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MESTRADO EM TRADUÇÃO E SERVIÇOS LINGUÍSTICOS TRADUÇÃO ESPECIALIZADA Relatório de estágio: Kvalitext – Serviços de Tradução, Lda. Ana Filipa Fernandes Pereira M 2018

Relatório de estágio: Kvalitext Serviços de Tradução, Lda. Ana … · 2019-07-15 · Relatório de estágio: Kvalitext – Serviços de Tradução, Lda. Ana Filipa Fernandes

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MESTRADO EM TRADUÇÃO E SERVIÇOS LINGUÍSTICOS

TRADUÇÃO ESPECIALIZADA

Relatório de estágio: Kvalitext – Serviços de Tradução, Lda. Ana Filipa Fernandes Pereira

M 2018

Ana Filipa Fernandes Pereira

Relatório de estágio: Kvalitext – Serviços de Tradução, Lda.

Relatório realizado no âmbito do Mestrado em Tradução e Serviços Linguísticos, orientado

pela Professora Doutora Maria Alexandra Guedes Pinto

Supervisor de Estágio na empresa, Ângela Nogueira

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Maio de 2018

Relatório de estágio: Kvalitext – Serviços de Tradução, Lda.

Ana Filipa Fernandes Pereira

Relatório realizado no âmbito do Mestrado em Tradução e Serviços Linguísticos, orientado

pela Professora Doutora Maria Alexandra Guedes Pinto

Membros do Júri

Professor Doutor Thomas Hüsgen

Faculdade de Letras - Universidade do Porto

Professora Doutora Alexandra Guedes Pinto

Faculdade de Letras - Universidade do Porto

Professora Doutora Joana Guimarães

Faculdade de Letras - Universidade do Porto

Classificação obtida: 18 valores

“Insist on yourself; never imitate. Your own gift you can

present every moment with the cumulative force of a whole

life's cultivation; but of the adopted talent of another you

have only an extemporaneous half possession. That which

each can do best, none but his Maker can teach him.”

— Ralph Waldo Emerson

iv

Sumário

Agradecimentos ............................................................................................................... vi

Resumo ........................................................................................................................... vii

Abstract .......................................................................................................................... viii

Índice de ilustrações ........................................................................................................ ix

Índice de tabelas ............................................................................................................... x

Lista de abreviaturas e siglas ........................................................................................... xi

Glossário ......................................................................................................................... xii

Introdução ......................................................................................................................... 1

Capítulo 1 – Apresentação da empresa acolhedora .......................................................... 2

1.1. Missão, Visão e Valores ........................................................................................ 2

1.2. Especializações e tipos de textos traduzidos .......................................................... 3

1.3. Organização e instalações ...................................................................................... 5

Capítulo 2 – Descrição do estágio .................................................................................... 8

2.1. Duração do estágio ................................................................................................. 8

2.2. Tipos de trabalhos realizados ................................................................................. 9

2.3. Apreciação global do estágio ............................................................................... 12

2.4. Considerações sobre os manuais de instruções .................................................... 14

Capítulo 3 – Gestão de projetos, CAT-tools e garantia de qualidade ............................. 23

3.1. Gestão de projetos ................................................................................................ 23

3.1.2. Project Open ..................................................................................................... 26

3.2. CAT-tools ............................................................................................................. 29

3.2.1. SDL Trados Studio ............................................................................................ 31

3.2.2. memoQ .............................................................................................................. 33

3.2.3. Wordbee ............................................................................................................ 35

3.2.4. SDL Passolo ...................................................................................................... 37

3.3. Controlo de qualidade .......................................................................................... 39

3.3.1. Xbench .............................................................................................................. 42

3.3.2. FLiP .................................................................................................................. 43

Capítulo 4 – Tradução: análise de casos práticos ........................................................... 45

4.1. Instruções do cliente ............................................................................................ 45

4.2. Qualidade do texto de partida .............................................................................. 52

4.3. Influência do texto de partida .............................................................................. 58

4.4. Adequação ao género textual ............................................................................... 61

v

4.5. Terminologia ........................................................................................................ 63

4.5.1. Vazio terminológico.......................................................................................... 65

4.5.2. Polissemia terminológica .................................................................................. 69

4.5.3. Empréstimos ..................................................................................................... 70

4.5.4. Tradução de palavras-sinal ............................................................................... 74

4.6. Registo de língua ................................................................................................. 77

Considerações finais ....................................................................................................... 80

Referências bibliográficas .............................................................................................. 83

Anexos ............................................................................................................................ 86

Anexo 1 – Lista de projetos realizados ....................................................................... 86

Anexo 2 – Plano de estágio ......................................................................................... 88

Anexo 3 – Documento de avaliação do estágio curricular ......................................... 90

Anexo 4 – Resultados do inquérito realizado ............................................................. 91

vi

Agradecimentos

Antes de tudo, gostaria de agradecer à Professora Doutora Alexandra Guedes Pinto,

cuja orientação, disponibilidade e dedicação foram essenciais para a conclusão do meu

percurso na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Muito obrigada por tudo o

que me ensinou e por ter exigido sempre o melhor de mim.

Gostaria também de agradecer a todos os elementos da Kvalitext, com quem

bastante aprendi. Um agradecimento especial às administradoras Joana Pinto e Mónica

Silva, pela oportunidade de estágio e de aprendizagem, e à minha orientadora na empresa,

Ângela Nogueira, pela sua simpatia e paciência incansável.

Muito obrigada a todos os meus amigos que desde sempre me acompanharam e

apoiaram. Um agradecimento especial às minhas amigas de Aveiro, que comigo iniciaram

a aventura no ensino superior, tornando-a única, e, mesmo longe, estiveram sempre muito

perto.

Por fim, ao José, por todo o companheirismo e apoio e, claro, aos meus pais, que

sempre apoiaram as minhas decisões e cujo orgulho em mim me inspirou a ir mais longe.

vii

Resumo

O presente relatório visa apresentar e refletir sobre o trabalho efetuado no decorrer

do estágio curricular realizado na empresa Kvalitext – Serviços de Tradução, Lda., no

âmbito do Mestrado em Tradução e Serviços Linguísticos. O seu principal objetivo será

abordar a transição do mundo académico para o mercado de trabalho da tradução,

compreender o ciclo de vida de um projeto de tradução em ambiente de empresa e refletir

sobre o processo tradutivo através da análise de excertos de traduções realizadas.

Para além de descrever a empresa acolhedora, o estágio e as tarefas aí realizadas,

este relatório aborda também a importância da gestão de projetos, das ferramentas de

apoio à tradução e dos processos de garantia de qualidade; as características e desafios da

tradução técnica e, por fim, as teorias e conceitos de tradução que forneceram uma valiosa

base teórica para todo o trabalho desenvolvido ao longo do estágio.

Palavras-chave: relatório de estágio, tradução, textos técnicos, teorias da tradução,

gestão de projetos.

viii

Abstract

This report seeks to present and reflect on the work carried out during the internship

that took place at Kvalitext – Serviços de Tradução, Lda., as part of the Master’s Degree

in Translation and Language Services. Its main objective is to address the transition from

the academic world to the labour market of translation, to understand the life cycle of a

translation project in a translation company and to reflect about the translation process

through the study of some translations excerpts.

Besides describing the company, the internship and the tasks developed there, the

report also approaches the significance of project managing, computer-assisted tools for

translating and quality assurance process; the characteristics and challenges of technical

translation and the translation theories and concepts that provided an important theoretical

foundation for all the work carried out during the internship.

Keywords: internship report, translation, technical texts, translation theories, project

managing.

ix

Índice de ilustrações

Figura 1: Organigrama organizacional da Kvalitext. ........................................................ 6

Figura 2: Número de palavras traduzidas por mês. ........................................................... 9

Figura 3: Número de projetos realizados por par de línguas. .......................................... 10

Figura 4: Número de projetos realizados por área temática. ........................................... 11

Figura 5: Número de projetos realizados por género textual. ......................................... 11

Figura 6: Visualização do separador “Projects” no Project Open. ................................. 27

Figura 7: CAT-tools utilizadas. ........................................................................................ 31

Figura 8: Exibição dos resultados da TM no Studio. ...................................................... 32

Figura 9: Texto entre tags no memoQ. ............................................................................ 34

Figura 10: Tags do memoQ contendo informação textual. ............................................. 34

Figura 11: Interface do Wordbee. .................................................................................... 35

Figura 12: Exemplo de sugestões de tradução do Wordbee. ........................................... 36

Figura 13: Interface do SDL Passolo. ............................................................................ 38

Figura 14: Identificação da ausência do símbolo ™ no target. ....................................... 42

Figura 15: Exemplos de erros falsos assinalados pelo Xbench. ...................................... 42

Figura 16: Identificação da seleção errada do particípio passado do verbo “imprimir” no FLiP.

........................................................................................................................... 43

Figura 17: Tipos de instruções fornecidas pelos clientes. ............................................... 47

Figura 18: Cânula de fluxo oral e nasal. .......................................................................... 65

Figura 19: Componentes de uma cânula. ........................................................................ 66

Figura 20: Captura de ecrã da pré-visualização do livro Fundamentos de Enfermagem no

Google Books. ................................................................................................... 68

Figura 21: Definição de “bateria”, segundo a Infopédia. ................................................ 69

Figura 22: Definição de “pilha”, segundo a Infopédia. ................................................... 69

Figura 23: Mensagens de alerta de um manual de instruções. ........................................ 74

Figura 24: Número de entradas nas páginas de Portugal do Google para o trio de termos

“perigo aviso atenção”. ..................................................................................... 76

Figura 25: Número de entradas nas páginas de Portugal do Google para o trio de termos

“perigo aviso cuidado”. ..................................................................................... 76

x

Índice de tabelas

Tabela 1: Exemplos de sequências textuais presentes nos manuais de instruções. ......... 17

Tabela 2: Modalidade expressa pelos atos ilocutórios. ................................................... 19

Tabela 3: Mecanismos linguísticos presentes nos manuais de instruções. ..................... 19

Tabela 4: Ciclo de vida de um projeto de tradução na Kvalitext. ................................... 24

Tabela 5: Incertezas causadas por strings descontextualizados. ..................................... 49

Tabela 6: Frases típicas do discurso publicitário............................................................. 62

xi

Lista de abreviaturas e siglas

EN – Inglês

ES – Espanhol

FLUP – Faculdade de Letras da Universidade do Porto

LM – Linguistic Manager (gestor de qualidade)

MTSL – Mestrado em Tradução e Serviços Linguísticos

PM – Project Manager (gestor de projetos)

PMBOK – Project Management Body of Knowledge

PMI – Project Management Institute

PO – Project Open

PT_BR – Português do Brasil

PT_PT – Português europeu

QA – Quality Assurance (garantia de qualidade)

TB – Term base (base de dados)

TCh – Texto de chegada

TM – Translation memory (memória de tradução)

TP – Texto de partida

UC – Unidade curricular

xii

Glossário

Full match – correspondência de 100% entre o segmento a traduzir e o segmento presente

na memória de tradução

Fuzzy (match) – correspondência de 99% a 70% entre o segmento a traduzir e o segmento

presente na memória de tradução

Kit de tradução – documentos disponibilizados ao tradutor para levar a cabo a tradução,

que, para além do texto a traduzir, podem incluir documentos de referência, memórias de

tradução, bases de dados, glossário etc.

Package – documento zipado do SDL Trados Studio que inclui os documentos a serem

traduzidos nessa mesma CAT-tool

Query (sheet) – documento entregue ao cliente (pelo gestor de projetos) com questões do

revisor/tradutor relativas a um dado projeto desse cliente

Return package – documento zipado produzido no SDL Trados Studio pelo tradutor ou

pelo revisor no final da tradução ou da revisão, respetivamente

Source – área que, numa CAT-tool, se destina à digitação do texto de chegada

Tag – etiquetas com informações relativas à formatação do texto

Target – área que, numa CAT-tool, se destina à exibição do texto de partida

1

Introdução

Desde o momento em que ingressei no Mestrado em Tradução e Serviços

Linguísticos (MTSL), o meu objetivo final era realizar um estágio curricular numa

empresa de tradução. Desde o meu ponto de vista, o estágio e a redação do relatório sobre

o trabalho desenvolvido estabelecem uma união entre os conhecimentos teóricos

adquiridos no MTSL e os conhecimentos práticos aprofundados e/ou adquiridos numa

empresa de tradução. Daniel Gouadec afirma, inclusivamente, que “professional

translation has nothing to do with the academic exercise of ‘translation’” (Gouadec, 2007:

3), sendo um facto que as circunstâncias nas quais se realizam a tradução académica e a

tradução profissional são algo diferentes, sendo o contexto académico mais relaxado e,

na maior parte das vezes, não implicando a publicação das traduções efetuadas pelos

alunos, facto que torna mais difícil preparar os estudantes de tradução para a realidade, a

exigência e a responsabilidade da sua profissão.

É neste contexto que surge o presente relatório, elaborado sob a orientação da

Professora Doutora Alexandra Guedes Pinto, no qual reflito sobre os conhecimentos

adquiridos no MTSL e descrevo e avalio alguns dos aspetos mais relevantes do estágio

curricular realizado na empresa Kvalitext – Serviços de Tradução, Lda., que teve início

no dia 15 de janeiro de 2018 e fim no dia 27 de abril do mesmo ano. Durante esses três

meses e meio, as principais tarefas realizadas envolveram a tradução e a localização de

textos de inglês para português europeu, sob a orientação da Linguistic Manager (LM) da

empresa, Ângela Nogueira.

Em primeiro lugar, efetuar-se-á a apresentação da empresa de estágio, e, em

seguida, realizar-se-á uma descrição do mesmo. Depois, abordar-se-á a importância da

gestão de projetos, das ferramentas de apoio à tradução e dos processos de garantia de

qualidade. Seguidamente, serão avaliados excertos de traduções realizadas, com ênfase

na tradução de textos técnicos, pondo em evidência as dificuldades encontradas e, sempre

que possível, justificando as decisões tomadas com base em teorias apreendidas durante

o mestrado. Por fim, apresentar-se-á um inquérito lançado a vários elementos ligados ao

mundo da tradução, que servirá como base para uma reflexão sobre a formação e a

profissão do tradutor.

2

Capítulo 1 – Apresentação da empresa acolhedora

1.1. Missão, Visão e Valores1

A Kvalitext – Serviços de Tradução, Lda. é uma empresa de tradução sediada em

Espinho e fundada em 2008 por Mónica Silva e Joana Pinto, que ocupam o cargo de

administradoras.

A missão da empresa é disponibilizar, quer ao mercado nacional, quer ao

internacional, serviços de tradução profissionais de qualidade, para que os clientes da

empresa possam promover os seus produtos e serviços num número de mercados

alargado, ultrapassando barreiras culturais e linguísticas. Assim, a visão da empresa passa

pela aposta numa equipa de tradutores profissional e devidamente formada e pela

contínua melhoria dos recursos e das ferramentas de tradução, de forma a cumprir os

requisitos dos clientes.

Nesta linha de pensamento, a Kvalitext define os seguintes valores como essenciais

para o desenvolvimento da empresa:

• Espírito de equipa – promoção de um espírito de entreajuda e de partilha de

conhecimentos;

• Proatividade – autonomia do tradutor e capacidade de identificação das

necessidades do cliente;

• Orientação para o mercado – identificação das necessidades do mercado e

dos clientes, para fidelização dos mesmos;

• Criação de valor – insistência na contínua formação dos tradutores e em

rigorosos padrões de qualidade para satisfação do cliente.

Adicionalmente, a Kvalitext foi a primeira empresa de tradução em Portugal a obter,

em 2010, a certificação EN 15038 que, em finais de 2015, se transformou na norma

ISO 17100: 2015 (certificação renovada por uma auditoria realizada aquando das

primeiras semanas de estágio), que especifica os requisitos organizacionais, profissionais

1 Informações baseadas no documento interno da empresa Declaração Missão Visão Valores V3 2016.

3

e de qualidade que os prestadores de serviços de tradução deverão seguir, bem como os

processos inerentes ao workflow tradutivo. Segundo as disposições da norma,

(…) translation is just one of the steps of the process and does not guarantee

quality if no revision by a second translator is carried out, as well as the precise

definition of the professional abilities of each of the participants in the translation

process, principally the translators, revisers and translation project managers.2

Por outras palavras, a qualidade da tradução não é apenas definida pela tradução

propriamente dita, mas também por todos os processos anteriores e posteriores a esta e

pelas habilitações de todos os intervenientes (gestores de projetos, tradutores e revisores).

Pela minha experiência na Kvalitext, e por todas as informações presentes neste relatório

de estágio, torna-se visível a conformidade da empresa com a referida norma ISO, que

não só otimiza o workflow tradutivo, mas também confere uma imagem mais profissional

e transparente da empresa e dos seus processos.

1.2. Especializações e tipos de textos traduzidos

Desde 2008 que a Kvalitext tem vindo a orientar os seus serviços para a tradução,

localização e revisão de conteúdos de áreas técnicas e científicas. Desta forma, muitos

projetos estão relacionados com a área da saúde e da medicina, mais concretamente, com

dispositivos médicos e documentação destinada a profissionais de saúde, ou com a

tradução técnica de manuais de instruções do setor industrial. Para além destas duas

grandes áreas, destacam-se ainda as áreas da tradução jurídica e da tradução de textos de

marketing, entre outras.

As línguas estrangeiras dos colaboradores in-house são o inglês, o espanhol, o

alemão e o francês, pelo que estas são as línguas de partida de grande parte dos projetos

realizados na empresa, que têm como língua de chegada o português europeu e/ou o

português do Brasil. A adaptação linguística do português europeu ao português do Brasil

(e vice-versa) representa, aliás, outro serviço da Kvalitext, que conta com dois

colaboradores brasileiros. Esta adaptação linguística pressupõe não só uma adaptação

2 http://iso17100.com/ – última consulta a 9 de março de 2018.

4

gramatical e sintática, mas também a adaptação terminológica a cada público-alvo

(português ou brasileiro) e às suas especificidades culturais.

A tradução automática e a pós-edição são também uma aposta recente da empresa,

um serviço pensado para responder às exigências dos projetos mais volumosos e com um

prazo de entrega mais curto. A empresa conta com um motor de tradução automática

interno, cujas propostas de tradução são cuidadosamente analisadas por um pós-editor de

forma a garantir que o produto final se adapta aos requisitos de qualidade da empresa e

aos critérios do cliente.

Finalmente, é também interessante referir que os tradutores da Kvalitext, de forma

geral, não se especializam em determinas áreas de tradução, mas sim em determinados

clientes, ou seja, sempre que possível, todos os projetos de um mesmo cliente são

atribuídos ao(s) mesmo(s) tradutor(es). Esta é uma prática recorrente na empresa e

bastante lógica, uma vez que:

• Cada cliente estabelece instruções gerais (e às vezes bastante extensivas) a

serem aplicadas a todos os seus projetos;

• Cada cliente tem uma terminologia específica;

• Muitos clientes possuem guias de estilo individuais3;

• Alguns clientes enviam os seus projetos em CAT-tools menos usuais (como

em Wordbee ou XTM);

• Certos projetos envolvem apenas a tradução de novos segmentos ou a

adaptação ortográfica de segmentos anteriormente traduzidos pelo tradutor

(concretamente, adaptações à grafia pós-Acordo Ortográfico).

Tendo em conta que os Translators e os Senior Translators têm um volume de

trabalho mais elevado e participam simultaneamente em vários projetos, por vezes

torna-se difícil ter presente as instruções específicas e as preferências terminológicas de

cada cliente. Portanto, dentro do possível, é certamente mais rentável e benéfico ter um

tradutor especializado num número definido de clientes e familiarizado com os

procedimentos, instruções, terminologia e CAT-tools específicas desse cliente.

3 Quando o cliente não fornece um guia de estilo, é aplicado o guia de estilo interno da Kvalitext.

5

1.3. Organização e instalações

Na Kvalitext equilibram-se dois valores muito importantes para um

desenvolvimento bem-sucedido e conclusão de um projeto de tradução: espírito de equipa

e proatividade. Assim, cada colaborador deverá compreender as suas funções e

responsabilidades. Afinal de contas, uma clara distribuição de tarefas promove

autonomia, responsabilidade e celeridade.

No momento do estágio, a Kvalitext contava com os seguintes recursos humanos4:

• Duas Administradoras, encarregadas da gestão e controlo a empresa,

focando-se essencialmente nas áreas de marketing, recursos humanos,

finanças, qualidade e gestão das operações internas;

• Um IT Manager, responsável pelo desenvolvimento, manutenção e

atualização de todo o sistema informático, bem como pela resolução de

eventuais problemas;

• Duas Project Managers (PM), responsáveis pelo atendimento, apoio e

satisfação do cliente, um papel que será aprofundado no ponto 3.1.;

• Duas Linguistic Managers, responsáveis não só pela tradução e revisão de

textos, mas também pelo controlo, harmonização e atualização da

terminologia, bem como pela garantia de qualidade; além disto, este

departamento é também responsável por ações de formação e pelo

acolhimento e acompanhamento de novos colaboradores e estagiários,

como foi o caso;

• Cinco Senior Translators, intervenientes em projetos de maior extensão

e/ou complexidade (espera-se que sejam capazes de traduzir 3500 palavras

por dia) e responsáveis pela revisão e projetos de pós-edição;

• Nove Translators, intervenientes em traduções de textos de diferentes

volumes e complexidades (espera-se que sejam capazes de traduzir 2500

palavras por dia), efetuando, ocasionalmente, tarefas de revisão;

• Três Assistant Translators, cargo desempenhado pelos estagiários, que

traduzem textos de caráter mais geral e pouco complexos; espera-se que um

Assistant Translator seja capaz de traduzir 2000 palavras por dia e que, ao

4 Informações baseadas no documento interno da empresa Manual de Procedimentos V. 12/2016.

6

longo do seu estágio, aumente progressivamente essa média;

• Tradutores freelance.

