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Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
Edição 2018
Municipalização, investimentos e governação de terras urbanas:
os casos da Cidade de Maputo e da Vila de Boane
RELATÓRIO ANUAL SOBRE GOVERNAÇÃO AMBIENTAL
Municipalização, investimentos e governação de terras urbanas: Os casos da Cidade
de Maputo e da Vila De Boane
Ficha técnica:
Centro Terra Viva – Estudos e Advocacia Ambiental
Redação: André Cristiano José, Carlos Manuel Serra, Sheila Menezes, e Adam Jalá (TPLA)
Coordenação: Alda Salomão
Revisão: Issufo Tankar, Marcos A. M. Pereira, e Wanjiku Kiambo
Maquetização: Manuela Wing
Capa: Reassentamento de Tenga
Fotografia: Chico Carneiro
Proposta de Citação: José, C. A, Serra, M, C, Menezes, S & A, Jalá (2018). Relatório Anual
sobre Governação Ambiental - Municipalização, investimentos e governação de terras
urbanas: os casos da Cidade de Maputo e da Vila de Boane. 62pp. Maputo. Centro Terra
Viva
Direitos Reservados
Direitos do autor aplicam-se a esta obra. Esta publicação, seja por inteiro ou em partes, não
poderá ser reproduzida independentemente do formato ou meio, seja electrónico, mecânico
ou óptico, para qualquer propósito, sem a devida autorização expressa, por escrito, do
Director Geral do Centro Terra Viva.
Com apoio de:
Agradecimentos
Este trabalho foi possível graças ao precioso apoio financeiro canalizado pelos parceiros do
Centro Terra Viva (CTV) nomeadamente: Agência Suíça para o Desenvolvimento e
Cooperação, We Effect, Programa AGIR, Embaixada da Suécia, e Embaixada dos Países
Baixos. Os nossos agradecimentos estendem-se em particular aos membros das
comunidades de Tenga, Mahubo e Chamissava pela sua colaboração e fornecimento de
informação relevante para a sua realização.
Endereçamos também os nossos agradecimentos ao Ministério da Terra, Ambiente e
Desenvolvimento Rural (MITADER), Direcção Nacional de Ordenamento do Território,
Administração do Distrito de Boane, Conselho Municipal da Vila de Boane e todos que de
forma directa ou indirecta contribuíram para este trabalho.
A todos que contribuíram para a realização deste estudo vai o nosso reconhecimento
especial.
Índice I. Sumário Executivo .................................................................................................................................................. 4
II. Introdução ............................................................................................................................................................... 7
1. Antecedentes ................................................................................................................................................. 7
2. Governação Ambiental e Indicadores ............................................................................................................ 8
3. Metodologia ........................................................................................................................................................ 9
4. Revisitando o Relatório de Avaliação da Governação da Terra ................................................................ 10
III. Terra Urbana, Municipalização e Investimentos Urbanos em Moçambique .............................................. 13
1. Antecedentes Históricos ..................................................................................................................................... 13
2. O Contexto Urbano ..................................................................................................................................... 15
IV. Qualidade do Quadro Legal e Institucional ..................................................................................................... 17
1. Quadro Legal de Terras ............................................................................................................................. 17
1.1. Constituição da República de Moçambique ................................................................................... 17
1.2. Política Nacional de Terras ............................................................................................................... 17
1.3. Lei de Terras ....................................................................................................................................... 18
1.4. Regulamento do Solo Urbano .......................................................................................................... 19
2. Ordenamento do Território ........................................................................................................................ 20
3. Qualidade do Quadro Institucional ........................................................................................................... 22
3.1 Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural .................................................................... 22
3.2. Autarquias Locais .................................................................................................................................... 24
V. Perfil Territorial, Social e Ambiental dos Município de Maputo e Boane ..................................................... 26
1. O Município de Maputo .............................................................................................................................. 26
2. O Município de Boane ................................................................................................................................ 27
VI. Direitos sobre a Terra e Projectos de Desenvolvimento............................................................................... 31
1. Reconhecimento de DUATs e o Projecto “Maputo-Sul” ....................................................................... 31
2. Sobre a Expropriação ................................................................................................................................. 33
3. Sobre a Indemnização ................................................................................................................................ 34
4. Sobre o Reassentamento........................................................................................................................... 36
5. Sobre a Participação .................................................................................................................................. 37
5.1 Principais Intervenientes .......................................................................................................................... 38
5.2. O Plano e Modelo de Reassentamento ................................................................................................ 39
5.3. Considerações sobre o Reassentamento no Âmbito do Projecto de Construção da Ponte
Maputo-KaTembe ............................................................................................................................................ 40
5.3.1. A Persistência dos Problemas? .......................................................................................................... 42
a) A Opinião das Autoridades Municipais e Administrativas ................................................................. 42
b) A Opinião dos Reassentados ................................................................................................................ 44
VII. Lições Aprendidas e Conclusões .................................................................................................................... 52
1. Especificidades do DUAT Urbano ................................................................................................................. 52
2. Procedimentos e Prática de Consultas Comunitárias na Atribuição de DUAT’s para Investimentos
nas Zonas Urbanas .............................................................................................................................................. 53
3. Procedimentos Seguidos na Criação de Municípios e Impactos sobre Direitos Pré-existentes .......... 54
4. Aspectos Institucionais e Eficiência no Processo de Planeamento do Uso e Gestão de Terras ......... 55
5. Procedimentos para a Expropriação de Direitos, Reassentamento Involuntário e Pagamento Prévio
de Justa Indemnização ....................................................................................................................................... 56
VIII. Recomendações ............................................................................................................................................... 60
IX. Bibliografia ........................................................................................................................................................... 62
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
2
Abreviaturas e Acrónimos
CIP
CTV
DUAT
FIPAG
IFC
LOT
MITADER
PEUMM
PNDT
PNT
RAGA
RLOT
RLT
RSU
TPLA
Centro de Integridade Pública Centro Terra Viva
Direito de Uso e Aproveitamento da Terra
Fundo de Investimento e Património do Abastecimento de Água
Cooperação Financeira Internacional Lei do Ordenamento Territorial
Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural
Plano de Estrutura Urbana do Município de Maputo
Plano Nacional de Desenvolvimento Territorial Política Nacional de Terras
Relatório de Governação Ambiental
Regulamento da Lei do Ordenamento Territorial
Regulamento da Lei de Terras
Regulamento do Solo Urbano
Taciana Peão Lopes Advogados e Associados, lda
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
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Reassentamento em Chamissava
Foto: Chico Carneiro
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
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I. Sumário Executivo
Desde o ano 2012 que o Centro Terra Viva (CTV) tem levado a cabo estudos sistemáticos de
avaliação do estado da governação na gestão do ambiente e recursos naturais em Moçambi-
que. Os resultados dos estudos têm sido publicados em relatórios anuais sobre governação
ambiental (RAGA). As publicações têm como objectivo contribuir para a boa governação na
gestão do ambiente e dos recursos naturais e promover maior justiça social, equidade e susten-
tabilidade no seu acesso pelos cidadãos. Desde o primeiro estudo foram, então, publicados
relatórios dedicados a uma diversidade de temas, nomeadamente, florestas e terras (2012),
áreas de conservação marinhas (2015), gestão de mangais (2016), e governação comunitária
de terras e recursos naturais (2017).
A presente publicação versa sobre o exercício de direitos sobre a terra em contextos urbanos,
com ênfase o estudo da relação entre a segurança da posse e a implementação de projectos de
desenvolvimento. Para efeito, elegemos o estudo de caso do processo de reassentamento na
cidade de Maputo, concretamente a deslocação involuntária das comunidades dos bairros da
Malanga, Luís Cabral e Gwachene (num total de 1 200 famílias), em resultado da implementa-
ção do projecto de construção da estrada “circular Maputo” e da Ponte Maputo-Katembe. Os
locais de destino das populações reassentadas foram Mahubo (Distrito de Boane); Tenga (Dis-
trito da Moamba) e Chamissava (Distrito Municipal da KaTembe). O RAGA aborda também os
desafios enfrentados pelo Município de Boane no que respeita ao acolhimento das comunida-
des reassentadas.
O estudo centra-se na análise de cinco indicadores de avaliação, a saber: (i) especificidades do
Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) urbano, destacando garantias oferecidas aos
titulares e eventuais restrições em comparação com DUATs rurais; (ii) procedimentos e prática
de consultas comunitárias na atribuição de DUATs para investimentos em zonas urbanas; (iii)
procedimentos seguidos e impactos sobre direitos pré-existentes na criação de municípios; (iv)
aspectos institucionais e eficiência no processo de planeamento do uso e gestão terras urba-
nas; e (v) procedimentos para a expropriação de direitos, reassentamento involuntário e paga-
mento prévio de justa indemnização.
A principal conclusão do presente relatório é que, não obstante os avanços no plano constituci-
onal e da legislação ordinária no que respeita à salvaguarda do direito universal de acesso à
terra, incluindo a grande maior de ocupantes que não dispõe de um título formal emitido pelas
autoridades, Moçambique regista fragilidades no domínio da aplicação dessas mesmas normas.
Ainda assim, o quadro jurídico carece de aprimoramento, especialmente com vista à harmoni-
zação entre a Lei de Terras, o Regulamento do Solo Urbano e a legislação relativa ao ordena-
mento constitucional, tendo como referência a Constituição da República. Por outro lado, será
necessário aprofundar a regulamentação do solo urbano, de modo a detalhar as regras referen-
tes à urbanização, ao acesso à terra, e à participação pública.
A aprovação de um regime fundiário diferenciado para a terra urbana tornou bastante vulnerá-
vel a situação dos ocupantes, os quais passaram a negociar em situação claramente desvanta-
josa com as autoridades municipais, ficando à mercê de decisões políticas sobre o território,
incluindo de reassentamento. Por outro lado, a desarmonia entre os regimes de reassentamento
para efeitos de ordenamento territorial e o reassentamento resultante da implementação de
actividades económicas prejudica a aplicação eficiente da legislação, especialmente no que
respeita à protecção dos direitos das populações afectadas.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
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O processo de reassentamento do caso da Ponte Maputo – KaTembe constitui um dos vários
exemplos em que o direito fundamental à terra de que gozam os ocupantes não foi devida e
integralmente acautelado, tanto no que respeita aos procedimentos para o desapossamento,
como em relação ao pagamento de uma justa indemnização. No geral, contrariando as disposi-
ções legais, o reassentamento representou um agravamento das condições de vida dos reas-
sentados e das comunidades acolhedoras.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
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Reassentamento de Mahubo
Foto: Chico Carneiro
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
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II. Introdução
1. Antecedentes O Centro Terra Viva – Estudos e Advocacia Ambiental (CTV) é uma instituição não-
governamental moçambicana, que se dedica à investigação e intervenção ambiental, e que
congrega profissionais de diferentes áreas fundamentais para a gestão do ambiente e dos re-
cursos naturais. Neste sentido, o CTV persegue um conjunto de objectivos que visam, em últi-
ma instância, promover a boa governação ambiental, nomeadamente: promoção de uma go-
vernação ambiental participativa enraizada na ciência, na justiça e na legalidade; contribuição
para participação da sociedade civil, incluindo as comunidades rurais, na defesa do ambiente e
na gestão dos recursos naturais através de acções de educação e consciencialização ambien-
tal; e promoção da valorização e conservação de ecossistemas e da biodiversidade e incentivar
a distribuição equitativa dos benefícios resultantes da utilização sustentável dos recursos natu-
rais.
No contexto das suas áreas de intervenção, o CTV tem desenvolvido trabalhos de avaliação da
governação ambiental, do qual são publicados os respectivos relatórios. O primeiro relatório de
monitoria da governação ambiental foi publicado em 2012. As edições anteriores ao presente
Relatório de Governação Ambiental (RAGA) abordaram vários temas relacionados com a admi-
nistração de terras em Moçambique, embora centrando-se na análise de questões como flores-
tas, administração de terras rurais, gestão de áreas de conservação marinhas e gestão de
mangais.
O presente RAGA debruça-se sobre o exercício de direitos sobre a terra em contextos urba-
nos, com ênfase o estudo da relação entre a segurança da posse e a implementação de projec-
tos de desenvolvimento. Para o efeito, elegemos como estudo de caso o processo de reassen-
tamento na cidade de Maputo, concretamente a deslocação forçada das comunidades dos
bairros da Malanga, Luís Cabral e Gwachene (num total de 1 200 famílias), em resultado da
implementação do projecto de construção da estrada “circular de Maputo” e da Ponte Maputo-
Katembe. Os locais de destino das populações reassentadas foram Mahubo (Distrito de Boa-
ne); Tenga (Distrito da Moamba) e Chamissava (Distrito Municipal da Ka Tembe).
Em virtude do processo de reassentamento ter coincidido com a criação e instalação do muni-
cípio de Boane, o RAGA aborda também os desafios enfrentados por aquele município no que
respeita ao acolhimento das comunidades reassentadas. O alargamento do estudo a Boane
também se justifica pelo facto de ser notório o crescimento urbano naquela vila, fruto do cres-
cimento populacional e da expansão das áreas das cidades, o que se traduz num desafio para
o ordenamento territorial e administração de terras.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
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2. Governação Ambiental e Indicadores Desde o primeiro RAGA que o CTV adoptou o conceito de boa governação ambiental como
sendo “o sistema de liderança que assenta num modelo institucional responsável, que integra
os cidadãos no processo de tomada de decisões sobre as questões de ambiente e recursos
naturais, que assegure a precaução de impactos susceptíveis de causar danos ambientais e
sociais, que privilegie a feitura e correspondente implementação plena de um quadro jurídico-
legal bom, adequado, justo e eficaz, dirigido a garantir a gestão sustentável dos recursos natu-
rais, e o acesso à justiça e à equidade na partilha de benefícios decorrentes do uso de tais re-
cursos naturais (CTV, 2012).
O que é central nesta definição é que a governação é percebida em três dimensões, nomea-
damente, o modo como as instituições se organizam e se posicionam para administrar a terra
(sendo aqui relevante a sua postura perante a lei e valores éticos), a relação entre a administra-
ção de terras e os cidadãos enquanto sujeitos activos de governação, e os resultados proveni-
entes da implementação de políticas e programas de gestão da terra.
Face ao exposto, para efeitos do presente trabalho, a inquirição sobre “boa governação de
terras urbanas” equivale a procurar saber em que medida o solo urbano é devidamente admi-
nistrado, se essa administração é inclusiva, e que tipo de resultados têm sido alcançados. Nes-
te sentido, a “governação”, nos termos propostos, mobiliza três princípios fundamentais em
relação aos quais se presta especial atenção no presente relatório, nomeadamente, a legalida-
de, a participação e a equidade (justiça social). Os princípios em causa articulam-se com os
indicadores eleitos para a avaliação da governação:
I. Especificidades do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) urbano, destacando ga-
rantias oferecidas aos titulares e eventuais restrições em comparação com DUATs rurais;
II. Procedimentos e prática de consultas comunitárias na atribuição de DUATs para investimentos
em zonas urbanas;
III. Procedimentos seguidos e impactos sobre direitos pré-existentes na criação de municípios;
IV. Aspectos institucionais e eficiência no processo de planeamento do uso e gestão terras urba-
nas; e
V. Procedimentos para a expropriação de direitos, reassentamento involuntário e pagamento
prévio de justa indemnização.
Os indicadores seleccionados têm a particularidade de permitir uma análise da legislação sobre
terra urbana e sua relação com o regime do ordenamento territorial. No seu conjunto, aqueles
indicadores permitem-nos perceber, de forma mais alargada, o ciclo do acesso, reconhecimen-
to e extinção de direitos sobre a terra. Por outro lado, ao confrontarmos a lei com a prática, afe-
rimos o grau de concretização dos princípios da boa governação da terra que elegemos, nome-
adamente, legalidade, participação e equidade (justiça social).
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
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3. Metodologia
Incidindo o presente RAGA sobre o mesmo objecto, o processo de recolha de dados iniciou
com uma revisitação da auditoria jurídica ao processo de reassentamento realizado no âmbito
da construção da ponte Maputo-Katembe, realizada em CTV em 2016. A revisão de literatura
estendeu-se ao relatório de “Avaliação da Governação de Terras em Moçambique”, um instru-
mento de diagnóstico participativo, publicado em 2017, que visa permitir identificar prioridades
estratégicas do sector de gestão e administração de terras e monitorar o seu progresso, com
vista à promoção do seu desenvolvimento sustentável. Paralelamente, foi realizada a revisão de
literatura relativa a trabalhos científicos que debatem a questão urbana em Moçambique, parti-
cularmente na cidade de Maputo.
Seguiu-se a revisão da legislação pertinente, analisando de forma sistemática o regime relativo
a terras e ordenamento territorial.
Procedemos entrevistas a actores-chave, nomeadamente, funcionários dos municípios de Ma-
puto e Boane, funcionários do MITADER e do Ministério da Administração Estatal, membros das
comunidades reassentadas, membros das comunidades acolhedoras da população reassenta-
da, e autoridades comunitárias locais. No relatório utilizamos nomes fictícios e, nalguns casos,
apenas nomes codificados (com recurso a letras), de modo proteger a identidade dos entrevis-
tados. Finalmente, visitamos os locais de reassentamento.
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4. Revisitando o Relatório de Avaliação da Governação da Terra
Em 2016 foi publicado o relatório da Avaliação de Governação de Terras LGAF-MZ/2015-2016
(Trindade et al, 2016) um instrumento de diagnóstico participativo que visa permitir identificar
prioridades estratégicas do sector de gestão e administração de terras e monitorar o seu pro-
gresso, com vista à promoção do seu desenvolvimento sustentável. A avaliação centrou-se em
nove temas, nomeadamente, i) reconhecimento de direitos fundiários; regulamentos sobre uso
de direitos à floresta e às terras comuns e rurais; uso, planeamento e desenvolvimento de terras
urbanas; gestão de terras públicas; transferência de grandes extensões de terras para investi-
dores; disponibilização pública de informação sobre terras: registo e cadastro; valor da terra e
cobrança de taxas; resolução de litígios; arranjos e políticas institucionais.
Tal como descrito no respectivo relatório, a avaliação da governação foi realizada num contexto
de pressão sem precedentes sobre a terra em Moçambique, decorrente de um conjunto de
factores como a expansão dos centros urbanos, a construção de infraestruturas públicas, a im-
plantação no meio rural de projectos de larga escala baseados na terra, entre outros. Este con-
texto não só reflecte a complexidade das questões relativas à terra, como representa um desa-
fio quanto à necessidade de proteger os direitos e interesses legítimos dos cidadãos, ao mesmo
tempo que se criam condições apropriadas para o desenvolvimento económico e social do país.
Por isso, com o exercício de avaliação da governação da terra também pretendeu-se avançar
com um conjunto de recomendações conducentes ao melhoramento do sistema de gestão e
administração de terras em Moçambique. A premissa conclusiva do relatório em causa vai no
sentido de reconhecer que Moçambique dispõe de um regime fundiário inovador e com poten-
cial para promover a justiça social - procurando uma harmonia entre a propriedade estatal da
terra, o incentivo ao investimento, e o desenvolvimento local (quer este seja rural ou urbano).
Subjacente ao regime fundiário está a ideia de que a terra deve cumprir uma função económica
e social concreta, devendo ser entendida como um meio universal de criação da riqueza e do
bem-estar social. Daí a consagração constitucional do direito universal à terra (incluindo o reco-
nhecimento e protecção de direitos adquiridos por herança ou ocupação), e a proibição da
venda, alienação ou penhora da terra.1
No entanto, o trabalho também realça algumas fragilidades na implementação do quadro legal,
decorrentes sobretudo das fragilidades institucionais e das dificuldades de articulação com a
demais legislação que, directa ou indirectamente, influencia as condições de exercício de direi-
tos sobre a terra, especialmente a Lei de Ordenamento do Território.2 Consequentemente, não
obstante o reconhecimento formal de direitos adquiridos por ocupação ou por via de práticas
costumeiras, a sua titulação e protecção tem sido precária, especialmente em relação às cama-
das populacionais mais desfavorecidas. O desenvolvimento das políticas e programas de plani-
ficação territorial nas zonas urbanas, assim como das instituições de administração de terras
servem de pano de fundo dessa precariedade da protecção e registo de direitos fundiários.
