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Releitura da matéria médica: Sambucus nigra
Marli A. Ranal
Rogério Ferreira Guimarães
Resumo – A Matéria Médica Pura de Hahnemann tem sido a base para consultas dos
homeopatas. Tomando-se por base esta obra, a proposta deste trabalho é a releitura para
Sambucus nigra, elaborada a partir dos sintomas descritos por experimentadores sãos,
dos sintomas descritos em matérias médicas clínicas e das características da espécie. As
comparações entre os sintomas diversos e a analogia entre esses e as características da
espécie permitiram chegar à imagem patogenética desse medicamento. Do ponto de
vista homeopático, Sambucus nigra está associada ao sufocamento, o que parece ser o
tema deste medicamento. Toda a movimentação do paciente, agravada no período
noturno, tem como objetivo livrá-lo da obstrução respiratória que, se persistir, culmina
no sufocamento, com cianose como resultado máximo do agravamento.
Introdução
O trabalho de Hahnemann, em especial o que ele reuniu em sua Matéria Médica Pura
(Hahnemann 1998), tem sido amplamente estudado por médicos homeopatas e outros
profissionais da área da saúde, no sentido de aprimorar e tornar os diagnósticos mais
assertivos, facilitando o aprendizado daqueles em começo de carreira. Neste sentido,
está a proposta de releitura da Matéria Média Pura da equipe do CEHL. Esta proposta
tem por objetivo aprimorar a compreensão da matéria médica pura de Hahnemann pela
analogia entre os sintomas descritos pelos experimentadores, com a fonte do
medicamento.
Para colaborar com esta proposta, o presente trabalho tem por objetivo estudar a espécie
Sambucus nigra L. em seus aspectos morfológicos, ecológicos, usos e toxicologia,
relacionando-os com os sintomas descritos na Matéria Médica Pura de Hahnemann para
este medicamento. Este trabalho também tem como propósito apresentar as polaridades
do medicamento, descritas na Matéria Médica Pura, e os sintomas inclusos em matérias
médicas clínicas. A avaliação de todas essas informações permitirá a detecção do tema
deste medicamento, entendo-se por tema a imagem patogenética do medicamento,
formulada a partir da relação entre os sintomas descritos na experimentação pura e os
sintomas clínicos.
A maior parte das informações aqui apresentadas sobre a espécie foi obtida a partir de
uma grande revisão apresentada por Atkinson & Atkinson (2002). Este trabalho também
foi utilizado por Scopel et al. (2007). Certamente um dos motivos pelos quais os
primeiros autores envidaram esforços para reunir tanta informação de uma única
espécie, está no amplo uso dos produtos obtidos a partir da planta. Segundo o
levantamento feito por eles, em 1995 o Reino Unido consumiu 15 milhões de litros de
bebidas naturais à base dos sabores obtidos com seus frutos, o que representou 500% de
aumento em relação ao ano de 1991. Os frutos são utilizados para o preparo de sucos,
vinhos e geléias em toda Europa. O alto consumo dos produtos extraídos de Sambucus
nigra tem preocupado os pesquisadores, pois esse extrativismo pode comprometer a
sobrevivência das populações nativas da espécie.
Material e Métodos
Taxonomia e distribuição geográfica
Espécies da família Adoxaceae (Caprifoliaceae lato sensu, Viburnaceae; Adoxaceae ou
Sambucaceae segundo Benko-Iseppon & Morawetz, 2000, citados por Hidayati et al.
2010) são de regiões temperadas do Hemisfério Norte, incluindo Europa, América do
Norte, oeste e centro da Ásia e norte da África, sendo o gênero Sambucus o único que
apresenta espécies nativas no Hemisfério Sul, S. peruviana e S. australis, a última de
ocorrência na região sudeste do Brasil até o Rio Grande do Sul, alcançando o Uruguai,
Paraguai e Argentina (Scopel et al. 2007, Nunes et al. 2007). Segundo os autores, os
demais táxons da família, quando encontrados no Brasil, foram introduzidos e
continuam a ser cultivados.
O gênero Sambucus apresenta 25 espécies distribuídas em regiões temperadas e
subtropicais, dentre elas Sambucus nigra L., vulgarmente denominada de sabugueiro, de
origem européia e descrita em diversas farmacopéias de países europeus, mas não na
brasileira (Scopel et al. 2007).
Morfologia
Sambucus nigra tem porte arbustivo ou arbóreo, alcançando até 10 metros de altura,
com copa bem ramificada e globosa (Scopel et al. 2007, Atkinson & Atkinson 2002).
Brotos eretos e vigorosos partem da base do tronco e a rebrota é comum em plantas
jovens, mas após 20-30 anos de idade esse tipo de regeneração é interrompido e a planta
apresenta apenas um tronco principal (Atkinson & Atkinson 2002). O primeiro
florescimento acontece após três ou quatro anos de idade, raramente em seu segundo
ano de vida (Atkinson & Atkinson 2002).
A casca é de cor castanho-acinzentada, com lenticelas, profundamente sulcada, e os
ramos apresentam a parte interna branca e porosa (Atkinson & Atkinson 2002). As
folhas são compostas, imparipenadas, opostas, pecioladas, 3-12 cm de comprimento,
ovaladas, ovado-lanceoladas ou ovado-elípticas, acuminadas, com 3-7 até 11 folíolos
membranosos, glabros ou com tricomas escassos, com margem denteada; estípulas
sésseis e geralmente caducas, as mais próximas das inflorescências apresentam
nectários extra-florais próximos da base e estes também aparecem na base dos folíolos
(Atkinson & Atkinson 2002; Scopel et al. 2007). A caducifolia é comum na espécie. As
flores são amareladas ou brancas, dispostas em cimeiras corimbosas terminais; são
monóclinas, diclamídeas, pentâmeras ou tetrâmeras e actinomorfas; o androceu é
formado por quatro ou cinco estames epipétalos, de tamanhos iguais; o gineceu
geralmente é formado por três carpelos soldados entre si, com três lóculos e três
rudimentos seminais, de placentação axial (Atkinson & Atkinson 2002; Scopel et al.
2007).
