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Fabiana Tsukamoto RA: 440425/1
REPARAÇÃO CIVIL DO DANO ESTÉTICO NAS
CIRURGIAS PLÁSTICAS
São Paulo 2004
2
UniFMU Centro Universitário
Fabiana Tsukamoto
REPARAÇÃO CIVIL DO DANO ESTÉTICO NAS
CIRURGIAS PLÁSTICAS
Monografia apresentada à banca examinadora do UniFMU como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharela em direito, sob a orientação do Prof. Fernando Borges Vieira
São Paulo 2004
3
Autora:
Fabiana Tsukamoto
Título:
Reparação Civil do Dano Estético nas Cirurgias Plásticas
Banca Examinadora:
______________________________________
______________________________________
______________________________________ Professor Fernando Borges Vieira
Orientador
UniFMU Centro Universitário
São Paulo
2004
4
Agradeço a Deus pela longa
caminhada até aqui, pois sem Ele
nada seria possível; a meus pais e
meu irmão, responsáveis pela
formação do meu caráter, por todo
amor, compreensão e paciência nos
momentos mais difíceis; ao querido
Professor Fernando Borges Vieira,
que desde o início esteve presente
com seus preciosos ensinamentos,
não apenas jurídicos; aos
profissionais, e também amigos, do
escritório Iezzi, Medeiros, Zynger &
Advogados Associados, que
constantemente contribuem para a
minha formação ética e profissional; a
todos os amigos que conquistei
nestes anos de vida acadêmica.
5
RESUMO
Trata da responsabilidade civil do médico, na qualidade de profissional liberal, que
será apurada mediante verificação da culpa. O enfoque respeita à discussão
existente quanto à aplicação da teoria da responsabilidade civil subjetiva na hipótese
de dano estético decorrente de cirurgia plástica, tendo em vista a controvérsia
acerca do seu enquadramento como um contrato de meio ou de resultado. Assim,
este estudo, o qual pautou-se na doutrina e na legislação existente no país, bem
como nas atuais decisões jurisprudenciais acerca do assunto, objetiva a análise de
tais questões controvertidas, para que então se possa passar ao exame das
consequências desta classificação, no que diz respeito à responsabilização civil do
médico que se dedica à atividade de cirurgia plástica, caso venha a ocorrer o dano
estético.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil; Dano moral; Dano estético; Cirurgia
plástica; obrigação de meio ou de resultado; Indenização.
6
Sumário
INTRODUÇÃO........................................................................................... ............................. 7
CAPÍTULO I - Responsabilidade Civil ................................................................................. 9
I.1 Noções Gerais.................................................................................................................... 9
I.2 Pressupostos da responsabilidade civil............................................................................ 11
I.3 Reparação Civil................................................................................................................. 13
CAPÍTULO II – Dano Moral ................................................................................................. 16
II.1 Conceito de dano moral................................................................................................... 16
II.2 Dano moral no Direito estrangeiro................................................................................... 18
II.3 Indenização do dano moral no Brasil............................................................................... 19
II.4 O dano moral e sua reparação ....................................................................................... 22
CAPÍTULO III – Dano Estético ............................................................................................ 25
III.1 Conceito de dano estético.............................................................................................. 25
III.2 Elementos....................................................................................................................... 27
III.3 Dano estético no Direito estrangeiro............................................................................... 29
III.4 Dano estético causado por médicos............................................................................... 31
CAPÍTULO IV – Responsabilidade Civil do Médico.......................................................... 33
CAPÍTULO V – Considerações sobre Cirurgia Plástica................................................... 40
V.1 Aspectos Gerais............................................................................................................... 40
V.2 A cirurgia plástica estética e reparadora......................................................................... 42
CAPÍTULO VI – Responsabilidade Civil do Médico na Cirurgia Plástica
Estética e Reparadora......................................................................................................... 45
VI.1 A cirurgia plástica como obrigação de resultado............................................................ 45
VI.2 A cirurgia plástica como obrigação de meio................................................................... 47
VI. 3 A cirurgia plástica e o Código de Ética Médica............................................................. 51
VI.4 Entendimento jurisprudencial......................................................................................... 55
CAPÍTULO VII – Indenização: Cumulação do Dano Estético e Moral............................. 57
CAPÍTULO VIII - A Responsabilidade do Médico e o Código de Defesa
Do Consumidor.................................................................................................................... 62
ANEXO - JURISPRUDÊNCIA........................................................ ....................................... 68
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 74
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 77
7
INTRODUÇÃO
Dano à pessoa
Para adentrarmos ao tema da reparação civil do dano estético decorrente de
cirurgias plásticas, inicialmente faz-se necessária referência a algumas das garantias
constitucionais elevadas a tal categoria pelo ordenamento jurídico pátrio, as quais
são de suma importância na compreensão acerca do tema da proteção do ser
humano em todos os seus aspectos.
O Direito, mais do que nunca, tem buscado assegurar os direitos humanos
de maneira efetiva, inclusive no tocante aos direitos da personalidade, como direitos
sobre a própria pessoa e suas emanações.
A Constituição Federal, em seu artigo 5o, inciso X, preceitua que “são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização, pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação”.
Vale dizer, uma das dimensões da personalidade humana é a aparência
externa de cada um, sendo que é por meio desta imagem que o indivíduo surgirá
perante os demais. A aparência externa pode ser tomada sobre diversos aspectos,
quais sejam: o intelectual, o profissional, o social, o físico, o emocional, entre outros.
Assim, todos esses aspectos ou elementos formam um todo, sendo cada um deles
essencial à caracterização do indivíduo. Portanto, uma vez atingido um desses
aspectos por um evento danoso, restará caracterizado um desequilíbrio na
integridade da personalidade individual.
8
Ora, se a aparência tem como objetivo tornar cada um dos seres humanos
único e inconfundível, sendo uma das dimensões da pessoa humana, resta
claramente demonstrada a necessidade de efetiva proteção à aparência externa, por
meio da obrigação da reparação do dano estético.
Esta importância da forma estética para o indivíduo tem se acentuado cada
vez mais, tendo em vista que a sociedade moderna praticamente impõe a obrigação
de ter uma “boa aparência”, sob pena de exclusão social do indivíduo que não se
enquadre nos padrões. A partir de um dano à integridade física, a vítima sofre
rejeição no meio social, passando por grandes constrangimentos e humilhações.
Desta forma, o dano estético é dano moral, que deve ser reparado da forma mais
justa e completa possível, vez que ofende vários bens jurídicos tutelados.
Atualmente, tendo em vista a referida “exigência” da sociedade quanto à
aparência, muitas pessoas buscam melhorar seu aspecto exterior, o que faz com
que a cada dia aumente consideravelmente o número de cirurgias plásticas, na
busca incessante pela “beleza”. Ocorre que, em muitos casos, o indivíduo que
procura ajuda profissional para aperfeiçoar sua forma externa acaba por sofrer
terríveis danos estéticos.
Veremos neste estudo alguns conceitos importantes à compreensão da
caracterização do dano indenizável, ou seja, a responsabilidade civil do responsável
pela lesão, a fixação do respectivo quantum e, mais adiante, daremos enfoque ao
dano estético oriundo de cirurgias plásticas estéticas e reparadoras.
9
CAPÍTULO I
RESPONSABILIDADE CIVIL
I.1 – NOÇÕES GERAIS
A Lei n. 3.071, de 1o de janeiro de 1916 (Código Civil revogado), tratava
acerca da responsabilidade civil em seu artigo 159, ora transcrito:
Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência,
ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica
obrigado a reparar o dano.
A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se
pelo disposto neste Código, arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553.
A Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil vigente), trouxe nova
redação ao dispositivo supra transcrito, acrescentando a reparação do dano moral
de forma expressa:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.
O artigo 927 do novo Código Civil, por sua vez, trata da obrigação de
reparação do dano causado por ato ilícito:
10
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo.
A responsabilidade civil nada mais é do que a obrigação de indenizar
daquele que causou dano a outrem. Por outras palavras, o dever de indenizar surge
quando o dano resulta de atuação do agente, voluntária ou não. Assim, se o dano
resultar de intenção do agente em causar prejuízo a alguém, haverá dolo. Por outro
lado, se não houver esta intenção, mas o dano veio a ocorrer por imprudência ou
negligência do agente, haverá culpa.
Conforme bem anota o eminente doutrinador Carlos Roberto Gonçalves1, o
ordenamento civil brasileiro prevê a obrigação de indenizar pelos danos causados
em decorrência de culpa no sentido lato sensu, “que abrange o dolo (pleno
conhecimento do mal e perfeita intenção de o praticar)”, e de culpa no sentido stricto
sensu ou aquiliana (violação de um dever que o agente podia conhecer e observar,
segundo os padrões de comportamento médio).
Ainda de acordo com os ensinamento de Carlos Roberto Gonçalves, a
legislação civil não excluiu a culpa na modalidade “imperícia”, vez que o termo
“negligência” é amplo e abrange aquela modalidade.
Para finalizar este tópico, cumpre apresentar as duas classificações mais
relevantes da responsabilidade civil, quais sejam: subjetiva e objetiva; contratual e
extracontratual;
No que tange à responsabilidade civil subjetiva, a culpa será o fundamento
da obrigação de reparar o dano. Vale dizer, para que haja a responsabilização do
1. Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade Civil, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 9.
11
agente, imprescindível se fará a prova de sua culpa - abrangendo-se, aqui, também
o dolo.
Ocorre que, em determinadas situações, nosso ordenamento jurídico não
exige a prova da culpa para caracterizar a obrigação de indenizar. Aqui, trata-se da
responsabilidade civil objetiva, a qual se caracteriza apenas pela demonstração do
dano e do nexo causal do ato praticado pelo agente.
A responsabilidade pode ser, ainda, contratual ou extracontratual.
Obviamente, a primeira se observa quando o prejuízo causado advém do
descumprimento de uma obrigação prevista contratualmente; por outro lado, quando
a responsabilidade não advém de um contrato, é extracontratual.
Abordaremos a responsabilidade civil de maneira mais aprofundada no
decorrer deste estudo.
I.2 - PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A doutrina costuma apontar três elementos básicos necessários à
configuração da responsabilidade civil. O primeiro elemento, nas palavras de
Washington de Barros Monteiro, é que “o fato lesivo seja voluntário ou imputável ao
agente por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência”2.
Em outras palavras, cumpre analisar se o ato praticado pelo agente (ação ou
omissão) configura uma das hipóteses caracterizadoras de dolo ou culpa. O dolo
nada mais é do que a vontade, a intenção de cometer o ato lesivo. A culpa, como já
2. Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil, São Paulo, 1999, p. 284.
12
visto anteriormente, pode apresentar-se em três modalidades, quais sejam,
negligência, imprudência e imperícia. Para obtenção da reparação civil do dano,
caberá à vítima, em primeiro lugar, comprovar o ato doloso ou culposo, salvo nas
hipóteses restritas de responsabilidade objetiva.
A culpa do agente pode, ainda, ser considerada segundo a sua extensão.
Assim, temos a figura da chamada “culpa grave”, que se aproxima do dolo, a “culpa
leve”, que á falta que poderia ter sido evitada se o agente tivesse agido com atenção
ordinária, e a “culpa levíssima”, que é aquela que poderia ter sido evitada pelo
agente caso este tivesse agido com atenção extraordinária. Em qualquer dessas
extensões a culpa será causa de responsabilização civil.
O segundo pressuposto da responsabilidade civil é a ocorrência de um
dano. Sem dano, não há que se falar em responsabilidade. Aqui, cabe ressaltar que
o novo Código Civil, a fim de não dar margem a quaisquer discussões, previu
expressamente a possibilidade do dano ser exclusivamente moral. Isto porque,
antes da entrada em vigor do referido diploma legal, alguns autores, como por
exemplo, Washington de Barros Monteiro, apontavam como pressuposto da
responsabilidade civil a ocorrência de um dano patrimonial. Para eles, o dano moral
apenas seria ressarcível na hipótese de produzir reflexos de ordem econômica.
O último elemento a ser observado é o nexo de causalidade entre a atuação
do agente e a ocorrência do dano. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves, este
pressuposto nada mais é do que “a relação de causa e efeito entre a ação ou
omissão do agente e o dano verificado. (...). Se houve o dano mas sua causa não
13
está relacionada com o comportamento do agente, inexiste a relação de causalidade
e também a obrigação de indenizar” 3.
Não devemos esquecer que há as excludentes de responsabilidade civil, as
quais isentarão o agente da obrigação de indenizar, mesmo que presentes os
pressupostos anteriormente apontados. Seria, por exemplo, a hipótese de estado de
necessidade (artigo 160, II, Código Civil de 1916, correspondente ao artigo 188, II,
Código Civil de 2002), sendo que, em algumas circunstâncias, não desaparecerá o
dever de indenizar (artigos 1519 e 1520 do Código Civil de 1916, correspondentes
aos artigos 929 e 930 do Código Civil de 2002). Em se tratando das hipóteses de
legítima defesa e de exercício regular de um direito, não poderá o agente ser
responsabilizado civilmente pelos danos provocados. Também constitui causa de
excludente de responsabilidade civil a hipótese de culpa exclusiva da vítima.
I.3 – REPARAÇÃO CIVIL
Conforme já mencionado anteriormente, a responsabilidade civil, desde que
preenchidos seus pressupostos, impõe ao agente a obrigação de reparar o dano
causado.
No que tange à reparação do dano, o ideal é que esta possa ser feita in
natura. Vale dizer, em sendo possível, a reparação do dano deverá proporcionar ao
prejudicado o retorno ao estado anterior ao fato lesivo. Seria a hipótese, por
exemplo, de um abalroamento causado pelo agente. Se o ofensor leva o automóvel
3. Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade Civil, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 27
14
do prejudicado à oficina e o devolve no estado em que se encontrava anteriormente
ao acidente, a reparação terá sido feita in natura.
