado

em modelos formais sua estruturação possui regras de boa formação (sintaxe) e funções

interpretativas (semântica) bem próprias. Portanto, é necessário mostrar como funciona esta

ferramenta. Os predicados primitivos são axiomas do sistema definidos a partir de aspectos

recorrentes dos sentidos dos Verbos. Essas unidades de sentido possuem possibilidades de

combinação bem delimitada e pode gerar inferências semânticas quando combinadas entre si. As

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representações são geralmente compostas por predicados primitivos (em caixa alta), argumentos

(indicados pelas variáveis X, Y, Z, etc.) e um elemento idiossincrático do verbo, a raiz, que o

diferencia dos outros verbos da mesma classe. Para ilustrar como ficaria tais representações

vejamos as estruturas semântico-lexicais propostas por Cançado e Godoy (2010) para os verbos

causativo/agentivos, como quebrar, abrir e clarear:

(11) v: [[X (ACT) ] CAUSE [Y BECOME <STATE> ]]

Na estrutura acima, X é espécie de força exterior, que pode ser um agente, um instrumento

ou ainda um evento qualquer. Os parênteses marcam o caráter opcional do predicado ACT

associado ao argumento X. O Y é a entidade afetada e STATE é a raiz. A raiz se caracteriza por

representar o sentido idiossincrático do verbo.

Cançado e Godoy (2010) não propõem uma representação em termos de decomposição em

predicados primitivos para os Verbos de Maneira de Falar. Portanto, um dos objetivos desse

trabalho é fornecer uma representação semântico-lexical e sintático-lexical para a classe de verbos

de maneira de Falar do PB. Dessa forma, assumiremos as propostas de Cançado e Godoy (2010)

para os verbos do PB e estenderemos a análise à classe de verbos de Maneira de Falar do PB.

Trata-se de uma de uma classe de verbos composto por um núcleo mais um componente

adverbial que descreve o tipo e a qualidade do som produzido pelo falante ao emitir seu discurso.

Quando usados comunicativamente descrevem um ato de fala somado ao tipo de som descrito,

entretanto o tipo de som aparece em primeiro plano, enquanto o ato de fala realizado depende da

situação e do seu contexto sintático. Para representar o sentido recorrente dessa classe de verbos,

postulamos a existência de um metapredicado EXPRESS. O metapredicado EXPRESS descreve

que existe um evento ou um subevento de atividade, contudo não um evento qualquer, mas uma

ação de expressão. Note que o predicado não especifica o tipo ou forma de se expressar. Há

evidentemente muitas formas de se fazer isso, seja com um olhar, com a fala, com uma ação

qualquer, etc. O predicado primitivo EXPRESS, portanto, é coerente com sentido idiossincrático

dos verbos de comunicação. Para os Verbos de maneira de falar sugerimos a seguinte

representação:

(12)

Na estrutura acima, X é um argumento do verbo, que é preenchido por um agente. A raiz

manner tem o papel de modificador do predicado EXPRESS, ou seja, a raiz manner especifica a

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forma ou modo dessa expressão, ou seja, a parte idiossincrática de cada verbo. Esse componente

adverbial é precisamente o traço diferenciador e aparece como subscrito ao predicado que modifica.

Na literatura Fillmore (1971) utiliza-se do metapredicado SAY para descrever os Verbos de

Julgamento. Por se tratar de um metapredicado já consagrado na literatura a ideia inicial era utilizá-

lo para representar o sentido idiossincrático dos verbos de comunicação. Contudo, podemos afirmar

que o predicado SAY não é suficientemente descritivo para todas as classes de verbos de

comunicação. Uma vez que é possível se expressar sem necessariamente falar. Observe os

exemplos:

(13) O técnico criticou seu atleta com um olhar.

(14) Durante a exposição, os ouvintes o censuravam balançando a cabeça.

