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(RE)PENSANDO O TRABALHO CONTEMPORÂNEO Volume 1

(Re)pensando o trabalho contemporâneo · DIREITO INDIVIDUAL E COLETIVO DO TRABALHO I ... O DANO EXISTENCIAL À LUZ DA PRESPECTIVA LABOR AMBIENTAL ... empregado e o direito à propriedade

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(RE)PENSANDO O TRABALHO

CONTEMPORÂNEO Volume 1

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(RE)PENSANDO O TRABALHO

CONTEMPORÂNEO Volume 1

Organizadores

Victor Hugo de Almeida (FCHS/UNESP) Maria Hemília Fonseca (FDRP/USP) Jair Aparecido Cardoso (FDRP/USP)

Conselho Editorial

Jair Aparecido Cardoso (FDRP/USP) Luciana Lopes Canavez (FCHS/UNESP)

Maria Amália de Figueiredo Pereira Alvarenga (FCHS/UNESP) Maria Hemília Fonseca (FDRP/USP) Vera Lúcia Navarro (FFCLRP/USP)

Victor Hugo de Almeida (FCHS/UNESP)

Capa Ícaro Henrique Ramos (FCHS/UNESP)

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Re)Pensando o trabalho contemporâneo; v. 1 / Victor Hugo

de Almeida, Maria Hemília Fonseca, Jair Aparecido Cardoso

(organizadores). São Paulo: Cultura Acadêmica, 2017.

Vários autores.

Bibliografia.

ISBN 978-85-7983-852-1

1. Trabalho. 2. Pesquisa. 3. Metodologia. I. Almeida, Victor

Hugo de. II. Fonseca, Maria Hemília. III. Cardoso, Jair

Aparecido.

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APRESENTAÇÃO

“(Re)Pensando o Trabalho Contempor}neo” é fruto de um Evento Científico e

Acadêmico, que ostentou o mesmo nome dessa obra, realizado em 7 de outubro de 2016, conjuntamente pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FCHS/UNESP) e pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP/USP).

Coordenado pelos docentes Prof. Dr. Victor Hugo de Almeida (FCHS/UNESP), Profa. Dra. Maria Hemília Fonseca (FDRP/USP) e Prof. Dr. Jair Aparecido Cardoso (FDRP/USP), o Evento ainda obteve a colaboração de diversos e engenhosos acadêmicos e profissionais, cujos esforços foram essenciais para o resultado alcançado:

Docentes-pesquisadores – Profa. Dra. Ilnah Toledo Augusto (FDRP/USP), Prof. Dr. Juvêncio Borges Silva (UNAERP), Profa. Dra. Luciana Lopes Canavez (FCHS/UNESP), Profa. Dra. Maria Amália de Figueiredo Pereira Alvarenga (FCHS/UNESP), Prof. Dr. Mário Augusto Carboni (UNISEB/RP), Profa. Dra. Vera Lúcia Navarro (FFCLRP/USP);

Discentes-pesquisadores – Amanda Barbosa (Mestranda - FDRP/USP), Camila Martinelli Sabongi (Mestranda - FCHS/UNESP), Fabiano Carvalho (Mestrando - FCHS/UNESP), Letícia Ferrão Zapolla (Mestranda - FDRP/USP), Lilian Carla de Almeida (Mestranda - EERP/USP), Nelma Karla Waideman Fukuoka (Mestranda - FCHS/UNESP), Olívia de Quintana Figueiredo Pasqualeto (Mestranda - FADUSP/USP), Paulo Henrique Martinucci Boldrin (Mestrando - FDRP/USP) e Renan Fernandes Duarte (Mestrando - FCHS/UNESP);

Servidores da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” e da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; e

Participantes do evento e Autores dos trabalhos submetidos. Buscou o Evento estimular e contribuir com pesquisas voltadas para a temática

“trabalho” em diversas searas do conhecimento, com ênfase nas áreas do Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Seguridade Social e Direito Previdenciário, Enfermagem, Sociologia, Serviço Social, História, Medicina, Psicologia, Administração, Economia, entre outras, nos níveis de Graduação e Pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado). Buscou, ainda, propiciar discussões sobre aspectos metodológicos relacionados a pesquisas envolvendo a temática que nomeou o Evento e estimular o intercâmbio de experiências e conhecimentos científicos entre as diversas |reas que se ocupam do tema “trabalho” como objeto de estudo e entre múltiplas Instituições de Ensino e Pesquisa do país.

Diante desse desafio, a convite do Comitê de Organização, a abertura do Evento foi conduzida pelo jurista e pesquisador, Prof. Associado Antonio Rodrigues de Freitas Junior, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FADUSP/USP – Largo São Francisco), com o tema “(Re)Pensando o Trabalho Contempor}neo”, visando à discussão do atual momento do trabalho no país e no mundo globalizado; seguida pelo painel “O trabalho humano como fonte de pesquisa”, conduzido pelos docentes-pesquisadores Profa. Dra. Maria Hemília Fonseca (FDRP/USP), Prof. Dr. Victor Hugo de Almeida (FCHS/UNESP) e Prof. Dr. Jair Aparecido Cardoso (FDRP/USP).

Ainda, cerca de 40 trabalhos científicos submetidos por pesquisadores das mais diversas Instituições de Ensino e Pesquisa do país foram selecionados para a apresentação nas seguintes

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mesas temáticas conduzidas por, ao menos, dois pesquisadores: Direito Individual e Coletivo do Trabalho I; Direito Individual e Coletivo do Trabalho II; Direito Processual do Trabalho, Seguridade Social e Direito Previdenciário; Meio ambiente do trabalho e saúde do trabalhador; e Multidisciplinaridade do trabalho: Economia, Enfermagem, História, Serviços Social, Sociologia, Administração, Filosofia, Psicologia, Medicina.

Destarte, a presente obra, certificada pelo Selo Cultura Acadêmica (Fundação Editora da UNESP), reúne o que se tem pesquisado nas Universidades brasileiras – de onde sopram os bons e necessários ventos – sobre a temática trabalho nos últimos tempos e em diversas áreas do conhecimento que comungam desse mesmo objeto de estudo, essencial, dinâmico, pleno e complexo. Boa leitura!

Prof. Dr. Victor Hugo de Almeida (FCHS/UNESP) Profa. Dra. Maria Hemília Fonseca (FDRP/USP)

Prof. Dr. Jair Aparecido Cardoso (FDRP/USP)

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SUMÁRIO

DIREITO INDIVIDUAL E COLETIVO DO TRABALHO I .................................................................................... 11

DIREITOS DA PERSONALIDADE VERSUS PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR: ANÁLISE DA

REVISTA ÍNTIMA DE EMPREGADOS .................................................................................................................. 13

Adri Nayane Souza de Mendonça Victor Hugo de Almeida

A EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO TRABALHO DAS PESSOAS DEFICIENTES NA PERSPECTIVA

LABOR-AMBIENTAL: INTEGRAÇÃO ENTRE AS NORMAS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS ................ 24

Fabiano Carvalho Victor Hugo de Almeida

O ACÚMULO NO PAGAMENTO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADES, E ADICIONAIS DE

INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE ............................................................................................................. 35

Jackeline Polin Andrade

JUSTA CAUSA: GARANTIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA ............................................ 46

José Ricardo Sabino Vieira

RELAÇÕES LABORAIS NO SISTEMA UBER: PRECARIZAÇÃO E FLEXIBILIZAÇÃO DE DIREITOS

TRABALHISTAS .......................................................................................................................................................... 56

Murilo Martins Victor Hugo de Almeida

CRIAÇÃO DE EMPREGOS ÀS PESSOAS DEFICIENTES ATRAVÉS DE INCENTIVOS FISCAIS ÀS

MICROS E PEQUENAS EMPRESAS ...................................................................................................................... 66

Paulo Henrique Liporini Fabiano Carvalho

DIREITO INDIVIDUAL E COLETIVO DO TRABALHO II .................................................................................. 77

A FLEXIBILIZAÇÃO DOS DIREITOS TRABALHISTAS NO ATUAL CONTEXTO BRASILEIRO:

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO VERSUS DIREITOS SOCIAIS ........................................................... 79

Carlos Roberto Valentim

TERCEIRIZAÇÃO E SUCESSÃO TRABALHISTA NO BRASIL ...................................................................... 86

Fernanda Zabian Pires

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Maria Hemília Fonseca AS COOPERATIVAS DE TRABALHO NO BRASIL: UMA ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO SOBRE A OCORRÊNCIA DE FRAUDES

EM COOPERATIVAS DE TRABALHO DA REGIÃO .......................................................................................... 96

Letícia Ferrão Zapolla Maria Hemília Fonseca Jair Aparecido Cardoso

FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS NO CONTEXTO DA QUARTA REVOLUÇÃO

INDUSTRIAL ...............................................................................................................................................................108

Marcelo Braghini

A TUTELA DO TRABALHO PARASSUBORDINADO NO BRASIL ............................................................120

Natalia Marques Abramides Jair Aparecido Cardoso

A AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO DA DISPENSA COLETIVA NO BRASIL E SEUS IMPACTOS

JURÍDICOS E SOCIAIS .............................................................................................................................................127

Nelma Karla Waideman Fukuoka Victor Hugo de Almeida

O DUMPING SOCIAL NO ÂMBITO LABORAL: UM ENFOQUE DOUTRINÁRIO E

JURISPRUDENCIAL ..................................................................................................................................................137

Pamela Pereira Santos

A ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO TRABALHADOR NO COMBATE AO TRÁFICO DE

PESSOAS E TRABALHO ESCRAVO DO TRABALHADOR IMIGRANTE .................................................148

Paulo Henrique Martinucci Boldrin Cynthia Soares Carneiro Maria Hemília Fonseca

PROFISSIONAIS DO SEXO E SUA POSIÇÃO DIANTE DO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO

.........................................................................................................................................................................................159

Raissa Felisberto Lopes

DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO, SEGURIDADE SOCIAL E DIREITO PREVIDENCIÁRIO...... 169

DESAPOSENTAÇÃO: RENÚNCIA DA APOSENTADORIA NO REGIME GERAL PARA AQUISISÃO

DE OUTRA NO MESMO REGIME COM MAJORAÇÃO DA RENDA ..........................................................171

Caio Afonso Laforga Sanches Raquel das Neves Rafael

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A REABILITAÇÃO PROFISSIONAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: ANÁLISE DA

RESPONSABILIDADE DE SUA EXECUÇÃO .....................................................................................................182

Daniela Nogueira Corbi

O DIREITO AO RECEBIMENTO DE SALÁRIO-MATERNIDADE DAS MÃES INDÍGENAS MENORES

DE DEZESSEIS ANOS ...............................................................................................................................................192

Gabrielle Ota Longo Ana Cristina Alves de Paula Juliana Presotto Pereira Netto

APOSENTADORIA ESPECIAL: A CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ESPECIAL NO REGIME

GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL .....................................................................................................................204

Leandro Francisco de Oliveira Olga Aparecida Campos Machado Silva

A ARBITRAGEM NOS DISSÍDIOS INDIVIDUAIS TRABALHISTAS: UMA PERSPECTIVA

DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL ..............................................................................................................215

Marina Precinotto da Cruz

AS CONSEQUÊNCIAS DA INOBSERVÂNCIA ERGONOMIA NA SAÚDE DO TRABALHADOR E NOS

BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE DO INSS ..................................................................................................237

Nara Faustino de Menezes

A IMPORTÂNCIA DA LICENÇA PATERNIDADE E O ADVENTO DO DECRETO Nº 8.737, DE 3 DE

MAIO DE 2016 ...........................................................................................................................................................246

Renan Segantini da Silva Mello

A ARBITRAGEM NOS CONFLITOS INDIVIDUAIS DO TRABALHO E A GARANTIA

FUNDAMENTAL DA EFETIVA TUTELA JURISDICIONAL .........................................................................255

Sandra Helena Favaretto

MEIO AMBIENTE DO TRABALHO E SAÚDE DO TRABALHADOR ............................................................ 267

ASSÉDIO SEXUAL À MULHER NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: REFLEXOS NO MEIO AMBIENTE

DE TRABALHO E NA SAÚDE DO TRABALHADOR ......................................................................................269

Ana Clara Tristão

O DANO EXISTENCIAL À LUZ DA PRESPECTIVA LABOR AMBIENTAL .............................................276

Camila Martinelli Sabongi Victor Hugo de Almeida

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O TRABALHO CONTEMPORÂNEO E OS EFEITOS NA SAÚDE DO PROFESSOR ..............................284

Carlos Eduardo Cervilieri

A FISCALIZAÇÃO DA SAÚDE E SEGURANÇA DO TELETRABALHADOR ............................................293

Fabiana Zacarias Helimara Moreira Lamounier Heringer

A POSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E

PERICULOSIDADE ....................................................................................................................................................305

Fernanda Menezes Leite Jair Aparecido Cardoso

MEIO AMBIENTE DO TRABALHO E SAÚDE DO TRABALHADOR: PRÁTICAS CORPORATIVAS

PASSÍVEIS DE APLICAÇÃO GERAL ....................................................................................................................316

Giovanna Gomes de Paula

POLUIÇÃO LABOR-AMBIENTAL: ESTUDO DA DOUTRINA E MAPEAMENTO DA

JURISPRUDÊNCIA DO TST ....................................................................................................................................326

Jair Aparecido Cardoso Maria Hemília Fonseca Olívia de Quintana Figueiredo Pasqualeto

FATORES ESTRESSANTES QUE PODEM INTERFERIR NA QUALIDADE DE VIDA E DE

TRABALHO DO ENFERMEIRO ............................................................................................................................334

Vanessa Augusto Bardaquim Sérgio Valverde Marques dos Santos Maria Lúcia do Carmo Cruz Robazzi

MULTIDISCIPLINARIDADE DO TRABALHO: ECONOMIA, ENFERMAGEM, HISTÓRIA, SERVIÇO

SOCIAL, SOCIOLOGIA, ADMINISTRAÇÃO, FILOSOFIA, PSICOLOGIA E MEDICINA ....................... 343

SAÚDE E SEGURANÇA EM UMA COOPERATIVA DE RECICLAGEM .....................................................345

Bárbara Oliveira Rosa

O TRABALHO DO JUIZADO ESPECIAL DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA DE FRANCA NA

EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA DO ADOLESCENTE ............................356

Gabriela Marcassa Thomaz de Aquino Edvânia Ângela de Souza Lourenço Eliana dos Santos Alves Nogueira

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NEOLIBERALISMO E A LEGISLAÇÃO TRABALHISTA NO BRASIL .......................................................368

Leny Cardoso Gonçalves Diego dos Santos Leon Antonio Marco Ventura Martins

A TUTELA PENAL DO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO SAUDÁVEL E AÇÃO COMUNICATIVA:

RELEVÂNCIA, PAPÉIS SOCIAIS E SANÇÃO ....................................................................................................379

Fernando Andrade Fernandes Pedro Guilherme Borato Leonardo Simões Agapito

TRABALHO REMUNERADO ENTRE PESSOAS COM TRANSTORNO MENTAL: ASPECTOS

CLÍNICOS E SOCIAIS ................................................................................................................................................388

Lilian Carla de Almeida Jacqueline de Souza

O TRABALHO MÉDICO, O BIOPODER E A AUTONOMIA DO PACIENTE: UMA ANÁLISE

BIOÉTICA .....................................................................................................................................................................395

Lillian Ponchio e Silva Marchi

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DIREITO

INDIVIDUAL E COLETIVO DO

TRABALHO I

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DIREITOS DA PERSONALIDADE VERSUS PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR: ANÁLISE DA REVISTA ÍNTIMA DE EMPREGADOS

PERSONALITY RIGHTS VERSUS DIRECTIVE POWER OF THE EMPLOYER: ANALYSIS OF

EMPLOYEE INTIMATE SEARCH

Adri Nayane Souza de Mendonça* Victor Hugo de Almeida**

SUMÁRIO: Introdução. 1 A relação entre direitos da personalidade e direitos fundamentais. 1.1 A intimidade enquanto direito fundamental. 2 Aspectos legais e doutrinários das revistas íntimas no contexto laboral. 2.1 Análise jurisprudencial. Conclusão. Referências. RESUMO: A pesquisa busca discutir a possibilidade de realização de revistas íntimas nos empregados, geralmente justificada com base no poder diretivo do empregador e na proteção de seu patrimônio. Assim, tem como objetivos específicos: (a) analisar, na perspectiva doutrinária, a noção e abrangência do poder diretivo do empregador e sua relação com o direito de propriedade, identificando possíveis limitações, sobretudo diante dos direitos da personalidade; (b) examinar noções doutrinárias e jurisprudenciais acerca da revista íntima no contexto laboral, suas características, consensos e dissensos sobre o tema; (c) levantar, quantitativamente, entendimentos jurisprudenciais favoráveis/contrários à revista íntima laboral e, qualitativamente, os fundamentos correspondentes; (d) verificar a (im)possibilidade, segundo a doutrina e a jurisprudência trabalhista, da revista íntima no contexto laboral, frente ao direito de propriedade, ao poder diretivo do empregador e ao direito à intimidade do empregado. A abordagem tem caráter exploratório, quali-quantitativo e fenomênico, construída a partir do levantamento bibliográfico em materiais publicados e da pesquisa jurisprudencial junto aos Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª e 15ª Regiões. Os dados foram analisados pelo método indutivo. A pesquisa encontra-se em fase intermediária de desenvolvimento, concluída a análise dos principais aspectos legais e doutrinários dos direitos da personalidade, como histórico, classificações, características e relação entre estes e os direitos fundamentais. Analisaram-se ainda os principais fundamentos e limitações do poder diretivo e os entendimentos doutrinários sobre revista íntima. Conclui-se que a questão coloca em colisão dois direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal - o direito à intimidade do empregado e o direito à propriedade do empregador. Assim, torna-se necessária a ponderação entre os direitos em questão, que deverá ser feita casuisticamente, diante da impossibilidade de se estabelecer uma relação de precedência abstrata entre direitos fundamentais. Daí a dificuldade em apresentar resposta única ao problema proposto e a necessidade da análise jurisprudencial. Palavras-chave: intimidade. poder diretivo. revista íntima. ABSTRACT: The research discusses the possibility of conducting intimate searches on employees, often justified with the directive power of the employer and the protection of their assets. Its objectives are: (a) to examine the doctrinal perspective on the concept of the directive power and its relation to the right to property, identifying limitations, particularly in light of the rights of personality; (B) to examine doctrinal and jurisprudential notions on intimate searches, its features

* Graduada em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista

“Júlio de Mesquita Filho” – FCHS/UNESP. E-mail: [email protected]. Bolsista FAPESP em 2016. ** Professor Doutor de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UNESP

- Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Doutor em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Membro pesquisador do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior, Seção Brasileira da Societé Internacionale de Droit du Travail et de la Sécurité Sociale. E-mail: [email protected].

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and discussions on the subject; (C) to raise jurisprudential positions in favor/against intimate searches and qualitatively, the corresponding foundations; (D) to verify the (im)possibility, according to the doctrine and labor law, of the intimate search, considering the right to property, the directive power of the employer and the right to employee privacy. The approach is exploratory, quali-quantitative and phenomenical, built from literature on published materials and jurisprudential research in the Regional Labor Courts of the 2nd and 15th Regions. The data will be analyzed by the inductive method. The research is in an intermediate stage of development, with the analysis of the main aspects of personality rights, such as history, classification, characteristics and relation between them and fundamental rights. The main foundations and limitations of the directive power and doctrinal understandings of intimate searches were also analysed. The question arises a collision of two fundamental rights - the right to privacy and the right to property. Thus, it is necessary to balance them, which should be made case by case, given the impossibility of establishing an abstract precedence relation between fundamental rights. Hence the difficulty in presenting an only answer to the proposed problem and the need for jurisprudential review. Keywords: directive power. intimacy. intimate search. INTRODUÇÃO

A ordem constitucional brasileira privilegia a garantia da dignidade da pessoa humana e de seus direitos fundamentais, dentre eles o direito à vida privada, que abrange a intimidade. Tais garantias, tem-se entendido atualmente, têm de ser observadas em todas as relações sociais, sejam elas de cunho público ou estritamente privado, de modo que também as relações de trabalho devem se pautar no respeito ao núcleo de direitos pessoais mínimos do trabalhador.

No entanto, frequentes são relatos de abusos cometidos pelo empregador no exercício de seu poder de direção da prestação dos serviços. A prática da revista íntima de empregados é um dos exemplos que suscitam a discussão sobre os limites da prerrogativa do empregador de determinar a dinâmica a ser observada no ambiente de trabalho, pois retrata, não raro, uma supervalorização do patrimônio patronal, sem maiores cuidados à realidade de que o empregado não abandona seu papel de cidadão e sua personalidade ao adentrar o ambiente laboral.

Por muito tempo defendeu-se, entretanto, a necessidade de proceder-se à vistoria do corpo e de objetos pessoais dos empregados como forma de evitar o prejuízo ao patrimônio empresarial, argumentando-se que tal prerrogativa encontraria-se inserida no poder diretivo do empregador, instituto reconhecido doutrinária e jurisprudencialmente com base no texto do artigo 2° da Consolidação das Leis do Trabalho, que confere ao empregador poderes de estabelecer regras sobre a forma de prestação de serviços, de fiscalizar o seu cumprimento e de aplicar sanções às faltas reconhecidas.

O procedimento de revistas íntimas foi expressamente vedado pela legislação trabalhista desde a promulgação da lei n° 9.799/1999, que incluiu no diploma consolidado o artigo 373-A, cujo inciso VI proíbe empregadores e seus prepostos de proceder a revistas íntimas em suas empregadas. Diante do claro mandamento constitucional de respeito à isonomia no tratamento de homens e mulheres, é pacífico o entendimento de que tal dispositivo aplica-se igualmente aos empregados do sexo masculino.

Percebe-se, entretanto, que a proibição expressão não foi suficiente para pacificar as discussões sobre o assunto. Prova disso e de que os procedimentos de revista seguiram sendo utilizados é a recente promulgação da Lei n° 13.271, de abril do presente ano, novamente proibindo empresas privadas e agora também entes da Administração Pública de proceder a revistas íntimas em suas funcionárias e clientes.

Ambos os dispositivos mencionados não se mostram suficientes à pacificação da questão pelo fato de que n~o precisam o que caracteriza a chamada “revista íntima” que visam coibir. A questão é terminológica: a incerteza sobre o alcance da expressão tem dado ensejo às mais diversas interpretações sobre quais os procedimentos de fato vedados ao empregador.

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Diante desse cenário, é o objetivo do presente trabalho esclarecer os principais entendimentos esposados pela doutrina e jurisprudência trabalhistas acerca do procedimento patronal, identificando os principais fundamentos para o reconhecimento ou não de sua abusividade. Por isso, consiste num levantamento bibliográfico e jurisprudencial sobre o tema revistas íntimas, indicando as principais discussões e os poucos pontos de consenso encontrados. 1 A RELAÇÃO ENTRE DIREITOS DA PERSONALIDADE E DIREITOS FUNDAMENTAIS

O tratamento do direito à intimidade suscita a necessidade de sua análise tanto pelo prisma dos direitos da personalidade, quanto pelo viés dos direitos fundamentais. Isso porque a intimidade encontra previsão legal no Código Civil, no capítulo referente aos direitos da personalidade, bem como no inciso X do artigo 5° da Constituição Federal, que elenca os direitos fundamentais do cidadão. Assim, inicialmente, torna-se relevante analisar a relação estabelecida entre os dois institutos.

A doutrina costuma apregoar que o que difere primordialmente os direitos fundamentais dos direitos da personalidade é o fato de os primeiros retratarem as garantias do indíviduo em face do Estado, enquanto os segundos se referem às relações privadas entre os indivíduos: marca da clássica dicotomia entre o Direito Público e o Direito Privado.

Reconhecendo a dificuldade na classificação e diferenciação, Carlos Alberto Bittar explica que essas duas esferas (direitos da personalidade e direitos fundamentais) dizem respeito à “primeira e fundamental das categorias de bens da pessoa, que, no direito legislado, em nível constitucional ou no plano ordinário, recebem tratamentos próprios e diferenciados, mas que, em essência, se reduzem a uma só noç~o”. Aponta, ainda, a possibilidade de distingui-los, entretanto, no que toca ao plano e ao conteúdo (BITTAR, 2015, p. 56).

No que diz respeito ao plano, o autor elucida que os direitos da personalidade, por serem inerentes ao ser humano, encontram-se em plano superior ao direito positivo, de modo que existem independentemente do seu reconhecimento legal. Ao contrário, os direitos fundamentais, os quais foram submetidos ao crivo do constituinte (então, positivados) existem apenas no plano positivo. Desta feita, pode ocorrer que nem todos os direitos da personalidade estejam positivados constitucionalmente. No entanto, aponta Bittar que, recentemente, vem se alargando o conteúdo dos direitos fundamentais, aos quais foram acrescidos os direitos econômicos e sociais, por exemplo, que não coincidem necessariamente com os direitos da personalidade (BITTAR, 2015, p. 57).

De outro prisma, Gilberto Haddad Jabur acredita que a pedra de toque na diferenciação entre esses dois institutos seja o sujeito, e não o conteúdo ou substância, pois:

O terreno dos direitos humanos ou fundamentais é, de fato, mais largo. Os bens personalíssimos neles são encontrados, mas não são os únicos que ali estão compreendidos. Muitos são fundamentais frente ao Estado, por conveniência política ou legislativa. Mas nem todos os direitos individuais ou fundamentais são, pelas mesmas razões, da personalidade (...). Os direitos personalíssimos seriam, assim, expressões dos direitos fundamentais ou humanos perante os particulares, não, propriamente, uma esfera ou ramo daqueles (JABUR, 2000, p. 80-81).

Interessante, por fim, a solução dada à discussão por Priscilla de Oliveira Pinto Ávila, no

sentido de que a distinção entre direitos da personalidade e direitos fundamentais não se encontra no fato de os primeiros representarem liberdades frente aos particulares e os segundos frente ao Estado, mas no fato de que “os direitos da personalidade constituem o núcleo dos direitos fundamentais, pois abrangem o conjunto de caracteres que compõem a própria personalidade do indivíduo” (\VILA, 2011, p. 57). Partindo de ainda outro critério, José Antônio Peres Gediel assevera que os direitos da personalidade são direitos fundamentais, não porque

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estejam previstos constitucionalmente, mas por força da “indissociabilidade entre os bens tutelados e o sujeito titular ou ocupante de determinada posiç~o jurídica” (GEDIEL, 2010, p. 145).

Ou seja, percebe-se que a doutrina estabelece diversos critérios diferenciadores entre as duas categorias de direitos, sendo que alguns acreditam terem ambos os mesmos conteúdos, porém regulados em planos distintos, outros entendem tratarem-se os direitos da personalidade de uma subcategoria dos direitos fundamentais. Percebe-se, de fato, a identidade de objeto de alguns dos direitos de ambas as categorias, como no caso do direito à intimidade, à honra e à imagem; entretanto, nem todos os direitos fundamentais consistem também em direitos da personalidade, como, por exemplo, o direito de propriedade ou ao devido processo legal.

O certo é que, como serve de exemplo a discussão sobre a aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, a dicotomia entre o Direito Público e o Direito Privado, frequentemente utilizada como principal critério de distinção entre direitos fundamentais e direitos da personalidade, encontra-se atualmente um tanto quanto abalada. Gustavo Tepedino (2009, p. 43), por exemplo, percebe que a tradicional dicotomia do Direito se justificava em face das necessidades da sociedade pré-industrial, quando a autonomia dos entes privados parecia o suficiente para realizar os direitos fundamentais, na concepção que se tinha deles. J| na sociedade contempor}nea, haveria uma “superposiç~o dos espaços públicos e privado”, de forma que não haveria utilidade de se resguardar direitos humanos no âmbito do direito público se a atividade econômica privada continuar neste ponto desregulada, “incrementando a exclus~o social e o desrespeito { dignidade da pessoa humana (TEPEDINO, 2009, p. 43).

E arremata lecionando que a Constituição, ao alçar a dignidade humana ao patamar de valor máximo do sistema normativo, não permitiu a existência de quaisquer espaços particulares os quais, em nome das liberdades fundamentais, ignorassem a imposição da realização plena da pessoa (TEPEDINO, 2009, p. 45). 1.1 A intimidade enquanto direito fundamental

Como leciona José Ribas Vieira, o direito à intimidade é reconhecido atualmente como direito fundamental, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana. Explica, ainda, que tal direito representa a concretização de um dos fundamentos estabelecidos pelo legislador constituinte para ordenar a convivência social (VIEIRA, 2008). Esta característica adquire especial importância, posto que implica no reconhecimento da aplicação de um direito fundamental em todas as relações, inclusive privadas, j| que a express~o “convivência social” abarca as relações jurídicas em sua totalidade.

Ainda nesse sentido, Maria Cláudia Cachapuz, ao analisar a tutela da intimidade e da vida privada constante do artigo 21 do Código Civil de 2002, nela reconhece a cláusula determinante da aplicação de um direito fundamental (contido no inciso X do artigo 5° da Constituição Federal) às relações jurídicas entre particulares. A magistrada ressalta que antes da promulgação do novo diploma civilista, a tutela da intimidade no âmbito privado apenas podia se realizar de forma indireta, através de uma interpretação do princípio da dignidade da pessoa humana que abrangesse a questão da intimidade e vida privada, ou a interpretação de uma cláusula geral do artigo 159 do próprio Código Civil de 1916, no sentido de aplicar os direitos fundamentais à relações privadas (CACHAPUZ, 2006).

Já com a entrada em vigor do novo Código, seu artigo 21 tornou desnecessário esse esforço interpretativo no sentido de que, expressamente, “trabalha com o direito fundamental { intimidade e { vida privada, no }mbito das relações privadas, como um efetivo direito subjetivo” (CACHAPUZ, 2006, p. 207). Entretanto, mantém a importância da interpretação, apesar da expressividade dogmática, por dois motivos: a) a delimitação do que seja a esfera da intimidade e da vida privada, como inclusive já mencionamos, não é um dado trazido pela norma e, portanto, depende da aplicação de uma cláusula geral, que atualmente se encontra no artigo 187 do Código Civil para orientar sua determinação e b) o próprio artigo 21 pode ser entendido

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como uma cláusula geral, a demandar um trabalho de interpretação para sua aplicação pelo magistrado no caso concreto.

2 ASPECTOS LEGAIS E DOUTRINÁRIOS DAS REVISTAS ÍNTIMAS NO CONTEXTO LABORAL

Conforme pontua Alice Monteiro de Barros (2006), até meados da década de 1990, a maioria dos autores brasileiros defendia a realização das revistas pessoais, considerando-a uma prerrogativa abrangida pelo poder diretivo do empregador, especialmente ao poder fiscalizatório ou de controle ínsito àquele. Também a jurisprudência se posicionava, majoritariamente, pela admissibilidade das revistas, no máximo sujeitando-as à previsão no regulamento da empresa ou ao ajusto prévio entre empregado e empregador.

Assim, apenas em 1999 a lei 9.799 incluiu o artigo 373-A à Consolidação das Leis do Trabalho. O diploma visava ao estabelecimento de ações afirmativas que conferissem maior proteção à mulher no ambiente de trabalho, em face da discriminação que ela sofria – e sofre – no universo laboral. Por isso, o inciso VI do artigo 373-A apenas proíbe a realização de revistas íntimas nas empregadas do sexo feminino, por parte do empregador ou seu preposto do sexo masculino.

A principal crítica dirigida ao dispositivo pela doutrina referia-se ao fato de ser destinado apenas às mulheres. Atualmente, no entanto, parece pacífico que, por força do princípio da isonomia contido no inciso I do artigo 5° da Constituição Federal, os homens também podem se valer dessa norma para tutelar sua intimidade em face das revistas íntimas (VILLELA, 2012).

Entretanto, outras dificuldades surgem na interpretação dessa proibição. Isso porque a vedação tem como objeto apenas as revistas íntimas, estando, a contrario sensu, permitidas as revistas pessoais que não firam a intimidade dos empregados. Assim, as revistas podem ser pessoais, isto é, recair sobre a pessoa sem, entretanto, atingir sua esfera de intimidade, isto é, a esfera mais reservada da pessoa.

A dificuldade reside, portanto, em estabelecer quais aspectos das pessoas podem se sujeitar à inspeção empregatícia, sem que se atinja sua intimidade. Por esse motivo é que Fabio Goulart Villela explica a própria extens~o do conceito de “revista íntima” tem causado discussões doutrinárias e jurisprudenciais. O autor relata, por exemplo, que o entendimento adotado pelo Ministério Público do Trabalho, por meio de sua Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade) não vem sendo acatado pelos tribunais trabalhistas pátrios. O órgão, durante suas Terceira Reunião Nacional, em abril de 2004, definiu orientação no sentido de que não são admitidas revistas íntimas, “assim compreendidas aquelas que importem contato físico e/ ou exposiç~o visual de partes do corpo ou objetos pessoais” (VILLELA, 2012, p. 151).

