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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO DIRETORIA DE PESQUISA PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA PIBIC : CNPq, CNPq/AF, UFPA, UFPA/AF, PIBIC/INTERIOR, PARD, PIAD, PIBIT, PADRC E FAPESPA RELATÓRIO TÉCNICO - CIENTÍFICO Período : __julho____/___2014_______ a ___agosto______/___2015_______ ( ) PARCIAL ( x ) FINAL IDENTIFICAÇÃO DO PROJETO Título do Projeto de Pesquisa (ao qual está vinculado o Plano de Trabalho ): Uma Questão de Método: origens, limites e possibilidades da etnografia para a psicologia social Nome do Orientador: Mauricio Rodrigues de Souza Titulação do Orientador: Pós-Doutor em Psicologia Faculdade: Faculdade de Psicologia Instituto/Núcleo: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Laboratório: Título do Plano de Trabalho : A banalização da violência no noticiário policial belenense: um estudo introdutório a partir da Teoria Crítica da Sociedade Nome do Bolsista: Mateus Abreu Pereira Tipo de Bolsa: (x) PIBIC/ CNPq ( ) PIBIC/CNPq AF ( )PIBIC /CNPq- Cota do pesquisador ( ) PIBIC/UFPA ( ) PIBIC/UFPA AF ( ) PIBIC/ INTERIOR ( )PIBIC/PARD ( ) PIBIC/PADRC ( ) PIBIC/FAPESPA ( ) PIBIC/ PIAD ( ) PIBIC/PIBIT

RELATÓRIO TÉCNICO - CIENTÍFICO Período : julho / 2014 a ... · conceito de banalização da injustiça social, no qual a injustiça sofrida por grandes parcelas da população

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO DIRETORIA DE PESQUISA

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIBIC : CNPq, CNPq/AF, UFPA,

UFPA/AF, PIBIC/INTERIOR, PARD, PIAD, PIBIT, PADRC E FAPESPA

RELATÓRIO TÉCNICO - CIENTÍFICO Período : __julho____/___2014_______ a ___agosto______/___2015_______ ( ) PARCIAL ( x ) FINAL

IDENTIFICAÇÃO DO PROJETO Título do Projeto de Pesquisa (ao qual está vinculado o Plano de Trabalho ): Uma Questão de Método: origens, limites e possibilidades da etnografia para a psicologia social Nome do Orientador: Mauricio Rodrigues de Souza Titulação do Orientador: Pós-Doutor em Psicologia Faculdade: Faculdade de Psicologia Instituto/Núcleo: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Laboratório: Título do Plano de Trabalho : A banalização da violência no noticiário policial belenense: um estudo introdutório a partir da Teoria Crítica da Sociedade Nome do Bolsista: Mateus Abreu Pereira Tipo de Bolsa: (x) PIBIC/ CNPq ( ) PIBIC/CNPq – AF ( )PIBIC /CNPq- Cota do pesquisador ( ) PIBIC/UFPA ( ) PIBIC/UFPA – AF ( ) PIBIC/ INTERIOR ( )PIBIC/PARD ( ) PIBIC/PADRC ( ) PIBIC/FAPESPA ( ) PIBIC/ PIAD ( ) PIBIC/PIBIT

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INTRODUÇÃO: a modalidade de cobertura jornalística denominada noticiário policial se

caracteriza pela ênfase na veiculação de fatos criminais, investigações policiais e outros

assuntos referentes à segurança pública. A mídia de modalidade impressa foi o primeiro

grande veículo do noticiário policial, sedimentando alguns dos pilares tanto da linguagem

quanto do modo de se endereçar ao público e de abordar os eventos noticiados, permitindo

que o rádio e a televisão posteriormente pudessem dedicar programas específicos à cobertura

policial (MELÉM, 2011).

Entretanto, a imprensa por muitas vezes excede sua função de informar e relatar

eventos ao edulcorar as notícias com porções de sensacionalismo, lançando mão de imagens,

manchetes e textos escandalizantes. A exposição de cadáveres, pessoas com ferimentos

graves ou em estado de mutilação corporal se tornou uma prática comum em muitos jornais ao

longo dos anos. Diante disto, o foco central deste estudo reside na análise destas práticas da

imprensa, no contexto específico da cidade de Belém do Pará, daí pretendendo extrair alguns

elementos que podem apontar se o jornalismo policial da cidade de alguma forma banaliza a

violência urbana em suas múltiplas nuances.

