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RELATÓRIO DE ESTÁGIO NO DEPARTAMENTO CENTRAL DE INVESTIGAÇÃO E ACÇÃO PENAL MESTRADO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS-FORENSES Catarina Lúcio Viegas Lopes 2015

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RELATÓRIO DE ESTÁGIO NO DEPARTAMENTO CENTRAL DE

INVESTIGAÇÃO E ACÇÃO PENAL

MESTRADO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS-FORENSES

Catarina Lúcio Viegas Lopes

2015

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

ii

CATARINA LÚCIO VIEGAS LOPES

Nº3509

RELATÓRIO DE ESTÁGIO NO DEPARTAMENTO CENTRAL DE

INVESTIGAÇÃO E ACÇÃO PENAL

Relatório de estágio curricular da Faculdade

de Direito da Universidade Nova de Lisboa

em vista à obtenção do grau de Mestre em

Direito

Orientador na FDUNL: Professor Doutor Frederico de Lacerda da Costa Pinto

Orientadora no DCIAP: Sr.ª Procuradora da República Dr.ª Isabel Nascimento

2015

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

iii

DECLARAÇÃO ANTI-PLÁGIO

Ao abrigo do artigo 20.º - A do Regulamento do 2º Ciclo de Estudos da

Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, “declaro por minha honra

que o trabalho que apresento é original e que todas as minhas citações estão

correctamente identificadas. Tenho consciência que a utilização de elementos

alheios não identificados constitui uma grave falta ética e disciplinar”.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

iv

AGRADECIMENTOS

Gostava de deixar uma breve nota de agradecimento e reconhecimento a todas as

pessoas que apoiaram e deram o seu contributo na realização deste relatório de

estágio

Ao Professor Dr. Frederico de Lacerda da Costa Pinto pela orientação e

experiência transmitida

À Dr.ª Isabel Nascimento pelo apoio e dedicação incondicional durante e após o

estágio

Ao Dr. Amadeu Guerra pela oportunidade facultada

A todos os magistrados e funcionários do DCIAP

Aos meus pais por todo o apoio prestado durante a minha vida académica, sem

eles nada teria sido possível

Ao meu namorado e à minha irmã pela paciência e motivação nos momentos de

maior aperto

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

v

MODO DE CITAR

Este relatório está escrito ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1945

O corpo do presente texto apresenta um total de 155 950 caracteres,

incluindo espaços e notas de rodapé.

As citações constantes no presente relatório seguiram o sistema

automático do Word no estilo ISO 690 (constituído pela primeira

referência e data) com a indicação da página aludida.

A bibliografia foi elaborada em respeito pela norma portuguesa NP 405,

harmonizada com a norma internacional ISO 690.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

vi

LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E ACRÓNIMOS

AT – Autoridade Tributária

BPN – Banco Português Nacional

CE – Comunidade Europeia

CECA – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço

CEJ – Centro de Estudos Judiciários

CP – Código Penal

CPC – Código Processo Civil

CPP – Código Processo Penal

CRP – Constituição da República Portuguesa

DCIAP – Departamento Central de Investigação e Acção Penal

DCICCEF – Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade

Económica e Financeira

DGCI – Direcção-Geral de Impostos

DIAP – Departamento de Investigação e Acção Penal

DLVT – Directoria de Lisboa e Vale do Tejo

Dr. /Dr.ª – Doutor/Doutora

DSAFA – Direcção de Serviços Antifraude Aduaneira

DSIFAE – Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e Acções Especiais

EIC – Equipa de Investigação Conjunta

EMP – Estatuto do Ministério Público

EURATOM – Comunidade Europeia de Energia Atómica

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

vii

EUROJUST – Unidade Europeia de Cooperação Judiciária – The European

Union’s Judicial Cooperation Unit

EUROPOL – Serviço Europeu de Polícia – The European Police Office

GIT – Grupo Técnico de Informática

i.e. – id est

IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado

IGFSE – Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu

IPSS – Instituição Privada de Solidariedade Social

JIC – Juiz de Instrução Criminal

JIT – Joint Investigation Teams (designação das Equipas Conjuntas de

Investigação)

LOIC – Lei de Organização da Investigação Criminal

MDE – Mandado de Detenção Europeu

MP – Ministério Público

NIF – Núcleo Informático Financeiro (PJ)

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico

OLAF – Organismo Europeu de Luta Antifraude

OPC – Órgão de Polícia Criminal

PA – Procedimento Administrativo

PGR – Procuradoria-Geral da República

PJ – Polícia Judiciária

p.p. – previsto e punido

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

viii

RAI – Requerimento de Abertura de Instrução

RDE – Relato de Diligências Externas

RGIT – Regime Geral de Infracções Tributárias

RJE – Rede Judiciária Europeia

SNS – Serviço Nacional de Saúde

Sr.º /Sr.ª – Senhor/Senhora

STJ – Supremo Tribunal de Justiça

TCIC – Tribunal Central de Instrução Criminal

TIR – Termo de Identidade e Residência

TRE – Tribunal da Relação de Évora

UA – Unidade de Apoio (à Investigação) – DCIAP

UAI – Unidade de Análise de Informação – DCIAP

UE – União Europeia

UIF – Unidade de Informação Financeira – PJ

UNCC – Unidade Nacional de Combate à Corrupção

UNCT – Unidade Nacional de Combate ao Terrorismo

UPAT – Unidade de Prevenção e Apoio Tecnológico

Vs. – Versus

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

ix

RESUMO

O DCIAP tem competência para a prevenção criminal, investigação e

coordenação da direcção da criminalidade violenta, organizada e de grande

complexidade, tal como definido no Estatuto do Ministério Público, de onde

resulta a assumpção de competência dos casos mais mediáticos e com maior

impacto processual e investigatório comparado com os restantes departamentos.

Os meios de obtenção de prova, a quantidade de prova obtida, a quantidade de

arguidos atinentes a cada processo-crime, a gravidade dos crimes para os quais os

magistrados do Departamento são titulares do exercício da acção penal, definem

a sua real importância para o Estado de Direito.

Na realização deste relatório de estágio procurei aprofundar a temática do

instituto de intervenção hierárquica requerido pelo assistente e o requerimento de

abertura de instrução pelo arguido, partindo de um caso hipotético facultado,

aquando a consulta de um inquérito, tendo como objecto o crime de corrupção

activa onde este instituto interveio em reacção ao despacho de arquivamento

proferido pelo Ministério Público.

Estudei a aplicação do instituto de suspensão provisória do processo,

especificamente no âmbito da criminalidade fiscal, analisando a efectiva

satisfação dos fins das penas nas duas vertentes: prevenção geral e prevenção

especial.

Dirigi-me pela primeira vez a um Tribunal Central de Instrução Criminal, onde

assisti a diligências de instrução e ao debate instrutório de um processo que

culminou com a acusação e pronúncia dos arguidos. Além desta vivência penal,

aprofundei e consolidei os conhecimentos académicos com o estudo de diversos

processos criminais no âmbito das diversas áreas da criminalidade investigadas

pelo DCIAP. Pude assim verificar os motivos que levam à morosidade

processual, atinente ao ordenamento jurídico português, em especial neste tipo de

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

x

criminalidade, levantando questões que abordei e analisei sempre de forma

crítica e académica.

Ainda no âmbito deste relatório tive oportunidade de presenciar um seminário na

Direcção das Finanças em Lisboa, bem como de entrar no Centro de Estudos

Judiciários para assistir a uma conferência no Dia Internacional de Combate à

Corrupção.

Durante a realização do estágio curricular retive a importância investigatória da

cooperação judiciária internacional através dos diversos órgãos, com especial

relevo a EUROJUST.

Percebi a organização e funcionamento destes órgãos comunitários e os meios de

comunicação de actos processuais, mormente, as cartas rogatórias e os mandados

de detenção europeus. Este envolvimento é um dos factores moratórios dos

inquéritos onde são necessários envios de cartas rogatórias para aquisição de

prova ou de informação relevante para o bom prosseguimento do processo. Por

este motivo a cooperação judiciária através dos órgãos comunitários competentes

traduz uma agilização da resposta entre as competentes autoridades judiciárias

dos Estados-Membros por intermédio do membro-nacional que integra a

EUROJUST.

Este relatório visa evidenciar algumas das dificuldades e questões processuais

que os Procuradores da República do DCIAP e os órgãos de polícia criminal que

os coadjuvam enfrentam no combate à criminalidade violenta e organizada, de

carácter transnacional e transdistrital, de especial complexidade, de acordo com

as especificidades dos tipos criminais.

Palavras-Chave: Criminalidade Violenta e Organizada; Criminalidade

Económico-Financeira; Inquérito; Instrução; Cooperação Judiciária; Meios de

Obtenção de Prova; Especial Complexidade; Ministério Público; Intervenção

Hierárquica; Suspensão Provisória do Processo.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

xi

ABSTRACT

The Department is responsible for crime prevention, investigation and

coordination of the violent criminality - organized and with great complexity –

defined in the Statute of the Public Ministry, from which results the competence

assumption of the most exposed cases and with greater procedural and

investigative impact when compared to the other departments.

The means of obtaining evidence, the amount of evidence obtained, the number

of defendants related to each criminal case and the gravity of the crimes for

which the magistrates of the Department are holders of penal action, define its

real importance to the Rule of Law.

I have deeply studied the subject of the institution of hierarchical intervention

required by the assistant and the application of an opening statement by the

defendant, starting from a hypothetical case, provided when the query of an

investigation with the subject of the crime of active corruption, where this

institution was called as a reaction to the archiving dispatch delivered by the

Public Ministry.

I have study about the implementation of the institution of provisional suspension

of the process, specifically in the scope of fiscal criminality, analyzing the

effective satisfaction of the purposes of the sentences in two slopes: general

prevention and special prevention.

I went for my first time to a Central Court of Criminal Instruction, where I

attended the measures of inquiry and instructive debate of a process that

culminated with the prosecution and pronunciation of the defendants. In addition

to this criminal experience, I have deepened and consolidated the academic

knowledge with the study of various criminal cases from various fields in the

scope of criminality investigated by the Department. I could therefore check the

basis of procedural delays, regarding to our legal system, especially in this type

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

xii

of crime, raising issues that I analyzed and discussed, always in a critical and

academic way.

I had the opportunity to attend and witness a seminar in the Lisbon Directorate of

Finance as well of entering the Centre for Judicial Studies to attend a conference

on the International Anti-Corruption Day.

Focus on the investigatory importance of the international judicial cooperation,

through the various organs, with special interest to EUROJUST.

I comprehended the organization and functioning of these communitarian organs

and means of communication of procedural acts, in particular, the rogatory letters

and european arrest warrants. This involvement is motivated by the moratorium

factor of the investigations where rogatory letters are necessary for the

acquisition of evidence or information relevant to the good continuation of the

process. For this reason the judicial cooperation through the relevant

communitarian organs, translates a streamlined response between the competent

judicial authorities of the Member States, through the National Member that

integrates EUROJUST.

This report aims to highlight some of the difficulties and procedural issues that

Public Prosecutors of DCIAP and criminal police bodies that assist them, face in

combating violent and organized crime, of national and transnational nature, of

particular complexity, according to the specifics of criminal types.

Keywords: Violent and Organized Crime; Economic And Financial Crime;

Investigation; Instruction; Judicial Cooperation; Means of obtaining Evidence;

Special Complexity; Public Prosecutor; Hierarchical Intervention; Temporary

suspension of the process.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

xiii

ÍNDICE:

A. Introdução .................................................................................................................. 01

B. O Ministério Público .................................................................................................. 03

C. Departamento Central de Investigação e Acção Penal .......................................... 05

I. Competência e funcionamento – A “Nova Estrutura” do DCIAP ......................... 05

II. Função de Prevenção criminal ................................................................................. 06

III. Função de Coordenação .......................................................................................... 07

IV. Função de Direcção da Investigação ...................................................................... 08

D. Unidade de Análise de Informação – UAI ............................................................... 11

E. Unidade de Apoio (da investigação) – UA ............................................................... 13

F. Cooperação Judiciária em matéria penal ................................................................. 15

V. EUROJUST ................................................................................................................ 16

VI. Cartas Rogatórias .................................................................................................... 19

VII. Mandados de Detenção Europeus ......................................................................... 20

G. Plataforma de Denúncias da PGR ........................................................................... 23

H. Aproximação Geral ao Estágio - Duração e Faseamento ...................................... 27

I. Aprofundamento das Actividades Desenvolvidas .................................................... 31

VIII. Fases processuais ................................................................................................... 31

IX. Consulta de processos-crime ................................................................................... 34

i. Criminalidade violenta .............................................................................................. 34

1. “Tráfico de Estupefacientes” ..................................................................................... 34

a. Tipos de Crimes .......................................................................................................... 34

b. Relevância Processual ................................................................................................ 37

c. Questões Levantadas .................................................................................................. 40

ii. Crimes económico-financeiros ................................................................................ 41

2. “Burlas Informáticas – O Phishing” ......................................................................... 41

a. Tipos de crimes ........................................................................................................... 41

b. Relevância Processual ................................................................................................ 44

c. Questões Levantadas .................................................................................................. 47

3. “Fraude Fiscal Qualificada – Facturação Falsa” .................................................... 47

a. Tipos de Crimes .......................................................................................................... 47

b. Relevância Processual ................................................................................................ 49

c. Questões Levantadas .................................................................................................. 52

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

xiv

4. “Burla Qualificada e Associação Criminosa” .......................................................... 54

a. Tipos de Crimes .......................................................................................................... 54

b. Relevância Processual ................................................................................................ 57

c. Questão Levantada ..................................................................................................... 60

X. Conclusões .................................................................................................................. 60

XI. Entrevistas a Magistrados ....................................................................................... 61

i. Procuradora da República Dr.ª Ana Carla Almeida ............................................... 62

ii. Procurador da República Dr. João Melo ................................................................. 65

iii. Procurador da República Dr. José Ranito .............................................................. 68

J. Temas propostos a desenvolver:................................................................................ 73

XII. Instituto da Intervenção Hierárquica e Requerimento de Abertura de

Instrução pelo arguido – Estudo de caso hipotético .................................................... 73

XIII. Aplicação do instituto da Suspensão Provisória do Processo na

criminalidade tributária, em especial, no crime de Fraude Fiscal ............................ 80

K. Conclusão ................................................................................................................... 87

Bibliografia ...................................................................................................................... 89

Anexos .............................................................................................................................. 93

I. Mapa Estatístico 1 – Averiguações Preventivas ....................................................... 94

II. Mapa Estatístico 2 – Acções Encobertas ................................................................. 95

III. Mapa Estatístico 3 – Plataforma de Denúncias .................................................... 96

IV. Processos-Crime Consultados:................................................................................ 97

i. Incidência 1 .................................................................................................................. 97

ii. Incidência 2 ................................................................................................................. 99

iii.Incidência 3 ............................................................................................................... 101

iv.Incidência 4 ............................................................................................................... 103

v. Incidência 5 ............................................................................................................... 105

V. Plano de Estágio Curricular ................................................................................... 107

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

1

A. Introdução

O presente relatório de estágio reflecte a actividade por mim realizada no

Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP).

Como aluna do curso de Mestrado em Ciências Jurídicas-Forenses o final do

ano lectivo culminou com a necessidade de optar entre a realização da

dissertação, um trabalho de projecto ou um relatório de estágio.

As possibilidades de opção do aluno mestrando encontram-se reguladas pelo

artigo 30.º do Regulamento do 2.º Ciclo conducente ao grau de Mestre em

Direito da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

Ponderadas as implicações que cada escolha envolveria, optei pela realização

de um relatório de estágio, pela vertente prática fomentada, pelo contacto com

profissionais e o conhecimento inevitavelmente apreendido. A dissertação, pela

individualidade inerente, ficou desde logo excluída, pela necessidade sentida de

preparação para a vida profissional, um pequeno (grande) passo que se

demonstrou crucial no âmbito pessoal.

A escolha do local para realizar o estágio curricular foi orientada pelo ramo

do Direito que sempre me fascinou desde os tempos da licenciatura e pelo

impacto e dimensão que a criminalidade investigada no DCIAP comporta. Outro

factor crucial na escolha prendeu-se com a via profissional que pretendo adoptar

– a magistratura – motivo pelo qual elegi o curso de Direito para completar a

minha formação académica.

O relatório começa pela caracterização sucinta do órgão Ministério Público,

seguida da apresentação do Departamento de Investigação e Acção Penal, das

Unidades coadjuvantes nas suas funções – Unidade de Análise da Informação e

Unidade de Apoio da Investigação, seguida da exposição da Plataforma de

Denúncias, logisticamente situada no Departamento e termina com a definição da

cooperação judiciária internacional, com a apresentação dos órgãos e dos meios

de comunicação possíveis.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

2

A parte fundamental do relatório traduz as actividades desenvolvidas ao longo

da sua duração e o que delas retirei, incidindo mormente no estudo de processos-

crime, já que foi esta a actividade principal orientadora do estágio. Neste ponto

abordo os tipos de crimes que constituem o “thema decidendum”, a relevância

processual e as questões por mim levantadas relativas a cada processo.

Finalizo com as conclusões desta vertente e inicio a abordagem das

entrevistas realizadas a três Procuradores da República. As entrevistas

complementaram e evidenciaram a importância na actividade de investigação e

exercício da acção penal bem como das orientações legais de prevenção da

criminalidade organizada e de especial complexidade.

Concluo esta estrutura expondo a importância que a realização do estágio

curricular neste Departamento resultou, tanto a nível pessoal como académico,

enunciando as expectativas criadas antes do estágio e as alcançadas.

Como forma de complementar algumas das informações descritas no

relatório, elaborei mapas estatísticos e resumi alguns dos processos-crime

consultados ao longo do estágio por não terem sido possíveis de abordar no

presente relatório de estágio.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

3

B. Ministério Público (MP)

O Ministério Público é um órgão de administração da justiça integrado na

função judicial do Estado, legitimado constitucionalmente1 pelo Estatuto do

Ministério Público2 e pela Lei. Tem como órgão superior a Procuradoria-Geral da

República, presidida pelo Procurador-Geral da República.

Sendo um órgão do poder judicial e por isso uma autoridade judiciária com

competência para representar o Estado, promove e realiza a acção de prevenção

criminal, dirige a investigação criminal e exerce as demais funções dispostas na

lei3. É caracterizado pelo princípio da autonomia funcional, ou seja, é autónomo

face ao poder executivo e quanto aos magistrados, considerados individualmente,

somente estão vinculados a critérios de legalidade e objectividade e às directivas,

ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos.

O MP diferencia-se da magistratura judicial pela organização hierárquica

subjacente, que não colide com a sua autonomia já que a mesma só se verifica

internamente e está baseada na subordinação dos magistrados aos imediatos

superiores hierárquicos, de acordo com o EMP, bem como na obrigação de

obediência às directivas, ordens e instruções emanadas por órgãos superiores.

Os princípios orientadores deste órgão independente espelham-se na

legalidade, objectividade (considerados “imperativos essenciais de autonomia”4)

e imparcialidade. Esta última vertente é garantida através do princípio da

inamovibilidade, que sustenta a independência dos magistrados no exercício das

suas funções, obstando à existência de terceiros a interferir nas decisões. O

princípio da unidade vincula o órgão MP à decisão última do acto processual,

através dos magistrados que a proferem, v.g. as decisões de encerramento de

1 Artigo 219.º

2 Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro – Estatuto do Ministério Público (doravante EMP)

3 Artigo 3.º n.º 1 EMP

4 (Medeiros, et al., 2014) P.18.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

4

inquérito e da fase processual de competência funcional exclusiva do MP5,

concluindo - vinculam o órgão MP no seu uno.

5 É a decisão de mérito por ele proferida que fundamenta o inquérito, ex vi artigo 262.º n.º 1 e 267.º do

CPP.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

5

C. Departamento Central de Investigação e Acção Penal

I. Competência e Funcionamento – A “Nova Estrutura” do DCIAP

O Departamento Central de Investigação e Acção Penal é um “órgão de

coordenação, de direcção da investigação e de prevenção da criminalidade

violenta, altamente organizada ou de especial complexidade”6. Composto por um

Procurador-Geral-Adjunto, que o dirige, vinte e cinco Procuradores da República

e três Procuradores-Adjuntos que coadjuvam os Procuradores da República no

exercício da acção penal.

O lugar de Procurador-Geral-Adjunto é provido por proposta do Procurador-

Geral da República, ao abrigo do artigo 127.º do EMP e o provimento dos

lugares para Procuradores da República, designados através de proposta do

Procurador-Geral-Adjunto com funções de coordenação e de direcção, de entre

Procuradores da República com classificação de mérito, de acordo com os

pressupostos elencados no artigo 123.º EMP.

Este órgão, dependente da Procuradoria-Geral da República, foi criado em

1998, com o aditamento que a Lei n.º 60/98, de 27 Agosto efectuou ao EMP.

Derivou da maior incidência da criminalidade organizada, transdistrital e

transnacional e estabeleceu a competência de intervenção e direcção do inquérito

através das Circulares n.º 10/99, 11/99 e 6/02 da PGR.

Nesta função o DCIAP é coadjuvado pelo OPC competente (PJ, UNCC, AT,

DSIFAE/AT), podendo a competência para a investigação ser delegada em

equipas mistas, caso o objecto do processo abranja concurso de crimes.

A 1 de Maio de 2014 entrou em vigor a “Nova Estrutura do DCIAP”, que

criou Equipas Especializadas de acordo com os crimes taxativamente elencados

no artigo 47.º nº 1 EMP, para os quais detém competência:

6 Artigo 46.º n.º 1 EMP

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

6

o Equipa da Criminalidade Violenta (incluindo os crimes de tráfico de

droga)

o Equipa da Criminalidade Económico-Financeira, subdividida em três

grupos:

o Grupo 1 (crimes fiscais, aduaneiros e falências);

o Grupo 2 (crimes de burla fora do sistema financeiro);

o Grupo 3 (crimes no sector financeiro, contratação pública e

corrupção)7.

