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Renda da Terra: chave para compreender a reprodução da dependência econômica por meio da produção do território. O caso do Brasil na América Latina. Renta de la tierra: clave para entender la reproducción de la dependencia económica a través de la producción del territorio. El caso de Brasil en América Latina. Coordenadora: Isadora de Andrade Guerreiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU- USP), doutoranda, [email protected]. Debatedor: Paulo César Xavier Pereira, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU- USP), professor assistente doutor, [email protected].

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RendadaTerra:chaveparacompreenderareproduçãodadependênciaeconômicapormeiodaproduçãodoterritório.OcasodoBrasilnaAméricaLatina.

Rentadelatierra:claveparaentenderlareproduccióndeladependenciaeconómicaatravésdelaproduccióndelterritorio.ElcasodeBrasilenAméricaLatina.

Coordenadora:IsadoradeAndradeGuerreiro,FaculdadedeArquiteturaeUrbanismodaUniversidadedeSãoPaulo(FAU-USP),doutoranda,[email protected].

Debatedor:PauloCésarXavierPereira,FaculdadedeArquiteturaeUrbanismodaUniversidadedeSãoPaulo(FAU-USP),professorassistentedoutor,[email protected].

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ASessãoLivreaquipropostapretendedialogarcoma temáticaquedánomeaoXVIIENANPUR,“Desenvolvimento, crise e resistência”, pormeio de categoria fundamental na análisemarxistasobre a acumulação e reprodução do capital no espaço, a renda da terra. Como adianta aapresentaçãodoEncontro,taldesenvolvimentosedeuporcontadeumaconjunturainternacionalfavorávelàAméricaLatinanaprimeiradécadade2000porcontadaexpansãodomercadochinêsesuanecessidadedecommodities,nossoprincipalprodutodeexportação.Destepontodevista,arendadaterraparececentralnamedidaemqueparticipadociclodascommodities(pormeiodoagronegócio)eaarticula comaexpansãodas fronteirasurbanas (pormeiodoProgramaMinhaCasaMinhaVida-PMCMV),produzindo“novasdinâmicasdeestruturaçãourbano-regional”.

Desta forma, neste período assistiu-se a uma grande intensificação e extensão do uso da terraurbanaerural,demaneiraformalouinformal.Paraalémdeidentificarofenômeno,éimportantelocalizá-lo dentro da especificidade do movimento do capital no país, o que significa,necessariamente, fazer as relações dele com o sistemamundial, no bojo da proposta temáticacentral do ENANPUR. Desta maneira, pretende-se escapar da perspectiva imediatista efragmentáriaqueseparaosfenômenosespaciaisdaqueleseconômicosepolíticos,bemcomoosindividualizaemrelaçãoaosseuscorrelatosemoutrasatividadesprodutivas,ouaindaosidentificacomocircunstanciais.

Tal ciclo de desenvolvimento foi acompanhado de perto por governos progressistas emmuitospaíses do continente latinoamericano, que alavancaram ganhos para a população e que agoraentram em crise à medida que o preço internacional dos produtos primários apresenta umatendência de queda. A partir desta perspectiva adotada pelo XVII ENANPUR, pretende-se aquifazerumaanálisecríticadosgovernosprogressistas,aoapontaroslimitesecontradiçõesportrásdo suposto desenvolvimento autônomo. Para tanto, adota-se a perspectiva metodológica daTeoriaMarxistadaDependência(TMD),nasobrasdeRuyMauroMarinieJaimeOsório,bemcomonasdeSérgioFerro.Taisautoresfazemumacríticaàperspectivadual,paraaqualoasestruturasarcaicasdopaísseriamumabarreiraasertranspostapelocapitalindustrialepeloEstadoparaquepudessehaverdesenvolvimento,ouseja,umaestruturaeconômicagenuinamentecapitalista.

Francisco de Oliveira também fez crítica similar, indicando certa funcionalidade dos aspectos“arcaicos” brasileiros para a expansão do capital no país. O principal deles seria a elevadaexploraçãodaforçadetrabalho,elementotambémcentralparaaTMD(queodenominará,maisprecisamente, de superexploração da força de trabalho, definida como o seu pagamento pordebaixodoseucustodereprodução).Porém,Oliveiranãochegaaidentificarafuncionalidadedomecanismodesuperexploraçãodopontodevistadadivisãointernacionaldotrabalho,âmbitoemque representa uma saída específica que frações do capital encontram para se contrapor atendência de transferência internacional de valor. Dessa forma, para a TMD, tal movimento écentralnaseconomiasdependentesnamedidaemqueseconfiguraumpapel,umafuncionalidadeespecífica,paraalgoqueseconformacomoum“padrãodereproduçãodocapital”,quesealterahistoricamente,masquepermaneceenquantoforma,mantendoadependência.

