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Relatorio de Estagio- Final

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Page 1: Relatorio de Estagio- Final
Page 2: Relatorio de Estagio- Final

Universidade Federal da Paraíba

Centro de Ciências Humanas Letras e Artes

Departamento de Psicologia

Relatório de estagio Supervisionado

Psicologia Clínica/ Psicanálise de Crianças

Laysa Renata R. Soares de R. e Silva

Matrícula: 10213769

Supervisora: Hélida Magalhães

CRP 13/1073

João Pessoa

Page 3: Relatorio de Estagio- Final

2008

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

Relatório de Estágio

Supervisionado

em Psicologia Clínica, realizado

na Clínica de Psicologia

da Universidade Federal da

Paraíba,

Campus I, elaborado pela

aluna

Laysa Renata R. Soares de R. e

Silva,

Matrícula 10213769, sob

supervisão

da professora Hélida

Magalhães,

CRP 13/1073

Page 4: Relatorio de Estagio- Final

João Pessoa

2008

Universidade Federal da Paraíba

Centro de Ciências Humanas Letras e Artes

Departamento de Psicologia

Coordenação do Curso de Graduação em Psicologia

REQUERIMENTO

À coordenação de Estagio Supervisionado do Curso de Psicologia da

Universidade Federal da Paraíba.

Laysa Renata R. Soares de R. e Silva, aluna regularmente

matriculada no curso de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba, sob

matrícula 10213769, vem solicitar a V. Sa. a aprovação de seu estágio em

Psicologia Clínica Infantil, realizado na Clínica de Psicologia desta instituição,

sob a supervisão da professora Hélida Magalhães, CRP 13/1073, perfazendo

um total de 554 horas.

Nestes termos pelo deferimento,

João Pessoa, 02 de Setembro de 2008

Laysa Renata R. Soares de R. e Silva

Matrícula 10213769

Page 5: Relatorio de Estagio- Final

Universidade Federal da Paraíba

Centro de Ciências Humanas Letras e Artes

Departamento de Psicologia

Coordenação do Curso de Graduação em Psicologia

DECLARAÇÃO

Declaro para os devidos fins, junto a Universidade Federal da

Paraíba, que Laysa Renata R. Soares de R. e Silva, matrícula 10213769,

realizou 554 horas de Estágio Supervisionado na área de Psicologia Clínica

Infantil, sob minha supervisão, entre os períodos 2007.2 e 2008.1, tendo como

local de realização Clínica de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba,

Campus I.

João Pessoa, 02 de setembro de 2008

Hélida Magalhães

CRP 13/1073

Page 6: Relatorio de Estagio- Final

Universidade Federal da Paraíba

Centro de Ciências Humanas Letras e Artes

Departamento de Psicologia

Coordenação do Curso de Graduação em Psicologia

PARECER

Laysa Renata R. Soares de R. e Silva, aluna regularmente

matriculada no curso de Formação de Psicólogo da Universidade Federal da

Paraíba, sob matrícula 10213769, realizou 554 horas de Estágio em

Psicologia Clínica Infantil, na Clínica de Psicologia dessa instituição.

Tendo cumprido os objetivos regimentais acadêmicos, somos do

PARECER FAVORÁVEL à sua obtenção do título de PSICÓLOGA.

João Pessoa, 02 de setembro de 2008

Hélida Magalhães

CRP 13/1073

Page 7: Relatorio de Estagio- Final

I. IDENTIFICAÇÃO DA INSTITUIÇÃO

Universidade Federal da Paraíba Campus I- João PessoaReitor: Rômulo Polari

Centro de Ciências Humanas Letras e Artes

Diretor:Lúcio Flávio Vasconcelos

Departamento de Psicologia

Chefe de Departamento: Verônica Luna

Curso de Graduação em Psicologia

Coordenadora: Silvana Carneiro Maciel

Clínica de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba

Coordenadora: Zaeth Aguiar do Nascimento

Vice-Coordenadora: Clênia Maria Tolêdo de Santana Gonçalves

Estagiária: Laysa Renata R. Soares de R. e Silva

Área de Estágio: Psicologia Clínica Infantil

Local: Clínica de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba

Page 8: Relatorio de Estagio- Final

CARACTERIZAÇÃO

A Clínica de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba está dividida em dois blocos, o bloco A e o bloco B.

Bloco A

Está localizado à esquerda, sendo composto pelas seguintes salas:

Sala 01- Sala de VídeoSala 02- SecretariaSala 03- Atendimento InfantilSala 04- Sala dos Estagiários Sala 05- Arquivo da ClínicaSala 06- Coordenação de PsicologiaSala 07- Sala de Psicoterapia de Grupo, Supervisão de Estagio e outrosSala 08- Pesquisa

Bloco B

Está localizado à direita, sendo composto pelas seguintes salas:

Sala 09- Atendimento ClínicoSala 10- Sala de Supervisão de Estágio Sala 11- Atendimento ClínicoSala 12- Psicodiagnótico Salas 12,14,15,16 e 17- Atendimento ClínicoSala 18- Sala de Psicoterapia de Grupo e Supervisão de Estágio Sala- Atendimento Infantil

Quadro FuncionalCoordenadores, Funcionários, Técnicos e Professores (Supervisores)

Horário de FuncionamentoDe Segunda à Sexta, das 08h às 12h e das 13h30min às 17h

Serviços PrestadosPsicoterapia Familiar e de casal, Psicoterapia individual (adulto/ adolescente e infantil), Psicoterapia de Grupo (Adulto/Infantil),

Page 9: Relatorio de Estagio- Final

Psicodiagnótico e Orientação Vocacional e Serviço de Escuta Psicológica (SEP). Clientela Comunidade de universitária (estudantes, professores e servidores) e comunidade em geral, de faixa etária variada e principalmente de baixa renda.

Taxa Cobrada2 a 10% do salário mínimo, conforme as condições de cad cliente.

Equipe de TrabalhoSupervisora: Hélida Magalhães Estagiários: Laysa Renata R. Soares de R. e Silva e Ilova Anaya Nasiasene Pombo.

Page 10: Relatorio de Estagio- Final

II. CRONOGRAMA DE ATIVIDADES

ATIVIDADES CARGA HORÁRIA

Atendimento Clínico 90hs

Supervisão dos Casos 100hs

Leitura Individual 200hs

Grupo de Estudo Supervisionado 84hs

Elaboração do Relatório

TOTAL

80hs

554hs

Page 11: Relatorio de Estagio- Final

Este trabalho não seria possível se não fosse

pela compreensão e atenção da minha

supervisora Hélida Magalhães. Agradeço por toda

paciência, por todo aprendizado e por toda

dedicação .

Page 12: Relatorio de Estagio- Final

Em especial, dedico este trabalho às pessoas importantes aos

quais estiveram comigo nos bons e maus momentos. Em particular,

agradeço aos meus avós, maternos & paternos; aos meus apis, Maria

José & Ailson Rosa; aos meus irmãos, Ailson Segundo e Arthur Rosa,

ao meu namorado Olavo; aos meus sogros e cunhados; a meus Tios

Maria & Sigurd Vindenes e as minhas amigas e amigos de todas as

horas. A todos vocês o meu muito obrigado, por dá a minha vida um

sentido a mais.

Page 13: Relatorio de Estagio- Final

Sumário

Introdução

I. Uma vida em observação, uma grande invenção: Freud e a

Psicanálise

II. A Psicanálise e seus seguidores

1. Melanie Klein

1.1 Klein e a Técnica do Brincar

2. Donald Winnicott

2.1 O Brincar para Winnicott

3. O Lugar dos Pais na Psicanálise de Criança

4. Fragmentos de um Caso Clínico

Considerações Finais

Page 14: Relatorio de Estagio- Final

Apresentação

“(...) há outra coisa que sei. Houve na psicanálise, desde o

começo, uma estreita união entre tratamento e pesquisa, o

conhecimento levava ao sucesso, e era impossível trratar sem

aprender alguma coisa nova, não se adquiria nenhum

esclarecimento sem experimentar sua ação benéfica. Nosso

procedimento analítico é o único em que essa preciosa

conjunção se conservou”. Sigmund Freud

O trabalho em questão abarca os conteúdos relativos a experiência de

estágio supervisionado em Psicologia Clínica, bem como acervo literário das

teorias que orientaram a prática clínica e a constituição do saber.

Durante um ano foi se construindo um trabalho em cima de leituras,

supervisões e atendimentos; assim como um ensaio clínico, os estagiários,

puderam aprender e experenciar o universo peculiar da clínica.

O pensamento que norteou todo esse trabalho se baseia na

abordagem psicanalítica, em especial a Psicanálise de Crianças, com

referencias de autores como Melanie Klein e Donald Winnicott.

A psicanálise de crianças se pauta em um exercício extremamente

delicado e encantador. O brincar dentro do setting terapêutico possibilita que

as crianças possam expressar suas angústias e conflitos internos. Um

trabalho em especial é feito com os pais, a fim de que estes possam

contribuir para a saúde mental de seus filhos.

Trata-se de uma experiência rica e única, para cada caso, cada

sessão, há uma nova experiência. E assim se vai constituindo uma rede de

saber pautados na experiência clínica atrelados ao saber teórico.

Este trabalho se apresenta como um relatório de uma experiência de

um ano em formação clínica em psicanálise. Nele estão inseridas as

abordagens teóricas que nortearam minha prática, bem como o relato de um

caso clínico, fruto do meu trabalho.

Page 15: Relatorio de Estagio- Final

I. Uma vida em observação, uma grande invenção: Freud e a Psicanálise

Meados do século XIX, em 6 de maio de 1856, nasce Sigismund

Schlomo Freud em Freiberg, na pequena vila de Morávia (atual República

Checa). O filho de pequenos comerciantes judeus veio à luz na posição de

primogênito do terceiro casamento do seu pai, que já tinha uma prole de dois

filhos (20 e 24 anos), frutos da sua primeira união matrimonial. A dinâmica da

família era um pouco incomum para uma criança: “O grande desvendador de

enigmas humanos nasceu entre charadas e confusões suficientes para despertar o

interesse de um psicanalista (GAY, 2002, p.22).”

Seu pai, Jacob Freud, pequeno mercador de Freiberg, enfrentava uma

crise econômica logo após o nascimento de Freud, forçando a família deixar

sua cidade natal, para em 1860, instalaram-se em Viena, cidade na qual

Freud recebeu toda educação e onde viveu por muitas décadas e lá

permanecendo por cinqüenta anos até sua partida para Inglaterra (GAY,

2002).

Em 1873 Freud ingressa na Universidade de Viena, como aluno do

curso de medicina. Em sua autobiografia (FREUD, 1925), revela que não

sentiu alguma predileção especial pela carreira de médico, assume que foi

antes de tudo levado por uma espécie de curiosidade dirigida mais para

preocupações humanas do que para objetivos naturais. Começa a rebelar aí o

seu grande interesse, quase que inato, para a subjetividade humana e seus

enigmas mais profundos. Vê-se desde já - a partir de sua curiosidade latente-

uma teoria que iria revolucionar e mesmo chocar a cultura ocidental vingente,

uma inovadora linha de pensamento que até hoje guia e cativa a atenção de

muitos estudiosos que se interessam pela psiqué humana e suas vicissitudes.