Com a entrada em vigor desta estrutura, os magistrados inerentes ao DCIAP

foram distribuídos por cada grupo, com uma maior incidência na Equipa de

Criminalidade Económico-Financeira, justificada pela maior complexidade e

morosidade subjacente à investigação da criminalidade Económico-Financeira.

A assunção da competência pelo DCIAP segue as regras da competência dos

tribunais, designadamente, territorial, material e por conexão, ex vi o artigo 47.º

n.º 1 e 3 do EMP.

II. Função de Prevenção Criminal

Esta função incide nos crimes especificados no n.º 4 do artigo 47.º de acordo

com as acções preventivas para cada tipo de crime, nomeadamente, a Lei n.º

36/94, de 21 de Setembro.

As acções preventivas têm em vista a “recolha de informação relativamente a

notícias e factos susceptíveis de fundamentar suspeitas do perigo da prática de

um crime (alínea a); a solicitação de inquéritos, sindicâncias, inspecções e outras

diligências que se revelem necessárias e adequadas à averiguação de

determinados actos ou procedimentos administrativos, no âmbito das relações

entre a Administração Pública e as entidades privadas (alínea b); a proposta de

medidas susceptíveis de conduzirem à diminuição da corrupção e da

criminalidade económico-financeira (alínea c)” relativamente aos crimes

descritos no n.º 1 do referido artigo 1.º. Estas averiguações podem ter por fonte

7 De acordo com a Directiva “A Nova estrutura do DCIAP”. Disponível em http://dciap.pgr.pt/

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

7

as denúncias recebidas na Plataforma de Denúncias da PGR ou denúncias

transmitidas ao DCIAP ou à PGR.

São levadas a cabo pelo OPC (PJ-UNCC) e dão origem a procedimentos

administrativos, podendo dar lugar à abertura de inquérito, de acordo com as

informações indiciárias recolhidas. Um ponto a reter advém da necessidade de

instauração de inquérito imediatamente aquando da recolha de indícios da prática

de um crime constante no catálogo, já que estas averiguações são extra-

processuais, limitadas por isso quanto ao âmbito e intromissão na esfera jurídica

do suspeito e podem originar nulidade da prova por carecer de legalidade no

meio de obtenção.

As funções de prevenção aplicam-se igualmente aos crimes de branqueamento

de capitais, regulados pela Lei n.º 25/2008, de 05 de Junho. Estas comunicações

têm por fonte as instituições bancárias, às quais é implícito o dever de

comunicação de transacções e operações suspeitas, ex vi artigos 6.º e 16.º, feitas à

UIF – Unidade de Informação Financeira, que por sua vez transmite ao DCIAP,

resultando a abertura de procedimento administrativo de prevenção do

branqueamento de capitais por cada comunicação recebida, com a coadjuvação

da UA – Unidade de Apoio, aos magistrados afectos a estes procedimentos

preventivos.

III. Função de Coordenação

Esta vertente funcional do DCIAP encontra-se regulada no artigo 47.º nº 1 e 2

EMP, competindo a este departamento a coordenação da direcção da

investigação, a nível nacional, do catálogo de crimes enunciados no artigo 47.º nº

1 EMP. Existem algumas directivas que obrigam a comunicação ao DCIAP de

informação atinente às medidas específicas de cooperação judiciária na luta

contra o terrorismo8, cartas rogatórias

9, EUROJUST

10, averiguações preventivas

- comunicações estas, a efectuar num prazo de cinco dias11

.

8 Directiva n.º 5/04

9 Directiva n.º 6/04

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

8

Tal como definido pela Directiva n.º 1/14 da PGR, as comunicações são

sempre efectuadas via SIMP para a coordenação do DCIAP, quando esteja em

causa crimes previstos no catálogo do n.º 1 do artigo 47.º. O Procurador da

República com a função de coordenação12

determina o acompanhamento, caso

estejam reunidas as características da criminalidade afecta a este Departamento –

valores consideráveis, transdistritalidade e grande complexidade – caso contrário,

após pedido de informação, não assume a competência da titularidade do

inquérito, por não existir conexão com outros processos, acabando por ser

proferido despacho de arquivamento.

O exercício destas funções segue duas vertentes, elencadas no n.º 2 do artigo

47.º, “exame e execução de formas de articulação com outros departamentos e

serviços, nomeadamente de polícia criminal, com vista ao reforço da

simplificação, racionalidade e eficácia dos procedimentos” e “a elaboração de

estudos sobre a natureza, o volume e as tendências de evolução da criminalidade

e os resultados obtidos na prevenção, detecção e no controlo” em colaboração

com os DIAP’s.

A Directiva n.º 11/99 veio estabelecer a obrigatoriedade de comunicação

ao DCIAP das situações já descritas, sempre que um inquérito é iniciado

relativamente aos crimes enunciados. Uma fonte muito relevante nesta função, a

nível internacional, é a cooperação e articulação com entidades internacionais,

com especial destaque a EUROJUST13

.

IV. Função de Direcção da Investigação

Nesta função o DCIAP é coadjuvado pelo OPC competente (PJ, UNCC, AT,

DSIFAE/AT), podendo a competência para a investigação ser delegada em

10

Directiva n.º 7/06 11

Directiva n.º 6/02, Ponto VI.2 12

De acordo com a “Nova Estrutura do DCIAP” foram afectos à função um Procurador da República

relativamente à Criminalidade Violenta e um Procurador da República coordenador da Criminalidade

Económico-Financeira 13

Irei abordar este Instituto no Ponto E alínea I.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

9

equipas mistas de OPC no caso de concurso de crimes, actuando sempre sob a

sua directa orientação e dependência, ex vi artigo 263.º do CPP.

A competência para a direcção da investigação é atribuída de acordo com os

tipos de crimes que compõem o objecto do processo criminal, elencados no

catálogo enunciado no artigo 47.º n.º 1. Respeitando o estabelecido no seu n.º 3,

“quando a actividade criminosa ocorrer em comarcas pertencentes a diferentes

distritos judiciais”14

(competência transdistrital) ou “precedendo despacho do

Procurador-Geral da República, quando, relativamente a crimes de manifesta

gravidade, a especial complexidade ou dispersão territorial da actividade

criminosa justificarem a direcção concentrada da investigação”15

. Neste último

caso a competência originária não é do Departamento, mas a Procuradoria-Geral

da República, por despacho fundamentado, determina a sua assumpção pelo

DCIAP.

14

Alínea a) 15

Alínea b)

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10

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

11

D. Unidade de Análise de Informação – UAI

A UAI composta por elementos da Polícia Judiciária (PJ) tem como funções a

organização de informação relevante, quanto a arguidos, suspeitos e processos-

crime, numa base de dados (Habilus) em sintonia com o programa Analyst, que

transforma a informação conexa em diagramas bastante elucidativos. Esta base

de dados engloba igualmente outras bases de dados, detendo desta forma um

âmbito bastante alargado de cruzamento de dados, sintetiza a informação inserida

e concede uma visão global do envolvimento e contacto do suspeito/arguido. Em

casos com vários processos afectos à mesma pessoa, torna-se uma ferramenta

crucial na organização da informação e consequente conexão com outros

processos, arguidos ou suspeitos e a dimensão transnacional ou mesmo

internacional afecta.

A informação reunida e transmitida pelos agentes é solicitada pelos

Procuradores da República ligados à função de coordenação, de magistrados

titulares de inquéritos ou ainda através da Plataforma de Denúncias da PGR.

A informação e conhecimento que adquiri sobre esta Unidade foi legada pelo

Inspector Nuno Carvalho, que me mostrou todo o trabalho por detrás da Unidade

e a forma como a informação, depois de inserida, é visualizada. Pude atestar tudo

isto pela visualização do funcionamento do sistema no caso paradigmático de um

arguido com um número bastante elevado de processos dispersos territorialmente

por todo o país (cerca de 90) que, através das regras de conexão, deram origem a

um só inquérito16

. Pude assim comprovar a real importância, para o bom

funcionamento deste cruzamento de dados, da sensibilidade para a informação

que estes agentes devem reter de modo a que a informação incorporada na base

de dados seja a mais pormenorizada possível.

16

Processo criminal que tinha por objecto o crime de burla qualificada da competência do DCIAP, por

aplicação do artigo 46.º e 47.º n.º 3 alínea b) do EMP.

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12

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13

E. Unidade de Apoio (da Investigação) – UA

Esta Unidade de Apoio, constituída por quatro elementos da PSP, tem como

função coadjuvar os magistrados titulares do exercício da acção penal, no âmbito

da investigação criminal, denúncias derivadas da Plataforma de Denúncias e em

procedimentos administrativos (designados de PA’s) nascidos de comunicações

de instituições bancárias, como medida de prevenção do branqueamento de

vantagens de proveniência ilícita, com mais incidência nesta última vertente.

As comunicações da UIF são recebidas por quatro magistrados afectos a esta

função, solicitando posteriormente à UA informação relevante dessas

transmissões. Esta função é afecta a pedidos de procedimentos administrativos,

em fase de inquérito e relativos à Plataforma de Denúncias.

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14

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15

F. Cooperação Judiciária em matéria penal17

Esta matéria encontra-se regulada pela Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto

(alterada pela Lei n.º 104/2001, de 25 de Agosto), estabelece os parâmetros de

admissibilidade e formalidades que os pedidos de cooperação judiciária devem

respeitar.

Os órgãos criados como medidas de facilitar o combate à criminalidade

organizada e transnacional vieram agilizar a cooperação, troca de informação e

eventuais conexões de processos no Espaço Shengen. Além da EUROJUST, foi

criada a Rede Judiciária Europeia18

(RJE), mas como não estive em contacto com

este órgão durante o estágio, não o abordarei. O combate à criminalidade

transnacional é feita pela cooperação preferencial do DCIAP com a EUROJUST,

tendo em conta a natureza dos tipos de crimes mais complexos que envolvem

mais do que uma autoridade judiciária estrangeira e por compreender uma boa

relação com o membro nacional.

O OLAF – Organismo Europeu de Luta Antifraude19

é um meio de combate à

fraude na obtenção de subsídios europeus, incorporado na Comissão Europeia

com sede em Bruxelas, mas independente quanto aos seus poderes de instauração

de inquéritos. O escopo principal é assim a tutela dos interesses da União

Europeia – o Fundo Social Europeu.

Os seus poderes são exercidos pela prática de actos administrativos, i.e. os

inquéritos (internos ou externos) instaurados têm carácter meramente

administrativo, o que não impede, através da sua comunicação às autoridades

judiciárias competentes, designadamente, o membro nacional do EUROJUST,

que consubstanciem prova20

em processos criminais instaurados ou que o possam

17

O MP é apoiado através do Gabinete de Documentação e Direito Comparado, cuja função, entre outras,

passa pelo apoio no âmbito da cooperação jurídica e judiciária internacional. 18

Circular n.º 6/00 da PGR 19

Este organismo foi criado em 1999 pela Decisão n.º 1999/352/CE, CECA, EURATOM, de 28 de Abril

de 1999 e as suas competências foram atribuídas através do Regulamento (CE, EURATOM) n.º 883/2013

da UE (que alterou os Regulamentos (CE) n.º 1073/1999 e o Regulamento (EURATOM) n.º 1074/2999). 20

A validade da prova decorrente dos inquéritos prosseguidos por este organismo seguem as mesmas

prorrogativas que uma entidade administrativa em Portugal, v.g Autoridade Tributária. Os documentos

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

16

ser, mediante auto de notícia à autoridade judiciária competente. Abordei este

organismo aquando da entrevista com a Sr.ª Procuradora da República Dr.ª Ana

Carla Almeida, que o integrou e me explicou o funcionamento e organização.

O OLAF é composto por magistrados dos Estados-Membros. No caso de

Portugal e Espanha integra um magistrado com funções representativas deste

Estados, de modo a averiguar da existência ou inexistência de crimes decorrentes

dos inquéritos administrativos levados a cabo pelo OLAF, existindo forte sentido

de cooperação e gestão de competências entre o OLAF e a autoridade judiciária.

Os inquéritos internos têm em vista o controlo do cumprimento dos deveres

funcionais das investigações europeias, i.e. averiguar que funcionários

podem/são corrompíveis, de onde derivam poderes de diligências de buscas em

gabinete de funcionário mesmo sem o seu conhecimento. Já nas investigações

externas os funcionários que participam podem testemunhar em sede de inquérito

administrativo, desde que solicitem a quebra da imunidade derivada do estatuto –

dever de confidencialidade vs. dever de informação.

V. EUROJUST

A Lei n.º 36/2003, de 22 de Agosto (alterada pela Lei n.º 20/2014, de 15 de

Abril) transpôs para o ordenamento jurídico português a Decisão do Conselho da

UE n.º 2002/187/JAI, de 28 de Fevereiro, relativa à criação da EUROJUST, de

modo a reforçar a luta contra a criminalidade organizada. A redacção da Decisão

do Conselho da UE n.º 2009/426/JAI, de 16 de Dezembro de 2008, regula o

estatuto do membro nacional deste organismo, define as suas competências em

território nacional e o direito de actuar em relação às autoridades judiciárias

terceiras.

são entregues pelo operador, que assume esta obrigação com a celebração do contrato de fornecimento de

subsídios comunitários.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

17

Este órgão criado pela União Europeia tem o desígnio do aperfeiçoamento da

coordenação das investigações e acções penais entre as autoridades judiciárias

dos Estados-Membros. É constituído por um membro nacional, e tem como

pontos de contactos privilegiados: um magistrado do MP com funções no

Departamento de Assessoria Jurídica e de Cooperação Judiciária na

Procuradoria-Geral da República, com competência para as questões gerais e o

Director do DCIAP, com competência exclusiva para assuntos relativos ao

terrorismo, como forma de agilizar o funcionamento da EUROJUST.

O membro nacional tem as competências dispostas no artigo 8.º da Lei n.º

36/2003, de 22 de Agosto, “receber, transmitir, facilitar, dar seguimento e prestar

informações suplementares relativamente à execução de pedidos de cooperação

judiciária e decisões nesta matéria, nomeadamente no que se refere aos

instrumentos que aplicam o princípio do reconhecimento mútuo21

, devendo

informar imediatamente a autoridade judiciaria competente (alínea a); Em caso

de execução parcial ou inadequada de um pedido de cooperação judiciária, o

membro nacional pode solicitar à autoridade judiciária competente que tome as

medidas suplementares com vista à execução plena do pedido (alínea b)”. De

acordo com o artigo 11.º é a autoridade competente para apreciação dos

inquéritos administrativos efectuados pelo OLAF.

O membro nacional tem o dever de informação aos serviços do MP

relativamente aos tipos de crimes em investigação, caso estejam abrangidos na

competência da EUROJUST, da criação de equipas de investigação conjuntas

(EIC22

) bem como dos seus efeitos caso surjam conflitos de competência, com a

21

Princípio crucial em matéria penal de cooperação internacional que prevê o reconhecimento das

decisões judiciais penais nos Estados-Membros. 22

Designadas JIT – Joint Investigation Teams. Previstas pela Decisão-Quadro n.º 2002/465/JAI, de 13 de

Junho de 2002, como uma das formas possíveis de auxílio judiciário mútuo criadas para perseguir um

objectivo específico e durante determinado período temporal. São um importante instrumento de

cooperação internacional em inquéritos com dimensão transnacional, envolvendo autoridades judiciárias

de vários Estados-Membros. De acordo com a Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, artigo 145 – A. A

comissão Europeia atribui um Orçamento anual, autorizado pelo Presidente do Secretariado do

EUROJUST. Em 2013, Portugal contou com uma verba no valor de €90.000, a qual quando esgotada,

torna impossível a constituição de JIT’s.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

18

excepção prevista nas situações em que a troca de informações possa colocar em

causa a segurança nacional, podendo nestes casos recusar.

Como forma de melhor entender como se procede à constituição de uma ECI,

foi-me facultada uma cópia de um acordo relativo à criação de uma equipa de

investigação conjunta com o objectivo de identificação e consequente

interrogatório de membros de organizações que se dedicam ao tráfico de droga

internacional e obtenção de provas dos crimes com a consequente localização dos

locais de actuação e meios utilizados para prossecução do crime. Este acordo

teve duração de 12 meses, podendo ser prorrogado ou terminado a qualquer

momento com consentimento das partes e contou com a participação da

EUROJUST e EUROPOL – a primeira com as funções de contribuição nos

trabalhos de equipa por intermédio dos membros nacionais dos países envolvidos

e a segunda com a função de participar nas actividades da equipa em concreto

pela sua disponibilização para análise criminal.

As Circulares n.º 5/2004, de 18 de Março, 15/2004, de 18 de Novembro,

7/2006, de 27 de Março, dispõem as competências do correspondente nacional,

implementam a obrigação de transmissão de comunicações de mandados de

detenção europeus e as comunicações e processos de cooperação com a

EUROJUST, respectivamente.

Sobre a cooperação internacional através do membro nacional da

EUROJUST, pude consultar um processo criminal onde existiram reuniões de

cooperação judiciária entre dois Estados-Membros, estando sob investigação o

crime de tráfico de droga do qual resultaram averiguações preventivas no nosso

ordenamento jurídico português pela suspeita do crime de branqueamento de

capitais. O processo criminal em Portugal observou despacho de arquivamento

por falta de condenação do crime precedente, por considerar que o crime previsto

no artigo 368.º - A do CP é um crime de conexão, que se traduz na obrigação da

existência de provas do crime que justifica a “lavagem de dinheiro” para

consequente acusação pelo mesmo.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

19

Consegui reter a importância deste órgão da UE, na facilitação de

comunicação entre os Estados envolvidos e a rapidez dos resultados solicitados,

considerando por isso um órgão de “mediação” bastante eficaz, no caso concreto

entre Estado-Membros, mas ainda mais entre Estados não membros, onde a

utilização, v.g do instrumento de cartas rogatórias atrasa bastante a prossecução

da investigação criminal, quando se está perante pedidos de extrema relevância

probatória.

VI. Cartas Rogatórias

Este mecanismo de cooperação judiciária traduz-se na comunicação de actos

processuais entre autoridades judiciárias com funções fora do território nacional,

ex vi artigo 111.º n.º 3 alínea b) do CPP. As relações de cooperação internacional

encontram-se reguladas nos artigos 229.º e seguintes da legislação citada,

dispondo no seu artigo 230.º que “as rogatórias às autoridades estrangeiras são

entregues ao MP para expedição” (n.º1) e “só são passadas quando a autoridade

judiciária competente entender que são necessárias à prova de algum facto

essencial para a acusação ou para a defesa (n.º2).”

A emissão das cartas deve respeitar dois critérios fundamentais ao seu bom

funcionamento: um critério de proporcionalidade, de acordo com o artigo 10.º da

Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, dado que pela reduzida importância da infracção

a cooperação pode ser recusada e um critério de necessidade no sentido da sua

essencialidade à prova de um facto criminal23

.

Durante o estágio e da consulta de processos criminais pude ver e analisar a

estrutura de uma carta rogatória, as formalidades que deve reunir e a diferença da

forma do conteúdo entre as cartas recebidas e as expedidas. Uma vicissitude

fundamental que verifiquei desta prática foram as diferenças temporais de

resposta de acordo com o país ao qual era solicitada esta cooperação judiciária.

Acedi a cartas rogatórias expedidas para países como: Reino Unido, Guiné-

Bissau, Suíça e Espanha. Verifiquei maior morosidade de resposta dos dois

23

Artigo 230.º n.º 2 do CPP

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

20

primeiros países. Da Guiné-Bissau a resposta obtida não teve qualquer relevância

probatória nem investigatória e do Reino Unido resultou uma dificuldade

acrescida pelos pedidos burocráticos constantes e de justificação do justificado,

requeridos pelas autoridades judiciárias competentes.

As cartas rogatórias podem consubstanciar um pedido de auxílio judiciário,

devendo respeitar as formalidades descritas nos artigos 23.º e 151.º da Lei n.º

144/99, de 31 de Agosto, de onde resulta legitimidade processual para o

cumprimento destes pedidos para o Juiz e MP, ex vi artigo 150.º.

VII. Mandados de Detenção Europeus

O mandado de detenção europeu (MDE) é um mecanismo que traduz em

pleno a aplicação do princípio de reconhecimento mútuo24

em matéria penal de

sentenças e decisões judiciárias, na medida em que o seu cumprimento pelo

Estado de execução consolida as decisões em matéria penal, partindo de

ordenamentos jurídicos distintos.

A actuação perante um MDE é tida como se derivasse de uma entidade

competente do seu território. A Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto (alterada

recentemente pela Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio) transpôs para o ordenamento

interno a Decisão Quadro do Conselho n.º 202/584/JAI, de 13 de Junho, que no

seu artigo 1.º n.º 1 define o MDE como “uma decisão judiciária emitida por um

Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma

pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de

uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade”, podendo ser emitido

em todas as fases do direito processual penal português.

O conteúdo e forma encontram-se no artigo 3.º e a sua transmissão pode, como

forma de assegurar uma resposta atempada e eficaz, ser comunicada através do

membro nacional da EUROJUST, quando os crimes tenham um âmbito

organizado e transnacional. O princípio ne bis in idem assegurado pela

24

Com as restrições constantes no artigo 11.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

21

Constituição da República Portuguesa25

e assegurado na União Europeia26

, é uma

das contingências levantadas quando se fala em cooperação judiciária em matéria

penal e coloca-se mormente nos mandados de detenção europeus dos quais é

fundamento de recusa de cumprimento, caso Portugal seja Estado Executor.

O artigo 2.º da Lei que regula o regime jurídico do MDE, no n.º 3 consagra a

dupla incriminação como um princípio fundamental no âmbito da cooperação

judiciária internacional, associado ao princípio do reconhecimento mútuo, que se

traduz na obrigatoriedade de tipificação criminal no Estado de execução dos

factos constitutivos de crime no Estado da emissão27

, mas exclui o seu controlo

no n.º 2, sempre que os factos, de acordo com a legislação do Estado membro de

emissão, constituam (…)” uma das infracções enumeradas no catálogo de crimes

deste artigo, desde que puníveis com pena de “duração máxima não inferior a

três anos”. Assim, caso os factos não constituam crime no Estado executor, não é

possível a sua recusa no cumprimento do MDE, ao abrigo desta norma.