Em se tratando de dano patrimonial, o ressarcimento, em toda sua extensão,
deve abranger o dano emergente e o lucro cessante, ou seja, aquilo que
efetivamente se perdeu e aquilo que se deixou de lucrar. Em outras palavras, o
restabelecimento do patrimônio do prejudicado será feito por meio uma indenização.
Ocorre que, “segundo entendimento generalizado na doutrina, e de resto
consagrado nas legislações, é possível distinguir, no âmbito dos danos, a categoria
dos danos patrimoniais, de um lado, dos danos extrapatrimoniais, ou morais, de
outro; respectivamente, o verdadeiro e próprio prejuízo econômico, o sofrimento
psíquico ou moral, as dores, as angústias e as frustrações infligidas ao ofendido”4.
Assim, muitas foram as críticas à reparação civil do dano exclusivamente
moral, vez que se estaria atribuindo um valor monetário à dor, ao sentimento pessoal
da vítima, o que seria, para alguns autores, algo imoral. Porém, tendo em vista o
entendimento jurisprudencial, o novo Código Civil e até mesmo a Constituição
Federal de 1988, a indenização pelo dano moral se presta a compensar a vítima,
mesmo que de maneira pequena, pelos transtornos ou angústias que lhe foram
causadas. Conforme mencionado, a Constituição Federal, em virtude do disposto
pelo artigo 5o, inciso X, prevê que qualquer tipo de lesão proveniente de danos
extrapatrimoniais poderá ser objeto de indenização.
Com efeito, segundo os notáveis ensinamentos de Antonio Jeová Santos,
“embora nem todo dano cause prejuízo na órbita patrimonial, o ressarcimento ocorre
4. Yussef Said Cahali, Dano Moral, São Paulo: Saraiva, 1998, p.19.
15
em pecúnia. Bem por isso, Eduardo Zannoni (El Daño en la Responsabilidad Civil, p.
22) expõe de forma clara que ‘existem danos cujo conteúdo não é dinheiro, nem
uma coisa comercialmente reduzível a dinheiro, senão a dor, o espanto, a emoção, a
afronta, a aflição física ou moral e, em geral, uma sensação dolorosa experimentada
pelas pessoas atribuindo à palavra dor seu mais extenso significado. Estamos no
umbral do dano moral, que, apesar de ser traduzido em ressarcimento pecuniário,
não afeta valores econômicos’ “5.
Portanto, o dano meramente moral é também dano indenizável, sendo que a
fixação do quantum será feita pelo juiz. Não nos aprofundaremos sobre o assunto
neste momento, tendo em vista que mais adiante trataremos especificamente do
dano moral e da apuração do valor da indenização.
5. Antonio Jeová Santos, Dano Moral Indenizável, São Paulo: Método, 2001, p. 76.
16
CAPÍTULO II
DANO MORAL
II.1 – CONCEITO DE DANO MORAL
Uma das melhores definições de dano moral, ao nosso ver, se encontra nas
palavras de Dalmartello, citado por Yussef Said Cahali, ao dizer que seria “mais
razoável caracterizar o dano moral pelos seus próprios elementos; portanto, como a
privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem
e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade
individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos” 6.
Antonio Jeová Santos, em sua excelente obra, nos ensina que, “enquanto no
dano patrimonial o ofendido experimenta um prejuízo que é apreciado de forma
pecuniária, aparecendo em seu bolso o menoscabo, o dano moral também acarreta
um prejuízo. Porém, é valorado sob ótica não pecuniária, porque o dano moral
resulta da lesão de um interesse espiritual que está relacionado com a
intangibilidade da pessoa humana. O que configura o dano moral é aquela alteração
no bem-estar psicofísico do indivíduo. Se do ato de outra pessoa resultar alteração
desfavorável, aquela dor profunda que causa modificações no estado anímico, aí
está o início do dano moral” 7.
Ainda de acordo com o mencionado autor, com fundamento na obra de
Ramon Daniel Pizzaro (Daño moral, Ed. Hammorabi, Buenos Aires, 1996, p.47 a
6. Yussef Said Cahali, Dano Moral, São Paulo: Saraiva, 1998, p. 20.
7. Antonio Jeová dos Santos, Dano Moral Indenizável, São Paulo: Método, 2001, p. 100.
17
50), o dano moral não é o simples dano afetivo, que afeta os sentimentos; o dano
moral causa projeções para outras áreas da personalidade.
Como bem anota o renomado doutrinador Rui Stoco, o dano moral pode ser
direto ou indireto. Assim, “o dano moral é direto quando lesiona um interesse
tendente à satisfação ou gozo de um bem jurídico não patrimonial. (...). Será indireto
se a lesão a um interesse tendente à satisfação ou gozo de bens jurídicos
patrimoniais produz, além disso, o menoscabo a um bem não patrimonial”8. Isto
porque há lesões que acarretam, a um só tempo, tanto danos morais quanto
patrimoniais.
A doutrina costuma dividir, ainda, o dano moral em objetivo, subjetivo e à
imagem social. Quanto ao primeiro, podemos defini-lo como sendo aquele que se
constitui em uma ofensa a algum dos direitos da personalidade, abrangendo,
também, o aspecto público e os direitos de família. Os direitos da personalidade
seriam o direito à integridade física, à honra, à intimidade, à imagem, à dignidade,
entre outros. O aspecto público representa a defesa de direitos como o direito à vida,
ao trabalho, à liberdade. Segundo Carlos Alberto Bittar, quando ofendido qualquer
um dos direitos mencionados, decorre o direito à reparação, tendo em vista que, na
hipótese, o dano moral é presumido.
De fato, em sua conceituada obra, Teresa Ancona Lopez exemplifica a
hipótese apontada no parágrafo anterior, apontando que “não é preciso provar, por
exemplo, que ficar sem um braço, ter as pernas amputadas ou ficar com o rosto
cheio de cicatrizes causa grandes sofrimentos e humilhações. O mesmo se diga de
alguém contaminado por AIDS em transfusão de sangue. É dano à saúde, mas
8. Rui Stoco, Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial, São Paulo: RT, 1999, pp. 674 e 675.
18
também acarreta enormes sofrimentos, que não precisam ser provados, existem de
forma notória e se inserem dentro do dano moral aos direitos da personalidade” 9.
Já o chamado dano moral subjetivo constitui-se naquele em que a pessoa é
atingida pela ofensa em seus valores íntimos. Grande parte da doutrina, como
Teresa Ancona Lopez, acompanhando a opinião de G. Viney, inclui aqui o prejuízo
de afeição (préjudice d’affection) e o prejuízo pelos prazeres da vida, incluindo o
prazer sexual (préjudice d’agément).
O dano moral à imagem social seria o chamado dano estético, que será
abordado mais adiante, em capítulo autônomo.
II.2 – DANO MORAL NO DIREITO ESTRANGEIRO
A reparação do dano moral vem sendo consagrada pela maioria dos países
contemporâneos. A doutrina em geral costuma dividir os sistemas jurídicos em
quatro grandes grupos, levando em consideração a amplitude que as legislações
conferem ao tema da reparação do dano moral.
Assim, os sistemas jurídicos são divididos da seguinte maneira: no primeiro
grupo estão as legislações em que o princípio da reparação dos danos está
consagrado de maneira ampla e geral, do qual fazem parte países como a França
(artigo 1.382 do Código Civil francês), a Suíça (artigos 47 e 49 do Código das
Obrigações de 1911), a Bélgica, o Uruguai, o México, a Espanha e o Brasil; no
segundo grupo estão inseridos os sistemas jurídicos em que a indenização dos
9. Teresa Ancona Lopez, O dano estético – responsabilidade civil, São Paulo: RT, 1999, p. 24.
19
danos morais é conferida apenas a certos casos previstos taxativamente em lei, do
qual fazem parte a Alemanha e a Itália; no terceiro grupo estão os sistemas jurídicos
da Inglaterra e dos Estados Unidos (direito anglo-americano), os quais reconhecem
amplamente a reparação do dano moral; no quarto grupo estão países como a
Rússia e a Hungria, nos quais o sistema jurídico praticamente ignora o princípio da
reparabilidade do dano moral.
No que se refere ao sistema jurídico português, que não está inserido em
nenhum dos grupos supra apontados, o princípio da reparação dos danos morais foi
consagrado pelo Código Civil de 1967, mais especificamente no artigo 496, que trata
dos danos não patrimoniais. O mesmo pode ser dito do sistema jurídico argentino,
cuja interpretação conduz à plena admissibilidade da reparação do dano moral.
Por fim, apontamos os artigos 165 e 169 do Código das Obrigações da
Polônia de 1934, que acolhe expressamente o princípio da reparabilidade do dano
moral.
II.3 – INDENIZAÇÃO DO DANO MORAL NO BRASIL
A doutrina e a jurisprudência do país, há cerca de duas décadas atrás, eram
controvertidas quanto à reparação do dano moral. Alguns autores entendiam que,
apesar de existirem efetivamente danos morais, os quais consistem em simples
sofrimento físico ou moral ao ofendido, nestes casos não haveria necessidade de
satisfação em pecúnia. Seriam, por exemplo, as hipóteses de agressão que
resultasse em ferimento leve, sem qualquer comprometimento para as atividades
normais e para o trabalho, ou de ataque à honra do ofendido.
20
Na jurisprudência havia tanto decisões favoráveis à reparação pecuniária do
dano moral puro, quanto decisões que não reconheciam sequer a existência de tal
dano. Porém, a tendência na jurisprudência já era a de admitir o ressarcimento do
dano moral, mesmo que dominante a idéia de que, para isso, seria necessário haver
reflexos deste dano no campo patrimonial do ofendido.
Isto porque o Código Civil de 1916 sequer fazia menção ao dano moral, o
que acabava por criar divergências doutrinárias quanto ao acolhimento da teoria da
reparação do dano moral pelo legislador brasileiro. O novo Código Civil, em seu
artigo 186, prevê expressamente a figura do dano meramente moral e sua
ressarcibilidade, apesar de não estabelecer parâmetros no tocante ao quantum
indenizatório.
O Código Civil revogado, apesar de silenciar acerca da reparação do dano
moral, se referia ao tema em diversas ocasiões, tais como nos artigos 1.537 (dano
moral decorrente de homicídio), 1.538 (dano estético), 1.543 (o esbulhador que não
puder devolver o bem esbulhado fica obrigado ao pagamento do valor do bem e
mais o valor de afeição), 1.547 (nas hipóteses de calúnia e injúria, a vítima terá
direito a receber um valor do agressor, mesmo que não provado o dano material),
1.548 (mulher que sofre ofensa à honra), 1.549 (violência sexual) e 1.550 (ofensa à
liberdade pessoal). Ademais, como já explicitado anteriormente, a Constituição
Federal de 1988 consagrou a indenização do dano moral, em seu artigo 5o, incisos V
(“é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização
por dano material, moral ou à imagem”) e X (“são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo
dano material ou moral decorrente de sua violação”).
21
Assim, hoje não resta qualquer dúvida na jurisprudência quanto à
reparabilidade do dano moral. Nesta esteira de pensamento, o Superior Tribunal de
Justiça (STJ) veio a editar a Súmula nº 37, a qual dispões que “são cumuláveis as
indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.
Outrossim, cabe ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor traz como
direito básico do consumidor “a efetiva prevenção e reparação dos danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos” (artigo 6o), sendo que tal
assunto será abordado em capítulo próprio.
O ilustre Yussef Said Cahali nos ensina que, “em realidade, os casos
enunciados nos textos legais, indicados na doutrina ou examinados na
jurisprudência, resolvem-se, em substância, na proteção dos chamados Direitos da
Personalidade, eis que de sua violação resulta o dano moral reparável. Por essa
razão, os autores tendem a classificar os danos morais segundo a espécie do Direito
da Personalidade agravado”10.
O mesmo autor ressalta que, embora a doutrina costume atrelar a
reparabilidade do dano moral ao direito da personalidade correspondente, não há
que se falar em previsão taxativa dos possíveis danos morais, além de ser bastante
difícil buscar uma classificação dos referidos danos. Isto porque os direitos inerentes
à pessoa são interdependentes, formando uma estrutura unitária e, portanto, não
admitindo esta fragmentação sugerida pelos doutrinadores. Assim, nas palavras de
Yussef Said Cahali, “a experiência histórica nos mostra que os direitos da pessoa
10. Yussef Said Cahali, Dano Moral, São Paulo: Saraiva, 1998, p. 56.
22
são interdependentes e se acham conexos entre si, na medida em que contam com
um único fundamento, como é o valor ontológico da pessoa humana”11.
II.4 – O DANO MORAL E SUA REPARAÇÃO
A reparação do dano moral envolve uma discussão de difícil solução: a
quantificação da indenização por dano moral. Isto porque os juristas estão
habituados a quantificar a indenização por danos materiais, a qual resulta da
constatação do valor necessário para recompor o patrimônio do ofendido.
Obviamente, em se tratando da reparação por danos morais, tal solução não pode
ser aplicada, tendo em vista que o tema envolve aspectos subjetivos peculiares a
cada caso.
O desafio é saber qual valor deverá ser atribuído para compensar, de certa
forma, a vítima do dano moral. Isto porque não há critério algum em nossa legislação
que possa nortear os operadores do Direito na fixação do quantum indenizatório, vez
que o sofrimento humano é insuscetível de ser avaliado de maneira objetiva.
