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Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Filosofia e Ciências Humanas Escola de Serviço Social Programa de Pós-Graduação em Serviço Social - Doutorado Tecnologia da Informação: contribuição importante para o exercício profissional? Autor: Renato dos Santos Veloso O RIENTADORA : P ROF A D R A S UELY S OUZA DE A LMEIDA Rio de Janeiro 2006

Renato Veloso

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Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Filosofia e Ciências Humanas Escola de Serviço Social Programa de Pós-Graduação em Serviço Social - Doutorado

Tecnologia da Informação: contribuição importante para o exercício profission al?

Autor: Renato dos Santos Veloso

O R I E N T A D O R A : P R O F A D R A S U E L Y S O U Z A D E A L M E I D A

Rio de Janeiro 2006

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RENATO DOS SANTOS VELOSO

Tecnologia da Informação: contribuição importante para o exercício profission al?

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a orientação da Professora Doutora Suely Souza de Almeida, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Serviço Social.

Rio de Janeiro Novembro/2006

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BANCA EXAMINADORA

Profa Dra Suely Souza de Almeida (orientadora)

Profa Dra Marilda Vilela Iamamoto

Profa Dra Raquel Goulart Barreto

Profa Dra Maria Lídia Souza da Silveira

Prof. Dr. José Augusto Vaz Sampaio Bisneto

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RESUMO VELOSO, Renato dos Santos. Tecnologia da Informação: contribuição importante para o exercício profissional? Rio de Janeiro: UFRJ, 2006. Este trabalho consiste numa reflexão sobre a potencialidade da tecnologia da

informação para o trabalho do assistente social e para o fortalecimento do

projeto ético-político profissional. Trabalha-se com dados coletados junto a

1440 participantes, por meio da aplicação de questionário eletrônico. Verificou-

se uma valorização do uso da tecnologia da informação pelos participantes,

com o predomínio, ainda, de alguns obstáculos a sua efetiva incorporação, tais

como as inadequadas condições de trabalho nas instituições e as lacunas

existentes no tratamento do tema na formação profissional. Busca-se oferecer

uma base inicial para a reflexão sobre a importância da TI para o exercício

profissional, um ponto de partida que recolha e sistematize questões que se

fazem presentes na forma de incorporação da TI que vem sendo realizada

pelos(as) assistentes sociais. Se por um lado o uso deste recurso, embora de

maneira tímida, já se faz presente entre os(as) assistentes sociais, por outro a

reflexão e a problematização de suas características principais ainda são

aspectos ausentes do debate profissional.

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ABSTRACT VELOSO, Renato dos Santos. Tecnologia da Informação: contribuição importante para o exercício profissional? Rio de Janeiro: UFRJ, 2006. This work is a study about the information technology potential for the work of

social workers and for the improvement of the Professional Ethical-Political

Project. The work considers data from 1440 participants, collected through the

application of an electronic questionnaire. The information technology is

considered by the participants an important instrument to be used at work.

Some obstacles for its effective usage in the work were indicated, such as bad

institutional work conditions and insufficient discussion about this question in

the professional formation. This works intends to offer an initial basis for the

reflection about the information technology´s importance for the professional

exercise, by the systematization of questions which are present in the

incorporation process conduced by the social workers. It is possible to verify,

initially, that the usage of this technology is present among the social workers.

In the other hand, the reflection about its main aspects are still absent of the

professional debate.

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RÉSUMÉ VELOSO, Renato dos Santos. Tecnologia da Informação: contribuição importante para o exercício profissional? Rio de Janeiro: UFRJ, 2006. C’étude est une réflexion sur la potencialité de la technologie d’information (TI)

pour le travail d l’assistante sociale et pour le raffermissement du projet

professionnel. C’étude analyse information après 1440 participants, à travers de

l’application de questionaire électronique. C’étude a verifique une valorisation

d’utilisation de la technologie d’information par les participants, avec le

prédominance d’obstacles à sa intégration effectif, comme les conditions de

travail inadéquats et les lacunes dans la formation professionnel. L’intention est

offrir une base initial pour la réflexion sur l’importance de la technologie

d’information pour l’exercise professionnel, à partir de la systématisation de

questions concernants à l’appropriation de la technologie d’information par le

Service Sociale. Il est possible vérifier, quoique de moule embryonnaire, que ce

ressource est utilisé pour les assistantes sociales. D’autre part, la réflexion de

ses caractéristiques basiques encore est un aspect absent du débat

professionnel.

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Dedico este trabalho a minha esposa e

companheira Vanessa. Se não fosse por seu

amor, carinho, incentivo e apoio este trabalho não

teria sido concluído. Obrigado por todo o amor

que sentimos e nutrimos um pelo outro ao longo

de todos estes anos. Que esta conquista continue

sendo apenas mais uma entre as muitas que

ainda estão por vir.

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AGRADECIMENTOS A minha esposa e companheira Vanessa, pelo seu amor e apoio constantes. A minha filha Valentina, que vem preenchendo de alegria nossas vidas. A meus pais Paulo e Dalva, minhas irmãs Andréa, Patrícia e Danieli, e meus sobrinhos Rodrigo, Joilson e Tassilis, por todo seu carinho. A meu cunhado Cláudio, que com certeza continuará sempre entre nós. A meus sogros Sr. Geraldo e D. Cilene, por todo o apoio oferecido nos últimos anos. A minha avó Zenita e minha tia Carla. A meus tios, tias, primos e primas de Campo Grande, por todo seu carinho e afeto. Aos amigos e parentes de Nilópolis, Carlinhos, Marilene, Willian, Júnior, Joelma, Eliana e Paulo. Aos amigos e colegas da Faculdade de Serviço Social da UERJ, do Hospital da Polícia Civil – José da Costa Moreira e do Curso de Serviço Social da UVA. Aos amigos e colegas do Conselho Regional de Serviço Social – RJ. Aos professores do Doutorado em Serviço Social da UFRJ. Aos membros de minha Banca Examinadora, em especial à minha orientadora, Profa Dra Suely Souza de Almeida. Aos assistentes sociais e estudantes que participaram da pesquisa, e tornaram possível a realização deste trabalho.

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Mundo Virtual

Entro apressado e com muita fome na lanchonete. Escolho uma mesa bem afastada do movimento, pois quero aproveitar a folga para comer e passar um e-mail urgente para meu editor. Peço uma porção de fritas, um sanduíche de rosbife e meia cerveja. Abro o notebook. Levo um susto com aquela voz baixinha atrás de mim. - Tio, dá um trocado? - Não tenho menino. - Só uma moedinha para comprar um pão. - Está bem, compro um para você. Minha caixa de entrada está lotada de e-mails. Fico distraído vendo as mensagens. - Tio, pede para colocar margarina e queijo também. Percebo que o menino tinha ficado ali. - Certo. Vou pedir, mas depois me deixa trabalhar, estou muito ocupado. Chega minha refeição e junto com ela meu constrangimento. Faço o pedido do guri, e o garçom me pergunta se quero que mande o garoto ir embora. Minha consciência me impede de dizer sim. Digo que está tudo bem. - Deixe-o ficar. Traga o pedido do menino. - Tio, você tem Internet? - Tenho sim, é essencial ao mundo de hoje. - O que é Internet? - É um local no computador, onde podemos ver e ouvir muitas coisas, notícias, músicas, conhecer pessoas, ler, escrever, sonhar. Tem de tudo no "mundo virtual". - E o que é virtual? Resolvo dar uma explicação simplificada, na certeza que ele pouco iria entender. - Virtual é um local que imaginamos, algo que não podemos pegar e nem tocar. É lá que criamos um monte de coisas que gostaríamos de fazer, criamos nossas fantasias, transformamos o mundo do jeito que gostaríamos que fosse. - Legal isso. Adoro! - Menino, você entendeu que é virtual? - Sim, também vivo neste mundo virtual. - Nossa! Você tem computador? - Não, mas meu mundo também é desse jeito. Virtual! Minha mãe trabalha, fica o dia todo fora, só chega muito tarde, quase não a vejo, eu fico cuidando do meu irmão pequeno que chora de fome e eu dou água para ele imaginar que é sopa, minha irmã mais velha sai todo dia, diz que vai vender o corpo, mas não entendo, pois ela sempre volta com o corpo, meu pai está na cadeia há muito tempo, mas sempre imagino nossa família toda junta em casa, muita comida, muitos brinquedos, ceia de natal e eu indo ao colégio para virar médico um dia. Isso é virtual não é tio?

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Sumário Introdução .................................................................................................................................. 11 Capítulo 1 – Tecnologia e Relações Sociais .......................................................................... 29 1.1. Notas sobre o Conceito de Tecnologia ................................................................................ 30 1.2. O Uso da Tecnologia pelo Capital: automação e exploração do trabalho........................... 49 1.3. A “Revolução” da Tecnologia ............................................................................................... 56 1.4. As Expressões Atuais da Tecnologia................................................................................... 74 Capitulo 2 - Serviço Social e TI: algumas conexões ............................................................. 93 2.1. Procedimentos Metodológicos Utilizados ............................................................................ 94 2.2. Observações preliminares.................................................................................................. 102 2.3. Breve perfil dos(as) participantes....................................................................................... 107 2.4. Gênero, TI e Serviço Social ............................................................................................... 115 2.5. O acesso à TI ..................................................................................................................... 125 2.6. O Serviço Social e a “exclusão digital”............................................................................... 144 2.7. O Potencial Estratégico da TI para o Serviço Social ......................................................... 154 Capítulo 3 - A Presença da TI no Serviço Social .................................................................. 186 3.1. A Aproximação do Serviço Social à TI............................................................................... 187 3.2. Considerações dos(as) profissionais sobre a Incorporação da TI..................................... 210

3.2.1. A Informatização do Serviço Social ............................................................................ 216 3.2.2. A Participação do Serviço Social nos Processos de Incorporação da TI................... 226 3.2.3. As Mudanças Propiciadas pela TI .............................................................................. 230 3.2.4. Os Condicionantes da Incorporação da TI ................................................................. 243 3.2.5. O Papel da Formação Profissional ............................................................................. 250 3.2.6. A Resistência à TI....................................................................................................... 260 3.2.7. O Sigilo Profissional .................................................................................................... 266 3.2.8. As Condições de Trabalho.......................................................................................... 270 3.2.9. A TI como Potencializador do Trabalho...................................................................... 291

Considerações Finais ............................................................................................................. 308 Referências Bibliográficas ..................................................................................................... 324 Anexos ...................................................................................................................................... 332

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I N T R O D U Ç Ã O

Pretende-se apresentar uma reflexão sobre a importância da

tecnologia da informação (TI) para o exercício profissional dos(as) assistentes

sociais, tentando apreender em que medida sua incidência no trabalho

cotidiano pode promover alterações qualitativas no processamento das

atividades profissionais e na melhoria do acesso aos direitos sociais por parte

dos usuários e usuárias. Parte-se do pressuposto que a TI (tomada ao longo

deste trabalho a partir de suas expressões concretizadas mais especificamente

no uso da informática e da Internet) pode ter um papel importante para o

Serviço Social, desde que sua incorporação ao trabalho dos(as) profissionais

se dê de forma subordinada aos princípios e valores fundamentais ao exercício

profissional presentes no que a categoria de assistentes sociais vem

denominando como Projeto ético-político profissional.

Entende-se o Projeto Ético-Político Profissional como uma forma

determinada de pensar e exercer a profissão, construída a partir da década de

oitenta e marcada pela superação do tradicionalismo e conservadorismo

profissionais. Constitui-se como uma “auto-imagem” da profissão, na qual estão

presentes seus valores, seus objetivos, suas funções e os requisitos, normas e

balizas para o seu exercício. Nas palavras de Netto, este projeto “tem em seu

núcleo o reconhecimento da liberdade como valor ético central – a liberdade

concebida historicamente, como possibilidade de escolher entre alternativas

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concretas, daí um compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena

expansão dos indivíduos sociais. Conseqüentemente, o projeto profissional

vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem

social, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero” (Netto, 1999,

p.104-5). As linhas principais deste Projeto podem ser encontradas na Lei

8662/93, que regulamenta a profissão de Assistente Social no Brasil; no atual

Código de Ética Profissional; e nas Diretrizes Curriculares da formação

profissional em Serviço Social.

Não se compreende o projeto ético-político como algo dado. Antes,

tal projeto constitui-se como uma conquista da categoria profissional que se

encontra em processo permanente de construção e consolidação. Fruto de

uma trajetória de duas décadas que vem direcionando a profissão de Serviço

Social, este projeto encontra-se articulado às lutas da sociedade. Sua origem

remonta ao contexto de crise da ditadura militar, no âmbito do processo de

redemocratização, onde o Serviço Social se renova a partir do processo de

“socialização da política” no Brasil. Tem como um de seus principais desafios a

sua materialização no cotidiano do exercício profissional, o que supõe pensá-lo

em articulação com as condições reais de trabalho dos(as) assistentes sociais.

Como aponta Iamamoto (2002):

“O projeto ético-político profissional expressa a perspectiva

hegemônica impressa ao Serviço Social brasileiro. Tem suas

raízes nas forças sociais progressistas e está fundado nas

reais condições sociais em que se materializa a profissão. Em

outros termos, a operacionalização do projeto profissional

supõe o reconhecimento das condições sócio-históricas que

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circunscrevem o trabalho do assistente social na atualidade,

estabelecendo limites e possibilidades à plena realização

daquele projeto” (Iamamoto, 2002, p.23).

A possibilidade de uma apropriação crítica da TI é levantada tendo

em vista o caráter contraditório das relações sociais, em que se vislumbra a

possibilidade de utilização desta tecnologia no sentido de atender aos

interesses dos trabalhadores e usuários(as) do Serviço Social, que embora não

sejam homogêneos possuem como traço comum a demanda, cada vez mais

crescente, por melhores condições de vida, o que pode ser propiciado, embora

não exclusivamente, pelo acesso aos serviços e políticas sociais com os quais

trabalham os(as) assistentes sociais.

Trata-se de um tema de importância reconhecida pela categoria

profissional, mas que não vem sendo suficientemente tratado pela mesma. Em

termos gerais, vislumbra-se uma tendência de valorização da TI por parte

dos(as) assistentes sociais, manifestada pela postura favorável ao uso do

computador e dos recursos oferecidos pelas inovações tecnológicas no

cotidiano profissional. No entanto, constata-se que muitas vezes os(as)

profissionais não têm tido acesso às condições objetivas e subjetivas que lhes

permitam uma apropriação da TI com vistas à captação de suas

potencialidades para o exercício profissional e para a consolidação do projeto

ético-político profissional.

Embora seja possível perceber posturas que tendem a questionar a

hegemonia deste projeto, ora mais explícitas, ora menos explícitas, considera-

se, como atestam os principais eventos e encontros profissionais, que sua

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hegemonia vem se mantendo, o que não significa que a busca pela sua

consolidação tenha se encerrado. É neste sentido, que o tema da TI pode ser

incorporado à agenda de debates profissionais, como um dos elementos a

serem utilizados na busca constante pela atualização e consolidação deste

projeto, destacando-se que o uso que se fizer deste recurso e os resultados

dele advindos não podem perder de vista os valores e princípios que têm

norteado esta construção coletiva da categoria.

Buscou-se, assim, abordar o potencial da TI para o trabalho

profissional, que pode ser apropriado pela profissão na medida em que se

disponha de alguns requisitos, dentre os quais se destaca, além da vontade e

da iniciativa do(a) próprio(a) profissional, condições de trabalho adequadas

(principalmente, mas não exclusivamente, no que se refere à existência de

recursos materiais seja para uso direto no atendimento, seja para

encaminhamento dos usuários e usuárias) e um processo de formação

profissional que trate do tema em suas diversas dimensões. A intenção foi

construir uma base inicial de discussão para refletir sobre as possibilidades de

articulação entre a TI e o Serviço Social, recolhendo alguns elementos

presentes no debate sobre o tema e sobre a profissão, tentando articulá-los a

partir de alguns dados coletados junto à categoria profissional.

Trata-se de um esforço que se identifica e dá concretude a um dos

pressupostos básicos para se pensar o Serviço Social na contemporaneidade

apontados por Iamamoto (1998), qual seja: “decifrar a realidade e construir

propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a

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partir de demandas emergentes no cotidiano” (p.20). Embora o reforço da

pesquisa como dimensão inexorável do trabalho do(a) assistente social e a

construção de novas propostas de intervenção não possam ser pensadas

como conseqüência exclusiva da apropriação da TI pelo Serviço Social,

considera-se que tal recurso, utilizado de forma crítica e consistente, pode

constituir-se como uma importante contribuição. Como observou a autora, a

reflexão contemporânea sobre o trabalho profissional supõe que a profissão

tome “um banho de realidade brasileira” (Iamamoto, 1998, p.38), e que os(as)

profissionais possam munir-se de dados, informações e indicadores que

possibilitem identificar as expressões particulares da questão social. Em outros

termos, faz parte, também, do exercício profissional produzir um acúmulo de

materiais e informações sistemáticas sobre a realidade social com vistas a

elaborar propostas relativas às políticas sociais para o trato da questão social,

e, neste sentido, o uso da TI mostra-se relevante.

Por estar presente no processo contraditório de reprodução das

relações sociais capitalistas, a TI, embora seja usada hegemonicamente para

satisfazer interesses do capital, contém a possibilidade de satisfazer interesses

diversos, podendo ser colocada em sintonia com experiências de luta e

resistência social. Ao tomá-lo com base em sua natureza contraditória pode-se

sugerir que este recurso pode tanto conservar e reproduzir aspectos do modo

de organização capitalista quanto buscar negá-los e superá-los. Compreendida

numa perspectiva de totalidade, a TI pode atender interesses contraditórios do

capital e do trabalho, constituindo-se, portanto, como um campo de disputas

em que projetos societários se confrontam. A inserção neste campo de

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disputas e a construção de uma contribuição voltada para os interesses não

hegemônicos requerem dos(as) profissionais de Serviço Social um consistente

acúmulo teórico-metodológico, ético-político e técnico-instrumental, de forma

que possam deter tanto o domínio operacional do recurso tecnológico, quanto a

postura crítica que lhe permita apropriar-se deste recurso e colocá-lo a favor de

valores e princípios profissionais.

É neste sentido que a TI pode ser utilizada para atender interesses

contraditórios. Seu uso social constitui-se como objeto de disputa, o que coloca

a possibilidade histórica de incorporá-la numa perspectiva de reforço dos

valores ético-políticos presentes no projeto profissional. Por ser produto de um

processo social contraditório, em que a riqueza socialmente produzida aumenta

em proporção semelhante à produção de miséria e desigualdade, a TI pode ser

apropriada por sujeitos sociais que buscam a construção de processos sociais

mais democráticos e participativos. Desta forma, a TI pode assumir um papel

estratégico, no sentido de contribuir para a consolidação da direção social

estratégica assumida e conduzida pela categoria profissional ao longo das

últimas décadas.

Escolheu-se um problema para investigação partindo-se do cotidiano

profissional e dos dilemas presentes no exercício profissional. A preocupação

com a potencialidade da TI para o trabalho profissional tem origem na

observação de experiências de intervenção profissional nas quais não se

dispunha dos meios necessários para tornar mais ágeis e eficazes as ações

realizadas, como, por exemplo, o registro adequado e a recuperação de dados

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e informações referentes ao trabalho, a geração de indicadores de avaliação,

perfis de usuários, estatísticas de atendimento e realização de

encaminhamentos mais bem fundamentados, dentre outros. Neste contexto, a

TI passou a ser pensada como um fator capaz de proporcionar aos(às)

profissionais meios para a superação de dificuldades encontradas no trabalho

cotidiano, principalmente, mas não exclusivamente, aquelas relacionadas com

os aspectos técnico-operativos.

O conhecimento e o uso da TI colocam a possibilidade de lidar com

uma grande quantidade de dados, extraindo deles informações preciosas para

o trabalho, que, por sua vez, possibilitam a avaliação do trabalho desenvolvido

e a construção de novas propostas de intervenção. Considera-se a capacidade

de gerir, controlar e distribuir a informação um aspecto de grande importância

para o trabalho, já que, além de subsidiar a tomada de decisões e otimizar a

condução dos processos de gestão, pode potencializar o exercício profissional,

principalmente no que se refere à sistematização da prática e ao

desenvolvimento da postura investigativa inerente ao exercício profissional,

sobretudo no que se refere ao conhecimento das formas contemporâneas de

configuração e expressão do objeto da atuação profissional.

Uma das inúmeras discussões estabelecidas no debate profissional

do Serviço Social refere-se à chamada questão social. Em termos gerais, a

intervenção sobre a questão social se realiza, de acordo com Netto (1996),

fragmentando-a e parcializando-a. Suas refrações e múltiplas expressões

podem ser identificadas em diversas áreas da vida social, constituindo um

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amplo rol de temáticas (geralmente abordadas de forma desarticulada) em que

se pode destacar: desemprego, violência, pobreza, população de rua,

concentração de renda, dentre outras. Na sociedade capitalista, a apreensão

da questão social de forma fragmentada leva a um recorte e a uma

categorização de problemáticas, configurando questões particulares cuja

vinculação a uma matriz comum é ocultada. Essa fragmentação mostra-se útil

para o capitalismo na medida em que permite ocultar a raiz dessas “questões”:

uma modalidade de relação capital/trabalho em que predominam a intensa

exploração do trabalho e a busca frenética pelo aumento do excedente

econômico, constituindo uma sociedade cada vez mais marcada por

desigualdades de classe, de gênero e de raça/etnia.

De forma geral, caracteriza-se as “expressões da questão social”

como o objeto de trabalho do(a) assistente social. A efetiva intervenção sobre

as diversas “problemáticas” acima referidas demanda a presença e a atuação

de assistentes sociais, profissionais com formação generalista,

capacitados(as), qualificados(as) e habilitados(as) a contribuir para a

proposição, a formulação e a execução de políticas, programas e projetos

sociais. Ao participar do processo de intervenção sobre as expressões da

questão social, os(as) profissionais de Serviço Social contribuem para a

construção de condições que possam amenizar o impacto que tais expressões

têm no cotidiano de sua população usuária. Assim, cada vez mais os(as)

assistentes sociais vêm se afirmando no campo da gestão das políticas sociais,

não apenas na esfera da execução propriamente dita, mas também nas

dimensões de sistematização, pesquisa, planejamento, elaboração e avaliação.

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Isso tem demandado dos(as) profissionais a capacidade de realizar

análises sólidas e consistentes, coordenadas com as ações de outros sujeitos

profissionais. Acrescente-se, ainda, o fato de que, em seu exercício, o(a)

assistente social possui como uma de suas mais importantes atribuições a

“socialização das informações”, atividade de grande relevância para o efetivo

acesso ao conjunto de direitos, sobretudo os direitos sociais. Assim, é neste

contexto que reside a importância de sistemas de registro de dados e geração

de informações, que podem ser proporcionados tendo em vista uma

apropriação consistente e crítica da TI.

Considera-se que uma das principais potencialidades da TI para o

trabalho profissional encontra-se exatamente neste ponto: no registro e

recuperação de dados e informações referentes ao trabalho e aos elementos

aos quais ele se encontra articulado. Trata-se de um recurso que ajuda a

descrever a realidade, oferece um panorama, um "retrato", uma aproximação,

sem confundi-la, no entanto, com a própria realidade. Os processos sociais que

se encontram subjacentes a esse "retrato", que permanecem ocultos sob a

aparência em que se apresentam precisam ser identificados e decifrados, e tal

tarefa não é realizada apenas com a utilização da tecnologia, demandando

outras competências profissionais, tais como a teórico-metodológica e a ético-

política.

Propõe-se um entendimento do termo “competência” diverso

daquele que possa situá-lo em contextos de fragmentação e redução do

trabalho profissional, onde, em vez de valorizar-se o domínio dos conteúdos

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necessários à atuação profissional, valoriza-se o domínio das competências

para tal atuação. O termo competência é utilizado como sinônimo de

“dimensão”, denotando a compreensão de que a atuação profissional crítica

supõe as dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-instrumental.

Expressa-se, desta forma, uma contraposição em relação a abordagens

“gerenciais”, em que se constata a reprodução de um “discurso empresarial”

existente, por exemplo, no que Barreto et alli. (2004) apresentam como

“estratégia de formação baseada em competências” (p.1671), em que o ensino

pode ser decomposto em “habilidades e competências básicas”, cuja soma

constituirá o desempenho “desejável” a ser alcançado pelo profissional. Não se

pretende, portanto, que o recurso ao termo competência, empregado com certa

freqüência neste trabalho, sugira a possibilidade de obliteração de conteúdos

ou ainda de esvaziamento ou redução da formação profissional a treinamento

de habilidades e competências. Antes, indica, tal como assinalado por

Iamamoto (1998), uma competência que não seja a autorizada e permitida, “ a

competência da organização”, mas, inversamente:

“... uma competência crítica, capaz de decifrar a gênese dos

processos, suas desigualdades e as estratégias de ação para

enfrentá-las. Supõe competência teórica e fidelidade ao

movimento da realidade; competência técnica e ético-política

que subordine o ‘como fazer’ ao ‘o que fazer’ e, este, ao ‘dever

ser’, sem perder de vista seu enraizamento no processo social”

(Iamamoto, 1998, p.80, grifos da autora).

Para subsidiar esta reflexão, foram coletados dados junto à

categoria profissional por meio da aplicação de dois questionários eletrônicos,

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no âmbito da pesquisa “Serviço Social e tecnologia da informação” (SSTI),

realizada na Faculdade de Serviço Social da UERJ. O primeiro questionário

(anexo 1), composto por questões fechadas e voltadas ao reconhecimento

inicial do uso da TI pela categoria, foi respondido por 1.440 participantes

(profissionais e estudantes) de vários estados do Brasil, oferecendo um ponto

de partida para a reflexão sobre as conexões do Serviço Social com a TI. O

segundo questionário (anexo 2), com questões mais específicas sobre o uso

desta tecnologia no cotidiano profissional, foi enviado apenas aos(às)

profissionais que responderam ao primeiro. Buscou-se, neste segundo

momento, conhecer as características presentes no uso que os(as) assistentes

sociais vêm fazendo da TI, evidenciando a contribuição que este recurso pode

oferecer para a construção de uma alteração qualitativa na forma de condução

do trabalho profissional e na melhoria do acesso aos direitos sociais por parte

dos usuários e usuárias.

Busca-se, desta forma, oferecer uma base inicial para a reflexão

sobre a importância da TI para o exercício profissional, um ponto de partida

que recolha e sistematize questões que se fazem presentes na forma de

incorporação da TI que vem sendo realizada pelos assistentes sociais. Como

se verá, se por um lado o uso deste recurso, embora de maneira tímida, já se

faz presente entre os(as) assistentes sociais, por outro a reflexão e a

problematização de suas características principais ainda são aspectos

ausentes do debate profissional. O objetivo deste trabalho é oferecer uma

aproximação a tais aspectos, buscando estabelecer algumas bases para uma

apropriação deste recurso pelo Serviço Social. Com isso, pretende-se contribuir

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para evitar um processo de incorporação imposto de forma autoritária e

desconectada das reais demandas profissionais, como pode ilustrar a

observação realizada por Iamamoto (2002) acerca das modificações efetuadas

pelo MEC nas diretrizes curriculares1.

“É de suma importância registrar e denunciar que a forma final

assumida pelas diretrizes curriculares no texto legal, ao serem

homologadas em 04/07/2001 pelo Ministério da Educação e do

Desporto (MEC), sofreu uma forte descaracterização tanto na

sua direção social, quanto na base dos conhecimentos e

habilidades considerados essenciais ao desempenho

profissional do assistente social. Esses elementos

exaustivamente debatidos pelo conjunto das unidades de

ensino, pelas entidades representativas da categoria, e

referendados pela Comissão de Especialistas do MEC – da

qual a autora foi membro -, sofreram cortes que comprometem

o projeto original proposto ao Conselho Nacional de Educação

(CNE). Assim, por exemplo, no perfil do bacharel em Serviço

Social constava ‘profissional comprometido com os valores e

princípios norteadores do Código de Ética do Assistente

Social’, o que foi retirado e substituído por ‘utilização dos

recursos da informática’” (Iamamoto, 2002, p.22, grifos da

autora).

Embora a utilização dos recursos da TI possa ser considerada

importante e, contraditoriamente, geradora de possibilidades de atuação

profissional, isso não significa, de forma alguma, que seu uso tenha que se dar

1 As diretrizes curriculares para a área de Serviço Social foram construídas pelas unidades de ensino por meio da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). De acordo com Iamamoto (2002), “as diretrizes propostas pela categoria materializam um projeto de formação profissional que vem sendo construído coletivamente no bojo do processo de renovação do Serviço Social brasileiro, como um dos pilares do projeto ético-político da profissão. (...) As diretrizes propostas articulam a análise dos fundamentos do Serviço Social em suas dimensões históricas, teórico-metodológicas e éticas com as reais condições e relações de trabalho em que se realiza o exercício profissional” (Iamamoto, 2002, pp.22-3).

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substituindo aspectos fundamentais do exercício profissional, configurando um

quadro em que, como observa Barreto (2006), “tecnologia não significa soma,

mas subtração” (p.5), na medida em que pode ser utilizada para retirar da

formação profissional a dimensão crítica necessária ao exercício profissional.

Trata-se de uma demonstração da forma como a “utilização dos

recursos da informática” pode ser imposta à profissão, buscando a satisfação

de valores não só diferenciados, mas contrapostos ao projeto profissional. Da

forma como aparece na citação acima, a informática foi usada para substituir

os valores éticos, postura frontalmente contrária ao que se pretende defender

neste trabalho, ou seja, a noção de que a importância da incorporação da TI

para o trabalho profissional reside na sua subordinação aos valores e princípios

presentes no projeto ético-político profissional, e não num tipo de utilização que

possa suplantá-lo. Trata-se de um episódio que pode servir para lembrar as

nefastas possibilidades de utilização deste recurso no trabalho do Serviço

Social: tomada como substituto de dimensões fundamentais da profissão.

O trabalho visa, portanto, apresentar uma reflexão sobre a

relevância deste recurso para o exercício profissional, dividindo-se em três

capítulos. No primeiro, busca-se efetuar uma discussão sobre tecnologia e

sociedade, demonstrando que a técnica e/ou a tecnologia são produtos do

próprio desenvolvimento histórico e social, com ênfase no trabalho humano, e

não algo separado dele, como pretendem sustentar algumas posturas

simplistas e mistificadoras. Pretende-se neste capítulo apresentar referências

teóricas mais gerais para refletir sobre o significado do recurso tecnológico

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24

para as relações sociais, abordando alguns dos poucos autores que, tentando

manter-se numa perspectiva crítica, tomam o tema da tecnologia de forma

articulada ao movimento histórico da sociedade. São discutidas, ainda, noções

necessárias para o tratamento que se fará das possibilidades de uso do

recurso tecnológico no trabalho do Serviço Social, sem, no entanto, realizar

uma análise de maior fôlego dos diversos aspectos teóricos presentes no

debate sobre o tema. Trata-se, evidentemente, de uma das diversas lacunas

presentes neste trabalho, já, de imediato, apontada por este pesquisador. Não

se considera, no entanto, que tais lacunas, sobretudo as que se referem à

apresentação da abordagem teórica do tema, minimizem ou ofusquem, embora

tenham o seu impacto, o ineditismo e a importância da contribuição deste

trabalho para a problematização de um aspecto ao mesmo tempo tão

importante e tão desconhecido pela categoria profissional.

No capítulo 2, apresentam-se considerações sobre os dados

coletados junto à categoria profissional, apreciando as respostas oferecidas

pelos(as) participantes da pesquisa, tendo por base as contribuições teóricas

disponíveis sobre os aspectos abordados. Busca-se oferecer, a partir dos

dados coletados, uma apreciação dos elementos presentes nas possibilidades

de apropriação da TI por parte do Serviço Social, entendendo tal apropriação

como um fator estratégico para o exercício profissional. Não se trata, no

entanto, de compreender o uso deste recurso como “mais” ou “menos”

estratégico do que outros aspectos presentes no trabalho profissional. Como se

verá, compreende-se que a incorporação da TI pode contribuir para o

fortalecimento do exercício profissional condizente com o projeto ético-político

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25

da categoria. No entanto, há que se verificar em que medida tal incorporação

pode, de fato, fortalecer esse projeto profissional. Parte-se do pressuposto de

que tal fortalecimento só é possível se a TI for utilizada como um meio para se

efetivar os princípios profissionais. O uso deste recurso sem um compromisso

concomitante com os valores profissionais expressos neste projeto pode gerar

um tipo de fortalecimento do exercício profissional marcado por outras

características, em que posturas como o tecnicismo e o metodologismo,

produtos da ausência de uma perspectiva crítica, podem ser difundidas e

valorizadas.

No capítulo 3, busca-se apreciar questões presentes na

incorporação da TI ao trabalho cotidiano. Com base em depoimentos

oferecidos por assistentes sociais que vêm tentando incorporar a TI ao seu

trabalho, apresentam-se as características da utilização que vem sendo

realizada deste recurso no cotidiano profissional. Aspectos como condições de

trabalho, presença do tema na formação profissional, importância e

possibilidades de uso da TI são abordados com a intenção de conhecer os

obstáculos e as possibilidades presentes na apropriação deste recurso ao

exercício profissional. Pretende-se oferecer, com base nestes depoimentos, um

conjunto de considerações acerca das condições concretas em que os(as)

assistentes sociais vêm buscando incorporar ao trabalho cotidiano o potencial

deste recurso. Trata-se, como se verá, de um processo de incorporação muitas

vezes imposto ou direcionado por sujeitos estranhos ao próprio Serviço Social,

o que pode ser tomado como preocupante por conta da tendência de se

priorizar valores e princípios que podem ser divergentes ou contrários aos

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26

defendidos pela categoria profissional. Por outro lado, vislumbra-se, também,

alguns relatos que demonstram o esforço de profissionais que vêm tentando

criar, com a utilização do recurso tecnológico, possibilidades de alteração

qualitativa no exercício profissional.

Como será possível perceber, os capítulos seguem uma estrutura

em que se tenta partir de elementos teóricos mais gerais para, em seguida,

tratar-se da presença do tema no Serviço Social, e, mais especificamente, da

apropriação da TI pelos(as) profissionais inseridos(as) no mercado de trabalho.

São capítulos que, embora não realizem um diálogo intenso entre si, permitem

identificar aspectos mais relevantes em cada um destes contextos, contribuindo

para a construção de uma aproximação ao tema. Trata-se, portanto, de um

esforço de investigação que pretende oferecer um ponto de partida para o

tratamento da importância da TI para o exercício profissional. Acredita-se que

sua originalidade encontra-se na tentativa de compreender a importância deste

recurso não para o trabalho do Serviço Social tomado de forma abstrata, mas

para o exercício profissional que pretende se manter fiel aos princípios

presentes em nosso projeto ético-político profissional. Assim, não se trata de

apresentar a TI, como já observado, como um recurso mais estratégico ou mais

importante do que outros aspectos da profissão. Pretende-se, sim,

compreendê-lo como um recurso cuja importância só é evidenciada a partir de

sua conexão com os demais fatores que integram o exercício profissional.

Em suma, trata-se de uma tese sobre um tema original, que traz

uma contribuição importante para o debate profissional, articulando os dados

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27

coletados com algumas contribuições teóricas, com a perspectiva de

demonstrar um quadro da incorporação e apropriação da TI pelo Serviço

Social, seus limites e possibilidades, sem perder de vista a hipótese do seu

caráter contraditório. Vale destacar que a existência de algumas experiências

de incorporação da TI não significa a sua efetiva apropriação pelos(as)

profissionais. Por esta última entende-se a incorporação do recurso tecnológico

em sintonia com os valores e princípios que orientam o exercício profissional

no âmbito do projeto profissional, uma incorporação de fato, voltada ao reforço

de tais princípios, e não como expressão de estratégias de substituição

tecnológica, ou, ainda, situada em uma perspectiva meramente instrumental,

em que a tecnologia é vista como ferramenta ou instrumento para atingir

quaisquer finalidades, no âmbito da “racionalidade instrumental” (Barreto,

2002). A TI não é concebida como um fim em si mesma, mas nos termos de

sua inscrição em um determinado projeto profissional. É neste sentido que a

tese ora apresentada constitui-se como uma importante contribuição,

necessária ao debate profissional, que busca estabelecer conexões entre TI,

formação profissional e condições de trabalho profissional, no âmbito dos

dilemas profissionais, sem cair na postura tecnicista, e afirmando a tecnologia

como mediação, como um recurso para o reforço do projeto ético-político

profissional.

Encerrando estas considerações introdutórias, cabe destacar e

manifestar o profundo agradecimento ao apoio dado pelo Conselho Regional

de Serviço Social – 7a Região que, em sintonia com as preocupações

presentes neste trabalho, percebeu a importância do tratamento e

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28

problematização deste tema para a categoria profissional, oferecendo algumas

contribuições para a materialização da pesquisa realizada. Dentre o suporte

disponibilizado, pode-se destacar o envio do questionário, no formato de carta-

resposta, por correio, dentro do Jornal Práxis, aos(às) assistentes sociais

ativos(as) do estado do Rio de Janeiro. Além disso, em uma edição do referido

Jornal anterior ao envio do questionário, foi veiculada uma matéria sobre o

tema da pesquisa, já alertando os(as) profissionais para a relevância do tema e

sinalizando a existência e importância da pesquisa.

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C A P Í T U L O 1 – T E C N O L O G I A E R E L A Ç Õ E S S O C I A I S

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1 . 1 . N O T A S S O B R E O C O N C E I T O D E T E C N O L O G I A

A tecnologia tem estado presente em cada vez mais espaços da

vida social. Percebe-se que os microcomputadores, um dos principais sinais

das atuais inovações tecnológicas, são absorvidos nas diversas atividades e

práticas realizadas pelos diversos sujeitos sociais. O uso cada vez mais

disseminado do computador tem sido apontado como uma das principais

conseqüências do desenvolvimento tecnológico realizado nas últimas décadas,

embora, hegemonicamente, tal uso esteja direcionado à manutenção ou

aprofundamento das contradições existentes na estrutura da organização

social capitalista, a qual, nunca é demais lembrar, encontra-se fortemente

marcada por desigualdades de classe social, gênero e raça/etnia.

Se de um lado a tecnologia vem avançando e produzindo inovações

cada vez mais notáveis, de outro elas não estão plenamente disponíveis ao

conjunto da população, que se vê, em sua maioria, cerceada do acesso aos

frutos das inovações tecnológicas. Na maior parte das vezes, sua utilização

encontra-se vinculada à satisfação dos interesses de grupos e elites

dominantes, contribuindo, em grande medida, para intensificar processos

relativos ao aumento da acumulação. Desta forma, considera-se que o

desenvolvimento acelerado da tecnologia e as suas possibilidades de uso

social expressam a dimensão contraditória presente nas relações sociais

capitalistas. Tal consideração supõe o entendimento de que, apesar de ser

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31

largamente utilizada para viabilizar e dinamizar interesses da classe capitalista,

pode ser apropriada e colocada em sintonia com os interesses da classe

trabalhadora.

Diversas são as conceituações de tecnologia. Numa perspectiva

mais superficial, Silva et alli (2004), apontam que o conceito de tecnologia pode

ser aplicado a tudo aquilo que, não existindo na natureza, o ser humano

inventa para expandir seus poderes, superar suas limitações físicas, tornar seu

trabalho mais fácil e a sua vida mais agradável. Tecnologia, para os autores,

não é apenas instrumento, ferramenta ou equipamento tangível. Tecnologia é,

também, coisa intangível, como procedimentos, métodos, técnicas etc. Assim,

ao falarmos em tecnologia, isso não significa, necessariamente, que estamos

falando sobre informática ou sobre TI, embora a tendência, nos dias atuais,

seja a de confundir tais termos, ou ainda, tomá-los como sinônimos.

Numa abordagem mais aprofundada da tecnologia, Vieira Pinto

(2005) afirma que sua adequada conceituação tem como ponto de partida a

compreensão do avanço tecnológico como expressão do processo de

desenvolvimento das forças produtivas da sociedade (sendo a principal delas o

trabalho), destacando que, em termos gerais, a tecnologia pode ser entendida

como o estado de desenvolvimento do trabalho social, explicada pelo conjunto

da sociedade.

A contribuição de Vieira Pinto é entendida neste trabalho como de

grande importância para a compreensão do caráter histórico e social da

tecnologia. O debate realizado por outros autores que vêm tratando do tema

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32

(dentre os quais se poderia destacar Lévy, 1993, 1999; Castells, 1999; Schaff,

1993; Tauille, 2001; Silveira, 2001; Carneiro, 2002; Meireles, 1994; Silva et alli,

2004, Lojkine, 2002, dentre outros) na maioria das vezes tende a deslizar para

uma postura mistificadora das inovações tecnológicas, características que

serão apresentadas ao longo deste trabalho, evidenciando sua utilidade para

concepções que tendem a reforçar o caráter profundamente ideológico que o

termo carrega. Neste sentido, pela importância conferida às contribuições deste

autor e pela relevância que se julga possuir tais considerações para a

compreensão do papel da tecnologia na sociedade, optou-se por apresentar,

inicialmente, um breve resumo dos aspectos principais de sua análise, em que

o caráter social e histórico da tecnologia e a postura de negação a uma análise

simplista são marcadamente destacados.

Para o autor, o termo "tecnologia" tem sido usado de formas

variadas e, apesar de não existir um conteúdo inequívoco para defini-la, pode-

se distinguir pelo menos quatro significados principais:

1) tecnologia entendida como a teoria, a ciência, o estudo, a

discussão da técnica; nas palavras do autor, “a ‘tecnologia’ aparece aqui com o

valor fundamental exato de ‘logos da técnica’" (p.219);

2) tecnologia equivalendo pura e simplesmente a técnica; consiste

no sentido mais freqüente, popular do termo, onde as duas palavras mostram-

se intercambiáveis no discurso habitual, coloquial e sem rigor;

3) tecnologia entendida como o conjunto das técnicas de que dispõe

uma sociedade, em qualquer fase histórica de seu desenvolvimento; é a esta

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acepção que se costuma fazer menção quando se procura referir ou medir o

grau de avanço do processo das forças produtivas de uma sociedade;

4) tecnologia como a ideologização da técnica, onde, para o autor,

“pode-se dizer que a palavra tecnologia menciona a ideologia da técnica”

(p.220).

Como enfatizado pelo autor, a abordagem mais consistente da

tecnologia leva em conta a diversidade de noções e significados escondidos

sob este termo, principalmente seu aspecto ideológico, tendo em vista que “as

presentes condições sociais possibilitam a utilização das discussões sobre a

técnica, suas relações com a ciência e o papel desempenhado na vida dos

homens, para fins nitidamente ideológicos” (Vieira Pinto, 2005, p.228). É neste

sentido que conceitos como “explosão tecnológica” e “era tecnológica”

precisam ser objeto de rigorosa apreciação crítica.

Em contraposição a análises simplistas que tendem a considerar

apenas a época atual como detentora de um caráter “tecnológico”, o autor

observa que a expressão “era tecnológica” refere-se a toda e qualquer época

da história, desde que homens e mulheres se constituíram em seres capazes

de elaborar projetos e de realizar os objetos ou as ações que os concretizam.

Para o autor, a “consciência ingênua”, marcada pela ausência de sensibilidade

histórica e pela influência de um essencial impressionismo, tem-se mostrado

incapaz de efetuar uma abordagem adequada do processo social, deslizando

para uma absolutização do presente e dele fazendo termo final do processo da

realidade. Criticando tal forma de abordagem dos fenômenos, o autor afirma a

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34

importância da compreensão dialética e a necessidade de se perceber os

condicionamentos históricos que explicam o presente momento, como forma de

demonstrar que a propalada "explosão tecnológica", a qual, segundo seus

propagandistas, engloba a vida da humanidade, a ponto de modificá-la em

todas as suas manifestações, nada mais é do que expressão do

desenvolvimento do processo histórico. As grandes criações tecnológicas que

atualmente nos maravilham resultam do aproveitamento da acumulação social

do conhecimento.

A noção de “era tecnológica” possui um profundo conteúdo

ideológico, podendo ser usada para legitimar a forma de organização social

vigente. Muitas vezes a equiparação entre os termos “tecnologia” e “técnica”,

principalmente quando usadas para fins propagandísticos, tem por objetivo

circundar a técnica com a aura de uma designação de ressonância científica,

abrindo caminho para penetrações ideológicas e reforçando um incremento de

prestígio que a palavra tecnologia proporciona. Como observa o autor, este

mecanismo denota uma postura de “endeusamento da tecnologia”, que acaba

por:

“fortalecer ideologicamente os interesses dos criadores do

saber atual, a fim de conservá-lo no papel de instrumento de

domínio e espoliação econômica da maior parte da

humanidade, levada a trabalhar para as camadas altas dos

povos senhoriais sob a falsa e emoliente impressão de estar

participando, na única forma em que lhe é possível, da

promoção do progresso em nosso tempo” (Vieira Pinto, 2005,

p.44).

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35

À postura que tende a privilegiar a época atual, desconsiderando as

inovações tecnológicas registradas em outros períodos históricos, bem como

as mudanças qualitativas delas decorrentes, o autor atribui o nome de

“ingenuidade do embasbacamento” (Vieira Pinto, 2005, p.142), cujos adeptos

desconhecem que, na perspectiva da história, os avanços tecnológicos sempre

ocorreram. Trata-se de uma postura que enaltece a estrutura social em que se

produz tal progresso, considerando-a obra exclusiva do nosso tempo, como

observa o autor:

“Considerar sem paralelo o avanço da história, agora

espetacular, representa, em termos absolutos, uma

ingenuidade, e no entanto é evidente que tal progresso se vem

acelerando crescentemente. Apenas, torna-se preciso reparar

que esse avanço e aceleração sempre existiram, fazendo-se

por saltos qualitativos equivalentes aos atuais, ocorrendo em

momentos imprevisíveis” (Vieira Pinto, 2005, p.69).

Tal postura, que evidencia um processo de ideologização e

sublimação da tecnologia, ocorre quando é efetuado um desligamento da

tecnologia de suas bases materiais, tornando-a uma entidade suspensa no

espaço, sem causa nem relações temporais. Trata-se de um estado bastante

apropriado para dar-lhe a aparência de divindade transcendente, dando origem

a uma “teologia da máquina”, que, segundo o autor, é um sério risco a que se

está sujeito. De acordo com suas palavras:

“A teologia tecnológica exige então um culto e assume as

características de religião messiânica. A técnica é implorada

como graça que deve cair das alturas, dos centros olímpicos,

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36

onde habitam os deuses, e só nela se deposita a esperança de

salvação” (Vieira Pinto, 2005, pp.291-2).

É nesta perspectiva que a tecnologia pode assumir um “significado

escatológico”, que a converte numa forte modalidade de superstição

salvacionista, uma salvação ofertada pela via tecnológica. No âmbito desse

significado escatológico, destacam-se duas concepções: uma que supõe a

autonomia da técnica; outra segundo a qual a tecnologia domina o indivíduo. A

primeira concepção fundamenta o conceito de autopropulsão da técnica, a qual

se engendraria a si mesma, trazendo em si sua própria lei de desenvolvimento.

Isso significa que, em última análise, “o homem não é o autor da técnica e nada

impede a técnica de ser a autora do homem”, o que significa retirar do indivíduo

o atributo de produtor de sua existência e da própria técnica. A segunda

concepção oculta o verdadeiro papel de homens e mulheres na criação

tecnológica, envolvendo-os em uma teia de mistificação e constituindo a

tecnologia como ideologia que se traduz em instrumento eficaz de dominação.

Como ilustra o autor:

“A cibernética, triunfo do espírito científico e criação intelectual

que abre à humanidade novas e grandiosas perspectivas de

progresso cultural e prático, fica envolvida nessa conspiração

ideológica, com a qual nada tem a ver, obrigada a apresentar-

se em público com a grotesca indumentária de ideologia da

salvação. A técnica, função imanente ao ser humano, é usada

para justificar a apropriação privada do mais intransferível dos

caracteres do homem, o seu trabalho” (Vieira Pinto, 2005,

p.353).

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37

As idéias difundidas sobre as inovações tecnológicas atuais

valorizam as alterações exercidas pelas máquinas nas condições de vida do

indivíduo, exaltando um pretenso papel de transformação do mundo. São

idéias que fazem crer que a criação das máquinas por si só causa alterações

nas formas de convivência social, buscando reproduzir um conteúdo ideológico

que prima pelo ocultamento do processo social, e levando a crer que as

maravilhas mecânicas, eletrônicas e microeletrônicas nascem diretamente das

idéias, sem criadores humanos, concretos, os quais vivem em um modo

particular de organização social. Assim, faz-se necessário atentar para a base

social na qual as inovações tecnológicas são produzidas. Toda máquina e toda

criação tecnológica estão vinculadas à etapa correspondente de um processo

social, onde têm origem. São as condições vigentes na sociedade, as relações

entre os produtores, que ditarão as possibilidades de positivo ou negativo

aproveitamento dos instrumentos e das técnicas. É preciso ter noção global do

processo histórico, uma percepção que considere o caráter social da produção,

sem separar produtor e produto, captando a relação dialética que os liga e

explica um pelo outro.

Embora a tecnologia tenda a desempenhar um papel libertador, o

padrão de relações sociais em vigor na atual formação histórica, impede que

esse papel seja plenamente exercido. É neste sentido que se mostra

necessária uma abordagem da técnica que a situe nas condições sociais de

produção em que são criadas e empregadas. Uma postura contrária prejudica

a análise consistente, declinando para concepções simplistas e esvaziadas, já

que ao retirar de cena as relações sociais de produção, retiram também a base

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38

que justifica a criação e utilização da técnica em um determinado momento

histórico.

Toda ação humana segue certos caminhos, reconhecidos úteis no

correspondente momento do progresso humano, os quais se chamará de

“técnicas”. A escolha dos materiais e a forma a eles dada obedecem às

finalidades a que os objetos se destinam. De acordo com Vieira Pinto (2005), a

noção de técnica assume posição central na reflexão sobre a atividade criadora

efetuada pelos seres humanos no mundo. A técnica autêntica só aparece com

o surgimento da consciência. É o modo pelo qual a vida, na forma consciente,

resolve racionalmente a contradição entre o animal que tem exigências de

sobrevivência só capazes de serem satisfeitas por sua iniciativa e o mundo

físico e social onde se acha. O autor chama de “produção” a maneira de

resolver tais contradições, ressaltando que este conceito não deve ser

entendido primordialmente em função dos objetos dela resultantes, e sim em

função do sujeito capaz de executá-la. Por isso, o que em primeiro lugar a

produção produz é o próprio produtor. Neste sentido, para compreender a

técnica é necessário manter-se no terreno objetivo do processo social, da

produção material da existência pelo indivíduo, onde se encontram as raízes da

explicação teórica legítima do comportamento técnico.

A técnica designa a “execução humana de atos de produção e

defesa da vida, feitos por força de um condicionamento da ação a finalidades

conscientemente concebidas, previamente projetadas, realizadas pelo homem

em sua condição de produtor de si” (Vieira Pinto, 2005, p.156). A verdadeira

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39

finalidade da produção humana consiste na produção das relações sociais, a

construção das formas de convivência social, o que significa a produção de

bens para mediatizar a ligação entre os seres humanos. Surge, pois, a

necessidade da produção organizada, planejada e conjuntamente obtida no ato

do trabalho. A técnica e a máquina têm por motivo imediato a construção de

uma mediação material que sirva à sua verdadeira função, a de constituir uma

força impulsionadora do sistema de relações sociais.

O ponto de partida adequado para desenvolver uma análise

consistente da técnica reside no reconhecimento do papel que os

conhecimentos tecnológicos e os objetos, especialmente ferramentas e

máquinas, desempenham na produção da existência pelo próprio ser humano,

sem perder de vista que é este quem produz a sua própria existência. O papel

desempenhado pela técnica no processo de produção material da existência do

indivíduo por ele mesmo ganha relevo. A reflexão filosófica sobre o conceito de

técnica que a considere apenas como modus faciendi, sem atribuir importância

para o sujeito executor nem evidenciar o significado dela enquanto aspecto da

base do modo social de produzir, desvirtua esse conceito. A técnica

acompanha o progresso histórico de conquista da natureza pelos homens e

mulheres, indica o grau e a extensão de sua capacidade de resolver as

contradições com que se defronta, o que não significa, no entanto, que seja o

fundamento ou o motor do processo produtivo, concepção que pode destruir a

autêntica compreensão do processo histórico. Não é a técnica que move a

história, mas a consciência dos indivíduos, que, utilizando-se da técnica,

produz modificações historicamente visíveis.

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40

Para se efetuar um adequado tratamento da tecnologia, atribui-se

destaque à categoria de mediação dialética entre o indivíduo e o meio, sem a

qual não se pode compreender a essência da tecnologia, tomada, neste

momento, como conjunto das técnicas de que dispõe uma sociedade, tendo em

vista que essa tecnologia foi criada e é usada exatamente para servir de

mediação prática entre o ser humano e a natureza ou a sociedade. Como

observou Vieira Pinto, o caráter de mediação presente na tecnologia, “integra-a

num processo histórico dialético, impõe a substituição da existente em qualquer

época por outra mais adiantada, dela decorrente, num movimento logicamente

esclarecido com o emprego das categorias gerais da dialética material” (Vieira

Pinto, 2005, p.285).

Segundo o autor, a técnica é uma maneira de conceber a ação

humana, estando inseparável do sujeito agente. Serve de índice de qualidade

das ações humanas, definidas pelas finalidades que se destinam a realizar. Os

atos humanos nunca se destacam da vinculação com a técnica e, por isso,

como observou, “o homem ‘atécnico’ é tão impensável quanto a técnica

inumana" (Vieira Pinto, 2005, p.290). A reflexão sobre a técnica não deve

desligá-la dos alicerces do respectivo estágio de desenvolvimento das forças

produtivas, tendo o indivíduo e seu esforço intelectual em racionalizar os dados

da realidade um importante significado para a sua compreensão. A técnica é

coetânea ao surgimento do indivíduo e está presente por definição em todo ato

humano, o que evidencia o caráter necessariamente técnico de toda a ação e

criação humana.

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41

A técnica tem significado modal, portanto, não lhe cabe representar

o papel de sujeito de realidade alguma, muito menos o de motor de um

processo que se estabelece pela posição e supressão de contradições. Não

passa de um aspecto desse processo, a modalidade pela qual o verdadeiro

sujeito, o ser humano, atua para resolver as contradições que enfrenta. Se toda

técnica resume uma opção humana no processo da produção, o fator mais

importante está no sujeito que efetua tal eleição. Esta reflexão aponta para o

significado social da técnica, tendo em vista que o sujeito que a descobre e

aplica não se confunde com um ente abstrato, mas integra um conjunto social

que desenrola seu movimento objetivo com base na produção de bens, e onde

reinam desigualdades diferenciadoras dos indivíduos em grupos com

propriedades e interesses opostos.

A compreensão da tecnologia não começa por ela, mas sim pelo seu

antecedente, o indivíduo que a cria. Faz-se necessária uma perspectiva

histórica que parta da constituição do próprio ser humano, que veja no

aparecimento do primeiro utensílio ou dispositivo ao qual se possa dar o nome

de máquina uma manifestação do processo evolutivo do ser humano. A

utilidade desses dispositivos reside exatamente em poupar os homens e

mulheres da realização de esforços ou em conseguir o que os movimentos do

corpo desarmado não conseguiam realizar.

Conceber a tecnologia e as máquinas criadas a partir de sua

aplicação como manifestação do processo de “hominização”, significa priorizar

na análise o curso desse processo, que constitui as bases da possibilidade de

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42

criação da tecnologia e de construção das máquinas em geral. Este raciocínio

é válido para toda a série de criação das máquinas desde o mais simples

utensílio, um machado de pedra ou um tronco que permitisse o primeiro ensaio

de navegação, até os dispositivos eletrônicos mais sutis e complicados da

atualidade. Como afirma Vieira Pinto, a “evolução dos maquinismos é na

verdade a evolução do homem enquanto ser que os constrói” (Vieira Pinto,

2005, p.74). É neste sentido que a origem da máquina encontra-se,

particularmente, na capacidade humana de projetar. O equívoco das

formulações simplistas, desprovidas da perspectiva dialética, reside

exatamente no fato de compreender que as grandes descobertas científicas ou

a invenção de máquinas surpreendentes revolucionaram a vida humana,

quando na verdade, o que efetivamente revoluciona a existência de homens e

mulheres são eles mesmos. Como afirma o autor:

“As relações sociais têm sempre a primazia, e de fato

constituem o fundamento de todas as realizações do homem. A

menos se admitirmos que as máquinas anteriores às do tipo

cibernético se gerassem umas às outras, em linha evolutiva

progressiva autônoma, temos de aceitar serem obra dos

homens. Na origem delas estão as relações entre os seres

humanos, que determinam a possibilidade de inventá-las. O

grau de aperfeiçoamento expresso pelas máquinas, na verdade

não significa o aperfeiçoamento da máquina por si mesma, mas

o da consciência humana no conhecimento do mundo” (Vieira

Pinto, 2005, p.86).

Homens e mulheres fabricam a máquina em decorrência de um

processo de invenção, de projeção, o que demanda um acervo de informações

sobre as qualidades das coisas para condicionar seus movimentos operatórios

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43

a esse projeto de ação, o qual se converte em finalidade consciente. As

máquinas que nos cercam, e das quais dependemos cada vez mais, “são o

resultado de um longo processo de acumulação de conhecimentos a respeito

das propriedades dos corpos, dos materiais e dos fenômenos da natureza”

(Vieira Pinto, 2005, p.72). Essa invenção humana se dá a partir de

necessidades sociais postas pelo próprio desenvolvimento histórico e social. É

a sociedade e as relações sociais nela estabelecidas que oferecem a base

sobre as quais se demandará a invenção, a projeção e a fabricação de meios

para que as finalidades buscadas pelos seres humanos sejam alcançadas.

A abordagem proposta por Vieira Pinto proporciona a apreensão da

tecnologia e das máquinas como um produto histórico, engendrado nas

próprias relações sociais estabelecidas pelos homens e mulheres, que

demandam sua criação e seu desenvolvimento. Trata-se de uma abordagem

que leva em consideração o movimento do processo histórico e, a partir dele,

busca explicar os processos sociais que tomam curso num dado momento

histórico. Exatamente por isso, contrapõe-se a abordagens simplistas da

tecnologia e de suas inovações. Tais abordagens, ao produzirem análises

empobrecidas e superficiais, ao invés de decifrar a realidade podem contribuir

para reforçar o seu ocultamento, já que não detêm os recursos analíticos

necessários para a compreensão adequada dos fenômenos sociais.