A EUROJUST tem competência para prestar auxílio de modo a facilitar a

execução e dos pedidos de entrega e extradição de cidadãos da União Europeia.

Em jeito de conclusão, vou resumir um caso enunciado de modo a perceber a

relevância e conjugação da cooperação internacional em matéria penal:

Teve início com um relatório do porto fronteiriço misto de Vila Real e Cádiz,

por se ter verificado a saída de uma embarcação na direcção do Estado C, do qual

resultou instauração de inquérito e pedido de cooperação judiciária através da

EUROJUST.

O MP entrou em contacto com o Estado A, como resultado das diligências de

investigação das quais ficou indiciado que a contratação dos arguidos partiu deste

25

Artigo 29.º n.º 5 26

Artigos 54.º a 58.º da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen 27

Artigo 31.º n.º 2 da Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, onde estabelece a

admissibilidade de “entrega da pessoa reclamada no caso de crime, ainda que tentado, punível pela lei

portuguesa e pela lei do Estado requerente com pena ou medida privativas da liberdade de duração

máxima não inferior a um ano.”

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

22

Estado e os suspeitos sabiam que este iria ser o país de destino dos

estupefacientes.

Foram localizados os suspeitos de tráfico de droga internacional, com origem

no Estado-Membro A, para procederem ao embarque no Estado-Membro B com

destino ao Estado C, para procederem à recolha do estupefaciente.

Portugal emitiu carta rogatória com carácter urgente à entidade judiciária

competente do Estado A, a solicitar investigação conjunta e autorização para

entrar na embarcação, por conter pavilhão nacional de A acabando a ser

cumprida em 15 dias.

Do Estado B a cooperação internacional foi extra rogatória, por a embarcação

já ter atracado numa das marinas do mesmo. Pela existência da autorização de

busca na embarcação à vela, o OPC do Estado B acompanhou-a até pisar águas

nacionais, para ser abordada pela equipa conjunta constituída para este efeito

entre PJ e Polícia Marítima.

Apesar das diligências de cooperação internacional, uma parte do

estupefaciente foi transferido para outra embarcação, sem possibilidade de

identificação.

Como consequência desta cooperação judiciária, pela conjugação da Lei n.º

144/99, de 31 de Agosto com a Convenção das Nações Unidas de Prevenção e

Combate ao Tráfico de Droga e com o artigo 5.º alíneas e) e ii) do CP, o Estado

A prescindiu do seu direito soberano de solicitar a extradição dos dois arguidos

passando Portugal a ter competência para o procedimento criminal.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

23

G. Plataforma de Denúncias da PGR

Esta Plataforma foi criada em Novembro de 2010 decorrente das obrigações

internacionais a que o Estado português se vinculou em termos de transparência e

combate à corrupção e crimes conexos. A sua finalidade primária foi agilizar o

processo de denúncias de crimes de corrupção pelos cidadãos, definindo no

próprio sítio da Internet a corrupção como “o desvio de um poder para fins

diferentes daqueles para que foi concedido. Ou seja, o uso (abuso) para fins

particulares de um poder recebido por delegação.”28

Através desta Plataforma, o DCIAP efectua acções de prevenção ou de

instauração de inquéritos, quando as denúncias consagrem elementos indiciários

que consubstanciem a prática de um crime. Destas denúncias recebidas, muitas

são anónimas, motivadas muitas vezes pela existência neste tipo de

criminalidade, designada de “colarinho branco”, de medo de represálias por parte

dos denunciantes, não obstante a indicação do regime legal específico que esta

modalidade segue na página da Internet da Plataforma de Denúncias.

Figura 1

28

(PGR)

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

24

Quanto à sua organização, estão afectos três Procuradores-Adjuntos à

apreciação, tratamento e acompanhamento das denúncias recebidas, classificando

o sector referente a cada possibilidade – público, privado, desportivo, comércio

internacional e outros. Foi estabelecido, a partir de Novembro de 2014 a criação

de metodologias de trabalho, através de modelos de despachos, de modo a

garantir a triagem de todas as denúncias recebidas com a consequente

comunicação ao Procurador da República com as funções de coordenação do

Departamento.

No seguimento da denúncia recebida é atribuído um número identificativo que

concede a possibilidade, através do registo na página de Internet, de aceder à

investigação e onde pode solicitar eventuais esclarecimentos.

No Mapa Estatístico 3, está consagrado um mapa da Plataforma, no período de

2012 a 2014, no qual é visível o aumento das denúncias recebidas com o

desenrolar dos anos e constatei que o número aumenta substancialmente,

nomeadamente de denúncias anónimas, se existirem eleições legislativas ou

autárquicas.29

As denúncias recebidas consagram um âmbito mais alargado do previsto

inicialmente, existindo um espectro dos crimes de fraude fiscal relevante, o que

denota a preocupação e interesse cada vez maior da própria população nos crimes

contra a Fazenda Nacional.

É de louvar a criação de uma Plataforma com este propósito, apesar de tornar

a apreciação de todas as denúncias bastante complicada, devido à falta de

elementos indiciários dos crimes que os cidadãos comunicam, traduzindo-se

muitas das vezes em meras guerrilhas entre vizinhos. Levou-me a perceber a

vulgarização que a palavra “corrupção” ficou ligada, em parte devido à

mediatização deste crime, sem a necessária explicação do bem jurídico que

protege. Apesar deste factor sociológico, outro factor positivo advém do

crescente número de denúncias recebidas – a maior consciencialização e interesse

29

Mapa Estatístico 3

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

25

da população por estes tipos de crimes, o que demonstra a perda do medo e

assumpção dos reais impactos que esta criminalidade de “colarinho branco”

impõe aos contribuintes.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

26

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

27

H. Aproximação Geral ao Estágio – Duração e Faseamento

O Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal,

no âmbito do Mestrado em Ciências Jurídicas-Forenses, teve a duração de 5

meses, iniciou-se dia 6 de Outubro de 2014 e terminou dia 28 Fevereiro de 2014,

tendo o último mês servido para iniciar a elaboração do presente relatório.

Foi coordenado pelo DCIAP sob a supervisão do Senhor Director Dr. Amadeu

Guerra e dirigido pela Sr.ª Procuradora da República Dr.ª Isabel Nascimento que

elaborou o plano de estágio e reuniu semanalmente comigo para esclarecimento

de dúvidas, análise de processos e metodologia de trabalho.

O estágio teve início com a apresentação das instalações e de todos os

funcionários e magistrados e com uma breve apresentação das funções e equipas

especializadas em que cada magistrado se encontra, bem como do escopo e

vantagens que a “Nova Estrutura” do DCIAP produziu.

Acompanhei a Dr.ª Isabel Nascimento ao TCIC, para assistir a diligências de

instrução – inquirição de uma testemunha e quatro interrogatórios

complementares - no âmbito de um processo de burlas qualificadas e

branqueamento de capitais, com arguidos presos, mas não abrangido pelo regime

de segredo de justiça, processo no qual acompanhei o debate instrutório e foi-me

permitido consultar o despacho de pronúncia. A presença nesta diligência

processual teve um carácter cognitivo forte, por nunca ter assistido a um

julgamento nem ter estado em contacto presencial com o procedimento criminal.

Pude assistir ao desenrolar das diligências de inquirição de testemunhas e

interrogatórios de arguidos, como se processa o debate instrutório, adquirindo

uma noção mais clara da ordem dos actos processuais.

A base do Estágio Curricular esteve na consulta de um conjunto de processos

findos, com arquivamento ou acusação, foram-me facultadas cópias digitalizadas

destes processos aquando da acusação e remissão para o tribunal da comarca

competente para julgamento, enquadrados nas equipas especializadas, numa

análise crítica e académica, verificando como se iniciaram os processos e as

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

28

diligências, mais ou menos, específicas de cada tipo de crime, i.e. verifiquei,

relativamente à criminalidade económico-financeira, as dificuldades de

investigação com que os magistrados se deparam, pela dificuldade de reunião de

todos os meios probatórios e a sua interpretação, além de a prova ser

maioritariamente documental e dispersa temporal e territorialmente, tendo

encontrado situações de conexão de diversos processos a nível nacional e com

um grande número de arguidos (característica dos processos criminais da

competência do DCIAP).

Tive oportunidade de assistir a um seminário sobre a criminalidade fiscal no

auditório da Direcção de Finanças de Lisboa, o qual contou com a participação

de diversos palestrantes, entre os quais: MP (DCIAP e DIAP), AT, PJ, DSAFA,

NIF, DSJT, DSPCIT.

O seminário teve o objectivo de debater técnicas de detecção e tratamentos dos

indícios de novas práticas criminais na fase de inquérito.

Este dia de seminário foi para mim bastante elucidativo, relativamente às

práticas ilícitas fiscais com que me deparei nas diversas consultas de processos

atinentes à criminalidade tributária e foi bastante interessante ouvir as

especificidades e problemas de algumas investigações, as quais serviram de

molde para futuras averiguações.

Presenciei, a convite da Sr.ª Procuradora da República Dr.ª Isabel Nascimento,

uma conferência no CEJ, no âmbito do Dia Internacional Contra a Corrupção,

onde foi apresentado um estudo sobre “A mediatização da corrupção pelos meios

de comunicação social no período de 2005 a 2012”. Neste estudo foram

analisados alguns processos mais mediáticos, seleccionados através dos seguintes

critérios: âmbito nacional; cobertura jornalística e a implicação de figuras

políticas, instituições e interesses nacionais. Desta selecção resultaram os casos

“Freeport”, “Face Oculta”, “Submarinos” e “BPN”.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

29

Um dos oradores foi o Senhor Director do DCIAP Dr. Amadeu Guerra, cuja

abordagem passou pela prevenção da corrupção, indiciada através de

percentagens de comissões elevadas, pagamento a consultores em situações

injustificadas, adopção de decisões inesperadas e infundadas, adjudicação de

contratos por ajuste directo, acções estas com prejuízo para o interesse público e

preferencial para empresas.

O Dr. Amadeu Guerra evidenciou as dificuldades de recolha de prova e a sua

imputação aos agentes, por se considerar o crime de corrupção um crime sem

vítima, derivado do facto de a vantagem patrimonial raramente se encontrar

documentada; ao papel do DCIAP (da sua competência de prevenção criminal,

investigação criminal e coordenação da direcção) realçou o desejo de melhorar as

definições de competência. A informação especializada não deve ser vista como

substituição de perícias, antes devem os exames periciais integrar certos

processos desde a sua instauração, criando deste modo uma táctica investigatória

que indica os factos mais ou menos importantes para a produção de prova.

Outro dos oradores desta conferência, o Sr.º Procurador da República Dr.º

Carlos Ferreira, destacou a importância do regime excepcional do segredo de

justiça e as consequências que as suas constantes violações acarretam para o

processo-crime em curso. Num dos processos mediáticos que titulou, pelas

constantes fugas de informação que sofreu, conseguiu-se, através da colocação

de símbolos distintos nos mandados de busca, confirmar a fonte da violação do

segredo de justiça – um dos arguidos do processo-crime, condenado nos dois

processos desencadeados, “Face Oculta” e o processo instaurado por violação do

segredo de justiça.

Participei ainda numa vertente “entrevista a magistrados” respeitando a nova

estrutura do DCIAP, na qual procedi à entrevista a três Procuradores da

República, um por cada um dos grupos especializados:

- Sr.ª Procuradora da República Dr.ª Ana Carla Almeida (no que respeita à

investigação de crimes de burla qualificada e criminalidade fiscal);

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30

- Sr. Procurador da República Dr. João Melo (relativamente ao Grupo da

criminalidade violenta);

- Sr. Procurador da República Dr. José Ranito (relativamente aos crimes de

corrupção e conexos).

Para cada uma das entrevistas preparei um conjunto de questões

concretamente relacionadas com a especialização de cada magistrado, as quais

foram reveladoras da complexidade criminal, transdistrital e transnacional

investigada neste departamento, valorizando a experiência de cada magistrado no

DCIAP e, no caso da Sr.ª Procuradora da República Dr.ª Carla Almeida, a sua

experiência no OLAF e do Sr. Procurador da República Dr. José Ranito a

experiência retirada na 9ª secção do DIAP de Lisboa.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

31

I. Aprofundamento das Actividades Desenvolvidas

O plano de estágio conjecturava a consulta de processos-crime que correram

termos no DCIAP ou que correram termos noutros departamentos mas que

devido às regras de competência do DCIAP dispostas no EMP, foram apensados

ou distribuídos. O desenvolvimento desta actividade proporcionou-me a

oportunidade de conhecer, de uma forma prática e pormenorizada as

metodologias de investigação adoptadas, as dificuldades inerentes aos tipos de

crime investigados e as diferentes fases processuais que compreendem o

processo penal português.

Durante os quatro meses de duração efectiva do estágio, consultei cerca de

quinze processos-crime, distribuídos por certo período de tempo30

, atendendo a

um critério de maior ou menor complexidade e às vicissitudes da investigação.

Os processos consultados não poderão ser estudados pormenorizadamente no

presente relatório de estágio, pelo que elaborei um quadro onde tipifico alguns

dos processos, descriminando os tipos de crime, problemas levantados,

morosidade da investigação e despachos de encerramento de inquérito

(arquivamento ou acusação).

Por impossibilidade de abordagem de todos os processos consultados

seleccionei os que considerei mais importantes atendendo ao seu teor e à “Nova

Estrutura” do DCIAP, aprofundando um processo por cada equipa especializada:

equipa da criminalidade violenta e equipa dos crimes económico-financeiros.

Relativamente a cada um dos escolhidos, debrucei-me sobre os tipos de crime

objecto dos processos, comportamento típico ilícito preenchido e aprofundei as

questões relevantes de cada processo.

VIII. Fases Processuais:

O processo penal português compreende um sistema tripartido (fase de

inquérito, instrução e julgamento) e segue um regime acusatório ténue, onde o

30

Ver Mapa de distribuição em Anexo

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

32

princípio base é a presunção da inocência (ne bis in idem), constitucionalmente

consagrado no artigo 32.º nº2.

Para prossecução deste princípio são seguidas as regras estabelecidas no

código do processo penal, que indica o caminho a seguir na descoberta da

verdade material, fim último de todo o processo penal português.

O sistema judicial, em respeito ao princípio da separação de poderes, é

tripartido e em cada fase tem um titular exclusivo e autónomo da acção penal,

que a exerce sempre com o escopo da descoberta da verdade material,

diligenciando e recolhendo prova nesse sentido.

Fase de Inquérito:

O processo penal inicia-se com a promoção do mesmo, aquando da aquisição

da notícia do crime pelo MP, por intermédio dos OPC ou por meio de denúncia,

que pode ser obrigatória31

(artigo 242.º CPP) ou facultativa (artigo 244.º CPP) e

através do auto de notícia (artigo 243.º CPP). Recebida a notícia do crime, cabe

ao MP a sua promoção para abertura de inquérito.

Esta fase processual é uma fase preliminar que tem como matriz máxima a

descoberta da verdade material prosseguida pelo princípio da investigação e o

princípio da presunção da inocência. A investigação criminal prossegue dois

objectivos: criar a convicção sobre três realidades: a existência de um crime,

determinação dos seus agentes e da sua responsabilidade criminal e a recolha de

provas. Para atingir estes objectivos são realizados diversos actos de inquérito

previstos legalmente, mas determinados pelo titular da acção penal, de acordo

com a metodologia de investigação decidida para o caso concreto.

Fase de Instrução:

A fase de instrução é uma fase facultativa, entre a fase de inquérito e a fase de

julgamento, que visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou

31

A sua omissão consubstancia o crime punido e previsto no artigo 367.º CP.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

33

arquivar inquérito, devendo o Juiz de Instrução Criminal (JIC) praticar os actos

necessários par a realização deste desígnio (artigos 286.º nº 1 e 290.º nº 1 CPP).

A decisão baseia-se na admissibilidade de sujeição do arguido a julgamento e

na razoável probabilidade de condenação (artigo 308.º nº 1 CPP), podendo esta

fase facultativa ser resumida ao debate instrutório (obrigatório sempre que o

requerimento de abertura de instrução seja deferido) e à decisão instrutória. Ao

contrário da fase de inquérito, com a abertura de instrução inicia-se uma fase

jurisdicional, i.e. de fiscalização judicial do despacho de encerramento de

inquérito proferido pelo MP (arquivamento ou acusação), sendo o JIC que

assegura a direcção da instrução, podendo ser assistido pelos OPC, conferindo-

lhes o encargo de procederem a diligências e investigações relativas à instrução,

com as restrições legalmente impostas32

.

A instrução pode ser requerida pelo arguido (artigo 287.º nº 1 alínea a)) ou

pelo assistente (alínea b) do artigo 287.º nº1), tendo o primeiro como finalidade a

não pronúncia pelo JIC e o segundo visa o efeito oposto, a pronúncia do arguido

após despacho de arquivamento, no caso de crimes públicos e semipúblicos33

,

promovendo um controlo judicial do despacho que encerra o inquérito.

Fase de Julgamento:

Proferido o despacho de acusação, o processo segue para julgamento no caso

de não ser requerida abertura de instrução, onde o juiz de julgamento, aprecia as

questões reguladas no artigo 311.º do CPP, a fundamentação da acusação e a

subsistência dos pressupostos para submissão do arguido a julgamento pelos

factos por que vem acusado. Com o saneamento do processo é designada a data

da audiência de julgamento.

32

Constantes nos artigos 290.º nº2, 268,º nº 1 e 270.º nº 2 todos do CPP. 33

Nos crimes particulares não é possível o assistente requerer a abertura de instrução, a acusação

particular predomina sobre o despacho de arquivamento proferido pelo MP, consoante disposto no artigo

285.º CPP.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

34

É uma fase processual obrigatória, onde a aplicação do contraditório tem o

exponente máximo, com força constitucional no artigo 32.º n.º 5 e no artigo 327.º

do CPP.

IX. Consulta de processos-crime:

Este objectivo, incluído no plano de estágio, foi bastante elucidativo de todo o

trabalho efectuado pelo DCIAP ao nível das práticas investigatórias, da

coordenação da investigação, das averiguações preliminares e dos tipos de crimes

da competência do DCIAP.

i. Criminalidade violenta:

1. “Tráfico de estupefacientes”

a. Tipos de Crimes34

Este foi o único processo que consultei no seu todo já que se encontrava

concluído à data do estudo. Foi falado pela Sr.ª Procuradora da República Dr.º

Isabel Nascimento, aquando da apresentação de todo o Departamento no

primeiro dia de estágio, após ter conhecido o Sr. Procurador da República titular

do inquérito, devido a ter sido proferida acusação pelo crime de associação

criminosa, p.p. pelo artigo 299.º do CPP.

A curiosidade falou mais alto, devido aos tipos de crimes envolvidos e

solicitei à Sr.ª Procuradora a consulta do mesmo, a que acedeu.

Os crimes que compõem este processo de acordo com a acusação, todos em

co-autoria, estão tipificados nos artigos 131.º, 132.º n.º 1 e 2 alíneas g), h), j),

158.º n.º 1 e 2 alíneas a), b), 210.º n.º 1 alínea a), 144.º alíneas a), b), 145.º n.º 1

alínea b) e n.º 2, 164.º n.º 1 alínea a) e 299.º n.º 3 todos do CP, artigo 86.º n.º 1

alíneas c), d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro e artigo 21.º n.º 1 da Lei n.º

15/93, de 22 de Janeiro.

34

Um case study bastante complicado, elaborado e de uma violência atroz, que suscitou em mim

sentimentos de revolta e perplexidade perante a maldade que pode existir no ser humano contra outros.

Falo aqui em crimes contra a vida de extrema violência e que demonstraram a capacidade do homem de

ultrapassar e sobreviver a situações desesperantes.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

35

No capítulo dos crimes contra a vida no Código Penal, prevê o artigo 131.º

que “quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de oito a dezasseis

anos”, seguindo a forma qualificada “se a morte for produzida em circunstâncias

que revelem especial censurabilidade ou perversidade35

” se o agente tiver “em

vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime, (…) ou assegurar a

impunidade do agente de um crime36

”, “praticar o facto juntamente com, pelo

menos, mais duas pessoas (…)37

” e “agir com frieza de ânimo, com reflexão

sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de

vinte e quatro horas38

”. Estamos perante um crime de resultado, não tendo sido

consumado, foram os arguidos acusados na forma tentada, ex vi artigos 22.º e

23.º, ambos do CP.

No capítulo IV do CP, estabelece o artigo 158.º n.º 2 uma forma agravante do

crime de sequestro quando a “privação da liberdade durar por mais dois dias39

;

for precedida ou acompanhada de ofensa à integridade física grave, tortura

(…)40

” com referência, no caso concreto, o artigo 144.º alínea a) e b) que dispõe

“quem ofender o corpo ou saúde de outra pessoa de forma a: (…) desfigurá-lo

grave e permanentemente; tirar-lhe ou afectar-lhe, de maneira grave, a

capacidade de trabalho, (…) possibilidade de utilizar o seu corpo (…)”,

respectivamente.

O artigo 210.º n.º 1 estipula que “quem, com ilegítima intenção de apropriação

para si (…), subtrair, (…), coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma

pessoa” com a componente agravante se “qualquer dos agentes produzir perigo

para a vida da vitima ou lhe infligir, (…) ofensa à integridade física grave”41

.

As ofensas à integridade física são qualificadas quando “forem produzidas em

circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente”,

35

Artigo 132.º n.º 1 do CP 36

Artigo 132.º n.º 2 alínea g) 37

Artigo 132.º n.º 2 alínea h) 38

Artigo 132.º n.º 2 alínea j) 39

Alínea a) 40

Alínea b) 41

N.º 2 alínea a) do artigo citado.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

36

contemplando uma pena agravada na sua alínea b), quando a ofensa desfigure

permanentemente a vítima, tendo em vista as circunstâncias previstas no artigo

132.º n.º 2, alíneas d), e), h), j), “empregar tortura (…) para aumentar o

sofrimento (…)”, “ser determinado (…) por qualquer motivo torpe ou fútil”,

tendo as duas últimas sido citadas na descrição do crime de homicídio

qualificado.