Desse modo, percebe-se que o Ministério Público do Trabalho considera a revista em objetos pessoais do empregado, como bolsas, mochilas, pastas ou armários, encontra-se abrangida pelo conceito de intimidade, e, portanto, devem estar à salvo das investigações patronais. No entanto, como relata Mauricio Godinho Delgado, a verificação dos bens pessoais não tem sido considerada como revista íntima pela maioria da jurisprudência (DELGADO, 2015).

Assim, apesar de permanecer a dúvida quanto aos limites que demarcam a abusividade da revista, a doutrina, quase unanimemente, afirma a possibilidade da prática, desde que respeite a intimidade e a privacidade do empregador, e, por consequência sua dignidade. Alice Monteiro de Barros busca estabelecer alguns critérios que permitiriam, em tese, a realização das revistas. Acima de tudo, a autora assevera que ela deve constituir o último recurso para a proteção do patrimônio do empregador, ou seja, deve apenas ser utilizadas quando for impossível realizar a fiscalização por meios menos invasivos, como a utilização de etiquetas magnéticas em livros e roupas nos estabelecimentos que comercializem esses tipos de produtos.

Além disso, a autora aduz a insuficiência da tutela genérica da propriedade patronal para justificar a medida, sendo necessária a existência de circunstâncias concretas que determinem a suspeita de subtração e ocultação de determinados bens dotados de valor econômico ou que

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sejam importantes para o funcionamento da empresa ou ainda para a segurança das pessoas naquele ambiente (BARROS, 2006, p. 560).

Também José Afonso Dallegrave Neto se preocupa em estabelecer critérios para que seja reconhecida como legítima a revista não íntima e a revista íntima sobre os bens do empregado, ressaltando novamente que as revistas que recaiam sobre o corpo daquele serão sempre abusivas. Dessa forma, o professor assevera, inicialmente, que a intensidade e a invasividade da medida devem guardar as proporções da situação que justifica sua necessidade. Assim, apenas quando o prejuízo que pode sofrer a empresa seja considerável, será possível proceder, de maneira proporcional àquela gravidade, à revista dos empregados. Além disso, e no mesmo sentido dos ensinamentos de Alice Monteiro de Barros, aduz que a revista apenas será possível quando existam circunstâncias concretas que levantem suspeitas específicas, não sendo legítima a revista rotineira, como forma de prevenção genérica (DALLEGRAVE NETO, 2011).

Fabio Goulart Villela, por outro lado, menciona o posicionamento adotado durante a 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, promovida pelo Tribunal Superior do Trabalho em parceria com a ANAMATRA – Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho – e a ENAMAT – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho – em novembro de 2007, quando se demonstrou repúdio até mesmo às revistas que não exponham a intimidade do trabalhador. O Enunciado nº 15, adotado no Encontro, veda a realização de revistas nos seguintes termos:

Enunciado n° 15: REVISTA DE EMPREGADO I – REVISTA – ILICITUDE. Toda e qualquer revista, íntima ou não, promovida pelo empregador ou seus prepostos em seus empregados e/ou em seus pertences, é ilegal, por ofensa aos direitos fundamentais da dignidade e intimidade do trabalhador. II – REVISTA ÍNTIMA – VEDAÇÃO A AMBOS OS SEXOS. A norma do art. 373-A, inc. VI, da CLT, que veda revistas íntimas nas empregadas, também se aplica aos homens em face da igualdade entre os sexos inscrita no art. 5º, inc. I, da Constituição da República.

De modo geral, o que se depreende do estudo é, sobretudo, que o direito à intimidade do

empregado não é absoluto, podendo ceder, em determinadas situações, ao direito à propriedade do empregador, também estabelecido pelo artigo 5° da Constituição Federal, em seu caput, bem como no inciso XXII, como direito fundamental. Assim, surge um conflito entre direitos fundamentais no qual

De um lado, se posicionam os princípios da dignidade da pessoa humana do trabalhador, da valorização social do trabalho, da função social da propriedade, da intimidade e da vida privada; do outro lado, se coloca o direito de propriedade do empregador, assim como a utilização dos mecanismos necessários à preservação do seu patrimônio (VILLELA, 2012, p. 151).

Impende ressaltar, ao se mencionar o papel do direito de propriedade enquanto direito

fundamental do empregador, que a própria Constituição Federal, logo após prever tal direito, determina, no inciso XXIII de seu artigo 5° que seu exercício deve observar sua função social. Tal significa, nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira, que a ordem constitucional impõe limites a esse direito, com o objetivo de “impedir que o exercício do direito de propriedade se transforme em instrumento de dominaç~o” (PEREIRA, 2014. p. 49).

Por isso, ao se sopesar a real necessidade de utilização das revistas pessoais e íntimas dos empregados para a proteção dos bens empresariais, é imprescindível considerar que o próprio direito à propriedade se subordina à satisfação e observância dos interesses do maior número de pessoas possível. Assim também o exercício da livre iniciativa, igualmente garantido em sede constitucional e usado para fundamentar a legitimidade do poder diretivo, deve

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respeitar o valor social do trabalho, previsto no mesmo dispositivo (inciso IV do artigo 5° da Constituição) (SILVA, 2010).

3 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

O levantamento jurisprudencial realizado junto ao repositório eletrônico do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, abrangendo os acórdãos proferidos por suas seis Turmas e pelo Órgão Especial, retornou 676 resultados, sendo 380 deles relevantes para o tema.

Destes, 221 acórdãos reconheceram a ocorrência de dano moral indenizável em razão da realização de revistas em empregados, ao passo que 140 não reconheceram; e 19 acórdãos foram enquadrados como exceções, por representarem situações muito específicas, que não puderam ser reduzidas aos elementos analisados, conforme descritos abaixo, como os casos em que o próprio empregado resolveu despir-se para provar inocência diante de suspeitas de furto, ou quando foi acionada a autoridade policial para a realização das revistas.

Insta esclarecer algumas observações com relação à análise dos dados:

a) As informações foram consideradas de acordo com o convencimento manifestado no acórdão, e não de acordo com a análise pessoal das provas relatadas. Assim, em determinados casos, houve testemunha narrando a realização de revista em pertences à vista de clientes, porém a Turma julgadora entendeu que tal circunstância não foi suficientemente demonstrada, de modo que o caso foi inserido naqueles em que apenas houve revista em pertences;

b) Alguns acórdãos não trazem informações completas sobre a forma como eram realizadas as revistas; portanto, a soma dos casos elencados em cada critério pode não resultar no número total de casos em que houve ou não deferimento do dano moral. Ademais, alguns casos se enquadraram em mais de uma situação, por haver sido reconhecida, por exemplo, a revista rotineira em pertences e revistas ocasionais com contato físico;

c) Do total, em seis casos o pleito de danos morais foi indeferido em razão do reconhecimento da prescrição;

d) Em um dos acórd~os ocorreu o que a Turma denominou como “autorrevista”, isto é, quando o próprio empregado retira tudo o que havia em seus bolsos e abre partes da roupa (um colete, no caso), sem expor partes do seu corpo. Nessa situação, a revista foi considerada aceitável;

e) Em quatro casos o conjunto probatório demonstrou que existia, na empresa, a prática de revistas íntimas, não restando provado, no entanto, que o trabalhador a elas foi submetido. Desses, em três casos o pleito foi indeferido e em um foi deferido;

f) Em 30 casos, a Turma julgadora declarou a ocorrência de prova dividida (quando as testemunhas obreiras sustentam a tese da inicial e as testemunhas patronais sustentam a tese da defesa, não sendo possível verificar a verdade dos fatos) ou falta de provas, tendo decidido com fundamento nas regras de distribuição do ônus probatório. Em 24 deles, entendeu-se que cabia ao reclamante demonstrar a abusividade da revista, de forma que a indenização foi indeferida; em seis, entendeu-se que a reclamada, ao admitir a realização de revistas, negando apenas que fossem vexatórias, atraiu para si o ônus de demonstrar sua regularidade, condenando-a à indenização;

g) Em oito dos casos narrados, as revistas eram realizadas apenas com aparelho detector de metais, sendo do tipo manual ou em forma de portal; em apenas um deles, o procedimento foi considerado abusivo;

h) 47 dos acórdãos analisados não esclareceram especificamente como se dava a revista; em 38 deles, a revista foi considerada abusiva e, em 9, foi considerada regular; englobou-se nesse grupo os acórdãos que afirmaram existir a

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necessidade de que o empregado retirasse as roupas, sem especificar ser o caso de se despir totalmente ou parcialmente (roupas íntimas);

i) Em três casos, deferiu-se indenização em razão da revelia e da consequente confissão; e

j) Acórdãos deferiram a indenização pleiteada, porém, não em razão da revista íntima isoladamente, mas conjugada com outras situações humilhantes, como, por exemplo, a acusação pública de furto ou em decorrência da convocação do trabalhador para retornar ao local de trabalho unicamente para que se submetesse à revista.

Os resultados apontaram a prevalência de: dano moral improcedente no caso de revista em pertences (73); dano moral procedente no caso de revista em pertences em local público (22); dano moral procedente no caso de revista com contato físico (29); dano moral procedente no caso de revista com nudez parcial – roupas íntimas (86); dano moral procedente no caso de revista com nudez total (14); dano moral improcedente no caso de revista parcial masculina – erguer a camiseta (2); dano moral procedente no caso de revista rotineira (148); dano moral procedente no caso de revista única ou ocasional (37); dano moral procedente no caso de revista realizada por pessoa do mesmo sexo (66); dano moral procedente no caso de revista realizada por pessoa do sexo oposto (29); e dano moral procedente no caso de revista considerada discriminatória (7).

Observa-se que nos casos em que foi considerado procedente o pedido de indenização por danos morais, a maioria dos casos tratava-se de revistas em que os empregados eram obrigados a expor suas roupas íntimas (87) e nas quais havia contato do revistador com partes do corpo do revistado (28). Dentre essas, na maior parte dos casos a revista constituía procedimento rotineiro da empresa, o que representa 68 dos procedimentos com exposição de roupas íntimas em oposição aos 19 casos em que a revista foi episódio isolado, sendo que em apenas oito destes havia informação sobre suspeita de furto. Com relação às revistas com contato físico, em 25 dos casos tratava-se de medida de rotina, com apenas 3 casos eventuais, não havendo em nenhum dos casos narrados informação sobre suspeita específica. Percebe-se também a prevalência de revistas realizadas por pessoa do mesmo sexo do empregado revistado nos casos em que havia nudez total ou parcial. Já naqueles em que houve contato físico, a maioria dos casos em que tal informação foi explicitada era realizada por pessoa de outro sexo. Além disso, grande parte das revistas envolvendo nudez eram realizadas em grupos. O menor número de casos se refere a revistas com nudez total, sendo que em nove casos elas aconteciam rotineiramente e cinco casos elas ocorreram isoladamente e que em quatro deles havia informação sobre suspeita de furto específico motivando o procedimento). Foram poucos os casos em que as revistas apenas em pertences foram consideradas atentatórias, sendo que, destas, a maioria era realizada de forma rotineira.

Por fim, percebe-se a prevalência de revistas realizadas apenas nos pertences dos empregados dentre os casos em que o pleito de indenização foi indeferido, sendo que na maioria dos casos (54) elas eram realizadas de forma rotineira, ao passo que em 15 deles tratou-se de revista isolada ou ocasional. Destas, em 13 ficou demonstrada no acórdão a existência de suspeita específica de furto justificando o procedimento. Em nove casos, apesar de ter sido realizada em local público, visível por cliente e pessoas em geral, a revista foi considerada razoável, sendo em que sete desses casos tratava-se de procedimento comum na empresa e em apenas dois ocorreu de forma isolada ou ocasional. Foram sete os casos em que a revista com nudez parcial não foi considerada danosa, três delas constituindo eventos isolados e apenas uma decorrente de suspeita específica de furto. Em dois desses casos, o procedimento foi realizado em grupo e em nenhum deles ficou demonstrado ter sido realizada por pessoa do sexo oposto. Também com relação às revistas envolvendo contato físico, oito no total, em nenhum dos casos de improcedência demonstrou-se ter ocorrido com pessoa de outro sexo, não havendo essa informação em cinco dos casos.

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CONCLUSÃO

O direito à intimidade encontra previsão expressa na legislação brasileira no inciso X do artigo 5° da Constituição Federal, bem como no artigo 21 do Código Civil de 2002. Por esse motivo, pode ser analisado tanto pelo viés dos direitos da personalidade quanto dos direitos fundamentais, não existindo consenso, na doutrina, sobre a exata dinâmica da relação entre os dois institutos. Assim, há quem argumente tratarem-se os direitos da personalidade de uma espécie dos direitos fundamentais, ao passo que outros acreditam serem institutos com o mesmo conteúdo, destinados, porém, a sujeitos diferentes.

Essa última concepção perde força diante da atual tendência denominada constitucionalização do direito privado, consistente na necessidade de observância dos direitos fundamentais também nas relações privadas. Diz-se tratar-se de tendência atual pois, tradicionalmente, os direitos fundamentais foram concebidos como garantias do cidadão com relação ao Estado. Com a evolução do Direito Constitucional e a crescente importância conferida a essas garantias, reconheceu-se a possibilidade de que entes privados pudessem representar, para outros particulares, estruturas tão poderosas, e, portanto, potencialmente opressoras quanto o Estado, de modo que se passou a defender a necessidade de que todos os particulares se vinculassem à observância dos direitos fundamentais. A questão demanda maiores discussões em razão de, diferentemente da relação entre particulares e os Estados, nas relações privadas os dois polos são dotados de garantias fundamentais, muitas vezes de difícil compatibilização.

Uma das relações privadas em que existe a referida potencialidade de opressão por força do desequilíbrio de poder entre as partes é a justamente o contrato de trabalho. E tal ocorre em virtude do poder diretivo do empregador, que lhe garante a possibilidade de ditar os termos e a dinâmica do relacionamento, estabelecendo horários, modos de procedimento, códigos internos de conduta, bem como de fiscalizar o devido cumprimento de suas ordens, inclusive impondo sanções aos empregados faltosos.

Não são raros os relatos de abuso dessas prerrogativas, culminando no desrespeito de algumas garantias básicas da pessoa humana, em nome da produtividade e da lucratividade. Frequentemente se defende que a realização de revistas em empregados seja uma dessas situações. A matéria é superficialmente regulada pelo artigo 373-A da Consolidação das Leis do Trabalho, em seu inciso VI, e pelo artigo 1° da Lei número 13.271 de 2016, que vedam a realização de revistas íntimas em empregadas.

Muitos consideram que a vistoria de pertences ou em algumas partes do corpo é totalmente justificável como forma de resguardo do patrimônio patronal. Entretanto, até as revistas em que se exige a nudez completa dos empregados são muitas vezes defendidas em situações nas quais não se vislumbre outra forma de evitar que alguns bens da empresa sejam desviados, como em empresas farmacêuticas ou que trabalham com segurança privada.

Questiona-se, entretanto, a razoabilidade de se sacrificar o sentimento de pudor e o cuidado pela própria imagem, elementos do direito da personalidade e fundamental do empregado à sua esfera de intimidade, em nome do patrimônio do empregador. Caracterizado, assim, o conflito entre dois direitos fundamentais constitucionalmente garantidos, surge a necessidade de ponderação, para a aferição da possibilidade ou impossibilidade de realização de tais procedimentos.

Seguindo os ensinamentos de Canotilho, percebe-se que tal análise deve partir do reconhecimento da unidade da Constituição, que não pode ser aplicada de forma fracionada. Daí decorre a necessidade de harmonização dos direitos em rota de colisão, que decorrerá do exercício da ponderação, baseada no princípio da proporcionalidade em sentido amplo. Desse modo, haverá a necessidade da decisão pela prevalência de um dos direitos sobre outro. Diz-se prevalência, e não exclusão de um ou outro direito, o que representa a necessidade de que se respeite o máximo possível cada um dos direitos, apesar da impossibilidade de se aplicar ambos integralmente.

Ocorre que o exercício de ponderação apenas pode ser realizado em cada caso concreto, posto que, diante do caráter principiológico e da idêntica hierarquia entre todos os direitos

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fundamentais, torna-se impossível estabelecer entre eles uma relação de prevalência a priori, o que significa dizer que nem sempre que se encontrem em colisão os direitos fundamentais à intimidade e à propriedade, o resultado será pela prevalência da intimidade. Daí se percebe a dificuldade em se estabelecer normas que apresentem um resultado único para a questão posta no presente trabalho, e a necessidade de se estudar as variadas situações e condições reais de que a argumentação pode se valer para defender a prevalência dos interesses de uma ou de outra das partes envolvidas.

Patente, portanto, a importância da pesquisa jurisprudencial, que demonstrou as principais situações em que se dão as revistas no mundo do trabalho, os mais frequentes tipos de procedimento e, para cada um deles, as tendências do Tribunal estudado em reconhecer mais frequentemente a prevalência de um ou outro direito.

O levantamento realizado no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região demonstrou que, em regra, quando a revista é realizada apenas nos pertences do empregado, como bolsas, mochilas, armários e veículos utilizados, o procedimento é considerado razoável, por entender-se que não atinge a esfera mais íntima de resguardo, mesmo quando realizada por pessoa de outro sexo. Os resultados divergentes se fundamentam no argumento de que os pertences seriam uma extensão do corpo do empregado, guardando bens que ele possivelmente deseja ter afastados do conhecimento público. Debate-se, ainda, a questão de que, ainda que tal procedimento não atingisse a intimidade do empregado, representa uma inversão do princípio constitucional da presunção de inocência, ao estabelecer como suspeitos de crime todos os empregados de uma empresa, procedendo a investigações próprias do poder de polícia.

Por outro lado, quando são vistoriados os pertences dos empregados em locais públicos, à vista de clientes e usuários dos estabelecimentos que promovem o procedimento, o Tribunal tendeu a reconhecer a ocorrência de dano moral indenizável, não apenas pela exposição da intimidade, mas também por caracterizar uma ofensa à honra do empregado, exposto publicamente como suspeito.

Igualmente, nos casos em que houve contato físico ou apalpação no corpo do empregado revistado, a maioria dos julgados reconheceu a devassa da intimidade e deferiu a indenização por danos morais, sendo frequente, inclusive, argumentos no sentido de que esse é o procedimento adotado em eventos e aeroportos em casos de suspeita. Também nos casos em que o empregado era obrigado a expor suas roupas íntimas, foi demonstrada a tendência ao reconhecimento da afronta aos direitos do trabalhador, apesar de alguns casos em que se defendeu que o fato de mostrar-se aos colegas em roupas íntimas não caracterizaria, por si só, situação vexatória, desde que se tratassem de pessoas do mesmo sexo.

Já nos casos mais extremos, em que o empregado tinha de se despir completamente, em apenas um caso ela foi considerada razoável, não se considerando os dois casos, enquadrados como exceções, em que o Tribunal reconheceu que o próprio empregado, sem qualquer exigência do empregador, despiu-se com o propósito de comprovar sua inocência, diante de suspeitas de furtos.

Apesar das tendências ressaltadas, percebe-se que em todos os grupos de casos o Tribunal demonstrou divergências, especialmente entre as diferentes Turmas. Por exemplo, a Sexta Turma demonstrou maior tendência a considerar abusivos todos os tipos de revistas. Merece destaque um dos fundamentos apontados em tais acórdãos, que é a fidúcia própria das relações contratuais. Deixando de lado, portanto, considerações sobre o próprio conceito de revista íntima, apontado neste trabalho como origem das divergências encontradas tanto na doutrina quanto na jurisprudência acerca da legitimidade ou não dos procedimentos de vistoria, argumenta-se pela sua impossibilidade, em função de desvirtuar um dos elementos essenciais do contrato de trabalho, que é a confiança.

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REFERÊNCIAS

AVILA, Priscila de Oliveira Pinto. Exercício do Direito à Intimidade no Ambiente de Trabalho. Limites ao Poder Diretivo do Empregador. 2011. 121 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de São Paulo. 2011. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. CACHAPUZ, Maria Cláudia. Intimidade e vida privada do novo Código Civil brasileiro: uma leitura orientada no discurso jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2006. DALLEGRAVE NETO, José Affonso. O procedimento patronal de revista íntima: possibilidades e restrições. Revista eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, v. 1, n. 2, p. 7-25, nov. 2011. GEDIEL, Antônio Peres. A irrenunciabilidade a direitos da personalidade pelo trabalhador. In: SARLET, Ingo Wolfgang (organizador). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14. ed. São Paulo: LTr, 2015. JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre direitos da personalidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. Direitos Reais. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. v. IV. SILVA, Guilherme Augusto Pinto da. O direito à privacidade como limite ao poder diretivo do empregador: o caso da inviolabilidade do correio eletrônico. 2010. Monogradia (Graduação em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 2010. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Tomo III. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. VIEIRA, José Ribas (Coord.). Direitos à intimidade e à vida privada. Laboratório de Análise de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Curitiba: Juruá, 2008. VILLELA, Fábio Goulart. Manual de Direito do Trabalho. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

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A EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO TRABALHO DAS PESSOAS DEFICIENTES NA PERSPECTIVA LABOR-AMBIENTAL: INTEGRAÇÃO ENTRE AS NORMAS E AS POLÍTICAS

PÚBLICAS

THE ENFORCEMENT OF RIGHT TO LABOR OF DISABLED PEOPLE IN LABOUR’S

ENVIRONMENTAL PERSPECTIVE: INTEGRATION BETWEEN THE LAW AND PUBLIC

POLICIES

Fabiano Carvalho* Victor Hugo de Almeida**

RESUMO: Paulatinamente e notadamente após as Grandes Guerras, passou-se a reconhecer que às pessoas deficientes também eram destinadas as normas que positivavam os direitos e garantias fundamentais, notadamente o direito à cidadania, dignidade da pessoa humana e, principalmente, ao trabalho e aos valores sociais dele decorrentes, direitos esses que, no Brasil, de acordo com a Constitução Federal de 1988, são os pilares da República. O Brasil é signatário de diversas Convenções Internacionais que reconhecem esses direitos às pessoas deficientes e possui leis que garantem políticas públicas de inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho, destacando-se o recente Estatuto da Pessoa com Deficiência, que, inclusive, visa à garantia de um meio ambiente do trabalho plenamente adequado e acessível aos deficientes. Atualmente, 53,8% das pessoas com deficiência e em idade produtiva estão desocupadas ou desempregadas, ensejando, assim, a necessidade de se verificar se as políticas públicas brasileiras se integram com a legislação específica existente e efetivam a cidadania e a dignidade dessas pessoas através do trabalho. Assim sendo, o objetivo do presente artigo é examinar a (in)existência da integração entre as normas garantidoras desses direitos e as políticas públicas existentes, sob o viés da perspectiva labor-ambiental, buscando-se identificar os principais desafios para a efetivação do direito ao trabalho das pessoas deficientes. Adotou-se, portanto, como método de procedimento, a técnica de pesquisa bibliográfica em materiais publicados e, como método de abordagem, o dialético. Em conclusão parcial, contatou-se que a efetivação do direito ao trabalho da pessoa deficiente diz respeito não apenas ao Estado e as suas instituições, mas também a todos os atores sociais, evidenciando-se a necessidade de políticas públicas, pautadas em ações afirmativas, e ações da própria sociedade, notadamente no que tange à acessibilidade e à adequação do meio ambiente do trabalho (aspectos arquiteturais e organizacionais). Palavras-chave: direitos fundamentais. Direito do Trabalho. meio ambiente do trabalho. políticas públicas. pessoa com deficiência.

ABSTRACT: Gradually and especially after the world wars, it came to recognize that the disabled people were also designed of the fundamental and guarantees of citizens’ rights, notably the right to citizenship, human dignity, and especially the work and values social thereunder, rights which, in Brazil, in accordance with its Federal Constitution of 1988, are the pillars of the Republic. Brazil is a signatory of several international conventions that recognize these rights to disabled people and Brazil has laws guaranteeing public policies of inclusion in the labor market, especially the recent Statute for the Person with Disability that even aims at ensuring an

* Mestrando em Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista

Júlio de Mesquita Filho – UNESP/Franca. Advogado. Docente do Curso de Direito do Centro Universitário Moura Lacerda – Ribeirão Preto (SP).

** Professor Doutor de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UNESP - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Doutor em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Membro pesquisador do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior, Seção Brasileira da Societé Internacionale de Droit du Travail et de la Sécurité Sociale. E-mail: [email protected].

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environment work fully adequate and accessible to these people. Currently, 53.8% of people with disabilities and working age are unemployed thus the need to check whether their policies are integrated with the existing specific legislation and actualize citizenship and dignity of these people through work. Therefore, the objective of this article is to examine, therefore, the existence (or not) of integration between the guarantors rules of those rights and the existing public policies in labour’s environmental perspective, seeking to identify the main challenges for the realization of the right the work of disabled people. It was adopted, so as procedure method, the bibliographic research technique in published materials and as a method of approach, the dialectic. In partial completion, the enforcement of the right to work of the disabled person relates not only to the state and its institutions, but also to all stakeholders, demonstrating the need for public policies, guided in affirmative action, and actions of society itself, especially regarding the accessibility and adequacy of working environment (architectural and organizational aspects). Keywords: fundamental rights. Labour Law. working environment. public policies. disabled people.

SUMÁRIO: Introdução. 1 A mudança de paradigmas em relação à pessoa com deficiência no decorrer da história da humanidade. 2 Os fundamentos republicanos: cidadania, dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho. 3 O tratamento desigual em busca da efetivação da igualdade de direitos: discriminação positiva. 4 O problema da efetivação do direito fundamental ao trabalho das pessoas com deficiência e a devida adequação do meio ambiente laboral. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 elevou o direito ao trabalho ao

patamar dos direitos fundamentais (art. 1º, IV; art. 5º, XIII; art. 6º) e instituiu, como fundamento da ordem econômica, a valorização do trabalho humano, a justiça social (art. 170) e a busca do pleno emprego (art. 170, VIII). Visando à efetivação desse direito, que não se restringe apenas ao acesso ao trabalho, reconheceu, ainda, a fundamentalidade do direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado (artigos 225 e 200, VIII), impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo (BRASIL, 1988).

De acordo com os dados da Organização das Nações Unidas, atualmente há cerca de 650 milhões de pessoas com deficiência no mundo, ou seja, 10% da população mundial (ONUBR, s.d.). Conforme o Censo de 2010, divulgado em 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012), o Brasil possui 45,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, o que correspondente a 24% da população brasileira.

Muito embora o Brasil reconheça o pleno emprego como direito fundamental aos deficientes, 53,8% dos 44 milhões de pessoas com deficiência em idade produtiva encontram-se desocupadas ou desempregadas (IBGE, 2012), e quando possuem alguma ocupação, exercem-na à margem da economia nacional; e, se empregadas, submetem-se a condições de trabalho em descordo com a legislação trabalhista, padecendo em seu próprio meio ambiente do trabalho.

Assim, impõe-se a necessidade de examinar a existência ou não de integração entre a sistemática legal e algumas políticas públicas traduzidas em ações afirmativas, buscando-se elucidar o motivo de 53,8% dos brasileiros com deficiência encontrarem-se alheios à cadeia produtiva nacional e, por corolário, da efetivação de sua cidadania e dignidade através do próprio trabalho.

O objetivo do presente estudo é examinar, sob o viés sociojurídico brasileiro e da perspectiva labor-ambiental, os desafios atrelados à efetivação do direito ao trabalho das pessoas com deficiência como medida de inserção social e de efetivação da dignidade humana e da plena cidadania.

Como método de procedimento, adotou-se o levantamento por meio da técnica de pesquisa bibliográfica em materiais publicados (por exemplo, doutrinas, artigos científicos,

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legislação, teses, notícias e informações publicadas em sítios eletrônicos, etc.) e, como método de abordagem, o dialético.

Por derradeiro, quanto a sua estruturação, o presente artigo aborda inicialmente o tratamento dispensado às pessoas com deficiência no decorrer da história da humanidade. Em seguida, aborda a importância social do trabalho e a preocupação do Estado em promover condições laborais dignas, visando à efetivação da cidadania e da dignidade plena das pessoas com deficiência. E, por fim, à luz da isonomia aristotélica e da perspectiva labor-ambiental, discutem-se as ações afirmativas adotadas pelo Estado e o problema da efetivação do direito fundamental ao trabalho das pessoas com deficiência. 1 A MUDANÇA DE PARADIGMAS EM RELAÇÃO À PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO DECORRER DA HISTÓRIA DA HUMANIDADE

Os padrões sociais de normalidade sempre se apresentaram como entrave ao real e

efetivo desenvolvimento das pessoas com deficiência, comprometendo o necessário acesso dessas pessoas à obtenção de direitos atualmente reconhecidos como fundamentais do ser humano e do cidadão.

Na Idade Antiga, as pessoas com deficiência eram consideradas, na maioria das vezes, um empecilho ao desenvolvimento econômico; outras vezes protegidas, para, assim, despertar a simpatia e a proteção dos deuses; ou, ainda, envolvidas por gratidão, especificamente quando a deficiência, notadamente a física, decorria das lutas em guerras (FONSECA, 2010).

Os atenienses submetiam os deficientes ao sacrifício, para serem mortos antecipadamente pelos inimigos. Em Esparta, onde a guerra era a forma natural de desenvolvimento da Cidade-Estado, as crianças nascidas com deficiência eram imediatamente descartadas pelos próprios pais.

O Império Romano institucionalizou a morte das pessoas nascidas com deficiência, prevendo a Lei das XII Tábuas que as crianças nascidas com sinais de deficiência deveriam ser imediatamente mortas (ROMA, s.d.).

Pensamentos não muito destoantes acompanharam a história da humanidade, pois repetidos atos de violência ou de mera misericórdia permearam a vida das pessoas com deficiência. No entanto, somente após as Grandes Guerras é que os Estados modernos passaram a se preocupar com a deficiência de seus cidadãos, consagrando-lhes direitos e privilégios em suas Constituições baseados em diretrizes estabelecidas pela Organização das Nações Unidas, através da Organização Internacional do Trabalho.

Sensível a esse cenário, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), por meio da Recomendação nº 99 de 1955, tratou da reabilitação dos profissionais deficientes como meio de aumentar suas chances na busca de emprego, prevendo condições especiais para as crianças e jovens deficientes.

A Convenção nº 111 da OIT, de 1958, ratificada pelo Brasil e internalizada no ordenamento jurídico pátrio através do Decreto nº 62.150/68, aborda a discriminação sofrida pelos deficientes na busca de emprego ou profissão; e a Convenção nº 159, de 1985, internalizada no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 51/89, prevê a reabilitação profissional e a efetivação do pleno emprego de pessoas com deficiência.

Todavia, apenas a partir do “Programa de Aç~o Mundial para Pessoas com Deficiência”, aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 1982, cidadãos com deficiência passaram a ter o direito de desfrutar de melhores condições de vida advindas de seu próprio desenvolvimento social e econômico. Desde então, diversos países passaram a se preocupar com a situação dos deficientes e, consequentemente, com seu processo de autovalorização e com a efetivação de sua plena cidadania.

Nessa senda, no encalço da Constituição Federal de 1988, que reconhece a fundamentalidade dos valores sociais do trabalho, surgiram no ordenamento jurídico brasileiro a Lei nº 7.853/89, regulamentada pelo Decreto nº 3.298/99, e a Lei nº 8.213/91, esta conhecida como a “Lei de Cotas”, visando { inserç~o dos deficientes físicos na cadeia produtiva da

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economia nacional através de seu trabalho. No entanto, apenas em 2015 passou a viger a Lei nº 13.146, conhecida como “Estatuto da Pessoa com Deficiência”, que ratificou e regulamentou o direito fundamental ao trabalho dos deficientes, além de contemplar medidas de inclusão, notadamente através de recursos tecnológicos e de adaptações labor-ambientais.

Frente aos dados estatísticos do IBGE (2012), dos 44 milhões de pessoas com deficiência que estão em idade produtiva de trabalho, 53,8% estão desocupados ou desempregados. Esse cenário evidentemente justifica a relevância do Estatuto da Pessoa com Deficiência, bem como a necessidade de políticas públicas para efetivar os direitos nele encartados.

Todavia, impõe-se a necessidade de se compreender as causas ensejadoras dessa marginalização laboral e, sobretudo, social, em um país que dispõe de legislação que estabelece cotas de emprego a deficientes e pune a discriminação. Isso porque, supõe-se que as causas estejam relacionadas a aspectos alheios ao conteúdo organizacional do trabalho, ao passo que, conforme evidenciam Flávia Moreira Guimarães e Layanna Maria Santiago Andrade (2016, p. 1706), “Deficiência, física ou psíquica, n~o é sinônimo de incapacidade. Limitaç~o n~o é inaptidão. Os trabalhos, em sua maioria, podem ser executados com eficiência por pessoas com alguma deficiência”.