O fruto é do tipo drupa, preto, elíptico, com cerca de 7 mm de diâmetro e 3-5 sementes,
podendo ser formados na ausência de polinização, levando à produção de algumas
sementes sem embrião (Atkinson & Atkinson 2002, Scopel et al. 2007). A dispersão das
sementes é feita por pássaros que ingerem os frutos e regurgitam ou defecam as
sementes (Atkinson & Atkinson 2002, Scopel et al. 2007). A germinação das sementes
frescas com a polpa do fruto removida manualmente é de 62,5%, com tempo médio de
38,2 semanas e das sementes que passaram pelo trato digestório de aves é de 42,8%,
com tempo médio de 36,6 semanas (Atkinson & Atkinson 2002). Para alcançar esses
resultados, os autores citados na revisão realizada por Atkinson & Atkinson (2002)
mantiveram as sementes em condições experimentais similares às encontradas na
natureza, ou seja, oito semanas a 15°C, 10 semanas a zero grau, 18 semanas a 13°C, oito
semanas a 18°C, 10 semanas a zero grau e 16 semanas a 13°C, simulando as quatro
estações do ano. Resultados de experimentos com estratificação a frio mostraram que as
sementes desta espécie apresentam dormência e mesmo após dois invernos a
porcentagem de germinação é de 39% (Atkinson & Atkinson 2002).
As sementes contidas em drupas geralmente têm um impedimento mecânico à
germinação, mas, além disso, experimentos realizados por Hidayati et al. (2010)
mostraram que sementes de espécies de Sambucus ocorrentes na parte mais ocidental da
América do Norte são liberadas quando seus embriões ainda não estão completamente
desenvolvidos. O desenvolvimento chega a alcançar 75% e os 25% restantes devem
acontecer quando as sementes são mantidas a 5°C, o que mostra a necessidade de
estratificação a frio para a quebra dessa dormência morfológica. Os autores concluíram
que as sementes de Sambucus caerulea pertencente ao complexo Sambucus nigra e as
de Sambucus callicarpa pertencente ao complexo Sambucus racemosa apresentam
sementes com dormência morfofisiológica intermediária, segundo o sistema de
classificação proposto por Baskin & Baskin (1998).
A análise morfológica interna das flores desta espécie mostrou a presença de lipídeo em
todas as partes analisadas, além de tricomas tectores e glandulares de diferentes tipos
(Scopel et al. 2007). Os autores também encontraram idioblastos de oxalato de cálcio
em brácteas, sépalas e pétalas. Cerca de 40 diferentes substâncias foram isoladas do
sabugueiro, como responsáveis pelo aroma da planta.
Hábitat e características eco-fisiológicas
Com relação ao hábitat, geralmente é encontrada em áreas abertas e borda de matas
(tem baixa tolerância ao sombreamento), associada a solos eutróficos e perturbados,
ricos em fosfato, nitrogênio (espécie nitrófila) e potássio (Atkinson & Atkinson 2002).
Segundo os autores, sua ocorrência é registrada em altitudes que variam de 350 a 460 m
e está ausente em altitudes maiores, dependendo da região, podendo este limite ser de
900 m como nas montanhas Tatra que formam uma cordilheira na fronteira entre a
Polônia e a Eslováquia; 1500 m nos Alpes e 2200 m no Marrocos. Esta limitação
altitudinal está relacionada com as sementes que não amadurecem durante a curta
estação de crescimento das latitudes e altitudes maiores, quando as temperaturas podem
atingir 7,2 °C ou menos (Atkinson & Atkinson 2002).
Populações isoladas são encontradas até o paralelo 63° N que corta a região norte da
América do Norte, Europa e Ásia e populações contínuas até a latitude 55° N, um pouco
mais abaixo, mas ainda no norte dos mesmos continentes (Atkinson & Atkinson 2002).
A 55° do paralelo norte o sol é visível durante 17 horas e 22 minutos durante o solstício
de verão e durante 7 horas e 10 minutos durante o solstício de inverno
(https://en.wikipedia.org/wiki/55th_parallel_north) e este pode ser o limite de insolação
para a maturação dos frutos que garante a expansão das populações. O limite oriental de
sua distribuição é aproximadamente 55° E (Atkinson & Atkinson 2002), meridiano que
parte do Polo Norte e chega ao Polo Sul, passando pelo Oceano Ártico, Europa, Ásia,
Oceano Índico, Oceano Antártico e a Antártida
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Meridiano_55_E).
Sambucus nigra tem sido introduzida em várias partes do mundo, incluindo partes da
Ásia, América, Nova Zelândia e Austrália (Atkinson & Atkinson 2002).
Além do limite térmico, geralmente esta espécie ocorre em solos alcalinos, com pH
entre 6,5 e 8,7, o que indica sua característica como espécie calcícola (Atkinson &
Atkinson 2002). Em determinadas áreas da Europa Central, é uma das espécies que
melhor tolera condições úmidas, o que torna seu tronco um bom ambiente para abrigar
briófitas e liquens epífitas (Atkinson & Atkinson 2002). Em algumas áreas tem sido
considerada invasora, sendo controlada por herbicidas convencionais; em algumas
regiões também é encontrada com micorrizas vesículo-arbusculares (Atkinson &
Atkinson 2002), o que pode ser um indicativo de que essas áreas sejam mais pobres em
fosfato. Em uma região da Holanda, a vegetação lenhosa dominada por arbustos de
Sambucus nigra, espécie sabidamente impalatável para a maioria dos herbívoros,
diminuiu drasticamente e se converteu em área aberta, coberta por gramíneas após a
ação de grandes herbívoros como gado e cavalos (Cornelissen et al. 2014). Os autores
verificaram também que a presença desses grandes herbívoros impede o processo de
regeneração dessas áreas abertas.
Esta espécie é resistente a vários tipos de poluentes, como altos níveis de fertilizantes à
base de fósforo; a aumentos de fluoreto, sódio, ozônio, cobre e dióxido de enxofre
(Atkinson & Atkinson 2002). Os grãos de pólen são sensíveis à acidez e perdem a
capacidade de germinar. Outra característica interessante é que Sambucus nigra é muito
susceptível à cavitação (embolia), perdendo a condutividade dos vasos do xilema, mas a
recuperação é rápida à medida que ocorre reposição de água (Atkinson & Atkinson
2002). As plantas são capazes de manter o potencial hídrico, reduzindo a condutância
estomática assim que sinais de restrição hídrica no solo aparecem. Apesar disso, a
espécie não pode ser considerada tolerante à seca, mas é capaz de se recuperar após
curtos períodos de escassez de água de pelo menos três semanas.
