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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Faculdade de Veterinária Departamento de Patologia Clínica Veterinária Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínica (VET03121) http://www.ufrgs.br/favet/bioquimica Relatório de Caso Clínico IDENTIFICAÇÃO Caso: 2010/2/05 Procedência: HCV-UFRGS N o da ficha original: 59747 Espécie: Trachemys dorbignyi (tartaruga "tigre d'água") Sexo: fêmea Peso: 1,9 kg Alunos(as): Deisy Daiana Lerner, Marina Terra Braga e Pedro Henrique Muller Machado Ano/semestre: 2010/2 Residentes/Plantonistas: Médico(a) Veterinário(a) responsável: Michelli Ataíde ANAMNESE Animal adulto de vida livre, sem histórico clínico, encaminhado do CECLIMAR (Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos) para o HCV-UFRGS (Hospital de Clínicas Veterinárias – Universidade Federal do Rio Grande do Sul) no dia 05/03/2010, pois apresentava um “tumor na cabeça” (SIC). EXAME CLÍNICO 05/03/2010: Animal com abscesso cervical de aproximadamente 4 cm com superfície ulcerada contendo material caseoso (Fig. 1), apresentava também pododermatite (bumblefoot) na região palmar do membro anterior direito. Plastrão e carapaça não apresentavam alterações. As mucosas estavam normais. 11/08/2010: Recidiva do abscesso cervical ulcerado e novas lesões na região axilar dos membros torácicos (Fig 3, 4 e 5). Presença de pododermatite na região palmar do membro anterior direito (Fig. 2), que quando apalpada o animal apresentava sinais de algia. Plastrão e carapaça não apresentavam alterações. As mucosas estavam normais. EXAMES COMPLEMENTARES 05/03/2010: Raio-X de corpo inteiro: Foi solicitado para identificar possível época de postura. Não foram identificados ovos e outras alterações. 10/09/2010: Exame Bacteriológico: A partir de amostra de linfa foi isolado Acinetobacter sp. 19/11/2010: Exame parasitológico de fezes (EPF): A amostra foi submetida à técnica de Willis-Molay, que resultou em negativo para ovos de helmintos e oocistos de protozoários. URINÁLISE Método de coleta: micção natural Obs.: Exame físico cor consistência odor aspecto densidade específica ( ) Exame químico pH ( ) corpos cetônicos glicose pigmentos biliares proteína hemoglobina sangue nitritos n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. Sedimento urinário (n o médio de elementos por campo de 400 x) Células epiteliais: Tipo: Hemácias: Cilindros: Tipo: Leucócitos: Outros: Tipo: Bacteriúria: ausente n.d.: não determinado BIOQUÍMICA SANGÜÍNEA Tipo de am : soro ostra Anticoag te: ulan Hemólise da amostra: ausente Proteínas totais: 58,0 g/L (43-49) Glicose mg/ ) : dL ( ALP: U/L ( ) Albumina: /L ( ) g Coleste otal: mg/dL ( ) rol t ALT: 523 U/L (9-19) Globulinas: g/L ( ) Uréia: mg/dL ( ) CPK: U/L ( ) BT: mg/dL ( ) Creatin 28 mg/ (3,4-3,6) in dL a: 0. : ( ) BL: mg/dL ( ) Cálcio: g/dL ( ) m : ( ) BC: mg/dL ( ) Fósforo: mg/dL () : ( ) BT: bilirrubina total BL: bilirrubina livre (indireta) BC: bilirrubina conjugada (direta)

Relatório de Caso Clínico - espécies diversas - UFRGS · Animal adulto de vida livre, sem histórico clínico, encaminhado do CECLIMAR (Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Faculdade de Veterinária Departamento de Patologia Clínica Veterinária Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínica (VET03121) http://www.ufrgs.br/favet/bioquimica

Relatório de Caso Clínico

IDENTIFICAÇÃO Caso: 2010/2/05 Procedência: HCV-UFRGS No da ficha original: 59747 Espécie: Trachemys dorbignyi (tartaruga "tigre d'água") Sexo: fêmea Peso: 1,9 kg Alunos(as): Deisy Daiana Lerner, Marina Terra Braga e Pedro Henrique Muller Machado