Para tanto, o principal referencial teórico adotado aqui é aquele proposto pela Teoria

Crítica da Sociedade, em particular a noção de Indústria Cultural, uma vez que será abordado o

tratamento de meios de comunicação de massa para fenômenos como a violência. A presente

a investigação tenta conciliar os aspectos da teoria sobre a indústria cultural a partir do trabalho

de Adorno e Horkheimer ([1947]1985) com alguns textos posteriores de Adorno, principalmente

o ensaio publicado em 1963 chamado “Resumé über kulturindustrie” (ADORNO, [1963]1986).

Para embasar o conceito de banalização, recorre-se aqui a Arendt ([1963]1999) e seu

conceito pioneiro de Banalidade do Mal, e nesta esteira, também a Dejours (1998) e seu

conceito de banalização da injustiça social, no qual a injustiça sofrida por grandes parcelas da

população é apartada do sofrimento que dela decorre. A banalidade\banalização no trabalho

destes dois autores diz respeito a quanto o sofrimento e o horror são dissociados do

mal\injustiça social em situações em que a regra é a incapacidade de pensar e de ter empatia

com as mazelas sofridas por outros, diluindo-se assim a alteridade como valor fundamental do

convívio social. Estas noções são fundamentais para amparar o conceito aqui cunhado de

“banalização da violência”.

No que se refere ao conceito de violência, os estudos de Odália (1985), Michaud (1989)

e Dadoun (1999) são de fundamental importância para este trabalho por empregarem análises

que atentam para as minúcias da violência como fenômeno social e como marca estruturante

da vida em sociedade. Articula-se, pois, neste estudo tradições diferentes das ciências

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humanas, porém com ênfase em um estudo de Teoria Crítica, privilegiando a dimensão

empírica a partir de recortes de jornais.

JUSTIFICATIVA: Em primeiro lugar, há uma relevância teórica em discutir o tema da

banalização da violência segundo os preceitos da Teoria Crítica da Sociedade, uma vez que os

conhecimentos que a mesma traz sobre Indústria Cultural e conceitos derivados são valiosos

para a análise da sociedade contemporânea - sem dúvida caracterizada por marcantes e

recorrentes traços de violência -, ainda que tais conceitos precisem ser colocados sob prismas

e contextos que permitam a sua validação e atualização. É neste sentido que o presente

estudo pretende pôr a concepção de violência e seus usos pela indústria cultural em

movimento dentro do alcance de um estudo realizado sob os moldes da iniciação científica,

evidentemente.

Em segundo lugar, este estudo apresenta relevância social ao refletir sobre as

especificidades do fenômeno da banalização da violência na cidade de Belém do Pará, bem

como sobre o modo distinto da abordagem da imprensa para esta mesma violência,

propiciando uma reflexão valiosa acerca de um tema que tem uma história recente de debates

na esfera pública, como será abordado mais adiante. E o faz sob uma perspectiva próxima à

psicologia social, o que também se revela importante, já que, pelo menos em termos locais,

parece haver uma profusão de pesquisas sobre a violência nos jornais que se concentra mais

na área de comunicação social1.

Entende-se aqui que é possível empreender uma pesquisa sobre o referido tema em

diálogo constante com o campo da comunicação social. Porém, preservando o olhar e a

abordagem que são próprias a um estudo de psicologia social. Avançar neste sentido pode ser

um dos grandes logros do presente estudo, ainda que se trate de uma pesquisa de caráter

introdutório.

OBJETIVOS: analisar, a partir de instrumentos conceituais advindos principalmente – mas não

exclusivamente - da Teoria Crítica da Sociedade (em particular, a noção de Indústria Cultural),

elementos das práticas de banalização da violência cotidianamente presentes em um veículo

da mídia impressa da capital paraense.

1 Aqui podemos citar, por exemplo, o trabalho de Melém (2011) sobre critérios de noticiabilidade do jornalismo

policial da capital - ou seja, quais são os critérios que os editores usam para avaliar se uma notícia pode figurar ou não como uma das que são publicadas no jornal. Também Pinto (2009) avalia em seu artigo os antecedentes e efeitos da decisão então deferida pela justiça paraense que determinou a retirada de cadáveres das capas dos

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MATERIAIS E MÉTODOS: o presente estudo opta por uma abordagem teórica do tema.