Produtos extraídos de Sambucus nigra
Componentes bioativos das flores de Sambucus nigra foram isolados por Bhattacharya
et al. (2013) e mostraram-se eficientes na modulação do metabolismo da glicose e de
lipídeos, o que pode ser uma excelente alternativa para o controle do diabetes tipo 2
(T2D) e da obesidade visceral. O que mobilizou os autores a efetuarem este trabalho foi
a busca por alternativas a medicamentos que controlam a T2D, uma vez que os
medicamentos usuais causam muitos efeitos colaterais indesejáveis. Os autores
conseguiram identificar flavonóides bioativos e compostos fenólicos (kaempferol, ácido
ferúlico, ácido p-cumárico e ácido cafeico) potencialmente capazes de controlar o
diabetes. Dentre as substâncias extraídas e testadas, a naringenina foi uma das mais
potentes, por seu maior efeito no metabolismo da glicose e dos lipídeos. Em muitos
países europeus Sambucus nigra tem sido utilizada no tratamento de gripes e seus frutos
são conhecidos por suas propriedades anti-virais, aumentando a imunidade
(Bhattacharya et al. 2013).
Segundo o levantamento feito por Scopel et al. (2007), suas flores são comercializadas
in natura como Sambuci flos para serem preparadas na forma de infusão ou decocção,
como diuréticas, antipiréticas, antiinflamatórias, como laxativo leve e no tratamento de
doenças do aparelho respiratório. Estudos experimentais também mostraram que o
extrato etanólico do caule inibe a enzima acetilcolinesterase e o morronisídeo (iridóide)
isolado de suas folhas não teve ação sobre a enzima conversora de angiotensina (Scopel
et al. 2007). Além do uso em homeopatia, esta espécie tem sido investigada como
potencial para a cura do câncer e no entendimento de desordens imunológicas e
alérgicas do ser humano (Atkinson & Atkinson 2002).
As folhas são usadas externamente para o tratamento de inflamações, queimaduras,
eczemas e conjuntivites (Clapé Laffita & Alfonso Castillo 2011). Segundo os autores,
deve-se à mucilagem secretada pelas flores suas propriedades antitussígenas, emolientes
e ligeiramente laxantes. O nitrato de potássio, os ácidos ursólico e oleanólico lhe
conferem as propriedades diuréticas, sudoríficas e depurativas, importantes em estados
febris causados por gripes, resfriados, faringites, amigdalites e em enfermidades infantis
como sarampo, rubéola e escarlatina, uma vez que na sudorese as toxinas dessas
infecções são eliminadas e a febre diminui. Além disso, em função de seu conteúdo de
glucosídeos, flavonóides (rutina e quercetina) e de ácidos orgânicos, as flores de
sabugueiro são utilizadas como antiinflamatório, estimulante de defesas do organismo e
atuam como antioxidante pela ação dos ácidos fenilcarboxílicos (caféico, clorogênico e
p-cumarínico). Os óleos essenciais das flores e, em especial a rutina, estimulam a
circulação dos capilares.
Os frutos frescos são laxantes, ricos em vitaminas C e, em menor quantidade, vitamina
A; também contêm flavonóides (rutina e isoquercitina), pigmentos antocianósidos
(crisantemina, sambucianina e sambucicianina), taninos, açúcares redutores e ácidos
orgânicos (cítrico, málico e tartárico) que são úteis como antiinflamatórios em
reumatismos (Clapé Laffita & Alfonso Castillo 2011). O vinagre feito com os frutos é
um ótimo desinfetante devido ao seu conteúdo de ácido málico.
A casca tem sido usada desde a antiguidade contra edemas e ascitis. Quando fresca, tem
em sua composição grande quantidade do alcalóide sambucina, além do triterpeno
colina, um óleo essencial; ácido vibúrnico e sambunigrina, um glicosídeo cianogênico
que em contato com a enzima emulsina da saliva produz ácido cianídrico, altamente
tóxico (Clapé Laffita & Alfonso Castillo 2011). A casca também é utilizada como
diurético, como laxante e para induzir vômito.
Menos usual, tem sido usada no tratamento do Alzheimer, epilepsia, colite ulcerosa,
neuralgias; como imunoestimulante no tratamento de herpes, câncer e HIV;
externamente tem sido usado em queimaduras, psoríase e herpes labial (Clapé Laffita &
Alfonso Castillo 2011).
Toxicidade de Sambucus nigra
Quanto à toxicidade, as folhas de Sambucus nigra contêm glicosídeos cianogênicos,
sendo o principal a sambunigrina, além de prunasina, zierina e holocalina e lecitinas
tóxicas em outras partes da planta, gerando casos isolados de envenenamento de
animais incluindo o homem, por ingestão de alguma de suas partes (Atkinson &
Atkinson 2002). Estas substâncias deixam a planta impalatável a insetos que a visitam
com menor frequência em relação a outras espécies vegetais dos mesmos locais de
ocorrência, participando então do processo de defesa das plantas. Na casca da árvore
também são encontradas proteínas inativadoras de ribossomos que representam 80% do
conteúdo protéico dessa parte da planta (Atkinson & Atkinson 2002).
No levantamento realizado por Santos et al. (2005), a cianogênese já havia sido
detectada em pelo menos 2650 espécies de plantas pertencentes a mais de 130 famílias,
com registros em bactérias, fungos, líquens, pteridófitas, gimnospermas e angiospermas.
Em seu trabalho, os autores aumentaram a lista em 14 espécies de pteridófitas, das 19
estudadas. Grande parte das plantas cianogênicas pertence às Araceae, Euphorbiaceae,
Passifloraceae, Poaceae, Rosaceae e leguminosas (Amorim et al. 2006).