Os ensaios de Goethe sobre a natureza e as teorias evolucionistas de

Darwin o enveredaram para área médica. Entre os anos de 1876 a 1882,

Freud trabalhou no laboratório de fisiologia de Ernst Brücke, e revela em sua

autobiografia: Os vários ramos da medicina propriamente dita, afora a psiquiatria,

não exerciam qualquer atração sobre mim (FREUD,1925,P.17).

Page 16: Relatorio de Estagio- Final

No ano de 1882, Freud, já descontente com seus estudos em histologia

do sistema nervoso, abandonou o laboratório de Brücke e ingressou no

Hospital Geral como assistente clínico [Aspirant], sendo promovido logo

depois a médico estagiário ou interno [Sekundararzt] sob orientação de

Meynert (FREUD,1925).

Para Sigmund, a anatomia cerebral não era melhor que a fisiologia,

levando-o a se interessar pelo estudo das doenças nervosas, em função dos

poucos especialistas existentes em Viena, Freud foi auto-didata nesta área.

Naquela época nos estudos de neuropatologia brilhava o nome de Chacort, o

que levou Freud à partir para a capital francesa desenvolver estudos sob sua

supervisão. Nos anos posteriores, enquanto trabalhava como médico

estagiário, publicou uma gama de observações clinicas sobre doenças

orgânicas do sistema nervoso. Enquanto aluno de Charcot no Hospital

Salpêtriere é admitido no seu círculo ao se prontificar para traduzir em alemão

o novo volume de suas conferências (FREUD,1925).

A histeria começa a despertar seu interesse a partir da aproximação

com Chacort - Sigmund definitivamente se encantara com o professor e seu

trabalho - realmente lhes chamou a atenção as suas investigações pelo tema,

o que viria a se constituir mais tarde a base da teoria psicanalítica.

Antes de retornar a Viena e casar com Martha Bernays, em 1886,

firmando-se lá como médico especialista em doenças nervosas, Freud passou

algumas semanas em Berlim a fim de adquirir um pouco de conhecimentos

sobre distúrbios gerais da infância. Anos seguintes publicou várias

monografias sobre paralisias cerebrais unilaterais e bilaterais em crianças

(FREUD, 1925).

O interesse pela hipnose, implicou, naturalmente, o abandono ao

tratamento de doenças nervosas orgânicas. Freud achava altamente sedutor

trabalhar com o hipnotismo. Em 1889, passou algumas semanas em Nancy,

trabalhando com Bernheim a fim de aperfeiçoar sua técnica hipnótica.

Entusiasmado com a nova técnica de hipnose e pelos grandes nomes

que o inspirava (Chacort e Breuer) e influenciado pela visita que fez a

Bernheim em 1889, Freud passou a utilizar o método de Breuer com os seus

próprios pacientes. E após anos de achados sobre casos de histeria, propôs a

Breuer o lançamento de uma publicação conjunta sobre o tema. Então, em

Page 17: Relatorio de Estagio- Final

1893, foi lançado “Sobre Mecanismo Psíquico dos Fenômenos Histéricos” e

em 1895, seguiu-se o livro: “Estudos sobre a histeria” (FREUD, 1925).

Enquanto ainda trabalhava no laboratório de Brücke, antes mesmo de

se dirigir a Paris, Freud travara conhecimento com o Dr. Josef Breuer, que lhe

falara sobre um caso bastante peculiar de uma paciente histérica , que tratou

entre anos de 1880 e 1882. Tratava-se de Anna O., caso que Breuer assumiu

posteriormente ser a célula germinativa do conjunto da psicanálise (GAY, 2OO2,

p. 75). Após o retorno à Viena, Freud deu seguimento à sua clínica, ainda sob

a forte influencia das idéias de Breuer. Este entrosamento seria o início da

teoria psicanalítica, mas também o distanciamento e o rompimento dessa

união: Nossas relações logo se tornaram mais estreitas e ele se tornou meu amigo,

ajudando-me em minhas difíceis circunstâncias. Adquirimos o hábito de partilhar

todos os nossos interesses científicos. Nessa relação só eu naturalmente tive a

ganhar. O desenvolvimento da psicanálise, depois, veio a custar-me sua amizade.

Não me foi fácil pagar tal preço, mas não pude fugir a isso (FREUD, 1925- edição

eletrônica das obras psicológicas completas de Sigmund Freud*).

Para Freud, a teoria postulada no seu livro foi despretensiosa e quase

não foi além da descrição direta das observações. Não se preocupou em

determinar sobre a natureza da histeria, mas apenas em lançar luz sobre a

etiologia de seus sintomas. Dessa maneira, seus achados publicados sobre

histeria davam ênfase a significação da vida das emoções e o interesse em

estabelecer distinção entre os atos mentais conscientes e inconscientes.

Neles foram introduzidos um fator dinâmico, supondo que o sintoma surge

através do represamento de um afeto; e um fator econômico, considerando

aquele mesmo sintoma como resultado da transformação de uma quantidade

de energia que de outra maneira teria sido empregada de algum outro modo.

Mais tarde, como resultado do estudo da histeria, pôde-se averiguar a

importância que tem a sexualidade na etiologia das neuroses (FREUD, 1925),

Após décadas de trabalho em conjunto, Freud e Breuer romperam

devido às divergências teóricas. Tais diferenças ideológicas se debruçavam

nas questões correspondentes à etiologia da própria histeria.

Page 18: Relatorio de Estagio- Final

* As citações foram retiradas “Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud”.

Enquanto Breuer respondia ao processo mental patogênico utilizando uma

teoria fisiológica, Freud inclinava-se a acreditar em uma etiologia sexual

(FREUD, 1925).

Depois do rompimento com Josef Breuer, Freud segue sozinho com os

estudos sobre a histeria e as disfunções sexuais ligadas a esta neurose. A

psicanálise propriamente dita começa a brotar com o surgimento de uma nova

técnica adotada por ele, chamada associação livre. Freud percebera que a

hipnose não dava conta no tratamento da sintomatologia dos pacientes

(FREUD, 1925).

Com a psicanálise tomando forma, foram surgindo novos conceitos

cruciais para o procedimento da análise e o andamento do tratamento. A

psicanálise passa a adotar o conceito de inconsciente de uma maneira

original: A psicanálise considerava tudo de ordem mental como sendo, em primeiro

lugar, inconsciente; a qualidade ulterior de ‘consciência’ também pode estar presente

ou ainda pode estar ausente (FREUD, 1925- edição eletrônica das obras

psicológicas completas de Sigmund Freud). Agregados ao conceito de

inconsciente estavam o de recalcamento e de defesa , que constituíam

também uma nova descoberta de Freud nos estudos da histeria e

posteriormente das psiconeuroses. Esses constituem aspectos fundamentais

da psicanálise (FREUD 1925).

Freud defendia a importância da sexualidade nos casos de histeria,

mas como a explicava? Nas suas investigações das causas precipitantes e

subjacentes das neuroses, ele foi levado cada vez mais acreditar na

existência dos conflitos entre os impulsos sexuais do indivíduo e suas

resistências à tais impulsos. Na busca das situações patogênicas e das suas

origens Freud terminou chegando aos primeiros anos da infância. Ou seja, as

causas da neurose estariam ligadas às experiências e traumas sofridos

nesse período, mais tarde, Freud se encontra diante de uma teoria que iria

Page 19: Relatorio de Estagio- Final

chocar e indignar mais uma vez o meio científico da época: a teoria da

sexualidade infantil (FREUD,1925).

Antes mesmo de abordar a questão da sexualidade infantil, Freud,

baseado nas suas experiências clínicas e na fala de seus pacientes, propôs

um modelo que explicaria a etiologia da histeria: a teoria da sedução. Tal

teoria defendia que os pacientes histéricos poderiam ter sido abusados

sexualmente pelo pai, ou outra figura masculina durante a infância. Após

alguns tratamentos, Freud percebe ter cometido um terrível erro, e concluiu

que as experiências sexuais relatadas por seus pacientes histéricos eram

antes de tudo, as fantasias destes. Quando me havia refeito, fui capaz de tirar as

conclusões certas da minha descoberta: a saber, que os sintomas neuróticos não

estavam diretamente relacionados com fatos reais, mas com fantasias impregnadas

de desejos, e que, no tocante à neurose, a realidade psíquica era de maior

importância que a realidade material (FREUD,1925- edição eletrônica das obras

psicológicas completas de Sigmund Freud). Freud sem nem mesmo notar

havia tropeçado no complexo de Édipo. E anos depois, em 1897, postula a

sua teoria sobre este conceito, ao mesmo tempo em que empreende sua

auto-análise (FREUD, 1925).

No seu relato autobiográfico Freud retoma e reforça as questões

sobre as teorias da resistência, do recalque, do inconsciente, da significância

da vida sexual, assim como a importância da experiência infantil são

postulados constituintes da estrutura teórica da psicanálise. Fala também de

um aspecto essencial no tratamento qual seja a relação transferencial, que se

configura justamente numa intensa relação emocional entre o paciente e o

analista. A transferência desse modo constitui uma relação de caráter tanto

positivo quanto negativo imprescindível no processo analítico FREUD, 1925).

Formando o conjunto de conceitos e usando a técnica da associação

livre, Freud conseguiu alcançar algo que parecia não ser de importância

prática alguma, mas que de fato conduziu necessariamente a uma atitude

totalmente nova e uma nova escala de pensamento científico. Freud tornou

possível provar que os sonhos têm significado de origem inconsciente. Neste

momento achava pestes a preste a publicar a sua obra que ele mesmo

considerou ser a mais significativa de todas: A Interpretação dos Sonhos

(FREUD, 1925).

Page 20: Relatorio de Estagio- Final

Em 4 de novembro de 1899, foi publicada “A Interpretação dos

Sonhos”, que Freud considerava como sua mais ilustre obra-prima. Por algum

tempo não teve tanta repercussão sendo de pouco interesse geral. Na

evolução do pensamento psicanalítico de Freud, a Interpretação dos Sonhos ocupa o

centro estratégico, e ele sabia disso. É extremamente significativo que estivesse sido

escolhido o sonho com o exemplo mais instrutivo do trabalho mental: sonhar é uma

experiência normal e universal (GAY, 2002, p. 121). Sua preocupação em

abordar não somente sintomas restritos e especializados de cunho neurótico,

como histéricos e obsessivos, foi contemplada nessa obra, pois os sonhos

são experenciados por todos (GAY, 2002).

Freud, em sua obra se aprofunda sobre o conteúdo do inconsciente,

fortemente significativo e representativo que os sonhos rebelam. Afirmará que

ao mesmo tempo que corriqueiros, os sonhos também são misteriosos. Em A

Psicopatologia da Vida Cotidiana, de 1901, Freud reúne as notáveis anedotas

sobre todos os tipos de deslizes e lapsos que também constituem atos

corriqueiros de uma psicopatologia presente nas que Freud gostava de

denominar de pessoas saudáveis (GAY, 2002).