Diante de todas as dificuldades já apontadas, o prudente arbítrio do juiz é a
única solução para o problema da quantificação do dano moral. Porém, ainda assim
a questão não se encontra solucionada, levando-se em consideração que cada
julgador decidirá de acordo com suas características pessoais, sua cultura, sua
formação religiosa e moral, o que gera insegurança jurídica. Vale dizer, cada juiz de
primeiro grau, cada Tribunal, cada Câmara julgadora poderá fixar, para um mesmo
caso, valores totalmente diferentes, já que serão levados em conta aspectos
11. Yussef Said Cahali, Dano Moral, São Paulo: Saraiva, 1998, p. 57.
23
particulares e pessoais de cada um. Aqui, torna-se de grande importância uma
fundamentação satisfatória da sentença, evitando que a decisão judicial seja
arbitrária.
A reparação de um dano envolve a idéia de recomposição ao estado anterior
e, por este motivo, em regra a reparação deve ser efetivada in natura. Em se
tratando de danos materiais, muitas vezes tal reparação é juridicamente possível.
Quanto aos danos morais, a reparação in natura só pode ser observada em uma
hipótese: nos danos morais praticados por órgãos de comunicação, em que a vítima
pode entender como suficiente a retratação pública. Mesmo neste caso, nada
impede que o ofendido busque uma indenização em dinheiro como compensação do
dano moral sofrido.
No que tange à reparação de qualquer dano, tal poderá se dar em dinheiro,
caso não seja possível a reparação in natura. Em se tratando de dano moral, a
indenização em pecúnia mostra-se imperfeita, tendo em vista que as conseqüências
do dano não serão supridas pelo ressarcimento em dinheiro. Mas admite-se a
indenização em pecúnia, vez que, uma vez causado um dano, caberá ao agressor a
sua reparação de alguma maneira.
Conforme os ensinamentos do renomado doutrinador Antonio Jeová Santos,
“a indenização do dano moral, além do caráter ressarcitório, deve servir como
sanção exemplar. A determinação do montante indenizatório deve ser fixado tendo
em vista a gravidade objetiva do dano causado e a repercussão que o dano teve na
vida do prejudicado, o valor que faça com que o ofensor se evada de novas
indenizações, evitando outras infrações danosas. Conjuga-se, assim, a teoria da
24
sanção exemplar à do caráter ressarcitório, para que se tenha o esboço do quantum
na fixação do dano moral”12.
Em outras palavras, a indenização por danos morais visa, além de ressarcir
a vítima da agressão, já que o causador de um dano não pode lesionar sem que seja
obrigado a repará-lo, desestimular o ofensor de continuar praticando atos lesivos.
A doutrina e a jurisprudência procuram estabelecer certos parâmetros para
fixação do quantum indenizatório, visando a dupla função da indenização e evitando
um enriquecimento sem causa por parte da vítima. Assim, na fixação do valor o
operador do Direito deverá atentar para os seguintes aspectos: as condições
econômicas das partes; a gravidade da lesão e sua repercussão; as circunstâncias
fáticas, incluindo-se aqui a verificação da intenção do agente (dolo ou culpa) e, por
vezes, até mesmo a culpa concorrente da vítima.
12. Antonio Jeová Santos, Dano Moral Indenizável, São Paulo: Método, 2001, p. 123.
25
CAPÍTULO III
DANO ESTÉTICO
III.1 - CONCEITO DE DANO ESTÉTICO
O dano estético envolve a idéia de ofensa à beleza física. Porém, não se
pode olvidar que o conceito do que venha a ser belo é relativo. Assim, a doutrina
costuma dizer que, na avaliação de uma situação que possa configurar dano
estético, mister se faz a observância da alteração sofrida pela vítima em relação ao
que ela era antes do fato danoso.
Como dito em diversas oportunidades, os danos morais implicam em
ofensas aos direitos da personalidade que, por sua vez, envolvem também o
aspecto da integridade física, da qual faz parte a aparência estética. Assim, forçoso
concluir que o dano estético é, como dano moral, uma lesão a um direito da
personalidade. Mas qual vem a ser o conceito de dano estético?
Para Teresa Ancona Lopez, em sua brilhante obra sobre o assunto, o dano
estético é “qualquer modificação duradoura ou permanente na aparência externa de
uma pessoa, modificação esta que lhe acarreta um ‘enfeamento’ e lhe causa
humilhações e desgostos, dando origem, portanto, a uma dor moral” 13.
Em outras palavras, o dano estético seria qualquer deformação, mutilação
ou desfiguração sofrida pelo corpo, decorrente de um evento danoso. Porém, há que
se destacar que não é qualquer lesão que acarreta o dever de indenizar, tendo em
13. Teresa Ancona Lopez, O dano estético – responsabilidade civil, São Paulo: RT, 1999, p. 38.
26
vista que há lesões insignificantes e imperceptíveis, que não implicam em prejuízo
moral ou material. Assim, a lesão passível de reparação seria aquela que modifica a
vida social da vítima, que causa constrangimentos, humilhações e desconforto.
Em suma, o dano estético é a lesão a um direito da personalidade, qual seja,
o direito à integridade física, no que diz respeito à aparência externa.
A questão é de grande relevância, tendo em vista que a sociedade moderna
cada vez mais tem valorizado a beleza exterior. Isto pode ser confirmado nas
revistas e campanhas publicitárias, nas academias e clínicas de estética. Aliás,
cumpre ressaltar que o número de cirurgias plásticas tem aumentado
consideravelmente, tema que será aprofundado em capítulo próprio.
Antes de passarmos à análise dos elementos integrantes do dano estético
indenizável, cabe estabelecer uma importante classificação que, mais adiante, será
imprescindível para delimitar a responsabilidade civil por danos causados no
exercício da Medicina.
Neste passo, o dano estético pode ser contratual e extracontratual. No
primeiro caso, há violação de uma obrigação em sentido estrito, ou seja, limitada
pelas cláusulas estipuladas previamente pelas partes contratantes. Assim, na
hipótese a responsabilidade baseia-se na questão da presunção de culpa,
acarretando na inversão do ônus da prova, o que implica em maior facilidade para a
vítima do dano em obter a reparação. Porém, conforme será explicitado mais
adiante, tal presunção dependerá da interpretação das obrigações contratuais em
obrigações de meio ou de resultado.
27
No caso de dano estético extracontratual, há violação de um dever genérico,
que é o de não causar dano à pessoa ou aos bens de outrem. A responsabilidade
extracontratual não é limitada, devendo corresponder à extensão do dano.
III.2 – ELEMENTOS
Para analisarmos os elementos caracterizadores do dano estético, mister se
faz a decomposição da definição apresentada no tópico anterior. Vale dizer, ao
dizermos que o dano estético implica em uma modificação na aparência externa da
pessoa, não estamos tratando apenas das grandes deformidades ou de amputação
de algum membro, mas também de pequenas alterações que acarretem uma
mudança estética, fazendo com que a aparência da pessoa passe a ser diferente da
aparência anterior ao fato lesivo. Cumpre ressaltar que este requisito é bastante
para a caracterização da responsabilidade civil, sendo distinta da caracterização da
responsabilidade penal.
Prosseguindo no desmembramento da definição de dano estético
apresentada, temos como segundo elemento para sua caracterização que a
consequência do fato danoso seja permanente ou, pelo menos, duradoura. Nesta
esteira de pensamento, caso o dano estético provocado seja temporário e não
duradouro, será passível de reparação em perdas e danos (danos materiais). Assim,
o dano estético reparável como perdas e danos só é possível em havendo lesão
estética duradoura ou permanente.
Neste ponto, é de grande relevância destacar que, mesmo em casos em que
a vítima possa se valer de artifícios a fim de minorar a má aparência causada pelo
28
dano estético, não há que se falar em isenção de obrigatoriedade de reparação do
dano. Seriam as hipóteses, por exemplo, da vítima poder colocar olho de vidro,
perna mecânica, utilização de maquiagem e, até mesmo, possibilidade de correção
da imperfeição por meio de cirurgia plástica reparadora, casos em que, ainda assim,
permanece a obrigação do causador do dano moral em repará-lo. Vale lembrar que
este entendimento tem sido majoritário na doutrina e jurisprudência mais atuais,
tanto no Brasil como em outros países.
Passando à análise do terceiro elemento caracterizador do dano estético,
cumpre esclarecer que a alteração permanente ou duradoura deve ser provocada na
aparência externa da pessoa. A aparência externa da pessoa abrange não só as
áreas do corpo mais visíveis como quaisquer outras. Isto porque, muito embora
algumas regiões do corpo não sejam visíveis habitualmente no convívio social, na
sociedade moderna tais partes do corpo são visíveis nas praias e clubes, e isso sem
contar na relação íntima entre duas pessoas. Aliás, até mesmo os danos causados à
fala da pessoa seriam alterações na aparência externa, assim como deficiências na
postura física, no caminhar, qualquer comprometimento em órgãos, entre outros.
O quarto elemento a ser destacado é a necessidade do dano ter causado
um “enfeamento” na vítima. Obviamente, se o fato não acarretou uma piora na
aparência da pessoa, em relação à aparência que ela tinha anteriormente, não há
que se falar em dano estético.
Para finalizar, o dano estético propriamente dito, tal como demonstrado ao
longo deste capítulo, gera um dano moral, mas não se deve olvidar que, na maioria
das vezes, podem surgir danos materiais decorrentes da mesma ofensa à estética
pessoal.
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III.3 – DANO ESTÉTICO NO DIREITO ESTRANGEIRO
O dano estético não é abordado de maneira satisfatória tanto na legislação
brasileira como na estrangeira. Ainda assim, é possível sintetizar alguns aspectos
acerca do assunto no Direito comparado. Deste modo, teceremos algumas breves
considerações a respeito do tema, no tocante às legislações de alguns países.
Na França, a jurisprudência majoritária entende pela reparabilidade do dano
estético, levando-se em conta o aspecto do dano moral. Ademais, tendo em vista a
maneira ampla em que o dano moral é levado em conta neste país, os danos
estéticos, por mais insignificantes que possam parecer, tendem a ser passíveis de
reparação.
Tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos da América, a reparação da
lesão aos direitos individuais é tratada de modo amplo e efetivo. Isto porque, nestes
países, qualquer ofensa à pessoa (material ou moral) enseja a reparação da maneira
mais severa e completa possível. O mesmo ocorre em se tratando de danos
estéticos, tendo em vista que qualquer tipo de ofensa moral recebe a proteção legal,
e considerando que o dano estético também se caracteriza como lesão a um bem
extrapatrimonial.
Já no Direito Civil Italiano, em princípio seriam passíveis de reparação
apenas os danos extrapatrimoniais, em havendo previsão legal. Porém, o Código
Penal da Itália prevê que todo delito que venha a acarretar um dano, seja ele
patrimonial ou moral, obriga o ofensor a reparar o dano causado. Assim, a doutrina e
jurisprudência daquele país têm entendido pela reparação do dano moral não
apenas nos casos de delito penal, mas também em outras hipóteses em que tais
30
consequências foram observadas e, portanto, o dano estético também é reparável
na legislação italiana.
Na Suíça, o dano estético é abordado expressamente no Código das
Obrigações, o qual prevê a reparação de tal lesão no caso de lesões corporais. Vale
dizer, a legislação suíça ampara a vítima do dano estético, assegurando tanto o
ressarcimento patrimonial (reembolso de despesas e prejuízos advindos do fato
lesivo, bem como das restrições trazidas ao seu futuro econômico), quanto o
ressarcimento a título de danos morais. Aliás, cumpre esclarecer que, mesmo que
não haja necessidade de indenização por danos materiais, qualquer vítima de dano
estético poderá pleitear a indenização devida, com base na reparação dos danos
morais.
A legislação alemã prevê a reparação civil do dano estético, ao estipular
expressamente que a vítima que sofrer lesão corporal poderá receber indenização
pecuniária pelos danos não patrimoniais.
Em Portugal, também há previsão de indenização aos danos não
patrimoniais, sendo que não há enumeração dos casos em que tal indenização seria
cabível. Assim, entende-se que também aqui poderá haver a reparação civil do dano
estético.
Por fim, apontamos o Direito argentino, o qual tende a conceder o direito à
indenização pelo dano estético causado. De maneira expressa, a legislação do país
admite tal reparação apenas no que tange aos ilícitos penais, mas a doutrina e a
jurisprudência têm sido favoráveis à indenização em outras hipóteses.
31
III.4 – DANO ESTÉTICO CAUSADO POR MÉDICOS
O artigo 951 do Código Civil trata expressamente da responsabilidade de
indenizar que se impõe aos profissionais que, por negligência, imprudência ou
imperícia, causarem lesão ou morte do paciente, agravarem sua condição de saúde,
ou o inabilitarem para o trabalho.
Assim, entende-se que os médicos, farmacêuticos, enfermeiras,
odontologistas, dentre outros, têm o dever de exercer sua função com zelo,
empregando a boa técnica e os conhecimentos necessários. Aliás, o primeiro dever
destes profissionais é ter aptidão e conhecimentos técnicos para o exercício da
função e, obviamente, em não havendo tais conhecimentos, restará configurada a
imperícia, dando ensejo à ação indenizatória em face do profissional, visando a
reparação de danos materiais e/ou morais.
Porém, é evidente que a responsabilidade do profissional da Medicina não é
idêntica a de outros profissionais, tendo em vista o fato dos médicos lidarem com a
vida e a saúde de seres humanos. Mas, por óbvio, cabe também ao médico tratar o
paciente com todo o zelo, diligência, conhecimentos técnicos e demais recursos dos
quais dispõe para tratar o mal, mas sem se obrigar a fazê-lo, de tal sorte que o
resultado final não pode ser exigido ou cobrado. Abordaremos melhor o tema no
capítulo próprio sobre o exercício da Medicina como obrigação de meio ou de
resultado.