Como exemplo de compreensão reducionista e simplificadora, pode-

se tomar o entendimento das máquinas de controle e computação como uma

extensão da inteligência humana, considerando-as capazes de substituir o

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44

esforço mental e intelectual do ser humano. Uma análise mais correta permite

constatar que a evolução das máquinas ocasiona um processo de libertação

das energias humanas. Contrapondo-se à idéia de que com o uso de

computadores e máquinas de comando poupa-se trabalho intelectual, Vieira

Pinto destaca que a utilização de tais meios demanda um maior esforço

intelectual por parte dos homens e mulheres, necessário para o domínio das

energias e forças libertadas pelo uso de tais máquinas. Se cada vez mais os

seres humanos se eximem do trabalho muscular, ou o tornam menos penoso,

pondo as máquinas para realizar boa parte das tarefas, o principal proveito

tirado dessa desobrigação será dispor de maior soma de conhecimentos, de

idéias, e, portanto, de novas e mais numerosas vias de relação com o mundo,

as quais demandarão um esforço intelectual e mental de maior magnitude por

parte dos sujeitos. Como afirma o autor:

“Quanto mais poderosas as máquinas, quanto maiores as

energias libertadas, maiores esforços intelectuais exigirão da

parte do homem para dominar as colossais forças que começa

a ser capaz de dirigir, para delas tirar os resultados desejados.

Ao contrário do que muita gente diz, as máquinas não

encerram seu papel ao libertarem o homem do esforço

muscular, mas exatamente acarretam para ele a necessidade

de mais intenso e difícil esforço intelectual para apoderar-se

das possibilidades de ação útil nelas contidas e dar-lhes

prosseguimento na produção de outras ainda mais eficientes”

(Vieira Pinto, 2005, p.81).

Embora o entendimento comum seja o de que as máquinas

trabalham para o ser humano, verifica-se um equívoco de interpretação, já que

o trabalho é uma característica eminentemente humana que só pode por ele

Page 45: Renato Veloso

45

ser realizada. É neste sentido que se pode afirmar que o trabalho sempre é

realizado pelos homens e mulheres, seja ele intelectual, seja manual. As

máquinas simplesmente não trabalham, não possuem essa capacidade. Trata-

se de instrumentos utilizados pelo(a) real trabalhador(a), embora seja

recorrente o emprego vulgar do verbo “trabalhar” referindo-se às máquinas.

Como observa o autor:

“Trabalhar significa uma dignidade exclusiva do homem. Só por

metáfora se aplica tal verbo às máquinas, que apenas

incorporam a si o trabalho efetivamente pertencente ao

homem, o qual nunca deixa de ser o sujeito que não apenas

trabalha com elas, conforme habitualmente se diz, mas

trabalha nelas. Quando o homem põe as máquinas para

funcionar, quem efetivamente está trabalhando é ele. Acontece

apenas o desdobramento do seu trabalho em outras formas

mais produtivas, cuja existência se deve ao trabalho inicial de

pensar os engenhos e fabricá-los com os materiais adequados

e o emprego das forças naturais que descobriu” (Vieira Pinto,

2005, p.98).

É por isso que as máquinas não podem nem trabalhar nem pensar

no sentido exato dos termos, tendo em vista que só possuem mecanismos

mecânicos e eletrônicos imitadores da ação e do pensamento que foram

criados e colocados nelas pelos seres humanos. Por si só nada produzem, já

que não passam de um instrumento, detentor de grande complexidade e com

certa aparência de autonomia, mas ainda assim um instrumento por meio do

qual o ser humano se relaciona com o mundo, se objetiva, pondo em prática

seus projetos e buscando alcançar suas finalidades.

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46

As máquinas se incluem no processo histórico das sociedades que

as produzem, e as conseqüências do seu uso, sejam elas boas ou más, não

lhes devem ser imputadas, mas sim aos seus proprietários. Trata-se, portanto,

de uma mediação social para atender finalidades humanas. Além disso, na

condição de elemento de um processo histórico, a máquina é definida pelas

funções que executa, estando não a serviço do ser humano em geral, mas de

grupos definidos dentro de uma sociedade, que a possuem e que se

aproveitam dos bens por ela produzidos.

Ao invés de pensar a técnica como “esmagadora do homem”, parece

ser mais adequado atribuir visibilidade à estrutura social que permite e justifica

a perpetração dos resultados decorrentes de uma determinada forma de

aplicação das inovações tecnológicas. O problema não está na tecnologia em

si, mas no uso social que se faz dela. Esta compreensão considera a incidência

de um determinado padrão de organização das relações sociais que absorve a

técnica e as inovações tecnológicas no sentido de alcançar as finalidades e

projetos hegemônicos neste tipo de sociedade. Tarefa importante, portanto,

parece ser a crítica ao uso social hegemônico que é feito da tecnologia,

visando atender interesses de uma pequena minoria, e a construção e reflexão

sobre novos usos possíveis para essa tecnologia, visando atender interesses

da maioria das pessoas. Mais do que uma questão meramente tecnológica,

trata-se de uma luta política que busca colocar a serviço dos trabalhadores o

produto de seu próprio trabalho.

Page 47: Renato Veloso

47

Como aponta Vieira Pinto, pensar a relação entre indivíduo e

máquina supõe atribuir visibilidade aos três exemplares de seres humanos a

serem discriminados: o proprietário, o consumidor dos produtos acabados, e o

operário que trabalha, que representa concretamente o indivíduo na relação

com a máquina. Ao encontrar a máquina feita, tendo de se adaptar a ela, o

operário defronta-se com condições em que não pode ditar as finalidades do

seu trabalho, tendo em vista que já as encontra estabelecidas. Não possui mais

o controle das finalidades das operações que executa, pelo fato de a máquina

não lhe pertencer, como não lhe pertence também a direção do processo

produtivo em geral, e, portanto, o destino dos produtos que elabora com o

emprego da máquina. O fenômeno que se expressa sob a forma de uma

“desumanização do trabalho”, longe de ser um fato tecnológico apenas, possui

atrás de si o sistema de relações sociais que o explica e que busca a

intensificação da exploração do trabalho.

Além disso, ganha evidência um falso dilema existente entre

humanidade e tecnologia, o qual não passa de uma fantasia, produto da

“consciência ingênua”, já que as mudanças geradas pelas inovações

tecnológicas não fogem ao alcance de homens e mulheres, antes, são

produtos por eles próprios projetados e executados. A conseqüência desse

falso dilema é o ocultamento da questão que verdadeiramente importa: a

estrutura da sociedade em que a tecnologia é concebida, produzida e utilizada.

É neste sentido que se faz importante atentar para as características do atual

padrão de relações sociais em que ocorre o uso social da tecnologia. Trata-se

de uma sociedade capitalista, marcada pela exploração, pela desigualdade,

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48

pela contradição, cuja principal preocupação tem sido a busca incessante pelo

lucro, pela ampliação das taxas de extração de mais-valia, pela valorização do

capital, em detrimento de quaisquer preocupações com as conseqüências

sociais derivadas do caráter destrutivo de seu padrão de acumulação. Como

apontou Marx (1971):

“Dentro do sistema capitalista, todos os métodos para levar a

produtividade do trabalho coletivo são aplicados às custas do

trabalhador individual; todos os meios para desenvolver a

produção redundam em meios de dominar e explorar o

produtor, mutilam o trabalhador, reduzindo-o a um fragmento

de ser humano, degradam-no à categoria de peça de máquina,

destroem o conteúdo de seu trabalho transformado em

tormento; tornam-lhe estranhas as potências intelectuais do

processo de trabalho na medida em que a este se incorpora a

ciência como força independente; desfiguram as condições em

que trabalha, submetem-no constantemente a um despotismo

mesquinho e odioso, transformam todas as horas da sua vida

em horas de trabalho e lançam sua mulher e seus filhos sob o

rolo compressor do capital” (Marx, 1971, p. 748).

A tendência hegemônica de uso da tecnologia no âmbito do

capitalismo tem sido a satisfação dos interesses das elites dominantes, em

detrimento das necessidades da maioria da população, gerando ou acentuando

as características acima apontadas. Isso não significa, no entanto, que a

tecnologia não possa ser apropriada de uma forma mais crítica. Trata-se de um

grande desafio que tem se colocado na atualidade, apontando para a

importância da luta pela construção de novos usos sociais da tecnologia,

voltados à satisfação das necessidades sociais da população como um todo, e

não apenas de uma pequena minoria.

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1 . 2 . O U S O D A T E C N O L O G I A P E L O C A P I T A L : A U T O M A Ç Ã O E E X P L O R A Ç Ã O D O T R A B A L H O

A apropriação da tecnologia pelo capital caminha no sentido de

substituir os trabalhadores por máquinas e equipamentos avançados, como

forma de reduzir custos, ampliar a exploração e as taxas de extração de mais

valia. A substituição de trabalhadores por máquinas e, mais recentemente, a

imposição de um processo de automatização, supõe mudanças na forma como

o trabalho é processado. Na atividade automatizada as habilidades e

informações sobre o processo de trabalho passam a ser incorporadas às

máquinas, tendo por conseqüência uma expulsão cada vez mais acentuada de

trabalhadores do processo de produção de um determinado bem ou serviço.

Por outro lado, os trabalhadores que continuam inseridos neste processo,

presenciam um forte aviltamento de suas condições de trabalho e de vida,

sendo reduzidos a mais uma peça utilizada pelo capital, junto com os meios de

produção.

O computador, uma máquina que possui a capacidade de

armazenar, recuperar e processar dados e informações de tipos, formas e

aplicações das mais variadas, tem sido hegemonicamente utilizado sob o

capitalismo na automatização de processos de trabalho e na redução da

demanda por força de trabalho. Com isso, evidencia-se que a “lei geral da

acumulação capitalista”, apontada por Marx (1971), continua operando, já que

se verifica, como conseqüência do processo de incorporação tecnológica, por

um lado, uma atração cada vez menor de trabalhadores ao processo produtivo,

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50

e por outro, uma expulsão cada vez maior de trabalhadores deste mesmo

processo. O resultado disso é a ampliação do que o autor chamou de “exército

industrial de reserva”, conseqüência direta desta forma de organização social.

Vale a pena transcrever uma passagem do autor sobre esta “lei”, já que suas

expressões são facilmente identificáveis nos dias atuais, e tendem a se

intensificar com o forte processo de automação da produção em que

atualmente se vive. Para Marx:

“A força de trabalho disponível é ampliada pelas mesmas

causas que aumentam a forca expansiva do capital. A

magnitude relativa do exército industrial de reserva cresce,

portanto, com as potências da riqueza, mas, quanto maior esse

exército de reserva em relação ao exército ativo, tanto maior a

massa da superpopulação consolidada, cuja miséria está na

razão inversa do suplício de seu trabalho. E, ainda, quanto

maiores essa camada de lázaros da classe trabalhadora e o

exército industrial de reserva, tanto maior, usando-se a

terminologia oficial, o pauperismo. Esta é a lei geral, absoluta,

da acumulação capitalista” (Marx, 1971, p.747).

O modo de produção capitalista, cuja lei absoluta é a produção de

mais valia, apresenta características que, com o seu desenvolvimento, tendem

a se acentuar. Dentre elas a automação, entendida como a incorporação, cada

vez maior, da ciência e da tecnologia ao processo produtivo, levando,

conseqüentemente, a uma substituição freqüente de “trabalho vivo” por

“trabalho morto”, que resultaria “no decréscimo da quantidade de trabalho em

relação à massa dos meios de produção que põe em movimento, ou na

diminuição do fator subjetivo do processo de trabalho em relação aos seus

fatores objetivos” (Marx, 1971, p.723). Assim, o uso hegemônico da tecnologia

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51

encontra-se submetido aos interesses do capital, e os crescentes processos de

informatização e automatização têm culminado na economia e na exploração

do trabalho vivo.

Não é difícil constatar a difícil situação em que a classe trabalhadora

se encontra nos dias atuais: dela são exigidos índices de produtividade cada

vez maiores, e o avanço tecnológico, base do aumento da produtividade

capitalista, propicia reduções reais de custo com a automação do processo

produtivo. O trabalhador, próprio autor do avanço tecnológico, já que este é

conquista do trabalho humano, é sua principal vítima, sofrendo as

conseqüências do processo de desenvolvimento das forças produtivas que

ajudou a construir.

A substituição de mão-de-obra por aparatos tecnológicos

sofisticados tem acompanhado o processo das inovações tecnológicas. Com o

progresso da acumulação, a tendência do capitalismo tem sido a de

impulsionar a produtividade do trabalho social, por meio da redução do

emprego de força viva de trabalho frente ao emprego de meios de produção

mais eficientes. Com isso, o capital vem incorporando avanços técnicos e

científicos ao processo de produção, buscando, como observou Iamamoto

(2001), uma redução "do tempo de trabalho socialmente necessário à produção

de mercadorias, ou seja, o seu valor, ampliando simultaneamente o tempo de

trabalho excedente ou mais-valia" (p.14). Assim, como observaram Tavares e

Seligman (1984), visando a aumentar o grau de exploração da força de

trabalho, por intermédio do aumento do período de tempo em que o trabalhador

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produz gratuitamente, o capital procurou automatizar as atividades do processo

produtivo, havendo um grande impulso em direção à introdução de maquinaria

na indústria. Se com a invenção da máquina a vapor e com o aproveitamento

da energia elétrica saltos extraordinários já haviam sido dados, é com o

advento dos computadores que os limites da automação foram enormemente

ampliados. De acordo com os autores:

"O desenvolvimento industrial se processa no sentido de uma

diminuição crescente do tempo de trabalho, uma vez que as

máquinas libertam a atividade de produção do homem. O

trabalho deixa de ser repetitivo e monótono, mas a

contrapartida pode vir a ser o desemprego, se não houver

controle social sobre a tecnologia" (Tavares e Seligman, 1984,

p.27).

Ao abordar a questão da automação, Lojkine (2002) aponta que este

conceito é simétrico ao de maquinismo na revolução industrial. Na automação,

a informática é, inicialmente, apenas um meio - com certeza privilegiado - para

assegurar o sucesso dos processos de vigilância e de conduta das pessoas,

mais especificamente dos trabalhadores, já que, essencialmente, a finalidade

da automação consiste na busca do controle da produção material. Dirá o autor

que "a automatização dos processos de produção é a conseqüência lógica e o

prolongamento da revolução industrial" (p.127), sendo a substituição de

trabalhadores por máquinas um de seus principais objetivos. Como aponta o

autor:

"O constrangimento mais forte que leva os patrões a uma

concepção estreita de automação é, provavelmente, a lógica

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53

econômica que enquadra todos os seus atos. Muito

freqüentemente, novas despesas em tecnologia devem ser

justificadas unicamente como uma substituição capital/trabalho.

Em geral, sustenta-se que toda contribuição de um operador

humano deve ser transferida para o funcionamento automático

da máquina. A palavra de ordem dos quadros dirigentes é

reduzir o número de pessoal. Aqui, a lógica tradicional indica

que, se se começa com 100 homens e se introduz uma nova

tecnologia, haverá que diminuí-los para 75. A tecnologia é

utilizada como um meio de reduzir o pessoal" (Lojkine, 2002,

p.245).

Lojkine critica as posturas tecnicistas que tendem a ver na

automação uma força social que pouco a pouco reduz a alienação do

trabalhador em face da máquina. Neste raciocínio tecnicista, a alienação e

submissão do trabalhador cederiam, pouco a pouco, a novas relações, "sob o

impulso de uma técnica que revive a cooperação inteligente entre os produtos

e os produtores, que restitui ao produto um caráter comum e fustiga uma

classe capitalista cujo último refugio é a burocracia" (p.42). Contrapondo-se a

esta postura, Lojkine afirma que, por si mesma, a técnica não revive nem

restitui nada: "ela apenas oferece uma floração de novas possibilidades". A

existência e consumação de tais possibilidades, no entanto, se dá de forma

conflituosa, tendo em vista as enormes resistências existentes.

O desenvolvimento tecnológico tem acentuado as contradições

presentes no capitalismo. Lojkine aponta que no âmbito do debate sobre a

tecnologia ou sobre a cibernética, constata-se o desdobramento de duas

concepções antagônicas acerca do uso político que pode ser feito do

computador e de suas redes: de um lado, uma concepção elitista e

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tecnocrática, que reserva a informação estratégica a um pequeno grupo de

indivíduos; de outro, uma concepção autogestionária, que visualiza, nas atuais

inovações, não o prolongamento de antigas tendências, mas a possibilidade de

uma alteração nas condições de acesso a informação, o que teria por

conseqüência o autogoverno dos seres humanos (Lojkine, 2002, p.149).

Próximos desta última concepção, Tavares e Seligman (1984)

observam que não há porque voltar as costas ao desenvolvimento tecnológico

e ao conseqüente progresso dele advindo. O problema reside na utilização da

tecnologia como sustentáculo de desigualdades, cujas conseqüências

beneficiam apenas os interesses privados de uma pequena minoria e não

permitem o desenvolvimento de valores progressistas, tais como democracia e

justiça social. Desta forma, não é o desenvolvimento tecnológico em si, mas o

uso social que se faz dele, o verdadeiro inimigo da classe trabalhadora, ou, em

outras palavras, “quando observamos no computador atributos de adversário,

esquecemos que o adversário é a base social que domina computador”

(Tavares e Seligman, 1984, p.48).

Para estes autores, o que deveria ocorrer é uma introdução das

novas tecnologias de forma cautelosa e responsável, para que não haja um

impacto extremamente negativo sobre o mercado de trabalho, o que viria,

certamente, a penalizar os trabalhadores. Antes, é necessário avançar os

controles sociais sobre os frutos deste progresso, ou seja, construir e reforçar

uma postura claramente socializante a respeito da repartição dos frutos do

trabalho e do progresso da humanidade, tentando aliar tal progresso à

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emancipação humana. E é exatamente aí que reside grande parte do

problema, já que a tendência predominante tem sido a de que as tecnologias

sejam usadas para manter as desigualdades.

Há, portanto, um grande interesse do capital nas inovações

tecnológicas, tendo em vista que estas podem promover alterações

significativas no processo de trabalho e, conseqüentemente, no processo de

produção de mais-valia. Como observou Guerra (1995), a classe hegemônica,

ao colocar diferentes disciplinas profissionais a serviço da

acumulação/valorização do capital, busca a criação e aplicação de um conjunto

de conhecimentos e princípios ao processo produtivo, transformando-as em

tecnologias a serviço da acumulação, com fortes rebatimentos nos modos de

vida da sociedade capitalista. Em suas palavras:

“Se, como vimos defendendo, a racionalidade é construída na

prática social e histórica dos homens, à racionalidade

tecnológica podem ser tributadas as alterações do processo de

trabalho no capitalismo monopolista, mas, também, invade as

relações políticas institucionais e sociais. Ao colocar diferentes

disciplinas profissionais a serviço da acumulação/valorização

do capital, visando a aplicação de um conjunto de

conhecimentos ou princípios ao processo produtivo, a classe

hegemônica transforma-as em tecnologias” (Guerra, 1995,

p.165).

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56

1 . 3 . A “ R E V O L U Ç Ã O ” D A T E C N O L O G I A

As mudanças que vêm se processando ao longo das últimas

décadas por conta das inovações tecnológicas têm sido objeto de preocupação

por parte de diversos estudiosos, os quais, a partir de diferentes perspectivas

teóricas, efetuam abordagens variadas sobre o tema. De forma geral, termos

como “revolução tecnológica”, “sociedade da informação”, “revolução

informacional” e “sociedade informática” são os mais utilizados pelos autores

para denotar as mudanças operadas na atual fase do capitalismo. Mandel

(1982), por exemplo, utiliza-se da expressão “terceira revolução tecnológica”

qualificando-a como “uma época de fusão da ciência, tecnologia e produção,

numa escala jamais vista” (p.151). Para o autor, um de seus efeitos é a

automação, que pode ser explicada pelo desenvolvimento tanto das forças

produtivas do trabalho quanto das forças alienantes e destrutivas da

mercadoria e do capital. Como observa o autor:

“por um lado ela representa o desenvolvimento aperfeiçoado

das forças materiais de produção, as quais poderiam, em si

mesmas, libertar a humanidade da obrigação de realizar um

trabalho mecânico, repetitivo, enfadonho e alienante. Por outro,

representa uma nova ameaça para o emprego e o rendimento,

uma nova intensificação da ansiedade, a insegurança, o

retorno crônico do desemprego em massa, as perdas

periódicas no consumo e na renda, o empobrecimento moral e

intelectual” (Mandel, 1982, p.152).

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57

Kameyama (1998), ao referir-se às mudanças ocorridas na esfera da

produção, observa os impactos significativos impostos pela onda tecnológica

de base microeletrônica que se disseminou em diversos setores da economia,

configurando um novo paradigma de produção industrial, também conhecido

como automação flexível, ou, para usar os termos de Harvey (1993, p.140),

“acumulação flexível”. Este novo paradigma, de acordo com a autora, se apóia

na força do processo de inovações tecnológicas, com forte e crescente

presença do complexo eletrônico e da automação.

Neste sentido, aponta-se a década de oitenta como o momento de

emergência de um novo estágio da revolução industrial, que Matoso (1996),

por exemplo, chamou de “terceira revolução industrial”, trazendo em seu bojo a

ruptura com o paradigma industrial e tecnológico impulsionado a partir da

"segunda revolução industrial". Como aponta o autor, este processo é marcado

pela incidência de um novo padrão produtivo, tecnológico e organizacional que

teve como tendências principais o desenvolvimento da informática, o

desenvolvimento da tecnologia digital de base microeletrônica e o progresso

técnico gerado no complexo eletrônico.

Debruçando-se mais especificamente sobre o campo da

comunicação, Moraes (2001) aponta que as mudanças sociais, principalmente

as ocorridas na indústria global da comunicação, têm como eixo condutor os

grandes capitais, “movidos pelo apetite desmesurado por lucratividade e

concentrados nas mãos de um número restrito de complexos empresariais”

(p.13). Para o autor, esses conglomerados industriais exercem grande

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58

influência no que ele chamou de “revolução multimídia”, que, em ritmo

acelerado, concretiza-se por intermédio de uma linguagem digital única, capaz

de integrar diversos processos, redes, plataformas e sistemas. A digitalização,

de acordo com Moraes, “forja a base material para a hibridação das infra-

estruturas indispensáveis à transmissão de dados, sons e imagens, em

proporções incalculáveis” (Moraes, 2001, p.14), possibilitando a convergência

das tecnologias digitais e da multimídia, e dando origem aos aparatos

“infotelecomunicacionais”. Como explica o próprio autor:

“Devemos unir os prefixos dos três setores convergentes

(informática, telecomunicação e comunicação) em uma só

palavra, que designa a conjunção de poderes estratégicos

relacionados ao macrocampo multimídia: infotelecomunica-

ções. Ela comporta as reciprocidades e interdependências

entre os suportes, bem como as ações coordenadas para a

concorrência sem fronteiras. O paradigma infotelecomunica-

cional constitui vetor decisivo para os impérios mediáticos,

tendo por escopo a comercialização ilimitada de produtos com

tecnologias avançadas” (Morais, 2001, p.15).

Essa convergência é fundamental para a geração de serviços em

volume crescente para alimentar as indústrias multimídias globais, a partir de

um entrelaçamento de setores que conduzem a uma ampliação de mercados.

Para ilustrar, o autor ressalta ainda que em 1991, existiam 330 empresas de

telecomunicações no planeta, enquanto em 2001 esse número pulou para três

mil só nos Estados Unidos, onde o mercado de informática saltou de US$ 300

bilhões em 1990 para US$ três trilhões em 2000 (Morais, 2001, p.15).

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Essas mudanças constituem um campo de debates em que, muitas

vezes, as chamadas tecnologias informacionais, consideradas como detentoras

de um pretenso poder miraculoso, são apontadas como um dos principais

aspectos na formação da noção de “sociedade da informação”. Como observou

Mattelart (2002), trata-se de um conceito marcado por imprecisões, onde

impera a vontade de legitimá-lo, apresentando-o como uma realidade

inevitável. Em suas palavras, instala-se “um conceito puramente instrumental

de sociedade da informação”, no qual são apagadas “as implicações

sociopolíticas de uma expressão que supostamente designa o novo destino do

mundo” (p.73). Assim, o autor destaca a criação de um “paradigma

tecnoinformacional” que se encontra no centro de um “projeto geopolítico que

tem como função garantir o rearranjo geoeconômico do planeta em torno dos

valores da democracia de mercado e de um mundo unipolar” (Mattelart, 2002,

p.139). É por isso que se esforça para explicitar que a noção de “sociedade

global da informação” nada mais é do que “o resultado de uma construção

geopolítica”, em que a “efervescência da expansão ininterrupta das inovações

técnicas contribui para o esquecimento deste fato” (Mattelart, 2002, p.7).

Uma das principais polêmicas que se fazem presentes neste debate,

nem sempre explicitamente evidenciada, refere-se à negação e à afirmação do

trabalho, ou, em outras palavras, ao questionamento da centralidade da

categoria trabalho na constituição das relações sociais. Verifica-se que a teoria

do valor-trabalho passa a ser objeto de ataque por parte de diversos autores

que têm se dedicado ao tema da tecnologia. Como observa Mattelart (2002),

ao discutir a história da “sociedade da informação”, a idéia de

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60

desmaterialização do trabalho está fortemente presente neste debate, sendo

possível identificar a noção de que “a nova sociedade se caracteriza não mais

pela labor theory of value e sim pela knowledge theory of value” (Mattelart,

2002, p.85). Como mostra o autor, trata-se de um conceito de sociedade da

informação que remete a:

“Uma sociedade submetida a uma quíntupla mutação: o

deslocamento do componente econômico principal (passagem

de uma economia de produção para uma economia de

serviços); uma mudança na estrutura dos empregos

(preeminência da classe funcional e técnica); a nova

centralidade adquirida pelo saber teórico como fonte de

inovação e de formulação de políticas públicas; a necessidade

de balizar o futuro antecipando-o; o desenvolvimento de uma

nova 'tecnologia intelectual' voltada para a tomada de decisões”

(Mattelart, 2002, p.85).

É possível encontrar posturas analíticas voltadas à construção do

descentramento da categoria trabalho, ou ainda à sua eliminação, como lembra

Barreto (2004, p.1184), no debate sobre as inovações tecnológicas. Para a

crítica de tais posturas, análises como as de Antunes (1998, 2000), que vêm

demonstrando a centralidade que o trabalho continua a ter para as relações

sociais, são fundamentais, pois podem auxiliar o tratamento da tecnologia a

partir de uma perspectiva que não perca de vista a importância do trabalho no

desenvolvimento histórico e social. A sociedade continua tendo como um de

seus fundamentos básicos o trabalho, e apesar da informação ter a sua

relevância, ela não pode substituí-lo.

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61

As interpretações acerca das inovações tecnológicas são as mais

diversificadas, dando origem a conceitos os mais variados, formulados a partir

de perspectivas teóricas distintas. Schaff (1993), por exemplo, refere-se às

mudanças sociais em curso como "revolução técnico-científica", que teve como

um de seus desdobramentos a emergência do que ele chamou de “segunda

revolução técnico-industrial”, cuja ênfase reside na microeletrônica. Chama a

atenção para o fato de que, dentre as conseqüências mais problemáticas de tal

“revolução”, pode-se levantar a questão do exército de pessoas

estruturalmente desempregadas que perderam seus empregos em

conseqüência da automação e da robotização da produção e dos serviços,

provocando, ao mesmo tempo, um incremento da produtividade e da riqueza

social, e uma drástica redução da demanda de trabalho humano. Sem

menosprezar suas contribuições para o campo da tradição marxista, convém

sinalizar que, apesar de realizar considerações relevantes para a abordagem

das inovações tecnológicas e suas conseqüências sociais, Schaff, no âmbito

da discussão que realiza acerca da “sociedade informática”, parece partilhar da

noção de descentramento da categoria trabalho, sobretudo ao sugerir a

substituição ou eliminação do trabalho pelos aparatos tecnológicos. Em suas

palavras:

“A segunda revolução, que estamos assistindo agora, consiste

em que as capacidades intelectuais do homem são ampliadas

e inclusive substituídas por autômatos, que eliminam com êxito

crescente o trabalho humano na produção e nos serviços. (...)

enquanto a primeira revolução conduziu a diversas facilidades

e a um incremento no rendimento do trabalho humano, a

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62

segunda, por suas conseqüências, aspira à eliminação total

deste” (Schaff, 1993, p.22).

Schaff destaca ainda que tal compreensão a respeito da eliminação

do trabalho não “significa o desaparecimento da atividade humana, que pode

adquirir a forma das mais diversas ocupações” (1993, p.42). Além de sugerir o

descentramento da categoria trabalho na produção e reprodução da vida

social, o autor deixa no ar a possibilidade de equalizar o trabalho (uma

capacidade exclusivamente humana, criadora, ontológica, que supõe a

capacidade teleológica, a capacidade de projetar) a outras atividades em geral,

as quais ele qualificará como ocupações. Parece faltar, nesta reflexão sobre a

“sociedade informática”, uma concepção de trabalho mais consistente que

explicite suas características eminentemente humanas, sua centralidade na

constituição do ser social e sua importância histórica.

Seguindo um caminho parecido, Tauile (2001) observa que, se com

o desenvolvimento das máquinas-ferramenta com controle numérico, na virada

dos anos 50, foi possível dar início a uma automatização da produção em

pequena escala, é com a utilização da eletrônica e, depois, da microeletrônica,

que se efetiva uma mudança no caráter da automação, com uma nova base

técnica aprofundando o que compreendeu como “substituição do trabalho

humano por meios automatizados”. O autor trabalha com uma noção de

“revolução tecnológica”, cuja versão atual encontra-se predominantemente

calcada em “transformações” propiciadas pelo advento da microeletrônica e

pelas tecnologias de informação. Em suas palavras:

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63

"uma 'revolução tecnológica' pode ser entendida como um

conjunto de novos conhecimentos, procedimentos,

instrumentos e técnicas afins que se introduzem e difundem

pelas sociedades em determinadas épocas e que impregnam a

transformação dessas sociedades em direção a outros

estágios, qualitativamente distintos, de seu desenvolvimento

econômico e sociocultural” (Tauille, 2001, p.38).

O autor identifica a incidência de “transformações sociais” de

natureza qualitativa em decorrência das revoluções tecnológicas, fazendo

emergir novas configurações socioculturais que conduzem ao aprofundamento

do processo de humanização. Neste sentido, mudam os patamares de

produtividade geradores de excedente econômico, sobretudo na atualidade, já

que a atual “revolução da informação” produz novos meios muito mais eficazes

de geração deste excedente.

De fato, as inovações tecnológicas incorporadas ao processo

produtivo têm por conseqüência um aumento da valorização do capital,

sobretudo pelo aumento da extração da mais valia relativa, tendo em vista a

redução no uso da força viva de trabalho. Tal redução não significa, no entanto,

uma substituição do trabalho humano pelas máquinas, as quais, como já visto

anteriormente, não passam de instrumento de trabalho dos homens e

mulheres. Além disso, a redução da demanda por força viva de trabalho não

significa que o trabalho tenha deixado de ser importante para as relações

sociais em geral, e para o processo de produção capitalista, em particular,

tendo em vista que não há como valorizar o capital se não for por meio do

trabalho vivo, sendo ele o real produtor de valor. Neste sentido, a compreensão

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64

de Tauile de “lucro extra da renda tecnológica” mostra-se polêmica, já que

pressupõe a substituição, quando não eliminação, do trabalho humano pelos

recursos tecnológicos. Nas palavras do autor, as transformações sociais

geradas pela tecnologia podem provocar:

“uma crise do trabalho como categoria de análise da dinâmica

econômica do capitalismo contemporâneo, exigindo inclusive

reconsiderações importantes a respeito de sua natureza social

e antropológica” (Tauille, 2001, p.121).

São posturas analíticas que podem levar a uma leitura incompleta e

parcial do trabalho na configuração das relações sociais, ocultando seu caráter

central para tais relações. Como sustenta Antunes (2000), trata-se de um

grande equívoco imaginar o “fim do trabalho” na sociedade capitalista, já que

tal sociedade não pode prescindir do trabalho como forma de valorização do

capital, ainda que sua necessidade seja cada vez menos por trabalho estável e

cada vez mais por trabalho parcial, terceirizado e precarizado. Como afirma o

autor:

“Uma coisa é ter a necessidade imperiosa de reduzir a

dimensão variável do capital e a conseqüente necessidade de

expandir a sua parte constante. Outra, muito diversa, é

imaginar que eliminando o trabalho vivo o capital possa

continuar se reproduzindo. Não seria possível produzir capital e

também não se poderia integralizar o ciclo reprodutivo por meio

do consumo, uma vez que é uma abstração imaginar consumo

sem assalariados. A articulação entre trabalho vivo e trabalho

morto é condição para que o sistema produtivo do capital se

mantenha” (Antunes, 2000, p.120).

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65

Assim, pensar uma sociedade centrada na tecnologia e na

informação, tomados como elementos fundantes da criação do valor, consiste

em sério deslize analítico, propiciando uma interpretação que, ao invés de

explicar o papel da tecnologia na sociedade, o fetichiza. De acordo com

Antunes, o conhecimento tecno-científico:

“Interage com o trabalho, na necessidade preponderante de

participar do processo de valorização do capital. Não se

sobrepõe ao valor, mas é parte intrínseca de seu mecanismo.

Essa interpenetração entre atividades laborativas e ciência

associa e articula a potência constituinte do trabalho vivo à

potência constitutiva do conhecimento tecno-científico na

produção de valores (materiais ou imateriais). O saber científico

e o saber laborativo mesclam-se mais diretamente no mundo

produtivo contemporâneo sem que o primeiro ‘faça cair por

terra’ o segundo” (Antunes, 2000, p.123).

A abordagem da tecnologia desconectada de sua base material não

deve encontrar ressonância nas análises que se mostram verdadeiramente

preocupadas com a compreensão da realidade social, e que buscam decifrar

as formas pelas quais as relações sociais atualmente se configuram. Tirar de

cena o trabalho não explica, ao contrário, obscurece, impede um real

entendimento do atual momento histórico. Embora tal tecnologia, em suas

expressões atuais (conhecidas seja como tecnologias da informação - TI, seja

como tecnologias da informação e comunicação – TIC), detenha uma

incidência cada vez mais constante na sociedade, isto não significa que ela

deva ser considerada central na definição e estruturação das relações sociais,

ainda que promovam características inéditas em tais relações.

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66

Essa compreensão é importante para que se possa debruçar

criticamente sobre neologismos tais como “cibercultura” e “ciberespaço” (Lévy,

1999), que, tomando as inovações tecnológicas como “tecnologia da

inteligência” (que possibilita reorganizar a visão de mundo, os reflexos mentais

de seus usuários e usuárias e promover inúmeras possibilidades de mudança

social), muitas vezes se sustentam na idéia de que as novas tecnologias detêm

um caráter central no atual estágio do capitalismo. Neste sentido, pode-se

identificar uma postura analítica das relações sociais que, além de estar

marcada por um caráter abstrato e estéril, promove uma desmaterialização ou

desistoricização da tecnologia. Sobre este ponto, são interessantes as

observações realizadas por Mattelart (2002):

“A cada civilização, cada área histórico-geográfica constrói seu

modo de apropriação e de integração das técnicas, dando

origem a configurações comunicacionais múltiplas com seus

diversos níveis, sejam eles econômicos, sociais, técnicos ou

mentais, com suas diferentes escalas, local, nacional, regional

transnacional. Será essa historicidade concreta dos modos de

implantação das técnicas que o discurso milenarista sobre o

ciberespaço ignorará ao virar as costas à interrogação sobre a

construção social das funções e dos usos dos novos

instrumentos inteligentes” (Mattelart, 2002, p.80).

Em meio ao debate, uma contribuição que se apresenta é a de

Lojkine (1995), que, ao buscar compreender o fenômeno tecnológico, utiliza-se

do conceito de "revolução informacional", sinalizando que esta "não se reduz à

revolução do instrumento de trabalho, ainda que esta seja essencial" (p.15),

mas envolve, principalmente, “a criação, o acesso e a intervenção sobre

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67

informações estratégicas, de síntese, sejam elas de natureza econômica,

política, científica ou ética” (p.109). Trata-se, portanto, de uma “revolução

informacional” que não se refere apenas ao desenvolvimento/aperfeiçoamento

dos instrumentos e das técnicas de trabalho, o que poderia ser esperado de

uma postura tecnicista. Para o autor, a dimensão efetivamente inovadora das

novas tecnologias reside no seu entendimento como “potencialidade

contraditória”, o que significa que a “revolução informacional” teria a

potencialidade de auxiliar na construção de um novo tipo de sociedade, um

modelo que existe potencialmente, e que, a depender do movimento histórico,

poderia efetivar-se.

Tentando desenvolver seus argumentos, observa o autor que a

noção de “potencialidades contraditórias” só é adequadamente compreendida

se o conceito de forças produtivas também o for. Por força produtiva material,

pode-se entender, segundo Marx (1971), a força (física) que os homens e

mulheres põem em movimento para modificar a natureza, incorporando

matérias e criando um valor de uso. De acordo com o autor, no trabalho, o ser

humano:

“defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em

movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas,

cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da

natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando

assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo

tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as

potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o

jogo das forças naturais” (Marx, 1971, p.202).

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68

O trabalho, atividade por meio da qual o ser humano se objetiva e

alcança finalidades, e que supõe capacidade teleológica, demanda a mediação

de um instrumento de trabalho. Como observou Marx, os indivíduos usam as

propriedades presentes nos meios de produção, fazendo-as atuar sobre os

objetos de trabalho. Em suas palavras:

“O meio de trabalho é uma coisa ou complexo de coisas, que o

trabalhador insere entre si mesmo e o objeto de trabalho e lhe

serve para dirigir sua atividade sobre esse objeto. Ele utiliza as

propriedades mecânicas, físicas, químicas das coisas, para

fazê-las atuarem como forças sobre outras coisas, de acordo

com o fim que tem em mira” (Marx, 1971, p.203).

Percebe-se, a partir da citação acima, que a utilização do

instrumento de trabalho encontra-se subordinada à finalidade que o trabalhador

elaborou, ao “fim que tem em mira”, denotando a sobreposição do sujeito que

trabalha, o homem ou a mulher, sobre o meio, o instrumento. Lojkine (1995)

trabalha com uma definição de “potencialidade contraditória”, a partir de uma

concepção de forças produtivas que tende a aumentar o papel do instrumento

no processo de trabalho. Ao referir-se à “dinâmica própria das forças

produtivas” (p.53), observa o autor que este conceito:

“(...) se opõe, de fato e radicalmente, a uma concepção

‘imparcial’ que faz das tecnologias o instrumento passivo,

neutro, de uma sociedade ou de uma força social dominante –

concepção que, precisamente funda as abordagens ‘societais’,

e também, ‘organizacionais’ das ‘novas tecnologias’ “(Lojkine,

1995, p.53).

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69

Como o próprio autor exemplifica, tecnologias idênticas podem

comportar diferentes tipos de uso social, sinalizando a dinâmica própria das

tecnologias e evidenciando uma concepção que exacerba o caráter ativo das

forças produtivas, como demonstra o seguinte trecho: “há ação dos homens

que concebem e fabricam os instrumentos de trabalho, mas também há em

troca a ação dos instrumentos de trabalho sobre os homens” (Lojkine, 1995,

p.54).

Para Lojkine, há uma forte interpenetração da força de trabalho

humano e das forças naturais utilizadas em seu trabalho. No entanto, como

observou, se tais forças dependem, de alguma forma, da vontade e da

intencionalidade dos indivíduos, elas, por outro lado, “também dispõem de uma

ação própria, na medida em que o homem fá-las atuar como ‘forças’”. Em suas

palavras:

"Pense-se, em primeiro lugar, nas forças naturais propriamente

ditas: a força hidráulica, eólica, a da energia térmica, a da

energia nuclear; mas há que se considerar ainda a ação

própria de processos ecológicos que, deflagrados pela ação

humana, manifestam na seqüência a sua autonomia,

desenvolvendo ‘efeitos perversos’ naturais não previstos pelo

homem - aqui, a referência imediata são as catástrofes

ecológicas (acidentes nucleares, rompimento da camada de

ozônio, poluição etc.); contudo, as manipulações genéticas nos

recordam que a espécie humana não está submetida apenas a

leis ‘sociais’ e a tecnologias ‘intelectuais’: prova-o a

modificação, possibilitada pelas biotecnologias, dos suportes

físicos dos nossos ‘mapas de identidade’ biológicos (ADN)"

(Lojkine, 1995, p.56).

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Dando a entender que ele tenta minimizar o impacto de sua

definição de “potencialidade contraditória”, o autor observa que o

desenvolvimento das forças produtivas, tal como ele compreende, não significa

que a ação e intenção humanas sejam anuladas. Destaca, ainda, que a

concepção que possui de meio de trabalho não anula o potencial do trabalho

humano, contrapondo sua postura a duas concepções antinômicas que

abordam os meios de trabalho: as deterministas e as indeterministas.

Explicando essas noções, o autor aponta que:

"A corrente determinista vê simplesmente no meio de trabalho

a condição de um trabalho presente, mas esquece que este,

por seu turno, modifica o trabalho passado que ‘ressuscita’.

Muitas das inovações tecnológicas devem-se a descobertas de

usuários que conseguiram otimizar e aperfeiçoar seus meios de

trabalho ou, mais amplamente, à colaboração entre usuários e

criadores de meios de trabalho (este é um dos segredos do

êxito da indústria japonesa). Inversamente, a corrente

indeterminista, na linha de Adam Smith, vê no instrumento de

trabalho tão somente o ‘produto’ de uma relação social, mais

exatamente de um sistema organizacional de que ele é apenas

uma espécie de ‘forma cristalizada’, puramente passiva”

(Lojkine, 1995, p.57).

São concepções que, de acordo com Lojkine, remetem a segundo

plano a ação transformadora do trabalho vivo combinado com o trabalho morto

dos meios de produção, mostrando-se incapazes de apreender a dinamicidade

do processo social. Neste sentido, sustenta que as atuais mutações

sociotécnicas, decorrentes das mudanças operadas pela ação humana sobre

as forças produtivas, podem ser tomadas como "potencialidades

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contraditórias", e não como conseqüências automáticas de uma evolução linear

(tecnológica ou socioeconômica), o que significa dizer que a “revolução

informacional” não se reduz às potencialidades sociais da microeletrônica.

Além de manifestar-se no conjunto de formas novas da informação que ela

mobiliza, manifesta-se, também, como afirma o autor, na possibilidade de,

dialeticamente, desencadear um tipo de ação histórica deflagrada pela própria

dinâmica das forças produtivas.

Lojkine apresenta uma abordagem sofisticada da incidência das

inovações tecnológicas e tenta reafirmar a importância que o trabalho continua

a ter na vida social. Ao analisar sua obra, no entanto, Lima (2005) considera

que este autor realiza indicações que podem demonstrar um deslize para a

mesma tendência, encontrada em outras referências, de fetichização da

tecnologia. Ao tomar autores como Lojkine, Schaff e Castells, a autora aponta

as “armadilhas do fetiche tecnológico”, que desconsidera os seguintes fatores:

a) a mercantilização da vida social é um elemento constitutivo do

sistema capitalista, significando que a informação também se transforma em

mercadoria;

b) o aumento do uso das informações não significa a constituição de

uma sociedade pós-industrial;

c) a substituição de formas violentas de exploração do trabalho por

inovações tecnológicas não significa que a exploração tenha sido extinta;

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d) as inovações tecnológicas não têm implicado a redução da

jornada de trabalho e o aumento do tempo livre do trabalhador;

e) as concepções sobre o “fim do proletariado”, o qual seria

substituído por uma “nova camada de técnicos” capacitados para operar as

novas tecnologias; têm-se um desemprego em escala constante, justificado

pela incapacidade individualizada do trabalhador desqualificado, e não pela

lógica de acumulação que expulsa trabalho vivo.

Apesar da crítica apresentada pela autora, considera-se que o

recurso a Lojkine possui certo mérito, na medida em que sua contribuição

constitui-se como uma das poucas tentativas de afirmar, no debate sobre as

conseqüências sociais das inovações tecnológicas, a discussão do valor no

campo da tradição marxista, e reafirmar a centralidade do trabalho na

sociedade capitalista. O autor parece buscar a realização de uma abordagem

crítica do papel desempenhado pelas inovações tecnológicas na sua

articulação com as formas adotadas pelo capital para enfrentar a sua crise

contemporânea. Sua contribuição, apesar dos problemas apontados, é uma

das poucas que tenta combater a ofensiva “pós-moderna”, a qual toma as

alterações provocadas pelas inovações tecnológicas como universais,

estendendo-as para o conjunto das relações sociais de produção e dando

origem a abordagens e compreensões que reforçam os interesses do capital.

Muitas dessas abordagens negam a materialidade e a centralidade do trabalho

na produção e reprodução das relações sociais capitalistas, contribuindo para

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tirar de cena a classe trabalhadora, sujeito que vem historicamente se opondo

a esta forma de organização da sociedade.

Apesar da polêmica envolvendo a noção de “potencialidade

contraditória” apresentada pelo autor, isto não significa que o caráter

contraditório da própria sociedade capitalista não deva ser evocado para

compreender o potencial da tecnologia para o processo social. Assim,

compreende-se que a tecnologia é marcada pela contradição, evidenciada não

pelo desenvolvimento do recurso tecnológico em si, mas pelo próprio padrão

de relações sociais capitalistas, que é contraditório. A potencialidade

contraditória da tecnologia não está na “revolução da informação”, está no

próprio caráter contraditório das relações sociais que presidem a sociedade

capitalista, por isto a compreensão do potencial contraditório desta tecnologia

se dá no quadro das próprias relações sociais capitalistas. Como observou

Iamamoto (1993), dentre as tensões inerentes e específicas às relações sociais

que peculizarizam a sociedade do capital, encontra-se a “articulação

indissolúvel e contraditória entre a essência dessas relações sociais e sua

manifestação através das formas sociais, por meio das quais se expressam,

ambas engendradas e recriadas no processo da vida social” (p.69). É nesse

contexto que reside a base tanto para a compreensão do papel das inovações

tecnológicas na atualidade quanto para a formulação de modos alternativos de

apropriação crítica de tais inovações.

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74

1 . 4 . A S E X P R E S S Õ E S A T U A I S D A T E C N O L O G I A

Como se viu nas seções anteriores, a tecnologia é um produto

histórico, resultado do trabalho acumulado pela sociedade. Trata-se, ao mesmo

tempo, de indicador da riqueza socialmente produzida e de um meio para a sua

reprodução. Na atualidade, é possível constatar a existência de uma ampla

diversidade de inovações tecnológicas, aplicadas em diversos espaços e

instâncias da vida social. Toma-se, a partir deste momento, as inovações

tecnológicas conhecidas como “tecnologia da informação” (TI), sobre a qual se

pretende tecer rápidas considerações.

Pretende-se iniciar por uma breve caracterização da TI, apontando

alguns aspectos relacionados a sua definição. Apesar de sua larga aplicação

em inúmeros espaços da vida social, é possível constatar uma certa dificuldade

em delimitar e definir o que seja TI. Sua conceituação, em geral, oscila entre

limitá-la às atividades desenvolvidas pelos recursos da informática (priorizando

a automatização de tarefas) ou, ainda, compreendê-la como a aplicação de

seus diferentes ramos na geração, processamento e difusão de informações

(enfatizando a manipulação e organização de dados para posterior utilização).

No debate sobre o tema, pode-se vislumbrar tendências que

reforçam posições diferenciadas: por um lado, a aplicação da TI é vista em

termos de operacionalização em sentido genérico, priorizando a habilidade de

utilizar e interagir com a máquina; por outro, valoriza-se, também, a atividade

de reapropriação e reelaboração da linguagem informacional voltada para

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novos usos e finalidades. Percebe-se, portanto, a coexistência de uma lógica

instrumental e uma atividade de criação que mobiliza os diversos recursos com

vistas ao estabelecimento de diferentes modalidades de trabalho e

conhecimento, denotando que a prioridade não é para o domínio operacional,

mas se estende a uma apropriação mais efetiva, mais crítica do recurso

tecnológico.

De forma geral, a definição de TI remete ao conjunto de dispositivos,

serviços e conhecimentos relacionados a uma determinada infra-estrutura,

composta por computadores, softwares, sistemas de redes etc. (que teriam a

capacidade de processar e distribuir informações para as organizações e os

sujeitos sociais que compõem a sociedade). Essas novas tecnologias podem

mediar tanto o fortalecimento da acumulação quanto a criação e

desenvolvimento de posturas alternativas aos valores capitalistas, a depender

do movimento das forças sociais em disputa. Em outros termos, a influência

que a TI pode exercer no campo econômico, político e social depende da sua

concretização como instrumento que pode vir a reforçar ou não a lógica da

acumulação capitalista. Pretende-se, desta forma, apresentar algumas

considerações que expressam o caráter contraditório da TI, tentando

demonstrar a possibilidade de sua apropriação num sentido democratizante e

participativo, diverso da forma pela qual hegemonicamente vem sendo

incorporada aos processos sociais.

A informática, de acordo com Wainer (2003), tem por volta de 40

anos. Enquanto nos anos 60 e 70 ela resumia-se aos grandes computadores e

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a programas de caráter mais empresarial (como sistemas de controle de

estoque, de recursos humanos, de contas a pagar etc.), é nos anos 80 que

aparecem os microcomputadores e a informática pessoal, com o surgimento de

equipamentos e programas de uso individual, tais como planilhas, editores de

texto etc. A década de noventa assiste ao desenvolvimento de redes locais que

interligam vários computadores e, ainda, o surgimento da Internet. Cabe, no

entanto, perguntar como se efetiva o acesso da população aos recursos

oferecidos pela TI.

Os dados de que se dispõe, coletados na bibliografia trabalhada,

permitem verificar uma distribuição bastante desigual dos recursos

tecnológicos, reproduzindo os principais traços de nossa organização social.

Carneiro (2002), ao questionar a quem se dirige e a quem está disponível todo

o avanço tecnológico produzido nos últimos tempos, destaca que, se por um

lado os números oficiais de um relatório do Programa das Nações Unidas para

o Desenvolvimento mostram um aumento da quantidade de usuários e

usuárias da Internet (que passou de 150 milhões para 700 milhões em um

ano), por outro, cerca de 91% desses(as) usuários(as) equivalem a apenas

19% da população mundial e estão concentrados(as), em sua maioria, nos

países que fazem parte da OCDE - Organização para a Cooperação e o

Desenvolvimento e Econômico (p.37). Para Silveira (2001), os dados referentes

às condições necessárias ao acesso à Internet ilustram uma organização social

ainda marcada por extremos. Como ele apontou, os países que integram a

OCDE, mesmo com apenas 15% da população da Terra, concentram 71% de

todas as linhas telefônicas existentes no mundo. Em 1998, os países altamente

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industrializados concentravam mais de 88% dos usuários e usuárias da Internet

mundial, enquanto representavam apenas 15% da população global. Em 2001,

41% de todo o acesso mundial concentrava-se nos Estados Unidos e no

Canadá. A Ásia, região mais populosa do planeta, detinha apenas 20% dos

acessos, enquanto a América Latina, apenas 4%.

Mattelart (2002) também apresenta observações sobre o acesso à

TI, como se constata no trecho a seguir.

“Em seu relatório, o Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento confirmava, em 1999, a marginalização

informacional crescente de uma maioria de países, e no interior

de cada país, e isso nos quatro pontos cardeais, a existência

da linha divisória entre os info-ricos e os infopobres, a fratura

digital ou digital divide (PNUD, 1999). ‘O internauta típico,

podia-se ler, é homem, com menos de 35 anos, nível superior,

classe alta, habitante urbano, falante de inglês”. De 13 mil

aldeias da área rural do Senegal, só 300 dispõe de linhas

telefônicas, e o analfabetismo ainda atinge 65% da população.

A África do Sul, entretanto, está bem dotada, em relação ao

resto do continente, de numerosos hospitais, e três quartos dos

estabelecimentos escolares não dispõem de linhas telefônicas.

De modo mais simples, pode-se acrescentar o fato de que no

momento em que cintilam as promessas de infovias, uma

multidão de países ou regiões do planeta não têm sequer uma

rede rodoviária nacional digna desse nome e de que mais de

600 mil cidades não têm eletricidade! Com 19% da população

mundial, os países da OCDE tinham 91% dos usuários da

Internet. Mais da metade deles estavam nos Estados Unidos,

que representam apenas 5% da população do planeta”

(Mattelart, 2002, p.159).

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Tratando da situação brasileira, Silveira (2001), com base em dados

do IBGE de 1996, observa que a cidade de São Paulo possuía 26,5 telefones

fixos por 100 habitantes, representando 41% de todo o tráfego telefônico do

país. Já o censo de 2000 mostra a existência de apenas entre 10 e 20 usuários

de informática por 100 mil habitantes, um número que, de acordo com o autor,

é considerado bem abaixo dos atuais padrões mundiais. Em relação ao acesso

à Internet, a região sudeste concentra 58% dos provedores de acesso

brasileiros, sendo que somente a capital paulista detém 12% dos provedores,

seguida pelo Rio de Janeiro, com 8%. Afonso (2000) ilustra bem a situação

brasileira:

“Dos mais de cinco mil municípios brasileiros, menos de 300

(ou menos de 6%) contam com infra-estrutura mínima

necessária para que possam ser instalados serviços locais de

acesso à Internet. Os cerca de cinco milhões de usuários da

Internet no Brasil são menos de 3% da população. O Brasil é

de longe o pior colocado em números per capita de usuários,

computadores pessoais, linhas telefônicas e servidores Internet

(hosts) entre as nove maiores economias do mundo. Os

circuitos que conectam os provedores de serviços à Internet

estão entre os mais caros do mundo, inviabilizando o pequeno

provedor de serviços em áreas menos ricas” (Afonso, 2000,

p.19).

Uma questão, abordada por Carneiro (2002), refere-se ao preço dos

computadores, que ainda é alto, se comparado com a média de salário de

diversos países do planeta. Os custos de manutenção dos microcomputadores

são tão altos que chegam a ser sugeridos como explicação para o fenômeno

conhecido como “paradoxo da produtividade”, que, de acordo com Wainer

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(2003), pode ser caracterizado como “uma aparente inabilidade de

investimentos em informática se traduzirem em aumento de produtividade”

(p.14). Ao tratar da relação entre aumento de produtividade e uso da TI,

observa o autor que não há evidência de que a informática trouxe qualquer

aumento de produtividade no setor terciário nas últimas décadas. Ao contrário,

a evidência empírica demonstra baixos benefícios da informática no aumento

da produtividade, que, como sugere, poderiam ser explicados pelos custos

reais e necessários para manter os computadores funcionando, os quais

estariam roubando os ganhos de produtividade que os computadores poderiam

trazer para o trabalho de escritório.

Apesar de dados mais recentes destacarem um crescimento no

acesso à TI (a PNAD de 2002, por exemplo, informa que o número de

residências com microcomputador cresceu 15,1%, de 2001 para 2002, e o de

domicílios com computador ligado à Internet teve um crescimento mais

acentuado, de 23,5%), de uma forma geral, concorda-se com Moraes (2001),

para quem, no Brasil, a tradição da concentração das riquezas se repete nas

tecnologias digitais, havendo, ainda, muito a fazer para aumentar as conexões

e os usos sociais de tais tecnologias. A maior parte das pessoas que se

conectam à Internet pertence às classes A e B e se aglomera nas regiões

Sudeste e Sul. Apesar de o Brasil estar entre os 15 países com maior parque

de computadores instalados, mantém cerca de 94% das cidades fora da Rede.

Dispor da maior infra-estrutura de telecomunicações da América Latina não fez

com que o país deixasse de situar-se em penúltimo lugar, em número de

usuários individuais, computadores pessoais, linhas telefônicas e servidores da

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Internet, entre as dez maiores economias do mundo (p.141). Há, portanto,

como sinalizou Mallini (2003), um elemento profundamente contraditório neste

quadro, que se refere à necessidade de socializar conhecimentos formais e

tecnológicos a amplas camadas populacionais que ainda se encontram

completamente marginais ao circuito informacional das tecnologias de

comunicação, tais como a imprensa, o livro, a Internet, softwares etc. (p.153).

Como resumiu Gleiser (2002):

“O alto custo e a constante renovação das tecnologias promove

a existência de uma ‘subclasse tecnológica’, os deixados às

margens do turbilhão digital. E, como o motor fundamental da

sociedade moderna são a geração e a troca de informação,

esses novos marginalizados digitais sofrem uma grande

desvantagem no mercado de trabalho. Essa estratificação

social é ainda maior em países onde a distribuição da renda é

muito polarizada, como é o caso brasileiro” (Gleiser, 2002,

p.23).

Além de expressar a dificuldade de acesso ao recurso tecnológico,

esta realidade demonstra também os obstáculos cada vez maiores que se

colocam às possibilidades de incorporação e apropriação das tecnologias por

parte de uma parcela crescente da população. Trata-se de um fenômeno que

pode ser tomado como uma das expressões da questão social, já que se refere

à impossibilidade de acesso por parte desses segmentos da população à

riqueza socialmente produzida, na qual se encontram os recursos tecnológicos.

É a compreensão deste aspecto que permite superar a idéia de que o problema

principal, no que se refere ao acesso à TI, encontra-se na chamada “exclusão

digital”, quando na realidade a base desta questão encontra-se no padrão

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especificamente capitalista de geração de desigualdades sociais, cuja raiz

comum, como apontou Iamamoto (1998), reside no fato de que “a produção

social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social,

enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por

uma parte da sociedade” (p.27).

Autores que tentam ofuscar esse aspecto fundamental das relações

sociais capitalistas acabam por limitar a análise à existência de treinamento,

vontade, ou ainda, a um uso mais ou menos adequado do recurso tecnológico.

É o caso, por exemplo, de Pinkett (2006) que, ao trabalhar com a noção de

“digital divide”, aponta que tal “divisão” entre os que possuem e os que não

possuem acesso à TI só pode ser superada com a existência de elementos

como acesso ao computador e à Internet, treinamento e suporte individual e/ou

coletivo, conteúdo e informação, e motivação para superar obstáculos. Trata-se

de uma postura que ignora a existência de uma “divisão” fundamental entre os

indivíduos, que antecede a “divisão digital”: a divisão entre os que efetivamente

se apropriam e os que não se apropriam dos frutos da produção social. Desta

forma, a preocupação com o acesso aos recursos da TI, embora possa ser

considerada condição necessária para resolução da chamada “divisão digital”,

não é, de modo algum, suficiente para a superação deste problema, tendo em

vista que o aspecto fundamental reside no padrão vigente de distribuição da

riqueza socialmente produzida. Serão tecidas considerações sobre este

problema no próximo capítulo, quando, ao tratar-se da chamada “exclusão

digital”, a partir dos dados coletados junto à categoria profissional, tenta-se

demonstrar que, na verdade, esta “exclusão”, apontada como uma questão

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“nova”, constitui-se como uma das expressões da radicalização da questão

social.