Afora a previsão legislativa, a garantia ao deficiente do direito fundamental ao trabalho também requer a participação do Estado, em conjunto com a sociedade, para a instituição de outras medidas a fim de criar condições de aplicabilidade da legislação através das políticas públicas. Certo é que a efetivação do direito fundamental ao trabalho não implica apenas no ingresso do deficiente ao cenário laboral, mas também a garantia de um meio ambiente do trabalho equilibrado, cujo direito fora elevado ao patamar de direito fundamental pela Constituição Federal de 1988, especificamente em decorrência da previsão disposta nos artigos 225 e 200, inciso VIII e, agora, através da Lei nº 13.146/2015.

Desta feita, em decorrência dessa previsão constitucional, a adaptação do meio ambiente do trabalho às necessidades dos trabalhadores com deficiência, sobretudo no tocante aos aspectos físicos e organizacionais labor-ambientais, é medida que se impõe para a efetivação do direito fundamental ao trabalho, inseparavelmente relacionado a condições labor-ambientais dignas e adequadas. 2 OS FUNDAMENTOS REPUBLICANOS: CIDADANIA, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O VALOR SOCIAL DO TRABALHO

O trabalho possui papel central na vida humana; é expressão de personalidade e

importante vertente identitária. No decorrer da história, o trabalho se modificou e transformou a concepção humana de existência, trazendo consigo importantes transformações sociais (ABREU; ALMEIDA, 2016).

Nesse compasso, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 elevou o direito ao trabalho ao patamar dos direitos fundamentais (art. 1º, IV; art. 5º, XIII; art. 6º), instituindo, como fundamento da ordem econômica, a justiça social (art. 170) e a busca do pleno emprego (art. 170, VIII); e, como fundamentos da República, a cidadania (art. 1º, II), a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e os valores sociais do trabalho (art. 1º, IV).

Imperioso ressaltar que tais fundamentos não podem ser analisados de forma singular, senão pelo seu conjunto, um buscando aporte no outro, já que se inter-relacionam.

Não existe cidadão pleno sem o reconhecimento de sua dignidade como ser humano. E esta dignidade não poderá ser alcançada senão em decorrência do exercício de seu trabalho, que, segundo Bobbio (1992, p. 77), trata-se de um direito “[...] t~o fundamental que passou a fazer parte de todas as Declarações de Direitos Contemporâneas – teve as mesmas boas razões da anterior reivindicaç~o do direito de propriedade como direito natural”.

Como valor espiritual e moral inerente à pessoa, a dignidade, também obtida por meio do trabalho em condições dignas e adequadas, deve se manifestar, segundo Alexandre de Moraes (2013), na autodeterminação consciente e responsável da própria vida. Isso porque, conforme evidencia, o trabalho tem relevante repercussão na vida humana, por se tratar de atividade

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fundamental para a realização pessoal, o desenvolvimento da autoestima, interação social, sentimento de pertencimento e capacidade e construção de identidade e autonomia (SAINT-JEAN, 2003).

É através do trabalho que o ser humano garante, ainda, a sua subsistência e o crescimento do país em que vive (MORAES, 2013).

Por essa razão, segundo Rosé Colom Toldrá, Cecília Berni de Marque e Maria Inês Britto Brunello (2010), as políticas públicas têm dedicado especial atenção à promoção da participação e à inclusão dos indivíduos com deficiência no contexto do trabalho.

O trabalhador com deficiência, mesmo diante de suas limitações e vulnerabilidades, não deve ser visto como mero beneficiário da misericórdia comunitária e do assistencialismo estatal, mas sim como cidadão produtivo, capaz de contribuir de forma digna e efetiva para o desenvolvimento do meio social em que vive.

Embora a antiguidade clássica tenha dado exemplos de horrores perpetrados em desfavor das pessoas com deficiência, também contribuiu para o surgimento do que atualmente se conhece como Previdência Social, haja vista que gregos e romanos alocavam-nos em planos de assistência para os quais eles contribuíam com pecúnia.

No entanto, foi sob a influência de Aristóteles que se passou a vislumbrar a readaptação dessas pessoas para o trabalho que lhes fosse apropriado. Um exemplo greco-mitológico da concepção antiassistencialista e profissionalizante é a figura de Hefesto (ou Vulcano para os romanos), portador de anomalia em seus membros inferiores, que, na obra "Ilíada", de Homero, se apresentava como detentor de grande habilidade em metalurgia, fabricação de joias e em artes marciais, tornou-se conhecido com o “deus do trabalho” (FONSECA, 2010, online).

Na Idade Média, sob a influência do Cristianismo, o assistencialismo também era praticado pelos senhores feudais, contudo, com a decadência do feudalismo e o surgimento de uma economia baseada, a princípio, no comércio, veio à tona a ideia de que as pessoas com deficiência deveriam ser engajadas no sistema de produção (FONSECA, 2010). Para Ricardo Tadeu Marques da Fonseca (2010, online),

Foi com o Renascimento que a visão assistencialista cedeu lugar, definitivamente, à postura profissionalizante e integrativa das pessoas portadoras de deficiência. A maneira científica da percepção da realidade daquela época derrubou o estigma social piegas que influenciava o tratamento para com as pessoas portadoras de deficiência, e a busca racional da sua integração se fez por várias leis que passaram a ser promulgadas. Na Idade Moderna (a partir de 1789), vários inventos se forjaram com intuito de propiciar meios de trabalho e locomoção aos portadores de deficiência, tais como a cadeira de rodas, bengalas, bastões, muletas, coletes, próteses, macas, veículos adaptados, camas móveis e etc. O Código Braille foi criado por Louis Braille e propiciou a perfeita integração dos deficientes visuais ao mundo da linguagem escrita.

No Brasil, a Lei nº 8.213/91, Lei de Planos e Benefícios da Previdência Social,

regulamentada oito anos após a sua publicação através do Decreto n. 3.048/99, conhecida como “Lei de Cotas para Deficientes”, é um exemplo de aç~o afirmativa do Estado na busca de integrar as pessoas deficientes ao mercado de trabalho, no entanto ela não foi suficiente para inserir grande parte dos deficientes em idade produtiva no país à cadeia produtiva.

J| a Lei n. 13.146/2015, conhecida como “Estatuto da Pessoa com Deficiência”, alheia a uma ideia misericordiosa e assistencialista, busca inserir as pessoas deficientes no contexto social dando garantias de exercício de sua plena cidadania, notadamente o direito ao trabalho, através de igualdade de condições com as demais pessoas.

Acredita-se que o Estatuto do Deficiente possa, de forma substancial, assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e o exercício pleno de sua cidadania através de políticas públicas e ações afirmativas.

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3 O TRATAMENTO DESIGUAL EM BUSCA DA EFETIVAÇÃO DA IGUALDADE DE DIREITOS: DISCRIMINAÇÃO POSITIVA

Através das revoluções burguesas de 1776 e 1789, que transmitiram ao mundo as ideias

iluministas de uma sociedade igualitária e formas de se opor ao pensamento do regime monárquico absolutista, o Estado de Direito surge como uma forma de regulamentar e garantir a igualdade entre os homens através de Cartas Constitucionais e, de certa forma, eliminar as desigualdades.

No entanto, a busca pela igualdade de condições e a efetivação dos direitos humanos fundamentais dela decorrentes não podem ser alcançadas apenas pela sua positivação nas Cartas Constitucionais, senão através de políticas públicas, notadamente pelas ações afirmativas do Estado.

Assim, fez-se necessária uma busca hermenêutica válida do conceito de igualdade que não traduzisse seu princípio como um contrassenso às próprias ações afirmativas praticadas pelo Estado na busca de sua efetivação.

Aristóteles acreditava que a igualdade só poderia ser efetivada em sua totalidade quando os indivíduos iguais fossem tratados igualmente e os desiguais na exata medida de suas desigualdades.

O caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 normatiza formalmente a igualdade entre as pessoas e, pela importância constitucional da norma, enfatiza Paulo Bonavides (2001, p. 340-341):

O centro medular do Estado social e de todos os direitos de sua ordem jurídica é indubitavelmente o princípio da igualdade. Com efeito, materializa ele a liberdade da herança clássica. Com esta compõe um eixo ao redor do qual gira toda a concepção estrutural do Estado democrático contemporâneo. De todos os direitos fundamentais, a igualdade é aquele que mais tem subido de importância no Direito Constitucional de nossos dias, sendo, como não poderia deixar de ser, o direito-chave, o direito-guardião do Estado social.

No entanto, na busca pela igualdade material, baseada no princípio aristotélico da

igualdade, acrescenta Pedro Lanza (2010, p. 679):

O art. 5º, caput, consagra que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Deve-se, contudo, buscar não somente essa aparente igualdade formal (consagrada no liberalismo clássico), mas, principalmente, a igualdade material, na medida em que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Isso porque, no Estado social ativo, efetivador dos direitos humanos, imagina-se uma igualdade mais real perante os bens da vida, diversa daquela apenas formalizada perante a lei. Essa busca por uma igualdade substancial, muitas vezes idealista, reconheça-se, eterniza-se, na sempre lembrada, com emoção, Oração aos Moços, de Rui Barbosa inspirado na lição secular de Aristóteles, devendo-se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades.

Diante do fato concreto e o permissivo teórico-aristotélico do conceito de igualdade

entre as pessoas, o tratamento dos desiguais de acordo com suas desigualdades se faz necessário na busca da efetivação dos direitos humanos decorrentes da igualdade formal enfatizada pela Carta Constitucional brasileira de 1988. Nesse sentido, assevera Alexandre de Moraes (2011, p. 31):

A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em

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consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito [...].

Portanto, soa impossível efetivar os direitos fundamentais previstos na Constituição

Federal de 1988 sem considerar políticas públicas estatais pautadas na discriminação positiva ou ações afirmativas. Para Luiz Alberto David de Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2005, p. 122):

Na disciplina do princípio da igualdade, o constituinte tratou de proteger certos grupos que, a seu entender, mereciam tratamento diverso. Enfocando-os a partir de uma realidade histórica de marginalização social ou de hipossuficiência decorrente de outros fatores, cuidou de estabelecer medidas de compensação, buscando concretizar, ao menos em parte, uma igualdade de oportunidades com os demais indivíduos, que não sofreram as mesmas espécies de restrições. São as chamadas ações afirmativas.

Dessa maneira, a Constituição Federal de 1988, embora preveja no caput do artigo 5º a

igualdade formal, também atribui ao legislador infraconstitucional, ao Estado e à sociedade, para a busca da efetiva igualdade, a implementação de políticas públicas pautadas na discriminação positiva, traduzida na materialização dos direitos dos trabalhadores previstos no artigo 7º constitucional. 4 O PROBLEMA DA EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E A DEVIDA ADEQUAÇÃO DO MEIO AMBIENTE LABORAL

De acordo com um levantamento realizado em 2016 junto a 4.319 trabalhadores (a

maioria homens, 62%; solteiros, 51%; sem filhos, 56%; e empregados, 52%) com deficiência (58% com deficiência física; 26% com deficiência auditiva; 19% com deficiência visual; 7% com deficiência visual; e 9% reabilitadas pelo INSS), 62% dos respondentes disseram ter enfrentado problemas laborais, incluindo ausência de oportunidade de trabalho (66%); bullying (57%); baixos salários (40%); ausência de plano de carreira (38%); e falta de acessibilidade (16%). Ainda, para 58% das pessoas com deficiência participantes da pesquisa, em geral, a área de Recursos Humanos das empresas não está preparada para contratar pessoas com deficiência e 28% dos participantes não tiverem apoio dessa área quando necessitaram, principalmente em relação à adaptação do mobiliário e de equipamentos. Diante desse cenário, 96% dos participantes sinalizaram a importância de que gestores sejam treinados para trabalhar com as diferenças (PROFISSIONAL, 2016).

Assim, é forçoso concluir que a inserção e a permanência de pessoas com deficiência no contexto do trabalho dependem de três fatores complexos: a capacitação do trabalhador com deficiência, tendo em vista suas limitações e a atividade a ser desenvolvida; o preparo do empregador e dos gestores para o desenvolvimento de boas práticas corporativas; e a existência de políticas públicas capazes de efetivar as garantias legais.

A capacitação da pessoa com deficiência diz respeito à falta de condições de estudo e qualificação, ou seja, à efetivação do direito à educação, também elevado à categoria de direito humano fundamental. Conforme acrescentam Ednéia Ramalho Cristina e João Batista Souza Resende, “Dificuldades como a falta de transporte adaptado nas grandes cidades acaba interferindo na vida escolar do deficiente físico e atrapalham, posteriormente, na hora de conseguir um emprego” (2005, p. 5).

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Evidente, portanto, que a dificuldade de inclusão vai além da problemática envolvendo a falta de oportunidade ou a discriminação da pessoa. O processo de deslocamento para se chegar ao local de trabalho em razão de barreiras arquitetônicas presentes nas cidades e os meios de transporte público que, na maioria das frotas, não recebem as adequações necessárias para garantir a acessibilidade das pessoas deficientes (ANJOS et al, 2016) é um exemplo importante da dificuldade de efetivação do direito ao trabalho às pessoas deficientes.

Nessa senda, de acordo com Dávid Sanchez Rubio (2015b), não há nada mais cínico do que a humanidade ser vista e caminhar na busca pela efetividade de seu direito à dignidade, por exemplo, sob a perspectiva, tão-somente, de uma parcela que a integra, ou seja, a do homem heterossexual, macho, branco e bem sucedido economicamente e, acrescente-se, dentro dos padrões da normalidade física. Agindo assim, o que deveria ser reconhecido como direito de todos, acaba se convertendo em privilégio de poucos.

De acordo com Melissa Campello Guedes dos Anjos et al (2016), uma sociedade inclusiva, na qual pessoas deficientes e não deficientes tenham igualdade de oportunidades, deve primar pela educação, saúde, mobilidade, entre outros, sem os quais não há se falar em oportunidade de trabalho.

No tocante ao desenvolvimento de boas práticas corporativas pelo empregador, a admissão de pessoas deficientes visando apenas ao afastamento das penalidades impostas pela legislação ainda é situação frequente; em outros casos, empregadores optam pelo pagamento das penalidades legais, porque a adequação espacial do estabelecimento de trabalho comporta custo mais elevado do que a multa arbitrada pela autoridade fiscalizatória (ANJOS et al, 2016), como também afirma Aymina Nathana Brand~o Madeiro, “[...] v|rias empresas preferem arcar com as multas aplicadas a adaptarem-se às regras para a contratação dessa parcela significativa da sociedade” (2014, online), pois sai mais em conta e gera menos transtorno.

Ademais, em relação às práticas de Recursos Humanos, Maria Nivalda de Carvalho-Freitas (2009) evidencia a necessidade de empregadores definirem estratégias de treinamento visando às necessidades dos trabalhadores deficientes, bem como garantirem igualdade de oportunidades nos processos de ingresso, promoção e transferência das pessoas com deficiência, não apenas o dever de pagamento de salário igual a trabalhadores deficientes. É a igualdade de oportunidades de ascensão profissional que, por corolário, implica em incremento salarial.

Verifica-se, portanto, que a dificuldade de inclusão também contempla a falta de oportunidade ou a discriminação do deficiente como empregado, em decorrência do despreparo do empregador e de seus representantes na estrutura organizacional.

Esse cenário, analisado através da perspectiva labor-ambiental desenvolvida por Victor Hugo de Almeida (2013)1, evidencia que a efetivação do direito ao trabalho não esbarra apenas em aspectos físicos do meio ambiente do trabalho (por exemplo, acessibilidade), mas, principalmente, em aspectos comportamentais e psicológicos (por exemplo, discriminação) e organizacionais (por exemplo, treinamento de gestores e trabalhadores para lidarem com diferenças; isonomia salarial; plano de carreira), todos constituintes do locus laboral.

Ademais, o problema da efetivação do direito humano ao trabalho das pessoas com deficiências não é apenas do Estado.

Para Dávid Sanches Rubio (2015b), a sociedade espera passivamente do Estado, seja por meio de leis ou mesmo de políticas públicas, a solução de seus problemas; espera que a burocracia crie formas de efetivação de direitos fundamentais, esquecendo-se que a luta social também é uma forma de efetivação de tais direitos e não apenas o assistencialismo estatal. Por

1 Segundo Victor Hugo de Almeida (2013), consoante à perspectiva labor-ambiental, o meio ambiente do trabalho deve ser entendido como um espaço funcionalmente localizado (e não geograficamente), constituído tanto por aspectos ambientais (geográficos, arquiteturais, tecnológicos, organizacionais e culturais) como por aspectos pessoais dos trabalhadores (biogenéticos, comportamentais e psicológicos), cuja manifestação ambiental, à luz do Princípio da Interdependência, é intrinsecamente relacionada a outros contextos e manifestações ambientais, neles influenciando e por eles sendo influenciada.

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isso, assevera Maria Hemília Fonseca (2009, p. 98) que “A exigência de um direito a trabalhar, além do simples objetivo da sobrevivência física, vincula-se à ideia de dignidade humana e, consequentemente, { valoraç~o do trabalho como forma de realizaç~o pessoal”.

É certo que a transferência de poder do povo ao Estado de Direito, decorrente das revoluções burguesas, foi importante para que, com seu aparato burocrático, pudesse garantir a efetivação dos direitos ditos humanos e pudesse acabar com a maldade e perversidade humanas (RUBIO, 2015b). No entanto, adverte Dávid Sanchez Rubio (2015a) sobre a necessidade de não pensar os direitos humanos baseados somente em normas jurídicas, instituições estatais e em certos valores que lhes dão fundamento, mas, também, nas lutas sociais, na reflexão filosófica, no reconhecimento jurídico-positivo e institucional, na efetividade jurídica que guarda relação com o sistema de garantias e na sensibilidade sociocultural e popular.

Certo é que o modelo de produção capitalista é uma realidade inescusável. Todavia, conforme ressalta Victor Hugo de Almeida (2013, p. 122), “deve o empregador, como beneficiário direto da exploração da atividade econômica, não apenas gerar mais e sim melhores empregos, contribuindo para a efetivação do direito ao trabalho, como um direito econômico-social fundamental”. Isso porque h| expectativa da sociedade de que aquele que se propuser a explorar qualquer modalidade de atividade empresarial o fará com estrita observância da legislação pátria e, por corolário, dos direitos humanos consagrados na Constituição Federal de 1988.

Conclui-se, portanto, que a efetividade do direito fundamental ao trabalho das pessoas deficientes não está apenas nas mãos do Estado e de suas instituições. O problema não seria apenas a falta de sensibilidade do empregador ao não tornar o meio ambiente de trabalho dessas pessoas devidamente adaptado, como preceitua o “Estatuto da Pessoa com Deficiência” ou mesmo oferecer melhores empregos às pessoas com deficiência. Como salienta Dávid Sanchez Rubio (2015b), isso seria apenas a ponta de um iceberg, pois há a necessidade de se pensar nesse direito como um todo, não apenas no que aparenta ser o problema.

CONCLUSÃO

Indubitavelmente, o direito ao trabalho é visto como um direito humano e, na medida em que passou a ser positivado pelas Cartas Constitucionais, tornou-se um direito fundamental, notadamente como forma de garantir a cidadania e a dignidade humana, pilares constitucionais da República Federativa do Brasil desde 1988.

No entanto, a plena efetivação da cidadania, da dignidade, do direito ao trabalho e ao meio ambiente do trabalho às pessoas com deficiência ainda se encontra deveras distante do ideal previsto na Constituição Federal de 1988 e nas Convenções Internacionais das quais o Brasil é signatário

Isso porque, a despeito da existência da Lei de Cotas e do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que regulamenta a igualdade de condições das pessoas deficientes no mercado de trabalho e obriga a adaptação do locus laboral visando à acessibilidade, de acordo com o Censo do IBGE de 2010, 53,8% dos brasileiros com deficiência em idade produtiva estão alheios à cadeia produtiva nacional. Não bastasse, em detrimento do equilíbrio labor-ambiental (art. 225; art. 200, VIII, CF), evidenciou-se que, quando empregadas, essas pessoas ainda enfrentam problemas como desigualdade salarial, baixa remuneração, ausência de plano de carreira, falta de acessibilidade e bullying.

Diante desse cenário, destaca-se a necessidade de políticas públicas estatais, pautadas em ações afirmativas, e de ações envergadas pelos próprios atores sociais para exigir do Estado e também do setor privado a efetivação dos direitos da pessoa com deficiência ao pleno exercício do trabalho, notadamente no que tange à acessibilidade e à adequação, física e organizacional, do meio ambiente do trabalho.

Desta feita, a efetivação do direito fundamental ao trabalho das pessoas com deficiência, como forma de garantia da cidadania e da dignidade humana, é uma luta constante, que depende de toda a sociedade e não apenas do Estado e de suas instituições públicas. Não depende apenas

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de leis inclusivas, mas também de políticas públicas, notadamente as ações afirmativas, pelas quais deverão ser tratados desigualmente os desiguais na exata medida de suas desigualdades, visando à efetivação da isonomia material e, por corolário, da justiça social.

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O ACÚMULO NO PAGAMENTO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADES, E ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE

ACCUMULATION OF HAZARDOUS WORK PAYMENTS, AND HEALTH AND RISK PREMIUMS

Jackeline Polin Andrade* RESUMO: Este estudo versa sobre a possibilidade de acumulação no pagamento dos adicionais de insalubridades, e de adicionais de insalubridade e periculosidade. Foi essencial discorrer sobre os conceitos dos direitos humanos, direitos fundamentais, bem como a aplicabilidade destes nas relações trabalhistas, para que se preserve a dignidade da pessoa humana do trabalhador, via de um ambiente de trabalho saudável. No estudo foi disposto sobre o valor da saúde e da vida do trabalhador no âmbito do Direito do Trabalho, bem como as normas e princípios que regulam e protegem os direitos do trabalhador. Neste contexto foi indispensável apresentar soluções para os conflitos entre as normas constitucionais, supralegais e infralegais, visando sempre o resultado mais benéfico a proteção a saúde e a vida de cada trabalhador, possibilitando ainda a flexibilização das normas em prol do beneficio do lado frágil da relação contratual. Utilizou-se legislações, doutrinas e jurisprudências para esclarecer que diversos são os adicionais pagos de forma acumulada, e diante disso, os adicionais de insalubridade e periculosidade, os quais protegem bens imateriais totalmente distintos (saúde e vida), devem ser pagos ao trabalhador de forma acumulada em caso de estar exposto a mais de um agente insalubre, ou um agente insalubre e outro perigoso. No decorrer deste estudo encontrou-se críticas referente à monetização do risco, porém, se aplicada de forma correta, esta ainda é a forma mais eficaz de proteger a dignidade humana do trabalhador, pois o empregador será incentivado a investir no meio ambiente de trabalho, tornando-o cada vez mais seguro e saudável. Palavras chaves: acumulação de pagamento de adicionais. adicional de insalubridade e de periculosidade. aplicação do princípio da norma mais favorável ao trabalhador. Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. ABSTRACT: This study investigates the possibility of accumulation of hazardous work payment in addition to health and risk premiums. It was essential to elaborate about fundamental human rights and how these apply to labor relations, in order to preserve the the workers’ dignity as well as providing a healthy working environment. This study also discusses the role of the workers’ health in context of labor laws, norms and principles which regulate and protect the workers’ rights. In this regard, it was indispensable to address solutions for conflicts arising between constitutional, supralegal and infralegal norms, always considering a more beneficial solution and the protection of the life and health of each worker, seeking flexibility of the rules of law in benefit of the weaker side of the contractual relationship: the worker. Legislation, doctrines and jurisprudence were deeply investigated in order to sustain the matter. Thus concluding that several bonuses are cumulatively paid since they refer to distinct immaterial goods: health and life. In other words, the worker may be entitled to receive cumulative bonuses in the event of being exposed to more than one unhealthy or dangerous agent. Thoughou this study criticism with regards to the monetization of the risk was found, however, this is still the most effective way of protecting the workers’ dignity. If properly applied this resource should encourage employers to invest in working environments, making them increasingly safe and healthy. Key words: accumulation of hazardous work payments. health and risk premiums. applying the

* Pós-Graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Fundação Armando Alvares Penteado

(FAAP) de Ribeirão Preto/SP. Pós-Graduada em Direito Empresarial e Relações com o Mercado pela Faculdade COC (UNISEB). Advogada. E-mail: [email protected].

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principle of the most favorable legislation applies for the worker. Labor law and labor litigation law. SUMÁRIO: Introdução. 1 Os adicionais de insalubridade e periculosidade. 2 A possibilidade do apagamento acumulado dos adicionais de insalubridades, e adicional de insalubridade e periculosidade. 3 O posicionamento dos tribunais. 3.1 O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª região (TRT15) e o pagamento acumulado de adicional de insalubridade e adicional de periculosidade. 3.2 As turmas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o pagamento acumulado de adicional de insalubridade e adicional de periculosidade. 3.3 O posicionamento dos tribunais no tocante ao pagamento acumulado de adicionais de insalubridades. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

No Brasil há diversas legislações que tratam da preservação da vida e da saúde do

trabalhador, merecendo destaque os princípios e normas constitucionais, convenções internacionais, normas celetistas e normas regulamentadoras.

Há ausência de fiscalização eficaz por parte dos órgãos competentes para averiguar se as regras que protegem saúde e vida do trabalhador estão sendo cumpridas, e, ainda a omissão nas punições por estes descumprimentos de maneira reiterada.

Neste trabalho verificar-se-á a possibilidade do acúmulo no pagamento dos adicionais de insalubridades e, dos adicionais de insalubridade e periculosidade, utilizando-se também fundamento para este pagamento acumulado, a aplicação do principio da norma mais favorável ao trabalhador e o princípio da rearação integral.

A partir desta linha de raciocínio buscou-se demonstrar que a monetização do risco à saúde e à vida do trabalhador ainda é a melhor forma de prevenir, proteger, punir e indenizar, apenas dessa forma conscientizar-se-á os que não cumprirem com seu dever de proporcional um meio ambiente de trabalho saudável aos trabalhadores.

É dessa, ou seja, autorizando o pagamento acumulado destes adicionais, que se busca alcançar a redução da exposição da saúde e da vida do obreiro aos riscos, principalmente pelo fato de que existem atividades essenciais e indispensáveis à coletividade, as quais jamais poderão ser extintas, e que expõem a saúde e a vida deste trabalhador a riscos inerentes a própria atividade desenvolvida.

Atualmente é bem aceito a concessão do pagamento de forma acumulada dos adicionais de insalubridade e periculosidade ao trabalhador por nossos tribunais. Contudo, no tocante ao pagamento acumulado dos adicionais de insalubridades, ou seja, quando o obreiro fica exposto simultaneamente a mais de um agente insalubre, ainda há uma forte resistência de nossos tribunais, sempre sob a mesma alegação de que a proteção gira em torno da saúde.

Frisa-se que buscamos demonstrar com essa pesquisa que a CF/88 não proíbe o pagamento acumulado dos adicionais de insalubridades e, adicionais de insalubridade e periculosidade, da mesma forma a Convenção da OIT estabelece que seja realizado este pagamento de forma acumulada.

1 OS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE

Os adicionais de insalubridade e periculosidade foram recepcionados pela da Constituição Federal de 1998, expressamente como direitos básicos do trabalhador, especificamente no artigo 7º, incisos XXII e XXIII:

Art. 7.º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social[...]. XXII – a redução dos riscos inerentes ao trabalho;

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XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; [...].

O artigo 192 da CLT dispõe sobre o adicional de insalubridade:

Art. 192 - O exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção de adicional respectivamente de 40% (quarenta por cento), 20% (vinte por cento) e 10% (dez por cento) do salário-mínimo da região, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo.

As atividades ou operações consideradas insalubres são aquelas dispostas nos Anexos da NR nº 15 do MTE. Os trabalhadores que exerçam atividade laboral em condições insalubres devem receber o adicional de insalubridade (40% grau máximo, 20% grau médio, 10% grau mínimo), o qual deve incidir sobre o salário mínimo.

O empregador tem a obrigação de fornecer os equipamentos de proteção individuais (EPI’s) ao trabalhador, equipamentos estes que devem ter sido aprovados pelo MTE, segundo a NR nº 6 da Portaria 3.214/78.

Os EPI’s devem, no mínimo, garantir a neutralizaç~o da intensidade do agente agressivo a limites de tolerância. Porém, para que esta neutralização mencionada tenha eficácia é necess|rio que o empregador fiscalize se os trabalhadores utilizam corretamente os EPI’s, bem como efetue a troca periódica dos EPI’s, de acordo com o período de validade de cada um.

De acordo com a Súmula n.º 80 do TST “A eliminaç~o da insalubridade mediante fornecimento de aparelhos protetores aprovados pelo órgão competente do Poder Executivo exclui a percepç~o do respectivo adicional”.

O artigo 193 da CLT dispõe sobre o adicional de periculosidade:

Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica; II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. § 1.º - O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa.

As atividades consideradas perigosas expõem a riscos a vida do trabalhador e estão previstas nos Anexos da NR nº 16 do MTE.

O trabalhador que exerça atividade em condições perigosas deve receber a percepção de adicional de 30% (trinta por cento), o qual incidirá apenas sobre o salário básico do mesmo. Nesse sentido destaca-se a Súmula n.º 191 do TST, a qual foi estabelecida pela Resolução Administrativa 13/1983 do TST, porém modificada pela Resolução Administrativa 03/2003:

ADICIONAL. PERICULOSIDADE. INCIDÊNCIA. O adicional de periculosidade incide apenas sobre o salário básico e não sobre este acrescido de outros adicionais. Em relação aos eletricitários, o cálculo do adicional de periculosidade deverá ser efetuado sobre a totalidade das parcelas de natureza salarial.

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Ocorre que a Lei 12.740/2012 redefiniu os critérios para atividades perigosas e acabou por revogar expressamente a Lei 7.369/1985, e consequentemente piorou a situação dos eletricitários, ao incluir a energia elétrica no art. 193 da CLT, os eletricitários passaram a ter a mesma regra que todos os demais trabalhadores, ou seja, aquela do § 1º do citado artigo 193. Há de se registrar de acordo com o princípio da inalterabilidade contratual lesiva, a nova regra dos eletricitários não atingirá os contratos em curso na data da vigência da nova norma, mas apenas os posteriores.

No tocante ao tempo de exposição a condições de risco do trabalhador, a Súmula n° 368, I, do TST destaca:

Adicional de periculosidade. Exposição eventual, permanente e intermitente. I - Faz jus ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma intermitente, sujeita-se a condições de risco. Indevido, apenas, quando o contato dá-se de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido.

Dessa maneira o contato permanente do trabalhador ao elemento perigoso deve ocorrer diariamente, mesmo que por poucos minutos.

Diverso do que ocorrem nos casos dos agentes insalubres, os quais podem ser neutralizados, o agente periculoso para que não ofereça risco, deve ser eliminado, uma vez que n~o existem EPI’s capazes de neutralizar o risco de vida do trabalhador.

2 A POSSIBILIDADE DO PAGAMENTO ACUMULADO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADES, E ADICIONAL DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE

Para demonstrar que há fundamentos legais sobre possibilidade do pagamento acumulados dos adicionais de insalubridades e, adicionais de insalubridade e periculosidade destacamos o artigo 5º (direito fundamental e a vida), o artigo 6º (direito social a saúde), o artigo 7º (direito dos trabalhadores) incisos XXII (redução dos riscos inerentes ao trabalho) e XXIII (adicional de remuneração), o artigo 11º e o caput do artigo 196 todos da CF/88, bem como as convenções internacionais da OIT, em específico a nº 148 (meio ambiente de trabalho), nº 155 (a saúde e segurança dos trabalhadores) e nº161 (os serviços de saúde do trabalho).

Como complemento a artigo 7º, inciso XXIII da CF/88 temos o artigo 11 – b da Convenção nº 155 da OIT, o qual dispõe que “(...) deverão ser levados em consideração os riscos para a saúde decorrentes de exposiç~o simult}nea a diversas substancias ou agentes”, em sendo assim, está claramente demonstrado que a referida Convenção, da qual o Brasil é signatário, a necessidade de ser efetuado o pagamento acumulado.

Em contra partida, ainda há forte resistência sobre o assunto do pagamento de forma acumulada dos adicionais de insalubridades, e adicionais de insalubridade e adicionais de periculosidade, sempre com o fundamento de que há vedações dos artigos da CLT e de Normas Regulamentadoras (NR’s) do MTE. Existem também aqueles que criticam o pagamento de forma açulada em decorrência da discordância com o método utilizado da monetização do risco.

