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1 1 UM FIM À VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇA Introdução 3 Fazendo uma verdadeira diferença 3 Prevenir é a Chave 6 Um problema global 7 Cenários onde ocorre a violência 7 Dimensões ocultas da violência contra a criança 10 Alcance e Escala do Problema 11 Fatores de Risco e de Proteção 13 O impacto devastador da violência 15 Princípios e recomendações 18 Recomendações gerais 18 Implementação e acompanhamento 26 Âmbito nacional e regional 26 Âmbito internacional 27 Referências 28

Relatorio Mundial Sobre a Violência Contra a Criança

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O alcance e a escala de todas as formas de violência contra a criança, bem como dos males que elas comprovadamente acarretam, só se tornaram visíveis recentemente. Este livro documenta os resultados e recomendações do processo do Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre Violência contra a Criança.

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UM FIM ÀVIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇA

Introdução 3Fazendo uma verdadeira diferença 3Prevenir é a Chave 6Um problema global 7Cenários onde ocorre a violência 7Dimensões ocultas da violência contra a criança 10Alcance e Escala do Problema 11Fatores de Risco e de Proteção 13O impacto devastador da violência 15Princípios e recomendações 18Recomendações gerais 18Implementação e acompanhamento 26Âmbito nacional e regional 26Âmbito internacional 27Referências 28

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"As crianças devem poder, enfim, brincar em campos abertos sem serem torturadas pela fome,afligidas por doenças ou ameaçadas pelo flagelo da ignorância, do molestamento e do abuso e sem

serem obrigadas a se envolver em atividades incompatíveis com seus tenros anos."

Nelson Mandela, Ganhador do Prêmio Nobel da Paz

INTRODUÇÃO

O alcance e a escala de todas as formas de vio-lência contra a criança, bem como dos malesque elas comprovadamente acarretam, só setornaram visíveis recentemente. Este livro do-cumenta os resultados e recomendações do pro-cesso do Estudo do Secretário-Geral das Na-ções Unidas sobre Violência contra a Criança.

O Estudo é a primeira pesquisa abrangente eglobal sobre todas as formas de violência con-tra a criança e ele se baseia no modelo do estu-do sobre o impacto de conflitos armados emcrianças desenvolvido por Graça Machel e apre-sentado à Assembléia Geral em 1996. Ele tam-bém representa uma seqüência do RelatórioMundial sobre Violência e Saúde da Organiza-ção Mundial da Saúde de 2002.1

O Estudo é também o primeiro documento dasNações Unidas (ONU) que envolveu criançasdiretamente ao longo de todo o processo de suaelaboração que enfatiza e desenvolve reflexõessobre sua condição de titulares de direitos esobre seu direito de expressar suas opiniões emrelação a tudo que as afeta e de terem essasopiniões levadas na devida consideração.

A mensagem central deste Estudo é que nenhumtipo de violência contra a criança é justificável etoda violência contra a criança é prevenível. O Es-tudo revela que, a despeito da obrigação dos Esta-dos na garantia da proteção dos direitos humanos edo desenvolvimento das crianças, algumas formasde violência contra a criança ainda são considera-das legais em todas as regiões do mundo, além deserem autorizadas pelo Estado e socialmente acei-tas. O estudo pretende promover uma transforma-

ção global que mine definitivamente quaisquerjustificativas para atos de violência contra a cri-anças praticados com base em "tradições" oucamuflados em medidas "disciplinares".

A violência contra a criança deve ser contestadasem qualquer concessão. A singularidade das cri-anças - em termos de potencial humano, fragili-dade e vulnerabilidade - e o fato de dependeremde adultos para crescer e se desenvolver justifi-cam mais, e não menos, investimentos em medi-das de prevenção e proteção contra a violência.

Nas últimas décadas, algumas formas extremasde violência contra a criança, como a explora-ção e o tráfico sexual, a mutilação genital femi-nina, as piores formas de exploração do trabalhoinfantil e o impacto de conflitos armados, gera-ram um clamor internacional e uma condenaçãoconsensual dessas práticas, mas não nenhumasolução rápida foi implementada para a questão.Além dessas formas extremas de violência, mui-tas crianças são rotineiramente expostas à vio-lência física, sexual e psicológica dentro de seuslares e escolas, em instituições assistenciais ecorrecionais, em ambientes de trabalho e dentroda comunidade. Tudo isso gera conseqüênciasdevastadoras para a saúde e o bem-estar dessascrianças tanto no presente como no futuro.

FAZENDO UMAVERDADEIRA DIFERENÇA

Alguns eventos importantes e interligados su-gerem que o processo e os resultados do Estu-do estão sendo divulgados em um momento idealpara fazermos uma verdadeira diferença nascondições de vida das crianças.

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"As crianças não são mini-seres humanos com mini-direitos humanos; no entanto,enquanto os adultos as considerarem como tal, a violência contra a criança persistirá."

Maud de Boer-Buquicchio, Secretária-Geral Adjunta do Conselho da Europa

MANDATO E ABRANGÊNCIA DO ESTUDO

Em 2001, em resposta a uma recomendação emitida pelo Comitê sobre os Direitos da Criança,a Assembléia Geral, em sua resolução 56/138, solicitou ao Secretário-Geral que coordenasseum estudo profundo sobre a questão da violência contra a criança e que emitisse recomenda-ções para ações adequadas a serem submetidas à apreciação dos Estados-membros. Em Feve-reiro de 2003, fui designado pelo Secretário-Geral das Nações Unidas para liderar este estudo.

O Estudo segue a definição de criança prevista no Artigo 1 da Convenção sobre os Direitos daCriança (CDC), a saber, "qualquer ser humano com menos de 18 anos de idade, exceto se, pelalei aplicável no país às crianças, a maioridade for conferida em idade inferior". A definição deviolência é a prevista no Artigo 19 da CDC: "todas as formas de violência física ou mental,dano ou sevícia, abandono ou tratamento negligente; maus tratos ou exploração, incluindo aviolência sexual". Ele também usa o conceito adotado no Relatório Mundial sobre Violência eSaúde (2002), a saber, o "uso intencional de violência ou força física contra crianças por partede um indivíduo ou grupo que resulte ou possa resultar em um dano real ou potencial à suasaúde, sobrevivência, desenvolvimento ou dignidade".2

Na condição de Especialista Independente, encaminhei um relatório à Assembléia Geral daONU e este livro pretende complementá-lo. Materiais "amigos da criança" foram também con-feccionados. Este livro considera cinco ambientes nos quais ocorrem atos de violência contra acriança: a família, as escolas, instituições alternativas de saúde e casas de detenção, locais ondecrianças trabalham e suas comunidades. No entanto, ele não aborda a questão das criançasenvolvidas em conflitos armados, uma vez que esse tema é da competência do RepresentanteEspecial do Secretário-Geral para Crianças e Conflitos Armados. Ainda assim, o livro leva emconsideração alguns temas relacionados, como a violência contra a crianças refugiadas e outrascrianças deslocadas.

O Estudo e sua secretaria em Genebra foram apoiados por três órgãos das Nações Unidas: oEscritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (EACDH), oFundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e a Organização Mundial da Saúde (OMS),além de ter contado com o apoio de um Conselho Editorial multidisciplinar de especialistas.

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"Precisamos enxugar suas lágrimas e transformar seus rostos tristes em rostos alegres. Precisamosmanter acesa nelas a chama da esperança e de um futuro melhor."

Primeira-Dama do Paquistão, Begum Sehba Pervez Musharraf, 2005 I

Em primeiro lugar, o reconhecimento da obri-gação de eliminar a violência contra a criançacomo um direito humano intensificou-se com aadoção e ratificação quase universal da Con-venção sobre os Direitos da Criança (CDC).Este documento enfatiza a condição das crian-ças como titulares de direitos.

No entanto, como o estudo revela, embora aCDC seja amplamente aceita, há crianças namaioria dos Estados cuja dignidade humana eintegridade física ainda não são plenamente res-peitadas e que ainda esperam por investimen-tos adequados em medidas para prevenir todasas formas de violência contra elas.

Em segundo lugar, as próprias crianças estãose manifestando sobre a questão e começandoa ser ouvidas e levadas a sério. Nas nove Con-sultas Regionais realizadas no âmbito do Estu-do, crianças relataram a violência diária quesofrem em seus lares, dentro da família e tam-bém na escola, em outras instituições, em siste-mas correcionais, em locais de trabalho e emsuas comunidades. A violência contra a criançaestá presente em todos os Estados e ultrapassafronteiras culturais, de classe, de educação, derenda, de origem étnica e de idade. No decorrerda pesquisa, crianças expressaram repetidamen-te a necessidade urgente de se pôr fim a essaviolência. Elas relataram sua dor - não apenassua dor física, mas a "dor interna" provocadapor esses abusos, que é agravada pela aceita-ção, e até aprovação, de adultos.

Os governos precisam entender que a situação é,efetivamente, emergencial. Sem serem vistas ou

ouvidas, crianças vêm sofrendo há séculos nasmãos de adultos. No entanto, como a intensida-de e o impacto da violência contra a criança es-tão se tornando visíveis, não podemos mais dei-xá-las esperando pela proteção efetiva à qual elastêm um direito ainda não efetivado.

Em terceiro lugar, o crescente reconhecimentodo impacto da violência sobre a saúde mental efísica e o bem-estar das crianças tem gerado umnovo olhar sobre a prevenção, que passou a sertratada com um senso maior de urgência. Até adécada de 1960, não havia um reconhecimentoadequado, nem mesmo entre profissionais, dogrande número de óbitos, estupros e danos cau-sados a crianças por seus pais e cuidadores oupor pessoas em funções de confiança. A violên-cia contra a criança em escolas e em outrosambientes também não havia sido adequada-mente considerada até décadas mais recentes.

A ampliação de pesquisas nas áreas das ciênciasneurobiológicas, comportamentais e sociais ge-rou uma compreensão muito mais profunda doimpacto de experiências na infância no desen-volvimento do cérebro e da importância das pri-meiras relações para o desenvolvimento sadiodo cérebro.3 Esta pesquisa revela claramente aimportância de laços positivos ou de relaçõesafetivas entre crianças e seus pais e mostra que,sem relações de proteção, a exposição de umacriança a situações de estresse provocadas poratos de violência pode prejudicar o desenvolvi-mento de seu sistemas nervoso e imunológico,deixando-a mais suscetível a problemas físicose mentais. Portanto, a oportunidade oferecidapelo estudo de prevenirmos a violência contra a

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crianças promete abordar uma ampla gama deproblemas de longo prazo que impõem um enor-me ônus econômico e social a todas as nações.

Em quarto lugar, observa-se um reconhecimentocrescente de que a prevenção da violência con-tra a criança exige cooperação e colaboraçãoentre diversos parceiros. Na verdade, a preven-ção e a eliminação da violência contra a crian-ça é uma tarefa que deve ser assumida por to-dos. O estudo contou com a colaboração de or-ganismos das Nações Unidas envolvidos comquestões de direitos humanos, de proteção dacriança e de saúde pública, bem como com in-sumos de diversos setores.

Diferentes profissões não podem mais abordaro problema isoladamente. Os sistemas de saú-de pública, de justiça criminal, de serviços so-ciais e de educação e as organizações de direi-tos humanos, os meios de comunicação de mas-sa e empresas têm um interesse comum em eli-minar a violência contra a criança e podem iden-tificar formas mais eficientes e eficazes de al-cançar essa meta trabalhando juntos.

PREVENIR É A CHAVE

Em que pese a imagem mais clara da escala daviolência praticada contra a criança, temos umagrande oportunidade de avançar no sentido deeliminá-la. A violência não é uma conseqüên-cia inevitável da condição humana. Os gover-nos estão cada vez mais reconhecendo e cum-prindo suas obrigações de direitos humanos emrelação às crianças, além de registrar a preva-lência e o impacto da violência contra elas nolongo prazo. O Estudo confirmou a disponibi-

lidade de capacidades e conhecimentos paraprevenir essa violência e reduzir suas conseqü-ências. A base científica para o desenvolvimentode estratégias eficazes de prevenção da violên-cia e de intervenções terapêuticas está crescen-do e a existência de estratégias cientificamentecomprovadas revela que, com um nível adequa-do de compromisso e investimentos suficien-tes, abordagens criativas de prevenção podemfazer uma grande diferença. Além disso, prote-ger crianças de tenra idade de abusos pode con-tribuir muito para reduzir todas as formas deviolência na sociedade e suas conseqüênciassociais e sobre a saúde no longo prazo.

A sociedade como um todo, independentemente deseu histórico social, econômico e/ou cultural, podee precisa acabar com a violência contra a criançaimediatamente. Para esse fim, é necessário pro-mover uma transformação na "mentalidade" dassociedades e em suas condições econômicas esociais subjacentes associadas à violência.

Como bem observa o relatório do Estudo do Se-cretário-Geral das Nações Unidas sobre Violên-cia contra a criança: "A mensagem principal doEstudo é que nenhuma violência contra a crian-ça é justificável e que toda violência contra elapode ser evitada. Não podemos mais aceitar des-culpas para atos dessa natureza. Os Estados-par-tes devem agir agora, com o devido senso de ur-gência, no sentido de cumprir suas obrigaçõesde Direitos Humanos e outros compromissos degarantir proteção contra todas as formas de vio-lência. Embora as obrigações legais sejam decompetência dos Estados, todos os setores dasociedade e todos os indivíduos têm a responsa-bilidade comum de condenar e prevenir a vio-

"Observa-se uma enorme lacuna entre o que sabemos sobre a violência contra a criança e o que sabemos que deve serfeito. Sabemos que a violência contra a criança frequentemente provoca lesões físicas e mentais permanentes.

Sabemos, também, que a violência prejudica o potencial das crianças de contribuir com a sociedade, por afetar suacapacidade de aprender e seu desenvolvimento social e emocional. Considerando a importância da criança para o

nosso futuro, não podemos mais aceitar a conivência com a violência - a "prevenção" da violência contraa criança deve ser uma das nossas prioridades mais altas."

James A. Mercy, Conselho Editorial do Estudo do Secretário-Geral da ONU sobre Violência contra a Criança

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lência contra a criança e de assistir suas vítimas.Nenhum de nós poderá olhar crianças nos olhosse continuarmos a aprovar ou perdoar qualquerforma de violência contra elas".4

UM PROBLEMA GLOBAL

Relatos de infanticídio, castigos cruéis e hu-milhantes, descaso e abandono, abuso sexuale outras formas de violência contra a criançadatam de antigas civilizações.5, 6 Recentemen-te, documentos sobre a magnitude e o impactoda violência contra a criança mostram clara-mente que ela representa um problema globalsério e de grandes proporções.7, 8 Ela ocorreem todos os países do mundo, sob diversasformas e em diferentes situações e está fre-quentemente enraizada em práticas culturais,econômicas e sociais.

Muitas crianças em todas as sociedades sofremviolência em grandes proporções dentro de seuspróprios lares. Apenas 16 Estados proíbem qual-quer forma de castigo corporal contra criançasem qualquer situação, deixando a vasta maioriada população infantil mundial sem uma prote-ção legal equivalente contra surras e humilha-ções deliberadas no seio do lar. Além disso, cri-anças sofrem atos de violência cometidos porpessoas que deveriam cuidar delas nas escolas,nos sistemas assistenciais e correcionais e emlocais onde trabalham legal ou ilegalmente. Emmais de cem países, crianças sofrem com a reali-dade da ameaça de serem surradas ou são efeti-vamente surradas com a autorização e sanção doEstado. Em pelo menos 30 Estados, o sistema dejustiça continua impondo sentenças na forma de

surras com chicote ou vara a crianças e, em mui-tos outros, sanções violentas são permitidas eminstituições assistenciais e correcionais.9

CENÁRIOS NOS QUAIS OCORREMATOS DE VIOLÊNCIA

O Estudo usou uma estrutura analítica baseada nosambientes e contextos nos quais crianças passamsua infância - o lar e a família, escolas, instituiçõesde proteção e justiça juvenil, locais de trabalho e acomunidade. O Capítulo 2 explora a estrutura einstrumentos internacionais disponíveis para secombater a violência contra a criança. Os Capítu-los 3 a 7 enfocam formas que a violência assumeem cada um desses contextos. Cada capítulo for-nece um histórico e um contexto de situações deviolência contra a criança, fatores que contribuempara a sua ocorrência, riscos, sua prevalência apósser identificada e seus impactos para crianças eoutros, bem como medidas necessárias para se pre-venir e combater a violência quando ela ocorre.

Descrever a experiência de atos de violênciapraticados contra uma criança está longe deser uma tarefa objetiva. Algumas formas deviolência contra a criança são comuns em to-dos os cenários. Castigos corporais e outrasformas cruéis e degradantes de punição sãousados por pais e outros membros da famíliano lar, por cuidadores em instituições e porprofessores nas escolas e também são aplica-dos a crianças em conflito com a lei. Em lo-cais onde crianças abaixo da idade mínimapermitida por lei trabalham, seus empregado-res normalmente aplicam-lhes, impunemente,castigos corporais quando consideram que seu

"A violência contra a criança constitui uma violação dos seus direitos humanos e representa umarealidade perturbadora das nossas sociedades. Ela nunca pode ser justificada, seja por razões

disciplinares ou por tradições culturais. Não há níveis "razoáveis" de violência que possam seraceitos. A violência legalizada contra a criança em um determinado contexto pode gerar uma

tolerância geral em relação à violência contra a criança."

Louise Arbour, Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos

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"Ao longo da história, algumas crianças foram amadas e cuidadas enquanto outras sofreramviolência. Este relatório reflete essa realidade global. Espero que ele ajude a promover ações para

identificar e eliminar todas as formas de violência contra a criança como um caminho essencialpara o desenvolvimento humano e a paz."

Savitri Goonesekere, Conselho Editorial do Estudo do Secretário-Geral da ONUsobre Violência contra a Criança

O PROCESSO DO ESTUDO

O Estudo foi desenvolvido por meio de um processo participativo que incluiu Consultas Regi-onais, Sub-regionais e Nacionais, reuniões temáticas com especialistas e visitas de campo. Emmarço de 2004, um questionário detalhado foi enviado aos governos solicitando que indicas-sem que abordagens estavam adotando em relação à violência contra a criança. Ao todo, 136respostas haviam sido recebidas até o momento da publicação deste livro.10

Entre março e julho de 2005, nove Consultas Regionais foram realizadas no Caribe, no Sul daÁsia, na África Central e Ocidental, na América Latina, na América do Norte, no ExtremoOriente e na região do Pacífico, no Oriente Médio, na África Setentrional, na Europa, na ÁsiaCentral e na África Oriental e Meridional. Cada Consulta reuniu, em média, 350 participantes,entre os quais ministros e autoridades públicas, parlamentares, representantes de organizaçõesregionais e de outros organismos intergovernamentais, de órgãos das Nações Unidas, de Orga-nizações Não-Governamentais (ONGs) e de instituições nacionais de direitos humanos (NHRI),outros representantes da sociedade civil, inclusive dos meios de comunicação de massa e deorganizações religiosas, e crianças. Crianças participaram de todas as Consultas Regionais, queforam precedidas por reuniões nas quais elas desenvolveram insumos e recomendações para oEstudo. Foram produzidos também relatórios finais com os resultados de cada Consulta Regio-nal. Diversas reuniões sub-regionais e nacionais também foram realizadas.

Os Governos que sediaram essas reuniões tinham grande interesse em promover o Estudo.Organizações regionais, entre as quais a União Africana, a Liga Árabe, a Comunidade Caribe-nha (CARICOM), o Conselho da Europa, a União Européia, a Comissão Inter-Americana deDireitos Humanos da Organização dos Estados Americanos e a Associação Sul-Asiática deCooperação Regional, desempenharam papéis importantes na organização dessas consultas.Organizações nacionais e regionais se comprometeram a acompanhar ativamente os preparati-vos para o Estudo.

Visitas de campo foram realizadas na Argentina, Canadá, China, El Salvador, Guatemala, Haiti,Honduras, Índia, Israel, nos Territórios Palestinos Ocupados, Mali, Paquistão, Paraguai, Eslo-vênia, África do Sul, Tailândia e Trinidad e Tobago, graças à hospitalidade de seus governos.

Foram feitas também consultas regulares junto a membros do Comitê sobre os Direitos daCriança e mandatários para procedimentos especiais da ex-Comissão de Direitos Humanos.

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"O processo participativo adotado no Estudo fez com que todos os envolvidos vestissem a camisado projeto, desenvolvessem uma profunda reflexão e tivessem a coragem de confessar o que

vinham negando por muito tempo. Ele nos oferece uma oportunidade histórica para erradicarmostodas as formas de violência contra a criança que não deve ser desperdiçada."

Embaixador Moushira Khattab, Secretário-Geral do Conselho Nacional pela Infância e aMaternidade - Egito, Vice-Presidente do Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança

As observações conclusivas dos relatórios dos Estados-membros para o Comitê foram analisadas,bem como os relatórios de mandatários para procedimentos especiais.

Muitas organizações contribuíram para o Estudo, entre as quais a Organização Internacional doTrabalho (OIT), o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), a Organi-zação das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), o Escritório dasNações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC) e a Divisão para o Progresso das Mulheres doDepartamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas. Um grupo inter-agênciasdas Nações Unidas sobre a Violência contra a criança se reuniu para elaborar estratégias deacompanhamento do Estudo.

Este relatório baseou-se também em muitas contribuições oferecidas para o Estudo nos últimostrês anos por diferentes partes interessadas, entre as quais crianças. Aproximadamente 300 indiví-duos, ONGs e outras organizações de diversas partes do mundo responderam ao chamado para aapresentação de insumos. As Contribuições incluíram insumos de crianças e importantes relatóri-os de pesquisas especificamente encomendados para o Estudo.11

Um Painel Consultivo de ONGs foi criado no início do processo do Estudo que incluiu crianças e jovense representantes de todas as regiões. O Subgrupo de Crianças e Violência instituído dentro no grupo deONGs para a Convenção dos Direitos da Criança (CDC) também contribuiu com esta iniciativa.

Além de elaborar inúmeros estudos, a Aliança Internacional Save the Children forneceu contribui-ções valiosas prestando assessoria e facilitando o envolvimento de crianças particularmente nasConsultas Regionais, juntamente com a UNICEF e outros parceiros. A Rede Global de Informaçãodos Direitos das Crianças (CRIN) documentou o progresso do Estudo, inclusive das reuniõesrealizadas com crianças, e disponibilizou essa documentação em seu site.

O Centro de Pesquisa Innocenti do UNICEF prestou um apoio especial, juntamente com outroscentros e redes de pesquisas que forneceram informações e participaram das Consultas. Foramrealizadas reuniões temáticas sobre violência de gênero, violência nas escolas, no lar e na família,violência contra a criança portadora de deficiência, sistemas de justiça juvenil e violência contra acriança em conflito com a lei, o papel das organizações religiosas, tecnologias da informação ecomunicação, violência contra a crianças refugiadas e outras crianças deslocadas e metodologiasde mensuração da violência.

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"A violência contra a criança constitui uma grave violação dos direitos humanos que precisa ser interrompidaIMEDIATAMENTE! Devemos continuar a trabalhar juntos para livrar nosso mundo de qualquer

forma de violência contra a criança."

Charlotte Petri Gornitzka, Secretária-Geral, Save the Children, Suécia

desempenho não é satisfatório. Na comunida-de, crianças rotuladas como sem residênciafixa ou anti-sociais podem ser atacadas ou atémesmo torturadas impunemente pelas autori-dades, inclusive pela polícia. Crianças força-das a se prostituir frequentemente relatam tra-tamentos violentos que recebem de clientescomo se fosse algo que merecessem.12

O abuso sexual, a violência física e psicológi-ca e o assédio sexual são formas de violênciaque também ocorrem em todos os ambientes.Na maioria das sociedades, o abuso sexual demeninas e meninos ocorre mais frequentemen-te dentro do lar ou é cometido por alguém co-nhecido da família. No entanto, a violênciasexual também ocorre nas escolas ou em ou-tros ambientes educacionais e pode ser prati-cada por colegas ou pelos próprios professo-res. Ela ocorre intensamente em locais de tra-balho fechados, como, por exemplo, em servi-ços domésticos em residências privadas. Ocor-re também em instituições e comunidades,onde é cometida por pessoas conhecidas porsuas vítimas ou não. Meninas sofrem muitomais abuso sexual do que meninos e sua mai-or vulnerabilidade à violência deve-se, emgrande parte, fruto das disparidades nas rela-ções de poder entre os gêneros dentro da soci-edade. Por outro lado, os meninos são maisvulneráveis a homicídios e, particularmente,à violência envolvendo armas.

A exposição à violência em um determinadocontexto pode refletir-se ou somar-se à violên-cia sofrida em um outro ambiente e o Estudoenfatiza vulnerabilidades específicas que devemser abordadas ambiente por ambiente.

DIMENSÕES OCULTAS DAVIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇA

Somente uma pequena parcela dos atos de vio-lência praticados contra crianças é denunciada einvestigada e poucos dos responsáveis por essesatos são punidos por eles. Em muitas partes domundo, não há sistemas para registrar ou inves-tigar denúncias de violência contra a criança de-talhadamente. Onde existem estatísticas oficiaisbaseadas em relatórios de casos de violência den-tro do lar e em outros ambientes, a verdadeiradimensão do problema é muito subestimada.

O problema não vem sendo denunciado porvárias razões. Crianças de tenra idade que so-frem violência dentro de seus lares não têmcondições de denunciar esse fato. Muitas nãodenunciam incidentes de violência contra elaspor medo de represálias ou por temerem inter-venções das autoridades que possam piorar suasituação geral.

Em muitos casos, os pais, que deveriam prote-ger seus filhos, omitem-se quando a violência épraticada por seus cônjuges ou outros membrosda família ou por um membro mais poderosoda sociedade, como, por exemplo, um empre-gador, um policial ou um líder comunitário. Omedo está estreitamente relacionado ao estig-ma frequentemente associado à denúncia de atosde violência. Em sociedades nas quais noçõespatriarcais de "honra" familiar são mais valori-zadas e sobrepõem-se aos direito humanos e aobem-estar das meninas, um incidente de estu-pro ou violência sexual pode levar ao ostracis-mo da vítima, a mais violência contra ela e atéà sua morte nas mãos de sua família.

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Muitos governos não têm sistemas de registrocivil bem estruturados, impossibilitando a iden-tidade formal de crianças e expondo bebês e cri-anças pequenas a situações de risco. Muitos ou-tros também não têm sistemas para realizar in-vestigações rigorosas de óbitos infantis e regis-trá-los. Embora milhares de meninas casem-seantes de completarem 18 anos, a falta de certi-dões de casamento também dificulta o rastrea-mento do problema.13 Poucos Estados registrame relatam a institucionalização de crianças eminstituições assistenciais alternativas ou casas deinternação e menos ainda coletam informaçõessobre violência contra a crianças nesses locais.

A aceitação social de alguns tipos de violênciacontra a criança é um fator que influencia muita asua incidência em quase todos os Estados. Crian-ças, seus agressores e a sociedade como um todopodem aceitar a violência física, psicológica e se-xual na infância como um fenômeno inevitável.As legislações da maioria dos Estados ainda acei-tam castigos corporais "razoáveis" ou "lícitos" erefletem a aprovação da violência por parte dasociedade quando ela é descrita como uma medi-da "disciplinar" ou é supostamente usada para essefim (veja a Figura 1.1). O castigo corporal e ou-tras formas cruéis e degradantes de punição,bullying e assédio sexual, bem como inúmeraspráticas tradicionais violentas podem ser percebi-das como normais, principalmente quando nãoproduzem lesões físicas duradouras visíveis.

Nenhum país pode medir o progresso alcançadona eliminação da violência contra a criança semdados confiáveis. Para estimar precisamente amagnitude e natureza da violência não fatal con-

tra crianças, são necessárias pesquisas para iden-tificar atos violentos cometidos por pais e outrosadultos, experiências de violência na infância eo estado de saúde atual das crianças, bem comocomportamentos de risco para a saúde de crian-ças e adultos. A violência fatal só pode ser preci-samente mensurada com base em registros meti-culosos de óbitos, investigações adequadas e sis-temas de denúncia bem estruturados.

ALCANCE E ESCALADO PROBLEMA

Diversas iniciativas, que variam de estudos com-parativos internacionais a pequenas entrevistas re-alizadas localmente com crianças, estão gerandouma imagem mais clara da magnitude e prevalên-cia generalizada do problema da violência contra acriança em todas as regiões. Informações levanta-das por essas iniciativas indicam que embora al-guns atos de violência sejam praticados por estra-nhos, a grande maioria deles é praticada por algu-ma pessoa que faz parte de algum ambiente imedi-ato da vítima: pais e parentes, namorados e namo-radas, cônjuges e parceiros, professores, colegasde escola e empregadores. Os exemplos apresenta-dos abaixo dão uma idéia do alcance e da escala daviolência contra a criança identificados no Estudo:

A Organização Mundial da Saúde (OMS) es-tima que quase 53.000 dos óbitos infantis re-gistrados em 2002 foram homicídios.14 (Vejao Anexo, que apresenta taxas de homicídioregional por idade, renda e sexo)

No Exame Global de Saúde do Aluno reali-zado nos países em desenvolvimento, entre

"Como podemos esperar que as crianças levem os direitos humanos a sério e ajudem a construiruma cultura de direitos humanos se nós, como adultos, além de continuar a espancá-las e surrá-las,

defendemos essas ações alegando que as praticamos 'para o seu próprio bem'? Além de ser umalição de mau comportamento, bater em crianças é uma poderosa demonstração de desprezo pelos

direitos humanos de pessoas menores de idade e mais fracas."

Thomas Hammarberg, Comissário do Conselho da Europa pelos Direitos Humanos, 2006 II

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20% e 65% das crianças em idade escolarrelataram que haviam sofrido algum tipo deabuso verbal ou físico nos primeiros 30 diasna escola.15 Índices semelhantes de bullyingforam registrados também em países indus-trializados.16

Estimativas revelam que aproximadamente150 milhões de meninas e 73 milhões de me-ninos abaixo de 18 anos tiveram relaçõessexuais forçadas ou sofreram outras formasde violência sexual que envolveram contatofísico.17

O UNICEF estima que três milhões de me-ninas e mulheres são submetidas a mutila-

ção genital feminina todos os anos na ÁfricaSubsaariana, no Egito e no Sudão.18

A OIT estima que 218 milhões de criançasforam envolvidas em situações de trabalhoinfantil em 2004, 126 milhões das quais ematividades perigosas.19 Estimativas de 2000sugerem que 5,7 milhões se envolveram emtrabalho forçado ou escravo, 1,8 milhões seenvolveram com a prostituição e a pornogra-fia e 1,2 milhão foram vítimas de tráfico na-quele ano.20

Apenas 2,4 % das crianças do mundo estãolegalmente protegidas de punições corporaisem todos os ambientes.21

"Odeio ser criança, odeio apanhar e odeio não ser valorizada. Tenho sentimentos e emoções.Preciso de amor, carinho, proteção e atenção."

Menina de 13 anos, Sul da Ásia, 2005 III

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FATORES DE RISCO EDE PROTEÇÃO

A Pesquisa Mundial sobre Violência e Saúdede 2002 adotou um "modelo ecológico" parapromover uma compreensão mais ampla danatureza multifacetada da violência em seusdiversos níveis. Como ferramenta analítica, omodelo reconhece que uma ampla gama de fa-tores aumenta o risco da violência e a perpetua- ou, por outro lado, pode oferecer proteçãocontra ela. Como ilustrado na figura 1.2, o mo-delo ecológico identifica o histórico pessoal ecaracterísticas de vítimas e agressores, suas fa-mílias, seu contexto social imediato (que sãogeralmente chamados fatores comunitários) eas características da sociedade maior. Contrari-ando explicações simplistas, o modelo enfatizaque a probabilidade de a violência ocorrer, vol-tar a ocorrer ou deixar de existir é influenciadapor diversos fatores e ações em diferentes ní-veis. Os diversos fatores relacionados aos dife-rentes níveis do modelo ecológico também são

afetados pelo contexto dos ambientes com osquais a criança interage - do ambiente familiare do lar, da escola, de instituições e locais detrabalho, da comunidade e da sociedade maior.

Por exemplo, o desenvolvimento econômico, acondição social, a idade e o gênero são fatoresde risco associados à violência fatal. A OMS es-tima que a taxa de homicídios de crianças em2002 foi duas vezes mais alta em países de baixarenda do que em países de alta renda (2,58 con-tra 1,21 para cada 100.000 habitantes). Comopode ser visto na figura 1.3, as taxas mais eleva-das de homicídios de crianças são registradasentre adolescentes, particularmente meninos nafaixa etária dos 15 aos 17 anos (3,28 para cadagrupo de 100 meninas e 9,06 para cada grupo de100 meninos) e entre crianças de 0 a 4 anos (1,99para meninas e 2,09 para meninos).22 Entretan-to, estudos sobre homicídios de crianças são ur-gentemente necessários para aumentar a confia-bilidade dessas estimativas e determinar o nívelde infanticídio feminino em diversas regiões.

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Os dados disponíveis sugerem que crianças peque-nas estão mais expostas ao risco de sofrerem vio-lência física, enquanto a violência sexual afeta, pre-dominantemente, as que chegam à puberdade e àadolescência. Os meninos aparentemente corremum risco maior de sofrer violência física do que asmeninas, enquanto elas correm um risco maior denegligência e violência sexual.23 Padrões cultu-rais e sociais, fatores socioeconômicos, entre osquais a desigualdade e o desemprego, e papéis degênero estereotipados também têm desempenha-do um papel importante nesse contexto.

Alguns grupos e categorias de crianças são espe-cialmente vulneráveis a diferentes formas de vio-lência. Por exemplo, altos níveis de vulnerabili-

dade prevalecem entre crianças portadoras de de-ficiência, crianças órfãs (inclusive as milhares decrianças órfãs em decorrência da AIDS), criançasindígenas, crianças de minorias étnicas e outrosgrupos marginalizados, crianças que moram outrabalham nas ruas, crianças mantidas em insti-tuições assistenciais e correcionais, crianças quemoram em comunidades caracterizadas por ta-xas elevadas de desigualdade, desemprego e po-breza e crianças refugiadas e deslocadas. O gê-nero também desempenha um papel-chave, poiso risco de sofrer diferentes tipos de violência nãoé igual para meninas e meninos.

Questões globais também influenciam a questãoda violência contra a criança, como a desigual-

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dade crescente entre Estados e dentro deles, amigração, a urbanização e os conflitos armados.A superação desses desafios e a consecução deobjetivos internacionalmente acordados, comoos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio,ajudarão a eliminar a violência contra a criança.

Além disso, outros fatores podem prevenir a vio-lência ou reduzir a probabilidade de sua ocorrên-cia. Embora sejam necessárias mais pesquisassobre esses fatores de proteção, é óbvio que o de-senvolvimento de vínculos afetivos sólidos entrepais e filhos e a promoção de relacionamentos comcrianças que não envolvam violência ou humilha-ção dentro de unidades familiares estáveis podemser fontes poderosas de proteção para as crianças.

Fatores que podem ajudar a prevenir a violên-cia em diversos ambientes serão descritos noscapítulos 3 a 7.

O IMPACTO DEVASTADORDA VIOLÊNCIA

Embora as conseqüências da violência contra acriança variem de acordo com sua natureza e se-veridade, seus efeitos podem ser devastadores nocurto e longo prazo (veja a Tabela 1.1). A exposi-ção à violência nos primeiros anos de vida é ex-tremamente prejudicial, pois pode comprometero desenvolvimento cerebral. Quando uma crian-ça sofre ou testemunha atos de violência por lon-gos períodos, seu sistema nervoso e imunológicoé afetado e ela desenvolve inaptidões sociais,emocionais e cognitivas e comportamentos queprovocam doenças, lesões e problemas sociais.24

A exposição à violência na infância pode tambémgerar inabilidades sociais que podem perdurar portoda a vida e também problemas emocionais ecognitivos, obesidade e comportamentos de riscoem relação à saúde, como consumo de drogas,atividade sexual precoce e tabagismo.25, 26 Os pro-blemas sociais e de saúde provocados por essescomportamentos podem incluir também ansieda-de e depressão, alucinações, baixo desempenhono trabalho, problemas de memória e comporta-mentos agressivos. Na vida adulta, eles podemtambém provocar problemas pulmonares, cardía-cos e hepáticos, doenças sexualmente transmissí-veis e óbitos fetais, bem como violência entre par-ceiros e tentativas de suicídio.27, 28

A exposição à violência na comunidade tam-bém provoca problemas comportamentais emrelação à saúde e acarreta conseqüências soci-ais. Foram identificados vínculos entre a expo-sição à violência na comunidade e transtornosde estresse pós-traumático, depressão, compor-tamentos anti-sociais, consumo de drogas, bai-xo desempenho acadêmico, relações humanasproblemáticas e processos criminais.

Embora poucas informações estejam disponí-veis sobre os custos econômicos globais da vi-olência contra a criança, particularmente nospaíses em desenvolvimento, suas diversas con-seqüências de curto e longo prazo sugerem queesses custos são substanciais para a sociedade.Nos Estados Unidos, os custos financeiros as-sociados ao abuso e abandono de crianças, queincluem rendas futuras perdidas e custos comtratamentos psiquiátricos, foram estimados emUS$ 94 bilhões em 2001.29

"O UBUNTU é uma personificação de humanidade, empatia, respeito, dignidade e de muitosoutros valores afins e só pode resultar de um investimento adequado desses mesmos valores nas

próprias crianças. Vamos deixar um legado coerente com a garantia da existência do UBUNTU nomundo falando e agindo contra o abuso de todas as crianças."

Thoko Majokweni, Chefe da Unidade SOCA, Promotoria Nacional da África do Sul

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"As Nações não podem prosperar se suas crianças não forem curadas. A violência na infância provoca ferimentos naalma que, quando não curados, levam suas vítimas a agredir outras pessoas e a elas próprias. Nenhuma criança deve ser

vítima da violência. Toda criança tem o direito de ser protegida dela e de ter prioridade no uso dos recursos da sua nação.A hora de fazer com que seus direitos sejam respeitados é agora."

Senadora Landon Pearson, Diretora do Centro de Recursos Landon Pearson para o Estudo da Infância e dos Direitos daCriança. Universidade de Carleton, Canadá

TABELA 1.1 - Conseqüências agudas e de longo prazo da violência contra a criança

Conseqüências para a saúde física

Lesões abdominais e torácicas

Lesões cerebrais

Contusões e marcas

Marcas de queimadura

Lesões no Sistema Nervoso Central

Fraturas

Lacerações e abrasões

Lesões nos olhos

Deficiências

Conseqüências sexuais e reprodutivas

Problemas de saúde reprodutiva

Disfunção sexual

Doenças sexualmente transmissíveis, inclusive HIV/AIDS

Gravidez indesejada

Conseqüências psicológicas

Consumo de álcool e drogas

Problemas cognitivos

Comportamentos criminosos, violentos e de alto risco

Depressão e ansiedade

Atrasos de desenvolvimento

Perda de apetite e problemas de sono

Sentimentos de vergonha e culpa

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TABELA 1.1 - Conseqüências agudas e de longo prazo da violência contra a criança

Hiperatividade

Relacionamentos pessoais inadequados

Baixo desempenho escolar

Baixa auto-estima

Transtorno de estresse pós-traumático

Transtornos psicossomáticos

Comportamentos suicidas e autodestrutivos

Outras conseqüências de longo prazo para a saúde

Câncer

Doença crônica pulmonar

Problemas intestinais

Doenças cardíacas

Doenças hepáticas

Problemas de saúde reprodutiva, como infertilidade

Conseqüências financeiras

Custos imediatos: tratamento, consultas hospitalares e médicas e outros serviços de saúde.

Custos indiretos: perda de produtividade, deficiência, baixa qualidade de vida e morteprematura.

gastos com a detenção e processos judiciais contra agressores. Custospara organizações de assistência social, custos associados a lares adoti-vos, aos sistemas educacionais e custos para empregadores provocadospor uma taxa mais alta de ausência e pela baixa produtividade.

Fonte: Runyan D et al. (2002). Abuso e Negligência de Crianças por Pais e outros Cuidadores. IN: Krug EG et al. (Eds).Relatório Mundial sobre Violência e Saúde. Genebra, Organização Mundial da Saúde, pp. 59-86.

Custos arcados pelosistema de justiçacriminal e outrasinstituições:

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PRINCÍPIOS ERECOMENDAÇÕES

Os esforços para prevenir e combater a violên-cia contra a criança devem envolver múltiplasabordagens e estar afinados com a forma de vi-olência cometida, o ambiente e o agressor ouagressores. Independentemente das medidasadotadas, os interesses da criança devem tersempre a devida prioridade.

O estudo elaborado para a Assembléia Geraldas Nações Unidas identificou alguns aspec-tos principais que foram mencionados em suasconsiderações:

Nenhuma forma de violência contra a crian-ça é justificável. As crianças nunca devemreceber menos proteção do que os adultos;Toda forma de violência contra a criança éprevenível Os Estados devem investir em po-líticas baseadas em evidências concretas eem programas focados nos fatores que ge-ram violência contra a criança;Os Estados são os principais responsáveis pordefender e garantir os direitos das crianças aproteção e seu acesso a serviços e por apoiarsuas famílias para que possam cuidar ade-quadamente delas em um ambiente seguro;Os Estados têm a obrigação de punir os res-ponsáveis por qualquer ato de violência;A vulnerabilidade das crianças à violênciapode também ser determinada por sua idadee capacidade de evoluir. Em decorrência doseu gênero, raça, origem étnica, deficiênciaou condição social, algumas crianças são par-ticularmente vulneráveis;

As crianças têm o direito de expressar seuspontos de vista e de participar do planeja-mento e implementação de políticas e pro-gramas.

O Estudo desenvolveu recomendações gerais eespecíficas que foram incluídas no seu Relató-rio apresentado à Assembléia Geral. As reco-mendações gerais indicam medidas que todosos Estados devem adotar para garantir uma pre-venção efetiva da violência contra a criança.Elas foram suplementadas por recomendaçõesadicionais para ambientes específicos: o lar e afamília, as escolas, sistemas assistenciais e dejustiça, locais onde crianças trabalham legal ouilegalmente e a comunidade. Essas recomenda-ções podem ser encontradas nas conclusões doscapítulos 3 a 7.

As recomendações apresentadas aqui são diri-gidas principalmente para os governos e dizemrespeito às suas funções legislativas, adminis-trativas, judiciais, de formulação de políticas,de prestação de serviços e institucionais. Algu-mas recomendações dizem mais respeito a ou-tros parceiros e setores da sociedade, como or-ganizações da sociedade civil, que têm um pa-pel crucial a desempenhar nesse contexto.

RECOMENDAÇÕES GERAIS

1. O senso de compromisso e medidasem nível nacional e local devem serfortalecidos

Recomendo que todos os Estados desen-volvam uma estrutura sistemática e mul-tifacetada para combater a violência con-

"Este estudo faz uma avaliação abrangente dos impactos da violência para a criança.Fica claro que protegê-las é uma responsabilidade de todos."

Ann M. Veneman, Diretora Executiva, UNICEF

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tra a criança integrada ao planejamentonacional. Uma estratégia, política ou pla-no de ação deve ser desenvolvido em nívelnacional para combater a violência con-tra a criança com base em metas realistase com prazos bem determinados, sob a res-ponsabilidade de um órgão coordenadorcom a capacidade necessária para envol-ver diversos setores em uma estratégiaabrangente de implementação. Leis, polí-ticas, planos e programas nacionais devemestar plenamente afinados com a necessi-dade de se garantir respeito aos direitoshumanos internacionais e com os conhe-cimentos científicos disponíveis. A imple-mentação da estratégia, política ou planonacional deve ser sistematicamente avali-ada à luz das metas e prazos definidos. Eladeve também ser apoiada por recursoshumanos e financeiros adequados paragarantir sua efetiva implementação.

Uma estrutura integrada e sistemática para com-bater a violência contra a criança deve incluirmedidas de prevenção da violência em todas assituações, de assistência a crianças vitimadaspor ela e de reabilitação, sensibilização e capa-citação, além de pesquisas e coletas de dados.

2. Toda violência contra a criança deve serproibida

Recomendo veementemente que os Estadostomem as medidas necessárias para garan-tir que nenhuma pessoa abaixo de 18 anosfique sujeita à pena de morte ou seja sen-tenciada a prisão perpétua. Recomendo que

os Estados suspendam imediatamente to-das as penas de morte impostas a pessoasque cometeram um crime antes de comple-tarem 18 anos e que tomem medidas legaisadequadas para harmonizar essas penascom as normas internacionais dos direitoshumanos. A pena de morte deve ser aboli-da para pessoas que cometeram um crimeantes dos 18 anos como uma questão dealtíssima prioridade.

Recomendo veementemente que os Es-tados proíbam todas as formas de vio-lência contra a criança em qualquer cir-cunstância, inclusive castigos corporais,práticas tradicionais prejudiciais, comocasamentos precoces e forçados, muti-lação genital feminina e os chamadoscrimes de honra, violência sexual, tor-tura e outros castigos e tratamentos cru-éis, desumanos ou degradantes, comoprevisto em tratados internacionaiscomo a Convenção contra a Tortura eoutros Tratamentos ou Penas Cruéis,Desumanos ou Degradantes e a Conven-ção sobre os Direitos da Criança. Cha-mo a atenção para o Comentário Geralno. 8 (2006) do Comitê sobre os Direitosda Criança sobre o direito da criança deser protegida contra castigos corporaise outras formas cruéis e degradantes depunição (Artigos 19.28, parágrafo 2 e 37,inter alia) (CRC/C/GC/8).

O primeiro propósito de uma clara proibição daviolência é educacional - enviar uma mensagemclara para todas as sociedades de que qualquer

"Os compromissos devem ser traduzidos em metas concretas, programadas."

Jaap Doek, Presidente do Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança

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forma de violência contra a crianças é inaceitávele ilegal, visando reforçar regras sociais positivase não violentas. A impunidade de pessoas quecometem atos de violência contra a crianças nãodeve ser aceita, mas deve-se tomar cuidado paraque suas vítimas não sofram ainda mais com im-posições insensíveis da lei. Processos e interven-ções formais, principalmente dentro das famílias,só devem ser aplicados quando necessários paraproteger uma criança de um grande perigo e quan-do satisfizerem seus melhores interesses. Devemser aplicadas sanções judiciais fortes e exeqüíveispara coibir a violência contra a criança.

3. A prevenção deve ser priorizada

Recomendo que os Estados priorizem aprevenção da violência contra a criançaatacando suas causas subjacentes. Alémde alocar recursos para intervenções apósa ocorrência de atos de violência, é essen-cial que os Estados aloquem recursos ade-quados para eliminar fatores de risco eprevenir a violência antes que ela ocorra.Suas políticas e programas devem consi-derar fatores imediatos de risco, como afalta de laços afetivos entre pais e filhos, adesestruturação familiar, o consumo deálcool ou drogas e o acesso a armas de ummodo geral. Em sintonia com os Objeti-vos de Desenvolvimento do Milênio, osesforços devem concentrar-se no desenvol-vimento de políticas econômicas e sociaisque abordem a pobreza, a questão de gê-nero e outras formas de desigualdade, di-ferenças de renda, desemprego, superpo-pulação urbana e outros fatores que mi-nam a sociedade.

A prevenção pode assumir diversas formas, in-clusive as estabelecidas em outras recomenda-ções gerais: o desenvolvimento de uma estru-tura política e jurídica que proíba qualquer for-ma de violência; a contestação de regras soci-ais que toleram a violência e a capacitação depessoas que trabalham com crianças e famíliasvisando promover ambientes de não violência.

4. Valores não violentos e medidas de cons-cientização devem ser promovidos

Recomendo que os Estados e a sociedadecivil se esforcem para transformar atitudesque levam pessoas a fazer vista grossa à vi-olência contra a criança ou que a banali-zem, como atitudes discriminatórias, fun-ções estereotipadas de gênero, aceitação decastigos corporais e outras práticas tradi-cionais prejudiciais. Os Estados devem to-mar as medidas necessárias para que osdireitos da criança sejam adequadamentedivulgados e compreendidos, inclusive pe-las crianças. Campanhas de informaçãopública devem ser usadas para conscienti-zar o público sobre os efeitos prejudiciaisda violência para crianças. Os Estados de-vem estimular os meios de comunicação demassa a promover valores não violentos eimplementar diretrizes para garantir plenorespeito pelos direitos da criança em todasas notícias e matérias que divulgam.

Ambientes positivos e não violentos devem sercriados para as crianças - com a sua participação- nos lares, nas escolas, em outras instituições enas comunidades por meio de medidas como

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ações educacionais desenvolvidas para pais epara o público em geral, campanhas de advoca-cy e ações de capacitação. Atitudes sociais e cul-turais que desrespeitam os direitos humanos de-vem ser abordadas com sensibilidade, em fun-ção do apego das pessoas às suas tradições.

5. As capacitades de todas as pessoas quetrabalham com e em prol das criançasdevem ser desenvolvidas

Recomendo que as capacidades de todas aspessoas que trabalham com e em prol decrianças sejam desenvolvidas, contribuin-do, assim, para eliminar qualquer formade violência contra elas. É importante ofe-recer um treinamento inicial e em serviçoa elas para transmitir conhecimentos e umsenso de respeito pelos direitos da criança.Os Estados devem investir em programassistemáticos de educação e capacitação tan-to para profissionais como para leigos quetrabalham com ou em prol de crianças efamílias visando prevenir, detectar e com-bater a violência contra a criança. Devemser formulados e implementados códigos deconduta e normas claras de procedimentosque incorporem a proibição e a rejeição detodas as formas de violência.

Embora muitos serviços contribuam para preve-nir a violência contra a criança, todos eles de-vem considerar maneiras de maximizar seu po-tencial de prevenção por meio de medidas comocapacitações específicas para todas as pessoasque trabalham com crianças. Para garantir a dis-ponibilidade de equipes altamente funcionais e

serviços de alta qualidade para as crianças, énecessário oferecer um apoio sistemático e delongo prazo em todos os níveis por meio de cur-sos de treinamento prévio e em serviço.

6. Serviços de recuperação e reintegraçãosocial devem ser disponibilizados

Recomendo que os Estados disponibilizemserviços sociais e de saúde acessíveis, sen-síveis às necessidades das crianças e uni-versais, entre os quais serviços pré-hospi-talares e de emergência e de assistênciajurídica a crianças e, se for o caso, às suasfamílias, quando atos de violência foremdetectados ou revelados em seu meio. Osserviços prestados pelos sistemas de saú-de, de assistência social e de justiça de-vem ser estruturados para satisfazer asnecessidades especiais das crianças.

A violência contra a criança pode provocar sé-rios problemas sociais e de saúde que são one-rosos tanto para indivíduos como para a socie-dade. Para minimizar essas conseqüências daviolência, diversos serviços de tratamento eapoio serão necessários. Serviços de reabilita-ção e reintegração também podem ajudar a di-minuir o risco de que crianças vítimas de vio-lência mantenham seu ciclo.

7. A participação das crianças deve sergarantida

Recomendo que os Estados se envolvam ati-vamente com crianças e respeitem seus pon-tos de vista em todos os aspectos de suas

"Quer a violência contra a criança ocorra na família, na escola, na comunidade, em algumainstituição ou em locais de trabalho, os agentes de saúde representam a linha de frente das ações

para combatê-la. Devemos oferecer a nossa contribuição para impedir que essa violência ocorra emprimeiro lugar e, se ela ocorrer, para que as crianças possam ter à sua disposição os melhores

serviços possíveis para reduzir seus efeitos negativos."

Anders Nordström, Diretor-Geral em Exercício, OMS

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ações de prevenção, combate e monitora-mento da violência contra elas, levando emconsideração o disposto no Artigo 12 daConvenção sobre os Direitos da Criança.Organizações de crianças e iniciativas li-deradas por crianças contra a violência,orientadas por seus melhores interesses,devem ser apoiadas e estimuladas.

A CDC prevê o direito das crianças de expres-sar livremente suas opiniões em relação a to-dos os temas que as afetam e que essas opini-ões sejam devidamente consideradas. As opi-niões e expectativas das crianças devem ser le-vadas em consideração para melhorar medidasde prevenção e outras intervenções concebidaspara pôr fim à violência contra elas. As crian-ças - atuando voluntariamente e com salvaguar-das éticas adequadas - podem contribuir muitopara descrever o problema da violência que so-frem e melhorar o desenho de serviços e outrasintervenções nas quais elas possam confiar eusar. A obrigação de averiguar e considerar se-riamente os pontos de vista das crianças deveser integrada à estrutura jurídica de proteçãoda criança e influir na capacitação de pessoasque trabalham com crianças e suas famílias.Crianças vítimas de violência não devem servistas apenas como objeto de preocupação; elasdevem também tratadas como indivíduos comdireitos e opiniões próprias. As crianças sem-pre devem ser escutadas e levadas a sério.

8. Serviços e sistemas de denúncia acessíveise "amigos da criança" devem ser criados

Recomendo que os Estados estabeleçammecanismos seguros, bem divulgados,

confidenciais e acessíveis para crianças,seus representantes e outras pessoas de-nunciarem atos de violência contra a cri-anças. Todas as crianças, inclusive asinstitucionalizadas para fins assistenci-ais e correcionais, devem ser informa-das a respeito da existência desses me-canismos de denúncia. Devem ser esta-belecidos mecanismos como disque-de-núncias que permitam às crianças de-nunciar atos de violência, conversar comum orientador devidamente capacitadoe solicitar apoio e orientação. Além dis-so, devem ser considerados outros me-canismos por meio dos quais atos de vi-olência possam ser denunciados usandonovas tecnologias.

Estudos retrospectivos nos quais jovens adul-tos foram solicitados a relatar suas experiênci-as na infância revelam que a maioria das crian-ças que sofreram violência não contou a nin-guém e não procurou serviços de proteção dacriança na sua infância, mesmo em Estados quedispõem de serviços altamente desenvolvidos.As razões para esse fato incluem não saber ondebuscar ajuda, falta de serviços, falta de confi-ança nos serviços ou, em alguns casos, medode retaliação do agressor.

Em muitos países, alguns grupos profissionaistêm a obrigação legal de denunciar qualquersuspeita de violência contra a crianças. Em al-guns países, o público em geral tem a mesmaobrigação legal. O Estudo colheu diferentesopiniões em relação a sistemas de denúnciaobrigatória. É essencial que cada governo rea-valie seus sistemas de denúncia e envolva nes-

"Medidas para pôr fim à violência contra a criança devem ser integradas a planos de desenvolvimento nacional e aestruturas de assistência ao desenvolvimento, em vez de ser tratadas como medidas secundárias."

Ragne Birte Lund, Embaixador, Ministério de Relações Exteriores da Noruega

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se processo crianças e jovens adultos que tive-ram uma experiência recente com serviços deproteção à criança.

Em todas as localidades e ambientes nas quaiscrianças estejam presentes, serviços bem divul-gados e facilmente acessíveis devem estar dis-poníveis para investigar denúncias ou indíciosde violência contra elas. As crianças devem tam-bém ter acesso a serviços por meio dos quaispossam conversar confidencialmente sobrequalquer coisa que as esteja preocupando oumachucando. A disponibilização de serviçosconfidenciais para crianças - serviços que ga-rantem que suas informações não serão relata-das a outras pessoas e que nenhuma medida serátomada sem o consentimento da criança, a me-nos que ela esteja sob risco imediato de morteou em sério perigo - é um tema controvertidoem muitos países. Disponibilizar serviços con-fidenciais às crianças, inclusive às mais vulne-ráveis à violência, representa um questionamen-to de conceitos ultrapassados com base nosquais alguns pais se consideram "donos" de seusfilhos. No entanto, o que sabemos sobre a vio-lência no seio da família exige que as criançastenham respeitado o direito de procurar acon-selhamento e ajuda confidencialmente.

9. Medidas para punir agressores efetiva-mente e acabar com a impunidade devemser tomadas

Recomendo que os Estados estimulem aconfiança da comunidade em seu sistemade justiça processando todas as pessoas quecometerem atos de violência contra a cri-

anças e aplicando sanções criminais, civis,administrativas e profissionais adequadasa elas. Pessoas condenadas por delitos vio-lentos e abuso sexual de crianças não de-vem ter permissão para trabalhar com elas.

Os governos devem desenvolver procedimentossensíveis às necessidades da criança para inves-tigar casos de violência contra elas que não assujeitem a repetidas entrevistas e exames. Osprocessos judiciais devem garantir um tratamentoadequado a testemunhas infantis e não as sujei-tar a longas sessões de depoimentos, garantin-do, também, sua privacidade. O estresse de pro-cessos judiciais pode ser reduzido usando-seequipamentos de vídeo para apresentar provas,telas de projeção em tribunais e programas depreparação de testemunhas e disponibilizando-se um apoio jurídico "amigo da criança".

Quando pais ou outros membros da família fo-rem os agressores, as decisões sobre interven-ções e procedimentos formais devem ser toma-das levando em consideração os melhores inte-resses da criança. Se o agressor for uma outracriança, medidas de reabilitação devem ser pri-orizadas, juntamente como medidas para pro-teger a criança que sofreu o ato de violência.

O risco de reincidência de indivíduos que co-meteram atos de violência contra uma criançadeve ser minimizado por meio de um tratamen-to adequado. Os governos devem ser estimula-dos a rever a situação de agressores que estãocumprindo penas para determinar se sua penaou tratamento está efetivamente minimizandoo risco de reincidência ou não e emitir reco-

"Como pode a África, um continente tão rico em recursos, culturas e valores, não estar protegendosuas crianças, que representam seus maiores recursos presentes e futuros?"

Jovem refugiado. África Oriental Meridional, 2005 IV

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mendações adequadas para sentenças e trata-mentos futuros com esse fim em vista.

10. A dimensão de gênero da violência con-tra a criança deve ser abordada

Recomendo que os Estados tomem as me-didas necessárias para garantir que suaspolíticas e programas de combate à vio-lência sejam estruturadas e implementa-das a partir de uma perspectiva de gêne-ro, levando em consideração os diferen-tes riscos enfrentados por meninas e me-ninos no que diz respeito à violência. OsEstados devem promover e garantir osdireitos humanos de mulheres e meninase abordar todas as formas de discrimina-ção de gênero como parte de uma estraté-gia abrangente de prevenção da violência.

Meninas e meninos estão sujeitos a riscos dife-rentes de sofrer diferentes formas de violênciaem diferentes situações. Todas as pesquisas so-bre violência contra a criança e sobre estratégiasde prevenção e combate a ela devem ser desen-volvidas considerando a questão de gênero. Par-ticularmente, o Estudo detectou a necessidadede homens e meninos assumirem papéis ativos eliderarem esforços para eliminar a violência.

11. Pesquisas e coletas de dados sistemáticasdevem ser desenvolvidas e levadas a caboem nível nacional

Recomendo aos Estados que melhorem seussistemas de coleta de dados e de informaçãopara identificar subgrupos vulneráveis, pro-duzir insumos para a formulação de políti-

cas e programas em todos os níveis e moni-torar o progresso alcançado na consecuçãodo objetivo de prevenir a violência contra acriança. Os Estados devem usar indicado-res nacionais baseados em normas acorda-das internacionalmente e garantir que da-dos sejam compilados, analisados e divul-gados com vistas a monitorar o progressoalcançado ao longo do tempo. Se ainda nãotiverem sido estabelecidos, sistemas nacio-nais de registro de nascimentos, óbitos e ca-samentos devem ser criados e mantidos. OsEstados devem também gerar e manter da-dos sobre crianças que não estão sendo cri-adas por seus pais e sobre crianças manti-das em instituições correcionais. Esses da-dos devem ser desagregados por gênero, ida-de, área urbana/rural, características fami-liares e domiciliares, educação e etnia. OsEstados devem também desenvolver umaagenda nacional de pesquisas sobre a vio-lência contra a criança envolvendo os diver-sos ambientes nos quais a violência ocorre,que devem incluir entrevistas com criançase seus pais e uma atenção especial a gruposvulneráveis de meninas e meninos.

O desenvolvimento de uma agenda nacional depesquisas sobre a violência contra a criança emdiferentes ambientes é crucial para o desenvol-vimento de conhecimentos adequados e de me-lhores programas. Esses planos devem envol-ver crianças, pais, prestadores de serviços eoutras pessoas e usar diversos métodos, comoentrevistas, melhores sistemas de denúncia eregistro, investigações e levantamentos regula-res, prestando atenção, particularmente, em gru-pos vulneráveis de meninas e meninos.

"Todas as nossas propostas são viáveis se contarmos com a vontade política e o compromisso da sociedade civil."

Jovem, Europa e Ásia Central 2006 V

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Nenhum país pode ser complacente com a vio-lência contra a criança e são necessárias maispesquisas sobre sua prevalência e causas e sobremedidas de prevenção em todos os lugares. Nossacapacidade de determinar a magnitude, caracte-rísticas e tendências de diversas formas de vio-lência contra a criança é limitada, mesmo empaíses industrializados. Todos os países devemaumentar sua capacidade de monitorar óbitos,lesões e comportamentos associados à violênciacontra a criança para determinar se o problemaestá diminuindo ou aumentando e definir dife-rentes estratégias para preveni-lo. São necessá-rias normas internacionalmente aceitas e unifor-mes para coletar dados sobre a violência contraa criança para melhorar sua comparabilidade egarantir salvaguardas éticas adequadas.

Embora tenham sido observados alguns avançosna identificação de estratégias para prevenir algu-mas formas de violência contra a criança em al-guns países, ainda são necessárias mais pesquisaspara identificar e avaliar políticas e programasadequados e eficazes para prevenir todas as for-mas de violência contra a criança, especialmentecontra meninas e meninos vulneráveis.

12. O compromisso internacional deve serreforçado

Recomendo que todos os Estados ratifi-quem e implementem a Convenção sobreos Direitos da Criança e seus dois Proto-colos Opcionais sobre o envolvimento decrianças em conflitos armados e na vendade crianças, prostituição e pornografiainfantis. Qualquer restrição que seja in-

compatível com o objeto e propósito daConvenção e de seus Protocolos Opcionaisdeve ser eliminada em conformidade coma Declaração de Viena e Plano de Ação daConferência Mundial de Direitos Huma-nos de 1993. Os Estados devem ratificartodos os instrumentos internacionais e re-gionais sobre direitos humanos relevan-tes que ofereçam proteção a crianças, en-tre os quais a Convenção contra a Torturae outros Tratamentos ou Penas Cruéis, De-sumanos ou Degradantes e seus Protoco-los Opcionais; o Estatuto de Roma do Tri-bunal Penal Internacional; a Convençãopara a Eliminação de Todas as Formas deDiscriminação contra Mulheres e seusProtocolos Opcionais; as Convenções daOIT no. 138 sobre a Idade Mínima paraAdmissão no Emprego e no. 182 sobre asPiores Formas de Trabalho Infantil; e aConvenção das Nações Unidas contra oCrime Organizado Transnacional e o Pro-tocolo para Prevenir, Suprimir e Punir oTráfico de Pessoas, Especialmente Mulhe-res e Crianças, que suplementa a Conven-ção das Nações Unidas contra o Crime Or-ganizado Transnacional. Os Estados devemimplementar todas as suas obrigações le-gais internacionais e fortalecer sua coope-ração com os organismos dos tratados.

Recomendo que os Estados ajam em con-formidade com seus compromissos de pre-venção da violência assumidos na SessãoEspecial da Assembléia das Nações Uni-das sobre a Criança e no contexto da re-solução da Assembléia da Organização

"Visão sem ações concretas é um sonho, mas ações sem visão são um pesadelo."

Jovem, Europa e Ásia Central, 2006 VI

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Mundial da Saúde sobre a implementaçãodas recomendações do Relatório Mundialsobre Violência e Saúde30 e outras resolu-ções regionais de saúde pública que refor-çam essa resolução.

IMPLEMENTAÇÃO EACOMPANHAMENTO

O Relatório do Estudo apresentado à Assem-bléia Geral enfatizou que os governos são osprincipais responsáveis pela implementaçãodestas recomendações. No entanto, a participa-ção de outros atores nos âmbitos nacional, in-ternacional e regional é essencial para ajudaros governos a cumprir seus compromissos. Es-ses atores incluem organismos das Nações Uni-das, organizações da sociedade civil, inclusiveinstituições nacionais de direitos humanos, or-ganizações de classe como associações de mé-dicos e enfermeiros, por exemplo, associaçõescomunitárias, educadores, pais e crianças. Asestratégias-chave para a implementação das re-comendações estão descritas abaixo.

ÂMBITO NACIONAL E REGIONAL

O Estudo enfocou, acima de tudo, a necessida-de de se melhorar a implementação de açõesnacionais em prol de meninas e meninos. Paraesse fim, o Relatório da Assembléia Geral dasNações Unidas enfatiza a urgência de ações emnível nacional e estabelece metas a serem al-cançadas pelos governos:

A meta de integrar medidas de prevenção ecombate à violência contra a criança a pro-

cessos nacionais de planejamento deve seralcançada até 2007 e ela deve incluir a iden-tificação de um ponto focal, de preferênciaem nível ministerial.

A meta de proibir todas as formas de violên-cia contra a criança por lei e de iniciar umprocesso para desenvolver um sistema de co-leta de dados confiáveis deve ser alcançadaaté 2009.

O relatório também insta os governos a forne-cer informações sobre a implementação das re-comendações do Estudo nos relatórios que ela-boram periodicamente para o Comitê dos Di-reitos da Criança.

Organizações internacionais devem estimulare apoiar governos no processo de implementarestas recomendações. Instituições financeirasinternacionais devem rever suas políticas e ati-vidades, levando em consideração o impactoque podem ter sobre as crianças. As equipes dasNações Unidas nos países devem adotar medi-das para combater a violência contra a criançano marco de estratégias de redução da pobreza,avaliações nacionais coordenadas e estruturasde assistência ao desenvolvimento.

Os Governos devem considerar a possibilidadede designar um ombudsman ou comissário paraos direitos das crianças - em conformidade comos Princípios de Paris.31 Trabalhando em regi-me de estreita cooperação com outros organis-mos preocupados e interessados em questõesde saúde pública e proteção infantil, essas ins-tituições independentes devem ter um mandatoclaro para monitorar os direitos das crianças em

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nível regional, nacional e internacional. Elasdevem também, onde necessário, ter a compe-tência de receber e investigar denúncias de vio-lações de direitos das crianças apresentadas pelapopulação, inclusive por crianças.

À luz das contribuições de organizações regio-nais para o Estudo, entidades regionais devemser envolvidas na implementação e acompanha-mento de suas recomendações. O desenvolvi-mento de mais mecanismos regionais deve serestimulado como um elemento importante daestrutura geral de acompanhamento. Sistemasregionais de proteção dos direitos humanos tam-bém devem ser estabelecidos para monitorar aimplementação das recomendações do Estudo.

ÂMBITO INTERNACIONAL

Em vista da importância da coordenação multis-setorial no combate à violência contra a criança,o Relatório do Estudo propôs que os governosdesignem um Representante Especial do Secre-tário-Geral sobre Violência contra a Criança. ORepresentante Especial deve atuar como um de-fensor global de alto nível de medidas concebi-das para promover a prevenção e a eliminaçãode todas as formas de violência contra a criança,estimular a cooperação internacional e regionale garantir um acompanhamento e monitoramen-to adequados das recomendações do Estudo.

O Representante Especial deve divulgar e pro-mover as recomendações do Estudo em dife-

rentes fóruns regionais, nacionais e interna-cionais e apresentar um relatório ao Conse-lho dos Direitos Humanos e à AssembléiaGeral periodicamente. Além disso, recomen-da-se que seja apresentado um relatório so-bre a implementação das recomendações doEstudo na sexagésima quinta sessão da As-sembléia Geral, em 2010.

O Representante Especial deve trabalhar em re-gime de estreita colaboração com o Comitê dosDireitos da Criança, com o Representante Espe-cial do Secretário-Geral para crianças envolvi-das em conflitos armados, com o RepresentanteEspecial para a venda de crianças e a prostitui-ção e pornografia infantis e com o Representan-te Especial para a violência contra a mulher e otráfico de pessoas, mas não deve duplicar o tra-balho desses representantes. Ele deve colaborarcom sistemas de proteção de direitos humanosregionais e com todas as demais iniciativas re-gionais e nacionais de acompanhamento.

Recomenda-se que o Representante Especialtenha um mandato inicial de quatro anos. Apro-veitando os resultados positivos da colabora-ção entre agências no âmbito do Estudo, eledeve ser apoiado pelo Escritório do Alto Co-missariado das Nações Unidas Apara os Direi-tos Humanos, pelo UNICEF e pela OMS. OGrupo Inter-Agências das Nações Unidas so-bre violência contra a criança, com representa-ção de ONGs e crianças, também deve apoiaresse acompanhamento.

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REFERÊNCIAS

1 Krug EG et al (Eds) (2002). Relatório Mundial sobreViolência e Saúde. Genebra, Organização Mundial daSaúde.

2 Krug EG et al (Eds.) (2002). Relatório Mundial sobreViolência e Saúde. Genebra, Organização Mundial daSaúde, pág. 5.

3 Shonkoff JP, Phillips DA (Eds) (2000). From Neurons toNeighbourhoods: The Science of Early ChildhoodDevelopment. Washington DC, Editora National AcademyPress.

4 Krug EG et al (Eds) (2002). Relatório Mundial sobreViolência e Saúde. Genebra, Organização Mundial daSaúde.

5 Ten Bensel RW, Rheinberger MM, Radbill SX (1997).Children in a World of Violence: The Roots of ChildMaltreatment. In: Helfer M et al (Eds). The BatteredChild. Chicago, Editora da Universidade de Chicago,págs. 3 a 28.

6 Secretário-Geral das Nações Unidas (2006). Report ofthe Independent Expert for the United Nations Study onViolence against Children. Promotion and protectionof the rights of children. Assembléia Geral das NaçõesUnidas, Sexagésima Primeira Sessão. A/61/299.

7 Reza A et al (2001). Epidemiology of Violent Deaths inthe World. Injury Prevention, 7: 104-111.

8 Krug E et al (Eds) (2002). Relatório Mundial sobreViolência e Saúde. Genebra, Organização Mundial daSaúde.

9 Iniciativa Global para Acabar com todo Castigo Corporalcontra Crianças (2006). Global Summary of the LegalStatus of Corporal Punishment of Children. 28 de junhode 2006.

10 Todas as respostas estão disponíveis em: http://www.ohchr.org/english/bodies/crc/study.htm. Até 20 desetembro de 2006, 135 Estados Membros e um Observadorhaviam apresentado respostas.

11 A lista das informações apresentadas está disponível nosite do Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidassobre Violência contra a Criança: http://www.violencestudy.org.

12 Aliança Internacional Save the Children (2005). 10Essential LearningPoints: Listen and Speak Out againstSexual Abuse of Girls and Boys. Documento globalapresentado pela Aliança Internacional Save the Childrenpara o Estudo do Secretário-Geral sobre Violência Contraa Criança. Oslo, Save the Children Noruega.

13 Bruce J (2002). Married Adolescents Girls: Human Rights,Health and Development Needs of a Neglected Majority.Documento apresentado pelo Conselho de População noEvento de Apoio Early Marriage in a Human RightsContext, Sessão Especial das Nações Unidas sobre aCriança, 8 a 10 de maio de 2002.

14 OMS (2006). Global Estimates of Health ConsequencesDue to Violence against Children. Documento Informativopara o Estudo do Secretário-Geral sobre Violência contraa Criança. Genebra, Organização Mundial da Saúde.

15 Análise apresentada ao Estudo pela Global SchoolbasedStudent Health Survey: Organização Mundial da Saúde(http://www.who.int/chp/gshs ou http://www.cdc.gov/gshs)sobre pesquisas realizadas entre 2003 e 2005 para Botsuana,Chile (área metropolitana), China (Pequim), Guiana,Jordânia, Quênia, Líbano, Namíbia, Omã, Filipinas,Suazilândia, Uganda, Emirados Árabes Unidos, Venezuela(Lara), Zâmbia e Zimbábue (Harare).

16 Currie C et al (2004). Health Behaviour in School-aged Children (HBSC) Study: International Reportfrom the 2001/2002 Survey. Health Policy for Childrenand Adolescents, No 4. Genebra, Organização Mundialda Saúde.

17 OMS (2006). Global Estimates of Health ConsequencesDue to Violence against Children. DocumentoInformativo para o Estudo do Secretário-Geral sobreViolência contra a Criança. Genebra, OrganizaçãoMundial da Saúde, baseado em estimativasdesenvolvidas por Andrews G et al (2004). Child SexualAbuse. Ch. 23 in Ezzati M et al (2004). ComparativeQuantification of Health Risks: Global and RegionalBurden of Disease Attributable to Selected Major RiskFactors, Vol 2. Genebra, Organização Mundial daSaúde, págs. 1851-1940, e utilizando dados da Divisãode População das Nações Unidas para a populaçãoabaixo de 18 anos.

18 UNICEF (2005). Changing a Harmful Social Convention:Female Genital Mutilation/Cutting. Innocenti Digest.Florence, Centro de Pesquisas Innocenti do UNICEF.

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19 OIT (2006). The End of Child Labour: Within Reach.Global Report. Genebra, Organização Internacional doTrabalho

20 OIT (2002). A Future Without Child Labour. GlobalReport. Genebra, Organização Internacional do Trabalho.

21 Iniciativa Global para Acabar com todo Castigo Corporalcontra Crianças (2006). Global Summary of the LegalStatus of Corporal Punishment of Children. 28 de junhode 2006.

22 OMS (2006). Global Estimates of Health ConsequencesDue to Violence against Children. Documento Informativopara o Estudo do Secretário-Geral sobre Violência contraa Criança. Genebra, Organização Mundial da Saúde.

23 Runyan D et al (2002). Child Abuse and Neglect byParentsand Other Caregivers. In: Krug EG et al (Eds). RelatórioMundial sobre Violência e Saúde. Genebra, OrganizaçãoMundial da Saúde, pp 59-86.

24 Perry BD (2001). The Neurodevelopmental Impact of Violencein Childhood. In: Schetky D, Benedek EP (Eds). Textbook ofChild and Adolescent Forensic Psychiatry. Washington DC,Editora American Psychiatric Press, págs. 221-238.

25 Felitti VJ et al (1998). Relationship of Childhood Abuseand Household Dysfunction to Many of the LeadingCauses of Death in Adults. The Adverse ChildhoodExperiences (ACE) Estudo. American Journal ofPreventive Medicine 14: 245-258.

26 Centro para o Controle e Prevenção de Doenças (2006).Adverse Childhood Experiences Study. Atlanta, GA,National Centers for Injury Prevention and Control, Centropara o Controle e Prevenção de Doenças. Disponívelem:http://www.cdc.gov/NCCDPHP/ACE.

27 Centro para o Controle e Prevenção de Doenças (2006).Adverse Childhood Experiences Study. Atlanta, GA,National Centers for Injury Prevention and Control, Centropara o Controle e Prevenção de Doenças. Disponível em:http://www.cdc.gov/NCCDPHP/ACE.

28 Panel on Research on Child Abuse and Neglect,Commission on Behavioral and Social Sciences andEducation, National Research Council (1999).Understanding Child Abuse and Neglect. Washington DC,Editora National Academy Press.

29 Fromm S (2001). Total Estimates of the Cost of ChildAbuse and Neglect in the United States - Statistical Evidence.

Chicago (IL), Prevent Child Abuse America (PCAA).Citado em: 14 de agosto de 2006. Disponível em: http://www.preventchildabuse.org/learn_more/ research_docs/cost_analysis.pdf.

30 OMS (2003). Implementing the Recommendations of theWorld Report on Violence and Health. Relatório sobre aAssembléia Mundial de Saúde, WHA56.24,Qüinquagésima Sexta Assembléia Mundial da Saúde.Genebra, Organização Mundial da Saúde.

31 Nações Unidas (1993). Principles Relating to the Status andFunctioning of National Institutions for Protection andPromotion of Human Rights. Disponível em: http://www.unhchr.ch/html/menu6/2/fs19.htm#annex. Essasrecomendações foram endossadas pela Assembléia Geral emsua resolução A/RES/48/134, de 20 de dezembro de 1993.

CITAÇÕES

I Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre aViolência contra a Criança (2005). Regional ConsultationOutcome Report: South Asia, pág. 3. Disponível em: http://www.violencestudy.org/r27.

II Comissário para os Direitos Humanos (2006). Childrenand corporal punishment: The right not to be hit, also achildren's right. Issue paper 2006/1. 6 de junho de 2006.Estrasburgo, Conselho da Europa.

III Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre aViolência contra a Criança (2005). Regional Desk Review:South Asia, p 23. Disponível em: http://www.violencestudy.org/r27.

IV Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre aViolência contra a Criança (2005). Regional ConsultationOutcome Report: Eastern and Southern Africa, p 18.Disponível em: http:/www.violencestudy.org/r27.

V Conselho da Europa (2006). Conferência de lançamentoem Mônaco da iniciativa Building an Europe for and withChildren, 4 a 5 de abril de 2006. Disponível em: http://www.coe.int/t/transversalprojects/children/ events/monacoLaunch_en.asp

VI Conselho da Europa (2006). Conferência de lançamentoem Mônaco da iniciativa Building a Europe for and withChildren, 4 a 5 April 2006. Disponível em: http://www.coe . in t / t / t ransversa lpro jec ts /ch i ldren /events /monacoLaunch_en.asp

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A VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇAE A LEI E NORMAS INTERNACIONAIS

DE DIREITOS HUMANOS

Introdução 33A Convenção sobre os Direitos da Criança 34Direito Criminal, Humanitário, de Refugiadose Trabalhista Internacional 39Sistemas Regionais de Direitos Humanos 40Instrumentos não Obrigatórios 41Referências 44

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INTRODUÇÃO

Todas as crianças têm direito de ter sua integrida-de física e pessoal respeitada e de ser protegidascontra todos os tipos de violência. Como sereshumanos, as crianças têm o direito de gozar todosos direitos garantidos pelos diversos tratados dedireitos humanos gerados a partir da DeclaraçãoUniversal de Direitos Humanos.1 Elas também têmdireito à proteção prevista em instrumentos legaisinternacionais relacionados ao direito criminal,humanitário e trabalhista internacional.*

Desde que a Declaração Universal dos DireitosHumanos foi adotada, em 1948, como a primei-ra declaração oficial - mas não legalmente obri-gatória - dos direitos humanos, mais de sessentatratados sobre questões relacionadas à escravi-dão, à administração da justiça, à condição dosrefugiados e de grupos minoritários e aos direi-tos humanos foram elaborados. Todos eles ba-seiam-se nos conceitos da não-discriminação, daigualdade e do reconhecimento da dignidade detodos os indivíduos, como previsto na Declara-ção Universal, e cada um deles explicita que osdireitos que prevêem devem ser gozados por to-dos, inclusive por crianças, em pé de igualdade.

As crianças, portanto, são titulares dos direitose procedimentos previstos na Carta Internacio-nal dos Direitos Humanos, que consiste no PactoInternacional dos Direitos Econômicos, Soci-ais e Culturais e no Pacto Internacional dos

Direitos Civis e Políticos. Elas também são ti-tulares dos direitos e mecanismos de proteçãoprevistos em tratados específicos, inclusive nosque contemplam a eliminação da discrimina-ção racial e contra mulheres, a prevenção datortura e os direitos de trabalhadores migrantese de membros de suas famílias. Esses instru-mentos, que são legalmente obrigatórios paraos Estados que os adotaram, incluem importan-tes disposições para a eliminação da violênciacontra a criança. Alguns tratados, particularmen-te os dois pactos internacionais mencionadosacima, também incluem disposições sobre me-canismos específicos de proteção para crianças.

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,Sociais e Culturais inclui uma disposição segun-do a qual as crianças devem ser protegidas daexploração econômica e social e que prevê aaplicação de sanções penais para pessoas ouempresas que empregam crianças em atividadesprejudiciais à sua moral ou saúde ou que acarre-tem risco de vida para elas ou possam dificultarseu desenvolvimento. O Pacto Internacional dosDireitos Civis e Políticos proíbe expressamentea imposição da pena de morte a crianças e ado-lescentes abaixo de 18 anos. Ele inclui tambémdisposições sobre o tratamento adequado a serdispensado a crianças acusadas e condenadas queexigem, particularmente, que elas sejam manti-das separadas de adultos réus e criminosos.

A Convenção para a Eliminação de Todas asFormas de Discriminação Contra Mulheres éplenamente aplicável a meninas abaixo de 18anos. O Artigo 16.2 da Convenção prevê que ocasamento de uma criança não tem nenhum efei-

* Mais informações sobre todos os instrumentosmencionados neste capítulo podem ser encontradas noendereço http://www.ohchr.org.

"Gostaria que uma coalizão de associações e organizações internacionais fosse estabelecida namaior rapidez possível para incentivar e apoiar governos que assumem o compromisso de adotar

medidas específicas para impedir que crimes mais sérios contra crianças não fiquem impunes -medidas como a ampliação dos prazos para processar pessoas por esses delitos ou a eliminação de

sua caducidade, a promoção de uma maior cooperação judicial ou a adoção de uma legislaçãomodelo ou estrutural para fortalecer ações contra o tráfico de crianças, inclusive o tráfico

promovido com a ajuda da Internet."

Sua Alteza Real a Princesa Caroline de Hanover, abril de 2006 I

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to legal e que todas as medidas necessárias, in-clusive medidas legislativas, devem ser toma-das pelos Estados para especificar uma idademínima para o casamento e garantir seu regis-tro num cartório oficial compulsoriamente.

A proteção prevista na lei internacional dos direi-tos humanos será ampliada com a finalização detratados focados em crianças desaparecidas ouportadoras de deficiência que estão sendo elabo-rados. Disposições especificamente relacionadasaos direitos humanos de crianças portadoras dedeficiência, que prevêem inclusive a obrigação dosEstados de combater a violência contra elas, fo-ram incluídas na minuta da Convenção sobre osDireitos das Pessoas Portadoras de Deficiência queserá apresentada à Assembléia Geral para adoçãona sua sexagésima primeira sessão.

A implementação de cada um dos sete princi-pais tratados de direitos humanos atualmenteem vigor está sendo monitorada por um Comi-tê de Especialistas por meio de diversos proce-dimentos. A implementação desses instrumen-tos é avaliada pelo Comitê com base na apreci-ação de relatórios apresentados pelos Estadose após essa avaliação ele emite recomendaçõespara outras ações necessárias. Quatro comitêstêm poderes para considerar solicitações de in-divíduos que alegam que seus direitos foramviolados quando o Estado envolvido aceita esseprocedimento. Dois comitês também têm po-deres para investigar violações graves ou siste-máticas dos tratados quando o Estado em ques-tão aceita esse procedimento. Procedimentossemelhantes estão previstos também nas minu-tas dos tratados sobre desaparecimentos e defi-ciências, enquanto o Protocolo Opcional no

âmbito da Convenção contra a Tortura e outrosTratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ouDegradantes introduz um sistema de visitas acasas de detenção nos Estados-membros.

Todos os órgãos que aceitaram o tratado enfati-zaram a obrigação dos Estados de tomar medi-das específicas para eliminar e combater a vio-lência contra a criança em suas observações erelatórios finais e em muitas de suas decisõessobre requerimentos. Vários órgãos do tratadotambém adotaram Comentários Gerais ou reco-mendações que enfatizam a obrigação dos Esta-dos de combater a violência contra a criança. OComentário Geral sobre o Direito à Educaçãoapresentado pelo Comitê dos Direitos Econômi-cos, Sociais e Culturais indica que a aplicaçãode castigos corporais em ambientes educacionaisé incompatível com o direito internacional e coma dignidade dos indivíduos. O Comitê para a Eli-minação da Discriminação contra a Mulher ado-tou uma recomendação geral sobre a obrigaçãodos Estados no âmbito da Convenção de impe-dir a mutilação genital feminina e de observarduas recomendações gerais sobre a violência degênero contra a mulher.

A CONVENÇÃO SOBRE OSDIREITOS DA CRIANÇA

Embora tratados internacionais de direitos hu-manos de caráter geral e outros acordos inter-nacionais prevejam mecanismos de proteçãopara as crianças, a comunidade internacionalreconheceu, nos estágios iniciais das ativida-des das Nações Unidas, a necessidade de segarantir uma proteção específica para os di-

"Acredito realmente que não há nada mais importante do que a proteção da criança, porque ela está vinculada a todos osseus outros direitos, como o direito ao desenvolvimento, à sobrevivência e à participação. Para todos os países, o

reconhecimento desse direito como primordial e a decisão de implementar programas e estabelecer instituições paragarantir a proteção da criança representam um passo gigantesco na direção certa."

Srta. Loveleen Kacker, Secretária-Adjunta, Ministério de Desenvolvimento das Mulheres e das Crianças, Índia

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reitos das crianças. A Declaração dos Direitosda Criança da Assembléia Geral de 1959 esta-beleceu dez princípios não obrigatórios con-cebidos para garantir salvaguardas especiaispara as crianças.

A Convenção sobre os Direitos da Criança(CDC), que prevê normas legalmente obrigató-rias, foi adotada pela Assembléia Geral em1989. A CDC, que sinaliza claramente que ascrianças são titulares de direitos humanos e re-conhece sua personalidade jurídica diferencia-da e suas capacidades em processo de forma-ção, é o tratado de direitos humanos de maisampla aceitação, uma vez que foi ratificado ouaderido por 192 Estados. Seus 42 artigos subs-tantivos estabelecem direitos civis, políticos,econômicos, sociais e culturais formulados parasatisfazer as necessidades especiais da criança,que é definida na CDC como qualquer ser hu-mano com menos de 18 anos de idade, excetose, pela lei aplicável no país às crianças, a mai-oridade for conferida em idade inferior.2

A CDC estabelece um conjunto de princípioslegais e normas detalhadas que devem reger to-das as leis, políticas e práticas que afetem crian-ças. Eles incluem princípios de promoção da pre-venção da violência e mecanismos para protegercrianças contra todos os tipos de violência.

Vários Artigos da CDC afirmam o direito dacriança à integridade física e pessoal e estabe-lecem padrões elevados de proteção para ela.O Artigo 19 exige que os Estados partes da CDCtomem "todas as medidas legislativas, adminis-trativas, sociais e educacionais apropriadas para

proteger a criança contra todas as formas deviolência física ou mental, abuso ou tratamen-to negligente, maus-tratos ou exploração, inclu-sive abuso sexual, enquanto estiver sob a guar-da dos pais, do representante legal ou de qual-quer outra pessoa responsável por ela". A abran-gência dessa obrigação foi enfatizada pelo Co-mitê dos Direitos da Criança.

O Comitê também destacou a exigência de quetodas as formas de violência contra a criançadevem ser proibidas, inclusive todas as formasde castigo corporal, ainda que brandas. O Co-mentário Geral no. 8 do Comitê sobre o Direi-to da Criança à Proteção contra Punição Cor-poral e Outras Formas Cruéis ou Degradantesde Punição, adotado em sua quadragésima se-gunda sessão, realizada em junho de 2006,salienta a obrigação de todos os Estados detomarem medidas rapidamente para proibir eeliminar qualquer tipo de castigo corporal eoutras formas cruéis ou degradantes de puni-ção aplicadas a crianças, enfocando a neces-sidade de os Estados adotarem medidas le-gislativas e de promoverem campanhas deconscientização e educacionais.3

O Comentário Geral esclarece que o Comitê nãorejeita o conceito positivo da disciplina e reco-nhece que a paternidade e os cuidados que ascrianças necessitam, particularmente bebês ecrianças de tenra idade, exigem constantes açõese intervenções físicas para protegê-las. O Co-mitê indica que esses cuidados são bem dife-rentes do uso deliberado e punitivo da força como objetivo de provocar dor, desconforto ou hu-milhação em crianças em qualquer grau.

"Ao ratificarem a Convenção (sobre os Direitos da Criança), os países ficam obrigados a adotarleis, políticas e programas para garantir que todas as crianças cresçam em um ambiente de amor e

compreensão no qual elas não sintam medo ou experimentem privações, sejam protegidas dadiscriminação, da violência e da exploração e tenham todas as oportunidades para desenvolver o

seu potencial plenamente. Adotando a Convenção, assumimos o compromisso de garantirque as oportunidades de uma pessoa na vida não sejam determinadas pelas

circunstâncias do seu nascimento."

Marta Santos Pais, Conselho Editorial do Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidassobre Violência contra Crianças

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"Além de ser uma obrigação dos Estados par-tes da Convenção, a eliminação da aceita-ção ou tolerância generalizada de castigoscorporais impostos a crianças na família, nasescolas e em outros ambientes é uma estra-tégia-chave para se reduzir e prevenir todasas formas de violência nas sociedades."

Comitê sobre os Direitos da Criança,Comentário Geral no. 8, parágrafo 3.4

O Artigo 28 (2) da CDC exige que a discipli-na escolar seja "ministrada de maneira com-patível com a dignidade humana da criança eem conformidade com a presente Conven-ção". Na sua interpretação dessa disposição,o Comitê destaca que ela exige que os Esta-dos membros proíbam o castigo corporal eoutras formas humilhantes e prejudiciais dedisciplina nas escolas.

"... As crianças não perdem seus direitoshumanos quando atravessam os portões desuas escolas. Por essa razão, a educaçãodeve ser oferecida com respeito à digni-dade inerente da criança, permitindo queela expresse suas opiniões livremente,como disposto no Artigo 12 (1), e participeda vida escolar. A educação deve tambémser oferecida com respeito aos limites dis-ciplinares previstos no Artigo 28 (2) e como intuito de promover uma cultura de nãoviolência nas escolas..."

Comitê dos Direitos da Criança,Comentário Geral No. 15

Os Artigos 32 a 36 estabelecem os direitoslegais da criança de serem protegidas contradiversas formas de exploração: contra a ex-ploração econômica e "o desempenho de qual-quer trabalho que possa ser perigoso ou in-terferir em sua educação, ou seja nocivo paraa sua saúde ou desenvolvimento físico, men-tal, espiritual, moral ou social" (Artigo 32);contra o "uso ilícito de drogas e substânciaspsicotrópicas" e o envolvimento "na produ-ção e no tráfico ilícito dessas substâncias"(Artigo 33); contra "todas as formas de ex-ploração e abuso sexual", inclusive a prosti-tuição e a pornografia (Artigo 34); contraseqüestro, venda e tráfico (Artigo 35) e con-tra "todas as demais formas de exploração quesejam prejudiciais a qualquer aspecto de seubem-estar" (Artigo 36).

O artigo 38, no qual os Estados partes se com-prometem a garantir respeito às normas do di-reito humanitário internacional que lhes sãoaplicáveis no que diz respeito a crianças e con-flitos armados, menciona as obrigações conti-das nas Convenções de Genebra, enquanto oartigo 37 declara que nenhuma criança deveráserá submetida a "tortura ou outro tratamentoou punição cruel, desumano ou degradante" ousentenciada à pena de morte ou prisão perpé-tua. O artigo 37 proíbe também qualquer restri-ção arbitrária ou ilegal da liberdade de criançase estabelece limites e condições rígidas para aperda da liberdade aplicáveis a qualquer restri-ção de liberdade imposta para fins de "bem-es-tar" ou penais. O artigo 39 obriga os Estados atomarem medidas adequadas para promover arecuperação psicológica e física e a reintegra-ção social de crianças vítimas de violência.

"Crianças são traídas diariamente pelo silêncio, pela omissão e pela impunidade. Professores que agrediram sexualmentealunos continuam a dar aulas. Policiais que torturaram crianças na frente de testemunhas não são afastados de suasfunções. Funcionários de orfanatos que sujeitam crianças a níveis chocantes de crueldade e negligência não sofrem

nenhuma conseqüência. Muito frequentemente, crianças são vitimizadas duas vezes: inicialmente pelo abuso inicial eposteriormente pelo fato de as autoridades não punirem seus agressores."

Jo Becker, Conselho Editorial do Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre Violência contra a Criança

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Juntamente com o artigo 37, o artigo 40, sobrea administração da justiça juvenil, estabelecesalvaguardas de segurança detalhadas: criançasque entrarem em conflito com a lei devem ser"ser tratadas de modo a promover e estimularseu sentido de dignidade e de valor". Em com-binação com o Artigo 19, ele exige também queos Estados não permitam que crianças soframatos de violência nas mãos de autoridades doEstado em qualquer nível do sistema. Tratamen-tos e punições não devem envolver nenhumaforma de violência física ou mental. Sempre queapropriado e desejável, alguma alternativa forado sistema judicial deve ser disponibilizada.Para crianças que cometem delitos, devem seroferecidas alternativas à institucionalização,"tais como ordens de guarda, orientação e su-pervisão, aconselhamento, liberdade vigiada,colocação em lares de adoção, programas deeducação e formação profissional".

Outras disposições da CDC são importantespara proteger crianças da violência. Elas inclu-em direito civis relacionados à liberdade deexpressão, informação, consciência e religião,associação, reunião pacífica, privacidade e aces-so a informações (artigos 12, 13, 14, 15, 16 e17). O artigo 9 garante o direito da criança denão ser separada de seus pais, a menos que essamedida vise satisfazer seu interesse maior. Oartigo 18 prevê que o Estado deve prestar umaassistência adequada aos pais e guardiões le-gais em suas responsabilidades de criar crian-ças. De acordo com o artigo 20, crianças retira-das do ambiente familiar têm direito a uma as-sistência e proteção especiais por parte do Es-tado. O artigo 25 prevê o direito a um exame

periódico de avaliação do tratamento ao qualuma criança está sendo submetida. Obrigaçõesrelacionadas a adoção foram estabelecidas noartigo 21, obrigações relacionadas a criançasrefugiadas estão previstas no artigo 22 e obri-gações relacionadas a crianças portadoras dedeficiência foram incluídas no artigo 23.

Obrigações mais gerais - aplicáveis particular-mente à prevenção da violência - foram estabe-lecidas no artigo 24, que dispõe sobre o direitoà saúde e a um acesso adequado a serviços desaúde. Os artigos 28 e 29 definem o direito àeducação e os objetivos da educação e o artigo27 dispõe sobre o direito a uma qualidade devida adequada.

A CDC é suplementada por dois ProtocolosOpcionais, adotados em 2000, que prevêem me-canismos de proteção mais detalhados para cri-anças contra formas específicas de violência.O Protocolo Opcional sobre a venda de crian-ças e a prostituição e pornografia infantis defi-nem essas formas de violência. Ele tambémexige que os Estados partes criminalizem essasatividades e que qualquer participação ou in-tenção de participar em atos dessa natureza sejapunida de acordo com a gravidade do delitoenvolvido. Ele exige também que os Estadosfechem qualquer recinto usado para fins de pros-tituição e pornografia infantis e confisquem osproventos dessas práticas e quaisquer meiosusados para facilitá-las e inclui disposições de-talhadas sobre o tratamento a ser oferecido àsvítimas desses atos. O Protocolo Opcional daCDC sobre o envolvimento de crianças em con-flitos armados limita o recrutamento de crian-

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ças abaixo de 18 anos e obriga os Estados aoferecer tratamento físico ou psicológico a cri-anças que participaram de conflitos armados ea apoiá-las em sua reintegração à sociedade.

Para o Comitê dos Direitos da Criança, os arti-gos 2, 3, 6 e 12 estabelecem princípios gerais.Em sintonia com o artigo 2, todos os direitosprevistos na Convenção devem ser garantidosa todas as crianças, sem nenhuma discrimina-ção, e os Estados partes devem tomar medidasadequadas para não permitir que crianças se-jam discriminadas.

"...a interpretação dos interesses maiores dacriança deve ser compatível com todas asdisposições da Convenção e deve levar emconsideração a obrigação de se proteger ascrianças contra todas as formas de violênciae de se levar suas opiniões na devida consi-deração. Ela não deve ser usada para justifi-car ações, inclusive castigos corporais e ou-tras formas cruéis e degradantes de punição,que firam a dignidade humana e o direito àintegridade física da criança.

Comitê dos Direitos da Criança,Comentário Geral no. 86

Satisfazer os melhores interesses das criançasdeve ser a principal consideração em todas asmedidas tomadas em prol delas. Por essa ra-zão, todas as organizações públicas e privadas,tribunais e autoridades administrativas devemconsiderar o impacto de suas medidas sobrecrianças para garantir que seus melhores inte-resses sejam sempre levados em consideração(Artigo 3). O direito inerente da criança à vida,

à sobrevivência e ao desenvolvimento, que se-gundo o CDC inclui dimensões físicas, men-tais, espirituais, morais e sociais (Artigo 6), tam-bém é identificado como um princípio geral.Segundo o artigo 12, a criança tem o direito deexpressar suas opiniões sobre qualquer ques-tão que lhe diga respeito sem restrições e de teressas opiniões levadas na devida consideração,de acordo com sua idade e maturidade.

"... ao conceituar violência, o ponto de par-tida crítico e o panorama de referências de-vem ser a experiência pessoal da própriacriança. Dessa forma, as crianças e os jo-vens devem estar significativamente envol-vidos na promoção e no planejamento deações contra violência contra criança".

Comitê sobre os Direitos da Criança, reco-mendações adotadas seguinte ao dia dadiscussão geral sobre a Violência contra acriança na Família e nas Escolas, 20017

O Comitê dos Direitos da Criança, que vemanalisando relatórios de vários Estados desde1993, tem orientado muito os Estados em suaobrigação de combater a violência contra a cri-ança, particularmente em relação a recomen-dações emitidas após seus dois dias de discus-sões gerais sobre a Violência contra a Criançaem 20008 e 20019 e em relação a seus Comen-tários Gerais nos. 1110 e 8.11

O Comitê observou, com satisfação, que tri-bunais nacionais, inclusive tribunais constitu-cionais e superiores de muitas jurisdições, têmcondenado a violência contra a criança em jul-

"Expondo os diferentes problemas de crianças que sofrem violência, percebemos que a nossa luta faz parte de um esforçomundial mais amplo pela garantia dos direitos humanos. Não queremos ter um tratamento especial, apenas um

tratamento humano, sintonizado com os valores centrais da dignidade humana previstos na Declaração Universaldos Direitos Humanos. Como cidadãos globais, queremos ser reconhecidos como seres humanos de primeira classe

e não de segunda classe."

Declaração de crianças e jovens, Consulta Regional, Caribe, 2005II

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gamentos cada vez mais baseados nos trata-dos de direitos humanos, particularmente naCDC, e nos pareceres de órgãos de tratados dedireitos humanos.

"Crianças têm direitos que de forma algumasão inferiores aos dos adultos. Fiji ratificoua Convenção. Nossa Constituição tambémgarante direitos fundamentais a todos. Ogoverno deve observar o princípio de res-peitar os direitos de todos os indivíduos,comunidades e grupos. As crianças precisamde uma proteção especial. Nossas institui-ções educacionais deveriam ser santuáriosde paz e criatividade e não locais de medo emaus-tratos que atentam contra a dignidadehumana das crianças.

Tribunal de Recursos de Fiji, 2002, nocaso Naushad vs. Estado, no qualdeterminou que castigos corporais emescolas e no sistema penal sãoinconstitucionais.12

DIREITO CRIMINAL,HUMANITÁRIO, DE REFUGIADOSE TRABALHISTA INTERNACIONAL

A proteção garantida às crianças nas disposi-ções de direitos humanos deve ser observadasempre. Ao mesmo tempo, o Estatuto de Romado Tribunal Penal Internacional, as quatro Con-venções de Genebra de 1949 e seus dois Proto-colos Adicionais de 1977 prevêem uma prote-ção legal essencial para crianças em conflitos

internos e internacionais. As crianças que seenquadram na definição de refugiadas da Con-venção das Nações Unidas de 1951 relativa aoEstatuto dos Refugiados e seu Protocolo de 1967têm acesso a um amplo conjunto de direitos eproteções, como o direito a assistência jurídica ea proteção material e o direito de não serem en-viadas de volta a locais nos quais são persegui-das. Embora não sejam legalmente obrigatórios,os Princípios Norteadores sobre o Deslocamen-to Interno de 1998, que consistem em 30 princí-pios, garantem proteção e assistência a indiví-duos enquanto são deslocados e estabelecem di-retrizes para o seu retorno, reassentamento e rein-tegração seguros. Os Princípios Norteadores en-focam, particularmente, os direitos e necessida-des das crianças, principalmente de meninas, eproíbem sua venda para fins de casamento, ex-ploração sexual, trabalho forçado e recrutamen-to ou o uso de crianças em conflitos.

A questão do tráfico em geral, inclusive do trá-fico infantil, foi contemplada no primeiro ins-trumento consolidado sobre o tema, a Conven-ção sobre a Supressão do Tráfico de Pessoas eda Exploração da Prostituição Alheia, adotadapela Assembléia Geral em 1950. Medidas fo-cadas na eliminação do tráfico também foramincluídas nas Convenções para a Eliminação daDiscriminação contra Mulheres e dos Direitosda Criança, e na Convenção da OrganizaçãoInternacional do Trabalho sobre as Piores For-mas de Trabalho Infantil (1999) no. 182. Em2000, a Assembléia Geral adotou a Convençãocontra o Crime Organizado Transnacional dasNações Unidas e seus protocolos suplementa-res: O Protocolo para Prevenir, Suprimir e Pu-

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nir o Tráfico de Pessoas, Especialmente deMulheres e Crianças e o Protocolo contra oContrabando de Migrantes por terra, mar e ar.A Convenção prevê cooperação em investiga-ções, assistência jurídica mútua e extradição emcasos que envolvam tráfico. O Protocolo con-tra o Tráfico, que já foi aceito por 105 Estadosem todas as regiões do mundo (desde 6 de se-tembro de 2006), inclui a primeira definiçãolegal internacional de tráfico, dispõe sobre as-sistência e proteção de vítimas do tráfico e exi-ge que os Estados partes criminalizem essasatividades e prestem assistência e proteção àssuas vítimas. Ele também prevê medidas pre-ventivas neste contexto.

Direitos específicos e medidas para protegercrianças em contextos de trabalho estão previs-tos nas inúmeras convenções elaboradas pelaOrganização Internacional do Trabalho, parti-cularmente na Convenção da Idade Mínima(1973), no. 183, e na Convenção sobre as Pio-res Formas de Trabalho Infantil (1999), no. 182.

SISTEMAS REGIONAIS DEDIREITOS HUMANOS

O sistema jurídico internacional para a promo-ção e proteção dos direitos humanos e as nor-mas previstas nele para a violência contra a cri-ança são reforçados por tratados adotados regi-onalmente, pelo Conselho da Europa, pelaUnião Européia, pela Organização dos EstadosAmericanos, pela União Africana e por meca-nismos implementados para monitorá-los e ga-rantir a sua observância. A Carta Africana dosDireitos da Criança é particularmente relevan-

te, assim como o Protocolo Africano sobre osDireitos da Mulher, adotado em 2004, que pre-vê a eliminação de práticas tradicionais preju-diciais, entre as quais a mutilação genital femi-nina, a escarificação e a medicalização de prá-ticas tradicionais prejudiciais e estabelece em18 anos a idade mínima para o casamento.

Mecanismos regionais de direitos humanos,responsáveis pela supervisão desses instrumen-tos legais, abordaram diversas formas de vio-lência contra a criança. Por exemplo, O Tribu-nal Europeu dos Direitos Humanos observouviolações da Convenção Européia sobre Direi-tos Humanos em inúmeros casos envolvendocastigos corporais no sistema penal, em esco-las e no lar.13 O tribunal também julgou casosde abuso sexual e de falhas nos sistemas de pro-teção infantil e de justiça juvenil.14 O ComitêEuropeu dos Direitos Sociais, que monitora aobservância da Carta Social Européia e da Car-ta Social Revisada, considera que esses instru-mentos exigem que qualquer forma de violên-cia contra a criança seja legalmente proibida.15

"O Comitê considera inaceitável que umasociedade que proíbe qualquer forma de vi-olência física entre adultos aceite que adul-tos submetam crianças a violência física."

Comitê Europeu dos Direitos Sociais (2001).Observação Geral feita na IntroduçãoGeral às Conclusões XV - 2, Volume 116

Em 2002, a Corte Interamericana de DireitosHumanos emitiu um parecer sobre a condiçãojurídica e os direitos humanos da criança, indi-cando que os Estados partes da Convenção

"Embora sejam direitos fundamentais, os direitos da criança ainda não foram adequadamente estabelecidos,em primeiro lugar e acima de tudo, em nível nacional."

Françoise Tulkens, Juíza do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, abril 2006 III

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Americana sobre os Direitos Humanos têm aobrigação de adotar todas as medidas necessá-rias para proteger crianças de maus-tratos emsuas relações com autoridades públicas, indiví-duos e entidades não governamentais.17

Em 2003, a Comissão Africana de DireitosHumanos e dos Povos decidiu que o uso dochicote como uma medida disciplinar em esco-las se enquadrava na definição de punição cru-el, desumana e degradante e pediu que o Esta-do em questão alterasse sua legislação no sen-tido de abolir essa prática e que tomasse medi-das adequadas para compensar suas vítimas.18

"Os indivíduos e, principalmente, o governo deum país não têm o direito de aplicar violênciafísica contra indivíduos por delitos que come-teram. Reconhecer esse direito seria o mesmoque sancionar atos de tortura patrocinados peloEstado (no âmbito da Carta Africana dos Direi-tos Humanos e das Pessoas) e contrariaria anatureza desse tratado de direitos humanos."

Comissão Africana dos Direitos Humanose das Povos, Comunicação 236/2000(2003) sobre o caso Curtis FrancisDoebbler versus Sudão.19

INSTRUMENTOS NÃOOBRIGATÓRIOS

Os tratados sobre direitos humanos internacio-nais e regionais são complementados por instru-mentos que, embora não sejam obrigatórios, de-

finem normas ou criam princípios relacionadosà erradicação da violência contra a criança. Den-tro do sistema das Nações Unidas, foram adota-das normas e diretrizes para a administração dajustiça juvenil (Regras de Pequim, 1985), a pre-venção da delinqüência juvenil (Diretrizes deRiad, 1990) e a proteção de jovens privados desua liberdade. A Declaração das Nações Unidassobre a Violência contra Mulheres de 1993 defi-ne a violência de gênero e orienta os Estados emrelação a medidas que devem tomar para com-bater a violência contra mulheres e meninas.

As conclusões das conferências mundiais dasNações Unidas e suas avaliações em sessõesespeciais da Assembléia Geral também abor-dam a violência contra a criança. A Sessão Es-pecial da Assembléia Geral de 2002 sobre cri-anças incluiu uma longa seção sobre a violên-cia contra a criança em seu documento final,intitulado Um Mundo Adequado para as Crian-ças. Os Objetivos de Desenvolvimento do Mi-lênio, adotados na Cúpula do Milênio, realiza-da em 2002, e as Conclusões da Conferênciade 2005 das Nações Unidas também incluemacordos que são importantes para se pôr fim àviolência contra a criança.

Instrumentos que não são legalmente obrigató-rios, mas são altamente persuasivos no contex-to da violência contra a criança, também têmsido adotados pelos conselhos diretores dos ór-gãos especializados e de outros organismos dosistema das Nações Unidas. Eles incluem reso-luções adotadas pelos conselhos diretores daOMS (veja quadro abaixo) e do UNICEF. OComitê Executivo do Alto Comissariado para

"A erradicação da violência exige que o objetivo comum e os vínculos intrínsecos entre a saúde eos direitos humanos sejam usados para salvaguardar a dignidade humana e promover o

bem-estar das pessoas."