Apesar das dificuldades encontradas em relação ao aspecto mais

básico da possibilidade de uso da TI, que se refere ao acesso aos recursos,

considera-se que esta pode ter uma importante contribuição para as práticas

de alguns sujeitos sociais, desde que apropriada de forma crítica e livre de

fetichismos e mistificações. Abordando suas possíveis conseqüências

negativas, considera-se que, além da já comentada contribuição das inovações

tecnológicas para a redução do trabalho vivo e para a desqualificação do

trabalhador, dando origem a um agravamento da questão social expresso pelo

aumento da pobreza, da violência e da exploração, sua utilização pode

contribuir, também, para o enfraquecimento e a erosão de vínculos sociais

solidários e igualitários. Santos (1999), por exemplo, aborda uma questão que

denomina de “perda do humano”, decorrente de um determinado tipo de uso

social da tecnologia. Para o autor, o desenvolvimento da “racionalidade

econômica” peculiar à sociedade capitalista confundiu-se com o

desenvolvimento da “racionalidade tecnocientífica”, como se a evolução e o

sentido dessas duas racionalidades fossem um único movimento que recusaria

qualquer limite, seja ao capital, seja ao progresso tecnocientífico.

O autor observa que a relação entre os indivíduos e natureza vem

sendo cada vez mais mediada pela ciência e pela tecnologia, e os seres

humanos, apesar de aumentarem seu controle sobre a natureza, vêm,

contraditoriamente, sendo cada vez mais controlados. Assim, o autor identifica

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83

uma tendência à “intensificação da mecanização do indivíduo” e ao

aprofundamento de uma relação perversa entre este e a natureza, conduzindo

ao que chamou de “perda do humano”. A tendência, sugere, é de que o

humano se manifeste num comportamento selvagem, num comportamento em

que o sujeito, de forma egoísta e individualista, persegue apenas a satisfação

de seus desejos e de suas vontades.

Prossegue, afirmando que, da forma como vem sendo utilizado, o

progresso da ciência e da tecnologia não segue o mesmo caminho do

progresso da moralidade da conduta humana e que, ironicamente, a satisfação

do desejo daquele sujeito que tenta escapar das conseqüências da

“mecanização” se faz, de acordo com o autor, cada vez mais “intensificando o

próprio processo de mecanização”. Para ilustrar esta situação, o autor utiliza

como exemplo o campo da reprodução humana, marcado pela existência de

diversos recursos derivados dos avanços científicos e tecnológicos. Vejamos a

seguir um longo trecho que torna compreensível a complexidade apontada pelo

autor:

“O desejo de ter um filho por parte de indivíduos que não

podem ou não querem tê-lo pelas vias biológicas ‘normais’

pode ser satisfeito atualmente graças aos avanços

tecnocientíficos da chamada reprodução assistida. O leque de

opções para a satisfação desse desejo amplia-se

ininterruptamente: das inseminações artificiais à possibilidade

de clonagem humana, passando pelos bebês de proveta, os

bancos de esperma, as barrigas de aluguel, a comercialização

de óvulos e embriões e as promessas da engenharia genética

para a geração da ‘criança perfeita’. Ora, a abertura desse

campo está criando situações inéditas. Na Inglaterra, uma

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jovem deseja conhecer a experiência da imaculada concepção

porque identifica-se com a Virgem Maria, enquanto um casal de

gays e um casal de lésbicas desejam constituir um novo tipo de

família. Na Itália, senhoras de idade desejam ser mães.

Clientes japoneses viajam para contratar barrigas de aluguel no

exterior porque a atividade é ilegal em seu país. Nos Estados

Unidos, diversos bebês gerados por mães substitutas vêm

sendo abandonados porque nasceram com o sexo errado; ao

mesmo tempo, disputas judiciais colocam aos juízes a

responsabilidade de ter de decidir quem é a mãe: a mulher que

forneceu o óvulo ou aquela que portou e pariu a criança? Em

todo o mundo as concepções tradicionais de vida, de morte, de

procriação, de filiação, de parentesco estão sendo implodidas e

é grande a controvérsia em torno do momento em que o

material humano passa a ser pessoa” (Santos, 1999, pp.300-1).

Destaca ainda o autor que os efeitos da combinação perversa entre

a “mecanização do humano” e a constituição de um “sujeito não racional”

perseguindo seus desejos irão incidir diretamente no campo do Direito, que,

como observa, “vem sendo atropelado pelo desenvolvimento tecnocientífico”, já

que este cria situações novas para as quais parâmetros de análise e

interpretação ainda não foram produzidos. Em termos gerais, Santos afirma

que o profundo desenvolvimento de inovações tecnológicas e científicas faz

com que o reconhecimento jurídico do direito das pessoas seja posto em

xeque.

Se por um lado situações como as levantadas por Santos justificam

a preocupação com as inovações tecnológicas, por outro, há autores que

tentam realçar efeitos mais positivos dessas inovações. Carneiro (2002), por

exemplo, sinaliza que o tema informática, associado à educação, envolve, além

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85

da discussão sobre sua utilização como ferramenta auxiliar no processo de

ensino-aprendizagem, uma análise consistente dos avanços tecnológicos. A

autora destaca a importância de um questionamento dos objetivos e aplicações

da informática, chamando a atenção para as oportunidades positivas

decorrentes de novas possibilidades de práticas educativas suscitadas pelo

seu uso.

Kachar (2003) segue por um caminho parecido, ao relatar um

trabalho realizado com idosos em uma experiência de aprendizagem sobre e

pelo computador. Afirma a autora que este recurso potencializou algumas

capacidades do indivíduo, atendendo necessidades oriundas do contexto etário

e cultural, e possibilitando maior autonomia e uma reapropriação da linguagem

tecnológica e dos recursos computacionais básicos. A intenção, diz a autora,

não foi apenas desenvolver a habilidade de operar os recursos tecnológicos,

mas tornar o computador um “instrumento para a construção de outros

conhecimentos pelo aluno, descobrir-se e desvelar-se com uma nova

possibilidade de ser” (Kachar, 2003, p.18).

Outras considerações são feitas a partir da experiência de

implementação de programas sociais pela prefeitura de São Paulo, a partir de

2001, no âmbito da “estratégia paulistana de inclusão social” (Pochmann, 2002,

p.19). Guerra et alli. (2002) demonstraram que a TI foi importante fator na

criação de um sistema de informações que auxiliou o gerenciamento de dados

e informações referentes aos projetos sociais implantados junto a 110 mil

famílias. Dentre os pontos positivos, os autores destacam que foi possível lidar

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com um complexo processo de cadastramento, evitando problemas como baixo

aproveitamento das informações levantadas e alta tendência a erros no

preenchimento de informações cruciais para a incorporação dos indivíduos e

famílias nos programas sociais. Os autores afirmam que a TI foi uma

ferramenta fundamental para o gerenciamento das informações necessárias ao

planejamento, à implementação e ao acompanhamento desta política pública,

oferecendo: maior agilidade, flexibilidade e mobilidade no uso da informação;

maior economia e segurança no seu gerenciamento; melhor aproveitamento da

informação coletada; e maior visibilidade e integração na utilização das

informações. Trata-se de fatores de grande importância para a instituição de

políticas públicas democráticas, que têm na TI um importante potencializador,

já que esta permite, com um uso adequado, a abertura de novas perspectivas.

No âmbito das lutas sociais, Moraes (2001) destaca a importância da

Internet, que com seu ambiente tendencialmente interativo, cooperativo e

descentralizado, pode ser útil para o fortalecimento da sociedade civil,

difundindo valores e fomentando o acesso a direitos. Tal recurso pode facilitar

a intercomunicação de indivíduos e agrupamentos heterogêneos, permitindo,

em tese, a defesa de identidades culturais, a promoção de valores éticos e a

democratização da esfera pública. Trata-se de uma abordagem que toma a

Internet como um possível potencializador de práticas democráticas,

propiciando, dentre outras possibilidades, “a organização de grupos de

conversação, plebiscitos indicativos e consultas sobre distintos temas,

disseminando informações na sociedade” (Moraes, 2001, p.140), realçando-a e

fortalecendo-a como espaço político.

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No entanto, lembra o autor, não se trata de transformar a Internet em

apanágio de todas as virtudes. De acordo com suas idéias, não seria adequado

subestimar o predomínio dos megagrupos no atual cenário de

transnacionalização e oligopolização das indústrias de informação e

entretenimento. Como observou Mallini (2003), alguns grupos e movimentos

que vêm operando na Internet, vêm sofrendo tentativas de contenção ou

esvaziamento de seus fluxos, capazes de organizar a luta contra as

desigualdades. Uma estratégia desse tipo, segundo o autor, é a compra, pelo

capital, de tais ambientes que, ao acelerar a socialização das novas

tecnologias, podem tornar-se, também, fatores de valorização do capital. Isso

comprometeria o caráter contestatório desses ambientes, afetando,

conseqüentemente, sua capacidade de produzir “contra-informação”.

Para Silva (2002), o computador é um recurso pedagógico que

favorece a aprendizagem dos estudantes, e ao ser conectado à Internet abre

maiores perspectivas, incrementando e enriquecendo o processo de ensino e

aprendizagem, ao colocar diante das crianças um imenso universo de

informações e um repertório ilimitado de textos e de fontes de informação a

serem trabalhados na produção do conhecimento. No entanto, alguns cuidados

devem ser tomados em relação a essa “disponibilidade ilimitada” destacada

pelo autor, pois, como observou Almeida (2002), constata-se hoje a existência

de uma “sobrecarga de informação”, uma condição em que a informação é

recebida em taxas extremamente altas, que impedem a sua adequada

assimilação.

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Problematizando um pouco essa questão, Wainer (2003) destaca a

existência de idéias e opiniões de que com a Internet os alunos podem coletar

mais dados, desenvolver melhor suas opiniões sobre um determinado assunto,

formar uma opinião mais “correta” e, por fim, elaborar trabalhos melhores.

Essas idéias, de acordo com o autor, partem de pressuposições questionáveis.

Em primeiro lugar, porque uma maior quantidade de informação não leva

necessariamente a um trabalho melhor. Segundo, porque a Internet

provavelmente apresentaria muito mais dados que o necessário para o aluno,

sendo necessário filtrar e selecionar as informações, uma habilidade cada vez

mais importante nos dias de hoje, em que há o que autor tratou como

Information overload (p.52), que tem na Internet uma das suas principais

causas.

As possibilidades de uso da TI são numerosas e diferenciadas,

encontrando-se marcadas pelo caráter contraditório que preside o processo

social. Acredita-se que se uma sociedade é fortemente caracterizada pela

incidência de desigualdades sociais, a tendência é que os efeitos sociais

decorrentes do uso social da TI caminhem para a mesma direção, embora haja

espaço para novas alternativas historicamente construídas e conduzidas pelos

agentes sociais presentes nesta sociedade. Trata-se de um processo de luta

composto por diversas modalidades, sobretudo democráticas, novas e

diferenciadas, que tem em vista um uso social da tecnologia mais adequado

aos interesses da população. Como observou Santos (1998):

“um dos paradoxos da sociedade da informação é que, quanto

mais vasta é a informação potencialmente disponível, mais

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seletiva é a informação efetivamente posta à disposição dos

cidadãos. E, como nesse tipo de sociedade o exercício ativo da

cidadania depende mais do que nunca da informação que o

sustenta, a luta democrática mais importante é a luta pela

democratização dos critérios da seleção da informação”

(Santos, 1998, p.8)

Se por um lado, as novas tecnologias vêm sendo largamente

utilizadas pelo grande capital como poupadoras de mão-de-obra, ocasionando,

por conta do tipo de uso social posto em prática, fortes impactos para os

trabalhadores, por outro, tais tecnologias, ao trazerem consigo a

contraditoriedade do processo social, podem ser apropriadas e utilizadas para

atender ou reforçar interesses mais próximos desses mesmos trabalhadores.

Evidencia-se, assim, uma luta pela apropriação e uso da tecnologia,

entendendo-a como importante questão política e social. Cabe aos sujeitos

comprometidos com práticas democratizantes e emancipadoras buscar

caminhos que possam engendrar sua apreensão e aplicação em favor dos

interesses da classe trabalhadora. Assim, o que se levanta é justamente a

possibilidade do recurso tecnológico mediar o fortalecimento de princípios

favoráveis aos trabalhadores.

A influência que a TI pode exercer no campo econômico, político e

social depende da sua concretização como instrumento que pode vir a reforçar

ou não a lógica da acumulação capitalista. Não se trata de bradar contra o

avanço tecnológico. No entanto, não se pode deixar de constatar que sua

utilização se dá, mais detidamente, para atender os interesses hegemônicos.

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Caracterizar as inovações tecnológicas como espaço de disputa

social não significa desconsiderar suas conexões com as finalidades e projetos

dos segmentos hegemônicos que as elaboram e constroem. Como observou

Martin-Barbero (1997), “as tecnologias não são meras ferramentas

transparentes; elas não se deixam usar de qualquer modo: são, em última

análise a materialização da racionalidade de uma certa cultura e de um ‘modelo

global de organização do poder’” (p.256). Desta forma, chama-se a atenção

para a tensão existente entre as finalidades inerentes às inovações

tecnológicas e os valores e pressupostos que constituem os projetos

alternativos àquelas finalidades.

De forma geral, essas inovações têm sido reduzidas a ferramentas

cada vez mais rigorosas de racionalização e controle do trabalho. Considera-se

que a partir da análise concreta das relações e processos sociais, é possível

perceber a tecnologia como expressão do desenvolvimento das forças

produtivas, marcada pelo caráter contraditório constituinte do padrão específico

de relações sociais capitalistas. Se ela vem sendo usada pelo capital para

potencializar a produtividade e o lucro, isso não significa que não possam ser

engendradas possibilidades históricas de apropriação do recurso numa

perspectiva voltada ao fortalecimento das lutas sociais. Trata-se, no entanto, de

uma apropriação que continua a demandar a análise concreta do processo

social e das efetivas possibilidades de incorporação da tecnologia, numa

perspectiva contrária aos valores capitalistas e favorável aos projetos

sintonizados com sua superação. Constitui-se, assim, uma possibilidade

histórica de apropriação crítica da tecnologia, cuja efetivação depende da

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capacidade que os atores envolvidos demonstrarem de superar as posturas

mistificadoras, simplificadoras e reducionistas largamente presentes no debate

sobre este tema.

A tarefa que se coloca, então, é a de analisar as possibilidades de

construção de usos sociais das inovações tecnológicas de modo articulado a

posturas que possam fortalecer o enfrentamento das expressões do processo

de acumulação capitalista. Trata-se de engendrar uma apropriação crítica dos

recursos tecnológicos, adicionando-os às experiências de resistência e luta

social como forma de ampliar o potencial já existente em tais experiências.

A questão que cabe agora problematizar é a possibilidade de

participação do Serviço Social neste desafio. De que forma a TI pode ser

apropriada pelo Serviço Social no sentido de satisfazer as demandas postas

pelos usuários e usuárias de nossos serviços? Quais os usos possíveis que

esse produto do trabalho coletivo pode ter no âmbito do Serviço Social, seja

para promover alterações qualitativas na condução do trabalho profissional e

no acesso aos direitos sociais por parte dos cidadãos, seja para a melhoria do

desempenho de suas competências e atribuições no campo do seu exercício

profissional?

Parte-se do pressuposto que a TI pode potencializar o exercício

profissional, quando articulada aos processos desenvolvidos pela própria

profissão os quais se encontram vinculados a uma determinada direção social

estratégica. Considera-se, portanto, que seu potencial estratégico reside

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exatamente na possibilidade de somar-se a esta direção social assumida por

esta categoria profissional, como se pretende discutir nos capítulos a seguir.

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C A P I T U L O 2 - S E R V I Ç O S O C I A L E T I : A L G U M A S C O N E X Õ E S

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2 . 1 . P R O C E D I M E N T O S M E T O D O L Ó G I C O S U T I L I Z A D O S

Apresentam-se, neste momento, alguns dados coletados a partir da

pesquisa realizada, a qual teve por foco a interrogação direta aos integrantes

da categoria profissional2 por meio da aplicação de questionário com perguntas

voltadas à apreensão de algumas características acerca da presença da TI no

Serviço Social. Busca-se estabelecer uma aproximação inicial ao tema, que,

por sinal, tem estado pouco presente no debate profissional3.

Não foi possível, a partir dos dados coletados, oferecer respostas ou

afirmações conclusivas a respeito da relação entre o Serviço Social e a TI; no

entanto, é possível evidenciar pontos que podem indicar expressões de suas

principais tendências. Tenta-se, assim, oferecer, neste trabalho, um conjunto

2 Para efeito dessa pesquisa, foram considerados integrantes da categoria profissional, os(as) profissionais de campo (empregados, desempregados e aposentados), os(as) assistentes sociais que têm por área de atuação a docência e os(as) alunos(as) de cursos de Serviço Social. Apesar de os(as) alunos não serem efetivamente integrantes da categoria profissional, pela óbvia razão de não serem, ainda, Assistentes Sociais, foi considerada importante sua participação na pesquisa, já que sua condição de profissional em formação permite expressar algumas considerações tanto em relação ao cotidiano da atuação profissional (sobretudo para quem já realiza ou realizou atividades de estágio) quanto em relação ao processo de formação profissional. Em relação ao tratamento das questões referentes ao cotidiano profissional e à presença da TI nesse cotidiano, foram considerados apenas os(as) profissionais efetivamente inseridos(as) no exercício profissional de campo, o que será discutido no próximo capítulo. 3 As poucas contribuições disponíveis podem ser encontradas em Rosa, 1995; Albuquerque, 1995; Tapajós, s/d; Colmán, 1998, 2004, 2004a; Martins, 2001; Colmán e Toscan, 2003, 2004; Souza, 2000, 2002; Jonas, 2002; Silva, 2003; Coelho, 2004; Freitas, 2004; Veloso, 2004. Trata-se de breves artigos publicados em títulos impressos ou eletrônicos, e comunicações apresentadas em congressos e encontros profissionais (CBAS e ENPESS), que vêm tentando promover a inserção do tema no debate profissional. Tal produção demarca a importância da TI para o Serviço Social, oferecendo algumas reflexões acerca da sua incorporação como instrumento de trabalho, a partir, principalmente, de algumas experiências de uso no trabalho cotidiano.

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sistematizado de questões e pontos de reflexão que demonstram que o Serviço

Social vem estabelecendo uma articulação com a TI, embora as condições

concretas para a sua efetiva apropriação pela profissão não se façam, ainda,

presentes.

O instrumento escolhido para a coleta de dados junto aos

integrantes da categoria profissional foi o questionário. O motivo de tal escolha

reside no fato de o mesmo ser considerado um instrumento que permite a

obtenção de uma quantidade razoável de dados, com baixo custo e reduzido

tempo de aplicação. As dificuldades existentes em termos de financiamento de

pesquisas acadêmicas (principalmente as da área social) são conhecidas, e

nosso critério de escolha levou em conta (ainda que não exclusivamente) as

condições objetivas que determinariam o alcance e o fôlego da fase empírica

de nossa proposta de investigação.

A opção pelo questionário deu-se, também, pela pressuposta

ausência de experiências efetivas de incorporação da TI pelo Serviço Social, o

que, de certa forma, dificultava a opção por um estudo de caso. Ainda que se

possa apontar a existência de experiências em que a atuação profissional

conte com a presença da TI dentre seus recursos, isto não significa a

incidência da sua efetiva incorporação ao trabalho profissional. Neste sentido,

considerou-se que o esforço pela descoberta e investigação de casos

específicos em que se vislumbrasse a apropriação da TI com vistas à

potencialização do trabalho deveria ser substituído por uma abordagem mais

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genérica do objeto, com dados mais abrangentes acerca da existência de tal

incorporação, os quais foram oferecidos pelo questionário.

Por outro lado, sabe-se que o instrumento escolhido contém

problemas que lhe são inerentes e que poderiam gerar questionamentos

acerca de sua capacidade de possibilitar a obtenção de um “pedaço”

consistente da realidade que se tenta compreender. Lembre-se, por exemplo,

que o questionário é respondido pelo próprio depoente sem a intermediação do

pesquisador, e que aquele tem total liberdade para lidar como quiser com o

instrumento, inclusive para devolvê-lo ou não. Além disso, sua própria natureza

traz problemas que lhe são inerentes. Geralmente, trata-se de um instrumento

fechado, com poucas possibilidades de incorporação imediata de questões ou

problemas não previstos pelo pesquisador, o que, além de limitar o alcance da

própria pesquisa empírica, dificulta o aprofundamento de certos aspectos e

dimensões que podem ser importantes para a compreensão do tema.

Tendo definido a opção por este instrumento, passou-se à

elaboração de uma versão preliminar, a qual foi aplicada, inicialmente, a um

conjunto de assistentes sociais, participantes de dois encontros profissionais: o

Encontro CFESS/CRESS Descentralizado da Região Sudeste, realizado em

julho de 2004, em Vitória, e o Encontro Preparatório ao 11o CBAS, realizado

em agosto de 2004, no Rio de Janeiro. Esses eventos foram escolhidos por se

tratarem de espaços em que se reúne uma boa quantidade de profissionais, de

áreas de atuação, faixa etária, tempo de formação e grau de especialização

técnica bastante diversificados.

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97

Esta aplicação inicial possibilitou uma avaliação preliminar do

questionário elaborado. Cerca de quarenta pessoas responderam à pesquisa e

os resultados iniciais possibilitaram perceber a inadequação do instrumento em

alguns aspectos, levando a uma alteração parcial a partir dos problemas

detectados. Foi verificado, por exemplo, que boa parte das questões não foi

respondida como esperado, demonstrando certa dificuldade de entendimento

das perguntas. A partir dessa avaliação, percebeu-se que havia perguntas que

não estavam formuladas de maneira clara e concisa, dando margem a diversas

interpretações. Algumas perguntas foram reformuladas e outras eliminadas ou

substituídas, aprimorando o questionário e tornando-o mais atrativo, leve,

objetivo e eficiente, características fundamentais, principalmente em relação ao

estímulo ao seu preenchimento e devolução.

Um dos pressupostos que direcionaram esta etapa era o de que se o

questionário não fosse atraente, os(as) profissionais dificilmente captariam e se

envolveriam com a proposta, e a conseqüência seria não responder, ignorar,

desprezar e desconsiderar a pesquisa e sua importância. Nesse sentido, era

importante que os(as) profissionais se sentissem atraídos(as) pelo questionário

e pudessem efetivamente respondê-lo. Ao mesmo tempo, foi feito um esforço

para que todas as questões fossem fechadas e formuladas de maneira precisa

e coerente. Foram, ainda, tomados cuidados especiais em relação à sua

apresentação gráfica, de modo a facilitar seu preenchimento e digitação, além

da preocupação em elaborar um pequeno texto introdutório apresentando os

objetivos da pesquisa e a importância das respostas dos(as) participantes.

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Após realizar os ajustes necessários no questionário, foram

confeccionadas duas versões: uma impressa e outra digital. A versão digital foi

disponibilizada on line em página eletrônica especificamente criada para este

trabalho e divulgada, por correio eletrônico e outros meios impressos (tais

como jornal da categoria de assistentes sociais e panfletos informativos) para

estudantes e profissionais de Serviço Social em todo o Brasil. Acredita-se tratar

de uma das poucas experiências no âmbito do Serviço Social de coleta de

dados com o suporte direto da TI, o qual, por sinal, apresentou-se como um

recurso de grande relevância, o qual precisa ser mais bem avaliado e

incorporado, quando pertinente, a pesquisas conduzidas em nossa área de

atuação profissional.

O uso do questionário eletrônico permitiu a incidência de alguns

aspectos positivos, dentre os quais destacam-se dois: o alcance que o

questionário teve em termos nacionais e, inclusive, internacional (assistentes

sociais de praticamente todos os estados brasileiros e de outros países

responderam à pesquisa, embora com expressões quantitativas bem

diferenciadas); a partilha do trabalho de digitação das respostas aos

questionários com os(as) próprios(as) participantes, o que gerou uma boa

economia de tempo e trabalho para o pesquisador. Assim, se por um lado,

houve uma redução da demanda por trabalho manual, com economia de

tempo, isso não significa que o pesquisador tenha trabalhado menos. Esta é,

inclusive, uma das principais reflexões apontadas por Vieira Pinto (2005),

abordada no capítulo anterior. Apesar de ser bastante utilizada para

desqualificar o trabalhador e reduzir a importância de sua presença no

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processo de trabalho, o uso da tecnologia não reduz a demanda por trabalho.

Sua utilização, tendo em vista as finalidades a que se faz instrumento para

alcançar, pode promover uma alteração na qualidade do trabalho que é

realizado: demanda menor por trabalho mecânico e maior por trabalho

intelectual, o que pode ocasionar, dentre outras possibilidades, um aumento da

capacidade de abstração e reflexão por parte do(a) profissional.

Além disso, em relação, especificamente, ao estado do Rio de

Janeiro, foi elaborada e distribuída uma versão impressa do questionário.

Trabalhou-se com o pressuposto de que nem todos os(as) profissionais

possuíam acesso a computadores e à Internet; por isso, para se alcançar o

objetivo da pesquisa de obter informações do maior número possível de

profissionais, inclusive dos que não dispunham de tal acesso, foi elaborada

esta versão impressa do questionário. Tal versão tinha apenas uma página e

possuía uma formatação leve e atrativa, sendo enviada a todos(as) os(as)

assistentes sociais ativos(as) do estado do Rio de Janeiro (cerca de oito mil),

sob a forma de carta-resposta4. Embora o retorno destes questionários

impressos tenha sido baixo (178 questionários), isso permitiu que os(as)

profissionais que não dispunham de acesso à Internet pudessem participar da

pesquisa. Além disso, tal mecanismo possibilitou medir a opção de envio do

questionário (o eletrônico ou o impresso), o que, apesar de não ser conclusivo,

4 Foi fundamental nesta etapa o apoio e parceria do CRESS – 7a Região que, em sintonia com as preocupações deste trabalho, percebeu a importância deste tema para a nossa categoria, enviando o questionário, no formato de carta-resposta, por correio, dentro do Jornal Práxis, aos assistentes sociais ativos do estado do Rio de Janeiro. Além disso, em uma edição do referido Jornal anterior ao envio do questionário, foi veiculada uma matéria sobre o tema da pesquisa, já alertando os(as) profissionais para a relevância do tema e sinalizando a existência e importância da pesquisa.

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pode ser um dado interessante, que ilustra a relação dos(as) profissionais com

o uso das atuais tecnologias.

Como todos(as) os(as) profissionais do estado do Rio de Janeiro

receberam o questionário impresso, tiveram a oportunidade de escolher entre o

envio eletrônico ou o envio pelo correio tradicional, mais demorado e mais

trabalhoso para alguns, porém mais seguro e mais confiável para outros.

Percebeu-se que o índice de retorno foi maior para os(as) assistentes sociais

que responderam o questionário pela versão eletrônica. Isso não é indicador,

no entanto, de uma ampla apropriação e utilização da TI no cotidiano

profissional. Indica, antes, que a parcela de assistentes sociais que teve maior

envolvimento com a proposta da pesquisa e seus objetivos optou por expressar

seu envolvimento e seu reconhecimento da importância do tema pela versão

eletrônica. Assim, não parece ser pertinente considerar que a opção pelo envio

eletrônico demonstre um maior uso da tecnologia pelos(as) assistentes sociais.

Esta compreensão pode ser equivocada, pois o que ela demonstra é que quem

participou mais foram os(as) assistentes sociais que enviaram os questionários

pela Internet. A explicação que talvez seja possível sugerir é que os que mais

participaram da pesquisa são assistentes sociais que valorizaram a sua

importância, os quais costumam ter um uso razoável da tecnologia.

Como já dito, os questionários impressos foram enviados pelo

correio a todos(as) os(as) assistentes sociais do estado do Rio de Janeiro, com

a indicação da possibilidade respondê-lo diretamente na versão eletrônica

disponível na página eletrônica. Além disso, foi construída uma lista com mais

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de 6000 endereços de correio eletrônico de estudantes e profissionais de todo

o Brasil, para os quais foram enviadas mensagens semanais sobre a pesquisa,

convidando o(a) profissional ou estudante para dela participar, respondendo ao

questionário eletrônico. Foram feitas, também, divulgações junto aos

Conselhos Regionais de Serviço Social do Brasil, ao Conselho Federal de

Serviço Social e à ABEPSS e diversas universidades brasileiras com cursos de

Serviço Social. Este processo inicial de coleta de dados durou pouco mais de

seis meses, tendo começado no final de 2004 e se encerrado em meados de

2005.

Com a coleta de dados em andamento, foi elaborado um sistema de

registro e totalização para tratamento e gerenciamento das informações

produzidas pela pesquisa. Assim, com este pequeno banco de dados foi

possível, além de digitar os dados dos questionários impressos recebidos,

processar e totalizar o conjunto dos dados enviados pelos(as) participantes da

pesquisa. No segundo semestre de 2005 foram digitados os dados dos

questionários impressos enviados pelo correio e, também, elaboradas as

primeiras quantificações dos dados já disponíveis. Um ponto interessante que

merece ser destacado é que os resultados parciais foram divulgados na página

do projeto na medida em que iam sendo produzidos, de modo que os(as)

profissionais e estudantes que participaram da pesquisa pudessem ter um

“retorno” destes dados e ter acesso às informações obtidas, possibilitando um

maior envolvimento com a proposta.

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2 . 2 . O B S E R V A Ç Õ E S P R E L I M I N A R E S

Antes de ingressar na apresentação dos resultados da pesquisa

realizada convém apontar algumas observações preliminares. A primeira delas

refere-se à grande dificuldade de abordar o tema escolhido, tanto pela

escassez ou mesmo inexistência de dados referentes à presença da TI no

trabalho do Serviço Social, quanto pelo reduzido acervo de textos que realizam

um tratamento do tema. Além disso, cabe observar o baixo número de pessoas

que responderam ao questionário. Apesar de ultrapassar os 1.400

participantes, sua distribuição em termos geográficos, pelos estados, mostra-se

bastante pulverizada, dificultando a captação de tendências que possam ser

projetadas para o conjunto da categoria em termos nacionais.

Para que tal apreensão se operasse com um nível de consistência

mais elevado, considera-se necessária uma maior participação dos estados no

sentido de configurar uma amostra realmente representativa do universo de

profissionais de nosso país. Os estados que efetivamente podem ser

considerados representados na amostra limitam-se a Rio de Janeiro e São

Paulo, com índices relativos que ultrapassam os dois dígitos, enquanto a

maioria (18 estados) possui índices de um dígito apenas. É bom que se diga,

no entanto, que esta observação não tem por objetivo desqualificar a amostra

nem tampouco a importância da pesquisa. Trata-se de uma investigação

inédita e ainda assim de grande importância para construir uma aproximação

inicial ao tema. O que se pretende é demonstrar o real alcance desses

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103

resultados, bem como a seriedade e a responsabilidade que o rigor

metodológico buscado impõe.

De fato, o que se tentou fazer com o recurso aos dados coletados a

partir da aplicação do questionário é apresentar considerações que na maior

parte das vezes são apenas hipóteses de trabalho e não afirmações

conclusivas sobre o assunto. São esboçadas, assim, tentativas de explicação,

algumas das quais produzidas com base em comparações entre as respostas

dos(as) próprios(as) participantes. A propósito, considera-se que a comparação

que talvez seja a mais relevante é a efetuada entre os que participaram da

pesquisa e os que dela não participaram. Isso significa dizer que os(as)

profissionais e estudantes que optaram por participar da iniciativa proposta o

fizeram por valorizar e atribuir importância ao tema, sem o que provavelmente

não se sentiriam estimulados(as) a participar.

A percepção desta postura de valorização da TI pelos(as)

participantes é fundamental para compreender o potencial explicativo dos

dados coletados. A amostra não se refere a uma parcela qualquer de

assistentes sociais, mas a uma parcela que valoriza e considera importante

este recurso, fato que provavelmente induziu a sua participação na pesquisa.

Se a pesquisa é marcada pelo caráter de espontaneidade sem constituir-se

como obrigação, o que pode levar os(as) assistentes sociais a dela participar?

A opinião do pesquisador, reafirma-se, é de que a resposta a esta questão

passa, também, pelo reconhecimento de uma certa valorização da proposta por

parte dos(as) participantes, o que impulsionou a sua participação.

Page 104: Renato Veloso

104

Percebeu-se que há uma parcela de profissionais que vem

demonstrando uma certa valorização da contribuição que a TI pode oferecer ao

Serviço Social, tentando, apesar das várias dificuldades existentes, incorporá-la

ao seu trabalho. A existência de parcela da categoria profissional que atribui

importância à TI pode ser sugerida tendo por base os dados especificamente

obtidos no estado do Rio de Janeiro, que mostram que cerca de 7% dos(as)

profissionais de Serviço Social deste estado participaram da pesquisa,

contribuindo para um processo de problematização e reflexão sobre este tema.

Trata-se de um índice que ilustra a presença de uma certa articulação entre o

Serviço Social e a TI, que, a depender das condições historicamente

produzidas, pode caminhar no sentido de sua incorporação ao trabalho

profissional em sintonia com os valores e princípios que fundamentam o projeto

profissional construído pelo Serviço Social ao longo das últimas décadas. O

que não significa, no entanto, que os(as) profissionais que valorizam a TI e

percebem sua importância para a nossa profissão (na opinião do pesquisador

os que se sentiram mais atraídos pela proposta e, por conta disso, efetivaram

sua participação) não encontrem, além da resistência dos(as) colegas,

insuficientes, quando não inexistentes, condições concretas que permitam uma

efetiva apropriação e incorporação da TI ao exercício profissional. Como se

verá, as condições em que se tenta efetivar tal apropriação muitas vezes não

são as mais adequadas, demandando, por parte da categoria profissional, a

reflexão e o debate coletivo em torno desse tema, como uma das formas de

produzir mudanças em tais condições.

Page 105: Renato Veloso

105

Tendo por base estas observações, considera-se ser uma postura

mais prudente e adequada não apresentar por objetivo a elaboração de uma

descrição exata e precisa do padrão específico de incorporação da TI ao

trabalho profissional, mas apenas obter pistas e considerações que possam

indicar tendências, sem a pretensão de afirmar a existência ou não de

determinadas realidades ou configurações. Não se pretende realizar uma

análise formalista, tentando enquadrar a realidade nos dados que foram

coletados na pesquisa, já que aquela será sempre mais dinâmica e complexa

do que estes últimos. O que se busca é vislumbrar, a partir dos dados

coletados, expressões das tendências presentes na realidade. Captar, na

complexidade do movimento das relações sociais, elementos que possam

indicar caminhos a serem trilhados para se conhecer o potencial que a TI pode

ter para o Serviço Social, no sentido de agregar novas possibilidades aos

processos de trabalho em que o Serviço Social está inserido, e não como

estratégias de substituição tecnológica, empobrecimento ou desqualificação do

seu trabalho.

Tampouco se tem por objetivo a realização de um estudo estatístico

sobre o tema, sobretudo devido às dificuldades e limites nessa matéria

assumidas desde já pelo pesquisador. O recurso aos gráficos, índices e

percentuais, realizado com certa freqüência ao longo deste trabalho, se dá no

sentido de tentar evidenciar as expressões e tendências que se considera mais

importantes a serem visualizadas e retidas, sem qualquer privilégio a um

tratamento exclusivamente quantitativo do tema em pauta.

Page 106: Renato Veloso

106

É com esta preocupação que se apresenta a última observação,

referente ao tratamento quantitativo dos dados. Ao longo da exposição dos

resultados, será apresentado, inicialmente, um gráfico com o valor absoluto das

respostas oferecidas pelos(as) participantes, distribuídos pelos segmentos a

que pertencem (profissionais, alunos ou docentes), para, em seguida,

trabalhar-se com os valores relativos, percentuais de cada um dos segmentos

em relação ao total de cada um deles. Os indicadores absolutos serão exibidos

em gráficos de barras empilhadas, em que se pode verificar a contribuição de

cada segmento (ou valor) para o total absoluto de uma categoria de dados,

mostrando os relacionamentos desses segmentos com o todo. Já os

indicadores relativos (percentuais dos valores para cada um dos segmentos)

serão exibidos em gráficos do tipo barras agrupadas, comparando os valores

de cada um dos segmentos de uma categoria específica.

Pretende-se, com isso, preservar, num primeiro momento, o grau

absoluto da contribuição de cada um dos segmentos da categoria que

participou da pesquisa, e evidenciar, em um momento posterior, a contribuição

relativa que os segmentos possuem para conhecer o objeto de análise. Neste

momento, o objetivo será captar as variações presentes no interior de cada

segmento e tentar estabelecer comparações entre eles. Tais comparações, no

entanto, terão caráter meramente ilustrativo, já que a base de dados de cada

um destes segmentos é bastante diferenciada: enquanto os(as) docentes, por

exemplo, são 72, os(as) assistentes sociais totalizam 1.111, um universo

quinze vezes maior do que o dos(as) primeiros(as). Isso significa que mesmo

que 90% dos(as) docentes respondam “sim” a uma pergunta e apenas 10%

Page 107: Renato Veloso

107

dos(as) profissionais indiquem a mesma resposta, ainda assim, o número

absoluto de profissionais que responderem “Sim” será quase o dobro do

número de docentes. Como o objetivo aqui não é atribuir o caráter de verdade

absoluta às tendências captadas, mas apenas oferecer pistas interpretativas,

julgamos interessante a realização das comparações, tomando o cuidado, é

claro, de não obscurecer a realidade, ao invés de descortiná-la. Tendo feito

estas breves considerações, passemos à apresentação dos comentários e

reflexões realizados a partir dos dados disponíveis.

2 . 3 . B R E V E P E R F I L D O S ( A S ) P A R T I C I P A N T E S

Percebeu-se que, se os dados não revelam de imediato a dinâmica

da realidade analisada, eles possibilitam a captação de alguns traços mais

gerais de seu processo, dando origem a esboços interpretativos. Desta forma,

apresenta-se, inicialmente, um perfil geral dos(as) participantes da pesquisa,

para, em seguida, tecer considerações sobre temas específicos capazes de

auxiliar a contextualização e a interpretação das conexões estabelecidas entre

o Serviço Social e a TI.

A pesquisa contou com a participação de 1.440 pessoas, de mais de

250 cidades de 27 estados brasileiros. Verificou-se que em relação à

distribuição geográfica regional, o maior índice recaiu sobre a região sudeste.

Com pouco mais de 1.000 participantes, esta região concentrou 75% dos(as)

participantes da pesquisa, seguida pela região sul, com 14%, nordeste, 7%,

Page 108: Renato Veloso

108

centro-oeste, 2%, norte, 1%. Houve também a participação de pessoas de

outros países, que totalizaram apenas 1%.

Gráfico 01 - Regiões geográficas dos participantes d a pesquisa - Total de casos: 1440

28

105

16

15

1080

196

0 200 400 600 800 1000 1200

Centro-oeste

Nordeste

Norte

Outro país

Sudeste

Sul

Fonte: SSTI, 2005.

Como já sinalizado, apesar do número de participantes ser de 1.440,

a maior concentração se dá em poucos estados, com uma grande pulverização

de participantes pelos demais, principalmente da região norte e nordeste.

Dentre as maiores concentrações de participantes, coube ao Rio de Janeiro o

índice de 59,4%. São Paulo contou com 11,0% e Rio Grande do Sul com 6,0%.

Os demais estados ficaram com índices de participação abaixo de 5%.

Participaram da pesquisa apenas assistentes sociais (incluindo

docentes) e estudantes de Serviço Social, tendo em vista que o objetivo era

apreender a relação do Serviço Social com a tecnologia a partir das respostas

Page 109: Renato Veloso

109

dos(as) próprios(as) integrantes da categoria profissional, não sendo permitido

que outros(as) profissionais, ainda que vinculados(as) à profissão, dela

participassem. Foi o caso, por exemplo, de professores(as) de cursos de

Serviço Social que não são assistentes sociais e funcionários(as) não

assistentes sociais de setores de Serviço Social de unidades de saúde, ou

integrantes de equipe multidisciplinar, que, apesar de relatarem possuir

razoável conhecimento sobre as questões postas à profissão, não puderam

responder o questionário, pois não se enquadravam nos critérios de definição

da amostra escolhidos pelo pesquisador.

Tais critérios tiveram como diretriz norteadora a tentativa de captar

as percepções da própria categoria profissional acerca de sua relação com a

TI, o grau de valorização desta tecnologia e a sua presença no Serviço Social.

A fonte de dados definida para buscar essa percepção foi a própria categoria

profissional, que, a partir de suas respostas, pôde indicar elementos preciosos

para a construção de uma aproximação inicial ao tema. Desta forma, o gráfico

a seguir mostra a distribuição dos(as) participantes pelos segmentos que

compõem a categoria profissional.

Page 110: Renato Veloso

110

Gráfico 02 - Categoria do(a) participante - Total d e casos: 1440

257

1111

72

0 200 400 600 800 1000 1200

Estudante

Assistente Social

Docentes

Fonte: SSTI, 2005.

O maior índice de participação foi apresentado pelos(as)

profissionais de campo, que representam 77% da amostra, enquanto os(as)

estudantes concentram-se em 18% e os(as) docentes concentram-se nos 5%

restantes. Tal distribuição, de uma certa forma, já era esperada: um maior

número de participantes entre os(as) profissionais, e números mais reduzidos

para professores(as) e estudantes. De fato, a maior parcela de nossa categoria

é formada pelos(as) profissionais de campo. Isso, por outro lado, não retira a

importância da expressiva participação dos(as) estudantes, que demonstraram,

ao participar da pesquisa, estar em sintonia com as preocupações dessa

pesquisa. Cabe, ainda, mencionar a importância dessa maior presença dos(as)

profissionais para a pesquisa, já que um de seus objetivos é identificar a

utilização da TI não no Serviço Social de forma genérica, mas, sobretudo, no

cotidiano do exercício profissional, tendo por preocupação central refletir sobre

Page 111: Renato Veloso

111

a importância e potencialidade desta tecnologia para este exercício, o que será

mais bem trabalhado no próximo capítulo.

A presença considerável dos(as) estudantes pode demonstrar a

existência de pelo menos uma curiosidade acerca da contribuição que a TI

pode oferecer à profissão, sobretudo no que se refere à problematização do

tema na formação profissional. Trata-se de um aspecto de grande importância,

já que os(as) alunos(as), ao passarem pela experiência de estágio, podem

contribuir para a demonstração do potencial da TI para o desenvolvimento e

aprimoramento dos processos de trabalho nos quais, juntamente com seus

(suas) supervisores(as) e demais profissionais, participam, ainda que na

condição diferenciada de estagiário(a). É possível, portanto, verificar uma

tendência de valorização desta temática por parte dos(as) estudantes,

valorização essa indicada pela própria participação na pesquisa. Chama, ainda,

a atenção o fato de que em alguns estados o número de estudantes que

responderam ao questionário foi maior do que o de profissionais, como foi o

caso de Amazonas (três estudantes e nenhum profissional), Paraná (46

estudantes e 25 profissionais) e Sergipe (cinco estudantes e dois profissionais).

Em relação à idade, verificou-se que 63,8% dos(as) participantes

concentram-se na faixa etária que vai até os 40 anos, enquanto 25,1% dos(as)

participantes relataram ter entre 41 e 50 anos e 11,1% mais de 51 anos.

Page 112: Renato Veloso

112

Gráfico 03 - Distribuição absoluta dos participante s por idade e segmento - Total de casos: 1440

0 100 200 300 400 500 600

de 10 a 20

de 20 a 30

de 30 a 40

de 40 a 50

de 50 a 60

de 60 a 70

Fonte: SSTI, 2005.

Alunos

AS

Docentes

Docentes 0 4 20 29 13 6

AS 0 318 347 314 110 22

Alunos 11 179 39 19 9 0

de 10 a 20 de 20 a 30 de 30 a 40 de 40 a 50 de 50 a 60 de 60 a 70

Como já era de se esperar, os(as) estudantes apresentaram uma

maior concentração nas faixas que vão até os 30 anos de idade (74%),

enquanto os(as) docentes, por outro lado, concentram-se nas faixas que vão

dos 30 aos 60 anos (86%). Já entre os(as) assistentes sociais que não se

encontram vinculados(as) à docência, sua maior concentração reside na faixa

entre 20 e 50 anos (88,1%). Se forem retirados(as) da amostra os(as)

estudantes (grupo mais jovem) e considerar-se apenas os(as) assistentes

sociais, ainda assim, é possível perceber uma menor quantidade de

participantes das faixas mais elevadas: 29% têm entre 20 e 30 anos, 32% entre

31 e 40 anos, 28% entre 41 e 50, e 12% acima de 50 anos. Partindo-se do

pressuposto de que os(as) participantes da pesquisa o fizeram por valorizar a

Page 113: Renato Veloso

113

TI, atribuindo-lhe importância e significado no trabalho profissional, pode-se

perceber uma nítida tendência de maior valorização nas faixas de idade mais

jovem, nas quais se constata uma maior concentração de participantes,

reforçando a idéia comumente difundida de que os jovens vêm demonstrando

maior capacidade de uso e envolvimento com as novas tecnologias existentes

(Carneiro, 2002).

Gráfico 04 - Distribuição relativa dos participante s por idade e segmento - Total de casos: 1440

0,0% 20,0% 40,0% 60,0% 80,0%

de 10 a 20

de 20 a 30

de 30 a 40

de 40 a 50

de 50 a 60

de 60 a 70

Fonte: SSTI, 2005.

Docentes

AS

Alunos

Docentes 0,0% 5,6% 27,8% 40,3% 18,1% 8,3%

AS 0,0% 28,6% 31,2% 28,3% 9,9% 2,0%

Alunos 4,3% 69,6% 15,2% 7,4% 3,5% 0,0%

de 10 a 20 de 20 a 30 de 30 a 40 de 40 a 50 de 50 a 60 de 60 a 70

Em certa medida, os dados reiteram observações referentes às

diferenças em relação à faixa etária na forma de incorporação da TI. Kachar

Page 114: Renato Veloso

114

(2003), por exemplo, aponta que estudos que comparam jovens, adultos e

idosos na interação com a informática sinalizam a existência de tendências e

formatos diferenciados de uso e incorporação deste recurso, demonstrando a

importância do “dimensionamento de estratégias de ensino e aprendizagem

delineadas de acordo com as características e condições da população”,

respeitando-se, nesse processo, aspectos como ritmo e tempo para aprender,

limitações físicas (auditivas, visuais) e cognitivas (memória, atenção etc.)

(p.65). Evidencia-se que a faixa etária constitui-se como uma variável

importante na apreciação tanto da valorização que o Serviço Social confere à

TI e da sua adequada incorporação ao trabalho profissional. Há uma tendência

de os indivíduos mais jovens demonstrarem uma maior valorização da TI,

tendo em vista o forte apelo que esta faz a valores e atitudes comumente

considerados modernos e inovadores.

A percepção deste fator nos dados coletados torna-se possível

quando, ao comparar-se o quantitativo de participantes de cada uma das faixas

etárias, verifica-se a baixa participação na pesquisa dos(as) participantes com

idade mais elevada. Verifica-se a incidência de uma adesão diferenciada dos

integrantes da categoria profissional à pesquisa, expressa pela variação da

freqüência de cada uma das faixas etárias, com um nítido predomínio dos

setores mais jovens. Entre os(as) participantes, no entanto, não há muita

variação na valorização e no uso da TI relatados. Isso poderia ajudar a explicar

a relativa aproximação entre as respostas dos(as) participantes

independentemente de sua faixa etária. Apenas para ilustrar, verificou-se, por

exemplo, que 68% dos(as) assistentes sociais que possuem entre 20 e 30 anos

Page 115: Renato Veloso

115

consideram o computador um instrumento importante para o seu trabalho,

enquanto que para as outras faixas etárias (31 a 40; 41 a 50 e 51 a 60) não há

mudanças significativas nos índices (71%, 71% e 72%, respectivamente). A

diferenciação na valorização por conta da faixa etária, portanto, acontece, só

que não pode ser captada a partir das respostas oferecidas pelos(as)

participantes, exatamente pelo fato de que tais participantes consideram esta

tecnologia importante.

Após a apresentação deste breve perfil dos(as) participantes,

passemos às considerações sobre as conexões entre a TI e o Serviço Social,

levantadas a partir dos dados coletados.

2 . 4 . G Ê N E R O , T I E S E R V I Ç O S O C I A L

No que se refere ao sexo, 94,4% dos(as) participantes são

mulheres, expressando a esmagadora maioria feminina da profissão. Verificou-

se que apenas 80 homens (48 assistentes sociais, 26 estudantes e 06

docentes) responderam ao questionário, enquanto as mulheres totalizaram

1360 (1063 assistentes sociais, 231 estudantes e 66 docentes).

Page 116: Renato Veloso

116

Gráfico 05 - Sexo dos participantes - Distribuição absoluta - Total de casos: 1440

0 500 1000 1500

Masculino

Feminino

Fonte: SSTI, 2005.

Alunos

A.S.

Docentes

Docentes 6 66

A.S. 48 1063

Alunos 26 231

Masculino Feminino

Em relação aos percentuais, verifica-se um maior predomínio das

mulheres nos segmentos de assistentes sociais (95,7%) e docentes (91,7%).

Entre os(as) estudantes, embora o percentual de mulheres seja ainda elevado

(89,9%), foi constatada uma variação positiva na quantidade de homens em

relação aos outros segmentos. Enquanto os homens representam, entre os(as)

estudantes 10,1%, entre os(as) profissionais eles correspondem a 4,3% e entre

os(as) docentes, 8,3%.

Page 117: Renato Veloso

117

Gráfico 06 - Sexo dos participantes - Distribuição relativa - Total de casos: 1440

0,0% 20,0% 40,0% 60,0% 80,0% 100,0%

Masculino

Feminino

Fonte: SSTI, 2005.

Docentes

A.S.

Alunos

Docentes 8,3% 91,7%

A.S. 4,3% 95,7%

Alunos 10,1% 89,9%

Masculino Feminino

Assim, como se constata no gráfico acima, os homens, em termos

relativos, estão mais presentes no segmento de estudantes, que se destaca,

também, pelo fato de ser ocupado por pessoas de faixa etária mais jovem;

enquanto as mulheres se fazem mais representadas no segmento de

profissionais. Percebe-se que 33% dos homens encontram-se no segmento de

estudantes, enquanto nesse mesmo segmento, encontram-se apenas 17% das

mulheres. Pode-se sugerir, a partir desses índices, a existência de maiores

valorização e envolvimento de alunos do sexo masculino com o tema TI, onde,

de certa forma, sexo e idade parecem estabelecer um tipo específico de

articulação.

Page 118: Renato Veloso

118

Apesar de não se considerar que os índices obtidos possam refletir

qualquer tendência de valorização/desvalorização do tema por quaisquer dos

segmentos ou dos sexos (antes, apresentam apenas pistas que merecem

tratamento mais aprofundado), parece ser possível indicar que o gênero,

categoria que estrutura e organiza relações sociais, faz-se presente,

configurando um determinado perfil.

No entanto, cabe perguntar porque há um maior percentual de

homens entre os(as) estudantes e não entre os(as) profissionais. Talvez possa

ser útil a impressão de que nem sempre os homens que ingressam no Serviço

Social chegam a concluir o curso, tendo em vista exatamente a esmagadora

maioria feminina da profissão, o que, socialmente, faz com que essa seja

considerada uma “profissão feminina”. No trabalho de conclusão de curso

(TCC) de graduação deste pesquisador (Veloso, 1996), foi elaborada uma

reflexão sobre o estudante de Serviço Social do sexo masculino, constatando-

se que, muitas vezes, a permanência do aluno homem no curso de Serviço

Social encontra-se condicionada pelo acesso a atividades que, de certa forma,

são consideradas de maior importância acadêmica e profissional e, por isso,

lhe propiciam um certo status, como participação em pesquisas com bolsa de

iniciação científica, monitorias, movimento estudantil, estágios em empresas de

renome etc.

O acesso a estas atividades era utilizado como justificativa para

permanência no curso mais pelos homens do que pelas mulheres, como se aos

homens fosse necessário um “motivo especial” para continuar no curso de

Page 119: Renato Veloso

119

Serviço Social, no qual, a princípio ele “nem deveria estar”, exatamente pelo

fato de ser considerado uma “profissão feminina”. Isso permitiria construir a

hipótese de que, caso não se inserissem em atividades como as citadas acima,

os homens tenderiam, aos poucos, a abandonar o curso e a buscar um outro

tipo de inserção acadêmica ou profissional que lhes oferecesse respostas às

suas “demandas de gênero”. Ajuda a sustentar esta hipótese, por exemplo, as

tentativas de mudança de curso realizadas pelos alunos entrevistados no

processo de construção do referido TCC, demonstrando, já, um certo

descontentamento com o curso escolhido, que poderia ser mantido ao longo

dos períodos e mesmo após a sua formatura, o que teria por conseqüência a

opção pelo não exercício da profissão.

Se essas considerações não oferecem uma explicação contundente

sobre a incidência dos índices verificados (embora possam ajudar a elaborar

hipóteses explicativas mais consistentes), elas demonstram a vigência, neste

âmbito, do gênero, estruturando, organizando e mediando relações sociais.

Assim, pode-se perceber a presença do gênero na forma pela qual se

estabelece a incorporação da TI pelo Serviço Social, constatando que as

escolhas e opções feitas por profissionais e alunos(as) sofrem influência da

dimensão de gênero presente nas relações sociais. Além disso, percebe-se,

também, que o gênero produz outras formas de influência para além das

apontadas até aqui. Na questão da incorporação da TI ao trabalho profissional,

por exemplo, atua não apenas na constituição de obstáculos ou resistências à

absorção da tecnologia, no plano mais imediato do trabalho profissional, mas,

Page 120: Renato Veloso

120

também, na própria caracterização de sua importância e relevância para o

projeto profissional.

Hirata (2002) sinaliza a existência de uma relação diferenciada dos

homens e das mulheres com a técnica, o que faz com que as novas

tecnologias sejam incorporadas de forma distinta, com conseqüências diretas

sobre a qualificação. Ao levantar a questão da maneira com que a tecnologia

afeta a organização, os postos e a qualificação do trabalho se a mão-de-obra

for masculina ou feminina, a autora observa uma segregação tecnológica dos

homens e das mulheres que vem, cada vez mais, se reproduzindo ao longo do

tempo. Ressalta que as “abordagens assexuadas da tecnologia” (p.198)

impedem a percepção de uma “apropriação masculina da tecnologia, que

estaria na origem da relação diferenciada das tecnologias de acordo com o

sexo” (p.199), ocasionando uma forte ausência das mulheres dos postos

técnicos e uma grande distância dos equipamentos caros e competitivos.

Com base em pesquisas sobre a divisão sexual do trabalho

realizadas em empresas do Brasil, França e Japão, Hirata destaca o

predomínio entre as mulheres de um certo tipo de máquinas que demanda

delas uma grande quantidade de trabalho manual, sem maiores necessidades

de qualificação, enquanto aos homens são conferidas atividades mais

valorizadas e qualificadas, onde predomina o uso de tecnologias mais

avançadas. Com isso, a autora constata que “o sexo da mão-de-obra varia de

acordo com o nível de automação e de qualificação” (p.201), e que “assiste-se

a um aumento da qualificação masculina e a uma redução maciça da

Page 121: Renato Veloso

121

qualificação feminina” (p.203), concluindo que a tecnologia não leva

necessariamente a uma evolução do trabalho, mas, sobretudo, abre diversos

campos possíveis de evolução.

Assim, de acordo com a autora, qualquer estudo desta questão que

não leve em conta a variável sexo pode ser muito discutível, tendo em vista

que as conseqüências das inovações técnicas podem ser opostas para as

mulheres e para os homens. Ao mesmo tempo em que a entrada de mulheres

em um ramo automatizado foi acompanhada da desqualificação de uma parte

dos postos de trabalho existentes, a desqualificação de alguns postos permitiu

a entrada das mulheres em estabelecimentos em que antes a mão-de-obra era

inteiramente masculina. Por outro lado, naqueles ramos em que mulheres

predominavam amplamente, a incorporação tecnológica ocasionou a

introdução de homens, que passaram a ficar responsáveis pelo seu controle. É

neste sentido que Hirata irá reforçar a tese de que as novas tecnologias não

abalaram a divisão sexual do trabalho, e que, “uma vez que uma máquina seja

considerada complexa, os homens se reservam o controle dela” (Perrot, apud

Hirata, 2002, p.211).

Como utilizar essas considerações para pensar a incorporação da TI

ao Serviço Social? Em primeiro lugar, é bom lembrar que as observações

apontadas por Hirata referem-se aos impactos que a tecnologia vem tendo

sobre a ocupação e qualificação das mulheres, ressaltando que a divisão

sexual do trabalho impõe condicionantes à sua incorporação e exerce efeitos

diretos sobre tais impactos. Ao pensar o Serviço Social, percebe-se que esta

Page 122: Renato Veloso

122

profissão está inscrita na divisão sexual do trabalho e, por conta disso, encerra

uma incorporação da TI por ela condicionada. A “apropriação masculina da

tecnologia”, indicada por Hirata, pode constituir-se como um dos fatores da

pouca incidência da TI na categoria profissional, ocasionando a ausência de

reflexão sobre a sua importância e o seu potencial estratégico. Neste sentido,

verifica-se a presença do gênero na forma pela qual a TI vem sendo

incorporada ao Serviço Social. Trata-se de uma categoria relevante para ajudar

a compreender as dificuldades apresentadas pela maioria dos(as) profissionais

na incorporação da TI.

A pouca incidência de uma efetiva incorporação da TI ao Serviço

Social, gerida e controlada pelos(as) próprios(as) profissionais, e a

conseqüente ausência de impactos expressivos sobre o trabalho profissional,

as quais o gênero ajuda a explicar, não significa, no entanto, que o Serviço

Social esteja imune aos efeitos e conseqüências gerados pela incorporação da

TI a processos de trabalho mais gerais em que ele esteja inserido, como se

verá no próximo capítulo. Tal incorporação pode ocorrer de forma autoritária e

reducionista, sem (ou com poucas) possibilidades de participação dos sujeitos

(embora com forte apelo à sua colaboração) no sentido de definir a melhor

forma de se conduzir o processo de incorporação da TI.

É o caso, por exemplo, do processo de introdução de novas

tecnologias informacionais na área de empresa. Freire (2003) aponta que em

uma das empresas por ela pesquisadas a duração do atendimento do Serviço

Social, na estruturação e programação do sistema geral de registro de

Page 123: Renato Veloso

123

atendimentos, foi limitada a apenas trinta minutos. Assim, independentemente

do tipo de demanda, características do usuário, procedimentos necessários,

dentre outros aspectos, o atendimento teria que durar, obrigatoriamente, trinta

minutos. Se, como diz a autora, por um lado, a informatização propiciou ganhos

positivos, tais como a redução da carga de tarefas burocráticas e a melhor

organização do atendimento e registro, por outro lado, “através do curto espaço

de meia hora, para atendimento e registro de cada caso, (...) verifica-se a

incorporação da cultura produtivista à frente de eventuais necessidades

humanas singulares” (Freire, 2003, p.88).