A hidrólise dos glicosídeos cianogênicos produz glucose e alfa–hidroxinitrilas que,
catalisada por uma hidroxinitrila liase, tranforma-se em HCN e nas cetonas
correspondentes (Amorim et al. 2006). Segundo os autores, como a absorção é rápida,
os sintomas da intoxicação cianídrica nos animais aparecem logo após ou mesmo
durante a ingestão da planta, e caracterizam-se por dispnéia, taquicardia, mucosas
cianóticas, sialorréia (saliva que flui para fora da boca), tremores musculares intensos,
andar cambaleante, nistagmo (oscilações rítmicas, repetidas e involuntárias de um ou
ambos os olhos, no sentido horizontal) e opistótono (distensão grave do corpo que
forma um arco, com apoio na cabeça e nos pés, devido a espasmos dos músculos axiais
ao longo da coluna vertebral). O animal cai, permanecendo em decúbito lateral, e a
dificuldade respiratória torna-se cada vez mais acentuada, levando ao coma e à morre,
causada por parada respiratória dentro de 15 minutos a poucas horas após o
aparecimento dos primeiros sinais. O HCN, quando ingerido em doses abaixo da letal,
por longo prazo, pode causar lesão no sistema nervoso e na tireóide.
A concentração dos glicosídeos cianogênicos é variável entre as espécies e, numa
mesma espécie, varia dependendo do clima e de outras condições que influenciam o
crescimento da planta como adubação nitrogenada, deficiência de água e idade da
planta, pois quanto mais nova e de crescimento rápido, maior será o seu teor em
glicosídeos cianogênicos, especialmente durante a rebrota (Amorim et al. 2006). É
importante salientar que na rebrota os tecidos são mais tenros e susceptíveis à
herbivoria, o que se torna este aumento uma importante defesa das plantas. Na
mandioca brava, considerada perigosamente venenosa, há mais de 100 mg kg-1 de HCN
(Cohen et al. 2007). Aumento de nitrogênio no solo, estresse hídrico e herbivoria
parecem ser os fortes estimulantes para a produção dos glicosídeos cianogênicos, sendo
a herbivoria inibida no pico da cianogênese, embora existam exceções nos casos em que
o herbívoro apresenta alguma habilidade de metabolizar esses compostos ou armazená-
los para posterior defesa contra predadores (Santos et al. 2005).
O ácido cianídrico tem grande afinidade pelo Fe3+ e por isto ele não se liga à
hemoglobina que tem o Fe2+, mas sim à citocromo c oxidase, que possui o íon férrico, o
que bloqueia a cadeia respiratória e também a síntese de ATP a ela associada (Peruzzo
& Canto 2010). A dose tóxica de HCN em animais é de 2 a 4 mg de HCN por
kg/pv/hora (pv: peso vivo) (ver Amorim et al. 2006). Para o HCN inalado, a FAO (Food
and Agriculture Organization of the United Nations) estabeleceu como dose limite 10
mg HCN/kg de peso vivo e os níveis de cianeto para consumo humano em produtos de
mandioca são seguros a valores ≤ a 20 mg kg-1 (ver Cohen et al. 2007).
Segundo o levantamento realizado por Cohen et al. (2007), os principais problemas de
saúde associados à dieta altamente rica em compostos cianogênicos incluem o
hipertiroidismo, resultante do metabolismo do tiocianato no metabolismo do iodo;
neuropatia atáxica tropical, uma desordem neurológica que causa instabilidade e falta de
coordenação motora, e konzo, uma paralisia rápida e irreversível.
Sambucus nigra para fins homeopáticos
SAMB é a abreviatura de Sambucus nigra, adotada pela Associação Brasileira de
Farmacêuticos Homeopatas – ABFH, em conformidade com a Homoeopathic
Pharmacopoeia of the United States (HPUS) e com a Pharmacopoeia Convention of the
American Institute of Homoeopathy, Boston, 1993.
Da sinonímia listada na ficha de referência de registro de qualidade da tintura mãe 8030
– SAMB da ABFH (CD – Fichas de Referência para Insumos Homeopáticos), apenas
Sambucus nigra subsp. maderensis (Lowe) Bolli é uma combinação válida para o
basiônimo Sambucus nigra (primeiro nome dado à espécie), reconhecida pelo site
oficial de taxonomia, www.tropicos.org. Entre os demais sinônimos listados na referida
ficha, estão Sambucus linearis Hort., S. vulgaris Meck., Sambucus acinis albis e S.
laciniatis follis, nenhuma válida pelas regras de nomenclatura botânica. Na mesma
ficha, são considerados nomes vulgares para esta espécie European Elder, Sureau,
Sureau noir, Schwarzer Holunder e Saúco. Nas Ilhas Britânicas e Europa Continental a
espécie é vulgarmente conhecida como Elder (Atkinson & Atkinson 2002).
De acordo com a ficha da ABFH, para o preparo de Sambucus nigra são utilizadas as
flores, partes iguais de folhas e inflorescências frescas e também flores e folhas verdes,
sendo esses materiais originados da maior parte da Europa, do Cáucaso, Sibéria e Japão,
coletados em bosques e locais abandonados.
Este medicamento foi introduzido na prática homeopática em 1819 por Hahnemann,
conforme citação feita por T.F. Allen na Encyclopedia of Pure Materia Medica, volume
VIII, página 477 (consulta feita na Farmacopea Homeopática de los Estados Unidos
Mexicanos 1998, conforme citação apresentada na ficha da ABFH).
A dispensação da tintura mãe é feita na potência 1 DH (escala decimal em que são
utilizadas duas partes da tintura mãe e oito partes de etanol a 43%), com coloração
verde-acastanhado ou café âmbar, sendo mantida protegida da luz para armazenamento
e conservação (ficha da ABFH).
Sabugueiro – Sambucus nigra flos – Farmacopéia Brasileira
De acordo com a Farmacopéia Brasileira (Brasil 2010), Sambucus nigra é considerada
uma espécie da família Caprifoliaceae. A droga vegetal, constituída das flores secas,
apresenta no mínimo 1,5% de flavonóides totais, como quercetina, e no mínimo 1% de
rutina. As flores secas têm odor fraco e aromático característico e sabor fracamente
amargo. Os cristais de oxalato de cálcio aparecem em forma de areia cristalina e são
visíveis.
Analogia entre as características de Sambucus nigra e a patogenesia
Para fazer a releitura da Matéria Médica Pura de Hahnemann para Sambucus nigra, as
características da espécie, acima apresentadas, foram comparadas com a patogenesia
descrita na Matéria Médica Pura de Hahnemann, com o objetivo de encontrar
semelhanças entre as características da planta e os sintomas descritos pelos
experimentadores.
Polaridades da Matéria Médica Pura e sintomas clínicos
Como complemento das informações para Sambucus nigra, foram localizadas as
polaridades descritas na Matéria Médica Pura de Hahnemann e finalmente listados os
sintomas clínicos do medicamento, de acordo com as Matérias Médicas Clínicas de
Boericke (1979), Vijnovsky (2003) e Vannier & Poirier (s.d.p.).