Apenas em 1979, quatro anos após a independência nacional – na I Reunião Nacional sobre
Cidades e Bairros Comunais – foi possível fazer uma reflexão profunda sobre os problemas ur-
banos. No mesmo ano, foi elaborado o Plano de Estrutura da cidade de Maputo. Já no contexto
da descentralização, foram elaborados Planos de Estrutura das cidades de Nampula, Beira,
Quelimane, e Pemba e para a chamada área metropolitana de Maputo. No entanto, apenas em
1 Artigos 109.º a 111.º da Constituição da República de Moçambique. 2 Lei n.º 19/2007, de 18 de Julho.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
11
2007 foi aprovada a primeira Política e a Lei de Ordenamento do Território3, cujos objectivos,
entre outros, consistem em (i) garantir o direito à ocupação actual do espaço físico nacional
pelas pessoas e comunidades (entendidos como os elementos mais importantes em qualquer
intervenção de planeamento do uso da terra); (ii) requalificar as áreas urbanas de ocupação
espontânea degradadas ou aquelas resultantes de ocupações de emergência; (iii) compatibilizar
as políticas e estratégias ambientais e de desenvolvimento sócio-económico, respeitando as
formas actuais de ocupação do espaço; e (iv) gerir os conflitos de interesses, privilegiando
sempre o acordo entre as partes, salvaguardando os direitos de ocupação das comunidades
locais.4
Desde a aprovação da Lei de Ordenamento do Território que têm sido aprovados novos planos
de estrutura e planos gerais e parciais de urbanização na maior parte dos municípios existentes
no país. O relatório de avaliação da governação da terra descreve um conjunto de problemas
formais e materiais de que enferma o processo de planificação urbana em Moçambique: um
número ínfimo de instrumentos foi ratificado e publicado no Boletim da República; a maior parte
foi elaborada por técnicos das instituições que superintendem o ordenamento do território (não
sendo clara distinção entre as funções de execução e de monitoria ou fiscalização do proces-
so); não cumprimento dos planos elaborados (apontando-se como justificação primordial a insu-
ficiência de recursos financeiros e de meios de fiscalização); dificuldade de articulação das re-
gras de ordenamento do território com a demais legislação relevante, especialmente a Lei de
Terras e o Regulamento do Solo Urbano no que respeita aos direitos dos afectados pelos pro-
cessos de ordenamento do território. Este último é considerado o principal problema, do qual
redunda uma prática que torna mais precária a situação das populações mais vulneráveis, ex-
postas à captura dos grupos mais poderosos.
Os problemas de efectivação e aplicação harmoniosa da lei registam-se num contexto de cres-
cente procura de terra não só nas zonas rurais, como nos centros urbanos. Os assentamentos
tendem a concentrar-se junto de grandes infra-estruturas (como, por exemplo, estradas, linhas
férreas e linhas de transmissão de energia eléctrica), com o objectivo de se beneficiarem dos
equipamentos colectivos de utilidade pública e das oportunidades de negócio. O acesso à terra
para habitação nos centros urbanos tem sido feito sobretudo por intermédio de familiares (tro-
ca, cedência ou herança), secretários de bairro, chefes de quarteirão, autoridades tradicionais e
outras pessoas com direitos consuetudinários sobre a terra. Não obstante o reconhecimento
formal da ocupação de boa-fé e consuetudinária, nem sempre é possível a obtenção de títulos
de DUAT relativo às ocupações em causa. A publicação tardia dos instrumentos de ordenamen-
to territorial, as fragilidades institucionais do governo local, a reduzida sensibilização da popula-
ção para o tema, o desconhecimento dos procedimentos (como consequência da insuficiente
divulgação dos mesmos), o clientelismo e a sobrevalorização dos interesses privados são apon-
tados como algumas das causas de precarização dos direitos sobre a terra, adquiridos por ocu-
pação, especialmente das camadas sociais mais desfavorecidas.
O relatório de avaliação da governação conclui que, dada a ausência de estratégias para o re-
gisto de ocupações informais da terra e respectiva integração na planificação urbana, não só
subsistirá um sistema dualista de acesso e exercício de direitos sobre a terra – um sistema for-
mal e, outro, informal – como também contribuirá para a marginalização de cada vez maiores
franjas da população urbana.
3 Instrumentos aprovados pela Resolução nº 18/2007 de 30 de Maio e pela Lei n.º 19/2007 de 18 de Julho, respecti-
vamente. 4 Artigo 5º da Lei de Ordenamento do Território.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
12
Imagem de reassentamento em Tenga
Foto: Chico Carneiro
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
13
III. Terra Urbana, Municipalização e Investimentos Urbanos em Mo-
çambique
1. Antecedentes Históricos Uma abordagem sobre a questão da terra urbana pressupõe uma análise prévia, ainda que bre-
ve, do contexto da aprovação dos principais instrumentos normativos que regulam a terra e
suas implicações no regime actual.
Em 1997 foi aprovada a segunda Lei de Terras de Moçambique (Lei nº 19/97, de 1 de Outubro)
no contexto da democracia multipartidária e da economia de mercado.5 Foram então revistas as
menções à Revolução, ao partido Frelimo e às organizações democráticas de massas, para
além de ter sido mitigado o pendor “estaticista” da primeira lei de terras. Por exemplo, o Estado
deixou de ter direito de preferência no caso de transmissão, entre vivos, de infraestruturas,
construções ou benfeitorias.
Já em 1992, João Carrilho realçava a ineficácia da lei de terras vigente no que respeita à pro-
tecção dos direitos de pequenos produtores, ao reconhecimento de direitos costumeiros, e à
atracção de investimento privado. No seu entendimento, a aplicação do direito costumeiro de
terras em zonas definidas poderia facilitar a capacitação das estruturas do Estado e contribuir
para a descentralização, protegendo os direitos à terra para o pequeno produtor (Carrilho,
1992). Resumindo, ao quadro de terras vigente eram apontadas como principais fragilidades: (i)
o facto de deixar numa situação altamente fragilizada a larga maioria da população moçambica-
na, que ocupava a terra segundo normas e práticas costumeiras; (ii) e a secundarização do sec-
tor privado, dado que o regime não era suficientemente consistente para garantir o acesso a a
segurança da posse.6
A lei de terras vigente e os regulamentos que a concretizam representam uma viragem em re-
lação ao quadro anterior, reconhecendo de forma ampla os direitos sobre a terra adquiridos por
ocupação, permitindo a livre transmissão de infraestruturas ou benfeitorias (e consequente
transmissão do DUAT), alargando o período de validade do DUAT, e protegendo de forma mais
eficaz a posse sobre a terra. Por outro lado, a nova legislação de terras visava procurou dar
resposta ao rápido crescimento urbano causado, entre outros factores, pelo desenvolvimento
de programas e acções de fomento à autoconstrução através da atribuição de talhões, bem
como pela guerra, colapso das políticas de socialização do campo e da economia, calamidades
naturais, e pela procura de emprego ou de melhores condições de vida.
Do ponto de vista político-administrativo, foi desencadeado o processo de descentralização e de
autarcização do país.7 A urbanização, construção e a habitação passaram a constituir algumas
5 A nova lei de terras revogou a Lei nº 6/79, de 3 de Julho. 6 Nesse sentido, e como resposta, consta do preâmbulo da Lei de Terras de 1997 que ”O desafio que o país enfrenta
para o seu desenvolvimento, bem como a experiência na aplicação da Lei n° 6/79, de 3 de Julho, Lei de Terras, mos-
tram a necessidade da sua revisão, de forma a adequá-la à nova conjuntura política, económica e social e garantir o
acesso e a segurança de posse da terra, tanto dos camponeses moçambicanos, como dos investidores nacionais e
estrangeiros.” 7 A primeira lei que estabelece o quadro dos distritos municipais foi aprovada em 1994 (Lei n.º3/94 de 13 de Setem-
bro), tendo sido posteriormente revogada pela em 1997 (Lei n.º 2/97 de 18 de Fevereiro). Esta lei sofreu sucessivas
alterações, culminando com a sua revogação através daLei n.º 6/2018, de 3 de Agosto, revista e republicada pela Lei
n.º 13/2018 de 17 de Dezembro.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
14
das atribuições das autarquias locais, cabendo à Assembleia Municipal aprovar o plano de de-
senvolvimento municipal, o plano de estrutura e, de um modo geral, os planos de ordenamento
do território, bem como as regras respeitantes à urbanização e construção. Contudo, apenas
dez anos mais tarde foi aprovada legislação do ordenamento territorial. Até então, foram ensai-
adas algumas iniciativas de planificação urbana, especialmente nas grandes cidades.
As dificuldades próprias dos primeiros anos de independência, avolumados pela guerra civil,
condicionaram a planificação urbana de Moçambique. Todavia, em 1979 foi realizada a I Reu-
nião Nacional sobre Cidades e Bairros Comunais na qual foram levantados os principais pro-
blemas dos centros urbanos e apontadas algumas soluções. No que particularmente respeita à
urbanização, foi sugerida a transformação planificada e faseada dos subúrbios, devendo estes
ser transformados em zonas urbanizadas e dotadas de infraestruturas necessárias, tais como
abastecimento de água, arruamentos, energia eléctrica, esgotos e drenagens. As áreas livres
das zonas já urbanizadas seriam, em preferência, destinadas à construção de equipamentos
sociais, nomeadamente, escolas, centros de saúde, parques infantis, jardins públicos, etc (Parti-
do Frelimo, 1979)8.
Em 1979 e 1985 foram elaborados dois Planos de Estrutura da cidade de Maputo. No entanto,
nenhum dos planos foi aprovado, tendo sido rapidamente ultrapassados pelas transformações
entretanto registadas na cidade. Nos finais da década de 90 do século XX, surgem ainda de
forma mais ou menos avulsa, planos parciais de parcelamento da periferia e, em 1999, um
Plano de Estrutura da Área Metropolitana de Maputo. Estes planos também não foram aprova-
dos. Apenas em 2008 é que foi aprovado o Plano de Estrutura Urbana do Município de Maputo
(PEUMM), no qual se propõe abordar os problemas urbanos a quatro níveis, nomeadamente,
regulamentação do uso do solo, criação de novas centralidades e desenvolvimento das centra-
lidades existentes na periferia, melhoria da rede de acessibilidade, e contenção da construção
de condomínios fechados.
Na sequência, foram aprovados alguns planos gerais e parciais de planificação para alguns bair-
ros da periferia, como 3 de Fevereiro, Albasini, Ferroviário, Laulane, Magoanine, Mahotas e
Zimpeto (Melo, 2015: 95-97). Mais recentemente, no contexto do projecto de construção da
ponte Maputo-Katembe, foi aprovado o Plano Geral de Urbanização do Distrito Municipal da
Katembe, enquadrado no PEUMM, e que estabelece o modelo de organização espacial e a es-
tratégia de desenvolvimento, a classificação do solo, as regras e a capacidade construtiva rela-
tivas à ocupação, o uso e a transformação do solo do território da Katembe.
No entanto, nenhum destes planos foi publicado no Boletim da República, não sendo, por isso,
eficazes e vinculativos do ponto de vista jurídico-formal.9 Como afirma Melo (2015), embora
alguns planos tenham obtido uma aprovação intermédia, isto é, tenham sido ratificados pelo
Ministério da Administração Estatal, o facto de não serem publicados no Boletim da República
pode ser o reflexo da fragilidade do sistema de planeamento e gestão urbana e de uma certa
incapacidade, ou falta de vontade, para o implementar.
Certamente que esta realidade exige a adopção de uma perspectiva de futuro sobre as cidades
do país e a mobilização de métodos eficazes de gestão e governação dos espaços.
8 Publicado na Revista Tempo. 25 de Fevereiro de 1979. 9 Note-se que, segundo o artigo 11° da Lei de Ordenamento do Território, “Os instrumentos de ordenamento territo-
rial, uma vez publicados no Boletim da República, têm o efeito de lei e vinculam todas as entidades públicas, bem
como os cidadãos, as comunidades locais e as pessoas colectivas de direito privado.”
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
15
2. O Contexto Urbano Moçambique tem registado um rápido crescimento da população urbana. De 2007 o número
subiu de cerca de 6 milhões para perto de 9 milhões. O crescimento da população e o alarga-
mento dos espaços da cidade aumentam a pressão sobre a terra, infraestruturas, equipamentos
e serviços sociais. No caso da cidade de Maputo, a densidade populacional é de 3 670,5 habi-
tantes/km² (INE, 2017). Estima-se que até 2040 a população urbana de Moçambique chegará
aos 18 milhões, representando 40% do total de habitantes.
Sendo certo que as infraestruturas e equipamentos que as cidades oferecem actualmente não
são suficientes, não é menos certo que as mesmas se distribuem de modo desproporcional
pelos bairros, registando-se nesta componente uma certa continuidade em relação à lógica co-
lonial de estruturação e desenvolvimento das cidades. Começando por ser “cidades feitorias”,
passando pelas “cidades militares” desenvolvidas sobretudo na sequência da Conferência de
Berlim (nalguns casos tendo como alicerce as companhias majestáticas), e culminando com as
cidades modernas que nasceram e/ou se desenvolveram no contexto do Estado novo, as cida-
des coloniais desenvolveram-se em torno da mesma matriz: uma dualidade urbana em que no
núcleo permanecia o colono, com infraestruturas e serviços e, na periferia, o colonizado, priva-
do desses bens. A independência nacional representa a possibilidade de materialização do di-
reito à cidade por parte de todos cidadãos. No entanto, diante da escassez de recursos huma-
nos e financeiros, o Estado experimentou dificuldades para a mitigação dos problemas estrutu-
rais herdados do sistema colonial (Custódio & Maloa, 2018).
A guerra, as calamidades naturais, e a procura de oportunidades de trabalho contribuíram para
o crescimento exponencial da população urbana. O contexto de “emergência nacional” foi favo-
rável às ocupações informais, na maior parte das vezes desordenadas, da terra. Todavia, as
infraestruturas e serviços não desenvolveram na mesma proporção. Por outro lado, não foram
implementados planos ou projectos de ordenamento impulsionadores de rupturas em relação
ao carácter dualista das cidades moçambicanas: um centro devidamente urbanizado; e uma
periferia que tende a crescer de forma relativamente desordenada, quando não apropriada por
projectos de desenvolvimento de infraestruturas urbanas ou por investimentos imobiliários mili-
onários. Nestes últimos casos, a urbanização é associada a fenómenos de gentrificação, afas-
tando cada vez mais as populações do sonho de ter direito à cidade.
As Nações Unidas consideram que expansão e crescimento da ocupação informal de terrenos
nas áreas urbanas, em si, constituem a principal ameaça ao ambiente em Moçambique, dado
que edificações têm sido feitas frequentemente em terrenos marginalizados, perto dos rios, ou
em declives e porque a maioria não dispõe de infraestruturas básicas e serviços como água e
saneamento. Os problemas estruturais das cidades são potenciados pela escassez de trabalho
formal, conduzindo a que muitas famílias vivam do derrube de árvores para construção e pro-
dução de lenha, e do cultivo de áreas propensas à erosão. Por outro lado, o uso de rios, drena-
gem pública, e esgotos para deposição do lixo são práticas frequentes, no contexto de uma
insuficiente gestão de resíduos sólidos. Consequentemente, de acordo com as Nações Unidas,
a poluição continuada, degradação da terra, erosão, e as inundações representam os maiores
perigos para a sustentabilidade das cidades em Moçambique. O combate a estes riscos torna-
se menos eficiente em virtude da falta de informação estatística sobre indicadores ambientais, o
que afecta a avaliação dos progressos para a concretização do 7º Objectivo de Desenvolvimen-
to do Milénio, assegurar a sustentabilidade ambiental (UN-HABITAT, 2007).
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
16
Imagem retirada no reassentamento em Tenga
Foto: Chico Carneiro
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
17
IV. Qualidade do Quadro Legal e Institucional
1. Quadro Legal de Terras
1.1. Constituição da República de Moçambique
“Libertar a terra e o Homem” é a expressão que eventualmente melhor traduz o que a terra
representa para Moçambique e que, de certo modo, indicia os pressupostos políticos subjacen-
tes ao regime fundiário adoptado. A Constituição consagra o princípio de que toda a terra é do
Estado e, por tal razão, não deve ser vendida, ou por qualquer outra forma alienada, nem hipo-
tecada ou penhorada. Trata-se de um princípio presente desde a Constituição de 1975 e que
configura estruturante do Estado moçambicano.
Sendo a terra propriedade do Estado, o exercício de direitos sobre a terra é possível através do
DUAT. Podem ser titulares deste direito todas as pessoas singulares e colectivas, nacionais ou
estrangeiras. São igualmente reconhecidos os direitos sobre a terra adquiridos por herança ou
ocupação, salvo havendo reserva legal ou se a terra tiver sido legalmente atribuída à outra pes-
soa ou entidade.10
A propriedade estatal da terra é compatível com o reconhecimento de direitos de propriedade
privados que existam sobre benfeitorias ou construções que tenham sido edificadas. Assim, a
Constituição afirma expressamente que reconhece e garante o direito de propriedade. Conse-
quentemente, a expropriação de só pode ter lugar por causa de necessidade, utilidade ou inte-
resse públicos, nos termos definidos por lei, dando sempre lugar a uma justa indemnização.11
Por outro lado, a Constituição reconheceu o direito de todos os cidadãos à habitação condigna,
bem como o dever do Estado, de acordo com o desenvolvimento económico nacional, de criar
as adequadas condições institucionais, normativas e infraestruturais.12
1.2. Política Nacional de Terras
A Política Nacional de Terras (PNT) foi aprovada num contexto de reconstrução nacional, uma
vez terminado o conflito armado, por força dos Acordos de Paz assinados em 1992.13 Neste
sentido, para além de dar corpo ao princípio constitucional da propriedade estatal da terra, a
PNT visou, entre outros, responder aos desafios do pós-guerra, nomeadamente, a necessidade
de assegurar o acesso à terra aos milhares de refugiados que entretanto regressaram para os
seus locais de residência. A PNT parte do reconhecimento da complexidade das questões rela-
cionadas com a terra e do facto de existirem reivindicações sobre a terra com raízes históricas.
Simultaneamente, a PNT procurou definir o marco político-institucional que permitisse a poste-
rior aprovação de legislação favorável ao investimento privado. O diploma preambular da PNT
manifesta de forma expressa esta intenção:
Moçambique atravessa uma nova fase de desenvolvimento económico e social
caracterizada por uma economia de mercado. É, pois, justificada a concepção de
10 Artigo 109º e 111° da Constituição. 11 Artigo 82° da Constituição. 12 Artigo 91°, n.º 1 da Constituição de 2004. 13 Resolução n.º 10/95, de 17 de Outubro.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
18
uma nova política de terras, diferente daquela que orientou a elaboração da ac-
tual legislação. Esta Política de Terras parte do simples princípio de que a terra é
um dos mais importantes recursos naturais de que o país dispõe, merecendo,
por isso, ser valorizada.
A matriz da PNT assenta, pois, na necessidade de massificar o acesso à terra, valorizando as
formas costumeiras de aquisição e garantindo a disponibilização daquele recurso para fins pro-
dutivos ou de outra natureza; reconhecer as comunidades locais enquanto sujeitos de direitos;
proteger a posse; autorizar a transmissibilidade de direitos sobre a terra; e promover o investi-
mento privado.
Neste sentido, a PNT orienta-se pelos seguintes princípios fundamentais:
i) A manutenção da terra como propriedade do Estado;
ii) Garantia de acesso e uso da terra à população, bem como aos investidores. Neste con-
texto, reconhecem-se os direitos costumeiros de acesso e gestão das terras das populações
rurais residentes, promovendo justiça social e económica no campo;
iii) Garantia do direito de acesso e uso da terra pela mulher;
iv) Promoção do investimento privado nacional e estrangeiro, sem prejudicar a população
residente e assegurando benefícios esta e para o erário público nacional;
v) Participação activa dos nacionais com parceiros em empreendimentos privados;
vi) Definição e regulamentação de princípios básicos orientadores para a transferência dos
direitos de uso e aproveitamento da terra, entre cidadãos ou empresas nacionais, sempre
que tiverem sido feitos investimentos no terreno;
vii) Uso sustentável dos recursos naturais de forma a garantir a qualidade de vida para as
presentes e futuras gerações, assegurando que as zonas de protecção total e parcial man-
tenham a qualidade ambiental e os fins especiais para que foram constituídas. Incluem-se
aqui zonas costeiras, zonas de alta biodiversidade e faixas de terrenos ao longo das águas
interiores.