Trata-se, portanto, de um tipo de incorporação da TI conduzida a

partir de princípios e valores opostos aos presentes no projeto profissional do

Serviço Social. Tendo em vista a ausência de uma prévia apropriação deste

recurso pelos(as) assistentes sociais em sentido diverso do imposto pela

empresa, estes(as) se viram obrigados(as) a absorver o “pacote” que lhes que

foi destinado. Assim, se o processo de introdução da TI no Serviço Social for

conduzido por agentes externos à profissão, que não coadunem com os

princípios defendidos pela categoria, as conseqüências podem ser

desastrosas, já que a direção a ser seguida será determinada por projetos

alheios, que podem proporcionar uma incorporação forçada e prejudicial aos

valores e princípios profissionais. Nesse sentido, um recurso de potencial

estratégico para o projeto profissional esvazia-se, passando a ser utilizado

como meio de se atingir finalidades diversas daquelas defendidas pela

categoria.

Page 124: Renato Veloso

124

Uma postura de incorporação passiva ou forçada da TI, por parte do

Serviço Social, pode não estar muito distante, tendo em vista a pouca

incidência, no debate profissional, de reflexão crítica e de acúmulo técnico

sobre o tema. Corre-se, o risco de a profissão ser vítima de um processo de

incorporação da TI limitada a uma informatização de caráter meramente

tecnicista e instrumentalista, marcada pela presença do novo complexo de

tecnologias, da automação do trabalho, de computadores, impressoras, redes,

Internet, enfim, pelo conjunto de ferramentas existentes, sem, no entanto,

realizar-se de forma subordinada ao projeto profissional, configurando um

acesso dos(as) profissionais à TI na condição de meros usuários ou

consumidores.

Se num primeiro momento essa informatização tecnicista pode gerar

um certo sentimento de maior eficiência, eficácia, polivalência etc., qualidades

comumente associadas aos recursos tecnológicos, em pouco tempo os(as)

profissionais podem ser atingidos(as) por um sentimento de

“desencantamento”, ao perceberem que as tarefas sobre as quais,

anteriormente, detinham controle e geriam com certa autonomia, do ponto de

vista estritamente técnico, agora se encontram controladas por outros sujeitos,

que, com a mediação da tecnologia, imprimem ao trabalho desses profissionais

um outro significado: esvaziam-no de seu sentido original sem promover

inflexões ou mudanças qualitativas que fortaleçam, por exemplo, as

possibilidades de maior acesso às políticas sociais e sem agregar novas

possibilidades aos processos de trabalho.

Page 125: Renato Veloso

125

2 . 5 . O A C E S S O À T I

Toma-se como um dos indicadores para se apreciar a presença da

TI no Serviço Social, o acesso que os(as) participantes têm aos recursos e

equipamentos tecnológicos, dentre os quais se destaca o computador. Sabe-se

que o acesso a computadores, por si só, não determina a existência ou a

ausência de uma apropriação da TI por parte da categoria profissional, mas

permite vislumbrar tendências e possibilidades. Toma-se por pressuposto que

a existência de computadores, seja na casa, seja nas instituições em que

os(as) assistentes sociais encontram-se inseridos(as), propicia, em conjunto

com outros fatores, possibilidades de incorporação. Assim, tal existência não

será tomada como sinônimo de apropriação da TI, tendo em vista que se trata

apenas de um dos diversos requisitos necessários a uma efetiva incorporação

deste recurso.

Nesse sentido, foram apresentadas aos(as) participantes perguntas

sobre a existência de computadores, tanto em seu trabalho quanto em sua

residência, considerando tal fato como uma das condições básicas para uma

efetiva incorporação da TI ao Serviço Social. Como resultado, foi percebido que

a grande maioria dos(as) participantes indicou possuir apenas um computador,

tanto no trabalho, quanto na residência. Optou-se, no entanto, por apresentar,

neste momento, apenas os resultados referentes à existência de computadores

nas residências dos(as) participantes, deixando as respostas da pergunta

referente aos locais de trabalho para o próximo capítulo, onde será discutida a

presença da TI no trabalho cotidiano. Vejamos, portanto, os resultados.

Page 126: Renato Veloso

126

Gráfico 07 - Quantos computadores possui em casa - Distribuição absoluta - Total de casos: 1440

0 200 400 600 800 1000 1200

Nenhum

Um

Dois

Três

Mais de três

Fonte: SSTI, 2005.

Alunos

ASDocentes

Docentes 0 41 24 6 1

AS 135 816 134 19 7

Alunos 47 189 17 3 1

Nenhum Um Dois Três Mais de três

Verifica-se, como já adiantado, que a grande maioria dos(as)

participantes (72,6%) indicou a existência de um computador em suas

residências e uma parcela bem menor (12,2%) apontou a existência de dois

computadores. Além disso, uma quantidade não desprezível de participantes

(12,6%) relatou não possuir nenhum computador em suas residências, o que

pode ser tomado como um sério limite a um processo de incorporação da TI.

Estes índices devem ser apreciados lembrando-se do pressuposto

com o qual se está trabalhando, o de que os(as) participantes da pesquisa, de

certa forma, são os(as) que valorizam o uso da TI, em decorrência do

estabelecimento de alguma utilização deste recurso. Neste sentido,

Page 127: Renato Veloso

127

considerando-se tal pressuposto, os índices adquirem um sentido diferenciado,

já que podem referir-se às indicações daqueles(as) profissionais, estudantes e

docentes que se encontram mais próximos de uma postura de reconhecimento

do potencial e da importância que esse recurso tem para a profissão, e, ainda

assim, pouco mais de 10% não vem tendo acesso a ele. Lembre-se, também,

que mesmo indicando a existência de um computador na residência, isso não

significa que o(a) profissional o tenha como recurso unicamente seu, com

exclusividade sobre seu uso, já que, geralmente, os computadores domésticos

são compartilhados com toda a família. Desta forma, a existência desse

recurso em sua residência, embora seja um fator importante para

contextualizar a incorporação da TI por parte deste(a) profissional, não significa

que este seja efetivamente utilizado pelo(a) profissional. Apresenta-se, agora, a

distribuição das respostas em termos relativos pelos três segmentos.

Page 128: Renato Veloso

128

Gráfico 08 - Quantos computadores possui em casa - Distribuição relativa - Total de casos: 1440

0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0% 80,0%

Nenhum

Um

Dois

Três

Mais de três

Fonte: SSTI, 2005.

Docentes

AS

Alunos

Docentes 0,0% 56,9% 33,3% 8,3% 1,4%

AS 12,2% 73,4% 12,1% 1,7% 0,6%

Alunos 18,3% 73,5% 6,6% 1,2% 0,4%

Nenhum Um Dois Três Mais de três

Como se pode perceber, predomina em todos os segmentos o relato

da existência de um computador em suas casas. Entre os que possuem dois

computadores, os(as) docentes se destacam. Além disso, há um número

considerável de alunos (18,3%) e assistentes sociais (12,2%) que relataram

não possuir computador em suas casas. Percebe-se que na medida em que se

aumenta a quantidade de computadores na casa, aumenta-se a participação

dos(as) docentes e diminui-se a dos demais. Isso não deve, necessariamente,

conduzir à afirmação de que os(as) docentes vêm incorporando mais a TI ao

Page 129: Renato Veloso

129

seu trabalho, sobretudo no que se refere ao fortalecimento do projeto

profissional. Aqui, o aumento quantitativo não leva, necessariamente, a uma

inflexão qualitativa. Talvez o que se possa afirmar é que esse recurso tem se

mostrado imprescindível para as obrigações que os(as) docentes precisam

responder em termos acadêmicos e institucionais, as quais podem não ser tão

intensas para os(as) profissionais de campo. Lembre-se, por exemplo, das

demandas que são feitas aos(às) docentes em termos de atualização de

produção científica, Data Capes, currículo Lattes; redação e envio de artigos,

projetos e relatórios de pesquisa e/ou extensão; elaboração de trabalhos e

apresentações em aulas, palestras, congressos, seminários etc; comunicação

com alunos(as) e orientandos(as); dentre outras.

A realização de tais atividades utilizando-se do computador, não

significa que tenha ocorrido uma efetiva incorporação da TI e de seu potencial

estratégico por parte dos(as) docentes. Muitas vezes, este uso está muito

próximo do uso que era feito de uma máquina de datilografar, sendo o

computador tratado como uma versão mais moderna dessa máquina. Embora

o processamento de textos seja uma importante tarefa propiciada pelo

computador, sua realização não significa a constituição de uma mudança

qualitativa no trabalho realizado. Pode significar apenas uma mudança no

instrumento (a máquina de escrever pelo computador) sem, necessariamente,

alterar o modo de redigir o texto, o que seria propiciado por uma outra forma de

incorporação e utilização do processador de texto (que não se limitasse a

escrever no papel para depois digitar no computador) ou, ainda, pela utilização

Page 130: Renato Veloso

130

de recursos mais abrangentes que os processadores de texto (como por

exemplo, os bancos de dados e os sistemas de informações).

É evidente que a existência e a quantidade de computadores na

residência dos(as) participantes não é determinada pela valorização ou não da

TI. Fatores referentes, sobretudo, ao poder aquisitivo dos indivíduos têm

exercido forte influência sobre as possibilidades de obtenção não só de

computadores como também de diversos outros recursos importantes e

necessários. Além disso, não se pretende abordar aqui os fatores

determinantes ou condicionantes que levam as pessoas a adquirir um

computador. O que a sua existência ou inexistência ajuda a condicionar são as

possibilidades de incorporação da TI. Além disso, a mera existência desse

recurso não pode ser tomada como um fator que resolve, por si só, o problema

da incorporação da tecnologia. Antes, trata-se de um indicador importante que

demonstra a existência ou não de uma das condições básicas para a

apropriação da TI por parte da categoria. Apesar de a existência do

computador não significar a automática incorporação da tecnologia no sentido

defendido neste trabalho, não é possível deixar de considerar que sua

existência constitui-se como uma condição necessária, embora insuficiente,

para tal incorporação.

Um outro aspecto que pode ajudar a conhecer as possibilidades

concretas de incorporação da TI por parte dos(as) participantes refere-se ao

acesso que os(as) mesmos(as) fazem à Internet, uma das mais conhecidas

aplicações das novas tecnologias da informação. Ela surge no contexto da

Page 131: Renato Veloso

131

guerra fria e do temor de um ataque nuclear, tendo por base o conceito de

“comunicação distribuída” (Silveira, 2001, p.13), que sustentava a importância

de se construir uma rede de informações em que não houvesse um centro e

uma única rota de comunicação. O objetivo era promover um processo de

comunicação em que pacotes de informação fossem enviados de forma

redundante por várias rotas, numa rede em que todos os pontos se

comunicassem. Com isso, seria evitada a interrupção da comunicação, já que

as informações poderiam continuar sendo enviadas pela malha que

permanecesse intacta. As origens desse processo podem ser encontradas na

criação da ARPANET, uma rede de computadores montada pela Advanced

Research Projects Agency (ARPA), que, em 1969, consegue interligar alguns

centros universitários dos EUA, constituindo os primórdios da Internet (Castells,

2003; Silveira, 2001).

Várias fases se passaram até que, em 1995, a Internet atingisse a

sociedade em geral, deixando de limitar-se a comunidades dispersas de

computação que reuniam cientistas e hackers. Dentre aquelas, merecem

destaque a criação dos protocolos de transferência de dados (TCP/IP), que

permitiu a conectividade e a integração entre computadores e redes, e a

criação do sistema hipermídia, mais conhecido como “world wide web”, o

famoso “www”. Essa aplicação foi decisiva para a rápida difusão da Internet,

dando origem aos navegadores que permitiram a “explosão” da rede (os mais

conhecidos foram o Mosaic, o Netscape Navigator e o Internet Explorer).

Desde então (ainda que com perfis nitidamente desiguais quando se

Page 132: Renato Veloso

132

comparam países, regiões, classes, sexos e etnias), o número de conexões

tem aumentado de forma expressiva, como observou Castells (2003).

“O uso da Internet como sistema de comunicação e forma de

organização explodiu nos últimos anos do segundo milênio. No

final de 1995, o primeiro ano de uso disseminado da world wide

web, havia cerca de 16 milhões de usuários de redes de

comunicação por computador no mundo. No início de 2001,

eles eram mais de 400 milhões; previsões confiáveis apontam

que (...) é possível que estejamos nos aproximando da marca

dos dois bilhões por volta de 2010” (p.8).

Entende-se que a Internet pode ser considerada como um possível

fator de potencialização do exercício profissional, seja por meio da aquisição de

informações e conhecimentos importantes para o trabalho, seja por meio da

divulgação e socialização de experiências já realizadas pelo Serviço Social,

difundindo novas abordagens, reflexões, metodologias, técnicas, enfim,

oxigenando o debate profissional voltado tanto aos aspectos acadêmicos

quanto interventivos.

Ao serem perguntados(as) sobre os locais de onde acessam a

Internet, os(as) participantes, podendo indicar quantas opções desejassem,

apresentaram as seguintes respostas.

Page 133: Renato Veloso

133

Gráfico 09 - De onde acessa a Internet - Distribuiç ão absoluta - Total de casos: 1440

0 200 400 600 800 1000 1200

De casa

Do trabalho

Amigos ou par.

Telec.ou órg.púb.

Da faculd.

Cons. ou sind.

Ciberc. ou livr.

Outros

Não acesso

Fonte: SSTI, 2005.

Alunos

AS

Docentes

Docentes 67 57 4 2 20 1 8 5 1

AS 877 744 171 57 92 28 108 50 21

Alunos 170 125 62 15 179 0 42 15 0

De casaDo

trabalhoAmigos ou par.

Telec.ou órg.púb.

Da faculd.Cons. ou

sind.Ciberc. ou

livr.Outros

Não acesso

Como se percebe, há uma forte indicação de acesso à Internet por

parte dos(as) participantes, acesso esse realizado em diversos locais, dentre

os quais se destacam as opções “casa”, com 77,4%, e “trabalho”, com 64,3%.

A opção “faculdade” foi indicada por 20,2% dos(as) participantes (sendo que

2/3 deles são estudantes). Com uma freqüência não tão expressiva, mais ainda

assim considerável, encontram-se “casa de amigos ou parentes”, 16,5%, e

“Cibercafés e livrarias”, com 11%. As opções menos indicadas foram

Page 134: Renato Veloso

134

“telecentros ou órgãos públicos”, com 5,1%, e “conselhos/sindicatos”, com 2%.

Apenas 1,5% dos(as) participantes indicou na ter acesso a Internet.

Apesar de utilizarmos o pressuposto de que os(as) participantes da

pesquisa, em certa medida, não configuram uma amostra descritiva da

categoria, já que conta com a presença de indivíduos mais sintonizados com a

TI e com a sua importância para o Serviço Social, ainda assim, os dados

parecem demonstrar a existência de uma utilização, expressa pela indicação

de acesso à Internet e aos seus recursos (correio eletrônico e visitas a

“homepages”, dentre os mais relevantes). Em relação à distribuição relativa dos

dados, vislumbram-se os seguintes resultados.

Page 135: Renato Veloso

135

Gráfico 10 - De onde acessa a Internet - Distribuiç ão relativa - Total de casos: 1440

0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0% 80,0% 90,0% 100,0%

De casa

Do trabalho

Amigos ou par.

Telec. ou órg.púb.

Faculd.

Cons. ou sind.

Ciberc. ou livr.

Outros

Não acesso

Fonte: SSTI, 2005.

Docentes

AS

Alunos

Docentes 93,1% 79,2% 5,6% 2,8% 27,8% 1,4% 11,1% 6,9% 1,4%

AS 78,9% 67,0% 15,4% 5,1% 8,3% 2,5% 9,7% 4,5% 1,9%

Alunos 66,1% 48,6% 24,1% 5,8% 69,6% 0,0% 16,3% 5,8% 0,0%

De casaDo

trabalhoAmigos ou par.

Telec. ou órg.púb.

Faculd.Cons. ou

sind.Ciberc. ou

livr.Outros

Não acesso

Percebe-se, portanto, que as opções “casa” e “trabalho” foram as

mais indicadas tanto por docentes quanto por profissionais. Por outro lado,

os(as) alunos(as) possuem uma expressão maior que os outros dois

segmentos nas opções “casa de amigos e parentes”, “telecentros e órgãos

públicos”, e “cibercafés e livrarias”. Cabe, ainda, observar que nenhum(a)

aluno(a) indicou a opção referente ao não acesso à Internet, enquanto nos

outros dois segmentos o não acesso foi indicado.

Page 136: Renato Veloso

136

Destaca-se, como já sinalizado, a expressiva utilização da Internet

pelos(as) alunos(as) nas faculdades, o que pode ser entendido como algo

positivo, já que, da mesma forma que sua utilização por parte dos(as) docentes

e profissionais pode ser considerada um interessante fator na condução e

desenvolvimento do trabalho, para os(as) alunos(as) pode ser compreendido

como meio de enriquecer a formação profissional, sinalizando a importância

que esse recurso pode ter para o trabalho profissional.

Os dados parecem refletir a existência de uma das condições

necessárias básicas para a incorporação da TI à formação profissional, que é a

disponibilização, aos(às) estudantes, de laboratórios onde se faz possível

conhecer e se apropriar, num determinado sentido, da TI. Essa incorporação

poderá ter efeitos positivos sobre a formação profissional na medida em que se

encontrar em sintonia com as diretrizes curriculares que orientam a formação

em Serviço Social no Brasil, diretrizes essas que, da mesma forma que o

Código de Ética Profissional do(a) assistente social, de 1993, e a Lei que

regulamenta, no Brasil, a profissão de Assistente Social, sintetizam o projeto

ético-político construído pela categoria ao longo das duas últimas décadas.

Assim, os recursos da TI podem ser utilizados e incorporados ao processo de

formação profissional em Serviço Social na perspectiva de contribuir para a

formação de profissionais com as competências teórico-metodológica, técnico-

operativa e técnico-instrumental necessárias ao(à) profissional que, numa

perspectiva crítica das relações e processos sociais, poderá decifrar e formular

alternativas de intervenção na realidade.

Page 137: Renato Veloso

137

O acesso à TI por parte dos(as) estudantes pode possibilitar meios

para um reforço do processo de formação profissional, não no sentido de

substituir conteúdos ou tópicos de discussão fundamentais para a profissão,

mas para agilizar processos de sistematização de práticas de estágio,

organização de dados, confecção e revisão de relatórios e textos, enfim, sendo

utilizado como uma forma de, em conjunto com outras dimensões

fundamentais da formação profissional, potencializar o processo formativo.

Assim, é possível que a TI seja de grande utilidade para os(as) estudantes,

demandando, no entanto, que seu uso extrapole atividades como “bate-papo”

virtual, prática não rara entre os(as) alunos(as). Trata-se de uma utilização

bastante limitada de um recurso que, ao ser apropriado tendo em vista as

diretrizes curriculares já sinalizadas, poderia ser utilizado como impulsionador

do processo de ensino-aprendizagem, e não limitador. É evidente também, que

estas considerações não valem apenas para os(as) alunos(as), mas também

para profissionais e docentes que se vêem, muitas vezes, limitados(as) a uma

forma de uso da tecnologia que ao invés de possibilitar novas modalidades de

desenvolvimento e aprimoramento profissional, absorvem dela apenas aquelas

parcelas que proporcionam diversão e entretenimento, desconsiderando seu

potencial para o desenvolvimento de propostas e ações de trabalho mais

consistentes no exercício de nossa profissão.

Percebe-se, portanto, uma razoável penetração do uso da Internet

entre os(as) participantes da pesquisa, tendo em vista as formas de acesso

que os(as) mesmos(as) indicaram. Isso não significa, no entanto, que a

categoria tenha aderido à Internet ou, ainda, tenha se apropriado das

Page 138: Renato Veloso

138

possibilidades oferecidas por essa tecnologia. As pistas aqui obtidas

demonstram que uma parcela vem tentando estabelecer um certo tipo de

relação com a Internet. É preciso investigar, no entanto, se esta relação está

pautada por uma lógica de simples consumo do que está disponível ou se,

antes, a lógica consiste num uso da Internet que possibilite ganhos para o

projeto profissional. É preciso, portanto, conhecer e investir em novas

modalidades de uso possíveis e necessárias ao fortalecimento de nossa

profissão.

Uma questão merecedora de atenção e que precisa ser objeto de

avaliação, refere-se à escassa disponibilidade de materiais, textos e eventos

sobre a TI, bem como sua articulação ao Serviço Social, demonstrando que as

reflexões sobre o assunto carecem de desenvolvimento. Tentou-se verificar se

os(as) participantes já haviam tido contato com materiais sobre o tema, e para

a pergunta sobre o acesso a textos, eventos, seminários ou palestras sobre o

tema, foram obtidas as seguintes respostas.

Page 139: Renato Veloso

139

Gráfico 11 - Teve acesso a material sobre o tema “T ecnologia da Informação” - Distribuição absoluta - - Total de c asos: 1440

0 100 200 300 400 500 600 700 800

Sim

Não

Não sei responder

Fonte: SSTI, 2005.

Alunos

AS

Docentes

Docentes 51 20 1

AS 566 518 27

Alunos 121 129 7

Sim Não Não sei responder

Verifica-se que a maioria dos(as) participantes (51,3%) indicou ter

tido acesso a materiais, textos ou eventos sobre TI, enquanto aqueles(as) que

relataram não ter tido acesso a materiais sobre este tema correspondem a

46,3%. Embora a resposta “Sim” tenha sido majoritária, a distância que a

separa do índice que expressa os(as) profissionais que não tiveram acesso a

estes materiais não é muito expressiva. O que parece haver é mais um relativo

equilíbrio entre essas duas opções do que exatamente um predomínio absoluto

da resposta “Sim”, o que pode significar que, embora não haja grande

dificuldade para acessar estes materiais, estes não são facilmente acessados

pelo conjunto dos(as) participantes. Vejamos, agora, a distribuição relativa dos

dados em relação aos três segmentos.

Page 140: Renato Veloso

140

Gráfico 12 - Teve acesso a material sobre o tema “T ecnologia da Informação” - Distribuição relativa - Total de caso s: 1440

47,1%

50,2%

2,7%

50,9%

46,6%

2,4%

70,8%

27,8%

1,4%

0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0% 80,0%

Sim

Não

Não sei responder

Fonte: SSTI, 2005.

Docentes

AS

Alunos

Pode se perceber que as respostas indicam o predomínio do contato

dos(as) docentes e profissionais com este tema, sendo que enquanto para

os(as) docentes a diferença entre “Sim” e “Não” é de 43 pontos percentuais,

para os(as) assistentes sociais, é de apenas 4,3 pontos percentuais. Ou seja,

entre os(as) docentes, há uma grande distância entre as respostas “Sim” e

“Não”, demonstrando que esse segmento parece dispor de maiores ou

melhores possibilidades de acesso à reflexão e debate sobre o tema. Assim, se

tanto profissionais quanto docentes relataram ter contato com o tema TI, entre

os(as) docentes o contato relatado aparece em proporções relativas bem

maiores. Em sentido oposto, a maioria dos(as) alunos(as) declarou não ter tido

acesso ao tema, embora a variação presente entre uma resposta e outra não

seja muito elevada.

Page 141: Renato Veloso

141

De fato, não é incomum, nos dias atuais, a oferta de atividades

acadêmicas voltadas ao debate sobre a TI. Trata-se de um tema que tem

estado presente na sociedade, mostrando-se como objeto de interesse de

vários atores sociais, dentre eles os(as) assistentes sociais. O problema, no

entanto, aparece no ponto seguinte, quando é perguntado ao(à) participante se

já teve acesso a material, se já leu texto ou participou de evento ou seminário

sobre o tema específico “TI e Serviço Social”, ou seja, sobre materiais que

tratam especificamente desta articulação. As respostas obtidas são as

seguintes.

Gráfico 13 - Já teve acesso a materiais, textos ou participou de eventos sobre o tema “Tecnologia da Informação e Serviço So cial” - Distribuição absoluta - - Total de casos: 1440

0 200 400 600 800 1000 1200

Sim

Não

Não sei responder

Fonte: SSTI, 2005.

Alunos

AS

Docentes

Docentes 29 41 2

AS 174 911 26

Alunos 65 186 6

Sim Não Não sei responder

Page 142: Renato Veloso

142

Há um expressivo predomínio da resposta “Não” para o conjunto

dos(as) participantes, demonstrando o existente, mas escasso acesso aos

materiais que tratam da articulação específica entre o trabalho do Serviço

Social e as possibilidades concretas de incorporação da TI por parte da

categoria profissional. Em relação à distribuição dos dados de forma relativa

pelos três segmentos da categoria, percebe-se a existência de resultados bem

próximos ao indicado acima., como demonstra o gráfico a seguir.

Gráfico 14 - Já teve acesso a materiais, textos ou participou de eventos sobre o tema “Tecnologia da Informação e Serviço So cial” - Distribuição relativa - - Total de casos: 1440

25,3%

72,4%

2,3%

15,7%

82,0%

2,3%

40,3%

56,9%

2,8%

0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0% 80,0% 90,0%

Sim

Não

Não sei responder

Fonte: SSTI, 2005.

Docentes

AS

Alunos

Assim, como se vê, os dados apontam a existência de uma inversão,

com o notável predomínio do “Não” em todos os segmentos, sobretudo entre

os(as) profissionais. Isso pode ser entendido como o reflexo e a confirmação

da escassez de materiais sobre o tema, o que suscita a consideração de que,

por estar pouco incorporado ao Serviço Social, este tema ainda não vem se

fazendo presente no debate profissional. Trata-se de uma situação que

Page 143: Renato Veloso

143

expressa o incipiente processo de apropriação da TI por parte da profissão, o

qual, considera-se, pode aprofundar-se na medida em que suas

potencialidades para o trabalho profissional forem demonstradas. A alteração

deste quadro, no entanto, supõe uma apropriação da TI que extrapole a

preocupação gerencial ou produtivista com o seu uso, enfatizando as

possibilidades de apropriação aos processos de trabalho e à formação

profissional, e não tomando-a como estratégia de substituição tecnológica,

como alerta Barreto (2004, p.1185).

Destaca-se, ainda, o alto desequilíbrio presente na distribuição do

desconhecimento sobre o tema. Este é bem maior entre profissionais e alunos,

justamente aqueles para quem o tema mostra-se de grande relevância, do

ponto de vista do fortalecimento do trabalho e da formação profissional.

Enquanto para os(as) docentes a diferença entre ‘Não’ e ‘Sim’ é de 16,6 pontos

percentuais, para os(as) alunos(as) é de 47,1 e para os(as) profissionais, de

66,3 pontos percentuais. Como propor a apropriação da TI pela categoria de

assistentes sociais sem um acompanhamento no nível do amadurecimento

teórico e analítico do tema? Fica, portanto, a constatação de que o tema vem

sendo pouco absorvido pela categoria e, ao mesmo tempo, pouco tratado no

plano reflexivo e investigativo.

Page 144: Renato Veloso

144

2 . 6 . O S E R V I Ç O S O C I A L E A “ E X C L U S Ã O D I G I T A L ”

Um dos temas que mais chamam a atenção na atualidade, tendo em

vista o desenvolvimento cada vez mais acelerado das novas tecnologias,

refere-se a um fenômeno que vem sendo denominado de “exclusão digital”,

considerado, genericamente, como o não acesso às novas tecnologias

disponíveis, sobretudo a Internet. Apesar de não se pretender, aqui, apresentar

uma discussão mais alongada sobre estes conceitos, far-se-á algumas breves

considerações, que permitam auxiliar a construção de uma reflexão sobre o

assunto por parte do Serviço Social.

Embora a tendência predominante seja de tratar essa “exclusão

digital” como um fenômeno novo, muitas vezes descolado do processo social

mais geral, considera-se que uma noção mais próxima do movimento real das

relações sociais consiste em tomá-la como uma das mediações da questão

social, já que, o que é chamado nos dias atuais de “exclusão digital” nada mais

é do que expressão de um processo já conhecido de apropriação privada da

riqueza produzida socialmente pelo trabalho coletivo. Apesar destas

tecnologias serem produto do trabalho realizado pelo coletivo de trabalhadores,

estes delas não se apropriam. Assim, o que é amplamente divulgado como um

tipo inédito de desigualdade social, nada mais é do que produto do próprio

desenvolvimento da acumulação capitalista, que, aprofundando as

características da sua “lei geral”, produz e reproduz novas mediações nas

quais se expressa a questão social. Esta postura, no entanto, parece estar

ausente das várias abordagens sobre o tema.

Page 145: Renato Veloso

145

Castells (2003), ao tratar das inovações tecnológicas atuais, afirma

que sob as condições sociais prevalecentes, “o novo sistema tecnoeconômico

parece causar desenvolvimento desigual, aumentando simultaneamente a

riqueza e a pobreza, a produtividade e a exclusão social, acarretando um

processo global de desenvolvimento desigual que pode ser a expressão mais

dramática da divisão digital” (p.217). O autor tende a atribuir um enorme peso à

“divisão digital”, conferindo-lhe a condição de matriz das desigualdades sociais.

Com esta postura, parece transformar conseqüência em causa, e vice-versa. A

desigualdade não é produzida pela “divisão digital”. Ela lhe é anterior. A

desigualdade previamente existente que realmente interessa é a propriedade

privada dos meios de produção, a verdadeira condição que torna possível o

aumento simultâneo da pobreza e da riqueza, ocasionando o desenvolvimento

desigual que tem como uma de suas expressões o que é chamado de “divisão

digital”. O caminho que dá origem à pobreza e à desigualdade social é outro, e

não o apontado pelo autor. A causa continua sendo a contradição básica que

preside o capitalismo: o caráter coletivo da produção e a apropriação privada

dos frutos do trabalho e das condições necessárias à sua realização.

Castells não mostra que a “sorte” da classe trabalhadora (inclusive

no âmbito “digital”) é fortemente influenciada pelo aumento do capital, pela

alteração na sua composição orgânica e técnica. Não se trata, portanto, de um

“novo” sistema tecnoeconômico, como apontou o autor. Antes, o que ocorre é o

próprio aprofundamento do sistema capitalista, que, no processo de

desenvolvimento das forças produtivas, passa por fases e estágios

diferenciados. Assim, ao invés de tratar-se de um “novo” sistema, o que parece

Page 146: Renato Veloso

146

existir, na verdade, ainda é o sistema de acumulação capitalista, dotado, por

conta das inovações tecnológicas e científicas, de novas mediações e

expressões sociais. Se isso for verdade, as observações de Marx sobre a

sociedade capitalista e sobre a produção de desigualdades a ela inerente

parecem não só continuar válidas, como serem úteis ao entendimento do

fenômeno chamado de “exclusão digital”, sendo possível entendê-lo como uma

das formas de expressão da questão social (anverso do desenvolvimento das

forças produtivas) gerada no interior do capitalismo, onde “o trabalhador existe

para as necessidades de expansão dos valores existentes, ao invés da riqueza

material existir para as necessidades de desenvolvimento do trabalhador“

(Marx, 1971, p.722).

Não é essa, no entanto, a abordagem mais comum que se tem do

fenômeno da “exclusão digital”, pois, em geral, esta é tomada como algo

completamente novo e inédito em nossa sociedade, que expressa uma relação

social que só passou a existir a partir do surgimento e disseminação dos

computadores e da tecnologia digital. Essa é a postura de Silveira (2001), por

exemplo, que vai tratar a “exclusão digital” como a nova face da “exclusão

social”, que vai gerar “novos excluídos” (p.17), como se os indivíduos aos quais

se refere o autor já não sofressem, há muito tempo, as conseqüências das

desigualdades geradas pelo padrão particular da organização social capitalista,

o qual gera os chamados “excluídos”, para usar seu próprio termo.

É evidente que a questão do não acesso à TI e à Internet, por

exemplo, é uma questão preocupante que merece atenção. O problema não

Page 147: Renato Veloso

147

reside em reconhecê-lo como questão importante, mas sim em atribuir-lhe a

condição de questão fundante e estruturante das relações sociais e das

desigualdades nelas produzidas, obscurecendo a real matriz de tais

desigualdades. É com esta perspectiva que afirmações como as de Castells

(2003) devem ser consideradas. Para o autor:

“O mundo, a economia global e as redes de comunicação

estão sendo transformados com a Internet e em torno dela,

ignorando por enquanto a esmagadora proporção da

população do planeta – mais de 93% no ano 2000. Na verdade,

em 1999, mais da metade das pessoas do planeta nunca tinha

dado ou recebido um telefonema. (...) Os centros urbanos

vitais, as atividades globalizadas e os grupos sociais mais

educados estão sendo incluídos nas redes globais baseadas

na Internet, ao passo que a maior parte das regiões e a maior

parte das pessoas são descartadas” (...). (pp. 213-4).

O autor busca pôr em evidência a “divisão” existente entre

indivíduos, regiões e sociedades que dispõem das condições materiais e

culturais necessárias para operar no mundo digital, e os que não dispõem, ou a

elas não conseguem se adaptar (p. 221). Sustenta que a diferenciação de uso

entre os que possuem e os que não possuem acesso à Internet “acrescenta

uma divisão essencial às fontes já existentes de desigualdades e exclusão

social” (p.203). Ao caracterizar a “divisão digital” como “essencial”, o autor

apresenta uma compreensão polêmica que pode dar origem a uma série de

questionamentos, principalmente por atribuir-lhe um traço determinante na

produção de desigualdades sociais, destituindo esse fenômeno de seu caráter

complementar na geração de tais desigualdades. Trata-se de uma

Page 148: Renato Veloso

148

preocupação que se adiciona à crítica realizada por Mattelart (2002), que

observa que Castells, tratando do fim da contradição entre o trabalho e o

capital, sustenta a tese de que:

“somente permanecem na competição os trabalhadores em

rede erigidos como classe dirigente, porque portadores do

‘espírito do informacionalismo’. Esvazia-se assim o cibermundo

de seus agentes sociais e só se vê o processo de trabalho

mediante a relação técnica. Ora, quer se queira isso ou não, o

modo de desenvolvimento informacional continua a ‘ser

elaborado por, e colocado a serviço de, um conjunto de

relações de propriedade com fins de acumulação, e não o

inverso’” (Mattelart, 2002, p.154).

Silva et alli. (2004), pensam a “exclusão digital” como uma

separação entre as pessoas que podem efetivamente fazer uso da TI e aqueles

que dela não podem se utilizar, sem desenvolver, no entanto, um tratamento

mais adequado da origem e natureza dessa separação. Observam que essa

divisão é predominante entre as pessoas de baixa renda que não têm

oportunidade de ter acesso, aprendizado e uso das tecnologias, ocorrendo

também entre aqueles que têm oportunidade de adquirir o conhecimento, mas

não o fazem por desinformação e por não compreenderem sua importância.

Embora seja uma definição limitada, que aborda o uso e a apropriação da

tecnologia como uma simples questão de “oportunidade de acesso”, ela pode

ajudar a levantar considerações interessantes sobre sua presença no Serviço

Social.

Page 149: Renato Veloso

149

Em que medida, por exemplo, o Serviço Social vem demonstrando

compreender a importância da TI e tentando incorporar a seus processos de

trabalho o potencial desta tecnologia? A ausência da TI no exercício

profissional não poderia, também, ser tomada como uma forma de “excluir-se”

do potencial que tal tecnologia possui? Não ter condições de acesso aos

recursos proporcionados pela TI, não saber e não ser incentivado a utilizá-los

e, conseqüentemente, não se apropriar de suas potencialidades, não se

constitui como um problema para a categoria de assistentes sociais e para a

potencialização do seu trabalho? Com essas questões em pauta e buscando

conhecer a forma pela qual os(as) participantes se encaravam, foi perguntado

se eles se consideravam ou não “excluídos digitais”. Em termos absolutos, os

resultados obtidos foram os seguintes.

Page 150: Renato Veloso

150

Gráfico 15 - Considera-se um “excluído digital”? - Distribuição absoluta - Total de casos: 1440

0 200 400 600 800 1000 1200 1400

Sim

Não

Não sabe

Fonte: SSTI, 2005.

Alunos

AS

Docentes

Docentes 1 71 0

AS 76 1008 27

Alunos 11 245 1

Sim Não Não sabe

Percebe-se que a grande maioria dos(as) participantes (91,9%) não

se considera “excluído digital”, o que poderia ser interpretado como uma

tentativa desta parcela da categoria profissional de demonstrar um esforço de

apropriação da TI, seja em seu trabalho, seja no âmbito da formação

profissional. Os dados distribuídos de forma relativa entre os três segmentos

que compõem a categoria mostram resultados parecidos.

Page 151: Renato Veloso

151

Gráfico 16 - Considera-se um “excluído digital”? - Distribuição relativa - Total de casos: 1440

4,3%

95,3%

0,4%

6,8%

90,7%

2,4%

1,4%

98,6%

0,0% 10,0%20,0% 30,0% 40,0% 50,0%60,0% 70,0% 80,0%90,0% 100,0%

Sim

Não

Não sei o que é isso

Fonte: SSTI, 2005.

Docentes

AS

Alunos

Em todos os segmentos, com índices superiores a 90%, a grande

maioria indica não se considerar na condição de “excluído digital”. Verifica-se,

também, que entre os(as) participantes que se consideram “excluídos digitais”,

há uma maior concentração de profissionais, o que pode sugerir a tendência de

que o não acesso à TI seja maior entre eles(as), quando comparados(as) com

os outros segmentos. Considera-se que esta última observação merece um

pouco mais de atenção, pois permite vislumbrar tendências mais próximas da

realidade em que se encontra o Serviço Social, a qual, por sinal, não parece

ser a que se expressa nos gráficos.

Vale considerar a hipótese de que, mais do que o mero acesso, o

importante é realizar uma real apropriação da TI. Ter acesso à Internet e aos

computadores é um passo inicial, indispensável, mas insuficiente. O mero

Page 152: Renato Veloso

152

contato propiciado pelo acesso pode não gerar a apropriação efetiva e

adequada da TI. Como lembra Barreto (2004), um sério problema presente no

uso das novas tecnologias é o acesso a elas na condição de usuário ou

consumidor apenas. Isso significa que é possível, por exemplo, que o acesso à

Internet por parte dos(as) assistentes sociais se realize apenas numa

perspectiva de consumo, não havendo, desta forma, uma real incorporação ao

seu trabalho, que lhe possa possibilitar um desenvolvimento e/ou

aprimoramento. Neste sentido, a observação realizada por Souza (2000)

mostra-se relevante, ao apontar a necessidade de se elaborar uma crítica

contundente às posturas que pensam a relação entre Serviço Social e

informática:

“... fundadas ora em uma interpretação acrítica e apolítica da

informática, orientada simplesmente para o uso desse recurso

numa perspectiva integrada ao consumismo, ora a denúncia

pura e simples desse processo. Em ambas versões, o debate

sobre a informática acaba sendo visto como um fenômeno

restrito aos aspectos mais visíveis e óbvios dos novos padrões

de consumo da sociedade contemporânea” (Souza, 2000,

p.258).

Neste sentido, como forma de evitar o que Tapajós (s/d) qualificou

como “perversos efeitos da assimilação acrítica e alienada destas

potencialidades tecnológicas”, que culminam geralmente na “exacerbação

consumista e no uso paripatético” de tais potencialidades (p.15), atenta-se para

o fato de que uma real apropriação da TI depende menos (embora dele não se

possa prescindir) do acesso físico aos equipamentos, e mais da capacidade de

Page 153: Renato Veloso

153

absorver criticamente as possibilidades disponibilizadas por esta tecnologia.

Essa capacidade, por sua vez, estará diretamente vinculada à existência de

condições adequadas, dentre elas um processo de formação e qualificação

profissional que estimule e desenvolva as competências teórica, técnica e

política, não se limitando a momentos de capacitação em serviço ou

treinamento. Parafraseando Barreto (2004, p.1192), trata-se de propor um

modo de objetivação da TI que passe pela análise das condições de sua

inserção nos processos de trabalho do Serviço Social, condições necessárias a

sua efetiva incorporação e apropriação em conformidade com os pressupostos

profissionais presentes no projeto profissional.

Não se trata, portanto, apenas de evidenciar, no uso da TI, a

competência tecnológica, mas, também, e fundamentalmente, a competência

crítica que permita uma real apropriação deste recurso com vistas a estimular

modalidades de trabalho alternativas ao tradicionalismo e ao conservadorismo.

Com esse pressuposto, evita-se o risco de dispor-se de tecnologia e não se

conseguir efetivamente utilizá-la, por conta da insuficiência ou inexistência de

profissionais qualificados e de condições objetivas de trabalho que permitam a

criação de novos usos e formas de utilização. A ênfase, portanto, pode recair

na possibilidade de se promover uma integração da TI aos processos de

trabalho nos quais o Serviço Social se faz presente, o que, por outro lado, pode

ser incentivado pela formação profissional e pelo trabalho com o recurso

tecnológico.

Page 154: Renato Veloso

154

Faz-se necessário atentar para os modos pelos quais o acesso e o

uso da TI se dão, podendo-se priorizar uma inserção da TI no trabalho

profissional direcionada à melhoria da qualidade dos serviços prestados

aos(às) usuários(as) e ao fortalecimento do trabalho profissional. Considera-se,

portanto, que a “exclusão” que mais deve preocupar a categoria não é a do

mero acesso, mas aquela que impede a profissão de se apropriar do potencial

que a TI pode ter no sentido de contribuir para a construção e consolidação de

uma perspectiva profissional emancipatória, como vem sendo defendida pela

categoria nas últimas décadas.

2 . 7 . O P O T E N C I A L E S T R A T É G I C O D A T I P A R A O S E R V I Ç O S O C I A L

Uma das preocupações presentes neste trabalho é tentar

demonstrar a importância que a TI possui para o Serviço Social, mais

especificamente como um dos fatores que podem contribuir para fortalecer e

consolidar o projeto ético-político profissional construído pelo Serviço Social

brasileiro. Neste sentido, foi formulada e apresentada aos(às) participantes da

pesquisa uma questão sobre este ponto, indagando-os se a TI poderia

contribuir para o fortalecimento de nosso projeto profissional. Foi verificado o

seguinte resultado.

Page 155: Renato Veloso

155

Gráfico 17 - A tecnologia da informação pode contri buir para o fortalecimento do projeto ético-político profission al - Distribuição absoluta - - Total de casos: 1440

0 200 400 600 800 1000 1200 1400

Sim, muito

Sim, um pouco

Não

Não sei

Fonte: SSTI, 2005.

Alunos

AS

Docentes

Docentes 63 8 0 1

AS 915 135 11 50

Alunos 202 40 2 13

Sim, muito Sim, um pouco Não Não sei

Como se pode perceber, a distribuição relativa dos dados entre os

diferentes segmentos da categoria demonstra um resultado bem próximo do

apresentado no gráfico anterior.

Page 156: Renato Veloso

156

Gráfico 18 - A tecnologia da informação pode contri buir para o fortalecimento do projeto ético-político profission al - Distribuição relativa - - Total de casos: 1440

78,6%

15,6%

0,8%

5,1%

82,4%

12,2%

1,0%

4,5%

87,5%

11,1%

1,4%

0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0% 80,0% 90,0% 100,0%

Sim, muito

Sim, um pouco

Não

Não sei responder

Fonte: SSTI, 2005.

Docentes

AS

Alunos

A grande maioria dos(as) participantes considera que a TI pode

contribuir para o fortalecimento do projeto ético-político profissional, embora

não se tenha levantado junto aos(às) participantes as bases de tal

compreensão. Em certa medida, é possível considerar que as respostas

tenham sido orientadas muito mais por uma perspectiva de afirmação de um

sentimento de valorização da TI do que por uma clara compreensão das reais

possibilidades de contribuição à consolidação do projeto profissional. Isso sem

falar na questão mais central e polêmica que seria verificar a própria

concepção que os(as) participantes possuem deste projeto. Isso não significa,

contudo, que a TI não tenha relevância para o projeto ético-político profissional,

e demonstrá-la é o que se tenta fazer neste momento.

Page 157: Renato Veloso

157

O ponto de partida é a noção de que a TI pode potencializar os

processos de trabalho em que os(as) assistentes sociais estão inseridos(as),

adicionando novas possibilidades para a condução do trabalho. Reconhece-se,

no entanto, que ela não cria tais possibilidades por si só, mas a partir da

articulação com os aspectos que compõem o perfil e o trabalho profissionais.

Assim, a potencialidade da TI para o Serviço Social depende da existência de

determinadas condições que efetivem tal potencialidade.

A compreensão de exercício profissional presente neste trabalho é a

apresentada por Iamamoto (1998), para quem a prática profissional deve ser

tomada como trabalho e o exercício profissional, inscrito em processos de

trabalho. Para a autora, todo processo de trabalho é composto por um conjunto

de três elementos: uma matéria-prima ou objeto sobre o qual incide o trabalho;

os meios ou instrumentos de trabalho que potenciam a ação do sujeito sobre o

objeto; e a própria atividade de trabalho, a qual direciona-se a um fim e tem por

resultado um produto (pp.61-2). Tendo por objeto de trabalho as expressões da

questão social, o Serviço Social, como afirma a autora, “é um trabalho

especializado, expresso sob a forma de serviços, que tem produtos: interfere

na reprodução material da força de trabalho e no processo de reprodução

sociopolítica ou ídeo-política dos indivíduos sociais” (p.69).

Essa interpretação do Serviço Social toma o trabalho profissional

como integrante e partícipe de diversos processos de trabalho, sem a

existência, portanto, de um único e idêntico processo de trabalho para

todos(as) os(as) assistentes sociais. Assim, como observa a autora, “o

Page 158: Renato Veloso

158

processo de trabalho em que se insere o assistente social não é por ele

organizado e nem é exclusivamente um processo de trabalho do assistente

social, ainda que dele participe com autonomia ética e técnica” (p.107). É,

portanto, nesta perspectiva que será pensada a potencialidade da TI para o

Serviço Social, situando-a, inicialmente, como um dos instrumentos

disponibilizados aos(às) assistentes sociais para a realização de seu trabalho e

para o alcance de suas finalidades, o que nos remete a pensar sobre a

instrumentalidade da TI para o Serviço Social.

A TI, pensada como integrante de um corpo de instrumentos criados

para a satisfação de necessidades humanas, é gerada e desenvolvida no

interior da sociedade capitalista, onde se observa um forte desenvolvimento

das forças produtivas, sem que isso signifique, no entanto, o desenvolvimento

das potencialidades de autonomia dos homens e mulheres. O capitalismo é

marcado pela contradição, expressa, por exemplo, no fato de que o

desenvolvimento das forças produtivas proporciona o desenvolvimento de

formas de dominação e exploração do trabalhador cada vez mais acentuadas,

o que possibilita, por sua vez, a potencialização da extração da mais-valia no

processo produtivo.

Para que as bases da sociedade capitalista sejam mantidas, foram

criados diversos mecanismos de regulação social, dentre os quais Guerra

(2000) atribuirá destaque à “racionalidade instrumental”, de caráter subjetivista

e formalista, que se opõe a uma razão substantiva, emancipatória, sintonizada

com fins universalistas e valores sociocêntricos, preocupada com as finalidades

Page 159: Renato Veloso

159

e com as implicações acerca das escolhas dos meios para alcançá-las. A razão

instrumental encontra-se subordinada ao alcance de fins particulares e de

resultados imediatos, o que a torna funcional às estruturas da sociedade

capitalista, sendo marcada pela abstração da possibilidade de reflexão crítica e

pela redução das formas de objetivação humana a meras técnicas.

No âmbito profissional, esta postura faz com que a competência

profissional seja entendida como resultado do domínio do instrumental técnico.

O mesmo ocorre com o saber, que passa a ser revestido de instrumentalidade,

convertendo-se em técnica, num sistema de referências metodológicas que

tem por objetivo a manipulação técnica, enfim, um saber tecnicamente

aproveitável. Ao problematizar a instrumentalidade do trabalho do Serviço

Social, Guerra (2000) aponta a existência de dois níveis de abordagem em que

se percebe a incidência da razão instrumental na compreensão da profissão.

Esses níveis são apresentados da seguinte forma:

“1 - no que diz respeito à sua funcionalidade ao projeto

reformista da burguesia (reformar conservando); 2 - no que se

refere a sua peculiaridade operatória, ao aspecto instrumental-

operativo das respostas profissionais (ou nível de competência

requerido) frente às demandas das classes, donde advém a

legitimidade da profissão” (Guerra, 2000, p.23).

São níveis de abordagem que se preocupam com o atendimento às

requisições instrumentais feitas ao Serviço Social. Embora esta dimensão seja

uma condição necessária ao exercício profissional, ela não é suficiente para o

adequado desempenho das atribuições profissionais, não permitindo aos(às)

Page 160: Renato Veloso

160

assistentes sociais o acesso às possibilidades de escolha que permitam

ampliar seus espaços profissionais. Enquanto no primeiro nível a

instrumentalidade do Serviço Social remete a sua condição de instrumento de

controle e de manutenção da produção material e reprodução ideológica da

força de trabalho, no segundo nível, refere-se às respostas operativo-

instrumentais, de caráter manipulatório, voltadas à transformação das

condições imediatamente dadas. Trata-se de uma ação que não permite aos

sujeitos alçarem do atendimento das finalidades particulares para as

finalidades da sociedade, posto que, preocupados com a imediaticidade dos

fatos, não superam o estrito nível do particular e não fazem escolhas que

sejam capazes de elevar seus interesses e finalidades particulares para o nível

da genericidade, abarcando valores humano-genéricos.

A preocupação maior consiste na satisfação de critérios de eficácia e

eficiência criados a partir de padrões da racionalidade burguesa, os quais, por

sua vez, não demandam a apreensão de todos os nexos do processo,

descartando as mediações que constituem e vinculam os fenômenos. O

importante é a vinculação direta entre ação e pensamento, configurando

escolhas profissionais condicionadas por critérios de utilidade prática imediata,

de eficácia no nível do imediato. A autora lembra ainda que esta postura de

priorização das ações instrumentais tem por base de sustentação as condições

objetivas e subjetivas nas quais o exercício profissional se realiza, e pode ser

entendida como prejudicial ao trabalho, na medida em que, ao restringir-se à

dimensão instrumental, “não consegue alcançar um nível capaz de diferenciar-

Page 161: Renato Veloso

161

se de atividades e práticas voluntárias, assistemáticas, caritativas ou

filantrópicas” (Guerra, 2000, p.24).

Guerra observa que a presença da razão instrumental na profissão

encontra suporte numa concepção de Serviço Social como técnica ou

tecnologia social, podendo levar ao fortalecimento de tendências como o

metodologismo e o instrumentalismo, que colocam secundariamente os

valores, os fins ético-políticos e a legitimidade social da profissão em relação

aos procedimentos técnico-instrumentais. Além disso, tais tendências

caracterizam o “instrumental técnico” do Serviço Social como um “referencial

estratégico” para a ação, abordando-o de forma limitada e reducionista, como

demonstra a autora:

“De um lado, tem-se concebido o referencial estratégico como

um conjunto de instrumentos e técnicas que são neutros,

abstratos, vazios de conteúdos, amorfos, os quais os homens

deverão direcionar para o alcance de suas finalidades, direção

esta determinada apenas pela visão de mundo do assistente

social o que não é pouco, (mas é insuficiente). De outro,

consideram-se os instrumentos como algo em si, com valor e

possibilidades próprias, dados pelas suas propriedades

imanentes que direcionam o agir dos homens. Nesse caso, o

problemático é que consideram-se apenas as propriedades

naturais dos instrumentos, sem pensá-los como produto dos

homens na satisfação de suas necessidades. Os instrumentos

aqui aparecem como vocacionados para atender esta e não

outra necessidade. Não se considera que estes são produtos

da ação humana direcionada ao alcance de finalidades”

(Guerra, 2000, p.27).

Page 162: Renato Veloso

162

São, portanto, posturas que contribuem para uma “deificação” do

instrumental técnico, seja porque “razão e a vontade dos sujeitos subsumem as

propriedades imanentes dos objetos (meios e instrumentos), a sua

objetividade, negando o seu em si”; seja porque as “propriedades constitutivas

dos meios e instrumentos adquirem um nível de objetividade tal que subsumem

a razão e a vontade dos sujeitos” (pp.27-8). Como forma de escapar dos limites

presentes em tais abordagens, a autora propõe um terceiro nível de

compreensão da instrumentalidade do Serviço Social, tratando-a:

“como uma mediação que permite a passagem das análises

macroscópicas, genéricas e de caráter universalista às

singularidades da intervenção profissional, em contextos

conjunturas e espaços historicamente determinados. Aqui, a

instrumentalidade como categoria constitutiva do Serviço Social

permite pensar nos indicativos teórico-práticos de intervenção

imediata (entendidos como os instrumentos teóricos, políticos e

técnicos), bem como vinculá-los aos objetivos, finalidades e

valores profissionais e humano-genéricos. Em outros termos,

permite acionar, potencializar os diversos elementos que

compõem a cultura profissional” (Guerra, 2000, p.23)

Trata-se de uma postura em que a instrumentalidade do Serviço

Social é vista como mediação que possibilita recuperar a ruptura entre meios e

finalidades, superando a razão instrumental e a prioridade conferida às ações

meramente instrumentais. Tomar a instrumentalidade como mediação,

significa, portanto, pensar nos valores subjacentes às ações, no nível e na

direção das respostas oferecidas às demandas apresentadas, extrapolando a

preocupação limitada ao bom uso de técnicas e instrumentos. Coloca-se,

assim, um desafio para o Serviço Social no sentido de não sucumbir à razão

Page 163: Renato Veloso

163

instrumental, ou seja, não limitar a sua atuação profissional à mera utilização

de técnicas e instrumentos de trabalho, perdendo de vista as finalidades que se

pretende alcançar. Faz-se necessária uma concepção de instrumentalidade

que aponte para a importância dos instrumentos de trabalho não a partir deles

mesmos ou da vontade exclusiva do(a) profissional que os utiliza, mas a partir

do estabelecimento das finalidades a serem alcançadas e da definição dos

melhores meios a serem empregados.

A concepção apresentada por Guerra aponta para essa

preocupação, situando a instrumentalidade entre o momento de formulação de

projetos e a ação propriamente dita, destacando que são as finalidades

socialmente construídas que determinam o modo de atuar e a escolha das

alternativas, orientando a busca, a seleção e a construção dos meios

adequados à ação. É tendo em vista o alcance de finalidades, que os

indivíduos irão transformar os objetos em instrumentos adequados à satisfação

de suas finalidades. Assim, tratar da instrumentalidade do Serviço Social,

significa pensar as “propriedades e as capacidades sócio-históricas que a

profissão vai adquirindo no confronto entre as condições objetivas e as

posições teleológicas de seus agentes profissionais e dos agentes sociais que

demandam o exercício profissional” (Guerra, 2000, p.6), as quais se

diversificam tendo em vista fatores como espaço sócio-ocupacional, nível de

qualificação dos(as) profissionais, projetos profissional e societário

hegemônicos, correlação das forças sociais, dentre outros.

Page 164: Renato Veloso

164

Recusa-se a postura de tomar a TI a partir de uma perspectiva que

tenha por base a priorização da racionalidade instrumental, descartando-se,

desta forma, o sentido hegemônico em que a TI é compreendida, marcado pelo

primado da dimensão técnica. A intenção aqui é pensá-la como mediação,

como integrante de um conjunto de instrumentos teórico-metodológicos, ético-

políticos e técnico-instrumentais socialmente construídos que possibilitem à

profissão alcançar as finalidades presentes em seu projeto profissional. Trata-

se de um recurso que possui um potencial estratégico para o trabalho

profissional, como se pretende demonstrar mais à frente. Sua importância

reside na possibilidade de potencializar, de imprimir uma mudança qualitativa

ao trabalho profissional, a partir de seu uso como recurso capaz de propiciar a

ampliação das capacidades e habilidades profissionais. Trata-se, portanto, de

um potencial estratégico voltado, não para os interesses dos segmentos

dominantes da sociedade, mas para a consecução do projeto profissional, que

confere prioridade à satisfação dos interesses dos(as) usuários(as), dos

segmentos populares e menos favorecidos.

O uso da noção de potencial estratégico não se dá de maneira

fortuita. Trata-se de uma expressão que pode ser verificada em alguns dos

poucos autores que tratam o tema da tecnologia ou da informática no Serviço

Social. Albuquerque (1995), por exemplo, indica que “o projeto profissional

exige a habilidade de usar um instrumental estratégico” (p.299), dentre os

quais, para a autora, a informática possui lugar de destaque, sobretudo pela

possibilidade de democratizar o acesso à cultura e aos direitos sociais. Da

mesma forma, Souza (2000) enfatiza “uma potencialidade que acontece pelo

Page 165: Renato Veloso

165

domínio estratégico da informática” (p.268), a qual, reforça, “deve ser encarada

estrategicamente”, (p.257), enquanto, com preocupações parecidas, Tapajós

(s/d) sustenta a importância de uma “nova compreensão das potencialidades

ofertadas neste mundo tecnológico” (p.5). A idéia de que a TI pode possuir um

potencial estratégico para o trabalho profissional não é, portanto, algo alheio ao

debate sobre o tema no âmbito do Serviço Social. Trata-se, no entanto, de

afirmar este potencial, no sentido de mostrar sua importância para o trabalho

profissional.

Evita-se a influência da racionalidade instrumental que, além de

reduzir a TI a uma mera técnica ou instrumento descolado das finalidades que

se pretende alcançar pode, ainda, orientar a sua utilização para uma

substituição dos(as) profissionais, numa perspectiva de substituição

tecnológica, inscrita nos processos de flexibilização e precarização do trabalho.

Sabe-se que a automação e as novas tecnologias, produto do trabalho coletivo

realizado na sociedade, na maior parte das vezes são usadas para

desqualificar o trabalhador, retirando dele o seu saber e transferindo-o para a

máquina ou para o computador. Isso contribui para tornar o trabalho cada vez

mais escravizado e dominado pelo instrumento, ou seja, cada vez mais, ao

invés do trabalho consumir os meios de produção, o que ocorre é o inverso, os

meios de produção é que consomem o trabalho, como já observara Marx

(1971).

Vislumbra-se, nesse contexto, uma forma concreta de utilização da

tecnologia funcional aos objetivos dos setores dominantes, e,

Page 166: Renato Veloso

166

conseqüentemente, como um dispositivo gerador de drásticas conseqüências

sociais. Não é nesta abordagem que se pretende compreender a TI e sua

relevância para o Serviço Social. Tomá-la como uma mediação, significa tomá-

la como um meio a ser utilizado para alcançar finalidades específicas, como

uma forma de se implementar determinado projeto, o qual, por sua vez,

consiste num ato consciente de intervenção no mundo. O uso da TI, assim,

encontra-se condicionado a idéias e valores vinculados a finalidades

projetadas, a projetos que expressam o relacionamento da ação a uma

finalidade, em vista da qual são preparados e dispostos os meios necessários e

adequados, são escolhidos os objetos e os procedimentos de ação (Vieira

Pinto, 2005, p. 59).

Mais do que enfocar exclusivamente os efeitos derivados do uso

social da TI, há que se levar em consideração, sobretudo, a existência e a

centralidade dos projetos (societários e profissionais, os quais, por sua vez,

articulam-se a projetos de classe) aos quais se submeterão determinados

instrumentos, meios e recursos. É aqui que se encontra o real sentido da TI e a

chave para entender a sua importância, ou ainda, o seu potencial estratégico

para o projeto profissional, sobre o qual se pretende dedicar algumas breves

linhas.