O § 2º do artigo 193 da CLT veda a possibilidade do pagamento acumulado de adicionais de insalubridade e periculosidade:

Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: (Redação dada pela Lei n.º 12.740, de 2012) [...] § 2.º - O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido. (Incluído pela Lei n.º 6.514, de 22.12.1977).

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O item 15.3 da NR nº 15 do MTE dispõe sobre a vedação do pagamento acumulado dos adicionais de insalubridades ao estabelecer que “No caso de incidência de mais de um fator de insalubridade, será apenas considerado o de grau mais elevado, para efeito de acréscimo salarial, sendo vedada a percepç~o cumulativa”.

Enquanto a CLT veda o pagamento acumulado de adicional de insalubridade com o adicional de periculosidade, a NR menciona a vedação de pagamento acumulado de agentes insalubres.

Embora haja as vedações supracitadas, as mesmas são inconstitucionais, primeiro porque a CF/88 não proíbe o pagamento acumulado, e segundo porque a Convenção nº 155 da OIT, a qual foi ratificada pelo Brasil e passou a ter vigência em 1993, autoriza o pagamento acumulado destes adicionais.

A questão é que, se o Brasil ratificou a Convenção nº 155 da OIT, tem o dever de fazer valer todo seu conteúdo em benefício à proteção da saúde e da vida dos obreiros. Desse modo os operadores do Direito precisam avançar e modernizar a reflexão sobre o tema, não podem se apegar a uma legislação que se revela obsoleta para esse projeto, e para isso verifica-se que às normas internacionais são ferramentas úteis a esse fim. (ANDRADE, 2015).

Ainda aqueles que criticam a monetização do risco à saúde e à vida do trabalhador, apresentam o fundamento de que não se deve colocar preço aos bens indisponíveis, como a saúde e a vida do obreiro. Ocorre que ao deixar de efetuar o pagamento de adicional de insalubridade e periculosidade os direitos fundamentais do trabalhador, ou seja, o direito à saúde e o direito à vida passarão a ser violados.

Dessa forma verifica-se que o problema não esta na monetização do risco à saúde e à vida do trabalhador, mas sim na falta de uma fiscalização eficiente nos meios ambientes de trabalho pelos órgãos competentes, e a consequente aplicação penalidades, aos que descumprirem o disposto em lei. Da mesma maneira deve se portar o empregador, e penalizar com advertências e, até mesmo uma dispensa por justa causa, àquele obreiro que, mesmo com orientações e fiscalizações se recusa a utilizar os equipamentos de proteção, ou se negam em utiliza-los de forma adequada.

Em decorrência do que fora explanado neste capítulo, pode-se facilmente detectar que, não autorizar o pagamento acumulados dos adicionais ou deixar de pagar adicional de insalubridade e de periculosidade ao obreiro, é o mesmo que negar a existência do principio da reparação integral do dano, bem como ser conivente ao enriquecimento ilícito da parte patronal. 3 O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS

Ainda há grandes divergências entre o posicionamento dos Tribunais Regionais, bem

como entre as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho no tocante ao pagamento acumulado de adicionais de insalubridades, e adicional de insalubridade e periculosidade.

3.1 O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT15) e o pagamento acumulado de adicional de insalubridade e adicional de periculosidade

De acordo com as pesquisa realizadas neste trabalho, desde o ano de 2014 os

magistrados de 1ª Instancia do TRT15 vem reconhecendo o direito do trabalhador em receber o pagamento acumulado de adicional de insalubridade e periculosidade. E, tais decisões estão sendo mantidas pelos desembargadores ao julgarem os recursos. Vejamos:

[...]. Sobre a possibilidade de cumulação de ambos os adicionais, assim dispõe o artigo 7.º, XXII, da CF/1988: [...]. Como se vê, a melhor interpretação para referida regra indica ser possível afirmar que o Legislador Constituinte não quis impor qualquer tipo de

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limitação às garantias que buscam a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Não fosse assim, certamente o Legislador teria empregado no texto a preposiç~o ‘ou’ e n~o ‘e’. Logo, ressalvadas determinadas exceções e considerado ainda o pensamento de que a lei ordinária não pode prever condições menores do que aquelas fixadas pela Constituição, é igualmente possível e plenamente viável conceder ao trabalhador, de forma cumulada e simultânea até, o direito ao recebimento dos adicionais de insalubridade e de periculosidade. Afinal de contas, cada um deles busca compensar condições totalmente diferentes. Enquanto o adicional de insalubridade visa ressarcir o trabalhador contra a ação de agentes encontrados em seu ambiente de trabalho e que comprometem sua saúde, o de periculosidade busca compensar eventuais fatores (de explosões e choques elétricos) que põem em risco sua própria vida. Plausíveis, assim, os argumentos expostos na r. sentença de origem, que não merece qualquer reforma ao reconhecer o direito ao recebimento acumulado dos adicionais de insalubridade e de periculosidade. Nada a reformar. (Processo nº 0001216-05.2011.5.15.0022 RO - 5.ª turma – 9ª câmara do TRT 15.ª, julgado em 12/12/2014).

Porém, ainda em relação ao pagamento de adicionais de insalubridades, não constatou-se posição favorável nesse sentido pelo TRT15.

3.2 As Turmas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o pagamento acumulado de adicional de insalubridade e adicional de periculosidade

Algumas turmas do TST ainda se baseiam no § 2º do artigo 193 da CLT e no item 15.3 da

NR nº 15 do MTE para não concederem o pagamento acumulado de adicionais de insalubridade e periculosidade. Destaca-se:

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014 - CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE - IMPOSSIBILIDADE Nos termos da jurisprudência pacífica do Eg. TST, não há falar em pagamento cumulativo dos adicionais de insalubridade e periculosidade. O artigo 193, § 2º, da CLT dispõe que o empregado pode optar pelo adicional que porventura lhe seja devido. Precedentes. Recurso de Revista conhecido e provido. (RR - 12554-97.2013.5.03.0164 , Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Data de Julgamento: 28/09/2016, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 30/09/2016). RECURSO DE REVISTA. ADICIONAIS DE PERICULOSIDADE E DE INSALUBRIDADE. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NÃO CONHECIMENTO. Cinge-se a presente controvérsia em estabelecer se existe a possibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, quando as funções desempenhadas sejam insalubres e perigosas. O § 2º do artigo 193 da CLT assegura ao empregado a possibilidade de optar, caso a função desempenhada seja concomitantemente insalubre e perigosa, pelo adicional que lhe seja mais vantajoso, a saber: o de periculosidade ou o de insalubridade. Precedentes. Recurso de revista de que não se conhece. (RR - 2005-96.2014.5.03.0033 , Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 21/09/2016, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/09/2016).

Dessa forma, atualmente ainda existem os defensores de que a CLT e as Normas Regulamentadoras estão acima da CF/88 e das Convenções da OIT.

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Em contrapartida passamos a colacionar as ementas dos acórdãos de turmas do TST que

acolhem os pedidos de pagamento acumulado de adicional de insalubridade e periculosidade:

(...) Com relação ao caso concreto, acerca da possibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, não há dúvidas de que as disposições que mais se harmonizam com os referidos preceitos e com as normas constitucionais de proteção do trabalhador são aquelas previstas nas Convenções 148 e 155 da OIT (que possuem status supralegal, isto é, acima das leis ordinárias e complementares, mas abaixo da Constituição) - em detrimento da regra do art. 193, § 2º, da CLT -, devendo, portanto, prevalecer a possibilidade de cumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade. Há de se ponderar, contudo, que essa cumulação apenas se faz cabível quando a incidência de referidos adicionais seja decorrente de agentes de risco distintos - haja vista que, se a periculosidade e a insalubridade tiverem como causa o mesmo fato, mantém-se a necessidade de o empregado fazer a opção pelo adicional mais vantajoso. Trata-se, com efeito, de parcelas sumamente distintas, que não se compensam, nem se substituem, não podendo ser deduzidas. Desse modo, por força do texto normativo do art. 7º, XXII e XXIII da CF, combinado com o art. 11-b, da Convenção 155 da OIT, o sentido do art. 193, § 2º, CLT, tem de ser considerado como não recepcionado (revogado) pela nova ordem jurídica constitucional estabelecida com a Constituição Federal promulgada em 1988, para permitir a acumulação das parcelas diferentes, porém não a duplicidade de pagamento da mesma verba pela ocorrência de duplo fator agressivo. Ou seja, não se pagam, é óbvio, dois adicionais de insalubridade em vista da existência de dois agentes insalubres, pois a verba é a mesma; porém pagam-se as duas verbas distintas (insalubridade e periculosidade), caso existam seus fatores específicos e distintos de incidência. (...). Assim, em razão da necessidade de nova compreensão desta Corte acerca da cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade à luz dos parâmetros acima citados, não se pode considerar que o art. 193, § 2º, da CF, tenha sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, razão pela qual se possibilita a percepção conjunta do adicional de insalubridade e de periculosidade. Recurso de revista não conhecido nos aspectos. (RR - 20314-87.2013.5.04.0029 , Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 21/09/2016, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/09/2016).

Contudo, ainda que haja decisão favorável no sentido de autorizar o pagamento acumulado de adicional de insalubridade e periculosidade ao trabalhador, o julgador frisa a necessidade de que essa se faz cabível apenas quando a incidência de referidos adicionais decorra de agentes de riscos distintos, ou seja, se a insalubridade e a periculosidade tiverem como causa o mesmo fato, é mantida a decisão de que o trabalhador opte pelo adicional mais vantajoso. Destarte, observa-se que há uma grande cautela pelo TST em conceder o pagamento acumulado de adicional de insalubridade e periculosidade. 3.3 O posicionamento dos Tribunais no tocante ao pagamento acumulado de adicionais de insalubridades

No tocante a autorização de pagamento acumulado de adicionais de insalubridades

quando o trabalhador estiver exposto simultaneamente a mais de um agente insalubre, não há ainda nenhum acórdão do TRT da 15ª Região e do TST que seja favorável a possibilidade.

As 3ª e 4ª Turmas do TRT da 3ª Região, nos anos de 1991 e 1994 proferiu decisão no sentido de que, estando o trabalhador exposto a mais de um agente insalubre deverá receber uma maior adicional, uma vez que sua saúde estará em maior exposição aos riscos:

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ADICIONAL DE INSALUBRIDADE - APURAÇÃO - CRITÉRIO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE - A novel Carta Política tutela a saúde dos obreiros, conforme artigos 6º, 7º XXII e 196, porque o homem deve constituir meta do governante. Apurado via excelente laudo pericial, que foram encontrados dois agentes insalubres, logicamente os reclamantes receberam dois adicionais, para se proteger a saúde e evitar o locupletamento ilícito. Ora, se expostos estão os empregados a mais agentes insalubres do que um só, motivo maior há para auferir um maior adicional, por motivos biológicos, jurídicos e lógicos. Afinal, in casu, a saúde estará em maior exposição ao risco,. Sentença boa e intocável. (Processo: RO - 2128/91 . Data de Publicação: 18/10/1991 . Disponibilização: 17/10/1991. Fonte: DJMG. Boletim: Sim. Órgão Julgador: Quarta Turma Relator: Darcio Guimaraes de Andrade). EMENTA: (...). Por outro lado, o pagamento de apenas um adicional, quando são dois ou mais agentes insalubre, incentiva a manutenção de um ambiente de trabalho agressivo a saude do trabalhador. Recurso provido, para deferir ao reclamante o pagamento cumulativo, referente aos dois agentes insalubres existentes no local de trabalho. (Processo nº 6530/93 RO, TRT 3ª R, Rel. Juiz Abel Nunes da Cunha, 3ª T, Publicado em 7.06.1994).

Pode-se afirmar que, há muitas décadas esse assunto é debatido, porém atualmente o tema vem sendo levantado com maior frequência pelos operadores do direito, pois a preocupação com a saúde e a vida do trabalhador é objeto de grandes debates, já que o que se busca é proporcionar um meio ambiente de trabalho equilibrado a todos os obreiros, com a consequente extinção/redução de doenças ocupacionais e do trabalho, bem como com a extinção/redução de morte em decorrência de acidentes do trabalho. CONCLUSÃO

Este trabalho tem como finalidade demonstrar que é devido o pagamento acumulado de

adicionais de insalubridades, e adicionais de insalubridade e periculosidade, já que a previsão expressa do artigo 193, § 2º, da CLT, bem como o item 15.3 da NR 15 do MTE, é inconstitucional.

O fato é que o artigo 5º (direito fundamental e a vida), o artigo 6º (direito social a saúde), o artigo 7º (direito dos trabalhadores) incisos XXII (redução dos riscos inerentes ao trabalho) e XXIII (adicional de remuneração), o artigo 11º e o caput do 196 todos da CF/88 não proíbem o pagamento acumulado dos adicionais de insalubridades, e adicionais de insalubridade e periculosidade. Mais que isso, tais artigos ora mencionados jamais poderão ser abolidos nem mesmo por emenda constitucional (artigo 60º § 2.º CF/88), no compasso em que deve haver a busca da máxima eficiência e aplicação fática dos mesmos.

Nesse particular, as convenções internacionais da OIT, em específico a nº 148, nº 155 e nº161, as quais o Brasil é signatário, cuidam respectivamente sobre meio ambiente de trabalho; a saúde e segurança dos trabalhadores e, os serviços de saúde do trabalho.

Ademais é de suma importância destacar que o artigo 11 – b da Convenção nº 155 da OIT, o qual dispõe que “(...) deverão ser levados em consideração os riscos para a saúde decorrentes de exposiç~o simult}nea a diversas substancias ou agentes”, ora a referida Convenção esclarece a necessidade de ser efetuado o pagamento acumulado, a qual é considerada supralegal, ou seja, esta acima da CLT ou de qualquer Norma Regulamentadora do MTE.

Destarte é de fácil compreensão que os adicionais de insalubridade e periculosidade tutelam bens jurídicos diversos. Enquanto o adicional de insalubridade visa compensar o eventual risco à saúde do trabalhador, o adicional de periculosidade visa compensar a exposição

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da vida do trabalhador a riscos. Diante disso não há razões jurídicas e biológicas para a vedação no pagamento acumulados dos referidos adicionais.

Além disso, o Principio da Primazia da Norma mais Favorável ao Trabalhador e o Principio da Reparação Integral, o qual está disposto no caput do artigo 944 do CC/2002 são princípios indispensáveis para aplicação destes pagamentos acumulados. Assim, se um trabalhador expõe sua saúde a agentes insalubres diversos simultaneamente deve receber os percentuais de forma cumulativa, pois sua saúde e/ou sua vida estão sendo expostas a risco com maior amplitude.

Outro ponto relevante e de comparação necessária é que, se, por exemplo, o adicional noturno e adicional de insalubridade/periculosidade podem ser pagos de forma cumulativa, não há razão lógica, jurídica ou biológica em proibir o pagamento acumulado de adicional de insalubridade e adicional de periculosidade.

E mais, se os adicionais de natureza salarial podem ser pagos de maneira cumulativa, como por exemplo, os adicionais noturnos e os adicionais de horas extras, não se vislumbra razões lógicas, jurídica ou biológica de vedar o pagamento acumulados de adicionais de insalubridades, quando o trabalhador estiver expondo simultaneamente a sua saúde a agentes nocivos diversos.

A conclusão desta pesquisa possui amparo na Constituição Federal de 1988, sendo esta de âmbito nacional, bem como nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho, sendo esta ultima de caráter internacional, não podendo ser violadas por leis ordinárias ou normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego.

Buscou-se demonstrar também com esta pesquisa que o problema não está na monetização do risco, método ainda utilizado, mas sim na ausência de fiscalização e de punição dos órgãos competentes, e em decorrência desta omissão, os empregadores se beneficiam, pois é mais barato pagar apenas o adicional mais vantajoso, aos obreiros, do que investir no ambiente de trabalho.

É certo que obrigar o empregador a pagar de forma acumulada os adicionais de insalubridades, e adicional de insalubridade e adicional de periculosidade de forma acumulada, o incentivará a investir em métodos de prevenção neutralização e até mesmo eliminação efetiva de riscos à saúde e à vida do trabalhador.

Encerramos esta pesquisa concluindo que é constitucional o pagamento acumulado dos adicionais de insalubridades e, os adicionais de insalubridade e periculosidade. REFERÊNCIAS

ANDRADE, Jackeline Polin. O acúmulo no pagamento dos adicionais de insalubridade, e adicionais de insalubridade e periculosidade. 2015. 56/57. Monografia (Pós Graduação Latu Sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho) - Fundação Armando Alvares Penteado, Ribeirão Preto. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 07 out. 2016. ______. Organização Internacional do Trabalho (OIT). Convenção n.º 148. Ratificada pelo Brasil em 14 de janeiro de 1982. Vigência em nacional em 14 de janeiro de 1983. Disponível em: <http://www.oit.org.br/node/500>. Acesso em: 07 out. 2016. ______. Organização Internacional do Trabalho (OIT). Convenção n.º 155. Ratificada pelo Brasil em 18 de maio de 1992. Vigência em nacional em 18 de maio de1993. Disponível em: <http://www.oit.org.br/node/504>. Acesso em: 07 out. 2016.

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______. Organização Internacional do Trabalho (OIT). Convenção n.º 161. Ratificada pelo Brasil em 18 de maio de 1990. Vigência em nacional em 18 de maio de1991. Disponível em: <http://www.oit.org.br/node/507>. Acesso em: 07. Out. 2016. ______. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-lei n.º 5.452, de 1.º de maio de 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm>. Acesso em: 07 out. 2016. ______. Decreto-lei n.º 4.657, de 04 de setembro de 1942. Lei de Introdução ao Código Civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/decreto-lei/del4657.htm>. Acesso em: 07 out. 2016. ______. Lei Ordinária n.º 6.514, de 22 de dezembro de 1977. Altera o capítulo V do título II da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT – DEL 5.452, de 1943) relativo a segurança e medicina do trabalho, e dá outras providencias. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6514.htm>. Acesso em: 07 out. 2016. ______. Lei Ordinária n.º 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 05 out. 2016. ______. Lei Ordinária n.º 12.740, de 08 de dezembro de 2012. Altera o artigo 193 da CLT aprovada pelo decreto-lei n.º 5.452/1943, a fim de redefinir critérios para caracterização das atividades ou operações perigosas, e revoga a Lei n.º 7.369/1985. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12740.htm>. Acesso em: 05 out. 2016. ______. Ministério do Trabalho e Emprego. Normas Regulamentadoras de Segurança e saúde do trabalho, de 08 de junho de 1978. A NR-6 dispõe sobre Equipamento de Proteção Individual - EPI, a NR-15 dispõe sobre Atividades e Operações Insalubres, e a NR-16 dispõe sobre Atividades e Operações Perigosas. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/legislacao/normas-regulamentadoras-1.htm>. Acesso em: 10 out. 2016. ______. Tribunal Regional do Trabalho da 15.ª Região. 5.ª Turma – 9ª Câmara. Processo n.º 0001216-05.2011.5.15.0022 RO, julgado em 12 de dezembro de 2014. Vara de origem: vara do trabalho de Mogi Mirim/SP. ______. Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª Região. 3.ª Turma. Processo: 6530/93 RO, publicado em 07 de junho de 1994. ______. Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª Região. 4.ª Turma. Processo: 2128/91 RO, publicado em 17 de outubro de 1991. ______. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n.º 80. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_51_100.html#SUM-80>. Acesso em: 10 out. 2016. ______. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n.º 191. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_151_200.html#SUM-191>. Acesso em: 10 out. 2016.

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______. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n.º 368. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_351_400.html#SUM-364>. Acesso em: 10 out. 2016. ______. Tribunal Superior do Trabalho da 15.ª Região. 8.ª Turma. Processo n.º 12554-97.2013.5.03.0164 RR, julgado em 28 de setembro de 2016. ______. Tribunal Superior do Trabalho da 15.ª Região. 5.ª Turma. Processo n.º 2005-96.2014.5.03.0033 RR, julgado em 21 de setembro de 2016. ______. Tribunal Superior do Trabalho da 15.ª Região. 3.ª Turma. Processo n.º 20314-87.2013.5.04.0029 RR, julgado em 21 de setembro de 2016.

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JUSTA CAUSA: GARANTIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

JUST CAUSE: CONTRADICTORY WARRANTY AND DEFENCE BROAD

José Ricardo Sabino Vieira*

RESUMO: O poder disciplinar estabelecido na relação de emprego e colocado à disposição do empregador talvez seja o instituto que, quando utilizado na dispensa por justa causa, contida no artigo 482 e suas alíneas da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, mais se aproxima de um estado de exceção, pois, a falta de uma regulamentação no momento da rescisão do contrato de trabalho na modalidade de emprego por justa causa, no tocante ao procedimento a ser seguido, acaba, por vezes, expor e colocar o trabalhador em um processo inquisitório de condenação sumária. Tem-se, assim, como objetivo geral demonstrar a aplicabilidade do artigo 5º, LV, da nossa Constituição Federal de 1988 que, de forma clara, plena e expressa, estabelece a garantia do contraditório e da ampla defesa aos acusados em geral, com os meios e recursos a ela inerentes. De forma específica, primeiro buscará demonstrar, de acordo com a doutrina do eminente autor José Afonso da Silva, a eficácia das normas constitucionais, destacando a de eficácia plena, que de forma apriorística, adota a ideia de que a Constituição não pode ser compreendida como uma norma pura, mais sim “como norma na sua conex~o com a realidade social, que lhe d| o conteúdo f|tico e o sentido axiológico”. Segundo, objetiva-se, também, a demonstração dos procedimentos e efeitos da aplicação das garantias do contraditório e da ampla defesa que devem existir nas relações privadas de emprego. Foi realizado um levantamento bibliográfico da doutrina atual, bem como a análise da decisão do Supremo Tribunal Federal. Com isso, espera-se demonstrar que, o direito de defesa e do contraditório do trabalhador, diante do poder disciplinar do empregador, deve ser assegurado a expressa plenitude contida no artigo 5º, LV, da nossa Constituição Federal. Palavras-chave: dispensa. justa causa. rescisão. ABSTRACT: The disciplinary authority established in the employment relationship and made available to the employer may be the institute which, when used in the dismissal for just cause, in Article 482 and its items Consolidation of Labor Laws - CLT, is closest to a state exception, because the lack of legislation on termination of employment in the employment relationship for cause, regarding the procedure to be followed, just sometimes exhibit and put the worker in an inquisitorial process of summary conviction. It is, therefore, as a general objective to demonstrate the applicability of Article 5 paragraph LV of our 1988 Federal Constitution that clearly, fully and expressly establishes the guarantee of contradictory and full defense to the accused in general, with the means and resources inherent to it. In real terms, first seek to demonstrate, according to the doctrine of eminent author José Afonso da Silva, the effectiveness of constitutional norms, emphasizing the full effect, which a priori form, adopts the idea that the Constitution can not be understood as a pure standard, but rather "as standard in its connection with social reality, giving you the factual content and axiological sense." Second, the objective is also the demonstration of the procedures and the application of contradictory and guarantees of legal defense that must exist in private employment relationships. It conducted a literature review of current doctrine, as well as the analysis of the decision of the Supreme Court. It is expected to show that the right of defense and the worker contradictory before the disciplinary power of the employer, must be ensured to express fully contained in Article 5 LV of our Federal Constitution. Keywords: exemption. just cause. termination.

* Mestre pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

Docente do Centro Universitário Barão de Mauá. E-mail: [email protected].

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SUMÁRIO: Introdução. 1 Garantias do contraditório e da ampla defesa. 2 Aplicabilidade e eficácia das normas constitucionais. 3 A eficácia horizontal dos direitos fundamentais. 4 A eficácia das garantias do contraditório e da ampla defesa na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF. 5 Justa causa e a garantia do contraditório e da ampla defesa. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

A relação de trabalho, na modalidade de emprego, quando da ruptura do contrato de trabalho, na aplicação da justa causa pelo empregador, apresenta este o momento o que mais se aproxima da exceção do estado totalitário em convivência com o Regime Democrático, totalmente outorgado pela nossa Constituição Federal de 1988. O empregador, no uso do seu poder diretivo disciplinar, de fato, exerce uma fiscalização sobre o empregado que o autoriza em aplicar sanções que se pode partir desde uma simples advertência verbal, passando por suspensões e, podendo chegar a tão temida justa causa ao contrato de trabalho.

Pelo nosso direito pátrio a aplicação dessa modalidade de rescisão contratual faz com que, para o empregado, lhe seja suprimindo verbas rescisórias que teria direito, no caso, por exemplo, as decorrentes da dispensa sem justa causa. Assim, assiste ao empregador e de forma totalmente unilateral, conduzir um processo de desligamento do empregado, que na maioria dos casos, remete a uma fase inquisitorial, ou seja, não lhe é dado ao trabalhador nenhuma condição para defender-se e, ao mesmo, participar do processo que lhe está sendo imputado.

Em muitas vezes, apresenta-se o fato de que o trabalhador que foi dispensado por justa causa desconhece a falta grave que cometeu quando da vigência do contrato de trabalho, sendo atingido, assim, pelas condições perversas e perturbadoras do mesmo processo tratado de Franz Kafka1. O problema a ser enfrentado parte-se do ponto de que, se este poder que é dado na fase extrajudicial ao empregador pode ser considerado e compatível com o nosso Estado Democrático de Direito; se, não é ofertado e garantida a aplicabilidade do amplo direito de defesa e do contraditório ao trabalhador.

A vista deste problema é o que enfrentaremos nesse estudo, como objetivo geral perseguimos a demonstração pela necessidade da aplicabilidade do artigo 5º inciso, inciso LV,da nossa Constituição Federal de 1988, que estabelece a garantia do contraditório e da ampla defesa aos acusados em geral, com os meios e recursos a ele inerentes.

Reveste o contrato de trabalho, devido as suas peculiaridades, de caráter social elevado e de fundamental importância para a sociedade, a necessidade de estabelecer o direito pleno de defesa. No contexto histórico, a nossa Constituição Federal atual se distinguiu das demais por ter, de uma só vez, configurado as garantias do contraditório e da ampla defesa como norma jurídica dotada de eficácia plena, por ter estendido tais garantias aos processos não criminais e, ainda, por ter assegurado o campo de incidência destes direitos fundamentais a dois planos, o administrativo e das acusações em geral.

Tendo em vista a relação desigual existente no pacto laboral, vez que presente a figura do hipossuficiente na relação empregatícia, busca estabelecer no presente trabalho, de forma especifica, de acordo com a melhor doutrina do eminente José Afonso da Silva (2012, p. 41), “a eficácia plena das normas constitucionais, adotando a idéia central de que a Constituição não pode ser compreendida como uma norma pura”, mas sim “como norma na sua conex~o coma realidade social, que lhe dá o conteúdo f|tico e o sentido axiológico”.

O entendimento se verifica e baseia-se uma vez que, a força e o poder estão totalmente do lado do economicamente mais forte e, por outro lado, fulmina todos os direitos fundamentais do trabalhador que tem, sumariamente, suprimido a sua fonte de renda e sustentação de vida, e

1 Na obra do escritor Franz Kafka, denominada – O Processo , trata da angustia e da perturbação do

indivíduo que desconhece todo o processo de vida inclusive em que está inserido e acusado. Da mesma forma o empregado que, em muitas vezes, vê-se diante de uma situação semelhante, quando deixa de ser participado o porque da rescisão por justa causa e, ainda, o que é pior, sem ao menos que lhe seja propiciado o seu amplo direito de defesa e do contraditório.

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nem mesmo lhe é ofertado a possibilidade ao exercício do amplo direito de defesa e do contraditório, quando da aplicação da justa causa. Destoando de todos os princípios norteadores do direito do trabalho com relação ao direito do acusado, na relação empregatícia existe a total ausência da sua aplicabilidade quando da rescisão do contrato de trabalho por justo motivo.

Enquanto em outros ramos do direito houve uma grande e substancial evolução, a plenitude do direito de defesa e do contraditório para quem está sendo imputado um ato ilícito e ou falta grave, pelo direito do trabalho, não existe qualquer previsão legal equivalente, em que pese, conforme veremos neste nosso trabalho, a total proteção constitucional. Não se deve manter o atual modelo, mesmo porque existe a ofensa e conseqüente violação ao princípio da isonomia, vez que, pela justa causa cometida pelo trabalhador tem estabelecido um tratamento absolutamente desigual, com relação ao que se confere a justa causa cometida pela empregador estabelecida no artigo 483 e suas alíneas da Consolidação das leis do Trabalho – CLT, de onde, tão somente após um exaustivo debate e a plena disposição do amplo direito de defesa e do contraditório pelo empregador, é que este poderá ser atingido pela sentença e, assim, dispor do seu patrimônio.

O que se tem, e que está apresentado nesse trabalho, é a total incompatibilidade desse poder de direito ilimitado quando da rescisão do contrato de trabalho por justa causa, com a ordem jurídica estabelecida em nossa Constituição Federal de 1988. Abordaremos, assim, o problema sob a luz do artigo 5º, inciso LV, da nossa Constituição Federal de 1988, sustentando a lição do nosso festejado mestre José Afonso da Silva, sobre a tese da eficácia das normas constitucionais e, seguindo, uma análise sob os postulados das teorias dos direitos fundamentais contidos na carta política de 1988. 1 GARANTIAS DO CONTRADITORIO E DA AMPLA DEFESA

A nossa Constituição Federal de 1988, em seu mandamento expresso no artigo 5º inciso LV, assim estabelece: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e os acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Nesse entendimento, a ampla defesa é a segurança das condições que possibilitam ao réu, no processo, as ofertas de apresentar todos os elementos de que pode dispor. Entre as disposições contidas nas cláusulas que integram a garantia da ampla defesa, encontramos na defesa técnica, tudo para evitar o desequilíbrio processual, a desigualdade e a injustiça processual. Ponto importante a ser destacado é fato, conforme já mencionamos no início deste trabalho, e o que integra a ampla defesa é o direito do réu de ser informado da acusação inicial.2

Temos ainda que estabelecer a plena extensão daquelas informações, quais sejam, elas não podem conter imputações indeterminadas, vagas, contraditórias, omissas ou ambíguas, sob pena de violação ao próprio princípio do amplo direito de defesa e do contraditório. Assim, o instituto do contraditório está relacionado diretamente na ampla defesa, o que nos leva, assim, a plena condução dialética do processo.3

De fato, existe o pleno estabelecimento de que, todos os atos ou até mesmo os fatos produzidos e contidos no processo pelas partes deve, naturalmente, pela garantia constitucional, dar ensejo ao direito claro da outra parte em se opor, de debater, de produzir contraprova, ou fornecer sua verdade sobre a visão e tese que defende contra o ato apresentado.

2 André Ramos Tavares, em sua obra “Curso Direito Constitucional”, afirma que: “a informação da

acusação ao réu é praticamente um pressuposto para que haja direito de defesa, e de todos os fatos arrolados, assim, como do impulso oficial e dos demais atos da outra parte, o que envolve o direito à publicidade ou, no caso de processo sigiloso, o direito de acesso”.

3 Esta condução dialética do processo é que faz, na boa visão Hegiliana, transcorrer o diálogo dos opostos, ou seja, quer dizer que com relação a toda afirmação, corresponde, uma contradição. (SUPIONI JUNIOR, 2014).

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Existe também uma outra condição essencial que devemos destacar que é, o fato, da exigência de igualdade de possibilidades no processo. Para Celso Bastos:

A própria posição de cada um já lhe confere vantagens e ônus processuais. O autor pode escolher o momento da propositura da ação. Cabe-lhe, pois, o privilégio da iniciativa, e é obvio que esse privilégio não pode ser estendido ao réu, que há de acatá-lo e a ele submeter-se. Daí a necessidade de a defesa poder propiciar meios compensatórios da perda da iniciativa. A ampla defesa visa, pois, a restaurar um princípio da igualdade entre as partes que são essencialmente diferente. (TAVARES, 2016, p. 85).

Para E. Couture, pondera que:

Existe assim, para alguns autores a existência de um processo contemplado na Constituição Federal e, em seguida, a lei deve instruir este processo, ficando-lhe vedada qualquer forma que torne ilusória a garantia materializada na Constituição. (TAVARES, 2016, p. 104).

Como referencial do nosso Trabalho, para tratarmos da essência as definições e do

conteúdo – substantivo das garantias do contraditório e da ampla defesa, destaca o entendimento do festejado autor Claudimir Supioni Junior, em que considera:

O conteúdo substantivo das garantias do contraditório e da ampla defesa compreende (i) o direito de informação, o que envolve todos os atos e elementos do litígio; (ii) o direito de reação, que consiste na possibilidade franqueada à parte de participar diretamente dos atos pertinentes à lide e contrapô-los com suas alegações e outras provas (iii) o direito de ver seus argumentos considerados, o que não representa uma vinculação direta do órgão decisório aos argumentos das partes, mas a certeza de que esse órgão os analisar| com isenç~o de }nimo”. (SUPIONI JUNIOR, 2014).