Por muitas décadas, Freud foi de fato alvo de muitas críticas e sua

teoria não havia, até então, alcançado uma repercussão positiva pelos

cientistas da época. Por se tratar de uma linha de pensamento ousada e

chocante para o contexto temporal e histórico em que se inseria, a psicanálise

foi durante muito tempo rejeitada. Em sua autobiografia, relata: Por mais de dez

anos após meu afastamento de Breuer, não tive seguidores. Fiquei completamente

isolado. Em Viena, fui evitado; no exterior, ninguém me deu atenção. Minha

Interpretação de Sonhos, vinda a lume em 1900, mal foi objeto de críticas nas

publicações técnicas (FREUD, 1925). Apesar de ter conquistado muitos adeptos,

até os dias de hoje a psicanálise ainda continua sendo alvo de contestações e

indignações. Por abordar questões mais temerosas e indesejáveis contidas

nos lugares mais obscuros de nossa mente, e por estar constantemente

quebrando tabus. É certo que a psicanálise, inevitavelmente, continuará

causando muitos impactos.

Em 1905 Freud publica ‘Três ensaios sobre a teoria da sexualidade’,

texto no qual defende a idéia de uma sexualidade infantil perversa e

polimorfa, causando, mais uma vez, um furor entre os médicos vienenses da

Page 21: Relatorio de Estagio- Final

época. As idéias vigentes proclamavam a ausência de sexualidade e pureza

nas crianças, estavam sendo contestadas.

No ano de 1909, Freud visitou a Universidade norte-americana Clark

University –em Worchester- para apresentar um ciclo de conferências sobre a

psicanálise. Lá recebe título honorário e inaugura o Jahrbuch für

psychoanaytische und psychopathologische Forschungen, com a história do

Pequeno Hans como contribuição inicial para o primeiro número (GAY, 2002).

Nesse mesmo ano (1909) Freud publicou o caso Hans “Análise de uma

Fobia num Menino de Cinco Anos”, e sua repercussão possibilitou mais tarde

a possibilidade de análise em crianças. A ‘neurose infantil’ do Pequeno Hans

corroborava com as idéias encontradas nos pacientes neuróticos adultos de

Freud “todas as vezes rastreado até os mesmos complexos infantis que se

revelariam por trás da fobia de Hans” (GAY, 2002, p. 242). O relatório do

Pequeno Hans servia como complemento ilustrando as conclusões que Freud

já havia esboçado em seus ‘Três Ensaios’ sobre a sexualidade infantil (GAY,

2002).

A análise do pequeno Hans ocorreu através de correspondências que

o pai de Hans escrevia para Freud. No caso pôde-se encontrar elementos

claros de uma neurose precoce, esta aparecia no momento em que o garoto

estava vivenciando seu Édipo. O Caso trazia algumas peculiaridades:

exacerbada curiosidade sobre a sexualidade e seu órgão genital. Hans

também apresentara fobias e sentimentos de ambivalência em relação ao seu

pai. O garoto passou a ter medo de cavalos e tinha uma idéia fixa de que “um

cavalo branco entraria no seu quarto e o morderia”. Essa fobia se desenvolve

durante a vivência edípica: Hans tinha medo que seu pai o punisse, pois

queria a sua mãe só para ele, ao mesmo tempo em que tinha medo de perder

o pai (sentimento de ambivalência).

A publicação do Caso Hans provocou um certo frênesi no meio

científico. Seus críticos previam um futuro dos mais negros ao pequeno Hans

“porque tinham lhe ‘roubado sua inocência’, numa idade tão tenra” (FREUD, 1909,

p. 133) por ter sido submetido a criança à psicanálise tão cedo. Ao contrario

das previsões feitas pela comunidade científica da época, Hans tornara-se um

forte rapaz de 19 anos. Declarou que estava perfeitamente bem e que não sofria de

Page 22: Relatorio de Estagio- Final

nenhum problema ou inibição (FREUD, 1909, p.133). Hans havia atravessado

sua puberdade sem nenhum dano (FREUD, 1909).

O caso Hans foi a fundação para que mais tarde pudesse pensar na

possibilidade de analisar crianças, levando conseqüentemente a grandes

descobertas da psicanálise com crianças.

As idéias Freudianas geraram grandes embates e a descoberta da

psicanálise foi , sem dúvida, uma das grandes contribuições das ciências

humanas para a compreensão das psicopatologias e do comportamento

humano.

Page 23: Relatorio de Estagio- Final

II. A Psicanálise e seus seguidores

1. Melanie Klein

“Essa mulher, que reconheceu inteiramente a contribuição de

Freud, inclusive a pulsão de morte, esteve na origem tanto do

fundamento analítico da prática dos tratamentos com crianças

quanto de uma grande corrente da psicanálise, em que a clinica

do narcisismo chegou a seu auge” .

M.-C.

Thomas

Há mais de um século, em 30 de marco de 1882, nasceu em Viena

Melanie Reizes, originária de família judia.

Aos 17 anos fica noiva do engenheiro Arthur Klein, com quem casou e

teve seus filhos: Melita –futura psicanalista- e Hans, que teve uma morte

precoce em um acidente de carro aos 26 anos de idade.

Entre os anos de 1907-1914, Melanie Klein passou por momentos

conturbados, se submetendo a inúmeros tratamentos em decorrência de

depressão, relacionada com a morte do seu filho mais velho Hans.

No ano de 1914 , Klein aos 32 anos de idade, teve seu terceiro filho

Erich, que passaria à posterioridade conhecido por Fritz, em seus primeiros

trabalhos psicanalíticos; pouco depois morre sua mãe, a senhora Reizes, a

quem era encarregada de cuidar da casa dos Klein. Neste mesmo ano

Melanie Klein conhece a psicanálise ao ler O Sonho e sua Interpretação

(Über den Traum, 1901), de Sigmund Freud.

Em 1916, ainda em Budapeste, começou sua análise com Sandor

Ferenczi*, personagem responsável pelo engajamento de Melanie Klein na

Psicanálise, posteriormente.

* Ferenczi foi o primeiro a me apresentar a psicanálise. Ele me fez também compreender a sua essência

e significados reais. Seu sentimento forte e direto pelo que é inconsciente e pelo simbolismo, e o

extraordinário rapport que tinha com a mente das crianças, exerceram uma influência duradoura sobre a

minha compreensão da psicologia da criança pequena. M. Klein

Page 24: Relatorio de Estagio- Final

Ferenczi percebeu sua habilidade e grande capacidade na compreensão de

crianças e a encorajou em seu projeto de se dedicar à psicanálise, mais

particularmente com crianças. Klein tornou-se, então, membro da Sociedade

Psicanalítica, onde publicou duas observações sobre o desenvolvimento de

um menino -seu filho Erich- (THOMAS, 1995).

Em decorrência dos conturbados contextos políticos da época Melanie

Klein mudou-se para Alemanha, convidada por Karl Abraham. Em Berlim

prosseguiu com seus estudos em psicanálise durante cinco anos. Em 1926,

depois da morte de Abraham recebe um convite por Ernest Jones para viver

em Londres – Inglaterra- onde permaneceu até o fim da sua vida (THOMAS,

1995).

A psicanálise de Melanie Klein passou por três grandes momentos

distintos: O primeiro momento se deu com a publicação de The Psycho-

Analisys of Children em 1932. Neste texto, estabeleceu os fundamentos da

análise de crianças e delineou o complexo de Édipo e o superego até as

raízes primitivas de seu desenvolvimento; no seu segundo momento

fundamentou questões sobre o conceito da posição depressiva e dos

mecanismos de defesa maníaca, publicado em seus artigos “A contribution to

the Psychogenisis of the Maniac Depressive States”, em 1934, e “Mourning

and its Relation to Maniac Depressive States” (1940); Em seu terceiro

momento Melanie Klein descreve sobre o estádio mais primitivo titulado por

ela de ‘posição esquizo-paranóide’, descrito em seu artigo “Notes on some

Schizoid Mechanisms” (1946) e em seu livro Envy and Gratitude, em 1957

(SEGAL, 1975).

Klein iniciou sua carreira trabalhando em análise com crianças,

introduziu uma prática original, ao introduzir a técnica do brincar, na qual seria

possível ter acesso aos conflitos e fantasias das crianças. Insistiu em explorar

o inconsciente infantil, tal qual numa análise de um adulto. Isto lhe permitiu

observar que as crianças desenvolvem uma neurose de transferência análoga

a dos adultos. A partir do material inconsciente da criança pôde desenvolver

posteriormente suas teorias que as norteou ao longo de sua carreira:

complexo de Édipo precoce, superego precoce, mecanismos de defesa

primitivos, organizados em torno de uma angústia principal e uma relação de

objetos internos e externos. Para Klein as fantasias inconscientes são os

Page 25: Relatorio de Estagio- Final

elementos básicos para a realidade psíquica (BLEICHMAR; BLEICHMAR,

1992).

Embora Melanie Klein tenha tomado a teoria Freudiana como ponto de

partida, sua experiência levou-a desenvolver hipóteses que possibilitaram a

inventar uma teoria original. O conflito mental deixa de ser uma luta entre a

pulsão sexual versus defesa e passa a ser entre sentimentos de amor e de

ódio que se enfrentam com vínculos com os objetos. A metapsicologia

Kleiniana elabora todo o principio da constituição do eu, do narcisismo

primário e, depois, secundário sob os termos fase esquizo-paranóide e

posição depressiva (BLEICHMAR; BLEICHMAR, 1992).

Ao postular suas primeiras hipóteses, Melanie Klein, a partir de suas

observações, re-elabora os conceitos clássicos do Édipo e do superego de

Freud: ao contrário do que se pensava anteriormente, que o complexo de

Édipo tinha início em torno de três ou quatro anos de idade, Melanie Klein

notou que mesmo em crianças de dois anos e meio havia manifestação de

fantasias e ansiedades edipianas. Além disso, Melanie Klein observou que o

superego apareceu muito mais cedo do que seria de esperar a partir da teoria

clássica, e pareceu possuir características bastante selvagens –orais, uretrais

e anais. Ela destacou também o papel importante que a agressão

desempenha para o desenvolvimento psíquico precoce e para a vida do

sujeito. As pulsões agressivas são de fundamental importância nos primeiros

anos da vida psicológica, principalmente no vínculo com a mãe (BLEICHMAR;

BLEICHMAR, 1992).

Melanie Klein muda o conceito de fases libidinais, ao afirmar que, nas

crianças pequenas, observa uma mescla de pulsões orais e genitais que se

sobrepõem a partir das primeiras relações de objetos. A fase libidinal deixa de

seguir um sistema de desenvolvimento cronológico e tempos depois passa a

ser chamada de ‘posições’, seguindo um conceito mais dinâmico e menos

cronológico. A partir de tal afirmação, que as pulsões orais estão misturadas

precocemente com as genitais, implica adiantar a triangulação edipiana a

estágios pré-genitais do desenvolvimento. E nesse seguimento de

pensamento surge a idéia de Édipo precoce, quando a sexualidade contém

agressão. Produzindo uma idéia de culpa, essas reações de angústia, dor e

culpa se relaciona coma idéia de superego precoce. Foi possível constatar

Page 26: Relatorio de Estagio- Final

isso em seus casos clínicos, como por exemplo em Rita, de dois anos e nove

meses, em seu pavor nocturnus, se sentia ameaçada por uma mãe e um pai

que morderiam seus órgãos genitais e destruiriam seus bebês. O medo dessas

imagos dos pais paralisava seu brincar e suas atividades. Do mesmo modo,

superegos severos foram exibidos por outros pacientes (SEGAL, 1975, p.14).