Entretanto, como é característico das pesquisas em Teoria Crítica, buscou-se um estudo no

qual a teoria dá lastro para uma prática transformadora, assim como a empiria dá subsídios

para o avanço teórico (NOBRE, 2004). O foco inicial do estudo foi a apreciação teórica do

problema, a qual teve na revisão bibliográfica da literatura sobre a teoria crítica e sobre as

relações entre violência e indústria cultural o seu principal instrumento. Para tanto, foram

usados materiais como papel, caneta, livros e computadores pessoais, além da aquisição de

edições diárias de jornais. O jornal escolhido foi o Diário do Pará por ser a publicação de maior

circulação e tiragem na capital paraense. A partir de edições deste jornal foram retirados alguns

exemplos de notícias no intuito de ilustrarmos algumas das informações teóricas aqui

presentes. Para tanto, foi utilizado um scanner de mesa para a digitalização das edições

impressas do jornal.

RESULTADOS:

1. Sobre a (banalização da) violência: algumas perspectivas conceituais

Quando se fala de violência é comum que ela seja tratada como quase sinônimo de

agressividade. Entretanto, a violência tem de ser compreendida, de fato e de direto, como um

fenômeno complexo, multideterminado e amplo. A violência é um traço estruturante da

sociabilidade humana e marca significativamente a organização de sociedades e o rumo da

história da espécie humana (DADOUN, 1998). Ainda que não seja tarefa fácil procurar

estabelecer algumas aproximações de uma definição de violência, aqui tratamos a violência

como uma atuação direta ou indireta entre indivíduos e/ou instituições em que se observam

ameaças ou violações à integridade física, moral e psíquica de uma ou mais pessoas

(MICHAUD, 1989). De modo semelhante, em aquiescência com Odália (1985), entendemos

ambém que a violência é a privação da liberdade e integridade de um indivíduo ou instituição, e

esta privação pode ser muito mais sutil do que uma agressão física.

A violência, posto desta maneira, pode operar no registro simbólico de um indivíduo ou

grupo que tem sua integridade ferida pela privação de liberdade. Ainda que os genocídios, o

terrorismo e o horror trazidos por uma guerra sejam males de dimensão incalculável, não se

pode olvidar que a exclusão social, a discriminação e a exploração dos anseios das massas

jornais. Rosa (2009), por sua vez, publicou uma notícia que deu voz ao editor de um dos jornais atingidos por esta decisão judicial, na qual o editor em questão diz que os jornais “apenas cumprem seu papel de informar”.

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para fins comerciais também são formas de violência contra grandes parcelas populacionais

diariamente. Da sua manifestação mais sutil até a mais espetacular, a violência se faz presente

em nosso cotidiano como um traço inexorável da experiência em sociedade.

Entretanto, a inevitabilidade da experiência da violência não pode conduzir a uma visão

naturalista/naturalizada do fenômeno. Na via oposta àquela do reducionismo, o mote de um

estudo que pretenda discutir a violência deve ser construído em cima da apreciação das

diferenças que o fenômeno apresenta. Discursos como os das neurociências tendem a

biologizar o campo de fenômenos relacionados à violência, relacionando-os apenas aos

desvios em relação a uma suposta “normalidade” biológica, colocando a violência como uma

“desmesura’’ que pode ser amainada com o uso de fármacos, por exemplo (BIRMAN, 2009).

Portanto, se aqui se fala da violência como constituinte da experiência social humana, não se

pretende tomar o caminho simplista e reducionista desta discussão. Advogamos aqui que

apesar da violência ser um traço indelével da história humana, a experiência da violência tem

de ser sempre tomada como algo digno de estranhamento e sensibilidade.

Com efeito, observamos que o principal veículo de propagação dos discursos que

naturalizam a violência é o conjunto de meios de comunicação de massa. Notícias diárias

sobre crimes de diversas modalidades são exibidas com tamanha regularidade que, apesar do

medo e o horror por elas insuflados, acabam por ser tomados como fatos comuns e previsíveis

da realidade social.