O crime de violação previsto no artigo 164.º n.º 1 alínea a) prevê a punição da

conduta ilícita por meio de violência, colocar a vítima na impossibilidade de

resistir e “constranger: a sofrer ou a praticar, consigo (…), coito anal”.

O artigo 299.º nos n.º 2 e 3 prevê a punição da conduta ilícita de “quem fizer

parte de tais grupos ou quem os apoiar, nomeadamente fornecendo (…), guarda

(…)”, “quem chefiar ou dirigir os grupos”.

O crime de tráfico de drogas agravado, tipificado na Lei n.º 15/93, de 22

Janeiro no seu artigo 21.º n.º 1 prevê pena de prisão de 4 a 12 anos “quem, sem

para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, (...), puser à venda, distribuir,

(…)” agravando este comportamento se “o agente obteve ou procurava obter

avultada compensação remuneratória”42

. Neste âmbito, foram acusados do crime

de associação criminosa com vista ao tráfico, pelo artigo 28.º n.º 1 e 2 da citada

Lei.

Este processo resultou de uma comunicação internacional à PJ – UNCT43

da

eventual ocorrência de um rapto de um cidadão estrangeiro, em território

português, onde constavam diversas indicações do possível suspeito e possíveis

motivações. Após recebimento e análise dos dados transmitidos, esta Unidade

iniciou de imediato as diligências necessárias para assegurar a libertação e

garantia da vida e integridade física da vítima, nomeadamente, pela tentativa de

localização celular do telemóvel da vítima, medida excepcional prevista no artigo

252.º - A n.º 1 do CPP.

42

Alínea c) do artigo 24.º da Lei de Combate à Droga. 43

Unidade Nacional de Combate ao Terrorismo

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

37

Os comportamentos típicos ilícitos passaram pelo rapto de um cidadão

estrangeiro num local público, seguido de sequestro numa residência, na qual

sofreu ofensas à sua integridade física, através de diversos meios de tortura,

incluindo mutilações a sangue frio. Posteriormente, o arguido A indicou a quatro

dos arguidos implicados no processo, um método de acabar com a vida da vítima,

de modo a encobrir as suas responsabilidades criminais, devido às constantes

acções de vigilância que ocorriam ao mesmo tempo

Com o desenrolar do processo e através das diligências de investigação

seguidas, foram descobertas diversas plantações de canábis, localizadas em

quintas que o arguido A arrendava e para as quais recrutava conterrâneos, a troco

de uma remuneração, para trabalharem nas mesmas.

Foram acusados seis arguidos, um deles com a emissão de mandado de

detenção europeu com as indicações de constituição de arguido e 1º

Interrogatório. Todos foram sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva,

por suspeita de “fortes indícios de prática de crime doloso (…) que corresponda a

criminalidade altamente organizada”.44

Extraída certidão para instauração de

processo autónomo, por fortes suspeitas sobre outros indivíduos, do

envolvimento na actividade ilícita desenvolvida pelo grupo, justificado por o

prazo de inquérito se encontrar no limite legal o que impossibilitou a constituição

como arguidos.

b. Relevância Processual

O auto de notícia datou de 8 de Novembro de 2010, com a comunicação da

autoridade judiciária internacional. No dia 15 do mesmo mês foram detidos em

aplicação dos artigos 11.º n.º 1 alínea h) da Lei n.º 37/2008, de 6 de Agosto e

257.º n.º 2 do CPP, ao abrigo dos artigos 27.º n.º 3 alínea b) da CRP, 193.º n.º 1 e

2, 202.º n.º 1 alínea c) e 204.º alíneas a), b), c), todos do CPP. Foi comunicada ao

órgão competente do MP, emitidos os respectivos mandados de detenção e

sujeitos a 1º interrogatório de arguido. A validação das diligências efectuadas

44

Alínea c) do n.º 1 do referido artigo.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

38

pelo OPC aconteceram posteriormente ao abrigo do artigo 58.º n.º 3 do CPP, com

a aplicação da medida de coacção prisão preventiva, após o 1º interrogatório, ex

vi artigo 194.º n.º 8 do CPP.

Os meios de prova seguiram as formas pericial45

, testemunhal (20

testemunhas), documental e por reconhecimento46

, obtidas através de buscas47

,

buscas domiciliárias48

, apreensões49

, escutas telefónicas50

, apreensões de

correspondência51

, quebra de sigilo e acesso a suportes digitais52

, acções de

vigilância.

Este inquérito seguiu termos inicialmente sob a competência do DIAP de

Lisboa, mas com o alargamento e modificação do objecto do processo à medida

que foram sendo recolhidos novos elementos probatórios sobre os factos em

redor do desaparecimento da vítima, do conjunto de factos integradores dos

crimes já citados e do apuramento dos locais diversos em que a actividade

criminosa se desenrolou - em mais de um Distrito Judicial - foram aplicadas as

regras gerais fixadoras da atribuição de competência da coordenação, direcção de

inquéritos e exercício da acção penal do DCIAP53

, designadamente, sempre que a

actividade ocorra em comarcas pertencentes a diferentes Distritos Judiciais e se

enquadre com o catálogo de crimes constante no artigo 47.º n.º 1 do EMP.

Foi requerida a abertura de instrução, a qual culminou com a emissão de

despacho de pronúncia de todos os crimes por que vinham acusados,

confirmando o despacho de acusação do MP.

45

Nomeadamente, análises de sangue e outras células corporais, médico-legais, ex vi artigo 156.º n.º 6,

159.º, exames directos às substâncias apreendidas, tanto em flagrante delito como as referidas plantações

e exames informáticos aos objectos apreendidos na realização das buscas domiciliárias. 46

Ao abrigo dos artigos 147.º n.º 1 e 148.º n.º 1 47

Artigo 174.º n.º 2, 3 e 5 alíneas b), c). 48

Artigo 177.º n.º 1 49

Artigo 178.º 50

Artigo 187.º n.º 1 alínea a), n.º 4 alínea a), c), 189.º 51

Artigo 179.º 52

Decreto-Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, artigo 17.º 53

Directiva emitida através da Circular n.º 10/99, de 16 de Julho que estabeleceu os pressupostos da

assumpção de competência pelo DCIAP.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

39

Em sede de julgamento, em Tribunal Colectivo, concretizada a prova

produzida nesta sede, os arguidos foram absolvidos dos crimes de violação, de

roubo qualificado, de associação criminosa e de associação criminosa com vista

ao tráfico.

A condenação pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada foi

imputada aos arguidos A e D, mas não punida contra este último pela relevância

aposta à desistência, provada nos autos, ex vi artigo 24.º n.º1 do CPP. As penas

únicas aplicadas à maioria dos arguidos, que tiveram em conta os crimes

cometidos e o respeito pelas regras de prevenção geral e prevenção especial, que

integram os fins das penas, foram bastante elevadas. O arguido A foi condenado

à pena máxima de prisão (25 anos), o arguido D à pena única de 8 anos, o

arguido B à pena única de 15 anos, o arguido W em 8 anos e o arguido R à pena

única de 2 anos e 6 meses.

Da sentença de 1ª Instância foi interposto recurso para o Tribunal da Relação

de Évora (TRE), por A, B e W, do qual resultou, a redução das penas únicas

aplicadas em 1ª instância, relativamente a A e W, já que o recurso de B não

obteve provimento (apesar de ter sido alterada a qualificação jurídica dos factos

subsumidos ao crime de sequestro). Acabaram condenados à pena única de 22

anos e 6 meses o arguido A, a manutenção da pena de 15 anos a B e a pena de 2

anos e 6 meses a W, por ter sido absolvido do crime de tráfico de droga

agravado.

Os arguidos A e B interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça

(STJ) verificando-se a redução de ambas as penas. O arguido B invocou a

nulidade da sentença proferida pelo TRE, pela pronúncia de factos que não

enquadravam a motivação e sendo esta que delimita o thema decidendum do

recurso, não poderia ser conhecida do tribunal, invocando que desta alteração da

qualificação jurídica dos factos – da qual se verificou atenuação da pena do crime

de sequestro agravado – deveria ter sido modificada a pena única, aplicando uma

pena mais favorável ao arguido, já que neste caso “a manutenção da pena pelo

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

40

tribunal de recurso tem o mesmo alcance e significado que a sua agravação54

”.

Esta apreciação foi considerada na pretensão de redução das penas, o que

efectivamente foi deliberado, seguido o arguido A condenado na pena única de

18 anos e 6 meses e o arguido B na pena única de 12 anos de prisão.

Certas questões foram levantadas pelos arguidos, nomeadamente, o facto de

certos actos realizados com a presença e ajuda – que se revelou preciosa – do

arguido D, não terem sido documentados, mas tendo originado a emissão de

mandados de buscas e apreensões acabou por resultar em importantes meios de

prova da factualidade do tráfico de droga.

O Tribunal de recurso alegou a não valoração deste acto, por não ser

considerado um acto processual, mas sim os testemunhos, como depoimentos

directos, dos agentes da PJ que acompanharam o arguido aos locais por ele

indicados, não existindo qualquer vício processual por nulidade insanável.

c. Questões Levantadas

Uma questão que suscitei foi a consequente redução das penas únicas em

consonância com a subida dos recursos. Uma curiosidade suprimida pela Sr.ª

Procuradora da República Dr.ª Isabel Nascimento, que pacientemente explicou os

métodos de contagem de anos de cada crime em cúmulo jurídico. Fiquei a saber

que existem três formas de cálculo em cúmulo jurídico (duas maioritariamente

utilizadas e a última por excepção, respectivamente):

o Pena mais elevada + 1/3 das restantes penas

o Somatório das penas calculadas a 1/6 cada

o Somatório de ½ de cada pena

O facto de terem existido diligências, ainda na fase de inquérito, não

documentadas em Relatório de Diligências Externas (RDE), uma já referenciada

e a outra referente ao pedido do OPC à Unidade de Faro para se dirigir a uma

residência por existirem fortes suspeitas de lá se encontrar a vítima, não

54

(2014) Disponível em www.dgsi.pt

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

41

referenciando os factos a apurar com a realização da mesma. Por este motivo, os

agentes dirigiram-se ao local e, apesar da vítima se encontrar no mesmo, não

procederam à detenção do arguido M – que acabou por fugir posteriormente

aquando a detenção dos restantes arguidos – com a consequente libertação da

vítima. Este facto somente foi alegado em sede de julgamento, apesar do

ofendido ter referenciado no seu depoimento a presença de agentes da polícia na

casa onde se encontrava sequestrado.

Como conclusão da análise deste processo comparativamente aos casos

estudados referentes à criminalidade económico-financeira, a morosidade por

norma inerente da fase de inquérito (uma realidade conhecida do ordenamento

jurídico português), não se verificou neste caso, mormente pelos crimes

envolvidos e pela necessidade de assegurar a vida e integridade física do lesado,

do qual retive a excelente acção preventiva, coadjuvação e coordenação do OPC

e autoridade judiciária.

A dificuldade de prova e recolha da mesma não é, de modo nenhum,

comparável entre os tipos de criminalidade, mas louvo a actuação que existiu no

caso concreto pelo resultado que proporcionou.

ii. Crimes económico-financeiros:

2. “Burlas informáticas (Phishing)”

a. Tipos de Crimes

Consultei três processos com o mesmo thema decidendum, os quais vou

abordar por terem o mesmo modus operandi, natureza transnacional e a mesma

veia de investigação.

Os processos consultados iniciaram-se através de procedimento

administrativo, derivados de comunicações de transacções suspeitas pelas

instituições bancárias à UIF, ao abrigo do artigo 6.º alínea f e 16.º) da Lei

n.º25/2008, de 5 de Junho (Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais e do

Financiamento ao Terrorismo).

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42

Nestes processos existiam indícios da prática dos crimes precedentes de acesso

ilegítimo, p.p. pelo artigo 6.º nº1 e 3 da Lei do Cibercrime55

, burla informática e

das comunicações, p.p. pelo artigo 221.º nº 1 do CP do crime de branqueamento

de capitais, p.p. pelo artigo 368.º-A do CP.

O crime previsto no artigo 221.º nº 1 CP (burla informática e das

comunicações) consubstancia-se quando o agente “com intenção de obter para si

ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, causar a outra pessoa prejuízo

patrimonial, interferindo no resultado de tratamento de dados ou mediante

estruturação incorrecta de programa informático, utilização incorrecta ou

incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou intervenção por

qualquer outro modo não autorizada no processamento”.

O bem jurídico protegido é o património do lesado e sendo um crime de dano,

tem que existir, efectivamente, prejuízo patrimonial para o ofendido. O elemento

subjectivo é doloso apesar de se traduzir num delito de resultado cortado, i.e.

exige ao agente o animus do enriquecimento ilícito, através das condutas típicas,

mas o tipo fica preenchido com o dano no património da vítima.

O crime de acesso ilegítimo, previsto no Diploma Legal já citado, manifesta-

se no acto do agente aceder a um sistema informático, sem autorização legal ou

do titular do direito ao sistema informático, punindo a tentativa e prevendo uma

moldura penal agravada, caso este acesso feito seja através da violação das regras

de segurança (nº 3).

É um crime informático, semipúblico (artigo 49.º CPP) nos casos de acesso

ilegítimo (nº 1), na forma qualificada prevista no nº 3 e quando se verifique uma

tentativa (nº 5) e, de natureza pública (artigo 48.º do CPP) nas formas agravadas,

previstas na norma (nº 4 e 6). Neste tipo de crime fala-se em domicílio

informático com o intuito de identificar e individualizar a segurança dos sistemas

informáticos antes de se verificarem as alterações no seu funcionamento ou nos

dados neles armazenados. Por ter um âmbito mais restrito de incriminação e de

55

Aprovada pela Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro que revogou a Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto.

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43

bens jurídicos protegidos seria, eventualmente, consumido pelo crime previsto no

artigo 221.º n.º 1 do CP.

O crime de branqueamento de capitais, regulado no artigo 368.º-A do CP,

incrimina as actividades que tenham em vista a ocultação e dissimulação da

origem ilícita das vantagens provenientes dos tipos de crime catalogados na

norma.

Num dos processos consultados, existiram indícios da prática do crime de

associação criminosa mas, com o avançar da investigação, concluíram que o

mesmo não se verificava.

As actividades delituosas que compõem estes processos, subsumem-se ao

chamado Phishing, i.e. forma ilegítima, de obtenção de dados pessoais de

terceiro através de meios informáticos, nomeadamente, pelo envio de correio

electrónico falso, adoptando a identidade de entidades bancárias, para assim

recolher informação preciosa no acesso às contas bancárias. O modus operandi

na angariação de intermediários, nestes casos sub judice, resume-se a publicações

de ofertas de trabalho como intermediários ou agentes financeiros, em páginas da

Internet específicas de empresas fictícias, com as exclusivas funções de receber

montantes na sua conta e posteriormente transferir os mesmos, via Western

Union, para contas bancárias previamente fornecidas. Como contrapartidas

remuneratórias, concediam comissões por cada transferência monetária efectuada

e o cobrimento das despesas inerentes. Devido à conjectura financeira que o

nosso país atravessa, muitos foram os que acederam a estas ofertas sem

desconfiar da falsidade das mesmas, quase todos os que responderam a estas

oportunidades de trabalho se encontravam desempregados, nalguns casos, todo o

agregado familiar.

Em todos existiram diversos processos dispersos territorialmente apensados

através das regras de conexão, por consistirem na mesma actividade ilícita. As

denúncias partiram tanto dos lesados com as ilegítimas transferências bancárias

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44

(quando portugueses), como dos destinatários56

das mesmas, que acabaram por

desconfiar da proveniência dos fundos tendo a maior parte das transferências sido

suspensas por acção das entidades financeiras, através da comunicação destas

operações suspeitas.

Os factos típicos ilícitos subsumem-se aos crimes descritos na medida em que

existiu acesso ilegítimo às contas dos ofendidos, através do envio de emails

contendo Malware que incitava à colocação de informação tida como essencial e

relevante no acesso às contas e aos números de telemóvel a elas associados.

Apesar das informações serem facultadas pelas vítimas, eram-no através de

acesso ilegítimo57

e utilizadas sem prévia autorização das mesmas58

. O crime de

branqueamento de capitais compôs o objecto dos processos por existirem

vantagens ilícitas provenientes dos crimes precedentes

b. Relevância Processual

Uma das medidas imediatamente adoptadas como prevenção do crime de

branqueamento de capitais, foi a aplicação da medida de suspensão das

operações bancárias a débito ou a crédito das contas dos arguidos59

enquanto

durou a fase de inquérito, em respeito aos princípios da adequação e

proporcionalidade. Esta operação não é uma medida de segurança ou de garantia

patrimonial é sim, uma medida com função cautelar, específica para superar as

vicissitudes da investigação desta criminalidade económico-financeira

organizada, de controlo e vigilância das contas bancárias suspeitas e um meio de

recolha de prova na investigação do crime de branqueamento de capitais,

bastando para a sua determinação, a existência de suspeitas da prática dos crimes

de catálogo (elencados no artigo 1.º nº 1 da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho) e de

quem é ou são os seus agentes60

.

56

São caracterizados como Money mules 57

Artigo 6.º nº 1 da Lei do Cibercrime 58

Artigo 221.º nº 1 do CP 59

Conjugação do artigo 17.º nº 1 a 3 da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho com o artigo 4.º nº 4 da Lei n.º

5/2002, de 11 de Janeiro 60

(2012)

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

45

Dois dos processos viram aplicado o regime excepcional do segredo de

justiça61

fundamentado no interesse da investigação na descoberta da verdade

material e em todos foi determinada a quebra do sigilo bancário, ao abrigo dos

artigos 1.º n.º 1 alínea h), 2.º e 3.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro conjugado

com o artigo 79.º n.º alínea d) da Lei n.º 36/2010, de 02 de Setembro que

procedeu à 21.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 289/92, de 31 de Dezembro.

Num dos processos foram enviadas cartas precatórias entre departamentos

pertencentes a Distritos Judiciais diferentes, solicitando a realização de

diligências (inquirição de suspeitos) e em que situações desta inquirição deve

resultar a constituição como arguidos62

ou inquirição com estatuto de

testemunhas63

e foram solicitados exames periciais a efectuar pelo Grupo

Técnico de Informática (GIT) aos materiais informáticos apreendidos em buscas

domiciliárias realizadas no âmbito de um dos processos em análise. As cartas

precatórias, previstas no artigo 111.º n.º 3 alínea b), são um dos meios possíveis

de comunicação, entre autoridades judiciárias e os OPC, de actos processuais,

empregues quando se tratar de acto a praticar fora dos limites de competência

territorial da entidade emitente mas dentro dos limites do território nacional.

Neste processo visualizei diligências investigatórias diferentes e mais

abrangentes em comparação com os outros dois processos em análise, por ter

como thema decidendum o crime de burla informática e nas comunicações, ao

contrário dos restantes que mantiveram como objecto do processo o crime

tipificado no artigo 368.º-A do CP. Neste caso concreto, as diligências foram

iniciadas pela PJ – UNCC – Unidade Nacional de Combate à Corrupção – tendo

sido remetido para a Unidade Especializada em crimes informáticos da

Directoria de Lisboa e Vale do Tejo – DLVT – e posteriormente assumida a

competência para o exercício da acção penal pelo DCIAP devido à criminalidade

organizada e transnacional das actividades ilícitas em investigação. Nos outros

dois processos, o objecto incorporava o crime de branqueamento de capitais e por

61

Artigo 86.º nº 3 do CPP 62

Artigo 59.º n.º 1 do CPP 63

Artigo 128.º n.º 1 do CPP

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

46

isso as diligências iniciaram-se com a PJ – UIF e seguiram a via investigatória

neste sentido.

Todos os processos tiveram como despacho de encerramento de inquérito o

arquivamento com base na falta de indícios suficientes de quem foram os seus

agentes64

e do conhecimento, por parte dos arguidos, da ilicitude das suas

condutas, pela denúncia que os próprios realizaram aos órgãos de polícia

criminal competentes e pelo resultado das diligências efectuadas ao longo dos

inquéritos, que demonstraram a dimensão internacional destes esquemas

fraudulentos, bem como a difícil localização e identificação dos verdadeiros

autores dos crimes, que se escondem atrás destes intermédios (Money mules) e de

endereços IP (Internet Protocol) em pontos de acesso livre ou de computadores

pessoais acedidos de forma ilegítima. Dos indícios retirados dos autos, a

imputação do cometimento dos ilícitos seria contra agentes desconhecidos, por

ter ficado provado que os arguidos não tiveram acesso directo ou indirecto aos

sistemas Home Banking e às contas bancárias dos ofendidos, foi também neste

âmbito, proferido despacho de arquivamento por impossibilidade de verificação

de quem foram os agentes dos crimes.

Da análise e dos meios de prova recolhidos, concluiu-se igualmente pela

“inocência” dos arguidos quanto à prática do crime de branqueamento de

capitais, por ser este um crime de conexão que pressupõe o cometimento de um

dos factos típicos ilícitos previstos no catálogo do artigo 368.º - A n.º 1, exigindo

como elemento subjectivo o dolo – o conhecimento pelo agente que o objecto da

acção de dissimulação, provêm de um dos factos precedentes elencados na lei, o

que não foi possível fazer prova.

A fase de inquérito nos processos com objecto criminal o branqueamento de

capitais teve uma duração, sensivelmente, de quatro anos (12-2009 a 9-2013) e

os restantes uma duração de 1 ano, devido à quantidade de processos que foram

apensos (um total de 24 processos).