Por outro lado, em relação aos verbos de maneira de falar, tendemos a aceitar o

metapredicado SAY como integrante da representação semântica destes verbos. Segundo Fillmore

(1971) o predicado primitivo SAY elucida a existência de determinados papéis: quem expressa

“Fonte Locucionária”, o quê expressa, sobre o quê aquilo é expresso. Inclusive é mais intuitivo

imaginarmos a construção com o predicado SAY. Assim, se nos utilizássemos do predicado

primitivo SAY teríamos a seguinte estrutura com a seguinte paráfrase:

(15) Dizer aos Gritos = Gritar

(16) - Dizer aos Murmúrios = Murmurar

Todavia, ao assumir esse tipo de representação perderíamos o poder descritivo

acrescentando um predicado adicional para representar apenas uma classe de verbos. Dessa

maneira preferimos adicionar o metapredicado EXPRESS em nossas representações lexicais. A

escolha do metapredicado EXPRESS deve-se a especificidade conferida aos verbos dessa classe.

Trata-se de uma ação intencional, internamente causada ou motivada por uma força própria.

Segundo Rappaport e Levin (1998), as raízes são inseridas na estrutura de decomposição em

predicados primitivos de duas formas diferentes, ou como argumento de um predicado ou como

modificador de um predicado. A raiz que tem o papel de modificador de um predicado é a mais

apropriada para descrever o sentido idiossincrático dos verbos de maneira de falar. Dessa maneira, a

raiz ‘manner’ funciona como modificador do predicado. As autoras propõem a estrutura em (17)

como forma de representar tais verbos:

13

Em (17) temos o X como um agente ou uma força agentiva, ACT é um predicado de atividade, que

descreve que há um subevento motivado ou controlado por X e a raiz MANNER especifica a forma

ou modo desse evento de atividade. Assim teríamos as representações (9) e (10) para os verbos de

maneira de falar do PB:

Parafraseando as estruturas acima, teríamos que há um evento motivado ou controlado por X que é

o de sussurrar em (9) e de cochichar em (10). Note que é uma descrição bastante genérica do evento

é adequada a qualquer verbo de atividade. Descreve que uma ação foi desenvolvida de determinada

maneira, sem especificar as características particulares dessa ação. Nossa argumentação é a de que

apesar do argumento do predicado ACT ser um ser que age intencionalmente, não podemos adotar a

estrutura acima uma vez que ela não diferencia os verbos diferentes tipos de verbos de maneira. A

raiz MANNER especifica maneira e não maneira de expressão ou de movimento. Dessa forma

teríamos apenas uma estrutura para representar todos os verbos agentivos e perderíamos o poder

descritivo do metapredicado EXPRESS.

4. A nossa análise para os verbos de maneira de falar do PB

De acordo com Levin e Rappaport (2005), os Verbos de Maneira de Fala descrevem

características físicas da voz e geralmente são usados com intenção comunicativa. Portanto, os

verbos dessa subclasse especificam o modo pelo qual o falante se expressa. Esses verbos podem dar

informação acerca das atitudes vocais, do tom, da velocidade, ritmo, entonação, altura da voz, etc.

Em nossa pesquisa conseguimos encontrar 19 verbos com tais características. Como já descrevemos

anteriormente, esses dados foram escolhidos a partir de um conjunto maior de verbos coletados

através do dicionário Borba (1990). Excluímos do nosso corpus alguns verbos por já estarem em

desuso, por exemplo, parlengar e ribombar.

A fim de encontrarmos propriedades sintáticas e semânticas que os caracterizassem como

uma classe homogênea, aplicamos alguns teste motivados pelas seguintes perguntas: Quais são as

propriedades semânticas desses verbos que podem predizer suas propriedades sintáticas (ou vice-

versa)? Tais verbos podem introduzir discurso direto ou indireto? Tais verbos são intransitivos,

transitivos ou bitransitivos? Com que tipos de complementos (preposicionados ou não) e adjuntos

podem aparecer? Buscaremos enumerar os princípios gerais que definem a classe dos verbos de

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maneira de falar. Para isso vamos observar e propriedades semântico-sintáticas relevantes e

descrevê-las. A classe em questão é exemplificada pelos seguintes verbos:

(20) balbuciar, berrar, bradar, cantar (produzir sons harmoniosos ou cadenciados – dizer

reproduzindo ou ordenando), cantarolar (produzir sons com determinadas características),

cochichar, declamar, esbravejar, falar ganir, gaguejar, gemer, gritar, grunhir, murmurar,

sussurrar, suspirar, vociferar, resmungar, rugir.