Em sua teoria das posições (1932-1946), Melanie Klein a descreve em

duas: a esquizo-paranóide e posição depressiva. Essa teoria explica o vínculo

da criança com a realidade externa e interna. A relação do bebê com o seio

da mãe – primeiro vínculo oral- está no cerne deste desenvolvimento. O

conceito de posição, que substitui a idéia do desenvolvimento libidinal de

Freud e Abraham, é baseado nas pulsões que estão misturadas e se ordenam

ao redor das relações de objetos, juntamente com suas fantasias e angústias.

Essa é uma teoria interpessoal, onde a relação com a realidade se estabelece

através da interação entre os objetos situados no mundo interno e externo a

partir dos mecanismos de identificação projetiva e a projeção. “Na posição

esquizo-paranóide, os objetos serão distorcidos e fantásticos, como resultado da

dissociação e da projeção neles de pulsões libidinais e tanáticas. Na posição

depressiva, os objetos, tanto internos como externos, estarão integrados e mais de

acordo com o principio de realidade” (BLEICHMAR;BLEICHMAR, p. 94, 1992).

Em 1957, Klein desenvolveu a Teoria da Inveja, situada em seu livro

Envy and Gratitude, nele descreve noções da inveja e gratidão. Conclui a

inveja primária como uma pulsão agressiva sentida pelo bebê em relação ao

seio da mãe. A criança sente o desejo de danificar os aspectos bons e

protetores que o seio materno oferece. A inveja e a gratidão são fatores

dinâmicos no âmbito das interações psíquicas, existentes desde o

nascimento. Esta relação de interação com meio externo (seio da mãe) , em

parte, determina as características das relações de objeto precoces

(BLEICHMAR;BLEICHMAR, 1992).

As teorias e hipóteses Kleiniana foram desenvolvidas por ela ao longo

de sua experiência clínica através das observações de seus pequenos

pacientes. A partir de seu método investigativo, trouxe para psicanálise teorias

inovadoras de um seguimento, até então, inexplorado na área. A psicanálise

infantil floresce a partir das suas contribuições e estudos. Melanie Klein traz

para a psicanálise uma grande ferramenta - que talvez sem ela, seria inviável

Page 27: Relatorio de Estagio- Final

a análise de criança- onde seus pequenos pacientes poderiam falar das suas

angústias e fantasias: a Técnica do Brincar.

1.1 Klein e a Técnica do Brincar

Minha pratica com as crianças, assim como os adultos, e

toda a minha contribuição para a teoria psicanalítica derivam

da técnica do brincar.

M. Klein

Na década de 1920, quando Melanie Klein começou a analisar

crianças, descobriu uma nova ferramenta para conduzir a análise de crianças:

A técnica do Brincar (play technique). “Inspirada nas observações de Freud

(1920) quanto ao brincar da criança com carretel, Melanie Klein viu que o brincar da

criança poderia representar simbolicamente suas ansiedades e fantasias” (SEGAL,

1975, p.13). Já que não se pode exigir que as crianças pequenas façam

associações livres, utilizou o brincar como ferramenta de expressão simbólica

dos pequenos. Através dessa técnica foi possível descobrir o rico mundo de

fantasia inconsciente e das relações de objeto da criança. Em ‘A Psicanálise

de Criança’ Melanie Klein relata: a natureza mais primitiva da mente da criança

torna necessário encontrar uma técnica analítica especialmente adaptada a ela, e

isso nos encontramos na análise do brincar. Por meio da análise do brincar,

ganhamos acesso as fixações e experiências mais profundamente reprimidas da

criança e tornamo-nos assim capazes de exercer uma influência radical sobre o seu

desenvolvimento (KLEIN, 1997, p.35).

A técnica psicanalítica do jogo infantil foi o ponto de partida para as

teorias postulada por Klein. A partir do jogo, as dramatizações, expressões

verbais e sonhos entram como material significativo, podendo-se explorar

sistematicamente as fantasias e angústias conscientes e inconscientes

existentes nas crianças. O jogo para Klein não tem uma função educadora –

assim como o era para Hugh Helmunth, psicanalista que implementou o jogo

na psicoterapia com um critério didático e re-educacional. A importância do

brincar para Klein consiste em permitir que as angústias e fantasias

Page 28: Relatorio de Estagio- Final

inconscientes se expressem para que o analista a explorem, interpretem e

compreendam para transmitir ao paciente o que ocorre com o seu psiqué.

Para Klein, o brincar adquire um estatuto de compreensão metafórica,

tem a dignidade do sonho, tem sua configuração, lugar de condensação por

excelência: No brincar, as crianças representam simbolicamente fantasias, desejos

e experiências. Para isso empregam a linguagem, o modo de expressão arcaico,

filogeneticamente adquirido, com que os sonhos nos familiarizam (KLEIN apud

THOMAS, 1995).

Tendo o mesmo estatuto simbólico dos sonhos, o brincar permitiria o

acesso ao inconsciente infantil: o aparelho psíquico da criança pequena tem um

alto nível de tensão: a angústia muito presente, muito intensa, não pode ser

administrada pela aparelhagem do eu, o principio do prazer; as representações só

avançam por essa opacidade deslocando-se passo a passo, palavra por palavra. A

associação das representações, isto é, a condensação, é difícil por causa dessa

angustia, é só se realiza num modo de expressão particular: O Brincar (THOMAS, p.

143, 1995).

As idéias de Klein em relação à psicanálise de crianças não eram as

únicas existentes em sua época, apesar de ter sido única em ousadia e em

inovação. Quando Klein situa a importância desse brincar foi possível

fundamentar seu trabalho psicanalítico no tratamento com crianças. Esse ato

acarretou o enfrentamento de divergências de pensamento entre Melanie

Klein e Ana Freud que tinha concepções de cunho educacional em se

tratando de psicanálise infantil em sua psicologia do ego. Ao fundamentar

analiticamente o trabalho com crianças, Melanie Klein rompeu com a

educação.

Em seu trabalho “Simposium of Child-analysis” publicado em 1927

Klein defende com entusiasmo suas opiniões sobre a natureza da psicanálise

da criança, se opondo a visão idealizada por Ana Freud. Essa turbulência e

divergência teórica provocou a formação de duas escolas de psicanálise a

Escola de Viena e Escola Inglesa, a escola Kleiniana versus a psicologia do

ego de Ana Freud.

Klein acredita veemente que a análise de crianças é possivelmente

análoga a do adulto. Afirma que a neurose de transferência se desenvolve do

mesmo modo, o que varia é apenas a forma de comunicação, que se dá

Page 29: Relatorio de Estagio- Final

através dos jogos, onde a criança expressa seus conflitos inconscientes. O

papel do analista é de interpretar, em profundidade, todo material associativo

que o paciente revela no brincar. Em contrapartida, Ana Freud afirmava uma

concepção diferente da mente infantil e de sua abordagem no processo

analítico, considerando que na infância as crianças não desenvolvem a

neurose de transferência com o terapeuta, pois suas transferências estão

ainda diretamente ligadas aos pais reais. Para Ana Freud a função do

terapeuta consistia em apenas reforçar os aspectos positivos do vínculo, em

um nível reeducativo e de orientação.

Enquanto Klein acreditava na existência de um superego precoce, em

torno dois ou três anos de idade, Ana Freud, concorda que o que existe é a

necessidade- durante a análise- de reforçar o superego, que seria fraco nas

crianças (BLEICHMAR;BLEICHMAR, 1995).

Acreditando em suas observações e elaborando hipóteses a partir de

suas experiências clínicas com crianças, fizeram Klein criar, ao longo de sua

existência enquanto analista, uma inovadora e revolucionária teoria na

psicanálise de crianças. A posição de principio que colocou brincar no cerne da

formação do inconsciente permitiu a Melanie Klein fazer descobertas (THOMAS,

p.147, 1995).

Page 30: Relatorio de Estagio- Final

2. Donald Winnicott

“Por aquele tempo, eu começava minha carreira de pediatra

clinico , e poderão imaginar a emoção que eu sentia ao ver que

nos inúmeros casos que tratava nos hospitais, os pais dos

pacientes- pessoas geralmente não instruídas- confirmavam

todas as teorias psicanalíticas que começavam a significar algo

para mim, através da minha própria análise”.

Donald Winnicott

Em 7 de abril de 1896, Plymouth, Inglaterra, nasce Donald Woods

Winnicott, futuro médico pediatra e psicanalista iniciou sua carreira no

Hospital Londrino Paddigton Chidrens’s Hospital, onde exerceu sua carreira

durante quarenta anos. Em 1935 tornou-se membro da Sociedade Britânica

de Psicanálise e no mesmo ano iniciou sua análise com Melanie Klein, com

quem por muito tempo compartilhou seus estudos em psicanálise. Mais tarde,

as divergências teóricas e técnicas em relação a Melanie Klein, resultou no

empobrecimento de seus laços. No contexto psicanalítico fervente da época

havia três grandes divisões no que diz respeito às influências teóricas: os

seguidores de Klein, os seus contestadores- os anna -freudianos- e os do

Middle Group; Winnicott se situava neste último.

Ao longo de sua carreira, Winnicott enfatizou a influência do meio

ambiente no desenvolvimento psíquico humano, focalizando, sobretudo a

mãe, como autora principal dessa interação. As falhas ambientais eram

apontadas como a mais importante causa da etiologia dos quadros

psicopatológicos. A da relação mãe-bebê, serviria de base para futuras

relações do bebê com outros objetos. Ancorado nessas idéias Winnicott

propôs um modelo terapêutico voltado a oferecer, na análise, uma situação

emocional favorável, tornando possível ao paciente se desenvolveu sanando

as falhas originais da relação.

Page 31: Relatorio de Estagio- Final

Essa situação originária vivida na relação da mãe com o seu bebê, foi

um dos aspectos centrais para Winnicott, e paa tanto, propôs a noção de

holding.

O holding, ou sustentação, foi adotado por Winnicott para descrever

uma conduta emocional da mãe em relação ao seu filho: a conduta de

sustentação, situadas em torno dos êxitos e fracassos, são relacionadas aos

diferentes graus de perturbação psíquica. Para Winnicott, a criança nasce

comum certo potencial e provida de uma tendência para o desenvolvimento, e

é o exercício materno que virá a oferecer um holding adequado para que as

condições inatas do bebê alcancem um desenvolvimento otimamente

desejado. Em sua teoria tanto há uma função fisiológica quanto física

(BLEICHMAR;BLEICHMAR, 1995).

A sustentação protege contra a afronta fisiológica; leva em conta a

sensibilidade epidérmica da criança- tato, temperatura, sensibilidade

auditiva, sensibilidade visual, sensibilidade às quedas (ação da

gravidade)- assim como o fato de que a criança desconhece a

existência de tudo o que não seja ela própria; inclui toda a rotina de

cuidados ao longo do dia e da noite, que nunca é a mesma em duas

crianças diversas, pois faz parte delas e não há duas crianças iguais;

deste modo, acompanha as mudanças quase imperceptíveis que, dia a

dia, vão tendo lugar no crescimento e desenvolvimento da criança,

mudanças tanto físicas como psicológicas (WINNICOTT, apud,

BLEICHMAR;BLEICHMAR, 1960, p.56).