Dra. Gro Harlem Brundtland, Ex-Diretora Geral da OMS

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TRATADOS REGIONAIS QUE ABORDAM A VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇA*

Organização dos Estados Americanos:Convenção Interamericana para a Prevenção e Punição da TorturaConvenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de PessoasConvenção Interamericana sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra PessoasPortadoras de DeficiênciasConvenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher - "Conven-ção de Belém do Pará"

União Africana:Carta Africana dos Direitos Humanos e dos PovosProtocolo para a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, sobre os Direitos das Mulheres na ÁfricaCarta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança

Associação Sul-Asiática para a Cooperação Regional (SAARC):Convenção sobre os Arranjos Regionais para a Promoção da Carta Social do Bem-Estar da CriançaConvenção Regional sobre a Prevenção e Combate ao Tráfico de Mulheres e Crianças para fins deProstituição

Liga dos Estados Árabes:Carta Árabe dos Direitos Humanos (modificada em 1994, revisada em 2005; ainda não implementada)

União Européia:Comunicação da Comissão: Rumo a uma Estratégia da União Européia sobre os Direitos da Criança,Bruxelas, 4.7.2006, COM (2006) 367 finalComunicação da Comissão para o Parlamento Europeu e para o Conselho: Combatendo o Trafico deSeres Humanos - uma abordagem integrada e propostas para um plano de ação, Bruxelas, 18.10.2005,COM (2005) 514 final

Conselho Europeu:Convenção Européia de Proteção aos Direitos do Homem e das Liberdades FundamentaisCarta Social Européia e Carta Social Européia RevistaProtocolo Adicional à Carta Social Européia Estabelecendo um Sistema de Reclamações ColetivasConvenção Européia para a Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Punições Desumanas eDegradantesConvenção sobre o Crime CibernéticoConvenção do Conselho da Europa para Ação contra o Tráfico de Seres Humano

* Lista não exaustiva

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A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE

As atividades da Assembléia Geral da Saúde em relação à violência contra a criança tambémrefletem o compromisso dos governos e constituem uma forte plataforma para abordar a violên-cia contra a criança que complementa os direitos humanos.

O mandato da saúde pública para abordar a questão da violência contra a criança baseia-se nomandato maior da Organização Mundial da Saúde de prevenir de todas as formas de violência.A Assembléia Mundial da Saúde, que é conselho diretor da Organização Mundial da Saúde,declarou, em sua resolução AMS 49.25 (1996), que a violência é um dos maiores problemasmundiais de saúde pública e expressou grande preocupação com os níveis de violência contra amulher e a criança. Ela recomendou que seus Países-Membros avaliassem o problema da vio-lência e solicitou à OMS que desenvolvesse um plano de ação para a prevenção da violência. AAssembléia Mundial da Saúde endossou o plano de ação e solicitou que ele fosse mais detalha-damente desenvolvido (resolução AMS 50.19).

Em resposta a essas resoluções, a OMS preparou o primeiro relatório mundial sobre violência esaúde, publicado em 2002. O Relatório Mundial sobre Violência e Saúde descreveu sobre oalcance da violência como problema de saúde pública, estabeleceu uma estratégia de prevençãoorientada para a saúde pública e fez nove recomendações. O relatório inspirou a AssembléiaMundial de Saúde a adotar uma resolução (AMS 56.24) pela qual solicitou aos seus Estados-Membros que promovessem as recomendações contidas no relatório, designassem um pontofocal no ministério da saúde para a prevenção da violência e elaborassem um relatório nacionalsobre a violência e a prevenção da violência.

Refugiados das Nações Unidas (UNHCR) ado-tou uma política para crianças refugiadas em1993 e desenvolveu diretrizes sobre a prote-ção e cuidados a serem garantidos a essas cri-anças que estabelecem orientações detalhadaspara garantir que crianças refugiadas sejamprotegidas de violência física e sexual, princi-palmente enquanto estiverem abrigadas emgrandes campos de refugiados.

Ao aderirem a tratados internacionais e regio-nais, os Estados assumem obrigações legal-

mente obrigatórias de respeitar, proteger e ga-rantir os direitos que afirmam apoiar. Eles nãodevem interferir na fruição desses direitos edevem proteger indivíduos contra atos de vio-lência por parte de autoridades públicas e to-mar medidas adequadas para garantir o exer-cício dos direitos humanos.

No que se refere à violência contra a criança, osgovernos devem tomar medidas positivas e ime-diatas para prevenir e eliminar todas as formas deviolência contra elas e combater a violência sem-

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pre que ela ocorra, não permitindo que agressoresfiquem impunes. Os Estados devem tomar asmedidas necessárias para que suas autoridades,como policiais ou professores de escolas públi-cas, não cometam atos de violência contra crian-ças adotando leis adequadas e tomando outrasprovidências para impedir que atos dessa nature-za ocorram oferecendo, por exemplo, capacita-ções adequadas a policiais e outros agentes dogoverno na utilização de técnicas de investiga-ção não violentas. Eles devem tomar medidaslegislativas e de outra natureza para proteger ascrianças e dissuadir pais, guardiões legais e ou-tros agentes não-governamentais de violar osdireitos da criança mediante o uso de violência.

Sendo assim, o Direito Internacional ofereceuma estrutura poderosa e abrangente que exigeuma resposta multifacetada. As respostas ne-cessárias variarão de acordo com o tipo de vio-lência e o ambiente no qual que ela ocorre. Elasincluirão respostas de saúde pública, que enfa-tizam a prevenção, respostas penais, compen-sações, educação, serviços de saúde e aborda-gens legislativas.20

As normas previstas no direito internacionalpara a violência contra a criança são abrangen-tes e detalhadas. O desafio é garantir que todosos Estados cumpram suas obrigações. A natu-reza sistemática e difusa da violência contra acriança, em todas as suas formas e nos variadoscontextos, deve ser reconhecida. Posteriormen-te, respostas adequadas e eficazes na forma deleis, políticas e programas, devem ser imple-mentadas, monitoradas e modificadas para com-bater efetiva e urgentemente essa problema glo-bal de grandes proporções.

REFERÊNCIAS

1 UNICEF (2005). UN Human Rights Standards andMechanisms to Combat Violence against Children:A Contribution to the UN Secretary-General's Study onViolence against Children. Florença, Centro dePesquisas Innocenti do UNICEF.

2 UNICEF (2001). Implementation Handbook for theConvention on the Rights of the Child, Edição revisada.Genebra, UNICEF.

3 Comitê dos Direitos da Criança (2006). GeneralComment No. 8. The Right of the Child to Protectionfrom Corporal Punishment and Other Cruel orDegrading Forms of Punishment, (artigos 19, 28(2) e37, inter alia), CRC/C/GC/8.

4 Comitê dos Direitos da Criança (2006). GeneralComment No. 8. The Right of the Child to Protectionfrom Corporal Punishment and Other Cruel orDegrading Forms of Punishment (artigos 19, 28(2) e 37,inter alia), CRC/C/GC/8, parágrafo 3.

5 Comitê dos Direitos da Criança (2001). GeneralComment No. 1. The Aims of Education. CRC/GC/2001/1, parágrafo 8.

6 Comitê dos Direitos da Criança (2006). GeneralComment No. 8. The Right of the Child to Protectionfrom Corporal Punishment and Other Cruel orDegrading Forms of Punishment (artigos 19, 28(2) e 37,inter alia), CRC/C/GC/8, parágrafo 26.

7 Comitê dos Direitos da Criança (2001).Recommendations Adopted Following the GeneralDiscussion Day on Violence within the Family and inSchools. Relatório sobre a 28ª Sessão, setembro/outubro2001, CRC/C/111.

8 Comitê dos Direitos da Criança (2000). GeneralDiscussion Day on the State of Violence againstChildren. Relatório sobre a 25ª Sessão, setembro/outubro de 2000, CRC/C/100.

9 Comitê dos Direitos da Criança (2001).GeneralDiscussion Day on Violence within the Family and inSchools. Relatório sobre a 28ª Sessão, setembro/outubrode 2001, CRC/C/111.

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10 Comitê dos Direitos da Criança (2001). GeneralComment No. 1. The Aims of Education, CRC/GC/2001/1.

11 Comitê dos Direitos da Criança (2006). GeneralComment No. 8. The Right of the Child to Protectionfrom Corporal Punishment and Other Cruel orDegrading Forms of Punishment (artigos 19, 28(2) e 37,inter alia), CRC/C/GC/8.

12 Tribunal de Recursos de Fiji (2002). Naushad Ali v.State. Citado em: Comitê dos Direitos da Criança(2006). General Comment No. 8. The Right of the Childto Protection from Corporal Punishment and OtherCruel or Degrading Forms of Punishment (artigos 19,28(2) e 37, inter alia), CRC/C/GC/8.

13 UNICEF (2005). UN Human Rights Standards andMechanisms to Combat Violence against Children:A Contribution to the UN Secretary-General's Study onViolence against Children. Florença, Centro dePesquisas Innocenti do UNICEF.

14 UNICEF (2005). UN Human Rights Standards andMechanisms to Combat Violence against Children:A Contribution to the UN Secretary-General's Study onViolence against Children. Florença, Centro dePesquisas Innocenti do UNICEF.

15 Comitê Europeu de Direitos Sociais Comitê Europeu deDireitos Sociais (2001).Conclusions XV-2, Volume 1.Introdução Geral:Observação Geral relativa aos Artigos7 parágrafo 10 e 17, pp 27 et seq.

16 Comitê Europeu de Direitos Sociais (2001).Conclusions XV-2, Volume 1, Introdução Geral:Observação Geral relativa aos Artigos 7, parágrafos 10e 17, pág. 27.

17 Tribunal Interamericano de Direitos Humanos (2002).Advisory Opinion OC-17/2002, Legal Status andHuman Rights of the Child. 28 de agosto de 2002,parágrafos 87 e 91.

18 Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos(2003). Curtis Francis Doebbler v. Sudan. Comunicaçãono. 236/2000 da Comissão Africana dos DireitosHumanos e dos Povos.

19 Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos(2003). Curtis Francis Doebbler v. Sudan. Comunicaçãono. 236/2000, parágrafo 42, da Comissão Africana dosDireitos Humanos e dos Povos.

20 Krug EG et al. (Eds) (2002). Relatório Mundial sobreViolência e Saúde. Genebra, Organização Mundial daSaúde.

CITAÇÕES

I Conselho da Europa (2006). Conferência delançamento de Mônaco da iniciativa Building a Europefor and with Children, 4-5 de abril de 2006. Disponívelem: http://www.coe.int/t/transversalprojects/children/events/monacoLaunch_en.asp

II Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidas sobreViolência contra a Criança (2005). RegionalConsultation OutcomeReport: the Caribbean, p 22. Disponível em:www.violencestudy.org/r27.

III Conselho da Europa (2006). Conferência delançamento de Mônaco da iniciativa Building a Europefor and with Children, 4-5 de abril de 2006. Disponívelem: http://www.coe.int/t/transversalprojects/children/events/monacoLaunch_en.asp

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A VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇANO LAR E NA FAMÍLIA

Introdução 49Instrumentos de direitos humanos 50Histórico e contexto 52Natureza e escala do problema 52Violência física 53Homicídio 53Violência física não fatal 54Negligência 56Violência sexual 57Violência relacionada a comportamentos sexuais e percepções de honra 59A Violência Sexual em Relacionamentos Íntimos e Casamentos Precoces 59Prevalência de casamentos precoces 60Violência física, sexual e psicológica 61Práticas tradicionais prejudiciais 63Mutilação/corte genital feminina 63Violência psicológica 64Conseqüências da violência contra a criança 66Conseqüências Físicas e Psicológicas para o Desenvolvimento 66Conseqüências de longo prazo 67Mais Vitimização 69Conseqüências econômicas e sociais 70Fatores que contribuem para a violência 71Fatores relacionados à criança 71

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Fatores relacionados à família 72Fatores Societais e Culturais 74Fatores de proteção dentro do lar 76Respostas à violência contra a criança no lar e na família 77Reforma legislativa 78Leis sobre castigos corporais e outras formas de punição cruéis ou degradantes 78Outras áreas para mudanças legislativas 79Estratégias de prevenção 81Apoio a pais e famílias 81Programas para e com crianças 85Política Social 87Outras estratégias 87Intervenção quando casos de violência tornam-se conhecidos 88Identificação da violência contra a criança na família 89Tratamento para vítimas de violência 90Denúncias por parte de profissionais 90Intervenções no melhor interesse da criança 91Quando cuidados alternativos são necessários 93Advocacy e educação pública 93Eliminação de práticas tradicionais prejudiciais 94A necessidade de melhorar a qualidade das informações paradesenvolver políticas e ações 95Recomendações 100Referências 104

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INTRODUÇÃO

Em sua definição ampla, as famílias são as quemais podem proteger as crianças contra todas asformas de violência. Elas também podem prepa-rar as crianças para se protegerem. Uma premissabásica da Convenção sobre os Direitos da Crian-ça (CDC) é que a família é o ambiente naturalpara garantir o crescimento saudável e o bem-es-tar de todos os seus membros - particularmentecrianças - enquanto a Declaração Universal deDireitos Humanos e o Pacto Internacional sobreDireitos Civis e Políticos, bem como o Pacto In-ternacional sobre Direitos Econômicos, Sociais eCulturais, afirmam que a família é a unidade fun-damental da sociedade. A CDC exige que os Es-tados respeitem e apóiem plenamente as famílias.

No entanto, as famílias podem ser locais perigo-sos para crianças, particularmente para bebês ecrianças de tenra idade. A prevalência da violên-cia praticada por pais e outros familiares - naforma de violência física, sexual, psicológica oude negligência deliberada - só começou a seridentificada e documentada recentemente. Com-bater a violência contra a criança em todas assuas formas no contexto da família é particular-mente difícil. Há uma relutância em intervir noque ainda é visto pela maioria das sociedadescomo uma esfera "privada". No entanto, os di-reitos humanos à dignidade e à integridade físi-ca - direitos iguais de adultos e crianças - e aobrigação dos Estados de garantir esses direitosnão terminam na porta de entrada de um lar.

A responsabilidade dos Estados de respeitar,proteger e garantir os direitos das crianças en-

volve mais do que suas atividades diretas e asatividades de agentes do Estado e exige quesejam adotadas medidas para garantir que pais,guardiões legais e outros não violem os direi-tos da criança. O Estado tem a obrigação deestabelecer uma estrutura legislativa, políticase programas para prevenir a violência garantin-do mecanismos adequados de proteção e com-batendo a violência quando ela ocorre.

Crianças mais novas tendem a ser mais vulne-ráveis à violência no lar. Em alguns países in-dustrializados, onde óbitos infantis são regis-trados e investigados mais rigorosamente, cri-anças abaixo de um ano têm um risco três ve-zes alto de se tornarem vítimas de homicídio,quase sempre cometido por seus pais, do quecrianças com idades entre um e quatro anos eum risco duas vezes mais alto do que as quetêm entre 5 e 14 anos de idade.1 Embora qual-quer tipo de castigo físico seja degradante, háoutras formas não físicas de violência cruel edegradante sofridas pelas crianças dentro desuas família que também são potencialmenteprejudiciais na mesma medida. Esses tipos detratamento incluem ameaças constantes e per-sistentes, insultos, xingamentos e outras formasde agressão verbal, depreciação, isolamento ourejeição. Além da violência direta, muitas cri-anças são vítimas de violência entre adultos dafamília, que tem sérias repercussões que só co-meçaram a ser reconhecidas recentemente.

Em todos os locais onde a violência sexual temsido estudada, observa-se cada vez mais que umagrande proporção de crianças é sexualmente as-sediada e violentada pelas pessoas mais próxi-

"Com essas duas mãos, minha mãe me pega no colo e cuida de mim e eu adoro. Mas com essasduas mãos, minha mãe bate em mim e eu detesto."

Menina, Leste Asiático e Pacífico, 2005 I

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mas delas. O sexo forçado em casamentos ar-ranjados e precoces é comum em muitos Esta-dos. Os assassinatos "em defesa da honra" demeninas adolescentes julgadas de terem trans-gredido códigos morais ocorrem em alguns paí-ses. A despeito de esforços legislativos e açõesde advocacy, a mutilação genital feminina conti-nua sendo comum: em algumas partes da ÁfricaSetentrional e Oriental, mais de 90% das meni-nas são submetidas a essa operação, geralmentequando completam sete anos de idade.1, 2

A violência sexual e de gênero tem implicaçõesprofundas na era do HIV/AIDS e também com-prometem a auto-estima e a saúde emocional epsicológica. As implicações de todas as formasde violência doméstica e familiar para o desen-volvimento, comportamento e bem-estar da cri-ança na idade adulta são profundas, bem como

para a sua capacidade de vir a ser um bom paiou mãe. Além disso, o lar é o local onde as cri-anças experimentam desigualdades de gêneropela primeira vez e onde futuros relacionamen-tos de poder desequilibrados são estabelecidosou questionados. Os meninos podem ser incen-tivados a se tornar agressivos ou dominantes("recebedores" de cuidados) e as meninas a se-rem provedoras passivas e submissas de cuida-dos. Esses estereótipos de gênero apóiam o usoda violência e da coerção que perpetuam desi-gualdades entre os sexos.

Este capítulo discute os diversos tipos de vio-lência física, psicológica e sexual que ocorremdentro de lares e ambientes familiares, seusimpactos para as crianças e diversas respostasque podem ser usadas para diminuir e, por fim,eliminar essa violência.

INSTRUMENTOS DE DIREITOS HUMANOS

A adoção da Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) em 1989 confirmou que as criançastambém são titulares de direitos. A CDC afirma, por um lado, que os direitos da criança à individu-alidade e a ter opiniões próprias sobre qualquer tema que as afete devem ser levados a sério; e, poroutro, que elas têm direito a cuidados e mecanismos de proteção especiais de acordo com seuestado de desenvolvimento e vulnerabilidade. A CDC afirma claramente que todas as criançasdevem ser criadas por suas famílias sempre que possível e que, quando suas famílias não tiveremcondições de cuidar delas e de protegê-las adequadamente, um ambiente alternativo semelhanteao da família deve ser providenciado para elas. Portanto, a CDC afirma categoricamente que afamília constitui o principal local para a criação saudável, amorosa e segura de uma criança. Noentanto, esse papel deve ser plenamente apoiado pelo Estado, inclusive por meio de intervençõesna família, quando necessário para garantir os interesses superiores da criança.

O equilíbrio entre as responsabilidades e obrigações da família e dos Estados de garantir uma prote-ções adequada para o desenvolvimento da criança está previsto em diversos artigos da CDC. O artigo18 expressa esse equilíbrio da seguinte maneira: "os pais e, quando for o caso, os representantes

"O Estudo é um divisor de águas no que diz respeito ao relacionamento entre adultos e crianças. Dentro de poucos anos,provavelmente olharemos para trás com vergonha e espanto ao constatarmos que nos primeiros anos do segundo milênio

governos e adultos ainda justificavam - e até promoviam - surras e lesões deliberadas contra bebês e criançascomo legais e legítimas."

Peter Newell, Conselho Editorial do Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre a Violência contra a Criança.

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legais têm a responsabilidade primordial pela educação e pelo desenvolvimento da criança" e oparágrafo 2 prevê que "os Estados-partes prestarão assistência apropriada aos pais e aos representan-tes legais no exercício das suas funções de educar a criança e assegurarão o desenvolvimento deinstituições e serviços para o cuidado das crianças". O artigo 3 determina que "em todas as medidasrelativas às crianças, tomadas por instituições de bem-estar social públicas ou privadas, tribunais,autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão consideração primordial os interesses supe-riores da criança". E o artigo 9 solicita que "a criança não seja separada dos pais contra a vontade dosmesmos", a menos que as autoridades competentes determinem que essa separação é necessária parasatisfazer os interesses superiores da criança, como quando elas sofrem violência.

A CDC concede uma clara autorização para o Estado proteger crianças contra todas as formas deviolência no lar e na família e estabelece seu papel como árbitro final do bem-estar da criança noambiente doméstico. O artigo 19 assegura o direito da criança a proteção "contra todas as formasde violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração, inclu-sive abuso sexual, enquanto estiver sob a guarda dos pais, do representante legal ou de qualqueroutra pessoa responsável por ela" Os artigos 20 e 21 abordam a obrigação dos Estados de provi-denciar cuidados alternativos para crianças que não tenham pais ou que foram separadas de suasfamílias. O artigo 23 refere-se ao apoio especial a ser assegurado a crianças portadoras de defi-ciência; os artigos 34 e 35 prevêem proteção contra a exploração e o abuso sexual e contra avenda ou tráfico de crianças; o artigo 37 dispõe que "nenhuma criança seja submetida a torturanem a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes"; e o artigo 24 exige queos Estados tomem medidas para pôr fim a práticas tradicionais prejudicais, como a mutilaçãogenital feminina e casamentos precoces ou forçados.

A CDC exige que os Estados adotem medidas para prevenir todas as formas de violência e que acombatam efetivamente quando ela ocorrer. Embora os Estados não possam ser diretamente respon-sabilizados por atos de violência individuais cometidos por pais ou outras pessoas contra crianças,eles devem estabelecer uma estrutura legislativa adequada e tomar outras medidas necessárias paragarantir uma proteção adequada a elas, inclusive por meio de mecanismos de dissuasão eficazes.Poucos Estados adotaram leis que proíbem todas as formas de violência contra crianças juntamentecom políticas, estruturas e sistemas de denúncia e mecanismos de encaminhamento necessários queabordam a violência no lar e na família. Em muitos países, a polícia ainda reluta em intervir, mesmoem casos graves de violência severa, casamentos infantis e incestos. Formas violentas de disciplinaainda são legais e socialmente aceitas em diversos países, a despeito de reconhecerem a interpretaçãode que a CDC e outros instrumentos de direitos humanos exigem que elas sejam proibidas e elimina-das (mais recentemente, isso foi enfatizado no Comentário do Comitê Geral no. 8 de 2006 sobre "odireito da criança à proteção contra o castigo corporal ou outras formas de punição e controlecruéis ou degradantes", que será abordado mais adiante neste capítulo).4

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HISTÓRICO E CONTEXTO

Na maior parte do mundo, a família, como ins-tituição, está mudando ou evoluindo em decor-rência de pressões sociais e econômicas. O rit-mo acelerado de urbanização observado prin-cipalmente na África Subsaariana (de quase 6%ao ano) e na Ásia (3% a 4%)5 tem provocadoefeitos importantes sobre os padrões e a com-posição das famílias. Um de cada três morado-res urbanos - quase um bilhão de pessoas - viveem favelas. Moradias superlotadas e a necessi-dade de garantir uma renda para satisfazer to-das as necessidades do lar geram situações deestresse muito diferentes das experimentadasem ambientes de subsistência rural.6

Em países industrializados, a composição da fa-mília é menos estável e está assumindo novosformatos e a natureza da "vida familiar" está so-frendo mudanças. Onde as diferenças de rendaaumentaram ou ocorreram rápidas mudançassociais, os níveis de violência interpessoal ten-dem a crescer.7 Em diversas partes do mundoobserva-se também uma perda de proteção porparte de parentes e de empregadores da comuni-dade e informais ou "padrinhos" que costuma-vam apoiar famílias tradicionalmente.8 As refor-mas em políticas sociais com base num modelode mercado levadas a cabo na década de 1990 eno inicio da década de 2000 aumentaram a pres-são, principalmente para as mulheres, ao reduzi-rem ainda mais o acesso de famílias mais afeta-das pela pobreza a sistemas de saúde, pensões,educação, creches e asilos, que já era limitado.

As pressões econômicas impostas a famílias debaixa renda em todas as regiões também gera-

ram níveis significativos de migração - sazo-nal, temporária ou permanente - de pais e mãespara outras cidades ou países para ganhar di-nheiro e remetê-lo aos seus locais de origem.9

Índices de mobilidade sem precedentes têmgerado longos períodos de separação familiar,com efeitos negativos para as crianças e, emmuitos casos, dissoluções de famílias.10 Lareschefiados por um único pai também sofrem astensões provocadas por desvantagens econômi-cas e o ônus adicional de precisar cuidar decrianças sem o apoio do cônjuge, particular-mente onde nenhum outro parente está dispo-nível para ajudar.11, 12, 13 Na África Meridional,onde o HIV/AIDS também constitui uma fontede estresse para as famílias, 42% dos lares nãocontam com a presença do pai. Países muitoafetados pela AIDS estão testemunhando o sur-gimento de "lares chefiados por crianças", nosquais crianças órfãs são forçadas a cuidar dacasa e sustentar seus irmãos sem qualquer apoio.

NATUREZA E ESCALADO PROBLEMA

As formas e tipos de violência aos quais crian-ças estão expostas variam de acordo com suaidade e estágio de desenvolvimento, principal-mente após elas começarem a interagir com omundo externo.17, 18 Bebês e crianças de tenraidade têm uma probabilidade maior de sofrerviolência por parte de pessoas diretamente res-ponsáveis por cuidar delas e de outros mem-bros de suas famílias devido à sua dependênciadessas pessoas e às suas interações sociais li-mitadas fora do lar.19 À medida que a criança sedesenvolve, ela se torna mais independente e

"Fui forçada a me casar com um homem com mais de 30 anos e que tinha me estuprado."

Menina, 16 anos, África Oriental e Meridional, 2005 II

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passa mais tempo fora de casa e longe da famí-lia; por essa razão, crianças mais velhas têmuma probabilidade maior de ser agredidas porpessoas que não moram em sua casa e não fa-zem parte de sua família. No entanto, obser-vam-se muitas coincidências em termos de ida-de, tipo de violência e agressores.

No ambiente do lar e da família, as criançassofrem agressões e outros atos de violência fí-sica, violação sexual, práticas tradicionais pre-judiciais, humilhação e outros tipos de violên-cia psicológica e negligência. Além de agres-sões e outros tipos de violência física, a criançapode experimentar situações de omissão, comoficar desprotegida de um ato de violência evi-tável por parte de amigos, vizinhos ou visitas;estigmatização ou discriminação grosseira; e aimpossibilidade de usar serviços públicos desaúde e assistência básica para garantir seu bem-estar. Os que praticam violência no lar incluempais, padrastos e madrastas, cuidadores alter-nativos, parentes mais distantes, cônjuges(quando as crianças são casadas) e sogros.

VIOLÊNCIA FÍSICA

HOMICÍDIO

Em países nos quais estatísticas de homicídiosão analisadas de acordo com a idade da víti-ma, observa-se que a faixa etária dos 15 aos 17anos é a mais exposta a esse risco. O segundogrupo de maior risco é o dos bebês. Dados dospaíses da OCDE indicam que o risco de óbito étrês vezes maior para crianças abaixo de um ano

do que para as incluídas na faixa etária de 1 a 4anos, para as quais o risco é duas vezes maisalto do que para as que têm entre 5 e 14 anos deidade. Quanto mais nova a criança, maior a pro-babilidade de sua morte ser provocada por umparente próximo.20, 21

As causas mais freqüentes de morte são lesõesna cabeça e em órgãos internos. Asfixia inten-cional, sacudidas violentas e, mais raramente,estrangulamento e abusos físicos repetidos sãooutras causas. Segundo estimativas da OMS,os índices mais altos de homicídio entre crian-ças abaixo de cinco anos são os registrados naÁfrica Subsaariana e na América do Norte e osmais baixos são os registrados em países de altarenda da Europa e no Leste Asiático e ÁsiaOcidental.22 Para calcular a proporção de ho-micídios infantis ocorridos no ambiente do lare da família, são necessários sofisticados siste-mas de vigilância e supervisão de óbitos infan-tis que não estão disponíveis na maioria dospaíses. Onde óbitos não são registrados ouinvestigados, não se pode saber com preci-são qual é a taxa de violência letal contra cri-anças e ela pode ficar obscurecida pela taxade mortalidade geral de crianças abaixo decinco anos. Presume-se que a violência emqualquer forma - como na forma de negligên-cia - pode ser responsável por uma parcelasignificativa da óbitos entre bebês e criançasque não são registrados como homicídio outalvez nem sejam registrados. Há um consen-so geral de que atos de violência contra crian-ças praticados por familiares provocam óbi-tos com uma freqüência muito maior do queos registros oficiais parecem sugerir.23

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Quando dados confiáveis e numa quantidadesuficiente estão disponíveis (como na Nova Ze-lândia, Suíça e Estados Unidos), algumas ten-dências podem ser observadas.24, 25, 26, 27, 28 Emgeral, crianças abaixo de 10 anos estão muitomais expostas ao risco de sofrer violência se-vera por parte de familiares e pessoas próxi-mas da família do que crianças com idades de10 a 19 anos. A idade e o gênero são fatores derisco importantes. A maioria dos assassinatosde crianças com menos de um ano de idade écometida por um ou ambos os pais, frequente-mente pela mãe. Embora aproximadamente50% a 75% dos assassinatos de crianças abai-xo de 10 anos sejam cometidos por membrosda família, essa proporção cai para cerca 20%para crianças na faixa etária dos 10 aos 14 anose para 5% para crianças com idades entre 15 e19 anos. Observa-se um número considerávelde óbitos entre crianças abaixo de 10 anos pro-vocados por um padrasto ou madrasta, por umnamorado ou namorada ou por uma outra pes-soa que a vítima conhece.

Um estudo realizado nos Estados Unidos concluiuque as meninas correm um risco duas vezes mai-or de serem mortas por familiares.29 Embora esserisco pareça diminuir após elas completarem dezanos de idade, os dados sugerem que elas corremum risco maior de serem assassinadas por parcei-ros íntimos (namorados ou maridos) ou por fami-liares deles. Além disso, em regiões onde casa-mentos precoces e assassinatos de mulheres "emdefesa da honra" são comuns, o número de homi-cídios de meninas pode se manter estável ou au-mentar nas faixas etárias dos 10 aos 14 e dos 15aos 19 anos. São necessárias mais pesquisas paraconfirmar essas verificações.

Em algumas partes do Sul da Ásia, foram relata-dos índices elevados de assassinatos de meninaspoucos dias após seu nascimento, sendo que es-sas mortes são frequentemente camufladas e re-gistradas como óbitos de natimortos. Um estudorealizado na Índia, que envolveu entrevistas commil mulheres sobre o resultado de sua gravidez,concluiu que 41% das mortes neonatais prema-turas de meninas devem-se ao infanticídio femi-nino.30 Embora essa prática não se limite à Índiaaparentemente, um estudo realizado em TamilNadu calculou que de 8% a 10% dos óbitos debebês registrados em 1995 podem ter sido pro-vocados por práticas de infanticídio feminino.Mais pesquisas são necessárias para que possa-mos compreender melhor a natureza e a escaladesse fenômeno em todos os países.

VIOLÊNCIA FÍSICA NÃO FATAL.

A violência física é o uso intencional de forçafísica contra uma criança que provoque ou pos-sa provocar danos para a sua saúde, sobrevi-vência, desenvolvimento ou dignidade. Crian-ças em todo o mundo apanham, são chutadas,sacudidas, espancadas, mordidas, asfixiadas,envenenadas e estranguladas por membros desuas famílias. Em casos extremos, essa violên-cia pode matar a criança (como discutido aci-ma) ou provocar deficiências ou lesões físicasgraves. Em outros casos, a violência física podenão deixar nenhum sinal físico visível ou le-são. Em todos os casos, no entanto, ela tem umimpacto negativo sobre a saúde psicológica e odesenvolvimento da criança.

Pesquisas realizadas em diversas partes domundo indicam que a violência contra a crian-

"Um dia fui levar as vacas para pastar e uma delas se perdeu. Quando voltei para casa, meu pai me bateutanto que quase morri. Fiquei cheia de marcas pelo corpo"

Adolescente de 17 anos, África Oriental e Meridional III

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ça no lar ocorre em todas as regiões. Por exem-plo, em um estudo com alunos entre 11 e 18anos de idade realizado na Província do Cur-distão da República Islâmica do Irã, 38,5% dosentrevistados relataram experiências de violên-cia física em casa que provocaram lesões físi-cas de brandas a graves.31 Uma análise de estu-dos sobre a vitimização física de crianças naRepública da Coréia revelou que chutes, mordi-das, asfixia e espancamentos por parte dos paissão surpreendentemente comuns e podem pro-vocar lesões físicas e também deficiências, numaproporção menor.32 No Reino Unido, uma pes-quisa nacional revelou que mães e pais são fre-quentemente responsáveis por atos de violênciafísica, embora irmãos também os pratiquem.33

O Comitê de Direitos da Criança define o cas-tigo corporal como "qualquer tipo de puniçãona qual força física é usada com a intenção deprovocar dor ou desconforto em algum nível,ainda que baixo".34 Embora a preocupação glo-bal com a prevalência de castigos corporais nolar - que são perpetuados por sua "legalidade"e aprovação social - tenha estimulado um inte-resse maior em mensurar sua escala e formas,ela também tem suscitado debates. A maioriados castigos corporais envolve o ato de baterem crianças com as mãos (tapas, palmadas) oucom algum instrumento - como um chicote, umpedaço de pau, um cinto, um sapato, uma co-lher de madeira, etc. No entanto, esses castigospodem envolver, por exemplo, chutes, sacudi-

das, jogar a criança longe, arranhá-la, beliscá-la, puxar seus cabelos ou orelha, forçar a crian-ça a ficar em posições desconfortáveis, quei-má-la, forçá-la a ingerir determinadas substân-cias (como, por exemplo, lavar a boca da crian-ça com sabão ou forçá-la a ingerir temperos pi-cantes). O Comitê observou o seguinte: "OComitê considera que o castigo corporal é de-gradante em qualquer situação". Existem tam-bém outras formas não físicas de castigo quesão cruéis e degradantes e, portanto, incompa-tíveis com a CDC. Elas incluem, por exemplo,castigos que depreciam, humilham, denigrem,fazem bode expiatório da criança ou a assus-tam ou ridicularizam.35

Segundo os estudos disponíveis, as opiniõessobre o uso e eficácia dos castigos corporaisvariam muito. Enquanto um estudo canadenserevelou que 59% das pessoas acreditam que assurras são prejudiciais para a criança e 86%acreditam que elas são ineficazes,36 pesquisasrealizadas nos Estados Unidos mostraram que84% concordam que "em alguns casos, é ne-cessário disciplinar uma criança aplicando-lheuma boa surra".37, 38 Um estudo realizado naRepública da Coréia concluiu que 90% dos paisacreditavam que os castigos corporais eram"necessários".39 Em um relatório elaborado peloIêmen, quase 90% das crianças afirmaram queos castigos físicos e humilhantes constituíam oprincipal método de disciplina na família, sen-do a surra a sua forma mais comum.40

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O QUE AS CRIANÇAS PENSAM SOBRE OS CASTIGOS CORPORAIS

A Aliança Internacional Save the Children desenvolveu pesquisas sobre castigos físicos e humi-lhantes com crianças de todo o mundo como uma contribuição especial para o Estudo. Seurelatório final concluiu que a grande maioria das crianças discordava da idéia de que castigosdessa natureza poderiam ser positivos de alguma maneira. O relatório sugeriu que embora ascrianças possam satisfazer os desejos de adultos logo após apanharem, "crianças mais novasfrequentemente não se lembram por que apanharam e só deixam de se comportar de uma manei-ra indesejada diante da ameaça iminente de uma surra. Esse tipo de castigo assusta a criança,levando-a a assumir determinados comportamentos. Ele não faz as crianças quererem se com-portar de uma determinada maneira e tampouco lhes ensina a autodisciplina ou promove algumaalternativa".41 Em uma pesquisa realizada pelo UNICEF na Europa e na Ásia Central, mais de75% das crianças afirmaram que "bater" não era uma boa solução para problemas em casa"nunca".42 Em Consultas Regionais realizadas para o Estudo, as crianças repetidamente exigi-ram outro método disciplinar, entre os quais que lhes fosse explicado o que fizeram de errado.Elas enfatizaram como era doloroso apanhar e ser humilhado por pessoas que afirmavam amá-las e se preocupar com seu bem-estar.

NEGLIGÊNCIA

A negligência contribui muito para óbitos e doen-ças entre crianças pequenas. A negligência ocorrequando pais ou responsáveis não satisfazem as ne-cessidades físicas ou emocionais de crianças dis-pondo dos meios, dos conhecimentos e do acesso aserviços necessários para esse fim ou quando nãoas protegem de perigos. No entanto, a diferençaentre uma negligência deliberada e a que é cometi-da por ignorância ou falta de possibilidades de as-sistir crianças é muito sutil. Ainda se desconheceaté que ponto a negligência influencia os índicesde mortalidade infantil em muitas partes do mundo(com exceções, incluindo a do fenômeno das"meninas desaparecidas" descrito abaixo).

É difícil interpretar casos de negligência ondea saúde publica é precária e a subnutrição pre-valece. Em alguns países industrializados, a

negligência é responsável pela maioria dos ca-sos de maus-tratos denunciados às autoridades.Pesquisas realizadas nesses países confirmamque algumas formas de violência e negligênciase confundem.43 Em todas as Consultas Regio-nais para o Estudo, foram expressadas preocu-pações com a negligência de crianças portado-ras de deficiência. Em que pese a falta de evi-dências quantitativas, sabe-se que essas crian-ças correm um risco maior de sofrer negligên-cia na forma de não satisfação deliberada desuas necessidades físicas básicas ou de isola-mento emocional e falta de estimulação.

Pesquisas sobre diferenças de gênero em casos denegligência na Índia sugerem que meninas sofremrelativamente mais negligência que meninos naprimeira infância. Elas são amamentadas commenos freqüência e por menos tempo e, após seudesmame, recebem alimentos de qualidade infe-

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rior e em menor quantidade.44 As meninas tam-bém são levadas a serviços médicos com menosfreqüência e em estágios mais avançados de umadoença.45 Um estudo realizado no Nepal sobre asconseqüências de uma infecção de poliomielitena população revelou que, muitos anos depois, ataxa de sobrevivência de meninos era duas vezesmais alta que a de meninas, embora a pólio tives-se afetado meninos e meninas na mesma propor-ção, sugerindo que houve um viés de gênero noscuidados recebidos por ambos.46 Na China, a taxade gênero é desequilibrada em favor dos me-ninos (117 a 100), com o infanticídio contri-buindo para essa situação.47

VIOLÊNCIA SEXUAL

A OMS estima que 150 milhões de meninas e 73milhões de meninos abaixo de 18 anos já foramsubmetidos a algum tipo de relação sexual for-çada ou outra forma de violência sexual envol-vendo contato físico,48 embora esse número sejaclaramente subestimado. Em grande parte, essaviolência sexual é imposta por membros da fa-mília ou por outras pessoas que residem no larda criança ou o visitam - pessoas nas quais ascrianças normalmente confiam e que geralmen-te são responsáveis por cuidar delas.

Uma análise de dados epidemiológicos de 21países, a maioria dos quais de renda média ealta, revelou que pelo menos 7% das mulheres(numa escala de até 36%) e 3% dos homens(numa escala de até 29%) afirmaram ter sidovítimas de abuso sexual na infância.49 Segundoesses estudos, entre 14% e 56% dos abusos se-xuais contra meninas e até 25% dos abusos se-

xuais contra meninos foram cometidos por pa-rentes ou padrastos. Em muitos lugares, adul-tos falam abertamente sobre o risco de violên-cia sexual que suas crianças correm na escolaou em brincadeiras na comunidade; no entanto,eles raramente mencionam o risco de abuso se-xual que elas correm no contexto de seus laresfamílias. A vergonha, o sigilo e a negação asso-ciados à violência sexual familiar contra crian-ças alimentam uma cultura de silêncio na qualcrianças não podem relatar abusos sexuais quesofreram e adultos não falam sobre o risco daviolência sexual no lar e não sabem o que fazerou dizer quando suspeitam que algum conheci-do está abusando sexualmente de uma criança.

A maioria das crianças não relata abusos sexuaisque sofreu no lar porque tem medo do que podeacontecer com elas e com suas famílias e achamque suas famílias ficarão envergonhadas e as re-jeitarão ou não acreditarão nelas. Adultos podemtambém não relatar a ocorrência desse tipo deabuso. Em comunidades e famílias que adotamregras rígidas de masculinidade, feminilidade ehonra familiar, meninos que denunciam violên-cia sexual podem ser vistos como fracos e nãomásculos e meninas que fazem isso correm o ris-co de ser responsabilizadas e culpadas pelo abuso- e frequentemente apanham e são mortas.50, 51.Tantos meninos como meninas são vulneráveisà violência sexual, mas uma comparação entreestudos internacionais revela que os índices deviolência sexual geralmente são mais altos parameninas do que para meninos.52, 53

Um estudo recente da OMS envolvendo múlti-plos países entrevistou mais de 24.000 mulhe-

"Quando eu tinha mais ou menos doze anos, achei que tivesse engravidado do meu pai.Pensei até em me suicidar porque não sabia como ia explicar isso para as pessoas; afinal,

eu tinha apenas doze anos e achava ninguém ia acreditar em mim."

Jovem, América do Norte, 2005 IV

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res em 10 países (Bangladesh, Brasil, Etiópia,Japão, Peru, Namíbia, Samoa, ex-Sérvia e Mon-tenegro, Tailândia, e República Unida da Tan-zânia) e perguntou a elas se haviam sido toca-das sexualmente por alguém ou se haviam sidoforçadas a fazer algo de natureza sexual contraa sua vontade antes dos 15 anos de idade.54 Emalguns desses países, a proporção de abusossexuais na infância cometidos por membros dafamília é extremamente alta:

Em duas localidades no Brasil, 12% e 9%das mulheres, respectivamente, relataram tersofrido abuso sexual na infância, das quais66% e 54% afirmaram que o ato havia sidocometido por um parente.Na Namíbia, 21% das mulheres relataramcasos de abuso sexual na infância, 47% dasquais informaram que o ato havia sido co-metido por um parente.Em duas localidades peruanas, 19.5% e 18%das mulheres relataram ter sofrido abuso se-xual, 54% e 41% das quais disseram que osagressores eram parentes.

Os agressores sexuais de meninas mais menci-onados eram parentes do gênero masculino (ir-mãos, tios), seguidos de padrastos, pais e pa-rentes do gênero feminino. Amigos do gêneromasculino da família também foram muitasvezes mencionados como agressores sexuais.Outras pesquisas confirmam que pais, cuida-dores, tias e tios, irmãos, avós, primos e ami-gos da família cometem violência sexual con-tra crianças. Por exemplo:

Num estudo realizado com mulheres na fai-xa etária dos 15 aos 49 anos na África do

Sul, 21% das mulheres que afirmaram teremsido forçadas ou persuadidas a manter rela-ções sexuais contra a sua vontade relataramque o agressor era um parente.55

Num estudo nacional realizado na Romê-nia com crianças com idades entre 13 e 14anos, 9% delas relataram ter sido sexual-mente violentadas dentro de suas famíliase 1% afirmou ter sido estuprado por umparente.56

No Território Palestino Ocupado, 19% dosalunos de graduação que foram entrevistadosrelataram ter sofrido pelo menos um ato deviolência sexual por parte de um parente ime-diato antes dos 16 anos de idade. Além disso,36.2% relataram abuso sexual praticado porum parente em pelo menos uma ocasião. Ho-mens e mulheres relataram índices semelhan-tes de abuso sexual na infância.57

Num estudo realizado com estudantes uni-versitários na Região Administrativa Espe-cial Chinesa de Hong Kong, 4,3% dos ho-mens e 7,4% das mulheres revelaram ter so-frido um ou mais incidentes de violência se-xual antes dos 17 anos de idade. Em menosde um terço dos casos, os agressores erampessoas desconhecidas. 58

Uma análise de arquivos de proteção infan-til realizada na Espanha entre 1997 a 1998revelou que 3,6% dos casos de abuso eramsexuais e que 96% dos agressores eram pa-rentes. Pais e padrastos foram responsáveispela maioria dos casos de abuso sexual, se-guidos de mães e tios ou tias.59

Na Somália, 20% das crianças relataram quetinham conhecimento de uma agressão se-xual contra uma criança em sua família.60

"Eu tinha apenas 15 anos e estava cursando a nona série quando meus sonhos foram destruídos. Fui atacada com ácidopor recusar uma proposta de casamento. Você pode imaginar a dor física de se ter ácido jogado no rosto e no corpo,

mas a dor do estigma social é pior que a dor física e pode durar para sempre."

Vítima de ataque com ácido, Sul e Centro da Ásia, 2005

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Violência relacionada acomportamentos sexuais epercepções de honra

Em algumas circunstâncias, as meninas são vis-tas como cúmplices em casos de violência se-xual e são responsabilizadas pelo ato sexual,seja ele forçado, violento ou não, em vez deseus agressores. Em alguns países, se o agres-sor negar o ato e não houver testemunhas, umamenina com mais de 12 anos de idade pode serseveramente punida por um estupro e outros ti-pos de agressão sexual.61

Em algumas culturas, a perda de virgindade de umamenina da família, mesmo que em decorrência deum estupro, é percebida como algo que compro-mete a honra familiar, podendo levar à sua mortenas mãos de parentes. No Paquistão, organizaçõesde direitos humanos revelaram a ocorrência de maisde 1.200 casos de "assassinatos em legítima defesada honra" somente em 2003.62, 63 Isso também ocorrena Jordânia, Índia, República Árabe da Líbia, Ter-ritório Palestino Ocupado, Turquia, Iraque, Afega-nistão e em países com populações originárias daÁsia e do Oriente Médio. Dados do Reino Unidosugerem que aproximadamente 12 mortes dessa na-tureza ocorrem em seu território todos os anos.64

Estima-se que essas mortes representem apenas oresultado extremo de um problema muito maior deintimidação e violência.65

Atos de extrema violência podem ser cometidoscontra meninas e mulheres que não assumem com-portamentos estereotipados. A rejeição de inves-tidas românticas ou propostas de casamento, porexemplo, pode desencadear uma reação violenta.

O número de ataques com ácido contra mulherese meninas em Bangladesh em função de rejeiçõesde propostas de namoro ou casamento, que atual-mente está estimada em cerca de 120 por ano,66alcançou o percentual de 17% em 2003.67 A mai-oria das meninas que sofre ataques desse tipo per-tence a lares pobres e eles geralmente ocorremquando elas estão a caminho da escola ou quandosaem de casa para pegar água ou combustível.

A VIOLÊNCIA SEXUAL EMRELACIONAMENTOS ÍNTIMOS ECASAMENTOS PRECOCES

Para um grande número de meninas - e alguns meni-nos - a primeira experiência de uma relação sexualna adolescência é indesejada e até forçada e algunsdesses estupros ocorrem no contexto de relaciona-mentos íntimos ou de uniões estáveis ou casamen-tos de precoces. Casos de violência podem tam-bém ocorrer em namoros, mas esse tipo de relaci-onamento não formal entre meninos e meninas (eentre casais do mesmo sexo) tende a ocorrer forado lar e do contexto familiar, razão pela qual eleserá abordado principalmente no capítulo sobreviolência contra a criança na comunidade.

Em muitas sociedades, os casamento ou uniõesestáveis são arranjados - no caso das meninas,geralmente quando elas chegam à puberdade oupouco depois - pelos pais e membros mais ve-lhos da família. Algumas vezes, essas uniõessão forçadas, particularmente para meninas, eresultam em casamentos precoces.

Embora as justificativas para essa prática incluama pretensa necessidade de proteger a honra da fa-

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mília e a pureza sexual da menina, fatores econô-micos também desempenham um papel importan-te nesse contexto. As meninas podem ser vistascomo uma responsabilidade econômica em famíli-as pobres, o dote para elas geralmente é mais bai-xo, os ganhos econômicos gerados pelo casamentosão mais altos para meninas mais novas e o casa-mento de uma menina nova pode ser arranjado paragarantir seu futuro econômico e o de sua família.

A Convenção para a Eliminação de Todas asFormas de Discriminação Contra Mulheres pre-vê que o casamento de qualquer criança não temefeito legal e que todas as medidas necessáriasdevem ser tomadas para especificar uma idademínima para o casamento, inclusive medidas le-gislativas. Nas suas Recomendações Gerais de1994 sobre igualdade e relações familiares, oComitê para a Eliminação da Discriminação con-tra Mulheres (CEDAW) recomendou que a ida-de mínima para o casamento de meninos e me-ninas deve ser a de 18 anos. O Comitê sobre osDireitos da Criança acatou essa proposta e fre-quentemente recomenda aos Estados que aumen-tem e equalizem a idade legal para o casamento.

O casamento precoce de meninas tem conseqü-ências negativas significativas sobre sua saú-de, desenvolvimento e direitos. Frequentemen-te, ele mina suas oportunidades de receber umaeducação formal e provoca seu isolamento so-cial. Esposas jovens são vistas como pessoasque concordaram em ter relações sexuais comseus maridos e, por isso, elas engravidam antesde seus corpos estarem plenamente formados.Elas enfrentam taxas mais altas de problemasno parto e de mortalidade materna. O mesmose aplica ao casamento com crianças.68

Além de outros riscos para sua saúde e desenvol-vimento, meninas que se casam antes dos 18 anoscorrem o risco de sofrer violência física, sexual epsicológica nas mãos de seus maridos e há evi-dências que sugerem que meninas que se casamcedo ficam mais expostas ao risco de sofrer vio-lência do que outras mulheres.69 A violência ínti-ma contra meninas casadas constitui frequente-mente uma manifestação de uma relação desigualde poder entre elas e seus maridos e revela cren-ças subjacentes da sociedade em relação à funçãoe condição de homens e mulheres.

PREVALÊNCIA DE CASAMENTOSPRECOCES

O casamento precoce é comum no Sul da Ásia,na África Ocidental e em alguns países da ÁfricaMeridional e Oriental - especialmente em Moçam-bique, Uganda e Etiópia - bem como em outraspartes no Oriente Médio, principalmente no Iê-men. Em alguns países - particularmente na Áfri-ca Ocidental, mas também em Bangladesh e noNepal - aproximadamente 60% das meninas ca-sam-se antes de completarem 18 anos de idade eem pelo menos 28 países essa proporção chega a30%.70 Embora a maioria dos países tenha leis queproíbem o casamento de meninas antes dos 16anos de idade e alguns antes dos 18 anos, essasleis são frequentemente ignoradas e os casamen-tos não são registrados, regras tradicionais basea-das em costumes ou religiosas são aceitas e pou-cos casos geram ações judiciais.

Em todo o mundo, estima-se que 82 milhões demeninas que hoje têm de 10 a 17 anos de idadeirão se casar antes de chegar aos 18 anos.71

Essa estimativa inclui um número expressivo

"Odeio o casamento precoce Casei-me quando ainda era muito nova e meus sogros me forçavam a dormir com meumarido, que me fazia sofrer a noite toda. Desde então, sempre que começa a anoitecer fico preocupada, pensando que

isso vai acontecer de novo. Isso é o que eu mais odeio."

Menina de onze anos que se casou quando tinha cinco anos de idade, África Oriental e Sul da África, 2005VI

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de casamentos com idades muito abaixo des-sas. No Nepal, por exemplo, 7% das meninascasam-se aos 10 anos de idade e 40% antes decompletarem 15 anos.72 Na região de Amhara,na Etiópia, 40% das meninas que vivem em áre-as rurais casam-se aos 15 anos,73 em alguns ca-sos após terem sido seqüestradas e estupradaspara evitar o pagamento do preço da noiva. Emtodos esses casos, a noção do consentimentopara o casamento e para o sexo dentro dele nãose aplica a nenhum dos parceiros, particular-mente à menina. Quando uma menina é envia-da para morar com a família de seu marido apósum acordo de casamento ser celebrado, as rela-ções sexuais no contexto da união começamquando ela ainda tem 10 ou 11 anos de idade,antes de sua primeira menstruação.

Violência física, sexuale psicológica

Meninas casadas sofrem muito com a violênciade seus maridos. Uma análise recente de dados depesquisas demográficas e de saúde revelou que4% das meninas entre 15 e 19 anos do Camboja,15.4% da República Dominicana, 21.0% do Egi-to, 25.4% do Haiti, 10.4% da Índia, 18.2% daNicarágua, e 33.3% da Zâmbia74 sofreram vio-lência conjugal por parte de seus maridos.74 Nes-ses países, mulheres mais novas e mulheres quecasaram mais cedo relataram a maior parte doscasos de violência íntima por parte de parceiros.

A violência física cometida por maridos contrameninas casadas pode incluir atos de empurrar,sacudir, dar tapas, beliscões, mordidas e chutes,arrastar, estrangular, queimar e ameaçar usar uma

arma contra elas ou efetivamente usá-la. Em so-ciedades nas quais o costume do dote ainda exis-te, os maridos podem agredir suas mulheres no-vas porque sua família não pagou o dote ou por-que os familiares de seus maridos não ficaramsatisfeitos com a quantia envolvida.

Estudos sobre violência doméstica e agressõesrelacionadas ao costume do dote revelam queparentes próximos, principalmente familiares domarido, participam muito de atos de violênciacontra mulheres. Frequentemente, o agressor éo marido, com a ajuda da sogra.75 No entanto,em alguns casos, os parentes do marido são osque mais cometem atos de violência e assedi-am a mulher casada prematuramente.76, 77, 78 Umestudo realizado na Índia revelou que entre asmulheres que relataram ter sofrido atos de vio-lência física e verbal em decorrência da insa-tisfação do marido com o dote, o parente quemais as agrediu foi a sogra (95%), seguida pelomarido e o sogro (72% cada), cunhadas (49%)e cunhados (14%).79

Muitas meninas casadas sofrem violência se-xual de seus parceiros. Elas podem ser fisica-mente forçadas a ter relações sexuais contra asua vontade ou tê-las sob ameaças, por medodo que o parceiro poderá fazer se elas se recu-sarem, e podem também ser forçadas a se sub-meter a alguma prática sexual que elas consi-deram degradante ou humilhante. Em socieda-des nas quais as regras culturais permitem queos homens tenham um acesso sexual ilimitadoàs suas mulheres após o casamento, meninascasadas correm um risco maior de sofrer umainiciação sexual forçada ou traumática.80

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A violência psicológica praticada por maridoscontra meninas casadas inclui humilhações,ameaças contra elas ou alguém próximo delase comportamentos controladores. Quando umamenina foge de um casamento violento e voltapara sua casa original, ela corre o risco de serrejeitada por seus pais e de ser espancada porter sido uma esposa inadequada.

PRÁTICAS TRADICIONAISPREJUDICIAIS

Em alguns contextos, as tradições culturais in-cluem práticas que causam dor e "desfigura-ções" de crianças, como escarificações, mar-cações a ferro quente ou tatuagens. Embora otermo "práticas tradicionais prejudiciais" es-teja particularmente associado à mutilaçãogenital de meninas, diversas outras práticasprejudiciais trazem sofrimento para meninose meninas. Na Etiópia, uma pesquisa realiza-da em 1998 pelo Comitê Nacional de PráticasTradicionais Prejudiciais revelou que 84% dascrianças são submetidas a uvulectomia (remo-ção da pele do palato mole no fundo da boca)e que 89% delas têm seus dentes de leite ex-traídos.81 Essas operações muitas vezes sãorealizadas com instrumentos não esterilizados,que podem provocar infecções.

Os participantes das consultas realizadas para oEstudo na África Ocidental e Central expressa-ram preocupação com o fato de que em paísesda África Ocidental, como na Mauritânia, emNíger e na região norte de Mali, o desejo de ca-sar filhas de 5 a 10 anos faz com que pais assubmetam a um regime de superalimentação para

promover seu desenvolvimento físico e fazer comque seus corpos amadureçam prematuramentepara agradar os homens. Essa prática pode tertrágicas conseqüências, como a rejeição de mu-lheres por seus maridos quando descobrem queelas ainda não menstruaram e não podem ter fi-lhos, a obesidade, que pode provocar graves pro-blemas de saúde na idade adulta e doenças car-diovasculares, hipertensão e diabete.

Mutilação/corte genital feminina

O termo "práticas tradicionais prejudiciais" émais frequentemente associado à mutilação ou"corte" genital feminino, como é descrito nasáreas onde essa prática é adotada. Segundo es-timativas da OMS, entre 100 e 140 milhões demeninas e mulheres foram submetidas a algumtipo de mutilação genital no mundo.82 Desde amais tenra idade até a adolescência, meninassão submetidas a essa extirpação, que geralmen-te remove seu clitóris, antes de se casarem.83 Amutilação genital feminina é vista como umaforma de proteger sua virgindade ou como umprocesso de embelezamento, e em várias cultu-ras ela é considerada como um pré-requisitoessencial para o casamento.

Há diferentes formas de mutilação genital fe-minina, algumas das quais envolvem extirpa-ções mais radicais na área genital do que ou-tras. Em sua forma mais extrema (infibulação),os lábios internos e externos são cortados e asbordas expostas são costuradas, deixando a va-gina quase fechada. Após esse procedimento,as pernas das meninas geralmente são amarra-das dos pés aos quadris e elas ficam imobiliza-

"Minha avó chegou. Ela me disse que eu seria circuncidada, mas não entendi o que isso queriadizer. Ela disse: 'Agora você será como todas as outras meninas, não será deixada para trás'. Elas se

prepararam, me seguraram pelos ombros e joelhos e eu comecei a chorar e tentar fechar minhaspernas. Foi horrível. Nunca vou conseguir esquecer o que aconteceu."

Mãe, que mesmo assim submeterá suas filhas à mutilação genital feminina por pressãode sua sogra, África Oriental e Meridional, 2005VII

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das por vários dias para permitir a formação detecido cicatrizante.84 De 90 a 98% das meni-nas somalis são submetidas a esse tipo de pro-cedimento, geralmente com idades entre 7 e 8anos.85 Ele acarreta conseqüências profundaspara as experiências das mulheres em suas re-lações sexuais e maternidade. Seu trabalho departo geralmente fica mais prolongado ou elaspodem dar à luz natimortos. Após o parto, elageralmente é "recosturada".

Os dados mais abrangentes e confiáveis sobrea prevalência e a natureza da mutilação genitalfeminina são os fornecidos por pesquisas de-mográficas e de saúde (DHS em inglês) e pelaspesquisas conhecidas como Multiple ClusterSurveys (Pesquisas de Indicadores Múltiplospor Conglomerados - MICS). No entanto, a prá-tica varia consideravelmente em termos da gra-vidade da mutilação e em muitos países nosquais a prática é mais comum não são feitosDHS e MICS, principalmente na Somália e emDjibuti (veja a figura 3.2). Estimativas do UNI-CEF publicadas em 2005 sugerem que na Áfri-ca Subsaariana, Egito e Sudão, três milhões demeninas e mulheres são submetidas a mutila-ção genital feminina todos os anos.86

Essa prática é mais comum nos países do cha-mado "Chifre da África" (Somália, Etiópia,Eritréia e Djibuti), seguidos dos vizinhos Egi-to e Sudão, África Oriental e Ocidental, comalguns casos registrados no Oriente Médio ena Ásia. Em muitos dos países onde a práticaprevalece, ela é aplicada por determinadospovos; por exemplo, na Nigéria, segundo da-dos do DHS, quase 60% das meninas são sub-

metidas a esse tipo de mutilação nas provínci-as do sul, enquanto somente 2% sofrem o pro-cedimento no norte. No Quênia, ele é quaseque universalmente adotado por grupos que-nianos somali, massai e outros e sua prevalên-cia chega a 32% no país como um todo.87 NaGuiné, Mali e Mauritânia, dados recentes doDHS revelam que os índices do procedimentoalcançam percentuais de 71 a 99% e que algu-mas meninas são submetidos a ele antes decompletar 4 anos de idade atualmente.88 O fe-nômeno também ocorre em países industriali-zados, entre grupos da diáspora.

VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA

Todas as formas de violência física e sexualenvolvem algum dano psicológico, mas a vio-lência psicológica pode também assumir a for-ma de insultos, desprezo, isolamento, rejeição,ameaças, indiferença emocional e depreciação- que podem ser prejudiciais para o desenvolvi-mento psicológico e o bem-estar da criança. Nãohá definições padronizadas e pouco se sabe so-bre a escala global dessa forma de violênciacontra a criança, exceto que ela é frequentemen-te acompanhada por outras formas de violên-cia; no entanto, observou-se que a agressão psi-cológica e a física coexistem em lares violen-tos.89 Em contextos familiares violentos, o medoe a ansiedade prevalecem constantemente emfunção da expectativa da violência e da dor,humilhação e medo experimentados no momen-to da agressão. Grupos de crianças mais velhasdesenvolvem uma sensação de solidão devidoà rejeição e desconfiança dos pais e, em algunscasos, auto-rejeição.

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A violência psicológica pode ser provocada poruma frustração descontrolada ou pode ser aplica-da com a mesma finalidade dos castigos corpo-rais: intimidar a criança para ela obedeça a seuspais e "reprimir" comportamentos inadequados.Embora as crianças possam conhecer o ditado deque "palavras não doem", para muitas delas tam-bém é muito difícil lidar com a dor e ansiedadegeradas pela rejeição e com a humilhação resul-tante de um ataque à sua auto-estima.90

Formas psicológicas de punição ocorrem em to-das as regiões. Um estudo realizado com cincopaíses pelo projeto World Studies of Abuse inthe Family Environment (Estudos Mundiais so-bre Abuso no Ambiente Familiar - WorldSAFE)revelou que gritar com crianças é um tipo de cas-tigo usado em todos esses países (Chile, Egito,Índia, Filipinas e Estados Unidos). A incidênciade insultos ou ameaças contra crianças variouum pouco mais: nas Filipinas, observou-se quenenhuma mãe tem o costume de xingar seus fi-lhos, mas 48% delas costumam ameaçar aban-doná-los e, no Egito, 51% delas xingam seus fi-lhos, mas só 10% ameaçam abandoná-los.91

Um tipo de castigo pode levar a outro, de-pendendo da idade da criança. Um estudo re-alizado na Suazilândia envolvendo 2.000 cri-anças com idades entre 6 e 18 anos revelouque castigos psicológicos humilhantes sãomais comuns contra crianças mais velhas eque castigos corporais são mais freqüentesentre crianças mais novas.92

CONSEQÜÊNCIAS DAVIOLÊNCIA CONTRA ACRIANÇA

As conseqüências da violência contra a criançaincluem tanto impactos pessoais imediatos comodanos posteriores, na adolescência e na vida adul-ta. A violência experimentada por crianças nocontexto do lar e da família pode gerar conseqü-ências para sua saúde e desenvolvimento queserão sentidas ao longo de toda a sua vida. Elaspodem perder a confiança em outros seres hu-manos, que é essencial para o desenvolvimentohumano normal. Aprender a confiar nas pessoasdesde a mais tenra idade por meio do desenvol-vimento de laços afetivos na família é uma tare-fa essencial da infância que também está estrei-tamente relacionada com a capacidade de amare desenvolver empatia e relacionamentos positi-vos no futuro. Em um nível mais amplo, a vio-lência pode prejudicar o desenvolvimento pes-soal da criança e sua capacidade de ser bem-su-cedida na vida, acarretando custos elevados paraa sociedade como um todo.

CONSEQÜÊNCIAS FÍSICAS EPSICOLÓGICAS PARA ODESENVOLVIMENTO

As conseqüências imediatas mais aparentes daviolência contra a criança são lesões letais e nãoletais, problemas cognitivos, incapacidade deprosperar e as conseqüências psicológicas e emo-cionais de tratamentos dolorosos ou degradan-tes sofridos ou testemunhados que ela não con-segue entender ou evitar. Essas conseqüênciasincluem sentimentos de rejeição e abandono,

"A violência contra a criança no lar e na família é um problema sério que tem sido fortemente associado acomportamentos de risco para a saúde numa idade mais adulta... Esses comportamentos, por sua vez, contribuem para

algumas das principais causas de doenças e óbitos... Prevenir a violência contra a criança no lar e na família deve,portanto, ser uma prioridade para a saúde pública."

Dr. Alexander Butchart, Conselho Editorial do Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidassobre Violência contra a Criança.

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incapacidade de desenvolver laços afetivos ade-quados, traumas, medo, ansiedade, insegurançae baixa auto-estima. Quando um pai faz uma cri-ança sofrer deliberadamente para castigá-la oupor qualquer outro motivo, uma das coisas queela aprende é que esse pai pode ser uma fonte dedor a ser evitada. Mesmo crianças de dois anosque são punidas fisicamente por suas mães ten-dem a se distanciar mais delas do que criançasque não sofrem esse tipo de violência.93

Os impactos e as conseqüências são agravadospelo fato de as crianças serem agredidas por pes-soas que amam e em quem confiam em suas ca-sas, onde deveriam se sentir seguras. Os danossão particularmente graves quando elas sofremabuso sexual, principalmente em decorrência doestigma e da vergonha associados a ele em todosos países, que as forçam a lidar sozinhas com oproblema. A perda de confiança e fé nos sereshumanos mais próximos da criança pode gerarsentimentos de medo, desconfiança, incerteza eisolamento emocional. Ela pode nunca mais sesentir segura na companhia de seu pai ou de suamãe ou do parente que a agrediu.

Evidências cada vez mais abundantes sugerem quea exposição à violência ou a traumas afeta o de-senvolvimento do cérebro, por interferir em pro-cessos normais de desenvolvimento neurológico.94

Quando a violência familiar é extrema, a criançapode apresentar mudanças comportamentais re-lacionadas à idade e sintomas compatíveis com otranstorno de estresse pós-traumático (TEPT) equadros de depressão. A agressão física e sexualestá associada a um risco maior de pensamentos ecomportamentos suicidas e, quanto mais grave a

violência, mais altos os riscos.95, 96 Esses efeitospodem também ser influenciados pela reação dosadultos quando as crianças tentam conversar comeles sobre alguma agressão sofrida. Outras variá-veis seriam o tempo decorrido desde a agressão,onde ela ocorre e se a criança está sofrendo atosde violência repetidamente cometidos por umamesma pessoa ou se está sendo "revitimizada" porum outro agressor.97

Segundo a OMS, os efeitos negativos da violên-cia no lar para crianças são semelhantes em con-textos cultural e geograficamente diferentes. Combase em estudos realizados com mulheres emBangladesh, Brasil, Etiópia, Japão, Namíbia,Peru, Samoa, Tailândia e República Unida daTanzânia, crianças que vivem em lares violentos(nos quais a mãe relatou abuso físico por partedo pai) têm uma tendência maior de desenvol-ver problemas comportamentais como fazer xixina cama, ter pesadelos e apresentar comporta-mentos muito agressivos ou timidez excessiva.98

Os resultados desses estudos sugerem que a ex-posição à violência no lar é um sinal de alerta dedanos para a criança e os serviços de saúde de-vem levar esse fato em consideração em suasações de prevenção e em suas respostas.

CONSEQÜÊNCIAS DELONGO PRAZO

Um conjunto cada vez maior de pesquisas reve-la que a violência cometida contra crianças ou aexperiência de morar num domicílio onde agres-sões freqüentes contra familiares são testemu-nhadas podem contribuir muito para a ocorrên-cia de doenças e óbitos entre adultos. A experi-

"Tenho oito anos e fui estuprada quando tinha seis anos. Meus pais registraram ocorrência napolícia e ele foi preso. Mas eu não posso mais ficar onde moro. Sabe do que me chamam por aqui?

Me apelidaram de 'a rasgada' (déchirée)… mesmo quando vou ao poço buscar água,as crianças me chamam assim. Quero fugir daqui".

Menina, 8 anos, África Oriental e Meridional.

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ência de violência na infância tem sido associa-da ao consumo excessivo de álcool e drogas,câncer, doenças pulmonares crônicas, depressãoe inúmeras outras enfermidades, como doençashepáticas, obesidade e problemas crônicos desaúde reprodutiva.99, 100, 101 Essa associação podeser gerada por comportamentos prejudiciais ado-tados para aliviar a dor, como fumar, beber, con-sumir substâncias, comer excessivamente ououtros hábitos dietéticos inadequados.

A violência contra a criança pode também provo-car impactos de longo prazo para a saúde men-tal.102 Um estudo que comparou dados de todas aspartes do mundo mostra que muitos casos de dis-túrbios mentais em adultos estão associados àocorrência de abuso sexual na infância (veja aTabela 3.1).103 Embora a prevalência de casos deabuso tivesse variado nas diferentes regiões pes-quisadas, seus impactos foram semelhantes e seuspiores efeitos sobre a saúde mental foram associ-ados à duração do abuso e seu grau de severidade.

As conclusões são semelhantes para castigos fí-sicos e outras formas degradantes de tratamen-to. O castigo corporal gera depressão, infelici-dade, ansiedade e desesperança em crianças ejovens. Mesmo que sua freqüência seja baixa, ocastigo corporal pode gerar problemas psicoló-gicos em jovens.104, 105, 106, 107 Em um grupo deadolescentes que vivem na Região Administra-tiva Especial de Hong Kong da China, os quehaviam sofrido castigos corporais poucos me-ses antes apresentavam uma maior suscetibili-dade ao consumo do álcool, ao tabagismo e ase envolver em brigas, além de uma maior pro-pensão à ansiedade, ao estresse e a perceber di-ficuldades em sua capacidade de lidar com pro-blemas do cotidiano.108 Essa relação entre cas-tigos corporais e a saúde mental é percebidatambém na idade adulta, como revelam estu-dos realizados no Canadá e nos Estados Uni-dos, que identificaram níveis mais altos de an-siedade e alcoolismo entre adultos em funçãode terem sofrido castigos desse tipo.109

"Pode parecer um sentimento de culpa. A vítima e mesmo as pessoas à sua volta que não conhecem a situação podemachar que uma criança que sofreu abuso é responsável por ele. Se pessoas próximas acreditarem nisso, a vítima

lentamente acaba acreditando que isso é verdade também."

Menina matriculada na segunda série do ensino médio, Europa, 2005 IX

TABELA 3.1 - Ônus Global dos Distúrbios Mentais Atribuídos ao Abuso Sexual de Crianças

PERCENTUAL GLOBAL DOÔNUS DE DISTÚRBIOS ATRIBUÍDOS AO

ABUSO SEXUAL DE CRIANÇASDISTÚRBIO MENTAL

Depressão, consumo de álcool e drogas 7 - 8 4 - 5Transtorno de estresse pós-traumático 33 21Tentativas de suicídio 11 6Síndrome do pânico 13 7

Fonte: Andrews G et al. (2004). Child Sexual Abuse.. Em: Ezzati M. et al.(2004). Comparative Quantification of HealthRisks: Global and Regional Burden of Disease Attributable to Selected Major Risk Factors, Vol. 2. Genebra.Organização Mundial da Saúde, págs. 1851-1940.

MULHERES (%) HOMENS (%)

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MAIS VITIMIZAÇÃO

Experimentar violência na infância tambémaumenta os riscos de mais vitimização e de umaacumulação de experiências violentas. Esse fatoreforça a importância de reconhecermos e pre-venirmos a violência contra a criança nos está-gios mais iniciais possíveis. Da mesma forma,o abuso sexual de crianças já está claramenteestabelecido como um fator de risco de vitimi-zação sexual na idade adulta e o risco aumentase incluir uma relação sexual efetiva e outrasformas de violência.110 A escala da vitimizaçãocontinuada no lar só foi avaliada em poucospaíses nos quais registros e bancos de dadossão atualizados rotineiramente. No Reino Uni-do e nos Estados Unidos, nos casos de violên-cia contra a criança relatados a órgãos de pro-teção, os índices de reencaminhamento varia-ram entre 5% e 24% num período de 1 a 4 anosde acompanhamento.111, 112, 113 Para crianças en-caminhadas a esses órgãos em pelo menos duasocasiões, o risco é bem maior.

Acredita-se que a violência familiar contracrianças está associada a um maior risco deviolência em outros ambientes. Um estudo re-alizado no Reino Unido constatou que crian-ças que testemunham violência domésticatambém ficam mais suscetíveis à prática daintimidação ostensiva (bullying)114 e uma pes-quisa com crianças que estavam cursando oprimeiro e segundo graus na Itália revelou quecrianças, principalmente meninas, que teste-munham atos de violência entre os pais emcasa têm uma propensão maior a serem víti-mas de bullying.115

Crianças que sofreram abuso sexual, foramextremamente negligenciadas ou tiveram ex-periências violentas no lar provavelmente fu-girão de suas casas ou passarão a viver nasruas, ficando expostas a abuso e exploraçãosexual. Isso ocorre com meninos e meninas.De acordo com um relatório do Canadá, qua-se todos os meninos envolvidos em ativida-des de prostituição naquele país sofreramabusos sexuais em casa.116

Alguns estudos concentraram-se na naturezainter-geracional da violência.117 Dados recen-tes de um estudo realizado na Austrália, CostaRica, República Tcheca, Polônia e Filipinas in-dicam que o problema é comum em diferentesculturas e regiões.118 Mulheres que sofreramviolência física por parte de seus pais na infân-cia em todos os países têm uma probabilidademaior de relatar agressões por parte de seusparceiros íntimos na idade adulta, fortalecendoa perspectiva de que sofrerão violência por todaa sua vida119 (veja a Figura 3.3).

No caso das práticas tradicionais e do casamentode crianças, observa-se um fenômeno inter-ge-racional, pois há mães (e pais) que consideramesses costumes obrigatórios e os impõem a suasfilhas e filhos. O principal fator que predeter-mina a mutilação genital feminina é de nature-za étnica. Alguns grupos étnicos aplicam essaprática a quase toda a sua população, enquantooutros grupos, que podem ou não morar namesma área, não o fazem.120 Educar as meni-nas, de preferência até o nível médio, pode rom-per esse elo inter-geracional e reduzir a preva-lência da mutilação genital feminina.121

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CONSEQÜÊNCIAS ECONÔMICASE SOCIAIS

Além de seu impacto negativo sobre os direi-tos, a saúde e o desenvolvimento das crianças,a violência familiar acarreta conseqüências eco-nômicas para as famílias e a sociedade. Essasconseqüências podem incluir custos diretos,como gastos médicos para tratar as vítimas, ecustos com serviços jurídicos e de assistênciasocial e para colocar crianças que sofrem essetipo de violência sob cuidados adequados. Elasincluem também custos indiretos, como possí-veis lesões permanentes ou deficiências, cus-

tos psicológicos e outros impactos sobre a qua-lidade de vida da vítima, a interrupção ou des-continuidade de sua educação e perdas de pro-dutividade na vida futura da criança ou jovem.122

O ônus financeiro em potencial é ilustrado pordados fornecidos por algumas sociedades in-dustrializadas. Os custos financeiros associa-dos ao abuso infantil e à negligência, que in-cluem rendas futuras perdidas e custos com as-sistência psiquiátrica, foram estimados emUS$ 94 bilhões nos Estados Unidos em 2001.123

No Reino Unido, calcula-se que sejam gastosUS$ 1,2 bilhão por ano só com serviços previ-denciários imediatos e jurídicos.124

"Quando o chefe da família tem um dia ruim, o cachorro chora."

Provérbio asiático, Consulta Regional, Sul da Ásia

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FATORES QUE CONTRIBUEMPARA A VIOLÊNCIA

O risco de ocorrência de atos de violência nolar e na família resulta da interação entre a qua-lidade dos relacionamentos familiares e o es-tresse ou pressão de fatores externos sobre afamília ou das características dos membros dafamília. Alguns fatores são determinados pelascaracterísticas individuais da criança (por exem-plo, por seu estágio de desenvolvimento, gêne-ro) e dos pais ou seus responsáveis (por exem-plo, distúrbios mentais, abuso de substâncias).Outros são determinados pelo ambiente famili-ar e pelos papéis e relacionamentos das pesso-as dentro dele, que podem aumentar a vulnera-bilidade da criança ou oferecer-lhe uma maiorproteção. Relações familiares problemáticas einterações entre pais e filhos de baixa qualida-de influenciam muito a possibilidade de a cri-ança sofrer violência no lar ou não. Outros sãodeterminados pelo ambiente, como situaçõesemergenciais, mas podem também estar relaci-onados à disponibilidade de redes sociais ou àperda de meios de vida. Obviamente, um resul-tado negativo não é inevitável. Por exemplo,quando as relações entre pais e filhos são boas,as crianças são protegidas e desenvolvem umamaior resistência a choques externos.

A violência provavelmente resulta de uma combi-nação de fatores pessoais, familiares, sociais, eco-nômicos e culturais e pode ser difícil desfazer ointer-relacionamento entre esses fatores. Além dis-so, algumas crianças ficam expostas a diversos ti-pos de violência de diversas fontes por muitos anos.

FATORES RELACIONADOSÀ CRIANÇA

Idade: Quando são muito novas, a fragilidadee a dependência das crianças da mãe ou de seucuidador imediato constituem sua maior vulne-rabilidade. Além do risco de sofrerem lesõesou mesmo de morrerem em conseqüência deum ato de violência física, bebês são vulnerá-veis à omissão e à negligência. Bebês são maisvulneráveis imediatamente após nascerem. Essavulnerabilidade vai diminuindo gradualmenteao longo do seu primeiro ano de vida e da suaprimeira infância (de 0 a 4 anos).

Gênero: o gênero da criança pode também serum fator que aumenta o risco de sua vitimização.Embora a violência sexual seja frequentementeaplicada a meninos, as meninas são mais suscetí-veis a sofrer abusos. A probabilidade de filhas se-rem seriamente negligenciadas em sociedades quedão preferência aos filhos é maior, enquanto emalgumas sociedades é mais provável que os filhossofram atos de violência do que as filhas.

Outras características: Crianças portadoras dedeficiência estão expostas a riscos mais altosde sofrer violência por diversos motivos, quevariam de preconceitos culturais fortementeenraizados a outras questões emocionais, físi-cas, econômicas e sociais mais amplas impos-tas a uma família em função de suas dificulda-des.125 Nos Estados Unidos, crianças portado-ras de deficiências físicas, sensoriais, intelec-tuais ou mentais toleram quase o dobro do nú-mero de incidentes violentos em relação a crian-ças sem deficiências.126 Da mesma maneira, a

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Avaliação Regional do Caribe realizada para oEstudo observou que crianças portadoras dedeficiência corriam riscos muito maiores desofrer todos os tipos de violência (física, sexu-al, emocional e na forma de negligência), prin-cipalmente dentro de seus lares.127 Em algumasregiões, elas são consideradas amaldiçoadas.Por exemplo, na África Central e Ocidental,essas crianças podem ficar expostas, desde quenascem, a uma negligência tácita ou explícita ea violência contra elas pode ser aceita e até in-centivada pela família.128 (A violência contracrianças portadoras de deficiência também édiscutida bastante detalhadamente no capítulosobre a violência contra a criança no âmbitodos sistemas assistenciais e de justiça).

Além das deficiências, outras características es-pecíficas aumentam os riscos de uma criança so-frer violência no lar. Características que impedemo desenvolvimento de laços adequados de afei-ção entre pais e filhos ou fazem com que a crian-ça seja mais difícil de ser assistida podem afetarsua suscetibilidade.129, 130, 131 Por exemplo, crian-ças indesejadas, nascidas prematuras, com pesoabaixo do normal ou de partos múltiplos, bemcomo crianças com doenças crônicas ou proble-mas severos de comportamento ter uma maiorprobabilidade de serem maltratadas.

FATORES RELACIONADOSÀ FAMÍLIA

Características e condição socioeconômica dospais: Embora a violência no lar seja encontradaem todas as esferas sociais e econômicas, estudosrealizados em diferentes ambientes mostram que abaixa escolaridade e falta de renda dos pais e do-

micílios superlotados aumentam o risco de violên-cia física e psicológica contra crianças.132, 133, 134 Paisfisicamente violentos costumam também ser jovens,solteiros e afetados pela pobreza.135 Essas associa-ções costumam estar relacionadas ao estresse pro-vocado pela pobreza, desemprego e isolamento so-cial. Crianças que vivem em famílias afetadas poresses fatores estão expostas a um risco maior, prin-cipalmente se seu apoio social for inadequado e afamília não fizer parte de uma rede social forte. Afalta de apoio de outros familiares fora do lar podeexacerbar problemas existentes.136

Estresse e isolamento social: Os estudos reali-zados em países industrializados e em desenvol-vimento mostram que muitas das característicasda personalidade e do comportamento de paisviolentos estão relacionadas a uma baixa funci-onalidade social e a uma capacidade limitada delidar com o estresse.137 Pais que não conseguemcontrolar seus impulsos adequadamente e têmuma auto-estima baixa e problemas de saúdemental e de abuso de substâncias (álcool e dro-gas) tendem mais do que outros a agredir seusfilhos fisicamente e/ou negligenciá-los.138 Paisque agridem seus filhos podem ter sido, eles pró-prios, vítimas de violência na infância.139

Pesquisas sobre os vínculos entre condiçõessocioeconômicas e a violência contra a criançasugerem que são necessários esforços paramudar condições subjacentes que impõem ní-veis elevados de estresse emocional, social eeconômico às famílias. Famílias que vivem emcomunidades caracterizadas por taxas elevadasde desemprego em domicílios superlotados comuma grande rotatividade e baixos níveis de co-esão social devem ser adequadamente apoiadas.

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UCRÂNIA, 2005, Sasha, um menino de 5 anos, segura umbichinho de pelúcia sentado com sua irmã Nastya, de 4 anos,numa instituição estadual na aldeia de Kopylov, perto de Kiev.Seis meses antes, Sasha viu sua mãe ser morta por seu pai.

Perda ou separação dos pais: A taxa de orfan-dade, que aumentou muito em decorrência dapandemia do HIV/AIDS, aumenta a vulnerabili-dade das crianças. Um estudo realizado pela or-ganização World Vision em Uganda, onde seestima que 17 milhões de crianças tenham fica-do órfãs devido à AIDS, argumenta que a estig-matização deliberada dessas crianças por partede seus guardiões, professores e parentes provo-ca danos psicológicos e constitui, por si só, umaforma de violência.140 Encaminhar esses órfãospara casas de parentes ou de pessoas da comuni-dade local é uma prática comum e preferida emrelação à institucionalização ou ao fenômeno doslares chefiados por crianças; no entanto, líderescomunitários de Uganda relataram que castigoscorporais eram mais violentos e comuns contraórfãos do que contra outras crianças nesses do-micílios com laços de parentesco mais próximosdos cuidadores adultos ou do chefe da família.Em Zâmbia, um estudo realizado pela organiza-ção Human Rights Watch concluiu que órfãosacolhidos por parentes eram freqüentemente sub-metidos a violência sexual por tios, padrastos eprimos. Com uma taxa de cerca de 20% de casosde infecção de HIV entre a população, esse tipode violência pode ser fatal. As meninas raramenterevelam esse tipo de abuso, pois têm muita cons-ciência de sua situação de dependência e podemser silenciadas ou perder um apoio essencial.141

A orfandade pode também aumentar o riscos daviolência em contextos comunitários.

Exposição à violência do parceiro íntimodentro do lar: Estima-se que entre 133 e 275milhões de crianças testemunham violênciaentre seus pais/cuidadores com freqüência to-

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dos os anos, geralmente na forma de brigasentre os pais ou entre a mãe e seu parceiro (vejaa Tabela 3.2).142 As crianças podem ficar psi-cológica e emocionalmente prejudicadas quan-do testemunham atos de violência contra umoutro familiar.143 Provas levantadas em diver-sos estudos indicam que presenciar esse tipode violência por longos períodos pode afetarseveramente o bem-estar da criança, seu de-senvolvimento pessoal e social e suas intera-ções tanto na fase infantil como adulta e queessas crianças podem desenvolver os mesmosdistúrbios comportamentais e psicológicos dosque são diretamente expostos aos atos de vio-lência (veja abaixo).144, 145, 146

A violência contra mulheres dentro do lar geral-mente está associada à violência contra a crian-ça. Nos Estados Unidos, estima-se que a violên-cia entre parceiros (também conhecida como vi-olência doméstica) talvez seja o mais importan-te precursor de óbitos provocados por maus-tra-tos em crianças.147 Essa mesma relação foi ob-servada em diversos contextos e países geográ-fica e culturalmente distintos, como na China,Colômbia, Egito, Índia, México, Filipinas e Áfri-ca do Sul, onde fortes vínculos entre esses doistipos de violência foram registrados.148 Um es-tudo realizado na Índia mostrou que a violênciaentre parceiros no lar duplica o risco da violên-cia direta contra crianças em seu interior.149 Cri-anças expostas a violência entre pais/cuidadoresem seus lares correm o risco de sofrer violênciaelas próprias e também de desenvolverem dis-túrbios psicológicos e emocionais. Sem uma in-tervenção adequada nesses casos, elas pode-rão, futuramente, se tornar, elas próprias, agres-sores ou vítimas de violência.150, 151

Por passarem mais tempo em casa, criançasnos primeiros anos de vida - quando estão maissujeitas à influência de fatores externos e maispassíveis de serem dominadas pelo medo - têmuma probabilidade maior de presenciar atos deviolência entre parceiros íntimos. Essas crian-ças podem também aprender lições poderosassobre agressões em relacionamentos interpes-soais que carregarão pelo resto da vida. Espe-cialistas em desenvolvimento infantil sugeremque estilos hostis de comportamento, o con-trole emocional e a capacidade de resolver con-flitos pessoais são moldados pelas relaçõesentre pais e filhos e entre os pais.153 Entretan-to, nem todas as crianças que nascem em laresviolentos sofrem conseqüências duradouras. Setiverem um apoio adequado, elas podem de-senvolver uma capacidade surpreendente delidar com a violência e superar eventuais trau-mas provocados por ela.

FATORES SOCIETAIS E CULTURAIS

Estrutura jurídica e políticas: Estruturas jurídi-cas fracas contribuem direta e indiretamentepara a violência familiar contra crianças. As leisda maioria dos países ainda aceitam, explícitaou implicitamente, de acordo com sua interpre-tação, algum grau de violência contra a criançaquando ela é aplicada por seus pais ou guardi-ões como uma medida disciplinar. Muitos paí-ses não adotam mecanismos de proteção legalcontra práticas tradicionais prejudiciais e casa-mentos de crianças, e em alguns deles as leiscontra o abuso sexual infantil só se aplicam àviolência sexual de homens contra meninas ounão abordam a violência sexual contra criançaspraticada por familiares.

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A legislação e políticas relacionadas ao acessoa serviços de planejamento familiar, à disponi-bilidade de álcool, a níveis aceitáveis de toxi-nas ambientais, ao acesso a tratamentos de saú-de mental ou de problemas de abuso de subs-tâncias e ao acesso a registros de nascimentos,óbitos e casamentos têm um impacto indiretomas substancial sobre o risco de maus-tratoscontra crianças dentro do lar e da família. Polí-ticas de educação, cuidados infantis, licença-maternidade e paternidade, atenção básica de

saúde, desemprego e previdência social quedeixam as famílias sem redes de segurança eco-nômica e social aumentam o estresse familiar eo isolamento social e contribuem para índicesmais elevados de violência contra a criança.

Autoritarismo: Relacionamentos entre pais e fi-lhos excessivamente controladores e que atribuemuma condição de inferioridade às crianças tendema aumentar os índices de violência, particularmen-te quando se acredita que os castigos corporais ou

TABELA 3.2 - Número estimado de crianças que testemunham violência doméstica anualmente

NÚMERO ESTIMADO DE CRIANÇAS QUETESTEMUNHAM VIOLÊNCIA NO LAR*

REGIÃO

Sul da Ásia 40,7- 88 milhões

Ásia Ocidental 7,2-15,9 milhões

África Subsaariana 34,9-38,2 milhões

Sudeste Asiático Sem estimativas

Oceania 548.000-657.000

África Setentrional Sem estimativas

América Latina e Caribe 11,3 - 25,5 milhões

Leste Asiático 19,8 - 61,4 milhões

Comunidade dos Estados Independentes 900.000 to 3,6 milhões

Países desenvolvidos 4,6 -11,3 milhões

Estimativa Global 133 - 275 milhões

*Estimativas baseadas em: Dados da Divisão de População das Nações Unidas para a População Global abaixo de 18anos, no ano de 2000; Estudos sobre Violência Doméstica realizados no período de 1987 a 2005; análise coordenadapela Secretaria do Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre Violência contra a criança (2005).

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outras formas de punição humilhantes são medi-das disciplinares necessárias. Diversos estudos su-gerem que culturas nas quais se espera submissãopor parte das crianças sem nenhum questionamen-to das regras de autoridade impostas por membrosmais velhos da família e adultos contribuem paraaumentar a vulnerabilidade da criança.154, 155Quando os pais acreditam "ser donos" das crian-ças e que podem fazer tudo que acham melhorpara elas, há uma resistência ao envolvimento doEstado na proteção infantil. A crença na inviola-bilidade da família faz com que autoridades, vizi-nhos e outros familiares relutem em tomar qual-quer atitude quando sabem que crianças estão so-frendo violência.156, 157, 158, 159, 160 No entanto, essapostura não deve ser confundida com uma educa-ção com autoridade, que envolve carinho e apoiosem que limites e regras deixem de ser impostosao comportamento das crianças e satisfazendo, aomesmo tempo, suas necessidades e promovendoo seu desenvolvimento.161

Atitudes patriarcais: Atitudes patriarcais - parti-cularmente quando perpetuam a condição inferiordas mulheres tão enraizada em muitas culturas -também aumentam o risco da violência. Em algu-mas sociedades, atos extremamente violentos po-dem ser cometidos por meninos ou homens se me-ninas ou mulheres não satisfizerem seus desejos.Solicitar o consentimento de uma menina para terrelações sexuais ou se casar com ela pode não serconsiderado necessário. Elas podem também serresponsabilizadas por atos de violência cometidoscontra elas. Em ambientes desse tipo, crianças dogênero masculino podem ficar expostas a atos deviolência como uma forma de castigo por terem secomportado de maneira incompatível com os pa-péis estereotipados de homens e mulheres.

Pertencer a grupos de minoria étnica ou in-dígenas: Crianças que pertencem a grupos deminorias étnicas estão frequentemente expos-tas a um risco maior de violência devido à con-vergência de outros fatores de risco associadosà sua exclusão social, entre os quais taxas ele-vadas de abuso de substâncias e alcoolismo,pobreza, moradia inadequada e desemprego.

FATORES DE PROTEÇÃODENTRO DO LAR

Assim como alguns fatores aumentam a pro-babilidade da ocorrência de violência do-méstica contra crianças, outros fatores po-dem reduzir essa probabilidade. Nem todafamília exposta aos fatores de risco descri-tos acima torna-se um ambiente violentopara crianças. Infelizmente, poucas pesqui-sas sistemáticas foram realizadas sobre fa-tores de proteção e eles não são bem com-preendidos. Onde pesquisas foram realiza-das, elas enfocaram a identificação de fato-res que amenizam o impacto da violênciaapós sua ocorrência, como, por exemplo,fatores que podem impedir que suas vítimasdesenvolvam distúrbios mentais duradourosou parecem estar associados ao rompimentodo ciclo da violência. Fatores identificadoscom base no bom senso e em pesquisas comofacilitadores de uma maior resistência à vio-lência incluem cuidados mais adequados porparte dos pais na infância,162 menos associa-ções com pessoas que abusam de substânciasou estão envolvidas em atividades crimino-sas,163 uma relação de carinho e apoio comum pai não agressivo164 e níveis mais baixosde estresse provocado pela violência.165

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SEGURANÇA INFANTIL: UM MODELO PIONEIRO NA JORDÂNIA

A Jordan River Foundation (JRF) foi criada em 1997 com o apoio de Sua Majestade, a Rainha RaniaAl-Abdullah, para proteger crianças jordanianas, fortalecer laços familiares e incentivar relaciona-mentos positivos entre crianças e pais, bem como uma dinâmica familiar saudável. A Fundaçãotornou-se uma instituição pioneira na construção de um modelo árabe de segurança infantil.

O Programa de Proteção Infantil desenvolvido sob os auspícios da JRF promove campanhas deconscientização, presta serviços preventivos e intervém em situações que envolvem abuso decrianças abordando suas necessidades jurídicas, médicas, psicológicas, educacionais e sociaisde uma maneira integrada. O programa é singular na Jordânia e no mundo árabe e foi o primeiroa abordar uma questão complexa e levá-la à atenção do público e decisores jordanianos.

O Centro de Segurança Infantil - Dar Al-Aman - criado pela Fundação é o primeiro centro terapêu-tico do mundo árabe que oferece serviços de reabilitação para crianças que sofreram abuso e suasfamílias. As crianças e famílias que freqüentam o centro têm acesso a uma série de serviços eprogramas educacionais. Mães aprendem técnicas de cuidados infantis, pais aprendem a aplicarmedidas disciplinares alternativas, jovens aprendem a resolver conflitos e desenvolvem habilida-des básicas para a sua sobrevivência e crianças aprendem técnicas de autoproteção.169

Pouco se sabe sobre o que impede famílias dese tornarem violentas. Alguns estudos mostra-ram que comunidades com laços sociais sóli-dos, redes sociais prósperas e boas relaçõesentre vizinhos têm um forte efeito protetor epodem até reduzir a probabilidade de ocorre-rem atos de violência quando outros fatores fa-miliares de risco estão presentes.166, 167, 168 Combase no entendimento atual sobre fatores de ris-co de violência e estratégias de prevenção efi-cazes, fica claro que as famílias podem consti-tuir uma fonte sólida de proteção e apoio paraas crianças. Uma boa criação, laços sólidos deafeição entre pais e filhos e relacionamentospositivos e não violentos com filhos são fato-res de proteção inquestionáveis. Esse fato en-fatiza a importância de se apoiar famílias no

sentido de que estimulem o desenvolvimentodesses fatores, particularmente famílias em co-munidades caracterizadas por baixos níveis decoesão social.

RESPOSTAS À VIOLÊNCIACONTRA A CRIANÇA NOLAR E NA FAMÍLIA

A CDC e outros tratados de direitos humanosprevêem que os Estados têm a obrigação dedesenvolver respostas abrangentes e multisse-toriais em relação a todas as formas de violên-cia contra a criança na família, inclusive políti-cas e serviços para prevenir a violência e prote-ger e assistir suas vítimas.

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Até o presente momento, as respostas dos Esta-dos têm se concentrado, principalmente, na ofer-ta de serviços de proteção infantil ou no desen-volvimento de sistemas assistenciais alternati-vos, e não em aspectos de prevenção da violên-cia. Estratégias de prevenção e proteção devemser desenvolvidas conjuntamente e em basesequilibradas como parte de uma estrutura e es-tratégia geral, e devem considerar questões re-lacionadas a políticas sociais, reformas jurídi-cas, programas e serviços preventivos e assis-tenciais e estratégias concebidas para gerarmudanças em atitudes e comportamentos.

REFORMA LEGISLATIVA

Menos de 20 países reformaram suas leis nosentido de proibir castigos físicos na família,mas um número muito maior assumiu o com-promisso de promover reformas dessa naturezano decorrer do Estudo. Todos os Estados têmleis que caracterizam agressões como delitos emuitas constituições proíbem castigos cruéis,desumanos ou degradantes. Muitos outros têmleis que proíbem a crueldade, maus-tratos ou o"abuso" de crianças. No entanto, essas leis nãosão interpretadas no sentido de proibir todos ostipos de violência contra a criança e as legisla-ções de muitos Estados contêm justificativas oucláusulas que defendem a aplicação de casti-gos corporais. A maioria dos países proíbe oincesto, o estupro e outras formas de violênciasexual. Muitos deles também especificaramuma idade mínima para relações sexuais con-sensuais e para o casamento, embora essa ida-de geralmente seja inferior aos dezoito anos. Amaioria dos países nos quais ocorre a mutila-ção genital feminina têm leis contra essa práti-

ca atualmente.170 No entanto, leis que crimina-lizam a violência contra a criança não são efe-tivamente implementadas em diversas regi-ões do mundo em função da força das tradiçõese, em alguns casos, devido à resistência de sis-temas religiosos ou judiciais tradicionais.

Leis sobre castigos corporais eoutras formas de punição cruéis oudegradantes

Como observado pelo Comitê sobre Direitos daCriança, as leis contra agressões criminosasraramente são interpretadas no sentido de proi-bir castigos corporais e todas as demais formascruéis ou degradantes de punição aplicadas acrianças dentro da família. Em mais de 70 paí-ses, a defesa prevista no direito comum inglêsde castigos "razoáveis" ou "moderados" de cri-anças continua válida após o período colonial.Para que todas as formas de castigos corporaissejam proibidas, todas essas defesas devem sereliminadas e a proibição de castigos corporaise outras formas de cruéis e degradantes de pu-nição deve ser adequadamente explicitada.

Entre 1996 e 2006, o Comitê sobre os Direitosda Criança recomendou que 130 países adotas-sem medidas para proibir todos os castigos cor-porais. Em 2006, o Comitê adotou um Comen-tário Geral - uma declaração sobre sua inter-pretação oficial da CDC - sobre o direito dacriança a proteção contra castigos corporais eoutras formas degradantes de punição.171 OComitê enfatiza que o objetivo maior da refor-ma legislativa de proibir todas as formas decastigo corporal dentro do lar é preventivo:"para evitar violência contra crianças mudando

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atitudes e práticas, enfatizando o direito da cri-ança a uma proteção igual e estabelecendo umaestrutura clara para a proteção da criança e apromoção de formas positivas, não violentas eparticipativas de se criar crianças."

O Comitê enfatizou também que o princípioda proteção igual a ser garantida a crianças eadultos contra agressões, inclusive dentro dafamília, não significa que todos os tipos decastigo que se tornem conhecidos devam ge-rar processos judiciais contra os pais: "O prin-cípio de minimis - segundo o qual a lei nãodeve ser aplicada a questões triviais - garanteque agressões leves entre adultos só geremprocessos judiciais em circunstâncias extremase esse mesmo princípio se aplica a agressõesmais leves contra crianças. Os Estados devemdesenvolver mecanismos eficazes para a apre-sentação de denúncias e encaminhamentos.Embora todos os tipos de violência contra acriança devam ser adequadamente investiga-dos e uma proteção adequada contra qualquertipo de dano significativo deva ser garantida,a meta deve ser a de impedir que pais recor-ram à violência ou apliquem outros tipos cru-éis ou degradantes de punição por meio de in-tervenções de apoio e educacionais, e nãomedidas punitivas".173

Para que a reforma legislativa satisfaça seu pro-pósito, será necessário orientar e capacitar to-das as partes envolvidas nos sistemas de prote-ção infantil, inclusive policiais, promotores etribunais. Essa orientação deve enfatizar que évital apoiar as famílias e garantir que as crian-ças sejam criadas em um ambiente construtivo

e isento de violência e que qualquer decisão deseparar crianças de sua família deve satisfazerplenamente os interesses superiores delas.

Outras áreas para mudançaslegislativas

Alguns países adotaram medidas para criminali-zar abusos praticados por parceiros íntimos. Es-sas medidas ampliaram a definição de estupro eeliminaram a noção de que a violência entre par-ceiros íntimos é uma questão privada, ajudando,assim, a mudar as regras sociais.175 (Nota do re-visor: o texto original em inglês pula a referên-cia 174, passando da 173 à 175 diretamente.)

No entanto, mudanças legislativas não garantemmudanças sociais se não forem apoiadas por me-didas de educação pública e profissional. Leisaprovadas para refletir as obrigações previstas naCDC que não estejam vinculadas a ações de cons-cientização pública e que contrariem normas cul-turais e práticas aceitas podem ser sistematicamen-te ignoradas. Mudanças legislativas não consegui-rão, por si só, eliminar práticas tradicionais preju-diciais como a mutilação genital feminina, porexemplo, embora os sistemas legais devam con-dená-las. Mudanças de legislação devem ser acom-panhadas de programas educacionais para autori-dades públicas, pais e crianças.

Em alguns casos, leis existem mas são insufici-entes e sua implementação imprecisa ou insen-sível pode agravar a vitimização de crianças,ao invés de aliviá-la. Algumas legislações exis-tentes são tão inapropriadas que penalizam cri-anças que sofrem violência em vez de seus pais

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agressores. Nessas circunstâncias, elas podematé acentuar a probabilidade da violência con-tra a criança. Em diversos contextos da África,Ásia e Oriente Médio, quando uma menina abai-xo da idade de consentimento ou de se casar éestuprada e engravida, os tribunais e seus paispodem obrigá-la a se casar com seu estupra-dor.176 A legislação contra os chamados "assas-sinatos em legítima defesa da honra" pode im-por sentenças mais brandas para esses casos doque para homicídios ou os agressores podemser exonerados por sistemas tradicionais de jus-tiça e crianças vendidas para fins de prostitui-ção podem ser obrigadas a arcar com a maiorparte do ônus da desaprovação social ou seremtratadas como criminosas.

A prevenção da violência doméstica e familiarcontra crianças exige reformas legais que de-vem envolver mais do que apenas leis direta-mente relacionadas à violência. Para que umaredução em larga escala da violência contra acriança seja lograda, as estruturas legais e polí-ticas devem abordar fatores de risco subjacen-tes e fortalecer fatores de proteção. Aspectoscomo a disponibilidade de álcool, serviços deplanejamento familiar, cuidados pré e pós-na-tal, previdência social, tratamentos psiquiátri-cos e de abuso de substâncias, registros de nas-cimentos, óbitos e casamentos a mecanismospara determinar níveis de toxinas ambientais sãoapenas alguns exemplos de fatores que são sen-síveis a reformas políticas e legais.

A EXPERIÊNCIA DA SUÉCIA COM A PROIBIÇÃODE CASTIGOS CORPORAIS

A Suécia foi a primeira nação a proibir todos os castigos corporais. Em 1957, uma disposição queperdoava pais que provocavam lesões leves em seus filhos em decorrência de uma ação "disciplinar"foi eliminada do Código Penal. Em 1979, a Suécia proibiu explicitamente os castigos corporais emseu Código de Paternidade e Tutela: "Crianças... não poderão ser submetidas a castigos corporais oua qualquer outro tratamento degradante".

A experiência da Suécia mostra que quando reformas legislativas progressistas são promovidas jun-tamente com campanhas abrangentes de conscientização pública, mudanças substanciais em atitudespodem ser logradas e a violência contra a criança reduzida em poucas décadas. Em 2000, umacomissão parlamentar investigou experiências de pais e crianças com castigos corporais desde queessa prática fora proibida. Os dados indicam que seu uso caiu drasticamente, particularmente o usode socos de punhos fechados contra crianças ou surras com outros objetos ou palmadas. Em estudosnacionais com pais realizados em 1980, 51% deles afirmaram que haviam aplicado castigos corpo-rais a seus filhos no ano anterior. Vinte anos depois, em 2000, esse percentual havia caído para 8%.

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ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO

Muitas pessoas não percebem, mas as pesqui-sas continuam a mostrar que diversas interven-ções podem prevenir a violência: a violênciacontra a criança no lar e no ambiente familiarpode ser significativamente reduzida mediantea implementação de leis, políticas e programasque fortaleçam e apóiem famílias e abordem osfatores comunitários e sociais subjacentes quepermitem que a violência prospere.

Para maximizar sua eficácia, as estratégias de pre-venção devem basear-se nas melhores evidênciascientíficas disponíveis, ser concebidas para redu-zir fatores que contribuem para aumentar riscos,fortalecer fatores de proteção, incluir mecanismosque permitam avaliações de seus impactos e seraplicadas no âmbito de uma estrutura mais ampla

de combate à violência contra a criança. Diversasestratégias promissoras podem ser usadas paraprevenir a violência contra a criança no contextodoméstico e familiar, entre as quais programas deimpacto direto, como oferecer cursos de treina-mento para pais, e políticas de impacto mais indi-reto, como políticas para reduzir a disponibilida-de de álcool e garantir um acesso mais amplo aserviços de planejamento familiar.

Apoio a pais e famílias

Serviços de saúde para mães e crianças

Serviços de saúde reprodutiva e de saúde mater-no-infantil constituem ações de primeira linha parareduzir a negligência e a violência contra a crian-ça desde o seu nascimento. Além de preveniremgravidezes indesejadas e de melhorarem o acessoa cuidados pré-natais, pós-natais e da primeira in-fância, eles podem também ajudar a fortalecer la-ços de afeição desde os primeiros momentos devida de uma criança e reduzir o risco da violênciacontra ela por parte de seus pais. A maioria dospaíses oferece serviços de maternidade e tem pro-gramas de visitação domiciliar para recém-nasci-dos que usam agentes de saúde ou comunitários evoluntários. Esses serviços permitem a identifi-cação precoce de pais que precisam de apoio semestigmatizá-los em decorrência de sua necessida-de de fazer exames rotineiros num hospital e pro-movem saudáveis por meio de visitas de agentesde saúde, nas quais eles podem educar os pais ecanalizar recursos para famílias "prioritárias" iden-tificando fatores de risco conhecidos e oferecen-do serviços adicionais.

Estados Unidos, 1997, Tiffany, 10 anos, sua mãe, Letisha, eseu padrasto, Billie, estão sentados em um banco numa ruada cidade de Daytona Beach. Após viverem nas ruas pormeses, o casal decidiu mandar Tiffany e sua irmã Tonya, de13 anos, para morar com sua avó em outro estado.

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Visitas domiciliares e programaseducacionais para pais

Programas que enfocam o funcionamento da fa-mília, particularmente a administração familiar, asolução de problemas e práticas adotadas na cria-ção de crianças vêm sendo adotados há váriasdécadas. Há fortes evidências de que esses pro-gramas são eficazes para reduzir a violência do-méstica e familiar contra crianças, bem como paradiminuir outros efeitos negativos dessa violênciasobre sua saúde e o desenvolvimento. Os progra-mas mais bem-sucedidos abordam a dinâmica in-terna das famílias e sua capacidade de lidar comdemandas externas. A educação de cuidadorespode também evitar o desenvolvimento de relaci-onamentos indesejados entre pais e filhos e criarum contexto no qual pais podem aprender a ado-tar métodos disciplinares não violentos. Quantomais cedo na vida de uma criança esses progra-mas forem oferecidos e quanto maior a sua dura-ção, maiores os benefícios que podem gerar.

As visitas domiciliares envolvem profissionais desaúde, assistentes sociais ou voluntários treina-dos para avaliar necessidades de bebês e criançaspequenas e a capacidade dos pais de satisfazê-lasà luz da situação econômica e social da família. Afinalidade das visitas domiciliares personalizadasé prestar apoio emocional e educar pais no senti-do de que desenvolvam conhecimentos, habili-dades e comportamentos positivos e também, deuma certa maneira, avaliar a família. Essas visi-tas também oferecem oportunidades para enca-minhar a família a outros serviços comunitários,de acordo com as suas necessidades.

Nos Estados Unidos, os benefícios de visitas do-miciliares feitas por enfermeiras a mães que havi-

am dado à luz pela primeira vez e estavam en-frentando dificuldades socioeconômicas duranteos dois primeiros anos de vida da criança pude-ram ser claramente observados 15 anos depois.177

Numa análise aleatória, os benefícios para as fa-mílias visitadas incluíram uma queda significati-va em casos de abuso e negligência infantil e noconsumo de álcool e drogas por parte das mães.Evidências atualmente disponíveis indicam queos programas de visitação domiciliar mais bem-sucedidos enfocam famílias expostas a um riscoelevado de violência contra crianças, começamno período da gravidez e são mantidos até o se-gundo ano de vida da criança, promovem ativa-mente comportamentos de saúde positivos, apói-am a família na gestão do estresse e abordam di-versas questões importantes para a família.178, 179

Esses programas devem ser flexíveis, de modo apoder ser ajustados às necessidades das famílias,que mudam ao longo do tempo.

A educação de pais, uma outra estratégia de pre-venção bem-sucedida e amplamente usada, podeser oferecida tanto no contexto de visitas domicili-ares como em bases independentes. Os programasgeralmente educam pais sobre o desenvolvimentoda criança e procuram promover sua capacidadede administrar comportamentos. A capacidade depais e responsáveis por crianças de administrar com-portamentos positivos pode ser melhorada promo-vendo-se sua compreensão da importância da con-tinuidade e da coerência, das recompensas por com-portamentos positivos e de seu reforço, da práticade ignorar estrategicamente comportamentos ne-gativos menos importantes, de dar instruções efi-cazes e de implementar conseqüências não violen-tas em resposta a comportamentos inadequados.180

Os programas educacionais devem procurar forta-lecer as habilidades das mães e dos pais.