AhipótesequesepretendediscutircomoSessãoLivreéadequearendadaterracumprepapelcentralnarespostadopaísàsexigênciasdeacumulaçãodocapitalnomercadomundial,quesereestruturouapartirdadécadade1980pormeiodoneoliberalismoassociadoàpredominânciadareprodução fictícia e financeira de capital. A categoria de “padrão de reprodução do capital”,desenvolvidaporJaimeOsório(2012)apartirdaanálisedeRuyMauroMarininosanosde1970,éumdosprocedimentosparacaptarprocessosdavidasocialsobocapitalemumadadaunidadeespacialetemporal.Eleprocuraprecisarasmediaçõesentreosconceitosmaisabstratos,comoomodo de produção capitalista e o sistema mundial, e as expressões histórico-concretas nas

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formaçõessocioespaciaiseaconjuntura.As formasdeproduçãoecirculaçãodecapital,opapeldoEstadoedasfraçõesdecapitalportrásdospadrõesdereproduçãodocapitalapresentam-se,historicamente,sobcertasregularidades,aindaquesetransformemaolongodotempo.Assim,nocaso das formações socioespaciais dependentes latino-americanas, pode-se observarprimeiramenteumpadrãodaproduçãoprimário-exportadora(atéadécadade1930),umpadrãode reprodução industrializante (entre1930e finalde1970)e, apartirdemeadosdadécadade1980,umpadrãodereproduçãoexportadordeespecializaçãoprodutiva.

Talpadrão,segundoOsório,supõeofimdaindustrializaçãocomoumprojetodemaiorautonomia(relativa) econômica. Ele temgrande viés exportador e, portanto, os setoresmaisdinâmicosdonovopadrãoestãoatreladosaomercadoexterno.Alémdisso,tendearepousarsobreaproduçãoagrícola, mineral e de alguns bens industriais intensivos em mão de obra e favorecidos portratadoscomerciais,comoasatividadesquerepousamsobrevantagensnaturaisoucomparativas.NocasodoBrasil,mesmocomaascensãodoPTaogovernofederal inserindomedidaspontuaispró-mercado interno, manteve-se a política econômica em torno do superávit fiscal, câmbiovalorizado, juros elevados e restrição ao crédito para investimento produtivo-industrial. Assim,nesteatualpadrãodereproduçãoossetoresprodutivosquemaisapresentamumdinamismosãoaquelesvoltadosaomercadoexterno,comoaproduçãoagropecuáriaemineral.Oresultado,dopontodevistaeconômico,éumaprofundamentodadependência,principalmentenaconjunturapós-criseeconômicamundialequedadospreçosdosprodutosdeexportação.

Osmecanismos,adinâmica,osvaloreseresultadosespaciais,políticoseeconômicosdarendadaterra, nesta perspectiva, são relevantes por se tratar de importante rendimento do capitalproporcionadopelaeconomiadependentenaatualidade.Pretende-seconstruir,dopontodevistateórico,umdesenhodociclodarendadaterraqueconformaesteatualpadrãodereprodução:suaorigemnaextensãoeintensificaçãodousodeterraspeloagronegócio;suadinâmicaurbanainternaqueintensificaousodaterrapormeiodosmecanismosdarendadiferencialeoestendeporaquelesdarendaabsoluta;e,porfim,aremuneraçãodocapitalexternopelosetorimobiliário.Aleituraquesefazdaproduçãodoespaço,portanto,adotaumpontodevistasegundooqualelenão é expressão de determinado padrão de acumulação, nem suporte, mas o compõeinternamente,comoelementodocapitalpormeiodosmecanismosdarendadaterra.