O médico, no exercício de sua profissão, pode causar danos ao paciente, os
quais podem ser de ordem material ou moral. Com efeito, as atividades dos
médicos, cirurgiões, farmacêuticos e dentistas podem acarretar danos
32
especificamente de ordem moral, mas não se deve esquecer que, em alguns casos,
o próprio estabelecimento hospitalar poderá ser responsabilizado por danos morais
decorrentes da atuação de seus profissionais.
De maneira específica a respeito do dano estético, cumpre assinalar que, no
exercício da Medicina, danos estéticos podem ser causados em diversos ramos
desta atividade profissional, seja em virtude de tratamentos dermatológicos,
operações que acarretem deformidades físicas no paciente, anestesias que causem
aleijão ou paralisia e, em especial, os danos estéticos decorrentes de cirurgias
plásticas estéticas ou reparadoras, tema que será amplamente abordado nos
capítulos seguintes. No presente tópico cabe apenas evidenciar que os danos
morais decorrentes de dano estético são perfeitamente cabíveis em se tratando da
atividade exercida pelos médicos.
Porém, antes de adentrarmos especificamente na questão da
responsabilidade civil dos médicos nas cirurgias plásticas, cumpre estabelecer a
responsabilidade civil dos médicos em suas atividades em geral e, após, delimitar as
questões que envolvem o tema específico das cirurgias plásticas e a reparação civil
advinda dos danos estéticos delas decorrentes, o que será feito nos capítulos
seguintes deste estudo.
33
CAPÍTULO IV
RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO
O Código Civil de 1916 tratava acerca da responsabilidade indenizatória do
médico em seu artigo 1.545, ora transcrito:
Art. 1.545. Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e
dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que da
imprudência, negligência, ou imperícia, em atos profissionais,
resultar morte, inabilitação de servir ou ferimento.
A Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil vigente), trouxe nova
redação ao dispositivo supra transcrito, a qual guarda a mesma essência da redação
do artigo da lei anterior:
Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda
no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de
atividade profissional, por negligência, imprudência ou
imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal,
causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.
Assim, cumpre destacar que os artigos aos quais o mencionado artigo 951
se reporta tratam acerca da responsabilidade de indenizar daqueles que causam a
34
morte ou lesão de outrem, ou lhe retire ou diminua a capacidade para o exercício de
trabalho.
A primeira observação que se faz é o fato de referidos artigos, tanto no
antigo como no novo Código Civil, não estarem inseridos na parte destinada à
regulamentação dos contratos. Antigamente, muito se discutia a respeito da
natureza da responsabilidade civil dos médicos, se tratava-se de responsabilidade
delitual ou contratual. Tal distinção é de grande relevância, vez que, no tocante à
responsabilidade delitual, mister se faz a prova da culpa, enquanto que na
responsabilidade contratual, tal obrigação é presumida em decorrência do próprio
descumprimento da prestação prevista no contrato.
Hoje tal discussão encontra-se superada, já que cumpre situar determinado
tema dentro do sistema jurídico, e não pela sua disposição legislativa. Assim, a
doutrina e jurisprudência praticamente unânime entendem pela natureza contratual
da relação existente entre médico e paciente, como será adiante demonstrado.
De fato, doutrinadores renomados expressam este entendimento em suas
obras, tais como Aguiar Dias (in “Da Responsabilidade Civil”, 9a ed., Rio de Janeiro,
Ed, Forense, 1994, volume I, pp. 252 e 253), Miguel Kfouri Neto (in
“Responsabilidade Civil do Médico”, 2a ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais,
1996, número 44, p. 54), Silvio Rodrigues (in “Responsabilidade Civil”, 15a ed., São
Paulo, Saraiva, 1997, número 83, p. 248), Carlos Roberto Gonçalves (in
“Responsabilidade Civil”, 6a ed., São Paulo, Saraiva, 1995, p. 265), Antonio Jeová
Santos (in “Dano Moral Indenizável”, 3a ed., São Paulo, Ed. Método, 2001, pp. 267 e
268), Teresa Ancona Lopez (in “O Dano Estético – responsabilidade civil”, 2a ed.,
São Paulo, ed. Revista dos Tribunais, 1999, pp. 84 e 85), Humberto Theodoro Júnior
35
(in “Aspectos processuais da ação de responsabilidade por erro médico”, Revista
Forense, volume 349, Rio de Janeiro, 2000), entre muitos outros. Como opiniões
contrárias poderíamos destacar Carvalho Santos (in “Código Civil brasileiro
interpretado”, 6a ed., 1956, p. 257) e Carvalho de Mendonça (in “Doutrina e prática
das obrigações” número 767, p. 486).
Portanto, podemos afirmar que a relação existente entre o médico e o cliente
é realmente contratual, vez que há entre eles um acordo de vontades, no sentido de
que o médico oferece seus serviços profissionais e, em contrapartida, o paciente se
obriga a pagar por eles. Cabe ressaltar que, ainda que o serviço prestado seja
gratuito, inegável a natureza contratual da relação existente. Porém, é possível que
o médico venha a incorrer também em responsabilidade extracontratual (delitual),
hipótese, por exemplo, em que o atendimento se deu sem prévio ajuste entre as
partes, numa situação emergencial. Obviamente, como bem aponta Antonio Jeová
Santos14, “qualquer que seja a fonte da obrigação do médico, se ele está vinculado
ao paciente por meio de uma obrigação contratual ou aquiliana, deverá atuar
conduzindo seus atos na direção da diligência comum, visando à cura plena do
paciente”.
Tendo em vista a relação contratual existente entre médico e paciente, em
tese, poder-se-ia falar em “inexecução de uma obrigação, se o médico não obtém a
cura do doente, ou se os recursos empregados não satisfizerem. Entretanto, o fato
de se considerar como contratual a responsabilidade médica não tem, ao contrário
do que poderia parecer, o resultado de presumir a culpa”15.
14. Antonio Jeová Santos, Dano Moral Indenizável, São Paulo: Método, 2001, p. 269.
15. Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade Civil, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 265
36
Assim, mister se faz esclarecer se a obrigação decorrente do contrato
existente entre médico e paciente seria de meio ou de resultado. Apenas para
compreensão da questão ora abordada, trataremos do conceito de ambas as
espécies de obrigação.
Em se tratando de obrigação de meio, o devedor compromete-se a realizar
uma determinada prestação, visando um fim específico, mas sem ter o compromisso
de atingí-lo. Em outras palavras, nas obrigações de meio o resultado final é
prescindível, embora a atividade desenvolvida pelo devedor deva ser executada com
as diligências necessárias, encaminhadas a satisfazer a expectativa final do credor.
Assim, caso o resultado almejado não venha a ser observado, o devedor não poderá
ser responsabilizado, exceto se restar comprovado que não atuou com o devido zelo
ou com a observância da boa técnica necessária à profissão. Salvo nestas
hipóteses, não haverá que se falar em inadimplemento de sua parte, tendo em vista
que não houve o prévio compromisso em atingir o resultado.
Quanto à obrigação de resultado, o contrato obriga o devedor a realizar uma
determinada atividade e atingir um resultado concreto específico. Na hipótese da
não observância do fim almejado, haverá o descumprimento do contrato e a
conseqüente responsabilização do devedor.
A classificação aqui apontada tem relevância no que respeita ao aspecto
probatório. Isto porque, em se tratando de obrigação de resultado, a
responsabilidade do devedor é, em princípio, presumida, cabendo a ele fazer prova
em contrário. Na obrigação de meio, cumpre ao prejudicado (credor) fazer prova de
suas alegações, ou seja, da culpa do devedor.
37
Adentrando no tema da responsabilidade civil médica, forçoso concluir que a
obrigação assumida por estes profissionais é de meio, e não de resultado. Ora,
muito embora o objetivo visado por médico e paciente seja a obtenção da cura,
ambos os contratantes sabem que o resultado pode não ser ao final alcançado,
mesmo que empregadas todas as diligências e técnicas necessárias. Assim, a
obrigação do médico não é restituir a saúde ao paciente, mas proceder com os
devidos cuidados na aplicação dos conhecimentos técnicos, visando atingir aquele
objetivo (cura).
Já que a obrigação assumida pelo médico é, em regra, de meio, caberá à
vítima de eventual dano por ele causado a prova da culpa. Vale dizer, os médicos
somente poderão ser responsabilizados civilmente caso reste comprovado que
agiram com imprudência, negligência, ou imperícia, conforme se depreende do
artigo 951 do Código Civil, retro transcrito. Ademais, o artigo 333, do Código de
Processo Civil, atribui ao autor da ação o ônus de provar o fato constitutivo do seu
direito.
O serviço técnico do médico, com zelo e adequação, é a prestação
contratual. Assim, caso o paciente se sinta lesado pela atuação do médico, deverá
comprovar o inadimplemento da referida obrigação (responsabilidade subjetiva).
Portanto, a culpa que se apura no processo de indenização por dano de
responsabilidade médica, além do dolo, compreende as formas de imprudência,
negligência e imperícia.
A imprudência poderá ser caracterizada quando a atividade do médico
exceder na ação que corresponda à prestação requerida, expondo o paciente à
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risco. Alguns exemplos seriam atitudes tomadas precipitadamente pelo médico,
atuação desidiosa ou temerosa, dentre outras.
A negligência na atuação médica é uma atitude negativa, sem a observância
dos cuidados, controle e verificação pertinentes, necessários ao tratamento do
paciente sob seus cuidados profissionais.
A imprudência, por sua vez, trata-se da falta de aptidão do profissional para
o exercício da função, sendo insuficientes os seus conhecimentos técnicos, ou
qualquer outro tipo de inabilidade que o médico possua, para tratamento do
paciente.
Além da culpa, é necessário que haja nexo causal entre o evento danoso e a
atividade desenvolvida pelo médico, ou seja, a vítima deverá fazer prova de que, do
descumprimento do dever do profissional, resultou o dano do qual se busca o
ressarcimento.
Em poucas palavras, para viabilizar a responsabilização do médico pelos
insucessos no exercício da profissão, que venham a causar danos aos pacientes,
mister se faz a prova de que o evento danoso tenha se dado em razão de
negligência, imprudência, imperícia ou erro grosseiro do médico.
O médico pode responder, também, por fato danoso praticado por terceiros
que estejam sob seu comando, tais como as enfermeiras. Quanto à figura do
anestesista, sua responsabilidade vai depender do exame do caso concreto.
Há algumas causas excludentes da responsabilidade do médico, quais
sejam: caso fortuito, força maior e dolo ou culpa do paciente. Havendo culpa
exclusiva do paciente, não haverá que se falar em responsabilidade civil do médico.
39
Há culpa do paciente ou de seus familiares quando, por exemplo, estes não
observam as prescrições médicas ou quando sai prematuramente do hospital. Já em
se tratando de culpa concorrente entre médico e paciente, a responsabilização
também será bipartida, de acordo com o artigo 947 do Código Civil vigente.
Para analisar o caso concreto e concluir pela responsabilização ou não do
médico, é necessário estabelecer quais seriam as obrigações gerais deste no
exercício da profissão. Estes deveres seriam: o dever de informar constantemente o
paciente e seus familiares acerca do tratamento, em todas as fases, alertando sobre
os riscos advindos do mesmo, sendo que este dever atualmente encontra respaldo,
inclusive, no Código de Defesa do Consumidor, que será analisado em momento
oportuno; o dever de atuar mediante consentimento do paciente ou de sua família,
de maneira expressa ou tácita, salvo em estado de necessidade; o médico não pode
cometer erro ao diagnosticar, mas para acarretar a responsabilização, tal erro
deverá ser grave e inescusável na prescrição de um tratamento ou intervenção
cirúrgica.
Para finalizar, podemos classificar os danos a serem ressarcidos pelo
médico, em caso de responsabilização, em físicos, estéticos, materiais e morais. Os
danos físicos são aqueles que acarretam perda total ou parcial de órgão ou função.
Os danos materiais normalmente advêm dos danos físicos, incluindo despesas
hospitalares, lucros cessantes, medicamentos, tratamento psicológico, entre outros.
Os danos morais podem advir de danos estéticos, conforme já abordado em
capítulos anteriores.
40
CAPÍTULO V
CONSIDERAÇÕES SOBRE CIRURGIA PLÁSTICA
V.1 – ASPECTOS GERAIS
No ramo da Medicina, temos a chamada Cirurgia Geral, sendo que esta
abrange o campo da Cirurgia Plástica. A palavra “plástica” traz a idéia de forma,
razão pela qual a Cirurgia Plástica é conhecida como a Cirurgia da Forma.
A finalidade da atuação do cirurgião plástico, que deve ser devidamente
especializado para exercer tal atividade, é corrigir a forma do corpo humano,
inclusive da face, adequando-se às peculiares de cada paciente, de cada caso.
Isto porque a atividade do cirurgião plástico envolve a busca da correção de
deformidades físicas, a fim de obter o equilíbrio e harmonia do corpo humano. Tal
atuação profissional se mostra bastante árdua, tendo em vista que, muitas vezes, o
paciente tem em mente resultados absolutamente fora da realidade, sem se
conscientizar dos riscos que toda intervenção cirúrgica pode acarretar, ainda mais
em se tratando de cirurgias que envolvem a aparência exterior do ser humano.
Neste ponto, cumpre ressaltar que o conceito de beleza é totalmente
subjetivo, o que aumenta ainda mais o risco de descontentamento do paciente que
se submete à intervenção cirúrgica plástica, vez que, muito embora as outras
pessoas tenham achado o resultado satisfatório, o paciente pode ter opinião diversa.