O debate acerca do Projeto Ético-Político do Serviço Social data da

década de 90. Sua construção tem uma história que se inicia na transição da

década de 70 à de 80, período no qual a categoria passa a recusar e criticar de

forma acentuada o conservadorismo profissional, constituindo a primeira

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167

condição para a gestação deste projeto. Merece destaque nesse processo a

interlocução do Serviço Social com a tradição marxista, que vem oferecendo

importantes contribuições para o Serviço Social, mesmo considerando-se sua

aproximação inicial marcadamente enviesada, tal como expressa na

experiência do movimento de reconceituação (Iamamoto, 1998).

Considera-se que o projeto ético-político do Serviço Social consiste

numa forma determinada de pensar e exercer a profissão, e pensá-lo supõe

atentar para os chamados “projetos societários”, os quais, segundo Netto

(1999) “apresentam uma imagem de sociedade a ser construída, (...) reclamam

determinados valores para justificá-la e (...) privilegiam certos meios (materiais

e culturais) para concretizá-la” (p. 93). Trata-se de projetos coletivos,

macroscópicos, voltados para o conjunto da sociedade, articulados a “projetos

de classe”. Os projetos profissionais dizem respeito às profissões reguladas

juridicamente, que supõem uma formação teórica e/ou técnico-interventiva, e

apresentam-se como a “auto-imagem de uma profissão”, elegendo os valores

que a legitimam socialmente, delimitando seus objetivos e funções, formulando

os requisitos para o seu exercício e estabelecendo normas e balizas para a

atuação profissional (Netto, 1999, p. 95).

Dentre as suas características principais, pode-se apontar que o

Projeto Ético-Político do Serviço Social tem em seu núcleo o reconhecimento

da liberdade (concebida historicamente como possibilidade de escolher entre

alternativas concretas) como valor central, remetendo a um compromisso com

a autonomia, com a emancipação e com a plena expansão dos indivíduos

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168

sociais. Fica nítida a vinculação do projeto ético-político do Serviço Social a um

determinado projeto societário atento às desigualdades de classe, gênero e

raça/etnia que se propõe à construção de uma nova ordem social, à defesa

intransigente dos direitos humanos e à recusa do arbítrio e dos preconceitos.

Este projeto profissional possui uma clara dimensão política,

concretizada: na perspectiva da universalização do acesso aos bens e serviços

relativos aos projetos, programas e políticas sociais; na ampliação e na

consolidação da cidadania; e na defesa do aprofundamento da democracia,

enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente

produzida. Sustenta, também, um compromisso com a competência

profissional, que, sem perder de vista a totalidade do trabalho profissional,

tenha por base o aprimoramento intelectual, demandando uma sólida formação

acadêmica, parametrada por concepções teórico-metodológicas críticas e

capazes de viabilizar uma análise concreta da realidade social.

A apresentação desses traços gerais é importante para sustentar

que a apropriação e a incorporação da TI ao Serviço Social, nos marcos desse

projeto profissional, se concretizam no trabalho cotidiano nas instituições, em

projetos de trabalho consistentes, críticos e comprometidos com a qualidade no

atendimento prestado aos usuários e usuárias. Ao se apropriar desta

tecnologia, o Serviço Social poderá imprimir ao uso que delas fizer uma direção

social compatível com os valores e princípios fundamentais, aqui

resumidamente apresentados. É nesta perspectiva que a TI pode ser

apropriada pelo Serviço Social: como um recurso a serviço da concretização

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169

dos valores e princípios fundamentais do projeto profissional, e não como algo

dissociado deles. Sua incorporação, de forma subsumida a tal projeto, supõe

uma vinculação entre os valores profissionais e o uso concreto da TI. É essa

perspectiva que pode garantir uma real apropriação da TI, uma incorporação

vinculada à satisfação dos interesses dos usuários e usuárias. A tecnologia é

pensada, então, como um dos meios de se alcançar uma finalidade bem

explícita, uma das mediações que se colocam a disposição do projeto

elaborado e implementado pela categoria profissional. Considera-se que sua

importância reside exatamente na possibilidade de constituir-se como um dos

recursos que podem ser utilizados para o aprofundamento e a consolidação

deste projeto profissional, o que não significa tomá-lo como mais importante

que outros recursos disponíveis aos(às) assistentes sociais. A intenção aqui

não é a de definir hierarquias ou estipular o grau de importância dos meios de

trabalho disponíveis aos(às) profissionais, mas demonstrar que a tecnologia

pode ser entendida como um fator relevante na melhoria do trabalho realizado.

Assim, considera-se que o potencial estratégico da TI para o Serviço

Social consiste no aprofundamento de uma dimensão que já vem sendo

considerada estratégica para o Serviço Social: a competência crítica nas suas

dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa, como vêm

observando seus principais autores.

Iamamoto (1993), por exemplo, afirma que para se compreender o

significado social da profissão, como componente da organização da

sociedade, há que se levar em consideração que a atuação do(a) assistente

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170

social é necessariamente polarizada pelos interesses das classes sociais

fundamentais e suas personagens, que, por sua vez, só existem em relação,

pela mútua mediação entre elas. Como enfatiza a autora, é a partir dessa

compreensão “que se pode estabelecer uma estratégia profissional e política

para fortalecer as metas do capital ou do trabalho" (p.75).

A construção desta estratégia demanda do Serviço Social a

incorporação e o domínio de uma série de recursos e capacidades que,

concretamente, lhe possibilitará, em maior ou menor medida, “colocar-se no

horizonte dos interesses das classes trabalhadoras” (p.75). O potencial

estratégico da TI reside exatamente na possibilidade de contribuir para que o

Serviço Social robusteça a opção de participar das “respostas às necessidades

legítimas de sobrevivência da classe trabalhadora, face às suas condições de

vida" (p.95) e consolidar-se como um "intelectual orgânico a serviço (...) das

forças populares emergentes (...), reforçando um projeto político alternativo,

apoiando e assessorando a organização dos trabalhadores, colocando-se a

serviço de suas propostas e objetivos" (p.96).

Visualiza-se, portanto, a dimensão atribuída ao termo “estratégico”.

Seu aspecto principal, aqui, refere-se à possibilidade de contribuir, de forma

articulada, para a manutenção, consolidação e aprofundamento da “direção

social estratégica” (Netto, 1996, p.116) assumida pelo Serviço Social desde a

década de noventa. A TI é concebida como uma das formas disponíveis para

potencializar e instrumentalizar o trabalho profissional no sentido de avançar na

luta pela defesa de direitos, pela ampliação e consolidação da cidadania, e pelo

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171

aprofundamento da democracia, demandando, neste sentido, uma utilização

marcada pela competência crítica, e não apenas tecnológica.

Assim, a compreensão da TI como um elemento estratégico para o

Serviço Social, em muito se diferencia do sentido que Faleiros (1999) atribui ao

termo. Para este autor, estratégias são “processos de articulação e mediação

de poderes e mudança de relações de interesse, referências e patrimônios em

jogo, seja pelo rearranjo de recursos, de vantagens e patrimônios pessoais,

seja pela efetivação de direitos, de novas relações ou pelo uso de informações”

(Faleiros, 1999, p.76). Faleiros observa que a tecnologia é capaz de abrir

espaços para a construção de estratégias de atuação profissional, marcadas,

sobretudo, pela articulação entre grupos, movimentos e indivíduos, cabendo

ao(à) profissional de serviço Social utilizar esse recurso para elaborar uma

perspectiva de atuação profissional fundada no “fortalecimento do dominado

(empowerment) e sua defesa (advocacy)”, vinculada às trajetórias dos(as)

usuários(as), à rearticulação de seus patrimônios, suas referências e

interesses, fortalecendo, assim, o poder dos sujeitos dominados nas suas

relações sociais (1999, p.78).

Cabe explicitar a desvinculação do presente trabalho com as

concepções apresentadas por Faleiros. Em primeiro lugar, trabalha-se com

noções fundamentais presentes no projeto ético-político profissional, das quais

o autor, em alguns momentos, parece discordar. Dentre elas, pode-se destacar

a compreensão da questão social como objeto do trabalho profissional e um

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172

posicionamento em favor da universalidade de acesso a programas e políticas

sociais.

Em relação à discussão sobre a questão social como objeto da

atuação profissional, Faleiros observa que tal noção só pode ser tomada, “de

forma abstrata e genérica” (p.23). De acordo com o autor:

“É preciso (...) articular a discussão da questão social ao objeto

da profissão de forma precisa, pois não se pode demandar a

profissionais que superem, com seus instrumentos de ação, a

relação de exploração entre capital e trabalho ou a abolição da

propriedade privada.” (Faleiros, 1999, p.24)

Destaca o autor que a construção do objeto profissional não pode

ser referida a “conceito extremamente genérico sem levar em conta a história,

as discussões, os debates dos projetos de sociedade e de intervenção

profissional nas diferentes conjunturas” (p.24). Afirma que as reflexões que

realiza acerca do poder institucional e do saber profissional recolocam a

questão do objeto profissional “numa outra ótica que aquela exclusiva de

classe contra classe” (p.31), articulando-a na análise das relações de poder,

hegemonia e contra-hegemonia. O autor considera que a expressão questão

social é tomada no debate profissional de forma muito genérica, embora seja

usada para definir uma particularidade profissional. Em suas palavras:

“Se for entendida como sendo as contradições do processo de

acumulação capitalista, seria, por sua vez, contraditório colocá-

la como objeto particular de uma profissão determinada, já que

se refere a relações impossíveis de serem tratadas

profissionalmente, através de estratégias institucionais/relacio-

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173

nais próprias do próprio desenvolvimento das práticas do

Serviço Social. Se forem as manifestações dessas

contradições o objeto profissional, é preciso também qualificá-

las para não colocar em pauta toda a heterogeneidade de

situações que, segundo Netto, caracteriza, justamente, o

Serviço Social” (Faleiros, 1999, p.37).

Em síntese, o autor considera que as diversas possibilidades de

atuação profissional, devem ser vistas num “processo complexo de relações de

classe, gênero, geração, raça, etnia, culturas, regiões, parentescos, trazendo à

discussão as mediações da subjetividade e que não se resumem tout court na

noção de questão social” (1999, p.40).

Pode-se perceber que Faleiros critica uma noção de questão social,

onde, em sua opinião, não se fazem presentes outras mediações que

complexificam essa categoria. Faz-se necessário, portanto, observar que

embora a exploração do trabalho pelo capital seja fundamental para a

compreensão da gênese da questão social, isso não significa a ausência, nesta

categoria, de outras mediações que lhe conferem sentido e evidenciam a

presença de múltiplas determinações neste fenômeno.

A questão social, tomada como objeto do trabalho profissional,

refere-se, segundo Iamamoto, ao “conjunto das expressões das desigualdades

da sociedade capitalista madura” (1998, p.27), podendo ser apreendida como

“expressão ampliada das desigualdades sociais: o anverso do desenvolvimento

das forças produtivas do trabalho social” (2001, p.10), “indissociável do

processo de acumulação e dos efeitos que produz sobre o conjunto das

classes trabalhadoras” (idem, p.11). Além disso, a autora observa que questão

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social “é também rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as

desigualdades e a elas resistem e se opõem” (1998, p.28), afirmando que “é na

tensão entre produção da desigualdade e produção da rebeldia e da resistência

que trabalham os assistentes sociais” (id., ibid.). Neste sentido, vale citar um

importante trecho da autora, para demonstrar que a abordagem da questão

social, ao contrário do que afirma Faleiros, não se dá de forma genérica, nem

tampouco desprezando as mediações presentes na sua produção e

reprodução. Nas palavras da autora:

“(...) decifrar as novas mediações por meio das quais se

expressa a questão social hoje é de fundamental importância

para o Serviço Social em uma dupla perspectiva: para que se

possa tanto apreender as várias expressões que assumem na

atualidade as desigualdades sociais, quanto projetar e forjar

formas de resistência e de defesa da vida. Formas de

resistência já presentes, por vezes de forma parcialmente

ocultas no cotidiano dos segmentos majoritários da população

que dependem do trabalho para sua sobrevivência. Assim,

apreender a questão social é também captar as múltiplas

formas de pressão social, de invenção e de reinvenção da vida

construídas no cotidiano, pois é no presente que estão sendo

recriadas formas novas de viver, que apontam um futuro que

está sendo germinado” (Iamamoto, 1998, p.28, grifos da

autora).

Assim, um dos principais desafios postos aos(às) assistentes sociais

é justamente decifrar as múltiplas expressões da questão social, as novas

características e as novas mediações pelas quais se expressa na

contemporaneidade. Expressões e mediações essas que constituem a matéria-

prima do trabalho cotidiano do Serviço Social.

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175

Em relação ao posicionamento em favor da universalidade de

acesso a programas e políticas sociais, destaca-se a posição de Faleiros ao

criticar as políticas universalistas como criadoras de dependência, sugerindo,

como observou Vasconcelos (2001), a viabilização da exclusão de

usuários(as), por parte dos(as) profissionais, do acesso a tais políticas. Nas

palavras de Faleiros (1999):

“As políticas universalistas são criticadas por tornar os

indivíduos dependentes dos benefícios. A crítica da

dependência, no entanto, tem servido para a defesa neoliberal

do desengajamento do Estado das políticas públicas, através

da transferência de suas responsabilidades para os indivíduos

e as famílias, usando-se para isso, o Serviço Social e

estratégias de parceria. Esta, como toda mediação, é

contraditória. Se, por um lado, trazem desresponsabilização do

Estado, por outro, podem abrir campo para iniciativas

inovadoras de ampliação da cidadania e de atendimento das

particularidades que as medidas universais, às vezes, não

contemplam. A doença do universalismo é o burocratismo

formalista, que faz com que os indivíduos sejam considerados

apenas números e os assistentes sociais administradores de

convênios, de acordo com a estratégia dominante de

administrar problemas e recursos em vez de se prestar cuidado

à população e garantir seus direitos. Numa perspectiva de

‘empowerment’, a flexibilização dos serviços pode contribuir

para reduzir a dependência, sem que se renuncie à garantia de

direitos” (Faleiros, 1999, p.61).

O autor, então, sugere que o Serviço Social leve em consideração

as situações mais excludentes para priorizar o “fortalecimento” dos mais

fragilizados, ocultando dos olhos mais despreparados uma postura marcada

por finalidades como humanização do capitalismo, a inclusão dos excluídos e

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176

redução da ação profissional ao círculo da pobreza. Tendo em vista os “três

problemas presentes no acesso às políticas sociais básicas” (a garantia do

acesso, a dependência da tutela e a inadequação à pluralidade de situações)

(p.60), o autor observa que:

“... o Serviço Social deverá ter em conta as situações mais

excludentes para fortalecer, prioritariamente, os que vivem na

periferia das trocas e relações sociais significativas e

enriquecedoras, tornando-se mais fragilizados” (Faleiros, 1999,

p.61).

Ao apreciar as considerações realizadas por Faleiros, Vasconcelos

(2001) aponta para uma “involução” nas idéias do autor, sinalizando que

“quanto mais voltamos no tempo, mais os textos mostram a radicalidade do

autor perdida na atualidade” (p.95). A autora observa que Faleiros se mostra

contraditório e eclético ao abordar noções como cidadania e direitos sociais. De

acordo com a mesma, este autor:

“Ao afirmar o espaço das políticas sociais, menos como espaço

de luta e mais como a própria vivência da ‘cidadania’ no

consumo das políticas – exercício dos direitos civis, políticos,

sociais, ambientais, éticos que ‘se fortalece nas relações

Estado/Sociedade’ –, critica as políticas universalistas como

criadoras de dependência e sugere a viabilização da exclusão

por parte dos profissionais ao defender que ‘o Serviço Social

deverá ter em conta as situações mais excludentes para

fortalecer, prioritariamente, os que vivem na periferia das trocas

e relações significativas e enriquecedoras, tornando-se mais

fragilizados’, o que deixa explicitado, como fim, a humanização

do capitalismo e/ou a inclusão dos mais excluídos, numa

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177

alusão clara à redução da ação profissional ao círculo da

pobreza” (Vasconcelos, 2001, p.96).

No que diz respeito ao tema da informática, Faleiros realiza

observações passíveis de crítica e problematização. De acordo com o autor

(1996):

“À trabalhadora social cabe conhecer tanto a manipulação da

técnica como de seus pressupostos para intervir na dinâmica

das relações sociais, como um dos atores (...), numa

perspectiva estratégica. Essa intervenção, hoje, não descarta a

multimídia como instrumento de informação, de animação e de

criação, facilitando, mesmo, a realização de assembléias,

reuniões, intercâmbios. O domínio da técnica informática é

condição para o exercício da profissão nos quadros

burocráticos, nos organismos populares e na esfera privada, e

numa dinâmica de fortalecimento dos grupos subalternos”

(Faleiros, 1996, p.32).

O autor caracteriza a informática, ou a tecnologia, em termos mais

amplos, como um importante instrumento que pode ser utilizado pelos(as)

profissionais para a realização de suas tarefas, podendo, inclusive, ser utilizado

como um fator de “fortalecimento” seja para a organização da categoria de

assistentes sociais, seja para a divulgação dos conhecimentos produzidos pela

profissão. Caracteriza este recurso como um fator relevante para o trabalho

profissional, sinalizando que:

“Por meio da informática, torna-se possível não só obter

informação como também produzi-la de forma mais coletiva,

participativa, de qualidade e mais barata. As agências de

informação criadas pelas redes de organismos sociais de

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178

caráter popular e democrático podem transmitir e intercambiar

mensagens no sentido de fortalecer suas propostas e suas

lutas. (...) A tecnologia é um instrumento de modernização e,

ao mesmo tempo, de organização de redes comunitárias e de

grupos, de fortalecimento do poder da população. O uso da

informática facilita o acesso do usuário ao próprio prontuário,

embora tenha servido também ao controle desse mesmo

usuário” (Faleiros, 1996, p.32).

Ao tecer considerações sobre a importância deste recurso para o

trabalho dos(as) assistentes sociais, Faleiros não chega a abordar as

condições concretas em que se processa a utilização da tecnologia como um

recurso capaz de fortalecer a atuação profissional. A ausência de um

aprofundamento no tratamento desta questão, pode suscitar um entendimento

de que o(a) profissional possui as condições necessárias e adequadas para a

utilização do recurso tecnológico, e dispõe dos requisitos e qualificações

necessárias ao uso da informática como forma de “fortalecimento” dos(as)

usuários(as). Nesse sentido, podem ser levantadas questões que ajudam a

entender a complexidade do tema, tais como: condições materiais objetivas e

subjetivas que mediatizam a apropriação da TI; ausência do tema na formação

profissional; resistência, iniciativa ou vontade dos(as) profissionais em

apropriarem-se da tecnologia.

Embora tentando evidenciar a tecnologia e sua importância para a

profissão, a abordagem que Faleiros oferece da tecnologia e de sua função

“estratégica”, consiste numa afirmação de sua importância de forma abstrata.

Uma percepção mais concreta desta questão atribui visibilidade para a

necessidade de se perceber os aspectos que possibilitam e condicionam o seu

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179

uso. Os(As) assistentes sociais, antes de utilizarem a tecnologia a favor do

“fortalecimento” dos(as) usuários(as), precisam eles(as) próprios(as), se

“fortalecerem”. Faleiros afirma a importância do uso da tecnologia para os(as)

usuários(as), no entanto, não chega a desenvolver reflexões sobre a

presença/ausência da tecnologia nos processos de qualificação e formação

profissionais, ou ainda, sobre a existência/inexistência de condições

adequadas de trabalho.

Considera-se que a questão principal é pensar as possibilidades de

incorporação da TI ao Serviço Social, e não apenas as possibilidades de

aplicação dessa tecnologia. Fatores como necessidade, limites e obstáculos

presentes na utilização da tecnologia são vistos como aspectos importantes no

processo de apropriação da TI. Como lembra Vieira Pinto (2005), a tecnologia,

para ser útil, precisa antes de tudo ser necessária ao sujeito que

concretamente a utilizará (p. 301). De acordo com este autor, a real

necessidade deste recurso só será visualizada tendo em vista o nível de

desenvolvimento do trabalho realizado e a percepção da importância da

tecnologia para o aprimoramento de suas atividades. É neste sentido que, para

além da tentativa de demonstrar as possibilidades de uso da TI, faz-se

necessário, também, dedicar atenção para a base onde se situam a discussão

e a apropriação dessa tecnologia e seu papel para o desenvolvimento das

atividades profissionais. Esta base é representada pela análise das condições

em que os(as) assistentes sociais desempenham seu trabalho, condições

essas que podem tornar ou não possível a apropriação efetiva da TI.

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180

Acredita-se que a TI constitui-se como um recurso capaz de

potencializar o exercício da profissão em suas diversas dimensões e não

apenas no âmbito da atuação direta, que, se possui uma importância de

destaque, não sintetiza o conjunto das possibilidades de atuação profissional.

Propor, planejar, elaborar, avaliar e conduzir ações e serviços de programas e

políticas sociais são dimensões do trabalho que podem, também, ser

potencializadas pelo uso da TI. Entende-se que o que pode ser potencializado

não é apenas uma das dimensões da profissão, mas sim o exercício

profissional em suas diversas dimensões. Como vem sendo argumentado, a TI

precisa ser utilizada de forma articulada a outras competências fundamentais

(teórica, política, técnica e ética) para uma adequada incorporação, sob pena

de cair-se no tecnicismo. Perder de vista este sentido generalizante, pode

resultar num uso da TI nos marcos da razão instrumental, como alertou Guerra

(2000), algo do qual se pretende distanciar.

A incorporação da TI pelo Serviço Social pode ser considerada

estratégica porque possibilita um potencialização da profissão em suas

diversas dimensões, não só na dimensão referente ao atendimento

propriamente dito, mas, em relação ao trabalho profissional em sua totalidade.

Tal incorporação está hipotecada à existência de um perfil profissional que não

seja, como observou Netto (1996) “o técnico bem adestrado que vai operar

instrumentalmente sobre as demandas do mercado de trabalho tal como elas

se apresentam”, mas sim um “intelectual que, com qualificação operativa, vai

intervir sobre aquelas demandas a partir da sua compreensão teórico-crítica”

(p.126). Percebe-se, assim, a importância da existência de condições e

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181

competências sobre as quais se adicionará o potencial da TI, que numa relação

de mútua fecundação, pode contribuir com o processo de constituição de um(a)

profissional com as características descritas por Iamamoto (1998):

“(...) atento às possibilidades descortinadas pelo mundo

contemporâneo, capaz de formular, avaliar e recriar propostas

ao nível das políticas sociais e da organização sociedade civil.

Um profissional informado, critico e propositivo, que aposte no

protagonismo dos sujeitos sociais. Mas também um profissional

versado no instrumental técnico-operativo, capaz de realizar as

ações profissionais, aos níveis de assessoria, planejamento,

negociação, pesquisa e ação direta, estimuladoras da

participação dos usuários na formulação, gestão e avaliação de

programas e serviços sociais de qualidade” (Iamamoto, 1998,

p.144).

A reafirmação da importância deste perfil profissional não significa

automaticamente a sua existência, sendo necessários esforços coletivos no

sentido de sua viabilização, criação e instrumentalização. É neste sentido que

se manifesta a preocupação em relação às formas pelas quais a TI pode ser

apropriada pelo Serviço Social. Verifica-se a existência de sérias lacunas nas

competências necessárias ao(à) assistente social, algumas das quais com

conseqüências diretas sobre essa incorporação.

Vasconcelos (2001), por exemplo, em sua análise da prática dos(as)

assistentes sociais na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro,

identifica uma ausência de valorização da teoria no cotidiano do trabalho,

expressando uma “miséria teórica” (p.349) que sequer se constitui como uma

preocupação no cotidiano de trabalho desses(as) profissionais, e que, por sua

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182

vez, os(as) destitui da capacidade de captar possibilidades de trabalho

alternativas ao modelo tradicional, fazendo com que práticas conservadoras,

apesar do discurso em contrário, sejam mantidas e reproduzidas. Além disso, a

autora também observa que uma grande parte dos(as) profissionais

entrevistados(as) demonstrou desconhecimento a respeito de um dos mais

fundamentais instrumentos de nosso trabalho, que, inclusive, sintetiza o projeto

ético-político do Serviço Social: o Código de Ética dos(as) assistentes sociais

de 1993. Como afirma a autora:

"Com somente 27% dos profissionais revelando um

conhecimento mais aprofundado do Código de Ética, e (...)

mais ou menos, na mesma proporção, um conhecimento da

Constituição Federal de 88, da Lei de Regulamentação da

profissão (...) - o conjunto dos assistentes sociais da SMS

conta com pouco ou quase nenhum recurso para

pensar/encaminhar alternativas ao trabalho profissional que

realizam. Dessa forma, não empreendem ações que

contribuam para a preservação, cumprimento e ampliação dos

direitos normatizados e/ou referendados nestes documentos,

ainda que façam uma opção pelos interesses e necessidades

dos usuários” (...) (Vasconcelos, 2001, p.403).

Pensar a incorporação da TI ao trabalho do(a) assistente social

supõe a possibilidade de mudanças qualitativas geradas pela redução da

demanda por trabalho manual e mecânico e pelo aumento, por outro lado, da

exigência de trabalho intelectual, no sentido apontado por Vieira Pinto (2005,

p.81), de que o desenvolvimento tecnológico supõe cada vez mais esforço

intelectual “para apoderar-se das possibilidades de ação útil” contidas no uso

da tecnologia. Tais mudanças podem ser potencializadas se forem

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183

acompanhadas de maiores investimentos em formação e capacitação

profissionais, com vistas a estimular e desenvolver as competências teórico-

metodológica, técnico-operativa e ético-política necessárias ao trabalho. Cabe,

portanto, indagar em que medida a categoria profissional vem absorvendo a

importância do acesso a esse recurso para o trabalho profissional, tendo em

vista as possibilidades que o uso da TI pode oferecer para o desenvolvimento

do trabalho.

Para que as potencialidades presentes no uso da TI adquiram

concretude na profissão, é necessário um sólido processo de apropriação

deste recurso, conformando-o como instrumento de apoio à classe

trabalhadora. Sua incorporação adequada só se viabiliza na medida em que o

projeto ético-político tenha sido absorvido pelos(as) assistentes sociais, e o

“solo” fértil sobre o qual se situará a tecnologia tenha sido preparado. Sem o

predomínio deste projeto, e das finalidades que ele expressa, o uso da

tecnologia deixa de ser estratégico para o alcance das finalidades nele

presentes e pode cair na armadilha do tecnicismo. Assim, em condições

adequadas de apropriação e incorporação, o uso da TI pode ser entendido

como um passo importante para o Serviço Social em seu próprio processo de

desenvolvimento. Evidentemente, não o único, mas um dos quais, pelo

potencial que encerra, pode contribuir para a consolidação do projeto

profissional.

Por estar presente nos marcos da sociedade capitalista, a TI possui

um caráter contraditório, podendo ser utilizada para viabilizar interesses do

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184

capital, mas também para atender interesses dos trabalhadores. O Serviço

Social, como profissão comprometida com os interesses de seus usuários e

usuárias, pode colocar em prática o desafio de incorporar o potencial

estratégico da TI, aplicando-a e fazendo com que sua utilização resulte no

desenvolvimento do seu trabalho e na melhoria dos serviços prestados. No

entanto, não se busca uma postura de “endeusamento” deste recurso, tendo

em vista a coexistência de várias outras dimensões e mediações presentes no

exercício profissional, como lembra Guerra (1995):

“O pensamento que reduz as múltiplas determinações que

comparecem nos fatos, fenômenos e processos à sua

dimensão técnica, prático-concreta, é o positivista, que,

pautado em formulações ideais-abstratas só pode derivar na

racionalidade formal. A atividade humana, o trabalho, bem

como as práticas profissionais, enquanto uma das maneiras de

objetivação do ser social, uma forma de sociabilidade entre os

homens, portam, sobretudo, dimensões políticas e éticas que,

ao serem limitadas à dimensão instrumental, postergam a

natureza ontológica das relações sociais” (Guerra, 1995, p.170)

Faz-se necessário, portanto, desvendar a potencialidade da TI para

o trabalho do Serviço Social. Pensar e conduzir a sua incorporação são tarefas

relevantes das quais não se pode prescindir, tendo em vista seu potencial para

dinamizar o exercício profissional e contribuir para ampliar as possibilidades de

trabalho. É neste sentido que, no capítulo a seguir, serão apresentados e

apreciados dados referentes ao uso que os(as) profissionais têm feito da TI em

seu trabalho, levantando as dificuldades e obstáculos que incidem sobre a sua

incorporação. Espera-se, com isso, demonstrar que tentativas de apropriação

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185

da TI têm sido efetuadas por alguns(mas) profissionais, as quais demandam

apoio e suporte para que possam evidenciar as potencialidades presentes

nesta articulação.

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186

C A P Í T U L O 3 - A P R E S E N Ç A D A T I N O S E R V I Ç O S O C I A L

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187

3 . 1 . A A P R O X I M A Ç Ã O D O S E R V I Ç O S O C I A L À T I

Discute-se, a partir deste momento, alguns resultados desta

investigação inicial realizada sobre a incorporação da TI ao trabalho do Serviço

Social, buscando captar as suas potencialidades para o exercício profissional.

Neste sentido, pretende-se tecer alguns comentários gerais sobre a relação

entre a TI e o Serviço Social, enfatizando a sua utilização no cotidiano do

trabalho profissional. Assim, apresenta-se, nas páginas a seguir, considerações

sobre os usos da TI efetuados pelos(as) assistentes sociais, os requisitos

básicos para a sua incorporação e suas principais possibilidades de utilização.

Serão apresentados dados referentes aos(às) assistentes sociais

inseridos(as) no mercado de trabalho, envolvidos(as) com o desenvolvimento

de atividades profissionais voltadas à operacionalização de políticas e ao

atendimento a usuários(as). Convém justificar tal postura. A intenção é tentar

evidenciar alguns traços gerais da articulação existente entre Serviço Social e

TI no cotidiano da atuação profissional. Por isso a priorização concedida a este

segmento da categoria, já que é ele que, na opinião do pesquisador, lida com

os elementos concretos que condicionam o processo de absorção da

tecnologia pelas equipes de Serviço Social. É concedida prioridade aos dados

oferecidos pelos(as) assistentes sociais que atuam, nas instituições, no

atendimento direto ou indireto aos usuários e usuárias, pelo fato deles(as)

vivenciarem cotidianamente as condições que tornam possível ou não a

Page 188: Renato Veloso

188

incorporação da TI. Essa priorização não significa, de modo algum, uma

desqualificação ou um menosprezo pelos segmentos de alunos(as) e docentes,

ambos igualmente importantes para nossa categoria. Antes, o que se pretende

apontar é a importância de se conhecer a presença da TI no processamento do

trabalho do Serviço Social a partir das impressões e respostas dos(as)

próprios(as) agentes responsáveis pela condução desse processamento.

É evidente que alunos(as) e docentes têm ou podem ter um papel

relevante neste processo, no entanto, sua participação se dá de forma indireta,

seja nas práticas de estágio, problematização de questões referentes ao

trabalho, análise de experiências concretas, assessorias, consultorias, cursos,

seminários e demais tipos de contribuição acadêmica ou não. Tais agentes não

se fazem diretamente presentes, portanto, nos processos de trabalho em que

os(as) assistentes sociais se encontram, embora seu “distanciamento” não

deixe, também, de ter sua relevância, sobretudo no que diz respeito às

possibilidades de reflexão crítica concreta acerca de contextos políticos e

institucionais e da própria atividade profissional. Ainda assim, sua condição de

agentes “indiretos”, ou seja, não diretamente envolvidos na consecução das

atividades e na vivência cotidiana dos aspectos contraditórios expressos nos

limites e possibilidades presentes na dinâmica institucional, faz com que

eles(as) não sofram o impacto, no plano imediato, das condições objetivas e

concretas em que a TI, de fato, será ou não incorporada ao trabalho realizado.

Em outras palavras, são os(as) profissionais diretamente vinculados(as) ao

exercício profissional cotidiano que, de fato, relacionam-se e absorvem os

Page 189: Renato Veloso

189

impactos e conseqüências da presença e/ou da ausência das condições

necessárias para o exercício profissional.

A reflexão sobre a vida cotidiana, entendida como espaço

privilegiado da intervenção profissional, assume, portanto, certa relevância,

tendo em vista os impactos que a cotidianidade tem para o trabalho do Serviço

Social. Ao realizar considerações críticas sobre este tema, Netto (2000)

observa que a vida cotidiana é ineliminável, não sendo possível ser cancelada

ou suprimida do processo histórico, já que se trata de um dos seus níveis

constitutivos, promovendo a reprodução social na reprodução dos indivíduos

enquanto tais. A cotidianidade, segundo o autor, apresenta determinações

fundamentais, ou ainda, "componentes ontológico-estruturais". São eles: a

“heterogeneidade”, expressa pelo conjunto heteróclito de objetivações do ser

social composto por uma diversidade de fenômenos e processos sociais; a

“imediaticidade”, expressa na preocupação em responder ativamente aos

problemas enfrentados, caracterizada pela relação direta entre pensamento e

ação, além dos automatismos e do espontaneísmo próprios a esta postura; e a

“superficialidade extensiva”, expressa na mobilização, nas palavras do autor,

"de todas as atenções e todas as forças, mas não toda a atenção e toda a

força" (p.67).

Assim, a vida cotidiana é marcada por um materialismo espontâneo

e por um certo pragmatismo na solução dos problemas enfrentados, sem que

se ponha em causa a sua objetividade material e sem questionar a própria

natureza dos fenômenos. A principal preocupação consiste em produzir

Page 190: Renato Veloso

190

respostas funcionais às situações, sem necessariamente demandar o seu

conhecimento interno, e sim a manipulação de variáveis para alcançar

resultados eficazes. Não é priorizada, portanto, a reprodução fiel do processo

que leva a determinado desfecho pretendido, mas o próprio desfecho em si.

Como observa Netto, "no plano da cotidianidade, o critério da utilidade

confunde-se com o da verdade" (p.68). Na vida cotidiana, os indivíduos não

conseguem acessar a consciência humano-genérica. Isso só ocorre quando o

indivíduo pode superar a dimensão da singularidade, preocupando-se com a

constituição de objetivações menos imediatas e menos instrumentais.

Processa-se uma mobilização do indivíduo que promove uma

"suspensão" da heterogeneidade da vida cotidiana, ultrapassando a dimensão

da singularidade e indo de encontro à consciência humano-genérica. Tais

suspensões não significam um corte com o cotidiano e não podem ser

contínuas, ao contrário, têm de estabelecer um retorno à cotidianidade, o qual,

ao ser realizado, permite que o indivíduo perceba a cotidianidade de forma

diferente. Este retorno à cotidianidade após uma suspensão supõe, como

observou Netto (p.70), "a alternativa de um indivíduo mais refinado, educado

(justamente porque se alçou à consciência humano-genérica)", e que, ao

regressar à vida cotidiana, encontra-se modificado.

Por ser o cotidiano o espaço em que se realiza o trabalho

profissional, os(as) assistentes sociais estão expostos(as) às determinações da

vida cotidiana. Desta forma, momentos de distanciamento e reflexão sobre os

diversos problemas presentes nesta dimensão da vida social devem ser

Page 191: Renato Veloso

191

buscados pelos(as) assistentes sociais, como forma de evitar o pragmatismo e

o espontaneísmo excessivos. Partindo dos elementos presentes na vida

cotidiana, os(as) assistentes sociais podem abordar a realidade em que atuam,

superar limites e obstáculos, liberar potencialidades latentes. Para que isso

ocorra, os(as) profissionais necessitam dispor de um conjunto de elementos

que possibilitem o movimento de apropriação das demandas postas no

cotidiano, para decifrá-las e elaborar propostas de intervenção capazes de

responder as questões e problemas apresentados. Com tal postura, os(as)

profissionais podem evitar se tornarem prisioneiros(as) das tensões e dilemas

postos na vida cotidiana.

O cotidiano profissional é marcado por uma série de processos e

fenômenos que, muitas vezes, demandam do(a) profissional posturas próximas

de uma atuação pragmática e demasiadamente preocupada com aspectos

operativos e instrumentais. Tal postura, por si mesma, pode não se constituir

como um problema, já que de fato as dimensões de heterogeneidade,

imediaticidade e superficialidade são características inerentes à vida cotidiana,

que não podem ser eliminadas e que demarcam a necessidade de uma postura

compatível com as exigências postas neste plano. O problema, por outro lado,

reside na postura que limita o trabalho às questões e às modalidades de

intervenção postas no cotidiano, não as ultrapassando e, ainda, entendendo-as

como as únicas possíveis de serem implementadas.

Além disso, muitas vezes, as determinações da vida cotidiana são

vistas pelos(as) profissionais como obstáculos para o trabalho, o que evidencia

Page 192: Renato Veloso

192

um grave equívoco profissional, já que é na cotidianidade que se materializam

e se concretizam as expressões da questão social, objeto de trabalho do

Serviço Social. Atribuir ao cotidiano a condição de obstáculo significa, na

prática, fechar os olhos para o próprio objeto da atuação profissional. É neste

contexto que a reflexão constante sobre os principais aspectos do cotidiano

profissional apresenta-se como uma postura fundamental não só para que

os(as) profissionais tenham condições de entender as principais determinações

e condicionamentos presentes em sua realidade de trabalho, mas também para

que novas modalidades de compreensão da questão social e de intervenção na

realidade possam ser formuladas e implementadas.

Assim, é a partir do cotidiano da atuação profissional, marcado por

situações e processos os mais diversificados, que dão concretude e

complexidade ao trabalho profissional, que se pretende investigar o uso da TI

como fator que pode propiciar uma potencialização do trabalho, criando

condições não só para a melhoria do exercício profissional, mas também para

a reflexão sobre o mesmo. Como já observado, priorizam-se os(as)

profissionais com atuação diretamente voltada para o cotidiano institucional, de

modo a verificar as expressões do uso da tecnologia neste contexto. Não se

trata, portanto, de qualificar mais ou menos tal ou qual segmento da categoria

profissional, mas simplesmente de estipular como foco principal o trabalho

institucional, a prestação da assistência direta aos usuários e usuárias,

sabendo, contudo, que este trabalho não decorre exclusivamente dele mesmo.

Page 193: Renato Veloso

193

Toma-se um certo cuidado na apresentação desta justificativa

porque se acredita que o trabalho docente, por exemplo, é também uma forma

de exercício profissional, porém, diferenciada do trabalho realizado diretamente

nas instituições em que as políticas sociais privadas e/ou públicas se

processam. O que se qualifica como diferenciado, no entanto, não deve ser

tomado como superior ou hierarquicamente distinto. Não se trata disso. Trata-

se de dimensões diferenciadas que demandam condições igualmente

diferenciadas para que sejam objetivadas. É nesse sentido, por exemplo, que o

“distanciamento” anteriormente referido, pode ser entendido como útil ou

necessário ao trabalho crítico e reflexivo realizado pelos(as) docentes e

pesquisadores. Não se trata, obviamente, de neutralidade, mas de dispor de

condições básicas que garantam rigor nas análises e reflexões da realidade

social e profissional, as quais, por sua vez, incrementarão o acervo de

conhecimentos e conteúdos gerados pelo Serviço Social. Desta feita, a

intenção não é desqualificar ou minimizar este ou aquele segmento

profissional, e sim estipular como fonte de dados legítima para pensar as

dimensões do exercício profissional, aqueles agentes diretamente envolvidos

na condução e concretização deste exercício profissional, sem prejuízo, no

entanto, para os outros segmentos.

Tendo feito essas considerações, passemos à apreciação do

material coletado. Como primeiro passo para o tratamento dos dados, foram

retirados da amostra de 1.440 participantes, os(as) alunos(as) e assistentes

sociais que exercem a docência (7,6%), restando um total de 1.111

profissionais. Em relação à titulação desses(as) profissionais, verificou-se que

Page 194: Renato Veloso

194

40,7% possuem apenas a graduação; 47,9%, o curso de especialização;

10,2%, o curso de mestrado e apenas 1,3%, o curso de doutorado. Como

demonstra o gráfico a seguir.

Gráfico 19 - Titulação dos Assistentes Sociais - To tal de casos: 1111

452

532

113

14

0 100 200 300 400 500 600

Graduação

Especialização

Mestrado

Doutorado

Fonte: SSTI, 2005.

Esses dados sugerem que, embora uma boa quantidade de

profissionais permaneça restrita ao nível de graduação, isso não significa,

necessariamente a ausência de uma postura de atualização por parte

deles(as), já que mais da metade buscou atualização profissional por

intermédio dos cursos de pós-graduação (com maior ênfase dos cursos de

especialização). Além disso, leva-se em conta o fato de que boa parte

desses(as) profissionais encontra-se na faixa etária mais jovem (28% possuem

entre 20 e 40 anos), o que pode sugerir que muitos(as) ainda não chegaram no

momento de inserirem-se em cursos de pós-graduação. Não se considera,

Page 195: Renato Veloso

195

portanto, que a explicação para esta distribuição resida na inexistência de uma

busca por atualização por parte dos(as) profissionais, já que, como se viu, essa

ausência não pode ser considerada assim tão acentuada.

Por outro lado, poder-se-ia questionar se essa observação seria

válida para pensar a categoria como um todo. Tem-se, nesse sentido, uma

mudança de contexto que merece ser ressaltada. De fato, a amostra com a

qual se trabalha não permite que observações realizadas sejam generalizadas

para o conjunto da categoria. Como se tratou de uma pesquisa em que a

participação não foi obrigatória, ao contrário, foi espontânea e voluntária,

parece pertinente considerar que os(as) participantes, de uma certa forma,

atribuem importância à tecnologia, e o fazem, provavelmente, porque respeitam

e se comprometem com seu exercício profissional.

Não se considera que a participação na pesquisa, a opção por

contribuir nesse processo de investigação, deveu-se a uma valorização da

tecnologia de forma isolada e tomada abstratamente. Considera-se que o(a)

profissional que participou da pesquisa valorizou a proposta por perceber a

importância da tecnologia ao pensar em suas conexões concretas com o

exercício profissional. O pólo que difunde o sentimento de valorização foi a

predominância de uma concepção de profissão que identifica a TI como um

dos recursos que permitem o aprimoramento profissional. Assim, a tendência é

de que essa amostra, de uma certa forma, tenha por preocupação buscar ou

garantir as condições que permitam um aprimoramento do seu exercício

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196

profissional, seja pela incorporação da TI ao trabalho, seja por intermédio da

atualização profissional, via cursos de pós-graduação, por exemplo.

Dando continuidade ao tratamento dos dados, foram retirados da

amostra os(as) profissionais que estavam desempregados(as) (11,7%) e os

que estavam aposentados(as) (1,9%), trabalhando-se apenas com os(as)

profissionais que efetivamente encontravam-se inseridos(as) no mercado de

trabalho, os(as) quais totalizavam 951 assistentes sociais. Este total foi

distribuído pelas áreas de atuação às quais relataram pertencer. Foi solicitado

ao(à) profissional que indicasse apenas uma opção pela área principal. Caso

o(a) profissional estivesse inserido(a) em mais de uma área de atuação

profissional, era solicitado que o(a) mesmo(a) preenchesse um questionário

para cada área, fato que pouco ocorreu. Vale ressaltar que a distribuição

dos(as) participantes por áreas temáticas ocorreu para que fosse possível

visualizar as suas áreas de inserção profissional, sem ter, no entanto, a

pretensão de caracterizar as maiores áreas de inserção profissional, mas

apenas apresentar aquelas nas quais os(as) participantes se encontram, com

caráter meramente ilustrativo. A distribuição dos(as) participantes pelas áreas

de atuação profissional pode ser vista no gráfico a seguir.

Page 197: Renato Veloso

197

Gráfico 20 - Principal área de atuação dos assisten tes sociais - Total de casos: 951

287

212

19

128

50

95

73

18

12

57

0 50 100 150 200 250 300 350

Saúde

Assistência

Previdência

Empresa

ONG,s

Criança/Adolescente

Justiça

Educação

Gestão

Outra

Fonte: SSTI, 2005.

Constata-se um maior índice para a área da saúde, que concentra

30,2% dos(as) profissionais, reproduzindo na amostra a tendência mais geral

que identifica a área da saúde como a área que mais emprega assistentes

sociais no Brasil. Em seguida, aparece a área da Assistência Social, que

concentra 22,3% dos(as) participantes, sinalizando uma expressiva presença

dos(as) profissionais nesta área, a qual, muitas vezes, vem sendo

equivocadamente confundida com a própria profissão. Um equívoco que deve

ser corrigido e não deve, de forma alguma, depreciar a importância da

assistência para a trajetória e a própria consolidação da profissão. A área de

Empresa, onde a atuação profissional tem sofrido mais diretamente os

impactos dos processos de reestruturação produtiva e de incorporação

tecnológica, aparece com 13,5% dos(as) participantes.

Page 198: Renato Veloso

198

A área de Criança/Adolescente, que concentrou 10% dos(as)

participantes, é uma área que apresenta alguns aspectos que parecem

dificultar a sua caracterização como área específica. De fato, encontra-se muita

dificuldade em tratá-la como área de atuação específica tendo em vista que os

problemas apresentados por esse segmento da população são absorvidos por

diversas instâncias em que os(as) assistentes sociais estão inseridos(as),

como por exemplo, a saúde, a assistência social e o sistema sócio-jurídico.

Além disso, o trabalho com a questão da criança e do adolescente pode ser

operacionalizado em instituições bastante diferenciadas, como instituições

públicas, empresas e Ong´s.

Está fora das preocupações deste trabalho a problematização ou a

reflexão sobre a caracterização dos problemas vividos pelas crianças e

adolescentes como área de atuação profissional. O que se pretende é apenas

mostrar a dificuldade com que muitas vezes se lida ao tentar enquadrar as

expressões da questão social em áreas específicas. Se de um lado, do ponto

de vista técnico e operacional, essa fragmentação da questão social em áreas

específicas é compreensível, por outro, ela apresenta dificuldades perceptíveis

no próprio processo de definição das áreas. As demais áreas de inserção

profissional tiveram índices inferiores a 10%, sendo elas: Justiça, 7,7%; ONG`s,

5,3%; Previdência, 2,0%. Outras áreas totalizaram 9,1%.

Foi indagado aos(às) profissionais o número de assistentes sociais

na equipe, constatando-se que a grande maioria das equipes de Serviço Social

tem até dois assistentes sociais (53,9%), cabendo às equipes com apenas um

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199

profissional o índice de 34,1%. Equipes de três a cinco assistentes sociais

totalizam 23%; de seis a dez, 12,4%, e as com mais de dez, concentram-se

nos 10,6% restantes.

Gráfico 21 - Número de Assistentes Sociais na equip e - Total de casos: 951

513

219

118

64

28

9

0 100 200 300 400 500 600

Até 02

De 03 a 05

De 06 a 10

De 11 a 19

De 20 a 29

De 30 a 50

Fonte: SSTI, 2005.

Acredita-se que o tamanho da equipe pode ser um importante

elemento que condiciona a apropriação da TI pelo Serviço Social. Note bem,

não é apenas de uma apropriação pelo assistente social, e sim pelo Serviço

Social, pela equipe de trabalho. Assim, adianta pouco um(a) profissional ter um

acúmulo no uso da tecnologia e os(as) demais não terem. O baixo número de

integrantes das equipes de Serviço Social pode ser tomado como uma

indicação de que as condições de trabalho dos(as) profissionais tendem a ser

inadequadas, tendo em vista a baixa disponibilidade de recursos humanos para

dar respostas às demandas apresentadas pelos(as) usuários(as). Cada vez

mais o Serviço Social tem sido requisitado a intervir nas expressões da questão

Page 200: Renato Veloso

200

social, principalmente devido a seu agravamento. As equipes de Serviço Social

precisam estar preparadas e qualificadas para a intervenção. O tamanho da

equipe, um dos indicadores de sua capacidade de cobertura das demandas

apresentadas, é uma questão importante nesse contexto.

Ainda na linha das condições de trabalho, indagou-se aos(às)

assistentes sociais o número de computadores no setor de Serviço Social em

que trabalha. A prioridade foi conferida à atuação em equipes de Serviço

Social, sem contundo minimizar a importância da inserção de assistentes

sociais em equipes de trabalho que extrapolam o setor de Serviço Social.

Houve dificuldades de entendimento dessa questão: alguns(mas) profissionais

responderam que o Serviço Social tinha computador, quando, na verdade, eles

usavam o da direção; outros colocavam o total geral de computadores de todos

os setores da instituição, alegando que podiam usar qualquer um sempre que

precisassem.

O objetivo buscado com essa questão não foi perceber apenas se

os(as) assistentes sociais usam o computador, mas se essa utilização foi

incorporada à equipe ou ao setor de Serviço Social em seu conjunto,

entendendo a presença de computadores no setor como um dos indicadores

de um processo de incorporação da TI. Não se trata, portanto, de verificar o

uso individual, que um ou outro faz, mas o da equipe como um todo. Verificar

se a tecnologia vem sendo ou não incorporada aos processos de trabalho em

que o Serviço Social está inserido. Nesse sentido, os resultados são os que se

seguem.

Page 201: Renato Veloso

201

Gráfico 22 - Quantos computadores o setor de Serviç o Social possui? - Total de casos: 951

141

339

171

90

64

25

27

43

51

0 50 100 150 200 250 300 350 400

Nenhum

Um

Dois

Três

Quatro

Cinco

Seis

De 07 a 10

De 11 a 20

Fonte: SSTI, 2005.

Constatou-se que a maior concentração de respostas encontra-se

no grupo que vai até dois computadores. O grupo que relatou não possuir

nenhum computador no Serviço Social totaliza 14,8%, os que disseram que o

Serviço Social possui um computador totaliza 35,6%, e os que possuem dois

computadores, 18%. Trata-se, portanto, de uma baixa presença de

computadores nos setores de Serviço Social, ainda mais ao se levar em conta

que geralmente esse equipamento é utilizado também por auxiliares e agentes

administrativos, que tratam dos aspectos burocráticos e administrativos do

setor, dificultando ainda mais as possibilidades de utilização desse recurso

como elemento auxiliar do trabalho.

Considera-se que a disponibilidade do computador é um fator

importante para a incorporação da TI ao trabalho do Serviço Social. Na

Page 202: Renato Veloso

202

verdade, trata-se de atentar para a existência de condições adequadas de

trabalho (dentre elas a existência do equipamento) que permitam uma

incorporação da TI ao exercício profissional. Percebe-se, portanto, a incidência

de um acesso tecnológico incipiente por parte do Serviço Social, tendo por

conseqüência o predomínio de condições desfavoráveis para a reflexão sobre

sua importância para o trabalho profissional.

Outra questão apresentada aos(às) participantes referiu-se ao grau

de importância que eles(as) atribuem ao computador. Neste sentido, foi pedido

aos(às) assistentes sociais que indicassem suas impressões acerca deste

equipamento e de sua relevância para o cotidiano profissional. Foram

oferecidas algumas opções dentre as quais o(a) profissional deveria apontar as

mais apropriadas para caracterizar o computador. O objetivo foi tentar

identificar as suas impressões gerais acerca da relevância deste equipamento

no processamento cotidiano de seu trabalho. Os(as) profissionais puderam

marcar mais de uma opção, levando-se em consideração a dinâmica própria de

sua inserção profissional. Os resultados foram os seguintes.

Page 203: Renato Veloso

203

Gráfico 23 - Para a realização cotidiana de seu tra balho, você considera o computador um instrumento: - Total de c asos: 951

668

654

226

19

5

13

349

4

0 100 200 300 400 500 600 700 800

Importante

Necessário

Prioritário

Gera problemas

Desnecessário

Muito difícil de usar

Estratégico

Não sei responder

Fonte: SSTI, 2005.

Constatou-se que 70,2% dos(as) profissionais consideram o

computador um recurso importante e 68,8% consideram-no um recurso

necessário, demonstrando, assim, uma tendência à valorização do computador

no âmbito da atuação profissional. Resta saber, no entanto, se a valorização

relatada concretiza-se em uma efetiva utilização da TI e de seu potencial. Já se

apontou que algumas condições fundamentais para a adequada incorporação

da TI ao Serviço Social ainda encontram-se pouco presentes entre os(as)

assistentes sociais, como por exemplo, a baixa quantidade de computadores

nos setores de Serviço Social e o limitado acesso da categoria a materiais,

eventos e textos sobre o tema. É de se compreender que os(as) assistentes

sociais demonstrem, no plano mais imediato, essa postura de valorização

deste equipamento, principalmente tendo em vista toda a imagem socialmente

Page 204: Renato Veloso

204

difundida na atualidade de eficiência e eficácia relacionada aos computadores

e à tecnologia, além de seu caráter de imprescindibilidade.

O que tem se divulgado é que, desde o seu surgimento, o

computador não parou de transformar-se, tornando-se mais sofisticado e

potencializado, mudando várias vezes de forma e ampliando sua conexão a

outros recursos tecnológicos. Com isso, sua presença vem sendo considerada

significativa em vários setores da sociedade, causando modificações nos

aspectos econômicos e sociais, e, ao mesmo tempo, atingindo valores e

comportamentos dos indivíduos. A questão consiste, no entanto, em saber se

efetivamente a TI vem sendo utilizada pelos(as) assistentes sociais na atuação

profissional, constituindo-se concretamente como um recurso importante e

necessário, ou se o que ocorre é apenas uma afirmação abstrata da

importância e necessidade deste equipamento, baseada no senso comum.

A observação de experiências em algumas instituições demonstra

que, embora no plano do discurso haja uma tendência a valorizar este recurso,

caracterizando-o como importante e necessário para o exercício profissional, o

mesmo não vem sendo plenamente incorporado ao trabalho realizado

pelos(as) assistentes sociais de forma que possa efetivamente demonstrar sua

importância e potencialidade. Apesar de relatarem de forma genérica uma

valorização da TI, os(as) assistentes sociais não têm conseguido concretizar a

sua apropriação em termos de experiências efetivas de incorporação da

tecnologia ao trabalho e, conseqüentemente, promover, a partir de tal

incorporação, a potencialização de seu exercício profissional.

Page 205: Renato Veloso

205

Isso não ocorre exclusivamente pela vontade do(a) profissional.

Ocorre por conta da existência ou inexistência das condições objetivas e

subjetivas necessárias à construção de propostas de trabalho. Reconhecer a

importância que a TI possui e utilizá-la em experiências concretas de atuação

profissional demanda, antes de tudo, a existência e disponibilidade dos

próprios recursos tecnológicos, dentre eles os computadores. Além disso,

demanda também que este tema seja incorporado pela categoria profissional e

passe a integrar a sua agenda profissional, com a promoção de debates e

discussões sobre o assunto, bem como a qualificação e formação profissional

na área. Só assim será possível reconhecer e demonstrar a importância deste

recurso para o trabalho profissional.

Há, ainda, alguns(mas) profissionais que consideraram o

computador um recurso estratégico (36,7%). Acredita-se que a incorporação da

TI pelo Serviço Social pode ser considerada estratégica porque, como já visto,

permite um fortalecimento da profissão em suas diversas dimensões de

atuação, não só na dimensão referente ao atendimento propriamente dito, mas,

também, em relação à potencialização do exercício profissional em sua

totalidade. Para isso, faz-se necessária a coexistência de uma implementação

de ações relacionadas às condições de trabalho e à formação e qualificação

profissional, inclusive com construção e difusão de programas e aplicativos

específicos para a área e descontinuidade da resistência em relação ao uso e

aproveitamento dessa tecnologia. Considera-se que a categoria de assistentes

sociais poderia mobilizar-se, por meio de um investimento global e articulado,

no sentido de efetivar essa incorporação, ainda que em longo prazo, tratando-

Page 206: Renato Veloso

206

se de uma mudança que não exige requisitos técnicos apenas, mas também

culturais e sociais.

Em sentido oposto, os(as) participantes que indicaram a relação do

computador com traços negativos foram os mais baixos: “gera problemas” teve

um índice de 2%; “desnecessário”, 0,5% e “interessante, mas muito difícil de

usar”, 1,4%. São índices baixos, mas que demonstram a existência da

insatisfação e da resistência ao uso da TI. Ainda assim, devem ser

relativizados, tendo em vista que dentre os que consideram que o computador

gera muitos problemas, 83% consideram também importante, 58% necessário,

33% prioritário e 67% estratégico. Entre os que consideram o computador um

recurso muito difícil de usar, 88% consideram importante e necessário, 19%

prioritário e 38% estratégico.

Ressalta-se, ainda, que dentre os cinco participantes que

consideraram o computador um recurso desnecessário, quatro deles

responderam ao questionário pela via impressa. Isso não significa que quem

respondeu por esta via tenha atribuído menor importância ao computador, já

que 56% deles consideram importante, 57% necessário, 12% prioritário e 26%

estratégico. Assim, não foi verificada uma tendência de menor valorização da

TI por parte dos que responderam ao questionário pela via impressa. A opção

pelo questionário no papel não foi determinada pela importância que o(a)

profissional confere ao computador, mas a outros fatores. Talvez uma falta de

familiaridade, mas não uma rejeição ou resistência.

Page 207: Renato Veloso

207

Foi indagado aos(às) profissionais que atividades eles realizam no

trabalho cotidiano com o auxílio do computador. As respostas oferecidas

podem ser visualizadas no gráfico a seguir.

Gráfico 24 - Em seu trabalho, você utiliza o comput ador para a realização de tarefas de: - Total de casos: 951

290

525

404

455

516

561

652

95

4

0 100 200 300 400 500 600 700

Atendimento direto ao usuário

Registro do atendimento realizado

Elaboração de perfis de usuário

Cadastro e localização de recursos comunitários

Elaboração de estatísticas de atendimento

Estudos e pesquisas temáticas

Sistematização do trabalho realizado

Não utilizo

Não sei responder

Fonte: SSTI, 2005.

Percebe-se que as respostas foram bem variadas, abrangendo

diversas possibilidades, com uma forte tendência de aplicação da TI às

atividades relacionadas ao trabalho realizado pelos(as) profissionais, tais como

sistematização, registro do atendimento, elaboração de perfis, cadastro e

localização de recursos comunitários, demonstrando a preocupação com a

incorporação da tecnologia às atividades realizadas no cotidiano do trabalho.

Em relação aos recursos oferecidos pelo computador e utilizados pelos(as)

assistentes sociais, tem-se a seguinte distribuição.

Page 208: Renato Veloso

208

Gráfico 25 - Que recursos oferecidos pelo computado r você utiliza na realização do seu trabalho? - Total de c asos: 951

815

539

509

670

632

33

72

8

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900

Editor de textos

Planilha eletrônica

Bancos de dados

Correio eletrônico

Acesso a homepages

Construção de sites

Não utiliza

Não sei responder

Fonte: SSTI, 2005.