Resultados e discussão
Releitura da matéria médica
A observação da natureza traz insights importantes em todas as áreas do conhecimento e
pode auxiliar o médico homeopata na melhor compreensão da natureza do
medicamento. Uma das formas que está sendo sugerida neste trabalho é o estudo
comparativo entre os sintomas descritos na Matéria Médica Pura de Hahnemann e a
natureza da planta de onde se extrai o princípio ativo que pode trazer a cura. Com este
olhar, as características da espécie Sambucus nigra foram analisadas, em comparação
com a lista de sintomas relatados por experimentadores capacitados (Hahnemann,
1998), ao fazerem uso do medicamento dela extraído (Tabela 1). Destaque especial foi
dado ao conjunto de sintomas contraditórios, denominados como polaridades, entre os
homeopatas (Tabela 2). Por fim, comparações também foram feitas a partir dos
sintomas relatados na matéria médica clínica (Tabela 3).
Dinâmica de Sambucus nigra de acordo com a matéria médica pura
Os experimentadores sãos que fizeram uso de Sambucus nigra manifestaram vários
sintomas que podem ser relacionados com as características da espécie. A relação com a
água (1, 4, 5, 6, 8 e 9; tabela 1) e a presença de idioblastos de oxalato de cálcio (2), são
aspectos importantes para esta comparação, conforme dados apresentados na tabela 1.
O que chama a atenção, quando os sintomas dos experimentadores são examinados, é
que eles parecem estar centrados em sintomas de intoxicação pela planta.
Provavelmente isto se deve ao fato de que a eles foi dado o suco fresco espremido das
folhas e flores, misturados com partes iguais de álcool (Hahnemann 1998).
Tabela 1. Analogia entre as características da planta e os sintomas apresentados por
experimentadores de Sambucus nigra. Sintomas do experimentador extraídos da
Matéria Médica Pura de Hahnemann (1998).
Características da planta Sintomas do experimentador
1 Alto consumo de água decorrente da alta
transpiração.
28. Grande secura no palato, sem
sede.
29. Sede e, contudo, bebidas não
têm gosto agradável para ele.
2 Apresenta idioblastos de oxalato de cálcio em
brácteas, sépalas e pétalas.
4. Pontada dilacerante através da
metade esquerda do occipício,
retornando freqüentemente e
durando muito tempo, e nos
intervalos uma sensação atordoada
ali.
13. Dor perfurante no topo da
cabeça.
22. Pontadas agudas no ouvido
interno direito, com dor de cãibra
nele.
26. Pontadas cortantes profundas
nos músculos cervicais de ambos
os lados, especialmente ao
movimentar o pescoço.
30. Leves pontadas sob o
estômago, aumentadas pela pressão
externa (quando sentado).
35. Beliscadura na barriga com
eliminação de flatos, como por um
resfriamento.
39. Pontadas no músculo oblíquo
esquerdo, quando sentado e de pé.
40. Beliscadura fina nos músculos
abdominais direitos, abaixo das
costelas curtas.
61. Pontadas cortantes nas
escápulas, quando em repouso.
64. Picadas finas no meio da parte
superior do braço, em seu lado
interno.
68. Pontadas agudas na projeção
externa do pulso.
69. Pontadas cortantes em ambas
as articulações dos pulsos,
sincrônicas com o pulso, um tanto
aliviadas por movimentá-las.
78. Pontadas agudas,
profundamente penetrantes, no
lado interno da tíbia, um tanto
aliviadas no movimentar.
3 Ocorre em áreas abertas ou borda de matas, sujeitas
à movimentação causada pela ação do vento.
118. Grande tendência a se
sobressaltar; ele se sobressalta com
medo de coisas que ele está
acostumado a ter ao redor de si.
4 A cavitação é a embolia nos vasos do xilema. A
bolha de ar que impede o fluxo de água se forma
internamente, pela ruptura da coluna de água gerada
pela tensão hídrica.
Durante a cavitação a planta produz clics.
5. Dor pressiva dilacerante
superiormente na fronte, a qual se
irradia, por assim dizer, para dentro
dos olhos.
8. Pressão e empurrão para fora na
cabeça inteira, em todos os lados.
9. Pressão para fora nas têmporas.
20. Tensão na bochecha esquerda,
com pressão que rói no osso
maxilar superior.
21. Dor tensiva, como por inchaço
na bochecha, com dormência dela.
25. Peso pressivo na nuca; mais
força que o normal é exigida para
mover a cabeça.
30. Soluço durante e depois de
comer.
5 Apresenta tricomas tectores e glandulares e lipídeo 51. Rouquidão por muito catarro
em todas as partes das flores. Capacidade secretora
das plantas está relacionada com a proteção das
peças florais contra o ressecamento causado pela
ação dos ventos.
viscoso, grudento, na laringe.
6 Caducifolia (perda de folhas). 44. Desejo mórbido freqüente de
urinar, com pouca eliminação de
urina (após 2, 18 h). [Lr.]
7 As sementes contidas em drupas geralmente têm
um impedimento mecânico à germinação.
9. Pressão para fora nas têmporas.
8 É uma das espécies que melhor tolera condições
úmidas, mantendo líquens e briófitas no tronco
(umidade externa).
115. Um suor muito considerável,
depois da meia-noite, mas não na
cabeça.
9 Utilizada no tratamento de gripes; frutos ricos em
vitamina C.
98. Calafrio antes de dormir.
106. Durante o calor, pavor de ser
descoberto; ele imagina que irá
pegar um resfriado ou ter dor de
barriga se ele faz isto.
10 Propriedades diuréticas. 45. Desejo mórbido freqüente de
urinar, com eliminação copiosa de
urina.
46. Ele tinha desejo mórbido de
urinar à noite.
47. Eliminação freqüente de urina
amarelo-escura.
11 Propriedades antipiréticas. 115. Um suor muito considerável,
depois da meia-noite, mas não na
cabeça.
12 A casca tem sido usada desde a antiguidade contra
edemas e ascitis.
85. Inchação edematosa (após
aplicação externa).
13 Movimentos da parte aérea pela ação do vento. 1. De manhã, ao levantar, aturdido.
2. Aturdimento, turvação da cabeça
por alguns minutos (após 1 h.).