Desde o primeiro dia de estágio, a administração e as LM tornaram clara a máxima

da empresa: comunicar, comunicar, comunicar. Na Kvalitext, o trabalho em equipa e a

cooperação são encarados como fatores determinantes para o sucesso e o

desenvolvimento da empresa e dos seus colaboradores, pelo que os estagiários são

encorajados a dirigir todas as suas dúvidas a qualquer elemento da equipa, especialmente

às LM e aos Senior Translators, que sempre se mostraram acessíveis e prontos para

responder a todas as questões, por mais ocupados que estivessem.

Mensalmente, são realizadas reuniões entre os tradutores e a administração, onde

os colaboradores fazem um balanço do mês de trabalho, compartilhando dificuldades e

formas encontradas para as contornar, dúvidas em relação a certos procedimentos internos

e sugestões para melhorar o fluxo de trabalho. Esta iniciativa parece-me bastante

importante, atendendo principalmente ao número de colaboradores e à exigência e rigor

Administração

Departamento de TI

Departamento de Gestão de

Projetos

Project Manager

Departamento Operacional

Senior Translator

Translator

Assistant Translator

Freelancer

Departamento de Qualidade

Linguistic Manager

Figura 1: Organigrama organizacional da Kvalitext.

7

de certos clientes. Se os colaboradores sentirem que, na prática, há certos procedimentos

que não funcionam ou que deveriam ser melhorados, é muito gratificante que a sua

opinião seja ouvida e que, consequentemente, se implementem mudanças para possibilitar

a sua rentabilidade e melhorar o ciclo de vida de um projeto. Logo, a comunicação e a

cooperação entre todos os colaboradores são fatores importantes para a prosperidade de

qualquer empresa.

Nos seus quase dez anos de atividade, a Kvalitext tem vindo a crescer de forma

constante, expandindo as suas instalações e alargando a sua equipa de tradução.

Atualmente, as instalações da empresa estendem-se por dois pisos: um inferior, no qual

se localizam a sala de reuniões e um espaço de convívio, onde os colaboradores realizam

as suas pausas e descontraem; e outro superior, onde se encontram as estações de trabalho

dos colaboradores, que se encontram agrupadas por “ilhas de idiomas”. De forma a

promover a interajuda entre os tradutores que partilham as mesmas línguas de trabalho

(para além do inglês, comum a todos os colaboradores), existe uma ilha dedicada ao

alemão, duas ao espanhol e, outra, ao francês, o que garante um apoio constante entre

tradutores e revisores.

Cada estação de trabalho encontra-se equipada com cadeiras ergonómicas e, além

disso, é possível requisitar apoios para mãos, costas e pés, comodidades essenciais para

o tradutor, que ajudam a prevenir eventuais mazelas provocadas por gestos repetitivos e

má postura. Em suma, torna-se evidente que os colaboradores e a administração se

esforçam para criar um ambiente cómodo e agradável que promova a concentração e o

bem-estar, ambos essenciais para o bom desempenho do tradutor.

8

Capítulo 2 – Descrição do estágio

2.1. Duração do estágio

O estágio curricular realizado na Kvalitext teve uma duração de três meses e duas

semanas, com inicio a 15 de janeiro de 2018 e fim a 27 de abril do mesmo ano, num

regime de oito horas diárias. Pela primeira vez, a empresa acolheu simultaneamente três

estagiárias e, desta forma, pude contar com a companhia de uma colega do MTSL e de

uma outra colega oriunda do Mestrado em Tradução Especializada da Universidade de

Aveiro.

Segundo o plano de estágio redigido pela empresa (cf. Anexo 2), o estágio

curricular tem como objetivo a adaptação do estagiário ao mundo da tradução profissional

e a sua formação no que diz respeito aos procedimentos e exigência de uma empresa de

tradução. Ocupando o cargo de Assistant Translator, os objetivos a atingir seriam, numa

primeira fase, a consolidação e o aperfeiçoamento dos conhecimentos adquiridos em

contexto académico, a familiarização com algumas CAT-tools e a tradução (e

autorrevisão) de uma média diária de 2000 palavras de textos pouco complexos. Numa

segunda fase, em virtude da adaptação ao workflow da empresa e à experiência adquirida,

espera-se que o estagiário tenha desenvolvido boas e metódicas capacidades de busca de

informação; que domine, pelo menos, uma CAT-tool de tradução e uma outra de QA e

que, portanto, seja capaz de traduzir uma média diária de 2500 palavras de textos de áreas

de conhecimento mais específicas e complexas.

Com o acompanhamento das LM, a primeira semana de estágio foi dedicada à

integração das estagiárias na Kvalitext e à familiarização com os seus processos. Assim,

tive acesso à documentação da empresa relativa aos respetivos procedimentos internos e

organização, ao guia de estilo e aos manuais de instruções de todas as CAT-tools utilizadas

na Kvalitext e adaptados aos procedimentos da empresa. Para além disso, as LM

forneceram traduções e revisões de projetos anteriores para que, por um lado, nos

familiarizássemos com as áreas de conhecimento mais trabalhadas na empresa e com

alguma terminologia geral a elas associada e, por outro, para que tivéssemos consciência

das exigências de qualidade da empresa.

9

Em suma, o estágio curricular na Kvalitext promoveu a consolidação, na prática e

no mundo da tradução profissional, dos conhecimentos teóricos adquiridos durante a

formação académica. Adicionalmente, ao longo dos três meses e meio de estágio pude

também tornar-me mais autónoma e familiarizar-me com áreas mais especializadas da

tradução, bem como entender as exigências do mercado de tradução, competências e

conhecimentos adquiridos satisfatoriamente graças à minha experiência diária na

empresa.

2.2. Tipos de trabalhos realizados

O trabalho realizado ao longo das 19 semanas de estágio curricular foi

exclusivamente constituído por tarefas de tradução e de localização. No total, foram

realizados 34 projetos (cf. Anexo 1) e traduzidas aproximadamente 106 650 palavras,

distribuídas ao longo dos meses de estágio da forma seguinte:

Os pares de línguas com os quais trabalhei foram Inglês–Português europeu

(EN→PT_PT), Inglês–Português do Brasil (EN→PT_BR) e Espanhol–Português

europeu (ES→PT_PT). O primeiro par foi bastante prevalente na maior parte dos projetos

12 050

38 360 38 340

17 900

0

5 000

10 000

15 000

20 000

25 000

30 000

35 000

40 000

45 000

Janeiro (2 semanas) Fevereiro Março Abril

N.º de palavras traduzidas por mês

Figura 2: Número de palavras traduzidas por mês.

10

efetuados, conforme se pode verificar na figura 3, representando 94% de todo o trabalho

desenvolvido. No entanto, foi com o par de línguas ES→PT_PT que se efetuou o projeto

com o maior volume de palavras: 17 000 no total.

A predominância do inglês como língua de partida pode ser explicada pelo facto de

a maioria dos textos traduzidos durante o estágio se encontrar inserida na área da tradução

médica (35%) ou na área da tradução técnica (26%), onde o inglês é o idioma privilegiado

para a comunicação especializada. Estas são as duas grandes áreas de especialização da

empresa, sendo que os projetos da primeira englobavam a tradução de manuais de

instruções de equipamentos, de materiais médicos, de dispositivo de rastreio de

patologias, entre outros; e a localização de softwares de aparelhos médicos. Nestes

projetos prevalecia a terminologia médica que obrigava a uma pesquisa mais aprofundada

e cuidada, uma vez que tais documentos se destinavam a especialistas da área, ou seja,

profissionais de saúde. Já a segunda área englobava a tradução de manuais de instruções

de máquinas industriais e agrícolas, entre outras, o que exigia uma compreensão do

funcionamento e das funcionalidades das mesmas.

Para além das áreas técnica e médica, tive também a oportunidade de trabalhar em

projetos de marketing, de informática, do setor automóvel, projetos jurídicos e didáticos,

32 (94%)

1 (3%) 1 (3%)

N.º de projetos realizados por par de línguas

EN→PT_PT EN→PT_BR ES→PT_PT

Figura 3: Número de projetos realizados por par de línguas.

11

o que, por sua vez, me permitiu traduzir uma grande variedade de géneros textuais5, como

podemos verificar nos gráficos abaixo.

5 Proposta de subclassificação de tipos de texto utilizada na Kvalitext.

12 (35%)

9 (26%)

6 (18%)

4 (12%)

2 (6%)1 (3%)

Áreas temáticas

Medicina Técnica Marketing Informática Didática Jurídica

15 (44%)

7 (20%)

4 (12%)

3 (9%)

2 (6%)1 (3%)

1 (3%)1 (3%)

Géneros textuais

Manual de instruções Software informático Política de privacidade

Folheto informativo Formação Anúncio publicitário

Folha de venda Guião

Figura 5: Número de projetos realizados por género textual.

Figura 4: Número de projetos realizados por área temática.

12

Como é possível constatar na figura 4, durante o estágio tive a oportunidade de

explorar várias áreas temáticas o que, nesta fase de aprendizagem, me parece essencial,

pois tal permitiu-me entrar em contacto com a terminologia de diversas áreas, identificar

temas onde me sentia mais confortável e reconhecer os meus pontos fortes e os pontos a

melhorar. Para minha surpresa, constatei que os projetos de marketing me causavam mais

incertezas já que, por vezes, se tornava difícil saber até que ponto me poderia distanciar

do texto de partida (TP) e decidir qual a tradução mais apropriada e apelativa para o

público de chegada. Por outro lado, mesmo reconhecendo a complexidade dos projetos

da área da medicina, descobri que a minha formação em Ciências, adquirida no ensino

secundário, estava ainda bastante presente, o que me fez sentir mais confortável nessa

área.

Igualmente, tal como demonstrado na figura 5, tive a oportunidade de trabalhar com

vários géneros textuais, o que me permitiu estudar as suas convenções, especificidades e,

por último, identificar as estratégias de tradução para cada caso. Numa fase anterior à

tradução propriamente dita, a análise textual e a classificação do texto quanto ao género

ajudam o tradutor a compreender o TP, a definir estratégias de tradução e a estruturar a

sua tradução. De acordo com Chesterman, a definição de estratégias de tradução é

particularmente importante para orientar e materializar o trabalho do tradutor, já que “[t]o

speak of translation strategies is thus to look at translation as an action, to place it in a

wider context of action theory” (Chesterman, 2000: 88). Analisando a figura 5, torna-se

evidente que os manuais de instruções foram o género de texto mais traduzido no decorrer

do estágio (44%) e, devido ao elevado volume de trabalho que este género representa no

mundo da tradução, será relevante efetuar uma reflexão sobre as características e

particularidades deste género textual no âmbito deste relatório, tarefa que

empreenderemos adiante na secção 2.4.

2.3. Apreciação global do estágio

Conforme já mencionei, a via profissionalizante foi, sem dúvida, a melhor forma

de consolidar e colocar em prática os conhecimentos adquiridos ao longo do MTSL. A

variedade de géneros textuais traduzidos, bem como as CAT-tools e ferramentas de QA

utilizadas para tal, contribuíram para a expansão dos meus conhecimentos e muniram-me

13

de estratégias para lidar com as várias dificuldades e contratempos do mundo da tradução.

Adicionalmente, o contacto com textos de várias áreas temáticas permitiu-me adquirir um

considerável conhecimento geral e terminológico dessas mesmas áreas, um valioso ponto

de partida para, futuramente, lidar com textos mais específicos e complexos.

Diria que os primeiros obstáculos com os quais tive de lidar no início do estágio

estavam relacionados com a autoconfiança nas minhas capacidades e com o “peso” da

responsabilidade da profissão. No entanto, com os conselhos dos membros da Kvalitext

e, especialmente, com o apoio incansável da minha orientadora na empresa, fui capaz de

ultrapassar estes primeiros desafios. Desta forma, considero que a integração numa

equipa de tradução in-house como a da Kvalitext foi crucial para a minha evolução não

só a nível profissional, mas também pessoal. Na empresa, tive a oportunidade de

amadurecer conhecimentos e também de adquirir rapidamente outras competências

através do exercício diário da tradução e do contacto com tradutores/revisores com longos

anos de experiência. Neste contexto, convém realçar o ambiente profissional na Kvalitext,

mas também o de companheirismo e de entreajuda, o ambiente de aprendizagem ideal

para quem está prestes a lançar-se no mundo da tradução. Para além disso, os métodos de

trabalho e as instalações da empresa também possibilitaram a assimilação da

autodisciplina e da concentração essenciais para a rentabilidade de tradução.

De igual forma, os requisitos de qualidade da empresa foram também importantes

nesta fase final de aprendizagem e de transição para o “mundo real” da tradução. Graças

aos mesmos, os meus métodos de pesquisa de informações tornaram-se mais exaustivos

e os procedimentos de autorrevisão mais exigentes, o que potenciou a qualidade das

minhas traduções e, consequentemente, criou um sentimento de orgulho cada vez maior

em relação ao meu trabalho.

Em relação aos aspetos menos positivos, devo referir que, por vezes, estive horas

ou mesmo um dia inteiro sem qualquer projeto. Claro que, para potenciar o meu tempo

na empresa, gostaria de estar constantemente a traduzir, mas tal nem sempre foi possível.

Contudo, este tempo livre não foi desperdiçado, mas antes utilizado para recolher

informações para a elaboração do relatório de estágio e para analisar as alterações

implementadas às minhas traduções pelos revisores. Assim, até estes momentos sem

projetos, que poderiam ter sido desanimadores, foram úteis do ponto de vista pedagógico,

14

para que eu aprendesse com os meus erros.

Em suma, considerei o estágio curricular realizado na Kvalitext extremamente

proveitoso: o protocolo de estágio proposto foi cumprido, as minhas expectativas em

relação ao estágio foram superadas e, de forma geral, fiquei também satisfeita com o meu

desempenho. Já no que diz respeito à avaliação final do estágio por parte da empresa

acolhedora, esta foi positiva (cf. Anexo 3), tendo sido oferecida a possibilidade de

permanência na Kvalitext através de um estágio profissional.

2.4. Considerações sobre os manuais de instruções

Entre todos os projetos realizados ao longo do estágio, o discurso técnico foi, sem

dúvida, o mais prevalente e, inserido neste tipo de discurso, os manuais de instruções

foram o género textual mais traduzido. De facto, em 2006, a tradução de manuais de

instruções representava cerca de 90% das traduções realizadas anualmente (Byrne, 2006:

2), uma tendência que decerto se manterá, visto que as legislações e normas internacionais

exigem que a documentação técnica associada aos produtos esteja disponível nas línguas

dos países onde estes são comercializados.

Uma vez que cada tipo de texto é produzido com um objetivo específico e para um

público-alvo definido (Byrne, 2012: 70), apresentando algumas características

definitórias e expectáveis, é importante que o tradutor seja capaz de conhecer, identificar

e adotar as estruturas e convenções de cada género textual; caso contrário, “[w]ithout the

ability to recognize a text as a sample of a particular form […] we [tradutores] would be

unable to decide what to do with it; we could neither comprehend nor write nor, clearly,

translate” (Bell, 1991: 206 apud Byrne, 2012: 70–71). Logo, o conhecimento bilingue

das tipologias textuais é essencial para a interpretação, abordagem e consequente tradução

do TP.

No que diz respeito aos manuais de instruções, estes constituem um género textual

que visa “to provide the reader with easy access to precisely the information they need at

a particular moment and to ensure that it is clear and comprehensible” (Byrne, 2012: 59).

Logo, um manual de instruções não é um fim em si mesmo, ou seja, o leitor consulta

secções específicas do manual para, assim, poder desempenhar determinadas tarefas; o

15

manual de instruções é, portanto, um meio e deve, desta forma, preencher certos requisitos

para cumprir a sua função de forma eficiente. Todavia, parece existir um “sentimento de

insatisfação generalizado” (Guimarães, 2012: 1) em relação aos manuais de instruções,

que frequentemente são considerados ininteligíveis ou mal traduzidos. Desta forma,

penso que será relevante refletir sobre as características essenciais dos manuais de

instruções para que, enquanto tradutora, possa oferecer um pequeno contributo para a

compreensão do género textual e para o aumento da qualidade das traduções do mesmo.

Segundo as tipologias textuais de Katharina Reiss, posteriormente sumarizadas por

Christiane Nord (1997), cada texto assume uma função mais prevalente: informativa,

expressiva ou operativa (Nord, 1997: 37–38). Neste enquadramento teórico, será mais

relevante abordar a função informativa, uma vez que é a função principal dos manuais de

instruções. Neste tipo de textos, “the main function is to inform the reader about objects

and phenomena in the real world” (id.: 37) ou, mais especificamente, transmitir conteúdo

factual relativo ao produto visado no respetivo manual de instruções, pelo que o texto de

chegada (TCh) deve ser uma tradução integral e correta do TP (id.: 38). Logo, um manual

de instruções terá uma função informativa tanto na língua de partida como na língua de

chegada, o que, segundo Nord, é um tipo de tradução instrumental (id.: 50), que oferece

ao leitor de chegada um texto traduzido que cumpre a mesma função comunicativa do

TP, sem que o leitor se aperceba de que está a ler uma tradução (ibid.), uma “ilusão” que

os manuais de instruções traduzidos, idealmente, deverão ser capazes de perpetuar.

Para que esta “ilusão” possa ser criada, a transmissão da informação técnica deverá

ser cuidada; quer no TP, quer nas suas traduções, essa informação deverá apresentar-se

bem fraseada e estruturada, de forma clara e concisa (Byrne, 2009: 2), cumprindo

requisitos de “readability” e de “usability” (Byrne, 2006: 92–93); respetivamente, o

requisito de legibilidade refere-se à adaptação da complexidade linguística (tamanho das

frases e das palavras, número de sílabas etc. [Olohan, 2016: 53]) ao nível do

conhecimento do público-alvo; já a usabilidade avalia com que eficácia os leitores

conseguem aplicar essa informação linguística e técnica para desempenhar a tarefa

pretendida (Byrne, 2006: 92–93). Adicionalmente, Robinson propõe um terceiro fator

igualmente importante para a tradução técnica: “reliability” (Robinson, 2003: 7); segundo

o autor, o tradutor deverá desempenhar o seu trabalho de forma responsável e fiável para

fornecer ao leitor de chegada toda a informação de que este necessita (ibid.).

16

Igualmente importantes são os parâmetros de compreensibilidade estabelecidos por

Göpferich (Göpferich, 2009: 40–48) (percetibilidade, simplicidade, estrutura, correção,

concisão e motivação), bastante relevantes para a elaboração e também para a tradução

de textos técnicos, sendo, portanto, fundamental refletir sobre os mesmos.

• Concisão: apenas deverá ser fornecida a informação necessária para que o

texto cumpra a sua finalidade comunicativa; informação excessiva ou

escassa, bem como redundâncias, tautologias e repetições desnecessárias

confundem o leitor, aumentam o seu esforço cognitivo e levam-no a perder

tempo (id.: 40).

• Correção: o texto deverá encontrar-se livre de erros, adaptado às convenções

do género textual no qual este se insere e ser compatível com os

conhecimentos e expectativas do leitor (id.: 42), isto é, deve cumprir a noção

de legibilidade apresentada por Byrne (Byrne, 2006: 92).

• Motivação: o manual de instruções, para além de procedimental, deverá

também ser motivacional para atrair e satisfazer os leitores (Göpferich,

2009: 43). Segundo Olohan (Olohan, 2016: 66), os leitores devem ser

persuadidos em relação à utilidade do manual de instruções, que deverá

incutir um sentimento de confiança para realizar as tarefas propostas no

texto.

• Estrutura: os manuais de instruções devem apresentar o seu conteúdo de

forma lógica e estruturada (Göpferich, 2009: 44).

• Simplicidade: devem privilegiar-se estruturas que promovam uma maior

clareza das frases, evitando a voz passiva, ambiguidades, formas verbais

complexas etc. (id.: 46).

• Percetibilidade: a informação apresentada deverá ser legível (id.: 48), de

acordo com o requisito de usabilidade mencionado por Byrne (Byrne, 2006:

93), permitindo ao leitor executar facilmente as ações descritas.

Estas características sumariamente abordadas são essenciais para que um manual

de instruções cumpra com eficiência a sua função comunicativa, logo, são relevantes não

apenas para a comunicação técnica, mas também para a tradução técnica, já que, no

desenvolver da sua profissão, “translators have to exercise a skill akin to that of technical

17

writers” (Owens, 1996: 143). Contudo, uma análise textual não deverá ser exclusivamente

sustentada pelas características gerais de cada género textual, uma vez que cada texto é

uma entidade híbrida e complexa. Será, então, fundamental aprofundar a análise textual

dos manuais de instruções e analisá-los à luz das sequências textuais propostas por Jean

Michelle-Adam (1992).