No que particularmente respeita às questões urbanas, o Estado assume a responsabilidade pela
planificação urbana, ainda que esta possa ser “delegada” a agentes privados. Por outro lado,
aponta-se para a necessidade de articulação entre ocupações, planificação e crescimento ur-
bano, nos seguintes termos: “o crescimento urbano e a consequente ocupação de terrenos
anteriormente atribuídos a outros usos, deve realizar-se tomando em conta as pessoas que ai
estejam fixadas e as benfeitorias realizadas, salvo se já existia um plano de ordenamento territo-
rial previamente concebido.”14
1.3. Lei de Terras
A Lei de Terras concretiza os objectivos e princípios da PNT e estabelece os termos e condi-
ções da aquisição, exercício, modificação, transmissão e extinção do direito de uso e aprovei-
tamento da terra.15 A Lei de Terras consagra três formas de aquisição de DUAT:16
i) ocupação por pessoas singulares e pelas comunidades locais, segundo as normas e
práticas costumeiras no que não contrariem a Constituição;
14 Cfr. Ponto 33 da PNT. 15 Lei nº 19/97, de 1 de Outubro. 16 Artigo 12º da Lei de Terras.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
19
ii) ocupação por pessoas singulares nacionais que, de boa fé, estejam a utilizar a terra há
pelo menos dez anos;
iii) autorização de pedido apresentado por pessoas singulares ou colectivas na forma es-
tabelecida na presente Lei.
Tão importante quanto o reconhecimento amplo de formas de aquisição de direitos, é o facto da
lei afirmar expressamente que a ausência de registo não prejudica o DUAT adquirido por ocu-
pação pelas pessoas singulares e pelas comunidades locais, desde que provada essa mesma
ocupação.17 A prova pode ser produzida por testemunhas, documentos, ou qualquer outro meio
de prova admitido por lei. É, por isso, central distinguir o DUAT do título certificativo do direito.
Às comunidades locais e ocupantes de boa-fé é reconhecido o DUAT, independentemente do
facto de serem detentores de um título escrito.
Este regime favorece o exercício de direitos por parte grande maioria da população de Moçam-
bique, especialmente os camponeses que não dispõem de condições para desencadear e dar
seguimento aos processos de formalização da ocupação e utilização da terra. Ademais, confor-
me vimos, o reconhecimento da ocupação consuetudinária faz justiça às comunidades e pesso-
as singulares com longa ligação à terra, ainda que, por algum motivo (guerra, seca, cheias, etc.)
tivessem sido forçadas a abandoná-la.
Realçamos o facto de, nos casos de DUAT autorizado, a lei condicionar a atribuição de DUAT
definitivo ao cumprimento do plano de exploração proposto, isto é, ao desenvolvimento das
actividades, trabalhos e construções que o requerente se propôs a realizar num determinado
tempo.18 Esta exigência legal tem por objectivo assegurar que a terra cumpra a função econó-
mica e social a que está destinada (produção, habitação, etc.) e evitar a concentração e espe-
culação de terras. Por isso, o não cumprimento do plano de exploração dentro do prazo, quan-
do não justificado, é fundamento bastante para a extinção do DUAT. 19
1.4. Regulamento do Solo Urbano
O Regulamento do Solo Urbano (RSU) é aplicável às áreas de cidade e vila legalmente existen-
tes e nos assentamentos humanos ou aglomerados populacionais organizados por um plano de
urbanização.20
O RSU alargou as formas de aquisição do DUAT previstas na Lei de Terras, tendo definido as
seguintes: deferimento da atribuição;21 sorteio;22 hasta pública;23 e negociação particular.24 Não
estando estas formas de aquisição de DUAT previstas na lei de terras, questiona-se se o RSU
não estará ferido de ilegalidade, especialmente no que concerne à modalidade da hasta pública.
Quanto aos sujeitos, o RSU (artigo 31.º) não faz referência expressa às comunidades locais.
Como afirma Serra (2014), “o resultado não é nada abonatório em relação ao princípio da har-
17 Artigo 14º, nº 2 da Lei de Terras. 18 Artigo 22º da Lei de Terras. 19 Artigo 18º, n° 1 a) da Lei de Terras. 20 O RSU foi aprovado através do Decreto n.º 60/2006, de 26 de Dezembro. 21 Previsto apenas para pessoas jurídicas nacionais. 22 O sorteio é aberto apenas a cidadãos nacionais. Tem por objecto talhões ou parcelas localizadas em zonas de
urbanização básica. 23 A hasta pública tem por objectivo a atribuição de DUAT em talhões ou parcelas localizadas em zonas de urbaniza-
ção completa ou intermédia, destinadas à construção de edifícios para habitação, indústria ou comércio. 24 A negociação particular é realizada entre os órgãos locais do Estado e autárquicos e proponentes de projectos na
área da habitação, indústria e comércio.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
20
monia legislativa que deve caracterizar o ordenamento jurídico moçambicano, criando um tra-
tamento desigual de situações iguais, significando, em termos sucintos, a existência de regimes
diferentes para o solo urbano e para o solo rural. Este aspecto tem contribuído para o agrava-
mento da conflitualidade de terras em solo urbano, especialmente entre os ocupantes despro-
vidos de títulos e novos titulares de DUATS atribuídos pelos conselhos municipais.”25
No entanto, será acertado o entendimento segundo o qual também nos centros urbanos podem
existir comunidades locais. De qualquer modo, sendo a Lei de Terras aplicável, sobrepõe-se ao
regime do RSU. O reconhecimento da existência de comunidades nas zonas urbanas terá im-
plicações quanto ao reconhecimento dos respectivos direitos e à necessidade de proceder a
consultas, nos termos da lei.
Por isso, a aplicação do RSU deverá ser articulada não só com a Lei de Terras, mas também
com a legislação do ordenamento urbano. Nos termos deste Regulamento, a urbanização é um
pré-requisito para a atribuição de DUAT, excepto para o caso das ocupações de boa-fé.26 Estas
deverão ser reconhecidas no âmbito da realização de inquéritos para efeitos de elaboração do
Plano de Pormenor.27 Não sendo possível enquadrar no instrumento de ordenamento territorial
determinada ocupação, o respectivo ocupante tem prioridade na atribuição de novas áreas de
ocupação, para além do direito de receber uma indemnização correspondente às benfeitorias
que tiver edificado.
Infelizmente nos casos de atribuição de terras realizados nas cidades de Maputo e Boane reali-
zados no âmbito do projecto da ponte Maputo-Katembe, não encontramos evidencias de terem
se realizadas consultas ou inquéritos no verdadeiro sentido como forma de assegurar os direi-
tos dos titulares de DUAT das áreas abrangidas pelo projecto.
2. Ordenamento do Território
O ordenamento do território é uma ferramenta vital de organização espacial, salvaguardando
interesses públicos e privados. A protecção do ambiente passa igualmente pela observação de
planos de ordenamento do território, entendido este como um “conjunto de princípios, directi-
vas e regras que visam garantir a organização do espaço nacional através de um processo di-
nâmico, contínuo, flexível e participativo na busca do equilíbrio entre o homem, o meio físico e
os recursos naturais, com vista à promoção do desenvolvimento sustentável.”28
As questões do ordenamento do território mereceram consagração constitucional29, para além
da aprovação de um conjunto relativamente vasto de instrumentos normativos:
▪ Política de Ordenamento Territorial (aprovada pela Resolução n.° 18/97, de 30 de Maio);
▪ Lei do Ordenamento do Território – LOT (aprovada pela Lei n.º 19/2007, de 18 de Ju-
lho);
▪ Regulamento da Lei do Ordenamento do Território (aprovado pelo Decreto n.º 23/2008,
de 1 de Julho);
25 Serra, Carlos (2014), Estado, Pluralismo Jurídico e Recursos Naturais, Escolar Editora, Maputo. 26 Artigos 21º e 29º do RSU. 27 Artigo 10º, nº 5, alínea c) da Lei do Ordenamento do Território e artigo 5º, nº 4 do Regulamento do Solo Urbano. 28 Artigo 1° Lei do Ordenamento do Território. 29 Nos termos do artigo 117°, alínea e) da Constituição, com o fim de garantir o direito ao ambiente no quadro de um
desenvolvimento sustentável, o Estado adopta políticas visando promover o ordenamento do território com vista a
uma correcta localização das actividades e a um desenvolvimento sócio- económico equilibrado.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
21
▪ Regulamento sobre o Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Econó-
micas (aprovado pelo Decreto n.º 31/2012 de 8 de Agosto);
▪ Directiva sobre o Processo de Expropriação para efeitos de Ordenamento Territorial
(aprovada pelo Diploma Ministerial n.º 181/2010, de 3 de Novembro);
▪ Directiva Técnica do Processo de Elaboração e Implementação dos Planos de Reassen-
tamento (aprovada pela Diploma Ministerial n.º 156/2014, de 19 de Setembro); e
▪ Regulamento Interno para o Funcionamento da Comissão Técnica de Acompanhamento
e Supervisão do Processo de Reassentamento (aprovado pelo Diploma Ministerial n.º
155/2014, de 19 de Setembro).
A LOT estabeleceu importantes princípios e objectivos de protecção e salvaguarda dos valores
ambientais, tornando-a essencial para a prossecução do desenvolvimento sustentável do País.
Um dos princípios que se destaca é precisamente o da sustentabilidade e valorização do espa-
ço físico, assegurando a transmissão às futuras gerações de um território e espaço edificado, e
devidamente ordenado.30 Este princípio articula-se de forma directa com o objectivo de preser-
var o equilíbrio ecológico da qualidade e da fertilidade dos solos, da pureza do ar, a defesa dos
ecossistemas e dos habitats frágeis, das florestas, dos recursos hídricos, das zonas ribeirinhas e
da orla marítima, compatibilizando as necessidades imediatas das pessoas e das comunidades
locais com os objectivos de salvaguarda do ambiente.31
A LOT categoriza as intervenções no território a vários níveis, 32 nomeadamente:
• Nacional que define as regras gerais da estratégia do ordenamento do território, as nor-
mas e as directrizes para as acções de ordenamento provincial, distrital e autárquico e
compatibilizam-se as políticas sectoriais de desenvolvimento do território;
▪ Provincial que define as estratégias de ordenamento do território da província, integran-
do-as com as estratégias nacionais de desenvolvimento económico e social e estabele-
cem-se as directrizes para o ordenamento distrital e autárquico;
▪ Distrital onde elaboram-se os planos de ordenamento do território da área do distrito e
os projectos para a sua implementação, reflectindo as necessidades e aspirações das
comunidades locais, integrando-os com as políticas nacionais e de acordo com as direc-
trizes de âmbito nacional e provincial;
▪ Autárquico estabelecem-se os programas, planos, projectos de desenvolvimento e o re-
gime de uso do solo urbano, de acordo com as leis vigentes.
Neste contexto, porque o tipo de intervenção no território depende do nível territorial onde se
pretende ordenar, devem ser adoptados os instrumentos:
▪ Nível nacional: Plano Nacional de Desenvolvimento Territorial; e Planos Especiais de Or-
denamento do Território;
▪ Nível provincial: Planos Provinciais de Desenvolvimento Territorial, de âmbito provincial e
interprovincial;
▪ Nível distrital: Planos Distritais de Uso da Terra, de âmbito distrital e interdistrital;
▪ Nível autárquico: Planos de Estrutura Urbana; Planos Gerais e Parciais de Urbanização; e
Planos de Pormenor.
30 Artigo 4°, a) da LOT. 31 Artigo 5°, n.º 2 d) da LOT. 32 Artigo 9º da LOT.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
22
De uma forma geral estes instrumentos de ordenamento ao nível autárquico visam estabelecer
a organização espacial da totalidade do território do município ou povoação, a estrutura e quali-
ficação do solo urbano, bem como definir com pormenor a tipologia de ocupação de qualquer
área específica do centro urbano.
É importante notar que, em nome da segurança jurídica, a LOT impõe o respeito pelos direitos e
interesses previamente existentes no território, determinando que na elaboração, alteração e
execução dos instrumentos de ordenamento e gestão territorial sejam sempre respeitados os
direitos fundamentais dos cidadãos e as relações jurídicas validamente constituídas.33 Por isso,
garante o direito à ocupação do espaço físico às pessoas e comunidades locais, consideradas
como o elemento mais importante em qualquer intervenção de ordenamento e planeamento do
uso da terra, dos recursos naturais ou do património construído.34 Como corolário, a LOT de-
termina que o ordenamento do território deve respeitar o uso e aproveitamento da terra e dos
recursos naturais nos termos da legislação em vigor.35 Neste contexto, como veremos adiante, é
fundamental a articulação entre ordenamento do território, direitos pré-existentes, expropriação
e definição de uma justa indemnização. Para efeitos do presente capítulo, apenas alertamos
para facto do Regulamento sobre o Processo de Reassentamento Resultante de Actividades
Económicas ser omisso quanto às regras de cálculo de compensação às pessoas desapossa-
das dos seus bens. No entanto, está assente que as populações afectadas têm, no mínimo, o
direito de ver restabelecido o seu nível de vida, do nível de renda bem como do seu padrão de
vida.
Tendo presente os processos de reassentamento analisados no presente relatório, persistem
algumas dificuldades metodológicas, nomeadamente, para aferir os critérios para o cálculo do
valor dos bens, a avaliação de danos emergentes e lucro cessante, a definição de bens intangí-
veis que contam para efeitos de compensação, a determinação do valor de bens intangíveis,
etc.
A LOT também prevê os princípios da participação e da consciencialização dos cidadãos, pres-
crevendo o direito de acesso à informação, e de intervenção nos procedimentos de elaboração,
execução, avaliação, bem como na revisão dos instrumentos de ordenamento territorial.36
A abordagem de direitos foi fortalecida com a consubstanciação da obrigação do Estado e das
Autarquias Locais, por um lado, em promover, orientar, coordenar e monitorar de forma articu-
lada o ordenamento do território; e, por outro lado, o dever de conformar a intervenção ao inte-
resse público e ao respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.37
3. Qualidade do Quadro Institucional
3.1 Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural
O Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER) é um órgão central do
aparelho de Estado que dirige, planifica coordena, controla e assegura a execução das políticas
nos domínios de administração e gestão de Terra, Florestas e Fauna Bravia, Ambiente, Áreas de
Conservação e Desenvolvimento Rural.38 As atribuições do MITADER são, entre outras, as se-
33 Artigo 4°, f) da LOT. 34 Artigo 5°, n.º 2, a) da LOT. 35 Artigo 7°, n.º 1 da LOT. 36 Artigo 4º da LOT. 37 Artigo 7° da LOT. 38 O Estatuto Orgânico do MITADER foi aprovado através da Resolução n.º 6/2015, de 26 de Junho.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
23
guintes: (i) planeamento e ordenamento territorial para o desenvolvimento sustentável do País;
(ii) formulação de propostas de políticas e estratégias de desenvolvimento integrado da terra,
ambiente, áreas de conservação, florestas, fauna bravia e desenvolvimento rural; (iii) a adminis-
tração e gestão da terra; (iv) planeamento, promoção e coordenação do desenvolvimento rural
integrado e sustentável; e (v) garantia, manutenção e desenvolvimento de cooperação na área
da terra, do ambiente, florestas, fauna bravia e desenvolvimento rural.39
Na componente administração e gestão da terra, cabe ao MITADER estabelecer e implementar
as normas e procedimentos para administração, fiscalização e monitoria do uso e aproveita-
mento da terra; e desenvolver um sistema sustentável de cadastro nacional de terras e informa-
ção sobre a terra incluindo os direitos de ocupação de boa-fé e das terras comunitárias.
Já na área do ordenamento territorial, o MITADER é competente para assegurar a elaboração,
implementação e fiscalização dos instrumentos de ordenamento territorial, e elaborar políticas,
legislação e normas para as acções de ordenamento territorial. A integração das questões do
reassentamento no ordenamento territorial, permite ao MITADER desenvolver uma abordagem
mais integrada sobre o planeamento, dado que este pode pressupor a deslocação de popula-
ções. Coerentemente, foi criada no MITADER a Direcção Nacional de Ordenamento Territorial e
Reassentamento cuja função é, entre outras,: (i) propor políticas e legislação pertinentes ao or-
denamento territorial; (ii) estabelecer normas, regulamentos e directrizes para as acções de
ordenamento territorial; (iii) emitir parecer sobre a localização de empreendimentos e projectos
de desenvolvimento de grande vulto; (iv) promover e monitorar a execução dos instrumentos de
gestão territorial a nível nacional, provincial, distrital e das autarquias locais; (v) promover e par-
ticipar nos estudos e projectos de requalificação dos bairros informais; (vi) promover, progra-
mar e realizar acções de capacitação em matérias de ordenamento do território a nível local e
das autarquias locais; (vii) assessorar os órgãos locais na elaboração, implementação, controlo
e gestão do uso e aproveitamento da terra; (viii) avaliar, monitorar e promover boas práticas
relacionadas com aspectos de gestão territorial nas comunidades; (ix) emitir pareceres técnicos
de conformidade sobre os instrumentos de gestão territorial a nível nacional, provincial, distrital
e das autarquias locais; (x) emitir pareceres técnicos sobre processos de atribuição do direito
de uso e aproveitamento da terra para as zonas rurais, povoações, vilas e cidades onde não
hajam instrumentos de gestão territorial aprovados; (xi) promover e conceber programas e pro-
jectos experimentais de demonstração na área do ordenamento territorial; (xii) participar na
definição da divisão territorial do país; e (xiii) desenvolver, coordenar e gerir o sistema nacional
de informação territorial.40
A criação do MITADER trouxe expectativas de melhor articulação entre as diversas áreas de
actividade. Registam-se sinais de uma gradual aproximação entre os subsectores, caminhando-
se para uma visão e gestão integrada dos recursos naturais, harmonizando-se com o planea-
mento territorial. Por exemplo, está em curso o processo de elaboração do Plano Nacional de
Desenvolvimento Territorial (PNDT), cuja aprovação e publicação será uma conquista ímpar
para os esforços de ordenamento nacional. Em paralelo, estão também a ser elaborados alguns
planos provinciais, nomeadamente, de Manica e Sofala.
39 Artigo 2° do Decreto Presidencial n.º 13/2015, de 16 de Março. 40 Artigo 12°, n.º 1, do Estatuto Orgânico do MITADER.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
24
3.2. Autarquias Locais
A Constituição da República consagra os princípios do Estado unitário, da descentralização e de
subsidiariedade, prescrevendo o respeito pela autonomia dos órgãos de governação provincial,
distrital e das autarquias locais.41 A recente revisão constitucional definiu os objectivos da des-
centralização como sendo “organizar a participação dos cidadãos na solução dos problemas
próprios da sua comunidade, promover o desenvolvimento local, o aprofundamento e a conso-
lidação da democracia, no quadro da unidade do Estado Moçambicano.”42
Já a Política e Estratégia de Descentralização afirmava que a descentralização é feita através de
autarquias locais (poder local que compreende a existência de autarquias locais com órgãos
democraticamente eleitos que asseguram a participação dos cidadãos na solução dos proble-
mas próprios da sua comunidade em prol do desenvolvimento local), dos órgãos locais do Es-
tado (que recebem de forma contínua, a cada nível, competências e meios de modo a aproxi-
mar a decisão aos locais de sua aplicação, realizando as suas funções em estreita ligação com
os órgãos representativos das populações, da Administração indirecta do Estado (conjunto de
instituições públicas, dotadas de personalidade jurídica própria, criadas por iniciativa dos órgãos
centrais do Estado para desenvolver a actividade administrativa destinada à realização dos fins
estabelecidos no acto da sua criação) e das instituições de participação e consulta comunitária
(através do reconhecimento e empoderamento das comunidades através da atribuição de direi-
tos e meios crescentes).43
Na senda da revisão constitucional de 2018, foi aprovado o novo quadro jurídico de implantação
das autarquias locais.44 No entanto, para o que nos interessa no presente relatório, nomeada-
mente as atribuições e competências das autarquias locais, na sua essência, o regime perma-
neceu inalterado. Continuam a ter, designadamente, as seguintes atribuições: (i) desenvolvi-
mento económico e social local; (ii) meio ambiente, saneamento básico e qualidade de vida; (iii)
abastecimento público; (iv) saúde; (v) educação; (vi) cultura, tempos livres e desporto; (vi) polí-
cia da autarquia; (vii) e urbanização, construção e habitação.45 Assim, as autarquias têm compe-
tência para intervir nas áreas das infraestruturas (espaços verdes, incluindo jardins e viveiros da
autarquia, rodovias, incluindo passeios; habitação económica, cemitérios públicos; instalações
dos serviços públicos da autarquia; mercados e feiras), saneamento (abastecimento de água,
sistemas de esgotos, recolha e tratamento de lixo e limpeza pública), transportes e comunica-
ção, gestão ambiental (protecção ou recuperação do meio ambiente; florestamento, plantio e
conservação de árvores; estabelecimento de reservas municipais) e cultura, tempos livres e
desporto (casas de cultura, bibliotecas e museus; património cultural, paisagístico e urbanístico
da autarquia; parques de campismo; instalações e equipamentos para a prática desportiva e
recreativa), etc.46
41 Artigo 8°, 1 e 2 da Constituição. 42 Artigo 270° A, 1 da Constituição. 43 A Política e Estratégia de Descentralização, aprovada pelo Decreto n.º 40/2012 de 20 de Dezembro. 44 Lei nº 6/2018, de 3 de Agosto, alterada e revista pela Lei nº 13/2018, de 17 de Dezembro. 45 Artigo 8°, da Lei das Autarquias Locais. 46 Artigo 27° da Lei n° 1/2008, de 16 de Janeiro.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
25
Imagem aérea do reassentamento em Chamissava
Foto: Chico Carneiro
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
26
V. Perfil Territorial, Social e Ambiental dos Município de Maputo e
Boane
1. O Município de Maputo
Maputo é a capital e a maior cidade de Moçambique. É também o principal centro financeiro,
corporativo e mercantil do país. Localiza-se na da Baía de Maputo e faz divisão com o distrito de
Marracuene, a Norte; o município da Matola, a Noroeste e Oeste; o distrito de Boane, a Oeste; e
o distrito de Matutuíne, ao Sul; todos, pertencentes à província de Maputo.