64

Artigo 277.º nº 2

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

47

c. Questões Levantadas

Constatei da consulta destes casos concretos a dificuldade da investigação,

bem como a dimensão internacional e organizada deste tipo de criminalidade

informática. A Internet é um mundo e possibilita acessos variados, o que

proporciona a pessoas menos informadas e cautelosas, a invasão de um espaço

privado, muitas vezes sem terem conhecimento. Por muitos meios investigatórios

que possam ser levados a cabo, a dimensão internacional e os meios de

comunicação entre autoridades judiciárias possíveis, nomeadamente, através de

cartas rogatórias65

, torna praticamente impossível a identificação dos verdadeiros

agentes deste tipo de crimes, já que os poucos identificados, são de países como a

Rússia, Malta e Ucrânia, com os quais o contacto através destes meios de

comunicação, provavelmente, pouco ou nada trariam de utilidade probatória ao

processo.

As grandes quantidades de informação e a enorme variedade de sistemas de

informação existentes são outras vicissitudes na investigação deste tipo de

criminalidade informática, bem como a análise deste meio de prova –

maioritariamente digital – à qual é inerente a sua fragilidade, dependência do

tempo e a facilidade de transporte físico e virtual.

3. “Fraude fiscal qualificada – Facturação Falsa”

a. Tipos de Crimes

Este processo resultou de certidão decorrente da separação de processos,

sugerida pelos OPC’s, proposta pelo Procurador da República titular do processo

principal, apreciada e decidida positivamente pela Sr.ª Directora do

Departamento. O processo principal deu lugar a dois processos autónomos e à

manutenção daquele, devido ao avultado número de intervenientes processuais

(suspeitos e lesados), à natureza dos factos em investigação e consequente

morosidade investigatória.

65

Artigo 111.º n.º 3 alínea b) 2ª parte do CPP

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

48

O crime objecto deste processo consistiu em fraude fiscal qualificada, p.p.

pelos preceitos conjugados dos artigos 103.º n.º 1 alíneas a), b), c) e 104.º n.º 2

alínea a) do Regime Geral de Infracções Tributárias (a partir de agora designado

RGIT), conforme despacho de acusação.

Apesar de inicialmente existirem suspeitas de indícios da prática do crime

previsto no artigo 89.º do RGIT, as mesmas foram posteriormente abandonadas

bem como do crime de falsificação de documentos, p.p. pelo artigo 256.º n.º 1

alínea d) do CP, consumido pela prática do crime de fraude fiscal qualificada.

O crime de fraude fiscal, previsto no artigo 103.º do RGIT, criminaliza as

“condutas ilegítimas (…) que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da

prestação tributária” através da “a) ocultação ou alteração de factos ou valores

que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das

declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal

especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável; b)

Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à

administração tributária; c) Celebração de negócio simulados, quer quanto ao

valor, (…) que por interposição, omissão ou substituição de pessoas.” A natureza

Qualificada desta incriminação deriva do disposto no artigo 104.º n.º 2 alínea a) “

A fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos

equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a

intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente”.

A factualidade descrita na acusação, apurada ao longo do inquérito, subsume-

se à obtenção, por um conjunto de indivíduos, de facturas falsas emitidas em

nome da sociedade comercial de responsabilidade limitada BB, impressas em

diversas gráficas dispersas pelo território nacional, com o desígnio de

comercialização, incorporando-as desta forma no circuito comercial como sendo

verdadeiras, passando a ser contabilizadas por empresas que as adquiriam,

assumindo como certos os valores líquidos nelas inscritos, exercendo o seu

direito à dedução do IVA causando grave prejuízo para a Fazenda Pública.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

49

A competência para a direcção do inquérito coube ao DCIAP, por aplicação

dos artigos 46.º n.º 1, 47.º n.º 1 alínea j) e n.º 3 alínea a) do EMP, acompanhado

da competência do TCIC para a prática dos actos jurisdicionais até à eventual

remessa do processo para Julgamento, ex vi da conjugação das disposições dos

artigos citados com referência aos artigos 79.º e 80.º n.º 1 da Lei n.º 3/99, de 13

de Janeiro (na redacção introduzida pela Lei n.º 105/2003, de 10 de Dezembro) e

17.º do CPP. Devido à complexidade dos factos em investigação e da

necessidade inerente de conhecimento específicos, foi sentida a necessidade de

criação de uma equipa mista de investigação. Assim, ao abrigo da Circular n.º

6/02 da PGR, artigo 270.º do CPP, 41.º do RGIT e do 19.º da Portaria n.º

257/2005, foi delegada competência conjunta da investigação na PJ-DCICCEF66

e DGCI-DSIFAE67

.

b. Relevância Processual

Foram proferidos despachos de arquivamento com diversas fundamentações:

por ser legalmente inadmissível68

, por falta de indícios suficientes69

da prática

dos crimes pelos agentes e por não integração da factualidade em ilícito penal.

Procedeu-se à extracção de certidão processual das provas reunidas atinente a

uma sociedade comercial por a mesma já ter inquérito a correr nos serviços do

MP de Seia.

O despacho de arquivamento por inadmissibilidade legal do procedimento

fundamentou-se em anterior julgamento e condenação de cinco dos arguidos em

processo penal que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras,

pelos mesmos factos e no mesmo espaço temporal. Assim, em respeito pelo

princípio ne bis in idem70

, não prosseguiu procedimento criminal.

66

Policia Judiciária – Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e

Financeira 67

Direcção Geral de Contribuições e Impostos – Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de

Acções Especiais. 68

De acordo com o artigo 277.º n.º 1 69

Consoante o n.º 2 do artigo citado 70

Artigo 29.º n.º 5 da CRP

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50

O despacho de arquivamento, com firmamento no artigo 277.º n.º 2, por falta

de indícios suficientes, levou-me ao conceito, a maior parte das vezes fulcral na

decisão do encerramento de inquérito. Os indícios suficientes são aferidos por

um juízo de prognose traduzido na maior probabilidade do agente vir a ser

condenado do que absolvido em fase de julgamento, atendendo a uma valoração

e apreciação crítica da prova. Indícios suficientes não significam o mesmo que

fortes indícios, não é exigido o mesmo grau de ponderação probabilística tido em

julgamento. O princípio constitucionalmente consagrado no artigo 32.º n.º 2, in

dúbio pro reu, aplicado em todas as fases processuais, é aqui respeitado, com

este juízo de probabilidade, do qual resultou o encerramento do inquérito, ex vi

artigo 277.º n.º 2, de dezoito arguidos, por não ter sido possível provar a prática

dos crimes, de acordo com o acervo probatório trazido aos autos71

.

Outro despacho de encerramento proferido no caso analisado, teve como

fundamento a não integração dos factos num ilícito penal, também fundamentado

no artigo 271.º n.º 2 do CPP, por aplicação da condição objectiva de punibilidade

prevista no artigo 103.º n.º 2 do RGIT, que se traduz na punibilidade do crime se

as vantagens patrimoniais atingirem o valor mínimo de €15 00072

.

Existiram algumas empresas às quais, por anteriores declarações de

insolvência e por falecimento dos sócios-gerentes, foi proferido despacho de

arquivamento por inadmissibilidade legal de procedimento.

Uma vicissitude levantada nos autos e resolvida no despacho de encerramento

de inquérito, relativa à constituição de arguido da sociedade Q na pessoa do

administrador da insolvência, foi sanada com a constituição de arguido na pessoa

do sócio-gerente, por na altura dos factos, exercer funções na sociedade

comercial, não existindo justificação legal para o chamamento do administrador

da insolvência, pela incompatibilidade da medida de coacção Termo de

Identidade e Residência (TIR) com o estatuto emergente da Lei n.º 32/2004, de

71

Deste despacho de encerramento levantei uma dúvida que irei abordar nas Questões Levantadas, sobre

os gerentes de direito e os gerentes de facto. 72

Também sobre esta condição objectiva de punibilidade, levantei questões, as quais irei abordar no

ponto referente às Questões Levantadas.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

51

22 de Julho, como administrador e órgão auxiliar de Justiça73

. É facto assente que

somente os gerentes de facto e gerentes de direito podem ser os representantes

das pessoas colectivas, por à data da prática dos factos serem estes a exercer

funções. O administrador da insolvência é uma figura posterior, aparece pela

normalidade da vida e das situações, tem como funções a liquidação do

património ou activos da pessoa colectiva em situação de insolvência e não tinha

no período da prática dos factos poderes de administração e fiscalização da

pessoa colectiva.

Dos 116 arguidos acusados, cinco deles requereram a abertura de instrução,

nos termos do artigo 287.º n.º 1 alínea a), uma das alegações, foi a possível

prescrição dos ilícitos penais compreendidos no processo, por aplicação do artigo

21.º n.º 1 do RGIT. Este entendimento não foi corroborado pelo JIC, por

aplicação do artigo invocado pela defesa, mas abrangendo o n.º 2 e o artigo 118.º

n.º 1 alínea b) e n.º 3 do CP, passando o prazo de prescrição a ser de 5 ou 10 anos

a contar da data da prática dos factos. A constituição de arguido e a notificação

da acusação interrompe o prazo de prescrição e determina a contagem de um

novo prazo, o que alarga o prazo de prescrição para 15 anos, ex vi artigo 121.º n.º

1 alíneas a) e b) do CP. A maioria dos crimes não prescreveram por serem crimes

continuados, figura prevista no artigo 30.º n.º 2 do CP, só se consumam na sua

totalidade e unidade, i.e. no último acto praticado pelo agente.

Aprendi e acedi à forma de contagem dos prazos de acordo com a forma de

entrega das declarações tributárias, podendo a declaração de IVA ser feita mensal

ou trimestralmente, dependendo da forma escolhida pelos sócios-gerentes de

cada sociedade. A contagem dos prazos é feita a partir do último dia de cada

exercício, i.e. podem existir vários crimes de fraude fiscal qualificada em relação

a cada exercício ou existir somente um crime continuado, uma unificação dos

exercícios, que foi no que se traduziu o caso concreto. O início da contagem do

prazo de prescrição começa a correr com o ano civil seguinte àquele em que se

verificou o facto tributário, concluindo que mesmo em relação às dívidas

73

(2011)

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

52

relativas aos anos civis de 2003 e 2004, as notificações ocorreram antes de findo

o prazo de 8 anos, estabelecido pelo artigo 40.º da Lei Geral Tributária74

, sendo

plena a validade das dívidas.

Desta decisão instrutória resultou ainda a suspensão do processo penal, por

estarem a correr termos processos de impugnação judicial tendo como objecto a

situação tributária, de cuja definição depende a qualificação criminal dos factos

impugnados na acusação, por aplicação do artigo 47.º n.º 1 do RGIT.

Como resultado da instrução, foram pronunciados 108 arguidos. Para um deles

foi emitida declaração de contumácia, ex vi artigo 335.º do CP, com as inerentes

consequências na esfera do declarado contumaz. Por terem surgido novos

elementos probatórios decorrentes das diligências instrutórias, três arguidos não

foram pronunciados apesar de não terem requerido a abertura de instrução.

c. Questões Levantadas

Este processo criminal levantou-me diversos problemas, alguns já

evidenciados, relativos à prova, à dicotomia gerentes de facto e gerentes de

direito e à condição objectiva de punibilidade constante em diversos crimes do

RGIT.

A legalidade da prova nos crimes fiscais coloca-se no âmbito do dever do

contribuinte de entregar as respectivas declarações tributárias e fornecer os

documentos comprovativos das operações justificativas dessas declarações75

, no

sentido de existir um conflito (aparente) entre o dever de colaboração do

contribuinte com a autoridade tributaria e o direito à não auto-incriminação. Não

se pode considerar que existe um conflito entre o dever do contribuinte e o

direito ao silêncio, por não estarmos no âmbito de processos-crime, existindo a

possibilidade do contribuinte entregar as respectivas declarações com o intuito de

regularizar a situação fiscal.

74

Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro 75

Este problema foi também abordado na entrevista com a Sr.ª Procuradora da República Dr.ª Ana Carla

Almeida

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

53

A dicotomia entre os gerentes de facto e gerentes de direito foi decisiva neste

caso concreto pois levou ao arquivamento dos autos de diversos arguidos, por se

ter verificado que estes gerentes não tinham conhecimento da ilicitude

comportamental dos outros gerentes. Os gerentes de facto são as pessoas que

efectivamente praticam acções na empresa como tal, contrapondo-se aos gerentes

de direito, aqueles que o são apenas formalmente não tendo qualquer tipo de

acções na empresa em questão. A questão por mim levantada teve por âmbito a

existência ou inexistência de uma posição de garante dos gerentes de direito, i.e.

um dever de garante sobre a sociedade comercial, quase proteccionista da

legalidade dos actos praticados em nome da sociedade comercial, como forma de

controlo e organização da mesma.

A condição objectiva de punibilidade constante no artigo 103.º n.º 2 do RGIT

que fundamentou o arquivamento dos autos de um número considerável de

arguidos, estabelece um tecto mínimo a partir do qual o comportamento é crime.

A versão originária da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, previa o ilícito criminal

quando a vantagem patrimonial obtida através da prática do ilícito era superior a

€7 500. O caso sub judice acompanhou a alteração introduzida pela Lei n.º 60-

A/2005, de 30 de Dezembro, aumentando o valor mínimo da vantagem

patrimonial ilegítima para €15 000, aplicada esta última pelo disposto no artigo

4.º n.º 2 da CP, com referência ao artigo 3.º do RGIT.

Como condição objectiva de punibilidade, o valor mínimo exigido para

admissão da punição do crime pelo agente, é um factor externo ao tipo de crime,

não tem repercussão ao nível da criminalização da conduta e da consumação do

crime, mas somente no desencadeamento da reacção penal ao crime, ou seja, se

não atingir o valor mínimo de vantagens patrimoniais ilegítimas previsto na

norma, é instaurado processo contra-ordenacional, pela aplicação do artigo 118.º

do RGIT. Estas condições objectivas de punibilidade são atribuídas, por norma

com o lançamento dos Orçamentos de Estado, seguindo uma óptica de políticas

criminais, que aumentam ou diminuem o valor mínimo de punibilidade.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

54

Este processo teve uma importância crucial no aprofundamento da

criminalidade tributária, abriu-me portas e facilitou as restantes consultas com o

mesmo thema decidendum, consolidado com a presença no seminário na

Direcção das Finanças de Lisboa, onde aprendi as diversas formas de fraude

fiscal e fez-me perceber melhor a complexidade destas investigações e a

justificação da sua morosidade.

A acusação das pessoas colectivas neste tipo de criminalidade foi outra

cognição adquirida. Algumas pessoas colectivas foram acusadas neste processo,

através da aplicação do artigo 7.º n.º 1 do RGIT, ao ficar assente, através do

acervo probatório trazido ao processo, que os sócios gerentes agiram no interesse

e em nome do colectivo, não excluindo a responsabilidade criminal dos seus

representantes individualmente.

Este inquérito teve início em Novembro de 2007 e encerrado em Outubro de

2013, o que comprova a morosidade da investigação neste tipo de criminalidade

complexa e organizada, devido ao grande volume de prova, maioritariamente

documental: como exemplo a quantidade de apensos integrados no processo que

contêm cerca de 20 volumes, 97 apensos (Documentos) e 119 apensos bancários,

de onde derivou a duração da investigação por um período de sete anos.

4. “Burla qualificada e associação criminosa”

a. Tipos de Crimes

Os tipos de crimes objecto deste processo em conformidade com o despacho

de pronúncia são burla qualificada, p.p. pelos artigos 217.º n.º 1, 218.º n.º 2

alíneas b), c) com referencia ao artigo 202.º alínea a) todos do CP, o crime de

receptação, p.p. pelo artigo 231.º n.º 1, crime de branqueamento de capitais, p.p.

pelo artigo 368.º-A e o crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21.º

n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro com referência à Tabela I-C

anexa ao Diploma.

Dispõe o artigo 217.º n.º 1 que comete o crime de burla “quem, com intenção

de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

55

engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à pratica

de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial”,

passando esta conduta a ser qualificada quando “o agente fizer da burla modo de

vida”76

e se “aproveitar de situação de especial vulnerabilidade da vítima”77

. A

qualificação do crime de burla tem em conta o conceito de valor elevado dado

pelo artigo 202.º alínea a) que considera “aquele que exceder 50 unidades de

conta avaliadas no momento da prática do facto”. Este crime tem natureza

pública, é um crime patrimonial e a sua conduta ilícita consiste numa relação de

causalidade sucessiva, i.e. é a conduta enganosa do agente que cria o erro,

levando à prática de um acto patrimonial que implica prejuízo para a vítima. A

especificidade deste crime é o acto de consumação do mesmo, através do

domínio do erro pelo autor, leva à consumação do resultado, já que é a vítima

que pratica o acto de disposição patrimonial. Esta tipologia é composta por um

elemento subjectivo especial que consiste na intenção do autor em obter

enriquecimento ilegítimo, que podendo ou não ocorrer, é exigido como fim

visado.

O crime de receptação previsto no artigo 231.º pune com uma moldura penal

até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias, “quem, com intenção de obter,

para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial, dissimular coisa que foi

obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra património, (…) a adquirir

por qualquer título, (…) ou de qualquer forma assegurar, para si ou para outra

pessoa, a sua posse”. Este tipo de crime pressupõe dolo directo, conjecturado na

dissimulação da coisa obtida, devendo sempre existir conhecimento da origem

ilícita da coisa para se querer dissimular. É um crime de dano e de resultado e

punido a título negligente pelo n.º 2 do artigo 231.º quando prevê que quem

adquira a coisa “sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência

(…) coisa que, pela sua qualidade (…) ou pelo montante do preço proposto, faz

razoavelmente suspeitar que provém de facto ilícito típico contra o património”,

neste caso é exigida uma posição de garante, no sentido de omissão de dever de

76

Artigo 218.º n.º 2 alínea b). 77

Artigo 218.º n.º 2 alínea c)

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

56

cuidado, devendo o autor ter a iniciativa de se informar sobre a proveniência do

bem.

O crime, previsto no Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro no artigo 21.º n.º

1, contempla que “quem, sem para tal se encontrar autorizado, (…) transportar,

(…) exportar, (…) fora dos casos previstos no artigo 40.º, (…) preparações

compreendidas nas tabelas I”. Esta norma tem como escopo a protecção da saúde

pública no geral, englobando demais bens jurídicos tais como a vida e a

integridade física. É um crime de perigo abstracto bastando a aptidão genérica de

determinadas condutas para constituírem um perigo que atinja determinados bens

e valores.”78

O perigo é o fundamento da punição, não sendo necessária a sua

prova concretamente. Por ser um crime de perigo abstracto, o agente tem que ter

consciência da perigosidade da sua conduta, sendo por isso exigido o dolo de

perigo, em consonância com o princípio da culpa.

O branqueamento de capitais, previsto no artigo 368.º-A do CP, já citado no

processo tratado anteriormente, é um tipo incriminador autónomo mas

dependente de conexão com a infracção subjacente, i.e. o acto de branqueamento

incide sobre vantagens que ocorrem de um ilícito precedente, resultando dois

factos estruturantes do tipo – a conduta proibida (a dissimulação) que resulta de

uma infracção precedente (que gerou o fluxo financeiro). A prova tem que incidir

na demonstração do facto ocultado ter origem num facto ilícito e típico, sem

necessidade de prova da culpa do agente na relação subjacente. Tem como

elemento subjectivo o dolo – o conhecimento da origem do produto, estando a

sua pena condicionada pela punição do crime precedente, i.e. o pressuposto

processual do crime precedente é a condição de punibilidade do crime de

branqueamento de capitais.

Em relação aos arguidos acusados dos crimes de burla qualificada e dos

crimes de receptação, na prática observou-se o que resulta do artigo 30.º n.º 2 do

CP, que prevê a constituição de “um só crime continuado a realização plúrima do

78

([coord. de] Paulo Pinto de Albuquerque, 2011) P.487

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

57

mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crimes que fundamentalmente

protejam o mesmo bem jurídico, executada de forma homogénea e no quadro da

solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a

culpa do agente”, i.e. há uma menor exigibilidade que o agente actue conforme

ao direito.

b. Relevância Processual

Este processo teve origem em certidão extraída de autos de procedimento

cautelar, que corria termos no Tribunal Judicial da Comarca Q, cujo inquérito

recaia sobre a prática de condutas que integravam o crime de burla, p.p. pelo

artigo 217.º n.º 1 do CP, relativas à sociedade W, cuja actividade criminosa

consistia na compra de mercadorias através do pagamento diferido em cheques

pré-datados, os quais não tinham cobertura bancária. Com o desenrolar das

investigações nesta fase processual, surgiram suspeitas da existência de uma

organização criminosa especializada na apropriação e utilização de empresas (já

existentes ou criadas somente para este fim) com possibilidade de crédito

bancário, adquirirem bens e mercadorias, através do pagamento com cheques

sem cobertura, procedendo os autores, através de intermediários (receptadores), à

venda dos bens e mercadorias, obtendo lucro a 100%. A outra faceta desta

actividade ilícita passava pela angariação de indivíduos, nacionais e estrangeiros,

de difícil localização e responsabilização, para a troco de determinados valores79

,

constarem como sócios das empresas instrumentalizadas, de forma a permitir aos

verdadeiros autores a movimentação das contas bancárias e como forma de

mascarar os agentes. Este processo é constituído por 35 arguidos, dos quais cinco

sujeitos à medida de coacção prisão preventiva80

e oito com pedido de paradeiro

pendente.

79

“Venda da identidade”, conforme consta no respectivo processo. 80

Artigo 202.º n.º 1 alínea a) do CPP.

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58

O processo foi atribuído ao DCIAP pelas características transdistritais81

e

existência de pressupostos de conexão processual prosseguidos pela investigação,

através da aplicação do estatuído no artigo 47.º n.º 1 e 2 do EMP.