No estudo das extensões subjetivas e objetivas das garantias do contraditório e da ampla

defesa, chega-se pela melhor doutrina, ao campo de que a Constituição federal de 1988 chegou a adotar com norma jurídica de eficácia plena as garantias do contraditório e da ampla defesa, uma vez que, assegurou de forma clara e explicita o campo da extensão de incidência dos direitos fundamentais, no caso, a dois planos, ou seja, o do processo administrativo e o das acusações em geral. Assim, neste nosso trabalho, força a necessidade de estudo e análise das teorias de eficácia das normas constitucionais.

2 APLICABILIDADE E EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

Ao longo do tempo a doutrina constitucional se ocupou de classificar as normas constitucionais quanto a sua eficácia e aplicabilidade. É clássico que no âmbito constitucional existe particularidades conceituais e dogmáticas que justificam e amparam a preocupação para abordagem especifica sobre o tema. O estudo da classificação torna-se importante, sobretudo porque nela os estudiosos do direito se baseiam para afirmarem que, nem todas as normas constitucionais possuem o mesmo grau de eficácia, bem como de capacidade de incidência plena automática e independente de outro texto normativo.

Pela doutrina estrangeira, Thomas Colley (TAVARES, 2016) “assevera que as provisões de uma Constituiç~o nunca devam ser consideradas como meros conselhos (advisory)”, visualizando, assim, a existência das normas incapazes de ser imediatamente aplicadas. Esse autor, em sua clássica tipologia, dividiu as normas constitucionais em self-executing e not self-executing, concluindo que, a norma constitucional se torna self-executing ou autoexequível se prover, a quem se destina, todos os meios necessários para que o direito ou o comando previsto

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seja aproveitado e protegido. Evidentemente, em caso contrário, a norma apenas não seria auto exequível ou not-selfexecuting, ressaltando que, em razão da inexistência de meios, ou seja, referências normativas suficientes para dar efetiva aplicação, estaria aquela norma (not-selfexecuntig) em um estado de dormência, no máximo, como um sentido moral, aguardando que a legislação infraconstitucional lhe forneça as provisões e, ou extensões capazes de torná-la aplicável.

Em uma classificação de eficácia plena e limitada, Vezio Crisafulli (TAVAES, 2016), reconheceu que toda norma constitucional é dotada de caráter cogente, ainda que, dependente de lei posterior e, que com relação a aplicabilidade as leis constitucionais são divididas basicamente em auto aplicáveis ou de eficácia plena (immediatamente precettive) e normas dependentes de complementação, ou de eficácia limitada, dividindo-as, ainda, em normas de legislação e normas programáticas.

Destaca-se a importância desta doutrina que, reside no fato de caracterizar todas as normas, por definição, como precettive, e immediatamente precettive, consistindo a diferença na especial natureza do preceito contido nas normas programáticas e, ainda, nos efeitos especiais que dela derivam. Zagrebelsky (TAVARES, 2016), classifica as normas constitucionais quanto a sua eficácia, em normas de eficácia direta e normas de eficácia indireta.

Quanto as normas de efic|cia direta: “s~o aquelas idôneas por si mesmas (diretamente) para regularem hipóteses concretas”. É afirmação da tese de que, a norma constitucional apresenta uma estrutura completa a velar como regra concreta que possa ser utilizada por todos, ou seja, o judiciário, administração públicas e ou cidadãos particulares. As normas de eficácia indireta, seriam “aquelas que necessitariam de serem atuadas ou concretizadas por meio de uma ulterior atividade normativa”, tendo em vista que a sua estrutura n~o é suficientemente completa.

O eminente José Afonso da Silva (SUPIONI JUNIOR, 2014), defende a ideia de que a nossa Constituição Federal não pode ser compreendida e interpretada como norma pura, mas sim “como norma na sua conex~o com a realidade social, que lhe d| o conteúdo f|tico e o sentido axiológico”. Este posicionamento do festejado autor nos remete diretamente ao tema do nosso estudo, uma vez que, também defende com a segurança de que as normas jurídicas constitucionais “s~o criadas para reger relações sociais, condutas humanas, enfim, para serem aplicadas”.4

Assim, José Afonso da Silva, iniciou a sua tese, partindo da doutrina desenvolvida pelo constitucionalista italiano Vezio Crisafulli e, demonstrou agrupando as normas constitucionais quanto a sua eficácia e aplicabilidade, em três grupos: normas constitucionais de eficácia plena, normas constitucionais de eficácia contida e normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida. Assim, são normas constitucionais de eficácia plena aquelas que tem aplicabilidade imediata, e, portanto, independem de legislação posterior para sua plena execução, ou seja, desde a entrada em vigor da constituição produzem seus efeitos essenciais, ou apresentam a possibilidade de produzi-los.

As normas constitucionais de eficácia contidas são aquelas que têm igualmente aplicabilidade imediata, irrestrita, comparando-se, nesse ponto, às normas de eficácia plena, mas dela se distanciando por admitirem a redução de seu alcance (constitucional) pela atividade do legislador infraconstitucional. Já as normas de eficácia limitada são aquelas que dependem de regulamentação futura, na qual o legislador infraconstitucional vai dar eficácia à vontade do constituinte. Faz-se necessário, assim, uma abordagem sobre a perspectiva da eficácia horizontal dos direitos fundamentais e suas irradiações nas relações privadas.

4 O contrato de trabalho rege também de alguma forma as relações sociais e, em consequência, faz com

que outras normas venham a ser incorporadas no mesmo pacto, regulando com isto as condutas humanas, para que se alcance, as partes, o objetivo proposto inicialmente. Aplicação da justa causa se aplicada ao contrato de trabalho, pela disposição que tem o empregador, no caso, o artigo 482 e suas alíneas da Consolidação das Leis do Trabalho, inseres de forma direta dentro de toda a sistemática da segurança Constitucional referida pelo autor.

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3 A EFICACIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Para tratarmos da questão da eficácia horizontal dos direitos fundamentais se faz necessário, mesmo que de forma sucinta, analisar a sua aplicação no âmbito da Constituição Alemã de 1949, que estabelece cláusula de vinculação dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário aos direitos fundamentais.

Assim, esta vinculação estabelece e identifica a eficácia vertical dos direitos fundamentais, referindo-se e remetendo tão somente à irradiação desta categoria de direitos na relação entre o cidadão e o Estado. A teoria horizontal dos direitos fundamentais, colocada sob óculos, é uma construção sólida que tem por objetivo superar a barreira e a limitação imposta pela lei fundamental Alemã que vincula apenas os órgãos do Estado aos direitos fundamentais.

Existem países que o problema da eficácia horizontal dos direitos fundamentais foi inteiramente superado pelo próprio texto constitucional, como ocorrido na Constituição da República Portuguesa, que estabelece “os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias s~o diretamente aplic|veis e vinculam as entidades públicas e privadas” (Art. 18º, 1). Vê-se, assim, que a teoria da eficácia horizontal direta e imediata dos direitos fundamentais foi integralmente absorvida e adotada pelo próprio legislador português, o que fez afastar qualquer discussão sobre a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. Por esta simples amostragem, analisando o direito constitucional nos Países supra citados, temos que, pode-se defender tanto a negação do modelo eficacial até a própria defesa de uma irradiação direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações particulares.

Em observação ao ponto do nosso trabalho, em uma visão centrada, se mostra relevante respondermos a discussão acerca da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, se é válida em nosso direito constitucional brasileiro. Claudimir Supioni Junior, afirma que “a carta de 1988 n~o delimita sua efic|cia {s relações privadas” (2014, p. 112). Assim, conforme já nos referimos, o legislador constituinte optou t~o somente em declarar “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem aplicaç~o imediata” (art. 5º, § 1º). A crítica e o obstáculo para a negação da eficácia horizontal primeiro reside no fato de que, para defender apenas a vinculação exclusiva dos órgãos de Estado aos direitos fundamentais que regulam exclusivamente relações jurídicas entre particulares, contrariando o que ocorre com a constituição Alemã.

Tem-se, assim, para alicerçar o segundo obstáculo, o fato de que encontramos em nossa Constituição Federal de 1988, no artigo 7º, os direitos fundamentais sociais dos trabalhadores brasileiros, dirigindo e vinculando estes à iniciativa privada, distinguindo dos servidores públicos, que possuem “regime jurídico único” previsto no artigo 37 da Carga magna, ressaltando que, somente parte dos mesmos direitos fundamentais, também estabelecidos no artigo 7º, foram estendidos aqueles trabalhadores públicos. Em terceiro, ao interprete deveria este fazer um interpretação restritiva do artigo 5º, § 1º da Constituição Federal de 1988, o que nos parece inviável e contrário ao posicionamento doutrinário vigente, em matéria de âmbito constitucional envolvendo objeto deste trabalho.5

Assim, com base em parte da doutrina, e dela defende Claudimir Supioni Junior: “a partir de uma leitura sistemática da Constituição Federal de 1988, consideramos possível constatar qualquer limite à eficácia dos direitos fundamentais à relação cidadão-Estado”. Ao contrário, a Carta Constitucional expressamente se refere a direitos fundamentais que se desenvolve exclusivamente nas relações privadas, o que nos leva a afirmar que a Constituição de 1988 optou por assimilar a eficácia horizontal dos direitos fundamentais. E o fez sob a tese de eficácia imediata, tal como consta em seu artigo 5º, § 1º. Pelo nosso judiciário, o Supremo Tribunal Federal, em raras oportunidades tem enfrentado o problema da eficácia dos direitos

5 Em nossa Constituição Federal de 1988, em seus mandamentos, pode-se defender assim: tanto a tese de

que a eficácia horizontal não foi assimilada, quanto a tese de que foi perfeitamente desenvolvida pelo nosso legislador Constituinte, na medida em que ubi Lex non distingui nec nos distinguere debemus.

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fundamentais nas relações privadas, o que a seguir ilustramos o estudo de caso da adoção, pelo STF, da tese que defende a eficácia horizontal imediata das normas definidoras de direitos fundamentais.

4 A EFICACIA DAS GARANTIAS DO CONTRADITORIO E DA AMPLA DEFESA NA JURISPRUDENCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a aplicabilidade imediata e direta das garantias do contraditório e da ampla defesa, e a dispensa de qualquer legislação necessária infraconstitucional, para que estes direitos possam irradiar os seus plenos efeitos nas relações jurídicas privadas.

Para ilustrarmos, trazemos a decisão do Recurso Extraordinário n. 201.819, em que uma associação civil sem fins lucrativo – União Brasileira de Compositores – por meio de seu órgão máximo deliberativo, decidiu instituir comissão especial como objetivo de apurar possíveis infrações estatutárias cometidas por um de seus associados, delegando totais poderes para aplicar sanções que reputasse adequadas e, que tal procedimento ocorreu sem que tivesse concedido amplo direito de defesa e do contraditório ao interessado e, após apuração dos fatos, a mesma comissão especial entendeu por deliberar a exclusão do associado.

EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores - UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro

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social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. (RE 201819, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/10/2005, DJ 27-10-2006 PP-00064 EMENT VOL-02253-04 PP-00577 RTJ VOL-00209-02 PP-00821)

Em voto, o Ministro e Relator Gilmar Mendes, o qual acabou prevalecendo no julgamento,

foi negado provimento ao recurso extraordinário e confirmando que a exclusão do associado, sem abertura de procedimento contraditório e resguardado por ampla defesa, é contrário ao disposto no artigo 5º, LV, da Constituição Federal de 1988, recebendo assim a ementa seguinte:

O tema, aqui, é o da eficácia horizontal. E a tese que parte da premissa de que em determinadas situações as normas, especialmente as constitucionais relativas ao devido processo legal, ao contraditório, também podem ser invocadas nessas relações ditas horizontais. Parece-nos bastante forte o argumento de que, na nossa Constituição, temos exemplos de aplicação dessa teoria da incidência horizontal, como por exemplo, nas relações trabalhistas. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. Recorrente: União Brasileira de Compositores. Recorrido: Arthur Rodrigues Villarinho. Recurso Extraordinário n. 201.819. Relatora ministra Ellen Gracie. Relator para o acórdão: ministro Gilmar Mendes. Brasília, 11 out2005. Diário da Justiça de 27 out 2006. Disponível em: www2.stf.jus.br. Acesso em: 26 out. 2016.

É de fundamental importância destacar que, houve a manifestação expressa do Supremo

Tribunal Federal, que reconheceu que as violações aos direitos fundamentais não ocorrem apenas nas relações verticais, ou seja, naquelas que envolvem um ente estatal e, do outro, o cidadão, mas também ocorrem no âmbito das relações interprivadas. Neste julgamento, e seguindo nos debates, foi invocado a relação de emprego como hipótese na qual, ante seus peculiares contornos, seria incontroversa a eficácia horizontal dos direitos fundamentais:

O tema, aqui, é o da eficácia horizontal. E a tese que parte da premissa de que em determinadas situações as normas, especialmente as constitucionais relativas ao devido processo legal, ao contraditório, também podem ser invocadas nessas relações ditas horizontais. Parece-me bastante forte o argumento de que, na nossa Constituição, temos exemplos de aplicação dessa teoria da incidência horizontal, por exemplo, nas relações trabalhistas. Ibid. Acesso em: 26 out. 2016. Esta Turma já afirmou aplicabilidade de direitos públicos fundamentais nas relações trabalhistas, quando julgamos, por exemplo, o caso da Air France. O estatuto desta vantagens para o empregado francês, vantagens que não se estendiam ao empregado brasileiro. Acesso em: 26 out. 2016.

Pode-se, assim, retirar do acórdão supracitado do Supremo Tribunal Federal que: deve-

se se ter a incidência nas relações privadas nas quais se verifica um desnível jurídico, como é o caso da relação de trabalho, a eficácia horizontal e imediata dos direitos fundamentais.

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5 JUSTA CAUSA E A GARANTIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

As garantias fundamentais do contraditório e da ampla defesa já foi declarada pela

Organização internacional do Trabalho, reconhecendo que o trabalhador tem o direito fundamental de apresentar defesa tão logo o seu empregador manifeste-se a intenção de romper o contrato com base em falta grave e, que esta mesma garantia deverá ser exercida antes mesmo da efetivação do despedimento. É neste ponto uma interferência e um obstáculo que deveria ser vencido pelo empregador, se desejasse impor e aplicar a pena máxima ao contrato de trabalho. Para o autor, Napoleão Lyrio Teixeira Neto:

Todavia, atente-se que os poderes do empregador sofrem limitações pelas imposições do ordenamento jurídico (aqui também incluídas as sentenças normativas, as convenções e os acordos coletivos), em especial as atinentes aos direitos fundamentais, à dignidade da pessoa humana e à noção de exercício regular de direitos, bem como pelos deveres anexos de condutas inerentes às partes na relação contratual, em síntese: sofre limitações ditadas pela conveniência de ordem pública de proteger-se o empregado contra eventuais abusos de maior força econômica do empregador. (TEIXEIRA NETO, 2006, p. 112).

O regramento proferido pela Organização Internacional do trabalho está contido no

artigo 11 da recomendação n. 119 do longínquo ano de 1962: antes de uma decisão de demitir um empregado por falta grave adquirir efeitos definitivos, o trabalhador deve ter oportunidade de apresentar seu caso, sem demora, com a assistência, sempre que necessário, de uma pessoa que o represente. Neste passo, todos os fatos imputados ao trabalhador, confronta indiscutivelmente com o seu direito defesa, sobretudo, diante do consenso geral, que o identifica como direito inerente do homem.

A nossa lei maior não atribui a qualquer cidadão, órgãos estatais, como o nosso Poder Judiciário, poderes para formalizar uma acusação contra um cidadão, produzir unilateralmente provas da imputação e, julgá-lo em instância única em processo sigiloso e executar de imediato a sanção aplicada. O poder diretivo do empregador, neste contexto, permite que o mesmo faça tudo o que entender de direito (sem permissão constitucional), dar início a uma investigação e ao final, de forma unilateralmente, aplicar ao trabalhador as sanções jurídicas admitidas pelo direito do trabalho.

O que é grave, é o fato de que, as punições, invariavelmente, resultam no atingimento ao patrimônio moral e material do empregado, como é o caso da justa causa. Pela casuística, entre o momento em que o empregador entende pela existência do ato ilícito e a sua decisão final pela aplicação da justa causa, onde ocorre o efetivo e degradante prejuízo ao patrimônio moral, econômico e social do trabalhador, tudo transcorre sob o mais absoluto sigilo e unilateralidade.

A doutrina nacional vem se manifestando no sentido de que a concentração de poder ilimitado do empregador não está em harmonia com a nossa Constituição Federal de 1988, especificamente com o sistema de garantias individuais. Luciano Martinez (SUPIONI JUNIOR, 2014), sustenta que um poder desta dimensão não pode ficar alheio à observação do direito defesa: “a oposição de penas disciplinares aos empregados somente deveria ser reconhecida em procedimento que lhes assegurasse a observ}ncia de um devido processo legal privado”.

Mauricio Godinho Delgado, sinaliza no sentido de que: O modelo legal celetista estaria bem defasado e obsoleto em face da relevância que a Constituição de 1988 deu ao direito sindical e coletivo aos direitos individuais da pessoa humana, não tendo ainda doutrina ou jurisprudência apontado a direção da superação efetiva do figurino autoritário. (MARTINEZ, 2011, p. 192).

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Ivani Contini Bramante (SUPIONI JUNIOR, 2014), observa que: “é mister que a puniç~o, ainda que aplicada no âmbito das relações de direito privado, seja procedida de um devido processo legal justo e adequado, com a obrigação de notificar o infrator e, ainda de conceder-lhe a faculdade de interposiç~o de defesa em um prazo razo|vel”.

Com todos os fundamentos expostos neste estudo, não temos dúvidas em sinalizar no sentido da melhor doutrina balizada e citada, de que, o poder disciplinar do empregador, sobretudo o direito de resolver o contrato diante de suposta falta grave cometida pelo empregado, não pode ser exercido sem antes se assegurar ao trabalhador o exercício das garantias do contraditório e da ampla defesa. CONCLUSÃO

O estudo adotou como objetivo geral a aplicabilidade das garantias do contraditório e da ampla defesa, diante da aplicação da justa causa ao contrato de trabalho. Assim, houve uma especial análise sobre a eficácia normativa do artigo 5º, LV, da Constituição Federal de 1988, bem como em seus contornos de incidência, e seus efeitos como norma definidora de direitos fundamentais, e, por conseguinte,as suas peculiaridades de sua irradiação na relação de emprego.

A tese central restou de acordo com os liames abordados, perfeitamente confirmados que as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa tem imediata irradiação nas relações privadas reguladas pelo direito do trabalho. Assim, o direito de defesa do trabalhador diante do poder disciplinar do empregador é assegurada pela plenitude eficacial da norma inserida no artigo 5º, LV da Constituição Federal de 1988.

Conclui-se, portanto, que as garantias do contraditório e da ampla defesa tem assento em nossa Constituição Federal de 1988, como norma de eficácia plena, imediata e integral, como sustentado pelo eminente José Afonso da Silva.

Vinculam-se, também, todos os sujeitos da ordem jurídica, sejam entes estatais ou não, e não depende de qualquer interposição legislativa para atuar diretamente sobre as relações jurídicas travadas no âmbito social, delas, se encontrando as relações de trabalho/emprego. REFERÊNCIAS BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. Recorrente: União Brasileira de Compositores. Recorrido: Arthur Rodrigues Villarinho. Recurso Extraordinário n. 201.819. Relatora ministra Ellen Gracie. Relator para o acórdão: ministro Gilmar Mendes. Brasília, 11 out2005. Diário da Justiça, 27 out. 2006. Disponível em: <http://www2.stf.jus.br>. Acesso em: 26 out. 2016. DA SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. ______. Curso de Direito Constitucional Positivo. 35. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. SUPIONI JUNIOR, Claudimir. A Dispensa por Justa Causa e as Garantias do Contraditório e da Ampla Defesa. São Paulo: LTr, 2014. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 14. ed. São Paulo: Saraiva. 2016 TEIXEIRA NETO, Napoleão Lyrio. Concurso de monografias Prêmio João Régis Fassbender Teixeira, tema: A justa causa na atualidade. Curitiba: Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná, 2006.

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RELAÇÕES LABORAIS NO SISTEMA UBER: PRECARIZAÇÃO E FLEXIBILIZAÇÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS

THE LABOUR RELATIONS IN UBER SYSTEM: PRECARITY AND EASING OF LABOR RIGHTS

Murilo Martins*

Victor Hugo de Almeida**

RESUMO: A empresa Uber nasceu em 2010, dentro do contexto da sharing economy, com uma nova proposta de mobilidade urbana. O modo de operação da empresa, contudo, tem sido questionado por contemplar características próprias e inovadoras, incluindo um modelo de trabalho pautado na redução dos custos e encargos laborais. O objetivo do presente trabalho é analisar esta nova forma de trabalho, questionando-se a existência ou não de condições de precarização do trabalho e flexibilização de direitos trabalhistas. Para isso, adotou-se, como método de procedimento, o levantamento por meio da técnica de pesquisa bibliográfica em materiais publicados e, como métodos de abordagem, o dedutivo e o comparativo, visando à compreensão do fenômeno jurídico Uber e seus impactos no universo laboral. A análise inicial demonstrou a existência de condições que podem culminar em precarização do trabalho, uma vez que na relação trabalhista, nos moldes do sistema Uber, os riscos do negócio são suportados pelos motoristas parceiros (trabalhadores) e inexiste controle de jornada. A situação se agrava na medida em que se identificou certa fragilidade quanto à espécie de relação de trabalho existente, o que dá margem para interpretações diversas quanto sua natureza pelo judiciário, uma vez que inexiste regulamentação legal no âmbito nacional a respeito dessa recente forma de trabalho. Tais condições, somadas a inexistência de sindicato profissional para defender os interesses desses trabalhadores, produz uma situação que os torna vulneráveis a explorações no contexto do trabalho. Diante desse cenário, entende-se pela necessidade de se regulamentar a atividade, visando ao equacionamento igualitário dos riscos a ela intrínsecos. Qualquer entendimento contrário poderá culminar na flexibilização dessa relação de trabalho, favorecendo a precarização da prestação laboral e a imposição de elevados encargos aos trabalhadores, em detrimento dos primados fundamentais da Constituição Federal de 1988, incluindo os valores sociais do trabalho e a dignidade humana. (FAPESP). Palavras-chave: economia colaborativa. flexibilização de direitos. precarização. trabalho. Uber. ABSTRACT: The Uber company was born in 2010, within the sharing economy context, with a new proposal for urban mobility. The mode of operation of the company, however, has been questioned for contemplating particular and innovative features, including a working model based on reducing labor costs and charges. The objective of this study is to analyze this new way of working, questioning the existence of conditions of precarity and flexibility of labor rights. For this, it was adopted, as a method of procedure, the survey through literature technique in published materials and as methods of approach, deductive and comparative methods, in order to understand the legal phenomenon of Uber and its impact on the working world. The initial analysis showed the existence of conditions that may lead to job insecurity, since in labor relations in the Uber system templates, business risks are borne by the partner drivers (employees) and does not exist journey control. The situation worsens to the extent that it has

* Graduado e Mestrando em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade

Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – FCHS/UNESP. E-mail: [email protected]. Bolsista FAPESP em 2016.

** Professor Doutor de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UNESP - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Doutor em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Membro pesquisador do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior, Seção Brasileira da Societé Internacionale de Droit du Travail et de la Sécurité Sociale. E-mail: [email protected].

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identified certain weakness as to the what kind of working relationship exists, which gives rise to different interpretations regarding its nature by the judiciary, since there is no legal regulation at the national level about this new way of working. Such conditions coupled with lack of union to defend the interests of these workers, produces a situation that makes them vulnerable to exploits in the work context. Given this scenario, it is understood by the need to regulate the activity, aiming to equal addressing the risks intrinsic to it. Any contrary view may lead to the relaxation of this working relationship, encouraging the casualization of labor and provision, imposing high costs to workers, to the detriment of fundamental primacies the Federal Constitution of 1988, including the social values of labor and human dignity. (FAPESP). Keywords: easing of labor rights. Labor. precarity sharing economy. Uber. SUMÁRIO: Introduçao. 1 Análise do modelo de trabalho dos motoristas por aplicativo da uber no brasil. 1.1 As características do modelo de trabalho do sistema Uber. 1.2 Análise da relação trabalhista existente entre os trabalhadores e a empresa Uber. 2 Flexbilização e precarização de direitos trabalhistas. 2.1 Flexibilização e precarização do trabalho no sistema Uber. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

A industrialização do Vale do Silício, nos Estado Unidos, no início da década de 1990,

somada, dentre outros fatores, ao surgimento de grandes corporações como Google e Apple, desencadeou o surgimento de uma nova perspectiva social e econômica. Segundo Manuel Castells (1999, p. 40), esses acontecimentos transformaram o cenário social, alterando, principalmente, o capitalismo que, após sofrer profunda reestruturação, reforçou as bases do capital frente ao trabalho.

Denominada por Manuel Castells como sociedade informacional, essa nova ordem tem como cerne a informação e o modo como as pessoas com ela interagem. Segundo Castells (1999, p.19), a economia informacional altera os espaços urbanos e o modo como a sociedade interage com as cidades. Com o advento de novas problemáticas, como o aumento de fluxo de veículos e a alteração do layout das cidades (CASTELLS, 1999, p. 487), novas soluções são propostas pelo mercado em resposta a demandas latentes da sociedade.

Essa nova forma de se organizar tem alterado a interação entre pessoas, tanto nas redes virtuais como nas relações sociais e de trabalho. Diante disso, surgiram diversas empresas de tecnologia, sobretudo no Vale do Silício, com novas propostas de interação e soluções para diversas atividades da vida humana.

Nesse processo que se iniciou há pouco menos de três décadas, surgiu uma nova forma de economia, denominada como sharing economy ou economia de compartilhamento ou peer-to-peer economy. O principal objetivo desse modelo organizacional é o aproveitamento de recursos, sem desperdício. Pautada na comutação, a sharing economy permite a troca de bens de consumo entre pessoas.

A economia de compartilhamento se conecta a realidade da nova geração, conhecida por millennials. O consumo de bens e produtos é pautado no imediatismo, de modo que o foco deixa de ser a conquista (posse e/ou propriedade), passando a ser apenas o uso, não somente porque essa geração não valoriza a aquisição de bens, mas também em razão das condições econômicas desse grupo (REBELL, 2015), agravada atualmente em razão da atual crise.

Ao perceber essa nova tendência, a indústria da tecnologia criou produtos e soluções para atender a essa demanda. Uma dessas propostas, a Uber, criada em 2009 por Garrett Camp e Travis Kalanick, nasceu a partir do conceito de economia colaborativa e propôs a mudança da forma de utilização dos meios de transportes (CHOKKATTU; CROOK, 2014), aliando as facilidade e flexibilidade nessa recente forma de organização do trabalho. Trata-se de um serviço personalizado, cuja prestação é feita por motoristas trajando roupas sociais ou esporte fino, em veículos geralmente mais confortáveis do que aqueles conduzidos por taxistas (MELLO; DANTAS, 2015).

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Desta feita, essa prestação se torna atrativa tanto para consumidores como para os próprios parceiros motoristas. Considerando o atual sistema de táxi, aquele que desejar trabalhar como taxista necessita de participar de um sorteio de alvarás fornecidos pela prefeitura, cujo documento é requisito obrigatório para o exercício da profissão. Em contrapartida, a Uber elimina toda a burocracia imposta pelo Poder Público, justificando-se como motor da livre concorrência do liberalismo econômico (RODAS, 2015), o que atrai os que desejam trabalhar, bem como consumidores que buscam maior qualidade na prestação do serviço de transporte.

As tensões jurídicas deflagradas por esse modelo de prestação, aparentemente inovador, são consideráveis. Alguns países já proibiram a atuação do Uber em seus territórios; outros, que ainda não regulamentaram ou declararam a ilegalidade dessa prestação, sofrem protestos constantes de cooperativas de táxis, que consideram desleal a atuação do Uber (TAGIAROLI, 2015) juntamente com outros setores da sociedade interessados na questão.

Em apenas seis anos, o Uber se tornou uma empresa avaliada em mais de 68 bilhões de dólares (CHEN, 2015), demonstrando o potencial econômico do serviço e de sua forma de gerenciamento. A discussão acerca do Uber e da flexibilização dos direitos trabalhistas operada pela empresa mostra-se extremamente necessária na conjectura atual. Pela lógica da economia de compartilhamento adotada pelo Uber, apenas há trabalho quando há demanda, o que poderia significar poucas horas de trabalho e melhor qualidade de vida. Porém, há que se investigar se tais vantagens conferidas em curto prazo não se converterão em desvantagens para o trabalhador no futuro.

O modelo sob demanda decorrente da sharing economy, que beira a terceirização, permite que empresas reduzam custos, incluindo os de natureza trabalhista, e, consequentemente, aumentem seus lucros, o que pode culminar em retrocesso às conquistas trabalhistas do último século. Para a iniciativa privada, esse modelo de gestão é vantajoso do ponto de vista econômico. No entanto, para os outros protagonistas desse contexto, os trabalhadores e o Poder Público, há que se atentar para o risco de precarização das condições de trabalho e para eventual ausência da responsabilidade dessas empresas no futuro.

No Brasil, ainda são singulares as pesquisas direcionadas para a discussão dos impactos da atuação dessas empresas, de modo a investigar como esse modelo de economia de compartilhamento pode afetar o universo do trabalho e importar ou não em flexibilização dos direitos trabalhistas. Por um lado, esse ideal de economia de compartilhamento serve como atrativo para o consumidor, justamente por conjugar economia e qualidade; porém, conforme ressalta Asher-Schapiro (2014), sob o pretexto de inovação e progresso, empresas removem as proteções trabalhistas, reduzindo salários e insultando as regulamentações governamentais através de um esquema de transferência dos riscos da atividade para os trabalhadores.

O objetivo desse artigo, portanto, além da análise da relação trabalhista existente é, também, conceituar juridicamente o UBER com base no ordenamento jurídico pátrio. Além, pretende-se verificar a possível existência de flexibilização e precarização de direitos trabalhistas.

Para atingir os objetivos propostos, adotou-se, como método de procedimento, o levantamento de dados por meio da técnica de pesquisa bibliográfica em materiais já publicados (doutrinas, legislação, artigos, jurisprudência, sítios eletrônicos, etc.) e, como método de abordagem, o dedutivo e o comparativo, a fim de se lançar luzes para a compreensão do fenômeno jurídico do UBER, bem como seus impactos nos direitos trabalhistas.

O presente trabalho está estruturado em dois capítulos. O primeiro, estuda a forma de trabalho adotada pela empresa Uber, analisando seus aspectos para verificar a existência ou não de vínculo empregatício entre os trabalhadores e a empresa. O segundo capítulo busca compreender a situação atual da empresa no país, e com base na literatura nacional, estudar se o modelo de trabalho adotado pela empresa Uber produz flexibilização trabalhista ou, ainda, precarização do trabalho.

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1 ANÁLISE DO MODELO DE TRABALHO DOS MOTORISTAS POR APLICATIVO DA UBER NO BRASIL

A análise das novas formas de trabalho é necessária para se compreender os impactos da sharing economy no labor. A principal forma se incorpora na denominação dos motoristas por aplicativo, que surge principalmente com a UBER. Este capítulo focará, dessa forma, nas características do modelo de trabalho adotado pela empresa Uber e pela análise do vínculo de trabalho existente. 1.1 As características do modelo de trabalho do sistema Uber

Para se compreender o fenômeno da Uber e seus impactos no contexto laboral é

necessário contemplar suas características. Primeiramente, o Uber é dividido em dois segmentos: (1) a empresa UBER; e (2) o aplicativo de celular por ela disponibilizado.

A Uber Technologies Inc., enquanto pessoa jurídica, foi fundada em junho de 2010, e não se considera uma empresa de transportes, de serviço de carona paga ou remunerada, tampouco considera empregar os motoristas que se utilizam de sua plataforma tecnológica; considera-se apenas uma empresa de tecnologia que desenvolveu um aplicativo (UBER NEWSROOM , 2015).

Quanto ao aplicativo, trata-se de um sistema virtual, cujo objetivo é conectar usuários passageiros a motoristas parceiros, visando à prestação de um serviço similar ao prestado pelos taxistas, ou seja, para o deslocamento urbano.

O modelo de serviço prestado pela empresa Uber é composto por três polos: (1) o usuário típico, que utiliza os serviços para se locomover; (2) o motorista parceiro, um usuário que possui veículo para o fornecimento de caronas; e (3) o aplicativo, um sistema que conecta os outros dois polos, baseados na distância que um se encontra do outro, isto é, o sistema aleatoriamente conecta um usuário típico a um motorista parceiro, baseado na distância que um se encontra do outro, visando diminuir o tempo para que ambos se encontrem.

