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religiões comparadas da ásia Carlos João Correia 1

religiões comparadas da asia

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um breve olhar para o monoteismo, paganismo, hinduismo, budismo, etc

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religiões comparadas da ásia

Carlos João Correia

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B. Alan Wallace“Um rei reuniu um grupo de homens que tinham nascidos cegos e disse-lhes para examinarem um elefante, descrevendo em seguida o que tinham encontrado. Um deles tocou a cabeça do elefante, enquanto cada um dos outros tocou nas presas, na tromba, nos pés e na parte traseira. Dependendo da parte do elefante que cada um tinha tocado, descreveram-no como sendo um pote, um arado, uma corda, um pilar ou uma parede. Quando cada um deles ouviu os outros relatos, começaram imediatamente a debater e a discutir sobre quem é que tinha razão, chegando mesmo alguns a utilizar a violência.” B. Alan Wallace, Mind in the Balance. New York: Columbia Univ.Press, 2009, 3 (Udāna VI:4)

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• “Diga-me do que está a falar e dir-lhe-ei se acredito ou não”

• “Acredito no Deus da Natureza [Spinoza] que se revela a Si Mesmo na ordem harmoniosa de tudo o que existe”

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Karen Armstrong

*ghut - Gott // God*div/*deiwo - devas

‘ilu - El (Elohim) YHVH - Yahveh

BrahmanTian Shang Di

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génese do monoteísmo

Akhenaton/Nefertiti (XIV a.C.)“Ó Deus único, pois não existe outro, solitário em espírito tu formas a terra.”Hino a Aton

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monoteísmo cósmico“Quando eclodes magnífico no horizonte do céu, Ó Aton vivo, princípio da vida!Brilhando no horizonte do OrienteToda a terra se enche da tua com a beleza. (...)Os teus raios iluminam as terras até ao limite de tudo o que criaste. Como és o Sol, chegas até ao extremo de todos os países: une-los para o teu filho amado. Embora estejas longe, os teus raios tocam a terra. Embora estejas diante das suas faces, ninguém conhece o teu caminho. Quando desapareces no Ocidente, a terra fica como morta, nas trevas.Os homens dormem nos seus quartos com as cabeças tapadas. (...)A escuridão é uma manta e a terra está em silêncio porque o seu criador repousa no horizonte. Na aurora, quando te ergues no horizonte, quando resplandeces como Aton durante o dia, afastas a escuridão e ofereces os teus raios. (...) Todos os animais estão satisfeitos com as suas pastagens. Árvores e plantas florescem. Os pássaros voam dos seus ninhos. As suas asas abertas adoram o teu aparecimento [Ka]. (...)Criador da semente na mulher, Tu que produzes o sémen no homem, Que dás vida ao filho no seio materno, Que o acalentas para que não chore, Que o amamentas ainda no seio,Que dás respiração para fazer viver tudo o que crias! Quando ele sai das entranhas para começar a respirar, no dia em que nasceu, tu abriste-lhe a sua boca completamente. (...)Inumeráveis são os teus actos! Eles estão escondidas da face do homem. Ó Deus único, pois não há outro! Solitário em espírito tu formas a terra.Os homens, gado, os pequenos animais e animais selvagens. Tudo o que há sobre a terra e se movimenta sobre pés O que está no alto e voa com as suas asas. (...)O mundo surgiu pela tua mão, como tu o criaste. Quando te ergues, eles (os seres) vivem; quando te pões no horizonte, eles morrem.Existência incarnada, porque só se vive através de ti. (...)Desde que fundaste a terra e a ergueste para o teu filho, que saiu do teu corpo, o rei do Alto e do Baixo Egipto, Neferkheperuré Ouaenré,o filho do Sol que vive rectamente (maât),o senhor da coroa, Akhenaton de longa existência, e para a Grande Esposa do Rei, a senhora do Egipto, Neferneferouaton Nefertiti, Que ela esteja viva e jovem para sempre.» Hymnes de la religion d'Aton (Hymnes du XIVe siècle avant J.-C.), trad. directa do egípcio de Pierre Grandet, texto bilingue, Paris, Seuil, 1995, 99-119.