O município tem uma área de cerca de 300 km² e uma população de 1.101.170 habitantes (INE,
2017).47 A área metropolitana (que inclui o município da Matola e os distritos de Boane e Marra-
cuene) tem uma população de 3.158.465 habitantes.
Do ponto de vista administrativo, a cidade de Maputo está dividida em sete distritos municipais,
que se encontram, por sua vez, divididos em bairros e povoações:
▪ Distrito Urbano de KaMpfumo – composto pelos bairros Central A, B e C; Alto Maé A e B;
Malhangalene A e B; Polana Cimento A e B, Coop e Sommerschield;
▪ Distrito Urbano de Nlhamankulu – composto pelos bairros Aeroporto A e B; Xipamanine;
Minkadjuíne; Unidade 7; Chamanculo A, B, C e D; Malanga e Munhuana;
▪ Distrito Urbano de KaMaxaquene – composto pelos bairros Mafalala; Maxaquene A, B, C
e D; Polana Caniço A e B e Urbanização;
▪ Distrito Urbano de KaMavota – composto pelos bairros Mavalane A e B; FPLM; Hulene A
e B; Ferroviário; Laulane; 3 de Fevereiro; Mahotas, Albazine e Costa do Sol;
▪ Distrito Urbano de KaMubukwana – composto pelos bairros Bagamoyo; George Dimitrov
(Benfica); Inhagoia A e B; Jardim, Luís Cabral; Magoanine; Malhazine; Nsalane; 25 de Ju-
nho A e B; e Zimpeto;
▪ Distrito Municipal de KaTembe – composto pelos bairros Gwachene; Chale; Inguice;
Ncassene e Chamissava;
▪ Distrito Municipal de KaNyaka – composto pelos bairros Ingwane; Ribjene e Nhaquene.
KaTembe e KaNyaka apresentam características rurais. São os menos populosos, com 32 248 e
6 095 habitantes, respectivamente. No entanto, o distrito municipal da KaTembe está a registar
uma expansão demográfica considerável e uma tendência para uma urbanização rápida, resul-
tante da implementação do projecto de construção da ponte sobre a Baía de Maputo (e respec-
tiva conclusão, tornando o acesso bem mais fácil) e da aprovação do Plano de Urbanização da
Katembe.
Maputo é a cidade com os melhores indicadores socioeconómicos do país. Para além de ter
taxas de analfabetismo mais baixas, a cidade dispõe de uma rede de infra-estruturas e serviços
como estradas, transporte, comunicações, unidades comerciais (lojas), água e electricidade.
Importa referir que são vários os bairros da cidade de Maputo (especialmente da periferia) onde
predominam ocupações e assentamentos informais. Estes, se não forem devidamente geridos,
pode acarretar problemas ambientais relacionados, entre outros, com a fragilidade ou inexis-
47 Instituto Nacional de Estatísticas (2017). Divulgação dos Resultados Preliminares do IV Recenseamento Geral da
População e Habitação.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
27
tência de saneamento básico, tornando as comunidades mais vulneráveis a epidemias e tam-
bém do ponto de vista da sua segurança.
Tal como em todas as demais urbes do País, o crescimento urbano tem vindo a ser acompa-
nhado por uma pressão cada vez maior sobre as áreas verdes remanescentes na cidade de
Maputo, incluindo zonas de encosta (declive), zonas húmidas e formações de mangal48 (UN-
Habitat, 2007). Este factor contribui não apenas para reduzir a qualidade ambiental e o equilíbrio
ecológico, mas também para aumentar a vulnerabilidade aos fenómenos climáticos extremos,
incluindo cheias e ciclones.
2. O Município de Boane
O Município da vila de Boane foi criado pela Lei nº 11/2013, de 3 de Junho, tendo os respecti-
vos órgãos sido eleitos em 2014. Localiza-se na parte Sudoeste da cidade de Matola, limitado a
Norte pelo Posto Administrativo da Matola-Rio, através das povoações de Xitevele e Macombe,
a Sul pelos rios Movene e Umbelúzi, a Este pelo rio Umbelúzi e a povoação de Beluluane e a
Oeste pelo rio Movene. O Município compreende dois postos administrativos e 33 bairros. É o
maior município do país, com cerca de 600 km². Tem 110 000 habitantes, cuja maior parte con-
centra-se em cinco bairros. Trata-se de um município com características marcadamente rurais.
Apenas um terço da população (concentrada em cinco bairros) vive na zona urbana.
À semelhança do que acontece com a maior parte dos municípios do país, Boane não dispõe
de um instrumento de ordenamento territorial aprovado e publicado. Esta realidade é apontada
pelos próprios gestores do município como uma fragilidade que dificulta a governação.
“O município é novo. Não tem condições financeiras para implementar pro-
gramas de urbanização. É necessário termos uma perspectiva sobre o futuro
da vila. Não temos um plano director que nos indique para onde nos diri-
gimos. Eu penso que, ainda no âmbito da preparação da criação dos municí-
pios, o governo central deveria fazer estudos ou disponibilizar fundos para
que cada município tivesse um plano director. O que acontece que é que ao
respondermos à pressão para a satisfação das necessidades básicas (água,
energia, escolas, transporte, etc.) acabamos por nos perder quanto a pers-
pectiva de futuro. Quando damos conta, já passaram vários anos e fizemos
pouco no que respeita à construção de uma visão futura. Partimos mal, par-
timos sem um plano. Eu gostaria de ter um mapa e visualizar o que seria Bo-
ane daqui a 50 anos. Conceber um plano desses envolve muito dinheiro. Nós
não temos essa disponibilidade orçamental.”49
A indisponibilidade orçamental e a falta de recursos humanos para a realização de estudos e
planos de ordenamento territorial suscita um debate sobre as fontes de receita dos municípios.
Segundo um dos nossos entrevistados, Moçambique deve aprender com as experiências de
outros países que encontram soluções realistas e exequíveis de financiamento dos municípios,
nomeadamente, através de taxas associadas ao turismo, comércio e indústria, para além dos
tradicionais impostos e taxas aprovadas ao nível local. Certo é que a impossibilidade de elabo-
ração de planos de ordenamento traduz-se na dificuldade de gestão do quotidiano da vila, es-
pecialmente no domínio da administração de terras:
48 UN HABITAT (2007), Perfil do Sector Urbano de Moçambique, Nairobi, página 20. 49 Entrevista a Sra. Ana, realizada no dia 29 de Janeiro de 2019.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
28
“Não temos um documento que nos oriente como deve ser ocupado o espaço. Se
formos rebocados pelo dia-a-dia podemos acabar por não conseguir a devida or-
ganização do município. Por estamos próximos da capital, a pressão demográfica é
enorme. Temos neste momento 14 000 pedidos de DUAT. Onde devemos dar
DUAT? Como dar? Não podemos simplesmente repartir a terra e entregar às pes-
soas. Temos que dar com uma visão sobre o futuro. Temos cerca de 100 000 habi-
tantes, mas qualquer dia não teremos mais espaço para dar. As nossas políticas de
ceder a terra e de construção têm que mudar, senão será difícil atender às neces-
sidades dos netos. Já está difícil atender os nossos filhos. Temos que visualizar o
futuro e saber como devemos organizar o nosso município: ter áreas para escolas
e universidades, áreas para habitação, áreas comércio, etc. 50
Mas a relação entre o município e as autoridades comunitárias locais (em particular os secretá-
rios de bairro) é um dos principais desafios no que concerne à transparência na administração
de terras e que pode potenciar conflitos.
Os Secretários de Bairro são uma herança dos grupos dinamizadores. Desde 1979 que passa-
ram a acumular funções político-administrativas com a gestão das comunidades e administra-
ção dos bairros. Não obstante as transformações políticas ocorridas no país (multipartidarismo,
e formalização e regulação do papel das autoridades comunitárias locais), os Secretário de
Bairro continuam a ser associados ao partido Frelimo, a quem respondem directamente, até
porque é aquele partido que os nomeia.
Nos bairros, os secretários continuam a ser um actor importante para o acesso à terra. Contu-
do, a alocação de terras por parte dos secretários de bairro raramente é feita em coordenação
com as estruturas municipais, não respeitando, por isso, os planos de ordenamento (quando
existam) e, não raramente, atribuindo o mesmo espaço a várias pessoas. Como diz Melo
(2015:87; citando o CIP e João Tique), os secretários de bairro e chefes de quarteirão continu-
am a funcionar como distribuidores de terra e, em muitos casos, também como corretores fun-
diários, juntando-se-lhes funcionários municipais e indivíduos que transaccionam e intercediam
a permuta de terra, estabelecendo regras e acordos que legitimam a ocupação do solo segundo
as lógicas de oportunidade do momento e sem plano de urbanização orientador ou desrespei-
tando planos existentes. Por isso, as autoridades municipais reclamam maior clarificação do
papel das autoridades comunitárias locais e da relação que estabelecem com os municípios
e/ou com a administração do distrito.
Por outro lado, os processos de eleição/nomeação/selecção de das autoridades locais parece
estar sujeito a manipulações locais, o que acrescenta uma certa opacidade àquelas estruturas.
O seguinte depoimento é ilustrativo desse problema:
Temos os nossos chefes tradicionais. Depois vieram outros, os cheques de
quarteirão. Esses também nós é que escolhemos. Quem se porta mal, é
substituído. Não ficamos à espera de eleições. Para organizar eleições é
preciso muito tempo.51
50 Entrevista a Sra. Ana, realizada no dia 29 de Janeiro de 2019. 51 Entrevista ao Sr. Carlos realizada no dia 20 de Fevereiro de 2019.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
29
Para além dos problemas de administração de terras, o município de Boane, à semelhança dos
demais municípios, enfrenta constrangimentos orçamentais. A escassez de investimentos públi-
cos (escolas, hospitais, espaços de lazer, etc.) nos municípios próximos de Maputo acabam por
se reflectir nesta cidade que vai absorvendo com dificuldade cada vez maior a demanda por
serviços e equipamentos sociais.
Apesar das limitações, o município de Boane tem apostado no desenvolvimento de projectos
com impacto directo na vida das populações. Por exemplo, não obstante a proximidade em
relação ao rio Umbelúzi e à Estação de Tratamento de Águas, os munícipes de Boane enfrenta-
vam enormes dificuldades de acesso à água. Em 2015, apenas três dos 33 bairros tinha água
canalizada. O distrito dependia basicamente de três pequenos sistemas de abastecimento de
água localizados no Bairro da Massaca, Mahubo, Bairro Paulo Samuel Kankhomba e ainda dos
centros distribuidores da vila sede de Boane e Belo Horizonte. Esta situação foi revertida, não
obstante o facto da dimensão territorial encarecer a canalização. Actualmente todos os bairros
do município dispõem de água canalizada. São também desenvolvidas outras iniciativas cujos
impactos poderão produzir-se a médio ou longo prazo, como é o caso do projecto “Boane, Mu-
nicípio Verde”, no âmbito do qual será plantado um milhão de árvores.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
30
Reassentamento em Tenga
Foto: Chico Carneiro
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
31
VI. Direitos sobre a Terra e Projectos de Desenvolvimento
1. Reconhecimento de DUATs e o Projecto “Maputo-Sul”
Conforme afirmámos nas secções anteriores, em Moçambique, a terra é propriedade do Esta-
do. As pessoas singulares e colectivas podem ser titulares de direitos de uso e aproveitamento
da terra, nos termos previstos na Constituição da República e na lei.52 A Constituição reconhece
os direitos de uso e aproveitamento da terra (DUAT) adquiridos por herança ou ocupação, ex-
cepto se houver uma reserva legal ou se tiverem sido legalmente atribuídos a outra pessoa ou
entidade.53
Conforme vimos ao analisar o quadro legal, o Regulamento do Solo Urbano54 alargou as formas
de aquisição do DUAT previstas na Lei de Terras, tendo definido as seguintes: deferimento da
atribuição; sorteio; hasta pública; e negociação particular. Também vimos que, quanto aos sujei-
tos, o RSU (artigo 31.º) não faz referência expressa às comunidades locais. No entanto, será
acertado o entendimento segundo o qual também nos centros urbanos podem existir comuni-
dades locais. De qualquer modo, sendo a Lei de Terras aplicável, sobrepõe-se ao regime do
RSU. O reconhecimento da existência de comunidades nas zonas urbanas terá implicações
quanto ao reconhecimento dos respectivos direitos e à necessidade de proceder a consultas,
nos termos da lei.
Vimos que na análise e aplicação do regime de acesso à terra urbana, dever-se-á ter presente a
necessidade de articulação entre a legislação de terras e do ordenamento urbano, uma vez que
a urbanização é uma condição necessária para a a atribuição do DUAT, excepto para o caso de
DUATs adquiridos por ocupação.55 Nestes casos, as ocupações são reconhecidas no contexto
da realização de inquéritos para efeitos de elaboração do Plano de Pormenor. Não sendo possí-
vel enquadrar no instrumento de ordenamento territorial determinada ocupação, o respectivo
ocupante tem prioridade na atribuição de novas áreas de ocupação, para além do direito de
receber uma indemnização correspondente às benfeitorias que tiver edificado.
Conforme veremos adiante, este regime tem implicações importantes na questão do reassen-
tamento, especialmente num contexto de crescimento de assentamentos “informais”. Particu-
larmente em Maputo, esses assentamentos têm sido levados a cabo por populações provenien-
tes das zonas rurais e das zonas peri-urbarnas próximas da capital, que procuram beneficiar-se
das estruturas urbanas, equipamentos e serviços sociais, oportunidades de emprego, etc. É
sobretudo na periferia que têm sido implementados alguns projectos de investimento ou requa-
lificação urbana, confrontando-se estes com a existência de direitos sobre a terra prévios, na
maioria dos casos adquiridos por ocupação.
Na verdade, um conjunto de intervenções públicas e privadas contribui para o crescimento da
pressão sobre a terra, com impacto directo sobre as ocupações de terra, sobretudo nos bairros
periféricos. Destacamos as seguintes: a renovação urbana (envolvendo a construção de novos
edifícios, no lugar dos velhos); a construção de empreendimentos imobiliários em áreas deso-
cupadas; o parcelamento e atribuição de talhões; e a qualificação urbana, através da implemen-
52 Artigos 109º e 110º da Constituição. 53 Artigo 111º da Constituição. 54 Artigo 24.º e seguintes do RSU. 55 Artigos 21º e 29º do RSU.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
32
tação ou melhoria de infra-estruturas, da construção de equipamentos e da melhoria do espaço
público (Jorge & Melo, 2014: 55-77).56
É precisamente no âmbito do investimento em infraestruturas e equipamentos urbanos que se
enquadrava o projecto empreendido pela empresa Maputo-Sul.57 A concretização deste em-
preendimento exigiu o reassentamento de algumas comunidades residentes nos bairros da Ma-
langa, Luís Cabral e Gwachene, totalizando aproximadamente 1 200 famílias. Os locais de des-
tino das populações reassentadas foram Mahubo (Distrito de Boane); Tenga (Distrito da Moam-
ba) e Chamissava (Distrito Municipal da Ka Tembe). No entanto, é factual a existência de ocu-
pações anteriores ao projecto de construção da Ponte Maputo-Katembe e da Estrada Circular,
questão que nos remete para o regime de reconhecimento de direitos pré-existentes.
Nas secções precedentes, vimos que a lei afirma expressamente que a ausência de registo não
prejudica o direito de uso e aproveitamento da terra adquirido por ocupação pelas pessoas sin-
gulares e pelas comunidades locais, nem o direito adquirido pelas pessoas singulares que ocu-
pem a terra há, pelo menos, dez anos.58 Consequentemente, é central a distinção entre DUAT e
o título certificativo desse mesmo direito. Às comunidades locais e ocupantes de boa-fé é reco-
nhecida a titularidade do direito (DUAT) independentemente do facto de serem detentores de
um título escrito.
Tanto a Constituição, como a Lei de Terras, não estabelecem qualquer condicionamento ao
reconhecimento do DUAT adquirido por ocupantes de boa-fé. No entanto, para efeitos de titula-
ção - o que, como vimos, é diferente do reconhecimento do direito - exige-se que a ocupação
seja enquadrada nos planos de ordenamento da área.59
O que nos parece importante realçar é que, em virtude desse reconhecimento constitucional,
será sempre necessária a aprovação de um acto ou instrumento jurídico adequado para a ex-
tinção de direitos pré-existentes, ou sua reversão a favor do Estado ou de outra entidade. Preci-
samente por isso se recomenda a publicação de instrumentos de ordenamento territorial, as-
sumindo aqui particular relevância o Plano de Pormenor, dado que este deve ser precedido de
um inquérito com vista a identificar e recensear os ocupantes da zona do plano e identificar a
situação jurídica dos terrenos por eles ocupados.60
Por seu turno, o Artigo 30º do RSU prevê a possibilidade do Estado reverter para si o domínio
directo de terrenos e expropriar as benfeitorias neles existentes, com vista à implementação de
projectos de interesse nacional. No caso da cidade de Maputo, esta forma de “acesso extraor-
dinário à terra”61 deve ser antecedido de uma consulta ao conselho municipal. Além do mais -
igualmente importante - deve ser observado o processo legal da expropriação de bens.
56 Jorge, Sílvia; e Melo, Vanessa (2014). “Processos e dinâmicas de intervenção no espaço peri-urbano: o caso de
Maputo”. Cadernos de Estudos Africanos, Janeiro-Junho de 2014. 27, pp. 55-77. 57 A Empresa de Desenvolvimento de Maputo Sul, E.P. (Maputo Sul) foi criada pelo Decreto nº 31/2010, de 23 de
Agosto (alterado pelo Decreto nº 91/2014, de 31 de Dezembro).
Foi extinta no dia 20 de Fevereiro 2019 pelo Conselho de Ministros. 58 Artigo 14º, nº 2 da Lei de Terras. 59 Artigo 11º, alínea a) do Regulamento do Solo Urbano. 60 Artigo 10º, nº 1 do Regulamento do Solo Urbano. 61 Expressão utilizada na epígrafe do referido artigo 30º.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
33
2. Sobre a Expropriação
Antes de analisarmos o processo de reassentamento, é importante perceber em que medida
foram observadas formalidades legais que fundamentam a extinção de direitos pré-existentes
das famílias, cuja área deu lugar ao projecto da ponte Maputo-Katembe.