Portanto, resta evidente que médico e paciente devem manter um bom
relacionamento, a fim de que o paciente possa estar ciente das limitações dos
recursos técnicos com os quais conta o profissional da Medicina, bem como estar
41
pautado na sensatez, racionalidade e nas dimensões do mundo real, antes de
submeter-se à intervenção cirúrgica.
O tema da cirurgia plástica torna-se ainda mais complexo pelo fato de
envolver tanto o bem-estar físico quanto o psíquico, sendo bastante relevante ao
conceito de saúde. Assim, na hipótese dos resultados advindos da cirurgia plástica
conseguirem superar eventuais deformidades, estar-se-á eliminando também
sentimentos negativos, complexos e neuroses que o paciente sentia em relação à
sua aparência física.
Em consequência, temos que a cirurgia plástica também tem finalidade
curativa, tendo em vista que abrange a dimensão psicossocial. Porém, não podemos
nos esquecer de que, na atualidade, muitas pessoas buscam uma perfeição física
absolutamente fora da realidade, sendo que, em muitos casos, tal obsessão mostra-
se até mesmo patológica, necessitando de tratamento específico.
Em suma, podemos dizer que a atividade profissional do cirurgião plástico
caracteriza-se como especialidade médica inserida na busca de meios para
solucionar anomalias físicas, em sentido amplo, além de proporcionar adequada
integração do paciente na sociedade, tendo em vista que as deformidades, sejam
elas congênitas ou adquiridas, geram desarmonia no corpo ou face do ser humano,
trazendo prejuízos estéticos e, muitas vezes, também psíquicos.
A integridade física/facial contribui sensivelmente para proporcionar o
sentimento de normalidade, aceitação e equilíbrio psíquico ao indivíduo. Porém,
mister se faz esclarecer que o cirurgião plástico não “cria beleza”, mas apenas
corrige os ângulos mal definidos, na medida do possível, visando harmonizar as
características do corpo e da face.
42
Cumpre ressaltar que a insatisfação do indivíduo com a aparência externa
pode decorrer de anomalias congênitas, deformidades decorrentes de acidentes ou
de doenças, do envelhecimento inevitável advindo dos anos vividos, ou de simples
busca pela “beleza”. Assim, no tópico a seguir estaremos tratando das
peculiaridades envolvidas em cada tipo de cirurgia plástica, de acordo com a origem
da insatisfação do paciente.
V.2 - A CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA E REPARADORA
Cumpre estabelecer o que vem a ser a chamada cirurgia reparadora e a
cirurgia meramente estética. Primeiramente, tomemos alguns exemplos para melhor
compreensão do tema.
Conforme bem exemplificado pelo ilustre professor e cirurgião plástico
Juarez Moraes Avelar, em sua notável obra acerca do tema, “as deformidades
físicas adquiridas como seqüelas de algum tipo de trauma facial (acidente de
automóvel, queimadura, amputação, mordida de animal, de ser humano, etc), ou
devido à ressecção (remoção de tecido) de tumor (câncer), com destruição parcial
ou total de lábio, nariz, pálpebras e orelhas, geralmente alteram o contorno facial e
reclamam a reconstrução para a recomposição da auto-imagem do paciente”16.
Nestas hipóteses, estamos falando da cirurgia plástica reparadora, da qual nem
sempre advém um resultado que acarrete na aparência normal do indivíduo, ou a
recuperação total da lesão. Assim, muitas vezes o paciente cria expectativas que
16. Juarez Moraes Avelar, Cirurgia Plástica – obrigação de meio e não obrigação de fim ou de resultado, São Paulo: Hipócrates, 2000, p. 265
43
não correspondem às possibilidades reais e concretas que a ciência médica é capaz
de obter.
A cirurgia plástica meramente estética seria aquela que, muito embora não
vise corrigir nenhuma grave lesão, reconstruindo, muitas vezes, algum tecido ou
órgão, tem por finalidade corrigir alguma imperfeição que faz com que o corpo
humano não esteja harmonizado. Neste ponto, ressaltamos que algumas pessoas
têm se utilizado da cirurgia plástica estética para buscar incessantemente o
aprimoramento estético, em todos os procedimentos operatórios da especialidade.
Embora seja apontada a distinção entre ambas as cirurgias plásticas, há
uma grande interligação entre elas. Isto porque, uma vez reparada ou minorada a
deformidade por meio da cirurgia plástica reparadora, obviamente o paciente
alcançará uma melhor aparência estética, resultando em equilíbrio e harmonia
corporal.
Por exemplo, no campo da cirurgia mamária, quando se realiza uma
reconstrução de mama, após seqüela de amputação cirúrgica para cura de câncer,
tal reconstrução só será bem sucedida se o resultado atender aos aspectos estéticos
da mama feminina (como volume, forma, tamanho e proporcionalidade de equilíbrio
e harmonia). Portanto, neste e na maioria dos casos, a cirurgia reparadora é, ao
mesmo tempo, estética.
Um exemplo típico de cirurgia estética seria a intervenção cirúrgica para
colocação de prótese de silicone. Outros atos operatórios estéticos que podem ser
citados são os procedimentos cirúrgicos que se realizam na face visando o
rejuvenescimento. Estes seriam exemplos de pessoas que recorrem à cirurgia
44
plástica estética por fatores pessoais que comprometem a auto-estima e o bem-
estar.
Em suma, poderíamos dizer que, na cirurgia reparadora, o cirurgião plástico
corrige o defeito físico causado pela ausência congênita do órgão, ou pela perda
total ou parcial de um segmento do corpo por trauma ou mutilação pelo câncer. Na
cirurgia estética, o que os pacientes buscam é a correção da desproporção do órgão
existente, responsável pela desarmonia com os demais segmentos do corpo. No
entanto, ao realizar uma cirurgia plástica reparadora, o profissional preocupa-se
tanto com a reconstituição, como com a estética. Assim, resta claro que ambas as
cirurgias plásticas possuem caráter estético.
Ressaltemos que o papel da cirurgia plástica em geral é corrigir
desproporcionalidades, desarmonia entre os elementos de um órgão e deste com os
demais elementos da região, para fortalecer a auto-estima e o bem-estar do ser
humano. Portanto, a designação “cirurgia embelezadora” mostra-se inadequada,
visto que não constitui meta cirúrgica transformar alguém em uma pessoa bela. A
beleza só pode ser criada pela natureza e constitui-se em um aspecto subjetivo.
Obviamente que se o paciente se sente satisfeito com o resultado da cirurgia e tem a
agradável sensação de bem-estar, até pode se considerar mais bonito do que antes
da intervenção cirúrgica. Porém, o objetivo da cirurgia é de lhe proporcionar a
normalidade orgânica, e não um “embelezamento”.
45
CAPÍTULO VI
RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO NA CIRURGIA
PLÁSTICA ESTÉTICA E REPARADORA
VI.1 - A CIRURGIA PLÁSTICA COMO OBRIGAÇÃO DE RESULTADO
Questão ainda muito debatida e não pacificada diz respeito à classificação
da obrigação assumida pelos cirurgiões plásticos, se de meio ou de resultado. O
conceito de ambas as obrigações já foi abordado em capítulos anteriores e, portanto,
neste momento nos limitaremos à análise do enquadramento dos conceitos à
atividade exercida nas cirurgias plásticas.
Como cediço, a matéria não é abordada de maneira pacífica. No que diz
respeito à chamada cirurgia plástica reparadora, doutrina e jurisprudência
pacificaram o entendimento de que o profissional que a promove assume obrigação
de meio, tal como os profissionais da Medicina em geral (vide Capítulo IV).
As divergências surgem quando da classificação da chamada cirurgia
meramente estética. Neste ponto, a maioria da doutrina entende pelo
enquadramento de referida atividade dos cirurgiões como obrigação de resultado. A
principal conseqüência advinda de tal classificação é que, caso não obtido o
resultado almejado pelo paciente, a culpa do cirurgião plástico será presumida,
bastando ao paciente a prova de que o resultado não foi alcançado.
Esta corrente entende que, tendo em vista que o paciente procura o
cirurgião plástico apenas para melhorar um aspecto físico, fora das hipóteses de
cirurgia reparadora, seu objetivo é justamente o alcance deste resultado, e não
46
somente o desejo de que o médico venha a agir com diligência e conhecimento
técnico-científico.
Teresa Ancona Lopez ressalta que, “para que o médico não possa ser
responsabilizado facilmente, cabe a ele agir da maneira mais cautelosa possível, e
exatamente por ser a cirurgia plástica feita em pessoa sã, deve agir muito mais
escrupulosamente do que aquele que vai operar alguém que está doente. Deve
avisar o cliente claramente dos riscos pelos quais vai passar, pesando esses com as
vantagens a serem auferidas pela intervenção – dever de informar expressamente.
Se os perigos forem maiores que as vantagens, deve negar-se a operar; não vale,
para nenhum efeito, neste particular, a prova do consentimento do cliente”17.
Porém, mesmo para os adeptos desta corrente, como Carlos Roberto
Gonçalves e Aguiar Dias, mesmo que a cirurgia estética não venha a corresponder
ao sucesso exatamente pretendido, o médico poderá eximir-se de
responsabilização, desde que reste demonstrado que a cirurgia era razoavelmente
necessária, que o risco a que o paciente fora submetido era menor do que a
vantagem a ser obtida e, principalmente, que a operação tenha sido realizada em
consonância com as diligências necessárias.
Apesar desta corrente seja seguida por grande parte da doutrina, conforme
bem apontado pelo ilustre professor Humberto Theodoro Júnior, “os tribunais
abrandam, freqüentemente, o rigor na inculpação do cirurgião plástico, mesmo nas
intervenções puramente estéticas, de modo a não equipará-las sempre às
obrigações de resultado. A demonstração da culpa in concreto é quase sempre
exigida (TJ/RJ, Ap. nº 10.898, ac. 11.3.80). Assim, não é de presumir-se a culpa do
17. Teresa Ancona Lopez, O dano estético – responsabilidade civil, São Paulo: RT, 1999, pp. 91 e 92 .
47
cirurgião apenas por não ter sido alcançado o embelezamento esperado. Todavia,
‘se o tratamento agravar os defeitos, deformar, enfear, em vez de embelezar, nesse
caso o resultado é levado em consideração’, havendo presunção de culpa
profissional (TJ/RJ, ac. 21.9.82, RT 566/191).
Apenas para ressaltar o entendimento expresso pelo citado doutrinador,
cabe transcrever um trecho de acórdão proferido pela Terceira Turma do Colendo
Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujo relator foi o Ministro Eduardo Ribeiro:
“O profissional que se propõe a realizar cirurgia, visando melhorar a
aparência física do paciente, assume o compromisso de que, no
mínimo, não lhe resultarão danos estéticos, cabendo ao cirurgião a
avaliação dos riscos. Responderá por tais danos, salvo culpa do
paciente ou a intervenção de fato imprevisível, o que lhe cabe
provar” 18.
VI.2 - A CIRURGIA PLÁSTICA COMO OBRIGAÇÃO DE MEIO
Muito embora muitos juristas brasileiros considerem a obrigação do cirurgião
estético como sendo de resultado, partilhamos do entendimento de parte da
doutrina, a qual considera tal obrigação como sendo de meio. Em poucas palavras, a
corrente que classifica a atividade in comento como obrigação de meio entende ser
esta exercida com os mesmos riscos das demais atividades médicas.
18. Boletim AASP (Associação dos Advogados de São Paulo) 2.065/54.
48
Neste ponto, podemos citar como principais adeptos desta corrente os
ilustres juristas Luis O. Adorno19 e Ruy Rosado Aguiar Júnior, sendo que este último
assim expressa seu entendimento: “O acerto está, no entanto, com os que atribuem
ao cirurgião estético uma obrigação de meios. Embora se diga que os cirurgiões
plásticos prometem corrigir, sem o que ninguém se submeteria, sendo são, a uma
intervenção cirúrgica, pelo que assumiriam eles a obrigação de alcançar o resultado
prometido, a verdade é que a álea está presente em toda intervenção cirúrgica, e
imprevisíveis as reações de cada organismo ao ato cirúrgico. Pode acontecer que
algum cirurgião plástico, ou muitos deles assegurem a obtenção de certo resultado,
mas isso não define a natureza da obrigação, não altera a sua categoria jurídica, que
continua sendo sempre a obrigação de prestar um serviço que traz consigo o risco.
É bem verdade que se pode examinar com maior rigor o elemento culpa, pois mais
facilmente se constata a imprudência na conduta do cirurgião que se aventura à
prática da cirurgia estética, que tinha chances reais, tanto que ocorrente, de
fracasso. A falta de uma informação precisa sobre o risco, e a não obtenção de
consentimento plenamente esclarecido, conduzirão eventualmente à
responsabilidade do cirurgião, mas por descumprimento culposo da obrigação de
meios. Na cirurgia estética, o dano pode consistir em não alcançar o resultado
embelezador pretendido, com frustração da expectativa, ou em agravar os defeitos
piorando as condições do paciente. As duas situações devem ser resolvidas à luz
dos princípios que regem a obrigação de meios, mas no segundo fica mais visível a
imprudência ou a imperícia do médico que provoca a deformidade. O insucesso da
19. Luis O. Adorno, La responsabilidad civil médica, Ajuris 59, p. 224
49
operação, nesse último caso, caracteriza indício sério da culpa do profissional, a
quem incumbe a contraprova de atuação correta” 20.