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monoteísmo cósmico“Akhenaton é uma personagem da história, sem tradição. Filho de Amenófis III e da rainha Teye, casou com a mitanniana “crismada” no Egipto de Nefertiti (“A Bela chegou”), subiu ao trono com o nome de Amenófis (IV) e reinou entre 1364-1375 [aC]. Sem tradição, porque a sua memória foi radicalmente apagada logo a seguir à sua morte: nome suprimido nas listas reais, monumentos desmantelados, imagens e inscrições rasuradas. Escapou uma alusão única e passageira ao “ímpio de Akhet Aton”, no tempo de Ramsés II. [...]. Não foi preciso cunhar o nome de Aton. Já existia como nome do disco solar, do astro e deus Sol enquanto perceptível no firmamento. Podia empregar-se como Ré, como parte pelo todo. Segundo a tradição, Ré mora no disco solar (aton) [...]. O divino era acessível no disco solar e não havia necessidade de especular sobre o deus “escondido” (significado de Amon). Por outro, introduziu uma purificação simbólica: nada de estátuas em que o deus habitava; bastava o relevo do disco solar espalhando vida e luz sobre a terra e os homens [...].O novo deus exigia novo antropónimo e nova capital. Suprime-se a referência ao abominável Amon de Amenófis (“Amon é misericordioso”) no nome do faraó, que se “rebaptiza” em Akhenaton, “Esplendor de Aton.” Deixa Tebas e implanta nova residência na nova capital Akhet Aton [Amarna], “Horizonte de Aton” [...].Em contraste com a biografia traçada pela Bíblia, nenhum documento independente prova a existência de Moisés. O nome “Moisés” é retintamente egípcio, do tipo de Tuthmose e Ptahmose [...] foi Moisés figura mítica? Fundador de religião? Fundador de um povo? Legislador como Sólon e Licurgo? Profeta? Sacerdote? Ninguém sabe [...] A lenda do nascimento vem naturalmente à cabeça. É apenas uma variante do que se contava de algumas personagens famosas da Antiguidade [como] Sargão de Akkad (c. 2350-2300 aC).A religião de Amarna [Akhet Aton] foi não só a primeira religião fundada da história (antes do Javeísmo mosaico [de Moisés], do Budismo e do Cristianismo), mas também a primeira religião monoteísta.A dimensão cósmica da proximidade de Deus é o único aspecto da tradição egípcia que se salva na religião de Aton. De resto, foi uma ruptura gritante com o secular e enraizado politeísmo egípcio, negado e combatido ferozmente como “heresia” [...]A “sensação” do Hino ao Sol “consiste no facto de ele representar um monoteísmo de puríssimo cunho que na negação radical de todos os outros deuses e até no evitar da palavra «deus» - no singular e sobretudo no plural – ainda vai muito além dos textos bíblicos”. [Daumas, Les Dieux de l’Égypte, Paris, PUF, 1965, 118119] […] Ficou apenas Aton, o que era uma novidade absoluta no Egipto. Se Akhenaton tivesse ficado ao nível do henoteísmo [um deus superior a todos os outros], não haveria problema nem choque com a tradição egípcia. [...] “Akhenaton nega radicalmente a existência de outros deuses além do seu.” (E.Hormung, Echnaton, 99). Mais clara […] é a confissão do Hino ao Sol [....]: “Tu, Deus único, fora do qual não há nenhum.” [...]Ao contrário de Akhenaton, Moisés não foi monoteísta [...] Se monoteísmo fosse apenas a crença num único Deus, não se tinham cunhado os termos henoteísmo e monolatria para designar respectivamente o reconhecimento e o culto de um só deus, sem excluir a existência e o legítimo culto de outros deuses. [...] Ninguém dirige a sua oração ou ergue monumentos a um estado-maior divino – encontra-se sempre perante um Poder, uma Vontade, um Tu singular contraposto ao Eu religioso. Ainda que singular (monos), esse Tu não é necessariamente o Deus das religiões monoteístas.O chamado Cântico de Moisés pergunta: “Quem é como tu entre os deuses, ó Javé?” (Ex 15:11). Informado da libertação de Israel do poder do Egipto, exclama Jetro, o sogro de Moisés: “Agora sei que Javé é maior que todos os deuses” (Ex 18:11).Akhenaton proclamou uma filosofia natural: a luz é o princípio único da realidade (há quem o compare a Einstein). Como religião, funda-se radicalmente na natureza cósmica. ” (José Nunes Carreira, «Akhenaton – Moisés – Monoteísmo», in Poiética do Mundo, Lisboa, Colibri/CFUL, 2001, pp.822-833).

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Hipótese de Yehezkel KaufmannO paganismo e o teísmo correspondem a visões do divino completamente diferentes

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paganismo• Crença num reino “metadivino” (de onde os deuses e tudo o resto

emerge)

• Reino “metadivino”: múltiplas formas (água, caos, ovo, trevas, espírito, destino, sangue, etc.)