Com esses verbos é possível descrever uma diversidade de eventos, todos de alguma forma

relacionados. Podemos falar do ato de produzir um som, com ou sem intenção comunicativa,

podemos nos dirigir para alguém e lhe fazer um pedido, podemos falar para uma determinada

pessoa sobre um fato qualquer e assim sucessivamente. Vejamos empiricamente como isso

funciona.

Primeiramente, além de descreverem ações de expressão, esses verbos podem ter seu objeto

apagado:

(21) a. Bertrand Russel sussurrou o paradoxo do Barbeiro pra Whitehead.

b. Bertrand Russell sussurrou.

(22) a. A menina cochichou algumas coisas para a mãe.

b. A menina cochichou.

Observe que o objeto do verbo está apagado nas sentenças em (22)b. Entretanto, o apagamento do

objeto motiva algumas mudanças importantes. Note que quando tais verbos ocorrem sem nenhum

objeto (direto ou indireto), o sentido do verbo não é necessariamente interpretado como uma

referência a um ato de comunicação através da fala, ele apenas vai descrever as características

físicas de um som. Assim, a sentença na forma intransitiva:

(23) a. A garota sussurrou/ murmurou/ balbuciou/ falou/ cantou/ berrou, etc.

Não implica que “a garota” tenha realizado algo com intenções comunicativas ou informativas, mas

apenas que fez um barulho ou um som de algum tipo.

Outro caso igualmente interessante, é que quando temos o verbo preenchido com duplo

objeto podemos apagar os dois objetos como (24)b ou apagar o alvo locucionário da expressão

como em (24)c, porém não é possível apagarmos o conteúdo expresso e mantermos o alvo da

expressão, como em (24)d, observe:

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(24) a. João sussurrou algo para Maria.

b. João Sussurrou.

c. João sussurrou algo.

d. * João sussurrou para Maria

A explicação por não ser possível apagarmos o conteúdo informativo e mantermos o alvo da

expressão em (24)b é que, ao delimitarmos um alvo para os verbos de maneira de falar eles passam,

imediatamente, a ter intenção comunicativa.

(25) Ele sussurrou/ cochichou/ murmurou/ berrou/ gritou para Menina... (Sempre Algo)

A observação acima pode servir de argumento base para a hipótese de que, lexicalmente, os

Verbos de Maneira de Falar possuem apenas uma posição argumental a ser preenchida. Apenas a

posição de argumento externo não pode ser apagada. E que quando inserimos uma adjunção

preposicionada o verbo assume um sentido comunicativo inerente.

Os verbos dessa subclasse podem ter diferentes tipos de objetos ou argumentos internos, seja

ele um objeto direto ou indireto. Observamos casos em que temos um referente nominal do ato de

expressar, outros um complemento sentencial (discurso indireto, ou a construção de infinitivo) ou,

ainda, uma citação direta. Em relação ao discurso direto, essa propriedade é compartilhada por

todos os VMF, ou seja, todos eles podem introduzir discurso direto:

(26) a. Maria sussurrou/ cochichou/ murmurou: Estou aqui.

A primeira impressão é que está seria uma informação trivial uma vez que a maioria dos

verbos aceita a introdução do discurso indireto. Porém, se contrastarmos com outro grupo

pertencente aos Verbos de Comunicação, nota-se que esta informação não pode ser trivial. Os

verbos que se referem a atividades interativas do discurso como conversar, debater, discutir, não

aceitam.

(27)a. #Ele discutiu/ conversou/ debateu: “te odeio”.