A prática consistia na aquisição de sociedades comerciais pelos arguidos W e

Y, através das quais davam a parecença de fiabilidade negocial a outras

empresas, suas fornecedoras, realizavam negócios jurídicos, mas não finalizavam

os pagamentos devidos, procedendo sim, à venda desses bens e mercadorias a

terceiros ou para seu uso individual, de forma a obter lucros elevados, apesar do

preço praticado na revenda ser de valor inferior aos valores do mercado lícito.

Para este efeito, foram durante anos angariando agentes, que auxiliavam na

manutenção destas fachadas, participando vivamente nos negócios celebrados e

na dissimulação das vantagens provenientes destas actividades.

No seguimento desta fase investigatória, e através de um dos meios de

obtenção de prova utilizados neste processo – pelo regime previsto no artigo

187.º n.º 1 alínea a) do CPP (escutas telefónicas) foram interceptadas

comunicações entre os arguidos X, Z e M, que indiciavam a prática de actividade

ilícita consistente com o crime de tráfico de estupefacientes internacional,

acabando por ser detidos quando se encontravam a efectuar uma entrega de

substâncias ilícitas em França.

Os meios de obtenção de prova utilizados passaram por buscas domiciliárias,

apreensões, escutas telefónicas, previstos nos artigos 177.º n.º 1, 178.º n.º 1 e

187.º n.º 182

, respectivamente. Os meios de prova observaram as formas

testemunhal, documental e pericial.

Este foi o primeiro processo com o qual tive contacto no estágio que realizei

no DCIAP, tendo assistido a diligências instrutórias no primeiro dia de estágio e

posteriormente foi-me permitido assistir ao debate instrutório, o qual, marcado

para a parte da manhã, foi adiado para a parte da tarde do mesmo dia, por

81

Os resultados típicos dos crimes de Burla Qualificada e de Branqueamento de Capitais ocorreram em

três distritos judiciais. 82

Todos do CPP.

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59

dificuldades no transporte dos arguidos presos, um dos quais invocou problemas

de claustrofobia e por falta de comunicação da Directora do Estabelecimento

Prisional. No âmbito do debate instrutório, foram primeiramente analisados os

RAI’s dos arguidos requerentes e destes, três solicitaram a aplicação do instituto

da suspensão provisória do processo, previsto no artigo 281.º do CPP, apesar de

terem negado no RAI, a prática do crime de receptação, de que vinham acusados.

Este instituto irá ser analisado no Ponto J alínea ii. do presente relatório, mas

posso adiantar que a sua aplicação depende da verificação dos pressupostos,

cumulativos, previstos no n.º 1 e aplicação das injunções ou regras de conduta,

cumulativas ou separadamente, previstas no n.º 2 do artigo 281.º. No caso sub

judice foram aplicadas a estes três arguidos as seguintes injunções e regras de

conduta: a entrega comprovada no valor de 1000€ a uma instituição (IPSS) à

escolha de cada arguido, no prazo de 15 dias, e abstenção de condutas ilícitas

pelo período de seis meses de suspensão do processo. A aplicação deste instituto

teve como base a afirmação dos factos pelos arguidos, não pelo artigo 231.º n.º 1

mas pela conduta negligente prevista e punida no n.º 2 do referido artigo do CP.

Qual foi a vantagem da aplicação desta norma para o seguimento do processo

em fase de julgamento?

A confissão dos factos que eram imputados aos agentes do crime de

receptação, apesar de punidos a título negligente, consubstanciam prova que o

crime p.p. pelo 231.º n.º 2 do CP, efectivamente se consumou, ou seja, facilitam a

prova em julgamento da prática do crime de burla qualificada pelos restantes

arguidos, i.e. a aquisição dos materiais por estes arguidos indicia a sua finalidade

– a revenda dos bens de modo a proporcionar lucro.

Do debate instrutório resultou o requerimento do MP ao JIC, da proferição de

despacho de não pronúncia para dois arguidos, por não existirem indícios

suficientes, conceito considerado como a probabilidade de absolvição ser maior

em julgamento que a sua condenação pelos factos indiciados.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

60

c. Questão Levantada

Foi suscitado o incidente de incompetência territorial, no despacho de

pronúncia por o Tribunal competente para o julgamento não ser o Tribunal

Judicial da Comarca Q, onde os autos tiveram origem. A competência

transdistrital e territorial não tem a mesma aplicação na fase de inquérito e

instrução e na fase de julgamento.

Os crimes de burla qualificada e de branqueamento de capitais viram os

resultados típicos consumados e continuados em três distritos judiciais. Foi

entendido pelo MP que a sua consumação aconteceu através de actos sucessivos

e reiterados, o que torna competente para conhecer em julgamento, o tribunal em

cuja área tiver cessado a consumação ou tiver sido praticado o último acto83

.

No caso sub judice, o último acto praticado ocorreu em Abril 2013 com a

instrumentalização da sociedade comercial F na prática de um crime de burla

qualificada. Seguindo a regra do artigo 19.º n.º 3 do CPP seriam competentes as

varas criminais de L, para realização de julgamento perante Tribunal Colectivo84

,

mas esta regra foi questionada pelo MP, por considerar que seria aplicável o

critério supletivo constante no artigo 21.º n.º 1 do CPP, com o fundamento da

verificação dos resultados no Distrito Judicial S onde estava sediada a sociedade

instrumentalizada K, que teve maior impacto nos crimes praticados pelos

arguidos, tendo concluído pela competência do Tribunal Colectivo do Distrito

Judicial L, por aplicação da regra geral da competência, referida no artigo 19.º.

X. Conclusões

Do estudo e análise dos processos (alguns desde o seu início até à fase de

instrução), pude verificar a coerência entre os despachos de acusação e os

despachos de pronúncia, através da aplicação dos conceitos constantes dos

artigos 283.º e 308.º do CPP, respectivamente.

83

Artigo 19.º n.º 3 do CPP. 84

Artigo 14.º n.º 1.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

61

O conceito de indícios suficientes previsto nos artigos em referência, já

analisado, em respeito pelo princípio de proporcionalidade e legalidade,

traduzido na “possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força

deles, em Julgamento, uma pena ou medida de segurança.” É este juízo que vai

fundamentar ambos os despachos de encerramento das diferentes fases

processuais, podendo retirar desta coerência a eficácia da metodologia de

investigação seguida pelos magistrados titulares da acção penal,

independentemente das tipologias criminais em causa.

As diligências de prova em fase de inquérito são, via de regra, suficientemente

indiciadoras da prática dos crimes, de tal forma que a probabilidade de ao

arguido vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança é superior ao oposto.

Mesmo diligenciando em fase de instrução, o JIC, na maioria dos processos

consultados, segue a mesma conclusão que o MP, podendo variar nalgum indício

ou considerar a alteração da qualificação jurídica dos factos, mas não de tal

forma a “inviabilizar” totalmente o despacho de acusação, corroborando o meu

entendimento dos excelentes métodos de investigação prosseguidos pelo MP,

muitas das vezes com factores moratórios externos à investigação.

As diferenças entre os tipos de criminalidade investigados, no que concerne ao

tempo e meios de obtenção de prova, foram verificadas no âmbito destas

consultas. Evidentemente a prova resultante da criminalidade violenta pode ser

documental e adquirida por flagrante delito mas a prova testemunhal é bastante

valorizada, tanto o testemunho da vítima como de possíveis testemunhas oculares

ou de familiares, ao contrário da prova fornecida na criminalidade económico-

financeira, onde a ênfase é colocada na prova documental e sua análise com

inerente morosidade devido à dependência de determinada especialização por

quem a verifica, tornando-a onerosa para a própria investigação.

XI. Entrevistas a Magistrados

Este trilho traçado no plano de estágio foi aproveitado de maneira a conhecer a

experiência e a realidade investigatória sentida pelos titulares do exercício da

acção penal, consequentemente o âmbito de cada entrevista foi amplamente

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

62

alargado de modo a conseguir tocar em todos os pontos que considerei relevantes

reter. Irei seguidamente sintetizar as três entrevistas com a informação mais

importante para o conteúdo do presente relatório.

i. Sr.ª Procuradora da República Dr.ª Ana Carla Almeida

Esta entrevista, realizada no dia 17 de Novembro de 2014, foi focada nas

infracções tributárias, apesar de não integrar os tipos de crimes do Grupo 2 da

equipa especializada da criminalidade económico-financeira, do qual a Sr.ª

Procuradora Dr.ª Ana Carla Almeida integra. A justificação advém da Sr.ª

Procuradora Dr.ª Isabel Nascimento ter considerado de extrema relevância este

contacto com a Sr.ª Procuradora, de modo a interiorizar melhor esta vertente e

conhecer igualmente o âmbito do Grupo em que se insere.

Desta entrevista, composta por cerca de treze questões, muita foi a informação

retida das mais variadas matérias, a qual irei sintetizar com a informação que

considero mais relevante para o presente relatório, sem com isto desvalorizar a

restante.

Sobre o Grupo 2 – referente a fraudes na obtenção de subsídios comunitários,

desvios de subsídios, fraude na obtenção de crédito, burlas informáticas, crime de

infidelidade, contrafacção de moeda, especificamente, a Sr.ª Procuradora detém a

titularidade de inquéritos atinentes às fraudes na obtenção de subsídios

comunitários e crimes de branqueamento de capitais.

No mundo da criminalidade com uma forte vertente patrimonial há sempre

conexa a realidade de “lavagem” das vantagens ilícitas, justificado pelo principal

objectivo da actividade ilícita – o proveito económico – que só se torna possível,

se os agentes conseguirem enquadrar este proveito no seu património, de forma

aparentemente lícita. Estas fraudes estruturais, são, na palavra da Sr.ª

Procuradora, “ingratas”, pelo fim a que se destinam os fundos comunitários –

equiparar os níveis de desenvolvimento dos Estados-Membros da União

Europeia – e às quais é inerente uma investigação complexa.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

63

As auditorias realizadas têm por base uma mostragem, que se apresenta

normalmente regular, mas do cruzamento de informações aparecem os interesses

de quem pratica estes crimes. A notícia do crime pode surgir através da IGFSE,IP

– Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu – agência antifraude dos fundos

estruturais, na sequência de auditorias efectuadas aos organismos de gestão ou

intermédios com competências delegadas pelos órgãos de gestão, decorridas na

sequência de amostras fortuitas, seguindo critérios abstractos e analisados

aleatoriamente. O OLAF85

consolida outro meio de denunciar estes crimes, após

o recebimento das mesmas, instauram inquéritos administrativos e do que

resultar há uma vinculação de comunicação à autoridade judiciária competente.

A Sr.ª Procuradora integrou este organismo e realçou da sua experiência o

conhecimento de realidades de ordenamentos jurídicos de outros Estados, fora do

âmbito da magistratura e a aquisição de uma “perspectiva mais abrangente da

realidade e mais humilde”.

Da consulta de processos-crime relativos a infracções tributárias, uma dúvida

surgiu-me: a possível existência de um conflito entre os deveres de colaboração

dos contribuintes com o direito ao silêncio e o direito à não auto-incriminação,

i.e. sabendo que a entrega de certos documentos à AT pode ter consequências

relevantes em momento posterior, existe uma violação destes princípios?

Esta resposta retira-se do artigo 18.º n.º 3 da CRP, que sujeita o RGIT a

critérios de legalidade e proporcionalidade. A própria obrigação do contribuinte é

condicionada, pela salvaguarda de interesses constitucionais, que satisfazem o

interesse financeiro do Estado – adquiridos através de impostos. Apesar de ter

considerado relevante, em inquéritos da titularidade da Sr.ª Magistrada nunca foi

tal situação invocada.

Também sobre este tipo de criminalidade, adquiri mais informação sobre a sua

primeira fase processual, que me apoiou na continuação do estudo de processos-

crime. Por ser inerente e vulgar a constituição de arguidos de pessoas colectivas,

85

Já apresentado no ponto referente à Cooperação Judiciária Internacional

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

64

percebi o modelo de responsabilização indirecto – derivado da formação de

vontade pelos órgãos estatutariamente competentes – dos representantes em

nome e no interesse da pessoa colectiva, de onde provém um carácter fungível86

deste representante legal, pelas constantes alterações dos órgãos, normal numa

sociedade comercial e que leva a juízo o representante legal do momento da

constituição de arguido da pessoa colectiva.

Os gerentes de direito e de facto, outro quesito por mim levantado aquando a

consulta dos processos e muito discutido com a Sr.ª Procuradora Dr.ª Isabel

Nascimento, foi também colocado, no sentido de poder existir um dever de

garante pelos gerentes de direito, por reterem em si o domínio de formação de

vontade da pessoa colectiva que representam, mesmo não praticando os factos

em nome e no interesse da pessoa colectiva. A pessoa colectiva é

instrumentalizada, através da pessoa singular, que tem o domínio de vontade da

pessoa colectiva, podendo imputar a esta o comportamento ilícito.

Sobre as medidas de coacção aplicadas às pessoas colectivas obtive uma

noção das medidas com maior aptidão para garantir o fim a que se destinam. O

TIR – Termo de Identidade e Residência – obrigatoriamente aplicado no

momento de constituição de arguido, deveria ser adaptado a esta realidade

jurídica, uma vez que não são os legais representantes que a ele são sujeitos, mas

sim a pessoa colectiva, equiparando o local da sede ao domicílio da pessoa

singular, o que torna a obrigação de comunicação de alteração de morada ilógica,

só tendo utilidade para questões de notificações.

A Sr.ª Procuradora já promoveu medidas de coacção, efectivamente aplicadas,

como a suspensão da actividade perseguida pela pessoa colectiva e de parte da

actividade do objecto social, de modo a afectar os órgãos estatutários.

Das medidas de garantia patrimonial adequadas a esta realidade, a caução

económica é evidente.

86

Desta fungibilidade derivam problemas de tramitação processual – não se pode responsabilizar

objectivamente no caso do representante legal não ser o mesmo do momento da prática dos factos ilícitos,

por presunção do dolo.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

65

Um meio de prova vulgar e valorado neste tipo de investigação são as perícias,

maioritariamente, as perícias informáticas e financeiras. As primeiras, são

efectuadas pela equipa PJ-NIF (Núcleo Informático Financeiro) e as segundas

necessárias em processos com maior complexidade, que necessitem de uma

avaliação dos movimentos financeiros, fluxos, para no final existir um

cruzamento de dados complexo mas claro. As perícias, apesar de tornarem estas

investigações onerosas, trazem vantagens ao nível da prova, pela sua

objectividade e valoração mas, com a desvantagem da morosidade subjacente a

estes exames.

Por último, mas não menos importante, abordei o procedimento do pedido de

indemnização civil efectuado pelo MP nesta criminalidade, antes e após a

Directiva n.º 2/13 da PGR. Antes da entrada em vigor da Directiva, na existência

de situação fiscal e do pedido de indemnização civil ficávamos perante uma

situação de litispendência com a execução fiscal. Apesar de ser uma forma mais

célere os visados não detinham todos os direitos em pleno. Após a entrada em

vigor desta Directiva, deve constar do relatório da Autoridade Tributária a

vontade de requerer a indemnização civil no despacho de acusação proferido pelo

MP. Caso nada seja dito sobre a vontade deste pedido, o MP oficia à Direcção de

Finanças para que esta se pronuncie sobre a sua vontade, dando cumprimento à

Circular.

ii. Procurador da República Dr. João Melo

A Equipa de Criminalidade Violenta conta com a coadjuvação de uma equipa

especializada de OPC – a PJ, de acordo com a Lei de Organização da

Investigação Criminal (LOIC).

A questão que reinou nesta entrevista (realizada no dia 9 de Dezembro de

2014), envolve-se com as acções encobertas para fins de prevenção e

investigação criminal, reguladas em legislação especial pela Lei n.º 101/2001, de

25 de Agosto.

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66

Desta temática, com tão pouca doutrina, consegui perceber o funcionamento

deste meio de obtenção de prova que tantas dúvidas levantam quanto à sua

legitimidade, devido à ténue linha que separa o agente encoberto do agente

provocador.

Estas acções nasceram com a necessidade de um combate mais eficaz ao

tráfico de droga e posteriormente alargado o seu âmbito a outros tipos de

criminalidade, ex vi artigo 2.º da citada Lei.

As acções encobertas podem ter natureza preventiva, i.e. antes de instaurado o

inquérito ou repressivas, traduzidas na procura de meios de prova no âmbito de

um processo penal em curso e autorizadas pelo JIC, as primeiras mediante

proposta do MP e as segundas previamente autorizadas pelo magistrado

competente do MP e comunicadas ao JIC que pode aceitar tacitamente, caso não

emita despacho de recusa nas 72 horas posteriores à comunicação.

As acções encobertas teleologicamente preventivas, só podem ser realizadas

pela Unidade da PJ – UPAT, a única entidade em Portugal autorizada e onde está

centrada toda a informação. Intrínseca desta actividade está uma prévia avaliação

do risco, feita por esta Unidade, com intuito de apurar a proporcionalidade dos

meios necessários e o risco admissível, em síntese, trata-se de efectuar um

controlo apertado de todos os elementos integradores da acção encoberta, antes

de ser apresentada proposta ao MP.

As acções encobertas com finalidade preventiva, i.e. antes de instauração de

inquérito, são da competência exclusiva do DCIAP e tem como finalidade o

combate à criminalidade.

A possibilidade de agentes encobertos internacionais acontece através da

cooperação judiciária internacional, no âmbito das cartas rogatórias, o que pode

evitar a viciação de caras, ou seja, por serem normalmente os mesmos agentes,

apesar de existirem colaboradores civis controlados pela PJ, podem estas

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67

situações dar lugar a revelações de identidade, circunstância a evitar para garantir

em pleno a segurança e privacidade do agente.

Existe uma grande diferença entre agentes encobertos e agentes provocadores

derivada da sua legalidade, os agentes provocadores são totalmente proibidos,

constituindo um meio proibido de obtenção de prova.

Estas medidas de prevenção e repressão da actividade criminosa, em particular

se forem direccionadas à recolha de prova de crimes de tráfico de droga, exigem

irremediavelmente gastos, para conseguir transporte para a transacção do

estupefaciente e para o armazenar, financiados por uma verba à ordem da PJ,

exclusivamente para este fim. Ao longo da acção, o agente deve elaborar um

relatório da acção, de modo a justificar os seus comportamentos – uma vez que

podem ser ilícitos isentos de responsabilidade criminal pelo agente, desde que se

encontrem dentro do âmbito da autorização dada pelo JIC e os gastos tidos com a

acção encoberta. No final o MP chama os agentes a “prestar contas”, caso exista

remanescente é declarado perdido a favor do Estado.

Os meios de obtenção de prova especiais, contidos na Lei n.º 5/2002, de 11 de

Janeiro, podem e devem ser utilizados numa acção encoberta (para os crimes nela

regulados) em inquéritos, ou seja, somente são possíveis quanto às acções

repressivas de recolha de prova mas com o cuidado de dissimular a existência de

uma acção encoberta. Assim, através do meio de obtenção de prova previsto no

artigo 6.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, registo de som e imagem, pode ser

aproveitado no desenvolvimento da acção mas não ser revelado no inquérito,

para não colocar a descoberto a identidade ou existência de uma acção encoberta.

Outro meio de obtenção de prova que pode recorrer a acção encoberta para o seu

desenrolar, traduz-se nas escutas ambiente, munido com uma prévia autorização

do JIC, efectua este comportamento de facto ilícito, v.g. no quarto do suspeito,

com exclusão da ilicitude.

Na sequência da consulta de processos-crime com a factualidade indiciária do

crime de associação criminosa, p.p. pelo artigo 299.º do CP, pude constatar um

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68

quesito à volta da problemática da prova. O Dr.º João Melo evidenciou a

relutância da jurisprudência relativamente ao rol de factos considerados provados

em julgamento, i.e. os factos constitutivos do crime de associação criminosa são

provados mas a conclusão direcciona-se para a dúvida – com consequente

absolvição.

Outro quesito neste âmbito advém da diferença entre o conceito contido no

artigo 299.º do CP e o conceito de bando. As diferenças cabem ao nível da

organização, hierarquia, diferenciação clara de funções e um sentido geral de

obrigatoriedade pelos membros. Num bando não existem estas características e

apesar de agirem em grupo, são divisíveis, sem finalidade definida, oponente de

uma associação criminosa, onde tudo acontece como se de uma associação

legítima se tratasse – existe um sentimento de ente colectivo.

iii. Procurador da República Dr. José Ranito

Entrevista realizada perto do termo do Estágio, dia 27 de Janeiro de 2015,

com o Dr.º José Ranito, magistrado com experiência na 9ª secção do DIAP de

Lisboa.

O objecto desta entrevista foi o crime de corrupção, fundamentado pelo

Grupo em que se insere – crimes no sector financeiro, contratação pública e

corrupção – e pela mudança da mentalidade relativa ao “paradigma da corrupção

enquanto favor pago”.

O crime de corrupção, p.p. pelos artigos 372.º, 373.º e 374.º todos do CP, são

crimes de dano efectivo (autonomia intencional do Estado), de mera actividade

(não é exigida conduta distinta), punidos pela tentativa (v.g. uma carta registada

com a descrição da conduta desejada pelo corrupto). “O objectivo da corrupção é

subverter a lógica do procedimento administrativo, via de regra, para criar

vantagens, aceder a fundos públicos, acabando por ser praticados actos de

legalidade duvidosa originando desequilíbrios entre o público e o privado”.

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69

Existe um “clima de favor” nesta criminalidade, um esquema que beneficia os

intervenientes, o que torna difícil a prova testemunhal e directa da prática do

crime. Existe um pacto de silêncio entre os agentes, um não irá ser o delator do

outro, o que torna difícil a notícia do crime – nas denúncias anónimas é

praticamente nula a protecção do anonimato. Caso a notícia dê lugar à

instauração de inquérito por reunir os requisitos indispensáveis, por ser um crime

ocorrido num meio restrito de agentes e, em regra, entre duas pessoas – o

corrompido e o corruptor – reina o sentimento de medo da descoberta. A

protecção do anonimato “prende-se em situações de funcionários que presenciam

situações de corrupção a outros níveis”.