A maior parte dos(as) profissionais relata utilizar o editor de textos,

recurso que, notadamente, é de grande importância para o trabalho. A planilha

eletrônica é utilizada por 56,7% e os bancos de dados por 53,5%. Em relação

aos recursos propiciados pelo uso da Internet, tem-se o correio eletrônico, com

70,5%, o acesso a homepages, com 66,5%, e a construção de sites e

homepages, com apenas 3,5%. Verifica-se, assim, que os(as) profissionais

relatam um considerável nível de utilização dos recursos básicos do

computador. No entanto, a mera utilização de pacotes pré-formulados não

significa que uma efetiva incorporação da TI ao trabalho do Serviço Social

tenha sido efetuada. É por isso que a atenção deve recair não apenas sobre os

programas básicos que os(as) profissionais sabem usar, mas sobre as

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209

possibilidades de uso desta tecnologia que a profissão pode engendrar, tendo

em vista que ela pode ter sido absorvida ao trabalho dos(as) assistentes

sociais de uma forma empobrecida, simplificada, mistificadora, sem possibilitar

uma inflexão na atuação profissional.

Considera-se que a utilização da TI pode extrapolar funções

meramente rotineiras, burocráticas e gerenciais, e, sem limitar-se a um tipo de

automatização e padronização que empobrece e esvazia o trabalho realizado

pelos(as) profissionais. Seu uso pode impulsionar o exercício profissional,

contribuindo para o seu desenvolvimento e aprimoramento, em suas diversas

dimensões, na execução propriamente dita, mas também nas dimensões de

elaboração, planejamento e avaliação das ações desenvolvidas. Pode,

portanto, contribuir para uma potencialização do trabalho profissional no

sentido de reforçar os valores ético-políticos que norteiam a profissão.

Aponta-se, assim, para a importância de estudar as possibilidades

de uso da TI, não de forma especulativa, como têm feito alguns autores (dentre

os quais se pode destacar Souza, 2000; Colmán, 2003, 2004 e Coelho, 2002),

mas de forma mais próxima do uso concreto realizado pelos(as) profissionais,

tentando elaborar uma reflexão sobre os modos de utilização que já vêm sendo

operados no âmbito do Serviço Social. Os dados têm demonstrado que o

Serviço Social vem efetuando uma tentativa de se apropriar da TI, embora com

a incidência de alguns limites e obstáculos, os quais serão apontados mais à

frente. Ainda assim, pode-se verificar, a partir desses dados, a presença de um

tipo de articulação entre o Serviço Social e a TI. Evidentemente, uma

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210

aproximação inicial, marcada por dificuldades e entraves, mas também

passível de ser incentivada, aprofundada e consolidada, tendo em vista não

apenas a possibilidade de utilização competente, mas sobretudo, crítica e

articulada aos interesses dos(as) usuários(as).

Como se verá mais adiante, a tecnologia vem sendo implantada nas

instituições em que os(as) profissionais estão inseridos(as) e, ao longo deste

processo vai adquirindo características particulares e ocasionando impactos

diferenciados a partir dos contextos em que ocorrem e das finalidades que

buscam alcançar. Neste processo de implantação concorrem vários fatores,

como condições de trabalho, gênero, idade, áreas de atuação, níveis de

qualificação, região geográfica, e até mesmo, a iniciativa do(a) próprio(a)

profissional e sua equipe. Assim, a incorporação da TI ao trabalho do Serviço

Social, longe de ser entendida como um determinismo de qualquer natureza,

pode ser compreendida como um produto histórico, atravessado por diversas

características e marcado pelas diversas possibilidades e limites existentes nos

processos que constituem a nossa profissão, tanto na dimensão formativa

quanto interventiva.

3 . 2 . C O N S I D E R A Ç Õ E S D O S ( A S ) P R O F I S S I O N A I S S O B R E A I N C O R P O R A Ç Ã O D A T I

Os dados obtidos a partir do questionário eletrônico até aqui

trabalhados permitem uma apreensão parcial e aproximativa da relação

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211

existente entre Serviço Social e TI, no entanto não permitem um

aprofundamento no tratamento e reflexão de alguns aspectos referentes ao uso

que os(as) assistentes sociais têm feito dela. Desta forma, verificou-se a

necessidade de coletar dados mais ilustrativos dos tipos de apropriação que

os(as) profissionais vêm fazendo desta tecnologia. Com essa finalidade, foi

elaborado um segundo questionário, com questões mais abrangentes sobre a

relação dos(as) profissionais com a TI, o qual foi enviado por correio eletrônico

para o conjunto de assistentes sociais que responderam ao primeiro

questionário.

Deste conjunto, composto por 951 assistentes sociais, 93

profissionais enviaram suas respostas, o que corresponde a 9,8% do universo

anterior. Elaborou-se um novo banco de dados para a organização e

tratamento dos dados obtidos e, com base nas respostas oferecidas pelos(as)

profissionais são apresentadas, a partir de agora, algumas considerações

sobre a aplicação da TI ao Serviço Social, a existência de condições de

trabalho adequadas a sua efetiva incorporação, a importância do seu

tratamento na formação profissional, e a importância que possui para o

trabalho do Serviço Social.

Demonstra-se, a partir das respostas oferecidas pelos(as)

profissionais, que a TI encontra-se presente no trabalho do Serviço Social,

embora tal presença se dê de forma embrionária. As experiências e

impressões relatadas permitem sugerir que uma parcela da categoria

profissional vem tentando, apesar das dificuldades existentes, utilizar esta

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212

tecnologia para potencializar seu trabalho, o que pode ter como conseqüência

uma melhoria da prestação dos serviços, sobretudo no que se refere ao reforço

da socialização de informações e da ampliação do acesso aos direitos sociais.

O fato de afirmar a presença da tecnologia no trabalho do Serviço

Social não significa, no entanto, que a incorporação deste recuso seja um fator

recorrente entre os(as) assistentes sociais. Prefere-se trabalhar com a hipótese

de uma incorporação incipiente da TI ao trabalho do Serviço Social, embora,

muitas vezes, a identificação de algumas experiências em que se vislumbra a

existência de computadores nos setores de Serviço Social tenda a sugerir um

predomínio deste recurso entre os(as) assistentes sociais. Desta forma,

verifica-se que, em alguns momentos, o incipiente debate sobre o tema da

tecnologia, no âmbito do Serviço Social, tende a superestimar sua presença na

profissão. É o caso, por exemplo, de Albuquerque (1995), ao afirmar que “o uso

da informática já se constitui num dos principais requisitos ocupacionais no

Serviço Social”, destacando que:

“o profissional, se não souber dominar o uso (e isto não implica

necessariamente em dominar a técnica, mas no conhecimento

das possibilidades e potencialidades da informática na prática

profissional) já pode se considerar defasado em relação às

exigências da profissão e terá difícil acesso ao mercado de

trabalho” (p.298).

Evidencia-se na autora o entendimento de que a informática “já deve

estar fazendo parte do instrumental profissional há bastante tempo, seja qual

for o campo ou instituição”, e por isso a preocupação principal na investigação

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213

sobre esse recurso não se refere ao dimensionamento de sua incidência nos

postos de trabalho, mas sim à importância de seu uso para a “democratização

da sociedade brasileira” (p.300). Souza (2000), em postura semelhante,

ressalta a importância de se definir parâmetros críticos para uma aproximação

à relação entre informática e Serviço Social, no sentido de orientar a discussão

sobre as implicações que estão subjacentes às evidências do que ele toma

como uma “rápida informatização dos postos de trabalho do assistente social”

(p.258). Embora se tenha por objetivo, neste trabalho, discutir a importância da

TI para o exercício profissional, considera-se que ampliar a real dimensão da

presença deste recurso no Serviço Social não ajuda a compreendê-lo, ao

contrário, pode contribuir para fortalecer uma postura reificadora da qual se

pretende distanciar.

Seguindo os critérios anteriormente definidos, o questionário foi

enviado por correio eletrônico apenas para os(as) profissionais inseridos(as) no

mercado de trabalho e que não exercessem a docência. Antes de efetuar os

comentários sobre os depoimentos dos(as) profissionais, apresenta-se um

breve perfil do conjunto que se prontificou a responder este segundo

questionário, lembrando que os únicos incentivos a tal postura foram a

insistência do pesquisador e, na opinião do mesmo, o compromisso e o

envolvimento desses profissionais com a investigação e a reflexão sobre temas

relevantes para o aprimoramento e fortalecimento do trabalho do Serviço Social

na contemporaneidade. A distribuição desses profissionais pelos estados em

que trabalham pode ser verificada na tabela a seguir.

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214

Tabela 01 - Estados dos(as) profissionais

Estado Quantidade Percentual

RJ 54 58,1%

RS 15 16,1%

SP 10 10,8%

MG 3 3,2%

AL 2 2,2%

SC 2 2,2%

BA 1 1,1%

ES 1 1,1%

PE 1 1,1%

PR 1 1,1%

RO 1 1,1%

TO 1 1,1%

OUTRO PAÍS 1 1,1%

Total 93 100% Fonte: SSTI, 2006.

Embora haja um nítido predomínio de profissionais do Rio de

Janeiro, percebe-se uma presença de participantes de vários outros estados do

país. Além disso, aponta-se outras características relevantes. Em relação à

faixa etária, 48% dos(as) profissionais possuem até 40 anos e 52% acima de

41 anos. A grande maioria, 96%, é do sexo feminino; 77% têm um computador,

8% nenhum e 14% relataram possuir dois computadores em casa. Quanto ao

acesso à Internet, 88% relataram acessá-la de casa e 77%, do trabalho. Além

disso, 56% desses profissionais relataram já ter tido acesso a algum material,

texto ou participaram de evento sobre o tema TI, enquanto, sobre a relação

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215

entre TI e Serviço Social, apenas 16% relataram acesso a algum tipo de

material.

Em relação à titulação, 30% dos(as) profissionais possuem apenas a

graduação, 51% possuem a especialização, 17% possuem o mestrado e

apenas 2% possuem o curso de doutorado. A distribuição por áreas de atuação

também demonstra diversificação: saúde, 27%; assistência, 25%; previdência,

4%; empresa, 19%; criança e adolescente, 10%; justiça, 10%; educação, 3%;

gestão, 2%. Para finalizar, 75% desses profissionais consideram a TI um

recurso importante para o trabalho do Serviço Social, 70% consideram-na

necessária, 18% consideram-na prioritária e 44% consideram-na estratégica.

Trata-se de um perfil próximo do perfil identificado no conjunto total de

participantes.

Os profissionais que responderam a este segundo questionário

configuram um grupo bastante diversificado, com algum tipo de aproximação

ao uso da TI em seu trabalho, podendo, por isso, oferecer dados interessantes

e representativos para uma abordagem inicial da relação que tem sido

estabelecida entre o Serviço Social e a TI. Quando utilizados no texto, os

depoimentos dos(as) profissionais foram qualificados pelas seguintes

características: idade, sexo, titulação, área de atuação e estado onde trabalha.

Espera-se, com a apresentação destas características, demonstrar a variedade

e diversidade dos depoimentos obtidos, chamando a atenção para os diversos

contextos e particularidades em que foram produzidos. Perceber-se-á, apesar

dessa diversidade, a existência de algo comum nas respostas obtidas, que é

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216

exatamente a valorização da TI como fator potencializador do trabalho do

Serviço Social e a indicação da necessidade de investimento por parte da

própria categoria na incorporação desse importante recurso ao trabalho

profissional.

3 . 2 . 1 . A I N F O R M A T I Z A Ç Ã O D O S E R V I Ç O S O C I A L

Antes de apresentar os dados referentes à aplicação da TI ao

exercício profissional, convém ressaltar que alguns(mas) profissionais

relataram não atuar em um “setor” específico de Serviço Social, integrando

equipes de trabalho multi ou interdisciplinares, em gerências, assessorias e

outras formas de atuação nos processos de gestão de políticas sociais. Esses

depoimentos tendem a reforçar o pressuposto de que o Serviço Social insere-

se em processos de trabalho amplos, dos quais, com seu trabalho

especializado, fazem parte, ao invés de possuírem um único e exclusivo

processo de trabalho.

“O ‘setor’ (na realidade, um programa) no qual trabalho, não é específico do Serviço Social, mas envolve uma equipe de técnicos de nível superior. Este setor é informatizado, para o uso de toda a equipe técnica” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

“Não trabalho em um setor de Serviço Social. Sou assistente social e trabalho em um setor de informações sócio-econômicas com outros profissionais. Este setor está informatizado” (32 anos, sexo feminino, mestrado, gestão - RS).

“O setor onde trabalho não é ‘setor de Serviço Social’, mas faço parte de uma equipe que dispõe de um assistente social. E esta equipe está informatizada” (47 anos, sexo feminino, especialização, gestão - RS).

Page 217: Renato Veloso

217

“Não havia necessariamente um setor, mas estava informatizado, porém sem acesso a Internet” (29 anos, sexo masculino, mestrado, assistência - AL).

“Trabalho na Assessoria de uma Secretaria Municipal da área da Assistência Social” (54 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).

“O setor em que trabalho não é específico do Serviço Social. Trabalho em equipe multidisciplinar num setor de gerenciamento” (28 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).

“Primeiro, eu não trabalho, especificamente, em um setor de Serviço Social. Eu trabalho na Coordenação do Programa Bolsa Família da FUNLAR RIO, uma Fundação ligada à SMAS e Secretaria Extraordinária do Deficiente Cidadão, cujo foco de trabalho é na pessoa com deficiência. Minha coordenadora é uma fonoaudióloga e em nossa sala há um computador com dois monitores” (37 anos, sexo feminino, graduação, assistência - RJ).

“O Serviço Social faz parte de um departamento de ações de cidadania. Não existe um setor de Serviço Social informatizado. Neste setor não há atendimento direto à população, trabalha-se com projetos” (46 anos, sexo masculino, mestrado, assistência - RS).

Como já sinalizado anteriormente, a preocupação neste trabalho

reside em verificar em que medida o uso da TI pode potencializar o trabalho do

Serviço Social. Por este motivo, entendeu-se que o trabalho do Serviço Social

encontra-se delimitado pelo que é chamado nas instituições de setor, seção ou

departamento de Serviço Social. Tal postura visa enfatizar a atuação do

Serviço Social como uma equipe de trabalho situada num determinado

contexto institucional. Isso não significa, no entanto, desconsiderar que

muitos(as) profissionais vêm integrando equipes multidisciplinares que lhes

demandam o exercício de atribuições e competências inerentes ao trabalho

profissional. A postura de valorização da equipe de Serviço Social não significa

a desvalorização de outras modalidades de inserção profissional, mas apenas

reforça que o foco principal de atenção da pesquisa reside na potencialidade

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218

da TI para o trabalho do Serviço Social nestes termos, reconhecendo que um

de seus espaços importantes, embora não exclusivo, é o setor de Serviço

Social.

Como um dos elementos para avaliar a presença da TI no trabalho

do Serviço Social serão tomados os recursos mais diretamente ligados à

informática, que expressam os possíveis processos de informatização pelos

quais os setores de Serviço Social podem passar. Percebeu-se que grande

parte (72%) dos(as) assistentes sociais indicou que o setor em que trabalham

está informatizado, como se verifica no gráfico a seguir, demonstrando que

houve, nestes setores, algum tipo de incorporação da TI, embora, como já

apontado, a mera presença de computadores ou programas não signifique,

necessariamente, que sua apropriação consistente e crítica tenha ocorrido.

Gráfico 26 - O Setor de Serviço Social em que você trabalha está informatizado? - Total de casos: 93

26

67

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Não

Sim

Fonte: SSTI, 2006.

Page 219: Renato Veloso

219

Por informatização entende-se a presença de um conjunto mínimo

de recursos tecnológicos, na maioria computadores, dos quais os(as)

profissionais de Serviço Social podem lançar mão para planejar, executar e

avaliar suas atividades profissionais. Assim, pode-se dizer que o Serviço Social

encontra-se informatizado quando dispuser minimamente de tais recursos.

A mera existência de um processo de informatização e a simples

presença de recursos tecnológicos, no entanto, não significam que a TI tenha

sido adequadamente incorporada ao trabalho, sendo necessário, para isso, que

seu uso não esteja restrito apenas à automatização de tarefas e atividades ou

à substituição de profissionais por computadores ou máquinas. Uma outra

forma de se pensar a incorporação da TI refere-se aos efeitos que pode

proporcionar de economia de tempo e de recursos, como racionalização do

trabalho, ou como fator gerador de competitividade, produtividade, dentre

outros princípios representativos da lógica capitalista produtivista e

quantitativista que toma conta dos processos de gestão contemporâneos, tanto

públicos quanto privados. Mais do que buscar a satisfação de interesses

gerenciais, cabe ao Serviço Social se preocupar em adquirir condições mais

favoráveis à satisfação dos interesses dos seus usuários e usuárias, sendo a TI

um recurso importante nesse sentido. Trata-se, portanto, de uma compreensão

que se aproxima do que afirma Albuquerque (1995):

“A informática hoje não pode ser considerada apenas um

processo de registro, processamento e distribuição imediata de

informações, uma tecnologia que serve ao capitalismo global.

Precisa ser utilizada como um instrumento decisivo de

democratização, um meio de socialização de informações e

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220

decisões, uma garantia de democracia cultural para a

população à margem dos processos de modernização. Pode

reforçar o seu poder de compreensão e controle sobre a

realidade” (p.298).

De forma geral, os(as) profissionais indicaram a existência de um

processo de informatização precário, parcial, em fase de implantação,

manifestando apenas uma tentativa ou intenção de se incorporar ao trabalho o

potencial oferecido pela TI, tentando tirar de seu uso ganhos e resultados

positivos para o trabalho. Esta intenção, no entanto, muitas vezes aparece de

forma conturbada e confusa, demonstrando que os(as) profissionais não têm,

ainda, conhecimento mais preciso acerca das noções e significados presentes

no campo da TI, o que pode ampliar os obstáculos para o reconhecimento sua

importância para o trabalho.

“O que é o Serviço Social informatizado? É a nossa sistematização e trabalho no computador? É usar recursos do computador para nossos instrumentais, projetos, pesquisas (com uso da Internet)etc?” (37 anos, sexo feminino, graduação, assistência - RJ).

É possível, no entanto, verificar a incidência de uma postura que

questiona a informatização conduzida nos setores de Serviço Social, indicando

uma tentativa de compreender o computador como um instrumento que pode

propiciar modos de uso que ultrapassem a mera digitação, consulta a recursos

ou processos, envio de mensagens etc. Embora não seja explicitado,

alguns(mas) profissionais parecem apontar para uma compreensão de

informatização que tende a se aproximar da perspectiva de potencialização do

exercício profissional que vem sendo apontada neste trabalho, que pode

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221

superar um uso meramente burocratizado, como se pode notar nos

depoimentos a seguir.

“A colocação do computador em nossa sala se deu em outubro de 2005. Já a informatização...” (37 anos, sexo feminino, graduação, assistência - RJ).

“O serviço ainda não está informatizado. Apenas acessamos recursos, enviamos mensagens eletrônicas, digitamos textos, documentos etc” (47 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).

“Eu trabalho em uma unidade de saúde ligada ao governo do estado de São Paulo. Posso afirmar que não está informatizado, apesar dos agendamentos serem feitos por computador (o computador é um 486)” (44 anos, sexo feminino, especialização, saúde - SP).

“Bem, temos na sala do Serviço Social computador, com impressora e acesso a Internet, mas os procedimentos ainda não foram informatizados” (35 anos, sexo feminino, especialização, saúde - TO).

“Não sei se posso dizer informatizado, tendo em vista o fato de que a equipe interdisciplinar, que conta com, além de nove profissionais de outras áreas, um assistente social e duas estagiárias, possui um computador, sem acesso a Internet” (38 anos, sexo feminino, especialização, criança/adolescente - RS).

“O setor tem computadores, mas não tem um sistema de software para o Serviço Social. Em uma primeira fase participamos de uma discussão, mas não foi em frente” (44 anos, sexo feminino, doutorado, saúde - RJ).

Nota-se a indicação, por parte de alguns(mas) profissionais, de uma

certa recusa em tomar a noção de informatização como mera existência do

computador, esperando algo mais de tal noção. Parecem, portanto, sinalizar

que a existência de computadores ou outros recursos da TI no local de

trabalho, não significa que tenha havido, de fato, um processo de incorporação

da TI como recurso capaz de potencializar o trabalho dos(as) assistentes

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222

sociais. No entanto, embora não possa ser equiparada à mera informatização,

essa incorporação não pode dela prescindir.

Vários problemas são apontados pelos(as) profissionais para indicar

as dificuldades presentes na construção de um processo de apropriação da TI.

Os mais citados são falta de recursos, falta de vontade política, instalações

inadequadas e resistência dos(as) profissionais. Questões como falta de

estrutura física e inexistência de equipamentos adequados e suprimentos

foram citados de forma mais recorrente, e, de acordo com os(as) profissionais,

podem criar muitas dificuldades para que o processo de incorporação da TI ao

Serviço Social se efetive.

Pode-se perceber que os(as) assistentes sociais indicam vários

fatores que poderiam propiciar a existência de uma incorporação da TI ao

trabalho. Dentre eles se destacam: interesse da instituição e do gestor;

existência de equipamentos e recursos institucionais; existência de recursos

humanos qualificados, que possam implantar e dar continuidade ao processo

de incorporação da TI; maior empenho por parte das chefias de Serviço Social

na aquisição de recursos e implantação de aplicativos específicos para uso do

Serviço Social. Os depoimentos a seguir, permitem verificar tais observações.

“Existem pontos de rede, mas o computador em uso é pessoal, a impressora está quase sempre inoperante por falta de tinta” (50 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

“Temos apenas dois computadores: um novo e um velho para a utilização de toda a equipe - aproximadamente 65 pessoas” (47 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).

“Faltam máquinas compatíveis com os programas a serem instalados e

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223

acesso a Internet. O que temos hoje são computadores antigos muito lentos” (53 anos, sexo feminino, especialização, criança/adolescente - RJ).

“No meu local de trabalho há um computador que não tem condições de uso pela precariedade do equipamento e o mesmo também não acessa a Internet, por não ter ainda ponto de ligação no local. Creio que os equipamentos adequados e acesso à informática melhorariam em muito nossas condições de trabalho” (43 anos, sexo feminino, mestrado, assistência - RS).

“Há um computador na secretaria, para uso de todos. Mas vive com problemas, impossibilitando seu uso. Criamos vários arquivos/documentos de uso próprio do setor de Serviço Social, mas com o defeito do computador, não podemos avançar” (34 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).

“Falta adequação do espaço físico, instalação de computadores, treinamento e interesse” (53 anos, sexo feminino, graduação, previdência - RJ).

“Existem diversas lacunas, desde a implantação da rede, como compra dos equipamentos necessários ainda não alocados na proposta orçamentária deste ano. Temos computadores na secretaria, mas os assistentes sociais não contam com o mesmo, de maneira contínua, em seus trabalhos” (38 anos, sexo feminino, doutorado, assistência - SP).

“Falta termos acesso ao equipamento completo (computador com impressora), pois a unidade já possuía instalações necessárias, inclusive na sala do Serviço Social” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

Percebeu-se, também, a existência de uma problematização, por

parte de alguns(mas) profissionais, da imposição da informática ao Serviço

Social. Os depoimentos demonstram a realização de um questionamento das

reais finalidades presentes nos processos de informatização, aos quais, por

vezes, encontram-se sujeitos. Sinalizam que nem sempre tais processos são

conduzidos com vistas à melhoria dos atendimentos, mas apenas para agilizar

processos burocráticos e/ou administrativos, como ilustram os depoimentos a

seguir.

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224

“Realmente não sei se pensam na informatização para otimização do trabalho técnico, mas percebo muito mais como uma diminuição da sobrecarga do trabalho administrativo do pessoal desta área. Esta tal informatização se deu pela sobrecarga de material para digitação para o profissional da área administrativa” (38 anos, sexo feminino, especialização, criança/adolescente - RS).

“A informatização deu-se devido à necessidade de controles, como rotatividade, acidentes de trabalhos, bancos de dias, afastamentos por doenças, controle de horas de treinamentos, relatórios gerenciais etc” (47 anos, sexo feminino, especialização, empresa - RJ).

Trata-se de uma postura que precisa ser identificada e criticada,

tendo em vista a superação de uma utilização da TI que tenha por base o

reforço de valores favoráveis aos segmentos dominantes em nossa sociedade.

O Serviço Social pode tentar construir uma forma de apropriação do recurso

tecnológico tendo por objetivo a melhoria dos serviços prestados aos usuários

e usuárias, contribuindo, desta forma, para o reforço de valores condizentes

com a satisfação de seus interesses. Desta forma, a profissão pode afastar-se

de uma incorporação da tecnologia tal qual caracterizada por Vieira Pinto

(2005), em que seu uso tenha por finalidade principal “fazer da tecnologia um

instrumento eficaz de dominação” (p.301).

Por outro lado, é possível identificar depoimentos em que os(as)

assistentes sociais demonstram uma tentativa de incorporação da TI atribuindo

prioridade à melhoria e ao aprimoramento do trabalho. Ainda que seu potencial

não esteja claramente formulado e evidenciado nestes depoimentos, é possível

perceber a indicação de possibilidades postas pelo uso deste recurso,

principalmente pelas contribuições que já vem oferecendo em termos de

atualização e reformulação de procedimentos na atuação profissional. Além de

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225

sinalizarem as possibilidades de alterações no campo da atuação profissional,

apontam também a possibilidade de aprimoramento dos próprios recursos da

TI disponíveis no setor ou instituição, a partir de questões levantadas pela

dinâmica do trabalho.

“A informatização já existia quando eu cheguei. Mas houve uma mudança a partir do trabalho, que foi uma atualização do sistema e a criação de um programa voltado para as questões que tratam o Serviço Social na instituição. Está sendo atualizado no momento, com previsão de conclusão em outubro de 2006. Também foi instalado o acesso a Internet, por ser uma ferramenta de uso contínuo para comunicação e multiplicação de informações” (33 anos, sexo feminino, graduação, criança/adolescente - RJ).

“Hoje, todos os atendimentos sociais e programas corporativos do Serviço Social podem ser registrados e acompanhados pelo sistema, que permite consultas e emissão de relatórios gerenciais, com a possibilidade da estratificação de dados de acordo com a necessidade. Este sistema vem sendo aperfeiçoado e atualizado sistematicamente” (42 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RJ).

“Tanto na empresa onde trabalho (saúde), quanto no órgão público (prefeitura), já existiam os computadores. Na clínica foram desenvolvidos programas, incluindo a avaliação social dos pacientes, e outros formulários e sistemas de controle e avaliação do trabalho foram implantados pelo próprio assistente social, no caso eu mesma, como primeira assistente social da clínica. Na prefeitura, onde atuo em coordenação financeira de fundos municipais, tudo está informatizado, mas na área social, ainda falta muito para ter um banco de dados eficiente dos usuários da assistência” (43 anos, sexo feminino, graduação, saúde e assistência - RJ).

“Quando cheguei já existiam computadores, contudo, com o passar do tempo este equipamento foi se tornando cada vez mais indispensável para praticamente todos(as) os(as) que trabalham neste setor, o que torna a quantidade de computadores insuficiente” (28 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).

Os profissionais, portanto, tendem a evidenciar uma tentativa de se

apropriar da TI, extrapolando os limites de uma preocupação tecnicista,

gerencial ou mistificadora deste recurso. Assim, mostra-se importante para

esses profissionais a postura de superar a compreensão da TI de forma

Page 226: Renato Veloso

226

reduzida a ferramentas de racionalização do trabalho, de permanência no

mercado de trabalho ou, ainda, de adequação aos novos tempos. Ao abordar

os estudos acerca da tecnologia e educação, no âmbito da “sociedade da

informação”, Barreto (2004) observa que é preciso distinguir “os que partem de

seu questionamento daqueles que assumem tal sociedade como pressuposto”

(p.1185). Tendo em vista as observações da autora, considera-se que o debate

sobre a TI no Serviço Social será mais bem realizado na medida em que

conseguir superar posturas mistificadoras e avançar no sentido de incentivar

um processo de apropriação e incorporação crítica do recurso tecnológico aos

processos de trabalho e à formação profissional.

3 . 2 . 2 . A P A R T I C I P A Ç Ã O D O S E R V I Ç O S O C I A L N O S P R O C E S S O S D E I N C O R P O R A Ç Ã O D A T I

Um ponto interessante abordado no questionário refere-se à

participação dos(as) profissionais nos processos de informatização dos setores

de Serviço Social. Constatou-se que entre os(as) assistentes sociais que atuam

em setores informatizados, boa parte deles(as) (58%) relatou ter participado do

processo de informatização, como demonstra o gráfico a seguir.

Page 227: Renato Veloso

227

Gráfico 27 - Os assistentes sociais participaram do processo de informatização? - Total de casos: 67

28

39

0 10 20 30 40 50

Não

Sim

Fonte: SSTI, 2006.

Nota-se, no entanto, que os principais canais de participação

relatados pelos(as) profissionais foram o acompanhamento da implantação de

programas específicos e a inserção em cursos e programas de treinamento.

Atividades como planejamento e parametrização de programas, ou ainda

proposição e solicitação de bancos de dados e aplicativos específicos são

pouco citadas.

O envolvimento dos(as) profissionais com o processo de

incorporação da TI ao Serviço Social é tomado neste trabalho como um

aspecto relevante. Considera-se importante reconhecer se os(as) assistentes

sociais vêm tendo alguma participação ativa nesse processo ou se costumam

ficar aguardando que outros sujeitos o definam e o conduzam. Isso não

significa que os(as) profissionais tenham que dominar conhecimentos

específicos da área de informática, mas apropriar-se de um conteúdo mínimo

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228

que lhes permita desenhar os traços gerais tanto de um processo de

informatização mais restrito, quanto, numa perspectiva mais ampla, uma

incorporação efetiva da TI. Assim, ao serem perguntados sobre como se deu o

processo de informatização do Serviço Social (quando relatada a existência de

tal processo), alguns(mas) profissionais indicaram que este foi imposto de

forma autoritária, conturbada, precária e improvisada, sem recursos, suporte e

acompanhamento adequados. São depoimentos que indicam uma ausência de

participação dos(as) profissionais na construção desse processo de

informatização e, conseqüentemente, inviabilizam um processo de apropriação

mais efetiva e crítica da TI.

“Estou chamando de informatização a instalação dos computadores. Mas foram criados programas os quais o Serviço Social não foi chamado para conhecer ou saber operar. Foram oferecidos cursos apenas alguns no nível de operacionalização de processadores de texto: Carta Certa, Word etc.” (48 anos, sexo feminino, especialização, justiça - RJ).

“Somente participaram os profissionais da informática” (45 anos, sexo feminino, especialização, empresa - SP).

“Os assistentes sociais não participam da informatização, assumindo apenas o papel de usuário (digitar relatórios, por exemplo)” (34 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

“A equipe de Serviço Social (existente no Rio Mulher há apenas dois anos) não chegou a participar da implantação da informatização” (30 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).

“Não houve participação do Serviço Social e somos obrigadas a nos adequar a nova realidade” (37 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).

Alguns(mas) profissionais indicaram, ainda, que a informatização do

Serviço Social aconteceu por determinação externa ao setor, muitas vezes pela

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229

direção da instituição, sendo operacionalizada pelos setores de informática ou

de TI da instituição como um todo. Apesar de, muitas vezes, as equipes de

Serviço Social apresentarem demandas e iniciativas voltadas à participação

nesse processo de informatização, a existência de uma determinação externa

tende a reforçar a ausência de uma participação mais efetiva dos(as)

profissionais no processo.

Além disso, há alguns depoimentos que indicam que os processos

de informatização dos setores de Serviço Social não são frutos de

reivindicações ou pressões originadas exclusivamente por esses setores, tendo

em vista que muitas vezes a informatização do Serviço Social acompanhou a

informatização da própria instituição e de seus diversos setores. Novamente,

em tais situações, percebe-se a inexistência de uma participação consistente

dos(as) assistentes sociais no processo de informatização.

“A informatização do Serviço Social ocorreu no mesmo momento que ocorreu em outras áreas” (45 anos, sexo feminino, especialização, empresa - SP).

“Desde a implantação do serviço social, a estrutura da instituição já era informatizada, só solicitei da necessidade deste setor” (28 anos, sexo feminino, graduação, saúde - MG).

“O Serviço Social é informatizado porque toda a empresa é informatizada, não tem nenhum setor que não seja” (31 anos, sexo feminino, mestrado, empresa - RJ).

“O Serviço Social foi incorporando a informática às suas atividades paulatinamente, conforme estas tecnologias foram sendo inseridas no âmbito da empresa. Quanto à informatização via sistema específico, padronizado para toda a empresa, ocorreu mais tardiamente, há cerca de três anos.

“Como toda a estrutura da prefeitura foi informatizada o Serviço Social também foi, porém estamos adaptando as máquinas, os programas às nossas necessidades. Adaptando inclusive os técnicos para o bom uso da

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230

tecnologia” (39 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RS).

“A informatização ocorreu como parte de um projeto de modernização administrativa, da Prefeitura Municipal de Porto Alegre” (47 anos, sexo feminino, especialização, gestão - RS).

“A informatização aconteceu em todos os setores através de um sistema único de informatização de informações” (48 anos, sexo feminino, especialização, justiça - SC).

Isso significa que, se por um lado constata-se a existência de um

processo de informatização de alguns setores de Serviço Social, indicando a

existência de algum tipo de incorporação da TI ao trabalho, por outro esta

incorporação de modo algum significa uma apropriação crítica e efetiva de tal

tecnologia por parte dos(as) profissionais. Absorvida como decorrência de

determinações autoritárias impostas aos setores de Serviço Social, dissociada

das reais necessidades apresentadas por estes setores, a TI serve muito mais

como instrumento de controle e opressão do que de emancipação e defesa de

direitos. A potencialização originada com este tipo de uso não tem por objetivo

a defesa dos valores presentes no projeto profissional, mas a dos valores que

sustentam relações sociais marcadas pela desigualdade e injustiça.

3 . 2 . 3 . A S M U D A N Ç A S P R O P I C I A D A S P E L A T I

Apesar de relatarem vários problemas presentes no processo de

informatização dos setores de Serviço Social, grande parte dos(as)

profissionais (94%) apontou o surgimento de mudanças nos procedimentos e

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231

processos de trabalho devido à inclusão de recursos da TI, como mostra o

gráfico a seguir.

Gráfico 28 - Foram notadas mudanças por conta da informatização? - Total de casos: 67

4

63

0 10 20 30 40 50 60 70

Não

Sim

Fonte: SSTI, 2006.

Tais mudanças, de acordo com os(as) profissionais, exerceram

alguns impactos sobre o trabalho realizado pelos(as) assistentes sociais,

ocasionando, em muitos casos, melhorias significativas, principalmente em

relação à agilização de algumas tarefas relativas ao trabalho, ao registro e

tratamento de dados e ao acesso a redes de informações disponíveis sobre

serviços e recursos. O gráfico a seguir demonstra que grande parte dos(as)

profissionais (93%) relatou que o processo de informatização, de forma geral,

melhorou a realização do trabalho do Serviço Social, enquanto apenas 7%

disseram que não houve mudanças expressivas.

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232

Gráfico 29 - A informatização propiciou melhorias p ara o Serviço Social? - Total de casos: 67

62

5

0 10 20 30 40 50 60 70

Melhorou

Não houvemudança

Fonte: SSTI, 2006.

Os depoimentos dados pelos(as) profissionais apontam para um

forte reconhecimento do valor da TI na condução de seu trabalho. Em geral,

os(as) profissionais afirmam que o uso da TI torna o trabalho mais ágil e

dinâmico, principalmente nas tarefas mais burocráticas; favorece a

comunicação entre os(as) profissionais e as instituições; ajuda na localização e

referenciamento de recursos; otimiza a elaboração de relatórios e pareceres

sociais; imprime uma maior organização ao setor; favorece o acesso a

informações; dentre outras.

“Com certeza trouxe agilidade na informação institucional, bem como na identificação de recursos externos e na gerência dos dados do setor” (34 anos, sexo feminino, especialização, justiça - RJ).

“É muito bom fazer um encaminhamento, um relatório, um projeto e imprimi-lo. Contar com dois computadores e uma impressora é fabuloso. Isso de certa forma até compensava a falta da Internet, pois nesses casos em que precisávamos viabilizar alguns encaminhamentos, tínhamos que fazer ‘a moda antiga’ (ligar para rede de serviços e fazer uma peregrinação para saber como encaminhar, quais os documentos necessários e com isso garantir o acesso às políticas sociais)” (29 anos, sexo masculino, mestrado, assistência - AL).

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233

“Com relação à possibilidade de pesquisa, na assistência nos ajuda a agilizar o atendimento, através de informações previdenciárias, saúde etc. Além de formulários que podemos deixar prontos” (50 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

“Até hoje ainda procuramos usufruir o máximo dos recursos oferecidos. No meu local de trabalho, há algum tempo, o envio de correspondências somente se faz a partir da confecção de guias de remessa pelo sistema integrado. Fazemos consultas a processos, o que facilitou em muito para o Serviço Social conhecer um pouco do resultado de seu trabalho. Temos nossos logins que permitem também o acesso a informações pessoais (solicitações, processos, contracheques etc.)” (48 anos, sexo feminino, especialização, justiça - RJ).

“Melhorou todos os processos do Serviço Social pela acessibilidade dos dados (agora on-line) por qualquer assistente social da empresa, de qualquer unidade do país; pelas pesquisas de dados e correlações viáveis de serem efetivadas, pela gestão dos resultados da prática profissional, dentre tantas outras melhorias” (42 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RJ).

“Melhorou uma vez que deu mais autonomia ao setor na criação e impressão de relatórios/formulários específicos do Serviço Social. Há cerca de três anos temos acesso direto à Internet, o que facilitou a consulta de recursos comunitários, informações relacionadas às necessidades dos usuários deste serviço, agilidade na comunicação na organização e também externa” (33 anos, sexo feminino, graduação, saúde - SP).

“Acredito que tenha melhorado, pois a informatização agiliza processos de comunicação, troca/busca de informações e de registros. Com o acesso a Internet foi possível, por exemplo, buscar uma série de informações sobre recursos, dados, orientações, protocolos e informações sobre órgãos e políticas públicas” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

“Melhorou, na busca por informações, na agilização do contato com outras instituições, na comunicação com outros profissionais” (33 anos, sexo feminino, graduação, criança/adolescente - RJ).

“Maior agilidade no trabalho, desenvolvimento de uma rede de informação, melhor conhecimento técnico do profissional” (41 anos, sexo feminino, especialização, criança/adolescente - RJ).

“Agora é possível até agendar as perícias do INSS, facilitando, assim, ao usuário, que muitas vezes não dispõe de transporte e não tem a necessidade de enfrentar filas” (47 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RS).

“Por conta de ter, por exemplo, acesso à Internet, agilizou a comunicação e o envio de trabalhos, o acesso a sites relativos à área” (37 anos, sexo feminino, graduação, saúde - SC).

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234

“A utilização dos programas teve um grande impacto no nosso trabalho, viabilizando a consolidação de dados, o que não seria possível sem a utilização dos mesmos. Criamos uma planilha em Excel para acompanhar as famílias beneficiárias do Programa Bolsa-Família e que deveriam comparecer às unidades de saúde para cumprimento de condicionalidade (caso não compareçam correm o risco de perder o benefício). Se não tivéssemos utilizado a planilha, seria inviável tal acompanhamento, já que são muitas famílias“ (28 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).

Se a informatização embrionária pela qual o Serviço Social vem

passando, marcada pelos problemas apontados há pouco, consegue gerar

mudanças positivas, tal como sugerem os(as) assistentes sociais, o que dizer a

respeito dos resultados que poderiam ser gerados a partir de uma apropriação

mais consistente, crítica e efetiva da TI? Acredita-se que as possibilidades são

diversas, e a tarefa que é colocada à profissão reside exatamente em

desvendar tais possibilidades, convertendo-as em experiências efetivas de

apropriação crítica deste recurso.

Reconhecer a importância da TI para o trabalho do(a) assistente

social não significa, no entanto, cair na armadilha da mistificação da informática

e da tecnologia, como se todos os problemas existentes no exercício

profissional simplesmente desaparecessem ao se incorporar a TI. Incorrer

nesse erro significa extrapolar as fronteiras das reais possibilidades contidas no

uso deste recurso e atribuir-lhe um caráter “salvacionista”, ou, nas palavras de

Vieira Pinto (2005), conferir “poder demiúrgico” ao que se constitui como

expressão de um modo de ser do sujeito real a que se refere” (p.158). É nesse

sentido que se apontam alguns depoimentos que podem levar a uma postura

de “endeusamento” da TI, atribuindo-lhe o papel de salvadora, quando na

verdade, o que ela realmente faz é auxiliar, ou ainda, potencializar o processo

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235

de solução dos problemas existentes, sem constituir-se, por si mesma, na

solução para esses problemas.

“Sem a informatização tudo seria mais difícil” (33 anos, sexo feminino, especialização, educação - RJ).

“Sabemos que um dos objetivos do Serviço Social é a veiculação de informações e isso hoje não é possível sem uma atualização constante e essa atualização não se dá sem o recurso da informática e da tecnologia” (35 anos, sexo feminino, especialização, saúde - TO).

“Sem dúvida, trabalhar com estes recursos disponíveis é de fundamental importância. Não consigo imaginar um profissional nos dias de hoje trabalhando de outra forma” (39 anos, sexo feminino, especialização, empresa - RJ).

“Acredito que tudo que é informatizado é melhor para trabalhar” (44 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RJ).

“Quem não se atualizar na utilização da informática não tem como trabalhar, já que todas as informações e todos as metodologias de trabalho são informatizadas” (35 anos, sexo feminino, especialização, saúde - TO).

“O assistente social, bem como qualquer outro profissional, precisa sair da universidade com o mínimo de atualização para o mercado de trabalho. Um assistente social que não sabe trabalhar com a informática ou usá-la a favor de seu trabalho não acompanhará o desenvolvimento da sociedade, principalmente pela dinâmica e agilidade da informação, atualmente” (33 anos, sexo feminino, graduação, criança/adolescente - RJ).

“Hoje não consigo imaginar minha prática profissional sem a TI” (44 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).

“Avalio como importantíssima a garantia do acesso da informática no Serviço Social. A meu ver não há como intervir, sem o apoio desta ferramenta” (44 anos, sexo feminino, mestrado, assistência - RJ).

Nota-se, portanto, um certo deslumbramento com os recursos

oferecidos pela tecnologia e as possibilidades de mudanças dela decorrentes.

A existência de tal postura demonstra a necessidade de cautela para não tomar

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236

estes recursos como soluções mágicas para os problemas reais que ocorrem

no cotidiano do trabalho profissional. Uma observação de Guerra (1995) pode

ser útil para refletir sobre essa questão:

“o fetiche que permeia o instrumental técnico e a deificação das

metodologias de ação (...) colocam-se como determinações e

especificações tanto da instrumentalidade do Serviço Social

quanto da insuficiência na compreensão do profissional sobre o

significado social e político da sua prática” (p.168).

A autora aponta, portanto, uma “tendência de atribuir aos

instrumentos e técnicas, municiadores da intervenção, um status superior

àquele que é dado aos demais componentes da prática profissional” (p.169).

Trata-se de uma tendência que encontra seu ponto de sustentação no

“fetichismo que envolve as relações sociais do mundo burguês e que, em

última instância, são representações falsas sobre a realidade” (idem). A autora

ressalta que o domínio do instrumental técnico requisita do(a) profissional um

conhecimento das finalidades presentes na atuação e das formas de alcançá-

las, considerando que:

“Ao atribuir autonomia às metodologias de ação e ao

instrumental técnico, ao separá-los e torná-los independentes

do projeto profissional, o assistente social acaba por

transformar o que é acessório em essencial. O fetiche,

enquanto ‘escopo do mundo moderno’, também penetra as

representações e auto-representações dos assistentes sociais

sobre os elementos que mediatizam a sua intervenção” (p.169)

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237

Considera-se que a TI constitui-se como um recurso de grande

importância, no entanto não substitui outras dimensões fundamentais do

exercício profissional, inclusive o próprio profissional. Em geral, é perfeitamente

possível que o trabalho do Serviço Social se realize sem o recurso da TI. Sua

presença pode tornar sua realização mais rápida, sistematizada, organizada,

propiciando condições para potenciar as dimensões inerentes ao exercício

profissional. É neste sentido que não se deve cair na postura que identifica a TI

como um elemento que deva substituir os(as) profissionais. Tal preocupação é

indicada por alguns(mas) profissionais, como se pode verificar nos

depoimentos a seguir.

“Vejo a informática para o Serviço Social como um instrumento altamente facilitador da ação profissional, mas não essencial” (54 anos, sexo feminino, graduação, previdência - RJ).

“Vejo esta tecnologia como ferramenta auxiliar do trabalho do Serviço Social, seja no planejamento, na execução, na avaliação ou na supervisão de ações e de processos de trabalho” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

“É necessário pela agilidade em buscar informações, em pesquisar assuntos, em se atualizar, mas não é o principal. No momento em que a máquina for o principal, não existirá a essência do Serviço Social” (48 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RJ).

Desta forma, o Serviço Social precisa planejar e organizar uma

incorporação da TI tomando-a como um elemento auxiliar, subordinado a seus

interesses profissionais, não individuais, mas coletivos, permitindo que esse

recurso seja colocado a serviço de tais interesses. Agindo desta forma, poderá,

além de preservar, ampliar seu espaço de legitimidade profissional.

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238

Considera-se que muitas atividades que os(as) assistentes sociais

poderiam realizar com o recurso da TI, poderia ser feito, também, sem utilizar-

se dele. A diferença é que as atividades e procedimentos seriam feitos de

forma menos rápida e menos ágil. Isso significa que o elemento principal neste

contexto não é o recurso tecnológico em si, mas o sujeito que trabalha, o(a)

profissional, que se apropria deste recurso para alcançar os projetos que já tem

em mira. O fator substantivo, digamos assim, reside no profissional, enquanto

no recurso tecnológico reside o fator adjetivo. Importante, mas ainda assim,

adjetivo, e que, portanto, não pode substituir o real sujeito da atuação

profissional. Assim, mais uma vez, a TI pode possuir um papel importante para

o trabalho, mas isso não significa nem o ofuscamento nem a substituição

dos(as) profissionais. Ao contrário, tal papel reside exatamente na

potencialização de seu trabalho, de suas atividades e na consolidação de sua

condição de protagonista de seu exercício profissional.

Tais comentários conduzem à observação de que a incorporação da

TI ao trabalho do(a) assistente social não deve ter por conseqüência uma

redução ou uma economia de trabalho. Pode significar, sim, que a quantidade

de trabalho manual, mecânico, burocrático e repetitivo pode diminuir, no

entanto outras habilidades e competências passam a ser exigidas do(a)

profissional, como, por exemplo, a habilidade de analisar e interpretar a grande

quantidade de dados e informações produzidas pelo Serviço Social com o

auxílio da TI, aumentando a demanda global por trabalho. Os(As) profissionais

precisam tomar cuidado para não perder de vista o potencial a ser retirado do

uso da TI: este recurso não serve apenas para realizar mais atividades de

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239

forma mais rápida, mas para tentar imprimir algum tipo de mudança qualitativa

no trabalho, seja na captação de dados da realidade que antes não podiam ser

percebidos, seja na promoção de novas modalidades de atendimento voltadas

à satisfação das necessidades dos usuários e usuárias, tendo em vista o

potencial do recurso tecnológico de sistematizar e organizar dados e

informações sobre serviços e direitos sociais. Os depoimentos a seguir

parecem apontar para esta preocupação, embora, em geral, não a

desenvolvam de forma mais contundente.

“Como potencializador da organização de dados do Serviço Social, a importância da informática para os usuários é clara porque otimizamos tempo que pode ser dedicado a ampliação de nossas ações junto aos usuários, respondendo a outras demandas que antes seriam inviáveis de responder por conta do tempo. Ao consolidarmos dados podemos ter acesso às maiores demandas colocadas pelos usuários, tanto explícitas quanto implícitas, o que ajuda na elaboração de projetos, do estabelecimento de prioridades e na elaboração de avaliações do nosso trabalho” (28 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).

“O uso da informática melhorou e aumentou o trabalho, como ocorre em todas as áreas no sistema on-line” (45 anos, sexo feminino, especialização, empresa - SP).

A informática proporcionou maior agilidade no trabalho, mais resultados, mais alternativas de acesso a recursos, mas também mais sobrecarga de trabalho, porque as demandas também chegam com mais velocidade e aguardam respostas velozes. Pelo aumento de sobrecarga, pela velocidade de informações, que atinge o mundo do trabalho em geral, temos que ficar atentos a nossa saúde psíquica no trabalho” (31 anos, sexo feminino, mestrado, empresa - RJ).

“A capacidade de trabalho e o acesso às informações e soluções ficou muito mais amplo” (54 anos, sexo feminino, graduação, previdência - RJ).

Alguns(mas) profissionais destacaram que grande parte das

melhorias obtidas decorre exclusivamente do esforço do(a) profissional, sem

incentivos por parte da instituição empregadora. De fato, em diversas

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240

instituições, pode-se constatar uma grande exigência em relação ao uso da TI,

tendo em vista a transferência de diversas atividades para o ambiente

tecnológico. Pense-se, por exemplo, no âmbito universitário, a forma atual de

lançamento das notas dos(as) alunos(as): se antes o preenchimento era feito

em atas ou formulários de papel e enviados às secretarias dos departamentos,

atualmente, tal preenchimento faz-se diretamente em um sistema on line, o que

traz, certamente, grande economia de tempo e trabalho para o conjunto de

trabalhadores envolvidos na realização da tarefa. Nota-se, assim, a

transferência desta atividade, para o ambiente tecnológico, extraindo-se daí,

vantagens na maioria das vezes gerenciais.

O problema, no entanto, está no fato de que muitas vezes

transferências como essa ocorrem sem ser acompanhadas por um processo de

qualificação e envolvimento com o novo recurso, além de não haver, também,

uma disponibilização de equipamentos em quantidade e qualidade suficientes

para uma efetiva incorporação da TI com finalidades para além das gerenciais.

É nesse sentido que a questão das condições de trabalho mostra-se tão

importante, já que elas constituem-se como um dos elementos fundamentais

para a efetivação da incorporação da TI, como sinalizam os depoimentos a

seguir.

“O que sei manusear do computador aprendi em minha casa por interesse próprio, e não por incentivo do empregador. Vários colegas não sabem absolutamente nada sobre computador” (38 anos, sexo feminino, especialização, criança/adolescente - RS).

”Em geral, o trabalho melhorou, contudo, como os equipamentos e as instalações não são apropriados, em alguns momentos isto nos faz perder muito tempo aguardando a resolução dos problemas que tanto são de software quanto de hardware” (28 anos, sexo feminino, mestrado, saúde -

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241

RJ).

”Falta as instituições disponibilizarem os equipamentos para uso dos profissionais e se necessário possibilitar a realização de cursos de qualificação” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

“Em relação à TI, dispomos de uma assessoria técnica, mas que não vem contemplando algumas de nossas demandas, como por exemplo, a elaboração de um banco de dados para o Serviço Social. Assim, o banco de dados vem sendo montado a partir da iniciativa dos próprios assistentes sociais. Porém, tal serviço deveria ser assegurado pela instituição” (26 anos, sexo feminino, graduação, assistência - RJ).

Além disso, muitas vezes, o próprio profissional é quem vai ter que

comprar os recursos necessários para o seu trabalho, tendo em vista a

inexistência de sua alocação por parte das instituições empregadoras. Trata-se

de um quadro que, além de demonstrar os efeitos perversos do neoliberalismo

sobre as condições de trabalho, indica a realidade em que diversos assistentes

sociais tentam, quase que heroicamente, conduzir suas atividades

profissionais. O depoimento a seguir ilustra o extremo a que tal situação pode

chegar.

“As condições são mínimas, embora possua uma sala, que comporta privacidade para uma entrevista. Após um ano e meio, recebi cadeiras adequadas para os usuários e/ou outros profissionais sentarem durante uma entrevista ou discussão de caso, pois as disponíveis eram aquelas plásticas de quinta categoria, cujas pernas iam abrindo até quebrar (tivemos colegas que caíram ao chão durante reunião e usuários batendo cabeça na parede, ao despencar da cadeira). O material para documentação é de última qualidade, tanto que eu mesma compro meu material de escritório para consumo próprio. Canso de imprimir documentos em casa, e a Internet, uso a particular, pois não há acesso no trabalho. Possuo um colega assistente social, que em certa ocasião comprou cadeira e mesa para trabalhar. Eu comprei o ventilador de teto de minha sala devido ao calor insalubre nas tardes de verão e estufa para o inverno. Outras colegas assistentes sociais dividiram a compra de um ar-condicionado para a sala coletiva dos profissionais” (38 anos, sexo feminino, especialização, criança/adolescente - RS).

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242

Embora não sejam a causa exclusiva, situações como essa podem

contribuir para fortalecer ainda mais o distanciamento do Serviço Social em

relação ao uso da TI no trabalho. Apesar dos(as) profissionais afirmarem que a

TI tem uma grande importância para a profissão, muitos(as) não conseguem

efetivamente utilizá-la, tendo em vista a sua inexistência ou escassez. Tais

condições criam uma aparência de resistência ao uso da TI, quando na

verdade o que ocorre é uma enorme dificuldade em utilizá-la, tendo em vista os

diversos obstáculos que se põem a seu acesso, como ilustram os depoimentos.

“Não vejo resistência do profissional em usá-lo, acredito que as prefeituras dentro das secretarias de assistência social é que não disponibilizam. Depende da valorização que as administrações dão para a área social” (38 anos, sexo feminino, mestrado, assistência - RS).

“Não acredito em resistência ao uso da informática e sim, dificuldades para acesso a equipamentos, programas, manuseio, dentre outras” (38 anos, sexo feminino, doutorado, assistência - SP).

”Não sei se é resistência ou se é escassez desta tecnologia nos serviços, como no nosso caso” (47 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).

Nota-se, portanto, que os(as) profissionais indicam nos depoimentos

uma referência ao fato de que tanto a existência de condições de trabalho

adequadas, quanto o incentivo ao uso da TI pelo Serviço Social, são aspectos

fundamentais para que este recurso seja adequadamente incorporado ao

exercício profissional.

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243

3 . 2 . 4 . O S C O N D I C I O N A N T E S D A I N C O R P O R A Ç Ã O D A T I

Nesta seção, pretende-se discutir alguns elementos mais específicos

que podem condicionar a incorporação da TI pelo Serviço Social. Não se

desconsidera, neste momento, a importância dos aspectos históricos e

processuais mais gerais apresentados ao longo do capítulo 1. A forma

hegemônica de imposição da tecnologia ao conjunto da sociedade por parte

dos grupos dominantes evidentemente condiciona fortemente os usos

possíveis desses recursos tecnológicos, não apenas por parte do Serviço

Social, mas também por parte do conjunto dos trabalhadores. Da mesma

forma, as transformações societárias pelas quais a sociedade capitalista vem

passando desde a década de 70, principalmente aquelas que se referem à

desresponsabilização e ao desmonte do Estado e à reestruturação produtiva,

exercem grande influência sobre as modalidades possíveis de incorporação da

TI por parte dos(as) trabalhadores, dentre eles(as) os(as) assistentes sociais.

Apesar de não desconsiderar a existência e influência desses

aspectos estruturais, o que se pretende é apresentar alguns elementos mais

específicos e pontuais que condicionam a incorporação, por parte da profissão,

desse recurso tecnológico, tendo por base as respostas oferecidas pelos(as)

profissionais. Neste sentido, verificou-se que o uso da TI pressupõe a

existência, no âmbito da atuação profissional, de condições básicas a sua

apropriação. De forma geral, os(as) profissionais apontam três elementos

básicos que tornam possível a incorporação da TI ao trabalho profissional:

vontade e interesse dos(as) profissionais em utilizar a tecnologia em seu

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244

trabalho; existência de condições de trabalho adequadas; existência de

formação profissional voltada para o tratamento deste tema.

Gráfico 30 - O que está faltando para que a incorpo ração da tecnologia da informação ao Serviço Social aconteça ? - Total de casos: 77

53%

27%

19%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%

Formação ecapacitaçãoprofissional

Condições detrabalho adequadas

Interesse e vontadedos profissionais

Fonte: SSTI, 2006.

Na opinião dos(as) profissionais, o principal fator que possibilita uma

adequada incorporação da TI ao trabalho do Serviço Social refere-se a uma

formação profissional que dê conta das principais questões referentes não só

ao uso operacional do recurso técnico, mas também à desmistificação e

superação da resistência em relação ao seu uso, demonstrando as

possibilidades e efeitos positivos de sua adequada utilização. Os(As)

profissionais sinalizam a importância de disciplinas nos cursos de graduação e

pós-graduação, capacitações, cursos, palestras e espaços de discussão e

reflexão sobre esta temática como forma de qualificação e como possibilidade

de combate à resistência ao uso da TI, possibilitando uma maior aproximação

dos(as) profissionais a este tema.

Page 245: Renato Veloso

245

”Como já disse, cursos específicos para assistentes sociais, disciplinas específicas na graduação e pós-graduação, publicação de artigos sobre o tema e organização de mesas e palestras sobre o tema” (28 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).

”Criação de interfaces entre o mundo da informática e a prática do assistente social” (32 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

”Os profissionais devem ter acesso a treinamentos, para se familiarizar com o uso rotineiro do computador e de programas, bancos de dados, apresentações etc” (53 anos, sexo feminino, mestrado, previdência - RJ).

”Palestras abertas nas faculdades, Cress, Cfess etc. Mini-cursos, seminários, cursos, divulgação de manuscritos, materiais e artigos tudo correlacionado com a prática tecnológica e profissional” (44 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).

”O aprendizado desse conteúdo na formação profissional, não como uma disciplina que reprova, mas como uma atividade discente obrigatória” (29 anos, sexo masculino, mestrado, assistência - AL).

”Talvez uma cadeira ou cursos específicos que mostrem ao profissional o que se pode fazer utilizando a informática” (35 anos, sexo feminino, graduação, justiça - RS).

Ainda no plano da formação profissional, destacam os(as)

profissionais a importância de se socializar e disseminar as experiências

existentes sobre o uso da TI pelo Serviço Social, como forma de discutir e

definir estratégias para ampliar sua incorporação ao trabalho. Além disso,

fazem referência, também, à necessidade de um investimento por parte

dos(as) próprios(as) docentes, no sentido de se qualificarem para incorporar e

difundir a importância desse recurso.

”Falta iniciativa dos formadores” (44 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RS).

”No meu ver, falta uma qualificação de professores (não somente professores teóricos, mas que tenham conhecimento da prática profissional)

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246

nas universidades. Falta também que o profissional saia do seu comodismo (prática diária) e possa investir em cursos e formação” (38 anos, sexo feminino, mestrado, assistência - RS).

Em sintonia com as preocupações apresentadas pelos(as)

profissionais acerca da incorporação da TI por parte dos(as) docentes, Colmán

(2004) observa que se por um lado pode-se considerar a inclusão do ensino de

informática nos cursos de Serviço Social um passo importante, no sentido de

reconhecer o papel que as novas tecnologias têm nos ambientes de trabalho,

por outro, cabe, também, aos professores, “enquanto responsáveis pela

formação profissional, propor conteúdos que qualifiquem a apropriação das

tecnologias de informação e os sistemas de informação pela nossa profissão”,

ampliando-se, desta forma, as possibilidades de apropriação deste recurso por

parte da profissão.