A partir deste cenário, destacamos que a principal hipótese que este estudo pretendeu

desenvolver é a de que a violência sofre um processo de banalização nos meios de

comunicação de massa na contemporaneidade2. Evidentemente, há um parentesco entre o

conceito aqui cunhado de “banalização da violência” e o de “banalidade do mal”, originalmente

empregado por Arendt ([1963]1999) ao acompanhar o julgamento de Adolf Eichmann por sua

atuação como oficial de alto escalão da Alemanha Nazista que, apesar de influenciar

diariamente, por meio de seu trabalho, a morte de milhares de judeus, percebia a si mesmo

como um “homem comum”, dissociando suas atribuições burocráticas da barbárie por elas

produzida. Com efeito, a filósofa alemã apontou que, em situações em que a regra é o vazio de

reflexão e pensamento, como no Terceiro Reich, o mal se torna uma figura banal, dissociado

do sofrimento que é decorrente dele e transformado em elemento ordinário da realidade.

De modo semelhante, faz-se aqui um paralelo entre a banalização da violência e o que

Dejours (1998) chamou de “Banalização da Injustiça Social”. Neste estudo, Dejours (1998)

aponta que a injustiça social se tornou aceitável e cada vez mais presente no funcionamento

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das sociedades contemporâneas. O que permite tal conjuntura é o fato de a injustiça não ser

mais aliada do sofrimento que ela causa, principalmente quando se fala do mundo do trabalho.

Portanto, se alguém sofre injustiça, dificilmente será objeto de empatia dos seus semelhantes,

pois o mecanismo da competitividade dos mercados atuais faz com que todos pensem que são

concorrentes entre si. Assim, aquele que sofre com injustiça social deve, supostamente, haver

merecido as mazelas às quais é exposto, seja por indolência, incompetência e/ou falta de

qualificação. A eles merecidamente restariam as migalhas do que a vida nas cidades pode

oferecer.

De posse do que foi exposto até agora, pode-se argumentar que o processo de

dissociação entre a violência e o sofrimento - isto é, a banalização da violência - é uma

tendência crescente na imprensa brasileira. Nessa cadeia de elementos que se entretecem

entre si, a banalização da violência encontra espaço cada vez mais amplo nos jornais,

principalmente no noticiário policial. Na sutileza dos discursos, nas pequenas matizes das

imagens, os veículos de comunicação exercem uma violência de tipo simbólico ao irromperem

no cotidiano com sua barbárie imagética. Entretanto, isto não é um processo isolado dentro do

cenário dos meios de comunicação de massa, e sim o corolário dos mecanismos de uma

indústria da cultura que atua em coesão com os interesses dos poderes políticos e econômicos

vigentes. As especificidades desta indústria cultural serão o tema da próxima seção dos

resultados apresentados aqui.

2. Indústria Cultural e Jornalismo Policial

O intercâmbio das massas com os meios de comunicação é pautado pelos ditames de

uma indústria da cultura, a qual consiste basicamente no sistema de atividades de produção,

reprodução e circulação de mercadorias culturais adaptadas para o consumo das massas, com

fins prioritariamente comerciais (ADORNO; HORKHEIMER, [1947]2011). O mecanismo da

indústria cultural se torna bem sucedido na conquista dos seus objetivos comerciais e sociais

ao conferir a tudo uma aura de semelhança e nivelamento, onde pessoas são reificadas - isto

é, coisificadas – e, por isto, tratadas como peças de fácil reposição. Ao apresentar a realidade

de forma padronizada e imediata, a indústria cultural joga uma cortina de fumaça sobre os

processos dialéticos que engendram os elementos desta realidade, distorcendo assim a

percepção das massas sobre as coisas. Nesta esteira, como aponta Duarte (2010), a leitura

pauperizada realizada pelas massas para fenômenos extremos como a violência, a barbárie e

2 Especificamente no noticiário policial de um jornal de Belém, como veremos adiante

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a morte desencadeia uma despotencialização da tragicidade dos mesmos. Tudo isto resulta da

integração dos interesses dos detentores dos poderes econômico e político, que coadunam e

barganham o tom e a mensagem dos meios de comunicação de massa e o entretenimento e

informação por eles oferecidos para a manutenção e autopreservação do status quo. Assim, a

ideologia dos detentores do poder consegue subsistir na sua posição dominante (ADORNO,

[1963]1986).