• Reino “metadivino” é tão misterioso para os deuses como para os homens

• Teogonia (os deuses têm uma génese; podem nalguns casos morrer e reencarnar)

• Poder dos deuses/homens: magia (rito)

• Proximidade entre deuses/homens (incarnação/ascensão)

• Reino metadivino: para lá do bem e do mal (estes últimos são no paganismo “entidades”)

• Crença numa vida depois da morte para os seres (por exemplo, seres humanos)

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teísmo puro e original• Deus é fonte de todo o ser e não está subordinado a nada

• Não existe teogonia (Deus não tem génese; tempo; sexo; morte)

• Transcende absolutamente a natureza

• Não há transição entre o divino e o humano (o Cristianismo, mais tarde,visa estabelecer uma mediação)

• Não existem “entidades” maléficas (o mal nasce da vontade)

• Deus não pode ser manipulado (o culto não é um rito)

• Não existe uma crença numa vida depois da morte (crença posteriomente introduzida pelos “fariseus” ou, então, pelos “essénios”)

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Questões: e no hinduísmo?• Brahman (o que é real em si e por si; ser eterno) está para

lá de todos os seres e não está subordinado a nada

• Brahman não conhece teogonia (≠génese; tempo; sexo; morte) - e assim o hinduísmo rompe com o paganismo védico

• O Trimūrti (os Mahādeva) são “pontos de vista”/”temporalização do eterno” sobre o “eterno retorno” de Brahman; śakti (energia criativa de todo o processo)

• É imanente à natureza (≠dualismo)

• Brahman está integralmente presente em cada “mente viva” (ātman): tat tvam asi (“isso tu és”).

• Brahman está para lá do bem e do mal

• crença na reencarnação, “roda da vida”(saṃsāra)/libertação

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“Monges, há um não-nascido, um não-to rnado , um não-compos to , um incondicionado sem o qual o nascido, o tornado, o construído, o condicionado não poderiam ser experienciados; com efeito, se não existisse esse não-nascido, não-tornado, não-composto, não-condicionado, então não haveria nenhuma libertação desse nascido, tornado, construído e condicionado.” Gotama, o Buda: Udāna VIII:3

E no budismo? A questão fica em aberto...

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“Devemos saber de que Deus falamos. Em França, como aliás por todo o lado, a educação ... conferiu a Deus uma concepção antropomórfica e grosseira; as pessoas depararam-se com contradições insolúveis. Nunca nos foi ensinado a elevarmo-nos acima da imagem do Deus Pai Natal ou do Deus Pai Açoite. E ao repetirem estas imagens ingénuas, ou dogmas mais abstractos, mas fundados nos mesmos modelos, como a Justiça e a Bondade divinas, concluíram afirmando a morte de Deus. É um problema que não se colocava a Spinoza [ou] a Mestre Eckhart. Não tenho a menor impressão que o Ser eterno esteja morto qualquer que seja a forma de nomear o que não tem nome, desde o solo de Eckhart, isto é, sem dúvida a nossa terra firme, ou o Vazio, como lhe chama o Zen, isto é, o que é sem dúvida absoluto e puro. O que morre são as formas sempre restritas que o homem dá de Deus."Marguerite Yourcenar, Les Yeux Ouverts

E no budismo?

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“O Dao que pode ser trilhado/expresso não é Dao constante e permanente. O nome que pode ser nomeado não é o nome constante e permanente. (Concebido como) o que não tem nenhum nome é o começo do céu e da terra; (concebido como) o que tem nome é a mãe de todas as coisas”Dao de Jing

E no daoismo (i)? A questão fica em aberto...

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E no daoismo (ii)? A questão fica em aberto...

Zhuangzi (Chuang Tzu)

”Que era na verdade o Caminho? Reiteradamente, Zhuangzi insistia que o caminho era impensável. inexprimível e impossível de definir. Não tinha qualidades nem forma; podia ser experimentado, mas nunca visto. Não era um deus; existira antes do Céu e da Terra e estava para além da divindade; era mais antigo do que a Antiguidade - porém, não era velho. Era simultaneamente ser e não-ser. Representava os inúmeros padrões, formas e potenciais que fazia a natureza da maneira como ela era. O Caminho ordenava misteriosamente as transformações do qi, mas existia num ponto em que cessam todas as distinções que caracterizam os nossos pensamentos normais.” K.Armstrong, The Great Transformation, 297;Grandes Tradições Religiosas,295

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Inwagen

“Considere-se em primeiro lugar a existência das coisas – de seres humanos, por exemplo. Se Sally, um ser humano absolutamente normal, dissesse “Poderia não ter sido”, quase todos diriam que ela tinha enunciado uma verdade óbvia. E se o que ela diz é, com efeito, verdade, então ela existe contingentemente. Quer isto dizer, que ela é um ser contingente: um ser que poderia não ter existido. E se existe uma ideia como a do ser contingente – se ‘ser contingente’ é uma frase significativa -, então parece existir uma ideia como o complemento desta ideia, a ideia de ser necessário, i.e. a ideia de ser que seria falso se não existisse.”Stanford Encyclopedia of Philosophy

Conclusão

A ideia de uma realidade última, eterna, sem causa, é uma concepção que está presente no paganismo, no monoteísmo ocidental e nas religiões asiáticas. O nome que podemos dar a esta ideia é irrelevante... As religiões são a expressão cultural e simbólica - o que implica sempre um nome - desta mesma intuição.

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