De acordo com a Constituição da República, o Estado garante e reconhece o direito de propri-
edade, devendo a expropriação ocorrer apenas com fundamento em necessidade, utilidade ou
interesse públicos, definidos por lei, e mediante o pagamento de uma justa indemnização.62
Nos termos da Lei de Terras, o DUAT pode ser extinto mediante revogação com fundamento
em motivos de interesse público. Essa extinção deve ser precedida do pagamento de justa in-
demnização e/ou compensação.63 Por seu turno, o Regulamento da Lei de Terras estatui que “o
processo de extinção do direito de uso e aproveitamento da terra, por motivo de interesse pú-
blico, será paralelo ao processo de expropriação e é precedido de pagamento de justa indemni-
zação e/ou compensação.”64 De modo semelhante, o Regulamento do Solo Urbano (artigo 30º)
reafirma a prerrogativa que se assiste ao Estado para a reverter para o seu domínio directo os
terrenos e expropriar as benfeitorias neles erguidas, com vista à implementação de projectos de
interesse nacional.
Como o RLT, o RSU condiciona a expropriação ao pagamento de uma justa indemnização. Nos
termos deste diploma legal, a expropriação de prédios urbanos é da iniciativa dos órgãos locais
do Estado e autárquicos. No entanto, os órgãos centrais do Estado também poderão proceder a
expropriações, quando os terrenos se destinem a fins por eles perseguidos.65
A implantação de projectos ou empreendimentos públicos pode ser prevista nos instrumentos
de ordenamento territorial. Nestes casos, dever-se-á proceder ao levantamento da área, parfei-
tos de expropriação por utilidade,66 necessidade67 ou interesse público68, dando direito a paga-
mento de uma indemnização que contemple a perda de bens tangíveis e intangíveis, a ruptura
da coesão social, e a perda de bens de produção.69 A declaração do interesse, necessidade ou
utilidade pública da área a expropriar, emitida pelo Governo, mediante proposta da entidade
competente para aprovar o instrumento de ordenamento territorial e deve ser publicada no Bo-
62 Artigo 82º da Constituição. 63 Artigo 18º, nº 1, alínea b) da Lei de Terras. O DUAT pode extinguir-se também por outros motivos, a saber: pelo
não cumprimento do plano de exploração ou do projecto de investimento, sem motivo justificado, no calendário esta-
belecido na aprovação do pedido, mesmo que as obrigações fiscais estejam a ser cumprida; no termo do prazo ou da
sua renovação; e pela renúncia do titular. 64 Artigo 19º, nº 3 do RLT. 65 Artigo 39º do RSU. 66 Quando tiver como objectivo final a prossecução de finalidades próprias da Administração Pública, enquanto pro-
vedora da segurança do Estado, manutenção da ordem pública e satisfação das necessidades de toda a sociedade
(artigo 68º, nº 4 do RLOT). 67 Quando tiver como objectivo final, propiciar que a Administração Pública possa atender situações de emergência,
originadas por ocorrência ou possibilidade de desastres ou calamidades naturais ou similares (artigo 68º, nº 3 do
RLOT). 68 A expropriação é por interesse público quando tiver como objectivo final a salvaguarda de um interesse comum da
comunidade, podendo ser declarada nos seguintes casos: aquisição de áreas para a implantação de infraestruturas
económicas ou sociais com grande impacto social positivo; preservação dos solos, de cursos e mananciais de águas,
e de áreas ricas em termos de biodiversidade ou de infraestruturas de interesse público ou militares (artigo 68º, nº 2
do RLOT). 69 Artigo 20º da Lei de Ordenamento do Território.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
34
letim da República, tornando-se desse modo vinculativa para todas entidades pessoas e entida-
des públicas e privadas.70
É, portanto, importante realçar a imprescindibilidade de um acto expropriatório para a extinção
de direitos sobre a terra, quer seja para efeitos de ordenamento territorial, ou para a implemen-
tação de determinada actividade económica. Contudo, no caso concreto do projecto Maputo-
Sul a extinção dos DUATs não foi acompanhada de nenhum acto expropriatório. Sendo a ex-
propriação um acto fundacional que legitima as demais fases de intervenção (pagamento de
indemnizações, reassentamentos, etc.), a sua ausência remete a actuação da empresa Maputo-
Sul para uma situação de ilegalidade.
3. Sobre a Indemnização
Independentemente da finalidade a que se destina, a expropriação pressupõe o levantamento
prévio dos bens a expropriar, assim como das condições de vida económicas e sociais da po-
pulação, actividade que relevará para efeitos de pagamento de indemnizações e reassentamen-
to.
É certo que o pedido de declaração do interesse ou utilidade pública deve ser apresentado pela
entidade responsável pela elaboração do instrumento de ordenamento territorial em causa,
acompanhada de provas documentais e das certidões legais relativas ao património a expropri-
ar.71 No entanto, a lei não impede a apresentação de outros elementos de prova sobre a titulari-
dade de direitos. Neste sentido, de modo a se preservar a unidade e coerência do sistema jurí-
dico, é possível a expropriação de DUATs adquiridos por ocupação (ainda que não titulados) e
o consequente pagamento de justa indemnização aos respectivos titulares. O entendimento
contrário significaria recusar toda a matriz constitucional de reconhecimento de direitos sobre a
terra.
O quadro mais completo relativo às indemnizações é-nos fornecido no contexto da
expropriação para efeitos de ordenamento do território. A lei determinada que a expropriação
por interesse, necessidade ou utilidade pública dá lugar ao pagamento de uma justa
indemnização a ser calculada de modo a compensar, entre outras: a perda de bens tangíveis e
intangíveis (vias de comunicação, acessibilidades, etc.); a ruptura da coesão social (aumento da
distância em relação às estruturas sociais e do núcleo familiar habitual); a perda de bens de
produção.72 A mesma lei e os regulamentos que a concretizam prescrevem princípios que nos
ajudam a aferir o sentido de “justa indemnização”:
i) o pagamento pode ser feito em dinheiro ou em espécie. No entanto, a Directiva sobre o
Processo de Expropriação para efeitos de Ordenamento Territorial recomenda que que a
indemnização consista na construção de imóveis de valor equivalente, quando a
expropriação incida sobre edifícios ou construções habitacionais.73 Naturalmente, tendo
em vista a perspectiva de melhoria das condições de vida das pessoas reassentadas,
nada impedirá que sejam construídos imóveis de valor superior;
70 Artigo 69º do RLOT. 71 Artigo 69º, nº 3 do RLOT. 72 Artigo 20º, nº 3 da LOT; e artigo 39º, nº 3 do RSU. 73 Parágrafo 4 da Directiva sobre o Processo de Expropriação para efeitos de Ordenamento Territorial (aprovada
pelo Diploma Ministerial nº 181/2010, de 3 de Novembro).
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
35
ii) o valor da indemnização deverá cobrir, à data do pagamento, não só o valor real e
actual dos bens expropriados, mas também os danos emergentes e os lucros cessante
dos proprietários, decorrentes do despojamento do seu património;74
iii) A fórmula que serve de base ao cálculo da indemnização pela expropriação de imóveis
inclui critérios como tipo de imóvel, localização, idade, valor à data da construção, valor
actual, qualidade da construção, importância do imóvel, etc; e
iv) para o cálculo do valor da compensação pela perda de bens intangíveis e pela ruptura
da coesão social, deve ser aplicado um factor (“y”) que traduz o grau dos danos sofridos e
que deverá variar entre 0 a 20% do valor do imóvel. O valor exacto do factor deverá ser
fixado com base em negociações entre a entidade expropriante e o expropriado.
A proposta inicialmente avançada pela empresa Maputo-Sul consistia no pagamento de uma
indemnização por espécie. Em sede de reunião pública, a empresa comprometera-se a
construir unidades habitacionais (apartamentos) para acolherem famílias reassentadas. A
construção de apartamentos implicaria necessariamente proceder à urbanização da área,
dotando-a de infraestruturas e serviços que proporcionassem uma vida digna às famílias
reassentadas. No entanto, esta proposta foi abandonada, alegadamente devido a problemas
administrativos internos, a dificuldades orçamentais, acrescidos pela pressão para a conclusão
da obra dentro dos prazos.
O fracasso do plano inicial conduziu ao pagamento de indemnizações em dinheiro. Este
processo acarretou um conjunto de problemas que passamos a enumerar:
i) divergências quanto à avaliação dos bens, especialmente no que respeita aos critérios
que mobilizam uma certa subjectividade. Desde logo o próprio conceito de “imóvel para
habitação” conduziu a avaliações divergentes por parte da empresa Maputo-Sul e dos
membros das comunidades reassentadas. Estes últimos tomam como ponto de referência
o uso que fazem dos imóveis e não as características que os mesmos apresentam. Para a
empresa, apenas as construções convencionais foram consideradas casas de habitação;
ii) os valores das indemnizações tiveram por base o “preço de mercado por metro
quadrado” fixado em 2010, data da aprovação da Directiva sobre o Processo de
Expropriação para Efeitos de Ordenamento do Territorial. Entretanto as condições do
mercado sofreram uma alteração drástica em Moçambique. No entanto, devemos ter
presente que, a lei impõe que a indemnização cubra o valor real e actual dos bens
expropriados, à data do pagamento, como também os danos emergentes e os lucros
cessante dos proprietários, decorrentes do seu despojamento.75 Esta questão relaciona-se
também com o ponto que se segue;
iii) distância temporal muito grande entre o censo (levantamento e registo dos bens
existentes) e o pagamento efectivo das indemnizações. Devemos ter presente que, nos
termos do Regulamento da Lei de Ordenamento Territorial, havendo um acto de
expropriação, o documento notificatório deverá, entre outros, indicar as modalidades e
prazos de pagamento das indemnizações, assim como o prazo para tomada de posse dos
bens expropriados.76 O censo foi realizado em 2012, tendo os pagamentos das
indemnizações sido feito em 2016. Por um lado, é compreensível que nesse intervalo
algumas famílias tivessem realizado investimentos ou reparações nos respectivos imóveis,
mesmo que tivessem sido aconselhadas a não fazê-lo. Por outro lado, é do conhecimento
geral que o preço dos bens tem vindo a subir de forma acentuada em Moçambique.
74 Artigo 70º, nº 3 do Regulamento da Lei do Ordenamento Territorial. 75 Artigo 70.º, nº 3 do RLOT. 76 Artigo 71º, nº 3 do RLOT.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
36
Significa que o valor real das indemnizações recebidas será inferior ao que seria
expectável na data do censo (ano 2012), sendo, assim, contrariada a Directiva sobre o
Processo de Expropriação para Efeitos de Ordenamento do Territorial, nos termos da
qual, a actualização da indemnização abrange também o período entre a data da data da
decisão que fixar definitivamente a indemnização e a data do efectivo pagamento.77
iv) no caso de reassentamento resultante da implantação de actividades económicas, a
população directamente tem afectada tem direito a ser transportada, juntamente com os
seus bens, para os novos locais de residência, assim como viver num espaço infra-
estruturado com equipamentos sociais.78 Todavia, as famílias assumiram as despesas de
transporte, os custos associados com o desbravamento, limpeza dos terrenos, compra de
água para consumo e para construção, etc., reduzindo-se, deste modo, o valor efectivo da
indemnização. Estas componentes não fizeram parte do pacote de indeminização,
motivando actualmente uma das reivindicações dos reassentados, como veremos;
v) conforme vimos, o valor exacto da compensação pela perda de bens intangíveis e pela
ruptura da coesão social deve ser fixado com base em negociações entre a entidade
expropriante e o expropriado. No entanto, não temos conhecimento de ter ocorrido algum
processo de negociação nesse sentido;
vi) resposta tardia das reclamações (pedidos de revisão do valor das indemnizações)
fazendo com que alguns moradores do bairro da Malanga continuassem a viver no local,
mesmo decorrendo as demolições das casas vizinhas. Esses moradores passaram a viver
no meio de escombros, em situações mais precárias.
Parece-nos claro que o pagamento de indemnizações foi problemático, não tendo sido
observados os procedimentos previstos na lei. O pagamento por espécie poderia teria
conferido maior dignidade às famílias, uma vez que o fornecimento de uma habitação condigna
contribuiria substancialmente para a melhoria das suas condições de vida. Contudo, como foi
explicado pela direcção da empresa Maputo-Sul, os valores inscritos no Orçamento do Estado
para o reassentamento não foram utilizados “simplesmente porque não foram criadas as
condições para que fossem construídos os condomínios” (José e Manuel, 2016).79
4. Sobre o Reassentamento
O reassentamento é definido por lei como sendo a deslocação ou transferência da população
afectada de um ponto do território nacional para outro, acompanhada da restauração ou criação
de condições iguais ou superiores às que tinham.80 Trata-se, portanto, de um processo de reco-
locação da chamada “população afectada”, isto é, das pessoas que vivem na área abrangida
por uma determinada actividade pública ou privada que seja susceptível de provocar a sua des-
locação, observando o princípio da coesão social.
A aprovação dos planos de reassentamento é da competência do Governo do Distrito, devendo
ser precedida da emissão de parecer favorável por parte do sector superintendente da área do
ordenamento territorial (actualmente, o MITADER), ouvidos os sectores da agricultura, adminis-
77 Parágrafo 4.2. 78 Artigo 10º do Decreto nº 31/2012, de 8 de Agosto. 79 Entrevista concedida em sede do trabalho de auditoria jurídica ao processo de reassentamento provado pela cons-
trução da ponte Maputo-Katembe, em 2016. 80 Definição do Regulamento do Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas (aprovado pelo
Decreto nº 31/2012 de 8 de Agosto).
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
37
tração local e obras públicas e habitação.81 No entanto, caberia ao proponente da actividade (no
caso concreto à empresa Maputo-Sul) a responsabilidade de elaborar e implementar o plano de
reassentamento, assim como de suportar os encargos resultantes do processo. É importante ter
presente que a aprovação do plano de reassentamento deve anteceder a emissão de licença
ambiental, sendo aquele parte integrante do Processo de Avaliação Ambiental.82
5. Sobre a Participação
A participação é um dos princípios estruturantes do regime do reassentamento. A participação
pública deve ser garantida ao longo de todo o processo de elaboração e implementação dos
planos de reassentamento. A lei prevê dois mecanismos de participação, nomeadamente, a
consulta e a audiência públicas. A consulta pública é destinada à análise das dimensões locais
das estratégias de desenvolvimento territorial, de coordenação a nível nacional, para compatibi-
lização das estratégias e avaliação da sua adequação à evolução da realidade. As audiências
públicas são dirigidas às partes interessadas e afectadas, para que estas possam exprimir a sua
opinião em relação a propostas que sido ou venham a ser tomadas relativamente a determina-
dos projectos.
As actas resultantes das audiências e consultas públicas fazem parte do plano de reassenta-
mento, devendo ser previamente aprovadas pela administração. O deferimento ou indeferimen-
to das conclusões e recomendações das actas devem ser justificados, mediante parecer do
MITADER.83
A participação é um corolário do direito à informação, sem o qual não é possível assegurar uma
participação efectiva. As partes interessadas e afectadas têm direito à informação sobre os con-
teúdos dos estudos referentes ao processo de reassentamento. Por outro lado, as entidades
responsáveis pela elaboração do plano de reassentamento devem divulgar as principais com-
ponentes do plano em questão através dos meios de informação e facultar toda a documenta-
ção relevante para consulta pelos interessados.84
Não tivemos acesso a documentação que evidencie o cumprimento cabal das obrigações refe-
rentes à informação e participação por parte da empresa Maputo-Sul, particularmente no que
respeita ao projecto da ponte Maputo-KaTembe. Da informação recolhida, constatamos que
foram realizadas duas consultas públicas, nomeadamente, nos dias 20 e 27 de Setembro de
2014. Contudo, as actas não estão disponíveis ao público, ainda que a página da internet da
empresa Maputo-Sul tenha uma ligação para as mesmas.
Como se pode ver, a participação não se reduz, pois, ao mero “direito de opinião”, mas em
proporcionar a todos interessados a possibilidade de intervenção activa no processo do reas-
sentamento. Por isso, a preocupação em assegurar uma participação ampla nos processos de
reassentamento, também se reflecte na composição e funções da Comissão Técnica de Acom-
panhamento e Supervisão do Reassentamento, como ser verá na secção seguinte.
81 Artigo 9º e 11º, alínea b) do Regulamento do Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas. 82 Artigo 15º do Regulamento do Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas. 83 Artigo 13º do Regulamento do Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas. 84 Artigo 14 do Decreto nº 31/2012, de 8 de Agosto.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
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5.1 Principais Intervenientes
5.1.1 Comissão Técnica de Acompanhamento e Supervisão do Reassentamento
O processo de reassentamento requer a existência de uma Comissão Técnica de Acompanha-
mento e Supervisão. A Comissão tem uma composição alargada, multisectorial, de modo a pro-
porcionar uma abordagem holística do processo de reassentamento.
Integram a Comissão os seguintes sectores:
▪ dois membros do sector do ordenamento territorial;
▪ um membro do sector da administração local;
▪ um membro do sector de obras públicas e habitação;
▪ um membro do sector de agricultura;
▪ um membro do governo provincial;
▪ um membro do governo distrital.
Podem, ainda, ser convidados a participarem nas sessões da comissão representantes de ou-
tros sectores, especialistas e indivíduos de reconhecido mérito, sempre que a natureza do tra-
balho o justifique. Participam, ainda, no processo de reassentamento os seguintes actores:
▪ cinco representantes da população afectada;
▪ um representante da sociedade civil;
▪ três líderes comunitários; e
▪ dois representantes do sector privado.
A Comissão, para além da mobilização, sensibilização da população, consciencialização sobre
os direitos e obrigações, cumpre funções de fiscalização do processo, podendo inclusivamente
comunicar às autoridades competentes as irregularidades detectadas no processo de reassen-
tamento.85 Cumpre, ainda, à Comissão supervisionar e dar recomendações metodológicas so-
bre todo o processo de reassentamento, emitir parecer técnico sobre os planos de reassenta-
mento, e elaborar relatórios de monitoria e avaliação do processo de reassentamento.86
A Comissão toma deliberações vinculativas e tem a obrigação de submeter relatórios técnicos
trimestrais ao Ministro que superintende a área do ordenamento do território (actualmente o
MITADER).87
Sem prejuízo das funções exercidas colectivamente, cada membro da Comissão Técnica tem
responsabilidade específicas relacionadas com área de actividade que representa. Destacamos
o governo distrital que, para além de garantir a disponibilização de espaços para o reassenta-
mento da população afectada e a regularização da ocupação de terras, e disponibilizar espaços
para a prática de actividades de subsistência.88
85 Artigo 8º do Regulamento do Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas. 86 Artigos 6º e 7º do Regulamento do Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económi-
cas. 87 Diploma Ministerial no 155/2014, de 29 de Setembro (que aprova o Regulamento da Comissão Técnica). 88 Artigo 12º do Regulamento do Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
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5.1.2 O Proponente do Projecto O proponente do projecto que fundamente o reassentamento é responsável pela elaboração e
implementação do plano de reassentamento, assumindo os respectivos encargos financeiros.89
Para o efeito, deve participar, sempre que convocado, nas reuniões da Comissão Técnica de
Acompanhamento e Supervisão e observar as recomendações por esta emitidas.
Significa que, não obstante existirem entidades de acompanhamento e fiscalização, o sucesso
do reassentamento depende sobretudo do proponente do projecto, nomeadamente, do seu
interesse em assegurar a participação de todos actores, e de respeitar estritamente a lei.
5.2. O Plano e Modelo de Reassentamento A elaboração do plano de reassentamento obedece três fases complementares, nomeadamen-
te, colecta e análise de dados físicos e sócio-económicos, preparação do plano de reassenta-
mento, e elaboração do plano de acção da implementação do projecto de reassentamento.
Quanto ao levantamento de dados sócio-económicos, realçamos a necessidade de quantifica-
ção das famílias afectadas e seu perfil socioeconómico, tomando em consideração a situação
actual da população afectada, a organização social e estrutura de liderança da comunidade em
que estão inseridos, os grupos vulneráveis, características das famílias (incluindo a descrição da
organização do sistema de produção e dos modos de vida). Significa recolher informação sobre
os níveis de produção e de rendimentos obtidos nas actividades económicas formais e infor-
mais, os padrões de vida, a dimensão das perdas totais ou parciais esperadas, as formas de
acesso à terra e serviços públicos, o número dos agregados familiares, as relações familiares e
os vínculos sociais existentes; etc. Este levantamento é vital para permitir uma a continuidade
de actividades e/ou para definir programas alternativos de geração de renda nos locais de reas-
sentamento, assim como para a (re)composição das relações sociais.