Além disso, uma das possibilidades para o aumento do debate sobre

o tema é a criação de espaços de discussão sobre Serviço Social e TI, em que

sejam apresentadas, analisadas e problematizadas experiências de aplicação

dessa tecnologia ao exercício profissional, gerando um acúmulo da categoria

sobre o assunto. Com isso, além de conhecer as experiências existentes, é

possível dar visibilidade à temática e incluí-la na agenda de debates da

categoria de assistentes sociais. Como observou Mattelart (2002, p.169), “a

demonstração de experiências de uns têm efeitos sobre a prática dos outros”,

sinalizando uma postura que pode ser de grande importância para a reflexão e

a formulação de propostas alternativas ao modelo hegemônico.

Page 247: Renato Veloso

247

O segundo fator que, de acordo com os(as) profissionais, possibilita

a incorporação da TI ao exercício profissional, refere-se à existência de

condições adequadas de trabalho, que disponibilizem recursos físicos,

materiais e humanos em quantidade e qualidade necessárias para a condução

das atividades. As condições de trabalho são vistas como de grande relevância

pelos(as) profissionais, principalmente se forem tomadas em conjunto com uma

formação profissional sintonizada com as demandas apresentadas pelos

usuários e usuárias e capaz de dar conta das necessidades de aprendizado

sobre o uso da TI.

”Acesso por meio de condições oferecidas pelas instituições empregadoras” (40 anos, sexo feminino, mestrado, justiça - SP).

”Ter acesso a informática no local de trabalho e maior conhecimento dos recursos a ser utilizados” (49 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RS).

”Universidades mais equipadas que ajudem a preparar o aluno, instituições que invistam em condições de trabalho e programas que potencializem o trabalho do assistente social” (31 anos, sexo feminino, mestrado, empresa - RJ).

”Em alguns lugares, até mesmo o equipamento em condições de uso. Oferta de cursos e informações também” (34 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).

“Possuímos uma pequena sala, somente para o setor, com duas mesas de escritório com cadeiras de interlocutor e um aparelho telefônico. Existem as instalações para ligar o equipamento e o cabo de acesso para a Internet. O que não existe é o equipamento!” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

O terceiro fator que possibilita a incorporação da TI refere-se à

iniciativa dos(as) profissionais. Foram feitas referências à ausência de

iniciativa, força de vontade ou interesse do(a) profissional em incorporar a seu

Page 248: Renato Veloso

248

trabalho o potencial oferecido pela TI. Tal incorporação, de acordo com os

depoimentos, poderia trazer melhorias para além da realização do trabalho,

incidindo também sobre o status do(a) profissional, fazendo com que os(as)

assistentes sociais passassem a ser vistos como profissionais “modernos”,

“antenados(as) com as novidades”, capazes de “concorrer” com os outros

profissionais nas instituições empregadoras para se manterem no mercado de

trabalho. Nota-se uma tendência de tomar a TI como um elemento que

possibilita a própria sobrevivência do(a) profissional no mercado de trabalho,

tendo em vista, principalmente, o fato de que outras profissões já vêm

realizando essa incorporação, estando, desta forma, à frente do Serviço Social,

que por sua vez, estaria em desvantagem em relação a outros(as)

profissionais.

”É preciso expor a necessidade da informática e como é tempo que se economiza. Acredito que seja questão de sobreviver ao mercado de trabalho, a sua permanência na empresa, ao desenvolvimento e crescimento do seu trabalho” (44 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RJ).

”Falta visão ampliada da categoria, pois ao incorporar a informática a nossas atividades, estaremos sendo vistos como um profissional de prática atual, pois o mundo está informatizado e as informações poderão ser armazenadas e repassadas de forma rápida e eficiente, facilitando assim a prestação de serviço a nossos usuários” (44 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).

”Falta interesse dos que não acompanharam o processo tecnológico” (24 anos, sexo feminino, graduação, assistência - RJ).

”Falta vontade de superar seus limites” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

“É necessário que haja uma conscientização da categoria sobre a importância da informática como instrumento de trabalho” (33 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).

Page 249: Renato Veloso

249

”Acho que há apenas um grupo de resistentes, aqueles que se formaram há muito tempo ou que mesmo recém-formados têm na profissão apenas um título para ganhar mais um pouco. Infelizmente temos muitas colegas negando essa realidade, dizendo que não têm mais como aprender. Falta engajamento com a profissão e com todas as suas nuances” (35 anos, sexo feminino, especialização, saúde - TO).

Apesar de compreender a preocupação dos(as) profissionais com

sua inserção no mercado de trabalho é necessário observar que o valor da TI

para o trabalho do Serviço Social não se restringe à sobrevivência do(a)

profissional neste mercado, ou, ainda, à aquisição de um status mais elevado

devido ao domínio de alguns recursos tecnológicos. Considera-se que a

preocupação maior consiste nas possibilidades que a TI apresenta para a

potencialização do trabalho e para as suas conseqüências para o conjunto da

profissão, e não para alguns(mas) profissionais apenas. Nesse sentido, uma

abordagem acerca da importância da TI, limitada às suas conseqüências para

o âmbito pessoal, da iniciativa individual, da força de vontade de cada um

(embora dela não se possa prescindir), não é tão elucidativa quanto aquela que

abrange a dimensão coletiva da profissão, envolvendo o conjunto da categoria

profissional e as condições necessárias à realização de seu trabalho,

destacando-se dentre elas a formação profissional e as condições adequadas

de trabalho nas instituições empregadoras.

Page 250: Renato Veloso

250

3 . 2 . 5 . O P A P E L D A F O R M A Ç Ã O P R O F I S S I O N A L

Um fator considerado importante para que o processo de

incorporação da TI ao trabalho do Serviço Social ocorra é o tratamento deste

tema na formação profissional. De fato, ainda se constata uma certa ausência

do tratamento desta questão na formação profissional, seja no âmbito da

graduação, seja no da pós-graduação. Por outro lado, quando o tema aparece

apresenta-se reduzido, como observa Colmán (2004), a oficinas, tópicos de

conteúdo ou laboratórios, limitando o ensino dessa matéria ao uso e

treinamento em alguns programas mais conhecidos, tais como editores de

texto e planilhas eletrônicas. Ao abordar o assunto, Albuquerque (1995)

observa que:

“A questão da relação do Serviço Social com a informática e

seu uso ético na prática profissional para acelerar o processo

de democratização tem sido pouco discutido nas salas de aula

como componente essencial da formação profissional” (p.298).

Uma incorporação efetiva da TI ao Serviço Social pressupõe um

processo de formação profissional que contemple tanto os aspectos gerais que

conformam os usos sociais possíveis da tecnologia, quanto as potencialidades

presentes em tal recurso a serem apropriadas pelo Serviço Social. Isso

significa ultrapassar a mera capacitação técnica ou o mero aprendizado dos

aspectos operacionais das inovações tecnológicas. Embora sejam dimensões

necessárias à formação, elas não esgotam as possibilidades presentes nestes

recursos, demandando a sua articulação com questões concretas presentes no

Page 251: Renato Veloso

251

cotidiano profissional e com os princípios fundamentais do projeto ético-político

profissional.

Apesar desta ausência do tema na formação profissional, constatou-

se que 71% dos(as) profissionais participantes indicaram já ter realizado algum

curso ou qualificação na área de TI ou de informática, como se pode verificar

no gráfico a seguir.

Gráfico 31 - Você já fez algum curso ou alguma qual ificação na área de informática ou tecnologia da informação? - Total de casos: 93

27

66

0 10 20 30 40 50 60 70

Não

Sim

Fonte: SSTI, 2006.

Os(as) participantes informaram já ter realizado cursos de introdução

à informática, com ênfase nos pacotes de editores de texto, planilhas

eletrônicas e aplicativos de bancos de dados mais conhecidos. Informaram

também que os cursos realizados foram feitos, na maior parte das vezes,

dentro das próprias instituições (na maioria empresas ou sindicatos),

principalmente quando há implantações ou modificações nos sistemas com que

Page 252: Renato Veloso

252

trabalham. A grande maioria relatou que o início de sua qualificação não

ocorreu no momento da graduação, mas sim depois de terem se inserido no

mercado de trabalho, como decorrência de uma exigência do mesmo.

A preocupação com o tratamento da TI, de acordo com os(as)

profissionais, não estava contemplada na grade curricular de Serviço Social.

Ainda que a preocupação surgisse durante a graduação, ela geralmente estava

reduzida à satisfação de um dos critérios para inserção em projetos de

pesquisa, onde a informática era utilizada como um instrumento de

organização e sistematização de dados de pesquisa, digitação de relatórios

etc., ou ainda, para seleções de estágio que demandavam conhecimento nesta

área. Trata-se de uma incorporação da TI de forma desarticulada dos principais

aspectos do exercício profissional.

“Quando ainda era da graduação do Serviço Social (em 1998) fiz curso de informática para conseguir a bolsa de pesquisa. Assim, a própria faculdade mostrou-me a necessidade de entender de informática. Considero que o conhecimento de informática não é mais uma opção, mas tornou-se imprescindível. O problema é que o assistente social quando já está no mercado de trabalho não encontra muitos ‘estímulos’ ou ‘obrigações’ para aprender informática. Desta forma, as faculdades poderiam tornar-se promotoras do conhecimento sobre informática, entendendo este como parte da qualificação profissional do assistente social” (34 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

“Há uma grande ausência deste tema durante a graduação, os estudantes não são informados como podem usar esta ferramenta a favor das entrevistas realizadas, nem mesmo na quantificação dos dados estatisticamente montados sobre a população usuária, o que facilitaria a criação de projetos e até o investimento em políticas para uma determinada região” (33 anos, sexo feminino, graduação, criança/adolescente - RJ).

“Acho que poderiam incluir uma modalidade no curso com o básico da informática, pois assim seria mais fácil para o profissional inserir-se na era digital, bem como auxiliar em pesquisas e em banco de dados” (35 anos, sexo feminino, graduação, justiça - RS).

Page 253: Renato Veloso

253

A TI precisa ser incorporada ao exercício profissional tendo em vista

as necessidades presentes nesse mesmo exercício. Faz-se necessária uma

apropriação “por dentro” do Serviço Social, pensada a partir das necessidades

identificadas nos próprios processos de trabalho em que o Serviço Social está

inserido. As universidades, nesse sentido, poderiam contribuir para esse

processo de apropriação, decifrando e construindo, a partir das demandas

postas no cotidiano, possibilidades de uso da TI no trabalho profissional.

Para boa parte dos(as) profissionais (40%), não há, no âmbito do

Serviço Social, opções de formação ou qualificação em TI, como indica o

gráfico a seguir. Os(as) que consideram haver alguma opção correspondem a

35%, enquanto os(as) que não souberam responder constituem 25%.

Gráfico 32 - Você acha que há opções de formação nesta área no Serviço Social? - Total de casos: 93

23

37

33

0 5 10 15 20 25 30 35 40

Não sei

Não

Sim

Fonte: SSTI, 2006.

Relatam os(as) profissionais que as opções de qualificação e

aperfeiçoamento na área são poucas e que isso pode ser prejudicial à

Page 254: Renato Veloso

254

profissão, tendo em vista a ausência de reflexões sobre o recurso e sobre as

suas possibilidades de uso no trabalho, fato que pode contribuir para a

inviabilização do potencial que a TI possui para o aprimoramento do trabalho

do Serviço Social.

Se por um lado os(as) profissionais consideram importante o

tratamento da TI na formação profissional, isso não significa, em sua opinião,

que este recurso deva ter primazia sobre os demais conteúdos. Ao contrário,

deve ocupar posição compatível com outros recursos, dimensões e

instrumentos necessários ao trabalho, demonstrando que a prioridade reside

no projeto profissional, nos valores e nos aspectos mais fundamentais da

profissão. Chama-se a atenção para o fato de que o recurso tecnológico

constitui-se como uma das mediações presentes no exercício profissional,

devendo, portanto, ser considerado em conjunto com os demais aspectos que

integram o que Netto (1996a) chamou de “sistema de mediações concretas que

forma a rede em que se constitui a unidade de intervenção” (p.91). Assim,

pensar a TI como uma mediação significa tomá-la como um elemento pelo qual

se pode, nas singularidades da intervenção profissional, elaborar indicativos

teórico-práticos de intervenção imediata vinculados aos objetivos, finalidades e

valores profissionais e humano-genéricos. Ou ainda, nos termos de Guerra

(2000), um fator que “permite acionar, potencializar os diversos elementos que

compõem a cultura profissional” (p.23).

Como observou Pontes (1995), o(a) assistente social pode ser

considerado “um articulador e potencializador de mediações”, atuando “nos

Page 255: Renato Veloso

255

sistemas de mediações que infibram as refrações da ‘questão social’

constitutivas das demandas sociais à profissão” (p.177). Podendo ocupar um

lugar importante nesse âmbito, na medida em que a categoria profissional

consiga apreendê-la e dela apropriar-se, a TI pode ser compreendida como

uma mediação que permite, no jogo das contradições presentes na sociedade

capitalista, alcançar as finalidades presentes no projeto profissional. Assim,

uma formação profissional que se preocupe com o tratamento da TI pode tomá-

la como um aspecto complementar da formação profissional, necessária na

medida em que permite um aprofundamento das competências profissionais, e

não como o principal elemento do processo formativo. É o que podem sugerir

os depoimentos a seguir.

“Acredito que esta opção deve ser de cunho complementar” (29 anos, sexo masculino, graduação, assistência - RJ).

“Vejo como um conhecimento a mais, não como uma obrigatoriedade. Talvez como um curso de línguas: você faz como atividade extra-curricular” (34 anos, sexo feminino, especialização, justiça - RJ).

“É um tema transversal e de capacitação que extrapola a formação profissional” (38 anos, sexo feminino, doutorado, assistência - SP).

“Creio que se tivesse algo mais específico para o Serviço Social seria interessante, mas isto não necessariamente teria que estar no currículo do curso e sim cada instituição poderia financiar isto para os seus profissionais uma vez que em cada situação de trabalho há especificidades” (43 anos, sexo feminino, mestrado, assistência - RS).

Os depoimentos de alguns(mas) profissionais atribuem importância

à qualificação na área de TI e à reflexão sobre os usos e aplicações possíveis

desta tecnologia no trabalho profissional. No entanto, não são formuladas

indicações sobre a construção de uma articulação da TI com questões

Page 256: Renato Veloso

256

presentes no cotidiano do trabalho profissional, buscando conhecer sua

aplicabilidade ao Serviço Social.

Ao problematizar este aspecto, Colmán (2004) observa que, se por

um lado cursos de graduação em Serviço Social já introduziram disciplinas,

oficinas ou tópicos de conteúdo sobre informática em seus currículos, por

outro, o conteúdo trabalhado limita-se ao treinamento e capacitação em alguns

programas mais conhecidos, como editores de texto e planilhas eletrônicas.

Essa postura de redução do ensino da informática a treinamento nos softwares

mais difundidos é inadequada, e deixa de lado a tarefa mais importante, que é

pensar a aplicação dos novos recursos tecnológicos no sentido de potencializar

a intervenção dos(as) assistentes sociais nas instituições em que trabalham.

Nesse sentido, para o autor, a forma mais adequada de apropriação das novas

tecnologias seria oferecer aos(as) estudantes a oportunidade de praticar a

concepção e a construção de aplicações, e promovendo, ao longo do processo,

uma articulação das potencialidades tecnológicas com alguns aspectos

relevantes da profissão, tais como objeto, estruturas burocráticas, os sistemas

de decisão e as funções administrativas presentes no trabalho profissional.

De forma geral, os depoimentos tratam apenas da importância de

cursos e capacitações que, embora sejam um passo importante na relação da

TI com o Serviço Social, não podem prescindir de momentos de elaboração e

avaliação de possibilidades de aplicação concreta da tecnologia junto a

problemas vivenciados pelos(as) profissionais. Como observam alguns(mas)

profissionais:

Page 257: Renato Veloso

257

“Os cursos realizados nos permitem um conhecimento geral, acerca da ferramenta informática e não um conhecimento que associe informática e Serviço Social” (26 anos, sexo feminino, graduação, assistência - RJ).

“Os cursos deveriam abordar instrumentos para viabilizar o trabalho do assistente social” (32 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

Assim, a qualificação não consiste apenas em aprender os

procedimentos necessários para utilizar os computadores. Mais do que isso,

pode proporcionar a descoberta dos usos possíveis da TI pelo Serviço Social,

absorvendo-a e adequando-a às necessidades do projeto profissional.

Tendo em vista as poucas opções de formação sobre os usos

possíveis da TI no Serviço Social, foi percebida uma indicação de que a

ausência deste tema na formação profissional é um problema com o qual

devemos nos preocupar. Como mostra o gráfico a seguir, 85% dos(as)

profissionais consideram que a ausência de cursos e a ausência do tema na

formação profissional podem ser ruins para a profissão.

Gráfico 33 - A ausência do tema na formação profiss ional e a ausência de cursos sobre o tema são ruins para a pr ofissão? - Total de casos: 93

6

8

79

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

Não sei

Não

Sim

Fonte: SSTI, 2006.

Page 258: Renato Veloso

258

Os depoimentos a seguir ilustram as diversas considerações dos(as)

profissionais sobre a importância que atribuem ao tratamento da TI na

formação profissional. Se por um lado é possível verificar a presença de

tendências variadas nestes depoimentos, por outro constata-se a intenção

dos(as) profissionais de atribuir à tecnologia um sentido positivo para a

condução de seu trabalho.

“Hoje a TI é muito importante para o nosso trabalho, e não tenho a menor dúvida que deveria fazer parte do currículo de formação do profissional. A meu ver é tão, ou mais importante que a cadeira de estatística” (47 anos, sexo feminino, especialização, empresa - RJ).

“Num mundo tecnológico os profissionais saem perdendo, pois a interação com outros setores ou áreas acontecem através destas tecnologias” (37 anos, sexo feminino, graduação, saúde - SC).

“Somos julgados por estarmos ‘out’ das práticas de comunicação do mundo do trabalho e isto restringe a atuação profissional, além de impactar na imagem profissional” (31 anos, sexo feminino, mestrado, empresa - RJ).

“Considerando que a tendência é o avanço da tecnologia, acredito que se isentar desta ferramenta é arriscar-se a reduzir as próprias oportunidades de trabalho” (54 anos, sexo feminino, graduação, previdência - RJ).

“Quanto mais qualificado, mais chances de mercado de trabalho e melhor qualidade no atendimento ao público” (32 anos, sexo feminino, especialização, saúde - AL).

“Não é possível pensar em formação profissional ignorando um recurso de trabalho como a informática” (33 anos, sexo feminino, graduação, saúde - SP).

Acredita-se que a presença do tema da TI na formação profissional

dos assistentes é uma condição de grande importância, embora não a única,

para que o processo de incorporação de tal tecnologia ao trabalho do Serviço

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259

Social se efetive de forma adequada. Os dados disponíveis parecem reforçar

sua importância, na medida em que demonstram, como se verifica no gráfico a

seguir, que os(as) profissionais que indicaram a existência de um processo de

informatização do Serviço Social, indicaram também a existência de uma

formação ou qualificação prévia na área de TI ou informática.

É verdade que entre os(as) profissionais que indicaram a

inexistência de um processo de informatização há também um predomínio de

profissionais que passaram por experiências de formação e qualificação

profissionais em TI ou informática. No entanto, verifica-se, também, dentre os

que não estão informatizados, que a diferença entre os que possuem formação

e os que não possuem é bem menor, quando comparada com os(as)

assistentes sociais inseridos(as) em setores informatizados. Nota-se,

nestes(as) últimos(as), uma diferença bem maior entre os(as) que relataram ter

Gráfico 34 - Informatização do Serviço Social por f ormação na área - Total de casos: 93

50

16

17

10

0 10 20 30 40 50 60

Informatizado

Não informatizado

Fonte: SSTI, 2006.

Sem formação

Com formação

Page 260: Renato Veloso

260

participado de algum processo de capacitação ou qualificação e os(as) que

relataram não ter tido nenhuma formação na área. De qualquer forma,

constata-se que a incorporação e o tratamento deste tema no âmbito da

formação profissional é de grande importância para que a profissão possa

efetuar uma apropriação crítica e consistente deste recurso.

3 . 2 . 6 . A R E S I S T Ê N C I A À T I

Os depoimentos permitem notar a existência de uma certa

resistência em relação ao uso da TI, tanto por parte de alguns(mas) assistentes

sociais quanto por parte de alguns gestores. Nestes últimos, a resistência

refere-se à incompreensão da importância da TI para o trabalho dos(as)

assistentes sociais, entendendo que tal recurso não teria qualquer utilidade

para o desenvolvimento das atividades profissionais, como demonstram os

depoimentos a seguir.

“Existem os equipamentos para trabalharmos, mas também existe uma certa resistência na liberação de profissionais para a capacitação/treinamento na área de TI (alguns gestores perguntam: ‘Para que o Serviço Social precisa ser treinado em TI?’)” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

“Falta vontade dos gestores em informatizar o Serviço Social. TODOS os outros setores já estão informatizados e utilizando o sistema HOSPUB” (34 anos, sexo feminino, especialização, justiça - RJ).

A tal postura se adiciona a inexistência de equipamentos e/ou

recursos adequados de trabalho, demonstrando que, além da ausência de

Page 261: Renato Veloso

261

programas de qualificação e formação para os(as) assistentes sociais, a falta

de condições de trabalho adequadas tem sido uma tônica no exercício

profissional cotidiano. É nesse âmbito que se processa uma postura de

resistência dos(as) profissionais em relação ao uso da TI, justificada tanto por

aspectos objetivos quanto subjetivos que condicionam o trabalho profissional.

Indicações acerca desta resistência podem ser verificadas nos depoimentos a

seguir.

“Não só não temos uma estrutura mínima de informatização, como grande parte da equipe de Serviço Social é avessa a este tipo de estrutura como resistência pela não familiaridade com o mundo digital. Grande parte da equipe não é familiarizada com informática, o que gera resistência à digitalização do setor” (34 anos, sexo feminino, especialização, justiça - RJ).

“Tanto eu quanto a outra assistente social que trabalha neste setor, ao percebermos a necessidade de utilizarmos programas, buscamos criar planilhas para qualificar o nosso trabalho. Tivemos muitas dificuldades para criar estas planilhas já que tanto eu quanto ela, tínhamos muita resistência em utilizar o computador” (28 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).

“Não temos espaço físico para acomodar todos os técnicos, temos poucos computadores e, além disso, alguns assistentes sociais, que ainda não sabem utilizar o computador, relutam em aprender” (43 anos, sexo feminino, graduação, saúde - RJ).

“Trabalho em setor que se opõe à necessidade da informatização” (32 anos, sexo feminino, especialização, educação - RJ).

Trata-se de uma postura que tem estado presente entre os(as)

assistentes sociais e que vem sendo reproduzida devido a uma série de

fatores, dentre os quais se pode sugerir a falta de condições adequadas e a

ausência de uma problematização consistente sobre o tema no âmbito da

formação profissional.

Page 262: Renato Veloso

262

Boa parte dos(as) profissionais considera que se o tema da TI

estivesse mais presente na formação profissional (inclusive com a existência

de cursos e espaços de reflexão sobre os usos de tal recurso no Serviço

Social), a resistência ao seu uso, por parte dos(as) profissionais, poderia

diminuir: 27% consideram que talvez diminuísse e 60% consideram que com

certeza diminuiria.

Gráfico 35 - A resistência ao uso da informática di minuiria com a criação de cursos sobre o tema específicos para o S erviço Social? - Total de casos: 93

7

5

25

56

0 10 20 30 40 50 60

Não sei

Não

Talvez

Sim

Fonte: SSTI, 2006.

É evidente que a resistência do(a) profissional de Serviço Social ao

uso da TI deve-se a diversos fatores, não sendo conseqüência exclusiva de um

único fenômeno. Dentre eles, pode-se destacar as formas concretas de

utilização da TI no sentido de substituir trabalhadores por máquinas e

computadores, características culturais relacionadas ao sexo, idade, e,

também, às condições de trabalho, que, muitas vezes, não são disponibilizadas

aos(às) profissionais nem de forma adequada nem em quantidade suficiente.

Page 263: Renato Veloso

263

Considera-se, no entanto, que a ausência do tema na formação profissional

pode ser considerada um dos mais relevantes elementos que propiciam e

reproduzem essa resistência.

Na medida em que haja uma reflexão sobre a importância da TI para

o Serviço Social no âmbito da formação profissional, é possível o seu

tratamento como elemento estratégico, principalmente por permitir a

apreciação das possibilidades de uso deste recurso no trabalho do(a)

assistente social. Isso não significa, no entanto, que a presença do tema na

formação profissional, acabe, sozinha, com a resistência que a categoria de

assistentes sociais vem demonstrando em relação ao uso da informática, mas

ela pode deter um papel fundamental na sua superação.

Os profissionais não só concordam que a presença do tema na

formação profissional diminuiria a resistência em relação ao uso da TI, como

ainda apresentam algumas propostas de incorporação deste conteúdo, como

se verifica nos depoimentos a seguir.

“Acredito que a presença do tema na formação profissional diminuiria a resistência, desmistificaria” (39 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RS).

“Acho que diminuiria se nos fosse solicitado, desde a graduação, a aprendizagem básica de informações gerais e uso dos programas mais comuns como Word e Excel” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

“Primeiramente teria que haver palestras de informações sobre a importância de cursos específicos na área de informatização e, em uma segunda fase, realizar laboratórios referente a prática social, como plataforma de agilização técnica operacional” (44 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).

Page 264: Renato Veloso

264

“Sem dúvida a criação de cursos, talvez sob a forma de laboratórios, estimularia o interesse pela experiência da informática e reduziria as resistências gradativamente. Que eu saiba, 90% das assistentes sociais já usam o computador sistematicamente, na previdência” (54 anos, sexo feminino, graduação, previdência - RJ).

”Sem dúvida! É urgente a criação de cursos voltados para esta área, facilitando o levantamento de dados, a aferição de hipóteses através da análise de informações que, com o uso da informática, agiliza, em muito, os resultados” (33 anos, sexo feminino, graduação, criança/adolescente - RJ).

Os depoimentos dos(as) profissionais demonstram a consideração

de que a resistência ao uso da TI é criada por diversos fatores. Um deles

refere-se à faixa etária dos(as) profissionais. Sinalizam que a tendência é a de

que a resistência seja maior entre os(as) profissionais mais velhos, que teriam

mais dificuldades para aprender e para se apropriar das novas tecnologias,

enquanto os mais jovens teriam mais facilidade para aprender e estariam mais

“abertos” às inovações trazidas pela TI.

”Vejo que as novas gerações (estagiários) estão bem ambientados. As antigas gerações têm resistência, que acho que é cultural mesmo” (37 anos, sexo feminino, mestrado, empresa - RJ).

“Vejo resistência mais nos profissionais que estão formados há mais de dez anos do que nos mais recentes” (44 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RJ).

“Acho que a resistência é maior se relacionada aos profissionais da ‘antiga’, pois os novos profissionais interagem bem, vide o número significativo de pessoas do Serviço Social no ‘Orkut’ e a quantidade que recebe o ‘Via Cress’ (boletim informativo do CRESS)” (29 anos, sexo masculino, mestrado, assistência - AL).

“Não sei se há uma resistência ao uso da informática pelos jovens que ingressam na universidade. Imagino que não, mas estou desinformada a respeito” (53 anos, sexo feminino, mestrado, previdência - RJ).

Page 265: Renato Veloso

265

Essa questão da idade é entendida como um obstáculo para o

processo de incorporação da TI ao Serviço Social, gerado a partir da idéia

fortemente difundida de que os mais jovens têm melhores condições de usar a

informática do que os mais velhos. Os(As) profissionais indicaram que a

parcela mais jovem da categoria está pronta para incorporar a TI ao trabalho,

mas, por outro lado, aqueles profissionais que se encontram em faixas etárias

mais elevadas ou inseridos há muito tempo no mercado de trabalho, e

acostumados com as rotinas já estabelecidas, já teriam, em sua opinião, mais

dificuldades para operar essa incorporação. Ao perguntar aos(às) profissionais

se os(as) assistentes sociais teriam condições de incorporar a TI ao seu

trabalho, as respostas segmentam os(as) assistentes sociais mais novos(as) e

os(as) mais velhos(as).

“Os jovens sim, os mais velhos são muito resistentes e despreparados” (53 anos, sexo feminino, mestrado, previdência - RJ).

“As novas gerações, sim, entretanto aquelas que estão no mercado de trabalho há muito tempo, se faz necessário um curso” (32 anos, sexo feminino, especialização, saúde - AL).

“Bom, acredito que as assistentes sociais que se formaram há pouco tempo, sim” (23 anos, sexo feminino, graduação, assistência - PR).

“Acredito que sim. As gerações atuais estão habituadas, ou são obrigadas a se habituar com o uso da informática, por exigência dos próprios trabalhos solicitados pelos professores. Não existe instituição que não utilize este meio de informação, comunicação e organização de dados. As poucas que não possuem computador estão em busca de consegui-lo. Fazer bom uso da tecnologia, favorece o desenvolvimento do trabalho realizado junto aos usuários” (33 anos, sexo feminino, graduação, criança/adolescente - RJ).

“Percebo que os profissionais mais jovens já vêm trazendo o conhecimento da informática e aplicando-o no seu dia-a-dia” (47 anos, sexo feminino, especialização, empresa - RS)

Page 266: Renato Veloso

266

Evidentemente a questão que aparece nos depoimentos não se

refere a um problema exclusivo do Serviço Social. A relação entre TI e

geração, principalmente no que se refere a seu uso pelos integrantes da

chamada “terceira idade”, tem chamado a atenção de alguns autores, dentre os

quais se pode destacar a obra de Kachar (2003). Embora se perceba a

relevância de tal aspecto para a compreensão das diversas formas de

apropriação da TI, não se estabelece neste trabalho qualquer tentativa de

compreender essa relação, tendo em vista que o objetivo principal consiste na

elaboração de uma reflexão inicial acerca da importância da TI para o exercício

profissional. Fica, portanto, para trabalhos futuros, a reflexão sobre as

influências dos aspectos geracionais sobre as possibilidades de apropriação da

TI.

Assim, como visto, a resistência ao uso da TI tem estado presente

entre os(as) assistentes sociais, a despeito de sua potencialidade para o

trabalho profissional. Trata-se de uma questão que merece atenção por parte

da categoria profissional, por integrar o conjunto de dificuldades e obstáculos

que se colocam à efetiva e consistente apropriação deste recurso pelo Serviço

Social.

3 . 2 . 7 . O S I G I L O P R O F I S S I O N A L

Um aspecto considerado relevante pelos(as) profissionais e que

aparece de forma recorrente nos depoimentos refere-se ao sigilo no

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267

atendimento, direito profissional previsto no Código de Ética Profissional de

1993 e sempre reivindicado no cotidiano profissional. Muitos(as) profissionais

informaram que as condições em que seu trabalho se realiza não permitem que

tal direito seja garantido, ficando o sigilo, muitas vezes, prejudicado pela

ausência de condições adequadas, como ilustram os depoimentos a seguir.

“No momento, houve uma melhora. Entretanto ainda não apresenta todas condições necessárias para se considerar o local próximo do ‘ideal’. A falta de ambientes sigilosos, já que se trata de uma sala única que foi dividida de modo a se obter dois espaços, porém não há sigilo entre ambos. Problemas de ventilação na sala (no verão é impraticável) e a dificuldade de acesso a equipamentos de informática, entre outros” (28 anos, sexo feminino, graduação, saúde - RJ).

“As condições são ruins, desde recursos humanos (insuficientes) a recursos físicos, materiais e financeiros para os programas/projetos. Ainda estamos na ‘era da escrita’ e a intensidade e quantidade de relatórios e procedimentos realizados propiciam riscos à saúde (caso das tendinites). O que temos disponível é espaço físico, com sala individual para o atendimento Mas ainda são necessárias condições de maior sigilo, pois as salas são muito próximas, permitindo a quem está do outro lado, ouvir todos os procedimentos/orientações. Seria muito bom se tivéssemos computadores, com acesso a rede de atendimentos prestados no município, acesso a Internet, dentre outros” (38 anos, sexo feminino, doutorado, assistência - SP).

“Bem, o nosso serviço conta com uma infra-estrutura precária em relação às demandas dos usuários e institucionais. Um exemplo é que não há privacidade para o atendimento. Quanto ao computador, só há um único exemplar, que logo se tornará obsoleto. Somos seis assistentes sociais numa sala sem divisória e com toda a parte elétrica precisando de reparos” (34 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

A preocupação com a manutenção do sigilo profissional aumenta

quando se pensa a presença do uso da TI. Alguns(mas) profissionais

problematizam a possibilidade de quebra de sigilo, por conta da utilização de

computadores para registro dos dados e informações sobre os usuários e

usuárias, que são partilhados com outros(as) profissionais. Como, muitas

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268

vezes, os computadores disponíveis não são exclusivos do Serviço Social,

sendo utilizados, também, por outros membros da equipe de trabalho, fica a

interrogação a respeito da proteção dos dados sigilosos que os(as) assistentes

sociais armazenam nesses computadores de uso coletivo. Essa preocupação

pode ser verificada no depoimento a seguir.

“Sempre percebi a necessidade de organização, para que houvesse uma maior clareza das questões que atravessam o exercício profissional do assistente social. A partir da demanda por mim apresentada, foi viabilizado o computador para uso exclusivo do Serviço Social. Antes existia um computador para toda a equipe técnica (formada por uma assistente social, uma pedagoga e um coordenador), por isso, como essa ferramenta era utilizada por todos os profissionais, algumas informações não podiam ser colocadas neste computador de uso coletivo, tendo em vista a necessidade de se assegurar o sigilo do usuário” (26 anos, sexo feminino, graduação, assistência - RJ).

Tratando deste tema, Colmán (2004) aponta para a pertinência da

reflexão sobre o sigilo em ambientes informatizados, tendo em vista os

crescentes riscos de invasões. Observa o autor que o problema do sigilo

profissional tem sido usado como uma das “justificativas” para a resistência de

muitos(as) profissionais ao uso das novas tecnologias em seu trabalho. Ele

concorda que a utilização de computadores, bancos de dados com os registros

dos atendimentos realizados e redes informatizadas podem comprometer o

sigilo do trabalho dos(as) assistentes sociais, tendo em vista a possibilidade,

oficial ou não, de acesso de terceiros aos dados e informações confidenciais

sobre os usuários e usuárias. Isso tem feito com que muitos(as) profissionais

desconfiem da possibilidade de sigilo que os recursos da TI podem garantir.

Apesar de reconhecer que as preocupações apontadas pelo autor

podem ser tomadas como válidas, considera-se que o risco de invasão ou

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269

quebra de sigilo já é uma realidade presente no trabalho cotidiano,

independentemente do uso de computadores ou bancos de dados por parte

dos(as) profissionais. De forma geral, as possibilidades de invasão de um

computador em rede são tão reais quanto as possibilidades de invasão de um

arquivo comum. Em ambos os casos, são necessários procedimentos

específicos de segurança da informação, de modo a preservar o sigilo dos

dados. Parece que a alternativa mais adequada não deveria ser a negação do

uso da TI, mas o aprofundamento deste uso, o domínio das possibilidades de

segurança e de restrição de acesso existentes. Tal fato demonstra que a

incorporação da TI ao trabalho não se reduz à existência de computadores no

Serviço Social, mas sim ao domínio deste recurso, o que só é possível com

qualificação e aprimoramento constantes.

Tampouco, limita-se ao mero uso de programas e aplicativos

básicos, demandando da profissão a apropriação de recursos cada vez mais

sofisticados que possam ser utilizados para o fortalecimento do trabalho. É

evidente que haverá problemas e questões decorrentes do uso da TI no

exercício profissional. No entanto, tais problemas não devem ser usados como

justificativa para a negação deste uso, mas como indicadores da necessidade

de qualificação e aprimoramento cada vez mais constantes, que possam gerar

uma apropriação efetiva e consistente da TI por parte da profissão, aplicando-a

às diversas dimensões que compõem o exercício profissional.

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270

3 . 2 . 8 . A S C O N D I Ç Õ E S D E T R A B A L H O

Considera-se que a informatização do Serviço Social não significa

automaticamente a incorporação do potencial oferecido pela TI. Tal potencial

será incorporado ao trabalho, na medida em que os(as) profissionais tiverem

condições de se apropriar crítica e criativamente de seus recursos. Isso

demanda uma série de esforços que envolvem vontade política, existência de

condições adequadas de trabalho, envolvimento com o trabalho, formação e

qualificação profissional contínuas, dentre outros. Tais condições nem sempre

estão disponíveis aos(às) profissionais, o que proporciona sérias dificuldades

para a incorporação da TI ao trabalho. Assim, pensar as possibilidades desta

incorporação supõe conhecer, de início, as condições de trabalho em que

os(as) profissionais se encontram, entendendo que estas condicionam tal

apropriação.

A existência de condições adequadas, embora não seja pré-requisito

único e absoluto para uma consistente incorporação da TI, pode ser

considerada um aspecto básico, pois de fato expressa a presença dos

elementos materiais e objetivos necessários a tal incorporação. Verificou-se

que 58% dos(as) profissionais informaram dispor de condições de trabalho

adequadas, entendendo que boa parte dos recursos necessários para a

condução de seu trabalho encontrava-se disponível. Por outro lado, 27%

afirmaram não possuir condições adequadas de trabalho e 15%, condições

razoáveis, como demonstra o gráfico a seguir.

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Gráfico 36 - Possui condições de trabalho adequadas ? - Total de casos: 93

54

25

14

0 10 20 30 40 50 60

Sim

Não

Razoáveis

Fonte: SSTI, 2006.

Alguns depoimentos apontam para a idéia de que as dificuldades

encontradas no cotidiano do trabalho, no que se refere às condições de

trabalho, não são exclusivas dos(as) assistentes sociais, espalhando-se pelo

conjunto dos trabalhadores. Assim, os(as) profissionais sinalizam a importância

de se apreender não apenas as condições de trabalho do Serviço Social,

especificamente, mas dos(as) trabalhadores em geral, como sinalizam os

depoimentos a seguir.

“Não entendo que se deva ver as condições de trabalho ‘do’ Serviço Social. Se pensarmos desta forma, estamos nos vendo como uma corporação. Entendo que os assistentes sociais devam estar preocupados com as condições de trabalho de todos os trabalhadores da área onde está inserido, onde trabalha. Como assistente social de uma prefeitura municipal tenho que estar preocupada com as condições de trabalho do conjunto de servidores municipais. O mesmo deveria acontecer se trabalhasse numa fábrica, numa siderúrgica. Hoje os profissionais de Serviço Social não estão alocados tão simplesmente num setor de Serviço Social, mas distribuídos em equipes multidisciplinares. No meu caso, penso que temos condições de trabalho (considerando sala, telefone, equipamentos, material administrativo, transporte, acesso) muito boas. Não foge ao do conjunto de trabalhadores: a crescente defasagem salarial” (47 anos, sexo feminino, especialização, gestão - RS).

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272

“As condições são boas, embora haja dificuldades, mas estas não são exclusivas dos profissionais de Serviço Social. No âmbito do meu trabalho, faltam políticas institucionais para melhor definir a extensão, sua estrutura, financiamento, maior fomento da pesquisa etc.” (35 anos, sexo feminino, especialização, educação - BA).

Ao relatarem as condições de trabalho em que se encontram

inseridos(as) os(as) profissionais fizeram referência às mudanças que vêm

atingindo os processos de trabalho nas instituições empregadoras, muitas das

quais em decorrência do advento do projeto neoliberal e de estratégias de

combate à crise estrutural do capital surgida a partir da década de 70, tais

como a reestruturação produtiva, a reforma do Estado e o aberto combate ao

trabalho.

No contexto de crise, o capital reage atacando fortemente o trabalho,

com vistas a aumentar os níveis de extração de mais-valia, intensificando a

exploração e diminuindo os custos de produção pela redução de gastos

atrelados ao salário. De uma maneira geral, o neoliberalismo pretendia acabar

com a intervenção do Estado sobre a economia, liberando o capital para

livremente se desenvolver e reproduzir. Tal “liberação” implicava redução,

quando não eliminação, dos direitos trabalhistas, por meio da chamada

desregulamentação, além da flexibilização das relações de trabalho, tendo por

conseqüência o recrudescimento de fenômenos como subcontratação,

precarização, e horizontalização, e levando a maiores complexificação e

heterogeneização do trabalho, configurando diversas metamorfoses no mundo

do trabalho (Antunes, 1998). São fenômenos que levaram a um enxugamento

do trabalho, à sua "liofilização" (Antunes, 2000), gerando aumento da

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desigualdade, da pobreza e das injustiças sociais, e ocasionando sérias

conseqüências para a formação das identidades individuais, que, como

observou Telles (1994), são constituídas a partir de suas conexões com o

trabalho e com o conjunto de relações sociais acessadas por seu intermédio.

Se antes o contexto era de uma certa “segurança social”, a partir do

novo processo de reestruturação do capital (determinado tanto pela crise de

acumulação do capitalismo quanto pela crise do socialismo real) este passa a

ser de “insegurança”, como destacou Mattoso (1996). Trata-se, portanto, de um

contexto no qual o trabalho passa a sofrer duros ataques por parte do capital,

como forma de criar novas condições para que o processo de acumulação

continue, e para que as taxas de produtividade e de extração de mais-valia

sejam elevadas.

As conseqüências do neoliberalismo foram drásticas, ressaltando-se

dentre elas o aumento das desigualdades sociais devido ao desemprego e à

forte concentração de renda. O novo modelo de acumulação posto em prática

com a reestruturação do capital, a “acumulação flexível” (Harvey, 1993),

fomenta o desemprego, a pobreza e a miséria, resgatando antigas formas de

exploração do trabalho (baseadas na extração de mais-valia absoluta) e

articulando-as com formas contemporâneas de exploração (baseadas na

extração da mais-valia relativa). Como mostrou Teixeira (1996), o fenômeno do

“salário por peça”, que Marx analisou em O Capital e que serviu de alavanca

para o prolongamento do tempo de trabalho e rebaixamento dos salários,

assume novas configurações no atual contexto. De acordo com o autor, as

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grandes corporações contam com uma rede de pequenas e microempresas

espalhadas ao seu redor. Tais corporações dispõem, assim, de um enorme

contingente de trabalhadores domésticos, artesanais, familiares, que funcionam

como peças centrais de uma cadeia de “subcontratação” e constituem-se como

fornecedores de trabalho “materializado”, trabalho este vendido ao capital, sem

que ele sequer seja realizado nas instalações fabris.

Trata-se, portanto, de conseqüências nefastas para os

trabalhadores, demonstrando que a precarização e subcontratação do trabalho,

presentes hoje de maneira recorrente nas diversas sociedades, impacta

fortemente a resistência e a luta destes mesmos trabalhadores. Neto (1996),

por exemplo, observa que o desemprego, na atualidade, é um pressuposto da

reestruturação produtiva, o qual teria por finalidade enfraquecer a capacidade

de resistência coletiva dos trabalhadores (p.89). Para este autor, o chamado

"exército industrial de reserva" torna-se a base da fragilização dos sindicatos e

da introdução de uma ideologia de cooperação com as imposições do capital,

proporcionando uma adesão dos trabalhadores aos processos de trabalho

flexíveis. Como destacou o autor, o desemprego enfraquece a solidariedade da

classe trabalhadora empregada e desempregada, debilitando a capacidade de

luta e resistência dos trabalhadores assalariados (p.94).

Ao relatarem as condições de trabalho em que vêm exercendo suas

atividades profissionais, os(as) assistentes sociais demonstram sofrer os

impactos do quadro brevemente exposto acima, apontando questões como:

inadequação de espaço e a estrutura física disponibilizados ao Serviço Social;

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inexistência de recursos materiais e humanos; ausência de bom

relacionamento com os integrantes da equipe, chefia, direção e demais

profissionais; carga horária de trabalho excessiva; inexistência de políticas

públicas voltadas ao atendimento das necessidades da população usuária.

Os(As) profissionais entendem ainda que a existência de condições adequadas

de trabalho, para além da disponibilidade de equipamentos ou recursos

materiais, refere-se, também, à existência de condições favoráveis de convívio

profissional e de construção de uma proposta de trabalho participativa, que, em

conjunto com as políticas públicas existentes, possam contemplar,

democraticamente, os diversos interesses envolvidos no trabalho e gerar algum

tipo de mudança na realidade social.

Nota-se, ainda, uma comparação com as condições de trabalho

existentes em outras instituições em que os(as) profissionais já trabalharam,

seja para argumentar que as atuais condições são adequadas, seja para dizer

que há lugares piores, ou ainda para demonstrar que, em geral, as condições

de trabalho do Serviço Social são marcadas pela escassez de recursos e

precariedade das instalações.

“Tenho boas condições de trabalho, considerando a maioria das demais instituições que possuem assistentes sociais em seus quadros.” (33 anos, sexo feminino, especialização, educação - RJ).

“Como a maioria dos setores de Serviço Social, não são muito boas. Não temos uma sala própria para atendimento. Existem recursos materiais para trabalhar, mas não existe um espaço físico exclusivo do Serviço Social. O atendimento é feito numa sala fechada, mas que é dividida com os outros segmentos do setor de recursos humanos” (44 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RJ).

“As condições são excelentes. Trabalho na Petrobrás. Sei que esta não é a

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276

realidade do Serviço Social em outros lugares, pois tenho trajetória anterior. Aqui o Serviço Social tem condições de trabalho bem diferenciadas de outros locais. No entanto, ainda permanecem alguns dilemas relacionados à correlação de forças institucional” (31 anos, sexo feminino, mestrado, empresa - RJ).

Boa parte dos(as) profissionais aponta insuficiências ou lacunas nas

condições de trabalho, demonstrando não dispor da integralidade de requisitos

necessários para a atuação. Dentre elas são destacadas as observações feitas

pelos(as) profissionais em relação à carga horária de trabalho, considerada

extrema em alguns casos, e à inexistência de profissionais em número

suficiente, o que pode produzir situações de sobrecarga de trabalho, estresse e

tensão. Soma-se a esses fatores a inexistência de programas sociais em

quantidade suficiente para o desenvolvimento das atividades de

referenciamento e encaminhamento. Estas situações são expressas nos

depoimentos a seguir.

“Atualmente, temos duas salas de atendimento para assistentes sociais e conselheiros. No entanto, no município do Rio de Janeiro temos apenas dez Conselhos Tutelares, quando a demanda real é de no mínimo o dobro deste número. A equipe técnica é composta por apenas três assistentes sociais e um psicólogo, e temos demanda de pedagogo e assessoria jurídica. A demanda da nossa área de abrangência é de termos pelo menos mais dois Conselhos Tutelares. No cotidiano faltam os suprimentos de manutenção aos equipamentos, tais como tinta para a impressora, toner para a copiadora. Temos demanda para mais uma viatura e mais profissionais” (33 anos, sexo feminino, mestrado, assistência - RJ).

“Em geral, as condições de trabalho são muito boas. As queixas ficam por conta dos programas para concessão de benefícios e a legislação muito complexos e sempre em mutação, muitas vezes até contraditórios entre si, dificultando o acesso aos benefícios previdenciários e mais a redução de espaço para as equipes de Serviço Social à medida que aumentam as equipes de perícia médica. Na maioria das unidades as assistentes sociais compartilham um Box e um computador para duas ou três profissionais. Além das contradições citadas, há uma supervalorização do medo de fraudes que, somada à falta de tempo para atualizar-se sobre a legislação, leva os servidores da área de benefícios a se fecharem para os problemas com que lidam diariamente” (54 anos, sexo feminino, graduação, previdência - RJ).

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“As condições de trabalho no geral são adequadas, com limitações de disponibilidade de espaço físico e considero que a carga horária para quem faz atendimentos sociais deveria ser reduzida (hoje 40 horas semanais) devido ao estresse emocional. Há um microcomputador para cada profissional. Os recursos mais escassos são os humanos e por falta de espaço físico” (42 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RJ).

“A carga horária é exaustiva (40 horas) e há uma forte flutuação de recursos (uma hora tem, outra não tem). Em outra instituição em que trabalho um dos principais problemas é a falta de sala de atendimento, porém já há previsão de construção para o segundo semestre deste ano. Foi aprovada a solicitação do Serviço Social com base na lei que regulamenta a profissão e no código de ética profissional” (29 anos, sexo masculino, graduação, assistência - RJ).

A título de ilustração pode-se apontar a inexistência, observada em

alguns depoimentos, de um dos recursos mais importantes para o trabalho

do(a) assistente social: o telefone. Vários profissionais sinalizaram a sua

inexistência em seus locais de trabalho, fato que pode ser considerado grave,

tendo em vista que boa parte das atividades e dos contatos do Serviço Social

se faz exatamente a partir de seu uso. Ironicamente, alguns(mas) profissionais

relatam a existência até de computadores, sem, no entanto, disporem de linha

e aparelhos telefônicos.

“Não possuímos sequer linha telefônica para o Serviço Social” (29 anos, sexo masculino, graduação, assistência - RJ).

“Computador existe com Internet para consulta. Não existe linha direta telefônica na sala de uso do Serviço Social, o que dificulta contato com outras instituições” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

“O local de trabalho é insalubre, com pouca iluminação e instalação elétrica precária. Não há recursos materiais. Instalaram uma linha telefônica há pouco mais de um mês, após vários relatórios enviados” (40 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).

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Além da inexistência de condições objetivas adequadas, os(as)

profissionais apontam, também, a falta do que eles chamaram de condições

“subjetivas”, apontando a incidência de interferências que outros(as)

profissionais realizam em seu trabalho. Assim, os(as) assistentes sociais

relatam uma expectativa dos(as) demais profissionais em relação às atividades

a serem realizadas pelo Serviço Social, indicando que outros(as) profissionais

consideram que os(as) assistentes sociais deveriam efetuar tarefas que, em

sua opinião, não fazem parte das suas atribuições previstas na lei que

regulamenta o exercício da profissão. Vislumbra-se, portanto, uma tendência

de reforçar uma visão de “indefinição profissional”, que pode contribuir, como

ocorre em muitos casos, para a criação de uma tensão entre os(as) assistentes

sociais e os(as) demais profissionais que integram a equipe de trabalho,

fazendo com que as condições de trabalho tornem-se ainda mais estressantes,

já que se trata de interferências que podem trazer prejuízo para o processo

coletivo de trabalho.

A esse respeito, Iamamoto (1998) destaca que, em meio às radicais

alterações incidentes nos diversos campos profissionais, “não têm mais lugar

as visões do Serviço Social ‘prisioneiras do passado’, que identificam as

funções e atribuições tradicionalmente instituídas como sendo ‘o Serviço

Social’” (p.110). A autora ressalta que na medida em que determinadas

funções são eliminadas ou alteradas, e organizações se reestruturam,

modificando também a própria inserção do Serviço Social em seu interior, “os

profissionais, que caem nas armadilhas daquelas análises a-históricas, sentem

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‘perder o chão’, ‘diluir sua identidade profissional’, receando a ‘morte prematura

do Serviço Social, a perda de espaço ocupacional e de poder” (idem).

Assim, faz-se necessário aos(às) assistentes sociais olhar além das

fronteiras imediatas das atividades da rotina profissional, tentando apreender

as tendências presentes nos processos profissionais e alterações

macroscópicas que se passam na atualidade, com vistas a identificar novas

possibilidades e requisições para o trabalho. Nesse sentido, é preciso, como

enfatiza a autora:

“... ultrapassar o mito da ‘indefinição profissional’ para

apreender o lugar do assistente social em um processo coletivo

de trabalho, partilhado com outras categorias de trabalhadores,

que, juntos, contribuem na obtenção dos resultados ou

produtos pretendidos” (p.110).

Verificou-se, também, a indicação de interferências seja de pessoas

que julgam entender da área, seja de assistentes sociais que detêm

concepções de profissão que se diferenciam (ou se contrapõem) da concepção

presente no projeto profissional. Esta interferência pode ter por base, ainda

como apontam alguns depoimentos, uma vinculação do Serviço Social com

praticas assistencialistas, entendendo a profissão como sinônimo de

assistência, quando na verdade esta consiste num dos espaços de atuação

profissional, e não a profissão em si.

“Objetivamente, são as mesmas condições dos demais técnicos. Em relação à informatização, são dois computadores (sendo um conectado a Internet por banda larga) para um grupo de seis profissionais. Já as condições subjetivas de trabalho dos técnicos de Serviço Social são diferentes dos demais técnicos, pois estes apresentam diversas demandas e expectativas

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estranhas ao serviço, por um lado e, por outro, estranham algumas ações empreendidas pelo serviço (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

“Há interferências no setor, de chefias ou pessoas que não entendem da área” (37 anos, sexo feminino, graduação, saúde - SC).

“São adequadíssimas, inclusive resguardando o sigilo necessário a documentos e entrevistas com os usuários. Temos sala exclusiva, computador com acesso a Internet à disposição, um programa voltado para as questões sociais, arquivos invioláveis, verba para visita domiciliar. O que for necessário para a realização do trabalho está à disposição. Ainda há, no entanto, dificuldade de outros profissionais entenderem a atuação do assistente social” (33 anos, sexo feminino, graduação, criança/adolescente - RJ).

“Nesta atual instituição que estou trabalhando há um ano e uns três meses, basicamente estamos implantando o Serviço Social e como já havia passado por lá outros profissionais de competência duvidosa, estamos tendo um certo trabalho em desmistificar algumas ações, principalmente mostrar outro trabalho além do assistencial. Estamos começando a mostrar as nossas necessidades e temos encontrado respostas satisfatórias, apesar de algumas resistências. Estamos sem um coordenador, sem diretor e quem está querendo nos assumir e ser nosso chefe, não tem a menor condição, pois tem uma prática extremamente assistencialista e não sabe diferenciar Assistência Social de Serviço Social. Já havia um trabalho muito na linha do assistencialismo e estamos tentando mostrar outros processos de trabalho e aí às vezes temos de ser assistencial e não deixar de mostrar outro trabalho para ir mudando aos poucos” (35 anos, sexo feminino, especialização, saúde - TO).

Evidencia-se, portanto, a importância dos(as) profissionais

atentarem para o reforço de uma autonomia profissional (ainda que relativa) na

instituição em que se encontram inseridos, o que não significa, no entanto, que

o(a) profissional tenha condições de definir as formas pelas quais pretende se

inserir no espaço institucional. Os(as) assistentes sociais, na condição de

profissionais assalariados(as), têm de submeter-se às formas de organização

do trabalho definidas pelas instituições empregadoras. Como lembra Guerra

(1995):

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“Este vínculo de assalariamento, ao mesmo tempo que é

resultante das funções sociais atribuídas ao profissional,

interdita suas ações às funções para as quais sua força de

trabalho foi adquirida. Ao não se perceber como trabalhador

assalariado, desprovido dos meios de produção, o assistente

social pode acreditar na sua autonomia, que somente se

explicita no plano jurídico formal” (p.156).

Assim, se por um lado cabe aos(às) assistentes sociais perceberem

sua condição de trabalhadores que detêm, com as instituições empregadoras,

vínculo de assalariamento, por outro, isso não significa que o(a) profissional

pode organizar seu trabalho da forma que deseja, cabendo à instituição

empregadora a disponibilização dos meios pelos quais a força de trabalho

do(a) assistente social se transformará em trabalho. Como destacou, Iamamoto

(1998):

“Ainda que dispondo de relativa autonomia na efetivação de

seu trabalho, o assistente social depende, na organização da

atividade, do Estado, da empresa, entidades não-

governamentais que viabilizam aos usuários o acesso a seus

serviços, fornecem meios e recursos para sua realização,

estabelecem prioridades a serem cumpridas, interferem na

definição de papéis e funções que compõem o cotidiano do

trabalho institucional. Ora, se assim é, a instituição não é um

condicionante a mais do trabalho do assistente social. Ela

organiza o processo de trabalho do qual ele participa” (p.63).

O compromisso dos(as) profissionais com a realização de um

trabalho crítico, competente e criativo, sintonizado com as demandas de seus

usuários e usuárias é um aspecto fundamental do exercício profissional, o que

permite uma inserção mais qualificada dos(as) profissionais em seu campo de

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atuação. Assim, a autora observa que a ruptura com uma atividade burocrática

e rotineira, preocupada com a mera realização de tarefas as mais diversas e

com o cumprimento de atividades preestabelecidas, supõe um exercício da

profissão que ela caracteriza como:

“... uma ação de um sujeito profissional que tem competência

para propor, para negociar com a instituição os seus projetos,

para defender o seu campo de trabalho, suas qualificações e

funções profissionais. Requer, pois, ir além das rotinas

institucionais e buscar apreender o movimento da realidade

para detectar tendências e possibilidades nela presentes

passíveis de serem impulsionadas pelo profissional” (p.21).

Nesse sentido, conclui Iamamoto que as “possibilidades estão dadas

na realidade, mas não são automaticamente transformadas em alternativas

profissionais”, o que significa que compete aos(às) profissionais “apropriarem-

se dessas possibilidades e, como sujeitos, desenvolvê-las transformando-as

em projetos e frentes de trabalho” (p.21).

O desenvolvimento dessa postura profissional pode ser entendido

como um dos elementos que permitem a construção de propostas de trabalho

críticas e criativas, aproveitando as possibilidades presentes no cotidiano

profissional. Trata-se de um esforço de grande importância para a profissão,

podendo, inclusive, contribuir para o acesso a uma melhoria das condições de

trabalho. Muitas vezes a mobilização, a articulação, a organização e a

criatividade da equipe aparecem como fatores determinantes na alteração de

tais condições. Sinalizam os(as) profissionais que as dificuldades que

cotidianamente se colocam ao trabalho são mais bem superadas quando a

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283

equipe consegue, coletivamente, articular os interesses e traçar propostas de

trabalho criativas e implementá-las de forma democrática.

“Hoje o Serviço Social possui uma sala ampla, preservada para a realização dos atendimentos. Possui autonomia de propor suas ações e propostas de trabalho. Participa de espaços de representação da categoria profissional - item este presente no projeto de intervenção, o que consideramos fundamental! Tentamos garantir a participação do profissional nesses espaços coletivos. Estamos pleiteando a contratação de mais uma profissional de Serviço Social, pois as demandas que chegam para esta categoria são inúmeras. Pretendemos assegurar que o trabalho se mantenha com qualidade e que o profissional não caia no chamado ativismo profissional” (26 anos, sexo feminino, graduação, assistência - RJ).

”Possuímos excelente estrutura física e material na primeira instituição. Entretanto há um embate muito grande pela conquista do nosso espaço e pelo reconhecimento da autonomia profissional, uma vez que a instituição é extremamente conservadora e hierarquizada. No hospital onde também trabalho, temos o reconhecimento da autonomia e do espaço, mas carecemos enormemente de estrutura física e material. Falta de espaço físico (dividido com a psicologia), falta de material permanente (cadeiras quebradas, mesas velhas com fórmica soltando, até condicionadores de ar tivemos de comprar com recursos próprios a fim de tornar a sala menos insalubre); Falta de funcionamento das instituições que prejudica a nossa clientela e demanda do profissional grandes embates no encaminhamento dos casos” (34 anos, sexo feminino, especialização, justiça - RJ).