Na atualidade, o dispositivo da indústria da cultura aparece como um dos protagonistas

da formação dos sujeitos, formação esta que Adorno ([1959)]1996) aponta ser, na verdade,

uma semiformação talhada por uma semicultura. Quando a formação cultural deixa de dar

ênfase à transmissão de um “humanismo esclarecido” é então acossada pelo sistema de poder

político e econômico a aproximar-se dos interesses do mercado. A semiformação, apresentada

como educação popular, passa a ser então o dispositivo que toca o sujeito desde cedo e o

mobiliza para o aceite inconteste dos modismos do entretenimento e dos desígnios políticos,

partes diferentes de um todo integrado. Desta forma, a educação se torna um arremedo de

formação cultural, pois se direciona em larga medida para o consumo e para outros ditames do

capitalismo. Com efeito, para o indivíduo da semiformação os elementos culturais se tornam

válidos e interessantes pelo seu conteúdo objetivo, seus traços de mercadoria e sua relação

com o sujeito vivo e o mundo em que vive. Logo, a cultura se torna indissociável do seu viés

mercantilizado. As mazelas humanas advindas das profundas diferenças sociais, no final das

contas, se tornam facilmente espetacularizadas pelas lentes da TV, manchetes de jornais e

outros tantos veículos disseminadores de bens culturais padronizados que incutem na

formação individual a tendência a seguir os desígnios de uma semicultura socialmente validada

(ADORNO, [1959]1996).

Ao relacionar esses conhecimentos com a realidade brasileira, principalmente na

modalidade de imprensa relativa ao noticiário policial, vemos que tal modo de noticiar e abordar

a violência urbana é um reflexo da evolução da própria indústria cultural. Considerando que o

noticiário policial no Brasil tem como marco inicial a década de 1910 nos jornais da cidade do

Rio de Janeiro e se consolidou em vários veículos de comunicação a partir de então, como o

programa televisivo Aqui Agora, exibido pelo canal SBT de 1991 até 1997, é possível perceber

que tal abordagem jornalística sempre foi cúmplice do poder repressivo do Estado. O enfoque

do noticiário se direciona claramente para as ocorrências em áreas periféricas das cidades,

devassando as vidas das camadas mais pobres.

O grande símbolo do estilo de noticiário policial foi o jornal Notícias Populares, que foi o

objeto de estudo de Dias (2003). Expressões jocosas, ofensivas e irônicas em profusão

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tornavam relatos de crimes hediondos - como homicídios e estupros - objetos de curiosidade

humorística pelo teor das manchetes e legendas das fotos. Com efeito, este tipo de

endereçamento na linguagem do jornal pretendia chocar, escandalizar, manejar as emoções

dos leitores. A prosa do jornal era complementada ainda por fotografias em ângulos que

revelavam pessoas ensanguentadas, mutiladas, vítimas de toda sorte de agressão. Tudo isto,

evidentemente, coexistindo com o deboche das manchetes. Daí a frase pejorativa que sempre

acompanhou o Notícias Populares: o jornal que “quando se espreme, sai sangue”. Em

contrapartida, o jornal passou a trazer o slogan de que “não é violento, violenta é a realidade”

(DIAS, 2003).

Em nome dos lucros a serem obtidos, a indústria cultural brasileira nunca se acanhou

em expor de forma hedionda as mazelas trazidas pela violência urbana. Atualmente, a miríade

de programas televisivos de noticiário policial reflete como o clima de medo incutido pela

imprensa consolidou o gênero, direcionando a atenção das massas urbanas para a incidência

de crimes, a atuação da polícia (retratada geralmente de forma amistosa), e até induzindo os

espectadores a posições radicais sobre pautas como a maioridade penal, a pena capital e

outros assuntos de segurança pública em geral. Tendo isto em vista, tornou-se de praxe que

algumas “personalidades” consagradas por este gênero jornalístico ambicionem algum tipo de

poder político, como no exemplo do apresentador José Luiz Datena, que se lançou como pré-

candidato à prefeitura da cidade de São Paulo para as eleições de 2016 e do ex-policial civil e

agora deputado federal Éder Mauro, apontado como um dos favoritos para assumir a prefeitura

de Belém nas eleições do mesmo ano, após haver conquistado grande popularidade por meio

de frequentes participações em programas televisivos do gênero policial.

Após estabelecermos um percurso pela violência e sua banalização, bem como pelo

conceito de indústria cultural e sua relação com o noticiário policial no Brasil, privilegiaremos na

seção as seguir, de maneira ilustrativa, alguns exemplos da banalização da violência em um

veículo de comunicação impressa da cidade de Belém/PA.