O Plano de Reassentamento equipara-se ao Plano de Pormenor definido nos termos da legisla-
ção de ordenamento territorial.90 Deste modo o Plano de Reassentamento deverá integrar os
seguintes elementos:91
▪ relatório que fundamenta a solução urbana adoptada e explicita a observância das
regras estabelecidas pelos Planos Gerais e/ou Parciais de urbanização para a sua
área de intervenção;
▪ definição de regras e normas de ocupação do solo;
▪ planta de implantação da área do Plano de Reassentamento;
▪ plantas, perfis e secções e todos outros desenhos de pormenor, com todas as indica-
ções gráficas e escritas necessárias à completa compreensão das intenções do plano
e suficientemente pormenorizadas, em todos os aspectos técnicos e dimensionais,
para evitar qualquer ambiguidade na sua interpretação; e
▪ programa de acções necessárias para a execução do plano, estimativas orçamentais
e plano de financiamento para a sua materialização.
Nos termos da lei, o reassentamento deve ser feito numa parcela habitacional e infra-
estuturada, construída com material convencional e de acordo com o projecto aprovado, que
89 Artigo 11º do Regulamento do Regulamento sobre o Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Eco-
nómicas. 90 Artigo 15, no 3 do Regulamento do Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas. 91 Nos termos do artigo do Regulamento da Lei do Ordenamento do Território.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
40
deve obedecer às características sociais e culturais do local de reassentamento. O processo de
reassentamento deve ser acompanhado pela implantação de vias de acesso, sistemas de abas-
tecimento de água, saneamento do meio, electrificação, postos de saúde, posto policial, esco-
las, locais de lazer, de prática de desporto, de culto, etc., para além de procurar assegurar a
continuidade de actividades de subsistência ou a introdução de programas de geração de ren-
da.92
5.3. Considerações sobre o Reassentamento no Âmbito do Projecto de Construção
da Ponte Maputo-KaTembe
Não tivemos acesso ao qualquer plano de reassentamento, nem outra documentação relevante,
não estando por isso em condições de avaliar se efectivamente os procedimentos prescritos
por lei foram observados por parte da empresa Maputo-Sul.93 Tratando-se de documentos pú-
blicos, o facto de não nos terem sido disponibilizados põe em causa o direito fundamental à
informação. Em primeiro lugar, pelo que foi possível apurar, nem todos as entidades previstas
na lei estiveram representadas na Comissão Técnica de Acompanhamento e Supervisão do
Reassentamento no âmbito da implementação do projecto da Ponte Maputo-KaTembe. Não
intervindo no processo de reassentamento, resulta que estará condicionado (ou mesmo impos-
sibilitado) o cumprimento de algumas funções adstritas àquela Comissão.
Como vimos, a empresa Maputo-Sul optou pelo pagamento de indemnizações em dinheiro, em
detrimento do pagamento por espécie que implicaria implantar infra-estruturas urbanas e soci-
ais nos locais de destino das comunidades reassentadas. Esta opção trouxe consequências
negativas ao processo de reassentamento, vendo-se as famílias, pelo menos numa fase inicial,
obrigadas a abrir vias de acesso, desbravar terrenos, retirar os troncos, etc. Ademais, os locais
de destino não dispunham de água canalizada (ou poços/furos de água), nem de corrente eléc-
trica, o que obrigou as famílias reassentadas a comprarem água (para consumo e para constru-
ção das suas residências) a preços exorbitantes. Paralelamente, faltam nos locais de reassen-
tamento um conjunto de serviços públicos, nomeadamente escolas, hospitais, polícia e trans-
portes. Por exemplo, existindo entre os membros das comunidades reassentadas estudantes de
liceu, do ensino técnico e universitário, debatiam-se com a questão de saber como garantir a
continuidade dos estudos. O caso de F. é exemplar.
“A escola é lá na estrada lá. Mesmo apanhando chapa, é longe. Por
exemplo, o meu filho entra às 6:45 horas. Ele está na sétima classe. A
outra menina está na décima, na escola secundaria. Aqui não há escola
Secundária, também não tem sétima classe. Tenho que tirar dinheiro to-
das semanas enquanto eu aqui sou mãe e pai ao mesmo tempo. Não
trabalho, não faço nada. Lá em Gwachene o meu trabalho era de fazer
tranças às pessoas. Eu tinha os meus clientes que vinham trançar. Aqui
demorei para apanhar energia. Passámos um ano sem energia.”94
Alguns chefes de família viram-se constrangidas a distribuir os filhos (ou outros dependentes)
por familiares ou amigos que vivam na cidade de Maputo ou próximo dela.
92 Artigo 16º do Regulamento do Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas. 93 Os documentos foram solicitados no contexto da entrevista realizada à direcção da empresa Maputo, no dia 8 de
Setembro de 2016 aquando da auditoria jurídica realizada por José et al. (2017). Para a elaboração do presente rela-
tório, foi requerida uma nova entrevista que não nos foi concedida. 94 Excerto de entrevista a F., realizada em Chamissava-KaTembe no dia 08 de Agosto de 2016 por Lino Manuel.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
41
Mas para algumas famílias a questão não era precisamente a falta de escola em si, mas o facto
de não ter sido devidamente articulado o reassentamento com o calendário escolar:
“Um dos meus filhos sai de casa às 4.30 da manhã para a paragem dos
“chapas” para apanhar o primeiro barco. Quando chega a outra mar-
gem, o dinheiro já não é suficiente para apanhar outro “chapa” ate à es-
cola. Tem que fazer a distância a pé. No regresso paga 5 Meticais para
atravessar até KaTembe e da KaTembe paga mais 9 Meticais para che-
gar a casa. Portanto a escola é um grande problema. Já canalizámos es-
ta preocupação e disseram que depois das provas que estão a fazer se-
rão atribuídas as notas semestrais e só depois poderão ser transferidos
para KaTembe. A Escola aqui já confirmou existirem vagas para receber
os reassentados.”95
Problema semelhante colocava-se em relação às pessoas que prestavam trabalho dependente
na cidade de Maputo ou que aqui desenvolviam alguma outra actividade económica. Essas pes-
soas viram-se privadas das respectivas fontes de rendimento, sem que a empresa Maputo Sul
tivesse criado ou fomentado actividades alternativas de geração de renda nos locais de reas-
sentamento. Significa que não foi observado o princípio da manutenção ou melhoria da renda,
sendo, deste modo, violado um dos direitos elementares assistidos às populações reassenta-
das.96
À semelhança dos reassentados, as comunidades acolhedoras (de Tenga e Chamissava) en-
frentaram problemas associados ao processo de reassentamento:
▪ agravamento de conflitos de terra (especialmente em Tenga onde já se registavam al-
guns conflitos);
▪ ocupação de terras pertencentes às comunidades locais, destinadas à agricultura e re-
colha de recursos florestais (em Chamissava);
▪ reivindicação, por parte das comunidades acolhedoras, de alguns benefícios ou serviços
que, entretanto, foram chegando para as famílias reassentadas (água canalizada em
Tenga, por exemplo);
▪ incumprimento (ou cumprimento parcial) por parte da empresa Maputo Sul da contra-
partida solicitada pelas comunidades acolhedoras - construção de uma estrada que li-
gue o Posto Administrativo à uma estrada principal - em troca da cedência de terrenos a
favor das famílias reassentadas;
▪ colocação de famílias em terrenos próximos de lugares sagrados (cemitérios), facto que,
de acordo com os quadros culturais dos entrevistados, deixa intranquilos os moradores
do bairro de Chamissava.
No que respeita às expectativas das comunidades acolhedoras, vejamos o seguinte depoimen-
to:
“Nós não fomos invadidos. Fomos reunidos e informados que haverá
necessidade de utilizar determinadas áreas para reassentar pessoas. A
pergunta que fizemos foi “qual é o nosso benefício?”. O governo e a
empresa Maputo Sul disseram que nós deveríamos dizer o que quere-
95 Excerto de entrevista a Sra. Gersonia. realizada em Chamissava-Ka Tembe no dia 8 de Agosto de 2016 por Lino
Manuel. 96 Artigo 10º do Regulamento do Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas.
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42
mos. Pedimos estradas, energia e água. Disseram que iam abrir seis es-
tradas, mas até aqui só abriram duas, mas a segunda só ficou a meio. A
estrada deveria vir da Matola-Gare até Tenga. Não temos energia, nem
água.”97
Em relação às questões apresentadas pelas comunidades acolhedoras de Tenga, os Serviços
Distritais de Planeamento e Infraestruturas de Moamba teceu alguns esclarecimentos:
“As pessoas foram reassentadas em terrenos que tinham DUAT. Entrá-
mos em contacto com o titular do DUAT para negociar a cedência de
parte dos terrenos (…). Mas no local houve vários parcelamentos. Houve
“parcelamento” feitos pelos Secretários de Bairro, e outros feito um se-
nhor Z. que também vendeu terra. Havia parcelas com dois ou três do-
nos. Tivemos que negociar. (…) Quanto à tubagem de água, a popula-
ção estragou essa tubagem e disseram que eles próprios iam meter
água até as suas residências. (…) A comunidade acolhedora não está
abrangida pela energia eléctrica porque os seus terrenos ainda não fo-
ram parcelados.”98
Não sabemos até que ponto os problemas e constrangimentos aqui elencados poderão ter con-
tribuído para a não atribuição da licença ambiental à empresa Maputo-Sul. O que parece ser
factual é que a empresa apresentou o plano de reassentamento e outros documentos ao MITA-
DER, mas que não recebeu qualquer resposta por parte daquele organismo licenciador. Signifi-
ca que, efectivamente, a empresa Maputo-Sul iniciou e terminou o projecto de construção da
ponte Maputo-KaTembe, e levou a cabo o processo de reassentamento que lhe é associado,
sem que lhe tivesse sido emitida a licença ambiental.
5.3.1. A Persistência dos Problemas? Passados pouco mais de dois anos desde a constatação dos problemas acima identificados e
reportados por José e Manuel (2016), voltámos aos bairros de reassentamento das comunida-
des da Malanga, Luís Cabral e Gwachene para perceber em que medida os problemas identifi-
cados na secção anterior terão sido ultrapassados. Esse retorno implicou contactar as autorida-
des municipais e as estruturas administrativas locais.
a) A Opinião das Autoridades Municipais e Administrativas
No caso do município de Boane, a opinião dos respectivos responsáveis é que, antes de tudo, a
construção da ponte e reabilitação da estrada trouxe benefícios para a vila de Boane, na medida
que contribuiu para o aumento de investimentos e consequente criação postos de trabalho.
“Nós participámos no projecto da ponte desde a primeira hora. A ponte foi uma
mais-valia para o município de Boane. Foram criados postos de trabalho, surgi-
97 Opinião de V. expressa na mesa redonda realizada no dia 18 de Outubro de 2016 realizada em Maputo, no contex-
to da auditoria jurídica ao processo de reassentamento no âmbito da construção da ponte Maputo-Katembeonde?
Em que contexto?. 98 M. Mesa Redonda de 18 de Outubro de 2016.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
43
ram alguns investimentos, os negócios fluem com maior facilidade porque bene-
ficiamos da estrada.”99
Para os mesmos interlocutores, a experiência de reassentamento levada a cabo pela Maputo-
Sul terá sido exemplar, um modelo a seguir noutros processos semelhantes, dado o envolvi-
mento das populações e pelo facto destas terem beneficiado de melhores condições de habita-
ção.
“Este reassentamento pode servir de exemplo. A Maputo-Sul deu toda atenção.
As pessoas estão felizes, estão tranquilas porque ganharam um espaço, ganha-
ram um talhão. De onde vinham, muitos deles não tinham esse espaço. Agora
têm espaço de 20x30 metros. Podem começar uma vida com uma perspectiva
de futuro mais sólida. Embora estejam conscientes de que têm que construir,
têm que se fixar, vê-se no olhar das pessoas que agora têm um endereço digno,
podem convidar a família porque têm luz e água. Nós próprios que estávamos
muito apreensivos, está-se a criar projectos para que não tenham que ir para
Maputo trabalhar. Maputo-Sul iniciou projectos de agricultura e vários outros pro-
jectos que a Maputo-Sul está a cuidar”.
Questionado sobre a questão da distância entre o local de residência e de trabalho, o mesmo
interlocutor assegura que as comunidades reassentadas “percebem que é uma situação transi-
tória”.
Apesar deste optimismo, quando interpelado em relação à melhoria das condições de vida dos
reassentados, o balanço tende a ser mais realista:
“Mas temos que dar continuidade, temos que ter escolas, temos que ter hospi-
tais, etc. Quando as pessoas se transferirem, de uma vez por todas, com todo o
seu agregado, vamos ter défice de salas de aulas, hospitais. Foi esta a cautelar
que procurámos ter com a Maputo-Sul. São cem famílias, mas serão cerca de
quinhentas pessoas. Os centros de saúde vão sofrer alguma sobrecarga, as es-
colas também. Estamos com sorte porque há famílias que ainda não ocuparam
os seus espaços.”
A opinião das autoridades administrativas locais também é, de certo modo, positiva, a começar
pelo processo de cedência de terras que, para o nosso entrevistado, foi motivado por um espíri-
to de solidariedade para com os concidadãos moçambicanos.
“As terras aqui pertenciam ao régulo. O governo pediu que socorrêssemos os nos-
sos irmãos que estão a sofrer. Antes de cedermos a terra, os anciãos tiveram que
concordar. Os talhões não foram comprados. Por isso não permitidos que sejam
vendidos. Nós os anciãos é que tomámos essa decisão.”100
O estabelecimento e controle das regras locais passa pela nomeação de chefes de quarteirão
que juntam ao grupo de anciãos do regulado na administração do bairro.
Embora as autoridades locais lamentem a tardia instalação de água e energia eléctrica, conside-
ram que o projecto da Maputo-Sul foi benéfico. Contudo, apontam para o facto de não terem
ainda no bairro um hospital, nem uma escola, embora afirmem ter reservado terrenos para
99 Entrevista ao Presidente do Conselho Autárquico de Boane, realizada no dia 29 de Janeiro. 100 Entrevista a um ancião realizada no dia 20 de Fevereiro de 2019.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
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construção. Outra preocupação que nos foi apresentada é o facto de não terem ainda sido dis-
ponibilizados espaços para a prática de agricultura e não terem sido criadas alternativas de em-
prego no distrito.
b) A Opinião dos Reassentados
Para os reassentados, a avaliação da situação actual, implica que a mesma seja devidamente
contextualizada, recuperando a memória do processo de reassentamento, desde logo as difi-
culdades enfrentadas durante o período de transição para os nossos bairros, pelo facto destes
não apresentar condições mínimas de habitabilidade ou simplesmente porque os terrenos não
estavam preparados para a construção. Este problema foi registado nos três locais de reassen-
tamento, nomeadamente Mahubo, Tenga e Chamissava.
“Para sair de Gwachene foi difícil porque não nos deram terrenos limpos.
Estavam cheios de troncos e de capim. Com o valor que nos deram, pagá-
mos as pessoas que nos ajudaram a limpar os terrenos. O transporte tam-
bém foi pago por nós (...). Eles disseram que quando chegássemos aqui
encontraríamos água e luz porque nós tínhamos isso onde vivíamos. Mas
essa promessa não aconteceu. Tínhamos que comprar água a cerca de 4
Km.101
As pessoas foram tiradas da cidade e colocadas no mato. Do dinheiro que foi pa-
go, tiveram que pagar pelo corte de árvores, remoção dos troncos e limpeza dos
terrenos. Era preciso comprar água para construir a casa. Foi um sofrimento. Fi-
cámos sem energia durante um ano. Não foi fácil. Foi preciso muita luta. Não ha-
via estradas. Mesmo assim, as estradas ainda não estão finalizadas. O Ministro
das Obras Públicas assegurou-nos que a empresa Maputo-Sul ainda vai terminar
as obras. Quando chove aqui é impossível circular, a não ser que tenha um carro
4x4.”102
Na prática, o valor da indemnização foi diluído no suporte de custos que, nos termos da lei, são
da responsabilidade do empreendedor do projecto. Mas à montante deste problema está a
questão da negociação e do pagamento das indemnizações. Os nossos interlocutores confir-
mam o desencontro de expectativas quanto ao valor da indemnização, o que parece ser normal,
face ao posicionamento de cada uma das partes envolvidas. Todavia, mais do que a ausência
de espaços de negociação, o facto da empresa Maputo-Sul impor uma posição de força, levou
com que as famílias fossem coagidas a sujeitarem-se aos termos da indemnização proposta.
“Quando passaram pela segunda vez, disseram que não podiam pagar o
quarto dos meus filhos. Eles não perguntaram quanto vale a minha casa. O
negócio é assim, eu é que tenho que dizer quanto vale a minha casa. Eles
vieram com um documento que dizia que a minha casa é tanto. Discutimos.
Eles estavam com a secretária de bairro. Eu não aceitei assinar. Disse que
tenho esperar, pensar, e só depois é que vou assinar. A senhora da empre-
sa Maputo Sul disse que se eu não assinar o documento não vou apanhar o
dinheiro, nem terreno e que vou perder a casa na mesma. Discutimos. Eu
neguei porque dinheiro a gente pode gastar logo. Quando cheguei na Ma-
101 Entrevista a Sr. Flora, realizada no dia 21 de Fevereiro de 2019. 102 Entrevista ao Sr. Carlos realizada no dia 21 de Fevereiro de 2019.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
45
puto Sul começaram a me complicar de qualquer maneira porque eu ne-
guei assinar. Acabei por aceitar o dinheiro porque era eu sozinha. As mi-
nhas amigas já tinham recebido o dinheiro.”103
Como realçamos acima, o desencontro de expectativas também é produto da distância tempo-
ral que medeia o levantamento (censo) dos bens e o efectivo pagamento das compensações.
Em virtude de passar muito tempo entre as duas etapas, os melhoramentos ou investimentos
que entretanto tivessem sido feitos não foram compensados, ainda que alguns fossem legítimos
ou expectáveis.
“Deram-me cerca 199.000,00 MT. Eu tinha uma casa de 10 chapas, uma
cozinha de 7 chapas, casa de banho, árvores de papaia, banana; e mais
uma casa que era o quarto dos meus filhos. Quando passaram pela primei-
ra vez marcaram as coisas que tinha. Ficaram uns tempos, dois anos, sem
vir de novo. Fiquei a fazer outro para as crianças porque elas cresceram e
já não podiam dormir comigo. Quando vieram, disseram que não podiam
pagar esse novo quarto.”104
Particularmente em relação aos reassentados em Mahubo e Tenga, a Maputo Sul assumiu a
responsabilidade de os compensar pelos custos suportados no corte de árvores e limpeza dos
terrenos. No entanto, em ambas situações nada receberam.
Temos pendentes com a Maputo-Sul em relação ao dinheiro dos troncos. Foi
preciso contratar pessoas para cortar as árvores, tirar as raízes e limpar os terre-
nos. Pagámos as pessoas do nosso bolso e pedimos o reembolso. Também
pagámos a água que usámos na construção. Recomendaram-nos que fizésse-
mos o pedido por escrito e assim foi. Metemos um documento na Maputo Sul e
até agora não recebemos nada. Aquilo é uma guerra.”105
“Não tínhamos água, não tínhamos ruas, não tínhamos nada. Quem mobilizou as
pessoas para abrirmos as primeiras ruas fui eu e um miúdo chamado Paíto. Fa-
lámos com as pessoas e cada família contribuiu com 200,00 MT, conseguimos
juntar 16.000,00 MT. Falámos com o Secretário de Bairro e informámos que es-
tamos a fazer o trabalho que a Maputo Sul já deveria ter feito há muito tempo.
Disseram que iam nos reembolsar o valor que gastámos, mas não veio nada.”106
Nalguns casos, perante a reivindicação de direitos, a estratégia da Maputo-Sul e das autorida-
des administrativas locais foi tentar cooptar dos reassentados mais activos, para os integrar nas
estruturas do bairro. O Caso de TT é exemplar:
“Quando vieram os da Maputo Sul, nós criámos uma agitação. Mas não era
uma agitação, nós estávamos a nos defender porque estamos a sofrer.