Aliás, os médicos em geral ressaltam que, com as conclusões da ciência
médica, o comportamento da pele humana, de fundamental importância na cirurgia
plástica, é imprevisível em muitos casos. Ora, ao final de qualquer intervenção
cirúrgica para modificar algum aspecto externo do paciente, sempre haverá uma ou
mais cicatrizes. Obviamente que, para atenuar tais cicatrizes, são utilizadas técnicas
cirúrgicas específicas. Porém, como bem asseverado pelo professor Juarez Moraes
Avelar, “no fenômeno de cicatrização, apesar de o cirurgião utilizar padronizada e
eficiente metodologia cirúrgica, existem fatores intrínsecos (inerentes ao paciente),
na complexa cadeia química e biológica, bem como outros extrínsecos (fatores
externos), os quais exercem muita importância durante a fase de cicatrização e são
capazes de favorecer ou prejudicar a qualidade, a aparência e o aspecto das
cicatrizes” 21.
Assim, segundo este entendimento, para apurar eventual responsabilidade
do cirurgião plástico por maus resultados obtidos, seria necessário averiguar não
apenas a conduta cirúrgica empregada, mas também o acompanhamento pós-
operatório e a documentação dos registros profissionais, tanto do cirurgião, como
dos demais membros da equipe.
Aqui cumpre abordar a questão do uso do computador pelos cirurgiões
plásticos como demonstrações de resultados prévios à cirurgia. O Conselho
20. Ruy Rosado Aguiar Júnior, Responsabilidade civil do médico, RT 718/33
21. Juarez Moraes Avelar, Cirurgia Plástica – obrigação de meio e não obrigação de fim ou de resultado, São Paulo: Hipócrates, 2000, p. 340
50
Deliberativo da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) condenou tal
procedimento, tendo em vista que o cirurgião realiza intervenções com as próprias
mãos, atuando sobre os tecidos orgânicos, os quais apresentam diversificadas
reações. Os computadores são insensíveis a tais peculiaridades de cada indivíduo,
sendo sua utilização para alterar imagens de pacientes, como compromisso de
resultado antes da intervenção cirúrgica, bastante arriscada.
Aqueles que defendem o posicionamento de que a cirurgia estética constitui-
se uma obrigação de meio argumentam que, sendo a cirurgia plástica uma
especialidade, assim como as demais áreas da Medicina, exposta à reações
imprevisíveis do organismo humano, não haveria que se falar em obrigação de
resultado imposta a estes profissionais.
Para refutar os argumentos de que um paciente que recorre à cirurgia
plástica estética, a fim de melhorar sua forma física, está bem de saúde e que,
portanto, o médico estaria obrigado pelo resultado, tem-se defendido que esta
pessoa pode estar psicologicamente alterada em consequência de imperfeições.
Neste caso, a cirurgia se prestaria a devolver a normalidade psíquica e física ao
paciente. Isto porque não há elementos objetivos que possibilitem precisar com
exatidão os limites da cirurgia estética e da cirurgia reparadora.
Ademais, a Organização Mundial de Saúde tem preconizado um novo
conceito de saúde, consistente em um estado de bem estar físico, social e mental.
Assim, a cirurgia estética não poderia ser considerada como sendo sem finalidade
curativa, tendo em vista que se presta tanto a corrigir as formas externas, como
provoca uma ação psicológica positiva.
51
Outrossim, cumpre assinalar que outros fatores, além da atuação do
profissional, podem influir no resultado final, quais sejam: as condições pessoais do
paciente; acidentes intercorrentes, tais como terceiros integrantes da equipe
cirúrgica, os quais têm responsabilidade direta pelo bom desempenho do ato
cirúrgico, e conduta inadequada do paciente, que muitas vezes não toma os devidos
cuidados do pré e pós operatório, tal como recomendado pelo médico.
Assim, para esta corrente, a nosso ver com acerto, aqui também somente
caberia responsabilização do profissional da Medicina na hipótese de, advindo um
mau resultado, acarretando dano ao paciente, restasse comprovada sua atuação
culposa, caracterizando o erro médico. A culpa apurada, no caso, não decorreria do
resultado obtido, mas sim dos meios empregados inadequadamente.
VI.3 - A CIRURGIA PLÁSTICA E O CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA
O Código de Ética Médica (Lei nº 3.269/57) contém as normas que regulam
o exercício da Medicina. Segundo os adeptos da corrente que entende pela
classificação da atividade dos cirurgiões estéticos como obrigação de meio, o próprio
Código de Ética Médica veda, em qualquer circunstância, que o médico seja
obrigado a atingir determinado resultado de tratamento. Passemos à transcrição de
alguns destes artigos:
Art. 12: O médico deve buscar a melhor adequação do trabalho ao
ser humano e a eliminação ou controle dos riscos inerentes ao
trabalho.
52
Art. 21: É dever do médico indicar o procedimento adequado ao
paciente, observadas as práticas reconhecidamente aceitas, e
respeito às normas legais vigentes no País.
Art. 46: É vedado ao médico efetuar qualquer procedimento médico
sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de
seu responsável legal, salvo em eminente perigo de vida.
Art. 59: É vedado ao médico deixar de informar o paciente o
diagnóstico, prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo
quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano,
devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável
legal.
Art. 91: É vedado ao médico firmar qualquer contrato de Assistência
Médica que subordine os honorários ao resultado do tratamento ou a
cura do paciente.
Em 1990, o Conselho Federal de Medicina, ao analisar um recurso
interposto por uma paciente, entendeu que “o compromisso médico ao assumir a
responsabilidade de tratamento de seu paciente, mesmo em Cirurgia Plástica,
é de utilizar-se de todos os meios ao seu alcance, para obter o melhor dos
resultados se, contudo, assumir obrigação com resultado final do caso. O
médico não pode ser responsabilizado por intercorrências que venham a existir por
infecção ou reação do organismo do paciente. A responsabilidade do cirurgião
restringe-se à adequada utilização da técnica cirúrgica e sua correta
realização”22 (grifos nossos).
22. Juarez Moraes Avelar, Cirurgia Plástica – obrigação de meio e não obrigação de fim ou de resultado, São Paulo: Hipócrates, 2000, p. 424
53
Para finalizar este capítulo, cabe transcrever a Resolução nº 81/97 do
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo:
O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, no
uso das atribuições que lhe conferem a Lei nº 3.268, de 30 de
setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de
julho de 1958 e,
Considerando que a Cirurgia Plástica é especialidade médica,
reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina e pela Associação
Médica Brasileira, sem incorrer em subdivisões topográficas,
diagnósticas ou de finalidade;
Considerando que a Cirurgia Plástica tem seu conjunto de
conhecimento regulamentado no ensino de graduação, na pós-
graduação lato sensu (residência e especialização), pós-graduação
strictu sensu (mestrado e doutorado);
Considerando que a Cirurgia Plástica tem sua prática
profissional regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina,
registrando o título de especialista, obtido pela Residência Médica,
credenciada pela Comissão Nacional de Residência Médica e
através da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica;
Considerando que a Cirurgia Plástica trata de doenças e
deformidades congênitas, adquiridas, traumáticas, degenerativas e
oncológicas, assim como de suas consequências, visando beneficiar
os pacientes, do ponto de vista funcional, psicológico e social,
objetivando a melhoria da qualidade de vida;
Considerando a necessidade de informar a Sociedade Civil da
real função da Cirurgia Plástica, como especialidade médica;
54
Considerando, finalmente, o decidido, na Sessão Plenária,
realizada em 03/06/97
RESOLVE:
Artigo 1o – A Cirurgia Plástica é especialidade única,
indivisível e, como tal, deve ser exercida por médicos devidamente
qualificados, utilizando técnicas habituais, reconhecidas
cientificamente.
Artigo 2o – O tratamento pela Cirurgia Plástica constituiu ato
médico que deve ter como finalidade trazer benefício à saúde do
paciente, seja física, psicológica ou social.
Artigo 3o – O cirurgião plástico, como todos os médicos, deve
manter em sua prática, conduta ética, não utilizar procedimentos
experimentais, a não ser em circunstâncias especificamente
consideradas como pesquisa clínica, sempre com prévia autorização
do paciente e utilizando as normas da Convenção de Helsinki, e do
Conselho Nacional de Saúde e, consequentemente, sem ônus para
o paciente.
Artigo 4o – Na Cirurgia Plástica, como em qualquer
especialidade médica, o médico não deve prometer resultado ou
garantia do tratamento. O médico deverá informar ao paciente, de
forma clara, sobre os riscos do procedimento.
Artigo 5o – O objetivo do ato médico, na Cirurgia Plástica,
como em toda a prática médica, constitui obrigação de meio e não
obrigação de fim ou de resultado.
Artigo 6o – A presente Resolução entrará em vigor na data de
sua publicação, revogando-se as disposições em contrário”.
55
VI.4 - ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL
O posicionamento dos nossos Tribunais no que tange à classificação da
atividade dos cirurgiões plásticos estéticos não tem sido pacífico. Isto porque ora se
decide de acordo com o posicionamento que entende pela classificação da atividade
como obrigação de resultado, ora se decide de acordo com o posicionamento que
entende pela classificação da atividade como obrigação de meio.
Apenas para exemplificarmos a assertiva supra, trazemos à colação alguns
julgados dos Tribunais pátrios acerca do assunto, ora transcritos:
Contratada a realização de cirurgia plástica embelezadora, o
cirurgião assume obrigação de resultado, sendo obrigado a
indenizar pelo não cumprimento da mesma obrigação, tanto pelo
dano material quanto pelo dano moral, decorrente de deformidade
estética, salvo prova de força maior ou caso fortuito. (STJ, 3a Turma,
RESP 10.536/RJ, Rel. Min. Dias Trindade, j. 21.06.91 – RSTJ
33/555).
(Grifos nossos)
Não há se há de imputar responsabilidade indenizatória ao
médico, em face do insucesso de intervenção cirúrgica, se não
restar evidenciada sua conduta culposa, uma vez que o
compromisso assumido constitui obrigação de meio e não de
resultado. (TAMG, 6a Câmara, Ap. Cível nº 170.185-1, Rel. Juiz
Salatiel Resende, j. 28.04.1994).
(Grifos nossos)
Conforme já mencionado, não há um posicionamento pacífico na
jurisprudência. Isto poderá ser melhor demonstrado em momento oportuno, em
56
espaço anexo a este trabalho destinado apenas à análise das decisões proferidas
pelos nosso Tribunais.
Apenas para finalizarmos este capítulo destinado à classificação da
atividade exercida pelo cirurgião plástico estético, ressaltamos que, muito embora
haja no Brasil uma tendência a se tratar com maior rigor a responsabilidade do
cirurgião plástico que realiza intervenção puramente estética, a doutrina e
jurisprudência vigente em outros países, tais como a França, se inclina em admitir
que a obrigação a que está submetido o cirurgião plástico não é diferente dos
demais cirurgiões, sendo, portanto, de meio e não de resultado.
57
CAPÍTULO VII
INDENIZAÇÃO: CUMULAÇÃO DO DANO ESTÉTICO E MORAL
Em se tratando da reparação civil do dano estético, surgem as mesmas
dificuldades encontradas na reparação do dano moral em geral, as quais já foram
abordadas em capítulos anteriores deste trabalho.
Porém, o maior problema a ser enfrentado no tema da reparação civil do
dano estético diz respeito à sua autonomia com relação à reparação dos danos
materiais e morais. Vale dizer, se o dano estético é também dano moral, como
aceitar-se a cumulação de ambos? A doutrina e a jurisprudência têm se dividido a
respeito do assunto.
Para alguns doutrinadores, a indenização do dano estético não teria
autonomia, visto que contido na lesão moral e patrimonial. Vale dizer, os danos
causadores da deformidade estética podem acarretar um dano patrimonial, caso
impeçam à vítima de obter seus ganhos normais, além do dano moral pelos
sofrimentos causados. Para estes doutrinadores, tais como Antonio Jeová dos
Santos e Maria Helena Diniz, o dano moral é gênero do qual o dano estético é
espécie.
Neste mesmo sentido, temos a exposição feita pelo Desembargador Sérgio
Cavalieri Filho, a seguir transcrita:
“A doutrina e a jurisprudência, bem como a lei (art. 1.538, do CC),
admitem a cumulação do dano material e o estético, aspecto do
dano moral. O que não é admissível, data venia, é a cumulação do
58
dano estético com o moral, porque, sendo aquele um aspecto deste,
a cumulação constituiria bis in idem. O dano estético, tenham-se em
conta, não é uma terceira espécie do dano, apenas um aspecto do
dano moral” 23.
Porém, para grande parte da doutrina, caberia a cumulação da
indenização pelo dano estético e pelo dano moral advindos do mesmo fato danoso.
A jurisprudência por vezes admite a cumulação, o que, num primeiro momento,
poderá aparentar ser um bis in idem. Estes julgados externam o entendimento de
que tais indenizações são cabíveis a títulos diferentes, ou seja, uma reparação pela
deformidade física causada, e outra reparação pelas dores e sofrimentos íntimos da
vítima. Alguns julgadores utilizam-se, por analogia, da Súmula 37 do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) para fundamentar as decisões que entendem pela
possibilidade da cumulação. Referida Súmula admite a cumulação de danos
materiais e morais advindos do mesmo fato danoso e, por analogia, caberia também
a cumulação de danos morais e estéticos.
Entretanto, diversos julgadores entendem pela impossibilidade da
dupla reparação, acolhendo os argumentos de que, por ser um dano moral, o dano
estético nele já estaria incluso, e vice-e-versa.
Teresa Ancona Lopez defende a possibilidade de cumulação,
asseverando que “haverá momentos em que poderemos ter para um mesmo fato
danoso dois ou mais bens jurídicos diferentes atingidos, devendo, então, haver
reparação de todas as ofensas e de forma cumulativa, sem o que se verá frustrada
23. Sérgio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil,in Revista Forense n. 346, Rio de Janeiro, 1999, p. 83.
59
toda a justiça almejada pela teoria da responsabilidade civil. (...). A base legal para a
admissão da cumulação do dano moral e do dano estético é o artigo 5o , V, da nossa
Carta Magna, pois a referida norma constitucional admite reparação para três tipos
de danos: o material, o moral e o dano à imagem” 24.