Como já foi referido, os textos são unidades heterogéneas, isto é, são compostos

por várias sequências textuais interligadas, de entre as quais prevalece uma, a sequência

textual predominante, que contribuirá para a classificação do género textual. Segundo

Adam, essas sequências textuais podem ser individualizadas em sequências narrativas

(narração de um acontecimento), descritivas (descrição das qualidades de

pessoas/objetos), argumentativas (comprovação/refutação de um facto ou hipótese),

explicativas-expositivas (exposição de informações), instrucionais-diretiva (transmissão

de comandos) e dialogais-conversacionais (que ocorrem na interação oral).

Pelo anteriormente exposto e devido à natureza instrucional e diretiva dos manuais

de instruções, é possível concluir que a sequência textual predominante neste género

textual será a instrucional-diretiva, orientando as ações do leitor através de comandos e

impondo e/ou delimitando certos comportamentos. Todavia, os manuais de instruções

não se limitam à comunicação de instruções; frequentemente, estes textos cumprem

também uma função retórica6, promovendo o produto e tentando estabelecer a

credibilidade e o profissionalismo da marca (Olohan, 2016: 58), apresentando, portanto,

elementos de marketing para atrair e fidelizar clientes (Guimarães, 2012: 29). Assim,

sequências textuais como a descritiva e a explicativa também se encontram presentes

neste género textual, como podemos constatar na tabela seguinte.

Tabela 1: Exemplos de sequências textuais presentes nos manuais de instruções.

Instrucional-diretiva

(predominante)

Hold the transducer by the handle and guide the transducer

carefully into the entrance of the trocar. Push the transducer

slowly down the trocar until it is seen, using the video monitor, to

6 Utilizamos aqui o termo “retórica” na aceção de Oswald Ducrot; nas suas palavras, “[e]ntenderei por

argumentação retórica a atividade verbal que visa fazer alguém crer em alguma coisa” (Ducrot, 2009: 20).

18

touch the site of interest.

Descritiva

The XXXXX slide scanner is a member of XXXXX’s

industry-leading family of digital pathology products for

anatomic pathology labs. The scanner’s easy-to-use slide trays

allow the loading and fast scanning of up to 6 standard slides or 3

double slides.

Explicativa-expositiva

Because of reports of severe allergic reactions to medical devices

containing latex (natural rubber), the FDA advises health-care

professionals to identify their latex-sensitive patients and be

prepared to treat allergic reactions promptly.

Como ilustrado pela tabela 1, na sequência instrucional-diretiva é evidente a

prevalência de verbos no imperativo (por ex., “hold” e “push”) e a descrição de várias

etapas a serem realizadas em sucessão para atingir um determinado fim (por ex., trabalhar

com o aparelho em questão). Embora menos frequentes, as sequências descritivas estão

também presentes nos manuais de instruções, não só listando as características dos

produtos, mas também promovendo a marca e tentando obter a confiança e a aprovação

do leitor; para tal, é empregue o presente do indicativo (por ex., “is”) para descrever o

estatuto da empresa que desenvolveu o produto e adjetivos para promover o mesmo (por

ex., “industry-leading”, “easy-to-use” e “fast”). Por último, é também comum o leitor

deparar-se com sequências explicativas-expositivas que relatam informações relevantes

para o utilizador, utilizando, por exemplo, conjunções causais (“because”) e verbos no

presente do indicativo (“advises”).

Sendo a sequência textual instrucional-diretiva a sequência dominante, é fácil

prever que os atos de fala predominantes (Austin, 1965 e Searle, 1969) serão o ato

ilocutório diretivo (associado a uma modalidade deôntica) e o assertivo (associado a uma

modalidade epistémica), uma vez que o significado pragmático subjacente a cada ato de

fala faz com que os atos ilocutórios diretivos e assertivos expressem uma modalidade

implícita (Duarte et al., 2003: 80), conforme podemos constatar na tabela abaixo.

19

Tabela 2: Modalidade expressa pelos atos ilocutórios.

Ato ilocutório

assertivo

Failure to observe warning messages will

result in death or serious injury.

Valor de

certeza Modalidade

epistémica Information in this document may be

subject to change without notice.

Valor de

possibilidade

Ato ilocutório

diretivo

You must dispose of these items through

designated collection facilities appointed

by government or local authorities.

Valor de

obrigação

Modalidade

deôntica Do not reuse passwords. Valor de

proibição

You can choose a different

option for each slide position in the tray.

Valor de

permissão

Dado que os atos ilocutórios diretivos são os mais característicos nos manuais de

instruções, durante os vários projetos realizados fui observando os mecanismos

linguísticos utilizados para concretizar esses mesmos atos, bem como outras formulações

frásicas prevalentes nos manuais de instruções. Tendo por base a análise do corpus

realizada por Joana Guimarães na sua tese de doutoramento, na qual a autora procedeu

“ao levantamento das principais características dos manuais originalmente redigidos em

língua portuguesa” (Guimarães, 2012: 61), empreendi numa tarefa semelhante, ainda que

mais simples e limitada, ou seja, no levantamento de mecanismos linguísticos presentes

nos manuais de instruções, conforme explicitado e exemplificado na tabela abaixo, onde

apresento o texto de partida e a minha proposta de tradução.

Tabela 3: Mecanismos linguísticos presentes nos manuais de instruções.

Mecanismos Texto de partida Tradução

Verbos no

imperativo/infinitivo

“Choose the SAVE button”;

“Refer to the Troubleshooting

chapter (…) for

troubleshooting errors”;

“Place tissue slides in XXXXX

until loading the instrument”;

“Consult user documentation”.

“Selecione o botão SAVE

(Guardar)”;

“Consulte o capítulo «Resolução

de problemas» (…) para

solucionar erros”;

“Colocar as lâminas de tecido em

XXXXX até carregar o

instrumento”;

20

“Consultar a documentação do

utilizador”.

Verbos na forma

negativa do imperativo

“Do not reuse passwords”;

“Do not attempt to scan slides

that do not have cover slips”.

“Não reutilize palavras-passe”;

“Não efetue a leitura de lâminas

sem lamelas”.

Verbos modais

deônticos

“Wet slides should not be used

on the scanner”;

“This manual must always be

easily accessible”;

“You can choose a different

option for each slide position in

the tray”.

“Não devem ser utilizadas

lâminas molhadas no leitor”;

“Este manual deverá estar sempre

facilmente acessível”;

“Pode selecionar uma opção

diferente para cada posição das

lâminas no tabuleiro”.

Repetição de

substantivos que

identificam partes do

equipamento/da tarefa a

operar

“When the foot pedal is used,

release the foot pedal to cut the

pad”.

“Quando é utilizado o pedal, solte

o pedal para cortar a almofada”.

Relações causa-efeito

“Once pressed, the Emergency

Stop button blocks the operation

of the converter”.

“Depois de pressionado, o botão

de paragem de emergência

bloqueia o funcionamento do

conversor”.

Paralelismo interfrásico

“Do not place the system on any

cart, stand, tripod, bracket, or

table that is unstable. Do not

place the system in close

proximity to other devices that

generate vibrations. Do not

place the system near large

windows to avoid prolonged

exposure to direct sunlight.”

“Não coloque o sistema sobre

carrinhos, suportes, tripés ou

mesas instáveis. Não coloque o

sistema nas proximidades de

outros dispositivos que gerem

vibrações. Não coloque o sistema

perto de janelas amplas para

evitar a sua exposição prolongada

e direta à luz solar.

Ações por ordem

cronológica

“1. Power cycle the scanner.

2. Re-run the diagnostic test.

3. If the failure re-occurs,

contact XXXXX Support.”

“1. Desligue e volte a ligar o

leitor.

2. Execute novamente o teste de

diagnóstico.

3. Se a falha voltar a ocorrer,

contacte o Serviço de Assistência

Técnica da XXXXX.”

O imperativo é o modo verbal mais utilizado para transmitir o valor instrutivo e,

assim, foi o modo verbal mais empregue (quer na forma afirmativa, quer na forma

21

negativa) na tradução das instruções. No entanto, convém referir que, em português, estas

podem também ser transmitidas através de um infinitivo com valor de imperativo, uma

opção empregue em alguns contextos. Para além disso, as obrigações, proibições e

permissões podem também ser transmitidas através do uso de verbos modais (em inglês,

“should”, “must”, “can” etc.), para os quais procurei uma tradução que transmitisse a

mesma modalidade deôntica, recorrendo para tal aos verbos “dever” e “poder”.

Ainda que, conforme referido, o discurso técnico procure ser conciso, também

evidencia, por vezes, uma terminologia consistente e até repetitiva, para que os termos

sejam interiorizados pelo leitor. Considerando, por exemplo, o segmento “When the foot

pedal is used, release the foot pedal to cut the pad”, podemos constatar que o termo “foot

pedal” poderia ser omitido e substituído, na tradução, por um pronome (por ex., “Quando

é utilizado o pedal, solte-o para cortar a almofada”) de forma a melhorar estilisticamente

a frase. No entanto, para este projeto em específico, o cliente forneceu as seguintes

instruções:

a. Do not use synonyms or pronouns (if a word is repeated in a few sentences in

a row, it means it should be repeated in translation also).

b. Use solely unambiguous terms.

c. Do not use unnecessarily complicated grammar structures.

d. Try to use active voice in your translation, avoid passive voice especially in

instructions / commands.

Este tipo de instruções é muito comum na tradução técnica, já que, de forma geral, se

promove uma evasão à polissemia, à ambiguidade, aos pronomes, à voz passiva e a

quaisquer estruturas frásicas que sejam demasiado complexas e, por conseguinte, causem

dúvida ao leitor ou lhe exijam um maior esforço cognitivo para decifrar e executar a ação

descrita no texto. Da mesma forma, para promover a simplicidade e a percetibilidade, é

comum os redatores técnicos recorrerem a um paralelismo interfrásico, isto é, uma

repetição de certos elementos transversal a várias frases para assegurar a coesão e facilitar

a transmissão da mensagem (no exemplo apresentado, os elementos repetidos são:

advérbio de negação [“Não”] + verbo [“coloque”] + sintagma nominal [“o sistema…”])

e para, através das mesmas palavras, fornecer informações semelhantes. Esta prática, que

22

Byrne denomina “iconic linkage” (Byrne, 2012: 130), aumenta a legibilidade e a

percetibilidade do texto, o que, por sua vez, contribui para a usabilidade do manual de

instruções em questão.

Assim, convém que os tradutores tenham presente que os manuais de instruções,

atendendo à sua função informativa, não apresentam preocupações primordiais de

estilística ou de retórica. Segundo Cabré (Cabré, 1999: 47), “[i]n general texts,

expression, variety and originality prevail over other features; in specialized texts,

concision, precision and suitability are the relevant criteria”, pelo que as questões

estilísticas podem ser ligeiramente “sacrificadas” para que o texto cumpra a sua função

comunicativa: a transmissão clara e precisa de instruções para execução por parte dos

leitores.

Por conseguinte, é da responsabilidade do tradutor conhecer as características

inerentes ao géneros textuais com os quais habitualmente trabalha, já que, segundo Byrne

(Byrne, 2006: 4), “[f]ailing to comply with target language text conventions can

undermine the credibility of the text, the author and the information in the text”. Assim,

é essencial que o tradutor coloque em prática um modelo de análise textual e, na tradução

de manuais de instruções mais concretamente, que cumpra os critérios de legibilidade,

usabilidade, fiabilidade e compreensibilidade deste género textual para priorizar a sua

função comunicativa. Por último, é importantíssimo que o tradutor tenha consciência de

que alguns dos seus erros poderão ter consequências práticas, já que o incumprimento dos

critérios e dos mecanismos linguísticos aqui analisados “can have a range of

consequences ranging from frustrated users to serious damage or even injury” (Byrne

2006: 82).

23

Capítulo 3 – Gestão de projetos, CAT-tools e garantia de

qualidade

3.1. Gestão de projetos

A profissão do tradutor tem vindo a ser remodelada pela globalização, pelos

avanços tecnológicos e pelo crescimento e reconhecimento do mercado, fatores que estão

a transformar os serviços de tradução numa indústria (Rico Pérez, 2002). Assim, os

prestadores destes serviços têm de se adaptar às mudanças de um mercado que, por um

lado, exige competências mais abrangentes por parte do tradutor e, por outro, espera que

os profissionais da tradução sejam capazes de lidar com projetos cada vez mais complexos

e extensos. É neste contexto que surge a gestão de projetos de tradução, “the key element

marrying crafts, needs, and expertise” (ibid.).

De forma geral, segundo o Guia PMBOK, um projeto é um “temporary endeavor

undertaken to create a unique product, service, or result” (PMI, 2013: 3) e a gestão de

projetos consiste na “application of knowledge, skills, tools, and techniques to project

activities to meet the project requirements” (id.: 5). Partindo destas definições, podemos

afirmar que cada tradução é, certamente, um projeto, uma vez que é temporária,

apresentando uma data de entrega bem especificada, e única, já que o resultado, isto é, o

texto traduzido, é sempre diferente.

Contudo, para além daquelas características, Rico Pérez refere que certos projetos

de tradução têm uma característica adicional, “leveraging”, já que, embora cada tradução

seja, de facto, única, muitas são o “cumulative effect” (Rico Pérez: 2002) de traduções já

realizadas. Mais concretamente, algumas traduções efetuadas durante o estágio

consistiram em breves atualizações de ortografia (adaptação à grafia pós-Acordo) ou na

tradução de passagens introduzidas e/ou alteradas em documentos informativos já

traduzidos previamente. Em ambos os casos, o produto final do projeto era apenas

ligeiramente diferente das suas versões passadas, pelo que o trabalho anteriormente

realizado por outros tradutores consistiu numa forma de “leveraging”, uma mais-valia

para entregar um produto final com boa qualidade e num espaço de tempo menor.

Desta forma, atendendo aos elevados fluxos de projetos de tradução e à sua

24

complexidade e exigência crescentes, torna-se indispensável a existência um gestor de

projetos (project manager – PM) capaz de criar e coordenar uma equipa de tradutores

cujas competências consigam satisfazer os requisitos do trabalho e do cliente,

acompanhando todo o ciclo de vida de um projeto.

Por ciclo de vida do projeto entende-se “the series of phases that a project passes

through from its initiation to its closure” (PMI, 2013: 38), ou seja, um conjunto de fases

lógicas e sequenciais inter-relacionadas que culminam numa entrega (id.: 41). É da

responsabilidade da empresa e do PM definir o número de fases de cada projeto,

dependendo da complexidade do mesmo e dos procedimentos internos em vigor.

Relativamente aos projetos realizados na Kvalitext, será possível dividir o seu ciclo de

vida em três fases, de acordo com a nomenclatura de Daniel Gouadec (2007: 13):

“pre-translation”, “translation” e “post-translation”. A tabela seguinte apresenta de forma

sucinta as várias fases e subfases às quais um projeto de tradução é sujeito na Kvalitext,

segundo a proposta de faseamento de Gouadec (2007). A mesma tabela indica os

intervenientes e resume as atividades compreendidas em cada fase.

Tabela 4: Ciclo de vida de um projeto de tradução na Kvalitext.

Fases do projeto Atividades Interveniente(s)

Pré-tradução

Análise do projeto proposto pelo

cliente;

Emissão/aprovação do orçamento.

Cliente, PM

Compilação do kit de tradução7;

Seleção da equipa de tradução e

revisão;

Upload do kit de tradução no PO;

PM

Transferência Pré-transferência

Análise do kit de tradução;

Abertura do package para

tradução;

Verificação da TM e da TB (se

disponíveis);

Antecipação de potenciais

dificuldades.

Tradutor

7 Recomendamos a consulta da lista de abreviaturas e do glossário.

25

Transferência

Tradução. Tradutor

Comunicação com o cliente/PM

caso surjam dúvidas.

Tradutor, PM,

cliente

Pós-transferência

Autorrevisão;

QA;

Verificação ortográfica;

Upload do return package da

tradução no PO;

Revisão;

QA;

Verificação ortográfica;

Upload do return package da

tradução revista no PO.

Tradutor, revisor

Pós-tradução

Verificação do cumprimento dos

requisitos estabelecidos no kit de

tradução;

Entrega do projeto.

PM, cliente

Desta forma, a gestão de projetos revela-se essencial para a organização da empresa

e para a satisfação do cliente, equilibrando e mediando os interesses de ambos. Pelo

exposto, e com base em Gouadec (Gouadec, 2007: 118–119) e na minha experiência na

Kvalitext, conclui-se que um PM desempenha duas funções distintas, mas

complementares e igualmente relevantes:

• Perante o cliente, o PM é a face da empresa e o ponto de contacto entre esta

e o cliente, estando também responsável, na fase de pré-tradução, pela

avaliação dos potenciais projetos, dos seus requisitos (por ex., CAT-tools e

equipa de tradução a serem utilizadas) e prazos; numa fase posterior, a da

tradução, deve comunicar desenvolvimentos e problemas e, na fase de

pós-tradução, está encarregado da entrega final do projeto e da recolha de

feedback junto do cliente.

• Na empresa, é da responsabilidade do PM, na fase de pré-tradução, verificar

o conteúdo dos ficheiros do projeto, identificar full matches, fuzzies e

repetições, formar uma equipa de tradução capaz de fazer frente às

exigências do projeto, disponibilizar o kit de tradução contendo as

26

instruções do cliente e, de forma geral, acompanhar atentamente o ciclo de

vida de um projeto, garantindo que é cumprido dentro do prazo e da

qualidade acordados com o cliente.

Em suma, embora o papel do PM seja mais visível nas fases de pré e de

pós-tradução, e ainda que este não participe no ato tradutivo propriamente dito (Melby,

1998), a sua relevância é transversal a todas as fases do trabalho, tornando a gestão de

projetos num serviço fulcral quer para o cliente, quer para a empresa (Bustamante, 2011).

Para o cliente, a gestão de projetos representa qualidade e transparência, uma vez que as

empresas que aplicam técnicas e procedimentos da gestão de projetos criam uma melhor

imagem junto dos seus clientes. Já na empresa, um PM melhora a comunicação e

cooperação entre os diferentes membros da equipa de tradução e torna o tradutor mais

produtivo e eficiente, pois ajuda-o a compreender o seu papel numa determinada linha de

trabalho e a finalidade da mesma.

3.1.2. Project Open

Para fazer frente ao crescente fluxo de trabalho, a Kvalitext criou, em 2013, uma

equipa exclusivamente dedicada à gestão de projetos, à comunicação com a equipa de

tradução interna e externa e à comunicação com os clientes. Atualmente, as duas PM da

empresa contam com o Project Open (PO), uma plataforma online em ambiente de

intranet e de código aberto, para gerir e planear todos os projetos realizados na empresa

e atribuí-los a diferentes tradutores e revisores. Mediante credenciais individuais, cada

colaborador tem acesso a informações específicas à sua função. Na figura 6 abaixo

apresentada, está aberto o separador “Projects”, exibindo os projetos atribuídos ao

utilizador, bem como um conjunto de informações básicas, como, por exemplo, o nome

do projeto, o seu número de identificação interno, a PM por ele responsável, a data de

entrega ao cliente e o número total de palavras.

27

Clicando num projeto específico, o tradutor é, em seguida, direcionado para a

página exclusiva desse projeto, onde encontra os subseparadores “Summary”, “Files” e

“Trans Tasks”.

O “Summary” é o separador central do projeto; aí, para além de algumas

informações gerais já presentes na vista global de “Projects”, encontram-se outras mais

específicas, como os pares linguísticos do projeto, a CAT-tool a ser utilizada, o tipo de

ficheiro de entrega, o material de referência, a área temática, a equipa alocada ao projeto

(PM, tradutor e revisor) e, se referido pelo cliente, as instruções gerais e o público-alvo

do TCh.

O separador seguinte, “Files”, consiste numa metódica organização de pastas, cada

uma delas destinada ao upload de:

• O package com o(s) ficheiro(s) a traduzir;

• Referências fornecidas pelo cliente (glossários, originais dos ficheiros etc.)

• Instruções específicas para o projeto (se disponíveis)8;

• Guia de estilo do cliente (se existente);

• Queries já realizadas por outros tradutores e/ou o template a ser utilizado

para colocar questões ao cliente;

• O return package do(s) ficheiro(s) traduzido(s) (e relatórios de QA);

8 No ponto 4.1. efetuaremos uma reflexão sobre a importância das instruções do cliente e as consequências

da falta das mesmas.

Figura 6: Visualização do separador “Projects” no Project Open.

28

• O return package do(s) ficheiro(s) revisto(s) (e relatórios de QA);

• O package entregue ao cliente.

Se tivermos em consideração o elevado fluxo de trabalho de uma empresa de

tradução como a Kvalitext, a organização, a adequada identificação e a rápida

disponibilidade dos ficheiros (quer no PO, quer no servidor da empresa) tornam-se

particularmente relevantes. Afinal de contas, uma organização metódica dos recursos

contribui para a eficácia e para a agilidade do ciclo de vida de um projeto e assegura que

toda a informação essencial para a fase de transferência esteja sempre disponível para

todos os intervenientes no projeto.