3. A banalização da violência – o exemplo do Diário do Pará

De posse de tudo o que foi exposto anteriormente, podemos agora pensar em exemplos

que ilustrem a hipótese de que a violência tem sido banalizada nos meios de comunicação.

Para tanto, escolhemos o jornal Diário do Pará como matéria de análise. De antemão,

percebemos que o jornal paraense também abusa, de forma muitas vezes indiscriminada, de

imagens de cadáveres vitimados por morte violenta, mulheres vítimas de violência intrafamiliar,

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cidadãos aterrorizados ao serem feitos de refém por assaltantes e linchamentos, empregando

uma linguagem bem objetiva e distanciada dos fatos. Na figura a seguir, podemos constatar um

exemplo de manchete que confirma tal afirmação:

Figura 1. Notícia veiculada no suplemento ‘’Polícia’’, do Diário do Pará, no dia 19 de janeiro de 2015

Na imagem acima podemos visualizar uma vítima de homicídio ensanguentada e

estirada no chão após ser baleada. Fotografias de vítimas da violência urbana, tal como a

exposta acima, chocam por mostrarem o corpo da vítima de modo a destacar a presença de

sangue, a posição na qual a vítima foi encontrada após haver sido atingida, dentre outras

coisas. O texto da notícia privilegia um tom exíguo e sem ambiguidades, relatando a situação e

a sequência de eventos que compuseram o delito (nas edições consultadas, o caderno Polícia

raramente fez uso de piadas ou trocadilhos com o nome da vítima). O jornal Diário do Pará

viola a integridade das pessoas retratadas em seu noticiário policial de outra forma. Qual seja,

expondo e devassando seus corpos no momento de sua morte sem muito embargo ou pudor.

Mais um exemplo deste cenário pode ser conferido na figura abaixo:

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Figura 2. Notícia veiculada no suplemento ‘’Polícia’’, do Diário do Pará, no dia 23 de julho de 2015

Entretanto, esse tratamento jornalístico aparentemente objetivo e distanciado das

mazelas e agruras trazidas pela violência urbana pode haver negligenciado um compromisso

fundamental não só da imprensa, mas também de todo cidadão: aquele de não violar a

intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, como assegurado pelo artigo 5º,

inciso X, da Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL,[1988]2001). Foi tal

conjuntura que, no ano de 2008, motivou uma ação civil pública movida em conjunto pela

Procuradoria Geral do Estado, pelo Movimento República do Emaús e pela Sociedade

Paraense dos Direitos Humanos, a qual solicitou o impedimento da publicação de imagens de

corpos feridos e mutilados nos jornais (PINTO, 2009).

Mesmo com as recentes manifestações de descontentamento e decisões judiciais, a

publicação continua expondo indiscriminadamente fotografias de cadáveres. Na capa do

caderno Polícia, geralmente é escolhida a imagem mais escandalizante dentre as que

compõem a edição do dia. Nas figuras abaixo, percebe-se que as fotografias são tiradas de

ângulos que possam denotar algum tipo de lesão e/ou mutilação:

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Figura 3. Capa do suplemento ‘’Polícia’’do Diário do Pará da edição de 3 de junho de 2015.

Figura 4. Capa do suplemento ‘’Polícia’’ do Diário do Pará da edição de 18 de junho de 2015.

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Nas figuras acima é perceptível o destaque que o jornal confere à presença de

pessoas ao redor da vítima (cf. Figura 3), bem como as condições precárias às quais algumas

vítimas são submetidas enquanto não há a devida remoção de seus cadáveres pelas

autoridades competentes (cf. Figura 4).

Diante dessas imagens, pode-se deduzir que, ainda que crimes bárbaros e cruéis já

sejam corriqueiros na cidade de Belém, o jornal Diário do Pará se empenha em não somente

retratar estas características fielmente, mas de forma ampliada ao privilegiar nas fotografias

ângulos e posições que explicitem mutilações e a presença de sangue/ferimentos pelo corpo

das vítimas. A preferência por crimes situados em áreas periféricas da cidade revela uma

tendência à reificação dos corpos mesmo após a morte. Significa dizer que o cidadão de baixa

renda, em situação de delinquência ou não, é destacado no jornal sobretudo pelo grau de

violência ao qual foi exposto – aliás, segundo critérios muito semelhantes àqueles aplicados em

mercadorias.