Assim, a citada jurista entende que a cumulação do dano estético com
o dano moral será admitida apenas em casos de deformações graves, as quais
acarretem, além do dano físico (que ofende o direito à integridade física), a rejeição
da vítima no meio social. Aliás, neste sentido temos o seguinte julgado:
INDENIZAÇÃO – Danos estético e moral – Verba somente devida
se a lesão importar desfiguração e rejeição da vítima no
ambiente social – Comprovação tão-somente de cicatriz
insuficiente para fundamentar o pedido – Inépcia decretada.
Sem propriamente desfigurar a pessoa e sem que esse fato importe
sua rejeição no ambiente social em que vive, não se pode admitir a
reparação dos danos estéticos e morais.
Assim, se como prova dos danos foram juntadas somente fotos
antes e depois do acidente, comprovando-se tão-somente uma
cicatriz, a inépcia dos pedidos é evidente.
(Ap. 437.582-2 – 3a C. Esp. Julho/90 – j. 10.07.1990 – Rel. Juiz
Antônio de Pádua Ferraz Nogueira, in RT 661/98).
Este entendimento também é defendido pelo ilustre doutrinador Yussef Said
Cahali, que aponta que “a jurisprudência mais atualizada tende a identificar na lesão
à integridade corporal do ser humano uma ofensa ao seu direito de personalidade,
24. Teresa Ancona Lopez, O dano estético – responsabilidade civil, São Paulo: RT, 1999, p. 126.
60
passível de configurar também um dano moral puro, e como tal indenizável de
maneira mais ampla que a simples deformidade aparente” 25.
Ainda nesta linha de pensamento, ressaltamos os ensinamentos de Aguiar
Dias, o qual defende a idéia de que “dano psíquico e dano estético são cumuláveis,
embora nem sempre. Há lesões que não dão deformidade física, mas afetam o
psiquismo. Há outras que afetam a estética, mas a vítima as supera e assimila, sem
repercussão psíquica” 26.
Para finalizar a discussão aqui ventilada, cabe ressaltar que o entendimento
do Superior Tribunal de Justiça tem sido no sentido de permitir a cumulação da
indenização do dano estético com dano moral, em algumas hipóteses. Seria o caso,
por exemplo, de alguém que venha a sofrer um dano estético e não dependa
diretamente da imagem para sobreviver. Aqui, ainda que não haja danos
patrimoniais ligados ao prejuízo estético, salvo aquele advindo da necessidade de
eventuais cirurgias reparadoras, subsistirá o dano moral. Ocorre que todos que
levam uma vida em sociedade necessitam estar em constante interação para com
os demais indivíduos. Assim, é inegável dizer que, ainda que se retire o aspecto
patrimonial do prejuízo em relação à morfologia da pessoa humana, ainda assim
subsistirá dano ressarcível em relação à sua estética, cumulado com o dano moral.
Em anexo a este trabalho traremos à colação os recentes julgados neste mesmo
sentido.
Para aqueles que entendem pela autonomia da reparação do dano estético,
a fixação do quantum indenizatório deve ser auferido, em suma, de acordo com o
25. Yussef Said Cahali, Dano Moral, São Paulo: Saraiva, 1998, p. 244.
26. Aguiar Dias, Da Responsabilidade Civil, Rio de Janeiro: Saraiva, 1994, p. 252.
61
prudente arbítrio do juiz, atendendo-se às peculiaridades do caso concreto. Assim,
devem ser levados em conta critérios tais como a extensão do dano, as condições
pessoais do ofendido, as condições pessoais do ofensor e a gravidade da culpa.
62
CAPÍTULO VIII
A RESPONSABILIDADE DO MÉDICO E O CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR
A Constituição Federal, em seu artigo 5o, inciso XXXII, preceitua que “O
Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Assim, o CDC -
Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) veio regular as relações de
consumo, revelando-se como uma garantia e um complemento de ordem
constitucional.
Nos termos do Código de Defesa do Consumidor, poderíamos enquadrar o
paciente como consumidor do serviço prestado e o médico, por sua vez, como o
fornecedor de tais serviços.
Isto porque referido Codex assim define consumidor e fornecedor:
Art. 2o – Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire
ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Art. 3o – Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou
prestação de serviços. (Grifou-se)
Diante desta classificação, cumpre-nos fazer algumas considerações. Em
primeiro lugar, o artigo 6o, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, dispõe
63
acerca da possibilidade de inversão do ônus da prova, para facilitação da defesa
dos direitos do consumidor. A inversão poderá ocorrer a critério do juiz, diante de
fatos verossímeis, ou quando o consumidor for hipossuficiente. Vale dizer, o sentido
dessa inversão é equilibrar as partes na demanda judicial.
Quanto à responsabilidade civil do médico, na qualidade de profissional
liberal, consoante o que dispõe o artigo 14, parágrafo 4o, do Código de Defesa do
Consumidor, esta será apurada mediante verificação de culpa, nos moldes do que já
foi amplamente demonstrado em capítulos anteriores deste trabalho. Todavia, cabe
lembrar que há uma grande discussão existente no que tange à atividade exercida
pelos cirurgiões plásticos, em que o contrato firmado entre paciente (consumidor) e
médico (fornecedor) é considerado por alguns como sendo de resultado e, por
outros, de meios. Assim, dependendo do entendimento a ser seguido, a
inadimplência poderá ou não ser observada em determinadas situações.
Porém, o citado dispositivo legal não faz distinção quanto à atividade
exercida pelo médico; o dispositivo legal deixa bem claro que, para a
responsabilização pessoal dos profissionais liberais, deve ser utilizado o sistema
fundado na culpa e, neste caso, haverá inadimplência se a atividade for exercida de
forma irregular e se na prestação do serviço vier a ocorrer um acidente de consumo,
sendo que o médico terá sua responsabilidade civil apurada dentro dos limites da
má prática.
Referido artigo configura-se em exceção ao princípio da responsabilidade
objetiva do prestador de serviços, consagrado no Código de Defesa do Consumidor.
Vale dizer, somente para a responsabilidade pessoal do médico, enquanto
profissional liberal, será utilizado o sistema fundado na culpa.
64
Em se tratando de assistência médica prestada pelo hospital, como
fornecedor de serviços, a apuração da responsabilidade independe da existência de
culpa. Assim, para responsabilização do hospital, bastará a demonstração do dano e
do nexo causal (vide Capítulo I).
Com efeito, o artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor, prevê a
responsabilidade do fornecedor de serviços pela reparação do dano causado aos
consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre a fruição e riscos,
independentemente da existência de culpa. Tal regra somente não será aplicada em
havendo culpa exclusiva (e comprovada) do consumidor ou de terceiros que não
sejam prepostos ou empregados do prestador de serviços. Outrossim, a teor do
artigo 6o, inciso VI, do mesmo Codex, o consumidor lesionado poderá ser ressarcido
tanto por danos patrimoniais quanto por danos morais.
Assim, caso o médico que trabalha no estabelecimento de saúde venha a
ser culpado pelo dano causado, ainda assim a responsabilidade do hospital será
objetiva, enquanto eventual responsabilização pessoal do médico será apurada
mediante a verificação de culpa. Vale ressaltar que, neste hipótese, o hospital terá
direito de regresso contra o profissional.
Para finalizar este capítulo, diante de todas as considerações aqui
destacadas, cumpre-nos transcrever o voto brilhantemente proferido pelo ilustre
Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em
abril de 1999 (Recurso Especial nº 81.101), relacionado especificamente à atividade
exercida pelos médicos especializados em cirurgias plásticas, sejam elas
reparadoras ou meramente estéticas. Neste voto, o Ministro firma o entendimento de
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que, qualquer que seja a atividade do cirurgião, não será aplicável o artigo 6o , VIII,
do Código de Defesa do Consumidor, ressaltando o fato de que o mesmo diploma
legal exclui a possibilidade da inversão do ônus da prova, em seu artigo 14,
parágrafo 4º. Passemos à transcrição de trecho do referido voto:
“...as diversas sub-especialidades cirúrgicas não apresentam
entre si diferenças essenciais ou constitutivas. Toda cirurgia é
uma forma de tratamento...E assim é, na medida em que as
cirurgias são uma forma de tratamento do qual uma parte importante
é um contrato para a obtenção do melhor resultado possível,
acompanhado da mais competente e ampla informação sobre seus
efeitos e resultados previsíveis.
Em qualquer das sub-especialidades cirúrgicas exige-se um
profissional habilitado, agindo com perícia, prudência e diligência em
todas as etapas de sua atuação, de forma comparável a outro
profissional atuando nas mesmas circunstâncias.
Pela própria natureza do ato cirúrgico, cientificamente
igual, pouco importando a sub-especialidade, a relação entre o
cirurgião e o paciente, está subordinada a uma expectativa do
melhor resultado possível, tal como em qualquer atuação
terapêutica, muito embora haja possibilidade de bons ou não
muito bons resultados, mesmo na ausência de imperícia,
imprudência ou negligência, dependente de fatores alheios,
assim, por exemplo, o próprio comportamento do paciente, a reação
metabólica, ainda que cercado o ato cirúrgico de todas as cautelas
possíveis, a saúde prévia do paciente, a sua vida pregressa, a sua
atitude sômato-psíquica em relação ao ato cirúrgico. Toda
intervenção cirúrgica, qualquer que ela seja, pode apresentar
resultados não esperados, mesmo na ausência de erro médico.
E, ainda, há certas técnicas conseqüências que podem ocorrer,
independentemente da qualificação do profissional e da diligência,
perícia e prudência com que realize o ato cirúrgico.
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Anote-se, nesse passo, que a literatura médica, no âmbito da
cirurgia plástica, indica, com claridade, que não é possível alcançar
100% de êxito.
O principal argumento para transpor a cirurgia estética ao
campo das obrigações de resultado está assentado no compromisso
do cirurgião obter com o ato cirúrgico um determinado resultado, que
teria sido contratado, considerando que não há patologia a ser
enfrentada.
Todavia, esses dois pontos, o compromisso com
determinado resultado e a ausência de patologia, não servem
para desqualificar a unidade científica do ato cirúrgico que,
como visto supra, tem a mesma natureza e depende da mesma
álea, não importando a sub-especialidade.
Qualquer que seja o ato cirúrgico, o que determina a
responsabilidade é a constatação da existência do erro médico
e não, diante da igual natureza científica do ato, o compromisso
de alcançar certo resultado. E o erro médico, como ensina o
Professor e acadêmico Júlio de Moraes, na medida em que o médico
não é infalível, é aquele que um profissional de média capacidade,
em idênticas situações, não cometeria.
Por um lado, mesmo a cirurgia meramente estética não
significa, necessariamente, a ausência de uma patologia. Pode
ocorrer, por exemplo, que uma paciente procure um cirurgião
plástico para corrigir uma deformidade na apêndice nasal que,
enfeiando-lhe o rosto, cause-lhe um transtorno da personalidade,
assim uma depressão; ou um outro que apresente uma ginecomastia
acentuada a causar-lhe comportamento neurótico; ou, ainda, outra,
que busca uma correção de mama diante de sobrecarga postural
que lhe impeça o exercício de certa atividade profissional.
Enfim, há uma variedade enorme de circunstâncias peculiares
que não devem ser vinculadas a um padrão imposto pela
jurisprudência sobre a configuração jurídica da cirurgia estética como
obrigação de resultado, que pode levar, ademais, a absurdos
gravosos como o conceito de aceitação do resultado diante de
determinado detalhe, assim, por exemplo, o exato tamanho da
mama, ou sua angularidade específica, ou do nariz, ou, ainda, o
tamanho exato da cicatriz em uma cirurgia para eliminar a flacidez
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abdominal, ou, até mesmo, um contrato de garantia para a
resistência das mamas ou do enrijecimento do abdome por certo
tempo.
Por outro lado, não é possível estabelecer, tal-qualmente em
direito não o é, um padrão de resultado uniforme em todos os
pacientes, mesmo em se tratando de cirurgia em sub-especialidade
diversa da estética, dependendo o resultado, sempre, de muitos
fatores, até mesmo do comportamento do paciente. O que o
cirurgião contrata com o seu paciente é a realização de um ato
cirúrgico com a melhor técnica possível, prestando-lhe
detalhadamente todas as informações sobre as conseqüências da
cirurgia. O que se não pode admitir é a repetição de um standard
jurisprudencial que está em desalinho, a meu juízo, com a realidade
mais moderna dos avanços da ciência médica e da ciência jurídica.
Finalmente, neste patamar, é bom não esquecer que não se
pode presumir, como parece vem sendo admitido pela
jurisprudência, que o cirurgião plástico tenha prometido maravilhas
ou que não tenha prestado as informações devidas ao paciente,
configurando o contrato de resultado certo e determinado. A só
afirmação do paciente em uma inicial de ação indenizatória não é
suficiente para acarretar a presunção de culpa do médico,
invertendo-se o ônus da prova, como no presente caso. O paciente
deve provar que tal ocorreu, que não recebeu informações
competentes e amplas sobre a cirurgia” 27. (Grifou-se)
27. Juarez Moraes Avelar, Cirurgia Plástica – obrigação de meio e não obrigação de fim ou de resultado, São Paulo: Hipócrates, 2000, pp. 427/429.