ASessãoLivreaquiproposta,portanto,inicia-senaanálisedaexpansãodoagronegócionoúltimoperíodo, que transformou toda a dinâmica territorial do interior do país, em especial o centro-oeste,sejanasáreasdeproduçãoagropecuária,sejanosseusnúcleosurbanos.Ahipóteseéadeque,dentrodasespecificidadesdaseconomiasdependentes,arendadaterranãoimpõelimitesàreproduçãodocapital.Principalmenteporqueocomandodesetorespeloscapitaisinternacionaisnaeconomiabrasileiraocorrenestepadrãodeformamaisgeneralizada.Assim,observa-sequeageneralização da superexploração da força de trabalho no setor primário-exportadorcorrespondeuaumaindustrializaçãodaagricultura.Destamaneira,háumadinâmicaparticulardaeconomia dependente no que concerne à renda da terra que articula a entrada de capitalinternacionalpormeiodaexploraçãodoterritórionacional,comacontrapartequeéapropriadanacionalmentenãocomacirculaçãoourealizaçãodestasmercadorias(quesãoexportadas),mascomarendadaterrapelosproprietáriosfundiáriosecomosimpostospeloEstado.

Já no domínio urbano, dois fenômenos são relevantes: os ganhos diferenciais ocasionados pelavigência da autoconstrução; e os ganhos absolutos proporcionados pela reinversão estatal noPMCMV.No primeiro, observa-se uma tendência (em termos relativos) à elevação do preço daterra urbana dotada de infraestrutura, causada pela apropriação das rendas diferenciais pelos

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proprietários fundiários como forma de viabilização do lucro extraordinário que não pode serreinvestidoprodutivamente,porcontadaestreitezadomercadointerno.

Jánosegundocaso,procura-seanalisarofenômenodaincorporaçãorecentedenovas(epiores)terras ao mercado imobiliário, produzindo expansão da malha urbana brasileira de maneiraextensiva e pouco qualificada por meio do PMCMV. A hipótese é a de que os ganhosproporcionadospelaaltadascommoditiesseconverteram,pormeiodoEstado,nummecanismode formação de preços que articula a indução de transformações na estrutura produtiva daindústria da construção civil com a periferização – elementos presentes na Sessão Temática“Produção e Gestão do Espaço Urbano, Metropolitano e Regional”. Reafirmando a estruturacontraditóriadaeconomiadependente, a industrializaçãoda construção civil sedápormeio dasegregação espacial viabilizada pelo Estado – um indicativo de que o chamado lulismocorrespondeàformadependente.

Destamaneira,pretende-searticularosdiversosmomentosdeproduçãodoterritórioemtermosde apropriação da renda da terra no atual padrão de reprodução do capital no país, com afinalidade de jogar luz às contradições que tornam possível – e funcional – um tipo dedesenvolvimentoqueaprofundaosubdesenvolvimentoequedásentidoàatualcrisequevivemos,bemcomoiluminaasaçõesparaaresistência.

Determinaçõesdarendadaterranaagriculturadependente

EvaldoGomesJúnior

Essaapresentaçãopropõediscutiras formasdeapropriaçãoda rendada terranos setoresmaisdinâmicos da economia brasileira no atual padrão de reprodução do capital. Tais setores(agropecuária,agroindústriaemineração),extremamentevoltadosaosmercadosexternos,sãoasbasesatuaisdageraçãodevalornaAméricaLatina.Apartirdisto,oobjetivoédiscutirasformasem que a renda da terra se manifesta nestes setores atualmente e as consequências daapropriação da renda na dinâmica das frações de capital. Neste sentido, primeiramentecaracterizaremosaquelessetoresnoatualpadrãodereproduçãodocapitallatino-americano.Emseguidaseráfeitoumbrevediálogocomautoreslatino-americanosquediscutemarendadaterranaatualidade.Assim,adiscussãocentralsobreamanifestaçãodarendadaterranestessetores,feitaemseguida,permitiráa compreensãodasdinâmicasentreos capitaisnacionaiseexternosemtornodesuaapropriação.Àguisadeconclusão,essaapresentaçãodefenderáa tesedequeesta renda não impedirá a apropriação de parte do excedente aqui gerado pelo capitalestrangeiro. Tão somente se insere nas novas condições de divisão deste excedente entre oscapitais nacionais e externos.Desta forma, a apropriaçãode rendada terrano atual padrãodereproduçãodocapitalconformaosmecanismosatuaisdeperpetuaçãodadependência.

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Renda da Terra e Teoria Marxista da Dependência –IncompatibilidadenaAparênciaounaEssência?