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Programas educacionais para pais estão sendocada vez mais implementados em países de ren-da média e baixa. Por exemplo, estimuladas pelaAll China Women's Federation (Federação dasMulheres de Toda a China), mais de 200.000comunidades chinesas organizaram "Escolaspara Pais" para ajudar as pessoas a se adaptar àpaternidade em famílias com um único filho.181

Na Europa Oriental, a República da Moldavaestá oferecendo educação a pais no sistema pri-mário de saúde. Agentes de saúde são treina-dos para transmitir conhecimentos e habilida-des a pais para que saibam satisfazer as neces-sidades de sobrevivência, crescimento, desen-volvimento e proteção de seus filhos e tambémpara saber quando e onde procurar serviços es-pecializados. A iniciativa foi lançada em 2002e já ficou claro que os médicos de família eenfermeiras que participaram dos cursos de trei-namento apresentam uma tendência maior dese envolver na educação de pais. Essa iniciati-va inclui um enfoque específico na proteção decrianças contra todas as formas de violência,entre as quais castigos corporais e outras for-mas degradantes de disciplina.182

Em países em desenvolvimento, cursos de pa-ternidade são oferecidos em centros comunitá-rios estabelecidos por pais. Por exemplo, o Cen-tro de Pais da Cidade do Cabo, África do Sul,oferece as seguintes atividades:183

Grupos para mães e bebês, para mães comcrianças com até três anos de idade e paramães e pais solteiros;Apoio para depressão pós-parto;

Treinamento em abordagens disciplinares efi-cazes para crianças com até três anos de idade;Treinamento para pais de crianças abaixo de5 anos, abaixo de 12 anos e adolescentes;Aconselhamento para pais e cuidadores;Visitas domiciliares especificamente paraevitar a violência familiar contra crianças;Capacitação de profissionais e paraprofissi-onais que trabalham com crianças.

Programas de educação eassistência infantil

Muitas famílias precisam de ajuda não apenaspara prover cuidados básicos aos seus filhos,mas também para garantir uma estimulação eeducação adequadas para eles. Os Programasde Cuidados e Desenvolvimento na PrimeiraInfância (ECCD) foram concebidos para alcan-çar esses dois objetivos e há provas de que elespodem ser eficazes para reduzir fatores que ge-ram violência no lar. No Reino Unido, por exem-plo, uma avaliação de programas de crechespara crianças em idade pré-escolar de pais debaixa renda concluiu que seus efeitos sobre ainteração entre mães e filhos eram positivos eque os ganhos que geravam para as mães, emtermos de educação e emprego, eram benéficospara suas famílias. Os benefícios de longo-pra-zo para as crianças incluíam um melhor desen-volvimento comportamental e desempenho es-colar, taxas mais elevadas de emprego, taxasmais baixas de gravidez na adolescência, me-lhores condições socioeconômicas e taxas maisbaixas de comportamentos criminosos.187

"Ficamos em desvantagem por conta da nossa idade. Os adultos não acreditam em nós quandodizemos que algo assim aconteceu e acabamos não contando nada a eles. O padrasto da minha

namorada a toca de uma maneira sexual e ela até apanhou quando contou à mãe que issoestava acontecendo."

Adolescente de 15 anos, América Latina

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O P TRIPLO: O PROGRAMA DE PATERNIDADE POSITIVA

Considerando que os fatores de risco que geram a violência familiar ocorrem em diversos níveis,algumas das estratégias de prevenção mais eficazes envolvem intervenções em mais de um nível.Um exemplo é o Programa de Paternidade Positiva (P Triplo), que foi originalmente concebido naAustrália e está sendo usado atualmente no Canadá, na Alemanha, na Região Administrativa Espe-cial de Hong Kong da China, na Nova Zelândia, em Cingapura, na Suíça, nos Estados Unidos e noReino Unido. O P Triplo tem-se revelado eficaz para promover comportamentos positivos nos pais eespera-se que ele reduza a violência contra a criança. O Centro de Controle e Prevenção de Doençasdos Estados Unidos está financiando um estudo de avaliação de resultados para analisar o impacto doP Triplo sobre maus-tratos infantis.

O nível 1 do programa enfoca a população como um todo. Para pais selecionados, dois outros níveisoferecem sessões de consultas em locais de assistência médica básica, como centros de saúde. Parapais em dificuldade, com problemas psiquiátricos ou que estão enfrentando riscos elevados de vio-lência na família, programas mais intensivos em paternidade são disponibilizados que envolvem de8 a 10 sessões (nível 4) ou de 10 a 16 sessões (nível 5).

Os princípios centrais do programa do P Triplo são os seguintes:

- Proporcionar um ambiente seguro de envolvimento para crianças;

- Proporcionar um ambiente educacional para crianças que seja sensível às suas necessidades;

- Ensinar abordagens disciplinares positivas (não agressivas) e coerentes aos pais;

- Gerar expectativas razoáveis nas crianças; e

- Ensinar os pais a cuidar de si.185

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Apoio a famílias de crianças portadorasde deficiência

Poucas pesquisas foram realizadas sobre a eficá-cia de programas concebidos para reduzir a vio-lência contra crianças nascidas com deficiências.No entanto, a Consulta com Especialistas em Cri-anças Portadoras de Deficiência realizada para oEstudo revelou que abordagens promissoras es-tão sendo implementadas em diversas partes domundo, as quais incluem programas comunitári-os de reabilitação e estimulação em centros espe-cíficos ou em visitas domiciliares.

A prestação de assistência temporária no lar a paisde crianças portadoras de deficiência pode reduzir oestresse para a família como um todo e também serusada como uma estratégia de prevenção da violên-cia. Mecanismos de apoio organizados por entida-des religiosas, ONGs ou órgãos governamentais quepermitem aos pais tirar pequenas folgas da tarefa decuidar de seus filhos podem ajudar a prevenir a vio-lência contra crianças portadoras de deficiência.188

Programas para e com crianças

A educação baseada em habilidades de sobre-vivência, que permite que crianças reconheçame evitem situações de risco, tem produzido re-sultados promissores em inúmeros contextosescolares e comunitários. Esse tipo de interven-ção geralmente ensina crianças a reconhecerformas adequadas e impróprias de ser tocadaou tocar e a dizer "não" a um adulto quandonão se sentem à vontade com alguma situaçãoproposta, além de ensiná-las a saber com quempodem conversar quando sofrem violência.Embora alguns desses programas tenham au-mentado os conhecimentos e habilidades decrianças em relação a situações ameaçadoras,há poucas informações disponíveis sobre ava-liações de longo prazo dos mesmos. Esses pro-gramas funcionam melhor quando são imple-mentados como elementos de uma estratégiamais abrangente e não isoladamente. (Veja ocapítulo sobre violência contra a criança emescolas e contextos educacionais.)

TRABALHANDO COM HOMENS E MENINOS

Desde 2003, a ONG Save the Children Suécia tem envolvido homens e meninos na sua estratégiaregional na região sul e central da Ásia por acreditar que muitos deles não se sentem à vontade comestereótipos machistas que toleram a violência contra mulheres e crianças. Ela está explorandomaneiras de trabalhar com homens e meninos como parceiros para apoiar o desenvolvimento deconceitos alternativos na região. Workshops sobre como trabalhar com homens e meninos têmsido realizados com vistas a envolvê-los em esforços para reduzir a violência contra meninas,meninos, mulheres e outros homens. Insumos foram solicitados da campanha White Ribbon, amais antiga e duradoura iniciativa organizacional envolvendo homens concebida para rejeitar aviolência contra mulheres, que hoje conta com uma rede de 47 países em todo o mundo, entre osquais a África do Sul, a Ásia Meridional, a Nova Zelândia, Tonga, o Brasil, a Alemanha e paísesnórdicos. Workshops também foram realizados em outros países e, em Bangladesh, foi estabeleci-da uma rede de organizações não-governamentais (ONGs) para abordar o tema. Concentrar esfor-ços na socialização de meninos tornou-se o maior desafio atualmente.186

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Estimuladas pelo movimento em prol dos di-reitos da criança, muitas organizações de cri-anças e adolescentes se desenvolveram e setornaram muito ativas na última década em al-guns países. Essas organizações permitiramque muitos de seus membros ganhassem con-fiança, expressassem seus problemas e tomas-sem medidas solidárias para reduzir a violên-cia ou ameaças de violência sofridas por elespróprios ou por outras crianças. Algumas or-ganizações, como os Comitês de Aconselha-mento de Meninas da Etiópia, concentram seusesforços em problemas específicos, como nocasamento de crianças (veja quadro abaixo).Embora haja provas de que esses programasbaseados nas escolas podem reduzir o risco davitimização sexual de crianças na comunida-de, não se sabe ao certo se eles são eficazespara reduzir casos de abuso sexual no ambi-ente familiar.189 Atividades que envolvem aparticipação de crianças em escolas e comu-nidades devem ser apoiadas, pois colegas eamigos podem desempenhar um papel impor-tante na identificação de crianças em situaçãode risco e em ações proativas.

Rompendo o silêncio

Uma das pedras angulares de qualquer respos-ta estratégica deve ser o imperativo de rompero silêncio no qual a maioria das crianças supor-ta episódios de violência física, psicológica ousexual dentro do lar. Consultas e avaliações re-velam repetidamente que as crianças - a des-peito de seu temor e rejeição da violência a quesão submetidas - não acreditam que existe al-gum lugar no qual possam revelar seus senti-mentos ou podem até achar que esses sentimen-

tos são "legítimos". Muitas delas sentem ver-gonha ou se culpam por essas situações, enquantooutras mantêm silêncio por temerem que qual-quer coisa que digam pode gerar mais violênciaou intervenções insensíveis, que podem piorarainda mais sua situação de um modo geral.

Seguindo a tendência geral de se enfatizar ain-da mais consultas com crianças como um com-ponente inseparável do planejamento de pro-gramas e intervenções em prol delas, metodo-logias "amigas da criança" têm sido desenvol-vidas para consultas e pesquisas voltadas paraações que, juntamente com técnicas de aconse-lhamento e comunicação, vêm sendo tambémusadas para fazer com que as crianças se abramcom adultos com os quais se sentem seguras erelatem a eles suas experiências íntimas e dolo-rosas. Em alguns exemplos, principalmente naÍndia e no Brasil, crianças traficadas por suaspróprias famílias que mantêm poucos relacio-namentos de confiança com adultos organiza-ram-se para se apoiar mutuamente e evitar seexpor novamente no futuro.191

Sistemas de disque-ajuda para crianças estãose tornando gradualmente mais comuns. Comojá observado acima, conversas telefônicas con-fidenciais com um conselheiro permitem quealgumas crianças relatem o que está acontecen-do com elas e procurem ajuda. Diversas ONGsestabeleceram mecanismos de disque-ajudapara ajudar crianças sair de situações de abuso.Eles têm sido usados nas Filipinas e no Cam-boja por crianças envolvidas em serviços do-mésticos fora da casa de seus pais que sofremviolência.192 (Veja o capítulo sobre violênciacontra a criança na comunidade.)

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Política Social

Uma política social robusta é essencial paraapoiar famílias e permitir que elas prosperem adespeito de situações de estresse econômico,social e psicológico. Melhorias nessas áreaspodem eliminar alguns dos principais fatoresde risco de violência familiar contra a criançae, portanto, diminuir a taxa de maus-tratos in-fantis. As políticas sociais devem envolver me-didas de apoio ao emprego, salário mínimo,meios de vida rurais, uma reforma agrária igua-litária, compensações justas no caso de deslo-camentos forçados, geração de renda para mu-lheres e acesso igualitário a serviços públicoscomo abastecimento d'água, estradas e passa-gens e sistemas de transporte, drenagem e sa-neamento. Outras políticas sociais com efeitospositivos comprovados sobre a vida familiarincluem políticas concebidas para garantir aces-so a sistemas de proteção social como de previ-dência social para pessoas portadoras de defi-ciência ou que cuidam de crianças portadorasde deficiência; seguro-desemprego; assistênciamédica ou cuidados gratuitos para indigentes;complementação de renda ou alimentar parapessoas em situação de pobreza extrema. (Asintervenções de política sociais serão mais de-talhadamente discutidas no capítulo sobre vio-lência contra a criança na comunidade.)

Outras estratégias

Embora o impacto direto dessas estratégiassobre a violência contra a criança não tenhasido bem pesquisado, iniciativas gerais de

saúde na comunidade podem reduzir os ní-veis da violência.

Por exemplo, iniciativas para promover asaúde ambiental que eliminam o chumbo eoutras toxinas ambientais das comunidadespodem reduzir a violência contra a criançapor reduzirem a taxa de danos cerebrais emfetos e problemas cognitivos subseqüentes,como o Distúrbio de Déficit de Atenção(DDA) e a hiperatividade, diminuindo, as-sim, o número de crianças com característi-cas de alto risco. Da mesma maneira, limi-tar o acesso ao álcool mediante um controlemais rígido de seus pontos de venda ou au-mentando seus preços, por exemplo, podeajudar a prevenir maus-tratos infantis.193

Esforços semelhantes em países em desen-volvimento poderiam reduzir a violênciacontra crianças relacionada ao consumo deálcool, embora essas medidas devam ser con-sideradas com cautela, pois podem levarpessoas que têm o hábito de beber a consu-mir bebidas mais baratas e menos reguladasproduzidas em casa.194

Embora poucas avaliações formais tenhamsido feitas, outras intervenções promissoras in-cluem a oferta de abrigos e centros para o aco-lhimento de mulheres que sofreram agressãoe seus filhos, a capacitação de agentes de saú-de para identificar e trabalhar com adultos quesofreram violência na infância e o fortaleci-mento de vínculos entre serviços psiquiátri-cos, de tratamento de usuários de drogas e deproteção infantil.

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COMITÊS DE ACONSELHAMENTO DE MENINAS: UMA ATIVIDADEADMINISTRADA POR CRIANÇAS EM ÁREAS RURAIS DA ETIÓPIA

As escolas primárias são o único local que reúne meninas (e meninos) em áreas rurais da Etiópiaque podem estar vulneráveis ao casamento precoce forçado. A criação dos Comitês de Aconselha-mento de Meninas (GAC) é uma inovação das escolas primárias da Etiópia concebida para preve-nir o casamento de crianças e outras formas de discriminação de gênero.

O Comitê de Aconselhamento de Meninas não é um clube, e sim um comitê escolar vinculado àAssociação de Pais e Mestres. Esses comitês procuram criar um ambiente mais positivo para ascrianças no lar e na escola promovendo iniciativas de conscientização e outras ações. Sua compo-sição varia, mas eles sempre alunos de ambos os gêneros, às vezes um membro da comunidade euma professora como orientadora. Os alunos membros atuam como elementos de ligação entre asfamílias da comunidade e a escola e notificam casamentos infantis iminentes, seqüestros, provoca-ções, assédios e ausências prolongadas de meninas da escola.

Quando o casamento iminente de uma menina nova é notificado, o GAC visita os pais para tentardissuadi-los da idéia. Se isso não acontece, o comitê solicita aos pais que venham até a escola. Osprofessores então pedem aos pais que cancelem o casamento, explicando que ele é ilegal. Essaabordagem normalmente funciona. Há relatos de mães que afirmaram ter ficado satisfeitas com ofato de suas filhas não terem se casado à força, mas que jamais poderiam ter protestado contra ocasamento sem o apoio da escola.

Esse exemplo de uma atividade administrada por crianças ilustra a necessidade de se adotar umaabordagem integrada na qual os esforços de crianças são respaldados por pessoas conceituadas,como professores, e também pela lei.190

INTERVENÇÃO QUANDO CASOSDE VIOLÊNCIA TORNAM-SECONHECIDOS

Quando há suspeitas de violência contra crian-ças ou quando casos efetivos de violência con-tra elas tornam-se conhecidos, medidas devemser tomadas para proteger crianças em situaçãode risco. O teor e as bases jurídicas da proteção

infantil variam de país para país e costumamincluir mecanismos de denúncia, encaminha-mento, investigação e acompanhamento. O idealé que medidas legislativas sejam adotadas pa-ralelamente a abordagens de saúde e assistên-cia social. Oferecer apoio e assistência sem umaproteção adequada pode comprometer o bem-estar e o desenvolvimento da criança, mas en-focar investigações e medidas de proteção sem

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ações adequadas de acompanhamento e trata-mento pode acarretar danos severos e perma-nentes para ela e sua família.

São urgentemente necessárias pesquisas paraidentificar abordagens eficazes de proteçãoinfantil orientadas para oferecer apoio, assis-tência e tratamento a crianças e indicar comoelas podem ser implementadas em contextoscarentes de recursos ou não. Embora estejamenraizados nos direitos humanos e numa es-trutura jurídica clara, os sistemas de prote-ção infantil implementados em nível comu-nitário devem envolver as comunidades emprocessos de consultas. Ao mesmo tempo emque almejam conquistar aceitação e confian-ça, os profissionais responsáveis por medi-das de proteção para crianças devem prestarcontas por suas ações detalhadamente dentrodo sistema como um todo.

Detecção da violência contra acriança na família

Os danos em potencial para as crianças aumen-tam à medida que a freqüência e severidadeda vitimização aumentam ao longo do tempo.É importante, portanto, identificar a violênciao quanto antes e intervir para eliminá-la. Osprofissionais de saúde têm um importante pa-pel a desempenhar na proteção infantil por-que, exceto em áreas rurais muito remotas,bebês e crianças pequenas são levadas a cen-tros de saúde rotineiramente. Em países quepossuem redes de serviços sociais, elas podemtambém ser visitadas por assistentes sociaisocasional ou regularmente.

Essas ocasiões e contatos oferecem uma oportu-nidade para se detectar atos de violência contracrianças que seus pais e responsáveis podem ten-tar esconder, informando que lesões ou doençasapresentadas por crianças não foram intencio-nais. Considerando a pressão imposta a equipesde centros de saúde, elas precisam de treinamentoe devem ter suas capacidades desenvolvidas,além de instalações adequadas. Uma vez que nemsempre é fácil identificar diretamente situaçõesda violência, é essencial estabelecer diretrizespadronizadas e ferramentas que possam aju-dar os profissionais em suas avaliações. Ca-pacitar agentes de saúde para que possam de-tectar e administrar casos de violência contracrianças parece ser uma medida particularmen-te promissora para crianças na fase pré-ver-bal, que ainda não conseguem descrever o queaconteceu, e para todos os casos nos quais adetecção de agressões dependa de observaçõese não de relatos de quem sofreu violência.

Em muitos países em desenvolvimento, meca-nismos baseados na comunidade estão sendoinstituídos para monitorar a violência domésti-ca e a necessidade de proteger crianças. A mai-oria ainda está em estágios experimentais e se-rão necessárias avaliações estruturadas para sechegar a conclusões claras. Nas Filipinas, porexemplo, o UNICEF apoiou o estabelecimentode 6.500 conselhos barangay (de aldeias) paraproteger crianças. Os conselhos montam umabase de dados e um sistema de monitoramentode crianças, inclusive crianças em situações ris-co ou vítimas de exploração e violência.195 NaRepública Unida da Tanzânia, uma organiza-ção chamada Kivulini, cujo objetivo principal

"Lembro-me dos tempos em que vivi como uma criança adotiva numa outra reserva.Uma vez recebi uma surra de chicote... nunca entendi por que ou o que eu havia feito de errado.

O que me lembro bem é do medo e da dor que senti."

Líder de jovens. América do Norte, 2005XI

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é reduzir a violência física, emocional e se-xual dentro do lar, trabalha em estreita cola-boração com lideranças da base de governosmunicipais - líderes comunitários e de bair-ros. Os líderes de bairros são eleitos pelosmembros da comunidade e têm poderes paraentrar na casa das pessoas.196

Tratamento para vítimasde violência

Crianças que sofreram violência doméstica têmuma ampla gama de necessidades em termosde tratamento. Agentes de saúde devem ser ca-pacitados para identificar casos de violênciacontra a criança e seguir os procedimentos es-tabelecidos para fins de documentação e elabo-ração/apresentação de relatórios e de tratamen-to e acompanhamento.197 Em alguns casos, podeser necessário coletar amostras periciais e, sem-pre que possível, isso deve ser feito no momen-to do exame físico de uma vítima. São necessá-rios profissionais qualificados para interpretarlesões, fazer exames periciais e entrevistar ascrianças. As vítimas de violência sexual devemreceber um tratamento preventivo contra infec-ções sexualmente transmissíveis, inclusive HIV/AIDS, se for o caso. Os agentes de saúde têm aobrigação de priorizar a saúde física da criançae encaminhá-la a serviços de apoio psicossoci-al, assistência social ou proteção infantil. Ca-sos de violência identificados fora do setor desaúde devem ser encaminhados a um agente desaúde para serem avaliados e cuidados adequa-damente.

Todas as formas de violência familiar têm umimpacto importante sobre a saúde emocional e

o desenvolvimento de crianças; portanto, oapoio psicossocial é essencial. Um cuidador queefetivamente apóie a criança e não a maltrate éum facilitador importante de sua recuperação.As intervenções mais eficazes na área da saúdemental baseiam-se em técnicas comportamentaise cognitivas e trabalham tanto com a criançacomo com a sua família. Habilidades essenciaispara se lidar com crianças incluem a habilidadede identificar, processar e administrar sentimen-tos; a habilidade de administrar a ansiedade; ahabilidade de identificar e alterar percepçõesimprecisas; e a habilidade de solucionar proble-mas. Intervenções comportamentais e cognitivaspara traumas específicos parecem produzir re-sultados particularmente eficazes no que se re-fere a reduzir a ansiedade, a depressão, preocu-pações sexuais e sintomas de transtorno de es-tresse pós-traumático nas vítimas.198, 199

Denúncias por partede profissionais

Quando profissionais como enfermeiras, médi-cos, assistentes sociais e professores identifi-cam um caso suspeito de violência familiar con-tra crianças, eles podem ser legalmente obriga-dos a denunciar suas suspeitas às autoridadesou pode ser que se espere que eles denunciemesses casos independentemente de qualquerobrigação legal. Para que sejam eficazes, asestruturas de notificação devem estar semprevinculadas a estruturas de proteção, apoio e tra-tamento de crianças e famílias bem desenvol-vidas também. Países que não adotaram leis paratornar obrigatórias notificações de casos de vi-olência devem considerar a possibilidade dereformar o sistema no sentido de permitir que

"O abuso infantil é mais comum do que pensamos. Crianças apanham em casa e têm medo de contar isso a qualquerpessoa. É difícil acabar com uma coisa que acontece dentro de casa, sem que ninguém veja."

Criança, 12 anos, América do Norte XII

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crianças e famílias tenham acesso a serviçosconfidenciais de denúncia, por meio dos quaispossam ser voluntariamente apoiadas.

A obrigação de denunciar pode estabelecer umarelação negativa entre famílias e as autoridadesresponsáveis por protegê-las e pode até fazercom que elas relutem em buscar um apoio for-mal. No entanto, a relutância de profissionais edo público em geral em denunciar casos de vi-olência doméstica em todo mundo sugere que,se leis de denúncia obrigatória não forem apli-cadas pelo menos a determinados grupos deprofissionais, muitas crianças que precisam deproteção nunca serão identificadas e não terãoa proteção de que precisam. Independentemen-te da abordagem escolhida, ela deve ser apre-sentada como um serviço de ajuda que podecolocar a vítima em contato com serviços desaúde pública e apoio social, e não como ummecanismo principalmente voltado para puniros culpados da violência. Alguns especialistasinsistem que crianças e seus representantes de-vem ter acesso a serviços que sabidamente têma obrigação de denunciar e tomar medidas con-tra a violência (geralmente serviços sociais e apolícia) e também a serviços aos quais podemapresentar denúncias confidencialmente, que nãotomarão nenhuma medida sem o consentimentoda criança, a menos que ela esteja correndo ris-co de morte ou de sofrer lesões severas.

Intervenções no melhorinteresse da criança

Uma vez identificada uma situação de possívelviolência familiar contra uma criança, medidas

coordenadas são necessárias para protegê-la. Aavaliação da criança e de sua família exige in-sumos e a participação de prestadores de servi-ço de diferentes setores que tiveram algum con-tato com a criança e/ou sua família. Para mini-mizar o risco de que a criança se perca no ema-ranhado do sistema, os diversos setores comalguma responsabilidade de oferecer proteção àcriança devem trocar informações sobre casosindividuais de violência familiar contra crianças,como já mencionado acima. No entanto, é ne-cessário também estabelecer claramente áreas deresponsabilidade por medidas a serem tomadase que existam mecanismos de responsabilizaçãopor falhas na proteção a ser oferecida.

Alguns países de renda média estão testando for-mas inovadoras de estabelecer ambientes de pro-teção para crianças em comunidades locais. NaSérvia, foram criadas Equipes Móveis de Exten-são para a Proteção da Criança em 2001 em qua-tro municípios inicialmente com a cooperaçãode centros governamentais de assistência sociale equipes itinerantes de ONGs. Em Montene-gro, Equipes Operacionais Multidisciplinaresforam estabelecidas em 2003 em regime pilotocom a assistência técnica do UNICEF para dis-ponibilizar equipes de profissionais treinadospara identificar casos de violência e negligênciae tomar medidas coordenadas. Foram adotadosdiversos protocolos de colaboração, de comuni-cação com os meios de comunicação de massa ede mecanismos para entrevistar crianças que so-freram violência. O Ministério do Emprego e daPrevidência Social adotou esses protocolos des-de então e decidiu estabelecer equipes em todosos Centros de Assistência Social até 2009.201

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Os órgãos de proteção infantil podem investigare levantar provas para apoiar relatos de suspeitade violência. Quando denúncias são verificadas,esses órgãos escolhem o curso de ação a ser to-mado. Essas decisões são frequentemente difí-ceis, já que é necessário garantir um equilíbrioadequado entre diversas demandas potencialmen-te conflitantes -como a necessidade de protegera criança e o desejo de manter a família unida.

É sempre importante adotar a alternativa menosprejudicial para a criança e menos invasiva paraa família, desde que ela possa garantir a segu-rança da criança. Todas as decisões sobre inter-venções devem considerar as preocupações e odesejo das crianças e levar em consideração seuestágio de desenvolvimento, sua saúde emocio-nal e seus laços com outros membros da família,que podem ser saudáveis ou não.

UMA ABORDAGEM MULTISSETORIAL PARA UMA PRESTAÇÃOABRANGENTE DE SERVIÇOS: A UNIDADE DE PROTEÇÃO INFANTIL DOHOSPITAL GERAL DAS FILIPINAS

A Unidade de Proteção Infantil do Hospital Geral das Filipinas adota uma abordagem multis-setorial de serviços médicos e psicossociais abrangentes para crianças e famílias que sofre-ram maus-tratos. O objetivo é prevenir maus-tratos no futuro e dar início a um processo decura. Em 2005, essa unidade cuidou de 927 novos casos de maus-tratos infantis, 81% dosquais envolveram abuso sexual.

Desde o primeiro ponto de contato até a conclusão de um longo processo de acompanha-mento, a unidade oferece um tratamento de qualidade adotando uma abordagem multisseto-rial que coordena ações dos setores de saúde, jurídico e social por meio do seu sistema degerenciamento de casos. A unidade presta serviços jurídicos, policiais e médicos, ofereceaudiências judiciais, orientação e apoio à criança e parentes e aplica terapias ou os encami-nha a outros serviços médicos especializados quando necessário. Ela também oferece ou-tros serviços sociais para famílias de baixa renda, como bolsas de estudo e empréstimossem juros para ajudar no seu sustento. Aulas sobre como criar uma criança ajudam os paisa administrar as expectativas de seus filhos, a compreender melhor seu comportamento e aadotar melhores métodos disciplinares.

Cada criança tem um gerente de caso para coordenar todos os serviços prestados a ela e à suafamília e para facilitar e monitorar seu encaminhamento seguro, sua assistência jurídica e seuscuidados psiquiátricos. Esses gerentes de caso trabalham com as crianças e suas famílias pelotempo que for necessário.200

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Quando cuidados alternativossão necessários

Retirar uma criança de sua família deve ser aúltima opção quando uma intervenção é neces-sária. O ideal é que serviços de apoio sejam dis-ponibilizados a pais que não estão conseguin-do cumprir suas responsabilidades na criaçãode seus filhos. Alternativas de longo prazo (ouseja, encaminhamento temporário a um outrolar ou adoção) só devem ser consideradas quan-do há indícios de que a criança está correndograndes riscos imediatos ou quando se avaliaque o pai ou mãe não estão respondendo a ou-tras intervenções ou não parecem ser capazesde mudar dentro de um prazo adequado para odesenvolvimento da criança.

Uma criança separada do ambiente familiar paragarantir seu bem-estar tem direito a proteção eassistência; além disso, os Estados têm a obri-gação de oferecer cuidados alternativos paracrianças nessas circunstâncias, levando na de-vida consideração a continuidade de sua cria-ção e suas origens étnicas, religiosas, culturaise lingüísticas (artigo 20 da CDC). Cuidados al-ternativos podem ser disponibilizados formal-mente -encaminhando a criança para lares deoutras famílias temporariamente (cuidados ka-falah, segundo a lei islâmica) ou permanentes -e informalmente, encaminhando-a para lares deoutros parentes. Três princípios devem orien-tar decisões sobre cuidados alternativos a se-rem oferecidos a uma criança:202

Soluções baseadas na família geralmente sãopreferíveis em relação às institucionais;

Soluções permanentes sustentáveis devem terprecedência em relação a soluções provisóri-as, desde que satisfaçam os interesses superio-res da criança e sejam avaliadas regularmente;Soluções nacionais são geralmente preferí-veis em relação às que envolvem outros paí-ses (por exemplo, adoções internacionais).

Todas as formas de cuidados alternativos podemenvolver riscos, entre os quais o risco de maisviolência, exploração e outros tipos de violaçãodos direitos da criança. Portanto, os Estados de-vem registrar e regulamentar todas as formas decuidados alternativos e monitorar continuamen-te a situação da criança fora do seu lar e seu tra-tamento, com plena participação dela. (Veja tam-bém o capítulo sobre violência contra a criançaem sistemas assistenciais e correcionais.)

ADVOCACY E EDUCAÇÃOPÚBLICA

A violência contra a criança no lar e na famíliarecebe pouca atenção dos meios de comunica-ção de massa e de pesquisas em todo mundoem comparação com outras questões, como asda exploração sexual de crianças para fins co-merciais ou do trabalho infantil. Os meios decomunicação de massa desempenham um pa-pel crucial na formação de opiniões e em in-fluenciar regras sociais que também afetamcomportamentos. A violência contra a criançano lar e na família deve publicamente divulga-da em todas as regiões. É importante criar es-paços para discutir essa questão e identificarsoluções para ela. Sem uma conscientização

"Chegou a hora de irmos além das análises qualitativa da violência contra a criança. No Sudeste daÁsia, pesquisas populacionais são urgentemente necessárias para identificarmos a verdadeira

escala da violência contra a criança. Precisamos investir em melhores pesquisas e coletassistemáticas de dados sobre esse problema."

Dr. Samlee Plianbangchang, Diretor Regional da OMS para o Sudeste da Ásia

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adequada do problema, será difícil garantirmedidas de prevenção em larga escala e dura-douras, bem como mudanças comportamentais.

Um desdobramento importante observado recen-temente, incentivado pelo processo do Estudo,foi o envolvimento de crianças em pesquisas eem ações de advocacy baseadas nessas pesqui-sas. Nas Consultas Regionais, crianças enfatiza-ram que normalmente não tinham oportunida-des para expressar seus pontos de vista e senti-mentos em relação à violência que sofriam emsuas casas. Em todas as regiões, ONGs estãocomeçado a desenvolver pesquisas participati-vas sobre a violência contra a criança no lar nasquais meninos e meninas são envolvidos nãoapenas como entrevistados, mas também comoco-pesquisadores. Além da oportunidade queoferecem para que crianças falem sobre o com-portamento punitivo de seus pais e de outroscuidadores, esses exercícios rompem o silêncioque caracteriza a violência familiar e contribu-em para promover uma maior compreensão danatureza e dimensões do abuso infantil e de seusefeitos. Essas atividades são extremamente im-portantes para que se crie uma base para campa-nhas de conscientização e workshops.203, 204

Em todas as Consultas Regionais, adultos e crian-ças mencionaram a urgente necessidade de seremadotadas estratégias de advocacy para mudar re-gras culturais e pôr fim à violência contra a crian-ça. Os documentos que apontaram os resultadosdas consultas e dos grupos de trabalho temáticosenfatizaram que as ações de advocacy devem serdirigidas a formuladores de políticas, pais e crian-ças e que enfocar os temas listados abaixo ajudariaa prevenir a violência familiar contra a criança:

Os direitos das crianças, inclusive o direito aproteção contra todas as formas de violência;As conseqüências prejudiciais de castigos cor-porais e de outras formas de punição cruéis oudegradantes e a necessidade de os pais desen-volverem relacionamentos positivos e não vio-lentos com seus filhos na maneira de criá-los;Romper a cultura de silêncio que caracterizaa violência sexual na família;Eliminar estigmas tradicionais e crenças pre-judiciais de que é impossível reduzir a vul-nerabilidade de crianças portadoras de defi-ciência à violência;Práticas tradicionais prejudiciais;O papel de homens e meninos na prevençãoda violência;Os efeitos do HIV em termos da estigmati-zação de crianças e de sua maior vulnerabi-lidade à violência.

Crianças e adolescentes têm um importantepapel a desempenhar em ações de advocacyrelacionadas a questões que lhes dizem respei-to. (Veja o capítulo sobre a violência contra acriança na comunidade.)

Eliminação de práticas tradicionaisprejudiciais

Esforços para eliminar práticas tradicionais pre-judiciais têm ilustrado a importância de inter-venções em múltiplos níveis - será difícil parapais e famílias mudarem de comportamento semmudanças nas regras e comportamentos da co-munidade maior. Para eliminar a prática damutilação genital feminina, é necessário proi-

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bi-la e educar e conscientizar famílias e comu-nidades, além de mobilizá-las para esse fim(veja quadro). Promover mudanças nos conhe-cimentos, crenças, atitudes e práticas das co-munidades é essencial.205 É necessário, também,promover ações de advocacy com a participa-ção de líderes religiosos e comunitários, pro-fissionais da saúde e muitos outros atores.Persuadir apenas pais ou mães individualmen-te não é suficiente. Em locais onde meninasprecisam ser submetidas à mutilação genitalfeminina para serem aceitas socialmente e po-derem se casar, é pouco provável que suas mães,individualmente, se recusem a submetê-las aesse procedimento, por mais doloroso que eletenha sido para elas próprias. A decisão de eli-minar essas práticas deve ser tomada pela co-munidade como um todo e ela precisa saber queoutras comunidades também estão abrindo mãodo costume (veja quadro abaixo).

O casamento infantil exige esforços semelhan-tes para mudar regras sociais e culturais. Até opresente momento, poucas iniciativas de advo-cacy foram tomadas para influenciar e reduzirdiretamente casamentos de crianças. A tendên-cia tem sido a de se considerar que o costumepode ser combatido mais eficazmente matricu-lando-se mais meninas na escola e adotando-seleis para regulamentar o casamento. No entan-to, a maior atenção que vem sendo dada aosdireitos das meninas e mulheres no casamentotem apontado para novas direções. Alguns pro-gramas especificamente desenvolvidos para re-duzir a taxa de casamentos de crianças estãosendo implementados atualmente e ações deadvocacy contra essa prática começaram a ser

adotadas.206 Por exemplo, uma campanha con-tra o casamento infantil foi lançada recentemen-te por organizações da sociedade civil no Iê-men com base nos resultados de pesquisas rea-lizadas pela Universidade de Sana'a.207

Muitas outras práticas que expõem crianças àviolência e as prejudicam devem ser divulga-das e ser objetos de campanhas como parte dosesforços para preveni-las. Essas práticas inclu-em a venda de crianças para fins de exploraçãosexual ou outros tipos de atividades; a estigma-tização de crianças portadoras de deficiência;crianças sem famílias ou que ficaram órfãs emdecorrência do HIV/AIDS; crianças vítimas deabuso sexual; e crianças acusadas de práticasde feitiçaria ou que foram forçadas pelos pais aassumir uma vida dedicada à religião.

A NECESSIDADE DE MELHORARA QUALIDADE DAS INFORMAÇÕESPARA DESENVOLVERPOLÍTICAS E AÇÕES

Dados confiáveis e precisos sobre a magnitude eas conseqüências da violência familiar contra acriança são essenciais para o desenvolvimentode ações de advocacy e políticas, para a aloca-ção de recursos e para a implementação de pro-gramas baseados em evidências concretas. A faltade dados foi um obstáculo percebido ao longode todo o Estudo, particularmente de dados rela-cionados ao contexto familiar e doméstico, emfunção, principalmente, da relutância em denun-ciar mencionada acima, mas também da falta deinvestimentos em pesquisas científicas sobre o

"Nas consultas realizadas em todas as regiões do mundo, parecia que todos estavam apenasesperando por algum tipo de permissão para falar sobre o tema - esperando que a violência contra a

criança deixasse de ser um segredo."

Karin Landgren, Chefe da Seção de Proteção Infantil do UNICEF

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A ABORDAGEM DE TOSTAN

Em novembro de 2005, representantes de 70 vilarejos da região de Matam, situada no nordes-te do Senegal, assinaram uma declaração pública informando que estavam acabando com aprática da mutilação genital feminina e do casamento infantil forçado. Matam é uma regiãomuito conservadora, na qual assuntos dessa natureza nunca poderiam ter sido sequer discuti-dos alguns anos antes. Milhares de habitantes de vilarejos situados a até 300 km de distânciafizeram questão de estar presentes na cerimônia. Dignitários, autoridades e representantes demeios de comunicação de massa também participaram dela. Mulheres, adolescentes, chefesde tribos e líderes religiosos de áreas rurais e autoridades governamentais se comprometerama cumprir o compromisso. Essa declaração, que foi a décima nona desse tipo no Senegal, foio estágio final de um programa de educação pública e de ações de advocacy nos vilarejos.

Esse programa foi implementado no âmbito do Programa de Empoderamento Comunitário deTostan, impulsionado por um clamor coletivo pelo abandono dessa prática de mutilação e docasamento precoce no país. Desde 1997, 1628 comunidades se comprometeram a abandonaressas práticas. A estratégia Tostan consiste em estabelecer comitês comunitários, organizaraulas sobre a saúde da mulher e seus direitos em vilarejos e em ações de mobilização socialpromovidas pelas mulheres que recebem essas aulas. No final do programa, é feita uma decla-ração pública em uma cerimônia de grande porte, que é vista como um elemento crucial doprocesso por caracterizar claramente o endosso social coletivo da mudança.

Uma avaliação realizada pelo Conselho de População em 2004 revelou que o programa Tos-tan havia afetado significativamente os conhecimentos e crenças das pessoas que freqüenta-ram as aulas e das que tiveram contato com o programa de alguma maneira. Por exemplo, aproporção de meninas com até 10 anos de idade que não sofreram mutilação genital aumentoude 46% para 60% entre as famílias que participaram de suas intervenções, enquanto essepercentual continuou inalterado em 48% no grupo de comparação. A aprovação da mutilaçãogenital feminina e a intenção de aplicá-la a meninas caíram significativamente e a intenção deaplicá-la entre as mulheres que participaram do estudo caiu de quase 75% no marco zero paramenos de 25%. Uma outra conclusão encorajadora foi que o conhecimento dos direitos huma-nos aumentou muito entre os participantes do estudo. A proporção de mulheres que tinhamconsciência de seus direitos à saúde, à educação e a um ambiente saudável aumentou de 11%para 94% e a proporção de homens de 41% para 92%.208

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tema. Por um lado, nenhum sistema eficaz decombate à violência pode ser desenvolvido semdados adequados e, por outro, a urgência do pro-blema não permite que esperemos até que sejamimplementados sistemas que possibilitem umacoleta sistemática de dados em países carentesde recursos para que respostas programáticasadequadas para crianças expostas a situações deviolência possam ser desenvolvidas.

A coleta e análise permanentes de dados relaciona-dos a casos oficialmente registrados podem ser úteispara a identificação de tendências na utilização deserviços e, em alguns casos, da prevalência do pro-blema. No entanto, como esses sistemas dependemexclusivamente de casos notificados a autoridadese considerando que na maioria dos casos criançassofrem violência na família sem contar para nin-guém, os sistemas de vigilância baseados em re-gistros oficiais sempre tendem a subestimar a es-cala do problema. A vigilância de casos oficial-mente notificados deve ser complementada porpesquisas junto à população que possam docu-mentar a exposição à violência na infância e suasconseqüências permanentes. Da mesma maneira,só conseguiremos realmente compreender a vio-lência fatal contra crianças se sistemas abrangen-tes de registro de óbitos, investigação e denúnciasestiverem disponíveis (veja quadro).

Pequenos estudos qualitativos e estudos basea-dos em amostragens de conveniência - de famí-lias encaminhadas para serviços de assistênciasocial, por exemplo - são importantes para do-cumentar o problema da violência contra a cri-ança e desenvolver mecanismos adequados paraadministrá-lo. No entanto, para começarmos a

compreender plenamente os padrões da violên-cia familiar contra crianças, são necessáriosestudos que abordem um subconjunto signifi-cativo da população geral e que sejam repeti-dos ao longo do tempo.

Estudos baseados em entrevistas confidenciaiscom crianças, pais e outros cuidadores tambémpodem nos ajudar a compreender todas as for-mas de violência no lar e na família. Obviamen-te, devem ser adotadas salvaguardas éticas paragarantir a proteção necessária às crianças envol-vidas. Estudos retrospectivos e entrevistas comadultos jovens sobres suas experiências infantistambém são iniciativas úteis, mas elas não reve-lam nada sobre o que está acontecendo com ascrianças hoje e podem distorcer a compreensãode experiências na primeira infância, quando al-gumas formas de violência são mais comuns.

Ações de advocacy constituem um dos objeti-vos mais importantes das coletas de dados, prin-cipalmente em países e regiões nos quais a vio-lência doméstica e familiar é negada ou não édiscutida publicamente. Os formuladores depolíticas devem ser convencidos de que a vio-lência contra a criança é mais freqüente do quepensam ou admitem e que são necessárias me-didas urgentes para combatê-la. Contar com osesforços de ONGs e de outros organismos in-ternacionais que apóiam a coleta de informa-ções e a publicação de análises sobre criançasexpostas a situações de violência geralmenteconstitui o primeiro passo no sentido de permi-tir que uma questão cultural e politicamentesensível seja revelada, discutida localmente como efetivo envolvimento de todos e combatida.

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EQUIPES DE AVALIAÇÃO DE ÓBITOS INFANTIS(Child Fatality Review Teams - CFRT)

A maioria das crianças que falecem devido a atos de violência crianças pequenas. Aproxima-damente 40% delas são bebês e 80% têm menos de seis anos de idade. A causa mais comumde óbitos infantis é o traumatismo craniano, seguido de contusão ou traumatismo contuso. Emalguns casos, é difícil identificar a causa da morte de uma criança quando alguém simples-mente afirma que ela "caiu".

A primeira Equipe de Avaliação de Óbitos Infantis foi estabelecida em Los Angeles, em 1978,sob o patrocínio do Conselho Interagências do Condado de Los Angeles contra o Abuso e aNegligência Infantil (ICAN), e era composta pelo legista do condado, por representantes dapolícia, de serviços sociais e do sistema judiciário e por profissionais de saúde e agentes desaúde pública. Posteriormente, o ICAN passou a ser chamado Centro Nacional de Avaliação deÓbitos (NCFR) e outras equipes foram formadas, algumas das quais incluíram professores,profissionais da área da saúde mental e, ocasionalmente, membros da comunidade. Essas equi-pes se reúnem para discutir casos de óbitos de crianças pequenas quando exames médicos sãoinconclusivos e diferentes provas precisam ser reunidas para esclarecer os casos em questão.

Em 2001, aproximadamente 1000 equipes haviam sido estabelecidas na Austrália, Canadá,Nova Zelândia e Estados Unidos. As Filipinas adotaram recentemente um modelo baseadoem hospitais que talvez seja mais indicado para países em desenvolvimento. Uma rede inter-nacional de trabalho começou a desenvolver contatos entre o ICAN e programas introdutóriosna China, Estônia, Islândia, República Islâmica do Irã, Japão, Jordânia, Líbano, Países Bai-xos e Reino Unido.209

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MELHORIA DA BASE DE CONHECIMENTOS DA ÍNDIA - O ESTUDONACIONAL SOBRE ABUSO INFANTIL

A Índia adotou uma abordagem proativa em relação à questão da proteção infantil. Lançadopelo Departamento das Mulheres e do Desenvolvimento Infantil em 2005, o Estudo Nacionalsobre Abuso Infantil envolveu uma enorme rede em todo o país. Uma das primeiras atividadesimportantes nesse contexto foi a realização de uma Consulta Nacional sobre Abuso Infantilem Nova Delhi em abril de 2005 para discutir diversas questões relacionadas à formulação deprojetos e para definir o conceito de abuso infantil e metodologias a serem usadas nos proje-tos, desenvolver instrumentos de coleta de dados e identificar diversas categorias de pessoasa serem entrevistadas. Essa Consulta reuniu especialistas de todas as partes da Índia e dediversas áreas para trocar idéias sobre o tema do abuso infantil, entre os quais acadêmicos,assistentes sociais, ativistas, representantes de ONGs, professores, pesquisadores, policiais,representantes do sistema judiciário e de agências financiadoras como o UNICEF e de organi-zações como a Save the Children, a USAID (Agência Americana para o DesenvolvimentoInternacional), a Plan International, a Catholic Relief Services e a SARI Equity e de outrasorganizações.

O tamanho de amostra selecionado, de 17.500 indivíduos, incluiu crianças (n = 12500), adul-tos jovens (n = 2500) e outras partes interessadas (n = 2500). A amostra incluiu crianças derua e crianças trabalhadoras, estudantes, crianças institucionalizadas e crianças de gruposfamiliares que não estavam freqüentando a escola. A metodologia adotada incluiu discussõescom grupos focais envolvendo crianças em workshops desenhados para crianças, por meiodos quais foram levantadas informações para a definição de indicadores para diversas formasde abuso, levando em consideração aspectos de confidencialidade e éticos.

Desde seus estágios iniciais, o projeto proporcionou oportunidades valiosas para ações deadvocacy e de conscientização, o que foi extremamente útil em um país no qual sabe-se que oabuso infantil existe, mas pouco se fala sobre o fenômeno. A participação de tantos especia-listas teve um efeito multiplicador que promoveu uma conscientização do problema na popu-lação e gerou discussões mais abertas sobre uma questão anteriormente menosprezada. Umaanálise dos resultados do projeto deve estar disponível no final de 2006.210

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RECOMENDAÇÕES

As recomendações apresentadas a seguir basei-am-se nas obrigações dos governos na área dosdireitos humanos previstas na CDC e em outrosinstrumentos e também em evidências levantadasem pesquisas e na observação de práticas existen-tes. Elas reconhecem que embora as famílias se-jam as principais responsáveis pela criação dascrianças, os governos devem tomar todas as me-didas necessárias para garantir que, em todos oslugares, inclusive em seus lares, as crianças se-jam protegidas contra ações que constituam vio-lência contra elas e para combater a violência ondeela ocorra. Além disso, os Governos devem apoi-ar e assistir os pais adequadamente.

A prevenção deve ter prioridade

1. Sistemas abrangentes de prevenção da vi-olência e proteção de crianças devem serimplementados na escala necessária e demaneiras que respeitem a criança e suafamília como um todo, bem como sua dig-nidade e privacidade e as necessidades dedesenvolvimento de meninas e meninos.Os governos devem tomar as medidas ne-cessárias para que os sistemas de resposta àviolência sejam coordenados de modo a pre-venir a violência e garantir intervenções pre-coces. Esses sistemas devem também estarvinculados a serviços integrados em diver-sos setores - nos setores jurídico, educacio-nal, judicial, social, de saúde, do emprego eoutros. As opiniões das crianças em relaçãoa todas as questões e decisões que as afetamdevem ser respeitadas. Os governos têm aobrigação de desenvolver normas baseadas

em evidências para facilitar a prestação deserviços eficazes e sensíveis a todas as cri-anças em todas as partes do país.

No nível da sociedade

2. O impacto de políticas públicas sobre ascrianças e suas famílias deve ser avaliado.Os governos devem avaliar impactos sociais,enfocando, principalmente, os impactos empotencial de políticas públicas sobre a vio-lência contra a criança - especialmente sobrea discriminação, o estresse social e econômi-co e outros fatores de risco relevantes para aviolência familiar contra crianças. Os resul-tados dessas avaliações devem ser usados parapriorizar redes de segurança econômicas esociais que beneficiem famílias diretamente.

3. As redes de segurança econômicas e soci-ais para famílias devem ser ampliadas.Essas redes devem incluir centros de apoioque possam assistir famílias em diversas si-tuações, inclusive em situações emergenci-ais. Elas devem também ajudar a desenvol-ver redes de apoio mediante a disponibiliza-ção de instalações de assistência a criançasde qualidade e programas de enriquecimentoda pré-escola. Programas de assistência tem-porária no lar também devem ser disponibili-zados a famílias que estiverem enfrentandosituações particularmente difíceis. É impor-tante, também, levar em consideração fato-res subjacentes como educação, moradia, em-prego, políticas sociais e oportunidades.

4. Programas de advocacy baseados em evi-dências devem ser implementados para

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prevenir a violência. No nível da socieda-de e da comunidade, os governos devemapoiar estratégias concebidas para consci-entizar a população a respeito dos direitosdas crianças e promover mudanças em re-gras sociais e culturais, a equidade/igualda-de de gênero e a não discriminação. Essesprogramas devem enfocar funcionários pú-blicos, inclusive policiais e pessoal do sis-tema judiciário, educadores, agentes de saú-de e pessoal do setor privado, bem como paise o público geral. Os governos têm a obriga-ção de iniciar e apoiar campanhas de consci-entização que promovam relacionamentosnão violentos e uma melhor comunicação comcrianças, bem como um envolvimento posi-tivo de homens e meninos na vida familiar.

Medidas legais

5. Uma estrutura explicita de leis e políticasna qual todas as formas de violência con-tra a criança dentro da família sejam proi-bidas e rejeitadas deve ser desenvolvida.Os governos têm obrigação de proibir e eli-minar todas as formas de violência contra acriança no lar e em outros ambientes. Issoinclui todas as práticas tradicionais prejudi-ciais, a violência sexual e os castigos corpo-rais, em conformidade com o disposto naCDC e em outros instrumentos de direitoshumanos (veja o Comentário Geral do Co-mitê sobre castigos corporais, no. 8, de ju-nho de 2006). Orientações claras e capaci-tações devem garantir que as leis sejam apli-cadas com sensibilidade em relação aos in-teresses superiores da criança. A reforma

legal deve ser implementada juntamente comações de advocacy e de conscientização con-cebidas para promover relações positivas enão violentas com crianças.

6. As varas de família e outras instâncias dosistema judicial devem ser sensíveis às ne-cessidades das crianças e de suas famílias.Os governos devem tomar as medidas ne-cessárias para garantir que crianças vítimasde violência familiar não sejam vitimizadasnovamente no decorrer de processos judici-ais ou submetidas a processos excessivamen-te longos. Crianças que sofreram violênciadevem ser tratadas com carinho e sensibili-dade em processos judiciais, no decorrer dosquais sua situação pessoal e necessidadesimediatas, idade, gênero, deficiência e nívelde maturidade devem ser levados em consi-deração e sua integridade física, mental emoral plenamente respeitada.

Particularmente, os governos devem tomaras medidas necessárias para garantir que asinvestigações, a aplicação da lei e proces-sos judiciais considerem as necessidades es-peciais da criança à luz das Diretrizes sobreJustiça para Crianças Vítimas e Testemunhasde Crimes (Resolução 2005/20 do ECO-SOC). Para esse fim, a criança deve seracompanhada por um adulto no qual confiadurante todo o seu envolvimento em um pro-cesso judicial, se esse procedimento satisfi-zer seus interesses superiores; sua identida-de e privacidade devem ser preservadas; oimperativo da confidencialidade deve serrespeitado; e a criança não deve ser subme-

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tida a um número excessivo de entrevistas,depoimentos, audiências e contatos desne-cessários com o processo judicial.

Deve-se considerar a possibilidade de usarvídeos previamente gravados ou outros recur-sos para a tomada de depoimentos, como te-lões ou circuitos fechados de televisão, bemcomo de se eliminar outros contatos desne-cessários com o suposto agressor ou com seusadvogados de defesa. Particularmente, secompatível com o sistema de justiça e com odevido respeito ao direito de defesa do réu,os profissionais devem tomar as medidas ne-cessárias para que a criança vítima de violên-cia não seja submetida a acareações desne-cessários, para que o público e os meios decomunicação de massa sejam retirados do tri-bunal durante depoimentos da criança, e paraque guardiões ad litem estejam disponíveispara proteger os interesses legais da criança.Julgamentos rápidos devem também ser ga-rantidos, a menos que julgamentos mais de-talhados e, portanto, demorados atendam osinteresses superiores da criança.

Respostas coordenadas fortalecidas

7. Mecanismos de assistência pré-natal epós-natal e programas de visitas domici-liares devem ser disponibilizados para oti-mizar o desenvolvimento da criança naprimeira infância. O objetivo dessas me-didas seria o de aproveitar os pontos fortesda família e da comunidade para promovero desenvolvimento saudável da criança, per-mitir uma identificação precoce da violên-cia e apoiar famílias com problemas. Os go-

vernos devem tomar as medidas necessáriaspara garantir que esses programas incluaminformações sobre a importância dos laçosafetivos e do desenvolvimento físico, emo-cional e cognitivo de bebês e crianças pe-quenas e devem também levar em conside-ração fatores culturais.

8. Programas culturalmente adequados e sen-síveis a questões de gênero concebidos paraensinar pais e mães a criar seus filhos e pro-gramas que apóiem famílias no sentido degarantir um ambiente sem violência no lardevem ser implementados. Os governos de-vem garantir que componentes importantessejam incluídos nesses programas, como me-didas para enfatizar a importância de laços afe-tivos entre pais e filhos; promover uma maiorcompreensão do desenvolvimento físico, psi-cológico, sexual e cognitivo de bebês, crian-ças pequenas e jovens no contexto de fatoressociais e culturais; desenvolver a capacidadede pais e mães de criar seus filhos adequada-mente, promovendo também relações e méto-dos disciplinares não violentas e a capacidadede solucionar problemas e administrar confli-tos familiares; abordar estereótipos de gêneroe enfatizar o envolvimento de homens e meni-nos na vida familiar. Os governos devem de-senvolver esses programas em conformidadecom as normas de direitos humanos e com baseem evidências científica de sua eficácia.

9. Crianças particularmente vulneráveis de-vem ser protegidas e questões de gêneroabordadas. Os governos devem tomar asmedidas necessárias para garantir que todasas iniciativas relacionadas a pesquisas, ações

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preventivas e respostas para famílias enfo-quem a situação e os riscos enfrentados porcrianças particularmente vulneráveis a atosde violência, como, por exemplo, criançasportadoras de deficiência, refugiadas e ou-tras crianças deslocadas, de grupos minori-tários, sem assistência paterna ou materna eafetadas pelo HIV/AIDS. É necessário em-preender esforços adicionais para compre-ender e combater diferentes riscos porven-tura enfrentados por meninas e meninos eprestar atenção nos conceitos de masculini-dade e estereótipos de gênero envolvidos naviolência contra meninas e meninos.

Desenvolvimento de capacidades

10. As capacidades de pessoas que trabalhamcom crianças e suas famílias devem serdesenvolvidas. Os governos devem garan-tir que os profissionais e leigos que traba-lham com e para crianças recebam um trei-namento adequado e tenham suas capaci-dades permanentemente desenvolvidas me-diante a disponibilização de informações bá-sicas sobre os direitos das crianças e a le-gislação, a violência contra a criança e suaprevenção, identificação precoce e comba-te e a gestão não violenta de conflitos. Alémdisso, essas pessoas devem ter uma com-preensão clara do desenvolvimento físico,sexual, emocional e cognitivo de crianças ejovens e dos vínculos entre o gênero e a vi-olência. Devem ser desenvolvidas tambémhabilidades específicas para a comunicaçãocom crianças e para envolvê-las em deci-sões que as afetem.

Desenvolvimento de sistemas de informação

11. Sistemas de registro civil universalmen-te acessíveis, inclusive sistemas de regis-tro de nascimentos, óbitos e casamen-tos, devem ser implementados. Os gover-nos devem disponibilizar um sistema deregistro civil gratuito e acessível a todos eeliminar quaisquer multas impostas porregistros tardios. O processo deve ser am-plamente defendido e promovido, bemcomo facilitado e implementado em coo-peração com governos locais, hospitais,parteiras profissionais e tradicionais, de-partamentos de polícia, líderes religiosose comunitários e outros parceiros, de modoa garantir uma adesão universal.

12. Uma agenda nacional de pesquisas sobrea violência familiar contra crianças deveser desenvolvida. Os governos devem es-tabelecer um conjunto de prioridades naci-onais para pesquisas que possam suplemen-tar sistemas de informação com dados quan-titativos e qualitativos detalhados. Orienta-dos por indicadores e normas internacio-nais, os governos e seus parceiros devemfortalecer os sistemas de informação pormeio de uma vigilância mais meticulosa dedenúncias de violência familiar contra cri-anças e também de pesquisas junto à popu-lação que incluam estimativas da prevalên-cia da vitimização infantil. Fatores de riscoe de proteção relacionados à violência tam-bém poderiam ser avaliados por meio deestudos retrospectivos da infância e de en-trevistas com adultos jovens.

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Os dados devem ser desagregados para dar vi-sibilidade à escala e amplitude das experiênci-as de meninas e meninos em diferentes faixasetárias relacionadas à violência e a formas desuperá-la, às suas situações e fatores de risco eproteção. Esses esforços devem incluir entre-vistas confidenciais com as próprias crianças,principalmente com crianças de grupos vulne-ráveis e suas famílias, bem como com pais eoutros cuidadores e adultos, adotando-se asdevidas salvaguardas éticas. As informaçõeslevantadas devem ser amplamente divulgadaspara serem usadas como insumos na formula-ção de políticas públicas e na definição de me-didas relacionadas.

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A VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇANAS ESCOLAS E EM AMBIENTES EDUCACIONAIS

Introdução 119Instrumentos de direitos humanos 121Histórico e contexto 123Natureza e escala do problema 124Formas de violência na escola 124

Castigos físicos e psicológicos 124Vínculos com a discriminação e a violência baseadas no gênero 126Violência sexual e baseada no gênero 127O HIV e a violência sexual 128Intimidação ostensiva (bullying) 129Brigas, agressões físicas e gangues 132Homicídios e lesões graves 135Armas nas escolas 135

Impactos da violência na escola 137Impactos sobre a saúde 137Impactos sociais 138Impactos educacionais 139

Fatores que contribuem para a violência 140Fatores de risco 140A Resiliência e outros fatores de proteção 141

Respostas sistemáticas a padrões de violência 142Crianças vulneráveis à violência 143

A situação especial das meninas 145

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Respostas à violência contra a criança em escolas e emambientes educacionais 146A legislação e sua aplicação 149Políticas e programas escolares baseados em direitos 151Desenvolvimento de lideranças e políticas 152Apoio ao pessoal de escolas 153A participação de crianças 155Trabalhando com pais e comunidades 156Disciplina infantil construtiva 156Bullying: prevenção e intervenção 157Violência sexual e de gênero: prevenção e intervenção 159Currículo: O que deve ser ensinado e como 160Criação de espaços físicos seguros e acolhedores 162Pesquisas e avaliações 163Recomendações 164Referências 168

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"Para evitar a violência, precisamos ser ouvidos, precisamos de oportunidades econômicas,trabalho e educação. Precisamos ter uma chance de melhorar nossa qualidade de vida e o direito de

viver num ambiente sem violência."

Adolescentes, América Latina I

INTRODUÇÃO

As crianças passam mais tempo sob os cuidadosde adultos em pré-escolas, escolas, centros deeducação profissionalizante e em outros locaisde aprendizagem do que em qualquer outro lu-gar fora de casa. Como seus pais, os adultos quesupervisam, administram e trabalham nesses lo-cais têm a obrigação de garantir um ambienteseguro e estimulante, que apóie e promova a edu-cação e o desenvolvimento da criança. Eles tam-bém têm o dever de garantir que esse desenvol-vimento prepare as crianças para a vida comoadultos responsáveis e orientados por valores denão violência, de igualdade de gênero, não dis-criminação, tolerância e respeito mútuo. Essessão os valores que os governos abraçam quandoratificam a Convenção sobre os Direitos da Cri-ança (CDC) e outras convenções de direitos hu-manos internacionais, além de obrigações de pro-teger a criança contra todas as formas de violên-cia em escolas ou em qualquer outro lugar, in-clusive mediante o estabelecimento de uma es-trutura jurídica que proíba e coíba todas as for-mas de violência por meio de outras medidasnecessárias para prevenir a violência.

A violência nas escolas pode ser evitada e nãodeve ser tolerada. Para muitas crianças, a reali-dade é que as escolas (termo genérico que seráusado deste ponto em diante para indicar todosos ambientes educacionais para crianças) asexpõem à violência e, portanto, negam seus di-reitos, entre os quais o direito à educação. Emtodas as Consultas Regionais realizadas para oEstudo e em muitos dos relatórios recebidos noprocesso de sua elaboração, crianças confirma-ram o impacto da violência sobre suas possibi-

lidades de ir e vir da escola, de aprender efeti-vamente quando estão na escola e de permane-cer na escola durante um tempo suficiente paracolher os benefícios da educação.1, 2, 3

A imagem pública da violência nas escolastem sido acentuada pelo enfoque dos meiosde comunicação de massa em eventos extre-mos, como massacres com armas de fogo,ataques e seqüestros em massa nesses ambi-entes. No entanto, esses acontecimentos sãoraros. Há formas mais comuns de violênciaque não são divulgadas e podem ser tão tole-radas e até aceitas pelo público, por políticasoficiais e pela legislação que não são consi-deradas suficientemente importantes para serestudadas, discutidas ou debatidas.

Quando o ambiente social e físico da comuni-dade é hostil, é improvável que o ambiente edu-cacional seja poupado. Os níveis e padrões daviolência observada nas escolas geralmente re-fletem os níveis e padrões de violência nos pa-íses, comunidades e famílias como um todo.Esses níveis e padrões, por sua vez, refletemcondições socioeconômicas e políticas, atitu-des sociais, tradições culturais, valores, leis emecanismos para aplicá-las efetivamente. Ondeé legal, aceitável e até louvável que os homenscontrolem as mulheres, que os ricos ou privile-giados controlem os pobres ou desprivilegia-dos e que os pais controlem seus filhos por meioda violência e da ameaça de violência, é prová-vel que seja legal, aceitável e até louvável queadultos e crianças usem métodos semelhantesna escola.4, 5, 6 Na condição de vítimas, perpe-tradores e testemunhas da violência, criançasaprendem que a violência é uma forma aceitá-

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vel de pessoas fortes e agressivas conseguiremo que querem de indivíduos comparativamentefracos, passivos ou pacíficos.

As escolas podem desempenhar um papel sin-gular em esforços para romper padrões de vio-lência proporcionando a crianças, seus pais ecomunidades conhecimentos e habilidade neces-sárias para se comunicar, negociar e solucionarconflitos de maneiras mais construtivas. No en-tanto, em muitos casos os padrões de violênciaestão profundamente enraizados na cultura es-colar, às vezes em decorrência de políticas apoi-adas e promovidas por algumas teorias sobre odesenvolvimento e aprendizado infantis.

Sejam elas cometidas por adultos ou crianças,quase todas as formas de violência nas escolasrefletem um "currículo camuflado" que promo-ve a desigualdade de gênero e estereótipos. Porexemplo, meninos insultam uns aos outros combase em sua suposta falta de masculinidade eassediam meninas com gestos verbais e físicosde natureza sexual. Os castigos corporais apli-cados a meninos são mais freqüentes e duros

que os aplicados a meninas. Agressões sexuaispor parte professores e meninos geralmente sãojustificadas como atos "próprios de meninos" emeninas são culpadas e responsabilizadas porelas porque "pediram por isso". A mensagemimplícita é que os homens devem ser duros esexualmente assertivos e prontos para viver nummundo que não perdoa fraquezas, enquanto asmulheres devem ser passivas, protegidas e nãoassertivas, principalmente em termos sexuais.Esses estereótipos geralmente tornam as esco-las locais inseguros e desconfortáveis para me-ninas e determinam, em grande medida, por queas meninas, particularmente na adolescência,não freqüentam escolas na mesma proporçãoque adolescentes em alguns países.7, 8, 9

Garantir acesso a uma educação de qualidadepara todos é um componente inseparável dosObjetivos de Desenvolvimento do Milênio e dosesforços detalhados na Estrutura de Ação deDacar.10, 11, 12 Para esse fim, as escolas devemgarantir um ambiente seguro e saudável e semameaças de violência para meninas e meninos(veja o quadro).

EDUCAÇÃO PARA TODOS E OS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO

Em abril de 2000, O Fórum Mundial de Educação, realizado em Dacar, Senegal, adotou oPlano de Ação de Dacar com vistas à consecução de seis objetivos da iniciativa Educaçãopara Todos (EPT).13,14,15 Em setembro de 2000, a Declaração do Milênio estabeleceu dois dosobjetivos da EPT como elementos dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. OObjetivo 2 declara que todas as crianças devem ter acesso gratuito e compulsório a um ensinobásico de qualidade até 2015. O Objetivo 3 prevê que a igualdade de gênero deve ser garanti-da no ensino primário e secundário até 2015 e em todos os níveis educacionais até 2015.Esses dois objetivos estabelecem o cronograma específico para se garantir "o direito da crian-ça à educação... progressivamente e em igualdade de condições" previsto na CDC.

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INSTRUMENTOS DE DIREITOS HUMANOS

Em sintonia com o Artigo 13 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Cul-turais, que estabelece o direito de todos à educação, o artigo 28 da Convenção sobre os Direi-tos da Criança (CDC) reconhece "o direito da criança à educação" e "... que ela possa exercerprogressivamente e em igualdade de condições esse direito". O primeiro parágrafo do artigo28 lista as obrigações dos Estados partes, que incluem a de garantir um ensino primário com-pulsório e gratuito para todos, a de incentivar o desenvolvimento de diferentes formas deensino secundário gratuitas ou financeiramente apoiadas em caso de necessidade e a de tornaro ensino superior acessível a todos, de acordo com sua capacidade. O artigo 28 (2) dispõe que"os Estados partes adotarão todas as medidas necessárias para assegurar que a disciplinaescolar seja ministrada de maneira compatível com a dignidade humana da criança e em con-formidade com a presente Convenção". Conformidade com a CDC exige, por exemplo, que acriança seja protegida contra "todas as formas de violência física ou mental, abuso ou trata-mento negligente, maus-tratos ou exploração, inclusive abuso sexual" (artigo 19) e contra"tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes" (artigo 37).

O artigo 29 da CDC aborda os objetivos da educação da criança. O parágrafo 29 (1.b) exigemedidas para "imbuir na criança o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamen-tais" e o parágrafo 29 (1.d) prevê que se deve "preparar a criança para assumir uma vidaresponsável em uma sociedade livre, com espírito de compressão, paz, tolerância, igualdadede sexos e amizade entre todos os povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos e pessoas deorigem indígena". Em 2001, o Comitê dos Direitos da Criança emitiu o Comentário Geralnúmero 1 sobre os objetivos da educação (CRC/GC/2001/1), enfatizando que o processo edu-cacional deve, ele próprio, estar baseado nos direitos garantidos pela Convenção e promovê-los. Isso significa que os Estados devem tomar as medidas necessárias para garantir que todasas escolas respeitem, por exemplo, o direito da criança à não discriminação (artigo 2), à liber-dade de expressão (artigo 13) e à proteção contra todas as formas de abuso e exploraçãosexual (artigo 34). Eles também devem garantir que as crianças sejam plenamente protegidasda intimidação ostensiva (bullying) e de outras formas de violência praticadas por outrosestudantes. O Comitê observou que não proteger estudantes dessas formas de violência podeconstituir uma negação do seu direito à educação (artigos 28 e 29).16

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INSTRUMENTOS DE DIREITOS HUMANOS

O Comentário Geral no. 1 também declara que "as crianças não perdem seus direitos huma-nos quando atravessam os portões das escolas. Por essa razão, a educação deve, por exemplo,ser oferecida de uma maneira que respeite a dignidade inerente da criança, permita que elaexpresse suas opiniões livremente em conformidade com o artigo 12 (1) e participe da vidaescolar. A educação deve também ser oferecida de uma maneira que respeite estritamente oslimites disciplinares previstos no artigo 28 (2) e promova um ambiente de não violência nasescolas. O Comitê tem afirmando repetidamente em suas observações finais que o uso decastigos corporais não respeita a integridade inerente da criança e tampouco os rígidos limitesimpostos à aplicação de medidas disciplinares nas escolas..."17

O Comitê tem refletido essa interpretação em suas observações finais sobre os relatóriosEstados partes da CDC, recomendando que eles proíbam todos os castigos corporais. Emjunho de 2006, o Comitê adotou seu Comentário Geral No. 8 sobre o direito da criança aproteção contra castigos corporais e outras formas de punição cruéis ou degradantes (artigos19, 28 (2) e 37, inter alia; CRC/C/GC/8). O Comitê afirma que o propósito do ComentárioGeral é "enfatizar a obrigação de todos os Estados partes de tomar medidas urgentes paraproibir e eliminar todos os castigos corporais e outras formas de punição cruéis ou degradan-tes contra crianças e desenvolver outras medidas legislativas, de conscientização e educacio-nais que os Estados devem adotar".

O Comitê comentou que "combater a ampla aceitação ou tolerância de castigos corporaiscontra crianças e eliminá-las na família, nas escolas e em outros ambientes não é apenas umaobrigação dos Estados no âmbito da CDC; é também uma estratégia-chave para se reduzir eprevenir todas as formas de violência nas sociedades".18

"Observei comportamentos rudes de professores em escolas e faculdades. Eles aplicam castigos severos todos os dias enós continuamos a sentir muito medo nas salas de aula. Muitas vezes eles obrigam alunos a ficar de pé na sala de aula

para castigá-los, os repreendem com palavrões e caçoam deles por terem se comportado mal ou por não teremaprendido uma lição. Isso tudo é humilhante e também doloroso."

Adolescente de 17 anos, Ásia do Sul e Central II

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PERU, 2002, dois meninos fazem operações aritméticasusando uma calculadora e blocos coloridos em uma escolasituada na aldeia de Los Angeles, no departamento de SanMartín, região noroeste do país, dentro da Amazônia.

HISTÓRICO E CONTEXTO

Historicamente, muitas culturas têm se carac-terizado por estruturas sociais hierárquicas nasquais os que estão no ápice controlam os queestão nos níveis inferiores por meio da violên-cia efetiva e de ameaças de violência. Essasestruturas e práticas foram estendidas para asfamílias e as relações entre homens e mulherese entre pais e filhos e também foram gradual-mente introduzidas nas escolas e nas relaçõesentre professores e estudantes.

Tanto nas famílias como nas escolas, os casti-gos corporais e outras formas cruéis e degra-dantes de punição têm sido amplamente favo-recidos como métodos "disciplinares" suposta-mente capazes de "amansar" crianças indisci-plinadas, colocá-las "no seu lugar" na ordemsocial e prepará-las para enfrentar as difíceis

condições do mundo real. Na Europa e na Amé-rica do Norte, a idéia da educação universal pagaou subsidiada pelo Estado para preparar crian-ças para o mundo do trabalho, para assumir res-ponsabilidades cívicas e familiares e para ga-rantir sua realização pessoal só surgiu em mea-dos do século XIX, quando a revolução indus-trial já havia avançado bastante. Desde aquelaépoca e muitas décadas após o início do séculoXX, submeter crianças a surras, humilhações eisolamento eram métodos educacionais e disci-plinares usados rotineiramente.

Desde a década de 1990, a economia global e aseconomias de diversas nações têm registrado ta-xas de crescimento sem precedentes. As naçõesindustrializadas ingressaram em uma era na qualindústrias baseadas em conhecimentos predomi-nam e as economias usam todos os trabalhado-res que conseguem absorver se eles tiverem umbom nível de escolarização, forem flexíveis e es-tiverem dispostos a absorver novos conhecimen-tos, a se adaptar a novas tecnologias, a se deslo-car de emprego em emprego e por muitos locaisdiferentes e a trabalhar com pessoas de diferen-tes formações. Hoje em dia, quase todas as pes-soas reconhecem que todos saem perdendo quan-do pessoas são excluídas em função de seu gê-nero, raça, crença religiosa e outros fatores nãorelacionados às suas capacidades e potencial.Também é amplamente reconhecido que o mo-delo da livre exploração e crescimento pessoal éo que mais satisfaz os interesses de todos e exigeambientes educacionais seguros e saudáveis.

Ainda há países nos quais muitos líderes, educado-res e pais acreditam que a educação que ensina acriança a questionar conceitos e pensar com inde-

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pendência as leva a entrar em conflito com antigoscostumes adotados por famílias e comunidades.19

O processo de promover mudanças nas práti-cas disciplinares adotadas nas escolas tem sidoparticularmente lento em alguns países comrecursos escassos para a educação e cujos sis-temas educacionais precisam absorver núme-ros crescentes de crianças em idade escolar.As leis estão sendo gradualmente melhora-das,20 mas, mesmo onde proíbem castigos cor-porais, elas nem sempre são efetivamente apli-cadas e, em muitos casos, não são inicialmen-te apoiadas em função de atitudes sociais pre-valecentes. A proibição de castigos corporaisdeve ser acompanhada por capacitações inici-ais e em serviço eficazes na gestão de com-portamentos e numa organização escolar querespeite os direitos das crianças.

NATUREZA E ESCALADO PROBLEMA

Embora tenha sido feito um mapeamento ade-quado do progresso alcançado por todos os pa-íses em relação ao imperativo de abolir casti-gos corporais em lares, escolas e sistemas pe-nais, o mesmo não pode ser dito em relação aoutras formas de violência na escola, que nemde longe têm pesquisas e análises tão avança-das até o presente momento.21 A maioria dosestudos aborda um ou, no máximo, dois tiposde violência escolar, sem levar em considera-ção as dimensões múltiplas dessa violência e aligação entre a violência dentro da escola e foradela, como a violência que ocorre dentro dasfamílias e na sociedade como um todo.

FORMAS DE VIOLÊNCIA NA ESCOLA

As formas de violência identificadas nas escolassão tanto físicas como psicológicas e, geralmen-te, elas ocorrem concomitantemente. As formasde agressão praticadas por professores e outrosfuncionários de escolas com ou sem a aprova-ção explícita ou tácita de ministérios da educa-ção e de outras autoridades responsáveis pela fis-calização de escolas incluem castigos corporaise outras formas cruéis e humilhantes de puniçãoou tratamento, violência sexual e baseada nogênero e intimidação ostensiva (bullying).

As formas de violência praticadas por criançasincluem o bullying, a violência sexual e de gê-nero, brigas no pátio da escola, violência entregangues e agressões com uso de armas. A tecno-logia oferece um novo meio para a prática debullying pela Internet e pelo telefone celular egerou termos novos como "bully cibernético"(para quem pratica atos dessa natureza) e"bullying cibernético" (para os atos em si).

Castigos físicos e psicológicos

O Comitê dos Direitos da Criança define o casti-go "corporal" ou "físico" como qualquer castigoem que a força física é usada com a intenção decausar dor ou desconforto em algum grau, aindaque leve. A maioria dos castigos corporais en-volve o ato de bater em crianças com as mãos(tapas, palmadas) ou com algum instrumento. Noentanto, esses castigos podem envolver, porexemplo, chutes, sacudidas, jogar a criança lon-ge, arranhá-la, beliscá-la, puxar seus cabelos ouorelha, forçar a criança a ficar em posições des-confortáveis, queimá-la e forçá-la a ingerir de-

"O professor esbofeteou os alunos que não foram à sua aula porque queriam ir à biblioteca fazer uma pesquisa.O som das bofetadas pôde ser ouvido bem alto no corredor. Eu presenciei a cena e fiquei com medo.

Não consigo esquecer o som daquelas bofetadas."

Estudante de 16 anos, sub-região do Oceano Índico, 2006III

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terminadas substâncias (como, por exemplo, la-var a boca da criança com sabão ou forçá-la aingerir temperos picantes).22

Segundo o Comitê, todas as formas de castigocorporal são invariavelmente degradantes. Alémdos aspectos físicos definidos acima, há diver-sas outras formas de castigos não físicos que tam-bém são degradantes e, portanto, incompatíveiscom a CDC. Elas incluem, por exemplo, casti-gos que depreciam, humilham, denigrem, fazembode expiatório da criança ou a assustam ou ri-dicularizam. Castigos corporais e outras formasde tratamento degradantes usados por diretoresde escolas e professores foram freqüentementemencionados por crianças nas nove ConsultasRegionais realizadas no âmbito do Estudo. Naconsulta realizada com crianças na Eslovênia,elas fizeram a seguinte observação no início dalista de mensagens preparadas para ser enviadasà Consulta Regional na Europa e na Ásia Cen-tral: "todos os tipos de violência que ocorremnas escolas em todos os países devem ser proibi-dos e... as escolas devem ser locais alegres nosquais as crianças se sintam motivadas para apren-der".23 Mensagens semelhantes foram enviadaspor crianças de todas as partes do mundo.

O conjunto básico de estudos sobre castigos físi-cos24 e uma série de relatórios regionais compila-dos para o Estudo25 revelam uma tendência clarade se eliminar a prática dos castigos corporais nasescolas em todas as regiões, principalmente naEuropa. Dos 223 Estados e territórios dependen-tes monitorados pela Iniciativa Global para Abo-lir Qualquer Tipo de Punição Corporal contra Cri-anças, 106 já adotaram leis proibindo essa práticanas escolas e sete outros têm leis que a proíbem

em algumas partes e locais do país, como, porexemplo, em províncias de um Estado federativoque têm leis próprias ou em algumas escolas, comoas mantidas pelo Estado.26 Todavia, leis contracastigos corporais não são efetivamente aplica-das em muitos casos, mesmo em países como aChina, onde foram aprovadas há muitos anos.27

Em Camarões, uma lei aprovada em 1998 proíbecastigos corporais nas escolas, mas um estudopublicado dois anos depois revelou que os pro-fessores nem se preocupavam em esconder queaplicavam castigos físicos contra "irreverências,desobediências e erros acadêmicos" e 97% dosalunos relataram que continuavam sendo fisica-mente castigados.28 As conseqüências da não apli-cação dessas leis podem ser graves.

Outras formas cruéis ou degradantes de puniçãoque não envolvem violência física foram muitomenos estudadas. As entrevistas realizadas comcrianças para colher insumos para o Estudo reve-laram lembranças de outras formas de humilha-ção impostas por colegas, diretores e professorespor meio de palavras e ações que estão muito pre-sentes na mente de crianças e de muitos adultos.

Foram relatados casos de castigos corporais apli-cados por razões completamente além do controleda criança, como, por exemplo, o fato de seus paisnão terem pago mensalidades escolares29 e tambémpor baixo desempenho na escola ou para corrigircomportamentos inadequados. Em muitas situa-ções, não é fácil distinguir essas duas motivações.Estudos realizados no Egito,30 Lesoto,31 Togo32 enações insulares do Oceano Índico33 revelam quecastigos corporais são amplamente usados para pe-nalizar crianças por baixo desempenho escolar, oque também ocorre em outros países. Em estudos

"Ela (a professora) sabe que está fazendo uma coisa errada, mas aposta na impunidade.Ela não será punida por esses atos e sabe disso."

Adolescente de 15 anos, Europa, 2005IV

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realizados em sete países do Oriente Médio e daÁfrica do Norte, um terço dos alunos relatou quehavia sido surrado com vara porque sua turma ouescola não havia tirado boas notas em provas.34

Castigos coletivos pelo baixo desempenho de umaturma ou de toda uma escola também foram repe-tidamente mencionados.

Vínculos com a discriminação e aviolência baseadas no gênero

Há evidências que sugerem que crianças de gru-pos sujeitos a estigmas ou discriminação na soci-edade como um todo ficam às vezes sujeitas acastigos corporais mais rigorosos e freqüentes nasescolas. Na Índia, o Relatório Público sobre aEducação Básica (PROBE) de 1998 concluiu queos professores de castas superiores tendiam a hu-milhar crianças do Dalit (o grupo dos "intocáveis",a mais inferior das quatro castas) e de outras cas-tas inferiores, chamando-as de estúpidas e impos-síveis de educar.35 Nos 23 estados dos EstadosUnidos nos quais os castigos corporais ainda sãolegais, crianças afro-americanas os sofrem commais frequência do que as outras.36 Crianças refu-giadas em Angola, em Zâmbia e na África do Sultambém se sentem preferencialmente escolhidaspara receber castigos corporais.37

Em geral, os meninos são submetidos a casti-gos corporais mais rígidos e mais freqüentesque as meninas, mas elas não estão, nem de lon-ge, imunes a eles. Pesquisas indicaram que, noEgito, 80% dos meninos e 67% das meninasnas haviam sofrido castigos corporais em esco-las; em Barbados, 95% dos meninos e 92% dasmeninas entrevistados afirmaram ter sofridosurras com vara ou chicote na escola.38 Uma

pesquisa que envolveu 3.577 alunos de seis pro-víncias da China constatou que 17,5% haviamsofrido uma ou mais formas de castigo corpo-ral por parte de professores antes de completa-rem 16 anos; 15% haviam sido surradas, chuta-das ou castigadas sem uso de objetos; 7 % ha-viam sido surradas com algum objeto, 0,4%delas haviam sido trancadas em algum recintopequeno ou amarradas com cordas ou corren-tes; e 0,1% delas haviam sido submetidas a su-focamento, queimaduras ou esfaqueamento. Opercentual de alunos (26,9%) submetido a umaou mais dessas formas de agressão foi mais de2,5 vezes mais alto que o de alunas (10.1%).39

Diretores de escolas e professores podem aplicardiferentes tipos de castigos corporais e outras for-mas cruéis ou degradantes de punição de acordocom o gênero da criança, transmitindo, nesse pro-cesso, mensagens sobre o que se espera de crian-ças e adultos de cada gênero. Em Botsuana, porexemplo, nenhum professor que não seja o pro-fessor chefe pode aplicar castigos corporais a umamenina e, nas escolas primárias, os meninos po-dem receber palmadas nas nádegas, mas as meni-nas só podem apanhar nas panturrilhas e na pal-ma da mão. Meninos e meninas podem ser puni-dos por diferentes formas de má conduta; porexemplo, um menino pode ser punido por nãoconseguir realizar uma determinada proeza atléti-ca em uma aula de educação física, enquanto umamenina pode ser punida por um comportamentodesordeiro ou "inadequado" para uma dama - queteria sido aceito se fosse um menino. O fato depolíticas de gênero explícitas ou implícitas seremaplicadas a castigos corporais sugere que quais-quer estratégias para eliminá-los devem tambémabordar diferenças de gênero.40

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Violência sexual e baseadano gênero

A violência de gênero tem origem na desi-gualdade de gênero, em estereótipos e empapéis socialmente impostos. A violência se-xual, inclusive o assédio sexual de meninas,pode ser motivado pelo desejo de punir ouhumilhar meninas em função de seu sexo ousexualidade, por interesse sexual ou pormera bravata. Ela também é usada para inti-midar, humilhar e diminuir meninas. Issopode ser claramente percebido na prática deresponsabilizar meninas por estupros e, ondea discriminação de gênero não é questiona-da, elas podem ser responsabilizadas porquase qualquer tipo de assédio, agressão ouexploração sexual.

Estudos sugerem que o assédio sexual de me-ninas em escolas por parte de professores e co-legas é comum em todo o mundo em diferentesníveis e que ele pode ser particularmente fre-qüente e extremo onde outras formas de vio-lência também prevalecem.41, 42, 43, 44, 45Os professores geralmente percebem o assédiosexual entre alunos - mais freqüentemente me-ninas - como um elemento normal da vida naescola e, portanto, o ignoram. Nessas circuns-tâncias, é difícil para os alunos denunciaremcasos de assédio. No Oriente Médio, não hámuitos relatos de assédio sexual de meninas,talvez porque elas geralmente ficam separadasdos meninos nas escolas ou porque relutam emdenunciar casos dessa natureza.

Até recentemente, quase não havia debates pú-blicos sobre o abuso sexual de meninas nas es-

colas do Japão e suas vítimas raramente denun-ciavam casos dessa natureza. Elas sentiam muitavergonha e sabiam que se falassem sobre o quehavia acontecido sua reputação ficaria mancha-da pelo resto de sua vida.46 Atitudes semelhan-tes ainda são comuns em diversos países. Umestudo realizado na Etiópia, por exemplo, ob-servou que os estudantes atribuíam o assédiosexual de meninas a como elas se vestiam e nãoa atitudes dos meninos em relação a elas.47 NaÁfrica ocidental e central, professores justifi-caram a exploração sexual de alunas afirman-do que suas roupas e comportamentos eram pro-vocativos e que eles estavam longe de casa ecarentes sexualmente.

48

Na Europa e na América do Norte, a altíssi-ma taxa de abuso sexual de meninos por pro-fessores do gênero masculino (em muitos ca-sos clérigos) em escolas mantidas por insti-tuições religiosas só foi revelada na décadade 1990, quando melhores mecanismos deproteções e sistemas de denúncia foram ado-tados - que permitiram a denúncia de algunscasos décadas após terem ocorrido. Anterior-mente, crianças sexualmente agredidas ouexploradas por professores tinham muita ver-gonha de contar o que havia acontecido comelas, pois sabiam que ninguém acreditaria nassuas histórias ou, se alguém acreditasse, queelas seriam responsabilizadas por atrair aatenção sexual de outros homens. Um estudorecente revelou que quase 4.400 padres (4 %de todos os padres ativos naquela época) ha-viam sido acusados de abusar sexualmente deaproximadamente 10.700 crianças entre 1950e 2002 e que, em sua grande maioria, essascrianças eram meninos.49

"A violência contra a criança acarreta custos incalculáveis para gerações presentes e futuras, alémde prejudicar o desenvolvimento humano. Reconhecemos que praticamente todas as formas de

violência estão relacionadas a papéis e desigualdades de gênero profundamente enraizados e que aviolação dos direitos da criança está relacionada à condição da mulher."

Declaração Africana sobre Violência contra Meninas, 2006V

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Estereótipos culturais nocivos que aviltam cri-anças em função de seu sexo ou sexualidade co-nhecida ou presumida criam ambientes nos quaiscrianças podem sofrer abusos impunemente, in-clusive por parte de adultos em funções de con-fiança e autoridade, como clérigos em escolasreligiosas. Em 2004, o Ministro de Estado paraAssuntos Religiosos do Paquistão surpreendeua nação ao comunicar que, até o mês em questãonaquele ano, 500 denúncias de abuso sexual pra-ticado por clérigos em escolas religiosas haviamsido registradas e que, no ano anterior, 2.000denúncias haviam sido recebidas, embora nin-guém tenha sido efetivamente processado judi-cialmente até o presente momento.50, 51

O HIV e a violência sexual

Nos países da África Subsaariana, a taxa médiaatual de prevalência do HIV entre meninas e mu-lheres com idades entre 15 e 24 anos é três vezesmais alta que entre meninos e meninos na mesmafaixa etária.52 A violência sexual é um fenômenocada vez mais reconhecido, embora ainda muitopouco estudado, como um fator que contribuimuito para o aumento observado nessas taxas.

Uma análise dos dados da Pesquisa Global daSaúde de Estudantes Baseada na Escola (LGSE)revela que, na Namíbia, 19% dos meninos emeninas responderam afirmativamente quandoforam perguntados se "alguma vez haviam sidofisicamente forçados a ter relações sexuais". NaSuazilândia, 9% dos meninos e 10% das meni-nas responderam afirmativamente; em Uganda,13% dos meninos e 25% das meninas; na Zâm-bia, 30% dos meninos e 31% das meninas; e noZimbábue 11% dos meninos e 14% das meni-

nas.53 Em 1999, uma pesquisa baseada numaamostra de 10 mil alunas de escolas de Quêniaobservou que um terço delas eram sexualmenteativas e que, destas, 40% disseram que sua pri-meira experiência havia sido forçada, geralmen-te por um aluno do gênero masculino.54 No en-tanto, um estudo mais recente em realizado Bur-quina Faso, Gana, Malaui e Uganda revelou,porém, que o sexo forçado e a vulnerabilidade àinfecção do HIV eram mais prevalentes entreadolescentes casados do que entre os solteiros.55

Em muitos países da África Subsaariana, a mai-oria das adolescentes não freqüenta a escola eentre um quarto e metade delas são casadas, fre-qüentemente com homens mais velhos.56 Na Eti-ópia, as meninas de um modo geral consideramque freqüentar a escola é uma forma de evitar ocasamento precoce e indesejado.57

O sexo forçado é um fator de risco de contá-gio do HIV/AIDS. Essa é uma preocupaçãocrescente no contexto das escolas. Na ÁfricaOriental e Meridional (como em outras regi-ões), a Consulta Regional realizada para oEstudo identificou o assédio e abuso sexuaispor parte de alunos e professores, geralmentedo gênero masculino, contra alunas como pro-blemas de peso. Os participantes da Consultaconfirmaram casos de professores que prome-tiam notas melhores a meninas em troca deuma relação sexual e também informaram queas meninas que engravidam em decorrência deum abuso praticado por professores e alunosgeralmente eram expulsas da escola. Em al-guns países, o casamento de uma menina grá-vida com o seu agressor pode absolvê-lo daresponsabilidade legal, o que aumenta o riscode casamentos forçados.

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Um estudo coordenado pelo UNICEF concluiuque o abuso sexual era comum em todos os paí-ses da África Ocidental e Central e que os minis-térios da educação tinham conhecimento dessefato e o consideravam como uma das principaisrazões da evasão escolar de meninas.58 Um estu-do realizado pela organização Human RightsWatch revelou que, nas escolas da África do Sul,o assédio e abuso sexuais contra alunas por par-te de professores e alunos eram práticas comunse que as meninas eram estupradas nos banheirosdas escolas, em salas de aula vazias, em dormi-tórios e em albergues.59 Em uma pesquisa recen-te realizada em Gana, 6% das crianças em idadeescolar afirmaram que seus professores as chan-tageavam, ameaçando dar notas mais baixas aelas se não aceitassem ter relações sexuais comeles. Dois terços delas não haviam denunciadoesses incidentes por se sentirem envergonhadas,por terem sido aconselhadas a ser tolerantes epor acreditarem que nenhuma medida seria to-mada contra seus agressores. Um percentual re-duzido de meninos também relatou assédio se-xual contra eles. Entre os meninos, 24% admiti-ram ter participado de um estupro, inclusive deestupros cometidos por gangues. Entre as meni-nas, 14% afirmaram ter sido violentadas pormeninos de seu círculo de amizade.60

Em outras partes do mundo, estudos mais geraissobre abusos sexuais revelaram que professorestambém coagem ou abusam sexualmente de cri-anças e jovens. Em um desses estudos, 6% demais de 2.000 estudantes universitários da Re-gião Administrativa Especial de Hong Kong daChina relataram que haviam sofrido abusos des-sa natureza antes de completarem 17 anos deidade. A idade média na qual esses abusos ocor-

reram era a de onze anos e professores foramresponsáveis por 7% de todos os casos, emborafamiliares e amigos da família tivessem sidoapontados como os agressores na maioria doscasos.61 Um estudo realizado pelo UNICEF noNepal observou que 9% das crianças haviamsofrido abusos sexuais graves (beijos em partesíntimas, sexo oral e penetração) e que 18% dosagressores eram professores.62 Numa contribui-ção para o Estudo, o Comitê Internacional deResgate relatou que o abuso sexual contra meni-nas é um problema de peso em escolas de refu-giados nas quais os professores são homens.63 AConsulta Regional na América Latina relatou quemeninas na República Dominicana, Honduras,Guatemala, México, Panamá e Nicarágua sãovítimas de coerção sexual de professores, às ve-zes na forma de ameaças de que receberão notasmais baixas se não colaborarem.64

Como um fato positivo, a Consulta Regionalna África Oriental e Meridional observou queos países estão tomando medidas em relaçãoao problema promovendo mudanças em suasleis, políticas e práticas. Na África do Sul e emZâmbia, por exemplo, esse tipo de "violação"de meninas é considerado um delito grave quepode acarretar até prisão perpétua e as meninasque engravidam em decorrência do ato recebempermissão para se ausentar da escola.65

Intimidação ostensiva (bullying)

Desde a década de 1970, o reconhecimento daameaça que a prática do bullying representa parao bem-estar da criança na escola vem crescendo,bem como a literatura e estudos que analisam suascausas, prevalência e impactos tanto para suas

"Passei a anotar num caderno as datas e horas nas quais era assediado. Depois, mostrei minhasanotações ao diretor e ele me disse: 'Filho, você deve estar com muito tempo livre para ficar fazendo

essas anotações. Tenho mais o que fazer do que me preocupar com o que aconteceu há duas semanas.'Eu disse a ele: 'Queria que o senhor soubesse o que está acontecendo, que soubesse como sou

assediado todos os dias'. Ele tomou o caderno das minhas mãos e jogou-o na lata de lixo."

Estudante, América do Norte, vítima de bullying, supostamente por ser homossexual, 2005VI

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vítimas como para seus perpetradores.66, 67 Embo-ra o bullying seja um problema mundial, essa lite-ratura origina-se, principalmente, em países in-dustrializados. Ela surgiu inicialmente na Escan-dinávia na década de 1970 e, posteriormente, noReino Unido, no Japão, na Austrália e nos Esta-dos Unidos e analisa características dos agresso-res e das vítimas, bem como diversos fatores derisco pessoais e sociais que contribuem para essetipo de comportamento. Ela também ampliou adefinição de bullying para incluir formas mais sutise complexas de violência psicológica e, além dascaracterísticas de agressores e vítimas, passou aanalisar também como eles foram criados e seusambientes familiares e sociais, inclusive o am-biente de suas escolas. O bullying também é di-ferenciado de outras formas de violência porquerepresenta um padrão de comportamento e nãoum evento isolado. A literatura revela tambémque quase todas as formas de bullying têm umcaráter sexual ou baseiam-se no gênero. Essasconstatações mudaram a maneira pela qual obullying é percebido, no sentido de que medidascontra essa prática possam também contemplaro padrão desse comportamento.

Bullying centrado no sexoou na sexualidade

Professores e outras crianças freqüentementepressionam crianças para que se ajustem a valo-res culturais e atitudes sociais que definem o quesignifica ser "masculino" ou "feminino". Ummétodo amplamente empregado é o de se usarpalavras para sugerir que um menino está agin-do como uma menina ou talvez seja gay e queuma menina está agindo como um homem outalvez seja lésbica. Essas conotações podem ser

usadas jocosamente, mas transmitem a mensa-gem de que seria muito ruim ou inaceitável sefossem verdade. Elas podem ser usadas malicio-samente para castigar ou intimidar crianças porserem "afeminadas demais" ou "masculinizadasdemais", por serem sabida ou supostamente gaysou lésbicas ou simplesmente por serem diferen-tes em algum outro aspecto não aceito.

Quando meninos chamam meninas de "piranhas","lésbicas" ou outros termos semelhantes que ques-tionam sua moral sexual ou sexualidade, eles po-dem, na verdade, estar expressando ressentimen-tos em relação a elas de um modo geral ou senti-mentos de raiva, frustração ou inveja. Um estudorealizado na África do Sul revelou que meninasque se queixavam de estar sendo sexualmente as-sediadas eram freqüentemente chamadas de lés-bicas.68 Da mesma maneira, meninos podem serchamados de gays quando respeitam meninas ex-cessivamente e não as assediam sexualmente jun-to com outros meninos.

O bullying de alunos e alunas que sabida, su-posta ou alegadamente são gays e lésbicas podeassumir a forma de provocações, pichaçõesobscenas, propostas sexuais indesejadas e es-tupros simulados - e pode envolver agressõesfísicas brutais. Embora se saiba que esse com-portamento é comum em muitos países, a lite-ratura está, em sua maior parte, restrita à Euro-pa e à América do Norte.69, 70 Em muitos países,a atividade homossexual é considerada um de-lito penal ou é, no mínimo, altamente estigma-tizada, razão pela qual o bullying e outros tiposde violência contra homossexuais não recebemmuita atenção das autoridades e são tratadoscomo questões não oficiais.71

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A escala do bullying

A pesquisa sobre Comportamento de Saúde deCrianças em Idade Escolar (CSCE) realizadaem países desenvolvidos e em transição da Eu-ropa Central e Oriental em 2001-2002 apurouque 35% das crianças em idade escolar haviamsofrido bullying nos dois meses anteriores, va-riando de 15% na Suécia a 64% na Lituânia(veja a Figura 4.1).72 Pesquisas recentementerealizadas em países desenvolvidos como parteda LGSE também levantaram dados que varia-vam muito no que se refere ao percentual decrianças que relataram ter sido vítimas debullying nos 30 dias anteriores (veja a Figura4.2).73 Os parâmetros de "dois meses anterio-res" e "30 dias anteriores" indicam que as con-clusões não são perfeitamente comparáveis; noentanto, mesmo quando os parâmetros são idên-ticos, as comparações entre países devem serinterpretadas cautelosamente, pois a taxa decasos relatados de bullying tende a aumentar àmedida que os especialistas em educação e de-senvolvimento infantil conscientizam mais opúblico sobre a questão.74

A pesquisa HBSC de 2001/02 constatou que obullying diminuía à medida que a idade das cri-anças aumentava e que embora percentuais se-melhantes de meninos e meninas tivessem indi-cado ter sofrido bullying, mais meninos admiti-ram ter adotado atitudes intimidadoras em rela-ção a outros. Embora o bullying seja comum emgrupos do mesmo gênero, quando ele ocorre en-tre grupos de gêneros diferentes, a probabilida-de de meninas serem intimidadas por meninos émaior.75 Estudos recentes sugerem que cerca demetade das crianças que praticam bullying são

vítimas e perpetradoras ao mesmo tempo e queelas são as mais problemáticas entre todas asenvolvidas nesse tipo de comportamento.76

O bullying está apenas começando a se tornar umproblema nas Filipinas, na Tailândia e em outrospaíses do Leste Asiático e da região do Pacífico.Numa pesquisa realizada na República PopularDemocrática do Laos, 98% das meninas e 100%dos meninos informaram ter testemunhado bullyingem escolas e embora sua natureza ou gravidade nãotivessem sido claramente identificadas, suas víti-mas eram principalmente meninas ou crianças deminorias étnicas.77 Um estudo realizado com alu-nos da quarta série do primeiro grau na Repúblicada Coréia concluiu que o bullying é comum nasescolas e resulta das condições sociais e proble-mas emocionais do agressor.78 Relatórios do Sulda Ásia indicaram a ocorrência de casos de dis-criminação severa em sala de aula contra crian-ças de minorias étnicas ou castas inferiores naforma de abuso e exclusão. Uma consulta sobreviolência nas escolas realizada por meio do fó-rum Vozes da Juventude do UNICEF tambémconfirmou que o bullying é amplamente pratica-do em escolas do Oriente Médio e da África doNorte, fato que levou crianças a clamarem pelofim desse tipo de violência nessas regiões.79

As formas mais comuns de bullying são verbaise, se não forem combatidas, podem gerar situa-ções de extrema violência. O ímpeto observadorecentemente no sentido de se estudar a práticade bullying foi motivado pelos massacres comarmas de fogo praticados por alunos contra ou-tros em escolas nos Estados Unidos e no Canadáno final da década de 1990. Uma investigaçãoconstatou que a incapacidade de lidar com a ri-

"As escolas, que deveriam ser 'locais de aprendizagem', se tornaram um pesadelo devidoà violência insuportável que as crianças sofrem nelas."

Criança, região leste e sul da África, 2005VII

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dicularização social e a rejeição pessoal pode terocasionado esses massacres.80 Um estudo rea-lizado em Israel indicou que o sofrimento, hu-milhação ou raiva experimentados por bullies (osque praticam o bullying) podem explicar por queeles passam da violência verbal à física.81

A Internet e os telefones celulares oferecem no-vas oportunidades para a prática de bullying pormeio de e-mails, conversas on-line, páginas pes-soais na Internet, mensagens de texto e ima-gens.82, 83 Uma pesquisa realizada com estudan-tes no Canadá revelou que meninos confessa-vam com mais freqüência ter praticado bullyingcibernético que meninas e que eles também eramvítimas mais freqüentes dessa prática.84 Um as-pecto singular do bullying cibernético é que elepermite que os que o praticam permaneçam anô-nimos. Além disso, ele possibilita uma rápidadistribuição e multiplicação de mensagens e podetransformar grandes quantidades de crianças emespectadores ou testemunhas de bullying não fí-sico e altamente malicioso, enquanto os que opraticam escondem-se atrás do seu anonimato.

Por que as escolas não conseguemdesestimular a prática do bullying

Uma liderança forte, um etos caracterizado pelaatenção e políticas claras e colocadas em práticapermanentemente podem reduzir a incidência egravidade da violência em escola de todos os ti-pos e até evitar que ela ocorra. Infelizmente, amaioria das escolas recorre a soluções rápidas efáceis ou lida com o problema superficialmente.Às vezes elas expulsam o agressor, por exem-plo, em vez de tentar corrigir seu comportamen-to, o que simplesmente transfere o problema para

uma outra escolar ou para a comunidade maior.Às vezes elas incluem mensagens de não violên-cia em matérias não obrigatórias ou em aulas ad-hoc, mas essa medida geralmente é insuficientepara transmitir os conhecimentos e as técnicasque professores e alunos precisam absorver paracompreender e prevenir a violência.85

A prática de bullying nas escolas geralmenteocorre quando não há professores presentes eoutros estudantes apenas observam sem inter-vir ou denunciar sua ocorrência a professoresou outros funcionários de suas escolas. Um es-tudo canadense observou que em 57% dos ca-sos em que estudantes intervieram em situaçõesde bullying essa prática foi eliminada.86 As cri-anças da América do Norte que participaramdos Fóruns Infantis realizados no âmbito doEstudo sugeriram que esquemas de apoio a co-legas poderiam motivar estudantes que apenasobservam situações de bullying sem nada fazera defender outros estudantes vitimizados.

Brigas, agressões físicase gangues

Brigas geralmente envolvem duas ou mais pes-soas e não é fácil distinguir os agressores desuas vítimas. A prática do bullying pode gerarbrigas com ou sem armas. Agressões físicaspodem ocorrer como um fenômeno separado,como no caso de um ataque de uma só pessoa aoutra motivado por sentimentos inflamados deraiva ou ciúme. Podem também ser gerados porsentimentos gerais de ira, frustração ou humi-lhação provocados por alguma coisa que a víti-ma tenha feito, como no caso de agressões se-xuais e massacres aleatórios com armas de fogo.

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Uma análise dos dados da pesquisa HBSC de2001/02 revelou que de 25% das crianças emidade escolar da Finlândia a 49% da Lituânia ha-viam se envolvido em brigas físicas nos 12 me-ses anteriores e que essas brigas eram muito maiscomuns entre meninos que entre meninas (vejaa Figura 4.3).87 Uma análise de dados de pes-quisas mais recentes realizadas como parte daLGSE sugere que, em paises em desenvolvimen-to, as brigas são mais comuns e que as meninastêm uma tendência maior de participar delas nes-ses países do que em países desenvolvidos ouem transição (veja a Figura 4.3).88

Meninos tendem a se envolver em brigas eagressões contra outros para se enquadrar emestereótipos masculinos segundo os quais oshomens devem ser poderosos e fortes.89 Os es-tudantes de uma universidade queniana fo-ram solicitados a registrar suas "Memórias deViolência na Infância". Suas lembranças maisvivas eram de atos de violência praticados porprofessores, mas eles descreveram práticas debullying e brigas entre crianças de uma manei-ra que parecia sugerir que não valia a pena lem-brá-las e que elas eram simplesmente aceitascomo parte da cultura escolar.90

Homicídio e lesões graves

Homicídios e ataques que provocam lesões fí-sicas graves são comparativamente raros emescolas e correspondem a uma parcela muitopequena da violência criminosa registrada nasociedade como um todo. A atenção dada pelosmeios de comunicação de massa a casos extre-mos, como esfaqueamentos e massacres comarmas de fogo em escolas, gerou uma impres-

são distorcida da prevalência desse tipo deagressão, mas também deu origem a investiga-ções sobre os vínculos entre a violência na es-cola e a violência criminosa praticada por jo-vens e adultos fora do ambiente escolar.

O testemunho de crianças, pais, professores eoutras pessoas nos Fóruns Infantis e nas Con-sultas Regionais realizadas como parte do Es-tudo sugerem que a violência extrema nas es-colas deve ser mais detalhadamente estuda-da.91 Um estudo realizado na Jamaica reve-lou que 61% de seus estudantes haviam pre-senciado atos de violência na escola, que 29%desses atos provocaram lesões e que muitascrianças não se sentiam seguras nas escolas.91

Na Jamaica, a taxa de homicídios era de 55para cada grupo de 100.000 habitantes em 2004e 25% dos indivíduos presos por crimes vio-lentos eram crianças em idade escolar, princi-palmente meninos. A maioria dos crimes ocor-ria distante das escolas; no entanto, um estu-do separado concluiu que os crimes ocorridosem escolas deviam-se a fatores que afetavama sociedade jamaicana como um todo que exi-giam soluções abrangentes.92

Armas nas escolas

Um estudo nacional realizado recentemente nosEstados Unidos revelou que de 3% a 10% dosestudantes andavam armadas dentro das escolase que 12% a 25% andavam armados fora da es-cola. Esse mesmo estudo mostrou que 13% dosestudantes haviam se envolvido em brigas nasescolas no ano anterior e que 33% haviam briga-do fora das escolas. O estudo revelou tambémque 5% de todos os alunos tinham evitado ir à

"Dois garotos estavam brigando e um deles sacou uma arma... como havia muita gente ao redor, elenão fez nada, mas acho que ele teria atirado no outro se não houvesse ninguém por perto."

Menino, 11 anos, América do Norte, 2005VIII

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escola pelo menos um dia nos 30 dias anteriorespor estarem preocupados com sua segurança.93

Nos Estados Unidos, algumas pesquisas indica-ram que em escolas nas quais meninos costu-mam andar armados, a probabilidade de as me-ninas também andarem armadas é maior.94

Estudos realizados no Canadá sugerem que an-dar armado em escolas é um fenômeno tão co-mum naquele país quanto nos Estados Unidos.95

Uma análise de suspensões de alunos na NovaEscócia indicou que aproximadamente metadedelas devia-se ao fato de eles terem entrado comarmas na escola. Ainda não se sabe ao certo se onúmero de alunos que andam armados está au-mentando ou diminuindo nas escolas norte-ame-ricanas. O mesmo pode ser dito em relação àsescolas da Europa Ocidental, embora evidênci-as indiquem que todos os tipos de violência físi-ca têm se mantido relativamente constantes.96 Emoutras regiões, armas são geralmente associadasà violência de gangues.