Ano/semestre: 2010/2

Residentes/Plantonistas: Médico(a) Veterinário(a) responsável: Michelli Ataíde ANAMNESE Animal adulto de vida livre, sem histórico clínico, encaminhado do CECLIMAR (Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos) para o HCV-UFRGS (Hospital de Clínicas Veterinárias – Universidade Federal do Rio Grande do Sul) no dia 05/03/2010, pois apresentava um “tumor na cabeça” (SIC). EXAME CLÍNICO 05/03/2010: Animal com abscesso cervical de aproximadamente 4 cm com superfície ulcerada contendo material caseoso (Fig. 1), apresentava também pododermatite (bumblefoot) na região palmar do membro anterior direito. Plastrão e carapaça não apresentavam alterações. As mucosas estavam normais. 11/08/2010: Recidiva do abscesso cervical ulcerado e novas lesões na região axilar dos membros torácicos (Fig 3, 4 e 5). Presença de pododermatite na região palmar do membro anterior direito (Fig. 2), que quando apalpada o animal apresentava sinais de algia. Plastrão e carapaça não apresentavam alterações. As mucosas estavam normais. EXAMES COMPLEMENTARES 05/03/2010: Raio-X de corpo inteiro: Foi solicitado para identificar possível época de postura. Não foram identificados ovos e outras alterações. 10/09/2010: Exame Bacteriológico: A partir de amostra de linfa foi isolado Acinetobacter sp. 19/11/2010: Exame parasitológico de fezes (EPF): A amostra foi submetida à técnica de Willis-Molay, que resultou em negativo para ovos de helmintos e oocistos de protozoários. URINÁLISE Método de coleta: micção natural Obs.: Exame físico cor consistência odor aspecto densidade específica ( ) Exame químico pH ( ) corpos cetônicos glicose pigmentos biliares proteína hemoglobina sangue nitritos n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. n.d. Sedimento urinário (no médio de elementos por campo de 400 x) Células epiteliais: Tipo: Hemácias: Cilindros: Tipo: Leucócitos: Outros: Tipo: Bacteriúria: ausente

n.d.: não determinado

BIOQUÍMICA SANGÜÍNEA Tipo de am : soro ostra Anticoag te: ulan Hemólise da amostra: ausente Proteínas totais: 58,0 g/L (43-49) Glicose mg/ ) :       dL ( ALP: U/L ( ) Albumina:   /L ( )       g Coleste otal:         mg/dL ( ) rol t ALT: 523 U/L (9-19) Globulinas:         g/L ( ) Uréia:   mg/dL ( )       CPK: U/L ( ) BT:         mg/dL ( ) Creatin 28 mg/ (3,4-3,6) in dL a: 0. : ( ) BL: mg/dL ( ) Cálcio:         g/dL (    ) m     : ( ) BC: mg/dL ( ) Fósforo:         mg/dL (  ) : ( )

BT: bilirrubina total BL: bilirrubina livre (indireta) BC: bilirrubina conjugada (direta)

Caso clínico 2010/2/05 página 2 HEMOGRAMA Leucócitos Eritrócitos Quantidade: 10100/L (1200-25500) Quantidade: 0,74 milhões/L (0,27-0,83) Tipo Quantidade/L % Hematócrito: 28,0 % (21-47) Mielócitos ( ) ( ) Hemoglobina: 5,9 g/dL (8) Metamielócitos ( ) ( ) VCM (Vol. Corpuscular Médio): 378 fL (318,7-516,7) Bastonados ( ) ( ) CHCM (Conc. Hb Corp. Média): 21,1 % (29,6) Segmentados 5.858 (940-14000) 58 (36) Basófilos 1.717 (310-8000) 17 (27) Eosinófilos 606 (80-8400) 6 (11) Monócitos 505 (130-370) 5 (1,7)

Morfologia:

Linfócitos 1.414 (250-7880) 14 (24,1) Plaquetas Plasmócitos ( ) ( ) Quantidade: /L ( ) Morfologia: O item Neutrófilos Segmentados é

considerado como Heterófilos Observações:

TRATAMENTO E EVOLUÇÃO Durante a internação foi oferecido ao animal carne bovina, peixe e água fresca. O animal foi exposto à luz solar diariamente. Foi administrada Enrofloxacina (antimicrobiano) 3 mg/kg IM durante 10 dias 13/05/2010: Primeira intervenção cirúrgica, para exérese, debridamento e sutura do abscesso cervical e também debridamento da pododermatite do membro anterior direito. Tratamento pós-operatório: - Butorfanol (tranquilizante e analgésico): 0,04 mg/kg IM durante 4 dias; - Enrofloxacina (antimicrobiano): 3 mg/kg IM durante 10 dias; - Amicacina (antimicrobiano): 5 mg/kg IM e depois 2,5 mg/kg a cada 72 h com 5 aplicações, início das aplicações após os 10 dias de utilização de enrofloxacina. A ferida cirúrgica e a pododermatite foram higienizadas com solução fisiológica e aplicado pomada de calêndula (antiinflamatório e cicatrizante) diariamente. 03/06/2010: Animal apresentou sinais de melhora em relação à cicatrização e inflamação das lesões. Recebeu alta, ainda com pontos da sutura e voltou ao CECLIMAR, com a indicação de manter a higienização e aplicação de calêndula diariamente. 11/08/2010: Retorno ao HCV com recidiva do abscesso. Tratamento: - Foi feito debridamento mecânico e enzimático (aplicação de água oxigenada) e retirada de tecido morto do abscesso cervical, da pododermatite e das lesões axilares; - Aplicação de Amicacina: 5 mg/kg IM e depois 2,5 mg/kg a cada 72 h com 5 aplicações; - Higienização das feridas com solução fisiológica e aplicação de pomada de calêndula. - A partir de 11/09: Dipirona (analgésico) 0,1 mL 2 vezes ao dia e aplicação tópica de rifamicina (antibiótico) durante 10 dias. - A partir de 24/09: o animal foi submetido a tratamento de cicatrização a laser (Fig. 8) (estimula proliferação fibroblástica) 3 vezes por semana. - 1/10: substituição da aplicação de calêndula por pasta de eugenol (mistura de açúcar, óleo de eugenol e propilenoglicol), como anti-séptico e cicatrizante. 16/11/2010: Segunda intervenção cirúrgica para retirada do tecido morto e debridamento da pododermatite e abscessos cervical e axilares (Fig. 3, 4, 5 e 6). Sutura do abscesso cervical. Pós-operatório: 3 horas após intervenção cirúrgica o animal acordou da anestesia e apresentava reflexos protetores normais. 17/11/2010: animal veio a óbito, aproximadamente 14 horas após cirurgia.

Caso clínico 2010/2/05 página 3

HEMOGRAMA 05/03 24/09 13/10 Valores de Referência Eritrócitos (x106/µL) 0,74 0,37 0,52 0,32-2,21 Hemoglobina (g/dL) 5,9 3,7 6,5 8 Hematócrito (%) 28 16 23 21-47 VCM (fL) 378,3 432,43 442,31 318,7-516,7 CHCM (%) 21,07 23,12 28,26 29,6 Proteína plasmática total (g/L) 58 30 42 43-49 Leucócitos totais (/µL) 10.100 3.000 5.000 1.200-25.500 Relativo

(%) Absoluto

(/ µL) Relativo

(%) Absoluto

(/ µL) Relativo

(%) Absoluto

(/ µL) Relativo

(%) Absoluto

(/ µL) Heterófilos 58 5858 12 112 12 600 36,6 940-14.000 Eosinófilos 17 1717 43 1.290 17 850 11,1 80-8.400 Basófilos 6 606 23 690 30 1.500 27,7 310-8.000 Monócitos 5 505 7 210 1 50 1,7 130-370 Linfócitos 14 1414 15 450 40 2.000 24,1 250-7.880 * amostras com fibrina/agregação de trombócitos

EXAMES BIOQUÍMICOS 24/09 Valores de Referência ALT U/L 5,23 9-19 Creatinina mg/dL 0,28 3,4 - 3,6