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ANEXO – JURISPRUDÊNCIA
Ementas de acórdãos dos nossos Tribunais que entenderam
pela classificação da atividade exercida pelo cirurgião estético
como obrigação de resultado:
CIVIL E PROCESSUAL - CIRURGIA ESTÉTICA OU PLÁSTICA -
OBRIGAÇÃO DE RESULTADO (RESPONSABILIDADE
CONTRATUAL OU OBJETIVA) - INDENIZAÇÃO - INVERSÃO
DO ÔNUS DA PROVA. I - Contratada a realização da cirurgia
estética embelezadora, o cirurgião assume obrigação de resultado
(responsabilidade contratual ou objetiva), devendo indenizar pelo
não cumprimento da mesma, decorrente de eventual deformidade
ou de alguma irregularidade. II - Cabível a inversão do ônus da
prova. III - Recurso conhecido e provido.
(RESP 81101/PR; 3a T. do STJ; Rel. Min. Waldemar Zveiter; j.
13/04/1999).
RESPONSABILIDADE CIVIL - CIRURGIÃO PLÁSTICO –
ABDOMINOPLASTIA. Paciente que, após o ato cirúrgico,
apresenta deformidades estéticas. Cicatrizes suprapúbicas, com
prolongamentos laterais excessivos. Depressão na parte mediana
da cicatriz, em relação à distância umbigo/púbis. Gorduras
remanescentes. Resultado não-satisfatório. Embora não
evidenciada culpa extracontratual do cirurgião, é cabível o
ressarcimento. A obrigação, no caso, é de resultado, e não de
meio. Conseqüentemente, àquele se vincula o cirurgião plástico.
Procedência parcial do pedido, para condenar o réu ao pagamento
das despesas necessárias aos procedimentos médicos
reparatórios. Dano estético reduzido. Ressarcimento proporcional.
Custas e honorários de 20% (vinte por cento) sobre o valor da
condenação.
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(TJRJ - 5ª Câm.; Ap. Cível nº 338-93; Relator Des. Marcus Faver;
DJU 04.06.1993)
RESPONSABILIDADE CIVIL - CIRURGIA PLÁSTICA -
OBRIGAÇÃO DE RESULTADO - PROVA - HONORÁRIOS DE
ADVOGADO E VALOR DO DANO MORAL. A responsabilidade
do cirurgião plástico é subjetiva, mas, em se tratando de obrigação
de resultado e não de meio em que fica invertido o ônus da prova,
prevalece a presunção da culpa dos médicos pelo insucesso ou
pela imperícia na cirurgia de melhoramento executada na autora,
sem que houvesse prova idônea que ilidisse tal culpa. Resultado
nefasto da cirurgia plástica e prova pericial não favorável aos réus.
Reparação de danos material e moral. Aplicação, quanto aos ônus
da sucumbência, do disposto no parágrafo único do art. 21 do
CPC. Redução do valor do dano moral. Recursos parcialmente
providos.
(TJRJ - 7ª Câm. Cível; AC nº 03.886/2001-RJ; Rel. Des. Paulo
Gustavo Horta; j. 5/6/2001).
INDENIZAÇÃO - Responsabilidade civil - Erro médico -
Cirurgia plástica - Danos estético - Hipótese de cicatrizes
hipertróficas localizadas nas mamas - Considerações sobre a
cirurgia reparadora e estética - Configuração da obrigação de
resultado - Verba devida para a realização de nova cirurgia para
reparação do dano - Recurso provido. Quanto aos cirurgiões
plásticos, a obrigação que assumem é de resultado. Os pacientes,
na maioria dos casos de cirurgia plástica, não se encontram
doentes, mas pretendem corrigir um problema estético. Interessa-
lhes, precipuamente, o resultado. Se o cliente fica com aspecto
pior, após a cirurgia, não se alcançando o resultado que constituía
a própria razão de ser do contrato, cabe-lhe o direito à pretensão
indenizatória pelo resultado não alcançado.
(TJSP; 1ª Câmara Civil - Ap. Cível n. 227.747-1; Relator:
Guimarães e Souza - 15.07.95 - M.V.)
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INDENIZAÇÃO - Responsabilidade civil - Erro médico - Danos
moral e material - Danos decorrentes de cirurgia plástica de
caráter estético - Obrigação de resultado ou dever do médico de
esclarecer o paciente em caso de dúvida quanto ao êxito da
operação - Verba devida - Sentença confirmada
(JTJ 207/116 )
Ementas de acórdãos dos nossos Tribunais entendendo pela
classificação da atividade exercida pelo cirurgião estético
como obrigação de meio:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ERRO MÉDICO. Cirurgia que teria
preponderância estética e que culminou em ser curativa. Imperícia
não comprovada. O cirurgião não tem poderes, nem o dever,
para transformar o feio em bonito. Recurso provido para se
julgar a ação improcedente.
(TJRS; 6a Câmara Cível; Ap. Cível nº 59188144; Rel. Décio
Antônio Erpen; j. 03/12/1996).
RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO. CIRURGIA ESTÉTICA.
PÓS-OPERATÓRIO. Reconhecido no acórdão que o médico foi
negligente nos cuidados posteriores a cirurgia, que necessitava de
retoques, impõe-se sua condenação ao pagamento das despesas
para a realização de tais intervenções. Recurso conhecido em
parte e provido.
(RESP 73958 / PR; 4a T. do STJ; Rel Min. Ruy Rosado de Aguiar;
j. 21/11/1985).
MÉDICO - RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO -
MAMOPLASTIA DA QUAL RESULTOU DEFORMIDADE
ESTÉTICA - DEFORMAÇÃO ATRIBUÍDA À FLACIDEZ DA PELE
DA PACIENTE - FATO QUE, SE NÃO LEVADO AO
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CONHECIMENTO DA AUTORA, CARACTERIZOU
IMPRUDÊNCIA E, SE DESCONHECIDO, CARACTERIZOU
NEGLIGÊNCIA - PROCEDÊNCIA DA AÇÃO MANTIDA -
INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 159, 948 E 1.538, DO CC - Se a
deformação dos seios deve ser atribuída à flacidez da pele da
autora, resta incólume a culpa do cirurgião. Assim, duas hipóteses
merecem destaque. Primeira, o réu que, evidentemente, examinou
os seios da autora, percebeu a alegada flacidez da pele, ocultando
esse fato da paciente, agindo com imprudência, pois como
conceituado cirurgião que alega ser, devia prever o resultado
indesejável da deformação apontada. Segunda, se não percebeu
dita flacidez, agiu com negligência, outra modalidade de culpa.
(TJSP - 9ª Câm. Civil; Ap. Cível nº 233.608-2/7-Campinas-SP; Rel.
Des. Accioli Freire; j. 09.06.1994; v.u.)
RESPONSABILIDADE CIVIL - Cirurgia plástica - Atividade de
meio - Adotada a teoria da responsabilidade subjetiva -
Inteligência do artigo 14, § 4º do Código de Defesa do
Consumidor.
(Apelação Cível n. 36.043-4 - São Paulo - 2ª Câmara de Direito
Privado - Relator: Vasconcellos Pereira - 27.04.99 - V.U.)
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - Prestação de
serviços - Cirurgia plástica - Atividade de meio - Adoção da
teoria da responsabilidade subjetiva - Inteligência do disposto no
artigo 14, § 4º da Lei n. 8.078/90. A obrigação do cirurgião plástico,
portanto, seria de resultado, não de meio. Essa, contudo, não é a
concepção do relator, para quem a cirurgia plástica sempre é
reparadora, e tem especial relevância, com inegáveis efeitos
psicológicos, de bem estar físico e íntimo, ainda quando não
destinado à sobrevivência da pessoa humana.
(Apelação Cível n. 36.043-4 - São Paulo - 2ª Câmara de Direito
Privado - Relator: Vasconcellos Pereira - 27.04.99 - V.U.)
72
INDENIZAÇÃO. Responsabilidade Civil. Ato ilícito. Dano
estético. Intervenção de natureza mastológica. Nexo causal direto
entre a deformidade gravosa e o comportamento culposo do
médico. Recurso não provido.
(LEX 137/182)
Indenização: cumulação do dano moral e estético
RESPONSABILIDADE CIVIL. Médico. Cirurgia estética.
Lipoaspiração. Dano extrapatrimonial. Dano moral. Dano
estético. Dote. Para a indenização do dano extrapatrimonial que
resulta do insucesso de lipoaspiração, é possível cumular as
parcelas indenizatórias correspondentes ao dano moral em sentido
estrito e ao dano estético. Exclusão do dote (art. 1538, § 2º do
CCivil) e da multa (art. 538 do CPC). Recurso conhecido em parte
e provido.
(RESP 457312/SP; 4a T. do STJ; Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar;
j. 19/11/2002).
RESPONSABILIDADE CIVIL - ERRO MÉDICO - CULPA GRAVE
- HONORÁRIOS PROFISSIONAIS - DANOS ESTÉTICOS E
MORAL - Em se tratando de pedido de indenização por cirurgia
plástica malsucedida, provada a culpa, fica o profissional obrigado
a restituir ao paciente os honorários, bem como a reparar os danos
decorrentes do erro médico. Se em ação de indenização houve
pedido de reparação pecuniária por danos morais e estéticos
decorrentes de defeitos da cirurgia e outro para pagamento de
despesas com futura cirurgia corretiva, atendido a este,
inadmissível será o deferimento do primeiro.
(TAMG - 4ª Câm.; Ap. Cível nº 11.111-3; Rel. Juiz Mercêdo
Moreira)
73
INDENIZAÇÃO. Dano estético. Reparação que deve abranger
tanto as despesas que o lesado tenha para a respectiva
recuperação, como os danos estéticos derivados do fato da
violação. Tratando-se de dano estético, há de se indenizar tanto
as despesas que o lesado tenha para a respectiva recuperação
(reparação imaterial ou patrimonial, porquanto dano físico), como
os danos estéticos derivados do fato da violação (reparação moral,
porque o reflexo se sente na esfera afetiva e valorativa da
personalidade da pessoa atingida, na defesa da dignidade
humana.
(RT 707/85).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
De tudo o que se acaba de expor, cumpre-nos destacar as seguintes
considerações:
a) A possibilidade de haver responsabilização do cirurgião plástico por eventuais
danos estéticos causados ao paciente, dependerá do entendimento a ser
seguido em relação à classificação da atividade exercida. Isto porque ora se
entende pela classificação da atividade como obrigação de meio, ora se
entende pela classificação da atividade como obrigação de resultado.
b) Considerando-se a atividade exercida pelo cirurgião plástico como obrigação
de meio, a possibilidade de responsabilização pessoal do profissional
dependerá da comprovação da ocorrência de culpa em sua atuação.
Considerando-se a atividade como obrigação de resultado, presumir-se-á a
culpa do cirurgião plástico, bastando ao paciente a prova da existência do
dano e do nexo de causalidade entre este e a intervenção cirúrgica. Neste
caso, caberá ao médico a prova da ocorrência de alguma das excludentes de
responsabilidade civil, como por exemplo a culpa exclusiva do paciente.
c) A doutrina e a jurisprudência têm pacificado o entendimento de que, em se
tratando de cirurgia plástica reparadora, não há que se falar em obrigação de
resultado assumida pelo médico. Porém, em se tratando de cirurgia plástica
meramente estética, o entendimento majoritário é de que, como exceção à
regra, a obrigação assumida pelo médico seria de resultado.
d) Porém, partilhamos do entendimento de que não cabe a distinção feita no
item anterior, já que qualquer cirurgia, seja ela plástica ou não, estética ou
75
reparadora, trazem a mesma álea, advinda das reações de cada organismo
ao tratamento imposto (no caso, a intervenção cirúrgica).
e) O que cabe ao médico cirurgião estético, é alertar os pacientes acerca dos
riscos envolvidos, assim como qualquer outro profissional da Medicina.
Porém, caso o cirurgião venha a prever que os riscos são maiores do que
àqueles inerentes à qualquer intervenção cirúrgica, deverá recusar-se a
realizar a cirurgia, mesmo que o paciente assuma expressamente os riscos
que poderão advir.
f) Obviamente que, em se tratando de cirurgia plástica meramente estética,
torna-se de fácil percepção a ocorrência de eventual erro médico. Porém,
mesmo assim incumbe ao paciente a prova da existência de culpa por parte
do cirurgião, vez que cabe ao autor da ação a prova de suas alegações.
g) Outra discussão relevante acerca do assunto, conforme abordado ao longo
deste estudo, refere-se à aplicabilidade do artigo 6o, do Código de Defesa do
Consumidor, que em seu inciso VIII prevê a possibilidade de inversão do ônus
da prova. Para aqueles que entendem ser a atividade em questão uma
obrigação de resultado, fatalmente ocorreria a inversão, cabendo ao médico a
prova de algumas das excludentes de responsabilidade civil. Já para a
corrente que entende pela classificação como obrigação de meio, não seria
possível referida inversão, tendo em vista que a responsabilização seria
pautada na verificação da conduta culposa do profissional.
h) Aliás, o próprio Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14,
parágrafo 4o, prevê a responsabilização pessoal dos profissionais liberais
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somente mediante a verificação de culpa, o que reforça o entendimento de
que a atividade exercida pelos médicos, indistintamente, é obrigação de meio.
Para finalizar, cumpre mais uma vez destacar que, sendo a cirurgia plástica
uma especialidade, assim como as demais áreas da Medicina, exposta a reações
imprevisíveis do organismo humano, não há que se falar em obrigação de resultado
imposta a estes profissionais. Ademais, para refutar os argumentos de que um
paciente que recorre à cirurgia plástica estética, a fim de melhorar sua forma física,
está bem de saúde e que, portanto, o médico estaria obrigado pelo resultado, tem-se
defendido que esta pessoa pode estar psicologicamente alterada em consequência
de imperfeições. Neste caso, a cirurgia se prestaria a devolver a normalidade
psíquica e física ao paciente. Isto porque não há elementos objetivos que
possibilitem precisar com exatidão os limites da cirurgia estética e da cirurgia
reparadora.
77
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78
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