Desenvolver grupos de colegas faz parte da vidaacadêmica, mas gangues também se desenvol-vem em ambientes escolares. Esses grupos dis-tinguem-se de outros grupos de colegas por suasestruturas e rituais mais formais. A violênciade gangues em escolas parece ser mais freqüenteem locais onde a violência é mais comum nasociedade como um todo. Participantes da Con-sulta Regional do Caribe para o Estudo relata-ram que as gangues e a violência de ganguesfora e dentro da escola têm crescido paralela-mente na mesma proporção. Esses participan-tes relataram que a violência de gangues dentroda escola inclui surras severas, esfaqueamen-tos e tiroteios e que ela tende a ser mais grave

do que outras formas de violências nas escolasporque está associada ao tráfico de drogas.97, 98

Os participantes da Consulta Regional da Amé-rica Latina relataram um crescimento paralelosemelhante da violência de gangues dentro efora da escola.99 (Veja o capítulo sobre violên-cia contra a criança na comunidade.)

IMPACTOS DA VIOLÊNCIANA ESCOLA

Esta seção indica os possíveis impactos da vio-lência nas escolas. No entanto, é importanteobservar que essas conseqüências não são ine-vitáveis. Na verdade, elas podem ser perfeita-mente evitadas e substancialmente reduzidaspor meio de intervenções eficazes, que serãodiscutidas nas próximas seções.

IMPACTOS SOBRE A SAÚDE

A violência nas escolas pode ter um impactofísico e provocar estresse psicológico, defi-ciências físicas permanentes e doenças físi-cas ou mentais de longo prazo. Seus impac-tos físicos são mais óbvios e podem incluirlesões leves ou profundas, hematomas, fra-turas e mortes por homicídio ou suicídio.Agressões sexuais podem gerar gravidez in-desejada e precoce e infecções sexualmentetransmissíveis, inclusive HIV/AIDS.100 Osimpactos psicológicos podem incluir o com-prometimento imediato do desenvolvimentoemocional e distúrbios e doenças mentais delongo prazo, que podem contribuir para pre-judicar a saúde física também.

"A tolerância da violência contra crianças constitui um grande obstáculo à saúde e aodesenvolvimento na Europa. Não podemos deixar que essa violência continue sem fazer nada;

precisamos agir agora para mudar as condições que geram a violência contra a criança."

Dr. Marc Danzon, Diretor Regional para a Europa, OMS

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Diversos estudos revelaram correlações entre oscastigos corporais e a baixa saúde mental.101

Embora a maioria deles tenha se concentrado noscastigos corporais na família, alguns enfocaramcastigos físicos nas escolas. Um estudo europeusobre históricos pessoais de crianças deprimidasmostrou que os castigos corporais nas escolasconstituíam o precursor mais forte de sua depres-são.102 Atualmente, sabe-se que a violência entrecolegas de escola tem impactos importantes so-bre a saúde física e mental, principalmente sefor repetida e severa ou se as vítimas não foremadequadamente apoiadas.103, 104

Um estudo sobre bullying realizado em 28 paíseseuropeus observou que os sintomas físicos mani-festados por suas vítimas incluíam dores de cabe-ça, de estômago, nas costas e tontura, enquanto seussintomas psicológicas incluíam o mau humor, ner-vosismo, solidão e uma sensação de desamparo. Omesmo estudo revelou que, de acordo com os rela-tos de crianças, quanto mais expostas a bullying,mais intensos eram seus sintomas de má saúde. Essarelação "dose-resposta" era semelhante em meni-nos e meninas.105 Uma análise de dados de 30 paí-ses industrializados e em transição cobertos peloHBSC observou que crianças que afirmavam serpraticantes ou vítimas de bullying tinham uma pro-pensão muito mais baixa de afirmar que gozavamde uma "saúde excelente" ou que estavam "muitosatisfeitos com a vida" (veja a Figura 4.4).106 Cri-anças que afirmaram praticar e sofrer bullyingeram as que menos probabilidade tinham de afir-mar que gozavam essas duas coisas.

IMPACTOS SOCIAIS

Estudos realizados em diversos países confir-mam que os impactos sociais dos castigos

corporais e de outros tipos de violência contraa criança nas escolas sempre são negativos. Umestudo recentemente realizado em Camarões,por exemplo, revelou que os castigos físicas nolar e na escola tendem a bloquear o desenvol-

"Não voltei à escola durante um mês após ter contado o que tinha acontecido. Tudo me lembrava do que tinha acontecidoassim que eu vestia o uniforme. Tenho pesadelos nos quais o vejo na sala de aula rindo de mim. Às vezes, preciso usar o

corredor que passa na frente da sala onde ele estudava. Parece que posso vê-lo, que ele ainda está lá.Tenho medo que ele ainda possa estar lá."

Menina, África do Sul, 2001IX

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vimento de habilidades sociais. As vítimas decastigos corporais tendem a se tornar passivase excessivamente cautelosas e a sentir medo deexpressar suas idéias e sentimentos livremente,podendo, ao mesmo tempo, tornar-se perpetra-dores de violência psicológica.107

Algumas pesquisas sugerem que crianças pu-nidas fisicamente têm uma tendência menor deinternalizar valores morais. Elas são menos in-clinadas a resistir a tentações, a se envolver emcomportamentos altruístas, a ter empatia emrelação a outras crianças e a exercitar julgamen-tos morais de qualquer natureza.108 Elas ficammais inclinadas a adotar condutas desordeirase agressivas, como bater em irmãos, pais, cole-gas de escola e namorados ou namoradas.109

Podem também aplicar castigos corporais a seuspróprios filhos quando chegam à idade adulta,passando hábitos violentos adiante.110

Estudos norte-americanos e europeus sugerem quecrianças que sofrem ou praticam bullying na es-cola ou ambos tendem a desenvolver comporta-mentos anti-sociais e criminosos no futuro, inclu-sive o de agredir parceiros íntimos, se envolverem brigas e adotar hábitos autodestrutivos, comofumar e beber excessivamente.111, 112

IMPACTOS EDUCACIONAIS

Nas Consultas Regionais do Estudo, os castigosfísicos e psicológicos, o abuso verbal, o bullyinge a violência sexual nas escolas foram repetida-mente apontados como motivos de faltas nas es-colas, evasão escolar e falta de motivação paraconquistas acadêmicas. Em um documento en-caminhado ao Estudo pela organização Save the

Children, crianças de Bangladesh afirmaramque castigos físicos, cruéis ou degradantes afe-tavam seu desempenho escolar e que elas va-lorizavam professores gentis e atenciosos queexplicavam suas matérias adequadamente emvez de simplesmente aplicar exercícios.113 Osimpactos educacionais do bullying foram me-nos bem pesquisados que outros impactos psi-cológicos e sociais, mas sabe-se que tanto suasvítimas como perpetradores tendem a ter no-tas mais baixas que outros alunos.114 Parecetambém haver uma relação entre o bullying,dificuldades de relacionamento com outrascrianças e faltas na escola.115

Uma análise dos dados levantados na pesqui-sa Tendências Internacionais no Estudo da Ma-temática e das Ciências (TIMSS), que se con-centrou em alunos de matemática e de ciênci-as da oitava e nona séries de 49 países, cons-tatou que nas escolas que enfatizavam forte-mente a competitividade e a existência de gran-des disparidades entre notas mais altas e maisbaixas, os alunos tinham uma tendência maiorde praticar atos de violência uns contra os ou-tros.116 Uma outra análise dos mesmos dadosnão identificou nenhuma relação forte entreessa violência na escola e padrões de violên-cia ou falta de integração social na sociedadecomo um todo.117

Diversos estudos realizados no Sul da Ásia indi-cam que a violência na escola, principalmente oscastigos corporais, levam alunos a abandonar seusestudos. Um estudo desenvolvido no Nepal, ondecastigos corporais rígidos são rotineiros, obser-vou que 14% dos alunos que abandonavam a es-cola o faziam por medo dos professores.118 Uma

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contribuição da Aliança Save the Children para oEstudo indicou que as crianças dos países sul-asi-áticos acreditavam unanimemente que os casti-gos corporais constituíam a principal causa daevasão escolar. Eles também afirmaram que sur-ras regulares geram falta de interesse nos estudose afetam o desempenho escolar.119

Estudos também revelaram que, na África doSul, vítimas de violência sexual são recebidascom tanta hostilidade após denunciarem ocor-rências desse tipo de violência que se ausen-tam da escola por longos períodos, mudam deescola ou desistem completamente de estudar,enquanto os professores ou alunos acusadosde abusar delas permanecem na escola.120, 121,

122, 123 Na maioria dos países africanos, asiáti-cos e caribenhos, a gravidez provocada poragressão e coerção sexual geralmente forçameninas a abandonar a escola, o que as fazperder oportunidades educacionais e compro-mete seu futuro.

FATORES QUE CONTRIBUEMPARA A VIOLÊNCIA

FATORES DE RISCO

Fatores de risco aumentam a probabilidade de umacriança ser vítima ou praticante de violência nasescolas, enquanto fatores de proteção diminuemessa probabilidade. Tanto características indivi-duais como externas (inclusive características defora da escola) podem aumentar ou diminuir aprobabilidade de uma criança se envolver em vi-olência na escola ou de ser seriamente prejudica-da por sua ocorrência.124, 125, 126

No contexto internacional, observa-se umacarência de pesquisas específicas sobre fato-res de risco de violência contra a criança naescola as que existem tendem a enfocar a vi-olência entre colegas. De um modo geral, pes-quisas realizadas principalmente em países in-dustrializados sugerem que as influências ten-dem a mudar de açodo com a fase de desen-volvimento da criança; por exemplo, a influ-ência da família é mais forte sobre criançaspequenas, enquanto a influência de colegas émais forte para adolescentes.127 Essas pesqui-sas têm constantemente indicado que os fa-tores de risco mais importantes para as esco-las são o baixo desempenho escolar, taxaselevadas de ausência escolar, a evasão esco-lar e tempo livre não estruturado.128, 129 Alémdisso, muitos dos fatores identificados naspesquisas sobre outros aspectos da vida pro-vavelmente também são importantes paraas escolas - por exemplo, atitudes pró-vio-lência, propensão a riscos, vínculos sociaisfracos, amizades com colegas anti-sociais,relacionamentos entre pais e filhos de baixaqualidade, consumo de drogas, disciplina rí-gida, relaxada ou não perseverante e baixoacompanhamento por parte dos pais.

Um estudo realizado nos Estados Unidos en-trevistou 1.467 crianças com idades entre 12 e17 anos sobre suas experiências como vítimasde violência ao longo do tempo. Esse estudosugeriu que algumas crianças podem ser "poli-vítimas" (vítimas de diferentes tipos de violên-cia), pois algumas delas relataram, por exem-plo, ter sofrido castigos corporais por parte deseus pais, abuso sexual por parte de parentes,agressões físicas por parte de colegas e bullying

"Se eles [os garotos] apanham em casa, vão também querer bater em outros, ou seja, se seus pais os maltratam ou nãofalam com eles, os garotos vão bater em outros porque eles próprios são surrados. Elas vão levar para fora de casa o que

vêem acontecer nela. Essa é a base da violência."

Garotas adolescentes, América Latina, 2005X

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por parte de outros alunos na escola. A persis-tência da "poli-vitimização" foi associada aonível mais alto ou mais baixo no qual uma cri-ança se enquadra na escala da raiva e da agres-são, a problemas familiares e a experiênciasrecentes de adversidades na vida. O fato de umacriança ter mais amigos foi associado a níveismais baixos de violência.130

A violência nas escolas tende a estar menos re-lacionada a incidentes isolados e mais relacio-nada a padrões de violência. Sem sistemas ade-quados, esses padrões acabam sendo aceitoscomo normais e podem aumentar a violênciaao longo do tempo. Nenhum fator ou combina-ção de fatores protege crianças contra a violên-cia. Os fatores de risco não operam isoladamen-te e seus impactos podem ser intermediados porfatores de proteção. O conceito da resiliênciaenvolve diversos fatores de proteção e é apon-tado na literatura como um aspecto importanteda prevenção da violência e de muitos outroscomportamentos de risco.

A RESILIÊNCIA E OUTROSFATORES DE PROTEÇÃO

A resiliência infantil pode ser definida como acapacidade da criança de "superar desafios co-tidianos, entre os quais transições, momentosde estresse acumulado e grandes adversidadesou riscos". Tipicamente, crianças "resilientes"são reconhecidas por sua elevada auto-estima,controle interno, otimismo, aspirações claras,orientação para metas, capacidade de reflexão,de solucionar problemas e de se comunicar sau-davelmente e capacidade de estabelecer rela-ções orientadoras com adultos.131

As escolas podem desempenhar um papel cru-cial no desenvolvimento da resiliência e de umasensação de bem-estar em crianças, elementosque também foram associadas a uma menor pro-babilidade de elas serem vitimizadas.132 Adul-tos e pares das famílias e comunidades come-çam a desenvolver ou não conseguem desen-volver a resiliência em crianças desde o seunascimento. Uma boa criação e unidades fami-liares estáveis também são cruciais para essefim. O poder do estabelecimento de laços afeti-vos adequados entre pais e filhos desde o iníciode suas vidas e relações familiares de apoio,juntamente com cuidados intensos na primeirainfância, são importantes para o desenvolvimen-to da resiliência em crianças.133 No entanto,mesmo quando as famílias ou comunidades nãoconseguem fazer isso, as escolas podem com-pensar essa falha, principalmente quando dis-ponibilizam um apoio adequado a crianças des-de seus primeiros anos de vida. As escolas tam-bém podem criar pontes entre as crianças, suasfamílias e a comunidade, ajudando-os a com-preender como afetam crianças e como podemadquirir habilidades necessárias para apóia-lasmais adequadamente.

Estudos realizados na Austrália indicam a im-portância de se adotar abordagens abrangentese focadas na escola como um todo para reduzirfatores de risco e promover fatores de proteçãosimultaneamente. O apoio de professores, paise outros adultos foi identificado como impor-tante, bem como contar com colegas que apói-am a criança e pertencer a grupos pró-sociais.Observou-se, também, que a abordagem de en-volver a escola como um todo melhora a saúdemental das crianças.134, 135

"Sou deficiente e odeio crianças que me dizem isso."

Criança de 8 a 10 anos, Sul da Ásia, 2005XI

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Muitos dos fatores de proteção identificadosem outros ambientes também se aplicam aocontexto escolar, embora não existam muitaspesquisas envolvendo diversos contextos in-ternacionais nessa área. Por exemplo, rela-ções com adultos atenciosos e orientadoresparecem promover a resiliência por modela-rem comportamentos pró-sociais e oferece-rem orientações e proteção - coisas que bonsprofessores fazem diariamente.136 A percep-ção de que transgressões na escola serão efe-tivamente punidas de maneiras claras tambémconstitui um importante fator de proteção, oque enfatiza a importância de se estabelecercódigos de conduta claros e garantir sua ob-servância. Além disso, as escolas podem pro-mover o desenvolvimento de grupos de estu-dantes e de vínculos sociais fortes, que porsua vez podem promover a resiliência na cri-ança e a empatia, técnicas de administraçãode conflitos e pensamento crítico.137, 138

RESPOSTAS SISTEMÁTICAS APADRÕES DE VIOLÊNCIA

Embora o apoio das famílias e colegas seja im-prescindível para diminuir a vulnerabilidadedas crianças à violência nas escolas, um nú-mero crescente de pesquisas confirma que umaatenção sistemática ao comportamento de di-retores, professores e outros funcionários deescolas também é essencial. Se eles adotaremcomportamentos abusivos e desrespeitarem osdireitos, o conforto e a segurança de outros,as crianças seguirão seu exemplo. Muitos es-tudos realizados na América do Norte identi-ficaram uma correlação direta entre a falta deintervenções firmes e a prevalência de violên-

cia entre crianças.139 Um estudo no Iêmen iden-tificou essa mesma correlação.140 Pesquisasrealizadas em Botsuana e Gana concluíram quequando professores toleram a segregação se-xual e tensão entre os gêneros, eles ajudam asustentar culturas de bullying e de violênciasexual e baseada no gênero.141

Nas Américas, na África do Sul e em paísesonde há conflitos civis violentos, como no Ne-pal e em Serra Leoa, entretanto, grande parteda violência entre crianças nas escolas tem ori-gem no mundo violento que as circunda. Con-vulsões sociais e deslocamentos, combinadoscom um baixo desempenho acadêmico, podemfazer com que estudantes se tornem violentos.No Território Ocupado da Palestina e na Argé-lia, meninos transferidos de outras escolas erepetem de ano são mais propensos à violênciaque seus colegas.142

Há dados que sugerem que a concorrênciaacirrada entre colegas, a violência baseada nogênero e a violência de gangues nas escolasestão, em alguma medida, relacionados ao es-tresse gerado pela modernidade e pela indus-trialização. Esses fenômenos são mais comu-mente relatados em áreas urbanas industria-lizadas ou que estão se industrializando rapi-damente do que em regiões rurais de paísesmenos desenvolvidos. As respostas dos paí-ses aos questionários distribuídos aos gover-nos no âmbito do Estudo indicam países situ-ados em regiões em processo de industriali-zação acelerada, como no Leste Asiático, es-tão começando a ficar preocupados com aprática de bullying e outras formas de vio-lência entre crianças.143

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CRIANÇAS VULNERÁVEISÀ VIOLÊNCIA

A vulnerabilidade das crianças à violência mudaà medida que elas vão crescendo. Na primeirainfância e na fase pré-escolar, sua capacidadecognitiva está menos desenvolvida e seu nívelde atividade é alto, de modo que seus responsá-veis tendem a tentar ensiná-las a evitar perigos,a não infligir lesões a elas próprias e a se com-portar de maneiras aceitáveis para adultos re-correndo a ameaças, tapas e outros meio físi-cos.144 Desde a fase pré-escolar, crianças desen-volvem certas atitudes em relação a outras, in-clusive atitudes discriminatórias, que tendema se tornar mais acentuadas quando elas cur-sam o primeiro grau e podem evoluir para for-mas de bullying (ou formas de serem vítimasdessa prática). Pode ocorrer também violênciabaseada no gênero de natureza verbal quando acriança ainda é bem nova que pode evoluir atéassumir a forma de ameaças de violência físicana puberdade ou após essa fase. A história deSimon revela como a experiência de cada cri-ança é singular, mas muda ao longo dos anos(veja o quadro).

As características individuais da criança tambémpodem torná-la mais vulnerável. Segundo pes-quisadores norte-americanos, criança portadorasde deficiência e com dificuldades de aprendiza-gem geralmente são alvos de exclusão, discrimi-nação e bullying.145 Crianças com distúrbios dafala ou cujos movimentos foram afetados porcondições como distrofia múltipla também sãofreqüentemente alvos de bullying.146 Em grandeparte, no entanto, as evidências desses fatos po-

dem ser identificadas em escolas para criançascom necessidades especiais. Escolas que ado-tam políticas claras de integração e inclusão ten-dem a concentrar seus esforços em reduzir oestigma, a discriminação e o bullying sofridospor essas crianças, embora dados conclusivosa esse respeito ainda não estejam disponíveis.147

Os dados dos países em desenvolvimento sãoescassos, mas um estudo realizado na região doSul da Ásia revelou que crianças portadoras dedeficiência às vezes são chamadas pelo nomede sua deficiência, como se fosse o seu nome.148

Estudos que abrangeram sete países do OrienteMédio e da África do Norte revelaram que cri-anças com dificuldades de aprendizagem corri-am riscos muito altos de ser tanto vítimas comoperpetradores da prática de bullying dentro efora das escolas.149

Crianças "de fora", como crianças refugiadasou de minorias étnicas, têm uma probabilidadebem maior de ser excluídas, discriminadas ehostilizadas. Dados da Austrália sugerem quealunos aborígines têm uma tendência maior desofrer abusos verbais por parte de professorese colegas não aborígines do que outros.150 EmBotsuana, pesquisas realizadas por autoridadesobservaram que as taxas de evasão escolar decrianças Basarwa (ou San) são incomumentealtas e que elas abandonam a escola principal-mente por se sentirem discriminadas e hostili-zadas, mas também porque os castigos corpo-rais aplicados nela não condizem com suas cul-turas.151 Crianças de comunidades nômades tam-bém podem não freqüentar escolas formais por-que podem ser excluídas, discriminadas ou ex-postas a bullying se o fizerem.

"Os colegas da minha turma na escola sabiam que meus pais haviam morrido e me provocavam.Fui segregado. Me chamavam de 'Filho da AIDS' e 'Garoto TASO'. Eles se recusavam

a se sentar perto de mim."

Menino, beneficiário de bolsa-escola concedida por uma organização de apoio avítimas da AIDS na África (TASO), 2004XII

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A HISTÓRIA DE SIMON: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O CICLO DE VIDADE UMA CRIANÇA E A VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS

Creche: "Eu odiava as meninas e costumava caçoar delas."

"Minha mãe me matriculou no jardim de infância. Fiquei imediatamente racional, passei a ocuparminha mente com coisas construtivas, (como) construir meus próprios carrinhos, como havia apren-dido com outras crianças. Eu odiava as meninas e costumava caçoar delas. Quando me viam, elassaíam correndo, pois sabiam que eu podia bater nelas sem nenhum motivo. Uma freira veio à nossacreche para dar aulas. Ela introduziu algumas brincadeiras comuns como esconde-esconde e mú-sicas com as quais brincávamos junto com meninas. Surpreendentemente, passei a adorar todas asmeninas e até a cantar músicas em sua homenagem, comparando-as a rosas."

Séries intermediárias do primeiro grau: "Sempre achávamos que iríamos apanharpelo menor erro."

"Às vezes apanhávamos porque nossos colarinhos estavam sujos (ou) porque não tínhamos corta-do as unhas. As punições eram severas. (É impossível) que a camisa de um aluno de 4, 5 ou 6 anosfique absolutamente limpinha até as quatro horas da tarde, a menos que ele esteja doente. Meuprofessor de matemática na oitava série nos obrigou a ficar de joelhos por duas horas em umsábado porque erramos uma conta. Às vezes nos obrigavam a ficar de joelhos sobre pedrinhas."

Últimas séries do primeiro grau: "Os estudantes eram obrigados a falar inglês o tempotodo para evitar a fúria dos professores."

"Quando eu estava no quarta série do primeiro grau, foi emitida uma declaração segundo a qualtodos os alunos da 4ª à 8ª séries só deveriam falar em inglês. Se um aluno falasse no seu idiomanativo, seu nome era anotado pelo monitor da turma, que preparava uma lista dos alunos quefalassem Kiswahili ou outro idioma nativo para ser encaminhada aos professores posteriormen-te. Depois, uma reunião era convocada e os alunos incluídos na lista eram punidos com seisgolpes de vara se fossem da 4ª série, com sete golpes se fossem da 5ª série e com dez golpes sefossem da 6ª à 8ª séries. Os professores faziam fila e cada um deles podia bater na criança coma vara com toda a força. Surpreendentemente, nenhuma professora podia se juntar aos professo-res ou ficar perto deles. Lágrimas corriam e as crianças se debatiam e berravam sem parar. Nãohavia nada a não ser medo e ódio." 145

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No Sul da Ásia, crianças de castas oficiais etribos indígenas sofrem exclusão, discrimina-ção e bullying nas escolas. Na América Latina,como em outras partes do mundo, crianças in-dígenas são frequentemente proibidas de usarsuas roupas e penteados tradicionais.152 Empaíses industrializados, crianças de minorias ouas que usam vestimentas religiosas, como o hi-jab ou a burca, também são discriminadas peloEstado ou autoridades educacionais. Essa dis-criminação pode ser considerada uma forma deviolência psicológica, na medida que passa aidéia de que essas crianças têm menos valor porserem diferentes e de que aquilo que as tornadiferentes deve ser suprimido.

Crianças órfãs têm uma tendência maior deabandonar a escola ou repetir séries e a dife-rença entre a taxa de freqüência escolar decrianças órfãs e não órfãs é maior em paísesnos quais a taxa de freqüência já é baixa deum modo geral.153, 154 Na África, crianças ór-fãs ou infectadas pelo HIV e com AIDS po-dem ser estigmatizadas na escola, o que acres-centa mais sofrimento ainda à sua dor, po-breza e responsabilidade pela criação de ou-tros irmãos. Um relatório recente da organi-zação Human Rights Watch sobre o impactodo HIV e da AIDS sobre o acesso de criançasafetadas à educação no Quênia, na África doSul e em Uganda documenta como a estig-matização na escola gera provocações porparte de colegas e dificulta a comunicaçãoentre as crianças e seus professores sobredoenças na família.155 No contexto do silên-cio e da vergonha que costuma caracterizar ainfecção do HIV, o medo do estigma, da dis-criminação e da violência em potencial pode

levar crianças infectadas ou afetadas pelo HIVa abandonar a escola voluntariamente ou a se-rem expulsas dela, de acordo com relatos co-lhidos não só apenas na região sul da África,mas também em países como Bolívia, El Sal-vador, Gana, Haiti, Índia e Nepal.156

A situação especial das meninas

Em muitas partes do mundo, há escolas locaispara crianças pequenas, mas elas precisam dei-xar seus lares e passar a viver em colégios in-ternos ou a morar com parentes para poder cur-sar as últimas séries do primeiro grau e o se-gundo grau. Isso é o que geralmente aconteceem regiões cujas populações estão espalhadasem áreas rurais remotas, como em montanhasou outros locais de difícil acesso. Os pais te-mem que as meninas sejam agredidas a cami-nho da escola ou ao voltarem dela a pé ou emônibus lotados. Um estudo realizado pela orga-nização World Education no Peru revelou queà medida que a distância percorrida por meni-nas para chegar à escola aumenta, suas chancesde serem molestadas aumentam na mesma pro-porção. O risco do assédio sexual, do estupro eda gravidez indesejada mantém meninas peru-anas em casa e aumenta sua taxa de ausência,repetência e evasão escolar.157

A campanha Educação para Todos lançou luzsobre o fato de que as meninas têm menos aces-so à escola que os meninos na maioria dos paí-ses em desenvolvimento, de que essa diferençaaumenta muito após as séries iniciais e de quehá uma forte correlação entre baixos níveis deescolaridade entre meninas e mulheres e bai-xos níveis de desenvolvimento nacional.158, 159

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Em algumas sociedades caracterizadas por bai-xos níveis de escolarização entre meninas, o iso-lamento delas em casa após a puberdade ainda écomum, bem como a taxa de casamentos preco-ces. Isso acontece, por exemplo, em muitas par-tes do Sul da Ásia e do Oriente Médio. Mesmoquando elas não são segregadas, pesquisas reve-lam que seus pais temem pela segurança sexualde suas filhas na escola. Na África Subsaariana,esse temor é exacerbado pelo medo da infecçãodo HIV. Em 2001, um estudo da organizaçãoHuman Rights Watch sobre violência de gêneroidentificou níveis alarmantes de violência sexu-al contra meninas na escola, bem como um graualtíssimo de tolerância e conluio em relação aesse fato por parte de professores.160 Esses fa-tos frequentemente geram pressões para que asmeninas abandonem a escola.161

RESPOSTAS À VIOLÊNCIACONTRA A CRIANÇA NASESCOLAS E EM AMBIENTESEDUCACIONAIS

Nos muitos fóruns infantis e Consultas Regionaisrealizados e nos documentos apresentados comocontribuições para o Estudo, crianças de todas aspartes do mundo emitiram mensagens claras:

Elas querem que a violência seja eliminada.Elas querem que professores e outros funcionári-os de escolas as orientem com firmeza aceitan-do-as como e elas são, respeitando seus direitose ajudando-as a se expressar construtivamen-te e a desenvolver seu potencial plenamente.

Elas querem que professores e outros funci-onários de escolas as ajudem a desenvolverrelacionamentos positivos com eles e a de-senvolver hábitos de respeito mútuo e empa-tia que as ajudem a conquistar uma vida decidadania construtiva.Elas querem que seus pais e outros adultosfora da escola desempenhem papéis constru-tivos em relação à sua educação, promoven-do e apoiando escolas sem violência e garan-tindo-lhes lares e comunidades seguros.164

AZERBAIJÃO, 2004. Duas crianças de um colégio internoda cidade de Sheki.

"Um dia, meu pai não pôde ir buscar minha irmã na escola e ela precisou voltar para casa sozinha. No caminho paracasa, quatros meninos passaram a mão nela, mas ela não teve coragem de contar isso ao nosso pai. Ela me contou o

aconteceu, mas eu também não tinha como contar ao papai."

Menino, Sul da Ásia, 2005XIII

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UMA VISÃO RÁPIDA DA SITUAÇÃO DE CRIANÇAS FORA DA ESCOLA

115 milhões ou 18% das crianças em idade de cursar o primeiro grau estavam fora da escolaem 2001/2002. Desse grupo, 61,3 milhões (53%) eram meninas, 45 milhões (39%) estavamna África Subsaariana e 42 milhões (36%) estavam no Sul da Ásia. As que apresentavam amaior probabilidade de estar fora da escola eram as da África Ocidental e Central (45,3%), daÁfrica Oriental e da região sul da África (38,5%%), do Sul da Ásia (26%), do Oriente Médioe da África do Norte (18,7%), sendo que em todas essas regiões a probabilidade de meninasnão estarem freqüentando a escola era maior em relação à de meninos. A maior disparidadeentre meninos e meninas foi a registrada no Oriente Médio e na África do Norte, onde 15,4%dos meninos e 22,1% das meninas estavam fora da escola.Meninos e homens jovens ainda têm chances muito maiores de estudar do que meninas emulheres jovens. Dos 86 países em desenvolvimento para os quais há dados disponíveis, 50%conseguiram garantir a paridade de gênero (equalização das chances de meninas e meninosfreqüentarem escolas) no primeiro grau, mas apenas 20% garantiram essa paridade no segun-do grau e somente 5% no ensino superior.162

Em diversas partes do mundo, cursar o segundo grau é um luxo. A taxa bruta de matrículas (númerode crianças e adultos de qualquer idade que estão cursando o segundo grau em relação ao número decrianças na idade oficial de cursar esse nível de ensino) é inferior a 40% em diversos países da ÁfricaSubsaariana, do Sul, Oeste e Leste Asiático, do Pacífico, da África do Norte e do Oriente Médio einferior a 60% em muitos outros países dessas regiões e da América Latina e do Caribe.163

As diversas contribuições apresentadas para oEstudo também mostraram que há boas razõespara se ter esperança de que os sonhos dessascrianças podem e serão realizados, bastando,para tanto, que os paises se comprometam aacelerar e sustentar seus avanços no sentido degarantir escolas sem violência. Atualmente, umnúmero muito maior de pessoas sabe que háviolência nas escolas e está ciente do mal queela faz às crianças e a toda a sociedade e essaconscientização está se ampliando rapidamen-te. Muitos países de todas as regiões estão to-mando medidas para combater a violência eevidências estão se acumulando em relação àsabordagens que parecem funcionar melhor.

Infelizmente, não existem soluções estratégicassimples ou únicas. Para serem eficazes, é impor-tante que as iniciativas prevejam medidas geraisde prevenção, como, por exemplo, modelos edu-cacionais que ensinem habilidades de vida às cri-anças como parte do currículo e intervenções opor-tunas quando problemas forem detectados, alémde prever a oferta de atividades e instalações se-guras e supervisionadas para crianças e jovens.165

Este Estudo concluiu que as abordagens maiseficazes para combater a violência nas escolasdevem ser especificamente concebidas para fa-zer frente às circunstâncias singulares das es-colas em questão, mas que elas também têm

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elementos-chave comuns. Especificamente, elasdevem basear-se no reconhecimento de que to-das as crianças têm direitos iguais à educaçãoem ambientes sem violência e que uma das fun-ções da educação é produzir adultos imbuídosde valores e práticas de não violência.

A abordagem geral pode ser chamada de aborda-

gem "baseada em direitos" ou "amiga da criança".Ela deve ser compatível com a CDC, com outrosprotocolos internacionais de direitos humanos ecom os objetivos do movimento pela Educação paraTodos, além de amplamente endossada por orga-nismos internacionais. O mais importante é que elaatenda ao apelo de crianças e jovens de todo omundo, que desejam que a violência acabe.

O PAPEL DA INICIATIVA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO DEMULHERES (UNGEI) NA PROMOÇÃO DA PARTICIPAÇÃO FEMININA

Em 2000, Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, confirmou seu forte compromisso coma educação de meninas ao lançar a Iniciativa das Nações Unidas para a Educação de Meninas (UN-GEI), que consiste em uma parceria para promover a educação de meninas e a igualdade de gênero.A iniciativa está se consolidando como uma estratégia eficaz para prevenir a violência contra meni-nas. Em países onde a UNGEI foi estabelecida, parceiros trabalham juntos para fortalecer interven-ções concebidas para promover o acesso de meninas a uma educação de qualidade. Suas interven-ções incluem medidas para acelerar e incentivar a participação de meninas e meninos em processosque promovem seu empoderamento. Por exemplo, o Movimento para a Educação de Meninas (GEM)está sendo implementado em Botsuana, Lesoto, Quênia, Uganda, África do Sul, República Unida daTanzânia, Zâmbia e Zimbábue como um componente importante do UNGEI. Quando o GEM foilançado, em 2001, o programa foi conceitualizado como uma iniciativa educacional pan-africana pormeio da qual meninas se tornariam líderes da transformação da África e agentes em processos deci-sórios relacionados a oportunidades educacionais para elas. Em Uganda, o GEM tem atuado ativa-mente no sentido de garantir que órfãos e outras crianças vulneráveis tenham acesso a escolas e temtrabalhado com autoridades locais e lideranças tradicionais no combate ao casamento precoce. EmBotsuana, o GEM realizou um estudo de marco zero sobre a segurança nas escolas que está sendoeditado para ser publicado. Na África do Sul, o GEM atua por meio de parcerias público-privadaspara apoiar a educação de meninas em matemática, ciência e tecnologia e, com patrocínio do UNI-CEF, vem desenvolvendo diferentes atividades para garantir que as vozes de meninas e meninassejam ouvidas, principalmente na arena da formulação de políticas. Os Parlamentos de Meninaspatrocinados pelo GEM e pelo Ministério da Educação da África do Sul permitiram que meninascontribuíssem na formulação de políticas para questões relacionadas à violência sexual nas escolas.O primeiro evento do Parlamento de Meninas da África do Sul foi realizado em 2003. Vale observarque, na África do Sul, o GEM também desenvolveu cartazes sobre a violência de gênero e estabele-ceu um sistema de atendimento telefônico para elas expressarem suas opiniões livremente.168

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Os princípios básicos de uma escola baseadaem direitos e amiga da criança são os seguin-tes, entre outros:166,167

1. Inclusão proativa. A escola estimula e permitea participação de crianças dos dois gêneros, prin-cipalmente das que são diferentes em termos deetnia, cultura, idioma e condição socioeconômi-ca e em suas habilidades ou deficiências.

2. Academicamente eficaz e relevante. Ela sa-tisfaz necessidades conhecimentos, atitudese habilidades de vida e de meios de vida.

3. Sensível ao gênero. Ela cria ambientes queestimulam a igualdade de gênero e satisfaznecessidades em termos de conhecimento,atitudes e habilidades que podem garantiressa igualdade.

4. Saudável e protetora. Ela promove e prote-ge o bem-estar emocional, psicológico e fí-sico das crianças proporcionando clima edu-cacional saudável e protetor.

5. Envolvida com a família e com a comuni-dade. Ela estimula e permita a participaçãodas famílias das crianças e da comunidade nodesenvolvimento e implementação de todosos aspectos de suas políticas e programas, in-clusive os desenvolvidos para proteger crian-ças de perigos e ensiná-las a respeitar os di-reitos de outras crianças à mesma proteção.

A LEGISLAÇÃO E SUA APLICAÇÃO

A aprovação de convenções internacionais, acor-dos regionais e leis nacionais que abordam casti-

gos corporais, assédio e agressão sexuais e outrasformas de violência constitui uma medida essen-cial para se avançar no sentido de termos escolassem violência. A experiência tem revelado, noentanto, que muitos países estão demorando mui-to para cumprir suas obrigações internacionais eregionais e aplicar suas próprias leis na prática.

Desde que a Assembléia Geral da ONU adotoua CDC, em 1989, muitos países vêm tomandomedidas para banir castigos corporais nas esco-las, embora eles frequentemente sejam relapsosna aplicação efetiva de suas leis. Tribunais dealto nível em diversas regiões, inclusive na Na-míbia (Supremo Tribunal, 1991), África do Sul(Tribunal Constitucional, 2000) e tribunais dediversas unidades de países federativos - como,por exemplo, de Delhi, da Índia (Tribunal Supe-rior de Delhi, 2004) e do Canadá (Supremo Tri-bunal, 2004)169 - condenaram os castigos corpo-rais nas escolas e exigiram sua proibição.

Em seu comentário Geral no. 8, o Comitê dosDireitos da Criança observa o seguinte: "Onde,apesar da proibição, educação positiva e progra-mas de treinamento, casos de castigo físico ve-nham à tona fora do lar familiar - em escolas,outras instituições e formas de cuidado alterna-tivo, por exemplo - a instauração de um proces-so jurídico pode ser uma resposta razoável."170 Aameaça de aplicar uma medida disciplinar oudemitir um agressor pode também claramentedissuadir pessoas de aplicar castigos físicos. Éessencial que a proibição de todo castigo corpo-ral e outras punições cruéis ou degradantes e assanções que podem ser aplicadas se ela for des-respeitada sejam bem comunicadas e divulga-das entre as crianças e todas as pessoas que tra-

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balham com ou para elas em qualquer ambiente.O monitoramento de sistemas disciplinares e otratamento de crianças devem ser componentesde uma supervisão sustentada de todas as insti-tuições e funções. Crianças e seus representan-tes em todas essas funções devem ter um acessoimediato e confidencial a aconselhamento, açõesde advocacy e procedimentos de queixa sensí-vel às necessidades da criança e, se necessário, atribunais e a uma assistência jurídica especializa-da. Deve ser obrigatório, nas instituições, notifi-car e examinar quaisquer incidentes violentos.

Muitos países têm leis ou, pelo menos, políti-cas para prevenir o assédio sexual no local detrabalho que geralmente se aplicam a ambien-tes educacionais de trabalho, como escolas, e

podem ser usadas para proteger professores ealunos. Na África do Sul, por exemplo, a Lei 4(2000) de Promoção da Igualdade e da Preven-ção da Discriminação Injusta define o assédiocomo uma "conduta indesejada, persistente ouséria que avilta, humilha ou cria um ambientehostil ou de intimidação ou que é calculadapoder induzir submissão... relacionada a sexo,gênero ou orientação sexual". O governo daÁfrica do Sul adotou medidas para tornar a in-vestigação dos casos alegados de estupro maissensíveis às preocupações das vítimas e, por-tanto, mais propensa a gerar processos judici-ais bem-sucedidos. Além disso, o Ministério daEducação da África do Sul estabeleceu diretri-zes aplicáveis às relações sexuais entre alunose professores nas escolas (veja quadro).171

DIRETRIZES SUL-AFRICANAS PARA IMPEDIR QUE PROFESSORESABUSEM SEXUALMENTE DE ALUNOS

Em 2000, o Ministério da Educação da África do Sul estabeleceu diretrizes que observaram a preva-lência do abuso sexual de alunos por parte de professores e seu conseqüente risco de transmissão doHIV. As diretrizes explicam a legislação e as conseqüências de sua não observância:– Educadores não devem ter relações sexuais com estudantes. Esse ato contraria a lei, mesmo com

o consentimento do aluno. Ele transgride o código de conduta dos educadores, que ocupam fun-ções de confiança.

– Medidas disciplinares rígidas serão aplicadas contra qualquer educador que tenha relações sexu-ais com um aluno.

– Relações sexuais exigidas por um educador sem o consentimento do aluno configuram estupro,que é um crime grave pelo qual ele será processado judicialmente. Se um educador tiver relaçõessexuais com uma menina ou menino abaixo de 16 anos, ele será processado por estupro e pode sercondenado à prisão perpétua.

– Se você tiver conhecimento de que um colega está mantendo relações sexuais com um aluno,deverá comunicar esse fato ao diretor da sua escola ou a autoridades educacionais superiores, e seo aluno tiver menos de 16 anos de idade, ele deve ser comunicado à polícia, caso contrário vocêpoderá ser processado como cúmplice de estupro.172

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DOIS PAÍSES NOS QUAIS COMISSÕES NACIONAIS DESENVOLVEM EAPLICAM MEDIDAS DE COMBATE À VIOLÊNCIA

A Lei da República da Coréia sobre a Prevenção da Violência Escolar exige que um novo plano deprevenção da violência nas escolas seja elaborado a cada cinco anos. Uma Comissão Nacional tem aresponsabilidade de coordenar e monitorar a implementação do plano e de fiscalizar suas avaliaçõese atualizações qüinqüenais. Todas as escolas são obrigadas a realizar sessões regulares para avaliarsuas contribuições para a implementação do plano e recomendar quaisquer ações consideradas ne-cessárias dentro da escola ou fora dela.

Em Chipre, o Ministério da Educação exige que todas as escolas estabelecerem uma comissão paraavaliar necessidades de "prevenir e combater a violência na família e no ambiente escolar". Essascomissões têm poderes para receber e investigar denúncias de violência antes de encaminhá-las àsautoridades adequadas.174

A subnotificação de todas as formas de vio-lência é um problema crônico na maioria dospaíses. Ela é determinada por diversos fato-res, como a falta de confiança na capacida-de das autoridades de intervir construtiva-mente e o medo de repercussões para as ví-timas e suas famílias e até para os agresso-res, considerando que muitos atos de violên-cia são cometidos dentro de círculos de pes-soas que se conhecem.

As respostas dos governos ao questionárioencaminhado a eles como parte do Estudo173

revelam que alguns países reformaram suasleis e melhoraram sua aplicação para con-templar a violência escolar de maneiras maisholísticas, como parte de esforços mais am-plos para promover e apoiar uma educaçãoamiga da criança e baseada em seus direitos(veja o quadro).

POLÍTICAS E PROGRAMASESCOLARES BASEADOS EMDIREITOS

Muitas políticas e programas escolares basea-dos em direitos foram adotados em todas as re-giões do mundo. Somente alguns deles foramrigorosamente avaliados - e principalmente empaíses industrializados - mas seus resultados sãoanimadores e mostram que soluções eficazespodem ser adotadas, embora não sejam ampla-mente implementadas.

A UNESCO identificou programas promisso-res contra a violência escolar em oito países -Austrália, França, Israel, Japão, Irlanda do Nor-te, Noruega, África do Sul e Estados Unidos.Esses programas são bem vistos e apreciadospor administradores, professores, alunos e paise já revelaram seus primeiros sinais de eficácia

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na redução da violência nas escolas. As poucaspesquisas realizadas para avaliar esses progra-mas indicam que, além de reduzir a violência,eles ajudam os alunos a desenvolver melhoreshabilidades sociais, uma auto-estima maior etambém um senso de maior controle pessoalsobre suas vidas, além de ajudá-los a ter ummelhor desempenho acadêmico.175

Nos últimos dez anos, uma séria preocupação coma violência nas escolas norte-americanas gerouuma quantidade considerável de pesquisas e ex-perimentações com diferentes intervenções e atu-almente há uma vasta literatura disponível quedocumenta e avalia diferentes abordagens.176,177

Como resultado, há provas atualmente de aborda-gens que deram certo no Canadá e nos EstadosUnidos. Pesquisas e experimentações semelhan-tes estão sendo realizadas em muitos outros paí-ses e, onde avaliações foram feitas, elas revela-ram que esses países estão identificando aborda-gens que funcionam também. Não há razões parase duvidar de que, com a vontade e os recursosnecessários (geralmente mínimos), qualquer país,comunidade ou escola pode identificar formaseficazes de reduzir a violência nas escolas.

A discussão que será apresentada a seguir con-centra-se em áreas específicas de intervenção eoferece exemplos de práticas promissoras ado-tadas em todas as regiões do mundo.

DESENVOLVIMENTO DELIDERANÇAS E POLÍTICAS

As políticas adotadas para combater a violên-cia devem reconhecer que as escolas são, aci-ma de tudo, locais de aprendizagem que podem

desempenhar um papel importante na equali-zação do poder e na eliminação de abusos depoder. As escolas podem ser orientadas pelospadrões mais elevados de direitos humanos emtudo o que fazem e utilizar métodos alternati-vos e não violentos de comunicação, negocia-ção e solução de conflitos.

Um conjunto cada vez maior de pesquisas con-sidera que as escolas são sistemas sociais e pro-curou identificar partes do sistema que podemser mudadas no sentido de reduzir a violência.Sua conclusão é de lideranças educacionais efi-cazes (como os responsáveis por órgãos educa-cionais e diretores de escolas) podem contribuirmuito para melhorar a qualidade da vida escolartrabalhando com outras partes interessadas nosentido de desenvolver e implementar políticaspara reger a condutas e a disciplinas de profes-sores e alunos e promover a confiança das co-munidades nas escolas.178, 179 Um estudo sobreescolas em Botsuana e Gana concluiu que a ca-racterística mais comum entre escolas seguras ede alto desempenho é uma gestão sólida.180

Uma avaliação de programas contra a violênciaem escolas da América Latina e do Caribe indi-cou a importância de se desenvolver atitudes ecomportamentos positivos em crianças desde amais tenra idade, mantendo o esforço para cons-truir esses valores ao longo de toda a vida esco-lar e fazendo isso por meio de mecanismos comoo de permitir que alunos participem de proces-sos decisórios que moldam seus ambientes es-colares.181 Para garantir essa continuidade, asautoridades responsáveis pela supervisão dasescolas devem tomar todas as medidas necessá-rias em nível nacional, estadual ou municipal.

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Um estudo longitudinal realizado na Noruega iden-tificou uma relação causal entre boas técnicas deadministração de salas de aula e uma menor vio-lência entre colegas de turma.182 Além disso, o cur-rículo deve promover os valores da igualdade soci-al, da tolerância em relação à diversidade e de ma-neiras não violentas de solucionar conflitos.

O que acontece fora da sala de aula também écrucial. As autoridades educacionais devem ofe-recer orientação e apoio aos responsáveis por es-colas e professores no sentido de ajudá-los a criarum clima positivo fora da sala de aula por meiode mudanças na gestão da escola. Códigos de con-duta devem ser desenvolvidos e aplicados na prá-tica por meio de processos que permitam a qual-quer parte interessada expressar suas opiniões; porexemplo, por meio de conselhos de alunos e asso-ciações de pais. O ambiente criado com medidasdessa natureza pode se espalhar para a comunida-de como um todo quando, por exemplo, os alunoslevam para casa os valores e hábitos que aprende-ram na escola e, posteriormente, para seus locaisde trabalho, relacionamentos e assim por diante.

APOIO AO PESSOAL DE ESCOLAS

Há quase 43 milhões de professores de ensinobásico e médio em todo o mundo, além de umanúmero desconhecido de professores em pré-es-colas e outros contextos educacionais, e seu po-tencial de servir de exemplo para crianças é enor-me.183 Os professores estão entre os mais impor-tantes agentes de desenvolvimento social e mu-danças de um país, uma vez que oferecem contri-buições essenciais para o desenvolvimento emo-cional e cognitivo de gerações atuais de criançase, conseqüentemente, de gerações futuras de ci-

dadãos maduros e responsáveis. Mesmo quandocrianças sofrem violência em seus lares e comu-nidades, os professores podem mostrar a elasmodelos de não violência desde tenras idades.

Uma boa seleção e capacitação de professoresdevem constituir a base de qualquer estratégiaabrangente e de longo prazo para reduzir a vio-lência não apenas nas escolas, mas também nasociedade como um todo. No entanto, a realidadeé que muitos países não valorizam adequadamen-te seus professores, não enfatizam a necessidadede contratar os melhores candidatos, não ofere-cem capacitações adequadas antes de sua contra-tação e em serviço, pagam salários baixos a eles eos expõem a condições de trabalho precárias -muitas vezes em escolas e salas de aula superlota-das e mal equipadas. Na maioria dos países, pro-fessores já sobrecarregados são forçados a assu-mir mais responsabilidades no contexto do com-bate à violência nas suas escolas, embora geral-mente não tenham sido capacitados para essa ta-refa e não possuam os conhecimentos necessári-os para assumir essas responsabilidades adicio-nais. Se apesar dessa situação as escolas conse-guem atrair bons professores, é difícil mantê-los.

Todos esses fatores devem ser levados em con-sideração no processo de se avaliar a necessida-de de adotar novos modelos de seleção, capaci-tação e retenção de professores. Os professoresnão podem assumir todo o ônus, de modo quequalquer avaliação de suas necessidades deveconsiderar de que maneira autoridades educaci-onais, diretores de escolas e outros funcionáriosdessas instituições, bem como pais e comunida-des, podem estar minando seu trabalho e de quemaneira poderiam contribuir para apóiá-lo.

"Se os professores dizem coisas que não deviam, não se importam com o que dizem e não nosrespeitam, como podem esperar que os respeitemos? Eles não são bons exemplos para nós."

Aluno, Sub-região do Oceano Índico, 2006XIV

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A maioria dos governos que respondeu aoquestionário do Estudo184 informou que eles,ONGs ou parcerias entre eles estavam apoi-ando programas de capacitação de professo-res que incluem a questão da violência. Noentanto, essas capacitações frequentementenão são contínuas, sistemáticas e sustentáveis.A maioria dos programas de capacitação en-volve elementos de prevenção e proteção, al-guns deles abordam questões relacionadas àreabilitação de vítimas ou agressores e umnúmero reduzido contempla reparações

(Gâmbia, Nigéria, Ilhas Seichelles, Cingapu-ra, Suíça e Tailândia), penalidades (Cama-rões, Cingapura, Sri Lanka, Suíça e Tailân-dia), métodos para educar alunos em medi-das de prevenção e proteção (Bulgária, Estô-nia, Indonésia e Países Baixos) ou métodospara integrar os direitos humanos e a não vi-olência aos currículos (Brasil e Ilhas Seiche-lles). Embora todos esses esforços sejam cor-retos, é óbvio que são necessárias melhoriasmais radicais e sustentáveis na capacitaçãode professores na cultura da não violência.

NA CROÁCIA, UMA CAMPANHA POR ESCOLAS "SEGURAS ECAPACITADORAS" PRODUZ RESULTADOS INICIAIS

No verão de 2004, após amplas consultas a ministérios, organizações da sociedade civil e outros órgãos,o UNICEF lançou uma campanha em cinco fases denominada "Por um Ambiente Escolar Seguro eCapacitador" na Croácia. Antes de seu lançamento, pesquisas nacionais com alunos, pais e professoresestabeleceram dados de marco zero sobre a violência nas escolas. A campanha foi programada paradurar 18 meses e, 12 meses depois, uma avaliação revelou que ela estava superando as expectativas.

Mais de 4.500 professores, o dobro do número inicialmente previsto, haviam sido capacitados emmétodos não violentos de ensino, disciplina e intervenção contra a violência entre crianças. A campa-nha havia abrangido 121 escolas e mais de 60.000 crianças, 20% a mais que o número estabelecido,e com 15% a menos que o orçamento previsto. Mais de 92% dos cidadãos croatas foram informadossobre a campanha e mais de 80% de seu financiamento passaram a ser disponibilizados por doadorese empresas individuais da Croácia. O aspecto mais importante é que foram observadas reduçõesexpressivas em algumas formas de violência e uma maior conscientização sobre outras. Por exem-plo, crianças e professores começaram a reconhecer todas as formas de bullying mais facilmente eficaram melhor preparadas para eliminá-las. Mais de 80% dos alunos aprenderam regras contra aviolência escolar e sabiam identificar um adulto a quem podiam recorrer para pedir ajuda.

Ainda havia, no entanto, desafios a serem superados. Os professores passaram a se sentir mais prepara-dos para lidar com a violência nas escolas, mas embora os alunos se sentissem mais seguros, eles aindanão achavam que as escolas ofereciam uma proteção suficiente contra a violência. A avaliação concluiuque era necessário envolver mais os pais e fortalecer o apoio entre colegas em prol da não violência.185

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CLUBE DE DIREITOS DAS CRIANÇAS EMPODERA ALUNOSDE ESCOLAS EM ZÂMBIA

A Associação de Educação Cívica (ZCEA) de Zâmbia trabalha para promover e proteger os direitos dascrianças por meio da educação cívica. Seu Programa de Participação Infantil apóia Clubes de Direitosdas Crianças que empoderam crianças conscientizando-as de seus direitos previstos na CDC, na CartaAfricana dos Direitos e Bem-Estar da Criança e em outros instrumentos. Pelo menos 300 Clubes deDireitos Infantis foram implementados em escolas primárias e secundárias em Zâmbia.195

A PARTICIPAÇÃO DE CRIANÇAS

Envolver crianças no desenvolvimento e im-plementação de programas é importante paraconstruir conhecimentos, atitudes e habili-dades pessoais, garantir a relevância dos pro-gramas e fazer com que todas as partes inte-ressadas "vistam a camisa" de suas propos-tas e, em última instância, melhorem seusresultados.186, 187 Um estudo do Ministério doDesenvolvimento Internacional do ReinoUnido (DFID) realizado em Bangladesh, Qu-ênia, Nepal, Sri Lanka, Uganda e Zâmbia re-velou que ambientes de ensino que colocamas crianças no centro das experiências deaprendizagem, para que seus professores ou-çam suas preocupações e necessidades, têmuma probabilidade maior de combater a vi-olência eficazmente do que outras escolas.188

Um outro estudo internacional desenvolvi-do pela organização World Vision observouque em comunidades nas quais crianças par-ticipam de discussões e medidas de comba-te à violência o debate é mais aberto e temuma tendência maior de produzir estratégi-as especificas.189

A iniciativa Save the Children teve diversasexperiências de primeira mão com parceiros noestabelecimento e apoio a organizações e inici-ativas conduzidas por crianças por meio dasquais elas cobram medidas de decisores e cui-dadores adultos e trabalham com eles no com-bate à violência escolar.190 Pesquisas realizadasnos Estados Unidos sugerem que as melhoresiniciativas tendem a ser aquelas nas quais alu-nos e professores trabalham juntos no desen-volvimento e implementação de estratégias paratornar as escolas seguras para todos. A inter-mediação e o aconselhamento de colegas, porexemplo, são mais eficazes quando alunos eprofessores trabalham juntos no desenvolvi-mento e avaliação métodos adequados de inter-mediação e aconselhamento.191

Estudos e experiências exploratórios em to-das as regiões identificaram benefícios, al-guns dos quais inesperados, na prática deenvolver crianças no desenvolvimento e im-plementação de programas de combate à vio-lência nas escolas.192 Crianças podem ofere-cer uma visão abrangente de suas experiên-cias de violência na escola e, assim, passar

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informações necessárias ao pessoal das es-colas para que tomem medidas adequadas.Envolver crianças é uma intervenção efici-ente em si, pois essa prática ajudar na sua curapor meio do relato de experiências e do com-partilhamento de sentimentos e permite queo pessoal aprenda sobre suas experiências esentimentos, o que, por sua vez, ajuda a mu-dar seus comportamentos e atitudes.193, 194

TRABALHANDO COM PAISE COMUNIDADES

Muitos países têm a tradição de envolver pais ecomunidades na vida escolar. Na América doNorte, há uma longa tradição de associações depais e mestres. Tipicamente, esse grupos man-têm associações em todas as escolas públicasdentro das comunidades e uma associação guar-da-chuva para a comunidade como um todo epermitem que os pais monitorem as escolas eintervenham quando consideram necessário. NosEstados Unidos, a Coalizão de Escolas Segurasde Washington foi estabelecida a partir da preo-cupação com a violência contra gays e lésbicasnas escolas de Seattle, mas essa coalizão e ou-tras semelhantes a ela em muitos outros estadospassaram a atuar como parcerias público-priva-das, por meio das quais muitas organizações go-vernamentais e não governamentais cooperamumas com as outras no combate à violência e naabordagem de outras questões relacionadas àsegurança nas escolas.196 Muitos outros paísespossuem organizações semelhantes, por meio dasquais pais e organizações comunitárias discutemuma ampla gama de questões nas escolas emcolaboração com autoridades educacionais, di-retores de escolas e professores.197

Outras partes deste capítulo citam exemplos decomo pais e comunidades uniram forças paradiscutir todas as questões relacionadas à vio-lência nas escolas. Onde esse tipo de participa-ção ainda não existe, outros mecanismos po-dem estar disponíveis para garantir o envolvi-mento necessário. No Lesoto, na RepúblicaUnida da Tanzânia e em diversos outros paísesda África Subsaariana, por exemplo, há comi-tês locais que envolvem uma ampla gama departes interessadas para discutir todas as ques-tões relacionadas ao HIV e à AIDS. A cidadedo México, o Nepal e Quênia oferecem exem-plos do que grandes cidades ou países inteirospodem fazer para envolver pais e comunidades(veja quadros abaixo).

DISCIPLINA INFANTIL CONSTRUTIVA

A abordagem baseada em direitos e centrada nacriança exige a definição de códigos de condutaaceitos por todos os membros da comunidade es-colar que estabeleçam pontos de referência moraise sociais e enfatizem os valores que os sustentam,inclusive os valores previstos na CDC e em outrasconvenções sobre direitos humanos. A disciplinadeve procurar oferecer um reforço positivo, críti-cas construtivas e orientação e instruções claras.Exceto em casos extremos, ela não deve promovermedidas que possam prejudicar o desenvolvimen-to cognitivo e emocional de uma criança.

Pesquisas recentes sobre regimes disciplinaresestabeleceram uma distinção entre o que seriamregimes proativos e reativos. Os regimes proati-vos enfocam a prevenção e geralmente baseiam-se em pesquisas cuidadosas sobre o que funcio-na, além de estabelecerem uma estrutura jurídi-

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ca, políticas transparentes, regras claras de con-duta e mecanismos de aplicação. Os regimes re-ativos freqüentemente baseiam-se em afirmaçõesgerais mal informadas e exigem "tolerância zero"e punições severas. Eles frequentemente envol-vem suspensões ou expulsões de crianças da es-cola, que apenas transferem o problema para umaoutra escola ou para a comunidade sem ajudaras crianças afetadas como deviam. Essas medi-das violam o direito de uma criança à educação.Uma disciplina firme mas justa pode corrigircomportamentos inaceitáveis sem que se faça usode violência.201 O consenso entre educadoresconceituados é que os regimes reativos são ine-ficazes no longo prazo.202 Nesse contexto, a Unes-co delineou princípios básicos que devem regera disciplina escolar da criança que enfatizam acrítica construtiva, orientações e instruções cla-ras e os princípios da CDC.203

BULLYING: PREVENÇÃO EINTERVENÇÃO

Com seu Programa Olweus de Prevenção da Prá-tica de Intimidação Ostensiva (Bullying), a Noru-ega tem liderado esforços para reprimir a práticade bullying nas escolas. O monitoramento de qua-tro coortes de 600-700 alunos do primeiro grauindicou que, em dois anos, o programa havia re-duzido o bullying em 50% ou mais. As taxas deausência escolar, roubo, vandalismo e outros com-portamentos anti-sociais também caíram paraambos os gêneros e em todas as séries.204 A abor-dagem Olweus foi testada e aprovada em váriosoutros países, inclusive na Austrália, na Alema-nha e nos Estados Unidos.205 Ela não foi testadaem países não industrializados, principalmenteporque o bullying ainda não cresceu a ponto de setornar um problema público nesses países.

CIDADE DO MÉXICO - PROJETO 'COMBATENDO A VIOLÊNCIA:EDUCAÇÃO PARA A PAZ'

Na Cidade do México, desigualdades sociais, a pobreza e outros fatores têm contribuído para oaumento da violência nos lares, escolas e na cidade como um todo e a violência escolar tem sidoassociada a taxas elevadas de evasão escolar precoce. Atualmente, mais de 1.500 das escolas dacidade e 450.000 de seus estudantes estão participando de um projeto chamado "Combatendo aViolência: Educação para a Paz - Para Mim, Para Você e Para Todo Mundo". O projeto consisteem workshops de treinamento concebidos para desenvolver a capacidade de diretores de esco-las, professores, alunos e pais de solucionar conflitos de maneiras não violentas. Medidas deacompanhamento nas escolas visam garantir que lições sejam colocadas em prática e oferecerapoio aos indivíduos responsáveis por continuar a desenvolver a capacidade de cada populaçãoescolar de solucionar conflitos pacificamente. O projeto foi lançado e produziu resultados posi-tivos graças à liderança e apoio incansáveis da Secretaria de Educação e, principalmente, dosdiretores das escolas. O que se espera agora é que o projeto se torne um programa permanenteapós as próximas eleições gerais a serem realizadas no município.198

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NEPAL - MENINAS TOMAM MEDIDAS PRÁTICAS PARA PÔR FIM AOASSÉDIO SEXUAL

Em Surkhet, Nepal, a organização Save the Children vem apoiando meninas em seus esforçospara educar homens e meninos e tornar suas escolas e comunidade mais seguras. Meninos ehomens adultos (inclusive autoridades educacionais e líderes comunitários) não tinham consci-ência de que as meninas viam suas "provocações inocentes" como assédio sexual e discrimina-ção até que elas mapearam locais nos quais se sentiam inseguras. Examinando e discutindo osmapas, eles conseguiram reconhecer que aqueles eram os locais nos quais meninas sofriamessas provocações regularmente. Além disso, as meninas criaram redes por todo o vilarejo e nodistrito com vínculos a grupos de meninas em outros vilarejos, à polícia local, a grupos deprofessoras e de mulheres e à comissão municipal do bem-estar da criança.199

QUÊNIA - CAMPANHA "DEFENDA OS DIREITOS DA CRANÇA"

Na primavera de 2006, uma campanha para pôr fim à violência contra a criança foi lançada noQuênia com o apoio do Unicef. A campanha solicitou que famílias, escolas, organizações religio-sas, o setor privado, os meios de comunicação de massa de massa e todos os demais membros dasociedade queniana participassem (com apoio financeiro ou de outra natureza) em esforços paragarantir que todos os lares, escolas e comunidades da nação se comprometessem a eliminar aviolência contra a criança. O objetivo da campanha é juntar as forças de todos contra a violência einformá-los sobre o que podem fazer para criar ambientes nos quais todas as crianças quenianaspossam desenvolver todo o seu potencial. A campanha também arrecadou fundos para apoiar:

Um pacote essencial de serviços de proteção à criança em comunidades mais vulneráveis. Números telefônicos gratuitos nos quais adultos e crianças vítimas de violência podem solici-tar ajuda.

Abrigos seguros para quem precisa escapar da violência doméstica. Capacitação de conselheiros para ajudar as vítimas e suas famílias e outros agressores a que-brar seus padrões de comportamento violento.

Capacitação de professores, agentes de saúde e policiais em como reduzir a violência e inter-vir quando ela ocorre.

Programas em escolas e programas para jovens concebidos para reduzir a violência Publicidade para promover uma maior conscientização da população e mobilizar um compro-misso cada vez maior.200

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A abordagem Olweus foi consideravelmente bem-sucedida e também identificou questões impor-tantes que exigem uma atenção contínua, como anecessidade de se promover o compromisso detodas as partes interessadas, sustentar a liderançaao longo do tempo e monitorar e compreender asmotivações e causas interligadas da violência,combatendo, ao mesmo tempo, todas as formasde violência na escola. A introdução de uma es-trutura de direitos humanos em programas de pre-venção do bullying também pode ajudar a supe-rar esses desafios.206 (veja quadro).

Para crianças expostas a um alto risco de bullying- como vítimas ou perpetradoras da prática - podeser uma boa idéia desenvolver estratégias indi-vidualizadas intensivas que envolvam visitasdomiciliares, aconselhamento e desenvolvimentode habilidades nas crianças e em seus pais.

VIOLÊNCIA SEXUAL E DEGÊNERO: PREVENÇÃO EINTERVENÇÃO

Todo o ambiente escolar deve ser acolhedor parameninas e para todas as crianças que possam serconsideradas diferentes em razão de sua sexuali-dade conhecida, suspeitada ou alegada. As escolasdevem ser locais seguros e confortáveis e todas ascrianças deve ser estimuladas a aproveitar ao má-ximo todas as oportunidades de desenvolvimentocognitivo e emocional. Para que isso seja possível,os elementos subjacentes da violência baseada nogênero devem ser diretamente atacados, fazendocom que as crianças desenvolvam uma compre-ensão adequada de problemas e atitudes relaci-onados à violência e habilidades necessáriaspara evitá-la ou lidar com ela quando ocorrer.

A preocupação de que a coerção e o abuso sexu-al expõem meninas e adolescentes a riscos ex-tremamente altos de infecção do HIV geroumuitas respostas diferentes em todo o mundo,especialmente na região sul da África meridio-nal. Algumas iniciativas de ONGs internacionaisextrapolam os limites das escolas. Por exemplo,o programa de capacitação 'Stepping Stones' daONG ActionAid visa prevenir a transmissão doHIV e, ao mesmo tempo, combater a violênciasexual e baseada no gênero em centenas de co-munidades na África, Ásia, América Latina eCaribe.209 Workshops paralelos são realizadospara homens e mulheres para oferecer ambien-tes seguros e de apoio nos quais ambos possamse sentir à vontade para discutir questões sensí-veis, mas os participantes dos workshops parahomens e mulheres também se reúnem periodi-camente para compartilhar preocupações e per-cepções. Eles discutem coisas como "por que noscomportamos dessa maneira?" e "como podemosmudar?". Esses eventos têm gerado um compor-tamento sexual mais seguro, reduzido a violên-cia doméstica, promovido uma divisão mais equi-librada de afazeres domésticos com os homens emelhorado a comunicação entre casais e entrepais e filhos, particularmente no que se refere aquestões sensíveis relacionadas à saúde sexual.

Na Etiópia, comunidades tomaram a iniciativade criar Comitês Consultivos sobre a Educaçãode Meninas (GEACs, na sigla em inglês) queabordam, como um todo, o problema de garan-tir acesso a uma educação de alto nível parameninas. Os GEACs criaram Clubes de Meni-nas que oferecem locais seguros para as meni-nas expressarem suas opiniões e as incentivama denunciar casos de assédio e abuso. Outras

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ELEMENTOS-CHAVE DE PROGRAMAS EFICAZES DE COMBATE AOBULLYING BASEADOS EM DIREITOS E CENTRADOS NA CRIANÇA

Embora os programas de combate ao bullying possam variar significativamente em seus deta-lhes específicos, os mais eficazes baseiam-se em direitos e são centrados na criança. As caracte-rísticas comuns desses programas são, entre outras, as seguintes:

Eles envolvem a criança desde a mais tenra idade, antes que suas atitudes e comportamentosse tornem padrões permanentes.As escolas envolvem todas as principais partes interessadas - diretores, professores, alunos ea comunidade maior - no desenvolvimento, implementação e monitoramento dos programase enfocam a prevenção da violência.Um grupo de liderança mantém o ímpeto e promove ajustes à luz de mudanças nas circuns-tâncias.Componentes educacionais que aumentam os conhecimentos e melhoram as habilidades detodas as principais partes interessadas e esses componentes são integrados ao currículo regu-lar, para que a criança possa adquirir conhecimentos sobre direitos humanos e desenvolver ahabilidade de comunicar e solucionar conflitos de forma não violenta.Um monitoramento mais acentuado do comportamento dos alunos, prestando atenção, espe-cialmente, em como os alunos se relacionam entre si, principalmente quando há indícios debullying.Mecanismos para a apresentação de denúncias, intervenções, recuperação de vítimas e reabi-litação de agressores.As intervenções são coerentes, para que não haja nenhuma percepção de negligência ouinjustiça.207,208

iniciativas dos GEACs incluem o estabeleci-mento de comitês disciplinares para que pro-fessores prestem contas por suas ações, prote-ção policial para meninas nos trajetos de ida evolta da escola, construção de vasos sanitáriosseparados para meninas, insistência na presen-ça de professoras nas escolas, treinamento demeninos e meninas em formas respeitosas dese relacionar, aconselhamento para meninas emlocais seguros e solicitações para que lideran-ças religiosas e tribais ponham fim à prática de

raptos e casamentos precoces. Como resulta-do, a taxa de evasão escolar entre meninas caiude 57% para 19% numa escola primária.210

CURRÍCULO: O QUE DEVE SERENSINADO E COMO

O currículo, os métodos pedagógicos e todo oambiente escolar devem ensinar, ilustrar e refor-çar os princípios da igualdade de gênero, direitoshumanos e não violência e as habilidades neces-

"Um currículo escolar vai muito além do que é ensinado."

Mary Joy Pigozzi, Diretora, Divisão para a Promoção de Educação de Qualidade, UNESCO XV

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sárias para aplicar esses princípios cotidianamen-te. Eles também devem contribuir para aumentara resistência da criança à violência, para que sai-ba lidar com ela e se recuperar quando ela ocorre.

Tradicionalmente, o currículo escolar tem en-focado muito o "conteúdo" (o quê) e dado me-nos atenção a habilidades e processos de apren-dizagem (como), como a capacidade de inves-tigar, solucionar problemas e tomar decisões.Observa-se um reconhecimento cada vez mai-or de que, em um mundo em processo de rápi-das transformações, é preciso ensinar às crian-ças o como do comportamento humano cons-trutivo, para que elas saibam se proteger de da-nos e agir para evitar danos a outros. Esse tipode educação é freqüentemente chamado de"educação baseada em habilidades de vida".

A educação baseada em habilidades de vidadeve fazer parte de um pacote que inclua edu-cação sobre os princípios da igualdade de gê-nero, direitos humanos e não violência e comoe por que esses princípios evoluíram e podemser colocados em prática.211, 212 Isso pode im-plicar a necessidade de lidar com questões ex-tremamente pessoais e sensíveis relacionadasàs características singulares de cada criança,ao histórico de sua família, tradições religio-sas e culturais e temas anteriormente conside-rados tabus em discussões que envolvessemcrianças. Para lidar com essas questões ade-quadamente, além do currículo, são necessá-rios métodos pedagógicos apropriados. É ne-cessário ir além da aprendizagem tradicionalmecânica e incentivar crianças a fazer pergun-tas, inclusive aos seus professores, a relatarsuas próprias experiências e expressar seus

sentimentos e idéias como parte do processode aprendizagem. Na África do Sul, por exem-plo, o programa Currículo 2005 enfatiza mé-todos pedagógicos flexíveis que incentivam eacomodam a participação ativa da criança emexperiências de aprendizagem e as ajudam adesenvolver a capacidade de refletir.213

De 1998 a 2004, o Relator Especial sobre o Di-reito à Educação colaborou com a Unesco naprodução do Manual on Rights-based Educati-on: Global Human Rights Requirements MadeSimple (Manual sobre Educação Baseada emDireitos: Simplificação dos Requisitos Globaisde Direitos Humanos).214 Segundo o manual, acriança tem direito à educação e direitos na edu-cação. Isso significa que as escolas devem pro-teger os direitos de seus alunos e também ensi-ná-los a respeitar os direitos de outros. A abor-dagem da educação baseada em direitos faz daeducação a própria base da campanha de longoprazo contra a violência de todos os tipos, inclu-sive a violência contra a criança. Crianças edu-cadas em escolas sem violência e que aprendema respeitar os direitos de todos os indivíduos deviver em ambientes sem violência representama maior esperança de um futuro sem violência.

Nos Estados Unidos, por exemplo, uma ONGdenominada The Committee for Children desen-volveu três conjuntos de currículos - Second Step,Steps to Respect and Talking about Touching(Segundo Passo, Passos para o Respeito e Con-versa sobre Tocar) - concebidos para transmitirà criança os conhecimentos e habilidades neces-sários para prevenir a prática do bullying, o abu-so sexual e outras formas de violência. Essesconjuntos têm como objetivo ajudar a criança a

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se defender, conversar em vez de brigar e refletirsobre questões a partir da perspectiva dos ou-tros. Uma avaliação dos impactos do Second Steprealizada em 1997 em mais de 10 mil escolas deprimeiro grau no Canadá e nos Estados Unidosregistrou uma diminuição de comportamentosagressivos e um aumento em comportamentossociais positivos nas salas de aula, pátios de re-creio e cantinas dessas escolas.215

Algumas questões sensíveis podem ser melhorabordadas em um contexto mais amplo. Quan-do perguntadas, por exemplo, sobre a melhormaneira de se combater o abuso sexual, crian-ças no Canadá, Colúmbia, Bangladesh, Brasil,Moçambique, Nepal, Nicarágua, Romênia, Ru-anda, África do Sul, Espanha, Síria e Ugandaresponderam que a questão do abuso sexualdeveria ser tratada no contexto da aprendiza-gem sobre os direitos da criança e da proteçãoinfantil e não isoladamente.216, 217 Uma carac-terística da educação baseada em habilidadesde vida eficaz é que os métodos de ensino eaprendizagem são interativos e permitem àscrianças compartilhar suas idéias. Uma edu-cação baseada em habilidades de vida eficazfreqüentemente envolve crianças na discussãode problemas reais enfrentados em sua pró-pria escola e contribui para o desenvolvimen-to de políticas e programas.

CRIAÇÃO DE ESPAÇOS FÍSICOSSEGUROS E ACOLHEDORES

Diversos estudos solicitaram a crianças quemapeassem zonas perigosas ou seguras emsuas escolas e nos pátios dessas escolas e elas

identificaram com precisão áreas nas quaismeninas se sentiam inseguras, como áreasonde meninos se reuniam ou salas nas quaisprofessores do gênero masculino que as as-sediavam sexualmente davam aulas.218, 219, 220

Um estudo realizado numa escola de segun-do grau em Durban, na África do Sul, obser-vou que seus espaços eram extremamente se-gregadores em termos de gênero. Havia mui-tos espaços privativos para meninos, ondeeles eram deixados sozinhos e podiam fazercoisas proibidas como fumar, por exemplo, epara professores, nos quais professoras emeninas não tinham permissão de entrar deforma alguma. Os únicos espaços privativospara as meninas eram os banheiros, cuja pri-vacidade ficava comprometida pela falta deportas. As professoras tinham dificuldadepara encontrar espaços que não eram policia-dos ou invadidos por homens.221

Quando uma escola não é acolhedora ou atra-ente, é mais difícil promover o moral dos fun-cionários e criar perspectivas positivas para aaprendizagem. Melhorias nas escolas não exi-gem, necessariamente, gastos financeiros sig-nificativos e elas podem ser promovidas comouma atividade extracurricular que envolva fun-cionários da escola, alunos, pais e outros mem-bros da comunidade. Em áreas rurais de baixarenda da Índia, por exemplo, funcionários ealunos trabalharam juntos na redecoração desalas de aula e na criação de jardins em esco-las usando materiais muito simples, mas ob-servaram que essa abordagem funciona melhorquando as escolas são seguras e protegidascontra atos de vandalismo.222

"Quando as crianças crescem, elas guardam na mente o que foi feito com elas e acabam fazendo o mesmo com criançasmais novas que elas, principalmente na escola. Algumas ficam mentalmente perturbadas."

Menino, 14 anos, África Oriental e Meridional, 2005XVI

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PESQUISAS E AVALIAÇÕES

Todos os sistemas educacionais funcionais têmum mecanismo para coletar dados no nível decada escola individual e muitos deles realizaminspeções regulares que oferecem oportunida-des adicionais para se coletar dados. No entan-to, a quantidade e qualidade desses dados vari-am bastante e raramente eles oferecem uma basesuficiente para se fazer estimativas, ainda queaproximadas, da prevalência de diferentes for-mas de violência nas escolas e de como essaprevalência pode estar aumentando ou diminu-indo ao longo do tempo. Uma razão para isso éo fato de que a maioria das escolas não tempessoal treinado na coleta e análise de dados, omesmo podendo ser dito em relação a muitosórgãos educacionais locais e distritais e a al-guns órgãos nacionais. Uma vez que esses da-dos são essenciais para se avaliar intervençõese verificar se elas estão contribuindo para re-duzir a violência, recomenda-se enfaticamenteque os órgãos responsáveis pela educação emnível distrital desenvolvam sua capacidade decoletar, analisar e divulgar dados para fins deavaliação e monitoramento.

Padrões acordados e definições e classifica-ções universalmente aceitas de diferentes for-mas de violência nas escolas são necessári-os, mas questões locais devem ser integradasa eles também. Há modelos disponíveis paraessas definições e classificações, entre osquais a Classificação Internacional de Cau-

sas Externas de Lesões.223 Há também dire-trizes, como as Diretrizes para a Vigilânciade Lesões, que podem ajudar qualquer órgãoeducacional - no nível nacional, municipal ouda escola - a desenvolver suas próprias defi-nições e classificações, bem como formas emecanismos simples de coleta, análise e di-vulgação de dados.224

Os instrumentos mais amplamente usados nacoleta de dados globais e nacionais sobre a vio-lência nas escolas são a LGSE (Pesquisa Globalsobre a Saúde do Aluno Baseada nas Escolas),225

que vem incluindo um número crescente de paí-ses em desenvolvimento, e o estudo HBSC (Es-tudo do Comportamento de Saúde de Criançasem Idade Escolar), que abrange a maioria dospaíses industrializados e alguns países em tran-sição.226 Outros instrumentos disponíveis são asPesquisas Demográficas e de Saúde e pesquisassemelhantes periodicamente realizadas por mi-nistérios da saúde (e outros setores) com o obje-tivo de determinar, por exemplo, a prevalênciada infecção do HIV e comportamentos que pos-sam contribuir para a infecção.

O monitoramento e a avaliação ajudarão aidentificar intervenções mais eficazes e indi-carão como elas podem ser aprimoradas. Es-tudos mais detalhados de formas particularesde violência e das ligações entre diferentesformas de violência, seus riscos e fatores deproteção e a eficácia dos programas de inter-venção também são necessários.

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RECOMENDAÇÕES

A educação é um agente-chave de mudança, ca-paz de romper o ciclo da violência não apenascontra a criança, mas também entre adultos. Elapode incentivar a criança a desenvolver auto-res-peito e respeito por outros, bem como a expres-sar seus sentimentos e negociar o que deseja semrecorrer à violência física ou psicológica.

As recomendações apresentadas seguir têm comoobjetivo apoiar governos, autoridades educacio-nais, diretores de escolas, professores, alunos,pais e comunidades em seus esforços para criarescolas não violentas. As recomendações sãoorientadas pela Convenção das Nações Unidassobre os Direitos da Criança e informadas pelasConsultas Regionais realizadas para o Estudo,insumos de especialistas, contribuições públicase um entendimento baseado em evidências dascausas da violência e sua prevenção, inclusiveseus vínculos praticamente universais com aquestão do gênero. As recomendações foramconcebidas para garantir que métodos, currícu-los, programas e serviços educacionais apóiemas normas estabelecidas pela CDC e que seu de-senho e implementação sejam coerentes não ape-nas com a diversidade social e cultural, mas tam-bém com realidades econômicas e práticas.

A prevenção deve ser priorizada

1. Um acesso universal a ambientes deaprendizagem livres de violência, nosquais os direitos de todas as crianças se-jam respeitados e promovidos, deve sergarantido. Em consonância com o apeloglobal da iniciativa Educação para Todos,

os governos devem tomar todas as medi-das necessárias para garantir que as esco-las de primeiro e segundo grau sejam ba-seadas em direitos e ofereçam ambientesde aprendizagem seguros e saudáveis, sen-síveis ao gênero, inclusivos e eficazes ameninos e meninas. A promoção da nãoviolência dentro e fora da escola deve seruma meta clara, com políticas e procedi-mentos bem divulgados para esse fim.

IRAQUE, 2003, Crianças numa Casa para Jovens nobairro de Adhamiya, Bagdá.

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2. A violência nas escolas deve ser proibi-da. Os governos têm a obrigação de proibirexplicitamente, por lei, a violência contra acriança e assegurar a implementação de po-líticas e procedimentos adequados para essefim no nível da escola - abolindo especifi-camente o castigo corporal e outras formashumilhantes ou degradantes de tratamento,bullying e outros tipos de violência sexualou baseada no gênero.

3. A violência nas escolas deve ser preveni-da por meio de programas específicos queabordem o ambiente escolar como umtodo. Os governos devem implementar pro-gramas abrangentes de prevenção da violênciaem ambientes educacionais para funcionáriose alunos que sejam também sensíveis às ne-cessidades especiais de crianças vulneráveis.

4. Uma atenção prioritária deve ser dada aquestões de gênero e seus vínculos com aviolência. Os governos devem reconhecero impacto abrangente de estereótipos de gê-nero profundamente enraizados sobre a na-tureza da violência dentro e fora das esco-las. Estudantes, funcionários e membros co-munitários do gênero masculino devem serativamente estimulados a atuar como parcei-ros e aliados estratégicos e, juntamente comestudantes, funcionários e membros comuni-tários do gênero feminino, eles devem ter opor-tunidades de desenvolver uma melhor com-preensão de como abolir a discriminação degênero e suas manifestações violentas.

5. Uma atenção especial deve ser dedicadaa grupos vulneráveis. Os governos devem

implementar estratégias específicas para ga-rantir que as necessidades especiais de cri-anças vulneráveis sejam satisfeitas e, parti-cularmente, que a discriminação seja erra-dicada. O pessoal das escolas deve compre-ender e ter a capacidade de responder siste-maticamente à situação e aos riscos especí-ficos enfrentados por grupos minoritários,crianças com necessidades especiais, crian-ças que não estão sendo criadas por seuspais ou afetadas pelo HIV ou crianças emprocesso de reintegração à comunidade es-colar, como crianças refugiadas ou deslo-cadas e ex-soldados infantis.

6. Espaços físicos seguros devem ser ga-rantidos. Os governos devem garantirespaços físicos seguros para que meni-nas e meninos tenham acesso igualitárioa instalações e possam participar plena-mente da vida escolar. As escolas devemdispor de banheiros adequados para me-ninas e meninos. Todas as instalações de-vem ser limpas e seguras, acessíveis a me-ninas e meninos e livres de interferênciasnegativas da comunidade.

Capacidades devem ser desenvolvidas

7. Códigos de conduta que reflitam os prin-cípios dos direitos da criança devem serestabelecidos e implementados. Códigosde conduta claros que reflitam os princípiosdos direitos da criança e estejam sintoniza-dos com a lei devem ser estabelecidos e am-plamente promovidos entre todos os funcio-nários de escolas, alunos e suas famílias ecomunidades. O governo tem a responsabi-

"Observa-se uma nova consciência da prevalência da violência contra a criança na África e de seusefeitos para os que a experimentam e para a sociedade como um todo. Precisamos traduzir essa

consciência em medidas de prevenção baseadas em estratégias bem-sucedidas desenvolvidas nestaregião e em outras. Protelar essa resposta é trair a confiança depositada em nós de

proteger crianças vulneráveis.

Dr. Luis G. Sambo, Diretor Regional da OMS para a África

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lidade de criar mecanismos e protocolos paragarantir que as escolas disponham de adul-tos treinados e confiáveis, dentro delas ouindependentes das mesmas, aos quais os alu-nos possam, de forma segura e confidencial,denunciar incidentes de violência e dos quaispossam receber aconselhamento.

8. Os diretores de escolas e professores de-vem adotar estratégias de ensino eaprendizagem e medidas disciplinaresnão violentas. Os governos devem tomaras medidas necessárias para garantir a ado-ção de estratégias de ensino e aprendiza-gem e medidas disciplinares que não se-jam baseadas no medo, na ameaça, na hu-milhação ou na força física. Todo o pesso-al das escolas deve ser capacitado e apoia-do no uso de estratégias de gestão de salade aula não violentas e respeitosas, bemcomo em habilidades específicas para pre-venir e responder de forma eficazmente apadrões de bullying e outras formas de vi-olência baseadas no gênero.

9. Os alunos devem ser ouvidos e sua parti-cipação incentivada. Os governos e seusparceiros devem promover e apoiar ativa-mente o envolvimento de alunos na con-cepção, formulação, implementação e mo-nitoramento de políticas e programas, in-clusive proporcionando-lhes acesso a me-canismos confidenciais de queixas ou de-núncias. Estruturas de gestão escolar par-ticipativas, sensíveis ao gênero e inclusi-vas devem ser promovidas e os alunos de-vem ser dotados das habilidades necessá-rias e de oportunidades adequadas de par-

ticipação, com especial atenção à partici-pação de crianças vulneráveis.

Conhecimentos e habilidades para a promo-ção de uma cultura de não violência devemser fortalecidos

10. O currículo deve ser revisado de modo amodelar a não violência e a eqüidade degênero. Os governos devem tomar as medi-das necessárias para garantir que o currícu-lo, os livros didáticos e os métodos pedagó-gicos promovam os direitos da criança, apói-em a diversidade e conhecimentos indíge-nas e enfatizem a tolerância, o respeito, aeqüidade, a não discriminação e a soluçãonão violenta de conflitos.

11. Uma educação em habilidades de vida quepermita aos alunos desenvolver habilida-des pessoais deve ser implementada. Osgovernos devem garantir a promoção, noscurrículos escolares, de programas de desen-volvimento de habilidades de vida baseadosem direitos e em prol da não violência pormeio de disciplinas como a educação para apaz, a educação para a cidadania, o combateà prática do bullying, a educação em direi-tos humanos e a solução e mediação de con-flitos, com ênfase nos direitos da criança eem valores positivos como os da diversida-de e da tolerância e no desenvolvimento dacapacidade de solucionar de problemas e dehabilidades eficazes de comunicação social,a fim de permitir que meninas e meninos su-perem preconceitos arraigados de gênero eaprendam a prevenir e lidar com a violênciae o assédio, inclusive o assédio sexual.

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12. Parcerias entre a escola e a comunidadedevem ser desenvolvidas e as escolas de-vem ser apresentadas como um recursoda comunidade. Os governos devem reco-nhecer a escola como um recurso da comu-nidade e facilitar o desenvolvimento de la-ços mais estreitos entre a escola e a comu-nidade no combate à violência dentro e forada escola, envolvendo alunos, os funcioná-rios das escolas, pais e outros parceiroscomo a polícia, serviços de saúde, serviçossociais, grupos religiosos, grupos comuni-tários recreativos e grupos culturais.

Sistemas de informação devem serdesenvolvidos

13. Os sistemas de coleta de dados sobre to-das as formas de violência contra meni-nas e meninos devem ser fortalecidos.Os dados coletados devem garantir que asopiniões de alunos e de alunos em poten-cial sejam consideradas juntamente comas de professores, pais e da comunidade

maior, com um enfoque especial nas ex-periências de crianças vulneráveis. Os go-vernos devem tomar as medidas necessá-rias para que as informações produzidassejam desagregadas, pelo menos, por ida-de e gênero, e incorporadas a sistemas exis-tentes de gestão educacional em nível lo-cal, municipal e nacional.

14. Uma agenda nacional de pesquisas sobreviolência dentro e fora das escolas deveser desenvolvida. Os governos devem im-plementar um conjunto de prioridades na-cionais de pesquisa que possam suplemen-tar os sistemas de coleta de dados (descri-tos acima) com pesquisas qualitativas equantitativas detalhadas que sejam éticas efocadas na criança. Os dados devem ser de-sagregados, no sentido de dar visibilidadeà escala e ao âmbito das experiências de me-ninas e meninos de diferentes idades com aviolência e sua superação e às suas situa-ções, bem como para tornar seus riscos efatores de proteção mais evidentes.

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REFERÊNCIAS

1 Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidas sobreViolência contra a Criança (2005). RegionalConsultation Outcome Reports. Disponível em: http://www.violencestudy.org/r27.

2 Wood K, Jewkes R (2001). 'Dangerous' Love: Reflections onViolence among Xhosa Township Youth. In: Morrell R (Ed).Changing Men in Southern Africa. Londres, University ofNatal Press, Pietermaritzburg e Zed Press, pp 317-336.

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4 Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidas sobreViolência contra a Criança (2005). Regional DeskReview: South Asia. Disponível em: http://www.violencestudy.org/r27.

5 Wood K, Jewkes R (2001). 'Dangerous' Love: Reflectionson Violence among Xhosa Township Youth. In: MorrellR (Ed). Changing Men in Southern Africa. Londres,University of Natal Press, Pietermaritzburg e Zed Press,pp 317-336.

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7 Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidas sobreViolência contra a Criança (2005). RegionalConsultation Outcome Reports. Disponível em: http://www.violencestudy.org/r27.

8 Wood K, Jewkes R (2001). 'Dangerous' Love: Reflectionson Violence Among Xhosa Township Youth. In: MorrellR (Ed). Changing Men in Southern Africa. Londres,University of Natal Press, Pietermaritzburg e ZedPress, pp 317-336.

9 Leach F e outros (2003). An Investigative Study of theAbuse of Girls in African Schools. Education ResearchReport No. 54, Londres, Education Department, UnitedKingdom Department for International Development.

10 Fórum Mundial de Educação (2000). The DakarFramework for Action. Paris, UNESCO.

11 Nações Unidas (2000). Declaração do Milênio dasNações Unidas. (Adotada pela 55ª Sessão daAssembléia Geral) Nova Iorque, Nações Unidas.

12 UNESCO (2005 Relatório de Monitoramento Global deEducação para Todos 2005. Paris, UNESCO.

13 Fórum Mundial de Educação (2000). The DakarFramework for Action. Paris, UNESCO.

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IX Human Rights Watch (2001). Scared at School:Sexual Violence Against Girls in South AfricanSchools. Nova Iorque, Human Rights Watch.

X VII Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidassobre Violência contra a Criança (2005). RegionalDesk Review: Latin America, p 28. Disponível em:www.violencestudy.org/r27.

XI VII Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidassobre Violência contra a Criança (2005). RegionalDesk Review: South Asia, p 59. Disponível em:www.violencestudy.org/r27.

XII Human Rights Watch (2004). Letting Them Fail:Government Neglect and the Right to Education forChildren Affected by AIDS. Nova Iorque, HumanRights Watch.

XIII Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidas sobreViolência contra a Criança (2005). Regional DeskReview: South Asia, p 33. Disponível em:www.violencestudy.org/r27.

XIV L'Observatoire des droits de l'enfant de la régionocéan indien (2006). La violence contre les enfantsdans la région de l'océan indien. Relatório Anual dol'Observatoire des droits de l'enfant de la régionocéan indien. Ilhas Maurício, l'Observatoire desdroits de l'enfant de la région océan indien, p 35.

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XVI Naker D (2005). Violence against children, the voicesof Ugandan Children and Adults. Raising Voices andSave the Children Uganda, pág. 35.

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A VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇAEM INSTITUIÇÕES DE PROTEÇÃO E DE JUSTIÇA JUVENIL

Introdução 187Instrumentos de direitos humanos 189Histórico e contexto 190A ascensão das instituições 190Restrições ao atendimento institucional 192Fatores que contribuem para a violência nas instituições 193

Baixa prioridade 193Recrutamento inadequado de pessoal 193Ausência de Monitoramento e Supervisão 194Combinação de vários níveis de vulnerabilidade 195

Crianças que recebem proteção institucional 195Natureza e extensão do problema 196

Institucionalização no Leste Europeu e nos países da antiga União Soviética 197Minorias étnicas como alvo 197

Por que crianças são encaminhadas para atendimento residencial? 197Padrões da institucionalização 199

Fontes de violência nas instituições de atendimento 200Violência praticada pelos funcionários 200Violência a pretexto de tratamento 201Ausência de proteção como forma de violência 202Violência praticada por outras crianças 202

Impacto da institucionalização sobre a saúde e o desenvolvimento da criança 203

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Crianças sob custódia e internadas 204Natureza e extensão do problema 204Contexto histórico 206Crianças em conflito com a lei 207

Por que crianças entram em conflito com a lei 207Internação em substituição ao atendimento 209

Origens da violência na internação e custódia policial 211Violência praticada pelos funcionários em casas de internação 211Violência praticada sob custódia da polícia e das forças de segurança 211Violência sob a forma de medidas (sentence) 212Violência praticada por detentos adultos 213Violência praticada por outras crianças 214Autolesão 214

Outras crianças sob custódia do Estado 216Refugiados, solicitantes de asilo e migrantes 216

Crianças desacompanhadas 216Instalações que se assemelham a prisões 217Detenção de crianças migrantes 217

Crianças em exércitos em tempos de paz 218Respostas à violência contra a criança em instituições assistenciais e correcionais 219Ação legislativa 219Políticas para evitar a institucionalização 220

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O princípio do "último recurso" 221Priorização das alternativas 221

Alternativas à assistência institucional 223Apoio às famílias destituídas e em risco 223Apoio para famílias de crianças portadoras de deficiência 224Apoio direto aos órfãos e crianças vulneráveis 225Acolhimento de diferentes necessidades e preferências 225

Alternativas à internação em instituições 225Programas de redirecionamento baseados na comunidade 227

Proteção contra a violência dentro das instituições 228Seleção, treinamento e remuneração de pessoal 228Conformidade com padrões internacionais 228Monitoramento e investigação 229Mecanismos de queixas 229

Mecanismos de reparação e resposta 229Desinstitucionalização de crianças que já se encontram sob atendimento 230Educação do público: passando a mensagem 232Quando os recursos são escassos 232Recomendações 233

Para todos os ambientes de proteção e de justiça juvenil 233Para os sistemas de proteção e de assistência social 235Para os sistemas de justiça 236

Referências 237

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"Às vezes um dia na prisão parecia um ano. Mas depois de dez dias você seacostuma e não chora tanto."

Menino detento, Oriente Médio, 2003 I

INTRODUÇÃO

Por longos períodos, milhões de meninas emeninos ao redor do mundo crescem não emsuas famílias ou em famílias alternativas, massob o controle e a supervisão de autoridadesassistenciais ou de sistemas de justiça. As ins-tituições em que vivem têm muitos nomes, queincluem orfanato, lar para crianças, casa assis-tencial prisão, casa de detenção juvenil, refor-matório, etc. Elas podem ser abertas ou fecha-das (ou seja, em que crianças são trancadas) epodem ser administradas pelo governo, porempresas privadas, por indivíduos ou por orga-nizações não-governamentais e religiosas. Mui-tas são operações em grande escala, e as crian-ças que lá entram podem viver longos períodosde suas vidas dentro delas. Seja qual for o nome,essas instituições determinam o cotidiano, odesenvolvimento pessoal e as oportunidadesfuturas de um grande número de crianças.

Embora essas instituições sejam fundadas paracuidar, orientar, apoiar e proteger a criança, osmeninos e meninas que vivem nelas podem es-tar sujeitas a um maior risco de violência se com-parados às crianças cujo cuidado e proteção sãoprestados por pais e professores, em casa ou naescola. Relatórios de vários países, em todas asregiões do mundo, mostram que crianças insti-tucionalizadas estão muitas vezes sujeitas à vio-lência praticada pelos funcionários e autorida-des responsáveis pelo seu bem-estar. Essa vio-lência pode incluir a tortura, surras, isolamento,reclusão, estupro, assédio e humilhação. Alémdisso, a estigmatização, o isolamento e muitasvezes a dessocialização que resultam dos efeitosda institucionalização faz com que meninos e

meninas corram risco muito maior de exposiçãoa mais violência e, em alguns casos, de se torna-rem seus perpetradores.

Crianças são institucionalizadas por várias ra-zões. Algumas são colocadas em orfanatos (etambém em acomodações que remetem a um lar,como lares de adoção ou sob os cuidados de pa-rentes ou amigos próximos) porque perderamseus pais e não têm outros parentes a quem re-correr - um problema que está aumentando devi-do à AIDS, principalmente na África Subsaaria-na. Outras estão em instituições devido a defici-ências físicas ou mentais, distúrbios psiquiátri-cos ou outras doenças sérias. Muitas foram en-tregues por pais que, sem dinheiro ou serviço deapoio para enfrentar a deficiência de seus filhos,consideraram não ter alternativa. Como resulta-do disso, muitas crianças portadoras de defici-ência são institucionalizadas em hospitais. Al-gumas fugiram ou foram retiradas pelas autori-dades de lares violentos e abusivos.

A maioria das crianças sob custódia da políciaou detidas por infrações reais ou percebidos nãodeveriam estar lá. Em muitos países, esse gruponormalmente inclui crianças que simplesmenteprecisam de cuidados e proteção, mas que foramencerradas em centros correcionais sob a acusa-ção de praticas como a vadiagem, sendo assimcriminalizadas por nada mais que a pobreza e aausência de um lar. A grande maioria das crian-ças detidas são acusadas de cometer pequenasinfrações e são primárias. Poucas cometeraminfrações violentas.1 O guarda-chuva da "insti-tucionalização" também inclui crianças migran-tes e refugiadas, inclusive as que requerem asiloe são encerradas em centros de internação en-

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quanto seus casos são julgados. Incluem-se aícrianças sob custódia do Estado na condição demembros de exércitos em tempos de paz.

Maus tratos - e negligência absoluta - não sur-gem apenas da superpopulação típica, condiçõesesquálidas e ausência de recursos para investi-mento no atendimento dessas meninas e meni-nos. Tão importante quanto essas condições é aexistência freqüente de um profundo grau de dis-criminação contra crianças que acabam sendoinstitucionalizadas. A falta de preocupação dopúblico com a brutalidade dispensada às crian-ças em instituições correcionais pode refletir arejeição da sociedade em relação às crianças quenão se encaixam no comportamento social con-vencional. Essa estigmatização também pode serexpressa nas atitudes e no comportamento abu-sivo de funcionários mal treinados.

O estigma também contribui para a violênciacontra a criança portadora de deficiência. Pes-quisas têm demonstrado que essas crianças fre-qüentemente correm maior risco de sofrer vio-lência por parte dos funcionários das institui-ções do que outros meninos e meninas.2

A violência sofrida pelas crianças em institui-ções pode ser exacerbada quando elas se encon-tram alojadas com adultos ou outras crianças, oque pode levar à vitimização física e sexual porparte de crianças mais velhas e detentos adultos.O impacto da institucionalização vai além daexposição imediata da criança à violência: osefeitos de longo prazo podem incluir graves atra-sos no desenvolvimento, deficiência, danos psi-cológicos irreversíveis e altas taxas de suicídio eatividade criminal. Um estudo realizado realiza-

do nos Estados Unidos concluiu que crianças quetinham sido internadas pelo sistema de justiçajuvenil estavam sujeitas a um maior risco demorte violenta prematura. A principal causa demorte entre jovens ex-detentos foi o homicídio(90,1%). Pertencer ao gênero masculino, fazerparte de uma minoria racial ou étnica e ser oriun-do de área urbana eram os principais fatores derisco de morte violenta, da mesma forma que apassagem pelo sistema judiciário juvenil.3

As instituições que abrigam crianças muitas vezessão imunes ao escrutínio público. Elas não possu-em uma estrutura jurídica básica que proíba a prá-tica de toda e qualquer violência, nem supervisãoou regulamentação governamental adequada, me-canismos de queixa eficazes ou sistemas de inspe-ção. Os perpetradores raramente são responsabili-zados, permitindo a manutenção irreprimida de al-tas taxas de violência e perpetuando assim a tole-rância em relação à violência contra a criança.

TIPOS DE INSTITUIÇÕESASSISTENCIAIS

Embora não exista uma definição universalmenteaceita de instituição assistencial infantil, as ca-racterísticas que a maioria tem em comum são oatendimento em tempo integral de crianças quevivem separadas de suas famílias e a supervisãoexercida por funcionários remunerados. O tama-nho, a organização e as atividades realizadasnessas instituições podem variar substancialmen-te. No caso das instituições mais fechadas e iso-ladas, a vida inteira da criança - educação, servi-ços de saúde, trabalho, lazer e pernoite - trans-corre dentro delas e as instituições são altamen-te separadas do restante da comunidade.4

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INSTRUMENTOS DE DIREITOS HUMANOS

A Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) requer que o Estado ofereça proteção especialàs crianças destituídas de um ambiente familiar (artigos 19 e 20). O risco maior de violênciacontra a criança institucionalizada acrescenta às obrigações do Estado a adoção de medidaslegislativas e outras medidas eficazes para proteger da violência crianças abrigadas ou interna-das e reduzir significativamente o número de crianças institucionalizadas ou cumprindo medi-das. A CDC reconhece que as crianças devem crescer em um ambiente familiar: o Preâmbulo daConvenção declara que "... a criança, para o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade,deve crescer num ambiente familiar, em clima de felicidade, amor e compreensão."

Outros artigos reiteram a importância da família na formação da criança, exceto quando seusinteresses superiores determinem a adoção de providências alternativas. O artigo 9 diz respeitoao contato familiar nos casos em que a criança é separada da sua família. O artigo 37(b) afirmaque "a captura, detenção ou prisão de uma criança devem ser conformes à lei, serão utilizadasunicamente como medida de último recurso e terão a duração mais breve possível". O artigo 40,que trata de crianças em conflito com a lei, afirma que a criança tem "direito a um tratamentoque favoreça seu sentido de dignidade e valor... que tenha em

conta sua idade e a necessidade de facilitar sua reintegração social". Essas disposições tornamclaro que são muito mais desejáveis as alternativas ao atendimento institucional que apóiem odesenvolvimento da criança e permitam que ela permaneça em casa e na escola do que os pro-cessos jurídicos e a institucionalização.5

A CDC aborda de forma específica os direitos de meninos e meninas portadores de deficiência,reconhecendo "que a criança portadora de deficiência física ou mental tem direito a uma vida plenae decente em condições que garantam a sua dignidade, favoreçam a sua autonomia e facilitem a suaparticipação ativa na vida da comunidade" (artigo 23). A segregação e a institucionalização nuncapodem ser justificadas pela deficiência. Crianças portadoras de deficiência são freqüentemente insti-tucionalizadas e os perigos dessas internações são bem conhecidos, o que leva a CDC a requereratendimento infantil que não envolva isolamento social ou exclusão. Além disso, o artigo 25 confereà criança institucionalizada o direito a uma revisão periódica de todos os aspectos da internação.

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) declara que uma sentença de morte nãopode ser pronunciada para crimes praticados por pessoas de idade inferior a 18 anos (artigo 6). Opacto também contém disposições estipulando que adolescentes infratores sejam separados dos adultose recebam tratamento adequado à sua idade e condição legal (artigo 10). O artigo 14 do Pacto declaraque os procedimentos contra jovens infratores devem levar em conta a idade e a necessidade depromover a reabilitação. Além disso, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou PenasCruéis, Desumanos ou Degradantes declara que os Estados devem adotar medidas legislativas, ad-ministrativas, judiciárias e outras medidas eficazes para impedir atos de tortura (artigo 2).

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Algumas categorias gerais de atendimento ins-titucional são:

Atendimento residencial ou institucional delongo prazo: O número de crianças que vivemem cada instituição pode variar de algumas de-zenas a várias centenas. Algumas instituiçõesresidenciais são específicas para crianças por-tadoras de deficiência. Os termos "atendimen-to residencial" e "atendimento institucional" sãousados de forma intercambiável neste capítulo.

Atendimento em abrigo emergencial: Locaisque oferecem serviços que atendem às necessi-dades básicas das crianças com relação à segu-rança, alimentação, abrigo e educação por umcurto período de tempo.

Instituições psiquiátricas: Atendimento re-sidencial institucional, incluindo profissionaisda área médica, para crianças com distúrbiospsicossociais.

Lares para grupos ou abrigos familiares:Atendimento residencial personalizado prestadopor uma ou mais pessoas em uma casa que não éa sua, na qual cuidam de um grupo de crianças(normalmente de 10 a 15) em um ambiente me-nos formal e mais parecido com um lar.

Outras duas categorias de assistência que buscamoferecer um ambiente não-institucional a crian-ças que vivem separadas de suas famílias são:

Lares adotivos: Colocação da criança com ou-tra família por um período de tempo variável.O filho de criação é aceito no lar da família subs-tituta, que muitas vezes inclui os filhos bioló-gicos dos pais de criação.

Lares adotivos informais/de parentes ou ami-gos próximos: Colocação da criança com ou-tra família, que pode ter laços familiares com acriança, normalmente sem o envolvimento deautoridades do governo. (Ver o capítulo sobre aviolência contra a criança no lar e na família).

HISTÓRICO E CONTEXTO

A ASCENSÃO DAS INSTITUIÇÕES

Desde seus primórdios, as instituições criadaspara abrigar crianças foram estabelecidas es-sencialmente como repositórios para indeseja-dos. Os historiadores sugerem que a primeirainstituição voltada especificamente para o cui-dado de crianças negligenciadas foi criada emConstantinopla no século III d.C. como ummeio de reduzir o infanticídio. Mais tarde, naIdade Média, lares para crianças abandonadasforam estabelecidos pela Igreja na Itália e aprática espalhou-se pela Europa.9 Além de serum trabalho de caridade, o lar para criançasabandonadas era um meio de remover das ruascrianças negligenciadas e abandonadas, tor-nando o problema invisível para a sociedade -uma tarefa cada vez mais importante, já que oíndice de abandono de bebês chegou a um paracada quatro em algumas cidades européias nosséculos posteriores. Até o século XX, a taxade mortalidade entre as crianças dessas insti-tuições era invariavelmente alta.10 Isso resul-tou não apenas na rápida propagação de infec-ções em ambientes residenciais superpopula-dos antes do advento dos sistemas de saúdepública, mas também na falta de atendimentoeficaz e individual às crianças.

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PADRÕES DA ONU PARA A JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE

Além da CDC, foram adotados padrões específicos da ONU para o tratamento de casos decrianças em conflito com a lei. Esses padrões incluem as Regras Mínimas das Nações Unidaspara a Administração da Justiça da Infância e da Juventude, conhecidas como as "Regras dePequim", adotadas em 1985, que oferecem orientação sobre a aplicação da justiça de maneira agarantir a proteção dos direitos das crianças e o respeito às suas necessidades de desenvolvi-mento.6 Dois outros padrões adotados em 1990 - as Diretrizes das Nações Unidas para a Pre-venção da Delinqüência Juvenil (Diretrizes de Riad) e as Regras das Nações Unidas para Prote-ção de Jovens Privados de Liberdade - completam a estrutura de prevenção, gerenciamento decasos e reabilitação social da criança.7,8

Muitas crianças abandonadas ou encaminhadas para atendimento residencial, incluindo crian-ças portadoras de deficiência, poderiam viver com suas famílias se recebessem apoio social,financeiro ou médico adequado. Ao ratificar a CDC, os Estados se comprometeram a ofereceresse apoio até o limite de seus recursos (artigo 18.2). Quando a convivência com a famíliabiológica não atende aos interesses superiores da criança, várias alternativas familiares devemser estabelecidas para proporcionar um atendimento mais seguro e benéfico do que o encontra-do em grandes instituições (artigo 20). Da mesma forma, a existência de sistemas de assistênciae proteção mais sólidos, que incluam apoio às famílias, poderia reduzir o número de crianças emconflito com a lei. A grande maioria das infrações praticadas por crianças são pequenas e não-violentas. As alternativas comunitárias à internação oferecem não somente um ambiente maisseguro para a criança, mas também meios mais eficazes para a sua reabilitação.

Quando a institucionalização ou a detenção são absolutamente necessárias, deve-se proporcio-nar um ambiente seguro para crianças, com funcionários treinados, programas e serviços ade-quados. As crianças devem ter oportunidades claras, acessíveis e seguras de queixar-se da formacomo são tratadas e os governos devem oferecer mecanismos eficazes de monitoramento, inves-tigação e responsabilização para tratar a violência quando ela ocorre e punir os perpetradores.

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"Havia professores que excediam a sua autoridade e batiam na gente sem razão. Eles sabem que as criançasnão têm para onde ir. E eles podiam fazer qualquer coisa que quisessem."