Winnicott afirma que para existir o holding, mãe vivencia uma

preocupação materna primária.Conceito fundamental que consiste na

preparação emocional da mãe, e esta se dá nos últimos meses de gravidez,

tornando-se suficientemente sensibilizada para desempenhar o seu papel e

dá o suporte que o bebê precisa. Esse conceito consiste no estado ideal

psicológico da mãe para proporcionar ao seu bebê um holding adequado.

Graças a esse estado de sensibilização, a mãe adquire uma capacidade

particular para se identificar com as necessidades do bebê.

Page 32: Relatorio de Estagio- Final

Gradualmente, esse estado passa a ser o de uma sensibilidade

exacerbada durante e principalmente ao final da gravidez.

Sua duração é de algumas semanas após o nascimento do bebe.

Dificilmente as mães o recordam depois que o ultrapassaram.

Eu daria um passo a mais e diria que a memória das mães a esse

respeito tende a ser reprimida (WINNICOTT, p.401, 2000).

Winnicott afirma que tal estado de sensibilidade exacerbada que a mãe

se encontra neste período, é quase um estado patológico esquizofrênico

(seria no caso de não existir uma gravidez), mas no contexto da gestação e

alguns meses após o parto, é de fundamental importância na instalação de

uma identificação materna com o bebê, para torná-la uma mãe

suficientemente-boa.

Uma vez alcançado o Estado de preocupação materna primária, mãe e

bebê experiementam uma relação única e harmoniosa. A mãe

suficientemente-boa protege o bebê. Das intrusões do meio e lhe fornece o

apoio necessário ao seu pleno desenvolvimento.

Quando a mãe consegue proporcionar um apoio ótimo para o bebê, a

mãe desempenhando seu papel sobre a função ambiente. E conseguindo

uma identificação estreita com o seu filho, atendendo suas necessidades, é

chamada de mãe suficientemente boa. Essa mãe representa o ambiente

suficientemente bom, um fator crucial para uma vida psíquica e física

fundamentadas em suas tendências inatas (ARCANGIOLI, 1995).

Esse self frágil da criança recém-nascida, clama por um suporte

adequado, a mãe tem o papel de ‘ego auxiliar’. Quando esse ego provido pela

mãe é insuficiente, a criança recorre a construção de um falso ego,

denominado por Winnicott de falso self. Essa mãe incapaz de se identificar

com as necessidades primárias de seu filho é denominada por Winnicott de

‘mãe insuficientemente boa’, que corresponde não a uma pessoa, mas à

ausência de alguém cujo apego à criança seja simplesmente comum (ARCANGIOLI,

p.187, 1995). Por outro lado, se desempenhar o papel da ‘mãe suficientemente

boa’ permitirá que o bebê comece a ‘existir’, a construir um ego próprio e a se

organizar psiquicamente.

O ‘núcleo do self verdadeiro’ se constitui quando o ambiente

proporcionado pela mãe é suficientemente bom. Segundo Winnicott, o

Page 33: Relatorio de Estagio- Final

verdadeiro self é a pessoa que é eu e apenas eu, ou seja, a pessoa que se

constrói, fundamentalmente, a partir de suas tendências inatas (ARCANGIOLI,

p.186, 1995). O verdadeiro self manifesta-se através de gestos espontâneos,

a espontaneidade constitui o self verdadeiro em ação. Somente o self

verdadeiro pode ser criador e ser sentido como real (ARCANGIOLI, 1995).

A mãe ‘boa’ é a que responde a onipotência do lactante e, de certo modo, dá-lhe sentido.

Isto de faz repetidamente. O self verdadeiro começa a adquirir vida, através da forca que a

mãe, ao cumprir as expressões da onipotência infantil, dá ao ego débil da criança.

A mãe que não é ‘boa’ é incapaz de cumprir a onipotência da criança, pelo que

repetidamente deixa de responder ao gesto da mesma; em seu lugar, coloca seu próprio

gesto, cujo sentido depende da submissão ou acatamento do mesmo por parte da criança.

Esta submissão constitui a primeira fase do self falso e é própria da incapacidade materna

para interpretar as necessidades da criança (WINNICOTT, apud BLEICHMAR;BLEICHMAR,

p. 224;225, 1995).

Winnicott propôs vários conceitos que vieram enriquecer a sua teoria,

conceitos originais e importantes baseados numa prática extensa. Outro

deles se refere aos fenômenos e objetos transcionais.

É MUITÍSSIMO CONHECIDO o fato de que os bebês, logo após o

nascimento, tendem a usar punhos, dedos e polegares para estimular a

zona erógena oral a fim de satisfazer os instintos ligados a esta, e também

quando estão em momentos de relacionamento tranqüilo. Sabemos ainda

que após alguns meses os bebês de ambos os sexos passam a gostar de

brincar com bonecas, e que a maioria das mães permite que seus bebês

adotem algum objeto especial, e espera que eles se tornem ‘viciados’

nesses objetos, por assim dizer. (WINNICOTT,p. 316, 2OOO)

A partir das suas observações clínicas, Winnicott percebeu que haveria

uma relação entre os hábitos corriqueiros dos bebês para satisfazer seus

instintos da zona oral (levar o polegar à boca, por exemplo); e mais tarde, de

adotar um objeto como sendo um objeto especial -de grande estima por eles.

Entre estes os ‘hábitos’ Winnicott postula, o que seria de uma ordem

Page 34: Relatorio de Estagio- Final

fenomenal, que haveria uma ponte de intermediação constituída pela

“primeira posse não-ego” denominados “fenômenos e objetos transicionais”.

O conceito de objeto ou fenômeno transicional recebe três usos

diferentes, a saber: o primeiro de natureza evolutiva, outro, relacionados às

angústias de separação e às defesas contra elas (com um caráter defensivo),

e, por último, um espaço dentro da psiqué do sujeito. A idéia e função desses

fenômenos estão atreladas com a saúde mental. Todavia, em certas

condições desfavoráveis o objeto transicional também pode ter uma evolução

patológica (BLEICHMAR;BLEICHMAR, 1995).

O objeto transicional desempenha um papel fundamental para o

processo de maturação do bebê, na medida em que se apresenta como um

objeto que pode preencher o espaço em situações de angústia, como por

exemplo, separar-se da mãe na hora de dormir. Além disso, serve para que o

bebê possa experimentar seus limites mentais em relação ao que é interno e

externo a ele, assim como tem a função de delimitar os limites corporais:

quando a criança manipula o ursinho, adquire sensações que servem para

estabelecer seus limites corporais. O objeto transicional está situado em uma zona

intermediaria, na qual a criança se exercita na experimentação com objetos que,

mesmo que estejam fora, sente como partes de si mesma.

(BLEICHMAR;BLEICHMAR, p. 227, 1995).

Ocupando um lugar de ilusão, o objeto transicional, diferentemente do

seio materno, que não está disponível o tempo todo, é conservado pela

criança e solicitado quando lhe convém. A criança incorpora a noção de que

tem o seio materno, mas ele não o pertence, logo, faz uso do objeto de

intermediação e o elege para acalmar e o defender de suas angústias. Sendo

assim, também desempenha o papel na elaboração dos sentimentos de

perda, quando está separado da mãe.

Há um sentimento de ambivalência no tocante à relação com o objeto

transicional, no momento em que pode ser alvo de amor, mas como também

alvo de agressão, quando sua relação é de ódio. Esse trato de agressividade

para com o objeto também é fundamental, no momento em que serve como

uma maneira da criança neutralizar sua agressão, o que pode ter um fim

construtivo.

Page 35: Relatorio de Estagio- Final

O objeto transicional se mantém pela vida afora como lugar das

experiências intensas no campo da arte, da religião, e da imaginação: Esta

zona intermediaria da experiência, inquestionada, no que tange à sua pertinência à

realidade interior e exterior (compartilhada), constitui a maior parte da experiência da

criança, e é conservada ao longo de toda a vida, dentro das intensas experiências

próprias da arte, religião e viver imaginativo, assim como do trabalho cientifico

(WINNICOTT, apud BLEICHMAR;BLEICHMAR, p. 229, 1995).

Winnicott também afirma que o objeto transicional é susceptível de ter

uma evolução patológica, podendo se expressar na forma de fetichismo, da

adição e do roubo, o que constituem substitutos do primitivo objeto

transicional. Winnicott acredita que tais quadros patológicos e outros

problemas, podem se dar em função das falhas maternas, pela inconstância

no vínculo, e pela dificuldade emocional no contato entre outros.

Segundo Winnicott, o processo de aceitação da realidade jamais se

completa, sendo assim sempre haverá uma tensão onde o ser humano

relaciona sua realidade externa com sua realidade interna,e o que

proporciona o alívio dessa tensão corresponde à área intermediária de

experiências, a qual não é submetida a questionamentos (arte, religião, etc.).

Tal região intermediária se manifesta de modo direto na área do brincar da

criança (WINNICOTT,2000).

2.1 O Brincar para Winnicott

O brincar apresenta-se como uma grande aquisição da teoria do

desenvolvimento emocional de Winnicott. Ao brincar, o bebê/criança/adulto

estabelece uma ponte entre o mundo interno e o mundo externo com e

através do espaço transicional. Para Winnicott, a qualidade do brincar na

terceira área- os fenômenos transicionais- é sinônimo de viver

criativamente, e constitui a matriz da experiência self que se estende por

toda vida. Transposto para a relação analítica, o brincar constitui-se na

definitiva realização da psicoterapia, pois é somente através do brincar que

o self é descoberto e fortalecido (ABRAM, 2000).

Page 36: Relatorio de Estagio- Final

Em suas observações de bebês e crianças, Winnicott percebeu a

importância e a função do brincar, especialmente com relação à psicoterapia

e a busca e a descoberta do self. O brincar sempre foi um aspecto de sua

técnica na clínica: o jogo das espátulas e o jogo dos rabiscos, estão dentre

suas técnicas utilizadas, tais jogos contribuíram para a compreensão da

natureza do objeto transicional no desenvolvimento do bebê.

Para Winnicott, a qualidade do brincar serviria como um indicador do

desenvolvimento e do sentimento de ser do bebê: Ao classificar uma série de

casos podemos fazer uso de uma escala: na ponta normal dessa escala

encontramos o jogo, que é uma simples e prazerosa dramatização da vida do mundo

interno: na ponta anormal da escala temos o jogo de que faz parte uma negação do

mundo interno, sendo o jogo, nesse caso, sempre compulsivo, exaltado, conduzido

pela ansiedade, e mais voltado para a exploração dos sentidos do que da alegria

(WINNICOTT, apud ABRAM, p.56).

O brincar é uma atividade saudável, e o prazer do brincar é um fator de

garantia da saúde da criança que cresce. O fator criativo e de imaginação

dentro da brincadeira possibilita que a criança crie um modo de vida

particular, o ser vivencia o seu self verdadeiro. Para Winnicott, o brincar

seria o portão de entrada para o inconsciente e teria a função de auto-

revelação, assim como os sonhos são para Freud.