O último subseparador é o das “Trans Tasks” e, como o nome indica, permite que

os intervenientes de um determinado projeto saibam em que fase este se encontra e quem

está a trabalhar nele num dado momento. Assim, no início de todos os projetos, a PM

atribui uma tarefa a um determinado colaborador (tradução, revisão, compilação de

glossário, pós-edição etc.) que fica responsável pela sua atualização em cada fase do

projeto. Exemplificando, quando uma PM cria um projeto de tradução, o seu estado é

marcado como “Created” até que sejam organizadas e disponibilizadas todas as

informações referente ao mesmo; esta fase de pré-tradução é concluída quando a PM

seleciona a equipa de tradução e de revisão e, respetivamente, lhes atribui as tarefas “for

Trans” e “for Edit”, fazendo com que cada um dos intervenientes receba um e-mail

avisando de que foram alocados a um projeto. A primeira subfase da tradução (a

pré-transferência) inicia-se quando o tradutor lê o “Summary” do projeto, efetua o

download dos ficheiros disponibilizados em “Files” e marca o estado da sua tarefa como

“Trans-ing”, iniciando, em seguida, a subfase de transferência. Mais tarde, concluídas a

tradução e a autorrevisão, o tradutor terá de colocar na respetiva pasta em “Files” o return

package e quaisquer outros ficheiros exigidos e marcar o projeto como “for Edit”. Nessa

altura, o projeto passará para as mãos do revisor, que deverá alterar a sua tarefa para

“Editing”. A subfase de pós-transferência termina quando o revisor coloca no PO o return

package após a sua revisão e define o estado do projeto como “for Delivery”. Nesta fase,

a PM receberá um e-mail alertando-a de que o projeto se encontra pronto para ser entregue

ao cliente, o que ocorre quando são efetuadas as verificações finais e o projeto é marcado

como “Delivered”. Se aprovado pelo cliente, o projeto passará, então, pelos estados

29

“Invoiced” e “Payed”, concluindo, desta forma, a fase de pós-tradução.

Esta descrição dos diferentes estados pelos quais um projeto passa durante o seu

ciclo de vida na Kvalitext demonstra que as noções gerais da gestão de projetos se

encontram naturalmente enraizadas na tradução e na sua categorização segundo a divisão

de tarefas propostas por Daniel Gouadec (Gouadec, 2007: 21–25). Desta forma,

ferramentas de gestão de projetos como o Project Open refletem as noções da gestão de

projetos geral e adaptam-se perfeitamente ao fluxo de trabalho das empresas de tradução,

permitindo a sincronia entre os diferentes participantes no projeto e a otimização do

mesmo. Adicionalmente, estes programas também beneficiam em muitos os gestores de

projetos na medida em que lhes poupam tempo, permitem uma visão geral do

desenvolvimento do projeto e facilitam a divulgação das informações provenientes de

clientes. Igualmente importante é a rapidez do programa e a capacidade de organização e

de armazenamento seguro e prolongado de todos os recursos no PO, tornando esta

ferramenta numa boa aliada de todos os colaboradores.

Em suma, devido aos desenvolvimentos tecnológicos e científicos e à existência

diversificada de ferramentas de apoio à tradução cada vez mais sofisticadas, grandes

empresas e, por conseguinte, os seus tradutores, poderão ser sobrecarregados com vários

projetos, cada um com os seus desafios, exigindo uma equipa cooperante para os

ultrapassar. Desta forma, a gestão de projetos de tradução, potenciada pelo uso de

tecnologias apropriadas, torna-se cada vez mais relevante e usual. Logo, o gestor de

projetos é a resposta aos desafios provocados pelo rápido crescimento do mercado de

tradução, um elemento-chave para a harmonização e comunicação da equipa, a ponte de

comunicação entre os tradutores e o cliente.

3.2. CAT-tools

No início da sua atividade, há dez anos, a Kvalitext trabalhava maioritariamente

com duas ferramentas de apoio à tradução (CAT-tools) que, entretanto, já desapareceram

do mercado. Hoje, a empresa trabalha com cerca de sete CAT-tools (com os tradutores

alternando constantemente entre elas, em função das preferências dos clientes), com

várias outras ferramentas de garantia de qualidade (QA) e com a já referida ferramenta

30

de gestão de projetos, o que demonstra a crescente relevância que todas estas ferramentas

têm vindo a ganhar no mercado de tradução, com muitas delas, principalmente as CAT-

tools, a tornarem-se praticamente indispensáveis. Assim, reconhecendo a importância da

tecnologia no apoio à tradução, a Kvalitext conta, há vários anos, com um engenheiro

informático responsável pelo desenvolvimento e manutenção dos softwares, hardwares e

sistema informático da empresa.

É, portanto, indiscutível que estas tecnologias têm vindo a ganhar terreno no mundo

da tradução, pelo que o tradutor tem de se superar constantemente e não apenas possuir

boas competências linguísticas e de tradução, mas também um vasto leque de

competências informáticas e técnicas, como o conhecimento para solucionar problemas

informáticos, proficiência em várias CAT-tools, competência para criar e gerir TM e TB,

capacidade para efetuar uma pesquisa eficiente na Internet, entre outras (Gouadec, 2007:

91). De forma geral, “[t]he translator now needs to be familiar with different computer

environments and platforms, and should be able to set up, uninstall and use any new

software that happens to be required, or adapt it to specific needs and uses” (ibid.),

esperando-se, desta forma, uma grande flexibilidade de conhecimentos e de adaptação

por parte do tradutor.

As CAT-tools são, indiscutivelmente, uma mais-valia para todos os intervenientes

num projeto de tradução, principalmente quando este é extenso e/ou envolve vários

tradutores. Segundo Esselink (Esselink, 2000: 366), a produtividade de um tradutor

poderá aumentar, em média, 30% a 50% através da utilização de uma CAT-tool, o que,

globalmente, pressupõe uma redução de 15% a 30% do custo de uma tradução. De facto,

ao longo do estágio curricular, foi possível constatar que as CAT-tools tornam o trabalho

do tradutor mais célere e rigoroso, asseguram consistência e uniformidade terminológica

(através da partilha de TM), efetuam contagem de palavras, de repetições, de full e fuzzy

matches etc., permitem visualizar e movimentar as tags presentes no source, entre outros

benefícios.

Na Kvalitext foi possível não só aprofundar o conhecimento em determinadas

ferramentas de tradução adquirido durante o MTSL, mas também entrar em contacto,

quer direta, quer indiretamente com outras (através dos manuais internos disponibilizados

para todas as ferramentas), bem como explorar mais a fundo as suas funcionalidades. No

31

que diz respeito às CAT-tools, foram utilizadas quatro durante o estágio, nomeadamente

o SDL Trados Studio (versão 2017), o memoQ (versões 2015 e 8.2), o Wordbee e o SDL

Passolo (versão 2016).

Para efeitos de relatório, serão listadas a seguir as CAT-tools utilizadas ao longo do

estágio com o objetivo de colocar em evidência algumas das suas vantagens ou

desvantagens; não serão apresentadas, portanto, características gerais dos programas, mas

sim certos aspetos e reflexões sobre os mesmos, que me pareceram mais relevantes em

virtude da minha utilização do software.

3.2.1. SDL Trados Studio

O SDL Trados Studio (doravante, Studio) é a CAT-tool mais utilizada na Kvalitext

e, apesar de a versão utilizada na empresa (a mais recente até à data) ser diferente da

trabalhada na UC de Informática da Tradução do MTSL, a adaptação à versão 2017 não

acartou qualquer dificuldade devido à semelhança entre as diferentes versões do software.

Ao trabalhar no Studio, o tradutor tem de ter especial cuidado com as TM, mais

23 (68%)

9 (26%)

1 (3%)1 (3%)

CAT-tools utilizadas

SDL Trados Studio memoQ Wordbee SDL Passolo

Figura 7: CAT-tools utilizadas.

32

concretamente, verificar se estas estão corretamente atribuídas e atualizadas. Da mesma

forma, deve ter consciência de que, ao confirmar um segmento, está não só a inserir uma

tradução no target daquele projeto, mas também a partilhar uma TM que, mais tarde, será

consultada pelos colegas para referência e uso e, por isso, deve garantir que a entrada que

insere na TM é fruto de um trabalho profissional e consciente. Afinal de contas, uma TM

é o resultado de anos de trabalho e de constante atualização e melhoria, pelo que deve ser

utilizada com cuidado. Por conseguinte, uma TM constitui, para qualquer profissional de

tradução, a já referida forma de “leverage” (Rico Pérez, 2002), ou seja, uma espécie de

vantagem porque, segundo a autora (ibid.),

every translation assignment (…) is nevertheless associated, to a lesser or greater

extent, to other translation projects we handled in the past or that we might do in the

future, either because we are working for the same client on different updates of the

same product or because we are specializing in a particular field.

Isto corrobora a visão de Essenlink, que defende que as TM “are specifically designed to

recycle previously created translations as much as possible” (Esselink, 2000: 363). De

facto, muitas traduções realizadas ao longo do estágio prendiam-se com documentos com

secções reescritas ou novas cuja tradução era necessária, situações nas quais uma TM

fiável e recheada se revela essencial para efetuar uma tradução coerente e de qualidade

num espaço de tempo relativamente menor, devido a todos os apoios disponíveis.

A figura 89 exibe uma captura de ecrã dos resultados da TM do projeto 2018_0438,

que consistiu na tradução de 2600 palavras de um manual de instruções com 149 páginas

já anteriormente traduzidas na Kvalitext.

9 Na caixa cinzenta encontra-se o segmento presente no source, na rosa o segmento presente na TM, na

verde a sua tradução e nas caixas amarelas a identificação da TM e do colaborador que inseriu a entrada.

Figura 8: Exibição dos resultados da TM no Studio.

33

Neste tipo de tradução, o Studio é bastante útil porque apresenta os fuzzy matches

de forma muito clara: em primeiro lugar, é exibido o segmento presente no source com

as diferenças destacadas (na figura, a palavra a azul indica que aquele termo é novo), na

linha abaixo à esquerda é exibido o segmento presente na TM com as novas palavras a

azul e as palavras que não se encontram presentes no segmento do source que está a ser

traduzido a vermelho e rasuradas; à direta, é apresentada a tradução desse segmento da

TM. Com tais realces, o tradutor pode mais rapidamente identificar as diferenças entre o

source e a TM e, assim, acelerar o seu processo de tradução. Por fim, a linha inferior

amarela fornece, entre outras, uma informação particularmente relevante: a data da

inserção desse segmento na TM, bastante útil para o tradutor porque, em caso de dúvida

em relação a certos termos, será sempre mais seguro seguir as entradas mais recentes da

TM porque, à partida, serão as mais atuais.

Globalmente, o Studio demonstrou ser uma CAT-tool muito confiável e intuitiva,

cuja utilização é relativamente simples assim que o utilizador esteja familiarizado com as

suas funcionalidades mais relevantes. Para trabalhar com TM e TB, o software revelou-se

também o ideal, com uma organização que permite ao tradutor/revisor economizar tempo

e esforço.

3.2.2. memoQ

O memoQ foi a segunda ferramenta mais utilizada durante o estágio na Kvalitext e,

assim, pude explorar uma funcionalidade do software não trabalhada em contexto

académico: o servidor online. Uma das características definidoras deste software é o facto

de possibilitar o trabalho em projetos online, no servidor do cliente (mediante credenciais

individuais), não sendo necessário definir TM, TB ou parâmetros de QA (como ocorre no

Studio). Tudo isto facilita, sem dúvida, o trabalho do tradutor, mas sujeita-o a uma ligação

à Internet, o que, por um lado, pode tornar o programa algo lento e, por outro, pode causar

problemas na sincronização dos ficheiros ou até mesmo impedir a tradução, caso haja

uma falha na ligação à Internet (como algumas vezes aconteceu).

34

Duas outras particularidades do memoQ prendem-se com a possibilidade de

facilmente inserir as tags no target pela ordem em que aparecem no source através do

atalho “F9” e, para além disso, a possibilidade de localizar, através de “Crtl + F”,

determinada frase/palavra no documento e gerar uma lista com todas as suas ocorrências,

inclusivamente com as palavras do texto contido nas tags que, obviamente, não pode ser

editado, mas cujo conteúdo é importante para a seleção de preposições (como realçado a

preto na figura 9) ou quando é necessário movimentar as tags para assegurar a coerência

da frase (como demonstrado na figura 10).

Figura 10: Tags do memoQ contendo informação textual.

De forma geral, no memoQ realizavam-se projetos online ou projetos offline que

exigiam especial atenção às tags, casos nos quais esta CAT-tool se revelava

particularmente útil. No entanto, no que diz respeito à utilização de TM e TB, o memoQ

apresenta tais recursos de forma menos eficiente quando comparado com o Studio.

Figura 9: Texto entre tags no memoQ.

35

3.2.3. Wordbee

O Wordbee é uma plataforma de tradução online com uma interface algo

semelhante às ferramentas de tradução mais usuais: apresenta o source à esquerda e o

target à direita, sendo os resultados da TM apresentados à direta, à semelhança do

memoQ.

Tratando-se de uma CAT-tool online, os tradutores e/ou revisores (mediante

credenciais individuais) podem trabalhar simultaneamente no mesmo projeto e,

supostamente, ver o progresso do colega em tempo real, sendo o cliente também capaz

de acompanhar o estado do projeto.

Por se tratar de uma CAT-tool com versões gratuitas e, portanto, mais económica

quando comparada com outras como o Studio ou o memoQ, alguns clientes da Kvalitext

têm vindo a aderir a esta ferramenta que, apesar de à primeira vista parecer semelhante

às CAT-tools mais comuns, na verdade ainda apresenta algumas diferenças significativas.

A maior diferença relaciona-se com as teclas de atalho. Ao contrário de muitas

outras CAT-tools, o atalho para confirmar um segmento é “Alt + seta para baixo”, muito

diferente do comum atalho “Crtl + Enter”. Além disso, não existe nenhuma tecla de atalho

para realizar uma pesquisa Concordance (como o “F3” no Studio ou o “Crtl + K” no

Figura 11: Interface do Wordbee.

36

memoQ), sendo, então necessário digitar ou copiar e colar o fragmento a pesquisar, o que

acaba por consumir algum tempo.

Adicionalmente, o Wordbee apresenta várias outras limitações que tornam esta

CAT-tool bastante desvantajosa: em primeiro lugar, as repetições não são propagadas ao

longo do documento, o que numa fase de autorrevisão com uma ferramenta de QA pode

revelar segmentos idênticos no source traduzidos de diferentes formas (o que certamente

poderia ser evitado), devendo o tradutor uniformizar esta situação; em segundo lugar, o

Wordbee apresenta automaticamente, a partir de fragmentos presentes na sua TM,

sugestões de tradução no target que, embora pudessem ser úteis em frases muito curtas,

são mais um entrave ao fluxo de trabalho porque as palavras apresentam maiúsculas e/ou

minúsculas diferentes do source (como ilustrado na figura 12), o que poderá passar

despercebido ao tradutor, levando-o a erros desnecessários. Igualmente desfavorável é o

facto de a funcionalidade “copy source no target” não substituir o texto presente no target

(como ocorre no Studio), mas sim adicionar o texto do source após o texto já presente no

target.

Tal situação foi particularmente problemática porque o projeto 2018_9822

realizado no Wordbee tinha como par de línguas ES→PT_PT, pelo que, devido à

proximidade entre estas duas línguas românicas, a tradução de muitos segmentos requeria

poucas ou mesmo nenhumas alterações em relação ao TP. No entanto, mesmo para estes

segmentos, o Wordbee apresentava uma sugestão de tradução com

maiúsculas/minúsculas muito diferentes das presentes no TP, levando-me a perder ainda

mais tempo nestes segmentos que, à partida, não necessitariam de qualquer edição. Por

último, convém ainda referir que, embora no website do Wordbee seja referido que é

possível acompanhar a tradução dos colegas em tempo real, tal não se verificou na prática,

uma vez que é necessário fechar e voltar a abrir a janela de trabalho para poder ver o

Figura 12: Exemplo de sugestões de tradução do Wordbee.

37

progresso da tradução do colega e inclusive para atualizar a TM, o que pressupõe um

inconveniente ainda maior e pode até mesmo colocar em causa a qualidade da tradução

quando existem vários participantes num mesmo projeto.

De forma geral, considerei o Wordbee limitador, com teclas de atalho pouco

intuitivas, com processos demasiado demorados e repetitivos e pouco “user-friendly”

para uma ferramenta de tradução tão básica. A sua maior desvantagem é o tempo (tão

precioso na tradução) que é necessário despender em processos repetitivos e em ações

que deveriam ser rápidas e simples. Se, segundo Esselink (Esselink, 2000: 359),

“computer aided translation tools are used to support the translator, by eliminating

repetitive work”, o Wordbee realmente falha em algumas das suas funções.

3.2.4. SDL Passolo

O SDL Passolo (Passolo) é uma CAT-tool exclusiva para a localização do material

informático, isto é, conteúdos textuais de softwares, aplicações, websites etc. Todavia,

embora o Passolo seja dedicado à localização, entre os oito projetos de localização

realizados ao longo do estágio, apenas um foi efetuado no Passolo, tendo os restantes sido

efetuados no memoQ (três), no Studio (três) e no Wordbee (um), talvez porque os clientes

não veem vantagens na aquisição de um software próprio para localização e ainda porque

os projetos realizados no memoQ e no Studio apresentavam strings mais longos e

contextualizados, com tags de formatação e sem aceleradores ou teclas de atalho,

tornando talvez as referidas CAT-tools mais adequadas para a localização.

Na UC de Tradução Automática e Pós-Edição tive a oportunidade de abordar a

versão 2011 do Passolo, mas, ainda assim, a adaptação à versão 2016 utilizada na empresa

levou algum tempo, o que, aliado às especificidades do programa e a uma interface pouco

intuitiva, tornou o meu trabalho algo mais lento.

Embora também seja um software da SDL, a interface do Passolo (figura 13) é

bastante diferente da do Studio e mais confusa; por exemplo, a localização do TP pode

ser realizada em dois locais diferente (a verde na figura) e as TM e TB são exibidas no

canto inferior esquerdo do ecrã (a amarelo), disposições que me pareceram pouco

adequadas e que dificultaram um pouco a progressão do trabalho. O tamanho do tipo de

letra também me pareceu igualmente inadequado, exigindo-me um maior esforço,

38

principalmente porque estava habituada a trabalhar com a fonte bastante aumentada quer

no Studio, quer no memoQ; já no Passolo, não existe ou não encontrei forma de

personalizar o tamanho do tipo de letra do source, o que me causou algum desconforto e

dificuldade.

Um dos aspetos positivos do Passolo é o facto de permitir a integração de TM e

TB, o que é bastante importante para garantir a consistência terminológica. Mais

especificamente, muitos clientes que solicitam à Kvalitext a tradução de, por exemplo,

manuais de instruções dos seus equipamentos, solicitam também a localização do

software associado a esse mesmo equipamento. Desta forma, é essencial assegurar uma

consistência terminológica, contribuindo esta funcionalidade do Passolo para tal.

Em suma, as tecnologias e as ferramentas de apoio à tradução têm vindo a adquirir

uma maior proeminência no mercado de tradução, representando um aliado incontornável

no auxílio ao ofício do tradutor. Por outro lado, tal é o desempenho das CAT-tools que as

Figura 13: Interface do SDL Passolo.

39

exigências de qualidade e celeridade colocadas sobre os profissionais da tradução são

progressivamente mais elevadas.

3.3. Controlo de qualidade

Os procedimentos de controlo de qualidade que decorrem na fase de

pós-transferência, isto é, depois da conclusão do processo tradutivo, são essenciais para

a garantia de qualidade do projeto e para a satisfação do cliente. Sendo a Kvalitext uma

empresa certificada pela norma ISO 17100, os processos de controlo de qualidade são

uma etapa fundamental e obrigatória no ciclo de vida de um projeto de tradução, entre os

quais se destacam os procedimentos de:

• Autorrevisão;

• Garantia de Qualidade (QA); e

• Revisão.

A autorrevisão consiste, tal como o seu nome indica, na revisão que o tradutor faz

ao próprio trabalho, após a sua conclusão. De acordo com Mossop, a autorrevisão é

particularmente importante porque, para além de reforçar o controlo de qualidade, ajuda

os tradutores a sentirem-se mais “self-reliant” (Mossop, 2014: 118), isto é, confere-lhes

mais responsabilidade e “obriga” a que estes se esforcem por encontrar soluções para os

desafios tradutivos do seu projeto (e não a delegar essa responsabilidade no revisor), o

que, consequentemente, origina uma maior satisfação e orgulho para com a tradução

realizada (ibid.).