Criança, Europa e Ásia Central, 2003 II

As instituições para crianças cresceram com a in-dustrialização e o colonialismo. À medida que asfavelas, o desemprego e o crime proliferavam nosprimórdios do mundo industrializado, desenvol-veu-se a idéia de "resgatar" crianças carentes desuas famílias - muitas vezes julgadas delinqüen-tes ou depravadas - e protegê-las encerrando-asem instituições residenciais. Enquanto isso, emambientes coloniais e pós-coloniais, também acre-ditava-se que as crianças indígenas ou aboríginesdeveriam ser "salvas" de culturas que eram vistascomo "inferiores". Na Austrália e no Canadá, porexemplo, gerações inteiras dessas crianças foramretiradas das suas famílias e internadas em esco-las residenciais, renegando sua própria cultura,vestuário e linguagem.11 Os sistemas de "justiçajuvenil" na Europa e nas Américas começaram aintroduzir instituições residenciais de internaçãoseparadas das prisões de adultos no final do sécu-lo XIX e início do século XX.

Em alguns lugares, o desenvolvimento de gran-des instituições para crianças ocorreu mais tar-de, seja para lidar com grandes comoções soci-ais após eventos como as duas Guerras Mundi-ais ou como parte de um comprometimento ide-ológico com a assistência infantil e juvenil "so-cializada". Esse era o padrão em muitos paísescomunistas, notadamente aqueles sob a esferade influência da União Soviética pós-1945.

RESTRIÇÕES AO ATENDIMENTOINSTITUCIONAL

Com o aumento dos conhecimentos sobre odesenvolvimento da criança, alguns países co-meçaram a reduzir o uso de instituições resi-

denciais e a considerar outras opções que nãofossem a internação de crianças em conflitocom a lei. Na segunda metade do século XX,começou-se a reconhecer que as grandes ins-tituições fechadas eram incapazes de apoiaro desenvolvimento físico, social, emocionale cognitivo em um grau minimamente com-parável ao de um ambiente familiar.12

Hoje em dia, as "melhores práticas" da políti-ca social, refletindo a CDC e outras obriga-ções para com os direitos humanos, objetivamoferecer ao maior número possível de crian-ças uma formação em família, acesso a umaescola regular e vida comunitária. No entanto,o processo de desinstitucionalização e de re-conhecimento dos efeitos nocivos da institu-cionalização sobre crianças está em diferen-tes estágios ao redor do mundo. Nos países emque a institucionalização de crianças nunca foiadotada em grande escala, as instituições as-sistenciais que se desenvolveram são, em suamaioria, pequenas e administradas por insti-tuições particulares ou religiosas.

Em alguns países, o nível da infrações prati-cadas por adolescentes juvenil tornou-se umapreocupação política crucial, havendo tam-bém alguma regressão em direção à interna-ção institucional mesmo nos casos em que osíndices de infrações praticadas por adolescen-tes estão efetivamente em queda. Em muitospaíses, crianças e adolescentes em conflitocom a lei normalmente são internados nasmesmas instituições usadas para adultos in-fratores, e poucos países investiram em al-ternativas reais à internação.

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Infelizmente, o número de crianças que perdem aproteção de suas famílias e requerem formas al-ternativas de cuidado está crescendo por váriasrazões, que incluem mudanças nos padrões soci-ais advindas da rápida urbanização, desastres na-turais, conflitos armados, desalojamento genera-lizado da população e a pandemia de HIV/AIDS.

FATORES QUE CONTRIBUEMPARA A VIOLÊNCIA NASINSTITUIÇÕES

A violência contra a criança nos sistemas assis-tenciais e correcionais é legitimada por atitu-des e comportamentos há muito adotados e porfalhas tanto na lei quanto na sua implementa-ção. Na época em que o estabelecimento de ins-tituições assistenciais para crianças oriundas degrupos em condições desfavoráveis e marginaisera a política social preferencial, o castigo cor-poral era defendido quase universalmente comomeio de disciplinar e controlar crianças rebel-des. Na prática, isso significava que criançasinstitucionalizadas eram expostas a um regimebrutal e à violência freqüente. Em todas as re-giões, seja por omissão ou comissão, essa situ-ação ainda prevalece.

Baixa prioridade

A despeito de mudanças nas práticas de atendi-mento à criança e da evolução de seus direitos,incluindo os padrões da justiça da infância e dajuventude, a reforma das instituições tem ocor-rido vagarosamente. Poucos governos dedica-ram-se à desinstitucionalização do maior núme-

ro possível de crianças, como exigem suas obri-gações no campo dos direitos humanos. Issoacontece principalmente devido à baixa impor-tância atribuída às crianças mais desfavoreci-das da sociedade - aquelas que ficaram órfãs,que foram abandonadas, que convivem com adeficiência ou que estão em conflito com a lei.

É extremamente comum que crianças que preci-sam de cuidado e proteção fora da família tor-nem-se o foco das atenções das políticas apenasquando ocorre alguma falha notória nos siste-mas assistenciais ou algum tipo extremo de abu-so. Essa ausência de prioridade nas políticas pú-blicas significa que as condições do atendimen-to nas instituições de proteção e centro de justi-ça juvenil são freqüentemente precárias, cominadequações na nutrição, higiene e atendimen-to de saúde (chegando às vezes a um nível deescassez que ameaça a vida das crianças).

Parcos investimentos resultam na falta de pro-fissionais adequadamente qualificados. NoAzerbaijão, por exemplo, um relatório de 2005indicou que nenhuma das 69 instituições resi-denciais tinha em seus quadros um profissionalda área de psicologia, a despeito de ter sido iden-tificada a necessidade dessa especialidade.13

Além disso, pode não haver instalações especi-alizadas para crianças. Na Irlanda do Norte, porexemplo, há somente 15 leitos disponíveis paraadolescentes com problemas mentais graves.14

Recrutamento inadequado de pessoal

Funcionários não-qualificados e mal-remune-rados são amplamente reconhecidos como umdos principais fatores ligados à violência den-

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tro das instituições. Os baixos salários e condi-ções sociais inferiores freqüentemente resultamem empregados pouco motivados e com altarotatividade, sendo a falta de funcionários umproblema sério. Por exemplo, foi documentadoem vários países que a proporção entre crian-ças e funcionários nas instituições para crian-ças portadoras de deficiência pode chegar à or-dem de cem crianças para cada funcionário.Nessas condições, crianças muitas vezes sãodeixadas sem atendimento por longos períodos,e durante a noite inteiras ficam sem atendimen-to ou trancadas, com apenas uma estrutura mí-nima para o turno da noite. Nesses casos, o abu-so físico e sexual é freqüente.15

É relativamente pequeno o número de funcio-nários de instituições assistenciais que recebemalgum treinamento específico sobre desenvol-vimento ou direitos da criança, ou mesmo in-formações sobre questões ligadas à violência.Nas instituições para crianças portadoras dedeficiência, funcionários mal treinados tendema reagir rapidamente com irritação às crianças.16

Funcionários sobrecarregados podem valer-sede medidas violentas para manter a disciplina,especialmente quando não há supervisão. Oesgotamento dos funcionários resulta em atitu-des cada vez mais negativas em relação às cri-anças e em padrões de reações físicas e impul-sivas diante de confrontos.17

Pessoas com histórico de violência contra a cri-ança, incluindo abuso e exploração sexual, po-dem procurar trabalhos que lhes proporcionemlivre acesso às crianças. Verificações rigorosasdo histórico de funcionários ainda são raras,permitindo que um funcionário demitido de uma

instituição seja contratado por outra e o padrãode abuso continue.18

A falta de supervisão adequada dos funcionári-os também é um problema sério. Um estudosobre abuso nas instituições residenciais doReino Unido identificou a administração inefi-caz e o contato mínimo dos administradores comos funcionários como características significa-tivas comuns aos casos de abuso.19,20

Ausência de Monitoramentoe Supervisão

As instituições residenciais e casas de interna-ção muitas vezes carecem de regulamentação esão fechadas ao escrutínio externo, particular-mente quando administradas por agências par-ticulares, organizações religiosas e ONGs ouquando situadas em áreas isoladas. Nessas cir-cunstâncias, a violência pode persistir por anosaté que um incidente extremo a traga à luz. Alémdisso, os indivíduos que praticam a violênciacontra a criança em sistemas assistenciais ecorrecionais raramente são responsabilizadospor suas ações. Mesmo quando os casos de vi-olência chegam a ser denunciados, é comum quesejam investigados de forma superficial e ascondenações sejam extremamente raras. Aque-les que se encontram em posição de tomar al-guma atitude talvez sejam cúmplices do abuso,relutem em disciplinar ou processar um colegaou temam a publicidade negativa ou a perda deapoio financeiro. Essas pessoas podem reagirbloqueando o acesso às instituições e punindoou ameaçando de demissão os funcionários quefaçam qualquer revelação. A ausência de res-ponsabilização dos perpetradores só garante a

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continuidade da violência. Os perpetradorescontinuam a cometer abusos contra outras cri-anças e seus atos violentos geram um clima emque a violência contra a criança torna-se "acei-tável" e lugar-comum.21,22

Combinação de vários níveisde vulnerabilidade

Muitas instituições não separam crianças vul-neráveis de outras mais perigosas. Criançasvulneráveis a violência em razão da idade, ta-manho, gênero ou outras características freqüen-temente são abrigadas com outras com históri-co de comportamento violento.23 Por exemplo,na antiga Sérvia e Montenegro, as ONGs rela-tam que crianças abaixo de sete anos de idadepodem ser colocadas na mesma instituição queadolescentes infratores com mais de 14 anos.24

Na Jamaica, onde crianças necessitadas de cui-dados e proteção muitas vezes são abrigadas

RUANDA, 1998, Rose, 4 anos, ajuda a arrumar as mesaspara o almoço no Orfanato Gitarama, onde ela e sua irmãmoram desde que perderam os pais no genocídio de 1994.

com crianças condenadas por infrações, umainvestigação do governo realizada em 2003 des-cobriu que colegas opressores (bullies) ou gan-gues de crianças mais velhas vitimavam sexu-almente crianças mais vulneráveis.25 Em mui-tos países, adolescentes infratores são interna-dos com infratores adultos, o que aumenta subs-tancialmente o risco de que sofram violência.

CRIANÇAS QUE RECEBEMATENDIMENTO INSTITUCIONAL

Segundo alguns relatos, cerca de oito milhões demeninos e meninas vivem em instituições assis-tenciais em todo o mundo.26 Alguns estudos cons-tataram que a violência praticada em instituiçõesresidenciais é seis vezes maior que a praticada emlares de adoção e que crianças que recebem aten-dimento em grupo estão sujeitas a uma probabili-dade quatro vezes maior de sofrer abusos sexuaisdo que aquelas cuidadas por famílias.27 No Caza-quistão, por exemplo, um estudo realizado em2002 constatou que mais de 63% das criançasabrigadas relatavam ter sido submetidas à violên-cia; 28% indicaram que a violência ocorria regu-larmente.28 Uma pesquisa realizada com 3.164crianças em instituições residenciais da Romêniaconcluiu que os abusos físicos incluíam surras,corte de refeições, isolamento físico e sujeição avários trabalhos humilhantes. Quase metade dascrianças pesquisadas confirmou que as surras eramuma prática punitiva. Mais de um terço das crian-ças institucionalizadas sabiam de casos em quecrianças eram obrigadas a manter relações sexu-ais. Os abusos eram cometidos, entre outros, porfuncionários e principalmente por crianças maisvelhas da instituição.29

"Alguns de nós sofrem abusos em casa. Damos entrada no sistema de assistência social à criança,que supostamente deveria nos proteger. O sistema abusa de nós. Tentamos reclamar e nada é feito.

Nós acumulamos toda essa raiva e a descarregamos em outras crianças, em nossa família, emnossos amigos, nos assistentes sociais, nos pais substitutos, nos funcionários dos lares para grupos,

nos professores, etc., e o ciclo continua. Em algum momento isso tem que parar."

Jovem, América do Norte, 2004 III

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NATUREZA E EXTENSÃODO PROBLEMA

Vários estudos comprovaram de maneira con-sistente o impacto negativo da institucionaliza-ção e a existência de um alto índice de violên-cia no atendimento residencial de grande esca-la. Ainda assim, em algumas partes do mundo epara certos grupos de crianças, os índices deinstitucionalização estão aumentando. Porexemplo, entre 1989 e 2002, um pesquisadorestimou que a proporção de crianças que rece-biam atendimento institucional cresceu 3% naEuropa Central e Oriental e na antiga UniãoSoviética, apesar da redução numérica causadapela população declinante. (Embora o númerototal de crianças que recebiam atendimento ins-titucional tenha diminuído durante o período,como a população total de crianças na regiãotambém diminuiu, a proporção de crianças nasinstituições efetivamente aumentou.)30

Alguns países que antes aprovavam o atendi-mento institucional em grande escala têm seafastado deliberadamente desse tipo de atendi-mento para crianças sem família. Por exemplo,o número de crianças atendidas em lares paracrianças caiu significativamente ao longo dosúltimos 20 anos na Inglaterra,31 Itália e Espa-nha.32 Nos Estados Unidos e no Canadá, onde onúmero de crianças que recebem atendimentofora de instituições aumentou nos últimos anos,a maioria das crianças é colocada em lares ado-tivos ou em lares para grupos.33

O padrão da desinstitucionalização, porém, nãoé uniforme entre os países industrializados. NoJapão, 30.000 crianças permanecem em insti-

tuições fundadas no período pós-guerra. Essascrianças ainda vivem em grandes dormitórios,em prédios semelhantes a hospitais, adminis-trados por pequenos grupos de funcionários nãoespecializados e sobrecarregados, onde não hápraticamente qualquer trabalho terapêutico. Osdiretores dessas instituições, mantidas por doa-dores privados, não têm funções claramentedefinidas e raramente são monitorados.34

Altos índices de institucionalização tambémpodem ser encontrados em outras regiões. NoOriente Médio, havia mais de 25.000 criançasrecebendo atendimento residencial no Líbanoe um número estimado de 25.300 crianças emsituação semelhante no Marrocos entre 1999 e2000.35 Na América Latina, alguns países aindarelatam números significativos de crianças eminstituições de atendimento, sendo que os maisaltos vêm da Colômbia (24.300), Brasil(24.000), Bolívia (15.600) e Chile (11.600), deacordo com números publicados em 2004.36

Na África, como a família estendida geralmen-te absorve crianças órfãs e outras vítimas deperdas familiares, os índices de institucionali-zação são tradicionalmente baixos. Em muitospaíses africanos, os únicos orfanatos existentesaté pouco tempo foram criados por missionári-os antes da independência. No entanto, o nú-mero de orfanatos particulares vem crescendorapidamente em muitos países africanos namedida em que organizações religiosas, ONGse doadores particulares procuram responder aosnúmeros crescentes de crianças tornadas órfãspelo HIV/AIDS e por conflitos armados.37 Evi-dências da Libéria,38 Uganda,39 e Zimbábue40

apontam para um aumento do atendimento ins-

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titucional nos últimos anos. Os defensores dosdireitos da criança salientam que a maioria dascrianças internadas nessas instituições tem pelomenos um dos pais vivo ou algum parente quepode ser contatado. Eles argumentam que es-sas novas instituições simplesmente removemas crianças da comunidade, consumindo inves-timentos que seriam mais úteis para aumentaro nível local de atendimento. O atendimentoinstitucional também é caro, custando entre seise 100 vezes mais que o atendimento em laresde adoção na comunidade, que é a política pre-ferida pelos governos e doadores.41

Institucionalização no LesteEuropeu e nos países da antigaUnião Soviética

As instituições para crianças são mais predomi-nantes na Europa Central e Oriental (ECO) e naComunidade dos Estados Independentes (CEI)do que em qualquer outra região. Durante os anos60 e 70, grandes números de instituições foramabertas em toda a região. Após o colapso dosgovernos comunistas, com a ausência de siste-mas alternativos de apoio às famílias, mante-ve-se o uso generalizado das instituições. Em2002, havia um total estimado de 1.120.800 cri-anças assistidas por instituições públicas em 27países da ECO, da CEI e dos países bálticos,54% das quais - cerca de 605.000 - estavam eminstituições residenciais.42

Muitas dessas instituições destinam-se a crian-ças portadoras de deficiência. Em 2002, um nú-mero estimado de 317.000 crianças portadorasde deficiência na região vivia em instituiçõesresidenciais.43 Em alguns países, crianças rotu-

ladas como "deficientes" constituem a maioriadas crianças que recebem atendimento residen-cial. No Uzbequistão, por exemplo, crianças por-tadoras de deficiência que recebem atendimentodo Estado chegam a 20.000, comparadas a ape-nas 4.300 crianças sem deficiência.44

Minorias étnicas como alvo

Historicamente, crianças oriundas de minoriasraciais e étnicas tendem a ser super-representa-das em instituições de atendimento (por exem-plo, na Austrália, no Brasil e no Canadá, con-forme mencionado acima) e, em muitos casosessa tendência persiste. Na Romênia, por exem-plo, o povo cigano responde por menos de 10%da população, mas até 40% das crianças insti-tucionalizadas são ciganas. Esse padrão se re-pete em vários outros países do Leste Europeu,incluindo a Bulgária, a República Tcheca e aHungria. Na Europa Central e Oriental e nospaíses da antiga União Soviética em geral, hárelatos de que o preconceito contra minoriasétnicas levou funcionários das instituições re-sidenciais a desencorajar o contato entre crian-ças institucionalizadas e seus pais e reduziu oencaminhamento dessas crianças para famíliassubstitutas e adoção.45,46

POR QUE CRIANÇAS SÃOENCAMINHADAS PARAATENDIMENTO RESIDENCIAL

Ao contrário do que acontecia antes, hoje sãorelativamente poucas as crianças encaminhadaspara atendimento residencial por não terem pais.Na ECO e na CEI, por exemplo, a proporção decrianças sem pais vivos que vivem em institui-

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ções residenciais está entre 2% e 5%,47,48 en-quanto no Brasil esse número chega a 5%.49 Émais comum que crianças sejam institucionali-zadas devido a deficiências, desintegração dafamília, violência no lar, ausência de sistemasde apoio social e baixa condição socioeconô-mica, incluindo a pobreza. Em alguns países,os desastres naturais, os conflitos armados ouos efeitos da pandemia de HIV/AIDS podemtornar os pais incapazes de cuidar dos seus fi-lhos. Doenças, acidentes e encarceramento tam-bém podem separar crianças de seus pais.

Pobreza: Este é um fator significativo na deci-são de muitos pais de colocar seus filhos em insti-tuições residenciais. Quando se sentem incapazesde sustentar seus filhos e acreditam que eles terãomelhor acesso à educação, serviços de saúde enutrição adequada em instituições residenciais, ospais podem optar pela institucionalização por jul-gar que essa seja a melhor alternativa.

Violência na família: Muitas crianças acabamsendo institucionalizadas devido à violência nafamília, incluindo negligência e violência psi-cológica, física e sexual. A violência domésticana América Latina também é uma causa impor-tante para a perda da guarda dos filhos.50 AsAldeias SOS Criança constataram que 73% dascrianças atendidas na Venezuela haviam passa-do por experiências prévias de violência físicaou psicológica, inclusive violência sexual. Aorganização descobriu que 88% das crianças dasAldeias SOS Criança na Croácia, 75% das cri-anças na Bielorrússia e 55% das crianças naLituânia haviam sofrido violência física ou se-xual dentro da sua família biológica.51 Muitascrianças também são removidas de suas famíli-

as devido ao abuso de substâncias por parte deseus pais ou cuidadores.

Deficiência: Devido à estigmatização generali-zada das crianças portadoras de deficiência e daausência de apoio aos seus pais, o índice de insti-tucionalização dessas crianças é significativamen-te mais alto que o de outras crianças. Na Jamaica,por exemplo, 65% das crianças portadoras de de-ficiências físicas ou de desenvolvimento vivemem lares exclusivos para crianças portadoras dedeficiência.52 Relatórios dos países da ECO/CEIpreparados para a Sessão Especial das NaçõesUnidas sobre a Infância em 2002 informaram quea razão predominante para que as famílias insti-tucionalizassem seus filhos portadores de defi-ciência era a incapacidade para prestar essa as-sistência. Diagnósticos equivocados ou exage-rados e o foco exclusivo no modelo médico dedeficiência também são problemas que levam aouso excessivo da institucionalização nesses paí-ses. Em alguns casos, a falta de estímulo ou deacesso a serviços de saúde e educação de altaqualidade pode retardar o desenvolvimento dacriança, exacerbando a sua deficiência.53

Catástrofes familiares, incluindo HIV/AIDS:Os conflitos armados, os grandes desastres na-turais, a pandemia de HIV/AIDS e outras do-enças naturalmente induzem algumas organi-zações humanitárias a propor o estabelecimen-to de instituições de atendimento e orfanatoscomo resposta adequada ao grande número decrianças com necessidade de atendimento. NaRússia, por exemplo, os bebês nascidos comHIV e abandonados são colocados em orfana-tos especiais para crianças soropositivas ou iso-lados indefinidamente em alas de hospitais,

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onde são privados de qualquer oportunidade dedesenvolvimento social, físico e mental.54 Emalguns países dilacerados por conflitos, ondeuma alta porcentagem das crianças perdeu umou ambos os pais, os níveis de institucionaliza-ção podem ser excepcionalmente altos. Na So-mália, por exemplo, o uso de lares para crian-ças e orfanatos, embora contrário aos preceitosislâmicos e às normas tradicionais, é defendidoentusiasticamente por pais e cuidadores, parti-cularmente em áreas urbanas. Os lares para cri-anças, que dependem totalmente da ajuda ex-terna, na sua maioria oriunda de instituições decaridade, oferecem às crianças comida, aloja-mento e educação, muitas vezes indisponíveisem outros lugares. Boa parte das aproximada-mente 8.000 crianças somalis residentes em la-res para crianças possui parentes vivos.55

Falta de alternativas: Em muitos ambientes,as alternativas à institucionalização, que inclu-em o apoio às famílias vulneráveis e o atendi-mento no ambiente familiar, não foram desen-volvidas, o que pode levar à internação exces-siva e desnecessária em instituições residenci-ais. Por exemplo, o diretor de um hospital psi-quiátrico na Turquia estimou que dos 500 paci-entes (adultos e crianças) internados na insti-tuição, somente 10% precisariam estar confi-nados se houvesse oferta de serviços baseadosna comunidade.56 Na Romênia, a população decrianças em orfanatos foi reduzida, mas muitascrianças portadoras de deficiência foram sim-plesmente removidas de grandes instituiçõespara instituições de pequeno porte. O grandevolume de investimentos necessários para es-sas novas instituições consumiu os parcos re-cursos que poderiam ser usados para aumentar

o número de lares adotivos e outros serviçosque apóiam a integração com a comunidade.57

Padrões da institucionalização

Existem muitas variações entre os padrões deinstitucionalização de um país para outro e mes-mo entre diferentes regiões de um mesmo país.Um estudo recente realizado em países europeusconcluiu que existem diferenças significativasnas razões pelas quais crianças com menos detrês anos de idade estão sendo institucionaliza-das. Nos países da Europa Ocidental (Bélgica,França, Noruega, Portugal, Suécia e Reino Uni-do) que forneceram informações sobre as razõespara a internação de crianças com menos de trêsanos em instituições residenciais, as principaisrazões foram abuso e negligência na família(69%), razões sociais como a prisão dos pais(23%), abandono (4%) e deficiência (4%).

Não havia órfãos (definidos, neste contexto,como crianças sem pais vivos) vivendo nas ins-tituições desses países. Por outro lado, poucomais de uma em cada 20 crianças instituciona-lizadas no centro e no sudeste da Europa (Cro-ácia, República Tcheca, Estônia, Hungria, Lá-tvia, Romênia e Eslováquia), em Chipre e emMalta era órfã. As principais razões para enca-minhar crianças ao atendimento residencialnesses países foram o abandono (32%), razõessociais como incapacitação e doenças na famí-lia (25%), deficiências (23%), abuso ou negli-gência (14%) e orfandade (6%).58

O estudo concluiu que os países menos ricoscom baixos níveis de investimento em saúdepública e serviços sociais tendiam a ter um

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maior número de crianças institucionalizadas.O estudo especulou que isso poderia ser devi-do à ausência de serviços de aconselhamentopara impedir o abandono e à incapacidade deoferecer serviços sociais aos pais propensos aocomportamento violento com seus filhos. Alémdisso, nos países com menor oferta de serviçossociais e de saúde para os pais, tais como servi-ços de saúde mental e de tratamento de vicia-dos em álcool ou drogas, as crianças tendem acontinuar recebendo atendimento institucionalpor períodos mais prolongados.

No Brasil, uma pesquisa nacional envolvendo589 instituições que recebem investimentos fe-derais usou categorias ligeiramente diferentespara coletar dados sobre crianças instituciona-lizadas de todas as idades. As principais razõespara a institucionalização de crianças incluíam:carência de recursos materiais na família (ouseja, pobreza) (24%), abandono pelos pais ouguardiões (18%), violência doméstica (11%),vício dos pais ou guardiões em substâncias quí-micas (11%), pais vivendo nas ruas (7%), or-fandade (5%), prisão dos pais ou guardiões (4%)e abuso sexual pelos pais ou guardiões (3%).59

A maioria das crianças institucionalizadas pode-ria ser reintegrada às suas famílias com a ajudade assistentes sociais ou de outros serviços eapoios. Quando a reintegração à família não épossível, outras alternativas familiares oferecemum ambiente muito mais seguro e benéfico paracrianças. A ausência de providências para quesejam ofertados sistemas alternativos de atendi-mento em países que possuem meios para ofere-cê-los é outra demonstração da obscuridade e dopreconceito em torno do atendimento às crian-

ças que foram privadas de suas famílias ou tive-ram o infortúnio de nascer em ambientes famili-ares disfuncionais, violentos ou fragmentados.

FONTES DE VIOLÊNCIA NASINSTITUIÇÕES DE ATENDIMENTO

O risco intensificado de violência contra a criançaem instituições de atendimento tem diversas ori-gens. As evidências mais abundantes apontam paravários tipos de violência cometida por funcionári-os, inclusive a negligência, e a violência praticadapor crianças contra outras crianças. Além disso,algumas formas de tratamento adotadas em muitasinstituições constituem, por si sós, violência.

Violência praticada pelosfuncionários

Crianças em instituições residenciais podem es-tar sujeitas a violência física, sexual e psicológi-ca por parte dos funcionários. Essas formas deviolência incluem abuso verbal, surras, restriçõesexcessivas ou prolongadas, estupro e violaçãoou assédio sexual. Parte dessa violência ocorrena forma de medidas disciplinares violentas ain-da lícitas e autorizadas pelo Estado. Em 145 pa-íses, os castigos corporais e outras formas depunição ou tratamento degradante não foramproibidos explicitamente em todas as instituiçõesresidenciais e em outras formas de atendimentoalternativo. Somente 31 países proíbem sistema-ticamente qualquer castigo corporal em todas asformas de atendimento alternativo.60 Em algunspaíses existem regulamentos detalhados que es-pecificam como o castigo deverá ser administra-do, inclusive o implemento que deverá ser utili-zado e quais partes do corpo podem ser atingidas.

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Embora o Estado seja responsável pela proteçãoda criança contra a violência independentemen-te de quem esteja encarregado do atendimento,a violência perpetrada por funcionários tem sidodocumentada em instituições do mundo todo,inclusive nas administradas pelo Estado, por or-ganizações religiosas e por empresários ou em-presas particulares. As formas da violência po-dem ser horripilantes. Em instituições de atendi-mento da Jordânia, há relatos de crianças queforam submetidas a surras dadas com as mãos,com varas e com mangueiras e tiveram suas ca-beças batidas contra a parede.61 Em instituiçõesde atendimento do Catar, um estudo descobriuque as crianças freqüentemente recebiam surrasdos funcionários, o que incluía professores, su-pervisores, guardas e assistentes sociais.62

Violência a pretexto de tratamento

Nas instituições residenciais para crianças por-tadoras de deficiência (inclusive lesões cere-brais, deficiências do desenvolvimento e dis-túrbios psiquiátricos), crianças podem ser sub-metidas a violência como parte de um "trata-mento". Por exemplo, na Turquia, uma investi-gação realizada durante dois anos descobriuque, em instituições psiquiátricas, crianças deaté nove anos de idade eram submetidas a tra-tamento eletroconvulsivante ou de "choque"(TEC) sem o uso de relaxantes musculares ouanestesia. Esse tratamento é extremamente do-loroso, assustador e perigoso.63

Choques elétricos também são usados como"tratamento aversivo" para controlar o compor-tamento das crianças em algumas instituições.Por exemplo, o dispositivo SIBIS (sigla em in-

glês para Sistema de Inibição de Comportamen-tos Automutilantes) é um dispositivo de eletro-choque por controle remoto disponível no co-mércio e vendido quase que exclusivamentepara a administração de choques em criançasportadoras de deficiência. Uma instituição dosEstados Unidos desenvolveu seu próprio dis-positivo, "substancialmente mais potente",quando descobriu que os eletrochoques do SI-BIS "perdiam muito da sua eficácia" após umperíodo de alguns meses.64

Drogas também podem ser usadas não para tra-tamento médico, mas para controlar o compor-tamento das crianças e torná-las mais "dóceis".Isso pode ter outras implicações: por exemplo,crianças portadoras de deficiência que recebemmedicação forte dos funcionários das institui-ções ou hospitais (muitas vezes como forma decontornar a falta de funcionários) ficam impos-sibilitadas de se defenderem da violência físicaou do assédio sexual.65

Outro exemplo de violência autorizada peloEstado é a prática de realizar intervenções mé-dicas para limitar as funções reprodutivas -por exemplo, a realização de histerectomiasem meninas com comprometimento intelec-tual ou outros problemas de saúde mental. Hárelatos dessa violação dos direitos humanosem meninas com até sete ou oito anos de ida-de.66 Não há justificativa médica para essasoperações. No entanto, várias razões têm sidoapresentadas, inclusive a de que a operaçãoimpede as meninas de menstruar, evitandoassim o aumento do serviço dos cuidadores egarantindo que a jovem não ficará grávida.Essas preocupações refletem os problemas

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das instituições com o número insuficientede funcionários e a ausência de educação se-xual e de serviços de saúde reprodutiva parameninas portadoras de deficiência, bem comoa falta de proteção adequada para as jovenscontra o risco presumido de estupro nas ins-tituições e na comunidade.

Ausência de atendimento comoforma de violência

Onde quer que crianças vivam, inclusive sob acustódia do Estado, o governo é obrigado a ga-rantir a satisfação das suas necessidades bási-cas. No entanto, as condições de muitas insti-tuições residenciais freqüentemente são tão ru-ins que colocam a saúde e a vida das criançasem risco. As instituições muitas vezes são su-perlotadas, insalubres, e carentes tanto de fun-cionários como de recursos, o que resulta emaltas taxas de mortalidade entre essas criançasem comparação com outras que vivem em umambiente familiar.

No México, crianças internadas em instala-ções psiquiátricas foram encontradas deita-das sobre tapetes no chão, algumas cobertasde urina e fezes. Sem supervisão adequadados funcionários, crianças foram vistas co-mendo suas próprias fezes e cometendo abu-sos físicos contra si próprias.67 Em centrosde reabilitação para crianças portadoras dedeficiências mentais, foram encontradas cri-anças acamadas e emaciadas pela inanição edesidratação. Mamadeiras com comida eramoferecidas pelos funcionários, mas as crian-ças que não podiam segurá-las devido à suadeficiência não se alimentavam.68

Em muitas instituições para crianças portado-ras de deficiência, crianças não têm acesso àeducação, recreação, reabilitação ou outros pro-gramas. Muitas vezes elas são deixadas na camaou no berço por longos períodos de tempo semqualquer contato ou estímulo humano. Essa pri-vação freqüentemente provoca danos físicos,mentais e psicológicos graves e, em muitos ca-sos, a morte da criança.

Violência praticada poroutras crianças

Crianças que recebem atendimento residencialsão vulneráveis à violência praticada por ou-tras crianças, particularmente quando as condi-ções e a supervisão exercida pelos funcionári-os são insatisfatórias. A ausência de privacida-de e de respeito pela identidade cultural, a frus-tração, a superpopulação e a não-separação dascrianças especialmente vulneráveis de outrascrianças mais velhas e agressivas freqüentemen-te levam à violência entre elas. Os funcionáriospodem aprovar ou encorajar esses abusos entrecrianças - seja para manter o controle ou sim-plesmente por diversão. Embora quase não exis-tam estudos recentes sobre assunto, estudos re-alizados a partir dos anos 90 no Reino Unido,na Rússia e outros lugares indicam que obullying e o assédio sexual cometido pelos pa-res durante a institucionalização da criança sãomuito comuns.69 Há também relatos abrangen-tes de violência física de "alto impacto", vari-ando de ataques com facas a chutes e socos,partindo principalmente de outras crianças.70

Em alguns casos, crianças relataram que os fun-cionários do orfanato as faziam lutar umas con-tra as outras para o seu próprio divertimento.71

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IMPACTO DAINSTITUCIONALIZAÇÃO SOBREA SAÚDE E O DESENVOLVIMENTODA CRIANÇA

A utilização excessiva de instituições para cri-anças acarreta custos enormes para elas mesmas,para suas famílias e para a sociedade. Pesquisasabrangentes sobre desenvolvimento infantil de-monstram que os efeitos da institucionalizaçãopodem incluir debilidade física, atrasos gravesdo desenvolvimento, deficiência e danos psico-lógicos potencialmente irreversíveis. A gravida-de dos efeitos negativos é diretamente proporci-onal ao tempo de institucionalização da criançae acentua-se nos casos em que as condições dainstituição são insatisfatórias.

O risco de danos psicológicos e ao desenvol-vimento é particularmente agudo nas criançaspequenas, com menos de quatro anos de ida-de, um período crítico para a criação de vín-culos da criança com seus pais ou cuidado-res.72 Mesmo em instituições com mão-de-obrasuficiente, é improvável que a atenção dispen-sada pelos funcionários possa substituir a quereceberiam de seus próprios pais. Um estudosobre as instituições da Europa concluiu quecrianças pequenas (na faixa de 0 a 3 anos) in-ternadas em instituições residenciais sem con-tato com seus pais corriam risco de danos comoos distúrbios do afeto, atrasos do desenvolvi-mento e atrofia neuronal do cérebro em de-senvolvimento. O estudo concluiu que "anegligência e os danos causados pela pri-vação dos pais em tenra idade equivalem àviolência para uma criança pequena".73

A inatividade, o isolamento social e as condi-ções de vida degradantes das instituições po-dem provocar um declínio no funcionamentosocial e psicológico da criança.74,75 Após algumtempo de institucionalização, as crianças podemperder certas habilidades básicas que possuíamà época da internação, como a capacidade decuidar de si próprias e de desenvolver relacio-namentos afetivos.

As condições físicas das crianças instituciona-lizadas também podem se deteriorar. Na faltade reabilitação, fisioterapia e outros programas,as crianças muitas vezes definham durante anosem estado de total inatividade. Sem estímulo esem oportunidades de mobilidade, os braços,as pernas e a coluna das crianças ficam contor-cidos e atrofiados devido à falta de uso. Des-providas de contato humano adequado, algu-mas crianças recorrem à autolesão. Essa situa-ção é exacerbada quando os funcionários rea-gem por meio da contenção física.

A institucionalização também alimenta o ciclode violência: crianças institucionalizadas têmmaior tendência à autolesão, à agressividade eao envolvimento com o crime, a prostituição eo abuso de substâncias. Um estudo realizadona Rússia sugere que uma em cada três pessoasjovens oriundas de instituições residenciais tor-na-se sem-teto, uma em cada cinco adquire an-tecedentes criminais e uma em cada dez come-te suicídio.76 Alguns estudos indicam que mui-tas crianças institucionalizadas são emocional-mente vulneráveis e altamente dependentes daatenção do adulto, o que as torna alvos fáceispara o tráfico sexual.77 Um estudo realizado na

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República da Moldávia constatou que os jovensque haviam passado parte da sua infância eminstituições eram dez vezes mais sujeitos a tor-narem-se vítimas de tráfico retornadas.78

As pesquisas também demonstram que crian-ças colocadas em atendimento residencial apre-sentam maior probabilidade de entrar em con-flito com a lei. Na Irlanda do Norte, por exem-plo, grande parte dos jovens que vão parar nosistema judiciário-penal tem um histórico deatendimento institucional. Vinte e cinco porcento dos jovens sob custódia são admitidosdiretamente de instituições residenciais e cercados 70% de crianças internadas entre 10 e 13anos vêm do sistema assistencial. Um estudosobre a situação dos serviços de saúde mentalpara crianças internadas em instituições corre-cionais e sob custódia na Irlanda do Norte cons-tatou que 48% das pessoas entrevistadas esta-vam institucionalizadas há mais de cinco anose 22% tinham passado por quatro ou mais in-ternações nos últimos dois anos - sendo que umadelas havia mudado de instituição 13 vezes.79

CRIANÇAS SOB CUSTÓDIAE INTERNADAS

A violência contra a criança em instituições dejustiça ou sob custódia da polícia - carceragemda polícia, prisões, inclusive cadeias para adul-tos, reformatórios e outros lugares onde crian-ças em conflito com a lei podem ser detidas - émais comum que a violência contra a criança quefoi institucionalizada apenas para fins assisten-ciais. Embora existam muitas coincidências esemelhanças (condições ruins, baixa qualidade

dos funcionários, etc.), o tratamento institucio-nal de crianças consideradas anti-sociais ou cri-minosas tende a ser mais punitivo, física e psi-cologicamente, que o de outros grupos em ou-tros ambientes. Todos os preconceitos e discri-minações associados a crianças rejeitadas ou semfamília são reforçados quando elas são vistas, namelhor das hipóteses, como um estorvo social.

NATUREZA E EXTENSÃODO PROBLEMA

Embora seja difícil encontrar informações e osdados sobre crianças nos sistemas assistenciale correcional não sejam, via de regra, desmem-brados, algumas fontes estimam que, a qualquermomento, há um milhão de crianças em todo omundo privadas da sua liberdade. Trata-se, cer-tamente, uma estimativa conservadora, e umamelhor coleta de dados em nível global é umanecessidade premente. Por exemplo, somentenos Estados Unidos, todos os anos mais de600.000 crianças e adolescentes passam algumtempo em estabelecimentos de internação.80

A grande maioria dos meninos e meninas deti-dos são acusados de pequenas infraçôes e sãoprimários. Poucos praticaram atos violentos.Muitos sequer cometeram infraões, mas foramdetidos por vadiagem, por não terem onde mo-rar ou simplesmente por precisarem de cuida-dos e proteção.81

Em muitos países, a maioria das crianças deti-das não foi condenada pela prática de um crime,estando simplesmente à espera de julgamento.Em março de 2003, em apenas quatro regiões doPaquistão, de cerca de 2.340 crianças detidas

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apenas em prisões (ou seja, sem levar em contacrianças detidas na carceragem da polícia e emoutras instituições) 83% estavam sob julgamen-to ou à espera do início do julgamento.82 Em seiscadeias de Cebu, nas Filipinas, 75% das crian-ças presas entre 1999 e 2001 estavam detidasaguardando julgamento.83

Baseando-se no Pacto Internacional de DireitosCivis e Políticos, a CDC estipula que toda crian-ça privada da sua liberdade tem direito a acessoimediato à assistência jurídica e a qualquer ou-tra assistência adequada, bem como o direito deimpugnar a legalidade dessa privação e de rece-ber uma decisão rápida (artigo 37d). Entretanto,a internação anterior ao julgamento pode durarmeses e até anos. No Burundi, por exemplo, operíodo pré-julgamento para crianças às vezes émais longo que a sentença máxima proferida paraa infração supostamente praticada.84 No Estadode Lagos, na Nigéria, constatou-se que a in-ternação de crianças antes do julgamento du-rava até um ano.85 É perturbador que muitasdas crianças detidas por longos períodos nun-ca sejam declaradas culpadas de cometer umcrime. No Paquistão, apenas 13 a 17% de cri-anças detidas receberam ventualmente algu-ma medida pelo juiz por terem praticado algu-ma infração.86 Nesse ínterim, elas ficam deti-das por meses ou até anos em condições fu-nestas de superpopulação, correndo risco desofrer violência por parte dos funcionários, dasoutras crianças e de presos adultos.87

Estudos realizados no Sul da Ásia indicam quea maioria das crianças detidas tem direito a fi-ança e não representa perigo para a população.88

No entanto, os juízes rotineiramente fixam o

valor da fiança muito além das possibilidadesdas famílias dessas crianças, o que resulta emencarceramento desnecessário.89 A fiança rara-mente é considerada uma opção para meninosque vivem nas ruas.

Após o julgamento, um grande número de cri-anças é condenado à reclusão em centros deinternação ou prisões. Embora, conforme men-cionado anteriormente, o artigo 40 da CDC pro-ponha diversas alternativas, inclusive ordens desupervisão, liberdade condicional e colocaçãoem lares de adoção, a prisão costuma ser a nor-ma. Por exemplo, na Indonésia, no final dosanos 90, até 99% dos adolescentes infratoreslevados a julgamento foram condenados à re-clusão.90 Em Bangladesh, crianças freqüente-mente são colocadas sob "custódia segura" pelapolícia e pelos tribunais, mesmo quando isso édesnecessário. Em 1974, Bangladesh aprovouuma Lei da Criança determinando o estabeleci-mento de um sistema separado de justiça dainfância e da juventude, a adoção da liberdadecondicional e a remoção das crianças das pri-sões para adultos. No entanto, passados maisde 30 anos, as disposições dessa lei são infrin-gidas e violadas a cada estágio do contato dacriança com o sistema legal e crianças sob cus-tódia tendem a viver sob condições pavorosas,com abuso de direitos e violência.91

Situações semelhantes foram relatadas na Áfri-ca. A maioria dos países da África Oriental eMeridional possui uma legislação para os siste-mas de justiça da infância e da juventude criadapara respeitar os direitos da criança. No entanto,muitas não são funcionais ou não foram imple-mentadas devido a restrições financeiras e falta

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de capacidade. As instalações para crianças emconflito com a lei são escassas e os com idademenor que 18 anos são aprisionados juntamentecom infratores adultos, o que os sujeita a um ris-co ainda maior de violência e abuso sexual. Essasituação, que foi relatada ao estudo pelo Quênia,Madagascar, Eritréia e Moçambique, tambémocorre em muitos outros países.92

CONTEXTO HISTÓRICO

As políticas adotadas para lidar com crianças emconflito com a lei evoluíram à medida que aspróprias sociedades mudavam ao longo do tem-po e as formas de administrar a lei e a ordemeram reformuladas para acompanhar as idéias erealidades sociopolíticas de cada época.

Crianças vivendo nas ruas das cidades e me-trópoles, algumas das quais envolvidas compequenos atos delituosos, tornaram-se co-muns na cena urbana a partir do século XIX,despertando demandas por correção e refor-mas sociais. O primeiro sistema de justiça es-pecífico para jovens foi introduzido no esta-do americano de Illinois em 1899, e outrosestados e países rapidamente adotaram aidéia. Desde então, a maioria dos países (masnão todos) introduziram formas especiais delidar com casos envolvendo jovens, o queinclui penas mais leves e alternativas. Hojeem dia, muitas crianças acusadas de uma in-fração- sem perder o direito a um julgamentojusto -são redirecionadas dos processos judi-ciais para o sistema previdenciário, ouvidasem "audiências para crianças" especialmenteestabelecidas para esse fim ou submetidas aum tratamento que leva em plena considera-

ção a sua idade, circunstâncias e necessida-des.93 No entanto, embora muitos países te-nham introduzido uma legislação pró-crian-ça alinhada com a CDC e outros padrões in-ternacionais, a aplicação e a execução dessasnormas estão defasadas.

Embora a maioria das infraçoes praticadas porcrianças ou adolescentes não sejam violentas,a pressão sobre os políticos para "endurecer como crime" tem provocado respostas cada vez maisduras ao problema das crianças e adolescentesem conflito com a lei. Essa pressão resultou emsentenças/medidas mais severas e no aumentodos índices de internação. Essas políticas fre-qüentemente são estimuladas pela atenção des-proporcional da mídia à questão do adolescen-te infrator, o que reforça as concepções errône-as da população sobre a natureza e a extensãodos atos infracionais praticados por adolescen-tes. Por exemplo, nos Estados Unidos, entre1993 e 1999, o número de crianças confinadasem centros de internação aumentou 48%, em-bora os atos violentos praticados por criançastenham diminuído 33% no mesmo período.94

Entre 1994 e 2004, o número de crianças con-denadas à custódia penal na Inglaterra e no Paísde Gales aumentou 90%.95

No lado positivo, atitudes mais progressistasestão começando a deixar a sua marca em bol-sões dos países em desenvolvimento. Algunsdesses esforços para mudar as atitudes em rela-ção às crianças marginalizadas e discriminadas,mantendo-as longe do inevitável mergulho nacriminalidade após a exposição ao encarcera-mento e à brutalidade da polícia, serão exami-nados em detalhes mais adiante.

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CRIANÇAS EM CONFLITOCOM A LEI

O discurso sobre a criança e a criminalidade co-loca em questão um conjunto de opiniões forte-mente consolidadas sobre o desenvolvimentoinfantil, os métodos de formação, a função dossistemas de justiça, as pressões políticas e o po-tencial humano para a transformação após um"mau começo" na vida. Embora a institucionali-zação seja rejeitada, exceto como último recur-so, pelos especialistas mais modernos em desen-volvimento infantil, a sociedade, preocupada como crime e a segurança, pode insistir nela.

A CDC e outros tratados de direitos humanosestabeleceram diretrizes para o uso da interna-ção, estipulando que ela deve ser utilizada ape-nas como último recurso e pelo menor tempopossível (artigo 37). No entanto, os regimes decustódia de crianças e adolescentes variam enor-memente e poucos cumprem essas disposições.

Por que crianças entram emconflito com a lei

A violência no lar e as pressões exercidas pelapobreza crônica, somadas à falta de sistemasadequados de cuidado e proteção, levam mui-tas crianças a entrar em conflito com a lei. Umapesquisa realizada no Peru concluiu que a vio-lência na família e os maus-tratos dispensadosà criança foram, em 73% dos casos, os fatoresque precipitaram a sua migração para as ruas.96

Uma vez na rua, muitas crianças adotam com-portamentos de sobrevivência arriscados que ascolocam em contato com a lei, como a mendi-cância, a vadiagem, a busca de comida e bensno lixo, os pequenos furtos e a prostituição. Daía freqüente associação entre pequenas infraçõese a necessidade desesperada de cuidados. Emum estudo sobre jovens infratores realizado emtrês distritos de Uganda, 70% das crianças dis-seram que a satisfação de suas necessidades,incluindo a alimentação, era a sua principalmotivação para roubar.97

Até 95% de crianças e adolescentes interna-dos são acusados de pequenas infrações.98,99

Os mais comuns são o furto e outros crimescontra o patrimônio. Nas Filipinas, um estudorealizado em Davao concluiu que mais de 80%das infrações referiam-se a furto (35%), abu-so de substâncias (28%) e violação do toquede recolher (19%). Os crimes violentos cor-respondiam a apenas 7% das infrações prati-cadas por eles.100 Em Malauí, um estudo reali-zado em 1999 concluiu que 68% dos atos re-gistrados consistiam em furto, arrombamentode residências e roubo. A palavra "vagabun-do" foi usada para descrever outros 8% dos

HAITI, 2005, Meninos estendem as mãos para fora dasgrades em uma prisão para adolescentes no bairro deDelmas, em Port-au-Prince.

"A vida aqui na prisão é muito difícil. É uma vida dura, porque não é fácil viver. Nós, que somosnovos aqui, sofremos muito. Dormimos mal. Normalmente você não dorme - você cai no sono

sentado até a manhã. Porque a prisão está superpopulada. Comemos mal. Estamos sofrendo,apanhamos de cinto, o chefe da disciplina bate muito na gente. Eles dormem conosco. Os chefes

das celas forçam a gente a dormir com eles (ter relações sexuais)."

Menino, 14 anos, África Oriental e Meridional, 2005 IV

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adolescentes infratores e, como observa o es-tudo, é "um termo... que representa casos ób-vios de crianças de rua".101

Além de praticarem pequenas infrações, a maio-ria dessas crianças e adolescentes não tem pas-sagem anterior pela prisão. Por exemplo, na Re-pública Popular Democrática do Laos e nas Fili-pinas, constatou-se que mais de 90% das crian-ças e adolescetnes internados eram primários.102

Muitas crianças são detidas e internadas por atosinfracionais que somente configuram delito quan-do praticados por crianças. Essas "infrações destatus" incluem gazetear, fugir de casa ou estar"fora do controle dos pais". Em março e abril de2003, 60% das crianças detidos em uma Casa deInternação para Meninos em Lagos, Nigéria, nãoconstituíam casos criminais, sendo que 55% de-les eram meninos que estavam "fora do controledos pais" e 30% constituíam casos de assistên-cia e proteção (meninos "achados"). Outros 15%

eram crianças recolhidas em buscas policiais.Da mesma forma, 80% de meninas detidas naCasa de Internação para Meninas não consti-tuíam casos criminais e eram apenas crianças"fora do controle dos pais", casos de "assis-tência e proteção" ou casos de litígio.103

Embora quase não haja dados disponíveis so-bre adolescentes infratores portadores de defi-ciência, é praticamente consensual que os cri-anças ou adolescentes com comprometimentointelectual e problemas de saúde mental cor-rem maior risco de entrar em conflito com a lei- freqüentemente sob o comando de outros, queos tratam como fantoches. Uma vez envolvidasem problemas, essas crianças têm menor pro-babilidade de conseguir sair deles ou de fazeruma defesa convincente do seu caso. Na pri-são, elas também têm maior probabilidade deserem vitimadas. Embora a justiça da infânciae da juventude e o sistema de bem estar e prote-ção não estejam bem equipados para lidar com

BEBÊS E CRIANÇAS PEQUENAS NA PRISÃO

Um grupo singular de crianças sob risco de violência em casas de internação é formado porbebês e crianças pequenas que se encontram na prisão com suas mães. Trata-se de uma práticaadotada em muitos países e em todas as regiões do mundo. As instituições, porém raramentedispõem das condições necessárias para proteger essas crianças. Existem benefícios inegáveisno fato de manter as crianças com as mães. Alguns países só permitem que as mães fiquem comseus filhos enquanto são bebês, outros permitem que as mães fiquem com seus filhos até os seisanos de idade. Entretanto, existe uma necessidade urgente de melhorar as condições em queessas instituições operam para atender às necessidades específicas das crianças que vivem comsuas mães detentas. Por exemplo, um estudo sobre crianças que vivem com suas mães, realizadoem prisões do Camboja, descobriu que outras detentas batiam nas crianças quando elas chora-vam ou para se vingarem de uma briga com a mãe da criança.104

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as necessidades de saúde mental dessas crian-ças, é cada vez maior o número de crianças comdistúrbios mentais ou emocionais instituciona-lizados. Essas internações são devastadoras paraa família. Crianças com necessidades de saúdemental enfrentam o estresse adicional de seremdesalojadas e de sentirem-se abandonadas. En-quanto isso, os pais perdem o controle sobreaspectos importantes da vida dos seus filhos eàs vezes não conseguem sequer manter-se in-formados sobre onde seus filhos estão vivendo.

Detenção em substituição a proteção

Em um grande número de países, o sistema dejustiça criminal é usado como substituto parasistemas adequados de assistência e proteção.A polícia muitas vezes é o primeiro e único ór-gão a responder às crianças necessitadas e, nafalta de alternativas adequadas, aloja crianças

vulneráveis na carceragem das delegacias ou emcentros de detenção.105 Por exemplo, um estu-do realizado no Quênia constatou que 80 a 85%das crianças que estavam sob custódia da polí-cia ou em centros correcionais eram criançasnecessitadas de assistência e proteção que nãohaviam praticado qualquer infração.106

Muitas crianças que trabalham ou vivem nasruas são simplesmente encaradas como ele-mentos anti-sociais e detidas pela polícia semprova de infração. Em Ruanda, assim comoem muitos outros países, as crianças de ruasão arregimentadas e colocadas em "centrosde reeducação", onde são privadas da sua li-berdade quer tenham praticado uma infraçãoou não.107 Em muitos casos, os tribunais de-terminam sua reclusão em casas de internaçãoou prisões para adultos, onde podem perma-necer indefinidamente.108

MENINAS INTERNADAS

O uso da chamada "custódia protetora" afeta de forma desproporcional as meninas, que são asvítimas mais freqüentes da violência e da exploração sexual. O número de internaões para aproteção de meninas que sofreram abuso sexual é particularmente alto em países onde se prati-cam "crimes contra a honra". Por exemplo, na Síria, é comum que as meninas que sofreramviolência sexual sejam internadas em instituições para delinqüentes juvenis em vez de serementregues a seus pais devido ao temor de que sejam mortas para preservar a honra da família ouforçadas a se casarem com seus estupradores.114

Como as meninas normalmente são internadas em menor número do que os meninos, os gover-nos tendem a dispor de uma quantidade ainda menor de instalações onde sejam segregadas dasmulheres adultas. Um estudo de 2002 sobre jovens e a lei comentou que "como número demeninas dentro do sistema é pequeno, elas são simplesmente incorporadas de qualquer maneira

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MENINAS INTERNADAS

ao restante do sistema, com escasso reconhecimento de que suas necessidades são diferentesdas de outras mulheres. Isso também significa que elas atraem menos recursos financeiros..."115

As meninas em casas de internação correm maior risco de sofrer abuso físico e sexual, particu-larmente quando detidas em instalações para ambos os sexos ou quando a ausência de instala-ções específicas para meninas faz com que sejam internadas em instituições para adultos. Afalta de funcionárias do sexo feminino é uma preocupação adicional nos centros que alojammeninas detidas. Muitas vezes, funcionários do sexo masculino dedicam-se ao "assédio sexualpermitido", o que inclui toques impróprios durante as revistas ou a observação das meninasenquanto elas se vestem, tomam banho ou usam o banheiro.116 Os funcionários do sexo mascu-lino também valem-se da sua posição de autoridade para exigir favores sexuais e são responsá-veis pela prática de violência sexual e estupro.

As crianças vítimas de exploração sexual ou eco-nômica freqüentemente são detidas como se fos-sem criminosas, inclusive meninas que fogem decasamentos forçados, crianças traficadas e crian-ças usadas na indústria do sexo comercial (veja oquadro). Por exemplo, sob as leis de "custódiasegura" em Bangladesh, meninos e meninas po-dem ser detidos em cadeias ou em casas para cri-anças que vivem nas ruas mesmo nos casos emque as crianças foram vítimas de estupro ou vio-lência sexual, salvas de bordéis ou das mãos detraficantes ou, no caso de meninas e mulheres,quando se casaram com alguém de outra religiãoou sem a permissão de seus guardiões.109 De for-ma semelhante, na Índia e no Nepal, sobreviven-tes do tráfico e meninas encontradas em bordéisfreqüentemente são forçadas pela polícia e porONGs a permanecer sob "custódia protetora" eminstituições de segurança.110

A saúde mental é outra questão preocupantena internação de adolescentes. Estudos rea-lizados no Reino Unido indicam que entre46% e 81% dos jovens internados (com ida-de entre 15 e 21 anos) têm problemas men-tais.111 Outra pesquisa afirma que cerca de80% de adolescentes sob custódia sofrem depelo menos dois tipos de distúrbios men-tais.112 Mesmo desconsiderando-se o fato deque essas crianças deveriam receber trata-mento e não punição, os funcionários dasinstituições de internação muitas vezes nãosão treinados para lidar com crianças quetêm doenças mentais ou problemas emocio-nais. Por exemplo, há relatos de funcionári-os de casas de internação que reagem às ten-tativas de suicídio das crianças deixando-asnuas e amarrando seus pulsos e tornozelos acamas descobertas.113

“Noventa por cento das crianças que entram no sistema saem pior do que estavam quando entraram.”

Jovem, América do Norte, 2004 V

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ORIGENS DA VIOLÊNCIA NAINTERNAÇÃO E CUSTÓDIAPOLICIAL

Os adolescentes sob custódia ou privados dasua liberdade estão sujeitos a um risco extremode sofrer violência. Assim como acontece noatendimento residencial, a violência contra acriança detida muitas vezes parte dos funcio-nários ou dos outros . Além disso, crianças ouadolescentes podem estar sujeitos à violênciapraticada por detentos adultos, pela polícia oupelas forças de segurança enquanto estão sobsua custódia, e também podem receber senten-ças violentas dos tribunais.

Violência praticada pelosfuncionários em casas deinternação

Crianças em instituições de internação freqüen-temente estão sujeitas à violência praticada pe-los funcionários como forma de controle oupunição, muitas vezes por pequenas infrações.Embora 124 países tenham proibido totalmen-te os castigos corporais em instituições penais,em pelo menos 78 países essa forma de puni-ção continua legítima como medida disciplinarnas instituições.117 Na República Popular De-mocrática do Laos, 30% dos adolescentes in-ternados relataram ter sofrido punição física oumental, que incluíam surras, rastejamento for-çado, exposição forçada ao sol ou perda de re-feições.118 No Iêmen, mais de um terço dos ado-lescentes internados relataram surras e outrostratamentos cruéis. Mais da metade da amostrade um estudo relatou abuso sexual, normalmen-

te cometido por guardas e professores.119 Emalguns centros de internação no Brasil, as sur-ras são uma ocorrência diária. Adolescentesrelataram que os guardas abusavam delas ver-balmente e as agrediam com socos, chutes esurras com vara.120

Práticas violentas são encontradas tanto empaíses industrializados quanto em países emdesenvolvimento. Crianças ou adolescentespodem ficar confinadas em celas superlotadaspor semanas ou até meses, sujeitas à contençãofísica dolorosa como medida "disciplinar" ouforçadas a se manterem em posições físicasdesconfortáveis por horas a fio. No Reino Uni-do, informações obtidas em novembro de 2005revelaram o uso freqüente de contenção físicadolorosa em quatro "centros seguros de treina-mento" particulares, nos quais adolescentesentre 12 e 17 anos estavam detidos. Conten-ções dolorosas envolvendo pressão aplicada aonariz, polegares e costelas foram usadas 768vezes no ano, causando lesões em 51 casos.121

Violência praticada sob custódia dapolícia e das forças de segurança

A polícia e outras forças de segurança são mui-tas vezes responsáveis pela violência praticadacontra a criança e contra a doelscentes. Os ado-lescentes que vivem ou trabalham nas ruas sãoparticularmente vulneráveis à violência prati-cada pela polícia, que inclui assédio, surras,violência sexual e assassinato. Esse assunto édiscutido com mais profundidade no capítulosobre violência contra a criança na comunida-de. No entanto, é importante notar que uma parte

"Os policiais são muito agressivos com as crianças. Eles as atiram no chãoe quando te revistam são brutos."

Menina, 16 anos, América do Norte VI

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significativa dessa violência ocorre com crian-ças e adolescentes que se encontram formalmen-te sob custódia da polícia e das forças de segu-rança, como, por exemplo, durante a capturaou interrogatório e na carceragem da polícia.No Egito, por exemplo, adolescentes detidos emcarceragens relataram surras com cassetetes,chicotes, mangueiras e cintos, além de abusosexual.122 No Nepal, 85% das crianças e jovensentrevistados nas prisões relataram tratamentoabusivo sob a custódia da polícia ou das forçasde segurança e 58,6% relataram torturas usan-do métodos como choques elétricos e surrascom objetos duros, com as mãos amarradas eos olhos vendados. 123

Está fartamente documentado que algumas for-ças policiais recorrem rotineiramente à violên-cia, incluindo tortura, para extrair informaçõese confissões de adolescentes. No Paquistão, emuma pesquisa sobre adolescentes internadosrealizada pela Comissão Nacional para o Bem-Estar e o Desenvolvimento da Criança, 68% dosentrevistados afirmaram ter sido forçados a ad-mitir sua culpa.124 Em Papua Nova Guiné, ado-lescentes foram queimados, cortados com te-souras, chicoteados nus e humilhados para queconfessassem algum crime durante interroga-tórios feitos pela polícia.125 Em alguns países,adolescentes e crianças morreram como resul-tado de tortura policial.126

Em muitos países, as leis exigem que criançassejam transferidas rapidamente da custódia dapolícia para uma instalação adequada para cri-anças e adolescetes ou submetidas a julgamentoem um período de 24 a 48 horas ou menos. Naprática, porém, podem permanecer na carcera-

gem da polícia por longos períodos, muitas ve-zes sem notificação aos seus pais ou guardiões.Por exemplo, nas Filipinas, as leis que determi-nam que a polícia informe a detenção de um ado-lescente ou uma criança ao Departamento deDesenvolvimento e Assistência Social no perío-do máximo de oito horas após a sua detençãofreqüentemente são ignoradas e eles podem per-manecer nas celas das delegacias por períodosde até um mês.127 Na Jamaica, uma investigaçãorealizada no final da década de 90 constatou quemuitas crianças e adolescentes que sofreram abu-sos, foram negligenciadas ou acusadas de terempraticado somente pequenas infrações permane-ciam em carceragens imundas e superlotadas porperíodos de oito meses ou mais.128

Similarmente, a violência pode ser usada con-tra adolescentes sob custódia de forças milita-res e de segurança em territórios ocupados oudisputados. Em Israel e no Território PalestinoOcupado, mais de 1.400 crianças palestinas fo-ram detidas por autoridades militares israelen-ses entre 2000 e 2004. As declarações juramen-tadas das crianças palestinas detidas indicaramque a maioria foi submetida a uma ou mais for-mas de maus-tratos durante o período de deten-ção e interrogação, incluindo assédio sexual eameaças físicas e psicológicas.129

Violência sob a forma de sentença

Os castigos corporais aplicados como sentençaa crianças ou adolescentes que cometeram al-guma infração foram proibidos em 177 Esta-dos e territórios, e a prática foi condenada emuma série de julgamentos envolvendo direitoshumanos. Não obstante, cerca de 31 Estados e

"Era como ser crucificada numa cama de ferro. Eu tentei resistir, mas sete ou oito guardas me forçaram a deitar sobreuma estrutura de ferro. Eles esticaram meus braços e minhas pernas e me acorrentaram aos quatro cantos da cama.

Eu tive que ficar deitada ali daquele jeito a noite toda até a manhã seguinte."

Menina, 16 anos, Oriente Médio, 2003 VII

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territórios ainda permitem que a aplicação decastigos corporais como sentença contra crian-ças.130 Por exemplo, a Lei da Criança na Malá-sia permite o chicoteamento de crianças acusa-das de praticarem uma infração.131 Em Tonga, aLei de Delitos Criminais estipula que meninoscom idade abaixo de 16 anos podem ser chico-teados até 20 vezes.

Em alguns países, crianças consideradas púbe-res podem ser sentenciadas a punições de extre-ma violência, incluindo açoitamento, apedreja-mento e amputação. Por exemplo, a CDC ex-pressou preocupação com essas sentenças apli-cadas a crianças em Estados como Brunei Da-russalam, República Islâmica do Irã, Nigéria,Paquistão, Arábia Saudita e Iêmen e recomen-dou que esses países aprovassem emendas às leisexistentes para tornar essas práticas ilegais.132

Embora universalmente condenada e proibidapelas leis internacionais (PIDCP, artigo 6,CDC, artigo 37ª), alguns Estados ainda ado-tam a pena de morte para infrações praticadaspor crianças. Desde 1990, a Anistia Internaci-onal registrou 39 execuções notificadas de cri-anças infratores em oito países - China, Repú-blica Democrática do Congo, República Islâ-mica do Irã, Nigéria, Paquistão, Arábia Saudi-ta, Estados Unidos e Iêmen.133 Em março de2005, porém, a Suprema Corte dos EstadosUnidos decretou que a pena capital não pode-ria mais ser imposta por atos infracionais pra-ticados antes da idade de 18 anos, e as 72 pes-soas remanescentes que haviam sido conde-nadas à morte por crimes praticados quandotinham menos de 18 anos foram removidas docorredor da morte.134

A prisão perpétua e sem possibilidade de sol-tura por infrações praticadas por crianças eadolescentes também é proscrita pelas leis in-ternacionais (CDC, artigo 37a). Entretanto,pelo menos 15 países têm leis que permitemisso, embora somente alguns imponham essasentença na prática. Fora dos Estados Uni-dos, existem apenas cerca de doze crianças eadolescentes infratores de que se tem notíciacumprindo pena de prisão perpétua. Nos Es-tados Unidos, porém, até 2005 cerca de 2.225pessoas haviam sido condenadas à prisão per-pétua por crimes praticados quando aindaeram crianças. Estima-se que 59% desses con-denados à prisão perpétua sem direito à li-berdade condicional eram réus primários;aproximadamente 26% foram condenadas por"homicídio doloso", tendo participado de umassalto ou arrombamento de residência du-rante o qual um co-participante cometeu as-sassinato, muitas vezes sem o conhecimentoou a intenção da criança. As disparidades ra-ciais são marcantes. Crianças afro-america-nas são condenadas com uma freqüência dezvezes maior que crianças brancas.135

Violência praticada pordetentos adultos

A legislação doméstica da maioria dos paísesexige instalações separadas para crianças emconflito com a lei para impedir abusos e ex-ploração praticados por adultos. Mesmo as-sim, a internação junto com adultos continuaa ocorrer em muitos países. Desde 2001, oComitê para a Prevenção da Tortura do Con-selho da Europa registrou sua preocupaçãocom adolescentes mantidos nas mesmas ce-

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las que adultos em pelo menos três países-membros do Conselho. Por exemplo, o UNI-CEF relatou que em 1988, na Alemanha, ado-lescentes com menos de 18 anos não eramsistematicamente separados dos adultos, oque os colocava sob risco de comportamentoameaçador, chantagem ou até estupro porparte de prisioneiros mais velhos.136

Nas carceragens da polícia, onde o espaço é limi-tado, crianças são muitas vezes mantidas juntascom adultos que podem perpetrar violência, in-cluindo violência sexual, contra elas. Freqüente-mente vezes falta supervisão adequada, particu-larmente à noite, o que resulta em mais abusos dapolícia, inclusive estupro. Há regiões do mundoonde sequer existem instalações separadas paracustódia de curto prazo ou detenção de maior pra-zo. Nos Estados onde não foram estabelecidos sis-temas separados para a justiça da infância e dajuventude, crianças são rotineiramente detidas cominfratores adultos sob condições péssimas, o queaumenta o risco de que sofram violência por partede presos mais velhos.137

Além disso, os países que permitem que crian-ças sejam detidas, julgadas e sentenciadas comoadultos também podem encarcerá-las com adul-tos. Nos Estados Unidos, quase todos os Esta-dos mudaram suas leis recentemente para faci-litar o julgamento de crianças como adultos. Em2000, estima-se que 55.000 crianças foram jul-gadas em tribunais para adultos.138 As criançascondenadas nesses tribunais normalmente sãodetidas em prisões para adultos.

Violência praticada poroutras crianças

Assim como nas instituições assistenciais, cri-anças mantidas em casa de internação são vul-neráveis à violência praticada por outras crian-ças, especialmente quando as condições e a su-pervisão dos funcionários são precárias. A au-sência de privacidade, a frustração, a superpo-pulação e a não-separação das crianças especi-almente vulneráveis de crianças mais velhas emais agressivas normalmente levam à violên-cia entre crianças.

No Rio de Janeiro, rivalidades entre ganguesgeraram sérios episódios de violência entre ado-lescentes colcocados nos centros de internaão,incluindo surras, esfaqueamento, estupro e as-sassinato.139 No Reino Unido, um relatório de2005 do Inspetor-Chefe de Prisões e do Conse-lho de Justiça da Juventude (Inglaterra e Paísde Gales) informou que 21% dos meninos emeninas haviam sido espancados, chutados ouagredidos por outro jovem.140

Autolesão

Adolescentes detidos correm maior risco depraticar autolesão e de demonstrar comporta-mento suicida devido à violência, à negligên-cia ou às péssimas condições de vida. A inter-nação prolongada ou indefinida e o isolamentotambém contribuem para uma saúde mental pre-cária (como foi discutido acima) e para o riscode autolesão.

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A INTERNAÇÂO DE CRIANÇAS "FUNCIONA"?

Crianças submetidas a internação demonstram maior probabilidade de praticar infrações nofuturo do que crianças colocadas em programas de redirecionamento. Nos Estados Unidos,praticamente todos os estudos que examinaram a reincidência entre crianças condenadas à in-ternação em casas de internação concluíram que pelo menos 50 a 70% dos infratores são nova-mente aprisionados um ou dois anos após a soltura.145 Por outro lado, os índices de reincidênciaentre crianças colocadas em programas alternativos baseados na comunidade são baixos, po-dendo atingir até 10%.146 A reincidência é particularmente aguda entre crianças detidas comadultos. No Camboja, estima-se que seis em cada 10 crianças detidas em prisões para adultossejam novamente aprisionadas por crimes mais sérios praticados após a sua soltura.147

De acordo com um especialista em justiça da infância e da juventude, "as pesquisas de avaliaçãoindicam que o encarceramento de adolescentes infratores em grandes instituições de atendimen-to coletivo não os reabilita efetivamente e pode até causar-lhes danos. Um século de experiênciacom escolas de treinamento e prisões para crianças demonstra que eles constituem o únicométodo amplamente avaliado de tratar delinqüentes que é, confirmadamente, ineficaz."148

Nos Estados Unidos, foi relatada a ocorrên-cia de 110 suicídios de jovens em instituiçõesde todo o país entre 1995 e 1999.141 Em 2002,122 centros de internação para adolescentese crianças informaram ter transportado pelomenos uma criança para atendimento hospi-talar de emergência devido a uma tentativade suicídio.142 No Reino Unido, 29 adoles-centes morreram em internação entre 1990 esetembro de 2005. Vinte e sete se enforca-

ram, o mais jovem com 14 anos, e um morreuenquanto estava sob contenção.143

Para crianças internadas em instalações paraadultos, o risco de autolesão é especialmente alto.Alguns estudos realizados nos Estados Unidosindicam que crianças e adolescentes internadosem prisões de adultos têm probabilidade até oitovezes maior de cometer suicídio do que as inter-nados em instalações adequadas.144

"Quando fui para a prisão, fiquei no meio de toda aquela violência. Eu pensei, 'cara, tenho que sairdessa - como vou sair dessa prisão?' Não posso cumprir prisão perpétua aqui nessa idade. Então eu

pensei nisso (cometer suicídio). Tenho que acabar com isso, tenho que acabar com isso... Fiqueicom tantos cortes... Lâminas de barbear. Eles nos dão barbeadores descartáveis."

Garoto, condenado a prisão perpétua sem direito a liberdade condicional por um infração praticadaquando tinha 14 anos de idade, América do Norte, 2005VIII

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OUTRAS CRIANÇAS SOBCUSTÓDIA DO ESTADO

REFUGIADOS, SOLICITANTESDE ASILO E MIGRANTES

Crianças podem fugir de seu país natal por umasérie de razões, inclusive conflitos armados, in-surreição étnica, perseguição de sua família,morte ou desaparecimento dos pais e recrutamen-to militar forçado. Outras podem atravessar fron-teiras em busca de melhores oportunidades eco-nômicas e sociais, muitas vezes sem os docu-mentos necessários ou em contravenção às leisde imigração. Seja em situação legal ou ilegal,muitas dessas crianças acabam internadas eminstituições onde são isoladas da comunidade.

Crianças desacompanhadas

Embora muitas crianças refugiadas estejamacompanhadas dos pais ou sob os cuidados deparentes, um número significativo de criançasrefugiadas ou solicitantes de asilo chegam se-paradas dos parentes próximos ou inteiramentedesacompanhadas. Em 2004, países como aÁustria, Bélgica, França, Itália e Reino Unidorelataram, cada um, entre 1.000 e 5.000 crian-ças solicitantes de asilo que chegaram separa-das dos pais ou cuidadores.149 Em 2005, a preo-cupação com a vulnerabilidade e a perda de di-reitos enfrentadas por crianças desacompanha-das e separadas que solicitavam asilo levou oComitê dos Direitos da Criança a adotar umComentário Geral, baseado no CDC, contendoorientações sobre a proteção, assistência e tra-tamento adequado dessas crianças.150

Atualmente, somente cerca de um terço dospaíses europeus possuem disposições legaise práticas relativas à assistência e proteçãode crianças desacompanhadas. Essas provi-dências deveriam incluir, em uma situaçãoideal, locais de recepção separados, proibi-ção de detenção da criança e guardiões ofici-ais treinados. Mas a realidade é que muitoscentros não estão equipados para satisfazeràs necessidades das crianças e os funcionári-os não são treinados para lidar com elas, par-ticularmente aquelas que se encontram trau-matizadas. Isso aumenta a sua exposição po-tencial à violência. Um número significativode crianças desacompanhadas e separadasdesaparece dos locais de recepção ou duran-te o procedimento de asilo.151 Alguns dessesdesaparecimentos são notificados como rela-cionados ao tráfico.

Grupos que trabalham com solicitantes de asi-lo detidos expressaram sua preocupação com ofato de que o nível de incerteza sobre a duraçãoda detenção, combinado ao temor das conseqü-ências de uma possível volta, pode exacerbar orisco de essas crianças praticarem autolesão.152

Essa ansiedade é particularmente evidente nocaso de crianças que sobreviveram à tortura oua um trauma grave no país de origem. A depres-são pode levar a gestos desesperados. De acor-do com o Programa Crianças Separadas na Eu-ropa, a internação de algumas crianças em cen-tros residenciais "prolongou-se por anos e foidescrita como 'tortura mental', fazendo com quealgumas crianças acreditassem que a única ma-neira de terminar esse sofrimento e de assumiralgum tipo de controle sobre suas vidas seriacometer suicídio".153

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Instalações que seassemelham a prisões

Embora crianças nunca devessem ser detidasem razão da sua situação de imigração, muitassão mantidas em instalações de segurança porlongos períodos de tempo.

Na Austrália, por exemplo, centenas de meninas emeninos que solicitavam asilo foram mantidos emcentros de detenção por um período médio de 20meses. A detenção prolongada teve um impacto pre-judicial significativo sobre a saúde mental e físicade algumas dessas crianças. Algumas crianças man-tidas em detenção apresentaram depressão, distúr-bio de estresse pós-traumático e distúrbios de ansi-edade. Outras crianças exibiam enurese, sonambu-lismo e terror noturno.154 As crianças também fo-ram expostas a agitações, protestos e violência ocor-ridos em alguns dos centros de detenção. Algumascrianças detidas também costuraram seus lábiose cometeram outros atos de autolesão.155

Em 2004 e 2005, crianças solicitantes de asilo fo-ram detidas em centros de imigração ou confina-das em aeroportos internacionais de vários países,inclusive das Bahamas, Botsuana, República Ára-be Líbia, Malásia, Tailândia, Estados Unidos eEuropa.156 Crianças podem ser detidas com seusparentes por delitos relacionados à imigração semque seja avaliado se isso atende aos seus interessessuperiores e sem que sejam consideradas alternati-vas à detenção. A soltura muitas vezes só ocorredepois da confirmação de reassentamento da cri-ança ou da família em um terceiro país. Essas cir-cunstâncias não implicam necessariamente em vi-olência, mas podem colocar crianças em situaçõesde alta vulnerabilidade e exposição.

Detenção de crianças migrantes

As estatísticas sobre migração ilegal são escassase pouco confiáveis devido à natureza clandestinados canais de migração, mas os fluxos principaisinvariavelmente contêm crianças, inclusive algu-mas que se tornam desacompanhadas ou são se-paradas dos parentes próximos durante o proces-so migratório. Na Espanha, quase 1.400 criançasmigrantes desacompanhadas e separadas foramaceitas pela Administração Andaluz do Sul daEspanha entre janeiro e outubro de 2005.157 NoMéxico, apenas em 2005, mais de 4.000 criançasdesacompanhadas, em sua maioria provenientesda Guatemala, foram devolvidas aos seus paísesde origem. Os procedimentos de retorno não in-cluem as salvaguardas necessárias para garantir asegurança e o bem-estar dessas crianças.

Há preocupações crescentes sobre o tratamentoe a assistência dispensados às crianças migran-tes no país de destino - e também no seu país deorigem, nos casos em que as crianças são repa-triadas. A "assistência" dispensada a essas crian-ças quase sempre envolve privação injustificadade liberdade ou internação em instituições aber-tas onde as condições são inadequadas. É comumque faltem a essas crianças as garantias e a re-presentação jurídica disponíveis a outras crian-ças no país em questão.158 Crianças detidas fre-qüentemente são alojadas na mesma instituiçãocom outros adultos com os quais não têm liga-ção familiar. Elas podem ser expostas a experi-ências traumáticas e ter pouco acesso à nutriçãoadequada, à assistência médica e à educação.Algumas crianças detidas por infração das leisde imigração são mantidas juntas com indivídu-os acusados de delitos criminais.

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A violência por parte de outras crianças tam-bém é um risco. Em um estudo realizado naÁfrica Setentrional sobre crianças migrantesdetidas em centros na Espanha, muitas queixa-ram-se de extorsão, furto e abusos físicos prati-cados por crianças maiores e mais velhas. Mui-tas crianças relataram que os funcionários fre-qüentemente não intervinham, mesmo quandoos abusos ocorriam diante deles. Algumas fu-giram dos centros acreditando que estariam maisseguras nas ruas.159

CRIANÇAS EM EXÉRCITOS EMTEMPOS DE PAZ

Este estudo não abrange a questão das criançasque atuam como soldados durante períodos deguerra, abordado no estudo de 1996 das Na-ções Unidas O Impacto do Conflito Armado emCrianças (conhecido como Estudo Machel) eem estudos subseqüentes. No entanto, criançasque fazem parte de forças militares governa-mentais podem estar sujeitas à violência emtempos de paz. O modo de vida, trabalho e resi-dência dessas crianças é essencialmente insti-tucional, ocorrendo em quartéis do exército oucampos de treinamento.

Em pelo menos 65 países de todo o mundo,meninos e meninas são recrutados para asforças militares do Governo, seja legalmen-te, como voluntários, ou ilegalmente, à for-ça ou por meio de subterfúgios.160 Há evi-dências consideráveis indicando que essessoldados com idade menor que 18 anos po-dem estar sujeitos a bullying, estupro, vio-lência sexual e assédio, a ponto de comete-rem autolesão e/ou suicídio e sofrerem de

depressão ou doença mental. Por exemplo,no Paraguai, crianças de até 12 anos de ida-de foram recrutadas à força para as forçasarmadas, muitas vezes com certidões de nas-cimento falsificadas por autoridades civis oumilitares. Desde 1989, mais de 100 jovensrecrutas morreram durante o serviço militarcompulsório e muitos outros foram vítimasde acidentes graves. Acredita-se que as mor-tes e os ferimentos tenham resultado de cas-tigos infligidos por oficiais e da falta de me-didas de segurança para atividades perigosas,como o manejo de armas de fogo. Alguns re-crutas sofreram danos psiquiátricos perma-nentes após maus-tratos sistemáticos.161,162,163

No Reino Unido, a morte suspeita de dois sol-dados de 17 anos de idade no Quartel do Exér-cito em Deepcut levou a revelações de outrossuicídios, bem como de dezenas de incidentesde autolesão e da ocorrência de bullying siste-mático no quartel. Uma comissão parlamentarde 2004 realizou subseqüentemente um inqué-rito e recomendou a adoção de um procedimentoexterno para investigar as alegações de bullyinge abuso nas forças armadas britânicas.164

Embora não façam parte das forças armadas,milhares de crianças vivem permanentementeem bases militares nos quartéis do exército. NoCazaquistão, na Rússia e na Ucrânia, criançassem teto e órfãs podem ser "adotadas" por uni-dades militares a partir dos 10 ou 11 anos deidade. Elas também recebem treinamento mili-tar, o que acarreta preocupações com sua expo-sição a condições difíceis, bullying, outras for-mas de abuso e atividades perigosas como o trei-namento com armas de fogo.165

"Fui torturado na prisão e os presos me queimavam com cigarros porque eu me recusei a fazer sexo com eles."

Menino, 16 anos, sub-região do Oceano Índico, 2006 IX

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RESPOSTAS À VIOLÊNCIACONTRA A CRIANÇA EMINSTITUIÇÕES ASSISTENCIAISE CORRECIONAIS

Diversas medidas são necessárias para evitar ereagir à violência contra a criança em sistemasassistenciais e correcionais. Como em qualqueroutro ambiente onde ocorra violência contra acriança, a prevenção primária nas instituições,para evitar a violência antes que ela aconteça, éde extrema importância. Isso requer duas linhasde atuação paralelas: a redução dos principaisfatores que levam à internação de crianças eminstituições e a oferta de alternativas às própriasinstituições. A primeira, que só pode ser aborda-da de passagem nesta seção, também é discutidano capítulo sobre a violência contra a criança nolar e na família, onde alternativas à instituciona-lização são descritas em maiores detalhes.

Esta seção também aborda medidas secundáriasde prevenção voltadas para a resposta imediata àviolência nas instituições. Essas medidas levamem consideração que, por mais rápido que seja oavanço da prevenção inicial e a redução da insti-tucionalização, as instituições existentes e todosos locais de assistência alternativa devem ser tor-nados lugares seguros para as crianças. Isso in-clui um melhor treinamento e remuneração ade-quada para os funcionários, a oferta de serviçosmelhores e mais diversificados para satisfazer umagrande variedade de necessidades das crianças (in-cluindo as relacionadas a gênero e deficiências),melhor supervisão, transparência administrativae maior receptividade às opiniões e ao envolvi-mento das crianças e suas famílias.

É igualmente essencial que sejam adotadasmedidas para eliminar a impunidade dos res-ponsáveis pela violência contra a criança, es-tabelecendo-se mecanismos eficazes e trans-parentes de monitoramento, investigação eresponsabilização.

AÇÃO LEGISLATIVA

Um fator essencial para a eliminação da vi-olência contra a criança em instituições e emoutras formas de assistência alternativa é aexistência de uma clara base legislativa paralidar com a criança institucionalizada ou de-tida. Em alguns países, a melhor opção se-ria englobar essas medidas em uma lei abran-gente da criança ou outra legislação seme-lhante de base ampla; em outros países, tal-vez seja necessário modificar as leis exis-tentes. Em todos os casos, a legislação deveser compatível com a CDC e outros instru-mentos de direitos humanos. Algumas carac-terísticas importantes dessa legislação sãodescritas a seguir.

O próprio Estado não deve ser um perpetrador deviolência contra indivíduos sob o seu cuidado.Sendo assim, todos os tipos de sentenças violen-tas devem ser eliminados, incluindo a pena demorte e a prisão perpétua sem possibilidade desoltura. O uso de castigos corporais e outras for-mas cruéis ou degradantes de punição ou controledeve ser explicitamente proibido dentro de todasas instituições ou locais de assistência alternativaonde crianças residam ou estejam detidas.

Para que haja redução do número de criançassob custódia, o código penal e outros itens da

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legislação relacionada ao crime e ao policia-mento devem descriminalizar infrações de sta-tus e os comportamentos de sobrevivência(como a mendicância, a ociosidade e a vadia-gem) para remover a base legal sobre a qualmuitas crianças são colocadas sob custódia.Crianças exploradas sexualmente ou trafica-das deveriam ser tratadas como vítimas a se-rem ajudadas e não como perpetradoras a se-rem capturadas, devendo receber cuidados eproteção no ambiente da comunidade. No casode tráfico e entrada ilegal de crianças migran-tes, deve haver uma cláusula não-punitiva parainfrações às leis de imigração, como a possede documentos fraudulentos.

A legislação deve refletir as obrigações do Es-tado para com a proteção da criança, não im-portando onde elas sejam institucionalizadas ouquem esteja administrando a instituição ou pro-vendo a forma de assistência. Todos os funcio-nários em potencial devem passar por uma tria-gem. Todas as instituições e formas alternati-vas de assistência devem ser registradas e a as-sistência prestada às crianças nelas internadasdeve ser regulada detalhadamente. Todas as ins-tituições assistenciais e corretivas devem serobrigadas a informar qualquer incidente envol-vendo violência.

A legislação também impedir que as institui-ções funcionem de forma hermética, perma-necendo imunes à atribuição de responsabi-lidades. O escrutínio público deve ser garan-tido de várias maneiras, inclusive a garantiade acesso para as famílias das crianças (ex-ceto quando isso for contra seus interessessuperiores), ONGs, instituições de direitos

humanos e ouvidores, advogados, a mídia eoutros elementos da sociedade civil, respei-tada a privacidade individual e a dignidadede meninas e meninos. A lei deve estabelecersistemas eficazes de monitoramento e notifi-cação, operados por órgãos competentes, compoderes para exigir informações sobre melho-rias nas condições e para investigar e corrigiralegações de violência.

As garantias de que as vozes das crianças e dassuas famílias serão ouvidas devem estar expres-sas na lei, e não apenas em manuais de orienta-ção ou de procedimentos institucionais. A le-gislação deve assegurar a disponibilidade demecanismos de queixas que sejam simples,acessíveis, independentes e seguros para as cri-anças nas instituições. As crianças e seus re-presentantes também devem ter acesso a umprocesso de apelações caso não estejam satis-feitos com a resposta à sua queixa.

POLÍTICAS PARA EVITAR AINSTITUCIONALIZAÇÃO

As políticas que regem os sistemas assistenci-ais e correcionais devem ter como meta tantoimpedir a violência contra a criança institucio-nalizada ou sob custódia como reduzir o núme-ro de crianças que ingressam no sistema insti-tucional, abrangendo desde os locais públicose privados de assistência até a custódia polici-al, os centros de internação e as prisões paraadultos. A internação e o atendimento instituci-onal devem ser considerados como a últimaopção, levando-se em conta os interesses supe-riores da criança e suas necessidades especiaisde longo prazo.

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A maioria dos itens a seguir faz parte da aborda-gem de prevenção inicial, direcionada especifica-mente à redução da institucionalização. Eviden-temente, a adoção de uma série de medidas gerais(como a oferta de melhores serviços básicos, in-cluindo aqueles voltados para famílias de crian-ças portadoras de deficiência ou outros fatores derisco, melhoria dos meios de subsistência, igual-dade social e de gênero, combate ao abuso de subs-tâncias, redução da violência doméstica, educa-ção inclusiva, retenção educacional e objetivosgerais de desenvolvimento antipobreza) ajudaria,por definição, a aumentar a capacidade das famí-lias de criar ou lidar com crianças vulneráveis ouque correm algum risco, além de contribuir gran-demente para manter crianças fora de instituiçõesassistenciais e de internação.

O princípio do "último recurso"

O atendimento institucional deve ser reservado àscrianças cujas necessidades não possam ser satis-feitas em sua própria família ou em um ambientefamiliar alternativo. No caso das crianças em con-flito com a lei, a internação deve ser usada somentepara aquelas que sejam avaliadas como um perigoreal às outras crianças, e, mesmo assim, somentepelo menor período de tempo necessário.

Em termos práticos, esse princípio do "último re-curso" significa que, sempre que uma criança forconsiderada ou incorporada à rede de atendimen-to, deve-se realizar uma avaliação para identificaro tipo de intervenção mais adequado às suas ne-cessidades. Um objetivo importante dessa avali-ação é garantir que crianças sejam admitidas aoatendimento residencial somente quando issoatender aos seus interesses superiores.

Não há nada de particularmente novo no princípiodo "último recurso", seja para questões assistenci-ais ou correcionais. O problema é que, em muitaspartes do mundo, o "último recurso" é freqüente-mente o único recurso considerado ou disponível.Embora haja sucessos locais, somente em poucasregiões os sistemas assistenciais e correcionais evo-luíram em direção à criação de alternativas à nor-ma. Nas palavras de um especialista que colaboroucom este Estudo, "Não basta repetir sempre o mes-mo mantra, ele tem que significar uma mudançaradical na maneira como os sistemas funcionam".

Priorização das alternativas

É necessário desenvolver alternativas familia-res e baseadas na comunidade, além de meca-nismos de redirecionamento, e alocar os recur-sos apropriados para que estes possam reduzira dependência do atendimento institucional. Éigualmente necessário implementar estratégiasclaras de reintegração das crianças na comuni-dade. Em muitos países, isso exigirá uma pro-funda mudança nas políticas existentes.

Os profissionais que trabalham com crianças, osformuladores de políticas públicas e as autori-dades, inclusive a polícia e os juízes, devem serinstruídos sobre a disponibilidade e as vantagensdo uso de alternativas à institucionalização e àdetenção. Por exemplo, os serviços policiais de-vem ter policiais especificamente treinados evoltados para as questões de assistência e prote-ção à criança. Os médicos e outros profissionaisde saúde devem ser capazes de fornecer às famí-lias de crianças portadoras de deficiência e deoutras crianças em situação de risco as referên-cias e informações de que elas precisam paracuidar dos seus filhos e oferecer-lhes apoio.

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Todos os doadores, sejam eles organizaçõesmultilaterais, intergovernamentais ou não-go-vernamentais, devem apoiar ativamente as al-ternativas por meio de ações de convencimen-to junto ao governo e aos parceiros, bem comodo apoio à atualização dos profissionais e àsatividades de conscientização. Nos casos emque o Governo já tenha optado claramente poruma política não-institucional para crianças tor-nadas órfãs pelo HIV/AIDS e outras criançascarentes, como na África do Sul, as instituiçõesde caridade e ONGs deverão respeitar essa po-lítica e evitar a construção de tipos de instala-ções que reforcem a estigmatização, a exclusão

social e a discriminação e dificultem os passosiniciais de crianças que, de outra forma, pode-riam ter permanecido com os membros de suafamília.166,167 Os doadores que apóiam a refor-ma da justiça da infância e da juventude tam-bém devem estender esse apoio às alternativasà internação e aos programas de prevenção, nãopermitindo que seu auxílio financeiro seja usa-do para construir instalações de segurança.

De modo mais geral, é necessário adotar umaeducação pública que modifique as atitudes dasociedade quanto à assistência e à criminaliza-ção da criança, bem como quanto à própria insti-

"Nós apanhamos das forças de segurança... quando somos capturados, a caminho da carceragem e quando chegamos àcarceragem. Na carceragem, apanhamos dos outros prisioneiros, que nos pedem dinheiro. Durante o interrogatório,

apanhamos para contar ao (inspetor de polícia) o que roubamos ou quem roubou."

Menino de rua, África Oriental e Meridional, 2005 X

O ALTO CUSTO FINANCEIRO DA INSTITUCIONALIZAÇÃO

A institucionalização de crianças é cara, com um custo até 12 vezes maior que o custo per capitade opções de assistência no ambiente da comunidade, o que gera um dreno financeiro desneces-sário nos orçamentos.168,169 O Banco Mundial informou que o custo anual de uma criança ematendimento residencial na região de Kagera, na República Unida da Tanzânia, era seis vezesmaior do que o custo de uma criança colocada em lar substituto.170 Pesquisas realizadas naUcrânia, na República da Moldávia e na Rússia em 2001 e 2002 demonstraram que a assistênciaresidencial em lares e em pequenos grupos na comunidade custa aproximadamente a metade doatendimento institucional fornecido pelo Estado. O atendimento em lares de adoção custa cercade um quinto a um terço do atendimento institucional oferecido pelo Estado. E os serviçossociais e de apoio às famílias custam aproximadamente um oitavo do atendimento institucionaloferecido pelo Estado.171

Embora essas alternativas sejam mais baratas no longo prazo, sua criação requer recursos adici-onais iniciais. Um estudo sobre institucionalização realizado nos países do ECO/CEI adverteque "a poupança resultante não será realizada imediatamente. A razão é que, para proporcionaruma transição suave, é necessário criar alternativas antes que um sistema institucional sejafechado ou tenha o seu tamanho reduzido... (No entanto,) à medida que as instituições sejamgradualmente fechadas, os custos serão reduzidos proporcionalmente à entrada em funciona-mento do novo sistema. Esses custos transicionais extras devem ser encarados como um inves-timento na introdução de um sistema novo e melhor."172

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tucionalização. Isso é essencial tanto para garantirque os formuladores de políticas públicas real-mente coloquem essas idéias em prática comopara informar as famílias sobre as soluções não-institucionais para o atendimento dos seus filhos.

IÊMEN, 1998, Abdullah Ahmed, nove anos de idade, lê emsua cama no dormitório do Centro para a Reabilitação deMenores, na parte antiga de Sana'a.

ALTERNATIVAS À ASSISTÊNCIAINSTITUCIONAL

Apoio às famílias destituídase em risco

Com serviços adequados de apoio, muitos paisque, de outra forma, poderiam abandonar seusfilhos ou recorrer à institucionalização podemser auxiliados a cuidar dessas crianças. O apoioà família pode atenuar a violência no lar e ou-tros fatores que levam crianças a entrar em con-flito com a lei. Esse apoio inclui serviços soci-ais e de saúde básicos, acessíveis e de boa qua-lidade; visitas domiciliares realizadas por as-

sistentes sociais, enfermeiras visitadoras ou gru-pos de apoio baseados na comunidade (gruposde apoio mútuo, grupos religiosos locais etc.);programas que ensinem técnicas parentais efi-cazes; auxílio-subsistência para aliviar a pres-são da pobreza; e assistência complementar parapermitir que os pais, que têm uma carga pesadade cuidados a prestar, tenham uma folga de tem-pos em tempos. Os benefícios da manutenção acriança com a família são indiscutíveis em ter-mos tanto da sua saúde e felicidade como dosseus interesses superiores. Além disso, o custodo apoio às famílias para que mantenham seusfilhos em casa é substancialmente mais baixoque o custo da sua institucionalização.

O acesso à educação gratuita (ou, em certascircunstâncias, o auxílio-educação) é uma dasformas de reduzir a institucionalização em lu-gares onde a pobreza está de tal forma entra-nhada que os pais podem se ver forçados a in-ternar seus filhos em instituições para lhes pro-porcionar uma educação. No Zimbábue, a So-ciedade de Proteção à Criança relata que a prin-cipal razão para que as famílias não queiramcuidar dos seus filhos é a preocupação com ocusto da educação.173 Os governos são obriga-dos a investir na educação para todas as crian-ças, e os doadores e ONGs devem priorizar aajuda às famílias ou famílias substitutas pormeio do pagamento das mensalidades escola-res, em vez de estimular o uso de orfanatos oua construção de instituições. Quando necessá-rio, a educação escolar normal deve ser suple-mentada pela assistência dirigida e pelas ati-vidades de extensão voltadas especificamentepara crianças em situação de risco e suas fa-mílias (ver o capítulo sobre a violência contraa criança na comunidade)

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Apoio às famílias de criançasportadoras de deficiência

Onde há crianças com deficiências, uma alter-nativa viável à institucionalização é a implan-tação de programas de apoio à família para per-mitir que crianças com necessidades de assis-tência intensiva permaneçam com a sua famílianatural. Esses programas oferecem às famíliasvárias combinações de treinamento, subsídiosfinanceiros e serviços. Nas duas décadas quese seguiram à introdução de programas de apoioà família nos Estados Unidos e no Canadá, onúmero de crianças com deficiências de desen-volvimento que viviam em instituições foi redu-

zido em cerca de 70%.174 Para que isso funcione,os pais de crianças portadoras de deficiênciadevem receber informações precisas sobre comocuidar da criança e sobre os serviços que estãodisponíveis em sua comunidade. O mesmo seaplica aos pais portadores de deficiências ou dedoenças crônicas como o HIV/AIDS.

Meninos e meninas portadores de deficiênciatêm igual direito à educação. Em 1999, estimou-se que apenas cerca de 3% das crianças porta-doras de deficiência nos países em desenvolvi-mento tinham acesso à escola.175 Crianças por-tadoras de deficiência têm direito à educaçãoinclusiva, juntamente com outras crianças.

ESTUDO DE CASO: AJUDANDO AS FAMÍLIAS A CUIDAR DE SEUSFILHOS EM CASA

Uma família do Líbano tinha quatro filhos entre dois e 12 anos. O pai estava gravemente incapa-citado e precisava de cuidados intensivos. A mãe era ativa e saudável, mas estava desempregadae sobrecarregada com as necessidades diárias da família. Embora as três crianças mais velhastivessem bom aproveitamento na escola, a mãe não podia pagar a mensalidade escolar. Elaprocurou uma Aldeia SOS Criança e pediu que aceitassem seus filhos.

Em vez de tomar as crianças sob seus cuidados, a SOS fez um acordo com a mãe em que secomprometia a arcar com o custo das mensalidades escolares por um ano e entrou em contatocom a escola para solicitar uma redução das mensalidades. Também foi pedido à mãe quepreparasse um plano de negócios para uma atividade geradora de renda que ela pudesse reali-zar. A SOS propôs-se a arcar com os custos iniciais e conceder um empréstimo para o negó-cio. Em 15 dias, a mãe preparou um plano para a montagem de uma mini-padaria em uma lojaperto de sua casa. Assim que abriu o negócio, ela começou a gerar renda e a pagar o emprés-timo à SOS. A família logo tornou-se totalmente auto-suficiente e as crianças permaneceramem casa com seus pais.176

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Apoio direto aos órfãos ecrianças vulneráveis

Quando a criança perde a sua família ou nãopode permanecer com seus pais, as alterna-tivas à institucionalização podem incluiruma família substituta, a adoção, o apoio amembros da família estendida para que atu-em como cuidadores e os lares para peque-nos grupos. Em regiões rurais da África comalta prevalência do HIV, onde crianças maisvelhas desempenham o papel de arrimo defamília, muitas vezes é possível oferecerapoio para manter os irmãos juntos e evitaro atendimento institucional.

Acolhimento de diferentesnecessidades e preferências

Os governos e todos os envolvidos nas deci-sões sobre internação, inclusive os tribunais,devem reconhecer que crianças diferentes pre-cisam de diferentes tipos de assistência e bus-car oferecer a maior gama possível de modali-dades de assistência, garantindo a qualidade decada uma delas. A CDC (artigo 20.3) tambémenfatiza a necessidade de levar em considera-ção as características étnicas, religiosas, cultu-rais e lingüísticas de cada criança ao conside-rar as opções para ela.

As crianças têm o direito de participar de todasas fases do processo de internação (CDC, arti-go 12).177 Quando não for possível ou desejávelque a criança permaneça com sua família bioló-gica, tanto a criança como seus pais devem par-ticipar do processo de decisão sobre as opçõesde assistência, oferecendo-se à criança plenasoportunidades para expressar a sua opinião.

ALTERNATIVAS À DETENÇÃOEM INSTITUIÇÕES

Como princípio norteador, crianças que preci-sam de assistência e proteção não devem serapreendidas pela polícia, mas encaminhadasimediatamente a agências de proteção. Isso podeser feito em parte pela descriminalização dasinfrações de status (como gazetear), dos com-portamentos de sobrevivência (como a mendi-cância, a prostituição, a busca de comida e bensno lixo, a ociosidade ou a vadiagem), da viti-mização pelo tráfico ou pela exploração crimi-nosa e do comportamento anti-social ou incon-trolável da criança, evitando assim uma respostapenal ao que é efetivamente um problema so-cial ou de desenvolvimento/comportamento.Quanto às crianças que restarem - ou seja, aque-las realmente em conflito com a lei - é essenci-al que sejam "redirecionadas" o quanto antesda custódia da polícia e do sistema formal dejustiça para programas alternativos.

Uma criança só deve ser detida como últimorecurso e pelo menor tempo possível. Devemser estabelecidos sistemas de triagem para ga-rantir que crianças sejam detidas apenas quan-do for avaliado que constituem um perigo realpara outros, e somente após uma audiência ju-dicial em que estejam representadas. A polícia,os juízes e as agências governamentais apro-priadas devem desenvolver mecanismos paraidentificar o ambiente menos restritivo paracada criança, levando em consideração a suasituação individual. Qualquer criança cuja li-berdade tenha sido restrita tem direito a assis-tência jurídica rápida ou outro tipo de assistên-cia para questionar a legalidade da privação dasua liberdade (CDC, artigo 37d).

"Não sabemos por que você está aqui nem por quanto tempo terá que ficar. Você tem dez anos deidade, está com medo e confuso. A sua história de vida tem sido muito ruim - desespero na famíliae brigas violentas, nenhum dinheiro para comprar roupas ou jogos, às vezes nenhum dinheiro paracomprar comida. Mas nada preparou você para isto. Ontem você estava em casa. Hoje de manhã,

um assistente social veio e levou você embora. Você se juntou a mais de um milhão de crianças quevivem em instituições residenciais em toda a Europa e Ásia Central. Nós temos que tentar ver o

mundo pelos olhos das crianças a quem servimos."

Maria Calivis, Diretora Regional para a ECO/CEI e Países Bálticos, UNICEF, 2005 XI

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ESTUDO DE CASO: PROJETOS-PILOTO DEREDIRECIONAMENTO NO QUÊNIA

Em 1997 e 1998, o Departamento de Serviços para Crianças do Quênia estimou que 80% dascrianças dos casos existentes no sistema de justiça da infância e da juventude envolviam crian-ças que necessitavam de assistência e proteção. Apenas 20% das crianças haviam efetivamentepraticado infrações, e poucos destes eram graves. Em 2001, o Departamento de Serviços paraCrianças e o Save the Children do Reino Unido deram início um projeto-piloto cujo objetivo éredirecionar crianças para longe dos tribunais em Nairóbi, Nakuru e Kisumu.

O objetivo do programa é redirecionar crianças, especialmente aquelas necessitadas de assistên-cia e proteção, para longe do sistema judiciário o mais cedo possível. Uma de suas metas égarantir que os policiais sejam treinados para encaminhar crianças a outras agências em vez decolocá-las sob detenção. Como parte do projeto, Unidades de Proteção à Criança especializadasforam constituídas nas principais delegacias das três áreas do projeto piloto e tanto os policiaisquanto outras partes envolvidas receberam treinamento em direitos da criança e em processosde redirecionamento. No âmbito da comunidade, os grupos participantes oferecem treinamentode capacitação, aconselhamento para pais e crianças, educação não-formal, centros comunitári-os e abrigos temporários.

Nos quatro anos iniciais do programa, 2.800 crianças foram redirecionadas dos tribunais e asautoridades municipais constataram uma queda de 90% no número de crianças encaminhadasaos Tribunais da Criança nas áreas do projeto. As decisões da polícia e das equipes distritaissobre como auxiliar crianças tornaram-se muito mais rápidas, sendo que algumas crianças sãoreacomodadas diretamente a partir da delegacia. Atualmente, muitas permanecem sob custódiada polícia por menos de 24 horas, o que reduziu o congestionamento nas delegacias. Cerca de70% das crianças redirecionadas dos tribunais foram reintegradas às suas famílias. O número decrianças na Casa de Internação de Crianças de Nairóbi caiu à metade. Em geral, as criançasestão passando apenas alguns dias em casas de internação, em vez de semanas ou meses.182

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Programas de redirecionamentobaseados na comunidade

Existe uma grande variedade de alternativas àinternação, tanto nos países industrializadoscomo nos países em desenvolvimento. Muitasproporcionam reabilitação efetiva e reintegra-ção dos adolescentes infratores à comunidadesem privá-los desnecessariamente da sua liber-dade.178 Essas alternativas incluem o estabele-cimento de mecanismos baseados na comuni-dade para lidar com pequenas infrações antesque as crianças responsáveis dêem entrada nosistema judiciário formal, o uso de ConselhosLocais como "tribunais de primeira instância"para crianças e as iniciativas de justiça com-pensatória. Quando bem-sucedidos, esses pro-gramas reduzem o risco da exposição de crian-ças a um ambiente que as brutaliza, em que araiva e o ressentimento crescem, o comporta-mento violento é a regra e a recidiva é quasesempre garantida.

Em alguns países, as práticas tradicionais ofe-recem modelos para lidar com crianças que en-tram em conflito com a lei sem recorrer à inter-nação. Por exemplo, na Somália, de acordo coma lei consuetudinária, tradicionalmente os an-ciãos supervisionam a solução de conflitos e acompensação por crimes ou disputas. Quandouma criança praticou uma infração, seus pais esuas vítimas consultam juntos um ancião, quedecide sobre a compensação a ser paga pelospais da criança.179 Entretanto, as tentativas deampliar ou adaptar esses modelos exigem cui-dado quanto às práticas que possam infringir aCDC e outros instrumentos de direitos huma-nos quanto às punições disponíveis e, em al-

guns casos, quanto às relações de gênero. Najustiça tradicional da Somália, por exemplo, asmulheres geralmente não podem falar por si e acompensação é sempre menor por crimes con-tra as mulheres do que por aqueles praticadoscontra homens.180

Nos últimos anos, diversas iniciativas de ONGsforam adotadas em países onde a polícia rotinei-ramente detém crianças por pequenas infraões.Por exemplo, nas Filipinas, até 94% das crian-ças detidas e sob custódia são réus primários e onível de violência que experimentam sob custó-dia é alto. Nas Ilhas Visayas Filipinas, foram for-mados Comitês locais de Justiça da Criança paramediar os casos de crianças presas por pequenasinfrações Esse projeto da FREELAVA, umaONG filipina, está funcionando agora em 10barangays (aldeias ou distritos municipais) compopulação variando de 10.000 a 100.000 habi-tantes. Voluntários comunitários e conselheirosindependentes que já foram crianças em confli-to com a lei fornecem assistência às crianças re-tiradas de custódia e as ajudam a reintegrarem-se à comunidade. Embora os casos mais sérios -assassinato, estupro, tráfico de drogas, violênciaextrema - não sejam tratados pelos Comitês, oserviço de reintegração pode ajudar essas crian-ças ao saírem da prisão.181

Uma série de lições sobre "práticas recomen-dadas" surgiu dos esforços de redirecionamen-to baseados na comunidade. Esses programasdevem ser adequados à idade e à maturidade dacriança e podem abranger a criação de sistemasde advertência ou aviso, supervisão na institui-ção, mediação entre vítima e infrator, serviçocomunitário como sentença e aconselhamento

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familiar e comunitário. Muitas outras opçõesestão disponíveis e devem ser exploradas deacordo com as condições locais.

PROTEÇÃO CONTRA A VIOLÊNCIADENTRO DAS INSTITUIÇÕES

É de primordial importância que todas as criançasque dão entrada nos sistemas assistenciais ou nascasas de internação sejam protegidas contra todasas formas de violência. Para tanto, uma estruturajurídica clara e uma série de políticas, regulamen-tos e programas devem estar em funcionamento.

Seleção, treinamento eremuneração de pessoal

Devido aos níveis documentados de violênciaperpetrada por funcionários contra crianças eminstituições, os funcionários que trabalham emsistemas assistenciais e correcionais - incluin-do famílias substitutas - devem ser cuidadosa-mente selecionados, passar por uma verifica-ção de antecedentes criminais, receber treina-mento adequado e a supervisão necessária, serplenamente qualificados e receber salário ade-quado. Deve-se também contratar um númerosuficiente de funcionários para garantir um ní-vel eficaz de atendimento e supervisão.

Os funcionários devem receber treinamento so-bre direitos da criança e medidas disciplinaresnão-violentas. Deve-se tomar cuidado para nãotreinar os funcionários de maneira a criar umabismo entre eles e crianças e jovens. As neces-sidades mais prementes da criança são as de pro-teção e estímulo, e poucas reagem bem ao seremtratadas como "clientes" e "processos".

Devem ser envidados esforços para melhorara situação das pessoas que trabalham com cri-anças nos sistemas assistenciais e correcionaisde modo a garantir a existência de funcionári-os de alta qualidade. Os funcionários de servi-ços educacionais e de saúde devem ser insti-tucionalmente independentes do órgão queadministra a instituição. Todos os funcionári-os devem ser obrigados a informar qualquercaso de violência.