RodrigoEmmanuelSantanaBorges

Oobjetivodestaapresentaçãoéenfrentaracríticade incompatibilidadeentreacentralidadedarendadaterraemeconomiasdependenteseateoriamarxistadadependência(TMD),desdeseusfundamentos, com o trabalho de RuyMauroMarini, a seu desenvolvimento, ainda parcial, emdireçãoaumateoriadeníveldeabstração intermediáriodospadrõesdereproduçãodocapital.Emumnívelmaisteóricoeabstrato,buscamosarticularmelhoraincorporaçãodarendadaterraàarticulaçãoconcretadasnaçõesnomercadomundial, incluídasasanálisesdastrocastotaisedadinâmica de longo prazo. Concorda-se com a relevância do tema da renda da terra paracompreender o desenrolar de padrões de reprodução de formações sociais dependentes, masindica-seacompatibilidadedaanálisecomosfundamentosdaTMD,sugerindo-seatéavançosnaatualizaçãodatipologiadadependênciaapartirdapreponderânciaderecepçãoderendadaterraem determinadas regiões. Do ponto de vista mais concreto, é feita uma revisão metodológicacrítica das formas de mensuração do volume e apropriação de renda da terra realizadas emtrabalhoscomoosdeGrinberg,paraoBrasil,JuanIñigoCarrera,paraArgentina,eJuanKornblihtt.

Ciclo do capital nas economias dependentes e renda da terradiferencialnasatividadesdeconstrução-imobiliárias

PietroCaldeiriniAruto,VitorHugoTonin

O objetivo dessa apresentação é discutir teoricamente a relação entre as condições gerais deacumulação e de realização domais-valor e a conversão de parte dele em renda da terra nasformações socioespaciais dependentes. O foco da discussão, nessemomento, é dirigido para arenda diferencial. Procura-se, primeiramente, expor a análise feita por Marx sobre a renda daterra,enquantoumaramificaçãodomais-valorcomolucroextraordinário.Emseguida,analisa-seasespecificidadesdociclodocapitalnaseconomiasdependentesecomoqueasuperexploraçãoda força de trabalho e a transferência internacional de valor ensejam contradições próprias nomomentoderealizaçãodaprodução. Porumlado,asuperexploração,aocondicionarociclodocapital da economia dependente, estreita e cinge o mercado interno e amplia o lucroextraordinárionaesferadacirculação,poroutro,oscapitaisacumuladosencontramdificuldadespara se reinverterem produtivamente sem comprometer a taxa de lucro. Assim, a partir domomentoemqueamoradiadotadade infraestruturaprópriadacidadecapitalistanãoconstituiumamercadoria que entra no consumoda classe trabalhadora comoum todo, os proprietáriosfundiários de áreas dotadas de infraestrutura e equipamentos de consumo coletivo estãohabilitados a extrair uma maior renda da terra. Nesse processo, um dos mecanismos desuperexploração da força de trabalho é fundamental, qual seja, a conversão do fundo dostrabalhadoresemfundosdocapital.

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O Lulismo como gestão da dependência: a dinâmica da Renda daTerraAbsolutanoProgramaMinhaCasaMinhaVida

IsadoradeAndradeGuerreiro

Ahipótesequeapresentamosprocuradefinirochamado“lulismo”comoa formaespecíficaqueadquiriuadependêncianoúltimoperíodonoBrasil:umanecessáriaatualizaçãodabaseprodutivanacionalparadarrespostaàatualpredominânciadocapitalfinanceiromundialmente.Paratanto,recorreu à intensificação da renda da terra, na sua face rural e urbana. Combina (de maneiraparalela e combinada à superexploração da força de trabalho) a extensão do uso da terra (pormeiodaincorporaçãodenovasterrasaoprocessoprodutivoruraleurbano)esuaintensificação(aumentandosuaprodutividadepormecanismosqueavançamaextraçãodemais-valiarelativa).OEstadogeridopelolulismocolocaemandamentoestasmudanças,nasquaisoProgramaMinhaCasaMinhaVidatempapelcentral.Éelequevaiarticularaentradadenovasterrasnomercado,utilizandoparaissomecanismosdeinduçãodatransformaçãodaestruturaprodutivadehabitaçãopopularerecursoafundoperdidoparacompradeterras.OEstadoformaopreçodamercadoriahabitaçãoatravésdomecanismodorepasse,aodefinirdemaneirapré-fixadaovalordaunidadehabitacional e, conjuntamente, dá preço às terras antes fora do mercado ao definir suarentabilidade específica. Observa-se que não apenas a renda da terra tem posição central naatualidadedadependência,masquepodemospensarumaformaespecíficadefuncionamentoefuncionalidade da renda absoluta para os países dependentes, adquirindo importância que nãotemnospaísescentrais.