Para a utilização do sistema, basta que o motorista parceiro (2) se conecte ao aplicativo (1) para receber chamadas de usuários típicos (3) para viagens. O encerramento das atividades ocorre com o desligamento da plataforma pelo motorista parceiro, cujo funcionamento é ininterrupto, ou seja, todos os dias e a qualquer hora.

Tal sistema, além de garantir certa flexibilidade ao motorista parceiro, também importa em autonomia, ao passo que permite ao trabalhador definir dias e horários de trabalho, conforme sua disponibilidade. O serviço fornecido pelo aplicativo Uber ainda se divide em categorias, que fornecem benefícios distintos, UberX (categoria econômica), UberBlack (categoria de luxo) e UberPOOL (categoria de compartilhamento de corridas com outros usuários).

A cada viagem realizada é calculado o valor devido ao motorista parceiro, com base na categoria em que se encontra inscrito (UberX, UberBlack ou UberPOOL) e na distância percorrida. Cada categoria possui taxas diferentes de porcentagem sobre as viagens realizadas devida à empresa Uber, oscilando entre 20% e 30% por cento do valor da viagem.

Ao final do trajeto, o motorista e o usuário são notificados do valor final, que é automaticamente debitado da conta do usuário típico e transferido à empresa. Após descontar sua porcentagem e outras taxas, a Uber repassa ao motorista parceiro o valor a ele devido. Dessa forma, a somatória do valor das viagens realizadas na semana é depositada em uma única parcela semanal, direto na conta bancária do motorista (UBER, 2016).

O motorista da Uber deve seguir algumas políticas e regras para se manter habilitado na plataforma. Uma das políticas mais importantes, trata-se dos mecanismos de controle de qualidade adotados pela empresa, pelo sistema de cancelamento e de avaliação por estrelas.

Quanto ao sistema de taxa de cancelamento, tal mecanismo funciona medindo o número de vezes que um motorista parceiro aceita realizar uma viagem pelo aplicativo, cancelando a solicitação de um usuário típico logo em seguida, que deverá buscar um novo motorista pelo sistema. O motorista pode ser desabilitado caso não observe a taxa máxima de cancelamento.

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O sistema de avaliação por estrelas funciona como uma via de mão dupla, pois ambos, motorista e usuário, são avaliados. Ao final da viagem, devem avaliar um ao outro acerca da experiência da viagem, dando estrelas que variam numa escala de 1 a 5.

Com base nessas avaliações, o sistema gera uma nota média das últimas viagens realizadas, devendo possuir o motorista uma determinada média (que varia dependendo da cidade e país onde a Uber atua) para se manter ativo no serviço. Uma média inferior ao limite estipulado pode culminar no desligamento do motorista parceiro do sistema Uber.

A existência de um controle de qualidade demonstra a intervenção da empresa Uber na atividade exercida pelos motoristas parceiros. De tal sorte, a existência deste sistema, além de outras características a serem discutidas no próximo tópico, constituem elementos importantes para a análise da espécie de relação de trabalho caracterizada no contexto em questão. 1.2 Análise da relação trabalhista existente entre os trabalhadores e a empresa Uber

Inicialmente, antes da análise da relação de trabalho existente com base nas características apontadas é importante destacar a diferença entre relação de emprego e relação de trabalho. A relaç~o de trabalho é “termo genérico que se refere a toda modalidade de contrataç~o de trabalho humano” (DELGADO, 2007a, p. 285), enquanto a relaç~o de emprego é apenas uma das modalidades de relação de trabalho.

Partindo da relação de emprego estritamente considerada, conforme definido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), os requisitos exigidos para a caraterização do vínculo empregatício aparentam estarem presentes na relação analisada. Para a caracterização da relação de emprego é preciso a presença de cinco requisitos definidos na CLT, quais sejam, a prestação de trabalho por pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação da atividade ao poder diretivo do empregador, conforme se extrai do caput dos artigos 2º e 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei n. 5.452.

A pessoalidade diz respeito a quem é prestadores de serviços para exercer determinada atividade, não podendo se fazer substituir, por se tratar de um contrato intuitu personae. No caso da Uber, o motorista que se inscreve para utilizar os seus sistemas, não pode se fazer substituir por outro, pois, para o acesso e utilização, o sistema requer dados pessoais do motorista e de registro do veículo. Resta, portanto, claramente configurada a pessoalidade.

Quanto a não eventualidade, trata-se da “necessidade permanente, isto é, de n~o ser o trabalho espor|dico ou descontínuo” (CASSAR, 2014, p. 261). O motorista nem sempre tem o Uber como fonte única de trabalho e tampouco está obrigado a se ativar para a empresa todos os dias ou em jornadas de trabalho pré-fixadas, usufruindo, portanto, de certa flexibilidade. Dessa forma, dependendo do caso, a habitualidade pode ou não se configurar, sobretudo porque pode o motorista utilizar-se do serviço apenas uma única vez, sem consequências para nenhum dos polos.

A onerosidade significa vantagens recíprocas para o tomador de serviços, que recebe o trabalho, e o empregado, que recebe o efetivo pagamento pelos serviços realizados. A onerosidade “pode se configurar tanto no plano subjetivo, da intenção de contraprestação, quanto no objetivo, isto é, pagamento pelo empregador de parcelas dirigidas a remunerar o empregado” (DELGADO, 2007a, p. 299). Na relaç~o existente, o Uber repassa aos motoristas os valores referentes ao trabalho prestado, retendo uma porcentagem de cada viagem. A onerosidade se configura, portanto, pois o motorista é remunerado pelos seus serviços e, essa remuneração não é integral, retendo a empresa parte dos valores auferidos pelo trabalhador.

Já a subordinação, ou dependência hierárquica, diz respeito à submissão da atividade laboral prestada pelo empregado em favor do empregador, cujo ofício deve sujeitar-se a regras, orientações e normas estabelecidas (CASSAR, 2014, p. 246). Apesar de exercer uma espécie de controle de qualidade, a empresa Uber não determina a jornada de trabalho, nem mesmo a obrigatoriedade de prestá-lo, podendo o motorista trabalhar quando, onde e como quiser, seguindo apenas o código de conduta da empresa. Como existe certa autonomia e, no entendimento de Godinho (2007a, p. 334), “autonomia e subordinaç~o s~o conceitos antitéticos,

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contraditórios”, a subordinaç~o n~o se configuraria, descaracterizando a existência de relaç~o de emprego entre motoristas do Uber e a empresa.

No entanto, existem, ainda, outras formas de subordinação no entendimento da doutrina, sendo uma delas a subordinação estrutural. Essa forma de subordinação, também conhecida por subordinação integrativa, trata-se de modalidade na qual o empregado se insere dentro da “din}mica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou n~o) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua din}mica de organizaç~o e funcionamento” (DELGADO, 2007b, p. 37). O motorista da Uber não tem como realizar suas atividades sem a plataforma fornecida pela empresa. Ao se inserir na estrutura do tomador de serviços, tornando-se dependente da dinâmica de organização da empresa, resta evidente a subordinação estrutural.

Conquanto se configure a subordinação estrutural, resta a discussão acerca dos riscos da atividade, quesito não obrigatório, mas essencial à análise das relações trabalhistas, conforme se extrai do Artigo 2º, caput, da CLT. Na relação entre a empresa Uber e os motoristas parceiros, confere-se que os riscos são suportados, a princípio, pelos motoristas.

Os motivos dos riscos da atividade se encontrarem com os motoristas parceiros, recaem no fato de ser dever do usuário possuir um veículo nas condições requisitadas pela empresa e realizar sua manutenção por conta própria, uma vez que a empresa Uber não fornece combustível, tampouco manutenção veicular. Além disso, a Uber impõe aos motoristas a contratação de seguro específico, para cobrir eventuais danos causados pela prestação.

Dessa forma, ao assumir os riscos, a atividade desempenhada pelos motoristas do Uber aproxima-se consideravelmente dos serviços desempenhados por taxistas. Contribui também para o entendimento de que os motoristas da Uber assumem os riscos da atividade, o fato de que não existe qualquer garantia de salário, sendo o motorista remunerado de acordo com o número de viagens realizadas.

A relação de emprego, no entanto, não é a única forma de relação de trabalho. Existem outras espécies de trabalho que se diferenciam da relação de emprego, pela falta de um ou mais requisitos caracterizadores, como é o caso do trabalho eventual (semelhante ao empregado típico, possuindo todos os principais pressupostos da relação empregatícia, com exceção da habitualidade) e o autônomo.

A relação de trabalho autônoma é uma das mais importantes relações para se entender a caracterização do Uber no ordenamento jurídico nacional, uma vez que tal categoria também é aplic|vel aos taxistas. Conforme elucida Vólia Bomfim Cassar (2014, p. 276), “o trabalhador autônomo é aquele que explora seu ofício ou profissão com habitualidade (repetição), por sua conta e risco próprio”.

Conforme explicitado anteriormente, a Uber não determina jornada de trabalho, podendo o motorista ativar-se quanto, quando e onde desejar, podendo, inclusive, recusar realizar viagens, sem existência de nenhuma forma de controle de jornada. Dessa forma, a relação existente entre a empresa Uber e seus motoristas aparenta ser uma relação de trabalho autônoma, pela autonomia existente.

A possibilidade de definir a forma como prestará seus serviços, contudo, não é plena. A empresa Uber delimita algumas condições como vestuário adequado; métodos de recebimento pelos serviços prestados (apenas por meio do aplicativo da empresa); e a necessidade (leia-se dependência) da utilização do aplicativo fornecido pela empresa para a prestação do trabalho. Essas características, conforme já apontado, compõem a subordinação estrutural.

A presença de indícios de subordinação poderia afastar a caracterização dessa relação jurídica como trabalho autônomo. No entanto, também se entende que até mesmo no trabalho autônomo pode existir subordinação, embora mitigada, conforme ocorre no caso de representantes comerciais (CASSAR, 2014, p. 277). Desta feita, a principal diferença entre empregados e trabalhadores autônomos residiria no fato de que, na relação de trabalho autônoma, é o trabalhador quem assume os riscos da atividade.

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O risco da atividade suportado pelo motorista parceiro afastaria dessa feita a existência de vínculo de emprego. No entendimento de Vólia Bomfim Cassar (2014, p. 264), se o trabalhador corre o risco do negócio, não há que se falar em relação de emprego.

Esse entendimento, entretanto, não pode ser absoluto. Conforme a própria autora ressalta, existem trabalhadores situados na zona grise (CASSAR, 2014 p. 264, grifo da autora), que se trata de uma área fronteiriça entre a relação de emprego e a relação de trabalho sem vínculo de emprego. No caso dos motoristas do Uber, o entendimento parece ser que eles se encontram situados nessa área, uma vez que apresentam características de vínculo empregatício, mas também de trabalhador eventual ou autônomo, podendo ser considerados empregados ou não, conforme entender o julgador no caso concreto.

Ainda, entendendo o julgador pela caracterização de todos os elementos de uma relação de emprego, poderão existir casos em que se trate de trabalho eventual. Conforme citado, a peculiaridade do trabalho eventual é que essa comporta todos os requisitos da relação de emprego, porém, com exceção da habitualidade, além da possibilidade de atuar em benefício de vários tomadores de serviço.

O motorista parceiro da Uber pode atender a outros aplicativos de empresas diversas do mesmo ramo, pois o veículo a ele pertence e a Uber não exige exclusividade. Dessa forma, uma vez que o motorista parceiro atue de modo eventual, esporádico ou apenas uma única vez nos serviços da Uber, caracterizar-se-á o trabalho eventual.

Afastada a relação de emprego, o motorista parceiro da Uber será considerado trabalhador autônomo, assemelhando-se a figura do taxista, embora não possua as mesmas proteções.

Nota-se, porém, que, ao se analisar a relação jurídica em questão, a caracterização como trabalho autônomo não aparenta ser a melhor decisão. O modelo de trabalho da Uber comporta a possibilidade de se impingir abusos aos motoristas, como, por exemplo, jornadas excessivas, diante da inexistência de limitação da duração do trabalho, o que pode culminar em precarização das condições laborais e em riscos aos consumidores do serviço, em situações de fadiga do motorista pelo excesso de trabalho.

Ademais, atribuir o risco da atividade apenas a esses trabalhadores somente agrava essa situação, pois, apesar de essa não ser a proposta inicial da empresa, muitos motoristas parceiros dependem exclusivamente da UBER como única fonte de renda a garantir o próprio sustento. Diante da novidade dessa prestação e por não se enquadrarem na categoria de taxista, os motoristas da Uber permanecem em uma situação que os torna vulneráveis a explorações no contexto do trabalho. 2 FLEXBILIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS

A atuação da empresa Uber como já demonstrado tende a apresentar um modelo com

características próprias. A relação de trabalho existente é claramente assimétrica, estando o motorista em uma posição de hipossuficiência perante a empresa. Ao permitir que tal modelo exista, a questão que resiste se concentra se isso contribui para uma flexibilização de direitos trabalhista e se essa relação é precária. Antes de tudo, importante fazer a distinção entre flexibilização trabalhista e precarização trabalhista de acordo com a literatura nacional, afim de possibilitar com maior claridade o estudo da questão.

De acordo com Sérgio Pinto Martins, a flexibilizaç~o trabalhista é “ o conjunto de regras que tem por objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar as mudanças de ordem econômica, tecnológica, política ou social existentes na relaç~o entre o capital e o trabalho” (MARTINS, 2002, p. 25). Entende o autor que a flexibilização nada mais é do que adequar as normas trabalhistas às mudanças econômicas que a sociedade apresenta.

Já a precarização trabalhista trata-se de uma modalidade dentro da flexibilização. Enquanto a flexibilização se identifica com o termo adequação, isto é, adequar o direito do

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trabalho às novas necessidades, a precarização é mais agressiva, ela busca remover a proteção do trabalhador, de modo a deixa-lo totalmente desamparado.

Enquanto a flexibilização trabalhista visa uma adequação dos direitos trabalhistas as situações econômicas apresentadas, com redução dos encargos trabalhistas, a desregulamentação dos direitos trabalhistas vai mais afundo. Ela visa remover a proteção que o trabalhador tenha do Estado, ficando sua relação com a empresa regulado apenas por ambos os polos. (MARTINS, 2002. p. 26-27).

Desse modo, na precarização o trabalho é incerto, sem uma regulamentação trabalhista, o trabalho foi desregulado. Na flexibilização, permite-se uma adequação conforme a necessidade, no entanto, devendo existir um mínimo de regulação, não sendo eliminadas as garantias básicas do trabalhador, conforme entendimento de Sérgio Pinto Martins demonstrado acima.

2.1 Flexibilização e precarização do trabalho no sistema Uber

Determinadas as diferenças e a conceituação de flexibilização e precarização trabalhistas, busca observar a relação de trabalho da Uber, conforme características levantadas anteriormente. Observa-se pela análise do aporte teórico, que relação de trabalho existente mostra indícios de se tratar uma forma de flexibilização de direitos trabalhistas, se não representar ainda um grave esquema de precarização de direitos trabalhistas.

Nota-se que a na relação de trabalho da Uber com seus motoristas parceiros, a flexibilização trabalhista é evidente. Os motoristas na empresa não são simplesmente autônomos, podem até ser, contudo, possuem características especiais, como a dependência da empresa à atuação dos motoristas, e a dependência dos motoristas ao serviço fornecido pela empresa. Sem Uber e similares, não há motoristas por aplicativo, sem motoristas não existe Uber, uma vez que a o lucro que a empresa aufere provem da utilização dos seus aplicativos pelos motoristas e consumidores.

Ainda, existe precarização. Não existem leis hoje no Brasil que regulem a atuação dos motoristas por aplicativo na seara trabalhista. A relação de trabalho é considerada como autônoma pela empresa, que se exclui de forma unilateral da cadeia de trabalho, rejeitando suas responsabilidades para com os motoristas, que atesta não existir, por ser apenas uma empresa de tecnologia.

A forma de trabalho é praticamente assalariada, uma vez que os valores pagos pelos consumidores que utilizam do Uber para se locomover, não são pagos diretamente para o trabalhador. Esses valores são recepcionados pelo sistema, que após remover sua parte dos lucros, repassa aos motoristas semanalmente os valores devidos, após o recolhimento das porcentagens devidas à empresa Uber. Esses motoristas não possuem ainda, possibilidade de dialogar quanto à essa porcentagem, que é fixa e pré-determinada pela empresa.

É um trabalho subordinado. Por mais que a empresa ateste que os trabalhadores possuem autonomia, a subordinação estrutural persiste, uma vez que os trabalhadores dependem da estrutura da empresa para continuar sua atuação.

É um trabalho instável. A qualquer momento a empresa Uber pode desligar o motorista parceiro de seus serviços, conforme controle de qualidade interno. Essa possibilidade de desligamento, torna os motoristas refém das diretrizes da empresa, caso queiram continuar utilizando seus serviços, aceitando as condições impostas mesmo que estas não lhes sejam favoráveis.

O motorista da empresa Uber seria assim, uma nova espécie de trabalhador autônomo. Possui inúmeras vantagens como a flexibilidade da jornada de trabalho (imposta a ele, não decidida em negociações), ao passo que abre mão de históricas conquistas dos direitos trabalhistas em prol da empresa que se filia.

A flexibilização propiciada pela empresa Uber, no entanto, não se enquadra apenas como meros benefícios aos trabalhadores. Ela permite à empresa reduzir os encargos devidos tanto ao Estado quanto aos trabalhadores, que em caso de desligamento simplesmente não possuem qualquer direito.

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Não se trata meramente de uma forma de trabalho flexível, mas sim, portanto, precarizada. O Estado apesar de ter iniciado as regulações no campo administrativo, quanto à possibilidade de operação dos serviços nas cidades brasileiras, tem ignorado a vertente trabalhista. As negociações ficam à cargo da empresa com os trabalhadores, visivelmente em desvantagem.

Visivelmente precária ainda pois o trabalhador se encontra em uma zona fronteiriça entre a ocupação e não-ocupação, com incerto reconhecimento jurídico de suas garantias sociais. A empresa se apropria da tese da proclamada sharing economy, de flexibilidade, subvertendo os ideais da economia colaborativa, colocando os trabalhadores em formas aparentemente novas, porém, velhas no sentido de precárias.

A empresa Uber não se insere mais, dessa forma, dentro dos princípios da sharing economy, apesar de partir da mesma. Ela cria um terreno novo, se utilizando do escudo do livre mercado e de novas soluções para novos tempos para criar uma situação trabalhista precária que é livremente aceita por seus trabalhadores. Tem-se, pois, a “uberizaç~o” da economia, a criação de uma forma de trabalho que, apesar de apresentar certas vantagens para o trabalhador, os coloca em condições precárias sem que estes possuam o conhecimento do que estão abrindo mão em um primeiro momento.

Totalmente assimétrica e desequilibrada a relação de trabalho existente dessa forma. Os motoristas são hipossuficientes dentro da lógica criada pela empresa, permanecendo em uma situação precária que claramente traz mais vantagens à Uber do que aos seus trabalhadores.

CONCLUSÃO

O presente trabalho se propôs a analisar as relações laborais do sistema Uber e se essas formas de trabalho oriundas da sharing economy podem resultar em flexibilização ou precarização trabalhista. Conclui-se dessa forma pelo presente trabalho, as pontuações a seguir.

A sharing economy é uma modalidade econômica pautada na redução de custos e colaboração entre seus atores, diminuindo distâncias e permitindo uma maior interação dentro da sociedade. Traz impactos dessa forma, tanto no espaço econômico, quanto no social, permitindo a criação de novos ramos de trabalho, em setores antes não explorados ou utilizados de forma diferente.

A análise da forma de trabalho adotada pela empresa Uber, permitiu entender como o trabalho se adapta para atender as novas exigências do mercado. Também permitiu compreende que a relação trabalhista entre os motoristas e a empresa Uber, que não os considera como empregados, existe, podendo ser enquadrada tanto como relação de emprego típica, pela presença dos requisitos fundamentais presentes na legislação brasileira, quanto como autônomos, como são entendidos atualmente, ou ainda como trabalhadores eventuais.

O exame das condições trabalhistas desses motoristas permitiu ainda o entendimento de que se trata de uma clara flexibilização dos direitos trabalhistas dos motoristas da Uber, uma vez que a modelo do sistema Uber permite condições não adotadas em relações tradicionais de trabalho. Ainda se entende que o modelo adotado pela empresa Uber se caracteriza, da forma que se encontra hoje no país, em uma precarização do trabalho. A possibilidade de múltiplos enquadramentos do trabalhador auxilia para que este permaneça num estado de ocupação e não-ocupação, se tornando um trabalho invisível, sem reconhecimento jurídico e das garantias sociais e trabalhistas intrínsecas ao trabalho, em atenção as condições mínimas de dignidade humana, conforme ditadas na Constituição Federal de 1988.

REFERÊNCIAS ASHER-SCHAPIRO, Avi. That Little Lawsuit Against Uber Just Got Bigger — And Could Take Down the Sharing Economy. Vice News, 10 dez. 2015. Disponível em:

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CRIAÇÃO DE EMPREGOS ÀS PESSOAS DEFICIENTES ATRAVÉS DE INCENTIVOS FISCAIS ÀS MICROS E PEQUENAS EMPRESAS

SOCIAL INCLUSION OF PEOPLE WITH DISABILITIES IN THE MICRO AND SMALL

COMPANIES WITH TAX INCENTIVES TO CREATE JOBS

Paulo Henrique Liporini * Fabiano Carvalho**

RESUMO: A Lei 13.146/15, conhecida como o Estatuto do Deficiente, juntamente com a lei 8.213/91, que traz em seu texto as cotas de contratação dos Portadores de Necessidades Especiais (PNE), poderiam incluir em seus textos um tratamento diferenciado àquelas que são as maiores representantes da economia brasileira: as micros e pequenas empresas que, juntas, são respons|veis por 27% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Ainda, as ME’s e EPP’s juntamente com trabalhadores autônomos poderiam, além de contribuir ainda mais na produção de riqueza, seriam vistas como grandes ferramentas para a inclusão dos PNE no mercado de trabalho caso fossem beneficiados por incentivos fiscais na contratação e na adequação das pessoas deficientes em seus quadros. Ressalta-se que a própria Constituição da República de 1988 já garante o tratamento diferenciado às Micros e Pequenas Empresas e toda sorte de financiamento poderia ser suportado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES). Tal discussão, se concretizada, conforme se restará parcialmente demonstrado, faria com que a grande maioria das pessoas deficientes pudessem ser retiradas dos quadros de beneficiários da seguridade social (tanto previdência quanto assistência), o que traria um alívio à máquina previdenciária brasileira já tão afogada em problemas financeiros. Pensando na isonomia no momento de contratação, as pessoas deficientes seriam classificadas conforme suas necessidades de adequação ao mercado de trabalho. Adota-se como metodologia a pesquisa bibliográfica em materiais publicados e, como método de abordagem, o dialético. Em conclusão parcial, pode-se constatar que com essas medidas o Estado incentivaria o trabalho das pessoas portadoras de deficiência que moram, principalmente, em cidades com menores índices populacionais e não possuem empresas de grande e de médio porte, contribuindo, assim, para um amento na contribuição dessas cidades ao PIB nacional. Palavras-chave: Direito do Trabalho. micros e pequenas empresas. incentivos fiscais. pessoas deficientes. ABSTRACT: With the enactment of Law 13146/15, known as the physical handicapped status with the 8213/91 law of social security, which brings in its text the quotas for employment of people with special needs (PNE), forgotten in his text one the largest slices of the Brazilian economy, micro and small businesses, which generate around 27% Gross Domestic Product (GDP), together with the autonomous workers, this part of the economy that has been forgotten could be a great tool for inclusion of PNE on the labor market, if the same and autonomous workers had tax incentives in hiring and suitability to open a job opening to a PNE, all funding for adaptation of these companies would be financed by the National Bank of Social Development (BNDS), costs zero interest outside the withdrawal of PNE framework of social security that would bring relief to Brazilian social security machine as already drowning in financial trouble. With these measures the state would be giving a great incentive to work for people with physical disability who live in cities with smaller population indices and has no large and medium-sized business, but have people with special needs. To be an equality at the time of

* Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Moura Lacerda (CUML) - Ribeirão Preto (SP). ** Mestrando em Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista

Júlio de Mesquita Filho – UNESP/Franca. Advogado. Docente do Curso de Direito do Centro Universitário Moura Lacerda – Ribeirão Preto (SP).

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recruitment for businesses, would be classified PNE as needed to adapt to the labor market. It could be suggested an adaptation to the physical handicapped status, to bring in your text changes when hiring the PNE's by micro and small companies as an incentive to the own carriers deficiency, or for tax incentives and financing companies would acquire with the adequacy to this contraction. Keywords: physically handicapped. micro and small enterprises. autonomous workers. tax incentives. job vacancies. SUMÁRIO: Introdução. 1 A Lei de Cotas e o Estatuto do Deficiente: a fragilidade das leis quanto à geração de vagas de trabalho. 2 A riqueza produzida no país através das micro e pequenas empresas. 3 Como as micro e pequenas empresas poderiam gerar emprego aos deficientes físicos através de ações estatais afirmativas. 4 Financiamento estatal concedido às micro e pequenas empresas e a real adequação do seu meio ambiente de trabalho destinado aos deficientes físicos. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

De acordo com o censo do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, publicado em 2012, o Brasil possui em seu território mais de 45 milhões de pessoas que se declaram com algum tipo de deficiência, o que representa quase ¼ da população nacional.

Ainda, das pessoas que se declaram com algum tipo de deficiência e que estão em idade produtiva de trabalho, mais da metade está desocupada ou desempregada, não conseguindo adentrar ao mercado de trabalho mesmo diante de leis que asseguram políticas públicas afirmativas do Estado, como a que prevê a obrigatoriedade de cotas para os deficientes nas empresas que possuam mais de 100 empregados e, agora, a recém- publicada Lei nº 13.146/2015, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, prevendo o acesso ao trabalho digno dessas pessoas e o adequado meio ambiente de trabalho.

No entanto, mesmo assim, a efetividade dessas medidas legais existentes é o que se busca, ou seja, encontrar formas de melhorar essa realidade é a medida que se impõe à discussão, notadamente para as pessoas deficientes moradoras de cidades pequenas, com baixo índice populacional e onde não existem, ou se existem são muito poucas, as empresas que contam com mais de 100 funcionários e que, portanto, estariam obrigadas pela Lei nº 8.213/91 a contratar deficientes.

Diante de tais questionamentos, verifica-se a fragilidade da Lei nº 8.213/91 (Lei de Cotas) que, mesmo trazendo em seu texto como devem proceder as empresas que possuem mais de 100 funcionários, não são capazes de empregar e oferecerem trabalho e salários dignos às pessoas deficientes.

Ressalta-se, através do presente estudo, a existência das micro e pequenas empresas, conhecidas como ME’s e EPP’s, as quais n~o se enquadram na Lei de Cotas, j| que n~o possuem mais de 100 de funcionários, mas são de grande importância para a economia brasileira e estão presentes em todos os municípios brasileiros desde as metrópoles até as cidades consideradas pequenas, com índices populacionais baixos, e que poderiam ser pensadas como empregadoras do grande número de pessoas deficientes que, mesmo em idade produtiva, não conseguem exercer o seu direito ao trabalho digno e não contribuem para a cadeia produtiva brasileira.

Como forma de concretização da tese suscitada, o Estado e seus entes federados teriam uma grande parcela de contribuição na medida em que poderiam fornecer, dentro de suas competências, benefícios fiscais às ME´s e EPP´s.

Ainda, há que se pensar que o incentivo fiscal poderia não ser suficiente para a efetivação de vagas de empregos para os deficientes físicos, visto que a adequação do meio ambiente do trabalho para recebê-los, da forma como prevê o Estatuto do Deficiente, se tornaria muito oneroso às ME´s e EPP´s.

Diante disso, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) viabilizaria {s ME’s e EPP’s financiamentos a juros zero ou próximos a zero, tornado essas

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empresas capazes de adequar, assim, o meio ambiente de trabalho para o recebimento de deficientes físicos, conforme preceitua a Lei nº 13.146/2015.

Adotou-se, portanto, como método de procedimento de pesquisa, o levantamento de dados por meio da técnica de pesquisa bibliográfica em materiais já publicados (por exemplo, doutrinas, artigos científicos, legislação, teses, etc.) e, como método de abordagem, o dialético.

Quanto à estrutura do presente artigo, em um primeiro momento será examinado o texto legal das duas mais importantes espécies normativas relacionadas ao tema: a Lei nº 8.213/91 (Lei de Cotas) e a Lei nº 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), enfatizando a existência de legislação que prevê o direito ao pleno emprego e ao trabalho digno dessas pessoas, bem como o meio ambiente de trabalho adaptado.

Em seguida, será demonstrada a importância das Micro e Pequenas empresas para a economia do país e sua importância na composição do Produto Interno Bruto (PIB), bem como a forma como elas poderiam contribuir para a geração de empregos a serem ocupados por pessoas deficientes.

Por fim, serão expostos os benefícios fiscais, a possibilidade de financiamento bancário a taxas de juros zero para que as micro e pequenas empresas possam adaptar seu meio ambiente de trabalho.

1 A LEI DE COTAS E O ESTATUTO DO DEFICIENTE: A FRAGILIDADE DAS LEIS QUANTO À GERAÇÃO DE VAGAS DE TRABALHO.

A Lei nº 8.213/91, no seu art. 93, prevê as cotas de contratação de trabalhadores

deficientes em empresas com mais de 100 funcionários em bases percentuais de 2 a 5% conforme a quantidade de empregados que a empresa possui em seu quadro de funcionários:

Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: I- ate 200 empregados.............................................................2%; II - de 201 a 500....................................................................3%; III - de 501 a 1000..................................................................4%; IV - de 1.001 em diante...........................................................5%.

Após 24 anos da promulgação da Lei nº 8.213/91, conhecida como Lei de Cotas para

Deficientes, no Brasil é promulgada a Lei nº 13.146/2015, conhecida como o Estatuto da Pessoa com Deficiência, pela qual traz ao ordenamento jurídico interno várias Convenções Internacionais relacionadas aos Direitos dos Deficientes das quais o país já era signatário, tais como a Recomendação nº 99/55 e as Convenções nº 111/58, 150/68 e 159/85.

Dentre os direitos previstos no estatuto e que merecem destaque diante do tema aqui proposto é a busca da efetividade do direito ao trabalho digno e a adequação do meio ambiente de trabalho a essas pessoas, possibilitando, assim, sua igualdade de direito de crescimento profissional, como prevê o seu art. 34: “ A pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”.

A Lei nº 13.146/2015 vislumbra, sem dúvida, o direito fundamental ao trabalho digno do

deficiente, reconhecendo, inclusive o seu direito à livre escolha e aceitação em um meio ambiente de trabalho a ele adaptado.

Sem dúvida é notável o espírito da lei a esse respeito e, conforme assevera Maria Hemília Fonseca:

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A exigência de um direito a trabalhar, além do simples objetivo da sobrevivência física, vincula-se à ideia de dignidade humana e, consequentemente, à valoração do trabalho como forma de realização pessoal. (2009, p. 98).

Acreditou o legislador que a política pública de cotas, prevista na Lei nº 8.213/91,

poderia ser suficiente, mas a realidade dos deficientes físicos brasileiros é totalmente desafortunada no que diz respeito às vagas de empregos a eles destinadas.

Esperava-se, também, que o Estatuto do Deficiente trouxesse em seu texto uma maior previsão de políticas públicas afirmativas ou a positivação de situações que realmente possibilitassem a contratação e a adequação dos deficientes ao meio laboral, mas não houve nenhuma modificação significativa. E a obrigatoriedade das cotas, ação esta sim afirmativa, continua a atingir uma pequena parcela do empresariado. Ou seja, atinge grande empresas apenas, estas que são obrigadas a empregar, ainda, um pequeno número de deficientes.

Com isso, a esperança de muitos deficientes que ansiavam a algum tipo de política pública mais efetiva na a geração de empregos, principalmente aqueles que residem em cidades com menores índices populacionais, permaneceu hibernada nas mazelas políticas.

Nota-se, assim, uma discrepância muito grande das leis com a realidade vivida nas cidades, notadamente as pequenas.

A Lei de Cotas acaba excluindo de toda a sorte aquele trabalhador deficiente que mora em cidades pequenas e que não possuem em tal localidade empresas que gerem mais de 100 empregos ao ponto de se tornar obrigatória a contratação de deficientes.

Se a Lei de Cotas ampliasse a sua incidência, não ficasse restrita apenas às empresas com mais de 100 funcionários, talvez o art. 37 do Estatuto da Pessoa com Deficiência poderia ter uma efetividade maior, pois assim reza:

Art. 37. Constitui modo de inclusão da pessoa com deficiência no trabalho a colocação competitiva, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, na qual devem ser atendidas as regras de acessibilidade, o fornecimento de recursos de tecnologia assistiva e a adaptação razoável no ambiente de trabalho.