Conformidade com padrõesinternacionais

Nos locais onde há crianças sob custódia, ospadrões internacionais de devido processo dalei devem ser estritamente seguidos (veja naIntrodução deste capítulo os padrões relevan-tes da ONU). Esses padrões incluem o direitode ser informado prontamente sobre as acusa-ções que pesam contra o jovem detento, o di-reito à assistência jurídica e a rápida soluçãodo caso da criança.

A notificação dos pais ou guardiões da criança,incluindo ONGs credenciadas para trabalharcom crianças, deve ser obrigatória sempre queuma criança for presa ou colocada sob custó-dia. Desde os primeiros estágios da apreensão,a criança deve receber assistência médica e ju-rídica gratuita de profissionais independentes.Um dos pais, um guardião ou outro adulto res-ponsável pela criança deve estar presente du-rante as entrevistas ou o interrogatório da cri-ança. Diretrizes sobre transferências devem seradotadas e estritamente observadas para limi-tar a duração do período de custódia da criançapela polícia e garantir a sua transferência para

"Acreditamos que nossos sistemas de justiça da infância e da juventude têm a responsabilidade de reabilitar os jovense reintegrá-los à sociedade, em vez de submetê-los a mais violência."

Children, América do Norte, 2005 XI

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serviços de assistência mais adequados. As de-legacias e carceragens devem ser submetidas amonitoramento regular e independente.

As condições de todas as instituições devemser compatíveis com os padrões internacionais,incluindo a prestação de serviços de saúde fí-sica e mental, nutrição adequada e saneamen-to. A dignidade da criança e a necessidade deespaço pessoal devem ser respeitadas. As cri-anças devem ser separadas dos adultos e asmais novas e mais vulneráveis devem ser se-paradas das crianças mais velhas ou sabida-mente violentas. As instalações não devem sersuperlotadas e as crianças devem ter oportu-nidades para recreação e mobilidade. As cri-anças não devem perder o direito à educação,à orientação vocacional e a outros programasque propiciem o seu desenvolvimento pleno.

Monitoramento e investigação

Todas as instalações devem ser inspecionadas emonitoradas de forma independente por órgãosqualificados, que devem gozar de total acesso aelas e de liberdade para entrevistar crianças efuncionários com privacidade. Esses órgãos de-vem ter o poder e a capacidade de monitorar con-dições e investigar rapidamente qualquer alega-ção de violência. Esses órgãos podem incluirouvidores, comissões independentes, cidadãos ouconselhos de avaliação da polícia.

Mecanismos de queixas

Crianças mantidas nos sistemas assistencial ecorrecional devem ter oportunidades simples,acessíveis e seguras de queixarem-se da manei-

ra como são tratadas, sem risco de represálias.Crianças também devem ter oportunidades parase expressarem livremente e verbalizarem suaspreocupações, especialmente aquelas que relu-tam em acessar os mecanismos formais de quei-xas. Crianças e suas famílias também devem dis-por de um processo de apelação caso não este-jam satisfeitas com as respostas às suas queixas.

MECANISMOS DE REPARAÇÃOE RESPOSTA

Quando a violência contra a criança acontece,seja em instituições assistenciais ou correcio-nais, os perpetradores devem ser responsabili-zados e as crianças afetadas devem receber cui-dados, apoio e compensação adequados. Cri-anças submetidas a atos de violência (tanto an-terior como subseqüentemente à sua internação)devem receber tratamentos de saúde física emental adequados. As intervenções adequadaspodem incluir trabalho educacional e psicosso-cial, individualmente ou em grupo, e psicotera-pia. Deve-se dispensar atenção especial à res-tauração da sua confiança nas relações huma-nas como parte importante do processo de res-tabelecimento. No caso de minorias étnicas ououtras que tenham sido sistematicamente insti-tucionalizadas em maior número que o restanteda população, especialmente como resultado depolíticas governamentais, talvez seja necessá-rio considerar formas coletivas de reparação.

A violência contra a criança nunca será total-mente eliminada enquanto os agressores acre-ditarem que não serão punidos. Portanto, paragarantir que não haja impunidade para perpe-tradores de violência contra a criança, os Esta-

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dos devem implantar uma série de sanções ade-quadas e progressivas contra os indivíduos res-ponsáveis pela violência contra a criança eminstituições e contra o modo como as institui-ções (públicas ou privadas) onde essa violên-cia ocorre são administradas. Essa progressãode sanções deve incluir:

processo criminal ações civis, incluindo ações de perdas e da-nos e mandados de segurança (por exemplo,impondo mudanças na instituição)

procedimentos administrativos (como a re-vogação da licença de funcionamento, aimposição de multas ou o fechamento dasinstalações)

sanções profissionais relativas ao emprego(por exemplo, anotação na folha do funcio-nário, demissão, proibição de trabalhar comcrianças).

Por fim, a política é aperfeiçoada quando é ba-seada em dados confiáveis e esses dados estãodisponíveis para consulta pública. Todas as in-ternações devem ser registradas e relatadas aum órgão central, e dados estatísticos detalha-dos sobre todas as crianças envolvidas em qual-quer forma de assistência ou internação devemser tornados públicos. Os Estados devem anali-sar e publicar dados sobre todos os casos deviolência, as respostas às denúncias e as práti-cas de aplicação da lei, inclusive as ações reali-zadas contra perpetradores de violência contraa criança ou contra instituições em que tais atosde violência são praticados.

DESINSTITUCIONALIZAÇÃO DECRIANÇAS QUE JÁ SEENCONTRAM SOB ATENDIMENTO

Conforme as alternativas sejam desenvolvidase implementadas, deve-se concentrar esforçospara fechar as grandes instituições (veja o qua-dro). Nos locais onde a desinstitucionalizaçãofor introduzida, essa operação deverá ser reali-zada com muito cuidado e de maneira monito-rada e adequada.

Para garantir que crianças não sejam retidasdesnecessariamente em instituições de atendi-mento residencial ou de outra natureza, os en-caminhamentos devem ser revistos regularmen-te para determinar se é necessário que a criançacontinue institucionalizada ou se é possível umencaminhamento alternativo ou a volta da cri-ança à família (artigo 25 da CDC). Essa avalia-ção deve ser realizada com plena participaçãoda criança e, quando for adequado, da famíliada criança, juntamente com um grupo multidis-ciplinar que inclua educadores, assistentes so-ciais, representantes da instituição e outros.

Crianças colocadas no mundo ao final de umlongo período de atendimento institucional oude internação não devem ser simplesmentedeixadas à própria sorte, sem acompanhamen-to ou apoio. Muitas crianças sentem-se comose tivessem sido "empurradas da beira de umprecipício" quando saem do atendimento etêm que cuidar de suas vidas de forma inde-pendente. Elas podem não ter experiência su-ficiente sequer para tomar as decisões maissimples por conta própria. Depois de perderseus amigos e o que consideram como "lar",

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ESTUDO DE CASO: DESINSTITUCIONALIZAÇÃO NO SUDÃO

Em 2003, aproximadamente 110 bebês eram abandonados mensalmente nas ruas de Cartum,dos quais 50% morriam horas após terem sido abandonados. Os sobreviventes eram acolhidosem Maygoma, a única instituição para bebês de Cartum, onde os índices de mortalidade chega-vam a 75%. Entre 1998 e 2003, de 2.500 bebês acolhidos, somente 400 sobreviveram. Os sobre-viventes sofriam de graves atrasos de desenvolvimento e alguns de doenças crônicas devido àmá nutrição e à ausência de estímulos e cuidados individuais.

Para lidar com os problemas em Maygoma, o governo sudanês, organizações da ONU, gruposcomunitários e ONGs importantes, como a Médicos Sem Fronteiras e a Hope and Homes forChildren (Esperança e Lares para Crianças), formaram uma força-tarefa. Essa força-tarefa iden-tificou três necessidades principais na comunidade: serviços para impedir a separação das crian-ças de suas famílias e para reunir famílias; atendimento em família alternativa para crianças quenão podiam permanecer com suas famílias; e serviços especializados para crianças portadorasde deficiência. O objetivo da força-tarefa era o eventual fechamento de Maygoma.

O programa desenvolvido pela força-tarefa incluiu estratégias de comunicação para tratar oestigma associado às crianças nascidas fora do casamento, o treinamento e a ativação de assis-tentes sociais, o desenvolvimento de programas de assistência alternativa em família (para aten-dimentos tanto emergenciais como permanentes) e programas de prevenção para identificarmães em situação de risco e para devolver bebês às suas mães biológicas.

O programa foi um enorme sucesso. Os índices de mortalidade em Maygoma caíram para 33%em 2004 e para 10% em 2005. A porcentagem de crianças acolhidas da rua baixou de 75% para30% e 51 bebês foram reunidos às suas mães. Em menos de dois anos, mais de 500 bebês foramcolocados em famílias alternativas. Todos recuperaram o atraso de desenvolvimento. O progra-ma também é eficaz em termos econômicos. As despesas de cada criança colocada em famíliaalternativa correspondem a um décimo do custo do atendimento em Maygoma.

O fechamento de Maygoma está previsto para 2006.184

elas podem ter grande dificuldade de adapta-ção a qualquer regime novo, seja a indepen-dência ou outra forma de atendimento. Porexemplo, crianças egressas do sistema deatendimento dos Estados Unidos que se tor-

naram sem-teto após a saída identificaram anecessidade de instrução sobre os procedi-mentos da vida cotidiana, programas de resi-dências de transição e ajuda de assistentessociais para localizar lares e serviços dispo-

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níveis. Essas crianças também explicaramcomo o ambiente altamente regulamentadodos lares para grupos havia limitado a suacapacidade de tomar decisões independente-mente e de adquirir novas habilidades que aspreparassem para a vida adulta antes de saí-rem do sistema. "Não adianta nos superpro-teger e depois esperar que sejamos indepen-dentes", disse uma jovem.183

EDUCAÇÃO DO PÚBLICO:PASSANDO A MENSAGEM

As atitudes da sociedade desempenham um pa-pel importante na maneira como as instituiçõestratam - ou maltratam - as crianças sob sua res-ponsabilidade. Portanto, é necessário investirem campanhas públicas que promovam os di-reitos das crianças e combatam os estereótiposnegativos associados a certos grupos de crian-ças, como as que moram ou trabalham nas ruas,as pertencentes a minorias raciais ou étnicas ecrianças órfãs, deficientes ou afetadas pelo HIV/AIDS, pois a exclusão e a discriminação exa-cerbam o risco de violência. As pessoas e asfamílias devem ser encorajadas a exigir maisapoio para que elas mesmas possam cuidar deseus filhos e a resistir às pressões para entregá-los ao atendimento institucional.

QUANDO OS RECURSOSSÃO ESCASSOS

Muitas das respostas descritas neste capítulodependem da capacidade dos sistemas assis-tenciais e da disponibilidade de assistentessociais qualificados. Em muitos países essa ca-

pacidade é mínima ou inexistente, particular-mente em áreas rurais. Por exemplo, a falta deassistentes sociais é aguda em muitos países.Segundo autoridades governamentais da Na-míbia, em 2002 havia somente 118 assistentessociais matriculados no país todo e na regiãode Caprivi havia apenas um assistente socialpara atender uma população de 79.000 pesso-as. No Zimbábue, a Sociedade de Proteção àCriança relatou que a perda de assistentes so-ciais devido à emigração provocou atrasos sig-nificativos no exame de casos de assistênciasocial à criança, com crianças que ficaram"presas" em instituições e atrasos na coloca-ção de crianças em famílias substitutas.

No entanto, há muito que pode ser feito pormeio de organizações e recursos comunitári-os. Essas organizações incluem grupos reli-giosos, associações de vizinhança, grupos demulheres e comitês de anciãos ou outros lí-deres comunitários de aldeias. Embora algu-mas dessas organizações possam ser forma-das ou assumir essas responsabilidades espon-taneamente ou como reação a eventos espe-cíficos, a capacitação de comunidades e pa-raprofissionais locais é crucial.

Em resposta ao número crescente de casos depequenas infrações praticadas por adolescen-tes que eram submetidos ao sistema jurídicoformal, os conselhos locais de Uganda recebe-ram treinamento para reforçar o seu papel naproteção de crianças e adolescentes em confli-to com a lei. As iniciativas específicas de capa-citação e apoio aos comitês dos conselhos lo-cais incluem o treinamento sobre os papéis de-sempenhados e a jurisdição no tratamento de

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casos que envolvam crianças, o treinamento emprocedimentos de redirecionamento e a capaci-tação em direitos da criança, crescimento e de-senvolvimento, reabilitação e reintegração. Osconselhos locais tratam dos casos que envol-vam crianças, mas também encaminham algunscasos à polícia e a entidades de assistência so-cial de pessoas em liberdade condicional. Osconselhos locais adotam formas alternativas depunição, como a compensação, o pedido dedesculpas e a restituição, e têm organizado cam-panhas de conscientização para mostrar o valordas penas alternativas não-custodiais às comu-nidades próximas. Esse projeto ajudou a redi-recionar casos envolvendo crianças para forado sistema formal de justiça.185

No Malauí, os Comitês Comunitários de Pre-venção ao Crime estão combinando a lei vigen-te aos modos tradicionais de lidar com ques-tões que envolvam crianças. Os comitês têmcomo objetivo redirecionar crianças em confli-to com a lei para fora do sistema judiciário pormeio do aconselhamento à família e à criança edo apoio à reintegração da criança. Para apoiaro trabalho dos comitês, o UNICEF tambémapóia o trabalho de conscientização voltado parao aumento da percepção dos pais, professores eespecialmente dos líderes tradicionais sobre aspossibilidades de prevenção do crime e redire-cionamento. O UNICEF em Malaui relata que,atualmente, a maioria das pequenas infrações étratada dentro da comunidade, sem o envolvi-mento da polícia ou do judiciário, e que tanto onúmero de casos julgados em tribunais quantoos níveis de reincidência diminuíram.186

RECOMENDAÇÕES

Todos os Estados têm a obrigação de protegertodas as crianças contra todas as formas de vi-olência, não importando para onde tenham sidoencaminhadas ou quem é responsável pela as-sistência. Para impedir e combater eficazmentea violência contra a criança nos sistemas as-sistenciais e correcionais, é necessário adotaruma série de medidas e engajar diversas orga-nizações e grupos. É essencial formular pla-nos de ação, orçá-los e debatê-los exaustiva-mente para que a sociedade adote esses obje-tivos como seus. Nesse processo, as vozes dascrianças e das suas famílias devem ser ouvi-das e levadas em consideração.

Para todos os ambientesassistenciais e correcionais

1. Todas as formas de violência nos siste-mas assistenciais e correcionais devemser proibidas. Os governos devem garan-tir que as leis setoriais aplicáveis aos siste-mas assistenciais e correcionais reflitam aproibição legal de todas as formas de vio-lência em âmbito nacional. Essa proibiçãolegal deve ser acompanhada de diretrizesdetalhadas para todos os envolvidos.

2. A institucionalização deve ser o últimorecurso e alternativas devem ser priori-zadas. Cabe aos governos garantir que ainternação em ambiente institucional sejaevitada sempre que possível e oferecer umaampla gama de alternativas aos sistemasassistenciais e correcionais.

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3. Contratações e treinamento de qualida-de devem ser garantidos. Os governos de-vem estabelecer políticas de recrutamento,treinamento e contratação, bem como códi-gos de conduta calcados nos direitos da cri-ança, para garantir que todos aqueles que tra-balham nos sistemas assistenciais e correci-onais estejam qualificados e aptos para tra-balhar com crianças e jovens, que sua situa-ção profissional seja reconhecida e que seussalários sejam adequados. A quantidade defuncionários contratados deve proporcionarníveis adequados de supervisão e controle.

4. A polícia, órgãos de encaminhamento,advogados, juízes, gerentes das institui-ções e funcionários devem ser conscien-tizados. Os governos devem garantir quetodos aqueles que entram em contato comcrianças durante o seu processo de assimi-lação nos sistemas assistenciais e correci-onais conheçam os direitos da criança. Issoé igualmente aplicável às próprias crian-ças e aos seus pais.

5. O sistema judiciário deve ser sensível àsnecessidades da criança e de sua família.Cabe aos governos evitar que crianças víti-mas, inclusive as que presenciaram violên-cia na família, não sejam novamente viti-mizadas durante o processo judicial nemsujeitas a interrogatórios ou outros proces-sos legais prolongados e exaustivos. Deacordo com as Diretrizes sobre Justiça paraCrianças Vítimas e Testemunhas de Crimes(Resolução no 2005/20 do ECOSOC), to-das as investigações, procedimentos polici-

ais, ações penais e processos jurídicos de-vem levar em conta as necessidades da cri-ança no que concerne à idade, gênero, defi-ciência e nível de maturidade, respeitandototalmente a sua integridade física, mentale moral. Se for do interesse superior da cri-ança, ela deverá ser acompanhada por umadulto de confiança durante todo o seu en-volvimento no processo judicial. Além dis-so, a privacidade da criança deverá ser pro-tegida, sua identidade e confidencialidaderespeitadas e ela não poderá ser submetidaa um excesso de entrevistas, declarações, au-diências e contatos desnecessários com oprocesso judicial.

O uso de gravação em vídeo deverá ser con-siderado, bem como outros auxílios teste-munhais, como o uso de telas de separaçãoou de circuito fechado de televisão. Os con-tatos desnecessários com o suposto perpe-trador ou o seu advogado de defesa deve-rão ser eliminados. Também deverá sergarantido à criança um julgamento rápido,a não ser que a demora seja do interessesuperior da criança.

6. Os governos devem garantir que as autori-dades reavaliem regularmente as razõespara a internação de uma criança, seja eminstituição residencial ou em casa de inter-nação, e determinem se é necessário quecontinue institucionalizada. A criança (eseus pais, se for o caso) deverá ser envol-vida em todos os estágios da avaliação re-alizada para determinar as opções adequa-das de assistência.

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7. Implantar mecanismos eficazes de quei-xa, investigação e aplicação da lei. Os go-vernos devem proporcionar à criança opor-tunidades simples, acessíveis e seguras deapontar problemas e queixar-se da formacomo é tratada, sem risco de represálias ecom acesso aos tribunais quando necessá-rio. Todas as denúncias de violência deve-rão ser submetidas a uma investigação ime-diata e detalhada e os informantes deverãoser protegidos contra represálias.

8. Sanções eficazes devem ser aplicadas aagressores. Os governos devem adotar eaplicar procedimentos e sanções criminais,civis, administrativas e profissionais ade-quadas e contínuas contra os perpetrado-res da violência contra a criança, bem comocontra os responsáveis pelas instituições emque essa violência é praticada.

9. Um monitoramento e um acesso efetivosdevem ser garantidos. Os governos devemsubmeter as instituições a inspeções regula-res por órgãos independentes, adequadamenteempoderados para tanto, com autoridade paraentrar no local sem aviso, entrevistar a crian-ça e os funcionários com privacidade e in-vestigar qualquer suposta violência. O aces-so de ONGs, advogados, juízes, ouvidores,instituições nacionais de direitos humanos,parlamentares, representantes da mídia e ou-tros interessados deverá ser franqueado con-forme seja apropriado, respeitados os direi-tos da criança à privacidade.

10. Registro e coleta de dados. Os governosdevem garantir que todas as internações e

movimentações de crianças de uma insti-tuição para outra, incluindo casas de inter-nação, sejam registradas e relatadas de for-ma centralizada. Os dados sobre criançasdetidas e em atendimento residencial de-vem ser coletados e publicados sistemati-camente. No mínimo, esses dados devem serdesmembrados por gênero, idade, deficiên-cia e razões para a internação. Todos os in-cidentes envolvendo violência devem ser re-gistrados e notificados de forma centraliza-da. Informações adicionais sobre a violên-cia contra a criança devem ser obtidas ementrevistas confidenciais finais com todasas crianças que deixem dessas instituições,para que sejam medidos os avanços no com-bate à violência contra a criança.

Para os sistemas de atendimento eassistência social

11. A capacidade dos pais de cuidar dos seusfilhos deve ser apoiada. Os governos de-vem cumprir suas obrigações no tocante àredução dos índices de abandono e de ins-titucionalização, garantindo o acesso dospais ao apoio adequado, o que inclui servi-ços e programas de renda mínima. Deve-se oferecer apoio prioritário às famílias decrianças portadoras de deficiência e outrascrianças que correm risco de abandono oude institucionalização.

12. A aplicação de alternativas à institucio-nalização deve ser garantida a todas ascrianças necessitadas de assistência. Issoinclui todas as crianças que precisam deassistência, particularmente crianças órfãs,

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portadoras de deficiência e membros deminorias ou grupos marginalizados. Cabeao governo garantir que as alternativas deassistência no ambiente familiar sejam fa-vorecidas em todos os casos e sejam a úni-ca opção para bebês e crianças pequenas.

Para os sistemas de justiça

13. Os índices de internação devem ser re-duzidos. Os governos devem garantir quea internação seja empregada somente paraadolescentes infratores avaliados como umperigo real para outras pessoas, e, mesmoassim, somente como último recurso, pelomenor período de tempo possível e apósaudiência judicial. Mais recursos deverãoser investidos em programas alternativosde reabilitação e de reintegração basedosna família ou na comunidade.

14. Reforma jurídica. Cabe aos governosproibir a aplicação de qualquer tipo de penaviolenta para infraões praticadas por ado-lescentes, como a pena de morte e todas as

penas indeterminadas e desproporcionais,inclusive a prisão perpétua sem liberdadecondicional e os castigos corporais. As in-frações de status (como o absenteísmo es-colar), os comportamentos de sobrevivên-cia (como a mendicância, a prostituição, acoleta de comida e bens no lixo, a ociosi-dade e a vadiagem), a vitimização ligadaao tráfico ou à exploração criminal e o com-portamento anti-social ou incontroláveldevem ser descriminalizados.

15. Sistemas de justiça da infância e da ju-ventude voltados para a criança devemser estabelecidos. Os governos devem im-plantar sistemas de justiça da infância e dajuventude que sejam abrangentes, voltadospara os interesses da criança e tenham a re-abilitação e a reintegração social como seusprincipais objetivos. Esses sistemas devemaderir aos padrões internacionais, assegu-rando os direitos da criança ao devido pro-cesso da lei, à assistência de um advogado,ao contato com sua família e à solução doscasos com a maior rapidez possível.

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REFERÊNCIAS

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Page 248: Relatorio Mundial Sobre a Violência Contra a Criança
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A VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇANOS LOCAIS DE TRABALHO

Introdução 251Instrumentos de direitos humanos 252Histórico e contexto 256O surgimento do trabalho infantil como preocupação das políticas públicas 256A campanha contemporânea contra o trabalho infantil 257

Conflitos, HIV/AIDS e a globalização econômica 258A importância de uma perspectiva centrada na criança 259

Natureza e alcance do problema 259A base de conhecimentos existente 260

Tipos de violência no local de trabalho 260Estatísticas de trabalho infantil 261

Crianças em locais de trabalho arriscados 262Crianças empregadas domésticas 262A violência de todos os tipos é comum 263Isolamento e sofrimento psicológico 263Crianças exploradas pela indústria do sexo 264Trabalho forçado e servidão por dívida 266Servidão por dívida 266Grupos indígenas 267Formas tradicionais de escravidão 267Atividades ilícitas 268Crianças envolvidas na venda de drogas 269

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250

Fatores que contribuem para a violência 270Características dos trabalhadores e dos perpetradores 270Características do local de trabalho 271Fatores ambientais 272

Respostas à violência contra a criança no local de trabalho 272As leis e sua implementação 274

Aplicação das leis trabalhistas 275Apoio da sociedade civil para a aplicação da lei 276

Educação universal e habilidades de vida 278A participação das crianças 280Advocacy 281Intervenções dirigidas: Contato, resgate e reabilitação 282

Contato 284Operações de resgate 284Reabilitação 285

Coleta aperfeiçoada de dados 286Pesquisa-ação e monitoramento 286

Ganhando ímpeto para a realização de mudanças 287Um longo caminho a trilhar 288

Recomendações 289Referências 292

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INTRODUÇÃO

De todos os locais em que as crianças estão ex-postas à violência, o local de trabalho está entreos mais difíceis de tratar. De acordo com instru-mentos internacionais e a maioria das leis nacio-nais, crianças abaixo de uma certa idade (nor-malmente 15 anos, mas em alguns casos menos,ver a Tabela 6.1) não deveriam sequer estar emum local de trabalho, muito menos em locais detrabalho onde possam estar sujeitas à violência.Ainda assim, mais de 200 milhões de crianças eadolescentes trabalham, com idades abaixo eacima da idade mínima permitida por lei,1 emuitas sofrem maus-tratos, violência física e psi-cológica, abuso verbal ou sexual.

A violência é um aspecto negligenciado nos deba-tes sobre o trabalho infantil. Existem poucos dadosdisponíveis sobre o assunto, especialmente sobretrabalhadores infantis na economia informal, ondea maioria se encontra. Embora existam poucos es-tudos específicos sobre o tema, um conjunto cadavez maior de informações oriundas das organiza-ções e das próprias crianças apresenta um retratoconvincente de um problema global agudo. A vio-lência contra a criança trabalhadora somente semanteve "invisível" porque raramente se formula apergunta direta: por exemplo, os participantes daconsulta para o Estudo no Sul da Ásia notaram queexiste coleta sistemática de dados sobre a violên-cia contra as mulheres e outros trabalhadores,porém os trabalhadores infantis são ignorados.Os participantes também comentaram que valo-res e percepções têm servido para minimizar emesmo enfraquecer a questão da violência contraa criança no local de trabalho - um comentárioque se aplica igualmente a outros lugares.

A abordagem da violência também tem esta-do praticamente ausente dos esforços explí-citos realizados para eliminar o trabalho in-fantil ou para reduzir seus aspectos prejudi-ciais e negativos para os jovens que traba-lham dentro da legalidade. Isso é surpreen-dente, uma vez que a imagem do trabalho in-fantil deriva das brutalidades sofridas pelascrianças nas fábricas e minas no século XIX.2

A violência, manifesta ou implícita, era parteintegrante da visão do abuso de crianças nolocal de trabalho, essência das primeiras cam-panhas contra o trabalho infantil. Seus efei-tos sobre o crescimento físico e o bem-estarestavam entre os argumentos mais poderosospara a sua eliminação.

A resposta mais óbvia à violência contra a cri-ança no local de trabalho é tirá-la de lá. Noentanto, é importante reconhecer que, paramuitas crianças, essa não é uma opção fácil.Os programas de remoção de crianças de lo-cais de trabalho violentos precisam garantirque as razões pelas quais elas estão lá - econô-micas, sociais ou culturais - sejam tratadas aomesmo tempo, ou as crianças simplesmentevoltarão a trabalhar nesse locais. Se não seenvolverem com as crianças trabalhadoras eas suas famílias para buscar uma mudança deatitudes, expectativas e perspectivas, é poucoprovável que esses programas removam as cri-anças permanentemente de uma vida de ex-ploração pelo trabalho. 3,4,5,6

É igualmente importante não violar ainda maiso bem-estar da criança que trabalha, penali-zando-a ou criminalizando-a por circunstân-cias que estão além do seu controle (ver tam-

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bém os capítulos sobre violência contra a cri-ança na comunidade e em instituições assis-tenciais e correcionais).7 A redução da violên-cia contra a criança no local de trabalho não éobtida pela aplicação da violência oficial so-bre a criança, o que aprofunda o estigma queela já sofre. Durante as Consultas para o Estu-do, os próprias crianças trabalhadoras fizerama sua contribuição em prol do conhecimentoda violência sofrida por eles. Eles relatam per-da da auto-estima por serem diminuidos nolocal de trabalho, mas sentem-se igualmentediminuidos quando o seu trabalho é tratadocomo algo nocivo que deve ser abolido, igno-

rando suas sinceras tentativas de contribuirpara a sobrevivência da família.8

Apesar de 150 anos de experiência de com-bate ao trabalho infantil explorador e abusi-vo e dos avanços significativos obtidos nosúltimos anos na busca de meios para remo-ver as crianças das piores formas de trabalhoinfantil, a experiência de reagir especifica-mente à violência na vida das crianças traba-lhadoras é limitada. Este capítulo aborda asinformações e os programas existentes, natentativa de abrir uma nova janela para o fe-nômeno da criança que trabalha.

INSTRUMENTOS DE DIREITOS HUMANOS

Os padrões que regulam o trabalho infantil foram os primeiros instrumentos internacionais so-bre a proteção da criança a entrar em funcionamento. Uma Convenção sobre a Idade Mínima(Indústria) foi adotada pela primeira vez em 1919, pela recém-formada Organização Internaci-onal do Trabalho (OIT), numa época em que o emprego de crianças era considerado uma ques-tão social importante na Europa e na América do Norte.9 O envolvimento da criança em ambien-tes de trabalhos abusivos, forçados ou violentos também foi reconhecido e tratado pelas Con-venções do Trabalho Forçado no 29 (1930) e no 105 (1957) e pela Convenção Suplementarsobre a Escravidão de 1956, que proíbe qualquer prática em que uma criança seja dada ouvendida a alguém pelos seus pais para fins de trabalho ou exploração (artigo 1.d).

Durante a era imediatamente pós-colonial, as questões sobre o bem-estar da criança que maispreocupavam as organizações internacionais e os governos recém-independentes eram a saúdepública e a educação. Em 1973, a OIT adotou a Convenção sobre a Idade Mínima no 138 (1973),que recolocou o trabalho de crianças na agenda internacional. Essa Convenção abordou, comalguma flexibilidade de acordo com os vários estágios de desenvolvimento dos países, a questãoda idade mínima para o emprego de crianças e jovens em diferentes tipos de trabalho.

Durante os anos 80, a proteção de "crianças em circunstâncias especialmente difíceis", incluindoaquelas que sofriam exploração, ganhou evidência devido à ênfase que as ONGs colocaram nessas

"Como parte do programa do governo para eliminar o trabalho infantil, são realizadas buscas no nosso local de trabalho eas crianças trabalhadoras são arrebanhados como vira-latas. Somos arrancados do trabalho, levados embora contra a

nossa vontade e confinados ilegalmente. A experiência da busca em si é muito traumatizante para nós."

Criança, Sul da Ásia, 2005 I

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Fonte: OIT/IPEC (2004). Tendências Globais do Trabalho Infantil 2000-2004. Genebra, Programa Internacional paraa Eliminação do Trabalho Infantil, Organização Internacional do Trabalho.

questões e do ímpeto que emprestaram à articulação da Convenção das Nações Unidas sobre osDireitos da Criança (CDC) de 1989. Embora subseqüentemente a Convenção tenha adotado aagenda da sobrevivência e desenvolvimento - ou saúde pública - da criança, a força motriz foi aproteção da criança.10 Assim, a visão dos direitos da criança estabelecida na CDC incorporou porcompleto a necessidade de proteger a criança contra todo tipo de trabalho explorador.

O trabalho explorador e a Convenção sobre os Direitos da Criança

Um artigo específico da CDC é devotado ao trabalho (artigo 32). Ele reconhece à criança "odireito de ser protegida contra a exploração econômica ou a sujeição a trabalhos perigosos oucapazes de comprometer a sua educação, prejudicar a sua saúde ou o seu desenvolvimentofísico, mental, espiritual, moral ou social". O artigo também declara que cabe aos Estados "fixaruma idade mínima ou idades mínimas para a admissão a um emprego" e outros aspectos impor-tantes de um regime regulatório. Outros artigos relacionados à exploração do trabalho infantilsão o artigo 34 (proteção contra a exploração sexual), o artigo 35 (proteção contra o tráfico) e oartigo 36 (proteção contra todas as outras formas de exploração).

TABELA 6.1 - Idade mínima de acordo com a Convenção no 138 da OIT

ONDE A ECONOMIA E OSRECURSOS EDUCACIONAIS NÃO

ESTÃO SUFICIENTEMENTEDESENVOLVIDOS

EM GERALCATEGORIA DE

TRABALHO

Não menos que a idade detérmino da educação

compulsória e, em qualquercaso, não menos que 15 anos

Salário mínimo geral Não menos que 14 anos por umperíodo inicial

Trabalho leve 13 anos 12 anos

Trabalho perigoso 18 anos (16 anos sob certascondições rigorosas)

18 anos (16 anos sob certascondições rigorosas)

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INSTRUMENTOS DE DIREITOS HUMANOS

No entanto, a noção de proteção da criança contida na CDC vai muito além da não-exploração.Em sua estrutura holística voltada para a formação, o bem-estar e o desenvolvimento da criança,a CDC abrange uma série de direitos potencialmente ameaçados nos casos em que as criançastrabalham. Isso inclui o artigo 2 (proteção contra a discriminação), o artigo 3 (consideraçãoprimordial pelos "interesses superiores da criança") e o artigo 8 , sobre o direito à identidade(pode ocorrer das crianças trabalhadoras serem proibidas de usar o seu próprio nome). Há tam-bém os direitos de acesso à saúde (artigo 24), educação (artigo 28) e recreação (artigo 29), dosquais a criança que trabalha freqüentemente é privada.

Alguns artigos da CDC aplicam-se a aspectos específicos da situação de trabalho, particularmentequando a criança trabalha fora de casa e está sob o controle de outro adulto que não seus pais.Encontram-se aí incluídos o artigo 19 (proteção contra todas as formas de violência física oumental, dano ou abuso, abandono ou tratamento negligente), artigo 27 (direito a um nível de vidaadequado) e artigo 37 (proteção contra a tortura, tratamento cruel ou degradante e privação arbi-trária da liberdade). Por fim, os direitos relacionados à participação cívica aplicam-se às criançasque trabalham tanto quanto às demais: artigo 12 (direito de ser consultada), artigo 13 (direito debuscar e transmitir informações e idéias) e artigo 15 (direito à liberdade de associação).

Desenvolvimentos após a CDC

Em 1992, a crescente preocupação com a má situação das crianças trabalhadoras levou a OIT alançar o Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC). O fim do traba-lho infantil começou a ser reconhecido também como um padrão fundamental para o trabalho,inclusive na Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social em Copenhague (1995) e na Con-ferência Ministerial da OMC em Cingapura (1996). Foram realizadas reuniões internacionaissobre a exploração sexual da criança e o trabalho infantil em Estocolmo (1996), Amsterdã (1997),Oslo (1997) e Yokohama (2001).

Em 1999 a OIT adotou a Convenção no 182 sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil, tendocomo alvo as condições de maior perigo e exploração a que as crianças são submetidas.

O objetivo da nova Convenção era fortalecer a estrutura jurídica internacional para a adoção deações efetivas, expandindo o foco um pouco além da idade mínima para admissão ao emprego.Com a sua aprovação, o perfil internacional das atividades voltadas para a questão do trabalhoinfantil atingiu níveis sem precedentes. O conceito de "piores formas" ajudou a estabelecer

"A ação preventiva contra a violência no local de trabalho que afete a criança é essencial. Comece mantendo as criançasabaixo da idade permitida fora dessas situações ou tirando-as delas e permitindo que permaneçam na escola. E deve

haver tolerância zero com respeito à violência contra a criança onde quer que ela trabalhe."

Frans Roselaers, Conselho Editorial do Estudo do Secretário-Geral da ONU sobre a Violência contra a Criança

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prioridades globais, conduzindo a atenção para os efeitos do trabalho sobre as crianças e para ostipos de trabalho que elas realizam. Uma "pior forma" não é definida internacionalmente combase na ocupação, mas pelos países participantes com base nos seus próprios contextos. Noentanto, algumas "piores formas incondicionais" são identificadas e banidas universalmente.

Tomadas conjuntamente, as Convenções 138 e 182 definiram limites para os tipos de trabalhoque são considerados inaceitáveis pelos padrões internacionais. Esses padrões expressam o con-senso de que o trabalho que está dentro dos limites da lei, não interfere com a saúde e o desen-volvimento da criança e nem prejudica seu desempenho escolar pode ser uma experiência posi-tiva. O trabalho infantil proscrito pelas leis internacionais está dividido em três categorias:11

As piores formas incondicionais de trabalho infantil, definidas internacionalmente comoescravidão, tráfico, servidão por dívida e outras formas de trabalho forçado, recrutamen-to forçado de crianças para emprego em conflitos armados, prostituição e pornografia,além de atividades ilícitas.

Trabalho que coloque em risco o bem-estar físico, mental ou moral de uma criança, sejadevido à sua própria natureza ou às condições em que o trabalho é realizado, conhecidocomo "trabalho perigoso", devendo ser definido em âmbito nacional e proibido a todas ascrianças abaixo de 18 anos de idade. O trabalho perigoso é definido como aquele "queexpõe a criança a abusos físicos, psicológicos ou sexuais".

Trabalho realizado por uma criança cuja idade é inferior à especificada para esse tipo detrabalho e que, portanto, tende a impedir a educação e o pleno desenvolvimento da crian-ça. A idade mínima para o trabalho não deve ser inferior à idade de conclusão do ensinofundamental compulsório, que geralmente é no mínimo de 15 anos. No entanto, o traba-lho leve que não seja prejudicial à criança e não impeça a sua educação formal pode serpermitido a partir dos 13 anos, mas somente por um número limitado de horas.

A adoção da Convenção no 182 produziu um consenso entre órgãos internacionais e ONGsquanto às prioridades para o fim do trabalho infantil, começando pelas piores formas. A preocu-pação internacional adicional com a exploração sexual da criança gerou outros dois desenvolvi-mentos jurídicos internacionais: o Protocolo de Palermo sobre o tráfico de pessoas, especial-mente mulheres e crianças (2000), e um protocolo opcional complementar à CDC sobre a vendade crianças, a prostituição infantil e a pornografia infantil (2000). Esses protocolos são direta-mente relevantes para a probabilidade de violência contra a criança em atividades econômicassobre as quais há unanimidade internacional quanto ao não-emprego de crianças.

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HISTÓRICO E CONTEXTO

As crianças sempre trabalharam. Muitas formasde trabalho infantil são um componente naturaldo processo de crescimento. Tradicionalmente, acriança assumia responsabilidades de trabalhodoméstico - carregar água, tomar conta dos irmãos,pastorear as cabras, ajudar os pais com o tear ou ofuso - assim que tivesse idade suficiente para isso.Essas atividades fundiam-se com o "trabalho" nosentido econômico à medida que a criança ficavamais velha. No mundo atual, muitas crianças ain-da trabalham em atividades familiares e integrama economia informal. Parte desse trabalho acar-reta risco de violência. O risco pode estar pre-sente quando a criança leva os animais para pas-tar longe de casa e fica exposta a saqueadores,ou pode estar associado à migração sazonal parao trabalho agrícola, quando as crianças acompa-nham suas famílias e trabalham em locais ondeas condições são extremamente difíceis. Podetambém envolver a saída de casa para viver umavida precária e insegura na cidade.

Em alguns lugares e em certas classes sociais,castas ou grupos étnicos, os pais dão mais valorao emprego da criança em atividades econômi-cas do que à sua escolaridade.12 Essa atitude éparticularmente provável em locais onde a qua-lidade e a relevância da educação disponível sãobaixas. Em ambientes de alta hierarquização so-cial, pode ser normal que uma criança em condi-ções sociais desfavoráveis seja empregada des-de a mais tenra idade na casa de uma famíliamais abastada. Nessas sociedades, as criançasocupam o último lugar na ordem de prioridades.Elas são vistas como propriedade da família oudo empregador e fazem o que são mandadas.13

O SURGIMENTO DO TRABALHOINFANTIL COMO PREOCUPAÇÃODAS POLÍTICAS PÚBLICAS

A questão do trabalho infantil teve uma gênesemuito especial como preocupação das políticaspúblicas. Até a revolução industrial do século XIX,o trabalho era visto como uma sina das criançaspobres desde a mais tenra idade. Como aconteceaté hoje em boa parte dos países em desenvolvi-mento, as crianças contribuíam com o seu traba-lho para a economia familiar. O trabalho infantiltornou-se um problema público quando grandesnúmeros de crianças deixaram o ambiente relati-vamente protegido da família ou da oficina dafamília e passaram a estar expostas a condiçõesperigosas nas fábricas e nas minas.

Embora os historiadores proponham interpre-tações conflitantes para o declínio do traba-lho infantil no processo de industrializaçãodos séculos XIX e XX, um fator importante

PERU, 1996, Um menino e uma menina carregam pedras-pomes em uma mina vulcânica subterrânea próxima àcidade de Arequipa, no sul do país.

"Somos todos da mesma aldeia no sul. Viemos para a cidade trabalhar e não vemos nossas famílias desde que saímosde casa. Pagamos aluguel e vivemos juntos, em grupo, para nos defendermos de ladrões."

Meninos engraxates, África Oriental e Meridional, 2003 II

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foi a mudança da ideologia com relação à in-fância.14 Na Europa do século XIX, o traba-lho infantil começou a ser visto como algoerrado porque violava a idéia de que as cri-anças tinham o direito à infância e o Estadodeveria proteger esse direito. Pela primeiravez afirmou-se publicamente que as criançastinham o direito de não trabalhar e de nãoserem expostas a perigos, exploração e abu-sos no "novo" local de trabalho (organizadoe industrializado).15

Como resposta ao que havia se tornado então onotório fenômeno do "trabalho infantil", os re-formadores sociais adotaram uma série de inter-venções que continuam a fazer parte do arsenalcontemporâneo: consultas públicas, legislaçãosobre a idade mínima para trabalhar, ensino obri-gatório, inspetorias do trabalho e oferta de ensi-no para as crianças trabalhadoras. A campanhamoderna teve que levar em conta um processomuito diferente de industrialização, além do fatode que a infância em muitas sociedades em de-senvolvimento é construída de maneira diferen-te da que ocorre nos países ocidentalizados, comexpectativas contínuas de que as crianças aju-dem a arcar com as necessidades e responsabili-dades da família desde cedo.16

A CAMPANHA CONTEMPORÂNEACONTRA O TRABALHO INFANTIL

O ímpeto contemporâneo contra o trabalho in-fantil tem sido acompanhado de tentativas in-ternacionais, acadêmicas e de ONGs de aumen-tar os conhecimentos sobre a sua dinâmica e osseus remédios - embora a violência tenha sidonegligenciada como uma questão específica. As

informações geradas permitem desenhar umquadro das ocupações e locais de trabalho ondea ocorrência da violência pode ser consideradamais provável.

Estimativas globais indicam que a grande mai-oria dos trabalhos infantis (69%) está localiza-da no setor agrícola, seguida de 22% no setorde serviços e 9% na indústria (Figura 6.1).17

Muitos trabalhadores infantis atuam no ambi-ente familiar, e a economia informal abriga amaioria dos trabalhadores infantis em todos ossetores. O gênero tem um papel significativona determinação dos vários tipos de trabalhofeitos por meninos e meninas. Por exemplo, asmeninas predominam no trabalho doméstico,enquanto os meninos são representados emgrande quantidade nas minas e pedreiras.

Embora a análise dos fatores causativos indi-que algumas forças motrizes culturais, a razãopredominante para as crianças trabalharem é a"pobreza". Essa pobreza pode ter sido exacer-bada por alguma tragédia familiar, como a per-da dos pais, ou outro choque econômico. Ascrianças abaixo da idade mínima permitida paratrabalhar freqüentemente afirmam que traba-lham devido à sua pobreza ou à da sua família;e as crianças, de fato, trabalham mais nas soci-edades mais pobres.18 Mandar os filhos para otrabalho em vez da escola pode ser encaradocomo um "pacto faustiano" que os pais pobresfazem para obter ganhos econômicos imedia-tos.19 As chances de que as crianças tenham umfuturo na vida, que dependem da educação es-colar, importam menos do que a sobrevivênciaimediata da família.

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Se uma criança sai às ruas para ganhar a vidadevido à necessidade aguda da família, a ansi-edade acerca da sua segurança pessoal torna-se secundária. Por definição, os direitos dascrianças não têm valia nos ambientes em quese recorre ao trabalho de crianças. Assim, aproteção contra a violência física, psicológicaou sexual (e outros tipos de danos) é muitasvezes ignorada. Como o foco principal dascampanhas e programas contra o trabalho in-fantil tem sido o de remover as crianças des-ses locais de trabalho por motivos relaciona-dos ao seu desenvolvimento, a abordagem daviolência nesses lugares não foi até agora gran-de motivo de preocupação, exceto nos casosde exploração sexual e outras formas de tra-balho em que a ocupação em si é abusiva. Noentanto, nem sempre essa é a principal fontede violência no local de trabalho.

Conflitos, HIV/AIDS eglobalização econômica

Muitos desafios surgidos nos últimos anos in-tensificaram o problema do trabalho infantil edos riscos no local de trabalho. Na África Sub-saariana, em países pós-conflito como a Repú-blica Democrática do Congo, Libéria, Ruandae Sierra Leoa, o aumento da presença de crian-ças nas ruas e em espaços abertos, trabalhandoem troca de comida, é o resultado da devasta-ção econômica (ver o capítulo sobre violênciacontra a criança na comunidade).20

Outra fonte de ruína econômica na família é aepidemia de HIV/AIDS. Na África Oriental eMeridional, a perda dos pais para a AIDS obri-gou muitas crianças a entrarem na economia

informal para sobreviver. Na Etiópia, na Repú-blica Unida da Tanzânia e na Zâmbia, a OIT/IPEC encontrou uma forte correlação entre aepidemia e o emprego de órfãos em ocupaçõesassociadas à violência, como o trabalho domés-tico, o trabalho em pedreiras e a prostituição.21

Na Zâmbia, 47% das crianças (média de idadede 15 anos) que faziam sexo por dinheiro ti-nham perdido tanto o pai quanto a mãe e 24%tinha perdido um dos pais.22

Embora os efeitos específicos da globalizaçãosobre a criança sejam pouco pesquisados, exis-tem fortes indícios, com base em relatos con-cretos, de que esses efeitos sejam generaliza-dos e predominantemente negativos. A crescenteinformalidade da mão-de-obra na maioria dasregiões do mundo levou a uma presença cres-cente de trabalhadores não-especializados, es-pecialmente mulheres jovens, em atividadesprecárias, vulneráveis e mal-remuneradas.23 Asorganizações envolvidas com crianças que tra-

"Os ustads (mestres) de Bihar punem demais. Meu segundo ustad uma vez me pendurou pelas mãos e me bateu com tantaforça que a vara quebrou. Depois disso ele continuou a me bater com a lançadeira do tear. Eu fui embora e trabalhei com

um terceiro ustad. Esse me insultava e não me pagava em dia."

Menino empregado na indústria de saris, 15 anos, Sul da Ásia, 2001 III

Figura 6.1

Distribuição de crianças trabalhadoraspor setor em 2004

Fonte: OIT (2006). O fim do trabalho infantil: um objetivoao nosso alcance. Relatório Global.Genebra, Organização Internacional do Trabalho.

Agricultura (69%)Serviços (22%)

Indústria(9%)

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balham nas ruas informam que os números es-tão aumentando, embora existam poucas esta-tísticas confiáveis.24

As crises econômicas, como as enfrentadas pelaComunidade dos Estados Independentes (CEI)na transição para a economia de mercado, estãoforçando muitas crianças a trabalhar nas ruas e ase submeterem à exploração sexual como meiode sobrevivência, além de incentivar a crescenteindústria do tráfico, que muitas vezes brutalizasuas vítimas. Esse quadro se repete em váriasregiões, notadamente no Extremo Oriente, no Sulda Ásia e na Europa. No entanto, é difícil encon-trar dados específicos sobre a violência.

A importância de uma perspectivacentrada na criança

Desde a adoção da CDC, a importância de umaperspectiva do fenômeno do trabalho infantil queseja baseada em direitos e centrada na criançapassou a ser amplamente reconhecida e suasimplicações tornaram-se melhor compreendidas.A opinião das crianças tem sido buscada de ma-neira mais ativa e sistemática como insumo nosprojetos para a eliminação do trabalho infantil.Além de respeitar o direito da criança à partici-pação, isso também tem um propósito prático,pois os programas que respeitam as opiniõesdascrianças trabalhadoras e reconhecem suasescolhas de vida têm maior probabilidade de atin-gir seus objetivos do que aqueles que vêem ascrianças e suas famílias como recipientes passi-vos das suas intervenções.25 A maior familiari-dade com o ambiente de trabalho da criança abriuuma janela para a brutalidade e a insensibilidadeque muitos jovens trabalhadores enfrentam.

Como conseqüência da sua experiência de vida,as crianças trabalhadoras freqüentemente têmuma forte noção do que querem e das suas capa-cidades, o que explica a existência de organiza-ções de crianças trabalhadoras na África, Ásia eAmérica Latina que realizam atividades de pro-gramação e de advocacy para cumprir suas pró-prias agendas, que incluem o abandono do tra-balho explorador e violento. Outros programaspara eliminar o trabalho infantil ajudaram a de-senvolver grupos dos quais participam as pró-prias crianças trabalhadoras e que apóiam os seusesforços para abandonar o trabalho e obter edu-cação. A opinião das crianças trabalhadoras so-bre o trabalho prejudicial tende a coincidir coma opinião dos adultos e outras manifestadas emconvenções internacionais. Elas se opõem à ex-ploração da criança, ao trabalho que inibe a edu-cação, ao trabalho durante longas horas por bai-xos salários, ao trabalho forçado e ao trabalhoque põe em perigo a saúde ou a moral. Elas seopõem fortemente ao abuso físico, sexual e psi-cológico das crianças no local de trabalho.26

NATUREZA E EXTENSÃODO PROBLEMA

Muito do que se sabe sobre a violência em lo-cais de trabalho organizado vem de estudos re-alizados em países industrializados e entre tra-balhadores adultos, onde o fenômeno pareceestar crescendo. Havia uma tendência à con-centração na violência física. Só recentementea perspectiva analítica foi ampliada para incluira violência verbal, psicológica e sexual, o queinclui assédio sexual, bullying e mobbing (inti-midação de um trabalhador pelo grupo).27

"Eles roubam a infância das crianças quando as obrigam a trabalhar desde cedo, lutando nas ruas,sem nunca ter tempo para viver a própria vida. Quando deveriam estar na escola, elas têm que

ir trabalhar, não podem brincar e ficam traumatizadas pelos insultos e agressões quesofrem em todo lugar."

Meninos adolescentes, América Latina, 2005 IV

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A BASE DE CONHECIMENTOSEXISTENTE

Não existem estatísticas sobre a prevalência daviolência por faixa etária do trabalhador. Noslocais de trabalho regulamentados onde jovenstrabalhadores são contratados legalmente, vi-goram códigos e padrões de segurança, que,entretanto, podem não proteger esse jovens ade-quadamente. Estes, por sua vez, podem relutarem relatar as violências sofridas. Nos lugaresque empregam ilegalmente crianças abaixo daidade permitida, a probabilidade de que essesincidentes sejam denunciados é ainda menor.

As pesquisas sobre o trabalho infantil podemnão ser conduzidas de forma a trazer à tona arealidade da violência vivenciada por criançastrabalhadoras.28 No Camboja, em uma pesqui-sa sobre crianças trabalhadoras realizada em2002, somente 0,5% das crianças indicaram tersido expostas a abuso mental ou físico. Essainformação contrasta com declarações feitasdurante um workshop em 1997, em que as cri-anças relataram a ocorrência de violência ge-neralizada por parte dos empregadores, inclu-indo surras severas, abuso sexual e choques elé-tricos.29 Esse exemplo ilustra como é difícilobter informações exatas.

A base de conhecimentos é ainda mais deficien-te nos lugares onde as crianças são exploradasno setor informal, onde os riscos são muito mai-ores. ONGs e organizações de direitos humanostêm realizado pesquisas qualitativas com gruposrelativamente pequenos de crianças que atuamem ocupações "perigosas" ou propensas à ocor-rência de violência. Entretanto, os locais de tra-

balho das crianças são notoriamente difíceis deserem pesquisados. O governo indiano, que fezum raro esforço para identificar a violência e osabusos cometidos contra crianças no local de tra-balho, comenta que a maioria ocorre em locaisde trabalho informal, onde não existe regulamen-tação e faltam dados confiáveis.30

Tipos de violência no localde trabalho

As formas mais comuns de violência cometidacontra a criança no local de trabalho são:

Violência física, incluindo surras, chutes, ta-pas, chicotadas, queimaduras e em casos ex-tremos, até assassinato;

Violência psicológica (emocional), incluin-do gritos, repreensões, insultos, ameaças, lin-guagem obscena, bullying, mobbing, isola-mento, marginalização e tratamento sistema-ticamente discriminatório;

Violência sexual, incluindo assédio sexual,carícias e estupro.

O dano mais freqüente ao bem-estar das criançastrabalhadoras causado pela violência parece ser abaixa auto-estima resultante de abusos verbais,humilhações e bullying.31 As crianças freqüente-mente reclamam da falta de respeito com que sãotratadas. Em um estudo realizado em Bangladesh,84% das crianças trabalhadoras queixaram-se deinsultos e outras palavras ofensivas.32 A violên-cia experimentada pelas crianças freqüentemen-te é sistemática e faz parte de uma cultura coleti-va de brutalidade física, gritos, linguagem obs-cena e violência casual, inclusive provocaçõessexuais, no local de trabalho.

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Estatísticas do trabalho infantil

Novas estimativas globais publicadas pela OIT em2006 indicam que no ano de 2004, 218 milhõesde crianças estiveram envolvidas com o trabalhoinfantil. Dessas crianças, mais de 60% (126 mi-lhões) estavam empregadas em "trabalhos peri-gosos". Na faixa etária de 5 a 14 anos, 74 milhõesde crianças estavam trabalhando em condiçõesperigosas. Na faixa etária de 5 a 11 anos, meninose meninas tendem a estar representados igualmentetanto no trabalho infantil em geral como mais es-pecificamente no trabalho perigoso. Numa faixaetária mais alta, os meninos estão mais envolvi-dos que as meninas (Figura 6.2). As tendênciasgerais mostram uma redução do trabalho infantil,especialmente do trabalho perigoso.33

O trabalho perigoso constitui a maior parte daspiores formas de trabalho infantil e, segundoa Convenção no 182 da OIT, é vedado a qual-quer criança com menos de 18 anos de idade.O mesmo ocorre com as piores formas "incon-dicionais" de trabalho infantil, como a servi-dão por dívida, trabalho forçado, prostituiçãoinfantil ou alistamento em forças de combate.Estima-se que cerca de 8,4 milhões de crian-ças estejam empregadas nessas formas de tra-balho. Dessas, 1,2 milhão são vítimas do trá-fico de crianças; 5,7 milhões fazem trabalhoforçado ou caem na servidão por dívida;300.000 crianças estão envolvidas com forçasde combate; 1,8 milhão trabalham com prosti-tuição e pornografia; e 600.000 em atividadesilícitas, como o tráfico de drogas.34

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CRIANÇAS EM CERTOSAMBIENTES DE TRABALHODE ALTO RISCO

Entre os trabalhadores do setor informal, cer-tas ocupações requerem exame especial poroferecerem risco maior de exposição à violên-cia devido a fatores pessoais, relativos ao localde trabalho e/ou ambientais. As crianças cujasocupações transcorrem nas ruas ou em outroslocais "abertos" não serão examinadas especi-ficamente aqui, porque o principal risco a queestão sujeitas é menos ocupacional do que re-sultante do fato de estarem fora da segurançade um espaço protegido. (Ver o capítulo sobrea violência contra a criança na comunidade).

Crianças empregadas domésticas

A acolhida de crianças de outros domicílios paradesempenhar tarefas domésticas é vista há mui-to tempo, em muitas sociedades, como uma for-ma de asilo, adoção ou auxílio à criança da fa-mília menos afortunada. Na África Ocidental,existe uma tradição de migração das crianças dasáreas rurais para áreas urbanas, onde trabalhampara outros como parte da sua formação. Namaior parte da África Subsaariana, a troca decrianças entre casais da mesma família estendi-da costumava ser uma forma de apoio mútuo.

Hoje essas práticas se tornaram cada vez maiscomercializadas. Milhões de crianças vivem nascasas de outras pessoas, a distâncias cada vezmaiores da suas próprias casas, e realizam tra-balhos domésticos como "ajudantes" ou empre-gadas. Embora haja uma pequena proporção demeninos, o trabalho doméstico geralmente é

reservado às meninas e constitui a maior cate-goria de emprego para meninas com menos de16 anos de idade em todo o mundo.35 Recruta-dores e traficantes de várias regiões fornecemmeninas da zona rural, oriundas de grupos emcondições desfavoráveis, áreas desvalorizadase países vizinhos, para alimentar a demandaurbana por trabalhadores domésticos em vári-os países do mundo.36 Isso vem se tornando cadavez mais uma forma de emprego não-regula-mentado, exploração e até servidão. Esse cená-rio é confirmado por vários estudos recentes,que ressaltam a extrema vulnerabilidade dascrianças empregadas domésticas.37,38,39,40

A situação das crianças empregadas domésticasgeralmente é considerada segura por seus pais,uma vez que a criança tende a viver em acomo-dações melhores que as da sua casa, pode comermelhor e está sob os cuidados dos seus empre-gadores e familiares. No entanto, a natureza fe-chada do domicílio, o isolamento da criança e anatureza "invisível" desse tipo de trabalho colo-cam a criança sob risco considerável. As crian-ças empregadas domésticas estão à mercê dosempregadores e de outras pessoas da casa. A re-lação entre as crianças domésticas e as demaispessoas da casa freqüentemente é relatada comoboa a princípio, tornando-se depois intolerante eabusiva.41 Em lugares onde existe um estigmasocial firmemente estabelecido com relação àsclasses sociais mais baixas, uma patroa podecomportar-se com impunidade, sujeitando suaempregada ou empregado a demandas impos-síveis, formas extremas de castigos físicos e vi-olência grave. Ao mesmo tempo, as meninasempregadas podem ser assediadas sexualmentepelos homens da casa.42,43

"Se eu quebrasse alguma coisa ou fizesse algo mal feito, eles me batiam com sapato ou cinto. Eu não podia sair de casa,porque eles trancavam a porta quando saíam. Quando minha mãe veio me visitar pela última vez, eu disse a ela que não

ficaria mais naquela casa. Eu disse: 'Se eu não for com você, vou fugir ou me matar.'"

Menino, 14 anos, empregado doméstico, Norte da África, 2005 V

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A violência de todos ostipos é comum

A violência e o comportamento abusivo comrelação à criança que trabalha como domésticasão muito mais comuns do que se pensa. Essaforma de trabalho infantil chegou ao conheci-mento dos ativistas contra o trabalho infantilpela primeira vez há uma década, tendo sidoapontada em vários países como uma das "pio-res formas" de trabalho infantil estipuladas pelaConvenção no 182 da OIT.44 Isso inclui cargasextremas de trabalho (não é incomum que as cri-anças trabalhem 16 horas diariamente), surras,chicotadas, puxões de cabelo, queimaduras comágua ou ferro quente e negação de comida. Aviolência psicológica inclui gritos, xingamentos,insultos, ameaças e linguagem obscena. As me-ninas freqüentemente sofrem assédio sexual ealgumas vezes são estupradas; a gravidez tam-bém pode levar o empregador a expulsá-las dacasa.45 A falta de comida, de cuidados com feri-mentos ou de tratamento de doenças tambémpode acarretar conseqüências à saúde física.

Entrevistas com crianças empregadas domésti-cas confirmaram esses altos índices de violên-cia. Nas Filipinas e no Peru, quase todas asempregadas domésticas relataram ter sofridomaus-tratos envolvendo castigos físicos, discri-minação, humilhação e assédio sexual.46 EmFiji, oito em cada 10 trabalhadores domésticosrelataram abuso sexual por parte dos emprega-dores.47 Em uma pesquisa realizada em El Sal-vador, 66% das meninas que trabalham comserviços domésticos relataram ter sido abusa-das e confirmaram que o risco de investidassexuais por parte do patrão ou de visitantes es-

tava sempre presente.48 Em um estudo local naRepública Unida da Tanzânia, 43% das crian-ças trabalhadoras domésticas relataram surras,insultos, negação de comida, multas indeniza-tórias ou proibição de entrar na casa.49 No Ne-pal, onde as crianças freqüentemente começama trabalhar aos 8 ou 10 anos, as patroas que seirritam ou tornam-se abusivas com relação àmenina podem transferi-la arbitrariamente paraoutra família. Essas crianças perdem todo ocontato com suas próprias famílias.

Isolamento e sofrimento psicológico

Uma das experiências mais dolorosas para umacriança que trabalha como empregada domésti-ca é ser sistematicamente tratada como um serinferior: não ter amigos ou colegas do mesmonível social, não poder brincar sequer com osfilhos do patrão.50 As crianças domésticas fre-qüentemente recebem um rótulo depreciativo ousão impedidas de usar o próprio nome. No Haiti,o termo "restavèks" (agregados) passou a signi-ficar alguém indesejável e muitas vezes é usadocomo insulto: uma menina restavèk também podeser chamada de "la pou sa", ou "ali para aquilo",o que significa disponível para o sexo.51 Essasexperiências produzem nas crianças uma profun-da sensação de inferioridade, resultando em umaauto-estima cronicamente baixa.

Para as meninas que são demitidas ou engravi-dam e são expulsas da casa, as ruas e a prosti-tuição são uma probabilidade, já que há poucasopções disponíveis.52 A falta de recursos, a au-sência de conhecimento sobre como viajar oupara onde ir e a vergonha por terem sido "estra-gadas"53 as impedem de voltar para casa. Um

"Durmo sozinha em um quarto. À noite o dono da casa bate na minha porta, e eu fico numasituação difícil, porque tenho medo de contar, também tenho medo de perder meu emprego. Isso

acontece porque perdi meus pais e não quero sair desse trabalho."

Menina, 12 anos, trabalho doméstico, 2005 VI

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relatório da República Unida da Tanzânia indi-cou que as meninas que chegavam aos centrosde apoio para crianças sexualmente exploradashaviam sido expulsas de casas onde trabalha-vam como domésticas, tendo sido abusadas se-xualmente e acabado nas ruas; algumas só ti-nham 10 anos de idade.54

Crianças exploradas pelaindústria do sexo

A exploração de crianças com idade menor que18 anos na prostituição, na pornografia infantilou em shows de sexo constitui violência primafacie contra elas.55 Obrigar crianças a desem-penhar atos sexuais ou atos com alta conotaçãosexual, ou oferecer uma criança a outra pessoapara uso sexual de qualquer natureza, é umaviolação dos seus direitos e constitui crime nomundo todo. As próprias crianças com idadepara trabalhar condenam essa forma de ganhara vida, descrevendo o comércio sexual comouma atividade criminosa que não deve ser con-fundida com outros tipos de trabalho.56

Embora as estatísticas relacionadas ao númerode crianças usadas na prostituição sejam gené-ricas e todas as estatísticas sobre prostituiçãodevam ser encaradas com algum ceticismo,acredita-se que cerca de um milhão de criançasingressem na prostituição a cada ano.57 Um es-tudo realizado em 13 países pela ONG Save theChildren indica que a exploração sexual de cri-anças está aumentando, com evidências de ati-vidades criminais crescentes relacionadas aotráfico de crianças para fins sexuais, explora-ção por turistas e viajantes, pornografia e cri-mes relacionados à Internet.58 No Sul da Ásia e

no Extremo Oriente, estima-se que cerca de umterço das pessoas envolvidas com prostituiçãosejam crianças com menos de 18 anos. Esse éum setor em que jovens estão sempre em de-manda e em que as meninas parecem estar in-gressando em idade cada vez mais tenra, fre-qüentemente por meio do trabalho em bares ecasas de massagem. A média de idade das me-ninas que entram no comércio do sexo no Ne-pal caiu de 14 a 16 anos nos anos 80 para 12 a14 anos nos anos 90.59

Como no caso do trabalho doméstico infantil,algumas meninas entram para a prostituiçãoporque os traficantes e agentes lhes prometemexcelentes oportunidades. Na África Ociden-tal, do Senegal à Nigéria, há relatos de que mi-lhares de crianças de famílias carentes são en-viadas para o Oriente Médio todos os anos emuitas acabam na prostituição.60 O próprio trá-fico pode incluir violência. De acordo com uminvestigador do tráfico da Albânia para a Gré-cia, as crianças relataram maus-tratos, comoqueimaduras com cigarros, tapas, insultos e se-rem forçadas a dormir ao relento.61

Fatores de risco

Foi identificada uma série de fatores que pre-dispõem à exploração sexual de crianças: vio-lência no lar e na família, inclusive abuso se-xual por parte do marido de meninas casadas,que não são aceitas de volta por seus pais, ouexpulsão da escola ou local de trabalho.62,63,64,65

As formas como as crianças entram para a pros-tituição são, portanto, intrinsecamente abusi-vas e incluem o abandono e a estigmatizaçãosocial extrema. Algumas crianças já nascem

"Nos sete anos em que trabalhei, noite após noite, eu pensava que era eu que estava errada. A polícia sempre meperseguia e os assistentes sociais me chamavam de pervertida. Não havia ninguém que pudesse confirmar

o fato de que fui vitimizada."

Criança explorada pela indústria do sexo, América do Norte, 2005 VII

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na profissão, nas comunidades dos bordéis,66

ou são doadas aos sacerdotes em formas ritu-ais de escravidão sexual, como no caso da prá-tica devadasi na Índia67 e das trokosi emGana.68 A deficiência também pode ser um fa-tor de risco. Há relatos de que alguns proprie-tários de bordéis na Tailândia buscam meni-nas surdas, calculando que elas terão menorpossibilidade de protestar ou escapar porquenão podem se comunicar facilmente com osclientes ou empregadores.69

Existem também amplas evidências, em todasas regiões, de que muitas meninas e meninosvendem sexo nas ruas simplesmente como es-tratégia de sobrevivência, em troca de comi-da, abrigo ou drogas.70 Na África do Sul, onde10.000 a 12.000 crianças perderam seus cui-dadores para o HIV/AIDS e agora estão semteto e enfrentando o estigma da doença, a po-lícia estima que 28.000 crianças sejam explo-radas na indústria do sexo; 25% das pessoasenvolvidas com prostituição na Cidade doCabo são crianças.71

Exposição adicional à violência

A violência intrínseca à exploração sexual éintensificada pela exposição à violência físi-ca e psicológica, à qual as crianças mais no-vas são especialmente vulneráveis. De acor-do com um estudo da OIT/IPEC realizado noVietnã,72 12% das crianças usadas na prosti-tuição afirmaram terem sido submetidas atorturas e apanhado dos clientes ou dos em-pregadores/gigolôs por desobediência; alémdisso, elas também haviam sofrido abortosrepetidos, havendo casos em que fizeram o

aborto pela manhã e receberam um cliente àtarde. Na Mongólia, 33% das meninas explo-radas na prostituição indicaram que haviamsido estupradas.73 Na Jamaica, meninos pros-titutos relataram que "corriam risco de sofrerviolência praticada por pessoas que abomi-nam homossexuais e acreditam que eles de-vam ser erradicados".74

Nos últimos anos, pessoas não-identificadasem Honduras passaram a raptar crianças ex-ploradas sexualmente, torturá-las e às vezesassassiná-las. As vítimas sobreviventes descre-veram como os agressores fingiam ser "clien-tes" em busca de sexo e as levavam para lo-cais ermos, onde eram violentadas sexualmen-te, torturadas, insultadas e humilhadas. Aagressão tinha as características de punição"moral" ou vingança coletiva contra os cor-pos de crianças que foram socialmente aban-donadas e excluídas - como se as meninas oumeninos representassem o mal social a ser eli-minado. Os raptores provocavam suas vítimas:"Se você desaparecesse, ninguém iria pergun-tar por você."75

A condenação social é outro aspecto crítico daviolência sofrida pelas crianças prostitutas.Mesmo nos casos de fraude em que o trabalhoà espera da criança foi descrito enganosamen-te, o estigma de ter sido sexualmente ativa tor-na impossível a volta da criança ao lar. Os jo-vens explorados na indústria do sexo freqüen-temente envergonham-se disso e ignoram quesão vítimas de abuso, acreditando que são elesos culpados. Esse sentimento subjacente deculpa impede que falem livremente sobre a suaprópria exploração.76,77

"Fugi de casa porque o meu irmão me fazia sair às duas ou três da manhã para fazer coisas que eunão gosto de fazer. Ele me ofereceu aos seus amigos, aos nossos tios, a estranhos. Aí, no dia em

que meu pai tentou abusar de mim, eu fui embora."

Menina adolescente sem-teto, Extremo Oriente e Pacífico, 2005 VIII

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Trabalho forçado eservidão por dívida

As crianças vítimas de trabalho forçado e ser-vidão por dívida representam dois terços dascrianças que desempenham as piores formasincondicionais de trabalho infantil, que, segun-do uma estimativa conservadora da OIT78,79,atingem 5,7 milhões de crianças no mundo todo.Uma porcentagem desconhecida, mas signifi-cativa, consiste em vítimas de tráfico: a maio-ria dos casos encontra-se na Ásia, mas a práticaexiste em todas as regiões. O trabalho forçadoe a servidão por dívida são classificados comoescravidão pela Convenção Suplementar sobrea Abolição da Escravatura de 1956. Emboraambos sejam universalmente consideradoscomo atividades criminosas, muito raramenteos casos são levados ao tribunal.

A definição de trabalho forçado compreende doiselementos básicos: trabalho ou serviço extorqui-do sob ameaça de punição e trabalho empreendi-do involuntariamente. A ameaça ou punição podevir sob muitas formas; sua forma mais violentaenvolve violência ou contenção física, ou mesmoameaças de morte dirigidas à vítima ou seus pa-rentes. Também podem ser usadas formas maissutis de coerção, como a ameaça de denunciartrabalhadores ilegais à polícia ou de informar osanciãos do vilarejo sobre meninas forçadas a seprostituírem em cidades distantes.80

Servidão por dívida

A criança cativa trabalha em condição de servi-dão para pagar dívidas, que podem passar deuma geração para outra. Geralmente a criança

trabalhadora fica cativa de um empregador ouproprietário em troca de um "empréstimo". Nasáreas em que a prática é comum, os trabalhado-res são oriundos de grupos ou castas socialmen-te inferiores, não têm voz ativa sobre as condi-ções de qualquer emprego e suas famílias sãoextremamente pobres. Nessa situação, a crian-ça torna-se um bem de consumo e trabalha emcondições análogas à escravidão.

Embora o trabalho escravo sobreviva em outroslugares, a maior parte do problema está concen-trada no Sul da Ásia. A Índia, com sua vasta po-pulação, tem o maior número de crianças em si-tuação de servidão por dívida (algumas estima-tivas sugerem que o número pode chegar a 15milhões,81 sendo a maioria da comunidade dalit,a casta dos intocáveis). Essa prática é ilegal hámuito tempo. Em 1997, a Suprema Corte emitiuum novo mandado de segurança, com base noqual vêm sendo realizados esforços para regula-rizar a situação, punir os perpetradores e resga-tar as crianças da servidão.

Essas ações foram inspiradas pelo forte ativis-mo local. Pesquisas setoriais específicas cons-tataram servidão infantil por dívida na minera-ção de pequena escala, olarias, processamentode peixes, lapidação de gemas, tecelagem detapetes, curtumes e produção de fogos de arti-fício. Os fabricantes de tapetes empregam cri-anças em condições severas de cativeiro, recor-rendo freqüentemente à coerção para impor adisciplina e impedir protestos.82 De acordo compesquisas da Human Rights Watch conduzidasna indústria da seda em Uttar Pradesh de 1996a 2003, as crianças são submetidas a um altonível de violência. A ONG relata que os donos

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dos teares abusam das crianças rotineiramente;elas costumam ser trancadas e sua alimentaçãoestá longe de ser adequada.83

Uma situação semelhante pode ser observada noPaquistão.84 As estruturas sociais feudais confe-rem aos donos da terra o poder de exigir mão-de-obra das famílias devedoras, podendo "presente-ar" outro dono de terras com um servidor cativo.Em Sindh, grupos de direitos humanos85 coleta-ram evidências documentais de assassinato, vio-lência sexual, rapto e violência física. No Nepal,a servidão por dívida envolve grupos de minoriasno sistema agrícola kamaiya, que agora é ilegal.Um estudo realizado sobre essa prática concluiuque 30% das crianças que abandonaram seu em-pregador o fizeram devido ao "assédio ou casti-gos" sofridos.86 Em todos esses ambientes feudais,a letra da lei ou a afirmação de direitos estão au-sentes. A intimidação, os castigos físicos e a hu-milhação verbal reforçam um profundo senti-mento de inferioridade e impotência.

Grupos indígenas

Na América Latina, como em todos os lugares,os povos indígenas e suas crianças são subme-tidos a um alto nível de trabalhos forçados e,via de regra, enfrentam também altos índicesde pobreza, discriminação e exclusão. Os habi-tantes de áreas remotas são especialmente sus-cetíveis ao recrutamento coercitivo e à servi-dão por dívida devido à fraca presença do Esta-do. Em áreas remotas do Brasil, é mais baratocontratar crianças, que são consideradas maisdóceis. Elas trabalham na derrubada de árvo-res, no corte da madeira, na plantação de cana-de-açúcar, na mineração, em destilarias e car-

voarias, todas as quais são atividades perigo-sas.87 Uma vez contratadas, invariavelmente deforma enganosa, elas se tornam devedoras e nãotêm chance de voltar para casa. A situação into-lerável das crianças na mineração de ouro depequena escala em Madre de Dios, Peru, é bemconhecida das organizações de direitos huma-nos e das autoridades. Cerca de 20% dos mi-neiros têm entre 11 e 18 anos de idade.88

A vulnerabilidade aumenta com a falta de iden-tidade oficial. Como não registram seus nasci-mentos, os povos indígenas são invisíveis paraas autoridades nacionais e, portanto, incapazesde denunciar trabalhos forçados ou buscar repa-ração. Nos remotos campos de trabalho da baciaamazônica no Peru, 20.000 trabalhadores podemestar sujeitos a trabalho forçado, muitos acom-panhados de crianças de quem se espera que tra-balhem de graça.89 De acordo com um estudo daOIT realizado em 19 países da região da Améri-ca Latina, quase 10% da população total de cri-anças e adolescentes entre 5 e 17 anos de idadeestão engajados nas piores formas de trabalho,em que a violência é uma rotina.90

Formas tradicionais de escravidão

Na África, que possui a maior incidência de tra-balho infantil informal, existem evidências in-dicando que a proporção de trabalho "forçado"seria maior que em outras regiões.91 A coerção,porém, está mais relacionada à importância atri-buída ao parentesco e à clientela nas relaçõeseconômicas e ao fato de que a maioria das pes-soas, principalmente nas zonas rurais, não ga-nha a vida em uma economia empregador-tra-balhador industrializada, monetizada ou padro-

"Às 4:00h da manhã eu acordava e enrolava a seda. Eu só ia para casa uma vez por semana. Eudormia na fábrica com outras duas ou três crianças. Nós preparávamos a comida lá e dormíamos

no espaço entre as máquinas. Se eu fizesse alguma coisa errada - se eu cortasse o fio - ele me batia.Algumas vezes [o dono] usava linguajar vulgar. Aí ele me dava mais trabalho."

Criança, 11 anos, cativa desde cerca dos sete anos de idade como pagamento pela quantiade Rs. 1700 (US $35), Sul da Ásia, 2003IX

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nizada. A distância da economia moderna émaior nos ambientes montanhosos, desérticosou semidesérticos. A vida é dura e exige meca-nismos bem azeitados para lidar com períodosde calamidade. Laços de parentesco ou de cli-entela podem ser invocados para exigir servi-ços de membros da família estendida e de ou-tros em posição inferior; esses arranjos tendema ser vistos como "naturais" e sancionados porcrenças sociais e religiosas.92

Os abusos ou perversões dos arranjos costumei-ros para a exploração de crianças ocorrem empoucos países da África Oriental, como a Etió-pia, mas são mais prevalentes nos países doSahel, onde as formas feudais de governo per-sistem. Mauritânia e Níger são os últimos paí-ses do mundo onde a escravidão regular - a "pos-se" direta de pessoas, não por meio de transa-ções comerciais, mas com base em práticas ecostumes - ainda existe, embora tenha sido ba-nida nominalmente pela lei.93,94 Via de regra,essas pessoas são descendentes de escravos e oseu grau de "escravidão" real é contestado lo-calmente e aberto a interpretações. No entanto,vários serviços podem ser exigidos dos descen-dentes de escravos, inclusive crianças, tanto nascasas como nos campos, e eles estão sujeitos aseveras limitações quanto ao seu comportamen-to e aos seus direitos e benefícios.95

As crianças dessas famílias pertencem aos seussenhores e podem ser passadas de um dono paraoutro como "presentes". As meninas começama trabalhar desde muito jovens e ficam à totaldisposição do seu senhor, inclusive sexualmen-te, atuando também como produtoras de maiscrianças escravas por meio de parceiros que lhes

são designados. A escravidão só foi banida le-gislativamente no Níger em 1999 e os avançosrumo à sua erradicação são vagarosos. Uma pes-quisa conduzida em 2004 por uma organizaçãolocal estabeleceu que cerca de 43.000 homens,mulheres e crianças ainda estão sob regime deescravidão.96 Muitos dos 11.000 entrevistadoshaviam sido submetidos à violência, estupro, tra-tamentos degradantes e ameaças. Castigos hu-milhantes pontuavam todos os aspectos das suasvidas e impediam que fugissem.

O colapso da governabilidade e da predominân-cia da lei em certos países africanos gera as con-dições em que o trabalho escravo floresce e ascrianças podem ser raptadas para prestar algumtipo de serviço. Esses serviços podem incluir aescravidão sexual para os senhores da guerra.97

Atividades ilícitas

Todas as avaliações dos Escritórios Regionaisrealizadas para este Estudo registraram o envol-vimento de crianças em atividades de naturezacriminosa com diferentes níveis de gravidade, amaioria nas ruas. Por exemplo, em sua avalia-ção, o Escritório Regional do Caribe demons-trou preocupação com uma "população crescen-te" de crianças de rua em países como a Jamaicae o Haiti que envolvem-se em atividades ilícitaspara ganhar dinheiro, seja empacotando e ven-dendo drogas ou agindo como "olheiros" tantoda polícia quanto dos criminosos.98

Em alguns países da Europa e da Ásia Cen-tral, a crescente presença de crianças traba-lhando nas ruas e o seu envolvimento em ati-vidades ilícitas, inclusive pequenas infrações,

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mendicância e prostituição, despertou preocu-pação semelhante.99 Em São Petersburgo, cer-ca de 10 a 30% das crianças que trabalhamnas ruas estão envolvidas em atividades ilíci-tas, como o comércio de mercadorias rouba-das e o tráfico de drogas.100

Em muitas partes do mundo, a polícia presumeque as crianças que tentam ganhar dinheiro nasruas estão necessariamente envolvidas em ativi-dades ilegais, o que aumenta a violência na vidadessas crianças. Em alguns países, essas criançassão legalmente definidas como transgressores empotencial ou criminalizadas como párias e a polí-cia tem o direito de prendê-las.101 (A prisão arbi-trária ou violenta por vadiagem é discutida nocapítulo sobre violência contra a criança em insti-tuições de proteção e de justiça juvenil.)

Crianças envolvidas nocomércio de drogas

O comércio de drogas tornou-se uma das cate-gorias mais difundidas de trabalho infantil ilí-cito. Nesse tipo de trabalho de rua, a violência,ou tornar-se alvo de comportamento violento,é comum, e o comércio de drogas também ex-põe as crianças aos riscos do abuso de substân-cias e aos prejuízos provocados por ela. Umestudo realizado nas duas regiões da Estôniaonde o uso de droga por crianças é comum cons-tatou que a maioria das crianças envolvidas navenda ou no tráfico de drogas são usuárias demaconha, heroína ou anfetaminas.102 Emboranão sejam viciadas quando começam a venderdrogas, elas logo experimentam os produtos queestão vendendo.

Na Somália, o comércio de khat, uma folhanarcótica, é praticado abertamente e é um dosnegócios mais rentáveis do país. O trabalhono comércio de khat é procurado por meni-nos porque é a forma mais bem paga de tra-balho autônomo.103 Nas Filipinas, um estudoconstatou que quase 20% das crianças envol-vidas no comércio de drogas foram feridasnesse processo e 17% testemunharam casti-gos físicos aplicados a outras crianças.104 Asrazões para esses castigos incluíam a perdadas drogas e o não-envio do dinheiro apura-do para o controlador. Cerca de 25% das cri-anças afirmaram que, se não tivessem um bomdesempenho, as conseqüências seriam surras,repreensões ou ameaças.

Um estudo sobre crianças no comércio de dro-gas do Rio de Janeiro é uma das poucas pes-quisas abrangentes sobre o envolvimento decrianças em atividades ilegais.105 Desde osanos 80, o número de crianças envolvidas vemcrescendo à medida que o comércio torna-semais ostensivo, mais centrado na cocaína,mais estabelecido nas favelas e mais pesada-mente armado. As crianças são atraídas parao comércio devido à socialização com trafi-cantes nas ruas e à falta de alternativas. Oaumento do envolvimento dos jovens refle-te-se no aumento dramático de condenaçõesregistradas (de crianças menores de 18 anos)por venda de drogas e tráfico - de 110 em 1980para 1.584 em 2001. As ocorrências de infar-ções culposas e porte ilegal de armas tam-bém aumentaram significativamente duranteesse período (ver o capítulo sobre violênciacontra a criança na comunidade).106

"Violência é quando as crianças são obrigadas a trabalhar como animais."

Crianças da zona urbana, América Latina, 2005 X

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FATORES QUE CONTRIBUEMPARA A VIOLÊNCIA

A OIT desenvolveu uma estrutura conceitual paraanalisar a violência no trabalho entre a popula-ção geral de trabalhadores, considerando-a comouma função de quatro fatores interrelacionados:

características das vítimascaracterísticas dos perpetradoresfatores do ambiente de trabalhoriscos relacionados ao ambiente externo aolocal de trabalho.107

Embora não tenha sido desenvolvida com o tra-balho infantil em mente, essa estrutura é útil paraapreender uma série de características interativas,entre as quais os fatores individuais e sociais derisco, o contexto em que certos tipos de trabalhosão executados, as conseqüências individuais esociais e os custos impostos ao local de trabalho.

CARACTERÍSTICAS DOSTRABALHADORES E DOSPERPETRADORES

Por definição, as crianças são mais vulneráveisà violência que os trabalhadores adultos devi-do ao tamanho geralmente menor, à imaturida-de no desenvolvimento e à situação de depen-dência. O grau de distanciamento do emprega-dor, em termos tanto de espaço como de afilia-ção social e étnica, do histórico da criança de-termina até que ponto ele se sente responsávelpelo bem-estar do jovem trabalhador. Além dis-so, as meninas são mais vulneráveis à violência

sexual108 - e as crianças portadoras de deficiên-cia estão sujeitas a um maior risco de violên-cia. As crianças também têm uma menor pro-babilidade de resistir fisicamente à violência oudenunciá-la, o que as transforma em alvos maisfáceis que os adultos. Os trabalhadores jovens,tenham ou não atingido a idade mínima permis-sível para trabalhar, geralmente estão na baseda hierarquia do local de trabalho.

A deficiência também tende a desempenhar umpapel na violência contra a criança trabalhado-ra. Em muitas partes do mundo, por exemplo,há relatos freqüentes de crianças com deficiên-cias visíveis (desde deformações congênitas atéferidas abertas) que são colocadas nas ruas paramendigar, muitas vezes sofrendo violência fí-sica quando não ganham o suficiente durante oseu "dia de trabalho". Além de serem doloro-sas, abusivas e humilhantes para a criança, es-sas práticas freqüentemente contribuem parapiorar a sua deficiência e minar a sua saúde.109

A relação de poder entre empregador e traba-lhador aumenta os riscos; trata-se de um poderabsoluto, pois o emprego está nas mãos do che-fe. Informações disponíveis sobre casos regis-trados de violência contra a criança no local detrabalho sugerem que, na maioria dos casos, aviolência é infligida pelo empregador, visto quea maioria das crianças trabalha informalmentepara "empregadores", um termo que designaqualquer pessoa que tenha uma relação de con-trole sobre uma criança trabalhadora. Os agres-sores também incluem capatazes, colegas detrabalho, clientes, a polícia e gangues de crimi-nosos. A vulnerabilidade aumenta quando o tra-balho é executado em condições de isolamento

"Nenhuma criança deveria ter que lutar numa guerra ou carregar cargas pesadas, nem trabalhar muitas horas sempagamento, sofrer abusos ou ser tratada injustamente. As crianças merecem ser tratadas como iguais no local de trabalho,

e aqueles que abusam delas deveriam ser punidos com severidade. O que as crianças querem é igualdade e qualidadeno local de trabalho."

Criança, África Oriental e Meridional, 2005 XI

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ou ilegalidade; as crianças no comércio do sexofreqüentemente são controladas por cafetões oudonos de bordel.

Os sistemas tradicionais de aprendizado - noCaribe, por exemplo110 - também podem cons-tituir um contexto para abusos. No entanto, essetipo de aprendizado pode ser a única alternati-va para jovens trabalhadores que tentam adqui-rir habilidades na economia informal como for-ma de sair da pobreza extrema.111 Também háalguns relatos de abuso em ambientes industri-alizados onde existem esquemas de aprendiza-do. Um estudo realizado na França constatouque 16% dos aprendizes relataram violência fí-sica ou verbal,112 e um estudo realizado na UniãoEuropéia em 2000 indicou que 2% dos apren-dizes eram vítimas de violência física por partedos seus colegas de trabalho.113

CARACTERÍSTICAS DOLOCAL DE TRABALHO

Os riscos relacionados ao próprio local de traba-lho variam de acordo com a atividade profissio-nal - se ela ocorre em um ambiente organizado,como uma fábrica, ou em ambiente informal,

como uma empresa de fundo de quintal; se o lo-cal de trabalho tem características especiais deisolamento ou perigo, como no caso das minas,da pesca, das pedreiras e de alguns tipos de agri-cultura;114 se é um ambiente fechado, como umaresidência; ou se faz parte de alguma atividadeilegal, como a exploração sexual ou a venda dedrogas. Os exemplos mais extremos de violên-cia contra a criança no local de trabalho ocorremnas piores formas de trabalho infantil.

As crianças que trabalham em ambientes inse-guros estão sob risco constante de violência.Esses ambientes incluem fábricas de vidro, mi-neradoras e plantações, especialmente onde asnormas de saúde e segurança são precárias ouinexistentes.115 Lesões graves podem ser pro-duzidas por maquinário perigoso, armas, aci-dentes, vapores tóxicos e explosões. Todos es-ses efeitos negativos são mais intensos em cor-pos e mentes jovens e em crescimento que emadultos. Relatórios produzidos por vários paí-ses sobre o abuso sistemático de crianças nolocal de trabalho mencionam, por exemplo, con-dições desumanas na indústria do algodão116 euso inseguro de pesticidas perto de trabalhado-res rurais, inclusive crianças.117,118,119

CATADORES DE LIXO: UM LOCAL DE TRABALHO CHEIO DE RISCOS

Em muitos países da Ásia e da América Latina, há uma grande quantidade de crianças quetrabalham como catadores em depósitos de lixo. Nas Filipinas, em Ciudad Quezon, na regiãometropolitana de Manila, milhares de crianças e suas famílias ganham a vida em lixões e moramem comunidades-satélite. Em 2000, uma das montanhas de lixo desmoronou sob chuvas torren-ciais, matando entre 500 e 1.000 adultos e crianças soterrados pelos detritos. Mesmo no dia-a-dia, é comum a ocorrência de ferimentos causados pelas manobras dos caminhões ou por obje-tos cortantes, além de infecções causadas pelo material em decomposição.120

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272FATORES AMBIENTAIS

Quando o próprio ambiente está repleto de ris-cos, as crianças que trabalham em espaços aber-tos estão constantemente expostas à violência.Em certos lugares, o trabalho no setor de servi-ços, como em restaurantes e lojas, pode exporos jovens trabalhadores a assaltos à mão arma-da ou a agressões por parte dos clientes. Crian-ças trabalhadoras que se sentem contantemen-te ameaçadas pela violência no ambiente ten-dem a adquirir também comportamentos vio-lentos ou a exibir distúrbios de comportamen-to, como agressividade sexual ou pessoal.121

O trabalho nas ruas ou em transportes, lojas,bares ou hotéis localizados em áreas de favelanotoriamente violentos acarreta riscos maioresàs crianças envolvidas. Atividades ilícitas comoo comércio de mercadorias ilegais são, por suaprópria natureza, conduzidas em áreas de altorisco, onde os empreendimentos criminosos fa-zem parte do ambiente.122

RESPOSTAS À VIOLÊNCIACONTRA A CRIANÇA NOLOCAL DE TRABALHO

A questão específica da violência não tem re-cebido muita atenção dos programas voltadospara o trabalho infantil. Um desafio global queemerge do Estudo, de acordo com a ConsultaRegional do Caribe, é tornar a violência contraa criança no local de trabalho uma questão maisvisível e mais prioritária entre os formuladoresde políticas públicas.123 Da mesma forma, aConsulta Regional do Sul da Ásia observou quea violência implícita em muitas situações ex-perimentadas pelos crianças trabalhadores nãoera adequadamente percebida ou confrontada.

Todavia, a experiência necessária para lidar comabusos e violência já existe em muitos progra-mas relacionados ao trabalho infantil. Via deregra, esses programas são multifacetados, abor-dando causas econômicas e culturais e promo-vendo a educação e as ocupações alternativas,a mobilização social em torno das necessida-des e direitos da criança e ações de advocacypara mudar atitudes em relação à aceitação dotrabalho infantil. A violência que algumas cri-anças experimentam no local de trabalho deve-ria ser melhor pesquisada e receber mais aten-ção por parte desses programas.

As respostas adequadas dependem, em gran-de parte, das diferenças cruciais relacionadasà natureza do trabalho ou do local onde é re-alizado e, portanto, da sua violência intrínse-ca. Essas categorias poderiam ser agrupadasda seguinte maneira:

HAITI, 1995, Menina trabalhando no abarrotado Mercadode Alimentos Solomon, em Port-au-Prince.

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Piores formas: Nos casos em que a violênciaé parte integrante da natureza perigosa e ex-ploradora do trabalho, previstos na Conven-ção no 182 da OIT, nenhuma criança deveráestar presente no local de trabalho. Portanto,a resposta principal será oferecer meios paraque abandonem esse trabalho e tomem umnovo rumo na vida, com o apoio dos pais, dasociedade e do Estado. Isso requer uma abor-dagem multifacetada que inclua medidas decombate à pobreza, de estímulo à educação ede aplicação das leis trabalhistas.124

Trabalho informal: Onde não existe "empre-go" no sentido contratual e o local de trabalhoé de difícil acesso ou consiste em ruas e espa-ços abertos, a melhor maneira de suprir a ne-cessidade imediata de proteção da criança con-tra a violência é adotar programas que ofere-çam serviços como alojamentos, albergues,educação não-formal, desenvolvimento de ha-bilidades sociais para resistir a avanços sexu-ais, atividades em grupo como esportes e re-creação, e oportunidades para adquirir quali-ficações profissionais e escolaridade.125,126

Crianças legalmente empregadas: Nos ca-sos em que crianças e adolescentes trabalhamdentro da lei, seja porque executam trabalhosleves ou porque têm idade superior à mínimapermitida para trabalhar, mas estão sujeitas àviolência potencial por parte de empregadores,de outros trabalhadores ou como risco ocasio-nal, podem ser realizados esforços para aumen-tar a proteção dessas crianças, reduzindo a suavulnerabilidade e a sua exposição ao risco.

No caso das "piores formas" de trabalho infan-til, não é possível fazer uma distinção entre a

redução da violência e a eliminação das circuns-tâncias do trabalho, já que a concentração ex-clusiva na violência implicaria em admitir queas crianças poderiam continuar realizando essetrabalho perigoso e explorador caso a violênciafosse eliminada. Nenhuma criança deve serempregada em circunstâncias ou ocupações emque enfrente abusos físicos, psicológicos ousexuais ou que coloquem em risco sua saúde,segurança ou moral.

No entanto, como já foi observado, os esforçospara tirar as crianças do local de trabalho devemser acompanhados de medidas que eliminem asrazões econômicas e sociais pelas quais elas tra-balham; do contrário, a remoção dessas criançasserá efêmera. A experiência mostra que criançasretiradas de locais de trabalho formal sem quelhes sejam oferecidos meios para redirecionarsuas vidas acabam em situações informais maisperigosas. Isso ocorreu em Bangladesh, no iní-cio dos anos 90, após a demissão abrupta demeninas do setor de roupas para exportação, queestava sob ameaça de um boicote dos EUA àsmercadorias fabricadas com qualquer tipo departicipação de mão-de-obra infantil.127 O lequede intervenções necessárias, portanto, inclui:

Medidas legislativas e de aplicação da lei ba-seadas na estrutura internacional compreen-dida pela CDC e pelas Convenções da OIT;definição de normas para os locais de traba-lho, criação de inspetorias e aplicação de san-ções legais severas contra o emprego de cri-anças, além da realização de batidas policiaispara combater atividades criminosas que en-volvam crianças, acompanhadas de progra-mas de reabilização de crianças.

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Programas com a participação das famílias eda comunidade para reduzir a necessidade e aprobabilidade de que os pais dependam do tra-balho ou da renda gerada pelos seus filhos,incorporando medidas preventivas como a re-dução da pobreza, o apoio à família, auxílio-educação ou descontos nas mensalidades es-colares e acesso universal aos serviços bási-cos, especialmente à educação de qualidade.Intervenções para responder diretamente ànecessidade de remoção de crianças traba-lhadoras de locais de trabalho que os expo-nham à violência, ao perigo e à exploração,voltadas para um público-alvo abrangenteque inclui empregadores, pais, liderançascomunitárias e policiais.Advocacy e mobilização da sociedade civil emprol do direito da criança de não ser tratada comviolência no local de trabalho, bem como do seudireito de acesso à educação de qualidade e auma preparação adequada para uma vida profis-sional futura livre da exploração e do abuso.

AS LEIS E SUA IMPLEMENTAÇÃO

A ação legislativa nacional sobre o trabalho in-fantil é guiada por padrões internacionais. To-dos os países, com a exceção de dois, ratifica-ram a CDC, e mais de 80% das crianças domundo vivem atualmente em países que ratifi-caram as duas Convenções primordiais da OIT.Desde a sua adoção em 1999, a Convenção no182 vem sendo ratificada em ritmo acelerado,o que, por sua vez, ajudou a duplicar o índicede ratificação da Convenção sobre a Idade Mí-nima No 138.129 Isso reflete um sólido consen-so político, proporcionando um novo e signifi-cativo impulso em favor da adoção de medidasurgentes para a eliminação do trabalho infantil.Muitos governos vêm revendo a sua legislaçãoe demonstrando maior determinação para abor-dar as várias questões envolvidas.

Ainda há desafios importantes a serem enfrenta-dos para adequar a lei consuetudinária e os códi-gos tradicionais relativos ao "trabalho" e ao "em-

QUÊNIA: ABORDANDO SIMULTANEAMENTE O TRABALHO, A POBREZAE A EDUCAÇÃO

Em atividades recentes voltadas para a redução do trabalho infantil, foram reconhecidas asdificuldades enfrentadas por famílias extremamente pobres, inclusive as afetadas pelo HIV/AIDS. Mesmo nos casos em que as mensalidades da escola primária foram abolidas, algumasfamílias africanas ainda julgam que precisam do trabalho das crianças para completar a rendafamiliar e resistem em enviá-las para a escola. Em um esforço para lidar com essa situação, oQuênia, que tem dois milhões de crianças trabalhadoras na faixa de 5 a 17 anos de idade, tentoucompensar financeiramente os pais pela perda da contribuição econômica dos seus filhos; opagamento é feito com a condição de que as crianças freqüentem a escola. Uma quantia mensalvariando de US$ 7,00 a 14,00 por criança é doada como incentivo aos pais de crianças quetrabalham em plantações, na agricultura e na pesca de subsistência, bem como aos órfãos e aoutras crianças vulneráveis.128

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prego" às leis internacionais. Uma providênciaimportante no âmbito nacional foi compilar a listade ocupacões e tarefas arriscadas e proibi-las paratodos as pessoas com idade abaixo dos dos 18anos, de acordo com as disposições da Conven-ção no 182 da OIT. Um revisão recente indicaque essa tem sido uma área de grande atividade,assim como a ação legislativa de combate ao trá-fico e ao envolvimento de crianças com a prosti-tuição e a pornografia. No entanto, a atenção dosgovernos ao trabalho forçado e à servidão pordívida tem sido mais modesta, com poucas açõesde melhoria da legislação contra o emprego decrianças em atividades ilícitas.130

Aplicação das leis trabalhistas

Em muitos países, a falta de aplicação da lei e aimpunidade dos agressores é um problema maisgrave do que a natureza da legislação vigente.Por exemplo, novas leis contra a servidão pordívida foram aprovadas na Índia (1976) e noPaquistão (1992), mas a quantidade de conde-nações e de libertações de trabalhadores cati-vos pelos tribunais demonstra que nenhumadelas é cumprida com rigor. Na Índia, a Comis-são Nacional de Direitos Humanos recebeu umaordem da Corte Suprema em 1977 para super-visionar a aplicação da Lei de 1976 e conse-guiu pressionar autoridades a libertar e reabili-tar crianças cativas em algumas áreas, princi-palmente no cinturão da indústria de tapetes deUttar Pradesh.131 Os recursos e o poder da Co-missão, porém, são limitados, e os Estados têmsido morosos no cumprimento das suas obriga-ções. No Paquistão, onde as multas são bemmais altas do que na Índia, as condenações têmsido mínimas nos últimos anos.132

A Consulta Regional do Sul da Ásia realizadapara este Estudo apontou a necessidade de umsistema de supervisão para garantir a implemen-tação efetiva das leis do trabalho infantil portodas as entidades responsáveis pela sua apli-cação na região. Da mesma forma, a ConsultaRegional do Extremo Oriente e do Pacífico no-tou que, em geral, a aplicação das leis do traba-lho infantil parece ficar atrás de outras medi-das promulgadas para a proteção das crianças.

Existem muitos empecilhos à aplicação das leis.Um deles é a falta de um sistema eficaz e uni-versal de registro de nascimentos, o que res-tringe a aplicação de leis sobre a idade mínimapara o trabalho.133 Outro é que as inspetoriasdo trabalho, que ajudaram a retirar crianças delocais de trabalho em países industrializados doOcidente, geralmente não têm sido tão eficien-tes nos países em desenvolvimento.134 Emborabem-sucedidas em algumas ocasiões, a maiorianão estende seu alcance para além de locais detrabalho urbanos organizados, onde se encon-tra a minoria das crianças trabalhadoras. Mui-tos inspetores estão assoberbados com o núme-ro de casos, os recursos e os meios para viaja-rem são escassos e seus salários são baixos. Tan-to os empregadores quanto as crianças trabalha-doras podem recorrer ao suborno, e é possíveltambém que haja pressão de fontes oficiais paraque as inspeções não sejam tão rigorosas a pon-to de prejudicar o clima de investimentos.135

As possibilidades de reparação legal da violên-cia sofrida são quase inacessíveis as crianças tra-balhadoras devido ao seu status comparado aosadultos. Casos de ferimentos graves, como quei-maduras com ferro quente, e de abusos grossei-

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ros podem atrair a atenção da mídia; nesses ca-sos, as pessoas que empregam crianças no servi-ço doméstico, por exemplo, são processadas,geralmente com o auxílio de uma ONG. ONGscomo a Coalizão Sul-Asiática contra a ServidãoInfantil também fazem tentativas de receber, emnome das crianças trabalhadoras indianoa cati-vas que foram libertos, a soma de Rs. 20.000(US$ 420) a que têm direito para reabilitação,mas essas tentativas são poucas e muito espaça-das.136 Os casos de abuso sexual contra riançastrbalhadoras também raramente resultam emcondenação.137 Além disso, os defensores legaisde meninas trbalhadoras freqüentemente arris-cam-se a sofrer retaliação por parte daqueles quepossuem interesses ocultos na situação.

Há situações específicas em que a lei foi apli-cada de forma eficaz e as intervenções progra-máticas e de apoio funcionaram, mas esses ca-sos são raros. No entanto, isso pode ser feitonas circunstâncias em que o trabalho é realiza-do exclusivamente por crianças sob pretexto doseu tamanho diminuto, da sua destreza manual

ou da necessidade de aprender uma habilidadeem idade muito tenra (como na tecelagem detapetes ou no artesanato decorativo). A remo-ção total da mão-de-obra infantil pode ser viá-vel em se tratando de locais de trabalho confi-nados ou ocupações específicas.

Um exemplo é o acordo feito com os EmiradosÁrabes Unidos (EAU) em maio de 2005 para asoltura e repatriação de 3.000 meninos empre-gados como jóqueis de camelo e ajudantes deestábulo (ver quadro). Essa iniciativa ilustra ospapéis complementares que podem ser desem-penhados por organizações internacionais e or-ganizações voltadas para a realização de campa-nhas na tentativa de eliminar o tráfico e o em-prego de crianças em ocupações exploradoras.

Apoio para a aplicação da leina sociedade civil

Conforme notado em todo o Estudo, a aplica-ção da lei é um problema em ambientes ondeos sistemas formais legal, administrativo e ju-

A LONGA LUTA PARA ACABAR COM O USO DE MENINOS COMOJÓQUEIS DE CAMELO

O tráfico de meninos de alguns países do Sul da Ásia (Bangladesh e Paquistão) e da África(Mauritânia, Somália e Sudão) para serem usados como jóqueis em corridas de camelos nosEAU e em outros Estados do Golfo (Kuwait, Catar e Arábia Saudita) foi alvo de protestos daAnti-Slavery International (ASI) por muitos anos. Uma ONG de Bangladesh calculou que quase1.700 meninos haviam sido traficados para o Oriente Médio durante os anos 90 para esse propó-sito, a grande maioria com menos de 10 anos de idade. Os meninos eram amarrados às selas doscamelos durante as corridas e muitas vezes sofriam ferimentos e quedas. Além disso, freqüente-mente eram obrigados a passar fome antes das corridas para reduzir o peso corporal e sofriamoutras formas de violência física e psicológica, inclusive abuso sexual ocasional.

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A LONGA LUTA PARA ACABAR COM O USO DE MENINOS COMOJÓQUEIS DE CAMELO

A AEI não conseguiu obter avanços significativos até unir forças com a Confederação Internacionalde Organizações Sindicais Livres (CIOSL) e a OIT. Em 2001, a OIT persuadiu os EAU a ratificarema Convenção no 182, o que levou ao banimento, em 2002, do uso de jóqueis de camelo com menosde 15 anos de idade e com peso inferior a 45 kg. Mesmo assim, os avanços foram lentos e o tráficocontinuou em pequena escala. No entanto, em março de 2005, o limite de idade foi aumentado porvia jurídica para 16 anos de idade (e mais tarde para 18 anos) e, em maio de 2005, o UNICEF chegoua um acordo com os governos dos EAU para facilitar a repatriação dos meninos em um prazo de doisanos. Passados oito meses, mais de 1.000 meninos haviam sido identificados. Muitos começaram avoltar para casa, no Paquistão e em Bangladesh, no final de 2005.

Inicialmente, os meninos eram recebidos em centros especiais, de onde partiam para juntar-seàs suas famílias quando isso era possível. Caso a família não fosse encontrada, o ensino e areintegração à sociedade ficariam a cargo de organizações de assistência. Outros meninos, in-cluindo os trabalhadores dos estábulos, também foram devolvidos para o Sudão e a Mauritânia.Em todos os quatro países, foi oferecido apoio às famílias e comunidades, e mecanismos perma-nentes foram estabelecidos para impedir novas ondas de tráfico ou que as mesmas criançasfossem novamente traficadas. A reintegração das crianças foi monitorada, enfatizando-se o for-talecimento da assistência pela comunidade e a criação de um ambiente de apoio para impedir adiscriminação contra elas.138,139,140

dicial têm pouca influência sobre a vida damaioria das pessoas. Esse é o caso das áreasonde o trabalho infantil é comum. A aplicaçãoda lei requer aceitação popular e cooperaçãoda sociedade civil. A violência é especialmentedifícil de banir. Nas sociedades em que é co-mum o uso da violência interpessoal para a so-lução de disputas, não existem garantias de quea proibição legal de uma prática será acata,mesmo por aqueles responsáveis pela sua apli-cação. Enquanto as as atitudes sociais não con-denarem a violência contra a criança absoluta-mente e em todas as circunstâncias, a aplicaçãodas leis contra o trabalho infantil poderá, inad-

vertidamente, gerar mais discriminação contraa criança trabalhadora - por exemplo, pela per-seguição oficial contra as próprias crianças combase na sua condição social estigmatizada.

Alguns esforços têm sido realizados para im-plementar leis sobre o trabalho infantil com acooperação da sociedade civil. Em áreas ondeo tráfico é comum, foram criados grupos ou sis-temas de guarda/vigilância comunitários. Essessistemas também podem denunciar violações àlegislação do trabalho infantil e falta das crian-ças às aulas.141 Por exemplo, no Benin, comitêsde fiscalização nas aldeias, apoiados pela ad-

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ministração da província, ajudaram a reduziro tráfico de crianças educando as famílias so-bre os perigos do tráfico e colaborando com apolícia quando uma criança da aldeia desapa-recia.142 No entanto, várias lições foram apren-didas com esse programa.143 Era preciso evi-tar mensagens ameaçadoras ao tentar conven-cer as pessoas da natureza prejudicial de algoque elas aceitavam. Os comitês de fiscaliza-ção não funcionavam bem quando eram vistoscomo agentes de opressão contra as famílias eas crianças locais.

EDUCAÇÃO UNIVERSAL EHABILIDADES DE VIDA

O acesso universal ao ensino é um compo-nente primordial para eliminar o trabalho in-fantil. Existem muitos argumentos em favordo ensino básico compulsório para meninose meninas, inclusive a exigência de que oEstado aumente os investimentos em educa-ção e o impulso para atingir a meta internaci-onal da Educação Para Todos (ver o capítulosobre violência contra a criança na escola eem ambientes educacionais). A concretizaçãodesse objetivo está intimamente ligada a mui-tos outros, inclusive a redução da pobreza, aigualdade de gêneros e a melhoria da saúdematerna e infantil. A educação universal tam-bém tem um histórico de apoio à erradicaçãodo trabalho infantil. Por exemplo, tanto noEstado indiano de Kerala como em Sri Lanka,os avanços rumo à educação universal têmlevado algumas crianças a abandonar o tra-balho em tempo integral, apesar dos escas-sos esforços para colocar em prática a legis-lação sobre trabalho infantil.144

É importante notar que educação escolar e tra-balho não são mutuamente excludentes: ir àescola não impede todos os tipos de trabalho,em todas as horas do dia, para crianças comidade suficiente para trabalhar. Em muitas so-ciedades, as crianças executam atividades re-muneradas de meio expediente para ajudar apagar as despesas escolares ou como um com-ponente útil da sua socialização. Estudos reali-zados em sociedades industrializadas confir-mam o valor a longo prazo, para o adolescente,da atividade remunerada de meio expedientedurante a escola secundária como parte da suapreparação para a vida adulta futura.145 No en-tanto, é necessário que essas oportunidades detrabalho e remuneração sejam exploradas den-tro de limites que reforcem, em vez de dimi-nuir, as oportunidades de desenvolvimento.