“A equipe precisa tomar a iniciativa de mobilizar os meios para a informatização, já que a instituição tem recursos” (45 anos, sexo feminino, graduação, empresa - SP).

“As condições são relativamente precárias. Temos algumas conquistas em virtude de uma certa imposição e organização da equipe. Não tínhamos uma sala de atendimento e em uma reunião conseguimos estabelecer que a sala da coordenação seria utilizada para os atendimentos (então toda vez que uma família chagava o coordenador saía da sala; isso era um pouco constrangedor, mas necessário). No trabalho em comunidade muito do que era realizado, era fruto da nossa criatividade e como estamos acostumados a trabalhar em condições precárias fica até difícil estabelecer um critério do que é adequado” (29 anos, sexo masculino, mestrado, assistência - AL).

“Não há funcionário administrativo, ficando a equipe sobrecarregada com trabalhos burocráticos. Na sala de trabalho, sequer há janelas e os computadores estão sempre com defeito. Falta articulação entre a equipe para mobilizar os recursos necessários ao bom andamento do trabalho e das rotinas. Muitos colegas não sabem operar computadores, danificando a máquina. Existem três computadores, mas sempre há apenas um funcionando” (45 anos, sexo feminino, graduação, empresa - SP).

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284

“Temos conquistado nosso espaço na instituição” (32 anos, sexo feminino, especialização, saúde - AL).

“Posso dizer que neste setor temos condições favoráveis para o desenvolvimento do trabalho, porém, em alguns momentos temos que pressionar para que as condições necessárias se concretizem” (32 anos, sexo feminino, mestrado, gestão - RS).

Nota-se nos depoimentos a presença de uma postura profissional

que valoriza o trabalho, demonstrando engajamento e responsabilidade na

tentativa de superar as dificuldades, sempre numa perspectiva de compromisso

e atualização profissional constante. É nesse contexto que, apesar de todas as

dificuldades e resistências, alguns(mas) profissionais conseguem utilizar os

recursos da TI e aplicá-los ao Serviço Social, tendo em vista a preocupação

com a qualificação de seu trabalho e a melhoria do atendimento ao usuário.

“Não há condição ideal, mas contamos com um mínimo que permite oferecer ao usuário um atendimento mais respeitoso. Em termos de hardware contamos com três computadores meio ultrapassados, duas impressoras matriciais e uma jato de tinta, mas cujos cartuchos são sempre um problema para se conseguir. Após exaustivos pedidos, recebemos mais dois computadores há poucos dias, mas ainda não foram instalados. Há necessidade também de ampliar as instalações elétricas e organizar local para ficarem (bancadas ou mesas). Recentemente, conseguimos fazer inscrições por e-mail para evento que promovemos, mas o pouco espaço do nosso e-mail chegou a dificultar o serviço. Além disso, ele somente funcionou porque criamos um e-mail em nossos computadores e com servidor particular. Estamos aguardando a instalação de outros dois aparelhos, mas não há perspectiva de liberação de impressoras ou do conserto, ou ainda da liberação de cartucho” (48 anos, sexo feminino, especialização, justiça - RJ).

“No momento disponho de um computador que divido com uma administrativa que está subordinada a mim. O ideal é que tivesse um computador disponível apenas para mim, que tivesse programas atualizados. Como sou chefe de outras equipes de Serviço Social que estão em outras unidades de saúde, o fato das assistentes sociais destas unidades não terem acesso às mesmas condições de trabalho que eu, acaba inviabilizando uma série de fluxos que poderiam ser criados para facilitar/qualificar nosso trabalho. São necessários equipamentos, com programas instalados, com Internet e intranet. Não dispomos de profissionais que dominem a tecnologia para utilizá-la em sua potencialidade, nem de cursos que nos capacitem para tanto” (28 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).

Page 285: Renato Veloso

285

“Quando chegamos ouvimos falar que foi implantado um programa para o Serviço Social muito bom, mas não estava funcionando. Agora estão tendo as reuniões para criação de novo programa e estão ouvindo todas as nossas necessidades” (35 anos, sexo feminino, especialização, saúde - TO).

“Dispomos de um sistema próprio para formulação de estudo social, para anotações de entrevistas e atendimentos diversos, bem como sistema específico CUIDA (Cadastro Único Informatizado de Adoções e Abrigos) que é alimentado diariamente e permite a todas as profissionais do TJ do estado de Santa Catarina acesso on-line. Temos também o SAJ (Sistema de Automação do Judiciário - Santa Catarina) que tem destinações específicas para o profissional de Serviço Social fazer inclusão de atendimentos nos autos” (48 anos, sexo feminino, especialização, justiça - SC).

Considera-se que as condições de trabalho nas quais os(as)

assistentes sociais estão inseridos(as) podem ser consideradas um fator de

grande importância na incorporação da TI pelo Serviço Social, e, muitas vezes,

sua existência ou inexistência pode ser explicada por aspectos como inserção

da instituição no campo das políticas sociais, na contradição entre capital e

trabalho, nas prioridades governamentais etc. Desta forma, a existência ou não

de tais condições não depende apenas da ação do(a) profissional, mas de

diversos outros fatores. Ainda assim, apesar dos vários problemas e

dificuldades detectados nos depoimentos, 70% dos(as) profissionais indicaram

que as condições de trabalho existentes em suas instituições permitem uma

apropriação da TI pelo Serviço Social, como indica o gráfico a seguir.

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286

Gráfico 37 - Há condições de trabalho que permitam uma apropriação tecnologia? - Total de casos: 93

65

28

0 10 20 30 40 50 60 70

Sim

Não

Fonte: SSTI, 2006.

Apesar da existência das dificuldades apontadas, os(as)

profissionais parecem vislumbrar possibilidades de incorporação da TI ao

trabalho, o que pode demonstrar uma tentativa de superar os problemas reais

existentes no cotidiano. Dentre esses problemas merecem destaque a

inexistência de equipamentos e momentos de qualificação em TI e a

dificuldade de acesso a computadores, impressoras, suprimentos, bem como a

espaços de qualificação na área.

Em suma, constata-se que as condições de trabalho são um fator

importante para a incorporação da TI ao exercício profissional. Em geral os(as)

profissionais que relataram a existência de um processo de informatização no

setor de Serviço Social são aqueles que se encontram inseridos em condições

de trabalho consideradas adequadas. Fica demonstrada, como se percebe no

gráfico a seguir, a existência de uma relação entre as condições de trabalho e

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287

o processo de informatização, o qual poderia ser tomado como uma fase

embrionária de uma apropriação efetiva da TI pelo Serviço Social.

Gráfico 38 - Informatização do Serviço Social por c ondições de trabalho - Total de casos: 93

45

9

12

13

10

4

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50

Informatizado

Não informatizado

Fonte: SSTI, 2006.

Razoáveis

Inadequadas

Adequadas

Ainda que pareça óbvio, verificou-se que a informatização está mais

presente entre aqueles profissionais que indicaram a existência de condições

de trabalho consideradas adequadas, e menos presente entre aqueles que

indicaram a inexistência de tais condições, o que demonstra a sua influência

sobre o processo de incorporação da TI. A existência desta última pode sofrer,

portanto, um considerável condicionamento das primeiras. Em outras palavras,

a existência de condições de trabalho adequadas pode ser considerada um

importante fator no processo de incorporação da TI ao trabalho do Serviço

Social, o que sugere que não se trata apenas de um ato de vontade do(a)

profissional, mas de existência de condições reais que permitam a sua efetiva

incorporação.

Page 288: Renato Veloso

288

Neste sentido, o potencial da TI para o trabalho profissional só pode

ser alcançado na medida em que este trabalho encontrar-se em condições

adequadas. Não se trata de uma mera injeção de recursos tecnológicos

modernos, destacando-se os computadores e impressoras, mas uma política

de incorporação da tecnologia que contemple as várias dimensões presentes

neste contexto. A apropriação da TI pelo Serviço Social tende, portanto, a

acompanhar o processo mais amplo de fortalecimento e desenvolvimento

profissional, como um dos aspectos que compõem tal processo, e não o

principal ou o mais importante.

Ainda que, como se viu, a formação profissional possa ser

considerada um fator importante nesse processo de apropriação da TI, não se

pode extrapolar os limites de seu real papel neste processo. O gráfico a seguir,

por exemplo, demonstra que, ao confrontar-se o processo de informatização do

Serviço Social com as condições de trabalho relatadas e a participação em

processos de formação na área, constata-se o predomínio do fator “condições

de trabalho” sobre o fator “formação profissional”.

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289

Gráfico 39 - Informatização do Serviço Social distr ibuída por condições de trabalho e formação - Total de casos: 79

36

59

47

95 4

0

5

10

15

20

25

30

35

40

Informatizado Não informatizado

Fonte: SSTI, 2006.

Adequadas com qualificação

Adequadas sem qualificação

Inadequadas com qualificação

Inadequadas sem qualificação

Como se percebe, os(as) profissionais que relataram que o Serviço

Social passou por processo de informatização são aqueles que relataram

possuir condições de trabalho adequadas e ter participado de algum tipo de

formação na área, seguidos, de longe e com pouca diferença em relação às

outras possibilidades, pelos(as) profissionais que relataram ter condições

adequadas, mas nenhum tipo de formação na área. Por outro lado, os que

relataram que o Serviço Social não passou por processo de informatização,

são aqueles que informaram a existência de condições de trabalho

inadequadas e a participação em algum tipo de formação profissional. O que se

pretende sugerir é que a existência de condições de trabalho adequadas

parece ser um aspecto determinante para o processo de incorporação da TI ao

Serviço Social, tendo em vista que elas se fazem mais presentes onde há

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290

informatização, e se fazem menos presentes onde não há. É uma realidade

que pode ser ilustrada pelo depoimento a seguir.

“O uso da informática no cotidiano do trabalho e pessoal é inevitável. Só que as condições de trabalho são desfavoráveis para o exercício profissional com ou sem informática” (34 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

Assim, pensar a incorporação da TI demanda pensar, de forma mais

abrangente, as condições de trabalho do Serviço Social, já que tais processos

estão profundamente imbricados. Isso não significa, no entanto, que basta a

mera existência de condições materiais de trabalho adequadas para que essa

incorporação ocorra. Em articulação com tais condições, e como forma de

complementá-las, é que se considera importante a existência de um processo

de formação profissional que dê conta das demandas postas à profissão e que

auxilie esse processo de incorporação da TI ao nosso trabalho, como ilustra o

depoimento a seguir.

“Parece-me que somos uma categoria aberta a coisas novas e se houver um investimento na socialização dos conhecimentos da informática não deixaremos de aderir aos mesmos e usá-los no nosso cotidiano de trabalho desde que tenhamos a infra-estrutura necessária para tal e a formação específica para isto que me parece é o que nos falta. Creio que os usuários só viriam a lucrar com isto uma vez que este recurso qualificaria o atendimento dos mesmos” (43 anos, sexo feminino, mestrado, assistência - RS).

Discorda-se, portanto, da postura que sustenta que a incorporação

da TI ao Serviço Social esteja limitada a iniciativas pessoais dos(as)

profissionais, ou ainda, seja produto da vontade pessoal do(a) profissional

envolvido. Mais do que isso, é necessária a construção de uma proposta

Page 291: Renato Veloso

291

abrangente e coletiva de inclusão desse tema na agenda do debate

profissional, pensando sua importância no âmbito da formação profissional e,

sobretudo, articulando-a à discussão sobre as condições de trabalho de que

possibilitam a incorporação concreta da TI ao Serviço Social.

3 . 2 . 9 . A T I C O M O P O T E N C I A L I Z A D O R D O T R A B A L H O

Tem-se trabalhado com o pressuposto de que a TI pode provocar

alterações no desempenho das atribuições e competências profissionais, tanto

no atendimento aos usuários e usuárias, quanto em atividades como

assessoria, supervisão, formulação e implementação de políticas, podendo

gerar efeitos positivos em relação ao acesso aos direitos sociais. Tais

possibilidades, no entanto, encontram-se fortemente condicionadas pelas

expressões do processo de desmonte das políticas sociais operado pelo

neoliberalismo.

Embora se possa perceber a importância da incorporação da TI ao

trabalho profissional, muitos são os obstáculos para uma efetiva apropriação

deste recurso. Dentre elas, chamam a atenção, como já visto, as precárias

condições de trabalho de boa parte das instituições nas quais se inserem

os(as) assistentes sociais. Trata-se de um quadro de sucateamento e

precarização encontrado sobretudo nas instituições públicas, decorrentes da

implementação sistemática de políticas de caráter neoliberal, justificadas por

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292

uma concepção de gestão pública baseada em critérios de eficiência e eficácia

determinadas pela lógica de mercado.

Essas políticas constituem-se como elemento fundamental ao nosso

exercício profissional, já que são, em grande parte dos casos, uma condição

necessária para nossa atuação. Como observou Iamamoto (1998), “o

assistente social não detém todos os meios necessários para a efetivação de

seu trabalho”, dependendo, portanto, “de recursos previstos nos programas de

projetos da instituição que o requisita e contrata, por meio dos quais é exercido

o trabalho especializado” (p. 63). Perceber os impactos do neoliberalismo sobre

as políticas sociais, portanto, é tarefa essencial, dadas as relações e conexões

existentes entre tais políticas e a profissão.

Os processos de trabalho nos quais o Serviço Social se insere vêm

sofrendo várias mudanças, decorrentes, das transformações estruturais pelas

quais o capitalismo vem passando. Tais transformações, norteadas pelo ideário

neoliberal, exprimem-se na chamada reestruturação produtiva, que implica

mudanças ou metamorfoses drásticas no mundo do trabalho, englobando,

dentre outros fenômenos, a fragmentação da classe trabalhadora, a

precarização das relações de trabalho, a heterogeneização e complexificação

do mercado de trabalho. As conseqüências deste processo têm sido o aumento

das desigualdades, cujas expressões, dentre as mais gritantes, são a

ampliação do desemprego, aprofundamento da concentração de riqueza e

alastramamento da miséria e da pobreza.

Page 293: Renato Veloso

293

Nesse quadro, os(as) profissionais consideram que a TI pode ser

entendida como um elemento importante para o exercício profissional, o que ,

em certa medida, reforça as idéias até aqui apresentadas. Como se percebe no

gráfico abaixo, 96% dos(as) profissionais apontam para a importância da TI

para o Serviço Social.

Gráfico 40 - Você acha que a informática e a tecnol ogia da informação têm um papel importante no trabalho do Serviço Soci al? - Total de casos: 93

4

89

0 20 40 60 80 100

Não

Sim

Fonte: SSTI, 2006.

A partir dos depoimentos dos(as) profissionais verifica-se que este

recurso pode desempenhar um papel importante para o Serviço Social,

constituindo-se como um elemento potencializador do trabalho em três

aspectos principais: agilização do trabalho e dinamização do atendimento;

organização e tratamento de dados; e uso de redes e da Internet. A distribuição

dos depoimentos dos(as) profissionais por cada um destes aspectos poder ser

verificada no gráfico a seguir.

Page 294: Renato Veloso

294

Gráfico 41 - Como acha que a tecnologia da informaç ão pode ser usada a serviço dos usuários? - Total de casos: 77

40%

35%

25%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45%

Uso de redes e internet

Agilização do trabalho

Tratamento de dados

Fonte: SSTI, 2006.

Como aspecto mais citado pelos(as) profissionais, o acesso à

Internet e às redes de serviços e recursos disponíveis aparece como uma das

formas de democratizar as informações e ampliar o acesso dos usuários e

usuárias aos direitos sociais. A ampliação desse acesso constitui-se como um

dos objetivos mais buscados pelos(as) assistentes sociais em seu trabalho.

Com o uso da TI, é possível potencializar a realização de contatos e o acesso a

informações de forma que se possa oferecer aos usuários e usuárias

condições mais favoráveis para a realização de encaminhamentos e oferta de

respostas às demandas apresentadas.

“Eu penso que o grande bem atual é o acesso à informação. Um profissional bem informado poderá ser melhor qualificado e conseqüentemente poderá estabelecer uma relação de melhor qualidade com o usuário e com a instituição onde trabalha” (40 anos, sexo feminino, mestrado, justiça - SP).

“Os profissionais podem acessar na Internet uma infinidade de sites importantes, mantendo-se atualizados sobre legislações, recursos etc.

Page 295: Renato Veloso

295

Podem, ainda, se comunicar com instituições para dirimirem dúvidas; se informarem sobre eventos relacionados com a profissão ou com a área de atuação, além de redigirem relatórios e preencherem formulários. Com uma consulta rápida, pode-se fornecer uma resposta imediata” (53 anos, sexo feminino, graduação, previdência - RJ).

“Não só na facilidade do cruzamento de informações em rede, mas acesso a benefícios, encaminhamentos, possibilidade do estabelecimento de parcerias, dentre outras” (38 anos, sexo feminino, doutorado, assistência - SP).

“De diversas formas: ampliando o conhecimento dos profissionais sobre as legislações em vigor e da rede de recursos disponíveis, o que certamente garantirá aos usuários maior conhecimento de seus direitos como cidadãos e maior acesso aos serviços disponíveis” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

“Na elaboração de projetos e políticas com maior grau de informação sobre o público-alvo. Na democratização da informação através da informática e Internet, proporcionando aos usuários este acesso. Na agilização das orientações aos usuários fazendo uso de uma ferramenta que traz a informação quase que imediata” (33 anos, sexo feminino, graduação, criança/adolescente - RJ).

Assim, de acordo com os(as) profissionais, o uso de redes e da

Internet pode auxiliar a qualificação do trabalho, oferecendo uma importante

contribuição na sua condução, seja na socialização de informações durante os

atendimentos propriamente ditos, agilizando encaminhamentos, relatórios etc,

seja na formulação e elaboração de pesquisas mais específicas sobre temas

referentes ao trabalho.

“Pesquisas rápidas sobre recursos; encaminhamentos rápidos de questões dos usuários para as instituições competentes; levantamento de dados e informações importantes que podem ser repassados para os usuários a fim de que os mesmos busquem seus direitos” (37 anos, sexo feminino, mestrado, empresa - RJ).

“Para pesquisa, levantamento de dados que irão contribuir para resolução de uma solicitação desse usuário, melhor entendimento do que é escrito nos encaminhamentos, solicitações etc” (44 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RJ).

Page 296: Renato Veloso

296

“Link entre as redes da seguridade social; buscas de recursos; produção de conhecimento; construção de perfis sociais (conhecimento sobre o usuário)” (44 anos, sexo feminino, doutorado, saúde - RJ).

“Acabei de falar das redes sócio assistenciais e da facilidade de acesso aos bens e serviços comunitários. Quando todos estiverem em rede será mais fácil trabalhar e os usuários não precisarão caminhar tanto de órgão em órgão buscando ser atendido. E tem também aquela questão da rede de beneficiários, que evitará a duplicidade de ações ao mesmo usuário” (35 anos, sexo feminino, especialização, saúde - TO).

“Além de facilitar cadastros e agilizar a redação de documentos e relatórios, com a Internet podemos acessar diversos sites de utilidade pública, cidadania, politicas sociais, acessando informações atualizadas” (33 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).

Como segundo aspecto mais citado, os(as) profissionais indicam

que a TI pode ser utilizada como um importante recurso na agilização do

trabalho e na dinamização do atendimento prestado aos usuários e usuárias.

Essa agilização é vista como um dos elementos impulsionadores da melhoria

da qualidade do trabalho, sendo, portanto, algo a ser buscado pelos(as)

profissionais.

“Um assistente social com conhecimento de informática pode em muito facilitar de maneira variada os efeitos de sua intervenção, tanto para agilizar seu trabalho como para facilitar comunicação com outras instituições, a troca de informações, a criação/atualização de um banco de dados, enfim, são inúmeras as possibilidades” (48 anos, sexo feminino, especialização, justiça - RJ).

“A informática agiliza a emissão de documentos, permite a consulta a instituições diversas através da Internet. A TI possibilita acesso a um maior número de informações atualizadas. Ambas possibilitam ao assistente social um atendimento de maior qualidade ao usuário, que poderá ter informações variadas e rápidas a suas angústias” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

“Além da disponibilização de documentos ‘legíveis’ que podem auxiliar o usuário a ser melhor entendido, há a facilidade de acessar uma gama maior de recursos e orientações para agilizar e disponibilizar seu encaminhamento” (28 anos, sexo feminino, graduação, saúde - RJ).

Page 297: Renato Veloso

297

“Penso que a informática agilizaria os atendimentos se pudéssemos contar com mais computadores, de preferência mais rápidos e conectados à Internet permanentemente. Poderíamos utilizá-los como forma de buscar recursos, informações mais atualizadas e etc” (34 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

“Agilizando o serviço e possibilitando aos profissionais maior acesso a informação, o que resulta em melhoria na qualidade dos serviços e maior acesso da população aos seus direitos” (45 anos, sexo feminino, graduação, empresa - SP).

“A informática hoje já faz parte da rotina do Serviço Social na instituição, assim como a caneta e o carimbo. Temos um convívio continuo com a TI, e isso tem sido muito rico para os usuários, pois quanto mais qualificada uma equipe, mas qualificado também será o atendimento” (32 anos, sexo feminino, especialização, saúde - AL).

Os profissionais apontam ainda que o uso da TI pode facilitar os

processos e ações que envolvam comunicação, troca/busca de informações e

de registros. Permite agilizar a produção de relatórios, a busca de recursos,

instituições, textos e diversos outros materiais de interesse dos(as)

profissionais. Proporcionam, ainda, a rapidez nos fluxos de trabalho, podendo

ser utilizada para dar transparência aos processos, e estimular novas formas

de intervenção, potencializadas pelo acesso à TI, organizando melhor o

trabalho e obtendo melhores resultados nas tarefas desempenhadas.

“A informática, com toda a sua tecnologia, promove a agilidade tanto no atendimento aos nossos usuários, quanto no encaminhamento das suas demandas à rede de atendimento social. Também é um forte instrumento na documentação e registro das atividades desenvolvidas. Não há dúvidas da melhoria na qualidade do trabalho desenvolvido a partir da utilização destes instrumentos” (43 anos, sexo feminino, graduação, saúde - RJ).

“Profissional capacitado tem mais idéias e poderá inovar e facilitar o atendimento e o encaminhamento das situações que aparecem no seu dia-dia” (37 anos, sexo feminino, graduação, saúde - SC).

Page 298: Renato Veloso

298

O terceiro aspecto citado pelos(as) profissionais refere-se à

possibilidade de aprimorar a organização e o tratamento de dados, apontada

como uma grande contribuição que a TI pode oferecer ao trabalho do Serviço

Social. Os depoimentos indicam que, neste sentido, o registro, a

sistematização de dados e a produção de informações sobre demandas e

atendimentos podem ser potencializados pelo uso da TI, favorecendo a

produção de perfis de usuários e de atendimentos, estatísticas, relatórios e

avaliações dos programas e projetos em andamento no Serviço Social.

“O acesso à informática permite informações mais completas, permite a organização de dados, o contato entre grupos de interesses e inúmeras outras facilidades para o usuário” (53 anos, sexo feminino, mestrado, previdência - RJ).

“Para termos maior facilidade na sistematização dos dados coletados. Desta forma poderíamos ter dados que contribuam com mudanças e melhorias para a vida da população” (33 anos, sexo feminino, mestrado, assistência - RJ).

“Banco de dados, perfil dos usuários, perfil da demanda, pesquisas variadas, avaliação dos serviços etc” (47 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).

“Registros de atendimentos, acesso a informações confidenciais, busca de dados pessoais e demonstrativo dos registros realizados” (28 anos, sexo feminino, graduação, empresa - MG).

“Com banco de dados, sendo possível gerar dados quantificáveis, que esclarecidos e interpretados qualitativamente, subsidiem ações mais efetivas à população atendida; com sistemas interligados, de forma que eu ao atender o usuário ‘x’ possa acessar virtualmente caminhos percorridos e acessados pelas políticas públicas, por exemplo. Profissionais que já tiveram alguma aproximação com o caso em questão, facilitando a troca de informações e até opinião” (38 anos, sexo feminino, especialização, criança/adolescente - RS).

“Para cruzamento de dados de pesquisas, rapidez no atendimento, melhoria na sistematização das informações” (23 anos, sexo feminino, especialização, empresa - PE).

Page 299: Renato Veloso

299

Desta forma, indicam os(as) profissionais que os dados

armazenados e as informações geradas pelo Serviço Social, com a

contribuição da TI, podem ser utilizados para pesquisa e avaliação do trabalho,

contribuindo desta forma, para o desenvolvimento e o aprimoramento do

exercício profissional.

“Facilitando a pesquisa, a análise de dados e democratização de conhecimentos acerca da realidade social, políticas sociais e prática dos assistentes socais” (42 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RJ).

“Para garantir estudos e viabilizar políticas públicas, onde os registros das assistentes sociais poderiam ser instrumentos para subsidiar essas políticas” (32 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).

“Tanto a questão da organização de dados (ou mesmo construção de instrumentos de trabalho), quanto a elaboração e desenvolvimento de Programas e Projetos, se beneficiam com a informatização” (30 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).

“Monitoramento, avaliação de impacto, mais velocidade na informação, facilidade de divulgar as atividades. Há inúmeras possibilidades, basta estarmos receptivos” (39 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RS).

“Inicialmente como cadastro, depois como atualização de dados, em seguida como informação de relato dos fatos, parecer social e até no processo investigativo do assistente social em relação aos usuários e/ou para uma atividade de interdisciplinaridade” (44 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).

“Praticidade e simplicidade para armazenar dados; pesquisas destas informações para elaboração de projetos que sejam de fato relevantes aos usuários” (49 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RS).

O uso da TI, portanto, pode potencializar a dimensão investigativa

do trabalho profissional, oferecendo elementos e condições para melhor

organização dos dados e informações que perpassam cotidianamente o

trabalho profissional. Se o uso desta tecnologia, por si só, não é capaz de

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300

produzir conhecimento, tendo em vista que nada mais faz do que oferecer uma

descrição aproximada da realidade, pode oferecer as condições básicas para a

percepção inicial de algumas tendências do movimento da sociedade, já que tal

percepção pode partir da descrição por ela oferecida.

Pensar a importância da TI para o trabalho profissional implica,

compreendê-la como uma mediação, tal como sugeriu Vieira Pinto (2005),

tendo em vista que “a tecnologia foi criada e é usada exatamente para servir de

mediação prática entre o ser humano e a natureza ou a sociedade”, integrando-

a, de acordo com o autor, num processo histórico dialético (p. 285).

O recurso à categoria de mediação no Serviço Social, como

destacou Pontes (1995), “favoreceu uma apreensão mais próxima do

movimento da totalidade social do objeto de intervenção profissional” (p.167),

tornando possível perceber o campo de intervenções profissionais como um

“campo de mediações” (p.170). As mediações, segundo o autor, permitem

passagens entre as instâncias constituintes da totalidade, tratando-se de:

“condutos por onde fluem as relações entre as várias estâncias

da realidade. São eles que possibilitam conceber-se a

realidade como totalidade” (p.181).

Neste sentido, pode-se compreender a TI como uma das mediações

presentes no campo da atuação profissional, na medida em que, com o seu

uso, em articulação com outras mediações presentes no exercício profissional,

as finalidades presentes no projeto profissional podem ser alcançadas. Este

recurso pode oferecer uma importante contribuição para o(a) profissional em

Page 301: Renato Veloso

301

sua tarefa de articular as diversas mediações presentes no campo da atuação

profissional. Mais do que um instrumento a ser utilizado no exercício

profissional, a TI pode ser também entendida como um elemento

potencializador de outras dimensões já previamente existentes no trabalho

profissional. Em outros termos, os(as) assistentes sociais podem utilizar a TI

para potencializar sua atuação junto às expressões da questão social,

apropriando-se deste recurso para otimizar as competências e habilidades já

previamente existentes no âmbito de sua atuação.

O dimensionamento da utilização da TI no trabalho profissional, bem

como dos demais recursos e instrumentos, demanda a apreensão dos

processos constitutivos do exercício profissional. Trata-se de uma questão

relevante, na medida em que este recurso pode potencializar:

“passagens cognitivas entre as várias dimensões em presença,

podendo articular estas mediações potencializando forças em

presença, em favor de um projeto de sociedade progressista e

transformador da realidade, ou simplesmente manter-se

alienado da trama destas complexas relações (Pontes, 1995,

p.182).

O aprimoramento do trabalho ou a solução de problemas e dilemas

profissionais não será produto exclusivo da incorporação da TI ao trabalho do

Serviço Social. A solução será decorrência da capacidade que os(as)

profissionais possuírem de definir e alcançar projetos e finalidades. A

tecnologia nada mais é do que uma mediação para se alcançar tais finalidades.

Por outro lado, na medida em que se familiariza com a tecnologia e seus

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302

diversos recursos, na medida em que se utiliza e se estuda as inovações e as

possibilidades que ela traz, pode-se visualizar com uma abrangência cada vez

maior, a sua contribuição para o alcance de novos projetos e novas finalidades.

Poderá acontecer um tipo de articulação entre o Serviço Social e a TI cujos

frutos sejam positivos para o trabalho profissional, sem que haja, no entanto,

uma subordinação da profissão à tecnologia.

Uma das aplicações da TI para as quais os(as) assistentes sociais

podem estar atentos(as) são os sistemas de informação. Tais sistemas

constituem-se como importantes recursos para o Serviço Social, contribuindo

para promover uma mudança qualitativa no exercício da profissão,

expressando, assim, o seu potencial estratégico. A criação e utilização de

sistemas de informação que possam oferecer subsídios para a realização do

trabalho poderiam ser encaradas pelos(as) profissionais como uma importante

demanda.

O uso de sistemas de informação, no entanto, não deve se dar de

forma voluntarista, demandando do(a) profissional uma postura crítica em

relação a sua natureza e objetivos. Com esta preocupação em mente, Jonas

(2002) observa que grande parte dos sistemas de informação destinados às

políticas sociais disponíveis no mercado seguem um padrão adequado às

necessidades do capital, sendo concebidas como ferramentas de

racionalização do trabalho e de gerenciamento. Ao absorverem a contribuição

da TI, as políticas públicas podem gerar uma forte tensão por conta da

incompatibilidade de interesses. É nesse sentido, que ao apontar a importância

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303

de um esforço de “adaptação dos recursos informáticos à gestão das políticas

sociais”, a autora destaca que não se deve abandonar os pressupostos e

valores profissionais identificados com a ampliação dos direitos e

aperfeiçoamento das instituições democráticas.

Embora se concorde com a autora nos aspectos principais de sua

análise, considera-se que a tarefa principal aqui não é a de fazer adaptações

apenas. Mais do que uma adequação da TI ao trabalho do Serviço Social,

trata-se de construir e identificar as reais possibilidades de sua incorporação ao

trabalho, utilizando-a como uma contribuição para alcançar as finalidades

presentes no projeto ético-político profissional.

A TI pode ser um importante recurso para a produção e divulgação

de informações úteis aos indivíduos. Sua incorporação ao trabalho não deve se

limitar ao uso apenas de pacotes de programas e aplicativos comerciais

fechados. É necessário, seguindo as indicações da autora acima, avançar no

conhecimento da lógica que embasa o desenho dos sistemas de informação,

buscando impulsionar a construção de aplicações que absorvam os valores e

parâmetros ético-políticos de nossa profissão. A elaboração de um sistema de

informação a ser utilizado pelos(as) assistentes sociais deve estar permeada

pelas principais características de nosso projeto profissional, de modo que ele

seja, também, expressão e indicador desse projeto. Trata-se de uma postura

que não está preocupada com a adaptação ou adequação da TI ao trabalho do

Serviço Social, mas sim com a construção de novas possibilidades de uso, de

Page 304: Renato Veloso

304

apropriação crítica deste recurso tendo por ponto de partida os desafios postos

à profissão.

Assim, cabe aos(às) profissionais evitar o caminho predominante de

adaptação aos produtos disponíveis no mercado. Antes, podem priorizar, a

partir de sua postura ético-política, o compromisso com os valores

profissionais, buscando formas de concretizá-los e criando sistemas que

possam viabilizá-los. A preocupação aqui não é apenas com o

desenvolvimento de um sistema tecnicamente perfeito, mas com a criação de

um recurso que possa propiciar o avanço, um meio de auxiliar a efetivação dos

princípios profissionais afetos à categoria de assistentes sociais. Para isso, faz-

se necessário um amplo processo de discussão com o envolvimento dos(as)

profissionais de forma a incorporar essa questão à agenda de debates da

categoria.

A título de ilustração, realizam-se algumas rápidas observações

sobre uma experiência concreta de criação e utilização de um sistema de

informações, o Sistema de informações do Serviço Social – SiSS (Veloso,

2004), uma experiência produzida, socializada e avaliada coletivamente, com

vistas a contribuir para discutir a importância da TI para o fortalecimento do

trabalho profissional e as condições necessárias à sua incorporação.

Apesar das melhorias possibilitadas, o SiSS foi, aos poucos,

deixando de ser usado pelos(as) assistentes sociais da equipe de trabalho. Isto

porque, como ocorre em várias outras unidades de Serviço Social, diversos

obstáculos se impuseram ao estabelecimento de uma efetiva incorporação da

Page 305: Renato Veloso

305

TI ao trabalho, dentre os quais se pode destacar os mesmos elementos

apresentados ao longo deste trabalho: insuficiência de equipamentos e

suprimentos; acomodação e resistência de alguns(mas) profissionais às

mudanças e inovações; ausência de treinamentos especializados e

aperfeiçoamento técnico das(os) profissionais; inviabilidade da obtenção de

recursos físicos e humanos necessários ao pleno desenvolvimento do trabalho.

O processo de informatização do setor não foi acompanhado de um

processo de qualificação dos(as) profissionais e de alocação de recursos

adequados ao trabalho. A instituição em que a experiência foi conduzida não

dispunha das condições que favorecessem uma incorporação efetiva da TI por

parte do Serviço Social. A ausência de qualificação e das condições

adequadas de trabalho passou a criar problemas e aumentar a resistência ao

uso do sistema, tendo em vista os defeitos que passaram a acontecer e a

ausência de uma manutenção contínua no equipamento existente. Constatou-

se, portanto, que se o processo de informatização não for acompanhado de

atividades de formação e capacitação, com o efetivo envolvimento do(a)

profissional, e com a disponibilização de condições adequadas de trabalho,

equipamentos e suprimentos, as possibilidades de sucesso serão muito

poucas.

Verificou-se um retorno aos procedimentos tradicionais do trabalho,

tais como livro de ocorrências, cadastro de recursos em agendas impressas,

fichas de papel, uso de arquivos manuais, dentre outros, demonstrando que

possibilidade de uso da TI é histórica, dependendo em grande medida das

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306

condições objetivas e subjetivas existentes e disponíveis à profissão. A efetiva

incorporação da TI ao trabalho não é um ato de vontade apenas, e a ausência

de investimentos em infra-estrutura e em formação e qualificação dos(as)

profissionais tornam tal incorporação um grande desafio a ser superado.

A incorporação da TI ao trabalho do Serviço Social é possível e

viável, no entanto, demanda que a equipe de profissionais disponha das

condições objetivas e subjetivas necessárias, o que pode potencializar o

desenvolvimento de suas competências e atribuições, fortalecer o

compromisso com os objetivos profissionais e consolidar os valores ético-

políticos que orientam seu trabalho.

Acredita-se que os dados apreciados permitem sugerir que o Serviço

Social tem estabelecido algum tipo de incorporação da TI ao seu trabalho.

Trata-se, no entanto, de uma incorporação embrionária, tateante, motivada

muito mais pela vontade dos(as) profissionais, muitas vezes de forma individual

e isolada, do que por uma política explicitamente formulada e implementada

pela categoria profissional no sentido de propiciar uma apropriação crítica e

consistente deste recurso.

Apesar de os depoimentos relatarem experiências incipientes, sem

um uso mais aprofundado da TI, considera-se que, de forma geral, este recurso

pode contribuir para o trabalho profissional, desde que os(as) assistentes

sociais estejam preparados(as) para utilizá-la, não só do ponto de vista técnico,

mas também, crítico. As competências profissionais não podem ser reduzidas

ao domínio do recurso tecnológico apenas, mas envolver, também, a

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307

competência crítica que permita uma apropriação do recurso tecnológico como

elemento potencializador, capaz de estimular, constituir e aprimorar

modalidades de atuação profissional alternativas ao tradicionalismo e ao

conservadorismo profissionais.

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308

C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S

Pretendeu-se discutir neste trabalho a importância que a TI,

sobretudo no que se refere ao uso da informática e da Internet, pode possuir

para o exercício profissional, qualificando tal importância como um potencial

estratégico para dinamizar e fortalecer o trabalho do Serviço Social. A

importância conferida a este recurso por parte dos(as) profissionais e as

poucas experiências de efetiva utilização remetem a uma problematização das

condições necessárias à sua incorporação e apropriação. Poder-se-ia, neste

sentido, apresentar uma série de questões a respeito de tal apropriação. É

possível aos(às) profissionais potencializarem seu exercício profissional tirando

da tecnologia as vantagens que esse recurso oferece? Em que medida é

possível aos(às) assistentes sociais apropriarem-se da TI como elemento

potencializador se de fato o conhecimento que os(as) assistentes sociais

dispõem sobre o tema é muito reduzido? As exigências feitas em termos de

apropriação da TI não estariam muito além das condições e capacidades

detidas pelo conjunto de assistentes socais? Faz-se referência não à parcela

da categoria que tenha demonstrado possuir um nível de compreensão e

absorção da TI mais acentuado, mas à categoria como um todo, ao conjunto

dos seus segmentos e integrantes. Embora não se possa esgotar essas

questões, acredita-se que alguns comentários gerais podem ser feitos como

forma de sugerir algumas possibilidades de resposta.

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309

Pensar o potencial da TI para o Serviço Social demanda, antes de

tudo, definir um ponto de partida. Este, na opinião do pesquisador, deve ser o

próprio exercício profissional. Não se entende que o uso da tecnologia possa

resolver os diversos problemas expressos no cotidiano do trabalho profissional,

como muitas vezes tendem a pensar os(as) profissionais. Tais problemas, na

maior parte das vezes referentes aos aspectos ligados aos processos de

atendimento, sistematização, planejamento, organização e avaliação do

trabalho, podem ser equacionados com o auxílio da TI, de forma articulada a

outras competências e habilidades profissionais. Quem efetivamente apresenta

e executa propostas para a solução das questões presentes no cotidiano

profissional são os(as) próprios(as) profissionais, que com sua capacidade de

reflexão e elaboração devem projetar e implementar alternativas para as

demandas concretas com as quais lidam.

As dificuldades e limites presentes no cotidiano de trabalho e a

necessidade de aprimoramento e desenvolvimento profissional devem ser

apropriadas pelos(as) próprios(as) profissionais, que, a partir de seu acervo de

conteúdos e instrumentais analíticos, técnicos e éticos, podem formular as

diretrizes e alguns aspectos necessários ao seu trabalho. Isso é claro, levando-

se em conta as condições concretas em que sua atividade, como trabalho

assalariado que é, se processa.

Portanto, não se trata de compreender o(a) profissional como um

indivíduo acima dos limites institucionais concretos em que se situa, mas de

salientar que, pelo fato de possuir uma relativa autonomia técnica, mostra-se

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310

possível conduzir propostas profissionais que possam alterar algumas das

características da organização de seu trabalho.

Embora a TI possa ser considerada como um recurso importante

para o exercício profissional, entende-se que os problemas postos no trabalho

cotidiano não serão automaticamente solucionados a partir da incorporação da

tecnologia, tendo em vista que esta, sozinha, não realiza absolutamente nada.

Seu efeito útil, ou ainda, seu valor de uso para a profissão encontra-se

condicionado pela forma concreta pela qual se processará sua incorporação ao

trabalho. É neste sentido que se compreende a tecnologia não como um

instrumento de trabalho apenas, como é comumente ressaltado. Acredita-se

que uma adequada abordagem da TI é aquela que a toma como um otimizador

e potencializador dos instrumentos de trabalho já previamente existentes no

Serviço Social, os quais devem passar por um constante processo de

aprimoramento. Quem deve promover (pensar e propor) este aprimoramento, é

o próprio profissional. Aproximando-se do uso do instrumento, a partir da

reflexão e análise crítica sobre o mesmo, poderá propor mudanças com vistas

ao seu melhoramento. Notem que o(a) profissional, ao analisar o uso que faz

de seu instrumento, poderá pensar e propor mudanças qualitativas em tal uso,

criando e imprimindo-lhe, neste processo, novos objetivos, novas finalidades,

utilizando-o para alcançar novos projetos.

Pensa-se tecnologia como um dos meios que podem ser utilizados

na obtenção das finalidades definidas e projetadas pelo(a) profissional, não

sendo, portanto, a finalidade em si. Isso significa que para se aprimorar o

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311

trabalho do Serviço Social, o ponto de partida não é estudar, conhecer e

aprofundar-se no uso da TI. Isso até pode acontecer, desde que venha

precedido por um estudo, conhecimento e aprofundamento na forma de

processamento do trabalho de forma geral. O ponto de partida, portanto, é o

próprio trabalho do(a) assistente social. A partir da avaliação de sua atividade,

serão identificadas as falhas, problemas, lacunas que poderão ser corrigidas ou

ajustadas. A TI nada mais será do que um meio que auxilia e contribui para a

solução dos problemas e para a potencialização do trabalho, mas que de forma

alguma substitui a ação do(a) profissional na definição dos elementos que

possibilitam essa potencialização.

Se por um lado tal potencialização pode dar-se no sentido de

contribuir para ampliar as condições de acesso aos direitos sociais, pode

também, proporcionar uma redução da demanda por trabalho braçal, tendo em

vista o processo de automatização que o uso da TI implementa, e no aumento

da demanda por trabalho intelectual, tendo em vista a necessidade do(a)

profissional lidar com os diversos conjuntos de dados e informações produzidos

ao longo do trabalho.

Tendo em vista a redução do trabalho manual, braçal e físico que

pode proporcionar, como visto no capítulo 1, a incorporação da TI no cotidiano

profissional, principalmente os recursos relacionados especificamente à

informática e suas diversas aplicações, faz com que o(a) profissional disponha

de uma maior quantidade de tempo para o exercício profissional, já que deixará

de se preocupar, ou se preocupará menos, com tarefas como localização de

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312

recursos em pastas, arquivos, agendas; arrumação de arquivos, organização

em ordem alfabética; contagem dos atendimentos para elaboração de

estatísticas, perfis etc. Essas tarefas, de fato, poderão ser feitas pelo

computador em tempo bem menor do que o gasto pelos(as) profissionais nos

processos tradicionais.

No entanto, não é só para isso que a TI pode ser útil. Além de

possibilitar economia de tempo, fazer com que tarefas burocráticas e repetitivas

sejam realizadas de forma mais rápida, a TI pode possibilitar ao(à) profissional,

se for criticamente apropriada, uma mudança qualitativa em seu trabalho, o que

passaria a exigir do(a) profissional uma parcela cada vez maior de trabalho

intelectual, de esforço analítico, ou ainda, um esforço analítico em níveis mais

superiores, tendo em vista a dinamização possibilitada pela otimização dos

instrumentos, como sinalizou Vieira Pinto (2005, p.81).

Poder-se-ia pensar, por exemplo, nas estatísticas de atendimento

que os(as) profissionais precisam entregar, em um dado período, às

coordenações ou direções de unidade. Não é incomum que profissionais de

Serviço Social, utilizando-se de processos tradicionais de contagem e

totalização, gastem dias inteiros para produzir relatórios estatísticos, como os

de atendimentos mensais realizados. O uso de bancos de dados

informatizados, uma das grandes possibilidades de uso da TI pelo Serviço

Social, além de fazer com que o(a) profissional produza tais relatórios de forma

muito mais rápida e em um tempo bem menor (já que as funções de

agrupamento, contagem e totalização serão realizadas pelo computador),

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313

demandará, por outro lado, uma maior capacidade de apreciação crítica e

análise dos dados.

De fato, essa capacidade não será inaugurada pelo uso da

tecnologia, mas seu uso criará condições para que ela seja mais bem

desempenhada, para que ela seja mais bem aplicada, por pelo menos dois

fatores: primeiro porque o(a) profissional terá mais tempo; segundo porque os

dados poderão ser organizados de forma que o(a) profissional consiga ver

neles informações ou expressões da realidade que antes não conseguia

verificar. Pense-se, por exemplo, na diferença entre as estatísticas gerais de

atendimento, em que se tem apenas o total de atendimentos do mês, e as

diversas outras formas possíveis, tais como, estatísticas com distribuição dos

atendimentos por demanda atendida, por local de encaminhamento, por

procedência, por recurso utilizado, dentre outros. Pense-se, ainda, a análise da

variação mensal desses índices. Em um mês, por exemplo, 10% dos

atendimentos demandavam orientações sobre previdência, no mês seguinte,

orientação para inserção em atendimento ambulatorial. As variações de perfil

de usuários e de perfil de demandas, atendimentos realizados,

encaminhamentos, dentre outros, podem ser rapidamente captadas pelo(a)

profissional com um uso adequado da TI. Esses números, ao serem

apreciados, podem expressar uma dimensão qualitativa da realidade, e

precisam ser interpretados pelos(as) profissionais, como forma de aprimorar o

trabalho, propiciando condições favoráveis à formulação de novas propostas de

intervenção ou ao aprofundamento das já existentes.

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314

Este é um exemplo de uma das formas pelas quais a TI pode

contribuir para a potencialização do exercício profissional: a possibilidade de

propiciar uma redução do tempo gasto em algumas atividades braçais e

manuais, já que tal tecnologia pode ser utilizada para realização de tais

atividades. No entanto, o Serviço Social precisa compreender essa

possibilidade de redução não como elemento voltado à valorização da

organização do trabalho baseada na redução do tempo de trabalho

socialmente necessário e no aumento do tempo de trabalho excedente. A

utilização da TI para diminuir o tempo gasto na realização das tarefas manuais,

tomada como artifício para aumento da produtividade do trabalho baseada em

critérios quantitativos que tenham por objetivo a ampliação das taxas de lucro,

consiste numa postura que deve ser combatida e criticada pelos(as)

assistentes sociais.

A tarefa que se coloca aos(às) profissionais, no que refere à

apropriação da TI, é tentar construir uma forma de incorporação que supere o

modelo hegemônico imposto ao conjunto de trabalhadores: como uma forma

de reduzir a demanda por trabalhadores, como forma de aumentar a extração

de mais-valia, sobretudo a mais-valia relativa, como forma de expulsar

quantidades cada vez maiores de trabalhadores do mercado de trabalho.

Nestes casos, a redução do tempo de trabalho teve por conseqüência o

aumento do tempo de trabalho excedente, num primeiro momento, e, além da

manutenção de níveis cada vez maiores de exploração, a produção do excesso

de trabalhadores no mercado de trabalho, em um outro momento. Construir a

forma como a categoria profissional se apropriará deste recurso é, portanto,

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315

fundamental, resistindo ao formato com que hegemonicamente vem sendo

utilizada na sociedade capitalista. Espera-se que seu uso possa, de fato,

potencializar o exercício profissional, gerando novas capacidades e

habilidades, e contribuindo para criar condições que tornem possível o

aprimoramento profissional.

O Serviço Social precisa construir uma apropriação do recurso

tecnológico que permita ultrapassar a lógica racionalizadora, de redução de

custos e de emprego de força de trabalho, evitando um modo específico de uso

que signifique a substituição de profissionais ou a redução das possibilidades

de criação de informação. A prioridade deve ser concedida ao reforço e à

efetivação dos princípios profissionais, sem cair na armadilha do tecnicismo, ou

seja, pensar que o mero aperfeiçoamento técnico-operativo garante uma

apropriação qualificada da TI.

Trata-se de um tema cuja reflexão tem estado pouco presente entre

os(as) assistentes sociais, sem significar, no entanto, que o mesmo não

detenha um papel relevante para a profissão. Os(as) participantes, por

exemplo, ilustram essa relevância ao demonstrar o que consideram como

tendências futuras acerca da articulação entre TI e Serviço Social, como se

verifica na tabela a seguir.

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316

Tabela 02 - Tendências vislumbradas entre Serviço S ocial e TI

Alunos AS Docentes Total

A Internet será mais utilizada como ferramenta de articulação/diálogo entre assistentes sociais

190 73,9% 890 80,1% 65 90,3% 1145 79,5%

Serão criados sistemas/programas/softwares específicos para o trabalho do assistente social 189 73,5% 815 73,4% 62 86,1% 1066 74,0%

Crescerá a presença do tema tecnologia da informação na formação profissional em S.S 177 68,9% 776 69,8% 58 80,6% 1011 70,2%

A defasagem entre o avanço tecnológico e sua incorporação pelo serviço social continuará

19 7,4% 99 8,9% 11 15,3% 129 9,0%

Os atendimentos do serviço social serão cada vez mais mediados pelo computador 85 33,1% 304 27,4% 28 38,9% 417 29,0%

A dimensão de escuta e de interlocução será prejudicada pelo uso do computador

25 9,7% 53 4,8% 8 11,1% 86 6,0%

O uso do computador tornará o atendimento menos humanizado 37 14,4% 63 5,7% 8 11,1% 108 7,5%

O uso do computador no atendimento terá efeitos democratizantes 58 22,6% 378 34,0% 32 44,4% 468 32,5%

Total 257 100,0% 1111 100,0% 72 100,0% 1440 100%

Fonte: SSTI, 2005.

A partir dos dados acima, constata-se que os(as) participantes

vislumbram como fortes possibilidades o uso da Internet como ferramenta de

articulação entre os(as) assistentes sociais, a criação de sistemas de

informação para o trabalho do(a) assistente social e a maior presença da

tecnologia da informação na formação profissional. Nota-se, a partir dessas

indicações, a existência de uma postura de valorização do uso da TI,

acompanhada de uma vontade de incorporação deste recurso ao trabalho

profissional, buscando seguir uma direção próxima à defendida ao longo deste

trabalho.

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317

Considera-se válida a compreensão da TI como detentora de um

potencial estratégico para o Serviço Social, desde que sua incorporação não

seja realizada de maneira fetichizada, entendendo a tecnologia como solução

mágica para os problemas enfrentados pela profissão, o que poderia ocasionar

a simplificação ou o esvaziamento das competências profissionais. Evita-se,

portanto, uma incorporação da TI da forma como criticou Barreto (2005), “como

se sua simples presença garantisse a produção de mudanças qualitativas e,

até mesmo, uma espécie de revolução” (p.142). O que deve acontecer é um

processo de apropriação efetiva, subordinada a finalidades concebidas pela

categoria no sentido do fortalecimento profissional, com conseqüências

positivas para o aperfeiçoamento e a qualidade do trabalho, situado em um

contexto profissional bem determinado. Assim, não se defende a idéia simplista

de que tudo irá bem no Serviço Social desde que haja computadores nas

unidades de formação e intervenção profissional. Mais do que o mero acesso

dos(as) profissionais a computadores, é preciso pensar os modos e sentidos de

acesso a tal tecnologia.

Uma real incorporação da TI ao Serviço Social supõe que os(as)

profissionais deixem de ser meros(as) usuários(as) ou consumidores(as),

passando a formular e implementar propostas criativas e críticas que

demonstrem sua efetiva apropriação, adequada a suas demandas e

necessidades, e não imposta, podendo promover o enriquecimento tanto da

formação quanto do trabalho profissional.

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318

É preciso perceber as formas pelas quais a TI tem estado presente

no trabalho profissional. Perceber o seu potencial estratégico significa perceber

as possibilidades de seu uso para o fortalecimento do exercício profissional.

Mas ela também pode ser utilizada em sentido oposto, de forma reducionista,

tecnicista, burocratizada e fetichizada, impedindo que a concretização da

satisfação dos interesses dos usuários e usuárias por meio de seu uso. Neste

sentido, criar disciplinas como “Laboratório de Informática” ou “Informática

aplicada ao Serviço Social”, priorizando a parte técnica sem demonstrar as

conexões possíveis desta tecnologia com a construção de um projeto de

sociedade e um projeto profissional, esvazia a TI de seu potencial estratégico

para o trabalho. É preciso, neste sentido, enfatizar que esta deve ser utilizada

como um recurso a serviço do fortalecimento do exercício profissional

parametrado pelo projeto ético-político profissional.

Para não se correr o risco de ver a TI sendo utilizada tão-somente

como parte de um processo de “modernização conservadora”, em que a

existência de recursos comumente considerados “modernos” e sofisticados

seja utilizada para reforçar práticas antigas e tradicionais, o Serviço Social

precisa articular a construção de modalidades de uso TI no trabalho

profissional numa perspectiva crítica e democratizante. Não se trata,

evidentemente, de uma questão de vontade apenas, mas de um processo

histórico, marcado pela incidência de diversos fatores (alguns dos quais tentou-

se apresentar ao longo desse trabalho) que mediatizam a sua incorporação.

Page 319: Renato Veloso

319

A postura que pretende tomar o uso da TI de forma crítica

contrapõe-se, portanto, a qualquer “reverência” ou “encantamento” com o seu

uso, buscando-se, sim, um processo de apropriação, com envolvimento da

categoria profissional. Não se trata apenas de treinar ou capacitar os(as)

assistentes sociais, mas promover um processo de apropriação em que estes

sejam sujeitos ativos capazes de projetar e construir aplicações, como

observou Colmán (2004), e implementar o uso da TI como meio para satisfazer

seus interesses, necessidades e demandas.

Neste sentido, a categoria profissional, para promover uma real

apropriação da TI, deve ter as seguintes preocupações:

• capturar a TI, o que significa que deve haver uma apropriação

dessa tecnologia, que, se utilizada de forma adequada, pode

se constituir como um instrumento e um recurso de grande

importância para o nosso trabalho. Os(As) profissionais não

devem simplesmente se submeter e se adequar acriticamente

à forma hegemônica como a TI vem sendo utilizada em

diversos espaços sociais, com prioridade para interesses

privados e de mercado. Devem, antes, pensar formas

criativas e críticas que possam direcionar sua utilização pela

categoria.

• como decorrência do item anterior, não devemos permitir que

sejamos capturados pela TI, ou seja, deixar que a forma

hegemônica com que tal tecnologia vem sendo utilizada

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320

determine o uso que vamos fazer deste instrumento. A lógica

que deve permear seu uso não deve ser produtivista, que

enfatize processos geradores do aumento das taxas de mais-

valia, absoluta ou relativa. Deve-se compreender o seu

potencial para o trabalho profissional, tendo como horizonte a

satisfação das demandas e o estabelecimento de

modalidades de uso criativas e compatíveis com as

finalidades profissionais buscadas em nosso cotidiano

profissional.

Dizer, portanto, que o Serviço Social, antes de ser capturado pela TI,

precisa capturá-la, corresponde a dizer que ela deve ser apropriada, realmente

incorporada ao nosso trabalho, auxiliar a organização e sistematização do

trabalho realizado, possibilitar a formulação de propostas de intervenção

inovadoras e contribuir para a consolidação de um exercício profissional cada

vez mais competente, crítico e qualificado.

A qualificação profissional preocupada com a incorporação desse

recurso ao trabalho profissional deve ser encarada como uma necessidade,

expressa pelas demandas que são apresentadas ao Serviço Social, e não

apenas como um ato de vontade ou de investimento individual. Este

entendimento supõe a problematização de algumas questões importantes. A

primeira delas refere-se às mudanças sociais e culturais necessárias à

incorporação da TI e de suas aplicações, as quais podem tornar-se um

importante acessório para o desenvolvimento do exercício profissional. A

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321

incorporação da TI ao exercício profissional supõe, de fato o abandono de

alguns hábitos antigos, fortemente presentes nas(os) agentes profissionais, e a

substituição por outros, referentes a utilização de novos recursos. Trata-se de

uma mudança que, no entanto, não deve ser feita de uma hora para outra,

demandando um longo processo que, se bem conduzido pode trazer resultados

positivos, principalmente se os(as) profissionais puderem contar com recursos

como, além de vontade e investimento individual, condições de trabalho

adequadas e alternativas de formação e qualificação profissionais.

Outra consideração importante refere-se às experiências de

incorporação da TI que vêm sendo realizados pelos(as) assistentes sociais, as

quais não devem ser tomadas apenas como uma incorporação técnica,

instrumental ou uma "adaptação" às novas tecnologias, mas, antes, como

experiências de construção e condução de um projeto político, o qual pode

propiciar importantes contribuições para a profissão. Não se trata, portanto, de

promover a substituição de formas “antigas" de se trabalhar por formas mais

"modernas" e “eficientes”, ou de propor uma informatização generalizada e

desenfreada dos espaços profissionais como forma de melhoria do trabalho.

Trata-se de propor a apropriação da TI tendo em vista as reais possibilidades

existentes.

Se, de um lado, deve haver uma preocupação e resistência a uma

incorporação forçada e autoritária da TI ao nosso exercício profissional, por

outro lado, é necessário que estejamos abertos às possibilidades e

potencialidades que tal tecnologia traz, o que significa que “a resistência pela

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322

resistência” e o menosprezo em relação à TI não deveriam ser elementos

presentes em nossa profissão.

Como se viu, a TI é um recurso que ainda não foi efetivamente

incorporado ao trabalho profissional. Se o for adequadamente, pode constituir-

se como uma contribuição capaz de proporcionar subsídios para se

compreender e, talvez, superar algumas dificuldades presentes nos processos

de trabalho em que os(as) assistentes sociais estão inseridos(as). Sua

incorporação pelo Serviço Social deve se dar não pelo fascínio com as diversas

novas tecnologias disponíveis, mas sim por uma necessidade de

aprimoramento e qualificação do trabalho realizado pelos(as) profissionais.

Uma das formas possíveis de apropriação deste recurso é a construção e

utilização de sistemas de informação, que, ao articular-se com as demais

competências teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas,

poderiam auxiliar o(a) profissional nas diversas dimensões de seu trabalho,

como planejamento, sistematização, avaliação e pesquisa, potencializando a

implementação de práticas democráticas.

Pretendeu-se desenvolver uma compreensão acerca da TI tomando-

a a partir de algumas conexões possíveis com o Serviço Social, demonstrando

que seu uso, feito de maneira adequada, pode ser importante para a profissão.

Acredita-se estar oferecendo uma contribuição neste sentido, indicando alguns

aspectos gerais que expressem um modo possível de pensar essa articulação.

Trata-se de um esforço não só pela compreensão do papel da TI para o

Serviço Social, mas também pela divulgação de sua potencialidade, que vem

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323

tendo seu reconhecimento por parte de alguns(mas) profissionais que partilham

de uma percepção da importância que o tema tem para a profissão. Não se

teve por objetivo apresentar respostas definitivas para o complexo problema da

sua incorporação por parte do Serviço Social, mas sim, desenvolver um

conjunto de considerações que pudesse oferecer uma argumentação em

defesa dessa incorporação, demonstrando, ainda que timidamente, sua

potencialidade para o trabalho profissional.

Page 324: Renato Veloso

324

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