NECRÓPSIA (e histopatologia) Patologista responsável: Luiz Gustavo Schneider de Oliveira Exame Macroscópico: sutura de pele na região cervical dorsal. Ulceração da pele ventralmente à inserção dos membros torácicos. Descontinuidade circular da epiderme e cavitação da derme plantar do membro torácico direito. Estômago sem conteúdo alimentar e com mucosa avermelhada. Fígado com áreas amareladas. Bexiga repleta contendo sedimentos (Fig. 9). Saco pericárdico com fibrina e aderência focal ao epicárdio. Exame Microscópico: Fígado: moderado infiltrado de heterófilos nos espaços porta. Rim: infiltrado multifocal de heterófilos. Coração: trombose. Estômago: erosão superficial da mucosa. Intestino: presença de larva de nematódeo na mucosa. Pulmão: congestão. DISCUSSÃO O paciente relatado neste caso é uma tartaruga da espécie Trachemys dorbignyi, de nome popular Tigre d’agua, de vida livre em pântanos, banhados, lagos, riachos e rios do Rio Grande do Sul (Brasil), Uruguai e Argentina. A espécie possui hábitos alimentares onívoros e vive aproximadamente 30 anos. Exame Bacteriológico O Acinetobacter sp., isolado a partir da amostra de linfa, é um cocobacilo gram-negativo, aeróbio estrito que vive na água e no solo úmido, podendo ser encontrado na microbiota natural da pele, conjuntiva, nariz, faringe e trato gastrointestinal em animais silvestres (TRABULSI e ALTERTHUM, 2008). Os bacilos gram-negativos representam o grupo de patógenos de maior relevância na medicina de répteis (MARCUS, 1981), causando os mais elevados coeficientes de morbidade e mortalidade, ao contrário de mamíferos onde predomimam doenças causadas por gram-positivas. O Acinetobacter sp. é normalmente comensal, ocasionando frequentemente infecção hospitalar, pneumonia, bacteremia, endocardite, infecções do trato urinário, infecções de pele e feridas, entre outras. A septicemia pode ocorrer em pacientes imunossuprimidos. Endotoxinas são componentes da parede celular de bactérias gram-negativas, portanto a administração de antimicrobianos pode agravar o quadro clínico do paciente ao causar lise de uma grande quantidade de bactérias e liberação destas substâncias. Além disso, a septicemia pode levar à formação de trombos, pois há uma redução da fibrinólise, o que poderia explicar a presença de trombos encontrados na histopatologia. Hematologia As amostras de sangue submetidas às avaliações hematológicas foram coletadas através da punção das veias jugular e coccígea e em frasco contendo heparina de lítio (anticoagulante). Na maior parte das espécies animais, o EDTA é anticoagulante de eleição para a hematologia, mas esta substância costuma causar hemólise em répteis, especialmente em quelônios, sendo necessário utilizar um anticoagulante alternativo, como a heparina de lítio. A heparina pode provocar a agregação de leucócitos e trombócitos, dificultando a contagem celular (CAMPBELL, 2006), mas se a amostra é coletada da maneira correta e processada imediatamente após a coleta, a formação de agregados é reduzida.