O corpo violentado se torna alvo de uma mercantilização e a tendência de classificar as

pessoas como se fossem mercadorias é típica da indústria cultural em escala global

(ADORNO, [1963]1986). No entanto, como toda esta barbárie pode ser a cada dia mais

dissociada do sofrimento que ela causa para tantas pessoas? Além disto, como o Diário do

Pará continua mantendo na sua política editorial uma modalidade de reportagem que inflige

violência também aos leitores?

Possíveis respostas para essas duas questões podem ser encontradas se

considerarmos válida a hipótese de que há um processo de crescente banalização da

violência. A violência banalizada é apartada do sofrimento e vira um significante tão vazio e

ordinário quanto uma mercadoria. A quantidade diária de violência com a qual o cidadão se

depara no seu dia-a-dia e a forma com que esta violência é veiculada pelos meios de

comunicação aos poucos o torna menos sensível às pequenas filigranas da realidade.Com

efeito, para ser considerado “violento”, um acontecimento demanda características cada vez

mais extremas. Isto porque o limiar de tolerância à violência tem aumentado progressivamente.

Na esteira do que Duarte (2010) aponta, até os fenômenos mais extremos como a guerra e a

miséria têm sua tragicidade volatilizada pela indústria cultural.

Não resta dúvida de que esse processo de banalização da violência, como no exemplo

do jornal Diário do Pará, tem o objetivo de atender a interesses poderosos e que pretendem

manter as massas servis e dependentes. No intercâmbio de interesses que marca a dialética

entre a indústria cultural e as massas, as massas acabam por se “beneficiarem”, em

contrapartida, de um conjunto de informações que supostamente representam a realidade

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social de forma fidedigna, ainda que para tanto a indústria cultural distorça esta mesma

realidade, romantizando-a como nas narrativas de teledramaturgia. Deste modo a indústria da

cultura se apresenta, como diz Adorno, como “o guia dos perplexos, e apresentando-lhes de

maneira enganadora os conflitos que eles devem confundir com os seus” (Adorno, [1963]1986,

p. 98). Nesta suposta “troca”, nos parece óbvio que os que compõem o sistema integrado da

indústria cultural com o poder vigente saem em vantagem mais uma vez.

PUBLICAÇÕES: Pretende-se publicar o presente relatório sob a forma de resumo nos anais de

congressos de escala regional ou nacional nos próximos meses e, ao final de um ano,

submeter os resultados da pesquisa a periódicos nacionais avaliados pelo sistema Qualis

Capes.

CONCLUSÃO: De posse dos elementos trazidos até aqui nestes doze meses de pesquisa que

incluíram a análise do suplemento Polícia do Diário do Pará, concluímos que é possível

construir uma linha de argumentação compatível com a hipótese de que a publicação contribui

sim para o crescente processo de banalização da violência que assola a contemporaneidade.

Ao utilizar imagens que expõem de maneira explicita mutilações e ferimentos em cadáveres

vítimas de violência de forma diária, o jornal trabalha no sentido de tornar a barbárie visual uma

coisa tão corriqueira quanto a incidência de chuvas ou o sentido dos ventos. Para tanto, a

publicação utiliza táticas típicas da indústria cultural, como a reificação, a mistificação das

massas e a despotencialização da tragicidade dos fenômenos.

A banalização da violência se mostra, portanto, como um processo dialético no qual há

um intercâmbio de interesses entre as massas, os detentores dos meios de comunicação e o

poder político. Contudo, quando há uma tendência a banalizar algo, seja o mal, a injustiça

social ou a violência, almeja-se “pegar a dialética e explodir com ela”, parafraseando o poeta

Torquato Neto. Com isto, elementos que trazem consigo processos dialéticos complexos são

tornados figuras banais no cotidiano das cidades. No exemplo da violência, trata-se de um

elemento que tem transformado indelevelmente a realidade do Brasil nas últimas décadas,

resultante de fatores políticos, sociais e culturais que se entretecem há muito tempo para

desencadear o clima de medo absoluto com o qual se vive hoje. No entanto, os meios de

comunicação redirecionam este cenário e tornam a violência ordinária e banal, ainda que

escancarando diariamente imagens bárbaras. E assim as massas passam diariamente a

aceitar o sofrimento que lhes é infligido de forma mais tácita, substituindo, como apontou