[Fz.]
3. De manhã ele se sente muito
bem; somente quando ele
movimenta sua cabeça é que fica
com vertigem e aturdido, com uma
sensação tensiva, como se ele
tivesse água na cabeça.
82. As mãos tremem quando ele
escreve.
14 A casca também é utilizada para induzir vômito. 30. Sensação de começo de náusea
dentro e abaixo do scrobiculus
cordis.
Polaridades descritas para Sambucus nigra na Matéria Médica Pura
Sintomas contraditórios encontrados na Matéria Médica Pura de Hahnemann para
Sambucus nigra foram selecionados e apresentados na tabela 2. A relação com a água
novamente assume importância nesses relatos como reguladora fisiológica.
Tabela 2. Polaridades relatadas na Matéria Médica Pura de Hahnemann (1998) para
Sambucus nigra (sintomas contraditórios entre experimentadores).
Sintomas do experimentador Sintomas do experimentador
28. Grande secura no palato, sem sede.
29. Sede e, contudo, bebidas não têm gosto
agradável para ele.
44. Desejo mórbido freqüente de urinar, com
pouca eliminação de urina.
45. Desejo mórbido freqüente de urinar, com
eliminação copiosa de urina.
91. Sonhos à noite.
93. Sonhos lascivos com emissão seminal.
92. Sonhos vívidos, não relembrados.
105. Sensação de calor seco intolerável no
corpo inteiro.
97. Frio leve, durante o qual a face estava
mais quente do que o habitual.
111. Sensação de calor na cabeça e pescoço; a
face e o restante do corpo também parecem
mais quentes que o habitual ao toque, mas
sem sede.
100. Um frio gélido corre sobre o corpo
inteiro, especialmente nas mãos e pés, que
parecem frios ao toque, embora ele tenha
agasalhado os últimos de forma muito quente.
94. O pulso se torna mais lento e cai de 70
para 60 batidas.
110. Pulso mais rápido, alguns batimentos
acima de 70.
86. Sono leve com olhos e boca meio-abertos.
88. Sono inquieto; ao sentar na cama ele
sentia como se os sofrimentos desciam, e ele
ficava aliviado.
89. Ele se sobressalta assustado do sono.
87. Sonolência sem sono.
100. Um frio gélido corre sobre o corpo
inteiro, especialmente nas mãos e pés, que
parecem frios ao toque, embora ele tenha
agasalhado os últimos de forma muito quente.
83. Grande calor generalizado quando
caminha.
Dinâmica de Sambucus nigra de acordo com Matérias Médicas Clínicas
Clinicamente os pacientes para os quais Sambucus nigra é recomendada apresentam
alterações no período noturno que exige movimentação para melhora e os sintomas se
centralizam nas vias respiratórias, completamente obstruídas, podendo levar à cianose.
Agrupando os sintomas por rubricas
Sintomas mentais
O paciente Sambucus possui grande tendência para se assustar, apresentando tremores e
sufocação; vê imagens ao fechar os olhos e é acometido de emoções como ansiedade,
tristeza, inquietude, mau humor, irritabilidade, além de manifestar excessos sexuais
(Boericke 1979, Vijnovsky 2003, Vannier & Poirier s.d.p.).
Sintomas gerais
O paciente Sambucus tem sonolência, mas não consegue dormir (Boericke 1979);
apresenta piora quando está deitado, especialmente sobre o lado esquerdo ou por
abaixar a cabeça, perto da meia-noite ou das 2 às 3 horas; também ao se descobrir, pelo
ar frio e seco, ao ingerir bebidas frias, estando com calor; ao comer frutas e após um
susto (Boericke 1979, Vijnovsky 2003, Vannier & Poirier s.d.p.). A melhora acontece
pelo movimento, caminhando, ao se levantar ou ao sentar-se na cama e agasalhar-se
(Boericke 1979, Vijnovsky 2003, Vannier & Poirier s.d.p.).
Sintomas locais
Relatos apresentados por Boericke (1979), Vijnovsky (2003) e Vannier & Poirier
(s.d.p.) mostram que o paciente Sambucus apresenta nariz seco, mas totalmente
obstruído, especialmente quando bebê ou recém-nascido, com ruídos no nariz ao se
esforçar para respirar. Quando tenta mamar, o bebê precisa soltar o mamilo porque não
consegue respirar e engasga. Esses sintomas levam o paciente a permanecer sempre
com a boca aberta. A inspiração é regular, mas a expiração sibilante.
Durante as crises a criança acorda bruscamente e sobressaltada, por volta da meia noite
ou depois, com intensa sufocação ou dispnéia, choro ou gritos, com crupe espasmódico,
intensa inquietude, cianose da face e extremidades. Podem aparecer manchas vermelhas
e ardentes nas bochechas e no nariz, com suor na face e pressão nos ossos dessa região.
Há relatos de adormecimento do nariz, com prurido na ponta. A secreção nasal é
espessa e viscosa e se acumula no nariz. Os acessos são freqüentes e seguem até 4 da
madrugada, com piora às 3 horas, podendo ocorrer expectoração salgada ou doce. O
peito do paciente pode ficar oprimido, ocasionando cólica abdominal pela pressão
exercida no estômago que leva a náuseas e flatulência. Pode ocorrer diarréia, com fezes
viscosas. A pressão abdominal provoca micção freqüente; porém, com pouca urina, o
que pode causar nefrite aguda. Há rouquidão, com muco tenaz na laringe que provoca
laringite, traqueíte ou falso crupe.
Em casos mais severos, as mãos e pés podem ficar inchados e cianóticos, podendo o
edema atingir os membros inferiores até os joelhos. Em função disso, a pele fica seca e
queima durante o sono.
O paciente pode ter calafrios, com estremecimento antes de dormir, apresentando febre
com pele seca e ardente. Apesar da febre, não apresenta sede e tem medo de se
descobrir. Paradoxalmente, o paciente pode apresentar suor abundante que começa na
face e se irradia pelo corpo todo ao acordar. Esses sintomas desaparecem enquanto
dorme, mas neste caso, volta a manifestar febre. Os suores em geral aparecem das 19
horas até 1 hora da manhã.