Em muitas situações, porém, crianças trabalha-doras não freqüentam a escola. Por essa razão,muitos programas de erradicação do trabalhoinfantil concentram-se em trazer a criança paraa escola ou fazê-la voltar à escola como alterna-tiva ao trabalho. Por exemplo, o Projeto Oportu-nidades para a Criança Trabalhadora (ChildWorkers' Opportunities Project - CWOP), umprograma de grande escala baseado na comuni-dade e presente em três estados da Índia, adotouuma estratégia multifacetada para permitir queas crianças deixassem o local de trabalho, na quala linha principal era promover a ida à escola (verquadro). Em Benin, o Grupo de Pesquisas e deAções para o Desenvolvimento Humano (Grou-pe de Recherche et d'Actions pour le Dévelo-ppement Humain - GRADH) trabalha principal-mente com meninos, alguns com apenas sete anosde idade, que foram colocados por seus pais ou

"Ela é tão nova, mal chegou aos 8 anos de idade, e carrega carvão, ainda por cima com o uniforme da escola.Quando alguém pergunta por que ela não foi para a escola, ela diz que está trabalhando."

Menino, 15 anos, África Oriental e Meridional, 2005 XII

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guardiões para trabalhar com artesãos, tais comomecânicos de automóveis, marceneiros e pedrei-ros. A ONG realiza pesquisas sobre artesãos emcolaboração com a associação de artesãos, iden-tificando as crianças mais novas e aquelas cujascondições de trabalho são especialmente difíceis.Em seguida, ela fornece aprendizado formal àscrianças mais velhas e reinsere as mais jovensna escola, em estreita cooperação com o Minis-tério do Trabalho e a OIT.146

Os adolescentes trabalhadores geralmente têmperfeita consciência das desvantagens que en-frentarão caso não freqüentem a escola. Quan-do possível, preferem obter educação e treina-mento profissional, cientes das vantagens futu-

ras que isso lhes proporcionará. Mesmo quecontinuem a trabalhar, eles tendem a buscaroportunidades de aprendizado que possam me-lhorar sua situação e suas perspectivas.147 Po-rém, quando dependem totalmente da renda dasruas para sobreviver, as crianças tendem a co-locar a necessidade de ganhar dinheiro acimada necessidade da educação, não importando oquanto gostariam de poder ler e escrever.148

O comparecimento universal à escola é difícilde ser cobrado quando a qualidade do ensino éruim, quando as famílias e as crianças não per-cebem vantagem nisso ou quando os professo-res são verbal ou fisicamente abusivos. Se o en-sino não for agradável à criança e não agregar

PROJETO OPORTUNIDADES PARA O ADOLESCENTE TRABALHADOR(CWOP), MAHARASHTRA

Esse programa de quatro anos de duração, realizado na Índia com o apoio da ONG Save theChildren Canadá, abrangeu 10.000 crianças trabalhadoras, sendo 4.000 em dois locais do proje-to em Maharashtra. Essas crianças foram identificadas durante pesquisas iniciais nas 94 comu-nidades que seriam objeto de intervenção pelas duas ONGs que atuaram como parceiras opera-cionais locais. A intenção era erradicar o trabalho infantil nas comunidades em questão.

O eixo central da estratégia era tirar as crianças do trabalho e colocá-las na escola ou capacitá-las, abordando simultaneamente as razões pelas quais estavam trabalhando e oferecendo-lhesoutras oportunidades. Crianças trabalhadoras com menos de 14 anos seriam matriculados nosistema formal do ensino fundamental e os jovens com 14 a 18 anos de idade receberiam ensinoprofissionalizante. O ponto de partida consistiu em aulas não-formais baseadas na comunidade,para as quais foram convidadas todas as crianças identificadas pela pesquisa. Ao mesmo tempo,foram adotadas medidas para estimular a geração de renda pelas mulheres nas famílias de crian-ças trabalhadoras e para conscientizar a comunidade de modo a tornar o conceito do trabalhoinfantil socialmente inaceitável. Foram estabelecidos comitês de ensino nas aldeias, e as comu-nidades foram encorajadas a fazer melhorias nos prédios escolares e a exigir dos professores umensino de alta qualidade e um comportamento amigável para com as crianças.

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PROJETO OPORTUNIDADES PARA O ADOLESCENTE TRABALHADOR(CWOP), MAHARASHTRA

A participação das crianças era um princípio fundamental em todas as atividades do projeto. Fo-ram formados grupos infantis com a participação de crianças trabalhadoras e crianças que já nãoestavam mais trabalhando. As responsabilidades dos participantes incluíam o acompanhamentodas crianças recém-chegadas à classe que precisassem de motivação para permanecer ou, no casode professores negligentes, alcoolizados ou que usassem de violência na sala de aula, a notificaçãodesse comportamento às autoridades da aldeia. As próprias crianças ajudaram a transformar atitu-des no trabalho e na escola. Em uma comunidade, elas colaram a seguinte mensagem em todas ascasas da aldeia: "Nenhuma criança no trabalho, todas as crianças na escola".

Durante os quatro anos do programa, 75% das 10.000 crianças tiveram acesso à escola ou àeducação profissionalizante e 3.000 crianças deixaram totalmente o trabalho. Os gerentes doprojeto em Maharashtra concluíram que melhorar a qualidade do ensino, tornando as escolasmais proveitosas para a criança, era a atividade mais importante, e que se o governo investissemais no ensino fundamental os resultados teriam sido ainda mais notáveis. Subseqüentemente,o sucesso do projeto influenciou outros projetos de erradicação do trabalho infantil administra-dos pelos governos estaduais.150,151

valor em termos de aprendizado e qualificaçõesúteis, pode ser difícil atrair e reter as crianças,mantendo-as longe de situações de trabalho.

O próprio ensino oferece oportunidade para apromoção da autoproteção, da não-violência eda solução pacífica de conflitos, da mesma for-ma que os programas de educação não-formal(ver capítulo sobre a violência contra a criançana escola e em ambientes educacionais). Emambos os ambientes, a educação baseada emhabilidades de vida deve ser acessível aos me-ninos e meninas trabalhadores mesmo que nãopossam parar de trabalhar, para que aprendamsobre a igualdade de gêneros, as maneiras deevitar situações coercitivas ou opressoras, ocomportamento sexual e a necessidade de ado-

tar a não-violência nos relacionamentos. A re-dução da violência baseada no gênero, das prá-ticas sexuais inseguras, da violência nas ruas eda misoginia requer que as formas e percep-ções dominantes de masculinidade sejam ques-tionadas por meio de estratégias voltadas paraos meninos e os homens.149

A PARTICIPAÇÃO DAS CRIANÇAS

Um dos passos mais importantes para capaci-tar a criança a rejeitar o trabalho explorador eos abusos no local de trabalho é facilitar a suaparticipação em programas desenvolvidos eexecutados em seu nome. Essa participação nãodeve ser restrita às consultas sistemáticas àscrianças e suas famílias desde a fase de coleta

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de dados até a implementação e avaliação doprograma; é necessário também capacitá-las quepara que usem seus consideráveis poderes deenvolvimento.152 Isso inclui organizar as suaspróprias atividades no âmbito do programa,como, por exemplo, campanhas para remover ascrianças de locais de trabalho exploradores, bemcomo ações de advocacy em seu benefício. Asatividades participativas podem ser usadas paraaumentar a conscientização sobre a violência aque as crianças podem estar sujeitas.

Em muitas situações, as ONGs ajudaram crian-ças trabalhadoras e crianças não-trabalhadoras adesenvolverem suas próprias organizações, pormeio das quais procuram melhorar suas vidas,obter habilidades e educação, ter acesso a espor-tes ou programas culturais e desempenhar ativi-dades úteis à sociedade. Algumas dessas organi-zações passaram a realizar ações sofisticadas deadvocacy: movimentos de crianças trabalhadorasformaram uma rede internacional e foram repre-sentados na Cúpula Mundial da Criança realiza-da pela ONU em 2002.153 Muitas dessas organi-zações oferecem aos jovens a oportunidade dedesenvolver e demonstrar qualidades ligadas àresponsabilidade social, assumindo a liderança emquestões como o emprego ilegal de crianças, abu-so de bebidas alcoólicas na comunidade,154 mu-danças na lei para aumentar a proteção ao adoles-cente trabalhador em questões como o abuso se-xual,155 resgate de empregados domésticos de fa-mílias abusivas156 e persuasão dos patrões para queofereçam aos seus empregados adolescentes tem-po livre para estudos e recreação.157 Por exemplo,na Nicarágua, o Movimento Nacional de Crian-ças e Adolescentes Trabalhadores (NATRAS)começou a atuar em 2003 na prevenção do abuso

sexual contra crianças e adolescentes, particu-larmente crianças trabalhadoras. Dezoito dasorganizações participantes do NATRAS toma-ram parte em uma série de atividades - desde arealização de pesquisas até o lobby direto juntoàs autoridades municipais - com o objetivo dereduzir o abuso sexual em 13 municípios-alvoe aumentar a conscientização sobre a questãopela sociedade e pelo Estado. Em todas as ati-vidades dessas organizações, o papel dos adul-tos limita-se ao de facilitadores e acompanhan-tes dos membros mais jovens.158

As oportunidades criadas pelas organizações decrianças permitem que os participantes adqui-ram confiança, amor-próprio, liderança e habi-lidades sociais, uma visão mais ampla do mun-do e uma idéia do seu próprio potencial dentrodele. Esses atributos são essenciais para supe-rar a autodepreciação e o profundo sentimentode inferioridade experimentado por muitas cri-anças em situações violentas e abusivas. Essese outros grupos comunitários oferecem um ve-ículo para mudanças de atitude por parte dascrianças, das famílias e das comunidades, quepermitem que as crianças saiam do trabalho epassem a freqüentar a escola. Em alguns cená-rios, a "pobreza" usada como pretexto genéricopara mandar a criança para o trabalho se desfazquando a alternativa de ir à escola é socialmen-te endossada e apoiada pela comunidade.159

ADVOCACY

O papel das ações de advocacy com relação àviolência contra a criança no local de trabalhoé duplo. Por um lado, é preciso chamar a aten-ção dos formuladores de políticas públicas para

"Nós reduzimos o trabalho pesado que costumávamos fazer. Agora podemos dizer para nossasfamílias e nossos patrões que isso é demais para uma criança, que é trabalho de adulto. Agora

podemos negociar o que é ou não aceitável."

Trabalhador adolescente, África Ocidental e Central, 2004 XIII

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os abusos enfrentados pelas crianças e pôr emandamento o desenvolvimento e a implementa-ção de políticas, leis, programas e serviços ade-quados. Por outro lado, é igualmente importan-te influenciar a opinião pública, questionandoa aceitação do trabalho infantil prejudicial pelasociedade. A transformação das atitudes e com-portamentos que toleram a presença de crian-ças no local de trabalho é uma precondição paraa saída sustentável da criança desse cenário. Osgovernos relutam em intervir nas questões dotrabalho infantil quando não estão seguros doapoio político e popular.

Crianças e jovens freqüentemente são seusmelhores defensores e devem receber um papelproeminente como seus próprios porta-vozesjunto a formuladores de políticas públicas, em-pregadores, comunidades, legisladores, a mídiae a sociedade como um todo. A participação dascrianças no Subconselho Técnico sobre o Tra-balho Infantil em Honduras levou a modifica-ções no Plano de Ação Nacional, notadamentepela inclusão da pesca em alto mar como "piorforma" de trabalho devido aos possíveis danosa ela associados.160 Existem muitas oportuni-dades para engajar as crianças, mesmo aquelasque se encontram em ocupações invisíveis,como o trabalho doméstico ou a prostituiçãoinfantil, nas campanhas de advocacy. As crian-ças podem ser mais eficazes que seus interme-diários organizacionais na abordagem da polí-cia, da administração ou da justiça.

O teatro, o drama e a representação de papéispor crianças têm sido usados com grande su-cesso como veículos para ações de advocacy.161

As mensagens podem ser passadas de forma não

acusatória e os atores sentem-se livres paramostrar incidentes de abuso que provavelmen-te não mencionariam em uma entrevista. Damesma maneira, pais e membros da comunida-de que talvez não tenham compreendido os abu-sos a que seus filhos estão expostos quando sãoforçados a trabalhar assimilam melhor a men-sagem e passam a acreditar que existem ra-zões reais para não fazê-lo.162 Ocasiões comoo dia de reunião de pais e mestres, a celebra-ção local do dia das crianças e outros eventosnacionais similares podem ser usados para pro-mover a conscientização sobre as piores for-mas de trabalho infantil e mostrar o que podeser feito para combatê-las. O Dia Mundial con-tra o Trabalho Infantil, iniciado em junho de2002, adota um aspecto específico das pioresformas de trabalho infantil na sua campanhaanual; por exemplo, o tráfico (2002), o traba-lho doméstico infantil (2004), a mineração e otrabalho nas pedreiras (2005).

INTERVENÇÕES DIRIGIDAS:CONTATO, RESGATE EREABILITAÇÃO

O combate à violência contra a criança, especi-almente as piores formas de trabalho infantil,exige a integração entre intervenções programá-ticas práticas e ações de advocacy, ambas comcoleta de dados. É possível realizar uma série deabordagens, dependendo do tamanho e do tipode organização que está empreendendo a ação eda situação à qual ela está respondendo.

Muitas ONGs, em resposta a necessidadesemergenciais como fornecer alojamento a cri-anças fugitivas gravemente abusadas e trauma-

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tizadas, começam com um projeto pequeno,como um centro, e nele baseiam o desenvolvi-mento de serviços, a coleta de dados e a açãode advocacy. Quando conseguem desenvolverum número considerável de serviços, elas po-dem oferecer também assistência jurídica a ado-lescentes trabalhadores vítimas de abusos, paraque possam levar seus empregadores aos tribu-nais. Existem guias de "princípios de boas prá-ticas" para intervenções programáticas em al-guns contextos de "piores formas" de trabalhoinfantil, como o trabalho infantil doméstico.164

Essas intervenções constituem basicamente umaprevenção secundária, respondendo à violênciaonde e quando ela ocorre.

Em contraste, os programas de maior escala ini-ciados por organizações internacionais freqüen-temente incluem medidas preventivas primáriaspara evitar a violência antes que ela ocorra.

Esses programas começam com um processode planejamento e não entram em contato ime-diato com crianças trabalhadoras vítimas de

abusos. Uma metodologia de planejamento paraProgramas de Duração Determinada (PDDs) foidesenvolvida pela OIT/IPEC para eliminar otrabalho infantil.165

Os PDDs consistem em um pacote de interven-ções abrangendo prevenção, remoção, reabili-tação e proteção futura, com base no qual osEstados que ratificaram a Convenção no 182podem lidar com as "piores formas" de traba-lho infantil dentro de um cronograma predefi-nido. Os programas começam com a coleta dedados e outras ações voltadas para a criação deum "ambiente propício para a eliminação daspiores formas de trabalho infantil".166

El Salvador, Nepal e a República Unida da Tan-zânia foram os três primeiros países a imple-mentar os PDDs, no início de 2002. Desde en-tão, mais 17 países seguiram pelo mesmo ca-minho e vários outros estão preparando progra-mas parecidos. Por exemplo, a República Uni-da da Tanzânia fixou metas para reduzir o nú-mero de crianças envolvidas nas piores formas

"ESTAMOS CANSADAS!" - UMA PEÇA TEATRAL PARA CRIANÇASTRABALHADORAS DOMÉSTICAS

Uma pequena peça de teatro com o título de Sanayo ("Estamos cansadas" no idioma wolof) foiescrita e representada por meninas domésticas em Dakar, no Senegal, com o apoio da ONGENDA Tiers Monde. Na peça, a patroa contrata uma doméstica e sujeita a garota a abusos diantede suas amigas por falhas no serviço, na preparação dos alimentos e em outras tarefas. As ami-gas da patroa aderem à zombaria e a filha da patroa acusa a garota injustamente de furto. Final-mente, a garota é demitida sem receber seu salário. Essa peça foi encenada em uma reuniãopreparatória para a Conferência da OUA (Organização da União Africana) sobre Assistência àCriança Africana em 1993. Desde então, a peça já foi encenada em vários locais em Dakar.163

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de trabalho infantil em 75% e a porcentagemglobal da mão-de-obra infantil dos atuais 25%para menos de 10% até 2010. A avaliação in-termediária do projeto concluiu que esses ob-jetivos estavam sendo concretizados.167

Contato

A despeito da natureza oculta de grande parte dotrabalho infantil, vários mecanismos podem serusados para fazer contato com crianças traba-lhadoras. Esses mecanismos incluem o contatocom outras crianças nos locais freqüentados pe-los jovens trabalhadores em suas horas de des-canso. Esses locais incluem parques, igrejas, tem-plos ou mesquitas, escolas noturnas, lojas oumercados. Várias organizações, inclusive as quefazem parte dos programas da OIT/IPEC e doUNICEF, organizam sessões de conscientizaçãopara líderes locais, policiais, chefes de família ecrianças, ensinando-as a relatar e tratar essescasos e salientando a necessidade de evitar a vi-olência ao retirar crianças de situações abusivase de obter a cooperação dos empregadores.

As linhas diretas e sistemas telefônicos de aju-da tornaram-se técnicas bem conhecidas parapermitir que as próprias crianças denunciem aviolência sofrida. Algumas organizações quetrabalham pela eliminação do trabalho infantilestabeleceram linhas diretas para crianças tra-balhadoras. O programa Kasambahay (trabalha-dor doméstico) mantido pelo Fórum Visayan,nas Filipinas, opera linhas diretas para receberdenúncias de abusos e facilitar o resgate.168 No

Camboja, uma ONG local organiza a distribui-ção de cartões com fotos de artistas popularesna frente e números de telefone e endereços decentros para contato no verso. Esses cartões sãodeixados em cabines telefônicas, bares, merca-dos, discotecas e locais semelhantes.169 As li-nhas diretas, porém, consomem muitos recur-sos: elas exigem funcionários bem treinados 24horas por dia e processos eficazes para acionara polícia ou os serviços de emergência.

Operações de resgate

Os esforços para afastar as crianças da vio-lência no local de trabalho podem exigir açõesde emergência. As etapas principais de umprocesso de resposta rápida a casos de emer-gência são: montagem de sistemas para rece-ber informações sobre os abusos, prestadasinclusive pelas próprias crianças através delinhas diretas e abrigos; planejamento do res-gate; execução da operação de resgate; rea-bilitação após o resgate; e reparação legalapós o resgate.170 Ao afastar as crianças delocais de trabalho perigosos, as intervençõesdevem assegurar que a situação delas não pi-ore - que o seu bem-estar físico e amor-pró-prio não sejam ainda mais afetados pelo trau-ma do resgate.171 Muitas operações de resga-te não são preparadas adequadamente. Osserviços de apoio e acompanhamento neces-sários, como o atendimento de saúde e o acon-selhamento de mulheres e crianças resgata-das da indústria do sexo, nem sempre estãoem funcionamento.172

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OPERAÇÃO DE RESGATE EM ATHLONE, CIDADE DO CABO

No início de 2004, uma ONG que fazia campanha contra o abuso de empregadas domésticas(Anex-CDW) começou a receber da delegacia local encaminhamentos de meninas que haviamfugido de uma agência chamada "Excelentes Domésticas". A agência trazia meninas do interior,alojava-as e encontrava emprego para elas. Quando a Anex visitou o recinto, encontrou condi-ções de vida pavorosas, casos de meninas e de trabalhadoras que não haviam recebido qualquerpagamento. A ONG relatou suas descobertas ao Ministério do Trabalho. Algumas semanas maistarde, a publicação de um artigo no jornal sobre uma menina presa na agência finalmente provo-cou uma reação. Descobriu-se que a agência estava operando de forma ilegal, motivo pelo qualfoi fechada. Todas as meninas da agência estavam traumatizadas e queriam voltar para casa,recusando a oferta de treinamento profissional na cidade. A polícia e a Anex providenciaramabrigo e alimentação para as meninas e lhes forneceram passagens grátis para que voltassempara casa. Os proprietários da "Excelentes Domésticas" foram levados a julgamento.173

VIETNÃ, 1999, Menina vendedora de cartões postais narua mostra um dos seus cartões a um assistente social quetrabalha com crianças de rua na Cidade de Ho Chi Minh.

Reabilitação

A principal atividade de várias organizações éretirar as crianças do trabalho infantil e reinte-grá-las às suas famílias. A Coalizão Sul-Asiáticacontra a Servidão Infantil (SACCS) tem a mis-são de identificar, libertar e reabilitar criançasem situação de servidão. Na Índia, várias orga-nizações de direitos humanos tentam obter a sol-tura e reabilitar crianças em situação de trabalhoforçado e servidão por dívida. A organizaçãoWAYS, em Kampala, Uganda, obteve um suces-so notável ao reassentar mais de 300 criançasex-empregadas domésticas. A organização con-sidera essencial o aconselhamento das famíliasantes do reassentamento e da reunificação. Sem-pre que possível, as crianças devem ter acesso aserviços que as aproximem de suas famílias.174

As organizações que trabalham com vítimas deabusos no local de trabalho insistem que sem-pre é importante entrar em contato com a famí-

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lia, mas a criança não deve ser forçada a voltarpara ela contra a sua vontade. Isso talvez nãoatenda aos interesses superiores da criançaquando os resultados prováveis forem a estig-matização social e a rejeição, ou quando a cri-ança correr o risco de ser novamente traficadaou enviada para o trabalho. No caso de meni-nas resgatadas da indústria do sexo, é provávelque haja uma profunda estigmatização por par-te da família e da comunidade para as quais elassão devolvidas, e elas podem também ser con-sideradas portadoras do HIV.175 Casos de rein-cidência do tráfico são comuns, por exemplo,do Nepal para a Índia.

MELHORIA DA COLETA DE DADOS

Muitos avanços foram obtidos desde meadosdos anos 90 no desenvolvimento de metodolo-gias para a obtenção de dados confiáveis sobreo trabalho infantil. Uma iniciativa importantepara aumentar os conhecimentos sobre o abusooculto, ilegal e muitas vezes criminoso de cri-anças no local de trabalho foi o desenvolvimentoconjunto, pela OIT e UNICEF, de uma metodo-logia de Avaliação Rápida.176

As ONGs têm desempenhado um papel funda-mental ao expor alguns dos piores abusos decrianças no local de trabalho. Por exemplo, aAnti-Escravidão Internacional liderou iniciati-vas no campo do trabalho doméstico infantil,concentrando-se a princípio em metodologiassimples de pesquisa que pudessem ser usadaspor ONGs locais como base para ações de ad-vocacy.177 Subseqüentemente, desenvolveu-seuma rede ativa de ONGs militantes atuando naárea do trabalho doméstico infantil, o que per-

mitiu a realização de consultas com criançasdomésticas que expandiram significativamen-te a compreensão da violência e dos abusos queelas sofriam. Como é notoriamente difícil che-gar a esse grupo de crianças, pode-se aprendermuito com essas experiências sobre como con-tatar trabalhadores infantis invisíveis e coletardados com eles e sobre eles.178

Sabe-se muito mais sobre as crianças de rua.Como são visíveis e acessíveis, as crianças quetrabalham nas ruas e em espaços públicos fo-ram estudadas em vários cenários, e, emboraos números geralmente sejam estimativas, existeatualmente um volume considerável de infor-mações sobre elas. Alguns programas voltadospara crianças de rua agora incluem componen-tes de monitoramento, confirmação e acompa-nhamento.179 O número de pesquisas detalha-das sobre servidão infantil por dívida no Sul daÁsia, ou sobre formas tradicionais de escravi-dão e trabalhos forçados afetando crianças naÁfrica e na América Latina, é significativamentemenor. Os poucos estudos existentes foram re-alizados principalmente por ONGs e, com al-gumas exceções notáveis, são de âmbito relati-vamente restrito. Sabe-se muito pouco sobre aviolência no ambiente de trabalho familiar (viade regra, na agricultura de pequena escala), queé onde a maioria das crianças trabalha.

Pesquisa-ação e monitoramento

Recentemente, foram investidos esforços emmetodologias de pesquisa que ajudem a proje-tar intervenções ou a monitorar o impacto dasintervenções existentes para aperfeiçoá-las. Porexemplo, uma pesquisa-ação de meninos e me-

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ninas envolvidos com o tráfico de drogas foiconduzida na Indonésia, Filipinas, Tailândia180

e Brasil, com ênfase na coleta de dados sobreessas crianças para uso direto no desenvolvi-mento de intervenções. Um estudo realizadopelo IPEC sobre o uso e o tráfico de drogas naEstônia ilustrou as dificuldades de se obter in-formações sobre as experiências de crianças emsituações extremas, concluindo: "A violência éum dos poucos assuntos que os jovens usuáriosde drogas não querem discutir com estranhos.Parece que o assunto da violência é tabu e umaentrevista apenas não é suficiente para cons-truir a confiança mútua." 181

Nos últimos anos, o conceito de monitoramen-to do trabalho infantil deslocou-se do monito-ramento das indústrias ou locais de trabalhoorganizado para o monitoramento das crian-ças afastadas do trabalho que receberam ser-viços de proteção. O IPEC desenvolveu umametodologia "localizadora" para avaliar mu-danças de longo prazo (dois anos ou mais apóso término de uma intervenção) que tenhamocorrido na vida das crianças trabalhadorascomo conseqüência da intervenção. Entre osimpactos examinados estavam a situação edu-cacional, o bem-estar econômico, o emprego,a saúde e as atitudes, abrangendo trabalhado-res infantis nas ruas (Turquia), nas minas(Equador), no serviço doméstico (Uganda), napesca (Indonésia) e crianças traficadas (SriLanka).182 No setor informal, o monitoramen-to comunitário vem sendo cada vez mais usa-do como fornecedor de dados confiáveis parao acompanhamento de crianças trabalhadoras.Todas essas iniciativas representam oportuni-dades para identificar a experiência da crian-

ça com a violência física e psicológica, o im-pacto dessa violência e os passos necessáriospara a reparação.

GANHANDO ÍMPETO PARA AREALIZAÇÃO DE MUDANÇAS

Em meados dos anos 90, surgiu um movimentomundial contra o trabalho infantil, com umaampla variedade de protagonistas ativos. A for-ça desse movimento é evidenciada pela rapidezcom que a Convenção no 182 da OIT foi ratifi-cada em todo o mundo e pelo sucesso de inici-ativas como a Marcha Global contra o Traba-lho Infantil, que, em 1988, juntou uma rede deorganizações para realizar ações contínuas con-tra o trabalho infantil. Os parceiros no movi-mento incluem organizações internacionais eregionais, agências bilaterais, a União Interpar-lamentar (UIP), organizações laborais e patro-nais, ONGs, a mídia, acadêmicos e organiza-ções representantes das crianças trabalhadoras.

Uma dinâmica importante tem sido a preocupa-ção crescente (e a pressão dos consumidors) coma responsabilidade social das empresas. Os re-sultados têm sido obtidos principalmente atra-vés da auto-regulação, por meio de alianças se-toriais e códigos de conduta voluntários paragarantir que os integrantes das cadeias de supri-mentos dos setores industriais globalizados - rou-pas, bolas de futebol, sapatos esportivos, produ-tos do tabaco - não empreguem trabalho infan-til.183 Por exemplo, as organizações patronais noAzerbaijão, República da Moldávia, Malauí eUganda promoveram campanhas na mídia con-tra o trabalho infantil. Em Gana, essas organiza-ções estiveram envolvidas em discussões com

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parlamentares sobre uma nova minuta da Lei doTráfico Humano. No Brasil, a ConfederaçãoNacional da Indústria (CNI), em colaboraçãocom ONGs locais, implantou um programa deprevenção e reabilitação para crianças vítimasda prostituição. Na China, na Província de Yu-nan, 74 empregadores influentes da Cidade deKunming fizeram um apelo aos administradoresdo setor privado para que cumprissem as leis tra-balhistas relativas à criança e contribuíssem paraos esforços de combate ao tráfico, inclusive umacampanha de advocacy nas ruas.184

Os sindicatos têm uma longa associação com osesforços para reduzir o trabalho infantil e estãobem posicionados para monitorar e impedir aviolência e o abuso no local de trabalho. Entre-tanto, existem poucos sindicatos em funciona-mento na economia informal ou nos setores mun-diais do trabalho onde é mais comum encontrarcrianças submetidas à violência. Na Bulgária, ascentrais sindicais começaram a voltar a sua aten-ção para as piores formas de trabalho infantil eos locais de trabalho da economia informal. NaUcrânia, o Sindicato Independente de Mineiros(ITUMU) assumiu a liderança dos esforços deerradicação do trabalho infantil em 500 peque-nas minas informais, como parte de um acordosetorial negociado internacionalmente com aparticipação de ambos os lados da indústria. Oacordo foi assinado no Dia Mundial contra oTrabalho Infantil, em 2005.

Um longo caminho a trilhar

Apesar do maior engajamento do sistema ONUe das ONGs com a proteção da criança desde oadvento da CDC, e do novo ímpeto para acabarcom as "piores formas" de trabalho infantil des-de a ratificação da Convenção no 182 da OIT,ainda há um longo caminho a trilhar. Ainda nãohá um reconhecimento suficiente das váriasexperiências de violência - física, psicológica esexual - experimentadas pelas crianças traba-lhadoras, que não são levadas inteiramente emconsideração no desenvolvimento de planos eprogramas. É necessário atribuir maior peso, emescala nacional e internacional, às formas e si-tuações de trabalho intrinsecamente perigosase violentas, especialmente em locais remotos,ilícitos ou ocultos. Existe também a necessida-de de trabalhar com sindicatos e organizaçõespatronais para melhorar a proteção dos mem-bros mais jovens da força de trabalho regularnos locais onde eles enfrentam mais riscos doque seus colegas mais velhos.

Nas organizações que trabalham para erradicaro trabalho infantil, um maior enfoque sobre aviolência sofrida pelas crianças trabalhadoraspode ajudar a criar um ímpeto renovado para arealização de mudanças.

"A proteção da criança requer um volume significativo de recursos financeiros, mas a vida e o bem-estar de milhões decrianças dependem da disposição dos governos para implementar as medidas necessárias. Em nossa opinião, a violência

cometida contra uma só criança é um episódio inaceitável de violência."

Crianças, Consulta Regional, África Ocidental e Central, 2005 XIV

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RECOMENDAÇÕES

É preciso adotar um amplo leque de medidaspara lidar com o problema da violência con-tra a criança no local de trabalho. O proble-ma deve ser abordado como uma questão desubsistência, direitos humanos, trabalho, saú-de, segurança e aplicação da lei, começandopelos esforços para impedir que crianças en-trem para a força de trabalho. O apoio ao aces-so universal à educação fundamental e asações para eliminar o emprego de criançasnas "piores formas" de trabalho são açõespreventivas importantes, mas é preciso tam-bém realizar ações em uma frente mais am-pla, especialmente as relacionadas à pobrezae às necessidades da família.

O ponto de partida principal deve ser umapolítica de tolerância zero dirigida à violên-cia contra a criança trabalhadora, quer este-ja empregada dentro ou fora da lei, em lo-cais de trabalho organizado ou na economiainformal. Essa questão tem que ser trazida àluz e os perpetradores de atos de violênciacontra a criança no local de trabalho devemser punidos. As crianças abaixo da idademínima permitida para trabalhar devem re-ceber ajuda para abandonar o trabalho, alémde educação e treinamento para aumentarsuas oportunidades na vida. No caso de crian-ças empregadas formalmente, a prevençãocontra a violência deve ser incorporada ex-plicitamente aos regulamentos e processos deinspeção, com acesso dos jovens trabalhado-res a sistemas de denúncia, a procedimentosde queixa e aos tribunais.

Legislação

1. A violência contra a criança trabalhadoradeve ser condenada. Cabe aos governos as-segurar que o fato de existirem crianças tra-balhadoras sujeitas rotineiramente à violên-cia no local de trabalho em muitos cenários,quer estejam abaixo ou acima da idade míni-ma legalmente permitida para trabalhar, sejatrazido a público e sistematicamente conde-nado na lei e na prática.

2. Os instrumentos jurídicos internacionaispertinentes devem ser ratificados e aplica-dos. Os governos devem harmonizar a legis-lação nacional sobre o trabalho infantil comos padrões internacionais, notadamente asConvenções nos 138 e 182 da OIT e a Con-venção sobre os Direitos da Criança. A legis-lação deve especificar mecanismos de aplica-ção e impor penas que representem um incen-tivo à eliminação das "piores formas" de tra-balho infantil como primeira prioridade.

Desenvolvimento de políticas e programas

3. Devem ser desenvolvidos planos de açãonacionais para lidar com o trabalho in-fantil. Os governos devem criar e imple-mentar planos de ação para lidar com asmuitas questões ligadas ao trabalho infan-til. Esses planos devem ser integrados aosplanos e políticas nacionais de desenvol-vimento, envolvendo a diversidade neces-sária de parceiros (inclusive representan-tes das crianças trabalhadoras), niveís ade-quados de especialização e recursos sufi-cientes. Para que esses planos baseiem-se

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em evidências sólidas, a construção de umabase de conhecimentos sobre a violênciacontra a criança trabalhadora deve ser pri-orizada (ver a recomendação 14).

4. A violência no local de trabalho deve serabordada de forma geral. Os governosdevem assegurar que a violência no localde trabalho seja tratada como um todo, comênfase nas vulnerabilidades específicas dosmembros mais jovens da força de traba-lho. Os empregadores, sindicatos e autori-dades trabalhistas devem promover a tole-rância zero para com aqueles que vitimi-zam jovens trabalhadores.

5. Devem ser oferecidos serviços para per-mitir que as crianças denunciem a vio-lência e possam escapar dela. Os gover-nos devem proporcionar às crianças traba-lhadoras meios de denunciar a violênciasofrida a pessoas em quem possam confiare que possam ajudá-las a abandonar o lo-cal de trabalho ou obter reparação. Essesserviços podem incluir linhas diretas paraque as crianças peçam socorro e, se neces-sário, sejam resgatadas e encaminhadaspara atendimento de emergência.

6. Devem ser oferecidos serviços para ado-lescentes trabalhadores ou que estejamabandonando o trabalho. Cabe aos go-vernos garantir o respeito integral ao di-reito dos adolescentes trabalhadores à edu-cação, à saúde e aos serviços sociais. Ascrianças devem ser encorajadas e capaci-tadas para deixar o trabalho e freqüentar aescola ou cursos profissionalizantes por

meio de programas educacionais de tran-sição e outras iniciativas que proporcionemum aprendizado relevante, acessível e ade-quado à sua faixa etária. As habilidades devida devem fazer parte da educação não-formal para adolescentes trabalhadores.

7. A participação de adolescentes trabalha-dores na criação e implementação de po-líticas, programas e serviços em seu be-nefício deve ser estimulada. Os governosdevem assegurar que o direito de participa-ção do adolescente e sua capacidade de for-necer uma contribuição relevante sejam res-peitados. As opiniões dos adolescentes tra-balhadores, sua energia, habilidades criati-vas e eficácia em ações de advocacy devemser utilizados de modo a garantir a eficáciae a sustentabilidade das políticas e dos pro-gramas de erradicação do trabalho infantil.

8. As competências de todos aqueles queentram em contato com adolescentes tra-balhadores devem ser desenvolvidas. Osgovernos devem oferecer meios que pro-piciem uma melhor capacitação dos par-ceiros de programas, agências governamen-tais, sindicatos, empregadores, policiais,membros do judiciário, inspetores de tra-balho, ONGs, organizações comunitárias,grupos de crianças e pesquisadores paraabordar a violência no local de trabalho.

Aplicação da lei

9. Os perpetradores de atos de violênciacontra a criança no local de trabalho de-vem ser punidos. Os governos devem ga-

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rantir que a impunidade freqüentementedesfrutada pelos empregadores de criançase pelos perpetradores de violência física,psicológica e sexual contra elas terminediante da perspectiva real de instauraçãode processo e penas significativas. Devehaver uma vigorosa aplicação de sançõescriminais contra o uso de crianças parasexo, prostituição ou pornografia e contrarecrutadores e traficantes de crianças.

10. A aplicação da lei e os procedimentos ju-diciais devem levar em conta os interessesda criança. Durante a aplicação da lei relati-va à remoção das crianças de locais de traba-lho ou a instauração de procedimentos judi-ciais contra empregadores ou colegas, cabeaos governos garantir que sejam respeitadosos direitos da criança de não sofrer ainda maisviolência, trauma ou discriminação. Alémdisso, o princípio do "interesse superior dacriança" deve ser observado em todas as açõesque envolvam crianças trabalhadoras.

Advocacy e mobilização social

11. A população deve ser conscientizada so-bre os efeitos prejudiciais do trabalho in-fantil. Os governos devem garantir a cons-cientização da população sobre o direitode todas as crianças à proteção contra to-das as formas de violência e a dissemina-ção, para os pais, a família e a comunida-de, de informações sobre os riscos da vio-lência e seus efeitos prejudiciais sobre oscrianças trabalhadoras. Deve-se encorajaro diálogo social sobre o conceito de traba-lho decente e enfatizar o valor do ensino.

12. Deve-se obter o apoio do setor privado eda sociedade civil. Os governos devem re-alizar esforços para estimular a responsabi-lidade social das empresas quanto ao pro-blema da violência contra a criança no localde trabalho, o que inclui a adoção de dire-trizes éticas no local de trabalho. Em espe-cial, a indústria do turismo e a mídia devemser encorajadas a fazer campanha contra aexploração sexual e o tráfico de crianças.

Informações e pesquisas

13. Dados sobre a violência contra a crian-ça no local de trabalho devem ser colhi-dos. Devido à ausência quase total de da-dos sobre a violência contra a criança nolocal de trabalho, os governos devem ga-rantir o emprego de todos os meios possí-veis para colher esses dados, seja atravésde programas e serviços ou de estudos epesquisas específicos. Essas pesquisas de-vem dar prioridade às crianças especial-mente vulneráveis, notadamente aquelasque trabalham em ambientes domésticos,nas ruas e em atividades ilícitas.

14. As intervenções devem ser monitoradas eavaliadas. Os governos devem prover mei-os para que o efeito das intervenções sejamonitorado durante um período de tempoposterior ao seu término e que as liçõesaprendidas sejam amplamente divulgadas.

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172 Aliança Save the Children(2005). 10 EssentialLearning Points: Listen and Speak Out against SexualAbuse of Girls and Boys. Apresentação global daAliança Internacional Save the Children para o Estudodo Secretário-Geral da ONU sobre a Violência contraa Criança. Oslo, Save the Children Noruega.

173 Anti-Slavery International (2005). Child DomesticWorkers: A Handbook on Good Practice inProgramme Interventions. Londres, Anti-SlaveryInternational.

174 Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre aViolência contra a Criança (2005). Regional ConsulationOutcome Report: Eastern and Southern Africa.Disponível em: http:// www.violencestudy.org/r27.

175 Aliança Save the Children(2005). 10 EssentialLearning Points: Listen and Speak Out against SexualAbuse of Girls and Boys. Apresentação global daAliança Internacional Save the Children para o Estudodo Secretário-Geral da ONU sobre a Violência contraa Criança. Oslo, Save the Children Noruega.

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6

301

180 OIT/IPEC (2004). The Use of Children in theProduction, Sale and Trafficking of Drugs:Intervention Models Developed in Indonesia, thePhilippines and Thailand. Bangkok, ProgramaInternacional para a Eliminação do Trabalho Infantil,Organização Internacional do Trabalho.

181 OIT/IPEC (2002). Estonia. Children and AdolescentsInvolved in Drug Use and Trafficking: A RapidAssessment. Genebra, Programa Internacional para aEliminação do Trabalho Infantil, OrganizaçãoInternacional do Trabalho, p. 50.

182 OIT (2006). The End of Child Labour: Within Reach.Relatório Global, Genebra, Organização Internacionaldo Trabalho

183 Existem muitos exemplos de códigos abrangendo:vestuário (1995), costura de bolas de futebol (1997),tabaco (1999), cacau (2001) e mineração de pequenaescala (2005). Ver também: código de conduta para oturismo: 'Turismo Seguro para Crianças' no Brasil,Camboja, República Dominicana, Quênia, México eTanzânia. A OIT/IPEC tem sido um dos principaispatrocinadores dessas iniciativas. Ver também oRelatório Global da OIT (2006).

184 OIT (2006). The End of Child Labour: Within Reach.Relatório Global, Genebra, Organização Internacionaldo Trabalho

CITAÇÕES

I Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre aViolência contra a Criança (2005). Regional DeskReview: Latin America, p 46. Disponívelem:www.violencestudy.org/r27.

II Bhima Sangha (2005). Submission to the UnitedNations Secretary-General's Study on Violence againstChildren. Bhima Sangha.

III UNICEF (2003). From perception to reality: A studyon child protection in Somalia. UNICEF Somália.Capítulo 7, p. 11.

IV Blanchet T (2001). Child Work in a Bihari Camp andin the Benarasi Sari Industry of Mirpur. Estocolmo,Save the Children Suécia, p. 97.

V Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre aViolência contra a Criança (2005). Regional DeskReview: Latin America, p. 47. Disponívelem:www.violencestudy.org/r27.

VI Human Rights Watch (2005). Morocco: 'Hidden' ChildWorkers Face Abuse. Nova Iorque, Human RightsWatch Disponível em: http://hrw.org/english/docs/2005/12/21/ morocc12278.htm

VII Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre aViolência contra a Criança (2005). Regional DeskReview: Eastern and Southern Africa, p. 25.Disponível em:www. violencestudy.org/r27.

VIII Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre aViolência contra a Criança (2005). Regional DeskReview: East Asia and the Pacific, p. 49. Disponívelem:www.violencestudy. org/r27.

IX Aliança Save the Children(2005). 10 EssentialLearning Points: Listen and Speak out against SexualAbuse of Girls and Boys. Apresentação global daInternational Save the Children Alliance para o Estudodo Secretário-Geral da ONU sobre a Violência contraa Criança. Oslo, Save the Children Noruega, p. 58.

X Human Rights Watch (2003). Small change: bondedlabour in India's silk industry. Nova Iorque, HumanRights Watch, p. 4.

XI Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidas sobrea Violência contra a Criança (2005). RegionalConsultation Outcome Report: Eastern and SouthernAfrica, p. 18. Disponível em:www.violencestudy.org/r27.

XII Groves L (2004). Good practice in working children'sparticipation: A case from Senegal. Save the Children.

XIII Government of Kenya (2005). Second Periodic KenyaCountry Report on Implementation of the UNConvention on the Rights of the Child. 11 denovembro de 2005, CRC/ C/65/Add.39.

XIV Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidassobre a Violência contra a Criança (2005). RegionalConsultation Outcome Report: West and CentralAfrica, p. 7. Disponível em: www.violencestudy.org/r27.

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A VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇANA COMUNIDADE

Introdução 305Instrumentos de direitos humanos 306Histórico e contexto 306Natureza e alcance do problema 307Violência física 307

Homicídio 307Violência física não-fatal 311Violência em relacionamentos íntimos e namoros entre adolescentes 311

Violência sexual 313Primeira relação sexual forçada 313Violência sexual praticada por estranhos na comunidade 314

Questões de particular relevância 315Violência contra a criança moradora de rua 316HIV e violência na comunidade 317Violência praticada pela polícia 317Violência praticada por outras figuras de autoridade 318Violência praticada contra minorias sexuais 319Violência praticada contra crianças refugiadas, retornadas e deslocadas internas 319Tráfico de crianças 321

Fatores que contribuem para a violência 322Fatores individuais e familiares 322Fatores situacionais 323

Armas de fogo 323

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Álcool 324Ambiente físico 324Gangues 326Situações turbulentas ou de conflito 328

Fatores relacionados à sociedade 330Urbanização 330Pobreza, desigualdade e exclusão social 331

Respostas à violência contra a criança na comunidade 338No âmbito individual e no âmbito familiar 339No âmbito da comunidade 339

Apoio para a educação e a socialização no âmbito da comunidade 339Prevenção de situações no âmbito da comunidade 342Serviços para vítimas da violência 346

No âmbito da sociedade 351Oportunidades econômicas e igualdade 351Redução do acesso ao álcool e às drogas ilegais 352Redução do acesso e da demanda por armamentos 353Redução da exposição à violência na mídia 353

A participação da criança em todas as esferas 355Coleta de dados e pesquisa 355

Recomendações 358

Referências 362

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INTRODUÇÃO

Nenhuma comunidade está livre da violência. Noentanto, o risco de encontrar violência praticadatanto contra a criança quanto pela criança é mui-to maior em algumas comunidades do que emoutras. Em certas situações, particularmentequando há livre circulação de armamentos, a vi-olência atual assume proporções alarmantes. Issoacontece principalmente nas áreas urbanas deregiões com altos índices de pobreza, disparida-de econômica e desigualdade social, às vezesintensificados pela contínua instabilidade políti-ca ou econômica. Ao mesmo tempo, também emsociedades relativamente ricas e estáveis, espe-cialmente aquelas onde existem desigualdadesevidentes, níveis alarmantes de violência contraa criança têm sido documentados.

A maior parte deste capítulo trata de criançasmais velhas, em particular os adolescentes. Ascrianças tendem a vivenciar os seus anos deadolescência como uma época excitante, quan-do dão início à exploração independente tantodos espaços físicos da sua comunidade quantodos papéis que desempenharão na vida adulta.Para algumas, a caminhada ou a viagem diáriade ônibus para a escola, ou o passeio com afamília para fazer compras, pode ser a primeiraexposição independente à comunidade, mastambém pode ser sua primeira exposição aosriscos da violência.

As comunidades de todos os lugares estão sujei-tas a pressões cujo efeito reduz as proteções dis-poníveis para as crianças. Essas pressões inclu-em a rápida urbanização, a instabilidade políti-ca, a insegurança ambiental e os movimentos

populacionais em grande escala. Em algumaspartes do mundo, a epidemia de AIDS aumentousignificativamente o número de crianças órfãs.Muitas comunidades também tiveram que lidarcom a expansão do abuso de drogas, álcool earmas de fogo, o aumento do tráfico de criançaspara o trabalho ou a exploração sexual e a cres-cente exposição a imagens violentas e pornográ-ficas veiculadas pela mídia globalizada e pelasnovas tecnologias de informação e comunicação.

Mesmo assim, é importante enfatizar que a co-munidade também pode ser uma fonte de pro-teção e solidariedade. De fato, sem a coopera-ção da comunidade - qualquer que seja a suadefinição - pouco pode ser feito para pôr fim àviolência contra a criança. Para muitos, o en-fraquecimento da coesão social e comunitáriano mundo de hoje está no cerne da violênciaque hoje ameaça tantas vidas jovens. Assim, umremédio promissor é a construção de comuni-dades amigas da criança por meio do apoio aofornecimento de infra-estrutura e serviços bá-sicos e da oferta de ajuda às comunidades paraa construção ou reconstrução de valores de gru-po positivos e solidariedade na vizinhança.

Para os fins deste capítulo, o conceito de comu-nidade abrange qualquer espaço usado ou ocu-pado pelas crianças que não seja a sua casa, es-cola, instituições e locais de trabalho organiza-do, abordados em outros capítulos deste Estudo.No entanto, é importante lembrar que a comuni-dade não é apenas um espaço físico, mas tam-bém um ambiente social. As crianças nascem ecrescem dentro da sua estrutura de comportamen-tos, posturas, costumes e crenças e são por elasocializadas para a interação com o mundo exte-

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"É preciso uma mudança de paradigmas. Temos os conhecimentos para evitar que a violência contra a criança aconteça.Precisamos fazer mais para equilibrar nossos investimentos, de forma que o mesmo nível de atenção seja atribuído à

prevenção e à punição dos agressores."

Dr. Etienne Krug, Diretor do Departamento de Prevenção de Lesões e Violência, OMS

rior, o que inclui aprender a lidar com a rede derelacionamentos e instituições que formam ocontexto não-familiar de suas vidas.

As questões aqui consideradas incluem a vio-lência física e sexual, os ataques por parte defiguras de autoridade como a polícia, a violên-cia associada a gangues e traficantes e os riscosespeciais enfrentados por certos grupos de cri-anças, como as que vivem nas ruas ou em acam-pamentos para pessoas que perderam ou deixa-ram seus lares. A violência na mídia de massa,inclusive as novas tecnologias de informação ecomunicação, também é examinada.

HISTÓRICO E CONTEXTO

A vulnerabilidade de uma criança à violência nacomunidade aumenta com a idade, a maturidade ea intensificação dos contatos com o mundo exteri-or. Homicídios e lesões ligadas à violência cometi-da contra crianças ocorrem em comunidades nomundo todo, mas são mais freqüentes em áreas ur-banas afetadas pela pobreza, caracterizadas pelafalta de emprego, baixo nível habitacional, super-população e baixos padrões de ensino e de ameni-dades sociais. As populações de jovens em rápidocrescimento nessas áreas - especialmente meninos- podem expressar sua frustração, raiva e tensão

INSTRUMENTOS DE DIREITOS HUMANOS

Várias disposições da Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), do Pacto Internacionalsobre Direitos Civis e Políticos, da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discri-minação Contra a Mulher, da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cru-éis, Desumanos ou Degradantes e outros tratados, em particular os tratados regionais sobredireitos humanos, aplicam-se à violência contra a criança na comunidade. Essas disposiçõesabordam práticas tradicionais prejudiciais, escravidão, servidão, tortura e tratamento e penascruéis, desumanas ou degradantes. O Protocolo de Palermo para Prevenir, Suprimir e Punir oTráfico de Pessoas, especialmente Mulheres e Crianças, estabelece obrigações legais de comba-te ao tráfico, e o Protocolo Opcional da CDC sobre a Venda de Crianças, a Prostituição e Porno-grafia Infantis estabelece padrões relativos à prostituição e à pornografia.1

As obrigações contidas nesses tratados são impostas aos Estados, e somente os Estados ou seusagentes podem cometer violações de direitos humanos. O Estado incorre em obrigação porviolação dos direitos humanos quando ele ou seus agentes violam os termos de um tratadoaceito pelo Estado. O Estado também incorre em obrigação quando deixa de garantir o direitodas crianças à proteção contra a violência ao permitir essa violência, deixar de tomar medidasadequadas ou não exercitar o devido zelo para impedir, punir, investigar ou reparar os danoscausados por atos de pessoas, grupos ou entidades. Portanto, quando se trata de violência nacomunidade, cabe aos Estados criar e colocar em funcionamento leis, políticas e programas queimpeçam essa violência, investigá-la se ocorrer, assegurar que os perpetradores sofram sançõese reparar os danos que dela possam resultar.

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contida em brigas e comportamento anti-social. Ha-vendo ampla disponibilidade de armas de fogo eoutras armas, aumenta a probabilidade de que bri-gas resultem em lesões graves e morte. A violên-cia tende a ser mais comum nas situações emque os meninos são encorajados a exibir mascu-linidade agressiva, habilidade no manuseio dearmas, códigos particulares de lealdade e vin-gança e disposição geral para correr riscos.2,3,4

Em muitos lugares, as crianças - especialmentemeninas - enfrentam uma exposição maior à vio-lência na comunidade à medida que tornam-semais velhas e suas tarefas domésticas as levamcada vez mais longe de casa. Muitas crianças emzonas rurais da África e da Ásia relatam senti-rem-se ameaçadas ou terem sido atacadas ao bus-car água, combustível ou forragem, tarefas quepodem exigir uma caminhada consideravelmentelonga em áreas isoladas.5,6 Crianças mais velhaspodem deparar-se com a violência em relaciona-mentos íntimos e namoros, grupos de colegas,esportes e outras atividades recreativas, bem comono contexto de grupos religiosos, associações tra-dicionais e movimentos políticos ou sociais.

NATUREZA E EXTENSÃODO PROBLEMA

As seções a seguir examinam os tipos de violên-cia enfrentada pela criança na comunidade, inclu-sive violência física e sexual, e a violência queocorre em relacionamentos íntimos e namorosentre jovens. Também são considerados os gru-pos de crianças sujeitos a riscos particularmentealtos de violência, inclusive crianças de rua, jo-vens membros de minorias étnicas, crianças em

campos para refugiados ou deslocados e criançasvítimas de tráfico humano ou seqüestro.

É importante notar que os dados quantitativosdiscutidos a seguir raramente estão agregadosde forma a distinguir claramente as crianças(aqui definidas como aquelas pessoas com ida-de menor que 18 anos) dos adultos. Na maioriadas vezes, os dados são coletados e agregadosem quatro faixas etárias: de 0 a 4 anos, de 5 a 9anos, de 10 a 14 anos e de 15 a 19 anos. Àsvezes são feitas deduções a partir de dados so-bre jovens até 25 anos de idade.

VIOLÊNCIA FÍSICA

Em países que possuem dados confiáveis, nota-se um aumento repentino e abrupto dos índicesde vitimização e perpetração de violência porvolta dos 15 anos de idade, indicando que umasérie de fatores convergem na fase da adoles-cência para tornar a violência física - incluindoboa parte da violência que ocorre entre adoles-centes -mais comum.7 Essa violência segue pa-drões claros no que diz respeito aos locais ondeela ocorre, quando ela ocorre, quem ela tende aafetar mais e os fatores associados à sua ocor-rência (como o uso de álcool e a desigualdadeeconômica). Sendo altamente previsível, ela é,em princípio, passível de ser impedida por meiode intervenções junto à população.

Homicídio

As estimativas da OMS sobre a carga global dedoenças no ano de 2002 indicam que 52.904crianças com 0 a 17 anos de idade morreramem decorrência de homicídio.8 Dessas crianças

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vítimas de homicídio, 21.995, ou quase 42%,tinham entre 15 e 17 anos de idade e quase 75%delas eram meninos. Essas estimativas globaisnão indicam os cenários em que os homicídiosocorrem, mas dados nacionais colhidos em es-tatísticas da polícia, sistemas de controle de le-sões e estudos especiais sugerem que a maioriados homicídios, na faixa etária de 15 a 17 anos,ocorrem dentro da comunidade.

Em algumas regiões, notadamente na AméricaLatina, os mais altos índices de homicídios den-tre todas as faixas etárias da população ocor-rem entre jovens de 15 a 19 anos de idade. Emoutras regiões, como a África, o Leste Europeue a Ásia Central, os índices de homicídios con-tinuam a subir após a faixa de 15 a 19 anos,com pico entre jovens adultos na faixa dos vin-te anos ou até depois disso. Em todas as regi-ões, porém, os índices de homicídios entre me-ninos com 15 a 17 anos de idade são pelo me-nos três vezes mais altos do que entre meninoscom 10 a 14 anos, enquanto os índices de ho-micídio entre meninas com 15 a 17 anos sãoquase o dobro dos índices entre meninas com10 a 14 anos de idade. Esse aumento repentinoda violência na faixa etária acima dos 15 anosocorre até em regiões com baixos índices dehomicídios em geral, o que indica que a adoçãode medidas que reduzam o comportamento vi-olento antes e durante a segunda metade da ado-lescência é vital para impedir um novo aumen-to nos anos subseqüentes.

Mais de 95% dos homicídios na faixa de 15 a17 anos ocorrem em países de renda baixa emédia, onde o índice de homicídios entre me-ninos com 15 a 17 anos de idade é de 9,8 para

cada 100.000 habitantes, contra 3,2 para cada100.000 habitantes nos países de renda alta. Asmeninas em países de renda alta exibem umíndice de homicídios de 1,5 para cada 100.000habitantes, contra 3,5 para cada 100.000 habi-tantes nos países de renda baixa e média. Coma exceção dos EUA, a maioria dos países com osíndices mais elevados de homicídios de adoles-centes são países em desenvolvimento ou queestão passando por rápidas mudanças sociais eeconômicas. Os países com baixos índices dehomicídios de adolescentes tendem a estar situ-ados na Europa Ocidental ou na Ásia, enquantoos países com altos índices tendem a estar situa-dos nas Américas e na África (ver a Tabela 7.1).

A marcante variação nos índices de homicídiosentre regiões com diferentes níveis de desen-volvimento social e econômico espelha diferen-ças ainda maiores nos índices de homicídiosobservadas entre as comunidades de um mes-mo país. Por exemplo, estudos realizados emregiões e cidades de países de renda baixa, mé-dia e alta, inclusive Brasil,9 Colômbia,10 Jamai-ca,11 Federação Russa,12 África do Sul13 e Rei-no Unido14, mostram que os índices de homicí-dios seguem um padrão geográfico recorrentede desigualdade, sendo várias vezes maiores nascomunidades mais destituídas do que nas co-munidades mais ricas. Por exemplo, na Cidadedo Cabo, África do Sul, apenas poucos quilôme-tros separam as favelas, onde o índice de homi-cídios entre pessoas do sexo masculino é superi-or a 200 para cada 100.000 habitantes, das áreasresidenciais mais ricas e bem estabelecidas, ondeo índice de homicídios entre pessoas do sexomasculino é quatro vezes menor, cerca de 50 paracada 100.000 habitantes.15

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Relativamente poucos estudos examinaram arelação vítima-agressor e os cenários típicossubjacentes ao homicídio na faixa etária de 15a 17 anos. Os que fizeram isso indicam que osperpetradores freqüentemente são amigos ouconhecidos da vítima e que boa parte dessa vi-olência homicida ocorre em bairros e locais desocialização, estando ligada a discussões quelevam a brigas - por garotas, pertences, rivali-dades, traições de lealdades ou de códigos de

grupo - e abuso de bebidas ou drogas. A dispo-nibilidade de armas de fogo aumenta a proba-bilidade de que essa violência resulte em lesõesgraves ou morte.16,17,18,19

As diferenças de gênero nos índices de homicí-dios entre adolescentes levantam questões so-bre como a socialização masculina e as normasque regem a masculinidade contribuem para aviolência contra a criança na comunidade. Em

TABELA 7.1 - Índices de homicídio de homens e mulheres por região: índicesestimados de homicídio de adolescentes por região da ONU, 2002

MULHERES(FAIXA ETÁRIA, ANOS)

HOMENS(FAIXA ETÁRIA, ANOS)REGIÃO

Todas 2,08 9,06 1,49 3,28

Países de renda alta 0,56 3,25 0,40 1,53

Países de baixa renda 2,25 9,75 1,61 3,48

África 5,09 15,64 4,62 9,45

Ásia 1,21 3,93 0,69 1,48

Austrália/Nova Zelândia* 0,41 1,60 0,31 0,48

Europa 0,89 5,72 0,75 1,67

América Latina e Caribe 4,01 37,66 1,81 6,50

América do Norte 1,09 6,37 0,72 1,60

Oceania** 2,00 0,13 0,85 2,14

10 - 14 15 - 17 10 - 14 15 - 17

* Índice baseado em menos de 100 casos** Não inclui Austrália e Nova Zelândia. Índice baseado em menos de 100 casos.Fonte: OMS (2006). Estimativas Globais das Conseqüências para a Saúde da Violência Contra a Criança. Documento-Base para o Estudo do Secretário-Geral sobre a Violência contra a Criança. Genebra, Organização Mundial da Saúde.

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quase todos os países (com a exceção das cri-anças pequenas, para as quais os índices dehomicídios são semelhantes entre meninos emeninas), os índices de homicídios entre crian-ças são substancialmente mais altos no sexomasculino do que no feminino. Os índices dehomicídio de meninos com 15 a 17 anos de ida-de são quase três vezes maiores do que entremeninas na mesma faixa etária. Nas Américas,na África e no Leste Europeu, onde foram en-contradas alguns dos índices mais elevados dehomicídio entre adolescentes, os índices parameninos com 15 a 17 anos de idade são seis

vezes maiores do que entre meninas na mesmafaixa etária. Dados preliminares da Cidade doCabo e da Unidade de Incidência de Doenças doConselho de Pesquisas Médicas da África do Sulmostram que um menino que celebre o seu 15o

aniversário no assentamento informal de Nyan-ga, na Cidade do Cabo, teria mais de uma chan-ce em 20 de ser morto por arma de fogo até os 35anos de idade.20 Dados vindos da Colômbia mos-tram que um jovem que celebre o seu 18o ani-versário no Departamento de Antioquia teria maisde uma chance em 20 de ser morto por arma defogo até a idade de 25 anos.21

A VIOLÊNCIA TESTEMUNHADA

Além das que sofrem a violência diretamente, muitas crianças testemunham a violência nascomunidades em que vivem (esse assunto é discutido no capítulo sobre a violência contra acriança no lar e na família). Pesquisas abrangentes constataram que as crianças que testemu-nham violência na comunidade estão sujeitas a uma série de problemas psicológicos, comporta-mentais e escolares, bem como a dificuldade de concentração, comprometimento da memória,dependência ansiosa dos seus cuidadores ou comportamento agressivo.22,23,24

Muitas das pesquisas pioneiras sobre a exposição da criança à violência na comunidade e asconseqüências dessa exposição foram realizadas nos EUA, tendo como foco comunidades urba-nas em que altos níveis de crimes violentos e múltiplos fatores de riscos estão presentes. Porexemplo, em um estudo realizado na cidade de Nova Iorque com 95 meninos de "alto risco" nafaixa etária de 6 a 10 anos, 35% relataram ter testemunhado um esfaqueamento, 33% viramalguém ser baleado, 23% viram um cadáver na vizinhança e 25% viram alguém ser morto.25

Mesmo não tendo testemunhado a violência diretamente, a criança pode ser prejudicada quandoa vítima é alguém próximo a ela. Na Colômbia, em um estudo de 5.775 crianças com idade entre12 e 18 anos realizado em 2001, 11% desses adolescentes relataram que um parente havia sidoassassinado, raptado ou recebido uma ameaça de morte no ano anterior. Esse número dobrouentre os adolescentes residentes em Medellín, uma cidade com níveis particularmente altos decrimes envolvendo armas de fogo.26 Na Jamaica, 60% das crianças entre 9 e 17 anos relataramter um parente que foi vítima da violência e 37% tinham um parente que havia sido morto.27

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Violência física não-fatal

As conseqüências da violência física não-fatalenvolvendo crianças na comunidade variam delesões leves a lesões graves. As lesões gravestendem a exigir tratamento médico de emergên-cia e internação hospitalar, com alto consumode recursos, e podem resultar em deficiênciapermanente, como lesão cerebral ou paraplegia,ou exigir amputação. Além disso, os confrontosfísicos muitas vezes precedem formas de vio-lência ainda mais sérias, como o homicídio.

Poucos países têm sistemas de informações paramonitorar lesões violentas não-fatais, e os sis-temas existentes normalmente registram dadossobre lesões violentas apenas de vítimas que seapresentam nas emergências de hospitais. Osdados desses sistemas não podem ser compara-dos diretamente, dadas as diferenças marcan-tes entre países e dentro de um mesmo país noque concerne à disponibilidade e ao acesso aserviços de emergência médica. Além disso, amaioria dos estudos não descreve suas conclu-sões utilizando faixas etárias que correspondamà definição de criança contida na CDC - umapessoa com idade entre 0 e 18 anos.

Não obstante, estudos especiais sobre a violên-cia entre jovens de 10 a 29 anos de idade forne-cem uma quadro mais claro da magnitude doproblema. Por exemplo, estima-se que para cadaum dos aproximadamente 200.000 homicídiosocorridos em 2000 envolvendo jovens com ida-de entre 10 e 29 anos, cerca de 20 a 40 vítimasde violência física não-fatal receberam trata-mento hospitalar.28 Em outras palavras, entre 4e 8 milhões de jovens recebem tratamento hos-

pitalar por lesões relacionadas à violência to-dos os anos. Como ocorre no homicídio, os ín-dices de vítimas de violência não-fatal são subs-tancialmente mais altos entre pessoas dosexo masculino do que do sexo feminino. Porexemplo, em Eldoret, no Quênia, havia 2,6 ví-timas de violência do sexo masculino para cadavítima do sexo feminino que recebeu tratamen-to hospitalar emergencial. Na Jamaica, essa pro-porção era de três para um, e na Noruega dequatro a cinco para um.29,30,31

Estudos sobre violência física não-fatal resultan-do em tratamento hospitalar de emergência mos-tram que, como no caso do homicídio, os índicesaumentam dramaticamente na segunda metade daadolescência e no início da vida adulta.32,33,34,35

Também como no homicídio, as lesões resultan-tes de violência que resultam em tratamento hos-pitalar são sofridas, em sua maioria, durante atosde violência cometidos por homens contra ho-mens, sendo que a maioria dos perpetradores temvínculo de amizade ou conhece a vítima e boaparte das vítimas e dos agressores consumiu álco-ol pouco antes ou durante o incidente violento.No entanto, ao contrário da violência homicida, amaior parte das lesões violentas não-fatais não écausada por armas de fogo, mas por facas, obje-tos contundentes, punhos e pés.36

Violência em relacionamentosíntimos e namoros entreadolescentes

Os relacionamentos íntimos e namoros compessoas do sexo oposto (e, com menor freqüên-cia, do mesmo sexo) fazem parte do crescimentode muitos adolescentes. As formas que esses

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relacionamentos assumem variam da simplesconvivência e saídas ocasionais a namoros maisformais e casamento (quanto à violência come-tida pelo parceiro em casamentos precoces, vejao capítulo sobre a violência contra a criança nolar e na família). O namoro é comum nos paí-ses industrializados, mas outras tradições cul-turais podem proibir o relacionamento entremeninos e meninas antes do casamento.37

O Levantamento Escolar Global sobre a Saúdedos Estudantes, realizado de 2003 a 2005 comestudantes na faixa de 13 a 15 anos de idade, co-lheu informações sobre a violência no namoro.Uma análise preliminar dos dados mostrou níveissignificativos de violência física nas relações ín-timas em vários países. Perguntados se haviamsido golpeados, estapeados ou feridos delibera-damente pelo namorado ou namorada nos últimos12 meses, 15% das meninas e 29% dos meninosda Jordânia responderam afirmativamente. Omesmo foi relatado por 9% das meninas e 16%dos meninos na Namíbia, 6% das meninas e 8%dos meninos na Suazilândia e 18% das meninas e23% dos meninos em Zâmbia (ver a Figura 7.1).38

Um estudo realizado em 2001 com estudantesdo segundo ciclo do ensino fundamental e doensino médio nos EUA (75% deles com idademenor que 18 anos) encontrou níveis igualmen-te altos de violência física, além de violência psi-cológica. O estudo também constatou que a vio-lência física raramente ocorria na ausência deviolência psicológica, como insultos, xingamen-tos, imprecações e ameaças de violência física.39

O Estudo Internacional sobre Violência no Na-moro, realizado em 31 universidades de 16 paí-

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ses na Ásia, América Latina, Oriente Médio eAmérica do Norte, encontrou alta prevalência deviolência física perpetrada tanto por homensquanto por mulheres contra seus parceiros denamoro (17% a 38% dos homens e 17% a 48%das mulheres).40 Embora esse estudo tenha pes-quisado jovens adultos (com idade média de 22anos), as conclusões apontam para a constata-ção de que os relacionamentos íntimos entre jo-vens adultos ou adolescentes em todo o mundosão caracterizados por altos níveis de agressão.

VIOLÊNCIA SEXUAL

A violência sexual contra a criança pode ter umimpacto devastador sobre sua saúde tanto físi-ca quanto mental, podendo levar ao suicídio, àinfecção por HIV ou ao assassinato da vítimanos casos de "legítima defesa da honra".41 Éextremamente comum que a violência seja per-petrada com total impunidade para o agressor.

Primeira relação sexual forçada

Para muitos adolescentes, a primeira relação se-xual é indesejada ou ativamente forçada. A Figu-ra 7.2 mostra a prevalência da iniciação sexualforçada relatada em estudos realizados em váriospaíses e ilustra a extensão da violência sexual en-tre adolescentes. Com a exceção do casamento decrianças (ver o capítulo sobre violência contra acriança no lar e na família), muito dessa coerçãosexual inicial é perpetrada por colegas, mesmono contexto de um relacionamento íntimo.

Pesquisas indicam que quanto mais cedo ocorrea iniciação sexual, maior é a probabilidade deque tenha sido forçada de algum modo.42,43,44,45 Isso

é particularmente aplicável às meninas, que en-frentam um risco maior de terem sua primeirarelação sexual forçada que os meninos. O Estu-do Multipaíses da OMS sobre Saúde da Mulhere Violência Doméstica descobriu que as mulhe-res que relatavam ter tido sua primeira relaçãosexual antes dos 17 anos de idade tinham umamaior probabilidade de relatar uma iniciaçãosexual forçada do que as mulheres que relata-vam uma iniciação sexual mais tardia. Das mu-lheres que relataram uma primeira relação sexu-al antes de 15 anos de idade, entre 11% e 45%afirmaram que ela foi forçada.46

Além da iniciação sexual forçada, muitas crian-ças vivenciam a coerção sexual contínua por par-te do namorado ou da namorada (ver a Tabela 7.2).Embora os estudos disponíveis sugiram que a vi-olência física nos relacionamentos íntimos (veracima) ocorre em taxas semelhantes para meni-nas e meninos, as meninas correm maior risco doque os meninos de sofrer violência sexual em umrelacionamento íntimo ou namoro.47 Um estudosobre coerção sexual entre jovens do Quênia cons-tatou que, para as mulheres que haviam sofridocoerção sexual, o namorado havia sido o perpe-trador mais comum (51%), seguido do marido(28%) e de conhecidos (22%).48 Um estudo reali-zado na Tailândia verificou que 54% das experi-ências de adolescentes e mulheres jovens comrelação sexual forçada haviam ocorrido comparceiros estáveis ou casuais e outras 27% comconhecidos.49 O Estudo Australiano de Saúde eRelacionamentos descobriu que a maioria doscasos de coerção sexual de homens e mulheresocorreu até os 18 anos de idade. Entre as mulhe-res que relataram coerção sexual, um terço afir-mou que a primeira experiência ocorreu entre 9

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e 16 anos de idade, e 40% dos homens querelataram coerção sexual tinham entre 9 e 16anos na primeira ocorrência.50

Violência sexual praticada porestranhos na comunidade

A violência sexual contra a criança é perpetra-da mais comumente por algum conhecido dacriança, seja da sua família ou do círculo fami-liar, mas pessoas de fora desses círculos tam-bém cometem um número significativo de ata-

ques sexuais contra crianças em muitos países.52

Os perpetradores podem ser vários tipos de pes-soas, algumas das quais podem ter planejado oataque. Uma seleção de estudos disponíveismostra a variedade e a gravidade da violênciasexual cometida por pessoas que a criança nãoconhecia. Em um levantamento efetuado commulheres da África do Sul que relataram ter sidoestupradas antes dos 15 anos de idade, 21%identificaram estranhos ou conhecidos recen-tes como seus atacantes.57 Universitárias chi-nesas da Região Administrativa Especial de

"Em todos os países, as crianças portadoras de deficiência continuam a experimentar a violência em números iguais oumaiores que as crianças sem deficiência. Muitas vezes, essas crianças são consideradas não merecedoras de dignidade e

respeito. Devemos nos lembrar que as crianças portadoras de deficiência são, acima de tudo, crianças. Elas, como ascrianças sem deficiência, devem ter o direito de serem livres da violência, elas também têm o direito de serem respeitadas

e protegidas. É nossa responsabilidade legal garantir que isso aconteça."

Charlotte McClain-Nhlapo, Conselho Editorial do Estudo do Secretário-Geral da ONU sobrea Violência Contra a Criança

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Hong Kong relataram que 28% dos perpetra-dores de abuso sexual foram estranhos.58 NaHungria, 34% das meninas com idade menorque 18 anos tratadas em um hospital após ata-que sexual informaram ter sido atacadas por umestranho.59 Em alguns casos, a violência sexualé acompanhada ou associada ao rapto ou tráfi-co de pessoas.

QUESTÕES PARTICULARMENTERELEVANTES

O Estudo recebeu relatos de violência sofrida porgrupos específicos de crianças ou situações espe-cíficas em que as crianças parecem estar sob gran-

de risco de violência. As crianças portadoras dedeficiência podem ser visadas por outras pessoasda comunidade em razão do estigma e do precon-ceito. Os serviços que suprem satisfatoriamenteas suas necessidades ainda são a exceção. A vul-nerabilidade das crianças moradoras de rua foifortemente enfatizada nas Consultas Regionais.A violência física e sexual cometida por figurasde autoridade, como treinadores, líderes religio-sos e professores, foi amplamente mencionada,apesar da escassez de dados concretos. Em regi-ões com um grande número de refugiados e pes-soas deslocadas, demonstrou-se preocupação coma segurança das crianças nos campos de alojamen-to ou dispersas na comunidade, ao passo que os

"É fácil apanhar quando você é um menino de rua. As pessoas podem te estuprar. Os homenspodem bater num menino e estuprá-lo. Não há nada que você possa fazer a não ser fugir,

se tiver sorte."

Menino, 12 anos, morador de rua, África Oriental e Meridional, 2005 I

TABELA 7.2 - Relato de coerção sexual por adolescentes: levantamentosselecionados, 1999 - 2005

PORCENTAGEMPORCENTAGEMPORCENTAGEMPORCENTAGEMPORCENTAGEMRELATANDO RELAÇÃORELATANDO RELAÇÃORELATANDO RELAÇÃORELATANDO RELAÇÃORELATANDO RELAÇÃO

SEXUAL FORÇADASEXUAL FORÇADASEXUAL FORÇADASEXUAL FORÇADASEXUAL FORÇADAAMOSTRA

REGIÃO

China51 Hong Kong 1999 8,382 15 - 18 16,9 17,0

Quênia52 Distrito de Nyeri 2001 2,712 10 - 24b 20,8 11,0

Nigéria53 Estado de Plateau 2000 4,218 12 - 21 45,0 32,0

Tailândia54 Província de Chiang Rai 2001 832 15 - 21 28,1 n/a

EUA55 Nacional 2005 13.953 13 - 18c 10,8 4,2

Tamanho daamostraa

a) Número total de adolescentes no estudo. Os índices baseiam-se nos adolescentes que tiveram relações sexuais.b) Dos 1.753 respondentes incluídos na análise, cerca de 6% dos homens e 30% das mulheres nunca haviam sido casados.c) Estudantes do ensino médio e das últimas séries do ensino fundamental que relataram relação sexual forçada.

POPULAÇÃOPOPULAÇÃOPOPULAÇÃOPOPULAÇÃOPOPULAÇÃOESTUDADAESTUDADAESTUDADAESTUDADAESTUDADA

Faixaetária Mulheres Homens

ANO

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colaboradores de todas as regiões estavam preo-cupados com o tráfico de pessoas e as condiçõesdas crianças afetadas pelo HIV/AIDS.

Violência contra a criançamoradora de rua

"Crianças de rua" formam uma categoria gran-de e mal definida de crianças. Desde os anos80, os analistas traçaram uma distinção entrecrianças nas ruas e crianças de rua.60,61 Umaparte relativamente pequena - menos de 10% -das crianças visíveis nas ruas adotaram de fatoa rua como o seu habitat. Esse grupo é normal-mente caracterizado pelo termo "crianças derua". Embora possa ser usado de forma pejora-tiva, o termo também é empregado por muitascrianças e suas organizações representativas,algumas vezes com orgulho considerável.

No passado, pensava-se que milhões de crian-ças sem raízes viviam nas ruas de vários paísesda Ásia e da América Latina. Porém, as pesqui-sas estabeleceram que muitas dessas criançasna verdade têm famílias funcionais. Apesar dis-so, existem cidades em muitas regiões em quegrandes quantidades de crianças estabeleceram-se nas ruas e raramente ou nunca vão para casa.Em Nairóbi, por exemplo, as ONGs locais esti-mam que os números cheguem a 20.000.62 NaChina, uma estimativa de âmbito nacional che-gou a 150.00063 e na Indonésia, a 170.000.64 Emtodos os lugares, a maioria das crianças que vivenas ruas é de meninos.65

A discriminação e a violência contra a criançamoradora de rua muitas vezes nasce do estig-ma associado à falta de uma família (evidente-

mente, muitas têm família) e às atividades queelas podem ter que adotar para sobreviver. Ascrianças de rua de todos os lugares relatam serdemonizadas por atividades que, mesmo queenvolvam pequenas infraçõs, de maneira nenhu-ma justificam o tipo de violência cruel e gratui-ta à qual são muitas vezes submetidas.66

Assassinatos de crianças de rua foram relata-dos na Colômbia, no Brasil, na Guatemala enas Filipinas.67 Casos de pavorosa brutalidadeforam documentados na capital haitiana dePorto Príncipe, onde 3.000 crianças de rua fre-qüentemente são atacadas por vigilantes arma-dos.68 A extensão de violações sérias aos di-reitos humanos pode ser bem maior do queindicam as escassas estatísticas disponíveis,que são pouco confiáveis. Muitos casos nãosão notificados devido à ausência de testemu-nhas ou porque as vítimas ou seus parentesvivem marginalizados e tendem a permanecer

UCRÂNIA, 2005, Dois meninos cheiram cola em um canode esgoto na cidade portuária de Odessa.

"As pessoas te tratam mal. Você perde a vontade de andar na rua porque elas te chamam de nomes. As pessoascochicham quando você passa por elas. Elas acham que quando uma pessoa da sua casa está doente, todos

da casa estão doentes."

Menina, 16 anos, África Oriental e Meridional, 2003 II

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anônimos. A Organização Mundial Contra aTortura relatou que em Cidade Bolívar, emBogotá, Colômbia, 850 crianças e adolescen-tes foram assassinados entre 2000 e 2004 e 620foram raptados entre agosto de 2003 e agostode 2004. A força policial nacional estava en-tre os responsáveis citados por esses atos.69

Meninas e meninos de rua são vulneráveis aoabuso sexual cometido por muitos indivíduos,incluindo transeuntes e pessoas que oferecemabrigo.70 Elas também arriscam-se a ser recru-tadas por cafetões e traficantes para explora-ção sexual e econômica ou a ter que apelar parao "sexo de sobrevivência" (sexo em troca decomida ou abrigo).71

HIV e violência na comunidade

As crianças cujos pais se encontram doentesdevido ao HIV/AIDS ou que se tornaram órfãspor causa da doença enfrentam a violência psi-cológica, a estigmatização e a discriminação.Elas podem ser rejeitadas pelos amigos, peloscolegas de escola e pelos centros de saúde. Alémdo pesar e da perda que sofrem, os órfãos daAIDS, calculados em 15 milhões, enfrentam ocrescimento sem a ligação e o apoio emocionaldos pais. Muitas dessas crianças não dispõemdo auxílio da família próxima ou estendida, sejaporque a solução inicial era insustentável ouporque não havia opções disponíveis. Emboranão existam estimativas significativas sobre onúmero ou a proporção de crianças de rua tor-nadas órfãs pelo HIV/AIDS, existem claras in-dicações de que o número de crianças de ruaestá aumentando em muitas cidades subsaaria-nas, muito provavelmente por causa do núme-

ro crescente de crianças que perderam os paisdevido ao HIV/AIDS. Em Brazzaville, no Con-go, quase 50% das crianças de rua são órfãs.Em Lusaka, em Zâmbia, a maioria das criançasque vivem nas ruas é órfã.72

O trauma psicossocial pode persistir mesmoquando os órfãos mudam-se para casas de fa-mílias substitutas ou da sua família estendida.Eles podem ser tratados como parentes de se-gunda classe - discriminados na distribuição decomida, talvez, ou na distribuição do trabalho.Os órfãos em Zâmbia relataram ausência deamor e um sentimento de exclusão como com-ponentes de uma discriminação absoluta. Mui-tas dessas crianças são vulneráveis a abusos (fí-sicos, emocionais e sexuais) por parte dos pa-rentes e outros membros da sua comunidade,sendo que as meninas são particularmente vul-neráveis ao abuso sexual.73

Violência praticada pela polícia

O nível da violência praticada pela polícia con-tra a criança foi considerado um problema sérioem várias respostas dos governos aos questioná-rios do Especialista Independente76 e foi um temacomum nas revisões e consultas regionais. Mes-mo nas sociedades em que o sistema judiciárioestá profundamente entranhado e é mais acessí-vel socialmente do que em muitas outras partesdo mundo, a violência praticada pela polícia con-tra a criança (ou a inação contra os agressores)raramente é investigada. O nível de impunidadede que goza essa conduta é uma razão importan-te para que ela persista.77 Sem sistemas indepen-dentes de monitoramento, as crianças não têmninguém a quem denunciar a violência pratica-

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318da pela polícia, a não ser outro policial, de quemelas, compreensivelmente, temem represálias.Isso, combinado à percepção de que a presençada criança nas ruas é equivalente à "delinqüên-cia juvenil", coloca muitas crianças sob risco deviolência praticada pela polícia.

Desde os anos 90, as ONGs de direitos humanostêm chamado a atenção para a violência praticadapela polícia contra as crianças que vivem e traba-lham nas ruas. Estudos realizados na Bulgária,Egito, Guatemala, Papua Nova Guiné, Sudão eem outros lugares revelam uma brutalidade gene-ralizada, incluindo surras, ataques sexuais e tor-tura. Isso pode acontecer de forma casual nas ruas,a caminho da delegacia após uma prisão e, subse-qüentemente, na carceragem da polícia.78 O Quê-nia relatou, em sua resposta ao questionário doEstudo,79 que as crianças que moram nas ruas fre-qüentemente são molestadas e presas pela po-lícia. Às vezes elas são acusadas de vadiagem oude pequenas infrações e, sem representação nostribunais, são privadas da sua liberdade por anosa fio em instituições correcionais.

QUANDO A TRADIÇÃO ENCONTRA A SUPERSTIÇÃO

A violência contra a criança rotulada como bruxa ou feiticeira foi documentada em muitospaíses. Relatos da África Ocidental (notadamente do Benin, Camarões, Gabão, Libéria e Nigé-ria) documentaram casos de crianças que foram expulsas de suas famílias, marginalizadas pelasociedade e submetidas à violência física, inclusive tortura, algumas vezes resultando em óbi-to.74 Na República Democrática do Congo, onde houve um aumento do número de igrejas espe-cializadas no exorcismo de espíritos maléficos, as acusações de feitiçaria não são mais feitasexclusivamente contra mulheres mais velhas que moram sozinhas (alvo tradicional dessas acu-sações), mas também contra crianças, muitas das quais passam a engrossar as estatísticas das30.000 crianças que já vivem nas ruas de Kinshasa.75

Em Honduras, um total de 59 crianças e jovensabaixo de 23 anos morreram em centros de de-tenção entre maio de 2002 e março de 2004.ONGs locais alegam que 41 dessas vítimas fo-ram executadas extrajudicialmente por agentesdo Estado.80 Após sua visita ao Brasil em 2004,Asma Jahangir, Relatora Especial da ONU paraexecuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrá-rias, informou que as vítimas da violência poli-cial e de execuções sumárias tendem a ser jo-vens afro-brasileiros do sexo masculino comidade entre 15 e 19 anos, normalmente envol-vidos com gangues de criminosos.81

Violência praticada por outrasfiguras de autoridade

Embora os policiais sejam as figuras de autori-dade mais mencionadas em conexão com a vi-olência contra a criança na comunidade, é cla-ro que muitas outras pessoas que têm a respon-sabilidade de supervisionar ou defender crian-ças abusam regularmente da confiança ineren-te aos seus cargos. Essas figuras de autoridade

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incluem treinadores esportivos, autoridades re-ligiosas, funcionários de clubes para jovens eprofessores (a última categoria é discutida nocapítulo sobre a violência contra a criança naescola e em ambientes educacionais).

Nas últimas décadas, certas premissas persis-tentes sobre os efeitos puramente positivos dasatividades organizadas sobre as crianças fo-ram destruídas por relatos de violência físicae sexual contra crianças engajadas em ativi-dades esportivas e religiosas. Em 1998, estu-dos realizados no Canadá e na Noruega reve-laram que mais de um terço dos atletas jovenshaviam passado por experiências negativas edesconfortáveis, variando do assédio sexualleve a abusos. Um estudo-piloto dinamarquês(1998) também revelou que cerca de 25% dosatletas menores de 18 anos haviam vivencia-do ou sabiam de situações de assédio por par-te de um treinador. Um estudo norueguês com-parando a prevalência do assédio sexual den-tro e fora do contexto esportivo sugere queduas vezes mais atletas que não-atletas sofre-ram assédio sexual de treinadores e outras fi-guras de autoridade.82 No caso das organiza-ções religiosas, as informações tendem a limi-tar-se a reportagens jornalísticas e há uma pro-funda carência de dados sistemáticos sobre asvárias confissões religiosas.

Embora não representem todo o espectro de si-tuações possíveis, esses casos são sinais de aler-ta que devem ser levados em séria consideração.

Violência praticada contraminorias sexuais

Reportagens da mídia, casos documentadospor grupos de direitos humanos e evidênciasextraídas de histórias relatadas pelas própri-as vítimas indicam que a violência contra jo-vens lésbicas, homossexuais, bissexuais etransexuais é amplamente prevalente e osagressores incluem parentes, colegas, profes-sores, o clero e a polícia.83,84,85

As leis de alguns países, que criminalizam orelacionamento sexual com o mesmo sexo, e asatitudes estereotipadas tendem a estimular aviolência contra as minorias sexuais. Atitudesdiscriminatórias também estão enraizadas nacultura tradicional e popular, da mesma manei-ra que as posturas que consideram aceitável aviolência doméstica e os castigos corporais.

Violência praticada contra criançasrefugiadas, retornadas e deslocadas

Estima-se que existam 19,2 milhões de refugi-ados e pessoas deslocadas no mundo todo.Embora os campos bem administrados possamser refúgios seguros para seus habitantes, a in-segurança física pode ser um problema sérioem campos e assentamentos para refugiados epessoas deslocadas, especialmente em termosde violência sexual.86,87,88,89 Muitos campos nãodispõem de construções seguras, boa ilumina-ção, aplicação regular da lei, proteção para so-breviventes de ataques ou mecanismos de de-núncia e reparação.90,91 Além disso, a atribui-ção tradicional de certas tarefas a mulheres e

"No rio, nós apanhamos das donas dos poços, as mulheres. Elas gritam conosco: " - Por que vocêsnão vieram [do seu país] com os seus próprios poços?" Elas batem na gente com as mãos e

também com garrafas e varas."

Meninas, África Oriental e Meridional, 2005 III

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crianças - notadamente a coleta de madeira parafogo, água e outros suprimentos domésticos -gera condições de alto risco de ataque sexualdurante a execução dessas tarefas. A comuni-dade pode ser forçada a depender de métodosinformais ou tradicionais de segurança, o queacarreta dificuldades adicionais quando o paiou o marido não está presente (como é o casode muitas famílias refugiadas, principalmenteas deslocadas pela guerra). Em 2006, o AltoComissário das Nações Unidas para os Refugi-ados publicou um estudo realizado em 13 paí-ses (Bangladesh, Costa do Marfim, Etiópia,Guiné, Quênia, México, Nepal, Paquistão, Si-erra Leoa, República Unida da Tanzânia, Tai-lândia, Iêmen e Zâmbia), contendo informaçõessobre a violência contra a criança em camposde refugiados.92 Atualmente esses países têm 52campos e uma população total de quase ummilhão de refugiados.

Uma descoberta particularmente preocupante doestudo foi a de que grande parte dos crimes edisputas em todos os campos de refugiados pes-quisados enquadrava-se na categoria geral deviolência sexual e de gênero. A violência domés-tica (que pode incluir violência contra cônjuges,crianças e outros membros da família, como asnoras) era generalizada em todos os países estu-dados e foi a forma de violência sexual e de gê-nero mais relatada. Em Sierra Leoa, por exem-plo, a violência doméstica ficou em segundo lu-gar, atrás apenas do furto, como a questão jurídi-ca mais prevalente nos campos.

Em muitos casos, pouca proteção ou reparaçãoformal estava disponível às vítimas desse tipode violência através dos sistemas de solução de

disputas dos campos, muitos dos quais são ad-ministrados por anciãos tradicionais escolhidosentre os próprios refugiados. Por exemplo, oestudo constatou que o estupro de meninas emulheres muitas vezes atrai apenas puniçõesinsignificantes. Alguns estupradores eram ab-solvidos se concordassem em casar-se com asobrevivente, embora uma pequena multa ouum período mínimo de detenção pudesse serimposto se a vítima tivesse idade menor que 18anos. O estudo cita dois exemplos de um cam-po de refugiados em que os homens confessa-ram ter estuprado meninas pequenas descritas,respectivamente, como "uma criança deficien-te física e outra deficiente mental". Como pu-nição, os homens receberam pena de detençãode seis meses por um crime que resultaria emum tempo de prisão muito mais longo segundoa legislação nacional do país hospedeiro.93

A violência também pode ser perpetrada porpessoas em posição de autoridade ou deapoio. Um relatório recente da Libéria indi-cou que meninas de oito e 18 anos de idade,especialmente a partir de 12 anos, estavamfazendo sexo regularmente por dinheiro comas autoridades do campo, trabalhadores hu-manitários, membros das forças de paz e fun-cionários do governo, geralmente devido àextrema carência material.94

É muito mais difícil para os programas de as-sistência identificar, monitorar e apoiar deslo-cados internos dispersos por zonas urbanas. Elespodem estar escondidos entre as já mal-servi-das populações pobres locais das favelas ouespalhados por áreas amplas e densamente po-puladas com infra-estrutura e acesso limitados.

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Crianças que estão sendo reassentadas em seu paísde origem também podem estar sujeitas a ummaior risco de violência.95 Um estudo sobre cri-anças da Zâmbia, África do Sul e Angola que ha-viam sido refugiadas por muito tempo relatou vi-olenta discriminação contra essas crianças por suadupla situação de refugiadas e retornadas.96 Essetratamento soma-se à violência extrema testemu-nhada (ou experimentada diretamente) por mui-tas crianças em seu país de origem ou a caminhoda nação anfitriã, um problema que nem sempre éabordado pelos serviços disponíveis. No entanto,novos estudos sobre a capacidade de recuperaçãosugerem que o apoio familiar e a participação ematividades educacionais e recreativas estruturadassão elementos importantes para que as criançasrecuperem-se e readquiram um senso de rotina enormalidade. Embora muitos fatores possam afe-tar os mecanismos infantis de adaptação, a dis-ponibilidade de formas culturalmente relevan-tes de aconselhamento e o fornecimento de apoioespecífico para que elas reestruturem o modocomo encaram suas experiências e desenvolvamhabilidades positivas podem ser úteis.97

Tráfico de crianças

Desde os anos 90, o tráfico substancial de sereshumanos, incluindo crianças, em territórios na-cionais e através das fronteiras internacionais émotivo de grande preocupação internacional. Asestatísticas sobre o tráfico são imprecisas, masa Organização Internacional do Trabalho (OIT)estimou em 2003 que um milhão e duzentas milcrianças são traficadas todos os anos.98 O fenô-meno é complexo e interage com a pobreza, osfluxos migratórios de mão-de-obra, a demandapor mão-de-obra barata e as percepções ou in-

formações equivocadas sobre uma vida me-lhor "em outro lugar". Nos lugares onde ascrianças não são registradas, a falta de docu-mentos de identidade agrava o problema dotráfico, pois as crianças tornam-se alvos fá-ceis para os traficantes e, uma vez traficadas,ficam efetivamente "perdidas".99

Em alguns cenários, os bebês correm riscos es-peciais de serem raptados para o tráfico. Porexemplo, na América Central há relatos de be-bês seqüestrados para o mercado de adoçõesdos EUA, às vezes diretamente do hospital logoapós o nascimento.100

Em certas áreas, há relatos de crianças pequenastraficadas para pedir esmolas. Na fronteira doCamboja, os pais vendem ou alugam seus filhospara serem usados como membros de grupos depedintes em locais da Tailândia.101 A mendicân-cia em terminais de meios de transporte, estaci-onamentos e lugares públicos é uma caracterís-tica do trabalho infantil na Romênia que é "ex-portada" pelo tráfico de crianças tanto interna-mente como para outras partes da Europa.102

O tráfico pode envolver rapto, mas em muitoscasos ele começa com enganação ou engodo.Por exemplo, muitos recrutadores e traficanteslidam diretamente com os pais, que podem acre-ditar que está lhes sendo oferecida uma oportu-nidade para melhorar as perspectivas de vidada criança, que obterá um trabalho bem remu-nerado e poderá remeter dinheiro para casa eajudar a família. Porém, uma vez longe de casae da comunidade, a criança torna-se vulnerávela muitas formas de violência. Essa violênciainclui os abusos físicos e sexuais a que é sub-

"Meu trabalho era fazer de 2 a 3.000 beedis (cigarros) em 24 horas. Como eu não sabia fazerbeedis, eles me batiam e eu sentia muita dor por causa disso. Quando percebi que eles estavam

tentando me traficar para outro lugar, tentei fugir, mas eles notaram e eu fui torturado."

Menino, 13 anos, traficado de Bangladesh para a Índia, Sul da Ásia, 2001 IV

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metida uma parcela significativa das vítimasdurante a viagem, sua manutenção em cativei-ro enquanto esperam pela colocação em um "tra-balho" e também os tipos de situações para asquais são traficadas. Essas situações vão do tra-balho doméstico mal-pago à prostituição, aotrabalho rural em condições de escravidão ou àservidão por dívida (ver o capítulo sobre vio-lência contra a criança no local de trabalho).103

Por exemplo, na Índia, relatos sobre traficantesprofissionais que recrutam meninas nas comu-nidades de aldeias pobres das áreas litorâneassugerem que, embora a expectativa das meninasseja a de trabalho doméstico e vida na cidade, arealidade é a entrada no comércio do sexo emvárias cidades. Os traficantes operam de formasimilar do Nepal para estabelecimentos na Índiae de Miamar para a Tailândia. Milhares de cri-anças de Bangladesh foram traficadas para ex-ploração sexual no Paquistão e no Oriente Mé-dio, da mesma forma que meninas adolescenteso são da África Oriental para a Itália. O comér-cio do Leste Europeu para cidades da EuropaOcidental é igualmente bem-documentado.104

As vítimas muitas vezes enfrentam a estigmati-zação quando conseguem escapar: como sãovistas como imorais ou "sujas", as meninas fre-qüentemente são rejeitadas pela família e pelacomunidade e podem voltar para a prostituição.Uma criança traficada geralmente não tem do-cumentos e muitas vezes não sabe falar o idio-ma do país em que está, o que dificulta suastentativas de encontrar ou voltar para casa. Emmuitos casos, as crianças voltam para circuns-tâncias sociais inalteradas e, portanto, corremnovo risco de serem traficadas.

Quando são resgatadas ou escapam, as criançastraficadas podem ser detidas pela polícia ou pe-las autoridades de imigração, correndo o riscode serem deportadas para o país de origem.105

Isso foi relatado em países de todas as regiões e,tipicamente, ocorre sem encaminhamento paraos tribunais ou outras autoridades. A repatriaçãoacontece sem qualquer atenção aos interessessuperiores da criança ou ao seu direito de serconsultada em decisões que afetem o seu futuro.As crianças vítimas de tráfico freqüentementesão tratadas como criminosas devido ao seu en-volvimento suposto ou real com atos delituososcometidos como resultado da sua situação devítima do tráfico ou da coerção de seus captores,como furto, prostituição ou imigração ilegal.

FATORES QUE CONTRIBUEMPARA A VIOLÊNCIA

FATORES INDIVIDUAIS EFAMILIARES

Muitos fatores importantes que contribuempara a violência contra a criança são encon-trados ou começam em casa e, portanto, fo-ram abordados com certo detalhamento nocapítulo sobre a violência contra a criança nolar e na família. Para os fins do presente capí-tulo, é importante ressaltar que podem estarincluídos fatores individuais (constituição bi-ológica e história pessoal tanto da criançaquanto dos seus familiares) e fatores de rela-cionamento (como a criança interage com ospais e os irmãos) que afetam a probabilidadede uma criança tornar-se vítima ou perpetra-dora de violência. Por exemplo, crianças que

"Quando saio de casa, as pessoas apontam para mim e dizem: " - Por que você não fica em casa, olha só para você!Você nem pode andar direito!""

Menino, 12 anos, portador de deficiência física, Sul da Ásia, 2005 V

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exibem sinais precoces de hiperatividade ebaixa capacidade de concentração (fatores in-dividuais) ou que crescem com pouca super-visão dos pais, são agredidas por eles ou sub-metidas a disciplina severa (fatores de relaci-onamento) correm maior risco de envolvimen-to com a violência, seja como vítimas ou comoperpetradoras, nos anos subseqüentes.

Muitos desses fatores - assim como os sinto-mas físicos e psicológicos que indicam o con-tato de uma criança com a violência - podemser identificados por profissionais bem treina-dos, como professores, assistentes sociais, mé-dicos e enfermeiras, mas também por membrosda comunidade. Isso é particularmente verda-deiro quando a percepção da violência contra acriança por parte dos membros da comunidadeé aumentada por meio de intervenções.

O ponto importante a ser extraído é que, emboraesses fatores de risco estejam localizados no âm-bito individual e familiar, é no âmbito da comuni-dade que muitas das intervenções preventivas maisimportantes e respostas à violência terão que de-vem ser implantadas. Esses aspectos são discuti-dos mais adiante, na seção sobre respostas.

FATORES SITUACIONAIS

Muitos anos de pesquisa e experiência confir-mam que a presença de vários fatores situacio-nais importantes na comunidade pode precipi-tar eventos violentos que de outra forma nãoaconteceriam. Três dos mais importantes são:acesso generalizado a armas de fogo, consumode álcool e as características do ambiente físi-

co. Em situações em que esses fatores estãopresentes, jovens que não têm história pregres-sa de comportamento violento e que não sãocontinuamente violentos podem, apesar disso,reagir violentamente e com sérias conseqüên-cias. Um quarto fator situacional importante éa presença na comunidade de gangues ou gru-pos armados organizados.

Armas de fogo

Estima-se que várias centenas de milhares depessoas morrem todos os anos em decorrên-cia de ferimentos provocados por armas defogo. Uma grande parte dessas mortes deve-se a homicídios e suicídios.106 O número deferimentos não-fatais provocados por armasde fogo é desconhecido, mas provavelmenteé muitas vezes maior do que o número demortes. Adolescentes e jovens adultos são asprincipais vítimas e perpetradores de violên-cia relacionada a armas de fogo em quase to-das as regiões do mundo.107

Por exemplo, a mortalidade por arma de fogo noBrasil aumentou significativamente em todas asfaixas etárias desde 1991, mas os índices demortes por arma de fogo aumentaram mais entrecrianças e adolescentes de 10 a 19 anos. Em 1991,55,7% dos homicídios na faixa etária de 15 a 19anos tiveram relação com armas de fogo, enquan-to em 2000 a proporção chegou a 77%.108 Nascapitais dos estados com maior índice de morta-lidade de adolescentes por arma de fogo (entre102 e 222 para cada 100.000 habitantes), os ín-dices são 5 a 11 vezes maiores que os índicesgerais para todas as faixas etárias.109

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Álcool

O álcool é um fator conhecido de violência en-tre parceiros íntimos, e muitas vezes as crian-ças são diretamente afetadas por isso. O álcooltambém é um importante fator de violência pra-ticada contra e por crianças mais velhas noambiente da comunidade. Em muitas socieda-des, o álcool é comum em situações sociais. Osjovens tendem a usar o álcool para aumentarsua autoconfiança, o que eleva os seus níveisde agressividade até gerar confrontos violen-tos; ao mesmo tempo, o comprometimento docontrole físico e da capacidade de interpretarsinais de advertência em situações de perigopode transformar jovens consumidores em al-vos para os agressores.110

Os padrões de consumo de álcool por criançase jovens variam substancialmente entre os paí-ses e são parcialmente determinados por nor-mas culturais mais amplas relacionadas à acei-tação social do consumo de álcool. Em geral,os jovens têm maior probabilidade que a popu-lação mais velha de se envolverem em episódi-os de consumo excessivo de álcool, e existe umapreocupação crescente de que uma cultura jo-vem de abuso do álcool esteja se espalhando.111

O Estudo sobre Comportamento de Saúde deCrianças em Idade Escolar constatou que, em 32países europeus, o consumo regular de álcool erarelatado por 5% das crianças com 11 anos deidade, 12% das das crianças com 13 anos e 29%das crianças com mais de 15 anos. Mais de umterço das crianças relatou embriaguez em duasou mais ocasiões, sendo os meninos mais passí-veis de consumir álcool e relatar embriaguez doque as meninas em todas as faixas etárias.112

Vários estudos demonstraram a ligação entreálcool e violência para adolescentes: na Finlân-dia, 45% de todos os incidentes violentos rela-tados por jovens na faixa etária de 12 a 18 anosenvolviam o consumo de álcool por parte doperpetrador e/ou da vítima.113 Nas Filipinas,onde 14% dos jovens na faixa etária de 15 a 24anos relataram ter provocado ferimentos emalguém durante um episódio violento nos trêsmeses anteriores, essa violência estava signifi-cativamente associada à bebida.114 Entre os jo-vens na faixa etária de 10 a 18 anos que partici-param da Pesquisa de Saúde dos Jovens Cari-benhos, o uso de álcool no ano anterior estavaassociado significativamente à violência come-tida com armas em ambos os sexos.115

Estudos realizados na Finlândia, Inglaterra, País deGales e Austrália mostraram que os níveis de en-volvimento com violência relacionada ao álcoolaumentam progressivamente durante a adolescên-cia e geralmente chegam ao seu ápice nos primei-ros anos da segunda década de vida.116,117,118

Ambiente físico

A natureza da estrutura física de uma comuni-dade, a densidade dos seus assentamentos, suaconfiguração e a disponibilidade de serviços eamenidades para apoiar o bem-estar das famíli-as exercem um efeito importante sobre as rela-ções sociais na comunidade e sobre a probabi-lidade de que adultos e crianças tornem-se víti-mas da violência. Por exemplo, pesquisas so-bre refugiados na África citam a falta de segu-rança em locais públicos como um fator de ris-co de violência sexual e de gênero, a maioriacontra meninas.119,120,121,122

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A disposição física dos espaços públicos podedeterminar se são ambientes potenciais paraa prática da violência. O projeto ambiental,como, por exemplo, a melhoria da ilumina-ção pública, pode ajudar a impedir o crime ereduzir o medo da violência.123 Há evidênci-as de que a redução da criminalidade propi-ciada pela melhor iluminação das ruas sejaresultante mais do aumento do orgulho dacomunidade e do controle social informal doque propriamente do aumento da vigilânciaou da intimidação.

Moradias seriamente inadequadas e superpopu-lação nas casas e nos bairros podem ter um efei-to prejudicial sobre a formação da criança.124,125

As preocupações de saúde comunitária maisfreqüentes em relação à habitação familiar in-cluem a pouca disponibilidade de moradiaspopulares para famílias de baixa renda e a cres-cente segregação espacial de moradias por ren-da, raça, etnia ou classe social, formando bair-ros onde não há segurança.126 A crescente con-centração de pobreza pode provocar a deterio-ração física e social dos bairros, resultando nodesinvestimento em moradias, condições físi-cas deterioradas e menor capacidade de manu-tenção da ordem pública pelas instituições for-mais e informais.

Despejo forçado

O reconhecimento do direito da criança a umpadrão de vida adequado ao seu desenvolvimen-to físico, mental, espiritual, moral e social estádisposto no Artigo 27 da CDC e é fundamentalpara garantir a segurança da criança e protegê-la da violência. A moradia adequada, bem como

vestimenta e alimentação adequadas, é consi-derada um elemento constituinte do direito aum padrão de vida adequado (Artigo 11 do PactoInternacional dos Direitos Econômicos, Soci-ais e Culturais).

Em seu relatório de 2005 sobre a Situação Mun-dial da Infância, o UNICEF relatou que maisde uma em cada três crianças nos países emdesenvolvimento vivem em moradias inadequa-das (aproximadamente 640 milhões de crian-ças). Uma em cinco não tem acesso a água po-tável (aproximadamente 400 milhões de crian-ças). Embora a criança sem teto seja talvez aviolação mais visível e terrível dos direitos dacriança à moradia, todas as violações dos direi-tos à moradia, desde o despejo forçado às con-dições de habitação inadequadas têm ramifica-ções especiais para as crianças.

Embora o despejo forçado seja universalmen-te pernicioso para todas as suas vítimas, paraa criança ele tem implicações especiais. Mui-tas vezes o despejo forçado é acompanhadode violência, particularmente contra mulherese crianças, que têm maior probabilidade deestar em casa quando o procedimento é exe-cutado. As evidências sugerem que em respostaà violência, ao pânico e à confusão tão carac-terísticos do despejo forçado, muitas criançastêm pesadelos recorrentes e sofrem de ansie-dade e falta de confiança. Os efeitos sobre aestabilidade familiar e o bem-estar emocionaldas crianças podem ser devastadores, mesmoquando o despejo é seguido de reassentamen-to imediato. As crianças também relatam oaumento de incidentes de violência em suascasas após um despejo forçado.127,128

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Gangues

As gangues constituem um fator importante da vi-olência entre crianças e contra elas em muitas par-tes do mundo. Os Escritórios Regionais do UNI-CEF nas Filipinas, Vietnã, Mongólia e Cambojarelatam níveis preocupantes de brigas entre gan-gues e práticas violentas de iniciação nas ganguesem algumas das comunidades mais pobres, muitasvezes envolvendo crianças de rua.129 Além de serdirigida para fora da gangue, a violência tambémpode voltar-se contra membros que desapontem agangue, recusem-se a executar a ordem de um líderou descumpram suas regras internas.130

Uma gangue pode ser formada exclusivamentepor estudantes, exclusivamente por jovens quenão freqüentam a escola ou ambos. Seja qual fora sua constituição, as gangues que operam den-tro ou nas imediações das escolas podem exporalunos e professores a atividades criminosas e àviolência extrema. As pesquisas mostram que emmuitas sociedades a agressão física e verbal, in-clusive brigas, é considerada uma maneira sau-dável e normal dos meninos provarem sua mas-culinidade, o que explica até certo ponto por queos meninos são mais inclinados a juntarem-se agangues do que as meninas e por que as ganguesde meninos competem agressivamente com ou-tras gangues.131 No entanto, também existem gan-gues formadas por meninas que, da mesma for-ma que as gangues de meninos, também se en-volvem com a violência.132

Embora a existência de uma gangue de rua for-mada por meninos seja quase universalmenteassociada pela opinião pública à violência, aocrime e a outras formas de comportamento anti-

social, é importante lembrar que as crianças -principalmente os meninos, mas não exclusi-vamente - juntam-se a gangues por uma sériede razões. Em alguns casos, a falta de atenção ede apoio emocional no lar pode levar jovens ado-lescentes a tornarem-se membros de gangues. Emoutros casos, a afiliação a uma gangue é o únicomeio de garantir a subsistência econômica ousentir-se seguro. Nos EUA, um estudo etnográ-fico de escolares imigrantes do México e daAmérica Central concluiu que eles se juntavamàs gangues para encontrar uma identidade cultu-ral positiva como Latinos quando se sentiam frus-trados com os estereótipos negativos.133

Além das gangues de rua formadas por adoles-centes, durante o processo de elaboração doEstudo foram detectadas preocupações com cri-anças envolvidas em grupos armados organiza-dos que agem fora de zonas de guerra defini-das. Esses grupos incluem bandos envolvidoscom crime organizado (inclusive traficantes dedrogas), milícias étnicas ou religiosas, gruposde justiceiros e organizações paramilitares.

Um estudo recente que investigou esses gruposem 10 países (Colômbia, El Salvador, Equador,Honduras, Jamaica, Nigéria, Irlanda do Norte,Filipinas, África do Sul e EUA) constatou que aidade média de ingresso nesses grupos era de 13anos, com a exceção da Nigéria, onde a médiaera de 15 a 16 anos.134 O mais alarmante, porém,é que a idade dos membros das gangues pareceestar diminuindo.135 O estudo descobriu que ascrianças que trabalhavam para grupos armadosparticipavam diretamente de atos de violência,inclusive o assassinato de membros do mesmogrupo e de pessoas não envolvidas.136

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POLÍTICAS REPRESSIVAS ANTI-GANGUES NA AMÉRICA LATINA

Os níveis de violência entre os jovens ocupam um lugar importante no debate público na Amé-rica Latina.138 A preocupação crescente com a violência juvenil, particularmente quando associ-ada a gangues, levou alguns países da região a adotar medidas repressivas e reformas legislati-vas que não apenas contradizem os princípios de direitos humanos, mas também têm efeitosnegativos sobre os níveis de violência e a organização de gangues de jovens.