Caso clínico 2010/2/05 página 4

A falta de informações e referências em relação a essa espécie dificulta a interpretação de resultados, sendo necessária a utilização de valores de referência da espécie mais próxima, Trachemys scripta (CUBAS et al, 2007). De acordo com os dados hematológicos obtidos, percebe-se que o paciente apresentou variações nos valores do eritrograma, com uma possível anemia normocítica hipocrômica na segunda avaliação. Durante uma doença crônica (seja ela infecciosa, inflamatória ou neoplásica) ocorre liberação de mediadores inflamatórios que interferem na eritropoese, diminuindo a disponibilidade do ferro para as bactérias, diminuindo a absorção do ferro intestinal e aumentando a retenção de ferro pelos macrófagos, o que poderia explicar a anemia e a baixa concentração de hemoglobina total e CHCM nos primeiros exames (CARVALHO et al., 2006). Entretanto, intervalos de valores máximos e mínimos de hemoglobina e CHCM não foram estabelecidos, apenas uma média de valores estudados, portanto torna-se pouco seguro avaliar até que ponto os resultados seriam considerados normais ou alterados. Além disso, estudos demonstram que répteis possuem valores de referência e exigências diferentes dependendo da estação do ano e do local onde vivem, por exemplo, em estações frias répteis diminuem bastante seu metabolismo e os valores de referência tendem a ser menores, da mesma forma foi relatado que tartarugas criadas em cativeiro também tem seus valores de referência inferiores comparado às de vida livre. O exame histopatológico revelou a presença de heterófilos no fígado e no rim, sugerindo um comprometimento hepático e renal. A função dos heterófilos é análoga à dos neutrófilos nos mamíferos, incluindo fagocitose e atividade antimicrobiana. A infiltração destas células em órgãos e sua diminuição no sangue periférico sugerem uma resposta inflamatória severa à infecção (especialmente bacteriana), o que pode ser explicada pela demanda excessiva periférica superando a taxa de produção pela medula óssea (ROSSKOPF, 1999). Os monócitos geralmente são as maiores células do sangue periférico dos répteis, e eles se assemelham aos monócitos dos mamíferos, possuem a função de fagocitose e são importantes na resposta granulomatosa de infecções microbianas (ROSSKOPF, 1999), seu aumento pode estar relacionado à necrose tecidual da principal lesão e à inflamação crônica sofrida pelo paciente. BIOQUÍMICA A prostração e provável dor causada pela lesão poderiam diminuir o consumo de água pelo paciente, levando a um quadro de desidratação com conseqüente hiperproteinemia observada no primeiro exame o que pode ter mascarado possíveis valores mais baixos do eritrograma que indicariam uma anemia desde o início. Nos exames seguintes, o animal apresentou hipoproteinemia, que em répteis – por queda nos níveis de albumina, principalmente – está geralmente associada à má nutrição crônica, má absorção, enteropatias, e doenças renais e hepáticas crônicas (DIVERS, 2000; CAMPBELL, 2006). Também a presença de larvas de nematódeos no intestino, de acordo com o exame histopatológico, pode estar associada à má absorção de nutrientes. As funções do fígado dos répteis são semelhantes as dos mamíferos e aves: metabolismo de gorduras, proteínas e glicogênio, e produção de ácido úrico e fatores de coagulação (DIVERS, COOPER, 2000). Porém, diferente de algumas espécies de mamíferos, a determinação de ALT não pode ser considerada um teste específico para um órgão, uma vez que, embora ALT ocorra no fígado de répteis, não é uma enzima confiável para detecção de dano hepático, uma vez que o tecido hepático de alguns répteis apresenta pouca atividade desta enzima (CAMPBELL, 1996, CAMPBELL, 2006). Por outro lado, os rins de répteis apresentam alta atividade de ALT. No entanto, em doença renal não se verifica aumento importante na atividade plasmática dessas enzimas, pois a maior parte das enzimas liberadas das células renais lesadas é excretada na urina, e não é liberada no plasma (CAMPBELL, 2007). No presente estudo, mesmo a ALT não sendo um bom parâmetro de avaliação de função, os rins e o fígado podem estar com suas funções prejudicadas, devido à reação inflamatória e possível infecção bacteriana e consequentemente, menor síntese de ALT. A concentração de creatinina no plasma de répteis é considerada de pouca importância prática para o monitoramento da fisiologia hepática e renal, porque os répteis com doença renal frequentemente apresentam valores normais de creatinina. São muito raros os casos de baixa concentração de creatinina, que pode acontecer em casos de insuficiência hepática. O ácido úrico é o principal metabólito excretado na urina pelas tartarugas e é um dos indicadores que pode estar reduzido em caso de doença hepática (DIVERS, 2000). Níveis elevados de ácido úrico também podem indicar insuficiência renal e estão correlacionados com diversas condições, incluindo as septicemias (WALLACH & BOEVER, 1983). Embora os níveis de ácido úrico não aumentem significativamente até que haja um extenso dano renal (MILLER, 1998), parece ser o indicador mais confiável de doença renal nestes animais (DIVERS et al., 1996), porém, nesse caso, não foi avaliado.