Analogia entre as características de Sambucus nigra e os sintomas clínicos
As associações entre as características de Sambucus nigra e os sintomas clínicos
apresentados por pacientes e descritos por Boericke (1979), Vijnovsky (2003) e Vannier
& Poirier (s.d.p.) estão apresentadas na tabela 3. A transitoriedade, a relação com a água
e a obstrução das vias respiratórias com cianose são sintomas que se destacam.
Tabela 3. Analogia entre as características da planta e os sintomas apresentados por
pacientes que podem ser tratados com Sambucus nigra. Sintomas extraídos de Matérias
Médicas Clínicas (Boericke 1979, Vijnovsky 2003, Vannier & Poirier s.d.p.).
Características da planta Sintomas do paciente Sambucus
Rebrota intensa na fase juvenil. Na fase
adulta se mantém com o tronco principal.
Obstrução das vias respiratórias predomina
em recém-nascidos e crianças.
Lenticelas dos ramos aumentam a
capacidade de ventilação.
O uso de Sambucus melhora a respiração,
desobstruindo as vias respiratórias.
Provavelmente a rebrota na fase juvenil
acontece à noite, quando o turgor celular é
maior (aumento da atividade metabólica).
Maior agravação dos sintomas no período
noturno.
Ocorre em áreas abertas ou borda de matas,
sujeitas à movimentação causada pela ação
Melhora com movimento, ao sentar-se na
cama ou caminhando.
do vento.
Apresenta caducifolia. Doença temporária. Acontece à noite e nas
primeiras fases da vida
Apresenta nectários extra-florais. Muco nas vias internas e não no nariz que é
seco, chegando à cianose.
Apresenta tricomas tectores e glandulares e
lipídeo em todas as partes das flores.
Capacidade secretora das plantas está
relacionada com a proteção das peças
florais contra o ressecamento causado pela
ação dos ventos.
Secreção de muco nas vias respiratórias.
Rouquidão com muco na laringe.
Espécie de solos eutróficos, em áreas
antropizadas, ricos em nitrogênio (espécie
nitrófila), fósforo e potássio.
Espécie recicladora de matéria orgânica.
Produção de muco está relacionada com a
limpeza das vias respiratórias, sendo uma
das formas do organismo expelir
microorganismos ali alojados.
Exigência em nitrogênio provavelmente
ralacionada com a produção de glicosídeos
cianogênicos, causadores da cianose.
A obstrução das vias respiratórias causa
cianose.
Frutos pretos Cianose
Analogia e contradições entre Sambucus nigra, experimentação pura e clínica
A primeira característica de Sambucus nigra que chama a atenção é aquela que está
relacionada com o início de seu ciclo de vida. Suas sementes estão envolvidas pelo
endocarpo do fruto (Atkinson & Atkinson 2002, Scopel et al. 2007), o que lhe impõe a
dormência mecânica, dificultando a germinação sem a sua remoção. Esta característica
tem analogia com a forte obstrução das vias respiratórias que leva o experimentador (e o
paciente) à cianose, sintomas esses amenizados com o uso do sabugueiro.
As plantas jovens de Sambucus nigra têm alta capacidade de rebrota, o que facilita a
manutenção das populações. Após 20-30 anos de idade, este comportamento desaparece
e a planta apresenta apenas o tronco principal (Atkinson & Atkinson 2002). Esta
característica tem analogia com o aparecimento dos sintomas de obstrução das vias
respiratórias (Hahnemann 1998) em recém-nascidos e crianças (Boericke 1979,
Vijnovsky 2003, Vannier & Poirier s.d.p.), curáveis pela espécie em questão. Na
adolescência e juventude os sintomas tendem a desaparecer, da mesma forma que a
rebrota dos indivíduos de sabugueiro. Porém, quando um paciente adulto apresenta
esses sintomas, este quadro já havia aparecido em suas primeiras fases de vida
(comunicação pessoal, Hamilton Camargo). Desta forma, a obstrução das vias
respiratórias pode ser considerada uma doença temporária, que desaparece com a idade,
uma vez que as crises geralmente acontecem nas primeiras fases da vida, da mesma
forma que a rebrota dos indivíduos de sabugueiro.
A espécie é sensível à seca, podendo sofrer de cavitação (embolia) nos vasos do xilema,
o que impede o fluxo de água no vaso danificado (Atkinson & Atkinson 2002). Este
evento acontece durante o dia, decorrente da maior demanda de água do que a
capacidade de absorção pelas raízes e dificulta ou impede o crescimento celular, que se
faz principalmente pelo turgor. Desta forma, é esperado que a formação dos rebrotos
aconteça com maior intensidade no período noturno, quando a demanda por água
diminui em função do abaixamento da temperatura e aumento da umidade relativa do ar,
exatamente o período de agravação dos sintomas de obstrução respiratória. É importante
destacar que a síntese dos glicosídeos cianogênicos aumenta após estresse hídrico
(Santos et al. 2005) e, portanto, pode-se supor que no período noturno sua concentração
aumente nas plantas (período pós estresse hídrico) quando as divisões celulares também
alcançam seu máximo, o que protege a planta contra a herbivoria. Este comportamento
tem analogia com o paciente, cuja agravação dos sintomas de obstrução das vias
respiratórias acontece no período noturno, acompanhada de cianose.
A melhora acontece pelo movimento e ao sentar-se na cama ou caminhando (Boericke
1979, Vijnovsky 2003, Vannier & Poirier s.d.p.) e isto é análogo ao local de ocorrência
da espécie, geralmente áreas abertas ou borda de matas (Atkinson & Atkinson 2002)
que submetem a parte aérea da planta a movimentos continuados.
Essas observações mostram que a planta transpira muito mais do que absorve água
(planta sedenta), no sentido de refrigerar-se, o que coincide com a resposta fisiológica
do paciente que, nas crises, transpira muito e isto tende a baixar sua temperatura. O
paciente tem a sensação de calor na cabeça e pescoço, mas sem sede, embora com
sudorese (Boericke 1979, Hahnemann 1998, Vijnovsky 2003, Vannier & Poirier s.d.p.).
Uma contradição relacionada ao local de ocorrência da espécie e o comportamento do
paciente é que a ação do vento agrava os sintomas de obstrução das vias respiratórias. A
segunda contradição no uso da água é que o paciente geralmente não tem sede,
enquanto a planta tem alto consumo de água.