Ou seja, da forma como se encontra a interação das leis específicas com a realidade,

pode-se pensar que a preocupação foi somente assegurar direito ao trabalho dessas pessoas e igualdade de oportunidades, mas não traz formas e meios de efetivar tais direitos.

Da mesma forma, traz ao intérprete do direito a obrigatoriedade ao atendimento de regras de acessibilidade dessas pessoas, adaptando o meio ambiente de trabalho dessas pessoas de forma razoável, através de recursos tecnológicos, no entanto, padece de regulamentação sobre a forma como isso deveria ser elaborado.

Não basta empregar. Não! Não basta adaptar o meio ambiente de trabalho de forma razoável. Não!

Conforme ressalta Victor Hugo de Almeida: Deve o empregador, como beneficiário direto da exploração da atividade econômica, não apenas gerar mais e sim melhores empregos, contribuindo para a efetivação do direito ao trabalho, como um direito econômico-social fundamental. (2013, p. 122).

Isso porque há uma expectativa da sociedade de que aquele que se propuser a explorar qualquer modalidade de atividade empresarial o fará com estrita observância da legislação pátria e, além dela, dos direitos humanos devidamente positivados na legislação interna brasileira, notadamente a constitucional.

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2 A RIQUEZA PRODUZIDA NO PAÍS ATRAVÉS DAS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS O SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), serviço social

autônomo brasileiro e que integra o chamado “Sistema S”, utiliza dois critérios diferentes para a classificação das ME´s e EPP´s, sendo que a doutrina jurídica segue, dos dois critérios adotados pelo SEBRAE, apenas o segundo, como se verá.

O 1º critério é o número de vagas de trabalho criados pelas ME,S e EPP,S.

ATIVIDADES ECONÔMICAS

PORTE SERVIÇOS E COMÉRCIO INDÚSTRIAS

MICROEMPRESA ATÉ 9 PESSOAS OCUPADAS ATÉ 19 PESSOAS OCUPADAS

PEQUENA EMPRESA DE 10 A 29 PESSOAS OCUPADAS DE 20 A 29 PESSOAS OCUPADAS

MEDIA EMPRESA DE 50 A 99 PESSOAS OCUPADAS DE 100 A 499 PESSOAS OCUPADAS

GRANDE EMPRESA ACIMA DE 100 PESSOAS

OCUPADAS

ACIMA DE 500 PESSOAS

OCUPADAS

Fonte: SEBRAE

O 2º critério é aquele previsto na Lei Complementar nº 123/2006, ou seja, o que está expressamente definido no art. 3º da referida norma:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que: I - no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e II - no caso da empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais).

Pelo 2º critério, as ME’s e EPP’s s~o classificadas por sua receita auferida no ano: A lei define Microempresa e Empresa de Pequeno Porte em função do valor de sua receita bruta anual (estatuto, 123/2006, Art.3º). No cômputo da receita bruta anual, que é conceito sinônimo de faturamento, considera-se a soma de todos os ingressos derivados do exercício da atividade comercial ou econômica a que se dedica o empresário. (COELHO, 2016, p. 52).

Através do 1º critério, pode-se notar a disparidade que h| entre as ME’s e as EPP’s das empresas de Médio e Grande Porte. Conclui-se, assim, que uma grande parte dessas vagas de

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empregos poderia ser gerada nas denominações das ME’s e EPP’s de Serviços, Comércio e mesmo nas Indústrias.

Pela tabela acima, pode-se verificar que a conhecida obrigatoriedade das cotas prevista na Lei nº 8.213/91 poderia ser utilizada também nas ME’s e EPP’s através de maiores incentivos fiscais, tendo em vista sua potencialidade na geração de empregos.

Como já mencionado, as leis reconhecem e garantem o direito ao trabalho digno ao deficiente físico, mas deixam em segundo plano a forma de efetivação de tal direito, esquecendo-se que as microempresas e as empresas de pequeno porte poderiam contribuir para que tais direitos saíssem do plano ideal para o real.

Segundo o SEBRAE, os micros e pequenos negócios, ou seja, as atividades empresariais desenvolvidas pelas micro e pequenas empresas, são responsáveis por 27% das riquezas produzidas no Brasil, assim, respondem por mais de um quarto do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, resultado este que vem crescendo nos últimos anos.

Ainda, as ME’s e EPP’s, segundo o próprio SEBRAE, são responsáveis pela geração de 52% dos empregos formais e com carteira assinada e 40% dos salários pagos. E mais, em todo o território nacional, há cerca de 8,9 Milhões de Micros e Pequenas Empresas.

Sendo assim, pode-se certificar que grande parte da riqueza brasileira passa pelas ME’s e EPP’s, ou seja, nelas est| a maior oportunidade de emprego ou colocaç~o no mercado de trabalho dos deficientes físicos.

Considerando que em todas as cidades brasileiras há uma ME ou EPP, o que não acontece em relação às grandes empresas que normalmente estão presentes nos grandes centros urbanos, estaria aí o maior ponto afirmativo da pesquisa, ou seja, haveria oportunidade de trabalho a todos os deficientes físicos.

Cidades pequenas são em maior número dentro do território nacional segundo o último censo do IBGE. Ou seja, não há empresas com mais de 100 funcionários na maioria das cidades brasileiras, mas h|, nessas cidades, moradores deficientes e ME’s e EPP’s.

Assim, com índices econômicos tão expressivos na economia nacional, as ME’s e EPP’s poderiam ser aliadas dos deficientes físicos na efetivação de seu direito ao trabalho digno, podendo proporcionar vagas de empregos em diversas localidades do Brasil e, com benefícios fiscais do Estado, mostraria sua força como um dos maiores movimentos sociais e inclusivos já produzidos no país.

3 COMO AS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS PODERIAM GERAR EMPREGO AOS DEFICIENTES FÍSICOS ATRAVÉS DE AÇÕES ESTATAIS AFIRMATIVAS.

Tendo em vista o Estado ter chamado também para si a responsabilidade de efetivação do direito ao trabalho dos deficientes e como as ME’s e EPP’s est~o presentes em todo território nacional, mesmo nas menores cidades, e são consideradas o motor propulsor da economia nacional diante dos dados disponibilizados pelo SEBRAE, há que se pensar na união desses dois fatores.

Ou seja, as ME’s e EPP’s poderiam ser beneficiadas por incentivos fiscais e assim garantir o acesso dos deficientes em seu quadro de funcionários.

Esse incentivo ou benefício fiscal teria que partir de todos os entes federados. Ora, essa possibilidade está presente na Constituição da República, notadamente em seu art. 179:

Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

Diante desse permissivo constitucional, ressalta Fábio Ulhoa Coelho (2016, p. 52):

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A Constituição Federal no seu Art. 179, estabelece que o Poder Publico dispensará tratamento diferenciado a microempresas e as empresas de pequeno Porte , no sentido de simplificar o atendimento as obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, podendo a lei, inclusive, reduzir ou eliminar tais obrigações. O objetivo desta norma é o de incentivar tais empresas, criando as condições para o seu desenvolvimento.

Pode-se pensar que, sendo {s ME’s e EPP’s dado tratamento diferenciado, ferir-se-ia,

assim, o Princípio da Isonomia presente na Constituição da República de 1988. Mas não! Diante do fato concreto e da teoria aristotélica do conceito de igualdade entre as pessoas,

o tratamento dos desiguais de acordo com suas desigualdades se faz necessário na busca da efetivaç~o dos direitos dos deficientes através de incentivos fiscais {s ME’s e EPP’s decorrentes da igualdade formal enfatizada pela Carta Constitucional brasileira de 1988. Nesse sentido, assevera Alexandre de Moraes:

A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito [...] (2011, p. 58).

Assim, impossível efetivar tais direitos previstos na Constituição da República de 1988 sem considerar políticas públicas estatais pautadas na discriminação positiva ou ações afirmativas.

De acordo com Luiz Alberto David Araújo:

Na disciplina do princípio da igualdade, o constituinte tratou de proteger certos grupos que, a seu entender, mereciam tratamento diverso. Enfocando-os a partir de uma realidade histórica de marginalização social ou de hipossuficiência decorrente de outros fatores, cuidou de estabelecer medidas de compensação, buscando concretizar, ao menos em parte, uma igualdade de oportunidades com os demais indivíduos, que não sofreram as mesmas espécies de restrições. São as chamadas ações afirmativas (2006).

Daí concluir que a Constituição Federal de 1988, embora preveja no caput do seu artigo 5º a igualdade formal, permite, para a busca da efetiva igualdade, ao legislador infraconstitucional, ao Estado e à sociedade a implementação de políticas públicas pautadas na discriminação positiva. 4 FINANCIAMENTO ESTATAL CONCEDIDO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS E A REAL

ADEQUAÇÃO DO SEU MEIO AMBIENTE DE TRABALHO DESTINADO AOS DEFICIENTES FÍSICOS

Ações afirmativas quanto aos benefícios tributários não seriam suficientes ao incentivo na contrataç~o de deficientes físicos pelas ME’s e EPP’s, pois essas empresas, para tanto, devem adequar seu meio ambiente de trabalho para recebê-los, assim como preconizam os arts. 34 e 37 da Lei nº 13.146/2015, o que, poderia onerá-las, tendo em vista, conforme se verifica pelos incisos I e II do art. 3º da Lei Complementar nº 123/2006, são empresas de faturamento baixo.

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Ora, a reestruturação do meio ambiente de trabalho para receber esses trabalhadores não é apenas um entrave a essas micro e pequenas empresas sob o aspecto físico do local, pois se tais estruturas forem analisadas através da perspectiva labor-ambiental, evidencia que a efetivação do direito ao trabalho do deficiente não esbarra apenas em aspectos físicos do meio ambiente do trabalho, mas, principalmente, em aspectos comportamentais e organizacionais que também constituem o locus laboral (ALMEIDA, 2013), o que demanda tempo e dinheiro a essas empresas cujo faturamento é baixo.

No entanto, a solução dessa problemática é encontrada no próprio sistema jurídico aplicado, ou seja, a interpretação sistemática da própria Lei nº 13.146/2015 com Lei Complementar nº 123/2006 daria ensejo à possibilidade de incentivos a créditos financeiros que poderiam ser utilizados pelas ME’s e EPP’s para reformas no seu espaço físico, aquisiç~o de materiais e tecnologia necessários e assistivos.

Preveem os arts. 35 e 75, inciso I, da Lei nº 13.146/2015: Art. 35. É finalidade primordial das políticas públicas de trabalho e emprego promover e garantir condições de acesso e de permanência da pessoa com deficiência no campo de trabalho. Parágrafo único. Os programas de estímulo ao empreendedorismo e ao trabalho autônomo, incluídos o cooperativismo e o associativismo, devem prever a participação da pessoa com deficiência e a disponibilização de linhas de crédito, quando necessárias. Art. 75. O poder público desenvolverá plano específico de medidas, a ser renovado em cada período de 4 (quatro) anos, com a finalidade de: I - facilitar o acesso a crédito especializado, inclusive com oferta de linhas de crédito subsidiadas, específicas para aquisição de tecnologia assistida;

Assim, financiamentos patrocinados, por exemplo, pelo BNDES para as empresas que adaptassem o seu meio ambiente de trabalho para a abertura de vagas de emprego para os deficientes físicos poderiam ser medidas pensadas, caso haja vontade política e a inserção de todos os atores sociais na busca da colocação dos deficientes físicos no mercado de trabalho e na cadeia produtiva do país.

E mais, na medida e que tais empresas passassem a proporcionar a adaptação necessária de seu meio ambiente de trabalho para receber funcionários deficientes físicos, tais condutas auxiliariam, também, na acessibilidade de outros deficientes que não funcionários a frequentar lugares que, até então, o meio ambiente não lhes era favorável, aumentando, assim, o consumo dessas pessoas e, consequentemente, a riqueza produzida no país. CONCLUSÃO

Conforme é verificado pelo SEBRAE, as ME’s e EPP’s, além de corresponderem 8,9

milhões do empresariado brasileiro e estarem presentes em todo território nacional, são responsáveis por 27% do PIB, pela geração de 52% dos empregos formais e com carteira assinada e 40% dos salários pagos.

O Brasil, além de signatário de convenções internacionais, possui uma legislação interna voltada ao reconhecimento do direito ao trabalho digno dos deficientes físicos, bem como sua capacitação, busca pelo pleno desenvolvimento profissional e de igualdade de oportunidade a eles destinados.

A Lei nº 8.213/91 e a Lei nº 13.146/2015, conhecidas, respectivamente, como Lei de Cotas e Estatuto das Pessoas com Deficiências, preveem a obrigatoriedade das empresas que contam com mais de 100 empregados em contratar percentual de 2 a 5% de deficientes para comporem seus quadros de funcionários e políticas públicas de inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho e na cadeia produtiva nacional.

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No entanto, a falta de efetividade do direito ao trabalho digno das pessoas deficientes, direito este já reconhecido pela nossa legislação, conforme já mencionado, justifica os dados do último censo do IBGE de que mais da metade dos deficientes brasileiro em idade produtiva estão desempregos ou, se trabalham, exercem seu mister às margens da legislação trabalhista e previdenciária ou vivem apenas em função do assistencialismo estatal.

Porém, ao se levar em consideração o art. 179 da Constituição da República de 1988 que alicerça a Lei Complementar nº 123/2006, conhecida como Estatuto da Micro e Pequena Empresa, chega-se à conclusão que políticas públicas pautadas em ações afirmativas poderiam ser pensadas como forma de utilizar as ME’s e EPP’s como fonte geradora de emprego para as pessoas deficientes.

O Estado já se utiliza de políticas públicas baseadas em discriminação positiva ao prever a Lei de Cotas por exemplo. No entanto, o presente artigo informa que empresas com 100 ou mais funcionários estão presentes apenas nos grandes centros, deixando os deficientes físicos moradores de cidades pequenas às margens dessa contratação obrigatória, tornando-se reféns da benemerência estatal.

Sugere-se, assim, ações afirmativas no sentido de beneficiar tributariamente as micro e pequenas empresas e incentivá-las, já que não são obrigadas nos termos do art. 93 da Lei nº 8.213/91, a contratar pessoas deficientes.

Ainda, como forma de respeitar o quanto preceituam os art. 34 e 37 da Lei nº 13.146/2015, essas mesmas empresas poderiam se beneficiar de linhas de crédito, benefício este já previsto aos deficientes através dos arts. 35 e 75 da mesma lei, para que pudessem adequar o seu meio ambiente de trabalho para receber tais empregados, o que geraria, também, acessibilidade aos demais deficientes que passariam a interagir nesse ambiente como consumidores, contribuindo, assim, com maior consumo e, consequentemente, maior riqueza para o país.

Assim, descortina-se um vasto campo empregatício que ainda não é explorado no país, embora haja leis para isso, com a certeza de melhor proporcionar qualidade de vida aos tantos brasileiros deficientes que estão em idade produtiva no Brasil, sendo certo, caso exista um único deficiente físico para cada micro ou pequena empresa no país, mais de 8 milhões de pessoas com deficiência e em idade produtiva estariam trabalhando, gerando riqueza e contribuindo para o desenvolvimento do Brasil.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, Victor Hugo de. Consumo e trabalho: impactos no meio ambiente do trabalho e na saúde do trabalhador. 2013. 241 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, USP, São Paulo, 2013. p. 122. ARAÚJO, Luiz Alberto David. Direito Constitucional: Princípio da Isonomia e a Constatação da Discriminação Positiva. São Paulo: Saraiva, 2006. BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 28 out. 2016. ______. Lei nº 8.213/91. Lei dos Planos de Benefícios da Previdência Social. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 jul. 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L8213cons.htm>. Acesso em: 30 out. 2016. ______. Lei Complementar nº 123/2006. Estatuto da Micro e Pequena Empresa. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 14 dez. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 30 out. 2016.

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______. Lei nº 13.146/2015. Estatuto da Pessoa com Deficiência. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 6 jul. 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm>. Acesso em: 30 out. 2016. COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 28. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. FONSECA, Maria Hemília. Direito ao Trabalho: um direito fundamental. São Paulo: LTr, 2009. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional: Princípio da Igualdade e a Extinção de Discriminações Absurdas. São Paulo: Atlas, 2011. SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Em dez anos, os valores da produção gerada pelos pequenos negócios saltaram de R$ 144 bilhões para R$ 599 bilhões. Disponível em: <https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/mt/noticias/micro-e-pequenas-empresas-geram-27-do-pib-do-brasil,ad0fc70646467410VgnVCM2000003c74010aRCRD>. Acesso em 30 out. 2016.

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DIREITO

INDIVIDUAL E COLETIVO DO TRABALHO II

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A FLEXIBILIZAÇÃO DOS DIREITOS TRABALHISTAS NO ATUAL CONTEXTO BRASILEIRO: DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO VERSUS DIREITOS SOCIAIS

THE FLEXIBILITY OF THE LABOR RIGHTS IN THE CURRENT BRAZILIAN CONTEXT:

ECONOMIC DEVELOPMENT VERSUS SOCIAL RIGHTS

Carlos Roberto Valentim*

RESUMO: A flexibilização das normas trabalhistas vem sendo a pedra de toque no cenário socioeconômico, sobretudo em decorrência da atual crise da economia brasileira. A título de exemplo, em 19 de novembro de 2015 passou a vigorar a Lei nº 13.189/2015 (Programa de Proteção ao Emprego), cuja legislação prevê a possibilidade de redução da jornada de trabalho com corte proporcional de salários em períodos de crise, visando à preservação dos empregos em momentos de retração da atividade econômica e à recuperação econômico-financeira das empresas. Para empregadores, os direitos que hodiernamente se colocam a disposição dos empregados são deveras excessivos e, por consequência, prejudica o desenvolvimento das empresas e a manutenção da empregabilidade. Nesse caso, o fenômeno da flexibilização dos direitos trabalhistas consistiria no ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e os direitos sociais. De outra banda, para a classe trabalhadora, a flexibilização é mera ferramenta eivada do ardil patronal na intenção exclusiva de promover a supressão, de forma legalizada, de direitos fundamentais, que julgam ser mínimos, cujas conquistas remontam de lutas históricas travadas pela classe. Diante dessa dicotomia, o objetivo do presente estudo é examinar a flexibilização dos direitos trabalhistas, sua conceituação, limites e impactos na seara laboral, examinando prós e contras para empregados e empregadores, bem como as recentes medidas adotadas no Brasil com essa finalidade. Como método de procedimento, o estudo se utiliza do levantamento por meio da técnica de pesquisa bibliográfica e da técnica de pesquisa jurisprudencial e, como método de abordagem, o dedutivo. Dado o antagonismo de posicionamentos entre os envolvidos, o estudo, que se encontra em fase inicial, versa sobre os impactos da flexibilização em face da manutenção das garantias fundamentais do cidadão trabalhador, traçando um comparativo do atual cenário brasileiro em relação a nações que já se utilizam da flexibilização nas relações de trabalho. Palavras-chave: direitos fundamentais. direitos trabalhistas. flexibilização

ABSTRACT: The easing of labor standards has been the touchstone in the socio-economic scenario, especially as a result of the current crisis of the brazilian economy. For example, in November 2015 19 went on to apply law No. 13,189/2015 (employment protection program), whose legislation provides for the possibility of reduction of the workday with proportional wage cut in times of crisis, aiming at the preservation of jobs in times of downturn in economic activity and the economic and financial recovery. For employers, the rights that arise today so the arrangement of employees are indeed excessive and, therefore, affect the development of enterprises and the maintenance of employment. In this case, the phenomenon of labor rights would be easing at the point of balance between economic development and social rights. Another band, for the working class, the relaxation is a mere tool of the employer in intention marked ruse to promote the abolition of legal form, of fundamental rights, that judge be minimal, whose achievements can be traced back to historical struggles waged by the class. On this dichotomy, the objective of the present study is to examine the relaxation of labor rights, their conceptualization, boundaries and impacts on harvest, examining pros and cons for employees

* Mestrando pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de

Mesquita Filho” – FCHS/UNESP. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal - UNIDERP. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de São Carlos. E-mail: [email protected].

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and employers, as well as the recent measures adopted in Brazil for this purpose. As a method of procedure, the study uses the lifting by means of bibliographical research and case law and research technique as a method of the deductive approach. Given the antagonism of positions between those involved, the study, which is in the initial phase, focuses on the impacts of a softening in the face of the maintenance of fundamental guarantees of the citizen worker, drawing a comparison of the current Brazilian scenario against Nations that already utilize the flexibility in labor relations. Keywords: flexibility. labor rights. fundamental rights.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Origem da flexibilização. 2 Conceituação de flexibilização. 3 diferenciação entre flexibilização, flexissegurança e desregulamentação. 4 Crise econômica e os reflexos no direito do trabalho. 5 Lei nº 13.189/2015 – Programa de Proteção ao Emprego – PPE. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

O caráter protecionista do direito do trabalho em favor do trabalhador é plenamente

conhecido pelos operadores do direito, empregados, empregadores e pela população em geral. Sabidamente tais normas e garantias originam-se de lutas históricas da classe trabalhadora, entretanto, na visão patronal, os direitos resguardados são excessivos, onerando assim severamente a empresa, prejudicando seu desenvolvimento e criando entraves a manutenção da empregabilidade.

Hodiernamente o País vive um período de severa crise econômica que assola tanto o Poder Público quanto as empresas privadas. No intuito de se amenizar a situação foi promulgada a Lei n. 13.189/2015 – Programa de Proteção ao Emprego que se perfaz num conjunto de regras que viabiliza a possibilidade de redução da jornada laboral com a redução proporcional dos salários em panoramas de crise, como o que hoje assola o País.

Com tais parâmetros torna à baila o fenômeno da flexibilização que no ponto de vista dos empregadores é considerada o fiel da balança entre o desenvolvimento econômico empresarial e a garantia dos direitos sociais. Entretanto, para a classe trabalhadora o fenômeno nada mais é do que uma ferramenta que enseja legalidade a mera supressão dos direitos que lhes são garantidos.

Nesse sentido, Dallegrave Neto afirma que: A flexibilização é um primeiro passo da trajetória que visa a desregulamentar o Direito do Trabalho. O fenômeno que já se inicia faz parte do receituário neoliberal que propugna pela diminuição do custo operacional e pela destruição dos diretos sociais com forma de combate ao desemprego. Somente nesta perspectiva interdisciplinar é que se pode compreendê-lo.

Do ponto de vista da classe empregadora o fenômeno se perfaz em solução efetiva para

garantia da empregabilidade do trabalhador, pois autoriza a adequação dos custos da empresa ao cenário de crise, possibilitando a recuperação da emprese, que certamente seria mais difícil caso predominasse o excessivo numero de direitos que atendem o trabalhador. Para os empregadores a flexibilização possibilitaria a sem a necessidade de demitir empregados.

O Brasil atravessa um período deveras preocupante, tendo em vista os tempos difíceis do ponto de vista econômico que o país atravessa. O quadro é de elevado custo de vida e parcas vagas de trabalho no mercado. Tal fato potencializa a necessidade de se garantir a manutenção do contrato de trabalho ante as reduzidas oportunidades de trabalho e os altos preços de bens e serviços essenciais ao trabalhador.

A metodologia aplicada ao presente estudo será via análise bibliografia do tema, dando inicio pela abordagem da origem do tema flexibilização, sua conceituação e os motivos que

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caracterizam equivocados o uso sob forma sinônima dos termos flexibilização, flexissegurança e desregulamentação do direito do trabalho.

Ao continuo será promovida uma abordagem acerca da atual crise econômica que assola o Brasil e os reflexos desta no panorama do direito do trabalho. Por derradeiro conclui-se a possibilidade e consequente necessidade da incidência da flexibilização do direito do trabalho desde que com o necessário acompanhamento e fiscalização dos órgãos competentes para mitigação da reduzida capacidade negocial do trabalhador.

1 ORIGEM DA FLEXIBILIZAÇÃO

O Direito do Trabalho sabidamente se originou num período histórico de crise, onde foi

utilizado em resposta aos problemas sociais existentes à época, advindos dos dogmas do capitalismo liberal, caracterizando-se como uma resposta política dada em plena crise industrial em período imediatamente seguinte a Revolução Industrial, onde a utilização da máquina margeou o trabalho masculino adulto a um segundo plano dando ênfase ao trabalho da mulher e de crianças que, eram consideradas meias forças. Decorrência a situação citada advém o desgaste prematuro do ser humano trabalhador, pela via de acidentes laborais, ínfimos salários e jornadas extenuantes.

A situação ensejou a necessária intervenção estatal para criação de regras peculiares do Direito do Trabalho sem perder de vistas a necessidade de proteção ao empregado, garantindo-lhe condições mínimas de trabalho sob a pecha da irrenunciabilidade de direitos.

Por questões políticas e ideológicas a tendência de proteção por intermédio do garantismo vigorou com força no Brasil e na América Latina, e, a tendência ao longo dos tempos foi no sentido de aprofundá-las.

Ao longo dos tempos as relações individuais de trabalho sofreram várias modificações em decorrência da crise econômica de 1970, pelas inovações tecnológicas, mudanças na forma de produção, a necessidade de competição com outros países e o combate ao desemprego.

Surgem com isso os primeiros debates acerca da flexibilização das regras do trabalho, termo de definições variáveis dependendo do sistema legal que o adote e o nível de desenvolvimento do País.

Inúmeros são os fundamentos para o surgimento do fenômeno citado, para alguns, a predominância de normas imperativas nas regras jurídicas era a base da crise, além do que, retirava as possibilidades de competição no mercado, pela rigidez aplicada, suprimindo oportunidades de melhoramentos tecnológicos. Para outros, referida rigidez perfazia-se num resultado da crise econômica e os métodos de gestão, com base fordista de produção.

O arrazoado de Martins aponta com clareza peculiar a questão da origem da flexibilização em brilhante explanação, suscitando que:

A tendência da flexibilização é decorrência do surgimento das novas tecnologias, da informática, da robotização, que mostram a passagem da era industrial para a pós-industrial, revelando uma expansão do setor terciário da economia. Assim, deveria haver uma proteção ao trabalhador em geral, seja ele subordinado ou não, tanto o empregado como também o desempregado. É nesse momento que começam a surgir contratos distintos da relação de emprego, como contratos de trabalho a tempo parcial, de temporada, de estágio etc. (MARTINS, 2010, p.39).

Assim pode-se entender que a flexibilização é decorrente das constantes evoluções culturais e tecnológicas que influenciam tanto o ambiente laboral quanto a cultura do cidadão trabalhador.

Pode se considerar a flexibilização com sendo a garantia de um conjunto mínimo de regras ao trabalhador, em face da manutenção do local de trabalho, por meio de mudanças na

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regra legal, possibilitando ao empregador a adaptação de seu negócio especialmente em períodos difíceis. O sindicato daí em diante passa teoricamente a ter o papel de destaque, especialmente, nas negociações coletivas que ensejarão ao acordo ou a convenção coletiva de trabalho, possibilitando a continuidade do vinculo empregatício do trabalhador atrelado a manutenção da empresa.

2 CONCEITUAÇÃO DE FLEXIBILIZAÇÃO

No âmbito internacional a flexibilização conceitua-se como a capacidade de os indivíduos, na economia e em particular no mercado de trabalho de renunciar a seus costumes e de adaptar-se a novas circunstâncias.

Para Martins, pode se conceituar a flexibilizaç~o como sendo “uma reaç~o aos padrões até então vigentes das legislações que estão em desacordo com a realidade, das legislações extremamente rígidas que não desenvolvem todos os problemas trabalhistas, principalmente diante das crises econômicas ou outras.” (MARTINS, 2009, p.11)

O mesmo autor cita o escólio de Arturo Royos, para quem a flexibilizaç~o trabalhista é “a possibilidade de a empresa contar com mecanismos jurídicos que lhe permitam ajustar sua produção, emprego e condições de trabalho às flutuações rápidas e contínuas do sistema econômico, {s inovações tecnológicas e a outros fatores que requerem ajuste com rapidez.” (MARTINS, 2009, p. 12)

Com isso pode se considerar a flexibilização como sendo a redução da intervenção estatal nas relações de trabalho, ensejando a possibilidade de negociação à autonomia de empregados e empregadores, via seus representantes sindicais.

3 DIFERENCIAÇÃO ENTRE FLEXIBILIZAÇÃO, FLEXISSEGURANÇA E DESREGULAMENTAÇÃO

Os termos flexibilização, flexissegurança e desregulamentação, por vezes tem uso sinônimo e indiscriminado, entretanto a prática não é correta tendo em conta que cada uma das terminologias detém significado e aplicações diversas, tornando-as antagônicas entre si.

A flexissegurança como seu próprio nome sugere, pretende a conciliação da flexibilidade com a segurança, ou seja, tem como objetivo flexibilizar as questões atinentes ao emprego desejando compensar o empregado por meio de um polpudo seguro desemprego. O procedimento tem origens na Europa e, de certa não emplacaria no nosso País, considerando se a diametral diversidade de condições aqui e lá observadas.

Em linha totalmente diversa tanto da flexibilização quanto da flexissegurança verifica-se a desregulamentação do direito do trabalho que se inclina para a supressão total e irrestrita da do regramento legal laboral. Esta vertente se configura pela total ausência de intervenção estatal com a consequente supressão da proteção social do trabalhador evidenciando a autonomia privada nos âmbitos singular e coletivo do trabalho.

Importante trazer a estudo o arrazoado de Romar, que define:

A desregulamentação é a ausência de proteção do Estado ao trabalhador, ou seja o Estado deixa de intervir nas relações de trabalho e passa às próprias partes a tarefa de regulamentar as condições de trabalho e os direitos e obrigações dela advindos. A autonomia privada, individual ou coletiva, é exercida em sua plenitude. A flexibilização, por sua vez, mantém a intervenção estatal, porém de uma forma menos rígida, ou seja, ao estado cabe fixar normas básicas de proteção, abaixo das quais não se pode conceber a vida do trabalhador em condições dignas, com as quais convivem normas jurídicas autônomas, fruto da negociação coletiva. (ROMAR, 2015, p. 88-89).

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Depreende-se, portanto, que a perfaz equivocado o uso das definições como sinônimas, eis que se tratam de situações totalmente distintas cuja aplicação enseja resultados totalmente distintos umas das outras.

4 CRISE ECONÔMICA E OS REFLEXOS NO DIREITO DO TRABALHO

O quadro de crise econômica que hoje se verifica no Brasil reflete significativamente no

mercado de trabalho através da redução das vagas de trabalho e nos ganhos salariais dos empregados. Da mesma forma a crise também lança suas consequências na classe empregadora que sente reduções em suas margens de lucro e por consequência a necessidade de redução no quadro de funcionários. Dessas circunstâncias inevitáveis as ondes de demissões e o aumento da massa de trabalhadores desempregados que só aumenta nos tempos atuais.

Em que pese a perspectiva de melhoria além de vislumbrada somente à longo prazo, não há garantias de que a dita massa de desempregados seja reabsorvida no mercado de trabalho, sem dizer que enquanto isso, o trabalhador se vê obrigado a buscar a informalidade para obter o mínimo para o sustento próprio e de seus familiares.

Perante esse quadro assustador a flexibilização surge como o fenômeno passivo de criar uma lacuna favorável à manutenção do emprego pela via da redução temporária de alguns direitos que, em que pese não ser a origem da crise, contribui para a derrocada patronal pelo elevado custo que tais direitos impõem às folhas de pagamento.

A redução de encargos sociais advindos da flexibilização também é ponto a princípio favorável a incidência do fenômeno no sentido de contribuir para a manutenção dos postos de trabalho existentes e quiçá até para a criação de outros novos.

Seria assim a flexibilização, de acordo com Souza,

[...] a flexibilização traduz-se, assim, numa forma de adaptação das leis trabalhistas às grandes modificações surgidas no mercado de trabalho capaz de possibilitar a redução de salários, a compensação e a redução da jornada, majoração da jornada de turno ininterrupto de revezamento, o que levou inclusive à instituição do regime de tempo parcial estabelecido no recente artigo 58-A, consolidado. (SOUZA, 2010. p. 67).

De outro lado, surgem pensamentos no sentido de que, aproveitando-se do período de

crise, reforçam a teoria da flexibilização meramente para justificativa de alienação dos direitos sociais do trabalhador e a consequente melhora da margem de lucro patronal. Nesse sentido Goldschmidth arrazoa que:

A ideologia econômica neoliberal e o movimento da flexibilização dos direitos trabalhistas não guardam perfeita relação de adequação com a realidade social brasileira, porquanto esta é marcada por profundas desigualdades, fruto da injusta distribuição de renda, o que impõe que os particulares, em especial os empregados, não discutam as condições de trabalho em pé de igualdade material com seus empregadores. Esse fator justifica a forte intervenção do Estado nas relações entre o capital e o trabalho, como forma de garantir um leque de proteção jurídica ao trabalhador, indispensáveis para a manutenção e a promoção de sua dignidade. (GOLDSCHMIDTH, 2009, p. 205).