De acordo com os dados disponíveis, as crianças não são responsáveis pela grande maioria doscrimes dos quais são acusadas, mas existe uma sólida crença de que a adoção de padrões interna-cionais de direitos humanos protege as crianças (particularmente os adolescentes) contra puniçõesjustificadas e vem sendo usada pelos jovens criminosos como um escudo protetor. A sincronizaçãopercebida entre a adoção de padrões de direitos humanos e o aumento da criminalidade na Améri-ca Latina às vezes é usada para minar importantes avanços jurídicos importantes e mesmo paraquestionar a necessidade de responsabilização nos casos de violência praticada pelo Estado.

A adoção de estratégias de segurança centradas em medidas repressivas é marcada por umaretórica severa, pela desconsideração de medidas preventivas de longo prazo e pela ausência dedados que guiem e determinem o impacto dessas estratégias. Em uma visita à América Central,o Especialista Independente foi informado de mudanças jurídicas recentes que reduziam a mai-oridade penal e penalizavam repressivamente os jovens que se juntavam a gangues. A ausênciade dados confiáveis não permite uma avaliação profunda do impacto dessas políticas.139

Algumas dessas reformas jurídicas contradiziam aos princípios vinculantes de direitos humanosrelativos às crianças140 e foram subseqüentemente abolidas. Por exemplo, a prisão preventiva deadolescentes com base na suposta associação com gangues, identificada por meio de tatuagens ousinais, foi considerada arbitrária em vários casos. Detenções em grande escala de supostos mem-bros de gangues também resultaram em um aumento significativo da população dos já superlota-dos centros de detenção, provocando conflitos violentos dentro dessas instituições. Essas institui-ções também expõem jovens detentos às redes de gangues, aumentando assim as ligações internasdas gangues e a rivalidade entre grupos adversários.141,142,143 Embora as redes criminosas precisemser desmanteladas, é improvável que o aumento da violência na América Latina possa ser refreadopela adoção de políticas de segurança severas.144 Em vez disso, são necessários investimentos delongo prazo em uma série de políticas que reforcem os fatores de proteção e limitem os fatores derisco. A identificação das melhores estratégias para lidar com essa crescente preocupação deve serbaseada em estatísticas confiáveis e sistemas eficazes de coleta de dados. O sucesso das medidasde segurança também está ligado à capacidade dos governos de pôr um fim à violência e à corrup-ção possivelmente existentes dentro das forças de segurança e de garantir o acesso universal àjustiça, particularmente entre os mais pobres.

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Muitos governos tentaram usar táticas repressi-vas de aplicação da lei para lidar com criançasenvolvidas com a violência armada organizada(ver o quadro). No entanto, as evidências dispo-níveis indicam que o foco apenas na repressãotende a ser ineficaz por vários motivos: não lidacom as raízes do problema; a justiça da infância eda juventude e os sistemas penais da maioria dospaíses afetados são inadequados e agravam o pro-blema; e os grupos armados tendem a se tornaremmais organizados e cada vez mais violentos quan-do são enfrentados somente com o uso de táticasrepressivas.137 As agências internacionais de pro-teção da criança devem exercer uma pressão con-tínua em favor da erradicação de qualquer legis-lação que imponha regimes jurídicos mais seve-ros a algumas crianças que a outras.

Situações de rebelião ou conflito

Algumas situações de conflito ou rebelião emandamento - como no Norte de Uganda e noNepal - expuseram crianças a raptos e seqües-tros em massa para serem usadas como com-batentes, carregadores ou pessoal de apoio; asmeninas têm sido usadas como escravas se-xuais.145,146 Outros países em que os sistemasde segurança pública desintegraram-se comoconseqüência da guerra, como o Afeganistão,República Democrática do Congo e Somália,desenvolveram uma estrutura "semiformal" naqual grupos étnicos competem pelo controlede territórios e por formas lucrativas de co-mércio (especialmente de drogas) ou outrosrecursos. Durante os períodos de turbulência

VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇA EM SITUAÇÕES DE CONFLITO EMANDAMENTO - O CASO DO TERRITÓRIO OCUPADO DA PALESTINA

A violência política na comunidade tende a afetar os riscos de violência em outros contextos nãorelacionados ao conflito em andamento. Mais de quatro décadas de conflito afetaram profunda-mente as vidas das crianças palestinas no Território Ocupado da Palestina (TOP). Os índices dedesenvolvimento e de direitos humanos para as crianças, que constituem 53% (1.954.000) dapopulação total do TOP, deterioraram-se agudamente desde o início da segunda intifada (setem-bro de 2000). Por exemplo, em 2005, 42,1% (822.634) das crianças palestinas estavam vivendoabaixo da linha da pobreza147 e, em 2003, dados relativos ao bem-estar psicossocial das criançaspalestinas indicavam que nove de cada 10 pais relatavam comportamento traumático sintomáti-co em pelo menos um de seus filhos.148

A crescente pressão da ocupação israelense sobre a vida dos habitantes do TOP e as restrições reno-vadas e reforçadas à sua mobilidade, nos casos aplicáveis, afetam profundamente as relações entrecomunidades e dentro das comunidades e das famílias, levando ao aumento da violência contra acriança em vários cenários. A abordagem das raízes dessa violência no TOP, e não apenas dos seussintomas, requer apenas a contextualização da violência dentro dos conflitos em andamento.

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VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇA EM SITUAÇÕES DE CONFLITO EMANDAMENTO - O CASO DO TERRITÓRIO OCUPADO DA PALESTINA

A violência ameaça crianças nas ruas, na escola e em casa. Apesar da escassez de dados quanti-tativos no TOP sobre a violência dentro da família e na comunidade, um quinto das criançasincluídas em um estudo quantitativo indicaram que a fonte primordial de violência em suasvidas era a família, ficando a violência na comunidade em segundo lugar como forma maiscomum de violência.149 Um fato notável é que, quando solicitadas a identificar os perpetradorese os locais de violência em suas vidas, 43% das crianças palestinas estudadas relataram ter tidoexperiências com a violência nas mãos de mais de um perpetrador e quase a metade indicou tertido experiências com a violência em mais de um lugar, inclusive sua casa e sua escola.150

Mais de 50% das crianças palestinas participantes do estudo afirmaram que seus pais nãoconseguiam suprir suas necessidades de cuidados e proteção.151 Esse sentimento encontrouressonância nos próprios pais, com mais de 43% dos pais palestinos sentindo que eram inca-pazes de proteger e cuidar adequadamente de seus filhos.152 Estudos que contextualizaram asraízes da violência na família concluíram que a combinação da falta de recursos na famíliacom o estresse que isso impõe aos seus provedores constitui um fator preditivo significativode violência familiar no TOP.153

Em casa e na sala de aula, os adultos prestadores de cuidados notaram sinais crescentes de raivae agressão entre as crianças.154 Na escola, os professores notaram altos níveis de estresse, deso-bediência, irritação, concentração reduzida e perda de confiança entre os estudantes.155 Os pro-fessores também relataram um aumento da violência entre estudantes, especialmente meninos,enquanto os pais informaram que as crianças agiam de maneira cada vez mais agressiva emrelação aos amigos e irmãos.

Áreas seguras para crianças

A ausência de locais seguros para que as crianças brinquem e interajam parece estar relacionadaà prevalência de várias formas de violência nas áreas afeadas pelo conflito. Parcerias locaisentre municípios, ONGs e autoridades locais foram estabelecidas como parte da iniciativa Cida-des Amigas da Criança em quatro locais do TOP, dois na Faixa de Gaza (Rafah e Cidade deGaza) e dois na Cisjordânia (Jenin e Jericó).

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VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇA EM SITUAÇÕES DE CONFLITO EMANDAMENTO - O CASO DO TERRITÓRIO OCUPADO DA PALESTINA

A abordagem de planejamento leva em consideração a necessidade de responder a emergências,desenvolvendo ao mesmo tempo estratégias abrangentes de proteção para as crianças. As neces-sidades participativas incluem avaliações e oficinas de trabalho envolvendo crianças. Os resul-tados dessas atividades foram utilizados no Plano Municipal de Ação para a Criança de cadalocalidade, endossado pelas instituições participantes.

Foram criadas Áreas Seguras para Brincar nas áreas mais pobres de Rafah, Gaza e Jenin. Equi-pes de facilitadores foram treinadas para criar e conduzir atividades extracurriculares semanais.Foram estabelecidos Conselhos Municipais da Criança, em que as crianças são treinadas paraserem líderes e elas próprias criam e implementam pequenos projetos para alcançar um númeromaior de crianças. As atividades incluem dias de diversão, competições esportivas e campanhascomunitárias sobre questões importantes que dizem respeito às crianças.156

CISJORDÂNIA, junho de 2003, Na estrada entre Ramallahe Jerusalém, crianças esperam seus pais obterempermissão para passar pelo posto de controle israelense.

nas regiões meridional e central da Somália,por exemplo, um dos raros "empregos" dispo-níveis para meninos era o de membro das mi-lícias de clãs, cuja proteção era necessáriapara o funcionamento dos negócios civis e dasoperações de auxílio. Essas falhas dos gover-nos têm um alto impacto sobre a comunidade.

FATORES RELACIONADOS ÀSOCIEDADE

Urbanização

Durante a segunda metade do século XX, o pro-cesso de urbanização nos países em desenvolvi-mento teve uma rápida aceleração. Cerca de me-tade das crianças do mundo atualmente vivem emcidades.157 Em muitas regiões, particularmente naÁfrica Subsaariana, que hoje contém mais crian-ças urbanas do que a América do Norte, essa mu-

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dança demográfica ocorreu durante um períodode crise política e econômica e pressão ambien-tal. O processo de reassentamento e as mudançassociais que o acompanham, somados à falta deoportunidades econômicas para os membros degrupos com menos escolaridade, pouca qualifica-ção e baixo nível sócio-econômico, ajudaram agerar circunstâncias que favorecem a frustração ea turbulência, com alto potencial de violência.

Embora historicamente a urbanização tenha sidoacompanhada de índices menores de mortalidadeinfantil, maior acesso à educação e melhorias emtodos os indicadores sociais, ela também tem as-pectos negativos, inclusive a pobreza, a desigual-dade, as mudanças na estrutura familiar e o rom-pimento das redes sociais - todos fatores que con-tribuem para a violência.158 Poucos ambientes ha-bitados por famílias urbanas pobres são propíciospara a criança.159 Uma alta proporção dos recém-chegados vive em assentamentos informais (e, aosolhos da lei, ilegais). A velocidade e a forma irre-gular da urbanização colocaram sob enorme pres-são a capacidade das autoridades municipais defornecer serviços e amenidades. As moradias emáreas recém-urbanizadas são, via de regra, confi-nadas, frágeis e inseguras, e o ambiente que ascircunda não oferece às crianças muitas oportuni-dades de lazer e interação segura com o mundo àsua volta. O espaço externo - no qual elas ingres-sam em tenra idade - freqüentemente é contami-nado por lixo e dejetos humanos.160

Pobreza, desigualdade eexclusão social

Cerca de 2,8 bilhões de pessoas sobrevivemhoje com menos de US$ 2 por dia,161 das quaisquase 50% são crianças. No entanto, a po-

breza, tomada isoladamente, tem uma corre-lação menos significativa com a violência -medida pelos índices de homicídios - do quea combinação de extrema desigualdade derenda e pobreza. Embora mais pesquisas se-jam necessárias para entender completamen-te essas ligações, descobertas recentes suge-rem que as sociedades mais ricas têm índicesmais baixos de homicídios mesmo quando háuma disparidade entre a renda das comunida-des ricas e pobres. Em sociedades com menornível de desenvolvimento econômico em ge-ral, os índices de homicídio são mais altos.Talvez as sociedades mais ricas sejam capa-zes de oferecer níveis maiores de proteção eapoio social às suas comunidades pobres doque as que se encontram em um nível inferiorde desenvolvimento econômico global.

Medidas de desigualdade econômica são po-derosos prognosticadores de índices de homi-cídios na faixa etária de 10 a 19 anos, especi-almente quando se trata de meninos, e essa as-sociação é mais forte em países com produtointerno bruto (PIB) mais baixo.162 Entretanto,a relação entre pobreza absoluta (em contra-ponto à pobreza relativa) e violência não estáinteiramente clara. O crescimento do PIB estáassociado a índices mais baixos de homicídi-os, conforme seria de se esperar, mas esse efei-to é neutralizado em muitos casos pela desi-gualdade econômica e exclusão social que fre-qüentemente acompanham o desenvolvimen-to rápido e a urbanização.163

As comunidades mais pobres e suas criançasparecem estar mais vulneráveis à violência in-terpessoal quando expostas a mudanças econô-micas e populacionais que contribuem para a

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desorganização da comunidade e, em últimainstância, afetam sua capacidade de controlar ocomportamento violento. Pesquisas recentescorroboram a teoria de que o desequilíbrio en-tre as concentrações de abundância e pobrezana mesma zona urbana pode ser um fator predi-tivo importante das variações nos níveis de vi-olência interpessoal entre comunidades.

A exclusão social experimentada por popula-ções urbanas de baixa renda em todas as regi-ões foi exacerbada por tendências internacio-nais. O ritmo acelerado das mudanças sociais epolíticas e a globalização econômica - adoçãode desregulamentação doméstica, liberalizaçãodo comércio e privatização de serviços, um pa-radigma das políticas introduzidas nos anos 80e intensificadas nos anos 90 - afetaram profun-damente a sociedade em geral, inclusive o bem-estar das crianças.164 Embora muitas pessoastenham se beneficiado da criação de empregosnos setores industriais de exportação, do maioracesso à informação e de alguns outros aspec-tos da globalização, para os mais pobres o fos-so da exclusão econômica aumentou. Agricul-tores de baixa renda dos 60 países incluídos noEstudo do Banco Mundial Vozes dos Pobres,de 2000, afirmaram que a vida havia se tornadomenos segura, mais marginal e mais ameaça-dora nas últimas décadas. Isso seria devido àcrescente precariedade dos meios de subsistên-cia, à exclusão dos serviços e instituições, àperda da coesão social, à maior exposição a in-fluências negativas como o crime e o abuso deálcool, à impotência e humilhação nas mãos dasautoridades, às preocupações constantes no lare à maior freqüência de brigas familiares, entreoutros fatores.165

A exclusão social é um problema que não está,de maneira alguma, confinado aos países emdesenvolvimento. Um relatório recente do Rei-no Unido estimou que um milhão de pessoaspoderiam ser descritas como socialmente ex-cluídas e 5% da população corriam esse risco.As características da exclusão social foramdescritas em termos semelhantes aos da Amé-rica Latina: desemprego, discriminação, mo-radia ruim, baixa renda, baixa capacitação, altacriminalidade, saúde precária, desagregaçãofamiliar. Nos EUA, uma de cada quatro crian-ças vive em condições de pobreza, sendo queas famílias de minorias etnoculturais respon-dem por uma maior proporção da populaçãode risco, principalmente as que residem embairros urbanos, em moradias inadequadas ecom recursos escassos.166

Considerando-se a forte correlação entre pobre-za, desigualdade, exclusão social e violênciacontra a criança e entre crianças no ambientecomunitário, a urgência das obrigações de cum-primento dos direitos humanos pelo Estado -especialmente direitos sociais, econômicos eculturais há muito negligenciados - está clara.Embora os avanços tecnológicos e outros re-cursos nunca tenham sido tão propícios parasuprir essas necessidades, no mundo todo ain-da há comunidades em que poucos indivíduosgozam do direito a um padrão de vida adequa-do, ao nível mais elevado possível de saúde, àassistência social, à educação, à participaçãoe à não-discriminação. Nessas comunidades,a violência contra a criança prospera, e nãohaverá ganhos significativos em prevenção atéque esses direitos sejam melhor protegidos,respeitados e atendidos.167

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CIBERESPAÇO E CIBERAMEAÇAS - OS DESAFIOS DA INTERNET EDAS TECNOLOGIAS DE COMUNICAÇÃO

O acesso à informação é um direito da criança e desempenha um papel importante na transmis-são de novos conhecimentos e na facilitação da adoção de comportamentos e valores pró-soci-ais e favoráveis à vida. Em se tratando da proteção da criança, a tecnologia certamente ajudou aaumentar a disponibilidade de informações e aconselhamento, por exemplo, através das "linhasde ajuda à criança" (http://www.chiworld.org) e da Internet, embora seja difícil regular a suaqualidade. O aperfeiçoamento das comunicações também aumentou o potencial para a proteçãodas crianças. Entretanto, quando o acesso das crianças à mídia e às imagens impressas não éadequadamente supervisionado pelos pais ou outros cuidadores, ele permite a exposição a ma-teriais violentos, abusivos e pornográficos.

Muitos colaboradores do Estudo mostraram-se preocupados porque os governos não estavamfazendo o suficiente para limitar a exposição das crianças a imagens de violência e dominaçãomasculina de mulheres e meninas na televisão, nos filmes, em videogames e na Internet, o quereforça as idéias de violência, agressão verbal e sexismo como norma e reduz a sensibilidade àviolência.168 Um revisão realizada pelo Centro Internacional para Crianças Desaparecidas eExploradas constatou a necessidade urgente de aumentar o número de países que possuem leisrelacionadas à pornografia infantil na Internet.169

As ameaças específicas às crianças na Internet e nas tecnologias de comunicação (ITCs) surgemda exposição a imagens violentas, inclusive em vídeos e jogos on-line, e também da produção,distribuição e uso de materiais contendo violência sexual e, mais especificamente, abuso sexualde crianças e pornografia infantil. Embora os problemas da exposição tenham sido bem docu-mentados em países industrializados, pouco se sabe sobre o que acontece em países em desen-volvimento. Um estudo realizado em 2001 em três cidades do Paquistão - Karachi, Lahore ePeshawar - mostrou que muitas crianças são expostas à pornografia em cibercafés. Quase 50%das crianças entrevistadas no estudo relataram ter visitado sites pornográficos e mais de 80%conseguiam citar vários desses sites. As crianças entrevistadas, em sua maioria, residiam embairros pobres ou eram trabalhadoras.170

O aliciamento de crianças através da Internet ou sua preparação para esse propósito (ganhandoa confiança da criança para atraí-la a uma situação possivelmente danosa) é difícil de ser com-

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batido em qualquer jurisdição, muito menos através de fronteiras internacionais. Além disso, ofenômeno do ciberbullying está se desenvolvendo paralelamente à proliferação dos telefonescelulares.171 Uma pesquisa realizada no Reino Unido em 2006 demonstrou que mais de uma emcada 10 crianças com idade entre 11 e 15 anos havia sido molestada, sofrido bullying ou vitimi-zada por meio do envio de mensagens ameaçadoras ou da publicação de informações falsassobre ela na Internet. Essas ações podem fazer parte de operações complexas envolvendo amanipulação de fotografias tiradas em telefones celulares e convites a usuários anônimos paraatacarem vítimas específicas em fóruns na Internet.172

Segundo os especialistas, o interesse aparentemente crescente nas imagens de abuso pode estarassociado à maneira como o ambiente da Internet permite a expressão do que geralmente não étolerado em outros ambientes.173 Por exemplo, no clima geral de redução da inibição propiciadopelo ambiente on-line, os usuários podem alterar o seu humor, recriar a sua imagem, às vezescom representações múltiplas de si próprios, validar e justificar a troca de imagens abusivascom outros, desafiar conceitos de regulação e romper as hierarquias convencionais. Uma pes-quisa realizada pela ECPAT sugere que crianças e jovens que não são adequadamente supervisi-onados pelos pais, que sofrem de baixa auto-estima ou que não têm uma forte figura de influên-cia em suas vidas estão particularmente sujeitas ao risco de conseqüências negativas relaciona-das ao uso das ITCs.174

A violência na mídia pode dar à criança uma idéia não realista da violência na vida real. Porexemplo, existem evidências de que os filmes de ação podem levar as crianças a acreditar que ocorpo humano é muito mais resistente do que realmente é e a subestimar as graves lesões físicasque socos e chutes podem causar. Também há suspeitas de que as idéias sobre violência instila-das pela mídia e a sensação de estar sob ameaça podem predispor alguns indivíduos a recorrer acomportamentos agressivos e destrutivos em situações de estresse ou perigo percebido.175 Alémdisso, existe a hipótese de que o acesso à televisão e à Internet tenderia a promover a inveja noconsumidor e a acentuar o abismo entre os estilos de vida dos ricos e dos pobres, levando assima pequenas infrações e atos violentos.176

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Uma recente meta-análise de estudos científicos examinou os efeitos da violência na mídiasobre crianças com até 18 anos de idade. Concluiu-se que existem "evidências consistentes deque as imagens de violência na televisão, nos filmes, vídeos e jogos de computador têm efeitossubstanciais de curto prazo sobre a excitação, os pensamentos e as emoções, aumentando apossibilidade de comportamento agressivo ou assustadiço em crianças pequenas, especialmentemeninos". Os efeitos não são claros no caso de crianças mais velhas (inclusive adolescentes) ouno que se refere aos impactos de longo prazo sobre qualquer faixa etária. Os pesquisadoresenfatizaram a dificuldade de determinar a cadeia causal e salientaram que a agressão está rela-cionada a uma ampla gama de fatores. Várias questões permanecem em aberto, como a relaçãoentre a violência na mídia e a criminalidade, ou se os indivíduos com histórico de violência oupredisposição a comportamento agressivo seriam mais suscetíveis que os demais ao efeito dacontemplação de imagens violentas. Da mesma forma, pouco se sabe sobre a interação entre asimagens violentas veiculadas pela mídia e os problemas de saúde mental ou os espectadores sobinfluência de álcool ou drogas.177

Durante as Consultas Regionais reunidas para o Estudo, os desafios impostos pelas ITCs àsegurança das crianças foram universalmente reconhecidos. A região do Oriente Médio e daÁfrica Setentrional salientou a importância do envolvimento do setor privado, inclusive asindústrias do turismo e dos transportes, nas parcerias formadas para lidar com o grave proble-ma do tráfico de mulheres e crianças e do turismo sexual. Dois tipos de exploração sexual decrianças relacionados ao turismo são apontados pela ECPAT Internacional: uma minoria deturistas sexuais com interesse específico em crianças impúberes (pedófilos), e uma maioriade turistas comuns que utilizam os serviços sexuais envolvendo crianças, muitas na metadeou no final da adolescência, que lhes são oferecidos. Os métodos de organização do turismosexual de crianças mudaram ao longo do tempo. No início, era mais comum que os turistasfizessem contato através de um bordel ou em uma área bem conhecida por essa atividade, masnos últimos anos passou-se a recorrer à Internet, transformando e multiplicando os riscos daexploração de crianças pelo turismo.178

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Embora algumas grandes companhias internacionais venham se comprometendo com o "Códigode Conduta para Proteger a Criança da Exploração Sexual nas Viagens e no Turismo", a erradica-ção do tráfico de seres humanos, que inclui o reconhecimento dos vínculos entre o HIV/AIDS e otráfico, ainda depende de um envolvimento muito mais incisivo por parte dos governos.179

Os avanços da tecnologia têm trazido muitos benefícios, mas ainda são necessários esforçospara distribuir esses benefícios de maneira mais eqüitativa, e a proteção das crianças contra opotencial negativo da tecnologia é um sério desafio. A necessidade do foco na prevençãocomo imperativo absoluto na abordagem da segurança da criança frente às ITCs foi umamensagem reiterada durante todo o processo do Estudo. Também enfatizou-se a necessidadede maior atenção à condenação de infratores e ao aumento da percepção do público de que asinfrações serão punidas, bem como do investimento de mais esforços na diversificação datecnologia de proteção da criança. O aumento da proteção à criança, paralelamente à expan-são do acesso às ICTs, foi especificamente incluído na agenda de Túnis da Sociedade daInformação durante a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação realizada na Tunísia em2005. A agenda reafirmou a importância de "incorporar políticas e estruturas reguladoras,auto-reguladoras e outras medidas eficazes aos planos de ação e E-estratégias nacionais180

para proteger a criança e o jovem do abuso e da exploração através das ITCs".

A partir da reunião de especialistas realizada pela ECPAT em Bangkok e também das Consul-tas Regionais para o Estudo na região do Extremo Oriente e Pacífico e na região do OrienteMédio e África Setentrional, notou-se que ainda não há um consenso entre os países e dentrode cada país sobre definições, leis e percepções do que é aceitável em relação às ITCs e seuconteúdo.181 Alguns países permitem a veiculação de imagens sexualizadas de crianças namídia tradicional ou a publicação de imagens de abusos. São necessárias campanhas de apoioa pais e adultos para expandir os seus conhecimentos sobre as ITCs, bem como a supervisãode crianças e jovens que as utilizam. Via de regra, o vasto potencial das ITCs para difundirmensagens positivas e úteis, como ações públicas de advocacy e educação, também é poucoestudado e subutilizado. Adicionalmente, deve-se atribuir maior atenção à adoção de padrõesinternacionais e nacionais consistentes e intensificar a cooperação internacional para a imple-mentação desses padrões (ver a Tabela 7.3).

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"Sob a liderança de Sua Majestade a Rainha Rania da Jordânia, e brotando do trabalho da rederegional árabe da ISPCAN, as barreiras à discussão e ao entendimento da violência contra a

criança na nossa região estão se desintegrando. Além do excelente trabalho de conscientização eprestação de serviços às crianças vitimizadas, esperamos expandir nossa abordagem de prevenção

da violência contra a criança nos próximos anos."

Dr. Hussein Abdel-Razzak Al Gezairy, Diretor Regional para o Leste do Mediterrâneo, OMS

TABELA 7.3 - Uso atual da Internet no mundo

PORCENTAGEM DEPENETRAÇÃO DA

INTERNET

África Setentrional 9.585.000 6,30

África Subsaariana 13.152.000 17

América Latina e Caribe 74.735.188 14

Extremo Oriente 150.173.713 11

Sul da Ásia 58.919.000 4

Sudeste Asiático 52.752.600 9

Ásia Ocidental 9.320.085 8

Oceania 497.550 6

Comunidade dos EstadosIndependentes 33.301.700 12

Países desenvolvidos 569.056.865 59

Total mundial 972.828.001 15,20

Fonte: Microsoft (2006). Estatísticas e Tendências Atuais da Internet no Mundo. Encaminhado ao Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre a Violência contra a Criança.

POPULAÇÃO ATUALNA INTERNET

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RESPOSTAS À VIOLÊNCIACONTRA A CRIANÇA NACOMUNIDADE

Como os desafios enfrentados pelas crianças sãomultifacetados, os meios que as comunidadesutilizam para responder a eles também o são.Embora muitas pesquisas enfoquem o âmbitoindividual, uma ênfase exacerbada no indiví-duo muitas vezes localiza o problema apenasna criança e não examina o contexto maior dafamília e da comunidade, além de outros rela-cionamentos. Em termos do modelo ecológico,a comunidade facilita a interação em vários ní-veis diferentes, e as estratégias e serviços de-vem incluir atenção ao potencial para preven-ção, bem como aos riscos.182

Em países de renda média e alta, alguns siste-mas de saúde e justiça criminal possuem dadosconfiáveis e abrangentes sobre mortes violen-tas e lesões tratadas nas emergências dos hos-pitais. A análise desses dados demonstrou queos índices de homicídio e de lesões violentasnão-fatais em jovens (faixa etária 15 a 18 anos)são particularmente sensíveis a mudanças nosfatores de riscos sociais e comunitários. Entreesses fatores estão a disponibilidade de álcool,o mercado de drogas ilegais, o acesso a armasde fogo, o tipo e a intensidade do policiamento,as oportunidades de ensino e de trabalho e adesigualdade econômica.

Os esforços para impedir a violência praticadapela criança e contra ela no ambiente da comu-nidade têm sido o assunto de um número consi-derável de estudos de avaliação de resultados

que têm o objetivo de fornecer evidências cien-tíficas sobre a eficácia dos programas. A maio-ria desses estudos foi conduzida em países dealta renda, e poucos ativeram-se exclusivamentea crianças e adolescentes até 18 anos de idade.A despeito dessas limitações, foram extraídaslições importantes sobre as diferentes políticase intervenções que podem ser usadas por paí-ses de renda baixa e média para impedir a vio-lência contra a criança no ambiente da comuni-dade. Algumas lições práticas provenientes doscampos da prevenção da violência e da saúdepública sugerem que:

Nem todas as estratégias de prevenção fun-cionam, e certamente não em todas as co-munidades. A base de evidências identificauma série de estratégias que parecem ser efica-zes e um grupo maior que parece promissor,mas requer mais testes. Algumas são inefica-zes, e outras de fato parecem piorar as coisas.

São necessários esforços de prevenção in-tegrados e contínuos (por mais que isso sejadifícil de realizar) que liguem as contribui-ções dos diferentes setores. É mais provávelque a prevenção efetiva ocorra através de umasérie de abordagens coordenadas que integremestratégias jurídicas, sociais, educacionais eeconômicas para reduzir fatores de risco e for-talecer fatores de proteção no âmbito indivi-dual, familiar, comunitário e da sociedade,com objetivos de curto e longo prazo.

São necessárias abordagens top-down ebottom-up. Abordagens top-down preventi-vas, que podem influenciar os riscos e fato-res de proteção na sociedade como um todo,devem ser equilibradas com abordagens bot-

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tom-up que enfatizem as necessidades locaise atribuam responsabilidade pela prevençãoàs comunidades.183

Com essas lições em mente, a seção a seguirdiscute estratégias de prevenção da violênciacontra a criança em ambientes comunitários emquatro níveis do modelo ecológico: indivíduo,família, comunidade e sociedade.

NO ÂMBITO INDIVIDUALE FAMILIAR

Em conformidade com as evidências de queuma parte significativa da violência adolescen-te tem suas causas enraizadas nas primeirasexperiências de desenvolvimento, os progra-mas dirigidos a bebês e crianças pequenas, seuspais e outros que os influenciem durante o seudesenvolvimento infantil demonstraram estarentre os mais eficazes para prevenir a violên-cia praticada por adolescentes e entre adoles-centes. Mais especificamente, as intervençõesorientadas para a família e voltadas para amudança do estilo da criação (aumento da pre-visibilidade, monitoramento parental e dimi-nuição de métodos parentais negativos) e amelhoria do relacionamento familiar (proxi-midade, declarações positivas, coesão emoci-onal e clareza nas comunicações) mostram evi-dências sólidas e consistentes de redução dorisco de envolvimento das crianças em com-portamentos anti-sociais graves e violência.184

Quanto mais cedo esses programas são intro-duzidos na vida da criança, maiores são os be-nefícios, embora benefícios significativos tam-bém tenham sido constatados quando os pro-gramas são introduzidos na vida de adolescen-

tes que já foram presos por comportamento vi-olento ou delinqüente.185,186 (Ver também ocapítulo sobre violência contra a criança nolar e na família.)

NO ÂMBITO DA COMUNIDADE

Apoio para a educação e asocialização no âmbito dacomunidade

Muitas intervenções individuais e familia-res são feitas em ambientes comunitários ouusam recursos da comunidade. As interven-ções a seguir fazem parte de dois grupos: asque provaram-se eficazes em alguns cenári-os e as que são consideradas possuidoras deforte potencial para impedir a violência pormeio do apoio à educação e à socializaçãode crianças sob alto risco.

Redução do absenteísmo escolar eretorno dos desistentes à escola

A educação escolar oferece à maioria das cri-anças sua segunda fonte mais importante de so-cialização (depois da família). As pesquisas su-gerem que um dos meios mais eficazes de pre-venir a violência e o crime entre algumas crian-ças sob alto risco social é oferecer incentivospara que completem a educação escolar, obte-nham treinamento vocacional e busquem edu-cação superior. Comparações entre várias in-tervenções para reduzir a violência e o crimeentre os jovens dos EUA têm constatado siste-maticamente que a oferta de incentivo à gradu-ação dos secundaristas é a intervenção maiseficaz e econômica.187,188

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Os programas realizados nas escolas são umaestratégia importante tanto para despojá-las dacultura das gangues e da violência interpessoalcomo para prevenir a violência entre jovens nacomunidade. No Caribe, um estudo realizadoem nove países pela Organização Pan-Ameri-cana da Saúde (OPAS/OMS) descobriu que oabsenteísmo escolar era um dos fatores de mai-or risco para o envolvimento de jovens entre10 e 18 anos com a violência. Os fatores de pro-teção mais fortes foram a afiliação positiva coma escola, inclusive gostar dos professores, cren-ça religiosa e freqüentar a igreja.189 O desen-volvimento dessa afiliação pode começar comprogramas pré-escolares de reforço, que com-provadamente fortalecem as ligações com a es-cola e familiarizam as crianças desde uma ida-de precoce com as habilidades sociais e com-portamentais necessárias para o sucesso na es-cola.190,191,192,193 Alguns estudos de acompanha-mento de longo prazo desses programas com-provaram os seus benefícios, como o menorenvolvimento com a violência e com outroscomportamentos anti-sociais.194,195,196 A educa-ção escolar de qualidade, que compreende oaprendizado, a promoção da não-discriminaçãoe as atividades de apoio à proteção da criança nacomunidade, é um elemento essencial para fo-mentar um ambiente propício para as crianças(ver o capítulo sobre violência contra a criançana escola e em ambientes educacionais).

Oportunidades de aprendizadonão-formal

Crianças com histórico de condições desfavo-ráveis e provenientes de grupos discriminadostêm maior probabilidade de se envolverem em

comportamentos anti-sociais e de serem exclu-ídas da escola ou desistir dela mais cedo. Osprogramas comunitários podem alcançar essascrianças e reintroduzi-las na educação formalpor meio de programas não formais ou de recu-peração. Os programas podem colocar crian-ças com problemas familiares em contato comadultos mentores, o que pode ser uma maneiraaltamente eficaz de redirecionar as crianças paraum caminho de desenvolvimento seguro, nãoagressivo e de realização pessoal.197

Programas de orientação. Esses programaspodem às vezes combinar crianças ou jovensde alto risco com adultos confiáveis que se im-portam com elas, como colegas mais velhos,tutores, conselheiros, policiais ou outros mem-bros da comunidade. Esses relacionamentos po-sitivos podem melhorar a freqüência e o desem-penho da criança na escola, diminuir a proba-bilidade de uso de drogas e reparar o relaciona-mento da criança com os pais.198,199 Programasdesse gênero podem ser especialmente úteispara crianças que fazem parte de minorias ouenfrentam circunstâncias difíceis, como refu-giadas ou deslocadas.200

Programas com e para crianças de rua. Osexemplos incluem centros de acolhida, abri-gos e outros lugares seguros onde estão dispo-níveis adultos de confiança, comida, recursosde higiene, educação e capacitação, além deoutros tipos de apoio.

Muitas crianças que freqüentam esses centros jásofreram algum tipo de lesão ou foram traumati-zadas pela sua experiência de vida. No entanto,muitos programas educacionais são dirigidos prin-

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cipalmente às crianças de rua e têm por objetivoassisti-las na sua saída das ruas e no acesso à es-cola ou treinamento vocacional. Todos esses pro-gramas podem ser considerados uma ajuda paraconduzir crianças vulneráveis a uma vida segurae oferecer-lhes proteção contra fontes de violên-cia, tanto no sentido imediato como na sua vidafutura e nas oportunidades de trabalho.

Esportes e atividades para jovens. Essas ativi-dades e outros tipos de lazer estruturado são es-senciais para o desenvolvimento da criança. Em-bora existam poucas pesquisas sobre o assuntorealizadas internacionalmente, a opinião geral éde que atividades adequadamente supervisiona-das e realizadas na comunidade - desde esportes eclubes para jovens até grupos sociais, culturais ereligiosos - podem ser úteis na construção de fa-tores de proteção, como a autoconfiança, e desen-volver o potencial das crianças para impedir a vi-olência.201 Crianças e jovens podem também sen-tir-se atraídos por lugares em que esportes e ativi-dades recreativas são oferecidos juntamente comatividades educacionais e programas de reduçãoda violência. Em geral, os resultados tendem a sermelhores quando esses programas são implemen-tados juntamente com outras estratégias eficazese não como iniciativas isoladas.

As pesquisas citam várias maneiras em que as ati-vidades realizadas na comunidade podem servirde apoio ao desenvolvimento e à resiliência (ca-pacidade de resistir à pressão para juntar-se a gan-gues ou cometer violência contra os colegas) dacriança, como a orientação e a tutoria, o estímuloao desenvolvimento da identidade e as oportuni-dades para interagir com adultos de confiança emodelos positivos de comportamento.202,203,204

É importante que haja supervisão adequada esejam tomadas outras medidas para evitar a vi-olência no contexto das atividades para jovens.Por exemplo, desde meados dos anos 90, paí-ses europeus como a França, a Holanda, a Suí-ça e o Reino Unido vêm adotando medidas paraaumentar a proteção da criança no esporte. Em2000, o Comitê para o Desenvolvimento doEsporte do Conselho da Europa adotou umaresolução abrangente para a prevenção do as-sédio e do abuso sexual de mulheres, jovens ecrianças em esportes recreativos e competiti-vos. Várias medidas são possíveis, como a ado-ção de políticas de proteção da criança e códi-gos de ética, a verificação da ficha criminal deadultos em posição de responsabilidade (técni-cos ou treinadores), a conscientização e treina-mento de atletas, pais, treinadores e outros, adesignação de responsáveis pela proteção dacriança em clubes e federações esportivas, ainstalação de linhas telefônicas de ajuda e a rea-lização de pesquisas sobre a proteção da crian-ça em questões ligadas ao esporte.205

Educação baseada emhabilidades de vida

No âmbito dos programas educacionais for-mais ou não formais, a educação baseada emhabilidades de vida pode ser eficaz para redu-zir a violência entre os jovens, especialmentecomo parte de um esforço abrangente.206,207,208,209,210,211 Com o objetivo de capacitar acriança a adotar comportamentos de autoprote-ção, a educação baseada em habilidades de vidapode incluir uma ampla variedade de tópicos,como, por exemplo: aprender a evitar a intimi-dade sexual indesejável; adquirir prática na ela-

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boração e expressão de opiniões; desenvolverhabilidades para a solução de problemas e paraa negociação, inclusive a solução de conflitospor meios não-violentos; incrementar a intera-ção entre crianças e autoridades comunitárias(incluindo a polícia e o judiciário); aproximá-las dos trabalhadores de saúde e assistentes so-ciais, além de outros que as crianças precisemsaber como abordar.212,213,214 Esses programastambém têm gerado resultados positivos quan-to à violência no namoro.215,216,217,218

O Projeto Namoro Seguro, nos EUA, foi umaintervenção bem-sucedida na escola que teve porobjetivo mudar atitudes em relação à violênciano namoro tanto no ambiente escolar como nacomunidade. Essa intervenção adotou uma abor-dagem holística, incluindo adolescentes de am-bos os sexos em sessões sobre o papel das nor-mas de gênero e a formação positiva de relacio-namentos íntimos. Professores, membros da co-munidade e grupos de pais freqüentaram um cur-so de conscientização de 10 semanas sobre rela-cionamentos saudáveis e não-saudáveis, papéisde gênero, ataques sexuais e desenvolvimentode técnicas de comunicação para impedir a vio-lência no namoro. Depois de quatro anos, haviaevidências significativas de redução da violên-cia física e sexual praticada e sofrida no namoropor adolescentes do grupo da intervenção.219

Alguns programas de educação em habilidadesde vida são aplicados utilizando como facilita-dores pessoas da mesma faixa etária. Criançase jovens da mesma idade ou mais velhos que ogrupo-alvo aplicam programas criados paraaumentar e aperfeiçoar conhecimentos, postu-ras e comportamentos. Embora a participação

ativa de crianças e jovens seja um princípioimportante sob o ponto de vista dos direitos, asevidências de que programas facilitados exclu-sivamente por outras crianças e jovens redu-zam a violência são, no mínimo, ambíguas, es-pecialmente quando são aplicados isoladamen-te de outras estratégias.220,221 Muitos desses pro-gramas carecem de apoio adequado, e aparen-temente o nível de apoio necessário para essasiniciativas é alto. Além disso, as crianças e jo-vens líderes estão constantemente tornando-se"velhos demais" para o papel, amadurecendo ededicando-se a outras atividades.

Prevenção de situações no âmbitoda comunidade

Promoção de normas e valores que fomentemo respeito e a solução pacífica de conflitos

Grandes esforços têm sido realizados paraprevenir a violência praticada pela criança econtra ela na comunidade através de campa-nhas públicas de informação ou prevençãocujo objetivo é mudar atitudes, crenças e nor-mas da comunidade acerca do uso da violên-cia. Foram lançadas campanhas de preven-ção da violência com múltiplos componentespara abordar a violência entre os jovens, aviolência das gangues, bullying e violênciasexual. 222,223,224,225,226,227. As campanhas podemtornar o clima social mais propício para mu-danças, porque quebram tabus e geram deba-tes públicos sobre vários assuntos. Entretan-to, mudanças duradouras tendem a exigir umacombinação de esforços que não se limita àscampanhas. Em geral, esses tipos de campa-nha parecem ser mais eficazes para aumentar

"Eu costumava pensar que, por ser menina, não tinha o direito de protestar quanto meninos e homens se comportavammal comigo. Mas depois que eu me associei ao clube da criança, fiquei sabendo que tenho todo o direito de me sentir

segura o tempo todo. Posso me proteger e protestar sempre que alguém tenta me molestar ou cometer algum abuso contramim. Meu corpo é meu e tenho o direito de protegê-lo."

Menina, 13 anos, Sul da Ásia, 2005 VI

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conhecimentos e promover a conscientização,além de provocar mudanças nas normas so-ciais em relação a alguns tipos de violência erelações de gênero. Algumas campanhas le-varam a um aumento das denúncias de deli-tos sexuais.228 Mas essas campanhas, quandoimplementadas isoladamente, não provoca-ram mudanças consistentes de comportamen-to ou uma redução da violência.

Reforma da polícia e treinamentocomunitário

Nos lugares em que a "cultura" da polícia é ex-tremamente negativa e discriminatória em rela-ção às crianças e jovens, a violência física e se-xual - entre outros abusos dos seus direitos hu-manos - pode ser uma ocorrência rotineira e to-talmente impune. Freqüentemente a violêncianão é dirigida contra todas as crianças, mas con-tra grupos específicos, como crianças e jovenscarentes ou de rua, refugiados, retornados oujovens deslocados internos. Nesses casos, as for-ças policiais devem ser sensibilizadas com rela-ção aos direitos humanos em geral, e aos direi-tos e questões de proteção da criança em parti-cular, no contexto geral de reformas sistêmicas.

Com treinamento e motivação, a polícia podeassumir um papel ativo como propiciadora demudanças positivas na vida da criança, em vezde ser um de seus agressores citados com maisfreqüência. Em Mumbai, na Índia, por exem-plo, a melhoria das relações entre a polícia ecrianças que trabalhavam no setor informal le-vou à contratação de algumas das crianças maisvelhas como assistentes de controle de tráfegonos horários de pico.230

O Consórcio para as Crianças de Rua realizouuma pesquisa internacional sobre programas detreinamento da polícia em direitos da criançano mundo todo. O Consórcio documentou pro-gramas de treinamento dirigidos à redução daviolência contra a criança moradora de rua emum grande número de países, a maioria sob osauspícios de ONGs, com a cooperação de auto-ridades locais e algum apoio de doadores. Ten-do identificado várias boas práticas, o Consór-cio preparou um manual para esse tipo de trei-namento. O Consórcio comentou: "Mudançasgeneralizadas, consistentes, de longo prazo esustentáveis só serão possíveis quando os di-reitos e a proteção da criança forem formalmen-te reconhecidos e incluídos nos cursos, manu-ais e acordos de colaboração oficiais".231

Entretanto, o treinamento de policiais provouser, via de regra, ineficaz para mudar o com-portamento da polícia quando não é acompa-nhado ou reforçado por iniciativas de mudançada postura e da cultura organizacional.232 Quan-to aos profissionais de saúde, o treinamento fre-qüentemente propicia mudanças de curto prazoem termos de conhecimentos e conscientização,mas essas mudanças são difíceis de traduzir emmudanças de comportamento ou de práti-cas.233,234,235,236 O potencial dos esforços de trei-namento para a redução da violência contra acriança aumenta quando eles fazem parte deuma estratégia mais ampla que inclui reformaslegislativas e mudanças de postura. Outras ma-neiras potenciais de evitar a violência policialincluem o aumento do número de policiais fe-mininas, a implantação de mecanismos inde-pendentes de denúncia e melhorias salariais ede status dos policiais.

"A violência contra a criança tem custos incalculáveis para as gerações presentes e futuras e afeta odesenvolvimento humano. Reconhecemos que praticamente todas as formas de violência estão

ligadas a papéis e desigualdades de gênero solidamente estabelecidas, e que a violação dos direitosda criança está ligada à situação da mulher."

Declaração Africana sobre a Violência contra Meninas, 2006 VII

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FALANDO MAIS ALTO EM UGANDA

Mais de 1.400 crianças foram pesquisadas em cinco distritos de Uganda em 2004 e 2005. Aspesquisas abordaram os vários tipos de violência a que as crianças estavam sujeitas no lar, naescola e na comunidade, como elas se sentiam com relação a isso e quais eram suas opiniõessobre uma infância sem violência. Também foram incluídos quase 1.100 adultos, que fornece-ram suas percepções sobre castigo e disciplina, maus-tratos e também como se sentiam comrelação a essas questões. A pesquisa alimentou uma campanha de advocacy baseada em evidên-cias, lançada em 2006 e voltada para a proteção e promoção do direito da criança de viver semviolência. O objetivo desses esforços foi estimular o debate público e destruir as barreiras àação. A campanha foi uma contribuição importante para a iniciativa do Ministério da Educaçãoe do Esporte de banir todos os castigos corporais nas escolas de Uganda.229

Responsabilização eacesso à justiça

A violência e a corrupção do Estado são doisfatores diretamente associados à violência nacomunidade. A confiança da comunidade nossistemas locais de segurança e justiça é de sumaimportância para a eficácia das políticas públi-cas. Os instrumentos jurídicos internacionaisenfatizam a importância de garantir a respon-sabilização e o acesso à justiça na consecuçãodas obrigações de direitos humanos.

Além de melhorar o treinamento e reformular aaplicação das leis em geral, garantindo tambémque tudo funcione de acordo com as normas in-ternacionais, é fundamental garantir que hajamonitoramento independente e uma investiga-ção completa de todos os casos de violência pra-ticada pelo Estado. A garantia de responsabili-zação do Estado, uma importante obrigação dorespeito aos direitos humanos, é também crucialpara gerar confiança e aumentar a eficiência daspolíticas de segurança. A impunidade para per-

petradores de violência policial contra criançasde rua muitas vezes permite que esse tipo de abu-so continue. Muitos policiais que cometem atosde violência contra a criança nunca são investi-gados ou condenados. É preciso implantar me-canismos para garantir que a polícia e outras ca-tegorias responsáveis pela segurança, quandoimplicados em atos de violência contra a crian-ça, sejam imediatamente investigadas e plena-mente responsabilizadas. O estabelecimento demecanismos permanentes, como ouvidorias ouconselhos civis de supervisão da polícia, que re-cebam e investiguem de forma independente ca-sos de violência praticada pelas forças de segu-rança, é um reforço importante para garantir aatribuição de responsabilidades.

Também são necessárias medidas especiais paragarantir o acesso à justiça por todas as comuni-dades, especialmente aquelas que são afetadaspela pobreza e por altos níveis de atividade cri-minosa. É essencial franquear o acesso à assis-tência jurídica independente e qualificada quan-do necessário. Também podem ser estabeleci-

"As crianças enfrentam o fogo cruzado do ódio e da fúria de dois grupos: delinqüentes locais e forças policiais (umfenômeno bastante global), o que intensifica o sentimento de impotência nas comunidades mais carentes e, entre os

jovens, reforça a idéia de que o uso da violência é aceitável e, novamente, algo bastante difundido."

Nancy Cardia, Conselho Editorial do Estudo do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre a Violência contra a Criança

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dos mecanismos para facilitar o acesso de gru-pos marginalizados à justiça, variando de ser-viços especiais nos tribunais à implementaçãode serviços especiais que facilitem a mediaçãode pequenos conflitos nas comunidades.

Organizações comunitáriascontra o tráfico

Atividades de âmbito comunitário podem sereficazes na prevenção do tráfico, particularmen-te quando realizadas em cooperação com a po-lícia e outras autoridades. Na África Oriental,os sistemas comunitários de guarda e vigilân-cia tiveram algum sucesso na prevenção do trá-fico de crianças e de infrações à legislação so-bre o trabalho infantil. Por exemplo, em Benin,comitês de aldeias apoiados pela administraçãoprovincial têm ajudado a reduzir o tráfico decrianças educando as famílias sobre os seusperigos e trabalhando com a polícia quando umacriança da aldeia desaparece.237

No estado de Andra Pradesh, no sul da Índia,outro exemplo é a Sociedade de Ajuda ao Em-poderamento e à Educação Rural (STHREE),estabelecida em 1998 para lidar com o tráficode mulheres e crianças de áreas rurais. ASTHREE enfatiza o papel da comunidade eapoiou a formação, nas comunidades, de Gru-pos de Auto-Ajuda (GAA), Comitês Anti-Trá-fico (CATs) e um Comitê Móvel de Estradas(CME). Quando são informados que uma mu-lher ou menina recebeu oferta de trabalho forada comunidade, os CATs locais solicitam a ve-rificação do nome, endereço e telefone de con-tato do empregador. No caso de mulheres oumeninas que são enviadas para o Kuwait ou para

o Golfo, os CATs tentam conferir a situação dovisto, ajudam a educar as comunidades sobredetalhes do pagamento esperado e divulgamcasos de aldeões que foram ludibriados. En-quanto os CATs e o CME trabalham diretamentepara impedir o tráfico de meninas e mulheresda região, os GAAs trabalham nas causas sub-jacentes do tráfico por meio de atividades edu-cacionais e de conscientização, bem como pelaoferta de opções viáveis de sustento para mem-bros da comunidade. Uma avaliação conduzidapelo UNICEF em Andhra Pradesh concluiu queo número de meninas/mulheres traficadas naárea do projeto diminuiu entre 2000 e 2004. ASTHREE também conseguiu resgatar meninase mulheres de lugares tão distantes quanto De-lhi, Pune e Mumbai, ajudando as famílias ou osCATs a registrar ocorrências na polícia e acom-panhando os casos junto à polícia com a ajudade redes de ONGs em outros estados.238

Outras iniciativas importantes para reduzir avulnerabilidade das crianças ao tráfico concen-tram-se em atenuar as pressões econômicas en-frentadas pelas famílias em situação difícil. NaAlbânia, a Cooperação do Governo Suíço parao Desenvolvimento financia treinamento voca-cional para jovens sob risco de serem trafica-dos, dotando-os de qualificações buscadas pelomercado para que encontrem trabalho perto decasa. Nos países do Mekong, a OIT-IPEC apoiousubvenções para microcrédito, treinamento vo-cacional, colocação no mercado de trabalho edesenvolvimento de pequenos negócios para fa-mílias em situação de risco. Todas essas iniciati-vas reforçam os mecanismos de adaptação dasfamílias e dos adolescentes e reduzem a proba-bilidade de que precisem abandonar suas comu-

"Líderes e comunidades religiosas estão bem posicionados para enfrentar a violência contra acriança e mitigar o seu efeito devastador. A Religiões pela Paz ajuda as várias comunidades

religiosas do mundo a se unirem, recorrendo à sua força moral coletiva para pôr um fim à violênciacontra a criança no lar e na sociedade."

Dr. William F. Vendley, Secretário Geral, Conselho Mundial de Religiões pela Paz

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nidades em busca de trabalho duvidoso ou cai-am na rede de recrutadores que exploram o seudesejo de melhorar de situação.239

Oferta de ambientes físicos seguros

Como foi discutido anteriormente, há evidên-cias consideráveis de que existe uma relaçãoentre o ambiente físico e a violência, particu-larmente no meio urbano. Várias medidas po-dem ser adotadas para modificar o ambiente fí-sico das comunidades de modo a reduzir o ris-co de violência sofrida e praticada pelas crian-ças. Isso inclui a melhoria da iluminação públi-ca, reduzindo o número de locais "cegos" (be-cos, passarelas subterrâneas, etc.) onde a vio-lência pode ser praticada sem ser vista e crian-do rotas seguras para as crianças no caminhoentre a casa e a escola ou outras atividades dacomunidade. Em lugares como favelas e cam-pos de refugiados, deve-se enfatizar aa criaçãode rotas seguras até os pontos comunitários decoleta de água, chuveiros e sanitários.

Em um nível mais fundamental e de longo pra-zo, devem ser realizados esforços para expan-dir a infra-estrutura básica (escolas, serviços desaúde etc.) e habitacional em ambientes urba-nos superpopulados e carentes. Uma série deabordagens é possível. Alguns especialistas afir-mam que a abordagem mais eficaz para lidarcom um alto grau de superpopulação em áreasurbanas carentes é desconcentrar a moradiasempre que possível, mudar as normas locaispara permitir um uso mais lógico do espaço eaumentar a qualidade do entorno.240 Ao mesmotempo, devem ser feitos esforços para melho-rar os recursos inadequados do bairro, como a

falta de locais para banho e lavagem de roupa,de banheiros, de áreas de recreação para as cri-anças e de instalações comunitárias como cre-ches e quadras de esportes.

Do ponto de vista político, algumas dessas açõespodem ser difíceis de realizar se as autoridadesmunicipais estiverem relutantes em promovermelhorias em assentamentos urbanos "ilegais"por temer de que isso seja encarado como umincentivo à migração da zona rural para a zonaurbana. Nesses casos, pode ser necessário umesforço considerável de advocacy para conven-cer as autoridades sobre a necessidade dessasabordagens, do ponto de vista tanto dos direi-tos humanos (ou seja, a necessidade de mora-dia decente e comunidades saudáveis) como doobjetivo concreto da redução da violência. Aação de advocacy também deve ser dirigida aprofissionais que assessoram as autoridades eexecutam o trabalho, como arquitetos, urbanis-tas e engenheiros, poucos dos quais talvez es-tejam cientes do impacto das condições de vidasobre o desenvolvimento da criança. Nesse par-ticular, a Iniciativa Cidades Amigas da Criança(ver quadro) oferece uma ferramenta útil paramudar atitudes e colocar as necessidades dacriança no centro da agenda urbana.

Serviços para vítimas da violência

Aperfeiçoar os sistemas de atendimento pré-hospitalar e os serviços médicos de emergên-cia. Ao contrário da maioria dos outros cenáriosabordados neste relatório, a violência cometidapelas crianças e contra elas na comunidade incluiuma maioria de ataques envolvendo armas de fogo,facas e outras armas. Conseqüentemente, essa vio-

"A maneira de diminuir a violência é trabalhar com todos os líderes da nossa aldeia."

Menino, Ilhas Salomão, 2005 VIII

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CRIAÇÃO DE CIDADES AMIGAS DA CRIANÇA

A Iniciativa Cidades Amigas da Criança (ICAC) foi lançada em 1996 para realizar ações basea-das na resolução aprovada durante a segunda Conferência da ONU sobre Assentamentos Huma-nos (Habitat II), tornando as cidades habitáveis e colocando as "crianças em primeiro lugar". AConferência declarou que o bem-estar da criança é o indicador supremo de um habitat saudável,de uma sociedade democrática e da boa governança.

Todas as crianças que moram em cidades têm o direito de acessar serviços básicos e gozar deoportunidades de desenvolvimento. A ICAC defende a adoção de abordagens de governança egestão urbana participativa que promovam a realização dos direitos dos jovens cidadãos. Emconsonância com a CDC, ela desafia as cidades a reformular a maneira como enxergam a sipróprias, seus serviços, suas amenidades e a qualidade de vida que proporcionam.

Na prática, o movimento Cidades Amigas da Criança já levou jovens cidadãos a participar datomada de decisões municipais e ajudar planejadores a criar "a cidade que eles querem". Foramelaborados indicadores de qualidade para medir esses avanços com base em metas orientadaspara a criança. Uma Secretaria Internacional para Cidades Amigas da Criança foi criada em2000 no Centro de Pesquisas Innocenti do UNICEF em Florença, na Itália.

Fonte: UNICEF (2006). Cidades Amigas da Criança. Florença, Centro de Pesquisas Innocenti do UNICEF. Disponívelem: http://www.childfriendlycities.org.

lência é a maior causadora de homicídios na faixaetária de 0 a 18 anos e responde por uma propor-ção significativa dos casos de incapacitação físi-ca e mental prolongada em crianças que sobrevi-vem a lesões graves e violentas.

Portanto, os esforços para aperfeiçoar o atendi-mento pré-hospitalar e os serviços médicos deemergência são, inquestionavelmente, de gran-de valia para reduzir a proporção de óbitos e asdeficiências resultantes da violência na comu-nidade. Esses esforços devem estar ligados auma série de serviços de apoio para a reabilita-ção física e psicológica das crianças depois que

suas necessidades médicas imediatas tiveremsido atendidas (ver quadro).

Serviços de recuperação, reintegração e rea-bilitação. Crianças expostas a eventos violentose traumáticos podem precisar de uma série deserviços, como reabilitação física, aconselhamen-to e acompanhamento por assistente social paraauxiliar na reintegração social. Nos casos de vi-olência doméstica, tráfico ou trabalho sexual, ouso de "casas seguras" ou abrigos pode ser ne-cessário; no entanto, é importante que esses abri-gos cuidem das necessidades tanto das criançascomo de suas mães ou responsáveis. Um aspec-

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to importante para gerar confiança na comuni-dade e garantir a presteza do atendimento é di-vulgar amplamente os pontos de acesso a essesserviços, particularmente entre grupos vulnerá-veis. Os Centros Thuthuzela, na África do Sul,são um exemplo recente da importância da inte-gração de serviços relevantes e diversificados quesejam prestados com maior rapidez e qualidade.

Embora haja um temor freqüente de que as cri-anças envolvidas com grupos armados que co-meteram atos de violência durante um conflitopossam continuar a praticar atos de violência nacomunidade após o término do conflito, as pes-quisas indicam que a realidade não é necessaria-mente assim. Um estudo longitudinal envolven-do crianças ex-combatentes em Moçambiquemostra que, quando têm acesso a serviços de re-abilitação e são aceitas de volta em suas famíliase comunidades, elas tornam-se adultos produti-vos, responsáveis e atenciosos depois de recebera atenção necessária por parte dos profissionaisenvolvidos com a proteção à criança por ocasiãoda desmobilização. Os componentes importan-tes de uma reabilitação bem-sucedida incluíama assistência por adultos que pudessem ser vis-tos como modelos a serem emulados, práticastradicionais como os rituais de limpeza, oportu-nidades educacionais, programas de aprendiza-do, projetos de geração de renda e fornecimentode sementes e ferramentas.243

Serviços de denúncias. Serviços de denúnciaque não apenas estejam disponíveis, mas tam-bém sejam acessíveis a crianças e jovens, po-dem ser um elemento crítico de uma abordagemabrangente de proteção à criança. A proteção daconfidencialidade e a oferta de um serviço dealta qualidade também são importantes. Esses sis-temas também podem, de forma coordenada,franquear o acesso ou encaminhar as vítimas aprofissionais treinados e cuidar do seu encami-nhamento a assistentes sociais, profissionais desaúde ou à polícia, conforme necessário.

Um mecanismo cada vez mais popular no am-biente comunitário é a linha de ajuda à criança,um serviço telefônico que conecta crianças ne-cessitadas de assistência e proteção a serviçose recursos. Em 2003, estima-se que cerca de11,3 milhões de telefonemas tenham sido rece-bidos por linhas de ajuda à criança. As razõespara as crianças telefonarem incluem pedidosde intervenção em crises, reabilitação, aconse-lhamento ou apenas a necessidade de conver-sar com alguém. Aproximadamente 9% dos te-lefonemas estavam relacionados a abusos e vi-olência, enquanto um número significativo dechamadas originou-se de crianças que estavamsendo exploradas comercialmente, inclusivecrianças forçadas a trabalhar como mendigasou envolvidas com trabalho infantil ligado àservidão por dívida.245

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"A violência contra a criança tem que parar agora. Todos os países podem exercer uma liderançamais proativa nessa área, aumentando os recursos para a proteção da criança, assegurando que as

escolas sejam espaços amigos da criança, aumentando a vigilância da comunidade contra aviolência e eliminando o estigma que persegue as crianças afetadas pelo HIV/AIDS."

Cecilio Adorna, Representante do UNICEF, Índia

AVALIAÇÃO DA SENSIBILIDADE DO SISTEMA DE PROTEÇÃO DACRIANÇA NA ANTIGA REPÚBLICA IUGOSLAVA DA MACEDÔNIA

Um estudo realizado na antiga República Iugoslava da Macedônia usou métodos quantitativos equalitativos para avaliar a sensibilidade do sistema de proteção da criança à violência contra acriança, com foco especial nos mecanismos formais de encaminhamento e outros que promo-vem a coordenação dentro do sistema de proteção da criança.

Foram entrevistados informantes importantes em 277 instituições, compreendendo pessoasdos centros de assistência social, dos centros para vítimas da violência, de escolas, delega-cias, hospitais, instituições residenciais para crianças sem cuidados parentais e centros cor-recionais e de detenção.

O estudo-piloto revelou que apenas poucos casos de violência contra a criança haviam sidooficialmente relatados pelos prestadores de serviços num período de 12 meses. As conclusõestambém apontaram a falta de critérios e procedimentos oficiais para registrar casos de violênciaou de um sistema oficial de encaminhamento para uso de todas as instituições que lidam comproteção à criança. Além disso, as conclusões revelaram que as leis e mecanismos de coordena-ção entre as instituições eram insuficientes, assim como o monitoramento e a avaliação da qua-lidade dos serviços prestados.

A avaliação recomendou o fortalecimento do sistema de proteção da criança, compreendendo oreforço da estrutura legislativa, para delinear claramente as responsabilidades dos vários órgãose instituições que lidam com a proteção da criança, e a estipulação das condições de coordena-ção entre essas instituições; o estabelecimento de mecanismos de coordenação entre institui-ções que lidam com a proteção da criança; a criação de diretrizes e protocolos oficiais pararegular o encaminhamento de casos e as ações a serem realizadas; o treinamento de profissio-nais para lidar com a violência contra a criança; e o estabelecimento de novos centros paracrianças vítimas da violência.

Sem uma avaliação como essa, guiada por padrões internacionais ligados aos direitos das crian-ças, torna-se difícil para os governos identificar as principais áreas que requerem ação e tornartodas as partes do sistema eficazes e responsáveis pela qualidade dos serviços prestados.244

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CENTROS DE ASSISTÊNCIA THUTHUZELA DA ÁFRICA DO SUL:SERVIÇOS INTEGRADOS PARA VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL

Os Centros de Assistência Thuthuzela oferecem uma resposta integrada em um só lugar às altas taxasde violência contra mulheres e crianças na África do Sul e são cada vez mais citados como exemplosde boas práticas. O objetivo do modelo Thuthuzela - a palavra significa "conforto" no idioma Xhosa- é reduzir traumas secundários para a vítima (ou seja, resultantes das ações policiais, jurídicas,médicas ou outras), aumentar os índices de condenação dos agressores e reduzir o tempo decorridodesde a ação impetrada até a sua finalização. Sua abordagem integrada de assistência às vítimas deestupro baseia-se no respeito e no conforto, cuidando da restauração da dignidade por um lado e nagarantia de justiça por outro. As vítimas que chegam às delegacias não precisam mais prestar depo-imento até que sejam transportadas em ambulância, por equipe médica especialmente treinada, parao Centro Thuthuzela, onde são examinadas por médicos e enfermeiras, recebem aconselhamento etêm a oportunidade de tomar banho de chuveiro ou banheira. Depois disso, e somente quando avítima está pronta, ela começa a fazer sua declaração. Ao final, ela é transportada para casa e váriosserviços de acompanhamento também lhe são oferecidos, inclusive o teste de HIV.

Os centros Thuthuzela estão localizados em hospitais públicos nas comunidades em que a incidênciade estupros é particularmente alta e trabalham em estreita cooperação com Tribunais de DelitosSexuais especializados nas proximidades, contando com promotores, assistentes sociais, agentesinvestigadores, magistrados, profissionais de saúde e policiais. Embora sujeitos a dificuldades finan-ceiras, os centros vêm se esforçando para tornarem-se mais "amigos da criança", usando ferramentascomo cartazes, desenhos e bonecas anatomicamente corretas para ajudar a preparar as crianças paradepoimentos em tribunais, caso isso seja necessário.241 Com as melhorias introduzidas pelos centrosThuthuzela no processo de notificação e processo por estupro e outros crimes sexuais, as taxas decondenação dos criminosos estão aumentando. O Governo da África do Sul está trabalhando paraampliar a escala desse modelo e pretende ter 80 centros em funcionamento até 2010.242

AMPLIANDO O ACESSO ÀS LINHAS DE AJUDA

A Child Helpline International (CHI) é uma rede global que congrega linhas de ajuda do mundotodo. Estabelecida em 2001, contava com 78 redes associadas no final de 2005. O maior aumen-to no número de associados deu-se entre os países em desenvolvimento. A rede global ofereceapoio às linhas de ajuda existentes e aos países interessados em implantá-las, tendo defendidoativamente a implantação desses serviços pelos países. Em 2005, a Agenda de Tunis da CúpulaMundial sobre a Sociedade da Informação fez um apelo a todos os países para que tivessem umnúmero local, de fácil memorização e gratuito para o qual as crianças pudessem telefonar.247 ACHI também está ampliando seus serviços para a Internet, oferecendo um serviço de aconselha-mento on-line chamado Chiworld (www.chiworld.org). Esse site é um portal multilíngüe paraas linhas de ajuda nos países-membros, voltado para crianças que optaram por não usar o telefo-ne mas ainda assim precisam de assistência e proteção (ver a Figura 7.3).247

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NO ÂMBITO DA SOCIEDADE

As intervenções no âmbito da sociedade podemter um peso significativo sobre a prevenção e aredução da violência interpessoal ou sobre olimite de tolerância e estímulo à violência.248

Por essa razão, a prevenção da violência entreos jovens deve ser incluída nas áreas decisóriasde "nível macro", como estratégias nacionaispara a redução da pobreza, políticas setoriaispara reduzir a vulnerabilidade social, políticasde reforma e descentralização administrativa dogoverno local, extensão e melhoria de serviçosde saúde, educação e infra-estrutura comunitá-ria, bem como iniciativas específicas para oavanço dos direitos da mulher e da criança. Osmecanismos pelos quais essas políticas sãoadaptadas e implementadas no âmbito local,através de abordagens comunitárias ou em gru-pos, requerem um exame cuidadoso.

Oportunidades econômicase igualdade

Dois dos problemas mais críticos que afetamdiretamente os jovens, particularmente em ce-nários de alto risco, são o acesso a oportunida-des positivas de sustento e a possibilidade demobilidade social por meios não-criminosos.Quando os jovens sentem que têm uma partici-pação pessoal na construção de um ambienteseguro e que suas aspirações pessoais são rea-lizáveis dentro da lei, a frustração pessoal e atensão social que alimentam a violência tendema ser consideravelmente atenuadas. Portanto, énecessário desenvolver uma estrutura de polí-ticas públicas, econômicas e sociais que priori-ze o crescimento, a igualdade e a sustentabili-dade no uso de recursos naturais e humanos,mitigando ou anulando os déficits de seguran-ça e assistência social que têm surgido.249

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Existem alguma evidências de que as políticasde redução da concentração da pobreza em zo-nas urbanas - por exemplo, aumentando as opor-tunidades de emprego e educação - possam sereficazes para reduzir o comportamento violen-to dos jovens.250 Por exemplo, em um estudopioneiro realizado nos EUA, os jovens de fa-mílias que receberam auxílio-moradia e ajudapara sair de bairros carentes tinham probabili-dade significativamente menor de exibir com-portamento violento do que aqueles que nãoreceberam esse tipo de apoio.251

A demonstração sólida e inequívoca da existên-cia de uma relação estreita entre altos índices dedesigualdade econômica e aumento dos índicesde homicídio entre adolescentes e jovens adul-tos indica que as políticas que reduzem a desi-gualdade econômica ou minimizam seus efeitospodem ser muito úteis na prevenção desse tipode violência. Isso parece ter especial relevânciaem se tratando de homens, uma vez que as pes-quisas indicam que a relação entre desigualdadeeconômica e homicídio é muito mais forte nosexo masculino que no feminino.252

Redução do acesso ao álcoole às drogas ilegais

As intervenções que reduzem o acesso ou au-mentam o preço do álcool, comprovadamente,reduzem tanto os níveis de consumo quanto osíndices de violência entre jovens na comunida-de. Em Diadema, no Brasil, a proibição da ven-da de álcool após as 23:00h ajudou a evitar umnúmero estimado em 273 assassinatos (em to-das as faixas etárias) durante um período de doisanos.253 Em algumas partes dos EUA, a restrição

do acesso de crianças ao álcool reduziu o núme-ro de infrações por perturbação da ordem entreos jovens na faixa etária de 15 a 17 anos.254 Poroutro lado, o fim de um programa antiálcool querestringiu o fornecimento de bebidas alcoólicasem meados dos anos 80, paralelamente à crisesócio-econômica que se seguiu à queda da UniãoSoviética, resultou em um aumento notável noshomicídios entre russos com menos de 20 anosde idade no início dos anos 90.255,256

Existem também evidências de que os progra-mas que modificam o hábito de beber entrepares e outras normas sociais podem reduzir oconsumo prejudicial de álcool entre os jovense, portanto, podem ser úteis para reduzir a vi-olência relacionada ao álcool. A modificaçãodos locais onde as pessoas bebem, como barese clubes, pode ser eficaz. Por exemplo, é pos-sível criar ambientes menos propícios à vio-lência melhorando o desempenho da gerênciae dos funcionários através de programas detreinamento, implementando códigos de boaspráticas e aplicando rigorosamente a legisla-ção que regula a venda de bebidas alcoóli-cas.257,258,259 Em ambientes noturnos maiores,a presença de grandes números de indivíduosembriagados no final da noite aumenta a pos-sibilidade de confrontos violentos.260 Consta-tou-se que intervenções como a oferta de trans-porte noturno seguro, a melhoria da ilumina-ção pública e o uso de circuitos fechados detelevisão ajudam a reduzir a violência relacio-nada ao álcool nas imediações de recintos au-torizados a vender bebidas alcoólicas.261

Uma proporção significativa do álcool con-sumido por muitas sociedades de renda bai-

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xa a média é produzido em casa ou vendidoem estabelecimentos não autorizados.262 Porexemplo, estima-se que 80 a 90% das lojasde bebidas da África do Sul não tenham au-torização para funcionamento. Nessas cir-cunstâncias, o aumento do preço do álcoolpode ser menos eficaz que outras abordagens,como leis que regulem a idade mínima para acompra de bebidas alcoólicas e esforços pararegularizar as lojas de bebidas.

Redução do acesso e dademanda por armas

Como foi descrito anteriormente, o acesso a re-vólveres e outras armas letais é um fator crucialpara os homicídios e lesões graves de criançasem muitas comunidades. As intervenções parareduzir o acesso às armas incluem a proibiçãode certos tipos de armas de fogo, a imposição deperíodos de espera para a compra de armas, arecompra de armas, a adoção de regras para olicenciamento e registro de armas de fogo, o po-liciamento mais rigoroso do porte ilegal e do trá-fico de armas e o estabelecimento de regras paraa guarda segura. Em muitos lugares, reconhece-se cada vez mais a necessidade de abordar tam-bém o porte e o uso de armas brancas.

Até hoje, relativamente poucas intervenções parareduzir o acesso a armas letais continham com-ponentes de avaliação suficientemente rigorosospara permitir que fossem extraídas conclusõesquanto ao seu impacto sobre os índices de homi-cídios,263 ou, mais especificamente, para identi-ficar os impactos sobre a criança. Entretanto, al-

guns exemplos adequadamente avaliados daAustrália e da Colômbia sugerem que a reduçãodo acesso e da demanda por armas letais podeser um meio eficaz de impedir a violência come-tida por crianças e contra elas na comunida-de.264,265 O quadro a seguir descreve como umacombinação de intervenções para impedir o por-te de armas de fogo em público e para reduzir oconsumo de álcool ajudou a baixar os índices dehomicídios em Cali, na Colômbia.

Redução da exposição àviolência na mídia

A prevenção da veiculação da violência con-tra a criança nos meios de comunicação exigecooperação nos níveis individual e comunitá-rio, mas também o desenvolvimento de estra-tégias nacionais. Muitos colaboradores do Es-tudo sugeriram o uso de campanhas educati-vas para informar crianças e pais sobre a vio-lência veiculada e cometida nos meios de co-municação de massa, abordando particular-mente os riscos e o comportamento seguro naInternet. Outras estratégias dirigidas especifi-camente à Internet incluem a criação de orga-nizações fiscalizadoras que monitorem sitesofensivos, além da regulamentação e auto-re-gulação do setor. Também é necessário melho-rar a aplicação da lei, o que inclui a instaura-ção de processos criminais contra pessoas queusam a Internet para causar danos às crianças,o monitoramento de infratores conhecidos apósa sua condenação, o uso de programas queimpeçam as pessoas de tornarem-se infratorese o tratamento dos infratores.267

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ARMAS DE FOGO, BEBIDAS ALCOÓLICAS E PREVENÇÃO DEHOMICÍDIOS EM CALI

O uso de estratégias baseadas em evidências para reduzir fatores de riscos situacionais é ilustra-do pela cidade colombiana de Cali. Entre 1985 e 1992, os índices de homicídios na cidadequintuplicaram, atingindo o nível de 100 homicídios para cada 100.000 pessoas. Como respos-ta, a cidade estabeleceu o Programa Desenvolvimento, Segurança e Paz (DESEPAZ) em 1992para implementar estratégias de prevenção da violência e aumento da segurança dos habitantes.

Um passo importante foi a criação de um sistema de vigilância interagências para identificarpadrões e fatores determinantes de homicídios na cidade. Entre outras fontes importantes deinformações, os dados da vigilância mostraram que o índice de homicídios entre homens nafaixa etária de 15 a 19 anos era de 250 para cada 100.000 pessoas, que 79% de todos os homicí-dios eram cometidos com o uso de armas de fogo, que as concentrações de álcool no sangue em23% dos casos excediam os limites permitidos para dirigir e que os homicídios estavam concen-trados em áreas específicas da cidade, particularmente nas áreas mais pobres. Os homicídioseram mais comuns nos fins de semana, particularmente quando coincidiam com os dias depagamento quinzenal.

Essas informações subsidiaram o desenvolvimento das políticas e programas de prevenção doDESEPAZ, que tiveram o total apoio do governo municipal. Entre outras iniciativas, o prefeitoimpôs restrições ao horário de venda de bebidas alcoólicas e proibiu o porte de armas em públi-co durante os fins de semana de alto risco, feriados e dia de eleições. Embora a restrição derecursos tenha permitido apenas a aplicação intermitente de todas as intervenções, as avaliaçõesrealizadas mostraram sinais claros de sucesso. O índice de homicídios caiu 14% quando a proi-bição do porte de armas em público foi aplicada com rigor. Entre 1994 e 1997, o índice dehomicídios em Cali caiu 30%, passando de 124 homicídios para 86 a cada 100.000 habitantes.Além disso, houve uma forte mudança da opinião pública em Cali, que passou de uma posturapassiva com relação à violência para uma demanda estridente por mais ações de prevenção.266

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A PARTICIPAÇÃO DA CRIANÇAEM TODAS AS ESFERAS

Pesquisas demonstram que o silêncio é a res-posta quase universal de crianças que sofremabusos.268 Nessas circunstâncias, são necessá-rios esforços especiais para que elas sintam-se suficientemente seguras para falar sobre in-cidentes violentos. Os sistemas do governo lo-cal podem desempenhar um papel importantenesse sentido: seja no contexto de sistemascentralizados, descentralizados ou privatiza-dos, é necessário que eles incorporem as opi-niões das próprias crianças e jovens. Um pro-jeto do Conselho da Europa sobre a inclusãosocial de jovens concluiu que o empoderamen-to genuíno da juventude era fundamental paradesenvolver estratégias de vizinhança volta-das para a prevenção da violência.269 A cria-

ção de associações ou grupos de apoio paragrupos específicos, como crianças de rua ousobreviventes de abuso infantil, com o objeti-vo de desenvolver uma identidade comum eum senso de solidariedade sobre as questõesque as afetam, pode ser uma experiência deempoderamento. Isso pode ser a mola propul-sora para que elas executem ações voltadaspara os seus próprios objetivos, o que inclui adefesa de outros direitos da criança e a reali-zação de atividades conjuntas em nome deoutras crianças vulneráveis sujeitas a abusosdomésticos, risco de casamento infantil, dis-criminação ou exclusão da escola.270

A participação é, portanto, um princípio fun-damental a ser aplicado em todos os esfor-ços de prevenção e erradicação da violênciapraticada contra a criança e pela criança nacomunidade.

COLETA DE DADOS E PESQUISA

Como em todas as arenas da violência anali-sadas pelo Estudo, existe uma necessidade ur-gente de dados mais confiáveis e precisos ede pesquisas adicionais, particularmente nospaíses e regiões em desenvolvimento. É pre-ciso colocar em funcionamento, nos setoresde saúde e justiça criminal, sistemas que co-letem e monitorem esses dados com atençãoà idade e ao gênero dos agressores e das víti-mas. As fontes de dados incluem certificadosde óbito, registros de estatísticas vitais, rela-tórios de perícia médica, registros hospitala-res, registros policiais e judiciários e infor-mações colhidas diretamente das vítimas empesquisas e estudos especiais.

FILIPINAS, 1997, Crianças em frente ao Centro deReabilitação Nayon Kabataan para crianças de rua evítimas de trabalho infantil e abusos físicos em Manilha.

"A adoção de uma abordagem baseada em evidências para impedir a violência contra a criança éessencial para o sucesso a longo prazo. Portanto, deve-se atribuir prioridade à expansão dessa base

de evidências por meio do apoio a estudos científicos que meçam a eficácia de programas deprevenção em todos os lugares, especialmente nos países de média e baixa renda, onde o

problema é maior."

Dra. Catherine Le Galès-Camus, Diretora-Geral Assistente, OMS

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CRIANÇAS E JOVENS EM AÇÃO

Na Europa e na Ásia Central: O UNICEF vem apoiando o desenvolvimento de mecanismospara que as crianças expressem suas opiniões e participem como grupo distinto, com sua própriaagenda política, da sociedade civil. Na República da Moldávia, por exemplo, foram criadosConselhos Locais de Jovens para fortalecer as capacidades dos jovens e empoderá-los para umaparticipação consciente na vida da comunidade. No Azerbaijão, foram estabelecidos centros dajuventude em áreas com alta concentração de deslocados internos e organizados eventos parapromover o diálogo entre grupos étnicos e a comunidade em geral.271

Governo do Quênia: Na resposta ao questionário aplicado pelo Estudo,272 o Governo relata quea participação dos jovens no fomento de atitudes pró-sociais foi promovida através do desenvol-vimento do Serviço Nacional do Jovem (SNJ) e do treinamento de jovens cidadãos para seengajarem em "tarefas de importância nacional", como os centros de recepção para crianças derua. Esse é um exemplo de país que estimula o potencial dos jovens para contribuir com osdebates políticos e assumir um papel de vanguarda na construção de uma sociedade segura.Uma abordagem semelhante foi aplicada no programa de cooperação do UNICEF na Somália,em que os jovens participaram de programas de treinamento para a cidadania e estão dando umexemplo de renúncia à violência.273

Projeto "XChange" no Caribe - criando uma cultura de não-violência nos países caribe-nhos de língua inglesa: Esse projeto busca criar ambientes seguros e protegidos para criançase adolescentes em casa, na escola e na comunidade, onde eles possam viver e realizar todo o seupotencial. O projeto cobre sete países do Caribe: Barbados, Belize, Granada, Guiana, Haiti,Jamaica e Trinidad e Tobago. O UNICEF juntou-se ao conhecido artista caribenho MachelMontano em 2005 para criar um conceito para o "movimento", que usa o entretenimento comoponto de partida para provocar mudanças positivas entre jovens e adultos. A campanha usamúsica, esportes e várias formas de arte para chegar aos adolescentes e empoderá-los para ado-tar um estilo de vida positivo. O XChange é um "movimento liderado por jovens" e tem váriasesferas, entre elas os cuidados maternos e paternos, a construção de ambientes protegidos no lar,o fornecimento de educação sobre saúde e vida familiar, iniciativas escolares amigas da criançae em defesa da paz, formação de comunidades protegidas com adolescentes e jovens, aumentoda qualidade e do acesso aos serviços de instituições relevantes, desenvolvimento de políticas,reforma legislativa, advocacy e mobilização social. Os jovens líderes definiram claramente asua visão para o projeto XChange. A segunda fase precisará refletir essa visão, esclarecendo opapel que os participantes do projeto desempenharão por meio de uma estrutura organizacionalclara que lidere a iniciativa.274

"Quando quer aprender a pintar, você consulta um pintor. Quando quer comer, consulta um chef. Portanto,para conhecer os problemas das crianças, você tem que consultá-las."

Jovem, Painel Consultivo de ONG para o Estudo, abril de 2004

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PRIORIDADES EM AÇÃO: CONSTRUINDO UMA EUROPA PARA ACRIANÇA E COM A CRIANÇA

O programa "Construindo uma Europa para a Criança e com a Criança" (2006-2008) do Conse-lho da Europa compreende duas linhas de ação muito próximas: a promoção dos direitos dacriança e o programa de ação "A Criança e a Violência". O programa leva em conta as dimen-sões sociais, jurídicas, educacionais e de saúde da violência contra a criança, com particularatenção às perspectivas de gênero e às crianças vulneráveis.

Na linha de ação voltada para a promoção dos direitos da criança, o programa ajudará os Estadosa criar políticas integradas e estruturas jurídicas abrangentes, estabelecer as instituições e estrutu-ras necessárias, desenvolver redes e produzir ferramentas e métodos de trabalho, envolvendo ascrianças e a população em geral. Em 2008, o Conselho da Europa poderá oferecer aos Estados-membros modelos de estratégias nacionais, bem como instrumentos e metodologias, contendotodos os elementos que se provaram necessários e eficazes na proteção dos direitos da criança.

O programa de ação "A Criança e a Violência" foi delineado para ajudar os Estados a implemen-tar suas obrigações para com os instrumentos de direitos humanos do Conselho da Europa e daConvenção sobre os Direitos da Criança. O programa garantirá o acompanhamento adequado,no âmbito pan-europeu, das recomendações contidas no Estudo do Secretário-Geral das NaçõesUnidas sobre a Violência contra a Criança.275

É preciso atribuir prioridade especial ao de-senvolvimento de sistemas que monitoremóbitos e lesões graves entre crianças e jovensde regiões onde os dados sobre homicídios dis-poníveis atualmente são insuficientes. Essasregiões são a África, o Sudeste da Ásia, o Ori-ente Médio e algumas partes das Américas edo Pacífico Ocidental, especialmente os paí-ses mais pobres. Também é preciso realizarestudos para estabelecer a proporção entre le-sões fatais e não-fatais, classificadas por fai-xa etária do agressor e faixa etária e gênero da

vítima.276 Sem essas informações básicas, édifícil mapear a questão da violência contra acriança e o adolescente na comunidade e de-senvolver respostas preventivas eficazes. Épreciso realizar pesquisas em todas as faixasetárias sobre as interações entre família, soci-alização na comunidade e exposição à violên-cia, bem como sobre todos os seus efeitos, etambém pesquisas sobre boas práticas em po-líticas, programas - tanto oficiais como deONGs - e leis já existentes em áreas como ocontrole de armas e a reparação às vítimas.

"Você não estava lá para me proteger quando eu era criança e eu terei que viver com esses danospelo resto da minha vida. Mas prometo, agora que sou jovem nesta sociedade, acabar com essa

violência para a próxima geração. Você pode me apoiar ou virar as costas para mim."

Jovem líder, sobrevivente e envolvido com as ruas, América do Norte, 2005 IX

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RECOMENDAÇÕES

A prevenção da violência como objetivo depolíticas públicas, especialmente por meios quenão sejam a repressão e o uso da lei, deve rece-ber muito mais atenção. Como os adolescentese os jovens adultos inclinados à violência sãofreqüentemente um produto de influências quecomeçam na infância, fica claro que as políti-cas que promovem comunidades amigas da cri-ança deverão atuar em todos os estágios de cres-cimento, desde a fase lactente à pré-escolar, pormeio de programas e serviços voltados para asfamílias, creches, escolas e outras instituiçõessociais freqüentadas pelas crianças. Essa estra-tégia não é necessária apenas para a realizaçãodos direitos da criança, trazendo também bene-fícios de longo prazo para as comunidades esociedades em geral.

O fato de que diferentes intervenções são efi-cazes em diferentes períodos serve para en-fatizar a necessidade de políticas e mecanis-mos de financiamento que permitam a ado-ção de uma abordagem consistente e estáveldurante vários anos, atendendo a objetivosde curto, médio e longo prazo. Os tomado-res de decisões devem, portanto, ter cuida-do com as exigências de resposta imediata aincidentes específicos que chegam às man-chetes e, ao invés disso, trabalhar para ofere-cer apoio duradouro a estratégias baseadas emconclusões empíricas.277

As recomendações a seguir para a prevençãoda violência cometida contra a criança e porela na comunidade referem-se tanto às preocu-pações expressas por participantes do Estudo

quanto aos conhecimentos existentes sobre osfatores determinantes dessa violência e as pos-sibilidades de evitá-la.

Prioridade à prevenção

Indivíduos e famílias em alto risco

1. Os esforços para impedir a violência nafamília e no lar deven ser apoiados comomeio de impedir a violência na comuni-dade. Os governos devem apoiar os esfor-ços que fortaleçam os conhecimentos e ashabilidades das famílias com relação ao de-senvolvimento infantil, à disciplina não-violenta e às opções de controle do com-portamento, aumentando também as redesde segurança social. A longo prazo, issocontribuirá para a prevenção da violênciacontra a criança na comunidade (ver as re-comendações do capítulo sobre a violên-cia contra a criança no lar e na família).

2. Programas que estimulem crianças emsituação de risco a ficar na escola ou vol-tar para ela, ou a participar de progra-mas de educação não-formal, devem serapoiados. As pesquisas indicam que essapode ser uma medida eficaz para reduzir aviolência na comunidade.

3. Programas que envolvam adultos res-ponsáveis e de confiança com a vida decrianças em alto risco devem ser imple-mentados. Os governos devem garantir aimplementação de certas abordagens, comoos programas de orientação, que juntem cri-anças e adultos responsáveis para apren-

"Acreditamos que os governos e a sociedade civil são individual, coletiva e mutuamente responsáveis por garantir quecada criança viva em um mundo livre da violência. Acreditamos também que os governos têm a responsabilidade e

obrigação fundamental de agir de forma concreta e imediata para erradicar todas as formas de violência contra crianças,particularmente as do sexo feminino."

Declaração Africana sobre a Violência contra Meninas, 2006 X

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derem juntos e beneficiarem-se da compa-nhia uns dos outros. Esses programas po-dem proteger as crianças da violência nasua comunidade, particularmente no casode famílias sob estresse.

4. As iniciativas do governo local e da soci-edade civil para oferecer oportunidadesde recreação segura e construção da ci-dadania para meninos e meninas devemser apoiadas. Ligas esportivas, organiza-ções religiosas e culturais, comitês de al-deias e de bairros, grupos femininos e ou-tros podem oferecer atividades construti-vas para crianças que, de outra forma, po-deriam estar envolvidas em atividades dealto risco. Cabe aos governos salvaguar-dar a segurança das crianças que partici-pam dessas atividades por meio de medi-das como a verificação da ficha criminaldos adultos responsáveis pelas atividades(treinadores, líderes de grupos, facilitado-res, etc.) e a adoção de políticas formaisde proteção da criança.

Fatores de risco imediato e ambientalna comunidade

5. A demanda e o acesso a bebidas alcoóli-cas e armamentos, como, por exemplo,as armas de fogo, devem ser reduzidos.Os governos devem garantir uma preven-ção abrangente que inclua a redução da ofer-ta e da demanda desses dois fatores críticosde risco de a violência na comunidade pormeio de medidas como a reforma da políti-ca de preços e das normas aplicáveis, a apli-cação da lei e a educação do público.

6. Os fatores de risco no ambiente físicodevem ser reduzidos. Os governos devemassegurar a realização de iniciativas de re-abilitação urbana que tornem os espaçospúblicos mais seguros por meio de carac-terísticas de projeto, como, por exemplo,a melhoria da iluminação pública. Alémdisso, o projeto urbano deve incluir rotase locais públicos seguros para as criançasse movimentarem dentro da comunidadee entre comunidades.

7. Os agentes de polícia devem ser treina-dos para trabalhar com crianças e a im-punidade de policiais que cometem abu-sos contra os direitos da criança deve sereliminada. Os governos devem garantir quea polícia seja treinada em direitos da crian-ça, em aspectos básicos do desenvolvimen-to infantil e em maneiras de lidar com gru-pos especiais, como crianças de rua e mem-bros de grupos de crianças. Ao mesmo tem-po, a supervisão das práticas policiais deveser aperfeiçoada e os policiais que come-tam abusos contra os direitos das criançasdevem ser responsabilizados por suas ações.

8. Os esforços de prevenção e de puniçãoao tráfico de crianças devem ser inten-sificados. Cabe aos governos assegurar queas medidas englobem desde a prevençãoprimária (ou seja, a mudança das condiçõesque tornam as crianças vulneráveis ao trá-fico) a ações policiais vigorosas contra ostraficantes. As crianças traficadas ou usa-das para traficar drogas e armas geralmen-te são vítimas de várias violações aos seusdireitos e não devem ser novamente viti-

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mizadas como criminosas. Elas devem sercuidadosamente assistidas para sair dessassituações, com enfoque em alternativasseguras e viáveis.

Serviços para as vítimas

9. Atendimento pré-hospitalar e serviçosmédicos de emergência de melhor qua-lidade devem ser oferecidos. O atendi-mento pré-hospitalar e os serviços médi-cos de emergência de melhor qualidadepodem reduzir significativamente os óbi-tos causados pelà violência e aumentar aprobabilidade de recuperação das vítimasque sofrem lesões violentas não-fatais.

10. O acesso e a qualidade dos serviços deapoio a vítimas devem ser aumentados.O impacto da violência pode permanecercom as vítimas durante toda a vida. O aces-so precoce a serviços de apoio de qualida-de pode ajudar a minimizar o impacto doevento sobre a vítima e evitar conseqüên-cias de longo prazo, como a possibilidadede que a própria vítima torne-se perpetra-dora de violência.

11. Sistemas de denúncia devem estar dis-poníveis às crianças. Os governos devemgarantir a implantação de sistemas efica-zes de denúncia para crianças. Esses siste-mas permitem que as crianças vítimas deviolência entrem em contato com profissi-onais treinados que poderão, se necessá-rio, encaminhar o caso ao serviço social,aos profissionais de saúde ou à polícia. Noambiente comunitário, esses serviços po-

dem envolver linhas de ajuda à criança emecanismos formais, como advogados for-necidos pela comunidade.

No âmbito da sociedade

12. Programas sociais, habitacionais e edu-cacionais que fortaleçam as famílias e au-mentem os vínculos e as redes sociais den-tro das várias classes sociais e entre elasdevem ser financiados. Os governos de-vem analisar o impacto das políticas públi-cas sobre as comunidades e as crianças. Osgovernos locais, em particular, devem serencorajados a explicitar a prevenção da vi-olência nos projetos de reabilitação urbanae nos programas de desenvolvimento rural.Os governos e seus parceiros domésticos einternacionais devem empenhar-se para in-tegrar medidas de combate à violência con-tra a criança como um elemento primordialde programas sustentáveis e culturalmentesensíveis de redução da pobreza.

13. Campanhas sustentadas para promovernormas sociais que enfatizem o respeito,a não-violência e a igualdade de gênerosdevem ser conduzidas na sociedade comoum todo. Os governos devem garantir a re-alização de iniciativas para instilar normase valores não-violentos e não-sexistas pormeio de campanhas na mídia com forte par-ticipação de personalidades públicas. Essasiniciativas devem ser voltadas para a elimi-nação do assédio sexual e do estupro e aintrodução de modelos alternativos demasculinidade que não apóiem a violênciacometida por homens e meninos.

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14. O uso da mídia de massa e da tecnologiada informação, inclusive a Internet e osjogos eletrônicos, como instrumentos deviolência e exploração sexual da criançadeve ser abolido. Além de educar as cri-anças e seus pais, os governos devem tra-balhar com a indústria para criar padrõesglobais de proteção da criança, pesquisarsoluções envolvendo equipamentos e pro-gramas de proteção e financiar campanhasmundiais de educação sobre o uso segurodas novas tecnologias. Os governos tam-bém devem buscar novas abordagens paraa aplicação da lei, inclusive a criminaliza-ção de quem gera, distribui, possui ou lu-cra com a pornografia infantil.

Construir sistemas de informação

15. O registro civil universal, inclusive o re-gistro de nascimentos, mortes e casa-mentos, deve ser implementado. Os go-vernos devem prover registro civil gratui-to e acessível, fornecer certidões gratuita-mente e eliminar as penalidades pelo re-gistro tardio. O processo deve ser ampla-mente defendido, facilitado e implementa-do em cooperação com os governos locais,hospitais, parteiras profissionais e tradici-onais, a polícia, líderes religiosos e comu-nitários e outros parceiros para assegurar asua aceitação universal.

16. Uma agenda nacional de pesquisas so-bre a prevenção e a redução da violên-cia na comunidade deve ser estabeleci-da. Os governos devem desenvolver e alo-car recursos suficientes para pesquisas queaumentem os conhecimentos sobre fatoresde proteção e de risco de violência na co-munidade, investigando inclusive comuni-dades de baixa renda e o contexto cultural.Essa estratégia deve ir além da pesquisameramente descritiva, incluindo avaliaçõese pesquisas mais complexas que aumen-tem a eficácia da implementação em gran-de escala. Deve também complementar osesforços para a criação de um sistema decoleta de dados em múltiplas camadas, queinclua o aperfeiçoamento dos relatóriosgerados pelos serviços existentes (polícia,emergência hospitalar, necrotérios, escolas,centros de saúde locais, autoridades habi-tacionais, etc.) e a realização de pesquisaspopulacionais que forneçam informaçõesdesagregadas sobre a localização geográ-fica, as características do incidente e ascaracterísticas da vítima e do agressor emtodos os casos de homicídio e evento vio-lento não-fatal notificados.

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REFERÊNCIAS

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8As evidências colhidas para o Estudo do Secre-tário-Geral das Nações Unidas sobre Violênciacontra a Criança, alinhadas ao claro consensodos seus participantes, sugerem que, emboraseja generalizada, a violência contra as crian-ças é evitável e o mundo dispõe de recursos paraproceder à sua eliminação. Especialistas, mé-dicos e as próprias crianças concordam que aviolência não é uma característica imutável einevitável da vida e não deve ser aceita passi-vamente como tal. Além disso, o Estudo docu-mentou os avanços obtidos pelos governos àmedida que começam a reconhecer a escala doproblema e a cumprir às obrigações que aceita-ram no campo dos direitos humanos.

Os governos e uma série de parceiros apresen-taram ações úteis e concretas para prevenir aviolência contra a criança, reduzir seus múlti-plos impactos e defender mudanças. Um núme-ro crescente de projetos de pesquisa-ação, es-tratégias de prevenção e respostas terapêuticasestá sendo implementado e avaliado. Isso gerauma base sólida de evidências para que os par-ceiros adaptem e aperfeiçoem as intervençõesexistentes ou criem novas intervenções. Alémde proteger especificamente os membros maisjovens e vulneráveis da sociedade contra a vio-lência, essas ações contribuem para o objetivomais amplo de reduzir a violência para todos,pois está claro que as intervenções com enfo-que nos jovens têm o maior potencial de produ-zir benefícios para a sociedade como um todo.

Durante todo o processo do Estudo, e à medidaque um número cada vez maior de participantesmanifestava a sua opinião, várias questões foram

repetidamente levantadas, região após região. Emprimeiro lugar estava, de um lado, o alarmanteabismo entre as obrigações e compromissos dosEstados, e de outro, a realidade da vida das crian-ças. Como nota o relatório do Estudo apresentadoà Assembléia Geral da ONU, "os Estados-Mem-bros já assumiram compromissos de proteger ascrianças contra todas as formas de violência. En-tretanto, temos que aceitar - com base no teste-munho das crianças durante o processo do Estu-do e nos resultados das pesquisas - que esses com-promissos estão longe de ser cumpridos."1

Muito desse estado de coisas tem sua origemna falta de liderança dos políticos e outros to-madores de decisões. O debate sobre o proble-ma freqüentemente é vago e realizado na surdi-na, permitindo que o nível de ações aceitáveispermaneça em um baixo patamar e as ligaçõesentre diferentes formas de violência sejam ne-gligenciadas. Via de regra, a proibição e a eli-minação da violência contra a criança não des-pertam a atenção política adequada. Para ad-quirir maior prioridade, a eliminação da vio-lência contra a criança requer uma liderançapolítica forte e uma ação decidida de advocacypor parte da sociedade civil.

Para assegurar a implementação das recomen-dações do Estudo, é preciso colocar em funcio-namento mecanismos robustos nos âmbitos na-cional, regional e internacional. Liderança e co-ordenação são igualmente importantes em todosesses níveis. A implementação da maioria dasrecomendações apresentadas na Introdução des-te relatório depende da capacidade dos gover-nos de incorporá-las aos seus atuais instrumen-

O CAMINHO A SEGUIR

"A violência contra a criança é injustificável em qualquer ambiente ou contexto. Os Estados devemter condições de oferecer apoio adequado aos pais, professores, funcionários da justiça penal e

outros que ocasionalmente recorram à violência contra a criança. Todos nós temos aresponsabilidade de agir para eliminá-la."

Mehr Khan Williams, Vice-Alta Comissária para Direitos Humanos das Nações Unidas

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tos jurídicos e políticas públicas de forma coor-denada. O comprometimento contínuo de recur-sos humanos e financeiros com uma estruturaampla e sistemática de redução e reação à vio-lência contra a criança, integrada aos processosnacionais de planejamento, é essencial para osucesso deste esforço. A erradicação da violên-cia contra a criança requer não apenas sançõespenais aos perpetradores, mas também a trans-formação da mentalidade das sociedades e dascondições econômicas e sociais subjacentes quepermitem que essa violência prospere.

Um forte apoio regional para a implementaçãodas recomendações também é importante. Osmecanismos regionais podem desempenhar umpapel significativo para preencher as lacunasde especialização técnica, compartilhar as me-lhores práticas e avaliar o progresso obtido. Asredes regionais estabelecidas durante o proces-so do Estudo continuaram a funcionar de vári-as maneiras em todas as regiões. Por exemplo,no Oriente Médio e na África Setentrional, umarede regional expandida, que conta com repre-sentantes de governos e da Liga dos Países Ára-bes, está realizando ações para implementar asrecomendações do Estudo relacionadas a umasérie de prioridades regionais.2 O Fórum Sul-Asiático, estabelecido em 2005 como resulta-do da Consulta Regional hospedada pelo Go-verno do Paquistão, começou a implementar asrecomendações do Estudo com foco nas ques-tões do casamento precoce e dos castigos físi-cos e psicológicos. Além disso, o Conselho daEuropa lançou um programa de três anos deduração chamado "Construindo uma Europapara a Criança e com a Criança.". Esse progra-ma leva em consideração as várias dimensões

da violência contra a criança em duas linhas deatuação estreitamente relacionadas: a promo-ção dos direitos da criança e o programa de ação"A Criança e a Violência."3 Na linha que enfo-ca a promoção dos direitos da criança, o pro-grama ajudará os Estados europeus a implantarpolíticas integradas para a criança e estruturasjurídicas abrangentes. O programa de ação con-tra a violência apóia os Estados em suas obri-gações de garantir a proteção da criança, pre-venir a violência, condenar criminosos e a as-segurar a participação da criança.

No âmbito internacional, espera-se também quea ONU apóie os países em sua tarefa de imple-mentação, incorpore às suas atividades as reco-mendações do Relatório de Estudo para a As-sembléia Geral da ONU (explicitadas neste li-vro) e monitore as realizações. A coordenaçãoentre as várias entidades da ONU envolvidasneste processo é, novamente, essencial para ga-rantir a continuidade da abordagem holística emultidisciplinar sugerida pelo Estudo. Nessecontexto, o relatório recomendou a nomeação deum Representante Especial para o Estudo doSecretário-Geral das Nações Unidas sobre Vio-lência contra a Criança, que deverá concentraras discussões sobre o tema e agir como defensorglobal das questões da violência contra a crian-ça, aproveitando o ímpeto mundial gerado peloprocesso do Estudo e pelo próprio relatório. Emum esforço para acelerar esses avanços em cadapaís, foi criado em 2005 um Grupo Interagênci-as sobre a Violência contra a Criança, de âmbitoglobal, presidido pelo UNICEF e contando comapoio direto do EACDH e da OMS. Várias ou-tras agências da ONU e ONGs estão entre osseus membros. Esses esforços devem contribuir

"É muito comum vermos que a legislação está nos livros, mas muitas crianças permanecem à margem da sociedade -não têm registro de nascimento, não vão à escola, são pobres demais para ir ao médico e, por todos esses motivos,

são ainda mais vulneráveis à violência e aos abusos."

Rima Salah, Diretora-Executiva Adjunta, UNICEF

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8para o processo de reforma da ONU, melhoran-do a coordenação entre as entidades existentes,refinando e esclarecendo os mandatos e aumen-tando a atenção atribuída à violência contra acriança em todos os mandatos existentes.

A eliminação da violência contra a criança éum problema urgente. Em nome das crianças,não podemos permitir que este Estudo sejameramente um relatório a mais, acumulandopoeira nas prateleiras de todo o mundo. As açõespara colocar as suas recomendações em práticadevem começar imediatamente. A mensagemcentral do Estudo é que nenhum tipo de violên-cia contra a criança é justificável; toda violên-cia contra a criança é evitável. Não pode havermais desculpas ou atrasos: o problema está ex-posto, as obrigações dos governos são claras eos meios de lidar com a questão são conheci-dos, financeiramente viáveis e disponíveis.

Os governos são os maiores responsáveis pelaproteção da criança. Portanto, cabe aos gover-nos agir agora para cumprir suas obrigaçõespara com os direitos humanos e outros com-promissos e para garantir a proteção da criançacontra todas as formas de violência. Mas osgovernos não podem trabalhar sozinhos. Todosos setores da sociedade, todas as pessoas, com-partilham a responsabilidade de condenar eimpedir a violência contra a criança e de reagirà situação insustentável das crianças vítimas.

REFERÊNCIAS

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3 Conselho da Europa (2006). Building a Europe for andwith Children. Conselho da Europa. Disponível em:http://www.coe.int/t/transversalprojects/children

CITAÇÕES

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"Nós os exortamos a colocar em prática essas recomendações e outras feitas pelas criançasem consultas anteriores, e a nos envolverem na elaboração de ações voltadas para a violênciacontra meninas e meninos em cada país e em cada região."

Pronunciamento das crianças, Fórum da Juventude, Sul da Ásia, 2005 I

"A violência pode ser evitada... Há uma ampla variedade de estratégias positivas disponíveis paraajudar as sociedades a reduzir a violência. Entre elas estão o treinamento e o apoio aos novos pais,

a ajuda às crianças para que adquiram habilidades sociais, o auxílio às comunidades para quecontrolem a disponibilidade de bebidas alcoólicas, o aumento de incentivos para que os jovensterminem seus estudos, a melhoria dos serviços para vítimas da violência e o fortalecimento de

políticas que promovam a igualdade social, econômica e de gêneros."

O falecido Lee Jong-Wook, Ex-Diretor-Geral, OMS, 2005

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AnexoÍNDICES ESTIMADOS DE HOMICÍDIOS POR REGIÃOE NÍVEL DE RENDA, 2002

Fonte: OMS (2006). Estimativas Globais das Conseqüências para a Saúde da Violência Contra a Criança. Documento Basepara o Estudo do Secretário-Geral da ONU sobre a Violência contra a Criança. Genebra, Organização Mundial da Saúde

Índice de homicídios paracada 100.000 pessoas

Região da ONU Renda Gênero 0-17 0-4 5-9 10-14 15-17anos*

Todas Todas Masculino 2,93 2,09 1,00 2,08 9,06

Todas Todas Feminino 1,92 1,99 1,48 1,49 3,28

Todas Todas Masculino e Feminino 2,44 2,04 1,24 1,79 6,25

Todas Alta Masculino 1,45 2,29 0,41 0,56 3,25

Todas Alta Feminino 0,95 1,67 0,44 0,40 1,53

Todas Alta Masculino e Feminino 1,21 1,99 0,43 0,48 2,41

Todas Baixa Masculino 3,10 2,07 1,07 2,25 9,75

Todas Baixa Feminino 2,03 2,02 1,60 1,61 3,48

Todas Baixa Masculino e Feminino 2,58 2,05 1,33 1,94 6,70

África Todas Masculino 5,85 4,25 2,44 5,09 15,64

África Todas Feminino 5,30 4,07 4,79 4,62 9,45

África Todas Masculino e Feminino 5,58 4,16 3,60 4,86 12,57

Ásia Todas Masculino 1,53 1,32 0,65 1,21 3,93

Ásia Todas Feminino 0,99 1,29 0,70 0,69 1,48

Ásia Todas Masculino e Feminino 1,27 1,30 0,68 0,96 2,74

Austrália/Nova Zelândia Todas Masculino 0,99 1,76 0,44 0,41 1,60

Austrália/Nova Zelândia Todas Feminino 0,55 0,75 0,64 0,31 0,48

Austrália/Nova Zelândia Todas Masculino e Feminino 0,78 1,26 0,54 0,36 1,05

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Índice de homicídios paracada 100.000 pessoas

Região da ONU Renda Gênero 0-17 0-4 5-9 10-14 15-17anos*

Europa Todas Masculino 1,74 1,44 0,55 0,89 5,72

Europa Todas Feminino 1,01 1,30 0,57 0,75 1,67

Europa Todas Masculino e Feminino 1,38 1,37 0,56 0,82 3,74

América Latina e Caribe Todas Masculino 8,11 1,95 0,98 4,01 37,66

América Latina e Caribe Todas Feminino 2,21 1,62 0,67 1,81 6,50

América Latina e Caribe Todas Masculino e Feminino 5,21 1,79 0,83 2,93 22,33

América do Norte Todas Masculino 2,57 3,77 0,56 1,09 6,37

América do Norte Todas Feminino 1,48 3,01 0,59 0,72 1,60

América do Norte Todas Masculino e Feminino 2,04 3,40 0,57 0,91 4,04

Oceania** Todas Masculino 1,74 3,31 0,83 2,00 0,13

Oceania** Todas Feminino 1,38 2,10 0,74 0,85 2,14

Oceania** Todas Masculino e Feminino 1,57 2,72 0,78 1,45 1,08

* Índice de mortes padronizado por faixa etária** Exclui Austrália e Nova Zelândia

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Notas

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