Quando publicou no ano de 1968 seu estudo “The Use of an Object

and Relating through Identifications”, Winnicott menciona a importância do

fator agressão no brincar: é importante expor que a criança valoriza a constatação

de que o ódio e os impulsos agressivos podem ser manifestados em um ambiente já

conhecido, em que haja uma resposta de ódio ou violência por parte desse

ambiente. A criança perceberá que um bom ambiente será capaz de tolerar os

sentimentos agressivos se estes forem expressos de uma forma razoavelmente

aceitável (WINNICOTT, apud ABRAM, p.58).

Winnicott introduziu para a psicanálise uma literatura voltada para

relação mãe-bebê, que até então não se havia explorado com tanta

veemência. A importância dada ao meio ambiente, tendo a mãe como

principal objeto de identificação do bebê, assim como sua descoberta sobre a

existência de um objeto transicional foram de muita valia para o entendimento

da relação simbiótica (mãe-bebê), introduzindo para o contexto psicanalítico

da época um novo campo a ser explorado. Assim como Klein, fundamentou

Page 37: Relatorio de Estagio- Final

em sua técnica a importância do brincar, e a utilizou com ferramenta

fundamental em suas ricas experiências analíticas. Winnicott em suas obras

e durante toda sua carreira, mostrou uma psicanálise simples e leve, fazia

questão em ser simplório em seus escritos. Este grande e simples homem

trouxe um trabalho de grande valia, seus estudos e técnicas psicanalítica

hoje, juntamente com os de Klein, são os mais utilizados na prática da

psicanálise da criança.

3. O Lugar dos Pais na Psicanálise de Criança

Page 38: Relatorio de Estagio- Final

A implicação dos pais no tratamento da criança é um fator fundamental

para o andamento da psicanálise. Tendo em vista que, de fato, os pais atuam

na transferência dos mesmos, tornando-se uma peça indispensável.

Para Rosenberg, não há como omitir o papel do adulto no andamento

do processo de análise, uma vez que não se da apenas ao nível do mundo

fantasmático, mas entra sim, ao nível da realidade, com todo o seu peso: deles

depende aos honorários, a interrupção do tratamento, a mudança de analista, etc

(ROSENBERG, p.52, 2002). Assim, Rosenberg elucida algumas questões que

implicam também o comprometimento dos pais de ordem consciente e

inconsciente no tratamento do seu filho.

Muitas vezes, o sintoma da criança está atrelado aos sintomas de seus

pais, ao iniciar o processo de análise com a criança, é natural que aconteça

um movimento dentro desse núcleo familiar. Isto, pode trazer um certo

incômodo, o que provoca muitas vezes a desistência do tratamento por parte

deles, e não da criança. Nesse momento, é preciso chamar os pais para

dentro da terapia- o que não implica em uma análise com eles, mesmo que

isso seja necessário- dessa forma poder-se-ia confrontar os conflitos

existentes, o que possibilitaria um grande avanço no processo terapêutico da

criança.

O tratamento é da criança e é com ela que fundamentalmente

trabalhamos. No entanto, os pais (ou um deles) entram no exato

momento em que, devido ao peso que o intersubjetivo tem na formação

do sintoma ou na estruturação das neuroses, faz-se necessário que algo

também se modifique no inconsciente de um ou de ambos progenitores,

ou algo de sua relação. Ao incluí-los na sessão, pensa-se em produzir

um efeito analítico que permita a continuação da análise da criança

(ROCENBERG, p.55, 2002).

Então, como se daria essa psicanálise com crianças? Rosenberg

propõem que é fundamental escutar a criança como o sujeito do seu próprio

discurso, ao invés de acreditar que está sendo falada pelo Outro. Pois não é

sempre correto afirmar que a origem de um sintoma vem do discurso dos

Page 39: Relatorio de Estagio- Final

seus parentais. No entanto, pode haver momentos nos quais a criança faz

menção a tais sintomas.

Muitas vezes é difícil para que os pais aceitem a mudança nas

crianças, nessa hora é preciso que o psicanalista esteja atendo a isso, para

que possa fazer suas intervenções, a fim de converter a situação. Só assim

torna possível que os pais se confrontarem com seus desejos e recalques

(ROSENBERG, 2002).

Quando trabalhamos numa análise de crianças, temos que ter em

mente que não trabalhamos sozinhos. Junto com os sintomas da criança,

estão os sintomas parentais não resolvidos. O processo da análise infantil,

certamente provocará algum desconforto no pai ou na mãe, ou nos dois. O

papel do psicanalista seria de abarcar todas essas questões intervindo e

manejando quando for necessário.

Dessa maneira, é conveniente dizer que a implicação dos pais no

tratamento infantil é peça fundamental para a evolução da análise da criança.

Cabe ao psicanalista ter ciência da importância que é a participação dos

parentais no processo da cura.

Page 40: Relatorio de Estagio- Final

4. Fragmentos de um Caso Clínico

Uma Breve Introdução

Dentre os atendimentos que realizei durante este último ano de estágio,

o primeiro de um aprendizado em experiência clínica na psicanálise com

crianças, faço menção a este caso em particular por ter sido o mais duradouro

e com aspectos mais relevantes e intrigantes experenciado por mim. Como

sendo o início de uma jornada psicanalítica, encontrei diversas dificuldades no

manejo ao longo das sessões realizadas.

Creio que compartilhar tais sentimentos de insegurança e de

inexperiência também fazem parte de todo aprendizado árduo e compensador

que nós da área da psicologia e psicanálise encontramos. Como ato altruísta

e também por querer compartilhar tais inseguranças, como própria

necessidade de me sentir mais confortável, me disponho vagar um pouco

sobre o que foi vivenciado por mim pessoalmente, pois acredito que ao

compartilhar tais sentimentos também estarei contribuindo, de uma certa

maneira, para os futuros estagiários, que com certeza, pela inexperiência e

pouca idade, irão sentir o mesmo. Em outras palavras, seria conveniente dizer

que não estamos sozinhos neste barco.

Gostaria também de compartilhar um pouco das minhas idéias em

relação à psicanálise, antes mesmo de me debruçar no caso clínico

construído por mim e pelo meu paciente, digo isso, pois, um caso não é

puramente o que o nosso paciente nos traz, ele é soma de todas impressões,

fantasias, vivenciadas pelo psicoterapeuta e pelo paciente. Como tudo que

passa pelo campo subjetivo, seja na linguagem, seja nos sonhos e até mesmo

em nossos atos corriqueiros, são representados em nossa mente por uma

metáfora. Não seria diferente na psicanálise, ou nada adiantaria se fosse.

Diria até que seria impossível fazer um movimento diferente, pois tudo que

passa por nossa impressão subjetiva, torna-se algo nosso, uma interpretação

pessoal, no entanto, muito verídica.

A psicanálise é uma área de conhecimento muito mais subjetiva do que

qualquer outro campo da ciência humana, ela se estende até às entranhas do

Page 41: Relatorio de Estagio- Final

nosso obscuro inconsciente a fim de entender e explicar o que acontece com

a nossa mente, objetivamente falando. Ela afirma, e creio piamente nisso, que

nossas atitudes, até mesmo as mais simples, não são respostas de um mero

acaso, ou automatismo. Somos seres complexos, pensantes, capazes de

refletir e nossos atos são sempre resposta de algo já experenciado desde de

nossa tenra infância, mesmo que disso não tenhamos consciência disso.

Melhor assim que não tenhamos consciência de tudo, afinal de contas, nossa

mente não usaria de mecanismos de defesas se não fossem necessários.

Mas temos que ter cuidado para que não difamemos tal pensamento, pois,

como diz sabiamente Freud “às vezes um charuto é apenas um charuto”.

Podemos inserir a psicanálise no cerne de qualquer campo onde se

insira a subjetividade humana (no campo das artes, da ciência). Ou melhor,

nós seres humanos tendemos a investir, por uma questão de necessidade,

psiquicamente falando, em algumas áreas onde possamos canalizar todas as

nossas questões, que por hora nos trazem um certo tipo de sofrimento, que é

inerente a qualquer ser humano. Como diz Winnicott, essas áreas passam

pelo campo do “inquestionável”, um movimento “absoluto” onde podemos

empregar e tentar explicar o que é inexplicável para nós.

O ser humano está sempre em busca, precisamos de energia que nos

mova, é como um movimento das pulsões, como diria Freud. Procuramos

sempre ir em busca de um sentido para nossas vidas, mesmo que não

saibamos conscientemente disso, e é essa pulsão que nos faz viver.

A obscuridade de nossas mentes nos faz mover para ir buscar algo do

campo do impossível, esse “campo do impossível” é necessário para que

possamos está sempre investindo. Nosso desejo inesgotável e nunca saciável

é uma condição necessária para nos mantermos vivos.

Não sei se estou sendo prudente ao divagar sobre tantos aspectos da

nossa subjetividade neste trabalho, mas creio que para mim seja primordial

falar um pouco das minhas concepções em relação à subjetividade humana,

afim de que eu mesmo possa dá um rumo original a este meu trabalho, já

que é um relato de uma experiência clínica do meu estágio. E como dito

anteriormente, sinto que seja mais que necessário compartilhar algumas de

minhas idéias, ou melhor, das minhas concepções acerca de tal

conhecimento.

Page 42: Relatorio de Estagio- Final

A História de Teodoro

Os pais de Teodoro*, Seu Breno e Dona Marta, vieram à clínica de

psicologia com a queixa de que o filho desde que se mudou para a nova

escola, não se adapta à rotina do colégio, além de ser alvo de bullying e de

gozações das mais cruéis pelos colegas de sala.

Trata-se de um garoto de 12 anos de idade, aparentemente saudável e

bem apresentável. Como único filho da família, as atenções são voltadas para

ele, de uma maneira exacerbada.

Sua mãe teve uma gravidez atordoada e delicada, com o prognóstico do

seu estado considerado grave e com ameaça da perda do bebê ou da mãe

durante o parto. Dada essas circunstâncias difíceis, a mãe de Teodoro

sempre o protegeu excessivamente. Desde o nascimento o bebê entre os

pais, num colchão no chão, para que ele não caísse e que nada de mal

acontecesse ao mesmo.

Seus pais, entretanto, relataram que ele sempre foi uma criança

saudável, comunicativa e que na sua antiga escola não havia problema, e

pelo contrário, era uma criança bastante conhecida no colégio e que mantinha

amizade com todo mundo. Na nossa primeira entrevista, os pais falaram algo

interessante para entender a queixa: “Teodoro é um menino muito

comunicativo, ele vai fazer de tudo para agradá-la”, assim o fez Teodoro de

maneira quase constante, salvo algumas situações em que demonstrava ser

um menino bastante antipático e artificial.

Os nome são fictícios a fim de preservar a privacidade do cliente.

Seu Breno parece ser uma pessoa de difícil convivência, mostra-se que é

muito invasivo e rígido na educação de seu filho. Os encontros que tive com

os pais, eram marcados pela predominância da fala do pai e uma passividade

Page 43: Relatorio de Estagio- Final

extrema da mãe. Breno praticamente não dava espaço para ela falar, e esta

se colocava sempre numa condição passiva. Além disso o porte físico

avantajado de Breno fazia juz a sua conduta espaçosa e invasiva.