Quando viram como reagimos, votaram-me à força para ser chefe de quar-
teirão. Depois fui nomeado membro da comissão para defender os reas-
sentados de Tenga. O que a Maputo Sul prometeu, nós exigíamos através
103 Entrevista a Sra. Flora realizada no dia 21 de Fevereiro de 2019. 104 Entrevista a Sra. Flora realizada no dia 21 de Fevereiro de 2019. 105 Entrevista Sra. Francisca realizada no dia 21 de fevereiro de 2019. 106 Entrevista ao Sr. Tiago realizada no dia 20 de Fevereiro de 2019.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
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de uma carta. A Maputo Sul chamou-nos e disse que somos da comissão e
por isso não podemos ser assim. Eu vi que é uma mafia, então saí.”107
Passados cerca de dois anos, registam-se melhorias nalguns aspectos, nomeadamente, no for-
necimento de água e energia. No entanto, relativizam esse sucesso.
“Maputo-Sul, de tudo que nos prometeu, o que nos deu foi electrificação e
água. Mesmo na parte da electrificação, não é que tudo está uma maravilha.
Há postes que acendem. Só acedem os candeeiros da via principal. A electri-
ficação não está completa. Até parece que há zonas de elite aqui no bairro.”108
A falta de iluminação nas ruas é um problema comum de Mahubo, Tenga e Chamissava. Parti-
cularmente em Mahubo, os entrevistados também lamentam o facto de se verem privados dos
parcos recursos de que beneficiaram do projecto Maputo-Sul, na circunstância fruto de uma
intervenção de funcionários da Electricidade Moçambique.
“Outro problema é que os homens da EDM vieram aqui roubar os PTs (postos
de transformação). Viram que nós não somos dignos de ter uma boa electrifi-
cação. Quando enfrentam problemas noutros bairros, em vez de pedirem ou
requisitarem um novo PT para esse bairro, vão buscar noutros. Arrancaram-
nos. Tínhamos quatro PTs e levaram dois. Graças à nossa intervenção, fica-
ram esses dois. Se não fosse isso, estaríamos pior.”109
Num contexto de falta de transportes públicos e privados e tendo presente a distância entre os
bairros e as escolas, as crianças são obrigadas a sair de casa muito cedo (antes de amanhecer)
para que possam chegar à escola a tempo. Não havendo iluminação nas vias públicas, os mo-
radores dos bairros, especialmente as crianças com idade escolar, tornam-se mais vulneráveis
ao crime. Em regra, só há oferta de classes mais altas na sede do município, do Posto adminis-
trativo ou do distrito. Em Chamissava, embora não precisem de ir para a cidade de Maputo, a
escola secundária e a escola comercial situam-se a mais de 10 km do lugar de reassentamento.
Quanto à água, a primeira dificuldade que colocam é em relação ao custo, em virtude do preço
ter subido de 80 (com direito a 280 litros por mês) para 250,00 MT (com direito a 200 litros de
água por mês). O pagamento não depende do consumo. A taxa de 250,00 MT é aplicável inde-
pendentemente do consumo. Para além de considerarem alto o valor, alertam para possíveis
situações de injustiça em relação às famílias cujo consumo é muito baixo. Em Chamissava e
Tenga os preços da água também são considerados muito altos. Aliás, durante o trabalho de
investigação os habitantes de Chamissava protestaram junto da empresa de distribuição de
água porque, alegadamente, as facturas que receberam (que oscilam entre 750,00 MT e
1000,00 MT) não reflectem o consumo (sendo que este foi interrompido por duas semanas).
Em segundo lugar, até ao momento a água é captada nas fontenárias instaladas no bairro. A
ligação da canalização às casas, está dependente da assinatura de um contrato com a empresa
de distribuição de água, nos termos do qual cada ligação é condicionada ao pagamento de
5.000,00 MT, valor de que não dispõe a maioria dos residentes do bairro. Estes entendem que a
imposição do pagamento é injusta, dado que toda a canalização foi instalada pela empresa Ma-
puto-Sul.
107 Entrevista ao Sr. Tiago realizada no dia 20 de Fevereiro de 2019. 108 Entrevista ao Sr. Jaime realizada no dia 21 de Fevereiro de 2019. 109 Entrevista ao Sr. Mauro realizada no dia 21 de Fevereiro de 2019 .
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
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Para além dos preços serem considerados altos, tanto em Mahubo, como em Tenga e Chamis-
sava, são frequentes de água por várias semanas. Os problemas de fornecimento derivam de
alegados problemas de gestão da empresa de fornecimento de água. Os entrevistados são
unânimes na opinião de que o serviço seria melhor e mais barato se fosse assegurado pelo
Fundo de Investimento e Património do Abastecimento de Água (FIPAG).
A questão do trabalho, entendida como sendo de extrema importância, é focada de forma re-
corrente por todos entrevistados. Ao contrário do que nos informara um membro do Conselho
Municipal de Boane, não está em curso nenhuma iniciativa de criação de postos de trabalho
que nas zonas de reassentamento. Os membros das comunidades continuam a depender so-
bretudo da escassa oferta de emprego na cidade de Maputo.
Também as comunidades acolhedoras tinham esperanças de verem as suas vidas melhoradas
com o reassentamento. Em Mahubo, por exemplo, foram goradas as expectativas de emprego
das comunidades acolhedoras que cederam terras aos reassentados.
“Aqui vivia gente, antes da chegada do projecto Maputo-Sul. Fazíamos macham-
bas nestas terras. Daqui tirávamos os nossos alimentos e lenha, para além de
termos terras de reserva. Em troca das terras de cultivo, atribuíram-nos um ta-
lhão 20x40.”110
“Uma parte desta terra era a única parte reservada para agricultura. A outra era
para pastagem. Já que levaram as terras, não temos onde recorrer. Só ficamos.
Fazemos machambas dentro do quintal. Para você ter machamba tem que ir para
muito longe, onde tem que ficar lá ou então dormir lá dois dias. É complicado.
Mas mesmo para ter essa terra de cultivo, só com a ajuda de familiares ou ami-
gos que te possam ceder.”111
Privados da prática da agricultura nos moldes em que vinham fazendo, e não existindo
alternativas de emprego ou projectos de geração de renda, o reassentamento representa
um agravamento dos níveis de vida das comunidades acolhedoras. Por outro lado, embo-
ra existindo destinado ao funcionamento do mercado local, os moradores não foram auto-
rizados a ocupar o espaço enquanto não cumprirem as exigências quanto ao modelo de
construção das bancas ou barracas de venda. Para os moradores, essas exigências não
são realistas, dado que ninguém está em condições de cumpri-las. Na prática, significam
recusar uma das possíveis alternativas de emprego às comunidades.
“Temos um espaço para mercado, mas ainda não funciona. Dizem-nos que
devemos construir as nossas próprias barracas. Não tivemos dinheiro nem
para terminar as casas, quanto mais para fazer uma barraca. Eles desenha-
ram um modelo. Querem uma coisa moderna, feita de blocos e rebocada.
Isso é um problema porque a população não trabalha. Não temos sequer
para comer, quanto mais pensar em construir uma barraca. Não há dinhei-
ro.
O mercado seria uma base de sustento para as pessoas. Elas podiam ven-
der qualquer coisa e até esquecer a pobreza. Estamos esquecidos. Só o
110 Entrevista a Sra. Francisca realizada no dia 21 de Fevereiro de 2019. 111 Entrevista ao Sr. Mauro realizada no dia 21 de Fevereiro de 2019.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
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mercado seria um passo para resolver a questão do emprego. Cada um ia
se ajeitar do seu jeito. Assim como estamos temos que depender da cida-
de. Se quer comprar 1 kg de carapau, tem que andar 2,5 km até à aldeia.”
Em Mahubo sugerem que o governo pondere as exigências em relação ao mercado, permitin-
do, transitoriamente, a construção de qualquer tipo de barraca. Segundo os mesmos, a serem
autorizadas as construções, permitiria arrecadar receitas para que, com o tempo, fossem me-
lhoradas as condições das barracas. Aliás, entendem que podiam inclusivamente arrendar as
barracas a terceiros, podendo esta ser uma fonte alternativa de rendimento. No entanto, estão
também convictos de que a mera construção de barracas não será, por si, suficiente para ala-
vancar a actividade comercial do bairro. Sugerem que aquela medida seja combinada com
conclusão do arruamento do bairro, de modo a permitir melhor circulação interna. Pois, nos
dias de chuva, as ruas são praticamente intransitáveis.
A agravar a falta de emprego, as terras circundantes de Mahubo estão ser tomadas por
pessoas poderosas, o que impede os residentes de as cultivar, mas também de tirar lenha
e outros recursos de que carecem. Esta realidade, coloca-lhes na situação de se trans-
formarem em violadores da lei:
“Toda esta mata já tem dono. São futuras quintas dos “mais-mais”. só para
cortar lenha, você tem problemas, você pode ser preso. Chamam a polícia.
É complicado. Tentamos roubar lenha na mesma porque eles nem sempre
estão aqui. Em alternativa, compramos na estrada.”112
A delapidação de espaços reservados para a construção de serviços públicos não é exclusiva
de Mahubo, estando a correr um fenómeno semelhante em Tenga, onde o espaço houve uma
tentativa de apropriação do espaço que tinha sido reservado para a construção de um hospital.
A propósito de vias e meios de circulação, a falta de transporte é identificada como um dos
constrangimentos para a manutenção dos empregos, especialmente por parte daqueles que
trabalham na cidade de Maputo. Não havendo a garantia de cumprimento de horários, muitas
pessoas acabam por ser despedidas ou por se verem forçadas a abandonar o trabalho. Noutros
casos, onde tal é possível, a estratégia familiar passa por desmembrar a família, tanto por causa
do trabalho, como da escola.
“Eu trabalhava em Maputo numa empresa de electricidade e também fazia
negócios. Em Malanga vivia com a minha família, minha mulher e filhos. Um
dos filhos ficou em Maputo por causa da escola. Ficou com os nossos fami-
liares. O transporte não é fácil. Quando viemos para cá era pior. Precisavas
de 5 horas para chegar à cidade.”113
“A maioria das pessoas estava a trabalhar lá. Para não perder o emprego
as pessoas preferem ficar reféns da cidade, vivem em casa de primos e ou-
tros familiares. Enquanto isso, o terreno fica abandonado aqui. É essa a
guerra.”114
112 Entrevista ao Sr. Mauro realizada no dia 21 de Fevereiro de 2019. 113 Entrevista ao Sr. Silva realizada no dia 21 de Fevereiro de 2019. 114 Entrevista ao Sr. Mauro realizada no dia 21 de Fevereiro de 2019.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
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Em Gwachene eu fazia trabalho de salão (de cabeleireiro). Tenho o meu
material, mas não tenho condições para fazer esse trabalho. Não tenho di-
nheiro de chapa para ir para a Ponte todos os dias. Na Ponte é onde há cli-
entela. Fica difícil porque tenho que dar dinheiro aos meus filhos para irem
à escola, e tenho que lhes dar de comer. Vivo à minha maneira. Ajudo ou-
tras pessoas na machamba (...) Aqui é muito difícil apanhar emprego. Vivo
com os meus filhos, netos e minha irmã. Ela também não trabalha. Toda
despesa está comigo. Não tenho ajuda de ninguém (...) Um dos meus filhos
vivia com a avó na zona da Costa do Sol. Quando veio para aqui, tinha que
pagar a matrícula, mas eu não tinha condições. Estava na 8ª classe, mas
agora não estuda.115
As dificuldades de transporte contribuem igualmente para acentuar a precariedade de acesso a
outros serviços públicos, nomeadamente serviços de saúde, já distantes e funcionamento de
forma limitada.
“Aqui só temos um único posto de saúde que está do lado de lá da estrada,
no Posto Administrativo. Daqui até Mahubo 15 são 25 km. Todos nós de-
pendemos do mesmo posto de saúde que praticamente só tem um enfer-
meiro. Ainda por cima, durante à noite ninguém está lá. Se alguém fica do-
ente, é um problema.”116
Estas questões são encaradas como uma falta de cumprimento das obrigações por parte da
Maputo-Sul e de desrespeito para com a dignidade dos reassentados, mesmo depois da morte.
“O problema do cemitério traz-me muita mágoa. Prefiro que me levem para
outro lugar quando eu morrer. As pessoas que têm terrenos grandes, op-
tam por fazer cemitérios familiares porque não temos alternativa. Maputo-
Sul ter reservado um espaço para o cemitério. À semelhança do que acon-
tece noutros lugares, como no cemitério de Lhanguene, esse espaço devia
ser murado e dividido em duas partes, uma para adultos e outra para crian-
ças. Aqui não. O cemitério está no mato.”117
O descontentamento resvala inclusivamente para questões culturais e desportivas/recreativas,
estas últimas apresentadas sobretudo pelos jovens. Estes apontam para o facto de não existi-
rem nos bairros de reassentamento espaços para a prática de actividades desportivas e recrea-
tivas.
Outro aspecto que constitui causa do descontentamento, relaciona-se com a falta de emprego.
Ao contrário do que afirmou um dos nossos interlocutores do Conselho Municipal, não existe
nenhum projecto de geração de empregos em curso. Por isso, os reassentados mostram-se
cépticos em relação ao futuro.
“Por falar em emprego. Veio uma delegação fazer o levantamento de jovens
de 18 a 35 anos. Foi no ano passado, em Outubro. Disseram que era para par-
115 Entrevista a Sra. Flora realizada no dia 21 de Fevereiro de 2019. 116 Entrevista ao Sr. Mauro realizada no dia 21 de Fevereiro de 2019. 117 Entrevista a Sra. Francisca realizada no dia 21 de Fevereiro de 2019 .
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
50
ticiparmos nuns cursos e que depois da formação íamos trabalhar. Até agora,
aquilo parece uma fachada para nos fazer calar. Nós somos esquecidos.”118
O cepticismo aumentou com o anúncio da extinção da empresa Maputo Sul, não sabendo os
membros das comunidades a que entidade, no futuro, apresentará os problemas ou preocupa-
ções resultantes do processo de reassentamento que não foram ainda resolvidas.
Face o exposto, não haverá melhor balanço que o que é feito pelos próprios reassentados:
“Maputo-Sul disse que cá nós íamos ter escola, escola, hospital, esquadra.
Teríamos mercado digno. Teríamos um campo de futebol porque lá nós
praticávamos futebol e outros desportos. Prometeu nas reuniões. Mas ago-
ra alegam distâncias. Quando nos tiraram de lá não alegaram distância.
Disseram que nós íamos encontrar tudo aqui porque faz parte do reassen-
tamento. O que é reassentamento afinal? Tudo que nós tínhamos lá deverí-
amos encontrar aqui. Isso é que se chama reassentamento. Mas tudo isso
aí...não temos!
(...)
O pai que nos levou para lá devia nos visitar frequentemente para verem
como vivemos. Maputo-Sul nos abandonou. Eles só passam para a Ponta
de Ouro através da estrada nacional, mas não entram aqui. Talvez se tivés-
semos um campo de futebol, poderíamos receber visitas. Desporto é ale-
gria. Se tivemos mercado, também receberíamos visitas. Mas este bairro é
desconhecido. Só vocês é que nos conhecem. A minha recomendação é
que digam à Maputo-Sul “os vossos filhos estão a chorar”. Mesmo as coi-
sas que puseram aqui, como a água. É preciso ver como estão. Eles não
querem saber se as coisas estragam-se ou não. É isso que digo que somos
os abandonados.”119
118 Entrevista a Sr. Jaime realizada no dia 21 de Fevereiro de 2019 . 119 Entrevista a Sr. Jaime realizada no dia 21 de Fevereiro de 2019.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
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Fontenária em Mahubo
Foto: Chico Carneiro
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
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VII. Lições Aprendidas e Conclusões
Os capítulos anteriores permitem-nos tirar um conjunto de ilações sobre a governação de terras
urbanas em Moçambique, tendo como base a cidade de Maputo e o município de Boane, am-
bos atravessados por investimentos em infra-estruturas públicas, dos quais resultou um proces-
so de reassentamento. As ilações são feitas separadamente para cada um dos cinco indicado-
res eleitos para a avaliação da governação ambiental, nomeadamente, especificidades do DUAT
urbano, destacando garantias oferecidas aos titulares e eventuais restrições em comparação
com DUATs rurais; procedimentos e prática de consultas comunitárias na atribuição de DUATs
para investimentos em zonas urbanas; procedimentos seguidos e impactos sobre direitos pré-
existentes na criação de municípios; aspectos institucionais e eficiência no processo de plane-
amento do uso e gestão terras urbanas; e procedimentos para a expropriação de direitos, reas-
sentamento involuntário e pagamento prévio de justa indemnização.
1. Especificidades do DUAT Urbano
O DUAT urbano possui características específicas decorrentes da aprovação do Regulamento
do Solo Urbano, em 2006. Em termos de principais diferenciações entre os regimes da terra
rural e do solo urbano, podemos apontar, de forma sucinta, os seguintes, dada a sua relevância
para a análise do presente tema.
O primeiro aspecto decorre da não consideração, pelo legislador, da existência de comunida-
des locais dentro dos perímetros urbanos, o que eventualmente poderia fazer com que, à parti-
da, não houvesse lugar ao reconhecimento de DUATS adquiridos pelas comunidades locais,
por ocupação, nas zonas urbanas. Contudo, consideramos que uma interpretação nesse senti-
do seria um claro desvio ao disposto na Lei de Terras, segundo a qual “podem ser sujeitos do
direito de uso e aproveitamento da terra as pessoas nacionais, colectivas e singulares, homens
e mulheres, bem como as comunidades locais” (artigo 10°, nº 2, da Lei de Terras). Este enten-
dimento é reforçado pela Lei do Ordenamento do Território que define como um dos objectivos
“garantir o direito à ocupação actual do espaço físico nacional pelas pessoas e comunidades
locais, que são sempre consideradas como o elemento mais importante em qualquer interven-
ção de ordenamento e planeamento do uso da terra” (artigo 5º, nº 2, alínea a) da LOT). Por is-
so, a aplicação do RSU deverá ser articulada não só com a Lei de Terras, mas também com a
legislação do ordenamento urbano e com a Constituição da República.
Em consequência, em caso de reassentamentos ou qualquer outra situação que implique uma
mudança no território urbano, devem ser considerados os direitos pré-existentes, incluindo
aqueles que terão sido adquiridos por ocupação.
O segundo aspecto de diferenciação do regime diz respeito às modalidades de aquisição de
DUAT. Como vimos, o RSU prevê cinco formas de aquisição do DUAT, nomeadamente: deferi-
mento da atribuição, sorteio, hasta pública, negociação particular e ocupação de boa-fé. Não
estando estas formas de aquisição de DUAT previstas na Lei de Terras, é legítimo questionar se
o RSU não estará ferido de ilegalidade, especialmente no que concerne à modalidade da hasta
pública.
Em terceiro lugar, veja-se igualmente que, mesmo em relação à aquisição do DUAT através da
ocupação de boa-fé, houve lugar à colocação de barreiras, esvaziando o conteúdo consagrado
por via da Lei de Terras. Assim sendo, condiciona-se o seu reconhecimento à realização de um
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
53
inquérito, ao enquadramento da ocupação num plano de ordenamento e ao compromisso de
observar as regras naquele definidas.120
Por fim, no campo da transmissão de DUAT’s verifica-se uma maior flexibilidade no caso da
terra urbana, considerando que, para o efeito, não se exige autorização do Estado, estabele-
cendo a lei um regime de transmissão automática do DUAT, juntamente com a transmissão do
imóvel implantado no terreno.121
Para efeitos do presente Relatório, é particularmente relevante a questão dos titulares de DU-
ATs nas zonas urbanas (em especial as comunidades) e o problema do reconhecimento dos
direitos adquiridos por ocupação.
Sendo factual a existência de ocupações prévias à implantação da ponte e circular, o levanta-
mento da respectiva situação jurídica deveria ter sido feito no âmbito de um inquérito prévio à
elaboração de um plano de pormenor nas áreas de intervenção da empresa. Nos termos do
RSU, o reconhecimento de direitos adquiridos por ocupação na sequência do inquérito, estaria
condicionada ao respeito dos planos de ordenamento territorial. Como vimos, no âmbito do
projecto da ponte e circular não foi realizado nenhum inquérito, nem foi publicado nenhum ins-
trumento de ordenamento territorial que incidisse sobre os bairros afectados. Isto acarreta im-
plicações para a questão avaliação do processo de expropriação, como veremos adiante.