Reconhecendo a relevância desta etapa e estando ciente da minha predisposição

para gralhas e omissões de palavras ou parte delas, procurei seguir um processo metódico

de autorrevisão baseada nas indicações de Mossop (ibid.), que englobava:

1. Leitura monolingue do texto de chegada;

2. Leitura comparativa texto de chegada–texto de partida;

3. Garantia de Qualidade (com o Xbench)

4. Verificação ortográfica (com o FLiP).

40

Quando as circunstâncias assim o permitiam, o processo de autorrevisão era

iniciado após uma pausa ou, preferencialmente, no dia a seguir à conclusão da tradução,

para colocar alguma “distância” entre o TP e a tradução realizada “so that the wording of

the translation seems somewhat unifamiliar” (id.: 119). Assim, uma leitura monolingue

do TCh permitia concentrar-me nas questões linguísticas da língua de chegada:

construção frásica, regências verbais, sintaxe, naturalidade da frase, pontuação etc. Em

seguida, realizava uma leitura comparativa segmento a segmento, lendo, em primeiro

lugar, o TCh e, depois, comparando-o com o TP, para verificar a terminologia, detetar

omissões, adições não intencionais e outros erros de tradução. A direcionalidade da leitura

comparativa era, portanto, texto de chegada–texto de partida; caso contrário, uma leitura

do TP em primeiro lugar iria reavivar o processo de tradução anteriormente realizado e

certos erros poderiam passar despercebidos porque não estaria realmente a ler o que

estava escrito no TCh, mas sim o que eu me lembrava de ter traduzido.

O facto de estar familiarizada com os procedimentos sugeridos por Brian Mossop

em Revising and Editing for Translators (2014) foi, sem dúvida, uma mais-valia neste

processo de autorrevisão que, por vezes, se pode tornar moroso e exaustivo. Em primeiro

lugar, esta é uma atividade que exige uma constante concentração para ultrapassar a

“cegueira” que o tradutor cria em relação à sua tradução (Mossop, 2014: 119), ou seja, é

necessária uma leitura minuciosa e atenta de todo o TCh. Em segundo lugar, a

autorrevisão exige um contínuo autoquestionamento das nossas soluções tradutivas e da

terminologia empregue; contudo, uma questão se levanta: será proveitoso efetuar uma

nova pesquisa para confirmar a tradução de um termo relativamente à qual estamos

inseguros quando, durante a fase da tradução, já consultamos todas as fontes disponíveis?

Considero que sim, já que a visão holística adquirida do TP depois de concluída a

tradução pode ajudar-nos a compreender certos termos e, por conseguinte, efetuar uma

pesquisa mais eficaz.

Por último, é importante assinalar que nem sempre era possível aplicar inteiramente

os métodos acima listados nem efetuar uma autorrevisão aprofundada, uma vez que as

exigências dos prazos de entrega obrigavam a apressar o procedimento. Todavia, quer por

brio profissional, quer por respeito para com o cliente e para com o revisor, a autorrevisão

não deverá ser sacrificada, até porque, tal como Mossop refere, “[s]kipping self-revision

is simply unprofessional” (Mossop, 2014: 182).

41

Concluída a autorrevisão, era então iniciada a revisão, uma etapa essencial para a

garantia da qualidade do projeto. Mais do que uma mera correção linguística, uma revisão

deverá assegurar que uma tradução “is an accurate and acceptable rendition of a source

text for the target readership” (Chakhachiro, 2005: 255), isto porque, por vezes, o tradutor

está tão concentrado nas instruções do cliente ou nos problemas tradutivos que, não

intencionalmente, descura as necessidades do público-alvo; assim, cabe ao revisor

reconciliar os interesses do tradutor, do cliente e/ou do público de chegada (Mossop,

2014: 123).

A revisão apresenta-se, então, como um procedimento valioso para todos os

intervenientes no projeto de tradução. Para um tradutor recém-formado ou para um

estagiário, a revisão reveste-se de uma maior importância, convertendo-se numa

oportunidade de aprendizagem e de feedback em relação ao trabalho produzido. Segundo

Gouadec (Gouadec, 2007: 337),

[t]he future translator needs to acquire the necessary knowledge and competence

in the first stages of training, to be guided during the actual translation process, and to

receive feedback through correction or revision afterwards – revision being a major

opportunity to learn what went wrong, and why, but also to confirm what worked out

well.

Graças à vasta equipa da Kvalitext e ao apoio constante de todos os seus elementos,

verificou-se este acompanhamento crucial para a formação do estagiário/tradutor, bem

como a partilha de conhecimentos. Pode então dizer-se que o revisor desempenha duas

funções: uma profissional, revendo o texto para o cliente e assegurando a sua qualidade,

e outra “instrucional”, corrigindo os erros do tradutor, mostrando-lhe os seus pontos

fracos e como os evitar.

Na Kvalitext, estes processos de autorrevisão e de revisão, englobados na

pós-transferência, são potencializados por dois programas que serão sucintamente

abordados a seguir: o Xbench e o FLiP.

42

3.3.1. Xbench

O Xbench é uma ferramenta de QA mais avançada do que as funcionalidades de

QA e de Quality Assurance que, respetivamente, se encontram incluídas no Studio e no

memoQ. Desta forma, o QA realizado nestas CAT-tools deve ser completado por um QA

mais aprofundado realizado no Xbench.

Uma das melhores funcionalidades do Xbench é, sem dúvida, a possibilidade de

inclusão de uma “Project checklist”; esta lista, fornecida pelo cliente, consiste num

ficheiro compatível com o programa, indicando, entre outras, preferências terminológicas

e de sinais de pontuação (por ex., preferência pelas aspas em linha/latinas em detrimento

das aspas elevadas/inglesas), que, quando integrado no programa, elabora uma lista de

segmentos que não se encontram em conformidade com as instruções do cliente (figura

14). Tal é bastante útil porque, quando um tradutor participa simultaneamente em vários

projetos, é natural que pormenores estilísticos e preferenciais sejam confundidos ou

esquecidos, erros que, com o Xbench, podem ser rapidamente resolvidos.

Todavia, como ocorre em todas as ferramentas de QA, o Xbench apresenta bastantes

erros falsos, que são assinalados, por exemplo, quando os numerais do TP são escritos

por extenso no TCh, ou quando existem palavras escritas em maiúsculas no TP que o

programa erradamente reconhece como siglas ou unidades que não deveriam ser

traduzidas, o que, frequentemente, não é o caso, tal como se pode constatar na figura 15.

Figura 14: Identificação da ausência do símbolo ™ no target.

Figura 15: Exemplos de erros falsos assinalados pelo Xbench.

43

Contudo, apesar dos vários erros falsos apresentados pelas ferramentas de QA,

programas como o Xbench são bastante úteis para a correção de inconsistências

tradutivas, apresentando erros que normalmente passam despercebidos às

funcionalidades de QA incluídas nas CAT-tools. Assim, o tradutor/revisor deverá dedicar

algum tempo a cuidadosamente analisar os erros apresentados pelo Xbench, já que, no

meio de vários erros falsos, decerto existirão erros verdadeiros que, provavelmente, o

tradutor/revisor não conseguirá detetar “à vista desarmada”.

3.3.2. FLiP

Após realizadas as leituras monolingues e bilingues e o QA, o processo de

autorrevisão/revisão é, finalmente, concluído com uma verificação ortográfica potenciada

pelo FLiP, um programa de processamento de texto semelhante ao Microsoft Word, mas

com a particularidade de possuir um corretor ortográfico e sintático bastante fiável que

identifica e apresenta sugestões para erros ortográficos e de pontuação, erros de

concordância, palavras parónimas, erros na flexão dos verbos e no uso de particípios

passados (como demonstrado na figura 16), entre outros.

Este pode parecer um procedimento muito simples e comum, mas é tão importante

como qualquer outro processo inerente à tradução. Afinal de contas, qualquer falante

Figura 16: Identificação da seleção errada do particípio passado do verbo “imprimir” no FLiP.

44

nativo comete erros ao digitar, as frases longas propiciam erros de concordância em

género e/ou em número e os sinais de pontuação podem muito facilmente ser mal

colocados; estes são erros perfeitamente evitáveis, mas não facilmente percetíveis ao

tradutor e até mesmo ao revisor, já que estes estão diretamente envolvidos na produção

do texto. Um leitor final, por sua vez, mais distanciado em relação ao texto, poderá

facilmente detetar tais erros e, tratando-se da sua língua materna, considerá-los

inadmissíveis. Desta forma, um corretor ortográfico como o FLiP ajuda a evitar tais

situações e, como tal, a importância deste procedimento final não deverá ser subestimada.

45

Capítulo 4 – Tradução: análise de casos práticos

Neste capítulo serão apresentadas algumas passagens de vários projetos realizados

ao longo do estágio, mais propriamente aquelas que causaram maiores dificuldades

durante a tradução e que, por conseguinte, mobilizaram mais conhecimentos adquiridos

durante o MTSL ou no decorrer do próprio estágio.

De forma a contextualizar as passagens e a identificá-las, são fornecidas

informações relevantes sobre o projeto em questão; algumas eram facilmente acessíveis

através do PO (como o número de palavras do projeto e a área temática em que este se

insere), enquanto outras informações, tão ou mais relevantes como/do que as anteriores

(como a função do texto, segundo Katharina Reiss, e o tipo de tradução a realizar10,

segundo Christiane Nord, bem como o tipo e género de texto e o seu público-alvo),

tiveram de ser autonomamente deduzidas e refletidas durante a fase de pré-tradução, para

definir estratégias e prioridades para o ato tradutivo.

Finalmente, as passagens a abordar serão apresentadas em tabelas e, caso

necessário, as palavras/frases sobre as quais irá incidir a análise serão colocadas a negrito

e/ou sublinhadas. Sempre que seja pertinente, para além do TP e da tradução, será também

apresentada a versão revista e final.

4.1. Instruções do cliente

Segundo Christiane Nord, “[t]ranslating without clear instruction is like swimming

without water” (Nord, 1997: 78), isto é, as instruções são um componente vital para o

processo tradutivo e, como tal, a sua importância não deverá ser subestimada. Segundo

Gouadec, o tradutor deverá ter acesso, na frase de pré-tradução, ao que o autor denomina

“translation kit” (Gouadec, 2007: 63), que deverá conter o material a traduzir, os

documentos de referência relacionados com o material a traduzir, memórias de tradução

e bases de dados terminológicas, glossários contendo terminologia já aprovada pelo

10 Todos os projetos realizados constituíram uma tradução instrumental, já que a finalidade do TCh foi

sempre idêntica à do TP (Nord, 1997: 50).

46

cliente, guias de estilo, documentos que possam fornecer contexto (ibid.), entre outros

elementos possíveis.

No entanto, este kit nem sempre é suficiente e, de forma a tomar e/ou fomentar

decisões tradutivas, o tradutor necessita de informações extratextuais. Nomeadamente, o

tradutor deverá saber a finalidade do TCh que está a produzir, já que tal constitui um fator

determinante no processo de tradução (Nord, 1997: 27). Baseada na Skopostheorie de

Hans Vermeer e de Katharina Reiss (Grundlegung einer allgemeinen

Translationstheorie, 1984), Nord defende que os clientes necessitam de que a tradução

de um texto atinja uma finalidade em particular, pelo que “[t]he translator thus needs

information about the specific goals each translation is supposed to achieve, and this

requires extra-textual information of some kind, usually from the client” (Pym, 2010: 43).

Para Nord, estas informações extratextuais constituiriam o “translation brief” que,

idealmente, deveria fornecer informações como, por exemplo, o objetivo e a função do

TCh, o público-alvo (bem como os seus conhecimentos e expectativas em relação às

informações presentes no TP), o meio e o momento em que ocorrerá a comunicação etc.

(Nord, 1997: 30). Desta forma, o “translation brief” é particularmente relevante para uma

abordagem prévia e geral ao projeto em questão porque oferece ao tradutor informações

extratextuais valiosas que lhe permitem ter uma visão holística do projeto, decidir as

estratégias de tradução mais adequadas e tomar decisões fundamentadas.

Infelizmente, o estágio permitiu-me constatar que tais instruções são meramente

um cenário teórico e idealizado que, na prática, frequentemente não se concretizam com

a profundidade necessária. Após alguma reflexão e análise de todos os projetos realizados

ao longo do estágio, agrupei e classifiquei os cenários com os quais me deparei da forma

seguinte:

• Instruções inexistentes: o cliente não fornece quaisquer instruções para o

projeto em questão, nem informações contextuais (documentos de

referência, glossário etc.) nem informações extratextuais (finalidade da

tradução, público-alvo etc.);

• Instruções desadequadas/insuficientes: as “instruções” resumem-se à

explicitação dos pares de línguas e/ou a observações de que o TCh não

deverá conter erros ortográficos e gramaticais, deverá soar natural etc.

47

(aspetos que, no meu ponto de vista, são requisitos básicos de uma tradução

profissional);

• Instruções deduzidas: o cliente não fornece quaisquer instruções para o

projeto em questão, mas o PM e/ou o tradutor deduzem as instruções para o

projeto a partir de instruções gerais de projetos anteriores desse mesmo

cliente que poderão orientar o processo de tradução;

• Instruções suficientes: o cliente fornece material de apoio e providencia

informações relativas à finalidade da tradução e/ou o seu público-alvo.

Desta forma, o desenrolar do estágio permitiu corroborar uma realidade para a qual

os estudantes do MTSL tinham sido alertados durante o decorrer do mesmo: os clientes,

claramente, subestimam a importância das instruções e informações contextuais. Tal

cenário é ilustrado pelo gráfico abaixo, elaborado através da inclusão de cada projeto

trabalhado nas categorias anteriormente estabelecidas.

Como é possível constatar, considero que em mais de metade dos projetos (59%)

7 (20%)

7 (21%)

6 (18%)

14 (41%)

Tipos de instruções fornecidas

Inexistentes Desadequadas/insuficientes Deduzidas Suficientes

Figura 17: Tipos de instruções fornecidas pelos clientes.

48

não possuía instruções diretas suficientes para realizar a tradução da forma mais refletida

possível. Em alguns projetos, inclusivamente, em que as instruções foram consideradas

suficientes, estas apenas chegaram após o tradutor/PM tomar a iniciativa de inquirir o

cliente sobre determinados aspetos do projeto em questão11. Esta elevada percentagem de

instruções inexistentes, desadequadas/insuficientes ou deduzidas pode ser explicada

porque “[m]ost clients know next to nothing about what translation involves, (…) why

translators need documentation, and so on” (Mossop 2014: 23), pelo que a elaboração de

um “translation brief” por parte dos clientes “is quite a hit and miss affair” (Byrne, 2012:

13). Contudo, as instruções e colaboração do cliente são aspetos cruciais na tradução, cuja

inexistência dificulta o trabalho do tradutor, tal como evidenciado pelo exemplo seguinte.

Identificação do projeto: 2018_0702;

− Par de línguas: EN→PT_PT;

− N.º de palavras: 5424;

− Tempo despendido 18,25 horas;

− Área temática: Informática;

− Contexto: strings de um software médico de ensaios clínicos;

− Público-alvo: profissionais de saúde;

− Ferramentas utilizadas: SDL Passolo 2016.

Este projeto consistiu numa localização de um software o que, de forma geral,

envolve a localização “of all graphical user interface (GUI) components of a software

application, such as dialog boxes, menus, and error or status messages” (Esselink, 2000:

57).

Embora, aquando da receção deste projeto, já tivesse sido efetuado um outro de

localização (em memoQ), este revelou-se particularmente desafiante porque foi o

primeiro realizado em Passolo; a terminologia médica, para além de coexistir com a

linguagem informática, era abundante e, finalmente, porque não foram fornecidas

quaisquer instruções para o projeto. No entanto, o cliente em questão recorre

frequentemente aos serviços da Kvalitext, pelo que foi possível orientar o processo de

11 Também teria sido interessante quantificar tais casos, mas devido ao elevado número de projetos

trabalhados no decorrer do estágio não seria possível assinalá-los inequivocamente.

49

tradução a partir de instruções relativas a projetos anteriores. Para além disso, o primeiro

projeto de tradução realizado durante o estágio (projeto 2018_0193) pertencia ao mesmo

cliente, pelo que já estava algo familiarizada com a área e com a terminologia.

Devido à formação adquirida na UC de Tradução Automática e Pós-Edição, iniciei

este projeto consciente de que “the string section is the most complicated and time

consuming task in the translation process (…) mainly because the strings do not contain

contextual information” (id.: 59). Assim, devido a esta falta de contexto, deparei-me com

várias encruzilhadas resultantes da polissemia das palavras ou da incerteza em relação à

sua classe gramatical (tabela 5). Tal influenciou negativamente a localização, pois exigia

uma contante ponderação, atrasando o fluxo de trabalho e causando alguma frustração.

Tabela 5: Incertezas causadas por strings descontextualizados.

String Possíveis traduções Explicitação da incerteza

Orders Pedidos ou

Encomendas ou

Solicitações

“Order” é uma palavra demasiado abrangente

em inglês cujas traduções possíveis

apresentam significado distintos

TEST TESTE ou TESTAR “TEST” poderá ser um substantivo ou um

verbo

Set value Definir valor ou Valor

definido

“Set” poderá ser um verbo ou um adjetivo

participial

Clone Clone ou Clonar “Clone” poderá ser um substantivo ou um

verbo

Pick list Escolher lista ou Lista

de seleção

“Pick” poderá ser um verbo ou um

substantivo; “lista de seleção” é uma

tradução sugerida pelo Microsoft Language

Portal

Sleep Suspensão ou

Suspender

“Sleep” poderá ser um substantivo ou um

verbo; ambas as alternativas constam no

Microsoft Language Portal.

Test function Testar função ou

Função de teste

“Test” poderá ser um verbo ou um

substantivo; “testar a função” é uma tradução

sugerida pelo Microsoft Language Portal

A presença de imagens da interface do software em questão seria certamente uma

50

mais-valia, pelo que a PM do projeto pediu que o cliente nos enviasse screenshots do

mesmo. Todavia, o cliente não se mostrou disposto a tal, referindo que seria preferível

que o tradutor compilasse todas as incertezas numa query sheet, onde teria de introduzir

o número do string, o texto presente nesse string e a dúvida; obviamente que tal não seria

exequível, uma vez que iria desperdiçar demasiado tempo a preencher a query sheet, a

aguardar pela resposta do cliente e, mediante esta, poderia ainda ter de implementar

alterações na localização; uma vez que dispunha apenas de três dias para efetuar a

localização, todo o tempo era precioso. Desta forma, a equipa decidiu que o

preenchimento da query sheet ficaria reservado para casos que, após esgotados todos os

recursos, ainda levantassem incerteza suficiente em relação ao string. Assim, os strings

foram localizados da forma seguinte:

Para além destes casos, houve um outro que me levantou obstáculos constantes,

sendo ele o termo “run”. Na TB de projetos anteriores que incorporei no Passolo, este

termo encontrava-se traduzido como “ensaio/processamento”, não sendo claro se deveria

empregar os dois termos na minha tradução ou se deveria optar por um consoante o

contexto, uma decisão que, devido ao meu desconhecimento em relação à área, me

parecia impossível de tomar. Quando o revisor do projeto confrontou o cliente com esta

dualidade e lhe solicitou um aconselhamento em relação à escolha de um termo mais

apropriado, a resposta obtida foi: “A run is a ‘stainin run’ when slides are placed in the

instrument and the user instructs the instrument to proceed with staining the slides

according to the predetermined protocol”. Resumindo, a query colocada foi vã porque

para além de não esclarecer a minha dúvida, o cliente forneceu-me informações a partir

String Localização

Orders Pedidos

TEST TESTAR

Set value Definir valor

Clone Clone (confirmado pelo cliente)

Pick list Selecionar lista

Sleep Suspensão

Test function Função de teste (confirmado pelo cliente)

51

das quais nada podia deduzir, já que não tinha conhecimentos científicos para tal. Perante

este impasse, o revisor decidiu que o termo “ensaio” deveria ser o único utilizado ao longo

de toda a localização pois, pela sua experiência em relação à área e aos projetos anteriores

realizados para o cliente, este parecia-lhe o mais adequado, dado o contexto do projeto.

Uma dificuldade adicional ligada a este termo relacionou-se com o facto de o termo

“run” também fazer parte da terminologia utilizada por softwares, pelo que era importante

fazer uma distinção entre o “run” utilizado enquanto termo do produto/cliente em questão

e o “run” utilizado enquanto termo da área da informática. Contudo, esta nem sempre foi

uma diferenciação fácil porque o contexto do termo “run” por vezes era tão ambíguo que

impossibilitava tal distinção. Um exemplo ilustrativo é o string “Run Start” que, segundo

a base de dados terminológica do Microsoft Language Portal, poderá ser traduzido como

“Início da execução” ou, atendendo à terminologia presente na TB do cliente, “Início do

ensaio”.

Nesta situação em concreto, traduzi o string como “Início da execução”, de acordo

com a terminologia da Microsoft, porque os strings anteriores e seguintes pareciam

relacionar-se mais com processos do software do que com procedimentos laboratoriais.

Por outro lado, caso estivesse errada e “run” se referisse ao início de um ensaio (o que

não me pareceu tão provável), a localização “Início da execução” poderia também

enquadrar-se neste contexto, referindo-se, por elipse, ao início da execução do ensaio.

Assim, considerei que o string referido integrava a terminologia informática e não a do

cliente e que, como salvaguarda, efetuara também uma localização flexível que tinha uma

boa probabilidade de estar correta em ambos os casos.

Neste projeto, a inexistência de instruções, a falta de cooperação do cliente e a

desadequação das suas respostas tiveram, sem dúvida, um impacto negativo no projeto e

no meu desempenho. A insuficiência dos recursos disponibilizados pelo cliente levou a

um constante autoquestionamento das minhas decisões tradutivas e, ao longo da

localização, senti que cada novo string, em vez de me fornecer mais contexto e de

corroborar as minhas traduções anteriores, apenas me gerava mais inseguranças e

incertezas. Em suma, este não é o contexto mais indicado para desenvolver um bom

trabalho de tradução/localização.