As dificuldades de investigação fluem de certos factores cujo acesso não é

livre, não existe uma percepção pública e pela restrição do meio onde ocorre a

conduta típica, ilícita e punível, tornando a prova documental bastante

importante, devido à desvalorização atinente às declarações do corrupto (co-

arguido) que, via regra, explica o modo como ocorreu o crime.

Um ponto fulcral, que permite dar azo a mecanismo de oportunidade, é a

descoberta do lado organizado do crime.

Situações existem que o carácter organizado do crime se encontra no corruptor

e nessa medida o que corrompe é “apanhado na malha” e não tem outra hipótese

senão aceder ao pedido – “faz sentido partir da questão das autorias dos crimes

por serem crimes de participação, mais ou menos, necessária fazendo sentido

lançar mão dos regimes especiais de prevenção, previstos na Lei n.º 36/94, de 29

de Setembro, para descoberta da verdade material. Nas situações em que o

carácter organizado do crime de corrupção activa é um tiro no pé, por exemplo,

se descobrirmos que existe uma farmacêutica que alicia médicos do Serviço

Nacional de Saúde (SNS) através dos delegados de saúde, mediante pagamento,

viagens e outros meios, para identificar uma situação destas, aplicando a Lei

n.º36/94, de 29 de Setembro e suspender o papel da farmacêutica que porventura

até nos pode dar à morte alguns médicos, não estamos a satisfazer as

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70

necessidades de punição. Parece evidente que a pressão ou risco da prática do

crime está perante quem tem o poder económico de determinar o comportamento

dos outros. Se percebermos que a posição forte e risco de corrupção vem do

corruptor é um absurdo estarmos a suspender provisoriamente o processo, é nele

que está a origem do crime.”

“Um dos requisitos básicos da suspensão provisória do processo é que as

necessidades de punição estejam satisfeitas, leia-se prevenção especial, o risco de

o agente voltar a incorrer na prática do crime e, eu acho que existe um sector em

que o carácter organizado do crime vem da corrupção passiva. Isto exige um

conhecimento do fenómeno criminal para se perceber como se deve actuar.”

“A Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro tem permitido nalguns casos desmantelar

alguns crimes de corrupção passiva, aquela intermédia, que não é de sistema ou

sendo sistemática, não é corrupção de estado de sistema e, via de regra, aquilo

que usamos é o mecanismo de suspensão provisória do processo mediante a

prova conseguida em sede de inquérito, seja prova pessoal, seja prova de outra

natureza, com a possibilidade das pessoas serem indicadas como testemunhas

mais tarde.”

“Noto que há uma aparente confusão com a actual redacção do CP,

designadamente o artigo 374.º - B, para a dispensa da pena e que não estamos a

aplicar desta maneira. Portanto, o agente é dispensado da pena sempre que tenha

denunciado o crime no prazo máximo de trinta dias apos a prática do acto e

depois, alínea b) antes da prática do factos, considerando que este é um crime de

consumação instantânea, em que basta o acordo de vontades a nossa duvida é a

que facto? Se já aconteceu o crime de corrupção porque alguém pediu dinheiro a

outro para a prática de um acto como podemos dispensar a pena? Qual é o prazo?

Já não há pacto, o crime está consumado. Portanto, nós aqui interpretamos o

crime que tem uma consumação instantânea mas pressupõe, ainda que não faça

parte do elemento do tipo, actos praticados a posteriori com a entrega do

dinheiro ou com a prática do acto administrativo e pedimos a dispensa da pena

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71

nas situações em que temos notícia criminal por parte dos elementos do pacto

criminoso antes do resultado pretendido pelas partes ter sido alcançado”87

.

Uma última questão por mim levantada, prendeu-se com a discussão à volta da

criminalização do enriquecimento ilícito, por achar de extrema importância a

visão de “uma pessoa” (passo a redundância) com experiência na investigação da

criminalidade designada de “colarinho branco”, nesta temática que passo a

transcrever – “a discussão que se fez no Tribunal Constitucional, por um lado a

impossibilidade de identificação concreta do bem jurídico protegido e por outro

lado a existência de situações extremamente delicadas e de algum modo

incontornáveis a nível de distribuição do ónus da prova, concretamente, a quem

compete provar o crime, é o MP enquanto voz de protecção (…) do Estado ou é o

arguido enquanto portador do Princípio da presunção de inocência? (…) Alguns

dos tributários da posição que não é necessário uma incriminação autónoma do

crime de enriquecimento ilícito devido há existência do crime de fraude fiscal,

que pode perfeitamente ser usado para combater estas situações. (…) Abordando

tudo como questões de fraude fiscal entramos noutro tipo de crimes, porque

existem rendimentos que não são ilícitos porque não são declarados, são ilícitos

porque resultam da prática de crimes desta área de corrupção e portanto, em

termos da necessidade da tutela do bem jurídico, não sei ate que ponto podemos

considerar defendido. (…) É uma questão política e portanto nessa medida vou

abster-me de desenvolver.”

87

Transcrição de parte da entrevista.

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72

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73

J. Temas propostos a desenvolver:

XII. Instituto da intervenção hierárquica e requerimento de abertura de

instrução pelo arguido – Estudo de caso hipotético

Aquando da consulta de um processo criminal findo, por despacho de

arquivamento ao abrigo do artigo 277.º nº 2 do CPP, cujo thema decidendum

consistia no crime de corrupção activa, p. p. pelo artigo 374.º do CP, iniciado

através denúncia remetida para o DCIAP e declarado abrangido pelo regime do

artigo 86.º nº 3 do CPP, foi-me colocado um caso hipotético para aprofundar o

mecanismo da intervenção hierárquica previsto no artigo 278.º do CPP, por o

mesmo ter sido requerido pelo Assistente no processo em questão.

O caso colocado fundou-se nos seguintes factos:

A ofende fisicamente B, que ia a passar num parque, com intenção de o furtar,

mas A desiste do furto e retira-se do local. C dá continuidade ao acto praticado

em B e, sequestra (crime p.p. pelo artigo 158.º nº 1 do CP), rouba e falsifica (p.p.

pelo 256.º nº 1 alínea c) e nº 2 CP, respectivamente) a sua assinatura num cheque,

procedendo ao seu levantamento, acabando por assassinar B à pancada.

O MP deduz despacho de acusação relativamente a C, acusando-o de todos os

crimes atrás referenciados e ainda pelo crime de homicídio qualificado, p.p. pelo

artigo 132.º n.º 1, 2 alínea e) CP e despacho de arquivamento ao abrigo do

disposto no artigo 277.º n.º 2 do CPP, relativamente a A, por o mesmo não ter

prosseguido a agressão e desistido da prática do crime de roubo (p.p. pelo 210.º

n.º 1 do CP). A viúva de B constituiu-se assistente e como tal requereu que fosse

desencadeado o mecanismo previsto no artigo 278.º n.º 2 do CPP, a intervenção

hierárquica, para reclamar do despacho de arquivamento proferido sobre A.

O arguido C, no mesmo dia em que a assistente requereu a abertura de

instrução, ao abrigo do artigo 287.º n.º 1 alínea a) do CPP para alteração da

qualificação jurídica dos factos, considerando que não deve ser acusado pelo

crime de homicídio qualificado, mas sim, pelo crime de roubo qualificado, p.p.

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74

pelo artigo 210.º n.º 3 do CP, concordando com tudo o mais alegado no despacho

de acusação.

A intervenção hierárquica e o requerimento de abertura de instrução são

mecanismos de controlo do despacho de arquivamento, proferido ao abrigo do

disposto nos termos do artigo 277.º n.º 1 e 2 do CPP e modos de impugnar a

decisão do MP, além do disposto no artigo 279.º CPP, que dá a possibilidade de

reabertura da fase de inquérito se surgirem novos elementos de prova que

invalidem os fundamentos invocados pelo MP no despacho de arquivamento.

Já o requerimento de abertura de instrução é um meio de controlo judicial, a

instrução encontra-se cronologicamente numa fase facultativa, onde o titular é o

juiz de instrução criminal e, quer a intervenção hierárquica quer a reabertura de

inquérito88

são formas de controlo hierárquico internas da estrutura do MP, numa

fase em que é este o titular da condução do inquérito.

Os mecanismos em questão, não são meios de controlo sucessivos e

cumulativos, mas alternativos, i.e., caso o assistente ou o denunciante, com a

faculdade de se constituir assistente, optar por um mecanismo presume-se a

renúncia ao outro, tal como previsto no disposto artigo 278.º n.º 2 do CPP ao

estipular que “podem, se optarem por não requerer a abertura de instrução,

suscitar a intervenção hierárquica”.

O instrumento da intervenção hierárquica é um meio de fiscalização

hierárquica, integrado na fase de inquérito, utilizado quando não tenha sido

requerida a instrução, “o imediato superior hierárquico do agente do MP que

arquivou o processo pode, por sua iniciativa ou a requerimento do assistente ou

do denunciante com a faculdade de se constituir assistente89

, determinar que seja

formulada acusação ou que as investigações prossigam, indicando, neste caso, as

diligências a efectuar e o prazo para o seu cumprimento”.

88

Artigo 279.º CPP 89

(SILVA, 2014) P.104

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75

A reclamação é passível de ocorrer sempre que os possíveis requerentes

considerem que não foram praticados os actos de inquérito necessários para a

descoberta da verdade. Este instituto teve origem no Decreto-Lei n.º 78/87, de 17

de Fevereiro, com a característica de ser requerido, exclusivamente, pelo

imediato superior hierárquico do magistrado que proferiu o despacho de

arquivamento, no prazo de 30 dias, contado da data do despacho, tendo sido

acrescentada a possibilidade de ser requerido pelo assistente e pelo denunciante

com a faculdade de se constituir assistente, com a Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto.

A versão actual foi estabelecida com a entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de

29 de Agosto, que procedeu à 15ª alteração do CPP, com a inclusão do n.º 2 ao

artigo 278.º. Assim, o n.º 1 estabelece que este instituto só pode ser requerido,

oficiosa ou voluntariamente, através do superior hierárquico após o prazo

previsto para o requerimento de abertura de instrução (20 dias a contar da data

em que já não puder ser requerida a abertura de instrução), enquanto o n.º 2 veio

estabelecer que o assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir

assistente, podem requerer a intervenção hierárquica, durante o prazo previsto

para o requerimento de abertura de instrução (20 dias a contar da data de

notificação do despacho de arquivamento do inquérito90

), renunciando ao

requerimento de abertura de instrução e, por isso ficam impossibilitados desta

faculdade, caso o despacho proferido pelo imediato superior hierárquico não seja

favorável às suas pretensões91

. No caso de o assistente optar pelo controlo

judicial, este mecanismo preclude o direito de requerer a intervenção hierárquica,

não podendo o imediato superior hierárquico, oficiosamente ou a requerimento

dos interessados com legitimidade, exercer os seus poderes de controlo, de

acordo com o disposto no artigo 278.º n.º 2 do CPP. Este facto deriva da natureza

90

Artigo 287.º nº1 alínea b) CPP 91

Em oposição (Albuquerque, et al., 2008) P.724, onde dispõe a possibilidade de o requerimento de

abertura de instrução após decisão final do MP devido à intervenção do imediato superior hierárquico,

como reacção do assistente a um segundo arquivamento, tal como o arguido tem possibilidade de requerer

a instrução se, após intervenção do imediato superior hierárquico for proferido despacho de acusação,

considerando que “o assistente tem o direito constitucional de controlo judicial da última palavra do MP

sobre o objecto do inquérito, como o mesmo direito tem o arguido”.

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76

jurisdicional da fase instrutória em contraposição com a natureza do mecanismo

de intervenção hierárquica, de controlo vertical – fiscalização hierárquica.

O imediato superior hierárquico é definido por grau – é o imediato superior

hierárquico do magistrado do MP que proferiu despacho de arquivamento que se

pronunciará quanto à reclamação, não podendo a sua decisão ser reapreciada pelo

seu imediato superior hierárquico92

, de terceiro grau, respeitando o disposto nos

artigos 278.º e 279.º CPP. A hierarquia da magistratura do MP consiste na

subordinação dos magistrados de grau inferior aos de grau superior e obrigação

de acatamento de directrizes, ordens e instruções recebidas – artigo 76.º n.º 1 e 3

EMP e n.º 2 e 4 do artigo 219.º CRP – não podendo as decisões proferidas

hierarquicamente ser objecto de recusa.93

O prazo previsto para o requerimento da intervenção hierárquica tem natureza

peremptória94

, i.e., preclusiva, o direito a praticar o acto extingue-se com o

decurso do prazo, não podendo o imediato superior hierárquico decidir após o

seu decurso95

. O artigo em análise contempla dois prazos sucessivos: “um de 20

dias para a intervenção hierárquica, contado da data em que a abertura de

instrução já não pode ser requerida; outro, também de 20 dias, anterior àquele,

durante o qual pode ser requerida a instrução ou a intervenção hierárquica96

.”

O n.º 1 do artigo 278.º CPP, fixa o prazo em que o imediato superior

hierárquico deve decidir, não sendo por este motivo coincidentes, ou seja, o

assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir assistente regem-se

pelo prazo para requerer a instrução, caso contrário, dificilmente o imediato

superior hierárquico conseguiria decidir em tempo, pois os requerimentos

poderiam ser entregues no último dia do prazo. Assim, os prazos referidos no

artigo 278.º CPP não são contabilizados através de uma soma, mas sim

sucessivos, i.e., a reclamação provocada pode ser requerida no prazo de 20 dias

92

Sem prejuízo do disposto no artigo 68.º nº1 EMP 93

Artigo 79.º nº5 alínea a) EMP 94

Artigo 139º nº3 CPC 95

(PGR, 2012) 96

(PGR, 2012) P.24

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77

em que pode ser suscitado o controlo judicial e, o n.º 1 do aludido artigo, prevê o

prazo de 20 dias a contar da data em que o requerimento de abertura de instrução

não possa ser requerido, para o imediato superior hierárquico decidir, seja a

intervenção oficiosa ou provocada.

A fase de instrução é uma fase facultativa, requerida pelo arguido ou pelo

assistente nos prazos oferecidos ao abrigo do disposto no artigo 287.º n.º 1 CPP,

que visa comprovar judicialmente a decisão do MP de acusar ou arquivar o

inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Quando requerida e

seguida de deferimento pelo juiz de instrução, inicia-se uma nova fase

processual, onde a titularidade da direcção cabe ao juiz de instrução (fiscalização

horizontal do despacho de encerramento de inquérito pelo MP), daqui a natureza

judicial da instrução.

Somente o arguido e o assistente têm legitimidade para exercer este direito no

prazo de 20 dias a contar da notificação da decisão de acusar ou de arquivar. No

caso do arguido, ao abrigo do artigo 287.º n.º 1 alínea a) do CPP, relativamente a

factos pelos quais o MP ou o assistente, em caso de procedimento dependente de

acusação particular, tiverem deduzido acusação; ou (alínea b) do n.º 1) pelo

assistente, se o procedimento não depender de acusação particular (em sentido

formal) relativamente a factos pelos quais o MP não tiver deduzido acusação.

Esta fase é uma garantia de defesa do arguido, que pode ou não exercer este

direito e, no caso de ser requerida pelo assistente, garante “que não será

submetido a julgamento caso não se verifiquem os pressupostos legais e garantia

da legalidade da decisão do MP, findo o inquérito.”97

Feita uma síntese dos mecanismos empregados pelas partes no caso, sub

judice, irei abordar as questões que se levantam para resolução do problema.

O instituto da intervenção hierárquica, suscitado pelo assistente, não levanta

dúvidas presumindo-se que foi suscitado dentro do prazo previsto no artigo 278.º

n.º 1 CPP, e seria uma das formas de reacção ao despacho de encerramento de

97

(SILVA, 2014) P.135

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78

inquérito do MP, já que foi arquivado relativamente a A e está em causa um

crime semi-público.

Do requerimento de abertura de instrução pelo arguido, não se levantam

problemas em relação a prazos, mais uma vez presume-se que foi requerido

dentro do tempo previsto no artigo 287.º n.º 1 alínea a) CPP, dentro dos 20 dias

após notificação do despacho de acusação do MP.

A questão que se coloca no requerimento de abertura de instrução do arguido

C, é a possibilidade ou não, de requerer a abertura desta nova fase processual

somente para apreciação de matéria de direito, estando disposto no referido

artigo que a abertura de instrução pode ser requerida pelo arguido, relativamente

a factos pelos quais o MP tiver deduzido acusação e o n.º 2 do artigo citado

estabelece que o requerimento deve conter as razões de facto e de direito

relativamente à acusação.

A possibilidade de requerer a abertura de instrução para impugnar somente a

qualificação da alteração jurídica dos factos não tem unanimidade na doutrina e

na jurisprudência, para uns autores não é possível requerer a abertura de

instrução apenas para alteração da qualificação jurídica dos factos e para outros

autores é possível já que esta fase processual tem em vista evitar a sujeição do

arguido a julgamento e, uma alteração da qualificação jurídica dos factos, pode

implicar vícios da acusação98

, v.g. diferentes contagens dos prazos, podendo já

estar prescrito o procedimento criminal, ser um crime que se encontra ao abrigo

de uma amnistia absolvendo de imediato o arguido, alteração das medidas de

coacção impostas, alterar a competência do tribunal de julgamento.

Sendo o escopo da fase de instrução, quando requerida pelo arguido, evitar a

sua submissão a julgamento, será este o fundamento crucial para admissão ou

não desta fase somente para apreciação de questões de direito.

98

(SILVA, 2014) P.131

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

79

No caso sub judice, a alteração da qualificação jurídica dos factos não evita a

submissão de C a julgamento, já que o arguido admite todos os factos e só não

concorda com a sua qualificação jurídica (homicídio qualificado, p.p. pelo 132.º

n.º 1 alínea e) do CP) considerando que o que qualifica correctamente os factos

descritos é a acusação pelo crime de roubo qualificado, p.p. pelo 210.º n.º 3 CP.

Esta alteração da qualificação jurídica não evita a sua submissão a julgamento,

i.e., não respeita o fim para que a fase processual que invoca se destina, já que

comprova a decisão judicial da decisão de deduzir acusação. O mecanismo

adequado seria o despacho saneador previsto no artigo 311.º n.º 2 CPP, apreciado

pelo juiz de julgamento, em razão da economia processual, podendo em

julgamento contestar a alteração jurídica dos factos, direito previsto no artigo

315.º n.º 1 CPP. Alguns autores consideram a alteração da qualificação jurídica

dos factos como alteração não substancial dos factos.

Outra questão que se levanta é relativa ao seguimento do processo, já que uma

parte invoca um mecanismo que se encontra em fase de inquérito e a outra parte

invoca um mecanismo que inicia uma nova fase processual (instrução). O artigo

30.º n.º 1 alínea c) do CPP prevê a possibilidade de separação de processos

quando a conexão puder retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos

arguidos, o que aconteceria no caso sub judice, resultando num maior dano para

o arguido pois não veria a sua situação resolvida com a celeridade desejada.

Apesar desta separação de processos, nada obsta a que ulteriormente sejam

apensados caso as fases processuais se encontrem novamente, de acordo com as

normas sobre a competência por conexão.

De acordo com o exposto, tenho que concluir pela admissibilidade da

reclamação requerida pelo assistente no processo, por ter legitimidade para se

constituir como tal e, pela rejeição do requerimento de abertura de instrução do

arguido, nos termos do artigo 287.º n.º 3 CPP, por inadmissibilidade legal da

instrução, já que o resultado pretendido não é o despacho de não pronúncia e, por

existir outro mecanismo lógico e cronologicamente mais adequado para contestar

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

80

a qualificação jurídica dos factos descritos no despacho de acusação proferido

pelo MP, nomeadamente, o despacho saneador (artigo 311.º n.º 2, artigo 315.º e

artigo 339.º n.º 4, todos do CPP), devendo ser aplicada a norma do artigo 30.º n.º

1 alínea c) do CPP, que prevê a separação dos processos, por impossibilidade de

existir inquérito e despacho de acusação do MP no mesmo processo. O inquérito

onde B é parte, deve seguir autonomamente, podendo haver apensação dos

processos, em posterior fase, instrução ou julgamento, consoante o momento

temporal coincidente.

XIII. Aplicação do instituto da suspensão provisória do processo na

criminalidade tributária, em especial, no crime de fraude fiscal

Este tema surgiu na sequência do estudo de processos atinentes à

criminalidade tributária, mormente o crime de fraude fiscal previsto e punido

artigo 103.º do RGIT, como forma de exclusão da responsabilidade criminal mas

com o consequente acto de ressarcir os prejuízos à Fazenda Pública.

O instituto de suspensão provisória do processo previsto no artigo 281.º do

CPP prevê a sua aplicação, determinada oficiosamente ou a requerimento do

arguido ou do assistente, mediante a verificação dos seguintes pressupostos

cumulativos: ser objecto “crime punível com pena de prisão não superior a cinco

anos ou com sanção diferente da prisão; concordância do JIC, do arguido e do

assistente; ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza; não

tiver sido aplicado anteriormente o instituto da suspensão provisória do processo

por crime da mesma natureza; não haver lugar a medida de segurança de

internamento; ausência de grau de culpa elevado; e ser de prever que o

cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às

exigências de prevenção que no caso se façam sentir.”

Este instituto é uma das formas de encerramento de inquérito da competência

exclusiva do MP, podendo ser determinado na fase da sua direcção ou em fase

posterior, na instrução, ex vi artigo 307.º n.º 2 do CPP, onde o JIC detém o poder

de fiscalização jurisdicional. A concordância do JIC traduz-se na análise e

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81

determinação, de acordo com critérios de proporcionalidade, adequação e

satisfação das necessidades dos fins das penas, das regras de conduta e injunções

propostas pelo MP e aceites pelas restantes partes, bem como a verificação

efectiva dos pressupostos de aplicação desta medida.