Uma possível explicação pode estar na própria estrutura argumental de tais verbos. Todos eles

exigem uma posição argumental, X conversou/ debateu/ discutiu com Y, que não está preenchida de

forma adequada. Em alguns casos tais construções podem ser interpretadas de forma não

comunicativa, como nos casos de citação direta:

16

(28)a. Na hora do gol, os torcedores gritaram/ gemeram/ sussurraram/ murmuraram “aff”.

Encontramos também construções bem formadas em que tais verbos aparecem introduzindo

o discurso indireto. Nesta pesquisa estamos considerando discurso indireto todos aquelas sentenças

introduzidas por que, se e para. Os verbos de maneira de falar aceitam o discurso indireto. Observe

os exemplos:

(29)a. O rapaz sussurrou/ falou/ disse/ murmurou/ balbuciou/ para a garota buscar ajuda.

b. Henrique sussurrou/ falou/ disse/ murmurou/ balbuciou/ que gosta de nadar.

Há evidentemente outros casos em que os verbos de maneira de falar tem um objeto indireto

encabeçado por tipos variados de PPs (sobre, para, com. em, que, pelo, por). No anexo discutimos

os cada caso em particular, todavia a natureza da preposição neste caso não nos parece ser uma

informação relevante para análise. De qualquer forma essa informação pode ser vista com detalhes

nos dados analisados em anexo. Pode ser interessante investigar se há um comprometimento com a

verdade do conteúdo expresso dependendo da preposição envolvida.

Em casos que temos um referente nominal do ato de expressar como objeto do verbo, a

intenção comunicativa é mantida e a sentença é gramatical:

(30) a. Em sua formatura, o formando provavelmente vai sussurrar/ falar/ dizer/ murmurar/

um juramento.

b. O Homem sussurrou/ falou/ disse/ murmurou/ balbuciou/ cochichou duas ou três palavras.

c. Pelo visto, aquele cidadão vai sussurrar/ falar/ dizer/ murmurar/ balbuciar/ algo

ininteligível.

A partir dos dados analisados, notamos que cada um desses verbos possui um homófono nominal

que se refere ao ato de falar em si, independente de seu conteúdo comunicativo.

(31) a. Eu ouço um sussurrou/ um murmurio/ um grito/ um berro/ um balbucio/ um

cantarolar.

b. O gritou/ O berro/ O sussurro/ me assustou/ me acordou.

Sabemos, porém, que a relação entre verbo e sua contraparte nominal nem sempre é

semanticamente regular, de forma que essas exceções não trazem maior repercussão para análise.

Muitas vezes esses homófonos nominais aparecem como objetos cognatos de seus respectivos

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verbos. Já era esperado que tais verbos se comportassem dessa maneira, uma vez que se trata de

verbos de atividade:

(32) a. A torcida gritou um grito de guerra.

b. Ele sussurrou um sussurro quase inaudível.

Os objetos cognatos são derivados de seus verbos, então deve ser possível interpretar esses verbos

de forma não comunicativa, e de fato é possível:

(33) a. O Homem gritou um grito terrível (para nós), mas não estava nos comunicando/

informando nada.

Essas expressões nominais podem ainda aparecer em expressões como dar um ____.

(34) a.Um homem deu um grito/ gemido/ berro/ sussurro.

Curiosamente, as sentenças são menos naturais quando contem verbos de maneira de falar que

descrevem verbos de fala suave (Sussurro, murmurar, resmungar).

(35) a. Um homem deu um sussurro/ murmúrio/ resmungo.

Destacamos um caso especial de realização do argumento interno para os verbos de maneira de

falar. Notamos que tais verbos podem aparecer com certos advérbios direcionais. Alguns dos quais

se assemelham aos objetos indiretos e são mutuamente excludentes, i. e., estão em distribuição

complementar. Parece-nos que estes verbos são sempre interpretados comunicativamente se há um

objeto indireto como alvo da expressão, não importa a natureza desse objeto, observem os exemplos

abaixo:

(36) a. Aquele cara / gritou/ falou sussurrou para nos.