Como os tradutores bem o sabem, uma boa sintonia entre todos os intervenientes

52

no ciclo de vida de um projeto permite uma maior eficiência, qualidade e satisfação geral;

contudo, os clientes têm de entender que também eles são participantes no projeto e, como

tal, devem assegurar o seu desenrolar e conhecer a sua função dentro do mesmo. Os PM,

pela sua maior proximidade com os clientes, são os que melhor podem sensibilizá-los e

contribuir para a alteração da sua atitude em relação à tradução; segundo Lucas Weschke,

“"[t]he primary objective of educating the client is mutual business benefit” (Owens,

1996: 149), ou seja, tanto os tradutores como os seus clientes têm de mutuamente entender

a sua função, exigências e expectativas. Talvez assim, “[o]nce clients understand the

impact of their input (…), they will be most likely to be more forthcoming in providing

(…) the information needed” (Clark, 2010: 10). Desta forma, talvez possamos

gradualmente alterar a mentalidade descrita por Robinson (Robinson, 2003: 16) quando

este refere que:

[u]ser-oriented thought about translation is product-driven: one begins with the

desired end result, in this case meeting a very short deadline, and then orders it done.

How it is done, at what human cost, is a secondary issue.

4.2. Qualidade do texto de partida

O caso prático a seguir apresentado representa mais um projeto para o qual não

foram fornecidas quaisquer instruções, pelo que tive de analisar o texto a traduzir de

forma mais minuciosa para, assim, tentar deduzir o seu conteúdo, a sua finalidade, o

público-alvo etc.

Identificação do projeto: 2018_0226;

− Par de línguas: EN→PT_PT;

− N.º de palavras: 4500;

− Tempo despendido 16,5 horas;

− Área temática: didática;

− Tipo de discurso: científico-pedagógico;

− Género de texto: ação de formação;

− Sequência textual predominante: explicativa-descritiva;

− Função do texto: informativa;

− Contexto: conjunto de ficheiros para uma formação, ente os quais uma apresentação

53

PowerPoint sobre a importância da comunicação interpessoal;

− Público-alvo: participantes na formação (colaboradores da empresa);

− Ferramentas utilizadas: SDL Trados Studio 2017.

Uma vez que o texto a traduzir se inseria numa área didática, isto é, destinava-se à

instrução, creio que teria sido útil que o cliente tivesse delineado uma fio condutor geral;

por exemplo, seria importante saber se me deveria manter próxima da informação

presente no TP ou se deveria privilegiar a língua de chegada e construir frases algo

diferentes das originais, mas que fossem mais facilmente percetíveis pelo público de

chegada. No entanto, o cliente nada indicou, fornecendo apenas os documentos a traduzir.

Quando o TP é a única referência para o tradutor levar a cabo o projeto de tradução,

é frustrante ser constantemente confrontado com ambiguidades, gralhas e erros

gramaticais no TP; quando o cliente não responde às questões colocadas, sendo, portanto,

impossível obter clarificações, a tarefa torna-se ainda mais árdua. Este foi o contexto do

projeto 2018_0226, do qual foram extraídos os exemplos presentes na tabela seguinte.

Texto de partida

No facts, only emotional

Would like to touch a sensitive point, to cause a specific behavior or (more often) to suppress

a behavior

Often used, when one no good arguments

If you strike the right note you able to impress the other one, that he / she will not continue

with the verbal attack.

Note: answer never whith same strength leads to verbal power struggle!

For People, good at keeping themselves under control

needs, feelings, thoughts of people we have to find most indirectly

Estes segmentos foram retirados de uma apresentação de PowerPoint contendo

dicas de comunicação para os formadores de uma determinada empresa, apresentando,

desta forma, ideias condensadas em pontos-chave ou frases curtas. Segundo Byrne,

“[w]hile this is good for the audience and the presenter, it is potentially bad news for the

translator because there may be a lot of potentially ambiguous sentences in a presentation”

(Byrne, 2012: 66). Neste caso em particular, mais do que ambiguidade, temos frases com

54

erros ortográficos e sem relação lógica aparente (os primeiros três exemplos da tabela são

pontos consecutivos de um mesmo diapositivo PowerPoint), o que não me parece

aceitável ou exequível para uma apresentação instrucional.

Desta forma, a fraca qualidade do TP e a presença de alguns segmentos em alemão

levaram-me a concluir que os documentos que me foram fornecidos eram o resultado de

uma má tradução para o inglês ou o produto de um motor de tradução automática. Logo,

considero injusto que qualquer cliente exija que o tradutor produza um TCh com

qualidade quando esta não está presente no TP e quando muito do seu tempo será

dedicado a interpretá-lo. Como proceder, então?

Em relação a isto, Robinson apresenta uma posição radical, referindo que

[t]he (…) translator (…), sick of rewriting [source language] SL texts from

scratch, building good arguments out of garbage, doing for the writer what the writer

should have done for himself or herself, and then getting no credit for it (…) may decide

to [render] the text in all its ghastliness. He or she will disambiguate no ambiguous

phrasings, silently correct no noun-verb incongruencies, register shifts or factual errors,

prune no repetitiveness, mend no style-context conflicts, rearrange no flaccid

sequencing. (apud Mossop, 2015)

Devo admitir que, ao longo deste projeto, várias vezes me senti tentada a seguir as

palavras de Robinson ao invés de procurar uma relação lógica entre as ideias e de produzir

um TCh minimamente coerente. Contudo, esta não é a mentalidade perpetuada na

Kvalitext, onde foi ensinado aos estagiários que um TP mau não justifica um TCh

igualmente mau, pelo que o tradutor não se deverá sentir “compelled to perpetuate the

more sinful omissions or commissions of his [sic] author” (Sykes, 1971: 6 apud Byrne,

2006: 18). Segundo este ponto de vista, e para valorizar a profissão do tradutor, este

deverá fazer tudo ao seu alcance para realizar o seu trabalho com o máximo de qualidade

possível.

Uma vez conformada com a situação, o mais importante seria concentrar os meus

esforços numa abordagem que, por um lado, levasse a um TCh minimamente lógico e,

por outro, não modificasse demasiado a mensagem do TP (apesar de esta ser difícil de

descodificar). Assim, devido à descontextualização entre os segmentos e, por vezes, à

55

impossibilidade de entender a ideia por detrás da frase, optei por uma estratégia de

tradução mais defensiva, isto é, uma tradução direta do TP, segundo a noção de Vinay e

Darbelnet (1958/1995), “which require[s] less intervention by the translator and less

deviation from the ST” (Byrne, 2012: 118). Desta forma, evitei, sempre que possível,

adições, omissões ou qualquer tipo de paráfrase ou reformulação que pudessem acarretar

uma má interpretação do TP, introduzindo erros no TCh. Efetuei, portanto, uma tradução

literal, “only deviating from this where necessary in order to produce a TT which is

grammatically correct and intelligible” (id.: 119), que é a situação ilustrada pela tabela

anterior, em que as frases do TP tiveram de ser corrigidas e a sua gramaticalidade

restaurada no TCh.

Texto de partida Tradução

No facts, only emotional Nada de factos, apenas emoções

Este segmento, para além de não apresentar qualquer relação lógica com os

anteriores ou seguintes, causou-me alguma estranheza, pois há uma quebra na coesão

interna da frase, isto é, não há paralelismo sintático entre os elementos enumerados. O

advérbio “No” é seguido pelo substantivo “facts”; logo, quando depois da vírgula é

introduzido outro advérbio, esperaria encontrar outro substantivo e não o adjetivo

“emotional”. Reconhecendo esta quebra de coesão, tentei restaurar o paralelismo sintático

no TCh, empregando uma estrutura do tipo “advérbio + substantivo, advérbio +

substantivo”, o que explica a recategorização do adjetivo “emotional” que, no TCh, é

transformado no substantivo “emoções”. Esta transformação quase intuitiva é

denominada, como referido, “recategorization” ou ainda “transposition” (Byrne, 2012:

121) e consiste na alteração da classe gramatical de uma palavra, sem que isto altere o

seu significado (ibid.).

Texto de partida Tradução

Would like to touch a sensitive point, to

cause a specific behavior or (more often) to

suppress a behavior

Tocar em pontos sensíveis para originar um

comportamento específico ou (mais

frequentemente) suprimi-lo

56

Often used, when one no good arguments Empregue quando não existem bons

argumentos

O primeiro segmento é agramatical porque não contém sujeito, algo que não deve

acontecer na língua inglesa, em que o sujeito tem de estar sempre expresso. A língua

portuguesa, por outro lado, tratando-se de uma língua de sujeito nulo, permite, muito

convenientemente, traduzir a frase agramatical como uma frase infinitiva sem qualquer

sujeito expresso12. Igualmente agramatical é o segmento seguinte, que também não

apresenta um elemento essencial da frase, o verbo, que se encontra ausente da frase

subordinada temporal. Presumindo que o elemento em falta se tratasse do verbo to have,

a gramaticalidade foi restaurada no TCh através da introdução do verbo “existir”.

Texto de partida Tradução

If you strike the right note you able to

impress the other one, that he / she will not

continue with the verbal attack.

Se agir corretamente poderá impressionar os

demais, que não irão continuar com os

ataques verbais.

Note: answer never whith same strength

leads to verbal power struggle!

Nota: nunca responda com a mesma

intensidade, conduz a uma luta verbal pelo

poder!

No primeiro segmento, encontramos um problema de lógica, tendo sido

erradamente utilizado o pronome “that” para ligar as frases, ao invés de uma conjunção

como, por exemplo, “that way”. Da mesma forma, existe também um problema na ligação

dos elementos frásicos da frase seguinte que, mais especificamente, não apresenta

qualquer conjunção e, adicionalmente, apresenta um erro ortográfico e uma alteração da

ordem das palavras. Na tradução, foi reposta a ordem natural do advérbio temporal e do

verbo e, apenas adicionando uma vírgula, conferiu-se à frase uma relação de

causa-efeito13.

12 Nesta tradução pudemos verificar posteriormente que teria sido mais correto a tradução “Tocar em pontos

sensíveis para originar um comportamento específico ou (mais frequentemente) para o suprimir”, optando

pela explicitação do conetor subordinativo final na segunda frase subordinada. 13 Posteriormente, pudemos verificar que a tradução do segundo segmento deveria ter sido: “Nota: nunca

responda com a mesma intensidade, isto conduz a uma luta verbal pelo poder!”, já que a explicitação do

sujeito da segunda frase é necessária para restaurar a total gramaticalidade deste excerto.

57

Texto de partida Tradução

For People, good at keeping themselves

under control

Para pessoas que conseguem manter-se sob

controlo

Este exemplo apresenta também erro ortográfico, colocando “people” em letra

maiúscula e, mais grave ainda, emprega uma vírgula entre o sujeito e o predicado, erros

que foram imediatamente detetados e corrigidos no TP.

Texto de partida Tradução

needs, feelings, thoughts of people we have

to find most indirectly

Temos de descobrir sobretudo indiretamente

as necessidades, os sentimentos e os

pensamentos das pessoas

Por último, neste segmento, escolhi repor a ordem natural dos elementos da frase

de forma a facilitar a sua leitura, ou seja, iniciei-a com um sujeito subentendido pelo

verbo, seguido dos seus completos diretos. A frase do TCh é, sem dúvida, de maior

extensão do que a do TP, mas é também mais clara, e, por conseguinte, de leitura mais

fácil, levando-me a crer que o espectador desta apresentação Power Point não

“desperdiçará” muito tempo na sua leitura. Assim, embora tentasse manter a concisão das

frases característica deste tipo de texto, tal nem sempre foi possível. Por um lado, as frases

do TP são, sem dúvida, mais curtas, mas apenas porque há muitas palavras em falta; por

outro, não creio que a clareza de uma frase deva ser “sacrificada” para esta ser mais curta.

Além disso, convém ainda referir que, na rápida análise efetuada aos documentos

do projeto durante a fase de pré-transferência, tornou-se evidente que estes apresentavam

uma qualidade fraca que, sem dúvida, influenciaria a fase da tradução. Assim, o cliente

foi alertado para este facto e, com o desenrolar da tradução, a PM do projeto foi-lhe

enviando excertos das passagens mais problemáticas do texto; no entanto, nunca houve

resposta.

Deste modo, sem qualquer apoio do cliente, coube aos tradutores envolvidos neste

projeto, auxiliados pela experiência dos revisores, interpretar e traduzir o TP da melhor

forma possível, para obter um texto minimamente lógico, coerente e gramaticalmente

58

correto em português. Isto pressupôs, claro está, um maior esforço por parte da equipa,

um maior dispêndio de tempo na decifração do TP (que poderia ser dedicado à tradução

propriamente dita) e, de forma geral, uma ligeira frustração e sentimento de injustiça

derivados das razões anteriormente expostas.

4.3. Influência do texto de partida

Algo de que me apercebi, principalmente através do feedback dos revisores dos

meus projetos, foi que, por vezes, as minhas traduções se aproximavam demasiado do TP.

Inconscientemente, devido à minha proximidade em relação ao TP e às releituras

constantes dos seus segmentos antes de realizar a sua tradução, por vezes produzi frases

pouco adequadas à língua portuguesa, que afetavam a clareza do TCh, como poderemos

constatar no caso prático a seguir apresentado.

Identificação do projeto: 2018_0482;

− Par de línguas: EN→PT_PT;

− N.º de palavras: 3680;

− Tempo despendido 14,25 horas;

− Área temática: automóvel;

− Tipo de discurso: técnico;

− Género de texto: manual de instruções;

− Sequência textual predominante: instrucional-diretiva;

− Função do texto: informativa;

− Contexto: manual de instruções relativo à montagem, manutenção e cuidados de segurança

de uma bicicleta;

− Público-alvo: pais das crianças que irão andar de bicicleta;

− Ferramentas utilizadas: memoQ15.

Texto de partida Tradução Revisão

Turn the setting screw

clockwise to reduce the

distance between the brake

lever and handlebar grip.

Vire o parafuso de ajuste no

sentido dos ponteiros do

relógio para reduzir a

distância entre a alavanca do

travão e a manete do guiador.

Rode o parafuso de ajuste

no sentido dos ponteiros do

relógio para reduzir a

distância entre a alavanca do

travão e a manete do guiador.

59

The grip width is set

correctly if the child’s hand

can securely grip the brake

lever with at least two fingers

and can pull on the brake

using normal force.

A largura da manete está

corretamente definida se a

criança conseguir agarrar

com segurança a alavanca do

travão com pelo menos dois

dedos e se conseguir puxar o

travão usando uma força

normal.

A largura da manete está

corretamente definida se a

criança conseguir agarrar

com segurança a alavanca do

travão com pelo menos dois

dedos e se conseguir acionar

o travão recorrendo a força

normal

Como podemos constatar na tabela, a interferência causada pelo TP durante o ato

tradutivo levou a traduções demasiado literais que quebram a fluência do TCh. Segundo

Franco Aixelá, por interferência entende-se “the importation into the target text of lexical,

syntactic, cultural or structural items typical of a different semiotic system and unusual

or non-existent in the target context” (Franco Aixelá, 2009: 75). Analisando o exemplo

fornecido, reconheço que existiu, segundo a terminologia do autor, uma interferência

lexical (ibid.) que levou à tradução literal de “turn” e “pull”. Quando encarados sem

qualquer contexto, os equivalentes mais diretos destes dois verbos serão, respetivamente,

“virar” e “puxar”, que foi a tradução pela qual optei. No entanto, a revisão colocou em

evidência uma forte influência do TP que originou uma tradução com uma seleção lexical

inapropriada.

Na língua portuguesa, os pares de palavras “rodar” e “parafuso”; e “acionar” e

“travão” têm uma tendência natural para coocorrerem juntas, tratando-se, portanto, de

colocações. Uma colocação é um tipo específico de coesão lexical “achieved through the

association of lexical items that regularly co-occur” (Halliday & Hasan, 1976: 284) ou,

ainda, segundo uma definição posterior e complementar de Haensch et al. (1982),

“aquella propiedad de las lenguas por las que los hablantes tienden a producir ciertas

combinaciones de palabras de entre una gran cantidad de combinaciones teóricamente

posibles” (apud Corpas Pastor, 2001: 96). Logo, em teoria, poderia ser possível dizer, por

exemplo, “virar o parafuso”, mas como já existe uma outra combinação lexical fixada

pela norma e pelo uso e, desta forma, familiar e idiomática para os falantes, a combinação

de palavras fixa-se em “rodar o parafuso”. Neste caso, uma tradução demasiado literal

levou à transposição de combinações lexicais pouco usuais na língua de chegada, criando

um “alien feel” (Robinson, 2003: 10) no público-alvo que põe em causa a idiomaticidade

do TCh. Tal sensação ocorre porque os falantes têm conhecimentos sobre as palavras do

60

seu idioma e sobre o significado das mesmas; mais especificamente, sabem “in what

environments they can appear and how they function in the language’s phrases and

sentences” (Fillmore et al., 1998: 502). Quando um TCh entra em conflito com esse

conhecimento relativo à coocorrência habitual de certas palavras, perde-se a fluência e a

clareza do mesmo, tornando-se evidente que o texto é uma tradução e não um documento

original escrito no idioma do leitor.

Esta influência pode ser explicada pela proximidade demasiada em relação ao TP

e, por vezes, pela perda da visão holística do texto, uma vez que as CAT-tools segmentam

o mesmo em frases, que são encaradas individualmente pelo tradutor. Estes fatores,

aliados à acumulação de várias horas de trabalho e à eminência do prazo de entrega,

podem levar a traduções irrefletidas e quase maquinais, que ignoram o contexto geral da

frase e as especificidades da língua de chegada (o que explica a seleção lexical

inapropriada presente no exemplo apresentado). Neste cenário, a revisão torna-se ainda

mais relevante, uma vez que o revisor se encontra mais “distanciado” do TP e lê a

tradução quase como se de um utilizador final se tratasse (Mossop, 2014: 167), sendo

assim capaz de assegurar um TCh fluído que corresponda às expectativas do público de

chegada.

Finalmente, é ainda interessante observar que o revisor aprovou a tradução dos

termos (“parafuso de ajuste”, “alavanca do travão”, “manete do guiador” e “manete”, por

ex.), o que talvez evidencie uma focalização preferencial na terminologia, o que,

inconscientemente, poderá levar à negligência de outros aspetos linguísticos da língua de

chegada, mais relacionados com a idiomaticidade das expressões. A terminologia é, sem

dúvida, essencial no discurso técnico e, além disso, assegura uma comunicação precisa;

no entanto, a terminologia representa apenas 5 a 10% do conteúdo de um texto técnico

(Byrne, 2006: 3), pelo que não deverá absorver toda a atenção e a grande parte do tempo

do tradutor, para que a clareza e a fluência do TCh não sejam sacrificadas. Afinal de

contas, uma tradução com equivalentes terminológicos adequados, mas que não cumpra

as convenções linguísticas da língua de chegada dificulta a compreensão do leitor e

poderá colocar em causa a credibilidade da informação transmitida.

61

4.4. Adequação ao género textual

Como anteriormente referido, a análise textual é bastante importante numa fase de

pré-transferência, uma vez que permite ao tradutor munir-se de uma “theoretical

guideline” (Wright & Wright, 1993: 179), que torna a fase de transferência mais concreta

e objetiva, aumentando também a velocidade de tradução e a precisão do TCh (id.: 180).

Tal análise é efetuada através de “an internalized model of textual interpretation” (id.:

175) que os tradutores vão adquirindo e aperfeiçoando através da experiência. Assim,

para o projeto seguinte, a análise do TP, segundo as tipologias textuais propostas por

Katharina Reiss, foi particularmente relevante.

Identificação do projeto: 2018_0633;

− Par de línguas: EN→PT_PT;

− N.º de palavras: 1050;

− Tempo despendido: 3,75 horas;

− Área temática: marketing;

− Tipo de discurso: publicitário;

− Género de texto: anúncio publicitário;

− Sequência textual predominante: descritiva, dialogal-conversacional;

− Função do texto: operativa;

− Contexto: anúncios publicitários de trampolins e karts;

− Público-alvo: crianças dos 3 aos 12 anos, atendendo às idades para as quais os brinquedos são

aconselhados;

− Ferramentas utilizadas: SDL Trados Studio 2017.

Analisando a intenção comunicativa na fase de pré-transferência, tornou-se claro

que o documento a traduzir era um tipo de texto operativo, ou seja, um anúncio

publicitário que apresentava um “persuasively organized content in order to encourage

the recipient to act in accordance with the intentions of the text sender” (Reiss & Vermeer:

2013: 182). Neste tipo de texto, está patente a função apelativa da linguagem (como

exemplificado na tabela 6), ou seja, o público-alvo deve ser conduzido a um certo

comportamento ou ação (Munday, 2001: 73) que, neste caso, será a compra do produto

publicitado.

62

Tabela 6: Frases típicas do discurso publicitário.

Textos de partida (excertos)

Take a look at our XXXXXX trampolines!

Order directly online! Find a dealer online!

Are you a real racing driver? Then go for the XXXXX.

What’s nicer than go-karting in the woods, across fields or in the dunes?

Wouldn’t you like to have a go-kart that is different and cool?