Caso clínico 2010/2/05 página 5 CONCLUSÕES Com base nos resultados obtidos e na evolução clínica, esse caso é sugestivo de um processo inflamatório crônico que pode ter evoluído para um quadro de septicemia por Acinetobacter sp. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAMPBELL, T. W. Clinical pathology. In: MADER, D. R. (ed): Reptile Medicine and Surgery. Philadelphia,

PA: W. B. Saunders, cap. 22, p.248-257. 1996 CAMPBELL, T. W. Clinical pathology. In: MADER, D. R. (ed): Reptile Medicine and Surgery. St. Louis,

Missouri: Elsevier Inc. 2nd ed, cap 28, p.248-257. 2006 CAMPBELL, T. W. Bioquímica clínica de répteis. In: THRALL, M. A. (ed): Hematologia e bioquímica

clínica veterinária. Sao Paulo: Roca, cap. 33, p. 461-466. 2007 CARVALHO, M. C.; BARACAT, E. C. E.; SGARBIERI, V. C. Anemia ferropriva e anemia de doença

crônica: distúrbios do metabolismo de ferro. Segurança Alimentar e Nutricional, Campinas, v.13, n.2, p. 54-63. 2006

CUBAS, Z.S.; SILVA J.C.R.; CATÃO-DIAS J.L.; Tratado de Animais Selvagens. 1 ed. Roca, 2007 DIVERS, S. J.; REDMAYNE, G.; AVES, E. K. Haematological and biochemical values of 10 green

iguanas (Iguana iguana). Veterinaty Record, v. 138. p. 203-205. 1996 DIVERS, D. Reptilian renal and reproductive disease diagnosis. In: FUDGE, A. M. (Ed). Laboratory

Medicine: avian and exotic pets. Philadelphia, PA: W. B. Saunders, cap. 25, p. 217-222. 2000 DIVERS, S. J.; COOPER, J. E. Reptile hepatic lipidosis. Seminars in Avian and Exotic Pet Medicine.

v. 9, p. 153-164. 2000 MARCUS, L.C. Veterinary Biology and Medicine of Captive Amphibians ans Reptiles. Philadelphia:

Lea & Febiger, 1981. MILLER, H. A. Urinary deseases of reptiles: pathophysiology and diagnosis. Seminars in Avian

and Exotic Pet Medicine, v. 7, p. 93-103. 1998 ROSSKOPF. W.J.J., Disorders of Reptilian Leukocytes and Erythrocytes, In Fudge AM (ed): Laboratory

Medicine: Avian and Exotic Pets. Philadelfia, WB Saunders. Pp 198-203, 1999. TORTRORA. G.J.; FUNKE, B.R.; CASE, C.L. Microbiologia, 8 ed. Artmed, 2007. TRABULSI, L.R.; ALTERTHUM, F.. Microbiologia, 5 ed. Ateneu, 2008. WALLACH, J. D.; BOEVER, W. J. Reptiles and amphibians. In: Diseases of Exotic Animals: medical and

surgical management. Philadelphia, PA: W. B. Saunders, cap. 22, p. 979-1043. 1983 FIGURAS

Figura 1. Abscesso cervical. Aspecto do abscesso cervical com superfície ulcerada e material caseoso nos primeiros dias de tratamento. (© 2010 Vanessa Lanes Ribeiro)

Figura 2. Pododermatite no membro anterior direito. Lesão com cavitações no membro.

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Figura 3. Lesões axilares nos membros torácicos. Lesões axilares após debridamento e retirada de tecido morto. (© 2010 Luiz de Oliveira)

Figura 4. Lesão axilar no membro torácico direito. Lesão axilar após debridamento e retirada de tecido morto.

Figura 5. Lesão axilar no membro anterior esquerdo. Lesão axilar após debridamento e retirada de tecido morto.

Figura 6. Abscesso cervical. Aspecto da lesão durante procedimento cirurgico, após retirada de tecido morto.

Figura 7. Sutura do abscesso cervical. Aspecto do abscesso após segunda cirurgia realizada.

Figura 8. Tratamento a laser. O animal foi submetido a tratamento fisioterápico a laser.

Caso clínico 2010/2/05 página 7

Figura 9. Necropsia. Parte ventral do corpo da tartaruga sem carapaça, evidenciando ao centro a bexiga repleta e com alguns grumos (subtância amarelada).