A mãe sempre esteve “exageradamente” presente nas atividades de seu

filho. Praticamente fazia suas tarefas da escola e estudava com ele para as

provas até o momento. Além disso, a mãe sempre o acompanhou em todas

as atividades, sem conseguir descolar do filho, ficando completamente à sua

mercê. Uma mãe superprotetora e ao mesmo tempo inexpressiva, quase

inexistente. Diante de um pai avassalador e narcísico, a mãe fica sempre à

parte.

Durante o processo, a mãe precisou mudar seu horário do trabalho, o

que implicou ter que se afastar um pouco de Teodoro, deixando-o em pânico.

Diante disso, seus pais me procuraram para falar da dificuldade que o filho

estava sentindo e da sua angústia em ter que se afastar durante mais tempo

da mãe.

O pai, numa das sessões relata ter, crescido em meio de muitas

mulheres, e ter tido tem uma relação maternal com suas duas tias que criou

junto com sua mãe. A figura materna não aparece na sua dinâmica familiar.

Seu Breno é professor, trabalha os três turnos para poder manter o

padrão de vida que oferece ao seu filho. Visto o seu salário ser insuficiente.

A mãe e as tias de Breno ajudam nos custos da educação e afins. Mesmo não

tendo condição financeira suficiente, seu Narciso adota um padrão de vida

elevado para sua família e aceita ajuda de suas tias e sua mãe.

Os pais se preocupam por Teodoro ser muito sozinho, não tem amigos

na escola e onde mora não tem meninos com a mesma idade para que ele

possa brincar. A mãe comenta que desde criança ele passa muito tempo

sozinho em casa, e, muitas vezes, ela chegou a pedir ao porteiro do edifício

para checar se tudo está bem, hábito mantido pelos pais até o presente.

Outras queixa versa sobre o desempenho escolar de Teodoro e seu baixo

rendimento segundo a mãe. Durante as provas ele fica muito desligado, não

se concentra, e não consegue bons resultados. O pai comenta que fica muito

furioso com esse fracasso escolar e, demonstra sua raiva e desgosto com

esse isso.

Page 44: Relatorio de Estagio- Final

Certa vez os pais comentaram que Teodoro havia pressionado uma

caneta contra seu braço até se ferir, esta auto-agressão ocorrera após ter se

dado mal em um exame de matemática. Outro episódio ocorrido em sala de

aula, foi ter tumultuado o exame de ciências, perturbando o ambiente.

No final de uma sessão com Teodoro, seus pais foram me comunicaram

um fato que os deixou preocupados, e então, eles relataram que Teodoro

estava com uma “namoradinha”, a mesma menina que um dia lhe ignorou,

como diria sua mãe, “lhe humilhou”. Os pais do menino estavam preocupados

não somente porque o filho era novo demais para esse tipo de relação, mas

principalmente porque este tirado escondido de sua mãe suas jóias – um anel

e uma corrente- para presentear a namoradinha.

A mãe contara que essa menina já havia desdenhado de seu filho, uma

vez que marcaram para ir ao parque de diversão, e lá ficara com os seus

colegas de sala ignorando-o completamente. Diz a mãe comenta que ele

escreve alguns textos em seu caderno, relacionados sentimentos que tem

pelos seus colegas.

Em mais uma das entrevistas com os pais, seu pai trouxe um conteúdo

bastante interessante: Teodoro havia desenhado numa folha uma figura

humana muito grande, segundo o pai, um gigante; e aos pés deste gigante

estavam um monte pessoas bem pequenas sendo afogadas pelas lágrimas

que caiam dos olhos do gigante. Esse gigante estava também fumando- vale

salientar que seu Breno é fumante. Ao ver este desenho, o pai disse que logo

se identificou com o mesmo, dizendo ao filho que o gigante era ele, mas que

não havia gostado, pois ele estava muito feio. Teodoro responde que a figura

no desenho era Deus. E seu pai retrucou, que não podia ser Deus, pois Deus

não fuma, então logo Teodoro de imediato apaga o cigarro do desenho. E

continuou dizendo: “é Deus chorando pela tristeza do mundo”.

Esse desenho de fato mostra o caráter narcisista do pai de Teodoro, e

como o garoto o representa. Essa figura tão invasiva que é vista como o

grande gigante chorão. Pode-se notar que o modelo familiar é confuso e

pouco estruturante para o garoto. A figura do pai tenta obscurecer a existência

da mãe e do próprio filho. A passividade e a cumplicidade da mãe a torna

quase inexistente. E Teodoro se perde em meio de todo esse quadro

conturbado.

Page 45: Relatorio de Estagio- Final

As Sessões com Teodoro

No primeiro encontro, Teodoro demonstrou ser um garoto bem articulado,

inteligente. No seu discurso notava-se uma forte influência paterna. As suas

idéias não me pareciam ser dele, eram mais uma reprodução do modelo do

pai visivelmente incorporada por ele. Sendo assim, dava a impressão de se

mostrar mais como uma caricatura de adulto com uma eloqüência artificial

para um garoto da sua idade.

Ao relatar sobre a escola, quando pontuei tal questão, disse que se sentia

humilhado em relação aos seus colegas. Quais as razões disso perguntei-lhe

ao que respondeu: “acho que é porque eu falo muita besteira, que sou gordo

e que eles tem uma cabeça ‘mais avançada’ do que eu, eles já têm paqueras

e falam em namoro”. E ainda acrescentou “se eu falar muita besteira aqui

você pode me dá um toque”. Assegurei-lhe que aqui, ele poderia falar

besteira, que podia também ser ele mesmo. Disse-me que estava sendo muito

poder desabafar tudo.

O garoto pareceu o tempo todo querer me agradar e mostrar ser uma

pessoa simpática. Característica esta que persistiu ao longo de todos as

sessões, salvo algumas exceções, nas quais exercitava seu humor sádico e

desagradável, muitas vezes até desconcertante.

Ao perguntar-lhe o que gostaria de fazer na sessão, respondeu que

gostava de jogar vídeo game, mas de tanto o pai falar que jogar vídeo game

não era uma atividade saudável, que pode ficar “viciado”. E ainda

acrescentou: “o vídeo game não leva a nada”. Teodoro diz que deixou de

jogar, sem aparentemente contestar, pareceu conformado.

Na sessão seguinte, ao conversarmos sobre o colégio, ele diz que está

“mais ou menos”. Explorei o que queria dizer: “como assim mais ou menos?”

este disse: “hoje os meus colegas me desrespeitaram, zoaram de mim só

porque eu falei gesticulando, daí fui para coordenação reclamar e a

coordenadora me disse que iria averiguar. E quando a coordenação

Page 46: Relatorio de Estagio- Final

averiguou, me disse que eu também revidava”. Seu comportamento oscilava

entre vítima e algoz de sua própria angústia.

Sobre a sua relação com a família, disse-me ser um garoto privilegiado,

pois, mesmo seus pais não tendo condições de sustentá-lo , sua avó ajuda

nas despesas pagando a escola: “se ela não ajudasse, estaria estudando em

um colégio Estadual” (...) “assim sobra mais dinheiro para meus pais

comprarem coisas para mim”. Mais uma vez aparece um discurso não

elaborado por ele, mas por ele incorporado como se a fala demonstrasse que

ele tivesse plena consciência de tudo.

Em uma sessão, quando mexia nos brinquedos, encontrou um que o

chamou muita atenção, e logo, decidiu brincar. Eram pequenas peças de

animais, cercas e homens em miniatura, como um Zoológico. Ao brincar

disse: “eu gosto desse tipo de brincadeira, mas os meninos do colégio, acham

criancice” (...) “eles só querem jogar playstation” e ainda acrescentou: “eu

gosto de organizar o jogo todo e depois desmontar”. Na seguinte sessão

continuou com a mesma brincadeira.

Em um certo momento da sessão, Teodoro começa a falar de artes, de

história, enfim de temas cultos, que não são comuns ou muito do interesse de

um garoto de 12 anos. Teodoro repete assim a fala do pai, que é professor de

história e mais uma vez expressa os seus “discursos prontos”, marca de todas

as sessões.

Na terceira sessão, ao perguntar-lhe como estava na escola, disse-me

que estava muito bom, pois os colegas não tinham zoado dele. Procurei saber

porque ele achava que os colegas mudaram em relação a ele. Prontamente

respondeu que achava que era porque dessa vez ele tinha esperado a

professora a falar, para que então falasse algo.

Mais uma vez nas nossas conversas, faz uso de palavras difíceis, com

frases bem articuladas, e um vocabulário avançado. Então pontuei que ele,

na sessão, não precisaria usar esses termos difíceis, que ele era apenas um

garoto de 12 anos. Respondeu-me e repete em voz alta e com certo ar de

gozação : “eu sou apenas um garoto de 12 anos”.

Ao longo de todas as sessões, sempre se mostrou curioso ao meu

respeito, perguntando minha opinião sobre alguns assuntos, sobre meus

gostos, etc. Não respondia diretamente as suas perguntas, e enfatizava que

Page 47: Relatorio de Estagio- Final

ali era o lugar para falar dele, e não de mim. Mas ele parecia não entender (ou

se recusava), e sempre refazia os questionamentos. Disse a mãe que eu dava

“fora” nele, quando me perguntava algo. Teodoro parece negar as diferenças,

mostra ignorar que na situação ele é cliente, deseja mais querer me tratar

como igual e por vezes superior. Parecia difícil para ele “não dominar” o

ambiente, ser ele mesmo e se colocar no lugar de quem não sabe de tudo,

sem ficar emburrado.

Em relação ao episódio da mudança de horário do trabalho da sua

mãe, Teodoro nunca falou de sua angústia em relação a este fato. Quando eu

pontuava sobre isto, vinha com um discurso pronto, e dizia “ah! Vai ser ruim,

né? agora ela não vai poder me ajudar nas tarefas, mas eu tenho que me

acostumar”. No entanto, mostrava-se muito agitado e inquieto, por mais que

quisesse demonstrar tranqüilidade. A partir desse momento, começava a

revelar sua insegurança e fragilidade.

Como foi dito anteriormente, o garoto fazia questão de me agradar,

costumava me presentear (me trouxe um ovo da páscoa), me elogiando e se

comportando como um “bom menino educado”. Entretanto, em alguns

momentos ele tentava me provocar, e querer me “desconcertar”. Tal

comportamento parecia claramente a expressão de sentimentos ambivalentes

que tal como em casa e na escola, ocorriam também na sessão.

Teodoro revelava ser um menino desagradável, assim como os seus

colegas de turma o achavam: Em uma das sessões ele começara a ter crises

de risos, depois de ter pontuado que ele estava agitado. Seus risos mais

pareciam risos de deboche. Perguntei-lhe o motivo de tanto riso, e me

respondeu: “às vezes, quando sinto vontade de chorar, ou estou triste, eu

sorrio, não sei porque. Uma vez minha tia-avó estava cirurgiada, e quando

olhei para ela me deu vontade de rir”. O seu “ataque histérico” faz-nos

reportar ao conceito de defesa maníaca desenvolvido por Melanie Klein para

compreender as angústias depressivas. Teodoro não podia expressar sua

afetividade de forma natural, modelos e as exigências dos pais só tinham

lugar para um tipo de afeto, o da negação dos afetos.