Do you want carefree riding fun with pedal support? If so, we have the innovative XXXXX

for you.

You will certainly steal the show in your neighbourhood with one of these!

Nestas passagens, podem ser detetados elementos caracterizadores deste tipo de

discurso: adjetivos valorativos, repetições exaustivas do nome da marca/produto e

imperativos e atos ilocutórios diretivos que concretizam a intenção do anúncio

publicitário: incitar o público-alvo a comprar o produto publicitado. Já as frases

interrogativas e as exclamativas desempenham funções adicionais, “contribuindo para

implicar directamente o leitor no discurso e gerar um clima de e intimidade” (Pinto, 2008:

239), tornando, desta forma, o texto mais expressivo e apelativo.

No que diz respeito ao discurso publicitário, convém ainda referir a distinção

efetuada por Charaudeau (1983) entre dois tipos de estratégias deste tipo de texto: uma

de persuasão e outra de sedução, que, respetivamente, resultam em dois tipos de contrato

(id.: 127): um contrato “sério”, sustentado por argumentação e direcionado a um público

mais racional, e um contrato “maravilhoso”14 (como é o caso deste anúncio publicitário),

que emprega estratégias de sedução direcionadas a um público menos racional (i.e., as

crianças), não mencionando qualidades técnicas do produto, mas sim promovendo o

desejo de o possuir, associando-o a características positivas (“cool”, “fun”, “innovative”)

e a cenário imaginários e aliciantes (“go-karting in the woods, across fields or in the

dunes”, “You will certainly steal the show”").

Efetuadas estas considerações, tornou-se óbvia a importância de construir um TCh

igualmente apelativo, que provocasse desejo e ação e, desta forma, tivesse um efeito

14 Usamos aqui as palavras do próprio Charaudeu.

63

equivalente no público de chegada português, dando primazia à sua cultura e idioma.

Estas considerações, combinadas com a instrução por parte do cliente de que a tradução

deveria ser informal, foram um “fio condutor” importante para a fase de transferência,

fundamentando as minhas decisões tradutivas e incutindo em mim uma maior segurança

e objetividade durante a tradução. Finalmente, as frases da tabela 6 foram traduzidas da

forma seguinte:

Tradução

Espreita os nossos trampolins XXXXX!

Encomendar diretamente online! Encontrar um fornecedor online!

És um verdadeiro piloto de corridas? Então escolhe o XXXXX.

Há alguma coisa melhor do que andar de kart pelos bosques, campos e dunas?

Gostavas de ter um kart a pedais fixe e diferente?

Queres conduzir sem preocupações e com o apoio dos pedais?

Sim? Então o inovador XXXXX é ideal para ti.

Vais certamente destacar-te na tua vizinhança com um destes!

4.5. Terminologia

A comunicação especializada desenrola-se em contextos mais restritos do que a

comunicação geral. Segundo Cabré (Cabré, 1999: 46), esta ocorre em contextos

profissionais, tendo como intervenientes especialistas na área em questão que, como tal,

possuem um conhecimento elevado sobre os temas, conceitos e termos dessa mesma área.

A linguagem utilizada por esses especialistas nesses contextos particulares constitui a

linguagem especializada, caracterizada pela sua especificidade e objetividade (id.: 59).

Desta forma, um dos desafios da tradução de textos especializados será não só

expressar o conteúdo do TP na língua de chegada, mas também fazê-lo através de uma

linguagem especializada que reflita corretamente o conhecimento concetual que o

público-alvo detém dessa área (id.: 47), sendo, portanto, essencial assegurar uma

equivalência terminológica exata entre as duas línguas.

Neste contexto, os prestadores de serviços de tradução surgem como facilitadores

de comunicação, estabelecendo equivalências entre a linguagem especializada de

64

diferentes idiomas, utilizando a terminologia para o efetuar (id.: 12). Logo, o tradutor de

comunicação especializada, embora não dominando a terminologia técnica, tem de estar

minimamente familiarizado com a mesma. Contudo, tal não é facilmente alcançável pelos

profissionais de tradução. A especificidade e o elevado conhecimento dos utilizadores das

línguas especializadas dificultam o trabalho dos tradutores que, não sendo especialistas

na área e não estando completamente familiarizados com a sua terminologia, ficam, desta

forma, dependentes dos conhecimentos de terceiros (especialistas ou semi-especialistas

da área em questão) e de pesquisas constantes (quer na fase de pré-transferência, quer na

de transferência). Resumindo, a dificuldade da tradução de documentos destinados a

especialistas relaciona-se com o facto de que “[t]he translator needs the ability to offer

thorough subject knowledge in addition to language skills” (Owens, 1996: 107).

Felizmente, o estágio realizado, graças ao “leverage” que as TM e as TB oferecem

(cf. ponto 3.2.1.), às bases de dados terminológicas online (por ex., IATE), às informações

extensivas e facilmente acessíveis na Internet e ao conhecimento e familiaridade que os

revisores da Kvalitext detêm em relação a determinadas áreas e/ou clientes, tornou mais

fácil entrar em contacto com a terminologia utilizada nas áreas especializadas.

Obviamente que isto não torna o tradutor num semi-especialista da área, mas certamente

confere-lhe alguns apoios para desenvolver o seu trabalho da melhor forma possível,

adquirindo progressivamente mais conhecimentos sobre as áreas de trabalho.

No entanto, os termos que o tradutor procura traduzir nem sempre se encontram nos

recursos que lhe são disponibilizados, uma situação que frequentemente me ocorreu e que

me fez sentir em desvantagem. Várias vezes me deparei com termos especializados que

não entendia e/ou para os quais não conseguia encontrar uma tradução, o que é bastante

desmoralizante, principalmente porque o público de chegada (os especialistas) decerto

será capaz de identificar facilmente um termo mal traduzido ou um que não se adapte ao

contexto em questão. Adicionalmente, considerava que não tinha experiência tradutiva

suficiente para assumir um risco calculado e simplesmente escolher uma tradução que me

parecesse mais correta. Neste contexto, apresento o seguinte projeto, que ilustrará

questões relacionadas com vazios terminológicos e com polissemia terminológica.

65

Identificação do projeto: 2018_0442;

− Par de línguas: EN→PT_PT;

− N.º de palavras: 7600;

− Tempo despendido: 16 horas;

− Área temática: medicina;

− Tipo de discurso: técnico;

− Género de texto: manual de instruções;

− Sequência textual predominante: instrucional-diretiva;

− Função do texto: informativa;

− Contexto: manual de instruções de um oxímetro para monotorização do sono;

− Público-alvo: profissionais de saúde;

− Ferramentas utilizadas: SDL Trados Studio 2017.

4.5.1. Vazio terminológico

O segmento apresentado na tabela abaixo, acompanhado pela respetiva ilustração

(figura 18) fornecida no manual de instruções do dispositivo, descreve como colocar

corretamente uma cânula de fluxo oral e nasal.

Texto de partida

Fit the oral and nasal airflow cannula so that

the two small open tubes point towards

patient’s nostrils while the third open tube

pointing towards his/her mouth. (…) Slide the

loop adjustment collar up under the chin to

hold the tubing securely in place. Figura 18: Cânula de fluxo oral e nasal.

66

Embora não conhecesse a designação do objeto da figura 18, estava familiarizada

com o mesmo, tal como pude constatar através da visualização da ilustração que, assim,

se revelou bastante útil. Desta forma, através de alguma pesquisa no IATE, não foi muito

difícil chegar à denominação do objeto em português: cânula de fluxo oral e nasal. Não

obstante, as dúvidas surgiram quando as instruções de colocação da cânula se tornaram

mais específicas, fazendo referência a várias partes desse mesmo objeto, nomeadamente

o “loop adjustment collar”. Felizmente, o contexto da frase tornava percetível o que este

elemento da cânula pudesse ser, e uma pesquisa de imagens no Google confirmou o meu

palpite.

Um “loop adjustment collar” era, de facto, um dispositivo deslizante localizado nos

tubos da cânula para fixar a mesma no seu devido lugar. No entanto, apesar de ter uma

clara ideia do objeto referenciado pelo termo, não consegui encontrar uma tradução para

o mesmo, o que me causou alguma frustração. Tentei ainda pesquisar o novo termo

introduzido pela figura 19, “bola”, que talvez se tratasse de uma denominação alternativa,

mas esta nova pesquisa foi tão infrutífera como a anterior. Tendo consultado bases de

dados terminológicas, manuais de instruções em português de dispositivos semelhantes,

procedimento de enfermagem e. inclusivamente, trocado ideias com os meus colegas,

sentia que tinha chegado a um “beco sem saída”, já que parecia que, em português, a

terminologia não estava tão aprofundada ao ponto de oferecer uma denominação para

cada um dos componentes da cânula. Assim, tendo aparentemente esgotado todas as

possibilidades, levantou-se a hipótese de ter de arriscar e oferecer um palpite como

Figura 19: Componentes de uma cânula.

67

tradução. De facto, Robinson (2003) defende que, nestas situações, o tradutor terá de

assumir alguns riscos e, pelo menos numa primeira fase, apresentar um palpite de

tradução minimamente fundamentado, isto porque “[t]he translator who never guessed,

who refused even in a first rough draft to write down anything about which s/he was not

absolutely certain would rarely finish a job” (Robinson, 2003: 130). Desta forma, para

assegurar o fluxo de trabalho e cumprir os prazos de entrega, tornava-se necessário

oferecer alguma sugestão de tradução para o termo.

Tendo em conta a informação contextual e a finalidade do “loop adjustment collar”,

ocorreram-me as possibilidades “aro ajustável”, “dispositivo ajustador” ou ainda

“ajustador”. Contudo, não fui capaz de me comprometer com nenhuma porque, na minha

perceção, poderia haver uma denominação no jargão médico para o “loop adjustment

collar” e, nesse caso, a minha tradução estaria totalmente errada. Assim, levei as minhas

opções e preocupações à LM da empresa que, conhecendo uma enfermeira, entrou em

contacto com a mesma e lhe expôs a nossa situação. Neste contexto, essa enfermeira

desempenhou o papel de especialista e informou-nos de que, tanto quanto sabia, não

existia nenhuma denominação específica para esse componente da cânula. Assim, a

escolha de uma tradução para “loop adjustment collar” parecia recair totalmente nas

minhas mãos.

Desta forma, voltei a encarar as minhas opções de tradução e coloquei-as no

Google, para avaliar que resultados surgiam e se algum poderia ser associado ao contexto

da tradução. Foi numa dessas pesquisas que me deparei com o livro Fundamentos de

Enfermagem de Patricia Ann Potter15, escrito na variante de português do Brasil, no qual

se explicava os passos para colocação de uma cânula.

15 Disponível em

https://books.google.pt/books?id=uToPBAAAQBAJ&pg=PA894&lpg=PA894&dq=c%C3%A2nula+ajus

tador&source=bl&ots=qNKtj-l3Y5&sig=FiIE4NSJAaahj9-yc5CQClRteeA&hl=pt-

PT&sa=X&ved=0ahUKEwiog4DblbTZAhWHtxQKHXhXD9AQ6AEIPDAG#v=onepage&q&f=false

(último acesso a 20/04/18).

68

Ainda que se tratasse de outra variante de português, a opção “ajustador plástico”

pareceu-me bastante válida; decidi, no entanto, prescindir do adjetivo “plástico” porque,

não sabendo por que materiais o “loop adjustment collar” é constituído, “ajustador

plástico” poderia ser demasiado restritivo. Entre todas as opções consideradas, esta última

aparentou, desta forma, ser a mais apropriada para preencher o vazio terminológico

presente na língua de chegada, servindo não só para denominar o elemento da cânula,

mas também para descrever a sua função.

Em suma, uma vez que uma equivalência terminológica exata possibilita a

comunicação especializada entre os falantes dos diferentes idiomas, o tradutor tem a

responsabilidade de explorar e esgotar todos os recursos ao seu dispor para tentar resolver

os seus dilemas tradutivos. Todavia, é igualmente importante que este tenha consciência

de que, no mercado da tradução, nem sempre há tempo para procurar um especialista,

contactá-lo e aguardar a sua resposta; ou, tal sendo possível, este nem sempre será capaz

de lhe fornecer respostas satisfatórias e definitivas, pelo que o tradutor deverá ser capaz

de, com a informação contextual disponível, escolher e comprometer-se com a opção

tradutiva que lhe parece mais aceitável. Nas palavras de Robinson (2003, 168),

the translator's goal can never be the perfect translation, or even the best possible

translation; it can only be the best possible translation at this point in time. (…) you

don't wait around hoping that a better alternative might arrive some time in the next

few days. You deliver your translation on time and feel pleased that it's done.

Figura 20: Captura de ecrã da pré-visualização do livro

Fundamentos de Enfermagem no Google Books.

69

4.5.2. Polissemia terminológica

Reconhecendo o papel crítico que a terminologia desempenha para garantir uma

comunicação especializada eficaz e exata, num cenário ideal, “terms should be

unambiguous and have one meaning and only one designation corresponding to one

form” (Cabré, 1999: 30). Por outras palavras, a terminologia deve encontrar-se livre de

termos sinónimos, homónimos e/ou polissémicos, devendo a relação estabelecida entre

um conceito e o seu termo ser clara e exclusiva. Todavia, na prática, é bastante comum

depararmo-nos com termos polissémicos que fazem referência a objetos diferentes e,

como tal, denominam conceitos diferentes. Assim, a polissemia de certos termos torna-os

ambíguos, causando dúvidas e incertezas ao tradutor.

Ao longo do estágio, a polissemia terminológica que constantemente me causou

mais dificuldades foi o termo “battery” que, em inglês, simultaneamente denomina dois

objetos (nomeadamente, “pilha” e “bateria”, em português), situação que vai contra os

princípios teóricos da terminologia, dado que o mesmo termo encontra-se relacionado

com dois significados diferentes. Já em português, esta polissemia não existe, tal como

demonstrado nas figuras 21 e 22.

Isto significa que é necessário contexto para efetuar a tradução da palavra “battery”

para português. No entanto, por vezes, mesmo com contexto, não se torna evidente se um

determinado dispositivo é alimentado a pilhas ou a bateria, como podemos constatar

Figura 21: Definição de "bateria", segundo a Infopédia.

Figura 22: Definição de "pilha", segundo a Infopédia.

70

através dos excertos seguintes.

Texto de partida (excertos)

This Device is a battery operated device.

Internally Powered (on battery power)

Open the battery door at the left side of the device.

Turn off XXXXX and take battery out of XXXXX main device.

Carefully position the battery door and gently get it into place.

Nestas situações de incerteza, torna-se necessário recorrer a informações

extratextuais como, por exemplo, a imagens fornecidas com o manual de instruções.

Analisando as ilustrações do dispositivo em questão, pareceu-me que, devido às suas

dimensões reduzidas, seria mais plausível que este fosse alimentado a pilhas. Mesmo

assim, isto era apenas um palpite, por isso considerei que seria mais seguro pesquisar as

especificações técnicas de dispositivos semelhantes. Dos cinco modelos de oxímetros que

encontrei, quatro eram alimentados a pilhas. Assim, pareceu-me bastante provável que

este oxímetro fosse também alimentado do mesmo modo.

Conforme é possível deduzir através deste caso prático, a existência de terminologia

polissémica coloca em causa os pressupostos da comunicação especializada, lançando

dúvidas sobre as informações a transmitir. Mais uma vez, confirmam-se as ideias de

Robinson, que afirma que “all translation contains an element of guesswork” (Robinson,

2003: 130); no entanto, a terminologia é de tal maneira crucial na comunicação

especializada que não deve ser deixada ao acaso, por isso, nos casos de polissemia e de

vazios terminológicos, até os palpites devem estar devidamente fundamentados.

4.5.3. Empréstimos

O empréstimo é uma das estratégias de tradução mais simples, que envolve a

transferência de um item lexical da língua de partida para a língua de chegada,

frequentemente utilizado quando existe um vazio terminológico nesta última (Byrne,

2012: 120). Dado que a produção técnica, científica e informática ocorre

71

predominantemente em inglês, é natural que os vocábulos desta língua sejam

incorporados e fixados nas restantes línguas. As palavras do domínio informático (e-mail,

Internet, website, PC etc., com as quais várias vezes me deparei) são exemplos de

empréstimos que, pelo seu uso extensivo, já se encontram aceites pela norma portuguesa.

Uma outra característica da comunicação especializada é a prevalência de siglas, já

que estas contribuem para a concisão e clareza do texto, isto é, aportam uma grande

quantidade de informação numa expressão apenas. Todavia, é importantíssimo realçar

que, para que as siglas contribuam para a compreensão do texto, deverão encontrar-se

devidamente fixadas e normalizadas na linguagem especializada, para que possam ser

reconhecidas e utilizadas pelos especialistas da área, atingindo, frequentemente, um

estatuto internacional (por ex., PC, CPU, ABS etc.).

As siglas são tão frequentes na comunicação técnica e científica que, muitas vezes,

no início destes textos, é habitual efetuar-se uma especificação das siglas utilizadas ao

longo do documento. Através da minha experiência, constatei que esta é uma prática

bastante comum em manuais de instruções e, logo no primeiro projeto realizado na

empresa, deparei-me com algumas incertezas em relação ao tratamento das siglas.

Identificação do projeto: 2018_0193;

− Par de línguas: EN → PT_PT;

− N.º de palavras: 7550;

− Tempo despendido: 38,25 horas16;

− Área temática: medicina;

− Tipo de discurso: técnico;

− Género do texto: manual de instruções;

− Sequência textual predominante: instrucional-diretiva;

− Função do texto: informativa;

− Contexto: manual de instruções de um scanner de amostras de tecido humano e do

computador que processa as imagens, contendo instruções sobre o transporte, montagem e

utilização, bem como normas de segurança;

− Público-alvo: profissionais de saúde com formação para operar o aparelho;

− Ferramentas utilizadas: SDL Trados Studio.

16 Esta foi a primeira tradução realizada na Kvalitext, o que explica o elevado número de horas dedicadas

a este projeto.

72

Sigla Denominação por extenso

CDU Calibration and Diagnostics Utility

EC European Community

ICC International Color Consortium

ICD Implantable cardioverter-defibrillator

IEC International Electrical Commission

IMS Image Management System

PC Personal computer

PM Preventative maintenance

Para este projeto não foram fornecidas instruções relativas ao tratamento das siglas,

o que constituiu um problema, já que existiam siglas com tradução oficial (por ex., EC),

outras tão usuais que já se encontravam incorporadas na língua (por ex., PC) e ainda

algumas que pareciam fazer parte da terminologia do produto (por ex., CDU e IMS) e,

portanto, podem considerar-se características do mesmo.

Devido a estas incertezas, e com vista a realizar uma tradução consistente, coloquei

uma query ao cliente para averiguar se deveria efetuar a tradução das siglas ou se as

deveria manter em inglês no TCh (i. e., realizar um empréstimo). A resposta fornecida

foi: “it is ok to translate some”. Desta forma, naquele momento, pareceu-me mais

indicado traduzir as siglas da forma seguinte:

Texto de partida Tradução Revisão

CDU ACD CDU

Calibration and Diagnostics

Utility

Aplicação de Calibração e

Diagnósticos

Utilitário de calibração e

diagnósticos

EC CE —

European Community Comunidade Europeia —

ICC ICC —

International Color

Consortium

Consórcio Internacional da

Cor

International Color

Consortium

ICD CDI —

Implantable Cardioversor-desfibrilador —

73

cardioverter-defibrillator implantável

IEC CEI IEC

International Electrical

Commission

Comissão Eletrotécnica

Internacional

IMS IMS —

Image Management System Sistema de gestão de

Imagem

Sistema de gestão de

imagens

PC PC —

Personal computer Computador pessoal —

PM PM —

Preventative maintenance Manutenção preventiva —

Como se pode constatar, o revisor do projeto discordou com a tradução de algumas

siglas e, em retrospetiva, concordo plenamente com as suas alterações. Em primeiro lugar,

as minhas decisões em relação às siglas que parecem ser exclusivas deste produto não

foram consistentes: por exemplo, traduzi “CDU”, mas não “IMS” ou “PM”. Em virtude

da experiência que adquiri deste então, se tivesse de traduzir este mesmo documento ou

revê-lo, realizaria um empréstimo das siglas “CDU”, “IMS” e “PM”, já que, por um lado,

são referentes ao produto e, por outro, uma vez que o produto em questão tem um software

associado (que não se encontrava localizado), seria mais seguro manter as siglas em inglês

no manual de instruções traduzido, para que o utilizador do produto e do seu software

estivesse familiarizado com as mesmas.

No que diz respeito às organizações também mencionadas na lista (European

Community, International Electrical Commission e International Color Consortium),

constatei que existe uma tradução oficial para a primeira, bem como para a sua sigla;

descobri também uma tradução para a segunda, mas não para a sua sigla; para a última,

não fui capaz de encontrar qualquer tradução oficial. Desta forma, decidi traduzir as

denominações e as siglas correspondentes das duas primeiras organizações, enquanto

para a terceira traduzi apenas a sua designação. Todavia, o revisor considerou que estas

opções não seriam as mais adequadas, já que, na ausência de uma tradução oficial dos

nomes das organizações, seria melhor realizar um empréstimo do que impor a nossa

tradução.