Acarretamentos:

b. Aquele cara sussurrou/ gritou/ falou para nós, não queria comunicar/ informar/ transmitir

algo pra nós.

Note que (b) parece ser contraditório. Uma vez que se alguém sussurrou/ gritou/ falou pra nós

necessariamente tem uma intenção comunicativa muito evidente. Por outro lado, observe que as

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expressões adverbiais não funcionam da mesma forma que os demais objetos indiretos (alvo da

expressão), nestes casos o verbo pode ser interpretado não comunicativamente:

(37) a. Ela / gritou/ falou em nossa direção.

b. Ela gritou algo em nossa direção, mas ela não quis comunicar/ informar nada (para nós).

Em (b) não temos nenhuma contradição.

Passemos agora a investigar a natureza de seu argumento externo. Quando estes verbos são

usados no sentido no sentido de expressão tem sempre como sujeito um argumento agentivo e

descrevem sons produzidos por humanos. Uma forma de se verificar a agentividade do argumento é

verificar se tais verbos podem ocorrer na construção: O que X fez foi ______

(38) a. Carlos gritou/ sussurrou/ murmurou/ cochichou para Maria.

b. O que Carlos fez foi gritar/ sussurrar/ murmurar/ cochichar para Maria.

Em relação ao aspecto lexical, observamos que se trata de verbos que denotam apenas um

evento, i. e., são verbos de atividade. Assim podem aparecer na forma progressiva:

(39) a. Os torcedores estavam gritando/ berrando palavrões aos jogadores.

b. O tarado estava sussurrando/ murmurando/ cochichando/ obscenidades para a garota.

Para tornar a classificação aspectual dos verbos de maneira de falar mais evidente,

aplicamos uma série de testes propostos por Dowty (1979). O teste do advérbio quase que

diferencia accomplishments de atividades através dos acarretamentos gerados pelas sentenças

modificadas pelo advérbio quase. O teste com sintagmas do tipo por (durante) x tempo que separam

eventos durativos de eventos não durativos. Dessa forma, sentenças que denotam eventos durativos

podem ocorrer com o sintagma por X tempo e ficam agramaticais com o sintagma em X tempo. O

teste de acarretamentos gerados com a introdução da expressão parou de; e finalmente, a aplicação

do paradoxo do imperfectivo. Observe os exemplos:

(40) a. A senhora esbravejou/ sussurrou/ murmurou por alguns instantes.

b. O João parou de esbravejar/ sussurrar/ murmurar/ logo ele esbravejou/ sussurrou/

murmurou.

c. O João estava esbravejando/ sussurrando/ murmurando, logo ele esbravejou / sussurrou/

murmurou.

19

d. O rapaz quase esbravejou/ sussurrou/ murmurou, ele não esbravejou / sussurrou/

murmurou.

Mesmo em sentenças em que temos o alvo da expressão marcado por uma preposição, o aspecto do

verbo não é afetado:

(41) a. A senhora esbravejou/ sussurrou/ murmurou para a garota por alguns instantes.

b. O João parou de esbravejar/ sussurrar/ murmurar/ para a esposa, logo ele esbravejou/

sussurrou/ murmurou.

c. O João estava esbravejando/ sussurrando/ murmurando para os jogadores, logo ele

esbravejou / sussurrou/ murmurou.

d. O rapaz quase esbravejou/ sussurrou/ murmurou para a namorada, ele não esbravejou /

sussurrou/ murmurou.

Os testes aplicados aos verbos de maneira de falar mostram que tais verbos são de atividade, ou

seja, é um tipo de evento que desenvolve no tempo, sem ter um determinado ponto de conclusão.

Vale dizer que são agentivos e assim como os estados são homogêneas na medida em que quaisquer

de suas partes é da mesma natureza que o todo.