Outro dia, imitou, ao mesmo tempo em que sorria debochadamente,

fazia os meus gestos quando anuncio o término da sessão, e repetiu a

mesma frase que costumava falar: “Teodoro, o nosso tempo por hoje está

Page 48: Relatorio de Estagio- Final

chegando ao fim”. Nesse momento, realmente fiquei desconcertada e não

sabia como manejar. Esses deboches se repetiram mais vezes em outras

sessões. A contra-transferência negativa foi identificada e pude compreender

o que se passava entre nós.

Quando ocorreu o recesso de duas semanas, período entre os

semestres letivos, avisei a ele com antecedência, e com todo cuidado,

entreguei-lhe um cartão com a data do seu retorno. No dia da sessão ele não

comparece a sessão, e tampouco na sessão seguinte. Após as duas faltas

consecutivas, falei com a mãe, que alegou ter pensado que ainda estava em

recesso, e que não recebera nenhum cartão de retorno. Na sessão com

Teodoro, ao explorar sua resistência (na verdade raiva pela pausa das

sessões) me respondeu que tinha perdido o cartão e que pensava que eu

ainda estava de recesso.

Após este fato, ele não parecia não vir com vontade às sessões, e vez

por outra cometia uma falta, durante certo tempo. Mostrava-se desinteressado

nos jogos, chegando dizer que estava enjoado dos mesmos. Antes as

sessões eram ricas e sempre que não queria jogar os jogos disponíveis,

improvisava uma brincadeira.

Ao pontuar-lhe a sua resistência, o seu silêncio nas sessões , ele

parou, pensou e começou a fazer confissões:

Teodoro: eu ando falando muito palavrão, sei que é errado, mas

não consigo me conter. .

Terapeuta: Porque você acha que não deve falar palavrão?

Teodoro: ah, falar palavrão não é legal, mas não consigo me

segurar. Se você fala no meio da rua um palavrão, é um pouco

constrangedor alguém vir e reclamar com você, né?! Tem lugar

que você pode falar e outros que você não pode, mas é melhor

não falar, né?!

Terapeuta: E onde você pode falar palavrão?

Teodoro: ah, na escola todo mundo fala.

Terapeuta: então parece que na escola pode falar palavrão, por

que lá é aceito.

Page 49: Relatorio de Estagio- Final

Em seguida silencia e depois continua a falar: “eu também sou muito

fofoqueiro, assim, quando alguém fala algum segredo para mim, eu seu que

não devo contar, mas conto, é maior do que eu, sabe?”. Falei para ele que

agir assim parecia contraditório, pois ao mesmo tempo que alguém lhe dá

confiança, algo que ele almeja, ele simplesmente quebra a confiança do outro.

Responde-me: “ah, é porque é maior que eu, não consigo segurar”. E

continuou a falar: “eu também às vezes minto muito”. Explorei o tema, ao que

ele diz: “assim, eu aumento as coisas, sabe? Tipo assim, se está todo mundo

falando sobre jogos – tem um tio meu que tem uma loja de jogos- daí,

aumento, falo que meu tio tem um monte de jogos legais e que eu sempre

vou lá jogar”.Faço uma observação dizendo-lhe que parece que ele quer

impressionar os outros, mostrar algo mais. Esse assunto poderíamos retomar

na próxima sessão, pois a mesma já havia terminado. Na sessão seguinte, ele

falta e a mãe justifica por telefone dizendo que ele não iria poder comparecer,

pois havia cortado os próprios cílios.

O processo psicoterápico de Teodoro continua regularmente, mas um

novo elemento deverá influenciar no tratamento. O desligamento que

acontecerá com o fim do estágio supervisionado. Sessões com os pais estão

ocorrendo para a passagem do caso a outra psicóloga que então assumirá

sem que haja solução de continuidade.

Considerações sobre o Caso:

As poucas sessões realizadas com Teodoro leva-nos a supor que ele

apresenta grandes dificuldades na construção da sua identidade. Se encontra

numa situação na qual torna-se difícil exprimir seu verdadeiro Self. Em seus

diálogos observa-se com freqüência, um discurso apropriado do outro, quase

um padrão repetitivo do discurso do pai, usando sempre lógica, boa

consciência e eloqüência. Diante disso, não consegue sair da sombra do seu

pai, que o “invade” e que o inibe.

Preso nesse complexo paterno, Teodoro, nas sessões, incorpora um

“personagem” de um garoto agradável, inteligente e esperto. Entretanto, não

consegue ter sucesso na sua vida social, é alvo freqüente de gozação e

Page 50: Relatorio de Estagio- Final

exclusão, sobretudo com os colegas da escola. Nas sessões sempre

considera ser o dominador, tentando manter a relação com a terapeuta de

igual para igual. Na escola, ele é o bobão.

Teodoro é um garoto muito só, não consegue fazer amizades, em

especial com pessoas da sua mesma faixa etária. Dessa maneira, se vê preso

na sua relação com o seu núcleo familiar, que extrapola o limite de sua

individualidade.Tal situação impele dele ser um garoto com ações

espontâneas e criativas. Alguns indícios de elaboração se rebelou nas

sessões ao demonstrar criatividade e improviso nos jogos e brincadeiras.

Ao jogar, Teodoro demonstrava sempre preocupado em ganhar,

mesmo que para isso tivesse que trapacear nos jogos ou mudar as regras

para lhe favorecer. Muitas vezes, quando se via perdendo, se frustrava e

mostrava o desinteresse pelo jogo, muitas vezes até “bagunçava” a

brincadeira. Manipulador, não conseguia suportar a frustração de perder e

acabava o jogo.

Ainda muito colado à sua mãe e ele também, torna sua relação muito

infantilizada. Quanto ao pai narcisista e invasivo, ele não consegue sair da

sua sombra.

A terapia provavelmente lhe proporcionará boas mudanças,

remanejamentos psíquicos que poderá se beneficiar para deslocar da sombra

dos seus pais, e conseguir se articular por ele mesmo, tornando-se um garoto

espontâneo e saudável.

Page 51: Relatorio de Estagio- Final

Resumo de outros Casos atendidos

CASO I

INICIAS: W.N.L.O

IDADE:9

SEXO: M

O caso havia sido encaminhado para mim por uma estagiária, pois, em

virtude do encerramento do estágio, não poderia dar seguimento ao

tratamento. A mãe procurou atendimento na clínica, pois se queixava que o

filho andava com medo de tudo, principalmente, medo de ficar sozinho.

O garoto tinha um rendimento escolar muito bom, era bem

comunicativo, espontâneo e inteligente. Não tinha uma relação constante com

o pai, este abandonara a mãe quando soube da gravidez.

A terapia transcorreu em bons moldes, W. parecia estar indo bem nas

sessões. Embora achasse que não se tratasse de caso urgente de terapia, a

psicoterapia iria ajudá-lo a vencer seus medos e ajudar na sua questão em

relação com seus parentais.

Desde o começo, a mãe parecia não querer investir mais no tratamento

do seu filho, e se queixava nas entrevistas de ter que repetir tudo o que já

falara para a outra psicóloga, embora eu pontuasse que era importante que

ela o repetisse, agora para mim.

Acredito que a desistência e o não envolvimento com a terapia

decorreu muito desse fator, mas também por uma questão financeira.

Page 52: Relatorio de Estagio- Final

Caso II

Inicias: W. P. M

Idade:10

Sexo:M

A avó procurou atendimento na Clínica, trazendo como queixa de W. a

dificuldade em estabelecer laços sociais, como também ter sido rejeitado pela

própria mãe. Sua avó se preocupava com o estado psíquico do garoto, e já

havia procurado alguns médicos para que lhe desse algum diagnóstico.

W. sofreu um ataque epilético quando tinha 1 ano de idade, e, segundo os

médicos, deixou seqüelas: o garoto tinha um problema grave de visão, só

conseguia enxergar de muito perto. Além disso, o garoto também apresentava

tiques nervosos.

O garoto desenhava muito bem, e todos os finais das sessões eram

dedicadas aos seus desenhos, os quais fazia com extrema facilidade e

qualidade admirável. Ao jogar durante as sessões, embora me convidasse

para participar, W. parecia não se importar muito com minha presença, e

praticamente não interagia comigo nos jogos, embora quisesse me ter por

perto.

Sempre foi difícil conseguir convencer a W. que o tempo da sessão havia

acabado, e, por mais que eu repetisse, teimava em não me ouvir. Outro fator

curioso era que ele sempre pedia para levar os brinquedos para casa e

sempre insistia para que eu permitisse.

Embora as sessões se mostarssem muito ricas, e W. estivesse empolgado

com o tratamento, sua avó decidiu em tirá-lo, pois, não tinha condições

financeiras de trazê-lo semanalmente. Além do mais, havia conseguido uma

vaga para ele em outra instituição perto de sua casa, onde ele poderia realizar

o tratamento.

De fato tratava-se de um caso bastante delicado, que urgia por um

tratamento psicólogo. W. tinha um desenvolvimento emocional primitivo, e não

conseguia laços sociais. Infelizmente, não foi possível prosseguir com o caso.

Page 53: Relatorio de Estagio- Final

Considerações Finais

Vivenciar a clínica em psicologia é uma experiência única. Encarar a

prática não é um trabalho simples e nem fácil, a cada dia, a cada sessão,

existe uma superação e uma construção de si mesmo, enquanto pessoa e

enquanto aprendiz. É um trabalho que precisa ser lapidado, dedicado e

acreditado por aquele que o exercita.

Acredito e admiro a psicanálise e é nela que me apoio quando tento

buscar respostas, quando tento entender os mais complexos e simples

artifícios que nossa mente utiliza. E é nela que me apoio quando exerço meu

papel dentro da psicoterapia.

Esse trabalho resume a escolha que fiz durante esses cinco anos de

formação acadêmica. Se resume a uma área que me encantou e que escolhi

para minha vida.

Escolhi a psicanálise, e seguirei com ela.

Page 54: Relatorio de Estagio- Final

REFERÊNCIAS

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BLEICHMAR;BLEICHMAR. A psicanálise depois de Freud. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. cap. 5, 6,11.

FREUD, S. A etiologia da Histeria. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v.3

FREUD, S. Análise de uma fobia em um menino de cinco anos. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v.10.

FREUD, S. Minhas teses sobre o papel da sexualidade na etiologia das neuroses. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v.7.

FREUD, S. Um estudo autobiográfico. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 20.

GAY, P. Freud: uma vida para o nosso tempo. 15.ed. São Paulo: Companhia das Letras 2002, cap. 1, 2, 3.

KLEIN, M. A psicanálise de Criança, Imago, 1997. cap.1.

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SEGAL, H. Introdução à obra de Melanie Klein. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

THOMAS, M-C. Introdução à obra de Melanie Klein. In: NASIO, J.-D. Introdução às obras de Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein, Winnicott, Dolto e Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.

Page 55: Relatorio de Estagio- Final

WINNICOTT, D. W. Da pediatria a psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 2000. cap. 18,24.