As lenticelas presentes na casca dos ramos (Atkinson & Atkinson 2002) aumentam a
capacidade de ventilação da planta, uma vez que por esses poros existe troca gasosa,
com entrada de oxigênio e saída de gás carbônico. O paciente que pode ser tratado com
sabugueiro sente melhora na respiração, com desobstrução das vias respiratórias. Isto
indica que o sabugueiro aumenta a capacidade de ventilação do paciente.
A espécie apresenta caducifolia em determinadas épocas do ano, perdendo as folhas
geralmente na época do inverno, com renovação na primavera (Atkinson & Atkinson
2002). Os sintomas do paciente também são temporários, ocorrendo nas primeiras fases
da vida (Boericke 1979, Vijnovsky 2003, Vannier & Poirier s.d.p.).
A presença de tricomas tectores e glandulares de diferentes tipos, além de lipídeo em
todas as partes das flores mostram a capacidade secretora das plantas (Scopel et al.
2007) e está relacionada com a proteção das peças florais contra o ressecamento
causado pela ação dos ventos. Da mesma forma, a capacidade de secretar substância é
comum ao paciente que pode ser tratado com sabugueiro, pois apesar de ter o nariz
obstruído, mas seco, apresenta rouquidão pela presença de muito catarro viscoso e
grudento na laringe (Boericke 1979, Vijnovsky 2003). Sabe-se que a produção de
catarro está relacionada com a lubrificação das vias respiratórias e também com a
eliminação de macrófagos e microorganismos que se alojam nesta região do corpo
humano. Interessante destacar que as plantas que perdem muita água pela transpiração
ou pelas lenticelas produzem substâncias denominadas solutos compatíveis que baixam
o potencial hídrico para aumentar a capacidade de extração de água do solo, dentro do
processo denominado de osmorregulação, e isto aumenta a viscosidade do citoplasma
para diminuir a saída de água das células (Taiz & Zeiger 2004). A produção de muco no
paciente também pode estar relacionada com a proteção das mucosas contra a perda de
água.
Esta reação de secretar muco também parece ser similar à natureza recicladora do
sabugueiro, espécie cujas populações se estabelecem e se propagam em solos eutróficos,
ricos em matéria orgânica (lixões), típicos de áreas alteradas por ação antrópica
(Atkinson & Atkinson 2002). Seu estabelecimento nesses locais está relacionado com
intensa atividade de fungos e bactérias decompositores e dali suas raízes extraem
abundante quantidade de nitrogênio (a espécie é considerada nitrófila), fósforo e
potássio (Atkinson & Atkinson 2002). Provavelmente sua exigência em nitrogênio
esteja relacionada com a produção de compostos secundários, dos quais se destacam os
glicosídeos cianogênicos. Apesar de se estabelecer em solos eutróficos, com intensa
atividade de microorganismos, ela é considerada calcícola, pois os solos onde é
encontrada apresentam pH entre 6,5 e 8,7. O paciente com tendência a secreções nas
vias respiratórias passa a ter nesse local um terreno propício para o desenvolvimento de
bactérias e outros microorganismos. Como resposta, o organismo aumenta a produção
de células de defesa e com a morte dos microorganismos pode ocorrer aumento da
produção dessa secreção, o que facilita a eliminação.
Alguns dos experimentadores, cujos relatos são apresentados na Matéria Médica Pura
de Hahnemann (1998), citaram em seus depoimentos pontadas dilacerantes na cabeça,
região occipital; dor perfurante no topo da cabeça após ¼ de hora da ingestão do
medicamento; pontadas agudas no ouvido interno direito e nas articulações do pulso.
Em geral, plantas com cristais em alguma de suas partes as tornam rejeitadas por
herbívoros, em função dos danos físicos no aparelho bucal e trato digestório, o que é o
caso do sabugueiro que apresenta idioblastos de oxalato de cálcio em brácteas, sépalas e
pétalas das flores (Scopel et al. 2007). Os idioblastos se assemelham a agulhas e isto
tem analogia com os sintomas relatados pelos experimentadores.
Considerações finais
As informações aqui reunidas mostram que Sambucus nigra, do ponto de vista
homeopático, está associada à sufocação, o que parece ser o tema deste medicamento.
Toda a movimentação do paciente, agravada no período noturno, tem como objetivo
livrá-lo da obstrução respiratória que, se persistir, culmina em sufocação, com cianose
como resultado máximo do agravamento.
Um estudo de caso
Caso nº 20 de Candegabe & Carrara (1997). Sexo feminino, 30 anos, casada, três filhas,
dona de casa, argentina.
Motivo da consulta – neurose obsessiva, cefaleia crônica, arritmia supra-ventricular,
displasia mamária bilateral, com dor, sobretudo em período pré-menstrual.
Antecedentes – úlcera gastro-duodenal aos 8 anos.
Anamnese resumida – medo de afogar-se e não poder respirar; sente nó na garganta;
crises parecidas com asma; afetada por problemas alheios; quando criança tinha febre
antes de ir para a escola e enquanto adulta tem febre antes de ir a alguma festa ou antes
de fazer algo importante; fica doente quando sente raiva e isto a levou a ter úlcera
gastro-duodenal aos 8 anos; tem um irmão adotivo desde os 7 anos do qual sentia
ciúmes doentio a ponto de não ter relação com ele; obsessiva por limpeza; desde
criança, quando se assusta, sente dor a cabeça.
Repertorização segundo repertório de homeopatia digital 2.0 (2008), baseado em
Ribeiro Filho (2010)
1. MENTAL: MEDO, apreensão, pavor: sufocação, de 24
2. ILUSÕES: FANTASIAS, ilusões da: calor (febril), durante 7
3. CABEÇA: DOR, cefaleia em geral: susto, após 16
4. RESPIRAÇÃO: PARADA, interrompida: sono: durante o 14
Repertorização Medicamentosa
Med. Cobert. Pontos 1 2 3 4
1 SAMB 4 4 1 1 1 1
2 CARB-V 3 4 1 1 2
3 ACON 2 6 3 3
Prescrição - Sambucus nigra 1000 FC
Evolução - rápida melhora do quadro mental. Após 2 meses, desapareceu a displasia
mamária; melhorou o sono; está mais contente e mais solta; desapareceu a febre e está
menos sensível. Após 5 meses, reapareceram as dores ulcerosas e passou o último Natal
com seu irmão adotivo que não via há muitos anos. Desapareceram as fobias. Após 2
anos, saúde estável.
Referências
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