Adorno ([1963]1986), a consciência pelo conformismo.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADORNO, T. W. Indústria Cultural. In: Cohn, G. Theodor W. Adorno. Sociologia. São Paulo: Ática, 1986, 92-99. (Trabalho originalmente publicado em 1963) _____________. Teoria da Semicultura. Trad. Newton Ramos de Oliveira, Bruno Pucci e Cláudia B. M. de Abreu. Educação e Sociedade: revista quadrimestral de ciência da educação, ano XVII, No. 56, dezembro/96. Campinas: Editora Papirus, 1996. (Trabalho originalmente publicado em 1959)

ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. A indústria cultural – o esclarecimento como mistificação das massas. In: ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2011, p. 99-138. (Trabalho originalmente publicado em 1947) ARENDT, Hannah; Eichmann em Jerusalém: Um relato sobre a banalidade do mal.. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. BIRMAN, J. Cadernos sobre o mal: agressividade, violência e crueldade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. DADOUN, R. A violência: ensaio acerca do homo violens. Trad. P. Ferreira, C. Carvalho. Rio de Janeiro: Difel, 1998. DEJOURS, C. A Banalização da Injustiça Social. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 2000. DIAS, A.R.F. O Discurso da Violência: as marcas da oralidade no jornalismo popular. (2a ed.). São Paulo: Cortez Editora, 2003. DUARTE, R. A. P. Indústria cultural: uma introdução. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. MELÉM, V. N. O. Jornalismo Policial: Uma Análise dos Critérios de Noticiabilidade do Caderno Polícia, do Jornal Diário do Pará. Puçá: Revista de Comunicação e Cultura na Amazônia. Belém, v. 1, n1. p. 26-50, jan./jun. 2011 MICHAUD, Y. A Violência. São Paulo: Editora Ática, 1989. NOBRE, M. A Teoria Crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004. ODALIA, N. O que é violência. São Paulo: Editora Brasiliense, 2004. PINTO, L.F. Justiça paraense estanca sangria desatada. 2009. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/justica-paraense-estanca-sangria-desatada>. Acesso em: 20 jan. 2014. VIANA, S. Rituais de Sofrimento. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2013.

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DIFICULDADES – Há, talvez, um excesso de pesquisas na área de comunicação social sobre

o tema aqui estudado. A maior dificuldade foi encontrar – por exemplo, no portal de periódicos

da CAPES - artigos que estivessem mais próximos à psicologia social.

PARECER DO ORIENTADOR:

Trata o presente parecer do relatório final de iniciação científica desenvolvido pelo

discente Mateus Abreu, sob minha orientação. Nestes termos, avalio que o relatório produzido

pelo aluno é de boa qualidade e, mediante algumas adequações, pode vir a gerar futuras

publicações em Anais de congressos e/ou periódicos avaliados pelo sistema Qualis/CAPES.

Seu principal mérito aparece, a meu ver, na escolha do tema, em uma escrita que vem se

aprimorando e também na boa apreensão de algumas das ideias expostas (como, por

exemplo, as noções de violência, indústria cultural, banalização do mal e banalização da

injustiça social). Como ponto importante a ser melhor trabalhado, porém, aponto a conclusão

do trabalho, a qual, um tanto curta, não condiz muito, em termos de alcance, nem com a

capacidade do aluno e nem tampouco com o volume de leituras que já fez. Faço votos de que

tal observação funcione como estímulo para retomada e melhorias visando futura publicação.

De qualquer forma, para além do conteúdo explícito do relatório, vale enfatizar aqui o

compromisso de Mateus em termos da sua participação nas atividades propostas ao longo da

bolsa, tais como levantamento bibliográfico-comparativo, encontros de orientação e, ainda,

atividades junto a turmas do curso de graduação em psicologia da UFPA onde ministrei aulas.

Assim, observados os comentários acima, aprovo as atividades desenvolvidas pelo aluno e,

considerando o nível de treinamento em pesquisa exigido para uma iniciação científica,

considero seu desempenho ao longo deste ano de pesquisa como bom. Este é meu parecer.

Belém, 10 de agosto de 2015

ASSINATURA DO ORIENTADOR

ASSINATURA DO ALUNO