Em relação às alternâncias, observamos que tais verbos aceitam a construção passiva quando

são compreendidos não comunicativamente ou quando temos um objeto direto como argumento

interno, observe:

(42) a. Os torcedores gritaram/ berraram/ sussurraram/ murmuraram/ “Ladrão”.

b. “Ladrão” foi gritado/ berrado/ sussurrado/ murmurado (por eles) pelos torcedores.

a. O bêbado sussurrou/ murmurou/ gritou/ berrou palavrões a quem passava.

b. Palavrões foram sussurrados/ murmurados/ gritados/ berrados pelo bêbado a quem

passava.

(43)a. Ela sussurrou/ murmurou/ berrou/ palavrões.

b. Palavrões foram sussurrados/ murmurados/ berrados. (por...)

(44) a. Ela sussurrou/ cochichou/ murmurou/ seu ultimo desejo.

b. Seu ultimo desejo foi sussurrado.

Os verbos aceitam construções clivadas livremente:

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(45) a. O presidente cochichou/ sussurrou/ murmurou algo para o ministro.

b. Foi algo que o presidente cochichou/ sussurrou/ murmurou para o ministro.

Tais verbos também não aceitam a construção reflexiva, em que o agente age sobre ele mesmo,

marcado pela uma forma reflexiva com se. A explicação para isso é que a reflexiva tem que ter um

objeto animado, trata-se de uma restrição selecional e já era de se esperar que tais verbos se

comportassem dessa forma.

(46) a. Eduardo berrou/ gritou/ sussurrou/ murmurou.

b. # Eduardo se berrou/ gritou/ sussurrou/ murmurou.

Padrões sentenciais envolvendo Verbos de maneira de falar:

(47) a. Eduardo sussurrou. (Pode ser marcado por um tom enfático) - [[DP] VP]

b. ?? Eduardo sussurrou para Maria. – [[DP] VP [PP]]

c. Eduardo sussurrou ‘Papai’. - [[DP] VP [NP]]

d. Eduardo sussurrou algo/ um provérbio - [[DP] VP [NP]]

e. Eduardo Sussurrou algo para Maria. [[DP] VP [NP [PP]]]

Temos, portanto:

(48) a. Sujeito Verbo (Usado de forma não comunicativa)

b. Sujeito Verbo Objeto preposição (para) + destinatário (usado de forma comunicativa)

c. Sujeito Verbo (citação indireta)

d. Sujeito Verbo Objeto (NP)

e. Sujeito Verbo (Objeto) que para + COMP

5. Conclusões

O nosso objetivo nesta pesquisa foi descrever a classe de verbos de maneira de falar do PB,

explicar e caracterizar semanticamente tal classe e propor uma representação lexical. Os verbos

dessa subclasse no PB expressam uma maneira específica de expressão através da fala. Propomos

para os esse verbos subclasse a seguinte estrutura lexical . Concluímos que

os verbos de maneira de falar do PB são uma classe uniforme com relação propriedades sintáticas e

semânticas.

21

Fica para um trabalho futuro investigar os demais verbos de comunicação do PB. Tais

verbos também denotam uma expressão, contudo possuem várias propriedades sintáticas e

semânticas distintas dos verbos estudados neste trabalho.

6. Referências Bibliográficas

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Lusophone Linguistics. v. 3, n. 1, p. 77-111, 2010.

CANÇADO, M.; GODOY, L. Representação lexical de classes verbais do PB. A sair, ALFA 56:1

DOWTY, D. Word Meaning and Montague Grammar. Dordrecht: D. Reidel, 1979.

LEVIN, B. English verb classes and alternations. Chicago: The University of Chicago Press, 1993.

LEVIN, B.; M. RAPPAPORT HOVAV, M. Argument Realization. Cambridge: Cambridge

University Press, 2005.

RAPPAPORT, M.; LEVIN, B. Building Verb Meanings. In: BUTT, M.; GEUDER, W. The

projection of arguments: Lexical and Syntactic Constraints. Stanford: CSLI Publications, 1998. p.

97-134.