2. Procedimentos e Prática de Consultas Comunitárias na Atribuição de DUAT’s
para Investimentos nas Zonas Urbanas
Neste domínio, o princípio da participação democrática dos munícipes no processo de tomada
de decisões assume uma especial dimensão. Tal decorre não apenas da Constituição, como
igualmente das Leis de Terras e do Ordenamento do Território, nos quais os direitos à informa-
ção e à participação são amplamente reconhecidos. A informação disponibilizada deve ser cla-
ra, objectiva e completa, devendo as autoridades envolvidas abrir espaços para o esclarecimen-
to de dúvidas e, inclusivamente, para a colocação de opiniões, ainda que discordantes. Assim,
aos cidadãos devem ser disponibilizados todos dados relevantes que permitam o pleno conhe-
cimento dos projectos e que provam a participação no processo de tomada de decisões. Impli-
ca garantir igualmente o respeito do direito à negociação, por exemplo, quanto à definição de
prioridades e de estratégia, ou mesmo quando está em causa o pagamento de uma justa in-
demnização.
Note-se que se, para o caso da terra rural, encontra-se em vigor o Diploma Ministerial n.º
158/2011, de 15 de Junho, que aprovou procedimentos específicos para a consulta comunitária
no âmbito da titulação do direito de uso e aproveitamento da terra. Não existe um instrumento
legal específico para o caso do solo urbano. Não obstante essa lacuna, existem disposições da
Lei de Ordenamento do Território e respectivo Regulamento que poderão ser úteis para a sal-
vaguarda dos direitos e interesses das comunidades urbanas, nomeadamente as disposições
decorrentes do princípio da informação e consciencialização dos cidadãos, e princípio da parti-
cipação pública. Por força destes princípios, mais do que a faculdade de emitir opiniões, os ci-
dadãos têm o direito de participar activamente na definição de prioridades de intervenção nos
120 Artigo 29° do Regulamento do Solo Urbano. 121 Artigo 35°, n° 1 do Regulamento do Solo Urbano.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
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respectivos locais de residência, assim como de contribuir para a elaboração, execução, avalia-
ção de instrumentos de ordenamento territorial.122
Não obstante o facto de terem sido organizadas reuniões públicas referentes à implementação
do projecto da ponte Maputo-Katembe e o respectivo processo de reassentamento, a avaliação
do grau de participação dos cidadãos torna-se difícil, dada a não publicação das actas das reu-
niões públicas e da comissão de reassentamento. Essa questão em si, associada ao facto da
comissão de reassentamento não ter sido composta em conformidade com as exigências le-
gais, representa uma violação do princípio da participação.
A participação também implica a possibilidade de negociar livremente a modalidade e o valor
da indemnização. O caso analisado no presente estudo revela que, aos reassentados, a modali-
dade de indemnização foi imposta pela Maputo-Sul, isto é, optou pelo pagamento em dinheiro
em detrimento do pagamento em espécie, ainda que tivesse inicialmente se comprometido a
fornecer uma habitação para as famílias reassentadas. Por outro lado, o valor da indemnização
não foi negociado, tendo sido unilateralmente determinado pela empresa. Nos casos em que
houve tentativa de negociação, as pessoas foram ameaçadas e coagidas a aceitar os termos de
definidos pela Maputo-Sul.
3. Procedimentos Seguidos na Criação de Municípios e Impactos sobre Direitos
Pré-existentes
De acordo com a Constituição da República, “o Poder Local tem como objectivos organizar a
participação dos cidadãos na solução dos problemas próprios da sua comunidade e promover o
desenvolvimento local, o aprofundamento e a consolidação da democracia, no quadro da uni-
dade do Estado Moçambicano” e “apoia-se na iniciativa e na capacidade das populações e ac-
tua em estreita colaboração com as organizações de participação dos cidadãos.”123 A descen-
tralização compreende os órgãos de governação descentralizada provincial e distrital e as au-
tarquias locais, mantendo o Estado as suas representações nas entidades descentralizadas para
efeitos de exercício de funções de soberania. Os órgãos de governação descentralizada e das
autarquias patrimonial gozam de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, e dispõem
de um poder regulamentar próprio.
A criação de novos municípios, no quadro da aplicação do princípio constitucional da descen-
tralização, tem um conjunto de vantagens na organização ou reorganização de espaços territo-
riais com características ou potencialidades urbanas, na satisfação das necessidades dos muní-
cipes e na participação destes últimos na própria gestão municipal.
A Lei n.º 6/2018, de 3 de Agosto, revista e republicada pela Lei n.º 13/2018, de 17 de Dezem-
bro, define os critérios para a criação das Autarquias Locais, designadamente: (i) factores geo-
gráficos, demográficos, económicos, sociais, culturais e administrativos; (ii) interesses de ordem
nacional ou local em causa; (iii) razões de ordem histórica e cultural; (iv) e avaliação da capaci-
dade financeira para a prossecução das atribuições que lhes estiverem cometidas124. Contudo,
a realidade parece demostrar que se tem obedecido mais a critérios políticos do que propria-
mente ao disposto na lei em matéria de critérios de criação de novos municípios. Estes últimos,
como aconteceu com Boane, nascem muitas vezes sem as condições necessárias para o funci-
122 Artigo 4° b) da Lei do Ordenamento do Território. 123 Artigo 270° - A da Constituição da República. 124 Artigo 7°, nº 1 da Lei das Autarquias Locais.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
55
onamento, nomeadamente orçamento, fontes de receitas sólidas e suficientes para cobrir as
necessidades básicas, planificação a médio e longo prazos, etc.
Por outro lado, a “elevação” do solo rural à categoria de solo urbano tem implicações no redi-
mensionamento da terra, através da redução de áreas maiores para talhões-modelo, com os
riscos de as populações perderem terra. Ou seja, a urbanização do meio rural carece de uma
maior abordagem em termos de impactos, devendo merecer um estudo prévio e exaustivo so-
bre as possíveis repercussões nos meios de vida das populações residentes ou dependentes
das áreas em vias de municipalização.
Da informação que recolhemos, em Boane não decorreu nenhum processo de redimensiona-
mento da terra em consequência directa da criação do município. No entanto, o processo de
reassentamento - que coincidiu com o período da criação do município - teve implicações nas
terras das comunidades acolhedoras de Mahubo. As terras destinadas à agricultura foram par-
celadas e distribuídas aos reassentados. Às comunidades acolhedoras foi atribuído, em troca,
um talhão (40x20 m). Ficando sem a terra para produzir e para pastagem, e não havendo alter-
nativas de trabalho, o reassentamento representa um agravamento dos níveis de vida das co-
munidades acolhedoras.
4. Aspectos Institucionais e Eficiência no Processo de Planeamento do Uso e Ges-
tão de Terras
O planeamento do uso e gestão da terra urbana constitui um desafio fundamental na constru-
ção de cidades sustentáveis em Moçambique. Para o efeito, torna-se fundamental garantir a
necessária integração e harmonização entre os quadros legais da terra (urbana) e do ordena-
mento do território.
O Regulamento do Solo Urbano não apenas possui diversas disposições de legalidade e con-
formidade constitucional duvidosa, como ainda não responde satisfatoriamente às necessidades
de uma gestão eficiente, sustentável e inclusiva do solo urbano. A questão da terra urbana ca-
recia de maior aprofundamento no que respeita a um conjunto de questões como a criação de
reservas do Estado (o que poderia contribuir para recorrer menos ao reassentamento), formas
de acesso à terra, níveis de urbanização e participação dos cidadãos, etc.
No tocante à legislação do ordenamento do território, o problema maior reside na eficácia dos
instrumentos de ordenamento, especialmente os Planos. A história do exercício de ordenamen-
to do território revela fortes indícios de fragilidade a três níveis fundamentais: (i) a conclusão do
processo de elaboração do instrumento de plano nos termos da Lei, havendo casos de planos
que não chegam sequer a ser ratificados pela entidade competente (e que, para o caso de pla-
nos municipais, é o Ministério que superintende a administração estatal), ou tendo sido ratifica-
dos, não são publicados no Boletim da Republica. Em consequência, esses planos não poderão
produzir quaisquer efeitos jurídicos; (ii) os instrumentos de plano são muito pouco divulgados e
acabam permanecendo na posse de poucos funcionários municipais, sendo desconhecidos
pela grande maioria de munícipes, em desencontro com o disposto na legislação sobre o direito
à informação; e (iii) há um enorme défice no campo da eficácia e da implementação dos ins-
trumentos de plano, fazendo com que eles se tornem letras mortas à nascença.
Como vimos, o Município de Boane, enfrentando sérios constrangimentos orçamentais e não
dispondo de quadros qualificados em número suficiente, vê-se na impossibilidade de cumprir
algumas das suas obrigações básicas, nomeadamente as que respeitam ao planeamento terri-
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torial. Esse constrangimento acarreta dificuldades para o processo de administração da terra,
afectando a governação no seu todo.
5. Procedimentos para a Expropriação de Direitos, Reassentamento Involuntário e
Pagamento Prévio de Justa Indemnização
Um dos aspectos mais problemáticos na implementação de grandes projectos (públicos ou pri-
vados) assenta na trindade composta pela expropriação de direitos, reassentamento involuntá-
rio e pagamento de justa indemnização.
Em termos sumários, importa referir que em Moçambique são muito escassos os casos de de-
claração formal de expropriação por interesse, necessidade ou utilidade pública, conforme de-
termina a lei. Ou seja, na esmagadora maioria das situações, a implementação de projectos que
impliquem o reassentamento involuntário deriva de decisões político-governamentais que não
são acompanhadas pela devida formalização jurídica. Foi o que aconteceu no caso da ponte
que une as margens de Maputo e KaTembe. Tal facto compromete, à partida, a legalidade de
todo processo subsequente, incluindo reassentamento e o cálculo de indemnizações. Por outro
lado, no que respeita ao conceito de justa indemnização, importa ter presente o disposto na Lei
do Ordenamento do Território e legislação regulamentar, assim como nas Recomendações do
Corporação Financeira Internacional (IFC) para o Reassentamento Involuntário.
O caso analisado no presente relatório revela uma situação de claro desfasamento entre, de um
lado, as práticas e, do outro, o quadro legal.
A questão de fundo diz mesmo respeito à intenção de salvaguarda dos mais básicos dos direi-
tos fundamentais dos cidadãos, incluindo o seu engajamento pleno e efectivo no desenho das
bases da vida após o reassentamento. Em contexto urbano, esta questão deve ser analisada à
luz do direito à cidade, enquanto direito fundamental a viver numa cidade sustentável, inclusiva
e socialmente justa. Nesse sentido, importa respeita os direitos e garantias assistidos aos cida-
dãos, perspectivando a eventual inevitabilidade de movimentar pessoas de uma área para outra
como oportunidade para melhorar as condições de vida desses mesmos cidadãos.
O presente relatório é abundante em exemplos de como os padrões de vida das populações
reassentadas e das comunidades acolhedoras, terá piorado na sequência do processo de reas-
sentamento, estando ainda por resolver questões elementares relacionadas com a sua sobrevi-
vência, educação e saúde. Dramático é constatar que não foi praticado nenhum acto jurídico
expropriatório que legitime a intervenção da empresa Maputo-Sul; que esta empresa iniciou e
concluiu as obras (e acabou por ser extinta) sem que lhe tivesse sido emitida a correspondente
licença ambiental (da qual o plano de reassentamento é uma das componentes). Mais dramáti-
co ainda é perceber o sentido do silêncio da entidade licenciadora e fiscalizadora, e das institui-
ções do Estado com mandato constitucional para fiscalizar a legalidade e representar os cida-
dãos na defesa dos direitos colectivos e difusos.
Da análise dos estudos de casos, decorrem as seguintes conclusões.
• O quadro legal nacional que rege o sector de terras em Moçambique reconhece e sal-
vaguarda o direito universal de acesso à terra, incluindo a grande maioria de ocupantes
que não dispõe de um título formal emitido pelas autoridades.
• Não obstante os avanços registados no plano constitucional e da legislação ordinária, a
realidade revela fragilidades no domínio da implementação dos princípios e normas de
salvaguarda da posição dos ocupantes.
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• O legislador estabeleceu uma diferenciação de regimes jurídicos na gestão de solo ur-
bano e solo rural. No entanto, o Regulamento do Solo Urbano contém omissões e dispo-
sições que divergem ou contrariam o disposto na Constituição e na Lei de Terras em
matéria, por exemplo, do reconhecimento dos sujeitos titulares dos direitos de uso e
aproveitamento da terra e quanto às formas de aquisição desse mesmo direito.
• A aprovação de um regime fundiário diferenciado para a terra urbana tornou bastante
vulnerável a situação dos ocupantes, os quais passaram a negociar em situação clara-
mente desvantajosa com as autoridades municipais, ficando à mercê de decisões políti-
cas sobre o território, incluindo de reassentamento.
• O processo de reassentamento do projecto da Ponte Maputo–KaTembe constitui um dos
vários exemplos em que o direito fundamental à terra de que gozam os ocupantes não
foi devida e integralmente acautelado, sendo estes últimos como que considerados
peões menores de um tabuleiro de xadrez. Nesse sentido, emerge ao de cima a questão
fundamental sobre o que deve ser considerada uma justa indemnização, decorrente do
processo de retirada de famílias das áreas que acolheram a construção da obra pública.
• A realidade revela que o modelo utilizado para definir a justa indemnização falhou, não
tendo permitido conduzir as pessoas afectadas para uma condição social e economica-
mente melhor do que aquela em que se encontravam, como nalguns casos significou o
agravamento das condições de vida, por causa do respectivo afastamento dos locais de
trabalho e negócio, das escolas e unidades de saúde, das facilidades de transporte, etc.
• A questão da terra urbana deve igualmente merecer especial atenção na sua relação
com o ordenamento do território, bem como com os demais elementos que constitu-
em/fazem parte integrante do conceito de cidade sustentável, pressupondo o reconhe-
cimento de um direito à cidade. Se, no caso específico dos reassentados na sequência
do projecto da Ponte Maputo – KaTembe, grande parte dos quais residia em assenta-
mentos humanos informais, as condições existentes actualmente nos locais de reassen-
tamento tendem, dia-após-dia, a assemelhar-se às existentes nos locais de origem. Ou
seja, basicamente a realidade urbana continua a caracterizar-se pela dificuldade de ma-
terialização do conceito de direito à cidade.
• O estudo de caso sobre a criação do Município de Boane revela uma realidade bastante
complexa ao nível das dinâmicas fundiárias, com a intervenção de uma rede de actores
locais com “poderes” para as mais diversas formas ou modalidades de alienação da ter-
ra, incluindo as estruturas de bairro (secretários, chefes de quarteirão) e as autoridades
tradicionais. Em termos sucintos, o disposto na legislação de terras em relação às enti-
dades com competência para atribuir direitos de uso e aproveitamento da terra não en-
contra correspondência no terreno. À partida, as novas autoridades municipais encontra-
ram uma situação em que o seu mandato na gestão da terra urbana enfrenta diariamente
sérias barreiras ou dificuldades. No terreno, os agentes do mercado informal de terras
ditam as regras de alocação e transmissão da terra.
• Este jogo fundiário que caracteriza a vida nas cidades e vilas municipalizadas não abona
a favor dos mais pobres. Basicamente, a tendência é a sua retirada progressiva para as
periferias. Novos habitantes vão adquirindo directa ou indirectamente terras outrora
ocupadas por famílias que tinham na agricultura a sua principal base de sustento. Este
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
58
modelo de redesenho dos assentamentos humanos está longe de ser socialmente justo
e inclusivo.
• O processo de atribuição de terras nas áreas municipais de Maputo e Boane, aliado às
limitações financeiras e humanas dificulta qualquer processo de ordenamento territorial,
perpetuando o aparecimento e crescimento de assentamentos informais incluindo em
zonas propensas a inundações, erosão etc.
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Machamba em Mahubo
Foto: Chico Carneiro
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Face às constatações que resultam do presente trabalho, avançamos as seguintes recomenda-
ções, cuja maior parte se reconduz à necessidade de revisão e cumprimento da lei:
i. Necessidade de harmonizar o quadro legal de terras, o que passa por iniciar a revisão do
Regulamento do Solo Urbano, em conformidade com a Constituição da República e a Lei
de Terras, especialmente no campo do reconhecimento dos titulares de direitos sobre a
terra e modalidades de aquisição do DUAT. Paralelamente, será necessário aprofundar a
regulamentação do solo urbano, de modo a detalhar as regras referentes à urbanização,
ao acesso à terra, e à participação pública.
ii. Repensar por completo a questão dos reassentamentos, especialmente no que diz res-
peito às componentes da transparência e participação dos processos decisórios, do re-
conhecimento dos direitos adquiridos por ocupação e na definição do conceito de in-
demnização justa. Paralelamente, será necessário harmonizar o regime do reassenta-
mento para fins de ordenamento de território e o resultante de actividades económicas,
procurando sempre reduzir as assimetrias que ambos os processos apresentam.
iii. Privilegiar a compensação das habitações em espécie, de modo a assegurar a reposição
dos bens e a permitir que os locais de destino das famílias reassentadas estejam devi-
damente infraestruturados e que respeitem as regras de ordenamento do território.
iv. Rever os critérios de cálculo das indemnizações, estabelecendo um sistema que privile-
gie: (a) pagamento em espécie (evitando-se transferir o ónus de recolocação para o ex-
propriado); (b) que seja suficientemente flexível para permitir a actualização do valor a
pagar em harmonização com as dinâmicas do mercado; (c) que reduza a subjectividade
e elimine a arbitrariedade por parte da empresa na avaliação dos bens; e (d) que permita
que o reassentamento se traduza, de facto, numa oportunidade para melhorar as condi-
ções de vida dos cidadãos reassentados.
v. Necessidade de formalização jurídica dos processos, observando estritamente a legisla-
ção. O que está em causa não será, naturalmente, a mera formalização, mas a necessi-
dade de respeitar os princípios subjacente à legislação relativa ao ordenamento do terri-
tório nomeadamente:
• princípio da participação pública e consciencialização dos cidadãos, através do
acesso à informação, permitindo assim a sua intervenção nos procedimentos de
elaboração, execução, avaliação, bem como na revisão dos instrumentos de orde-
namento territorial.
• princípio da igualdade no acesso à terra e aos recursos naturais, infraestruturas,
equipamentos sociais e serviços públicos por parte dos cidadãos, quer nas zonas ur-
banas quer nas zonas rurais.
• princípio da precaução, com base no qual a elaboração, execução e alteração
dos instrumentos de ordenamento territorial deve priorizar o estabelecimento de sis-
temas de prevenção de actos lesivos ao ambiente, de modo a evitar a ocorrência de
impactos ambientais negativos, significativos ou irreversíveis, independentemente da
existência da certeza científica sobre a ocorrência de tais impactos.
VIII. Recomendações
Imagem retirada em Mahubo
Foto: Chico Carneiro
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• princípio da responsabilidade das entidades públicas ou privadas por qualquer in-
tervenção sobre o território que possa ter causado danos ou afectado a qualidade do
ambiente e assegurando a obrigação da reparação desses mesmos danos e a com-
pensação dos prejuízos causados à qualidade de vida dos cidadãos.
• princípio da segurança jurídica como garantia de que na elaboração, alteração e
execução dos instrumentos de ordenamento e de gestão territorial sejam sempre
respeitados os direitos fundamentais dos cidadãos e as relações jurídicas validamen-
te constituídas, promovendo-se a estabilidade e a observância dos regimes legais
instituídos;
• princípio da publicidade dos instrumentos de ordenamento territorial, através da
sua publicação no Boletim da República, afixação nos locais de estilo das administra-
ções distritais e das autarquias e por outros meios de publicidade, para amplo co-
nhecimento dos cidadãos.
vi. Necessidade de planificar devida e previamente os processos de reassentamento, elabo-
rando os planos de reassentamento acautelando todas as componentes necessárias, em
todas as fases do processo, incluindo a concepção de projectos de reassentamento al-
ternativos, e promover a criação de fontes alternativas de geração de rendimento e a im-
plantação de infraestruturas e serviços sociais.
vii. Urge fortalecer a capacidade de gestão e administração da terra urbana, capacitando os
Municípios para uma maior e melhor intervenção a nível dos bairros, especialmente na
organização e reorganização dos assentamentos, na prevenção e combate aos negócios
ilícitos sobre a terra, e na protecção das populações mais vulneráveis.
viii. O processo de municipalização deve ser precedido de criação de condições humanas e
matérias, incluindo a elaboração dos respectivos planos de urbanização e de pormenor
por forma a permitir que os futuros municípios cresçam de forma ordenada e organizada.
Relatório Anual Sobre Governação Ambiental
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IX. Bibliografia
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