As injunções e regras de conduta oponíveis, determinadas, genérica e

abstractamente no número 2, são: “indemnizar o Estado; Entregar ao Estado ou a

instituições privadas de solidariedade social certa quantia ou efectuar prestação

de serviço de interesse público; residir em determinado lugar; frequentar certos

programas ou actividades; não exercer determinadas profissões; não frequentar

certos meios ou lugares; não residir em certos lugares ou regiões; não

acompanhar, alojar ou receber certas pessoas; não frequentar certas associações

ou participar em determinadas reuniões; não ter em seu poder determinados

objectos capazes de facilitar a prática de outro crime; qualquer outro

comportamento especialmente exigido pelo caso.” O apoio e vigilância do

cumprimento das injunções e regras de conduta determinadas pode ser efectuado

pelos serviços de reinserção social, OPC ou as autoridades administrativas.

O prazo máximo de suspensão do processo é de dois anos, com a excepção

relativa aos crimes de violência doméstica não agravado pelo resultado ou por

crime contra a autodeterminação sexual de menor não agravado pelo resultado,

onde a suspensão provisória do processo pode ir até aos cinco anos. Com a

determinação deste instituto suspende-se o decurso do prazo de prescrição do

processo. No seguimento da execução das injunções e regras de conduta pelo

arguido, o MP profere despacho de arquivamento com a consequente

impossibilidade de reabertura, pela aplicação do artigo 279.º, respeitando desta

forma o princípio ne bis in idem - “ninguém pode ser julgado mais do que uma

vez pela prática do mesmo crime”99

. O arquivamento derivado da aplicação deste

instituto constitui caso julgado material, não podendo os factos imputados ao

arguido, assentes no inquérito, voltar a ser apreciados para efeitos de nova

responsabilidade criminal.

99

Artigo 29.º n.º 5 da CRP.

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82

Este mecanismo é uma das formas previstas pelo legislador para a realização

dos fins das penas criminais, aplicado pelo RGIT através da remissão expressa no

seu artigo 43.º n.º 1, onde estabelece “recebido o auto de inquérito e respectivo

parecer, o Ministério Público procede nos termos dos artigos 277.º a 283.º do

Código Processo Penal”.

A suspensão provisória do processo nasceu pela justificação da celeridade

processual, inibição da estigmatização em crimes de pequena relevância criminal,

apoiando desta forma a ressocialização dos arguidos quando não exista um grau

de culpa elevado, incidindo igualmente na prevenção da prática de futuros

ilícitos. Atinge desta forma mais ténue, os fins atinentes ao Direito Penal – é uma

derivação do princípio da oportunidade, i.e., afectação de um juízo de

conveniência que fundamenta a decisão, de acordo com o caso concreto, em

colisão com o princípio da legalidade, regente do nosso Direito Processual Penal,

traduzido na competência afecta do MP em representação do Estado, “exercer a

acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade

democrática”100

.

A criminalização de comportamentos que visam a erosão do pagamento de

impostos têm em vista a tutela de um bem jurídico – o património fiscal do

Estado e valores de verdade e lealdade fiscal, ou seja, o património consubstancia

um instrumento de política distributiva101

ao qual estão afectos deveres de

colaboração que asseguram esta tutela. Nesta criminalidade não é possível a

identificação da vítima, o lesado é a Fazenda Pública, que se traduz numa real

lesão dos direitos de cada cidadão que cumpre as suas obrigações fiscais – sendo

esta a prestação principal nos crimes tributários.

Como forma de abordar esta aplicação concreta ao tipo de criminalidade

descrita, é necessário enunciar questões de política criminal102

, aprovadas pela

100

Artigo 219.º n.º 1 da Constituição. 101

Artigo 103.º 102

Cujo fim se traduz no estabelecimento de um “critério de valoração – em vista de uma mais eficaz luta

contra o crime – do direito criminal constituído e indicar a direcção do direito criminal a constituir.” In

(Correia, 2014) P. 8

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83

entrada em vigor da Lei-Quadro n.º 17/2006, de 23 de Maio. Estabelecem os

artigos 3.º e 4.º o princípio da congruência, traduzido na conformidade da política

criminal com os valores constantes na Constituição e da Lei sobre os bens

jurídicos, com os objectivos de prevenção e repressão de ilícitos e, quando não

seja possível a reparação de danos individuais e sociais que deles nasçam. Esta

legislação é aplicada em conjunto com as Leis em vigor bienalmente, que

definem os objectivos, prioridades e orientações de política criminal. Desde a

entrada em vigor da Lei-Quadro de Política Criminal duas Leis surgiram com

estes objectivos, não tendo sido criada mais nenhuma para os biénios de 2011-

2013 e 2013-2015.

Por esta razão irei somente incidir na Lei n.º 38/2009, de 20 de Julho na

análise das prioridades de prevenção e investigação que regeram este biénio. No

seu artigo 3.º n.º 1 alínea f) a fraude fiscal é incluída na criminalidade onde deve

reinar um regime de prevenção prioritário, bem como na alínea f) do n.º 1 do

artigo 4.º está incluída a investigação prioritária dos crimes de fraude fiscal

qualificada. O Procurador-Geral da República aprova directivas e instruções

genéricas, vinculando desta forma os magistrados do MP103

ao seguimento dos

objectivos de política criminal estabelecidos.

A aplicação da suspensão provisória do processo na criminalidade tributária

foi por mim verificada na consulta de um processo em especial relativo a fraude

fiscal qualificada que consistia em dois esquemas de facturação (Trading nas

compras e de prestação de serviços), um deles traduzido pela intervenção de uma

entidade terceira, sediada num dos Estado-Membros com a exclusiva função de

emissão de facturas sobre serviços efectivamente prestados pelas sociedades

lusas ou para ficcionar a intervenção de um intermediário na aquisição de

serviços a outras empresas, ou seja, este esquema criava falsamente uma

operação triangular em que a sociedade não residente tinha como função a

produção de facturas com valores superiores ao efectivo custo do serviço ou de

modo a ocultar os ganhos auferidos pela entidade prestadora de serviços. Deste

103

Artigo 2.º do EMP.

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

84

modo conseguiram obter vantagens fiscais ilícitas, colocando posteriormente os

lucros com este esquema fraudulento nos chamados “paraísos fiscais”104

.

Diversas certidões foram extraídas do processo principal, com a consequente

separação de processos, muitas ainda em fase de inquérito, por se encontrarem

reunidos valores probatórios suficientes para acusação e uma perto do despacho

de encerramento de inquérito. Os pressupostos de aplicação deste instituto

estavam reunidos e foram aplicadas algumas injunções e regras de conduta a

serem cumpridas, especificamente valores determinados pela violação do dever

jurídico de prestações fiscais, ou seja, o valor em que incidia a quantia necessária

para regularizarem a situação tributária, acrescido de juros compensatórios105

.

Foi em resultado deste estudo que levantei uma questão sobre a aplicação da

suspensão provisória do processo a crimes tributários, nomeadamente, a

verdadeira satisfação dos fins das penas que orientam o nosso Direito Penal.

O Direito Penal tem como escopo fulcral a tutela de bens jurídicos, definidos

como “aquilo que é lícito considerar digno de protecção na perspectiva dos fins

das penas106

.” O fim de prevenção especial tem o seu alicerce na prevenção de

novos ilícitos pelo agente e na sua ressocialização conjugado com a prevenção

geral com a função de dissuasão da comunidade da prática de crimes, de modo a

assegurar a ordem e paz social107

.

Perante isto, através da aplicação do instituto de exclusão de responsabilidade

criminal previsto no artigo 281.º do CPP, em concreto nos crimes tributários,

fiquei em dúvida se satisfazem de facto as necessidades das penas, ou seja,

perante este instituto o fim de prevenção especial é realmente satisfeito, na

medida que o agente efectua o pagamento de injunções, regularizando assim a

104

Territórios com regimes de tributação privilegiada. 105

Artigo 35.º da LGT 106

(Roxin, 1998) P. 61 107

Formas de prevenção de futuros ilícitos em ambas as vertentes “na medida em que a ameaça ou a

execução desse mal agem sobre a generalidade das pessoas, intimidando-as e desviando-as da prática do

crime (prevenção geral); quer na medida em que actuam sobre o agente num sentido segregador –

afastando-o ou eliminando-o da sociedade -, reeducativo ou correctivo – adaptando-o à vida social – ou

intimidativo – dando-lhe consciência da seriedade da ameaça penal (prevenção especial) ” in (Correia,

2014) P. 41

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85

sua situação tributária, quando não exista qualquer outra injunção ou regra de

conduta que, verdadeiramente, incuta no agente a gravidade das consequências

decorrentes da sua violação do dever de pagar impostos, o que afecta a função

distributiva do Estado.

Também não afirmo com certezas quanto à satisfação da prevenção geral, já

que a sociedade, através da comunicação social, vai tendo conhecimento das

aplicações deste instituto, ficando com uma sensação de impunidade perante este

tipo de infracções.

Os comportamentos subsumíveis à ilicitude tributária são praticados, via regra,

por agentes com alto poder económico e por este motivo levantei a questão acima

abordada.

Pela verificação da incidência de injunções mormente pecuniárias, onde o acto

que releva é o pagamento, pensei no seguimento de um caminho além deste, ou

seja, avante as regularizações das situações tributárias acrescidas de juros

compensatórios, poder-se-ia apelar a deveres de prestação de trabalho a favor da

comunidade em instituições privadas de solidariedade social (doravante

designadas de IPSS), como forma de apelar ao bom senso e participação activa

na sociedade, e o consequente cumprimento dos deveres inerentes a cada

contribuinte – as obrigações resultantes das prestações principais.

Abordar as injunções para além das pecuniárias, apostando numa vertente

prática e activa dos agentes criminosos. Creio que os objectivos de política

criminal assentes sobre criminalidade fiscal, seriam alcançados de forma (talvez)

mais eficiente. Pela aplicação desta causa de exclusão de responsabilidade penal

no âmbito da criminalidade referida, consubstancia-se no MP uma função de

“homem do fraque”, ou seja, torna o detentor da acção penal num órgão de

cobrança de impostos, o que não me parece de todo admissível. A minha

“crítica” não passa pela aplicação do instituto quando estejam reunidos os

pressupostos de que depende, mas sim, pela genérica de injunções e regras de

conduta determinadas. Estando instaurado processo que recai sobre a

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

86

investigação de criminalidade económica-tributária as obrigações de entrega de

valores pecuniários, mesmo que a IPSS, podem não satisfazer as necessidades

dos fins das penas, na medida que o acto principal é um pagamento, muitas das

vezes feito sem qualquer deslocação à entidade que o recebe.

Por ser a política criminal que induz a relevância a dar à repressão e prevenção

no combate ao crime, decide a incriminação ou não de determinada factualidade

bem como no modo e natureza da execução das penas, deveria nestas situações

concretas estabelecer forma mais eficazes de combate a esta criminalidade, pelo

estabelecimento de determinadas injunções e regras de conduta, que não sendo

penas, tenham uma função de dissuasão, com maior relevo, de futuras práticas

comportamentais ilícitas fiscais.

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87

K. Conclusão

O estágio curricular foi orientado na Faculdade de Direito da Universidade

Nova de Lisboa pelo Professor Dr. Frederico de Lacerda Costa Pinto, com o qual

reuni uma vez durante a sua realização e outra após o termo do estágio.

Na primeira reunião sugeriu-me a elaboração de um “diário” da actividade

realizada – sugestão que se mostrou fundamental na elaboração do presente

relatório.

Na segunda reunião resultou o esclarecimento de dúvidas sobre como e que

temas abordar, resultado da complexidade processual e criminal que reina na

competência do DCIAP, muitos eram os temas passiveis de estudo.

No DCIAP, o estágio foi supervisionado pela Dr.ª Isabel Nascimento,

infatigável no apoio prestado.

Apesar de ter ficado assente a existência de duas reuniões semanais (às terças-

feiras e quintas-feiras) de modo a orientar o estágio, discutir dúvidas e

metodologias de trabalho, a realidade é que apoiou e acompanhou de perto todo o

trabalho desenvolvido, aliciando-me numa abordagem dos problemas levantados,

num sentido crítico e académico.

A elaboração do diário, onde sumariamente descrevi a actividade

desenvolvida, foi complementado com separatas correspondentes às informações

retiradas de cada processo-crime consultado, bem como as dúvidas esclarecidas

aquando as reuniões com a Dr.ª Isabel, para cada processo. Este instrumento

demonstrou-se fulcral na elaboração do relatório pela organização e as

conclusões adquiridas.

As expectativas que fomentaram a candidatura a estágio curricular tiveram

motivação na necessidade de vivenciar em parte a experiência laboral, o contacto

com magistrados e todas as vantagens consequentes – uma perspectiva realista e

individual dos titulares de Inquéritos de extrema importância na ordem jurídica, o

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88

crescimento pessoal e académico por esta via induzido e a aplicação, de certo

modo, da matéria leccionada no ramo do Direito Penal e Direito Processual

Penal.

Todas as expectativas foram atingidas e superadas, pude vivenciar um debate

instrutório, frequentar um seminário e presenciar no CEJ o Dia Internacional

Contra a Corrupção, uma vertente prática e pessoal inimaginável.

O estágio realizou-se num período, onde o impacto do trabalho realizado no

Departamento foi ainda mais notório (com a aplicação da medida de coacção

prisão preventiva a um anterior Primeiro-Ministro), com as constantes presenças

da comunicação social à entrada do Departamento.

Do contacto com os magistrados e o estudo de processos-crime (uma vertente

mais teórica do que prática, mas com resultados enriquecedores, principalmente

pelo acompanhamento que a Dr.ª Isabel Nascimento sempre manteve) resultou a

certeza da via profissional que pretendo seguir.

Tomei consciência das dificuldades de investigação, mormente da procura de

meios de prova, na criminalidade económico-financeira e na constante motivação

de cumprimento de prazos (constatei que o factor de morosidade deve-se à

dificuldade de análise da prova documental, quantitativamente exagerada).

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

89

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92

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93

ANEXOS

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94

I. Mapa Estatístico 1 – Averiguações Preventivas108

108

Somente foram consideradas Averiguações Preventivas findas e pendentes no respectivo ano e não as arquivadas e pendentes do ano anterior.

ANO ENTRADAS FINDAS PENDENTES

2012 98 90 8

2013 78 62 16

2014 42 22 20

Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

95

II. Mapa Estatístico 2 – Acções Encobertas109

109

Somente foram consideradas Acções Encobertas findas e pendentes no respectivo ano e não as arquivadas e pendentes do ano anterior.

ANO ENTRADAS FINDAS PENDENTES

2012 8 4 4

2013 8 3 5

2014 8 5 3

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96

III. Mapa Estatístico 3 – Plataforma de Denúncias

ANO 2012 2013 2014

DENÚNCIAS RECEBIDAS 1893 2361 1942

DENÚNCIAS ANÓNIMAS 868 1099 779

DENÚNCIAS ARQUIVADAS 35 246 107

AVERIGUAÇÕES PREVENTIVAS 98 205 24

INQUÉRITOS 10110

23111

4112

CORRUPÇÃO 118 109 73

110

289 Denúncias transferidas para outras entidades – Serviços do MP e entidades fiscalizadoras. 111

530 Denúncias transferidas para outras entidades – Serviços do MP e entidades fiscalizadoras. 112

Foram instaurados 38 Inquéritos em Comarcas Judiciais diferentes.

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97

IV. Processos-Crime Consultados:

Inseri nos mapas que se seguem as indicações que considerei relevantes sobre alguns dos casos analisados e que não foram passiveis

de aprofundamento no relatório de estágio.

i. Incidência 1

NUIPC 269/11.5TELSB DATA 480/13.4JELSB DATA

INQUÉRITO DENÚNCIA DENÚNCIA ANÓNIMA 29/11/13

DILIGÊNCIAS DE PROVA

Segredo de Justiça

Inquirições de testemunhas

Segredo de Justiça

Registo de Som e Imagem

Escutas Telefónicas

Localização Celular

TIPOS DE CRIMES

Corrupção Activa

Falsificação de Documentos

Violação de normas de

execução orçamental

Tráfico de Droga

MEDIDAS DE COACÇÃO

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98

ARGUIDOS

(CONSTITUÍDOS)

ARGUIDOS

(ACUSADOS)

DESPACHO DE

ENCERRAMENTO

Despacho de Arquivamento de

Inquérito

(Artigo 277.º n.º 2)

Despacho de Arquivamento 24/3/14

DELEGAÇÃO DE

COMPETÊNCIAS

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99

ii. Incidência 2

NUIPC 497/13.9JELSB DATA 166/12.7TAALM DATA

INQUÉRITO

Informação de Serviço

(Polícia Marítima)

12/12/13 Certidão extraída de Sentença do Tribunal da

Comarca de Almada 18/1/12

DILIGÊNCIAS

DE PROVA

Registo de Som e

Imagem

Segredo de Justiça

Reportagem

Fotográfica

Segredo de Justiça

Relatórios de Acções Inspectivas (AT)

Escutas Telefónicas

Quebra Sigilo Profissional

Informações da PSP – DNSP

TIPOS DE

CRIMES

Tráfico de Droga

Associação Criminosa

com vista ao Tráfico

Fraude Fiscal

Abuso de Confiança Fiscal

MEDIDAS DE

COACÇÃO

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100

ARGUIDOS

(CONSTITUÍD

OS)

16

ARGUIDOS

(ACUSADOS)

DESPACHO DE

ENCERRAME

NTO

Despacho de Arquivamento

(Artigo 277.º n.º 2)

15/5/14

Foram extraídas certidões para instauração de

Inquéritos autónomos e Despacho de arquivamento

Parcial

30/4/13

DELEGAÇÃO

DE

COMPETÊNCI

AS

PJ/AT

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101

iii. Incidência 3

NUIPC 258/11.0TELSB DATA 241/11.5TELSB DATA

INQUÉRITO DENÚNCIA ANÓNIMA 28/9/11 COMUNICAÇÃO À UIF 29/8/11

DILIGÊNCIAS DE

PROVA

Segredo de Justiça

Registo de Som e

Imagem

Dispositivo de

Varrimento

Electrónico

Escutas Telefónicas

Suspensão dos movimentos de contas

Inquirição de Testemunhas

Quebra do Sigilo Bancário

Suspensão dos movimentos de débitos

Cooperação Internacional – Cartas Rogatórias

TIPOS DE

CRIMES

Tráfico de Armas e

Terrorismo

Branqueamento de Capitais

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102

MEDIDAS DE

COACÇÃO

ARGUIDOS

(CONSTITUÍDOS)

ARGUIDOS

(ACUSADOS)

DESPACHO DE

ENCERRAMENTO

Despacho de Arquivamento

(Artigo 277.º n.º 2)

Extracção de Certidão Para

abertura de Inquérito

autónomo por suspeitas da

prática do crime de

Homicídio Qualificado

20/3/13 Despacho de Arquivamento

(Artigo 277.º n.º 2) 10/3/14

DELEGAÇÃO DE

COMPETÊNCIAS PJ-UNCT

PJ-UNCC

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103

iv. Incidência 4

NUIPC 9937/10.8JFLSB DATA 75/07.1TELSB DATA

INQUÉRITO DENÚNCIA ANÓNIMA

Averiguações Preventivas 14/7/10

INFORMAÇÃO PJ

Averiguações Preventivas 22/11/07

DILIGÊNCIAS DE

PROVA

Registo de Som e Imagem

Segredo de Justiça

Escutas Telefónicas

Diligências Externas – RDE

Mandados de Busca e

Apreensões

Perícias – UTI

Interrogatórios

Registos de Trace Back e

intercepção de Registos de

Fax

Intercepção, gravação e

apreensão de ficheiros

Segredo de Justiça

Suspensão Provisória de

movimentos de débito

Denúncia anónima

Mandados de busca e Apreensão

Reportagem Fotográfica - RDE

Carta Precatória

Extractos Bancários

Inquirições

Perícias

Quebra de Sigilo Bancário

Registos de Trace Back

Cooperação Internacional –

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104

electrónicos EUROJUST – CartasRogatórias

TIPOS DE

CRIMES

Contrabando de Pedras

Preciosas

Associação Criminosa

Branqueamento de Capitais

Branqueamento de Capitais

Tráfico de Droga

MEDIDAS DE

COACÇÃO

TIRE

(Artigo 214.º n.º 1 alínea a))

TIRE

ARGUIDOS

(CONSTITUÍDOS) 30

9

ARGUIDOS (ACUSADOS)

DESPACHO DE

ENCERRAMENTO

Despacho de Arquivamento

(Artigo 277.º n.º 2)

Extracção de Certidão para a PJ –

UNCC

23/9/13

Despacho de Arquivamento

(Artigo 277.º n.º 2)

Remissão dos Factos relativos ao

Branqueamento de Capitais para o País

onde está em Julgamento o Crime

precedente

21/2/14

DELEGAÇÃO DE

COMPETÊNCIAS PJ-UNCC

PJ / AF

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105

v. Incidência 5

NUIPC 73/07.5TELSB DATA

INQUÉRITO

EXTRACÇÃO DE CERTIDÃO

(Separação de Processos)

2/10/07

DILIGÊNCIAS DE

PROVA

Mandados de Busca e Apreensão

Relatório Autoridade Tributária

Segredo de Justiça

Perícias (DGITA)

Apreensão de Correspondência

Interrogatórios

Inquirições

Quebra do Sigilo Bancário

Cooperação Internacional – Cartas Rogatórias

Relatórios Direcção de Finanças

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106

TIPOS DE

CRIMES

Fraude Fiscal Qualificada

Branqueamento de Capitais

MEDIDAS DE

COACÇÃO TIRE

ARGUIDOS

(CONSTITUÍDOS)

32

ARGUIDOS

(ACUSADOS)

30

DESPACHO DE

ENCERRAMENTO

Despacho de Acusação

Despacho de Suspensão Provisória do Processo

(Artigo 281.º)

DELEGAÇÃO DE

COMPETÊNCIAS

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107

V. Plano de Estágio Curricular – DCIAP

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Relatório de Estágio Curricular no Departamento Central de Investigação e Acção Penal

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