74

Tendo em conta tudo o que aprendi desde que realizei este projeto, e considerando

o estatuto internacional ao qual a terminologia almeja, sem dúvida que teria recorrido a

mais empréstimos para a tradução destas siglas, até porque, provavelmente, o

público-alvo estará familiarizado com as mesmas.

4.5.4. Tradução de palavras-sinal

Para além das funções dos manuais de instruções já descritas no ponto 2.4., outra

função igualmente importante deste género textual passa por alertar os

leitores/utilizadores para os potenciais riscos inerentes à utilização do produto, caso não

sejam tomadas as medidas de segurança apropriadas. Assim, muito frequentemente, o

utilizador depara-se com mensagens como a apresentada abaixo (imagem extraída do já

mencionado projeto 2018_0193) no início do manual de instruções ou antes de

procedimentos delicados.

A utilização de palavras-sinal (por ex., “Warning”, “Caution” e “Notice”) é

Figura 23: Mensagens de alerta de um manual de

instruções.

75

normalizada por instruções presentes em normas como a ISO/IEC Guide 37: 2012

relativas às instruções de utilização de produtos por parte dos consumidores, que

recomendam os retadores técnicos a seguir uma “hierarchy of ‘signal words’ when

alerting users to risks and unwanted states of various kinds” (Olohan, 2016: 63). Assim,

a referida norma ISO sugere o uso de “DANGER, WARNING and CAUTION to alert

users to high, medium and low risks respectively” (ibid.). Tal hierarquia deverá,

obviamente, ser também respeitada na tradução dessas mesmas palavras-sinal, que

deverão transmitir o mesmo nível de advertência e claramente comunicar os riscos aos

quais o utilizador está sujeito. Não havendo qualquer entrada na TM contendo tais

palavras, coube-me a mim decidir qual a tradução mais apropriada.

Ainda que “DANGER”, o elemento superior da hierarquia das palavas-sinal que

denota um maior risco, não se encontrasse presente no TP, é também importante ponderar

sobre a sua tradução, já que as palavras-sinal seguintes têm de comunicar um nível de

risco sucessivamente menor. Pelo contacto estabelecido com manuais de instruções

enquanto leitora, diria que uma tradução apropriada para “DANGER” seria “PERIGO”,

o que me levou a traduzir “WARNING” e “NOTICE” como “AVISO” e

“OBSERVAÇÃO”, respetivamente. O maior desafio foi, desta forma, a tradução de

“CAUTION”.

Através da consulta de bases de dados (nomeadamente, o Linguee e o IATE) e

dicionários bilingues online (como a Infopédia), obtive as sugestões de tradução

“cuidado”, “advertência”, “precaução” e “atenção”. Entre estas possíveis opções teria,

então, de selecionar a que melhor cumpriria o objetivo do TP.

Segundo as teorias funcionalistas da tradução, “a translation is designed to achieve

a purpose” (Pym, 2010: 41). Mais especificamente, a Skopostheorie de Hans Vermeer em

coautoria com Katharia Reiss defende que cada texto é produzido com um objetivo

específico e que, da mesma forma, cada tradução tem também um objetivo específico a

ser alcançado (id.: 44–45). Segundo Vermeer (Vermeer, 1989 apud Nord, 1997: 29,

tradução da autora),

[t]he Skopos rule thus reads as follows: translate/interpret/speak/write in a way

that enables your text/translation to function in the situation in which it is used and with

the people who want to use it and precisely in the way they want it to function.

76

Neste caso, a tradução de “CAUTION” deverá ser uma que cumpra o objetivo das

palavras-sinal, ou seja, comunicar de forma rápida e inequívoca o nível de risco inerente

ao funcionamento daquele aparelho e, adicionalmente, transmitir um grau de risco

inferior a “AVISO” e superior a “OBSERVAÇÃO”. Assim, descartei as opções

“advertência” e “precaução” porque contêm muitos caracteres, ou seja, são demasiado

longas para serem de leitura rápida e fácil, principalmente tendo em conta que a palavra

no TCh é apresentada em maiúsculas. A minha escolha final seria, então, entre “atenção”

e “cuidado”.

Em termos pragmáticos, pareceu-me que “atenção” se adequaria melhor nesta

hierarquia porque a considerava uma palavra mais imperativa do que “cuidado”. Esta

tratava-se, no entanto, de uma visão subjetiva, pelo que decidi enquadrar estas duas

opções com os outros elementos da hierarquia de palavras-sinal e efetuar uma pesquisa,

através do Google, nos webistes em português, para ver qual combinação seria mais

frequente.

Figura 24: Número de entradas nas páginas de Portugal do

Google para o trio de termos “perigo aviso atenção”.

Figura 25: Número de entradas nas páginas de Portugal do

Google para o trio de termos “perigo aviso cuidado”.

77

Como é possível constatar, a pesquisa no Google favoreceu a minha preferência,

apresentando mais entradas para o trio de termos “perigo”, “aviso” e “atenção”, pelo que

“CAUTION” foi, finalmente, traduzido como “ATENÇÃO”.

4.6. Registo de língua

Uma diferença cultural registada no par de línguas mais trabalho durante todo o

estágio (EN→PT_PT) foi a formalidade do discurso. Martin Joos refere a existência de

uma escala de formalidade que contém vários registos de língua, sendo eles, do mais

formal para o mais informal, “frozen”, “formal”, “consultative”, “casual” e “intimate”,

(Joos, 1968: 188–189). O linguista refere ainda que o registo de língua “consultative” é o

predominante no inglês americano, sendo até mesmo empregue em conversas entre

desconhecidos (ibid.). No entanto, a língua portuguesa apresenta uma maior formalidade

quando comparada com o inglês, pelo que o registo “formal” é muito mais prevalente.

Consequentemente, esta discrepância cultural entre os registos utilizados pelas duas

línguas esteve na origem das dificuldades evidenciadas no projeto seguinte.

Identificação do projeto: 2018_0422;

− Par de línguas: EN → PT_PT;

− N.º de palavras: 983;

− Tempo despendido: 3,75 horas;

− Área temática: informática;

− Função do texto: informativa;

− Contexto: strings de um software antivírus e dos e-mails gerados pelo mesmo;

− Público-alvo: utilizadores do software;

− Ferramentas utilizadas: memoQ.

As dificuldades encontradas neste projeto relacionaram-se com a localização da

saudação inicial presente nos e-mails gerados por um software antivírus.

Texto de partida Tradução Revisão

Hello, </p> The following

threats were detected on

<EventDate> between

Caro utilizador, </p> as

seguintes ameaças foram

detetadas a <EventDate>

Olá, </p> As seguintes

ameaças foram detetadas a

<EventDate> entre as

78

<EventTime> and

<EventEndTime>.

entre as <EventTime> e as

<EventEndTime>.

<EventTime> e as

<EventEndTime>.

Pelo anteriormente referido, considerei que não seria adequado manter a

informalidade da língua inglesa (traduzindo “Hello” pelo seu equivalente mais direto,

“Olá”) no TCh português, mesmo tratando-se de textos de e-mail, que tendem a ser mais

informais.

Desta forma, para escolher uma saudação que se adaptasse à formalidade do

português, considerei a opção “Bom dia”, que seria ligeiramente mais formal e apropriada

para um e-mail. Contudo, esta opção foi logo descartada porque “Bom dia” é uma

saudação com uma extensão horária limitada, ou seja, apenas se aplica no início do dia,

o que não seria muito indicado como saudação inicial. Assim, “Caro utilizador”

pareceu-me ser a tradução mais indicada, uma vez que evidenciava um tratamento mais

formal e seria aplicável em todos os casos.

Todavia, o revisor não concordou com este ponto de vista e, estando já

familiarizado com a empresa que produziu o software, informou-me de que esta se

caracteriza por ser informal e por tratar os utilizadores do seu software com bastante

proximidade. Tal é também sustentado por Byrne, que afirma que “[t]he very nature of

the company, its culture, goals and organisation are reflected in the types of documents

that company produces” (Byrne, 2006: 49), ou seja, a utilização de “Hello” como

saudação inicial não é propriamente uma marca da informalidade do inglês, mas mais um

registo característico da filosofia da empresa. Não tendo este conhecimento, efetuei a

tradução que me pareceu mais correta naquele momento, embora agora reconheça que

“Caro utilizador” talvez seja uma saudação demasiado formal.

Ainda em relação à questão do registo de língua, será interessante voltar a analisar

o já mencionado projeto 2018_0633 (anúncio publicitário a trampolins e karts), para o

qual o cliente forneceu a instrução de que a informalidade do TP deveria ser mantida no

TCh (principalmente porque o público-alvo eram crianças); aplicava-se, portanto, um

registo de língua mais casual que, em virtude dessas instruções do cliente e da análise

textual por mim efetuada na fase de pré-tradução, procurei deixar transparecer no TCh.

Contudo, quando tive acesso às alterações efetuadas pelo revisor deste projeto, constatei

79

que este não tinha concordado com algumas das minhas opções, especialmente com a

tradução da palavra “cool”.

Texto de partida Tradução Revisão

Safe, cool and nicely

compact.

Seguro, fixe e compacto. Seguro, compacto e original.

Wouldn’t you like to have a

go-kart that is different and

cool?

Gostavas de ter um kart a

pedais fixe e diferente?

Gostavas de ter um kart a

pedais que prima pela

diferença?

Then go for the XXXXX for

the coolest moves.

Então escolhe o XXXXX

para as manobras mais

fixes.

Então escolhe o XXXXX

para as manobras mais

divertidas.

There are also some

supercool accessories to

make the XXXXX complete!

Há também acessórios

super fixes para completar o

teu XXXXX!

Há também fantásticos

acessórios para

complementar o teu

XXXXX!

Tendo em conta o público-alvo e a informalidade requerida pelo cliente, considerei

apropriado traduzir “cool” como “fixe”, um adjetivo valorativo coloquial frequentemente

empregue por crianças e jovens dentro do intervalo de idades que este anúncio publicitário

pretende alcançar. O revisor, no entanto, pareceu discordar e substituiu o adjetivo “fixe”

por outros como “original”, “divertidas” e “fantásticos”, o que, embora não contendo a

coloquialidade de “fixe”, alarga a variedade lexical do TCh, introduzindo adjetivos que

promovem também o desejo. Contudo, discordei bastante da tradução “Gostavas de ter

um kart a pedais que prima pela diferença?”, já que não me parece nem informal, nem

compreensível por crianças, nem ilustrativa do registo de língua utilizado pelas mesmas.

Tal corrobora a visão de Gouadec, que refere que “the reviser may, at times, make

rash corrections” (Gouadec, 2007: 225), descartando, desta forma, uma escolha tradutiva

fundamentada nas instruções do cliente e justificada por um processo de análise textual.

80

Considerações finais

O objetivo do presente relatório foi apresentar e refletir sobre as atividades

desenvolvidas na empresa de tradução Kvalitext, no âmbito do estágio no MTSL e,

adicionalmente, espelhar a transição do mundo académico para o “mundo real” da

tradução.

Para complementar e expandir a descrição e avaliação da experiência vivida neste

estágio e com o intuito de melhor avaliar essa transição, de perceber o que um mestrado

de tradução como o da FLUP oferece aos estudantes e o que as empresas de tradução

procuram num colaborador, lancei um inquérito (cf. Anexo 4) a cinco docentes do MTSL,

a dez estudantes desse mesmo mestrado (cinco do 1º ano e cinco do 2º), a cinco

colaboradores da Kvalitext e a três administradores de empresas de tradução de forma a

avaliar as competências (numa escala de 1 a 5, em que 1 representa uma competência

nada essencial e 5 uma competência muito essencial) que cada grupo considera mais

relevante para o exercício da tradução. Assim, neste momento conclusivo, apresentarei

um resumo dos resultados deste inquérito, na medida em que me parece que os mesmos

espelham bem alguns dos pontos essenciais a reter de todo o percurso académico e

profissional que este mestrado envolve.

Um resultado que imediatamente me chamou a atenção foi a relevância atribuída

por todos os participantes às competências relacionais e interrelacionais (capacidade de

trabalho em equipa e de comunicação, aceitação de críticas e feedback), o que revela que,

ao contrário de uma conceção popular e obsoleta, o tradutor não trabalha sozinho atrás do

ecrã do computador. O estágio realizado na Kvalitext permitiu-me comprovar que a

tradução é um esforço de equipa resultante de uma constante troca de conhecimentos e

ideias e, desta forma, fui capaz de aprender bastante num espaço de tempo relativamente

reduzido.

No que diz respeito às competências pessoais, todos os participantes reconhecem

as exigências da profissão, destacando a importância da capacidade para lidar com o

stress e para trabalhar sob pressão. De facto, a pressão dos prazos de entrega é uma

constante no dia-a-dia do tradutor, tal como frequentemente os professores do MTSL

referiam e tal como pude comprovar na minha experiência na empresa. Embora, enquanto

estagiária, não tivesse prazos de entrega demasiado apertados, pelo menos em dois

81

projetos senti que o tempo urgia e que cada minuto deveria ser bem empregue.

Pessoalmente, sinto que traduzir sob pressão me deixa mais suscetível a erros, mais

frustrada e perturba a minha concentração; tais situações são, sem dúvida, desagradáveis,

mas também reconheço que foi importante experienciá-las enquanto estagiária, para me

ambientar e saber lidar com esta realidade, com o acompanhamento e ajuda da minha

orientadora. Outras características pessoais consideradas igualmente importantes são a

dedicação, a perseverança, a concentração e a autodisciplina. Estas últimas duas foram

inclusivamente classificadas como essenciais por parte dos administradores de empresas

de tradução, já que são determinantes para a rentabilidade de um tradutor. Por essa mesma

razão, estas são características que a componente teórica do MTSL visa incutir e

desenvolver nos estudantes como forma de preparação para a profissão que terão de

enfrentar.

Como seria de esperar, as competências linguísticas de um tradutor são também

bastante importantes; a relevância atribuída ao conhecimento da terminologia e das

convenções textuais sustentam o importante contributo que a análise textual oferece à

tradução, conforme defendido anteriormente. Para além disto, a fluência em pelo menos

duas línguas estrangeiras, aliada a uma proficiência linguística nas mesmas, é bastante

valorizada pelos administradores de empresas de tradução porque é uma forma de

potenciarem os seus recursos. Estes esperam também que os seus colaboradores se

especializem numa área de conhecimento concreta; os tradutores inquiridos, por outro

lado, não parecem considerar tal relevante, já que, para estes, talvez seja mais proveitoso

possuir conhecimentos gerais sobre várias áreas de conhecimento, o que lhes permite mais

facilmente adaptarem-se e familiarizarem-se com as mesmas.

De forma geral, através da minha experiência e da análise dos resultados deste

pequeno inquérito, considero que as competências incutidas pelos docentes do MTSL são

as que o mercado de tradução procura e necessita, existindo, desta forma, uma

coadunação entre os conteúdos lecionados e as competências que os profissionais de

tradução mais experientes consideram essenciais para singrar na profissão. Verifica-se

também um reconhecimento dos desafios e exigências da profissão por parte dos alunos

do primeiro ano do MTSL e uma consciencialização dos alunos do segundo ano em

relação ao “mundo real” da tradução uma vez concluído o estágio curricular, o que indicia

a concretização do processo de evolução expectável dos estudantes.

82

Pelo exposto, acredito que a via profissionalizante é uma forma muito natural e

produtiva para concluir o MTSL. Com efeito, o estágio curricular, para além de

complementar os conhecimentos previamente adquiridos, permite que o estudante de

tradução tenha uma transição mais suave e bem orientada entre o mundo académico e o

“mundo real” da tradução. Adicionalmente, o estágio possibilita a adaptação à dinâmica

de uma empresa e, através do contacto estabelecido com os seus colaboradores, constitui

um momento de aprendizagem intensiva que, no meu caso, contribuiu para o aumento da

autoconfiança e da autonomia, o que me permitiu sentir, de facto, uma tradutora.

83

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86

Anexos

Anexo 1 – Lista de projetos realizados

N.º do projeto Género de texto N.º de palavras N.º de horas

despendidas CAT-tool

2018_0193 Manual de

instruções 7 550 38,75

SDL Trados

Studio 2017

2018_0226 Ação de formação 4 500 16,5 SDL Trados

Studio 2017

2018_0307 Política de

privacidade 5 040 13 memoQ 2015

2018_0318 Folheto

informativo 5 000 16,5

SDL Trados

Studio 2017

2018_0387 Manual de

instruções 212 1,25

SDL Trados

Studio 2017

2018_0389 Folheto

informativo 209 1,75

SDL Trados

Studio 2017

2018_0340 Política de

privacidade 3 500 18,25 memoQ 8.2

2018_0422 Software

informático 983 3,75 memoQ 2015

2018_0438 Manual de

instruções 2 600 10,5

SDL Trados

Studio 2017

2018_00442 Manual de

instruções 7 600 16

SDL Trados

Studio 2017

2018_0482 Manual de

instruções 3 680 14,25 memoQ 2015

2018_0566 Manual de

instruções 3 000 10,5

SDL Trados

Studio 2017

2018_0587 Manual de

instruções 6 323 23,75 memoQ 2015

2018_0633 Anúncio

publicitário 1 050 3,75

SDL Trados

Studio 2017

2018_0642 Política de

privacidade 1 229 6,5

SDL Trados

Studio 2017

87

2018_0702 Software

informático 5 424 18,25

SDL Passolo

2016

2018_0740 Manual de

instruções 370 1,5

SDL Trados

Studio 2017

2018_0862 Manual de

instruções 3 900 7,5

SDL Trados

Studio 2017

2018_0784 Manual de

instruções 950 4,25

SDL Trados

Studio 2017

2018_0790 Política de

privacidade 3 200 9,5

SDL Trados

Studio 2017

2018_0809 Manual de

instruções 5 220 17,75

SDL Trados

Studio 2017

2018_0822 Software

informático 17 000 39,75 Wordbee

2018_0915 Software

informático 1 427 3,5

SDL Trados

Studio 2017

2018_0944 Software

informático 1 045 5

SDL Trados

Studio 2017

2018_0962 Software

informático 136 0,15 memoQ 2015

2018_0982 Manual de

instruções 439 2,25 memoQ 8.2

2018_0987 Folha de venda 470 2,75 SDL Trados

Studio 2017

2018_1002 Manual de

instruções 1 400 3,5

SDL Trados

Studio 2017

2018_1008 Ação de formação 6 185 16,75 memoQ 8.2

2018_1048 Manual de

instruções 4 000 9,5

SDL Trados

Studio 2017

2018_1123 Folheto

informativo 520 1,75 memoQ 8.2

2018_1129 Manual de

instruções 375 2

SDL Trados

Studio 2017

2018_1134 Guião 200 1 SDL Trados

Studio 2017

2018_1145 Software

informático 1 700 5,5

SDL Trados

Studio 2017

88

Anexo 2 – Plano de estágio

89

90

Anexo 3 – Documento de avaliação do estágio curricular

91

Anexo 4 – Resultados do inquérito realizado

Este inquérito, realizado através do Google Forms, pretendia que os

administradores de empresas de tradução (Admin), os tradutores (Trad), docentes do

MTSL (Docentes) e alunos do 2º ano (2º ano) e do 1º ano (1º ano) classificassem as

competências que consideram essenciais num tradutor, numa escala de 1 a 5, em que 1

representa uma competência nada essencial e 5 uma competência muito essencial.

As respostas obtidas permitiram o cálculo das médias de classificação da relevância

das características listadas na tabela seguinte.

Admin Trad Docentes 2º ano 1º

ano

Competências

linguísticas

Conhecimento da

terminologia e convenções

textuais inerentes ao tipo de

texto

5 4,4 4 4,8 4,2

Fluência em, pelo menos,

duas línguas estrangeiras 4,3 3,2 3 2,8 3,8

Proficiência linguística nas

línguas de trabalho 4,3 4,8 4,8 4,8 5

Competências

relacionais e

interrelacionais

Capacidade de comunicação

e de trabalho em equipa 4,3 4 4,8 5 4,6

Capacidade para aceitar e

lidar com feedback e

críticas

5 4,6 4,6 5 4,8

Competências

culturais e

interculturais

Conhecimento sobre a

cultura de partida e sobre a

cultura de chegada

4,3 3,6 4,8 4,4 5

Competências

pessoais e

interpessoais

Capacidade para se adaptar

a e familiarizar com várias

áreas de conhecimento

3,7 4,8 4,6 4,4 4,2

Capacidade para lidar com

o stress e para trabalhar sob

pressão

4,3 4,6 4,6 4,4 4,6

Competência para

desempenhar qualquer

papel no projeto de tradução

(gestor de projetos, tradutor,

2,3 3 3,8 3,6 3,8

92

revisor)

Criatividade/imaginação 3,3 3,6 3,8 4 4

Dedicação e perseverança 4,3 4,2 4,6 4,8 5

Concentração e

autodisciplina 5 4,6 4,8 4,8 4,8

Especialização numa área

de conhecimento concreta 4,3 2,6 3,4 3,4 3

Experiência profissional 2,3 4 3,8 3,4 3,6

Formação académica

(licenciatura e/ou mestrado

em Tradução)

3,7 4,6 4,6 4,6 4,8

Competências

informáticas

Boas capacidades de

pesquisa de informação 5 4,8 4,8 4,6 4,6

Bom domínio de programas

de Gestão de Projetos 1,3 2,8 3,2 3,2 3,2