Com isso as dificuldades do trabalhador em negociar os ditames de seu contrato seria

claro óbice a efetividade da flexibilização, mesmo tendo em conta eventuais períodos de crise econômico-financeira.

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5 LEI Nº 13.189/2015 – PROGRAMA DE PROTEÇÃO AO EMPREGO - PPE O período de crise que o Brasil atravessa ensejou a instituição, pelo Governo Federal da

Lei Ordinária nº 13.189/15. Fruto da conversão em Lei da Medida Provisória n. 680 de 6 de julho de 2015, regulamentada pelo Decreto nº 8.479 de 2015.

A regra tem escopo principal no fato do país encontrar-se hoje em óbvio período de recessão o que vem ocasionando considerável aumento na massa desempregada. A regra visa a promover a manutenção do emprego do trabalhador através de medidas que visam auxiliar as empresas que passam por períodos de crise econômico-financeira.

O programa autoriza às empresas a redução dos salários de seus empregados em até o limite de trinta por cento, sendo que o Governo tem comprometimento na reposição da metade da perda com auxilio de fundos do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, limitando-se ao patamar de sessenta e cinco por cento do valor máximo de pagamento do Seguro Desemprego, que hoje é de R$900,84.

A nova regra tem prazo de validade determinado, eis que de acordo com seu art. 11 o Programa de Proteção ao Emprego extingue-se em 31 de dezembro de 2017.

Há que se mencionar, todavia que a Lei em questão apresenta diferencial comparado a Medida Provisória que lhe deu origem já que em que pese a preservação de suas diretrizes básicas, tais como a intenção de preservação de empregos em períodos de retração econômica, favorecimento da recuperação de empresas, sustentar a demanda agregada em meio a crise para facilitação da recuperação da economia, o estimulo à produtividade em por meio do aumento da duração do vínculo laboral e o fomento às negociações coletivas com escopo de incrementar as relações de trabalho, a Lei Ordinária tem novas diretrizes no sentido de pacificar o prazo máximo de vinte e quatro meses, mas levando-se em conta o prazo de duração da regra ou seja 31 de dezembro de 2017(artigo 2º paragrafo 1º).

Esta diferença não é a única já que a Lei aponta a preferência de adesão à empresas que demonstrem o cumprimento do sistema de cotas de trabalho para deficientes (artigo 2º parágrafo 2º), a garantia de emprego ao trabalhador cujos empregadores aderirem ao Programa por, no mínimo, o mesmo tempo em que perdurou a redução da jornada acrescido de mais um terço (artigo 5º, parágrafo 1º, V) e o tratamento diferenciado à micro empresas e empresas de pequeno porte

A Lei visa ainda uma maior proximidade entre empresas e entidades sindicais tendo que as primeiras devem apresentar suas informações econômico-financeiras e o esgotamento do banco de horas dos empregados (artigo 5º, parágrafo 3º), já que pelo instituído no parágrafo segundo do artigo sexto da lei, é dedada a realização de horas extraordinárias pelos empregados das empresas que aderirem ao Programa.

A adesão pode ser realizada pelo prazo de seis meses podendo ainda ser prorrogada por igual período.

CONCLUSÃO

O estudo ora proposto ainda se encontra em fase embrionária, entretanto, já se pode

inclinar-se no sentido de que as atuais condições da crise no Brasil tornam viável a incidência da flexibilização nas relações de trabalho.

O pensamento decorre em especial da observada tendência que se aflora pela aprovação da lei n. 13.189/2015, que demonstra a clara intenção do governo de afastar a máquina pública das negociações laborais deixando ao crivo das negociações empregado/empregador, as decisões para o desenvolvimento de mecanismos para superação da fase de crise.

Todavia, não se pode responsabilizar tão somente a classe trabalhadora pela incidência da crise e certamente para que transcorra de forma justa, respeitando-se a figura da classe trabalhadora, a incidência da flexibilização, carecerá da fiscalização constante dos órgãos competentes, tais como Ministério Público do Trabalho, delegacias do Trabalho, Poder Judiciário.

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REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 20 out. 2016. ______. Lei nº 13.189 de 19 de novembro de 2015. Institui o Programa de Proteção ao Emprego. Planalto, Brasília, DF, 19 nov. 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13189.htm>. Acesso em: 20 out. 2016. DALLEGRAVE NETO, José Afonso. Direito do Trabalho Contemporâneo: flexibilização e efetividade. São Paulo: LTr, 2003. GOLDSCHMIDT, Rodrigo. Flexibilização dos direitos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2009. MARTINS, Sérgio Pinto. Flexibilização das Condições de Trabalho. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009. ROMAR, Carla Tereza Martins. Direito do Trabalho Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2015. SOUZA, Alexandre M. Proteção e flexibilização das normas. Revista Visão Jurídica, São Paulo: [s.n.], 2010. v. 50.

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TERCEIRIZAÇÃO E SUCESSÃO TRABALHISTA NO BRASIL

OUTSOURCING AND LABOR SUCCESSION IN BRAZIL

Fernanda Zabian Pires* Maria Hemília Fonseca**

RESUMO: Diferente da sucessão trabalhista, a terceirização é um fenômeno novo no Direito do Trabalho e não foi prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) promulgada em 1943. Entretanto, desde 1993, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), por meio da Súmula 331, estabelece diretrizes para o trabalho terceirizado no país. Assim, no Brasil, a jurisprudência acaba exercendo o controle sobre o tema. Diante disso, objetiva-se com esta pesquisa investigar se o surgimento da terceirização no Direito do Trabalho, como uma nova modalidade de trabalho, provoca uma releitura dos institutos trabalhistas previstos originalmente na CLT, em especial, no âmbito da sucessão trabalhista, mediante método de pesquisa dedutivo e técnica de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial. Ao final, conclui-se que o descompasso histórico entre o surgimento da terceirização e da sucessão trabalhista no Direito do Trabalho enseja uma atualização dos institutos celetistas clássicos. Palavras-chave: Consolidação das Leis do Trabalho. jurisprudência. sucessão trabalhista. terceirização. ABSTRACT: Unlike labor succession, the outsourcing is a new phenomenon in Labor Law and was not foreseen in the Consolidation of Labor Laws enacted in 1943. However, since 1993, the Superior Labor Court establishes guidelines for the outsourced work in the country, currently by Precedent 331. Thus, in Brazil, the case law ends up exerting control over the subject. Therefore, objective with this research to investigate if the emergence of outsourcing in the Labor Law, as a new type of work, causes a reinterpretation of the labor institutes foreseen originally in Consolidation of Labor Laws, especially in the ambit of the labor succession, by method of deductive research and bibliographic and jurisprudential research technique. Finally, it is concluded that the historical gap between the emergence of outsourcing and labor succession in the Labor Law entails an update of the classic Consolidation of Labor Laws institutes. Keywords: Consolidation of Labor Laws. case law. labor succession. outsourcing. SUMÁRIO: Introdução. 1 Terceirização no Brasil. 2 Sucessão trabalhista no Brasil. 3 Terceirização e sucessão trabalhista no Brasil. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

Diferente da sucessão trabalhista, a terceirização é um fenômeno novo no Direito do

Trabalho e não foi prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) promulgada em 1943. Entretanto, desde 1993, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), por meio da Súmula 331, estabelece diretrizes para o trabalho terceirizado no país. Assim, no Brasil, a jurisprudência acaba exercendo o controle sobre o tema.

Portanto, a realidade do mundo do trabalho no Brasil hoje é mais complexa do que aquela de quando a CLT foi promulgada em 1943, haja vista, por exemplo, o surgimento das

* Graduanda da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP/USP). E-mail:

[email protected]. ** Professora de Graduação e Pós-Graduação da FDRP-USP. Professora visitante da Universidade de

Salamanca/ES. Pesquisadora visitante na Columbia Law School/EUA. Bacharel em Direito pela UFU. Mestre e Doutora em Direito das Relações Sociais, na sub-área de Direito do Trabalho pela PUC-SP. Doutorado Sanduíche na Universidade de Salamanca/ES. E-mail: [email protected].

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relações trilaterais de trabalho, como no âmbito das concessionárias de serviço público e da terceirização, como expressão do capitalismo contemporâneo.

Por isso, os institutos celetistas clássicos, sobretudo, aqueles que conservam a redação original de seus dispositivos, devem ser relidos à luz das novas modalidades de trabalho, para manterem-se atualizados aos fenômenos surgidos no cenário do trabalho, fruto do capitalismo financeiro, sob pena de padecerem de efetividade prática.

Diante disso, objetiva-se com este artigo investigar se o surgimento da terceirização no Direito do Trabalho, como uma nova modalidade de trabalho, provoca uma releitura dos institutos trabalhistas previstos originalmente na CLT, em especial, no âmbito da sucessão trabalhista.

Para atingir o objetivo proposto, mediante método de pesquisa dedutivo e técnica de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, a investigação perpassa pelos seguintes estudos:

No primeiro tópico, estuda-se o instituto da terceirização no Brasil, com o objetivo de entender que a terceirização, enquanto um instituto jurídico trabalhista e como uma nova modalidade de trabalho, distingue-se da relação clássica de trabalho, não apenas pelo descompasso histórico de surgimento no Direito do Trabalho, mas, também, por caracterizar uma relação de trabalho triangular, que não foi prevista pela CLT de 1943.

No segundo tópico, o objetivo é estudar o instituto da sucessão trabalhista no Brasil, com o objetivo de verificar se se encontra atualizado à realidade do mundo do trabalho contemporâneo nas suas mais diversas facetas.

Por fim, no terceiro tópico, uma vez estudada a terceirização e a sucessão trabalhista em apartado, objetiva-se confrontar ambos os institutos, no intuito de verificar se o surgimento da terceirização no Direito do Trabalho, como uma nova modalidade de trabalho, provoca ou não uma releitura do instituto sucessório.

1 TERCEIRIZAÇÃO NO BRASIL

A terceirização, enquanto um instituto jurídico trabalhista e como uma nova modalidade

de trabalho, distingue-se da relação clássica de trabalho, não apenas pelo descompasso histórico de surgimento no Direito do Trabalho, mas, também, por caracterizar uma relação de trabalho triangular, que não foi prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) promulgada em 1943.

No Brasil, não há lei prevendo a terceirização, ou seja, nem a CLT, nem legislação esparsa dispõe expressamente sobre o instituto. A despeito dessa lacuna legislativa, desde 1993, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), por meio da Súmula 331, estabelece diretrizes para o trabalho terceirizado no país. Assim, a jurisprudência, mediante referida Súmula, acaba, ao mesmo tempo, exercendo o controle sobre o tema e sendo “referência normativa para essa forma de contratar” (BIAVASCHI; TEIXEIRA, 2015, p. 38).

Súmula n° 331 do TST. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE. I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n° 6.019, de 03.01.1974). II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n° 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas

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obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n° 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

A propósito, no Congresso Nacional (CN) tramita o Projeto de Lei nº 4.330 de 2004,

conhecido como PL da Terceirização, que, de acordo com o seu art. 1º, visa regular os contratos de terceirização e as relações de trabalho deles decorrentes, no âmbito da iniciativa privada. Veja-se:

Art. 1º - Esta Lei regula os contratos de terceirização e as relações de trabalho deles decorrentes. § 1º O disposto nesta Lei aplica—se às empresas privadas. § 2º As disposições desta Lei não se aplicam aos contratos de terceirização no âmbito da administração pública direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. § 3º Aplica-se subsidiariamente, no que couber, ao contrato de terceirização entre a contratante e a contratada o disposto na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.

Como se vê, a terceirização é um fenômeno novo no Direito do Trabalho. Os estudos da

Sociologia do Trabalho, em especial, de Ricardo Antunes e de Graça Druck (2013) e de Giovanni Alves (2014), demonstram que a adoção da política neoliberal no Brasil nos anos 90 foi a “mola propulsora” da proliferaç~o do trabalho terceirizado no país, na conjuntura da reestruturaç~o produtiva e do modelo toyotista de gestão, em um contexto marcado, dentre outras coisas, pela descentralização da produção.

A diferença entre a terceirização e a relação clássica de trabalho vai além do descompasso histórico de surgimento no Direito do Trabalho, justamente, por a terceirização caracterizar uma relação de trabalho triangular, que, diferente da relação bilateral, não foi prevista originalmente pela CLT promulgada em 1943.

Na relação de trabalho terceirizado, o trabalhador se obriga a trabalhar para o cliente do seu empregador. Daí porque, sob o aspecto jurídico, a terceirização é uma relação triangular, cujos sujeitos são: o trabalhador terceirizado, a empresa prestadora de serviços terceirizados e a tomadora dos serviços. Diante disso, ressalta-se que, apesar de tal relação ser triangular, o trabalhador terceirizado só possui vínculo de emprego com a empresa prestadora de serviços, sua real empregadora.

Assim, percebe-se que a relação de trabalho terceirizado se distingue e muito da relação trabalhista convencional. Na terceirização, o trabalhador terceirizado é contratado por uma empresa, mas presta serviços à outra, porque a tomadora celebra contrato civil ou administrativo de prestação de serviços terceirizados com a sua empregadora e, por esse contrato, a contratada obriga-se a fornecer sua mão de obra à contratante. Enquanto que, na forma de contratação clássica, o trabalhador encontra-se subordinado a seu empregador, com a prestação de serviços diretos a ele.

Nesse sentido, nota-se que a estrutura da terceirização imprime uma nova lógica ao Direito do Trabalho, distinta daquela da CLT de 1943, mesmo porque a terceirização insere-se no contexto do capitalismo financeiro e a CLT, do capitalismo industrial. Este estudo acentua uma diferença marcante entre essas duas fases do capitalismo, ao frisar que, antes, na época do capitalismo industrial, o capitalista buscava ter grandes empresas com grande quantidade de

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trabalhadores e, hoje, na atual fase do capitalismo, a ideia é produzir mais, porém com poucos empregados, como forma de otimizar os lucros.

Ocorre que, para tanto, os institutos jurídicos trabalhistas acabam sendo flexibilizados às transformações realizadas pelo capitalismo financeiro no cenário do trabalho, de modo que as relações de trabalho são ampliadas para além do modelo celetista clássico. Evidenciando, assim, que a fase na qual o capitalismo se encontra, juntamente com suas características, acaba determinando as formas com as quais as relações de trabalho serão aceitas e reconhecidas como lícitas ou ilícitas. Tanto é assim que, no ano de 1986, a Súmula 256 do TST proibia a terceirização e, posteriormente, no ano de 1993, passou a ser admitida, com a edição de uma nova Súmula, a Súmula 331 do TST.

Súmula n° 256 do TST. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE. Salvo nos casos de trabalho temporário e de serviços de vigilância, previstos nas Leis ns. 6.019, de 3.1.74 e 7.102, de 20.6.83, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços.

Diante desse cenário, imprescindível estudar como é a terceirização na prática,

sobretudo, sob a ótica do trabalhador terceirizado. No ano de 2014, foi lançado o documentário-denúncia “Terceirizado: um trabalhador brasileiro”, coordenado pelo Prof. Jorge Luiz Souto Maior e produzido pelo Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (GPTC) ligado à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD-USP), que, por meio de entrevista pessoal e direta com trabalhadores terceirizados, mostra a realidade dos obreiros no setor público.

A pesquisa de campo acaba por revelar que, na realidade, a terceirização traz prejuízos aos trabalhadores. Dentre os prejuízos dessa prática, destaca-se uma das narrativas mais recorrentes nos relatos, a mudança de empresa prestadora de serviços com absorção, no todo ou em parte, dos trabalhadores terceirizados pela nova prestadora contratada, sem solução de continuidade da prestação laboral. No documentário, os trabalhadores explicam, com isso, permanecem, durante anos, prestando serviços ao mesmo órgão público, sem gozarem férias e, ainda, terem o salário reduzido, após cada contratação sucessiva.

Nesse passo, tendo em vista que a CLT de 1943 teve sua estrutura e seus institutos pensados originalmente para abarcar tão somente as relações clássicas de trabalho e, por outro lado, que a terceirizaç~o é “uma das expressões da din}mica capitalista contempor}nea” (BIAVASCHI; TEIXEIRA, 2015, p. 37), faz-se necessário o estudo da sucessão trabalhista no Brasil, uma vez que se trata de um instituto celetista clássico, com o objetivo de verificar se se encontra atualizado à realidade do mundo do trabalho contemporâneo nas suas mais diversas facetas.

2 SUCESSÃO TRABALHISTA NO BRASIL

Ao contrário da terceirização, a sucessão trabalhista trata-se de um instituto celetista clássico, que encontra previsão legal na CLT desde que foi promulgada em 1943. Portanto, neste tópico, o objetivo é verificar se o instituto sucessório trabalhista encontra-se atualizado à realidade do mundo do trabalho contemporâneo nas suas mais diversas facetas.

O instituto sucessório, previsto nos arts. 10 e 448 da CLT, incide-se às hipóteses de mudança de empregadores na idêntica relação de trabalho, impondo ao empregador sucessor a responsabilidade pelas obrigações trabalhistas do empregador sucedido. Salienta-se que desde que a CLT foi promulgada em 1943, referidos dispositivos celetistas mantêm a redação original. Observe-se: “Art. 10 – Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados”; “Art. 448 – A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados”.

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Para o Direito, sucess~o é “a substituiç~o do sujeito na mesma relaç~o jurídica, que permanece objetivamente idêntica” (MORAES FILHO, 1960, v. I, p. 83). Ou seja, independentemente do ramo jurídico, “a identidade da relaç~o jurídica, e a diversidade dos sujeitos constituem os caracteres da verdadeira sucess~o” (COVIELLO, 1924, p. 314).

No Direito do Trabalho, a sucessão trabalhista é sinonimizada pela doutrina e pela jurisprudência como sucessão de empregadores, sucessão de empresas, sucessão de empresários, sucessão econômica, sucessão de titulares da empresa e alteração subjetiva do contrato de trabalho.

Com base na jurisprudência do TST, verifica-se que, no Brasil, a sucessão trabalhista caracteriza-se por duas formas distintas. Uma expressa pela OJ 261 da SDI-1 do TST e a outra, pela OJ 225 da SDI-1 do TST.

A OJ 261 do TST refere-se à sucessão trabalhista entre bancos, consignando expressamente que essa é uma forma típica de sucessão, pois não importa se o contrato de trabalho continua em curso ou não após a ocorrência da sucessão.

OJ 261 da SDI-1 do TST. BANCOS. SUCESSÃO TRABALHISTA. As obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para o banco sucedido, são de responsabilidade do sucessor, uma vez que a este foram transferidos os ativos, as agências, os direitos e deveres contratuais, caracterizando típica sucessão trabalhista.

Assim, revelam-se como requisitos dessa forma: (1) a transferência da unidade

econômico-jurídica de um para outro titular: alteração na estrutura jurídico-formal do ente empregador e/ou mudança de proprietários; (2) a manutenção de exploração da mesma atividade econômica; e (3) a existência de vínculo jurídico entre sucedido e sucessor.

A outra forma de sucessão trabalhista é expressa pela OJ 225 do TST, que trata da sucessão no âmbito das concessionárias de serviços públicos, in verbis:

225. CONTRATO DE CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE TRABALHISTA. Celebrado contrato de concessão de serviço público em que uma empresa (primeira concessionária) outorga a outra (segunda concessionária), no todo ou em parte, mediante arrendamento, ou qualquer outra forma contratual, a título transitório, bens de sua propriedade: I - em caso de rescisão do contrato de trabalho após a entrada em vigor da concessão, a segunda concessionária, na condição de sucessora, responde pelos direitos decorrentes do contrato de trabalho, sem prejuízo da responsabilidade subsidiária da primeira concessionária pelos débitos trabalhistas contraídos até a concessão; II - no tocante ao contrato de trabalho extinto antes da vigência da concessão, a responsabilidade pelos direitos dos trabalhadores será exclusivamente da antecessora.

A concessão de serviço público é um instituto recente no direito brasileiro, consagrado

legalmente pela Lei nº 8.987/95. Com base nas lições de José dos Santos Carvalho Filho (2015, p. 389), concessão de serviço público pode ser entendida como o fenômeno pelo qual a Administraç~o Pública transfere { empresa concession|ria a “execuç~o de certa atividade de interesse coletivo”.

Por isso, do ponto de vista do trabalhador, a concessão de serviço público é uma relação triangular, cujos sujeitos são: o trabalhador, empregado da empresa concessionária; a empresa concessionária, empregadora e prestadora do serviço público; e a Administração Pública, concedente e tomadora do serviço público.

Da análise do verbete da OJ 225 do TST, verifica-se que, ao reconhecer caracterizada a sucessão na concessão de serviço público, por a nova concessionária ter dado sequência a

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prestação dos serviços com os mesmos trabalhadores da concessionária antiga, o TST desprende-se dos requisitos tradicionais do instituto sucessório, deixando de aplicá-los rigorosamente, para adaptá-lo a essa nova situaç~o de “car|ter triangular” (T\CITO, 1975, p. 251).

Por esse motivo, pode-se afirmar que há outra forma de sucessão que não a clássica e que se afiguram como seus requisitos: (1) a mudança de pessoa natural ou jurídica titular da prestação do serviço; (2) a continuidade da prestação do serviço pelo novo titular; e (3) a continuidade da prestação do serviço pelo mesmo trabalhador.

Aliás, observa-se também que o TST já pacificou o entendimento de que a sucessão trabalhista no âmbito dos cartórios extrajudiciais configura-se na presença desses mesmos requisitos. Veja-se:

RECURSO DE REVISTA. SUCESSÃO TRABALHISTA. TABELIONATO. TRANSFERÊNCIA DA TITULARIDADE DO CARTÓRIO. CONTINUIDADE NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. UNICIDADE CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE EXTINÇÃO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO APÓS A SUCESSÃO. VERBAS RESCISÓRIAS INDEVIDAS. 1. O e. TRT verificou que, no caso, não há falar "que apenas o atual Tabelião seja responsável pelos créditos trabalhistas referentes aos contratos vigentes e também aos já extintos, uma vez que efetivamente ocorreu a sucessão e a autora foi mantida no quadro de empregados". A Corte de origem entendeu que "devem ser aplicadas as regras da sucessão de empregadores, até porque depreende-se do teor da lide que alguns empregados antigos do tabelionato foram mantidos", razão pela qual "ambos os réus devem arcar solidariamente com os efeitos pecuniários da condenação". Dito isso, o e. TRT manteve a condenação ao pagamento das verbas rescisórias, acrescendo, todavia, a responsabilidade solidária do tabelião sucessor. 2. Acerca do tema, o entendimento fixado por esta Corte é o de que a mudança de titularidade de cartório extrajudicial pode ocasionar a sucessão trabalhista, desde que haja continuidade na prestação de serviços em prol do titular sucessor, exatamente como ocorreu na hipótese dos autos. 3. Na espécie, porquanto reconhecida a sucessão dos empregadores, com a continuidade na prestação de serviços ao sucessor, a unicidade do contrato de trabalho impede, por ora, o reconhecimento do direito a verbas rescisórias . Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 3120820125120030, Relator: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 18/03/2015, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/03/2015) (negritos acrescidos).

Em tema de sucessão trabalhista, não é demais destacar que, por força dos arts. 10 e 448

da CLT, uma vez verificada a sua ocorrência, a unicidade dos contratos de trabalho impõe-se. Isso porque, do contrário, como se garantiria que os contratos de trabalho não fossem afetados e/ou que os direitos adquiridos pelos trabalhadores não fossem reduzidos ou suprimidos pelo novo empregador, após mudança de empresa em idêntica relação jurídica de trabalho?

Não à toa, a unicidade contratual traduz-se no reconhecimento de uma relação única de trabalho, ante a pluralidade de contratos de trabalho sucessivos. Portanto, no Direito do Trabalho, a consequência prática da caracterização da sucessão trabalhista é o reconhecimento de unicidade contratual.

Do exposto, percebe-se que o surgimento do instituto da concessão de serviços públicos no ordenamento jurídico brasileiro, imprimindo “um car|ter triangular” (T\CITO, 1975, p. 251) à relação de trabalho, provocou uma releitura da sucessão trabalhista, de modo que o instituto sucessório passou a contemplar essa nova situação, por conseguinte, verifica-se que, nesse tocante, encontra-se atualizado à realidade do mundo do trabalho contemporâneo.

Diante disso, resta, no tópico seguinte, confrontar a terceirização com a sucessão trabalhista, no intuito de verificar se o surgimento da terceirização no Direito do Trabalho, como uma nova modalidade de trabalho, provoca ou não um releitura do instituto sucessório.

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3 TERCEIRIZAÇÃO E SUCESSÃO TRABALHISTA NO BRASIL

Neste tópico, uma vez estudada a terceirização e a sucessão trabalhista no Brasil em apartado, objetiva-se confrontar ambos os institutos, no intuito de verificar se o surgimento da terceirização no Direito do Trabalho, como uma nova modalidade de trabalho, provoca ou não uma releitura do instituto sucessório.

Conforme visto anteriormente, a realidade do mundo do trabalho no Brasil hoje é mais complexa do que aquela de quando a CLT foi promulgada em 1943, haja vista, por exemplo, o surgimento das relações trilaterais de trabalho, como no âmbito das concessionárias de serviço público e da terceirização.

Quanto à sucessão trabalhista no âmbito das concessionárias de serviço público, verificou-se que o instituto celetista clássico, que conserva a redação original de seus dispositivos, foi relido à luz dessa nova modalidade de trabalho, para manter-se atualizado a esse fenômeno surgido no mundo do trabalho, fruto do capitalismo contemporâneo.

Dessa forma, ao caracterizar a sucessão trabalhista na concessão de serviço público, os requisitos tradicionais do instituto sucessório não foram aplicados rigorosamente, sendo adaptados e, até mesmo, dispensados, para contemplar essa nova situação.

Portanto, nesse tocante, com base na OJ 225 do TST, ficou claro que, na concessão de serviço público, a mudança de empresa prestadora de serviço público e a absorção dos trabalhadores pela nova concessionária contratada caracteriza verdadeira sucessão trabalhista. E, por consequência, os direitos dos trabalhadores decorrentes do contrato de trabalho anterior não podem ser afetados, já que o instituto sucessório na seara trabalhista implica necessariamente unicidade contratual.

Em outro giro, no estudo da terceirização, também foi visto que há a mudança de empresa prestadora de serviços com a absorção dos trabalhadores terceirizados pela nova prestadora contratada. Desse modo, a terceirização apresenta-se como uma situação similar à sucessão trabalhista no âmbito da concessão de serviço público, de maneira que, nessas circunstâncias, também deveria provocar uma releitura do instituto sucessório, bem como caracterizar-se como verdadeira sucessão trabalhista, em respeito ao princípio da isonomia. O quadro abaixo clarifica essa ideia. Observe-se:

CARACTERIZAÇÃO DE SUCESSÃO TRABALHISTA

SUCESSÃO TRABALHISTA ENTRE BANCOS

SUCESSÃO TRABALHISTA NA CONCESSÃO DE SERVIÇO

PÚBLICO

SUCESSÃO TRABALHISTA NA TERCEIRIZAÇÃO

Transferência da unicidade econômico-jurídica de um para outro titular: - alteração de estrutura jurídico-formal do ente empregador e/ou - mudança de proprietários

Mudança de empresa concessionária

Mudança de empresa terceirizada

Manutenção de exploração da mesma atividade econômica

Continuidade da prestação do serviço público pela nova concessionária contratada

Continuidade da prestação do serviço terceirizado pela nova prestadora contratada

Não importa se o contrato de trabalho continuou em curso ou não após a ocorrência da sucessão

Continuidade da prestação do serviço público pelo mesmo trabalhador

Continuidade da prestação do serviço terceirizado pelo mesmo trabalhador terceirizado

Existência de vínculo jurídico entre sucedido e sucessor

Dispensa a existência de vínculo jurídico entre sucedido e sucessor

Dispensa a existência de vínculo jurídico entre sucedido e sucessor

Fonte: Elaborada pela própria autora

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Em que pesem as considerações perfilhadas acima, ao realizar pesquisa bibliográfica e jurisprudencial em matéria de sucessão trabalhista, verificou-se que, apesar da similitude entre ambas as relações, às concessionárias de serviço público e à terceirização são conferidos tratamentos jurídicos diferenciados.

A título de exemplo, cita-se o julgado abaixo, no qual o TST não considerou a ocorrência de sucessão trabalhista entre as empresas terceirizadas, em razão da ausência de alteração na propriedade ou na estrutura jurídica da empregadora sucedida. Veja-se:

RECURSO DE REVISTA. EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS. LICITAÇÃO. SUCESSÃO TRABALHISTA. UNICIDADE CONTRATUAL. Os elementos de fato consignados pelo TRT de origem corroboram a conclusão daquela Corte de que, no caso dos autos, não houve alteração na propriedade ou na estrutura jurídica da primeira empregadora, que configurasse a sucessão trabalhista entre as empresas prestadoras de serviços. Apenas ocorreu o fim do contrato firmado pela primeira empregadora com o tomador dos serviços, por ter sido perdedora na licitação, com posterior contratação dos trabalhadores pela empresa vencedora. Essa situação, além de não encontrar óbice na legislação trabalhista, é vantajosa para os trabalhadores, que mantêm os seus postos de trabalho, não havendo como se reconhecer a ocorrência de fraude. Intactos os arts. 9.º, 10 e 448 da CLT. Recurso de revista de que não se conhece. TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS LÍCITA. ISONOMIA SALARIAL COM OS EMPREGADOS DO TOMADOR DOS SERVIÇOS. NÃO CABIMENTO . Esta Corte entende ser cabível a aplicação analógica do art. 12, a , da Lei nº 6.019, de 3.1.1974, em caso de contratação irregular de trabalhador por empresa interposta pela Administração Pública, desde que haja a igualdade de funções, conforme a Orientação Jurisprudencial 383 da SBDI-1 do TST. No caso dos autos, entretanto, o TRT afirma que não foi alegada a irregularidade na contratação por empresa interposta, e não foi reconhecida a igualdade de funções entre a reclamante (recepcionista) e os empregados do tomador dos serviços (aliás, a própria reclamante, em seu recurso de revista, admite a licitude da terceirização dos serviços, e que não desenvolvia atividades típicas dos bancários). Recurso de revista de que não se conhece. MULTA DO FGTS. REDUÇÃO POR NORMA COLETIVA. Os arts. 1.º, IV, e 170 da Constituição Federal e 18, § 1.º, da Lei n.º 8.036/90 nada dispõem sobre a questão suscitada pela recorrente (impossibilidade de redução da multa do FGTS por norma coletiva). Violação da lei e da Constituição Federal não configurada. Recurso de revista de que não se conhece. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MULTA. A alegação formulada pela reclamante quando da oposição de embargos de declaração (nulidade da cláusula que previu a redução da multa do FGTS para 20% por falta do -acordo tripartite- nela prevista) constituiu inovação. Desse modo, a conclusão do TRT acerca do caráter protelatório dos embargos de declaração não afrontou o art. 538 do CPC. Recurso de revista de que não se conhece. (TST - RR: 652006520075030012 65200-65.2007.5.03.0012, Relator: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 23/11/2011, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/12/2011) (negritos acrescidos).

Para deixar claro que o posicionamento majoritário do TST acerca desse assunto,

transcreve-se outro julgado, no qual a mais alta Corte Trabalhista decide no mesmo sentido, valendo-se dos mesmos argumentos do julgado anterior. Observe-se:

Precedente desta Turma, em situaç~o similar: “SUCESSÃO DE EMPREGADORES. SUCESSÃO. PROCESSO LICITATÓRIO. TRANSFERÊNCIA DO CONTRATO. A sucessão se define a partir da figura do empregador, a qual pode ser objeto de alterações e mudanças estruturais ou formais. Por falta de vínculo jurídico entre as empresas prestadoras de serviços, não há sucessão quando, após a rescisão do contrato civil de prestação de serviços entre a anterior empresa

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prestadora e a tomadora, nova empresa, mediante processo de licitação, passa a efetivar serviços para a empresa tomadora e efetua contratação de empregados da anterior empresa prestadora. Recurso de revista de que se conhece e a que se d| provimento.” (Processo: RR - 714400-08.2001.5.12.0026 Data de Julgamento: 23/04/2008, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, 5ª Turma, Data de Publicação: DJ 09/05/2008) (TST - RR: 652006520075030012 65200-65.2007.5.03.0012, Relator: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 23/11/2011, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/12/2011) (negritos acrescidos).

Constata-se, pois, que, de um lado, o descompasso histórico entre o surgimento da

terceirização e da sucessão trabalhista no Direito do Trabalho enseja uma atualização do instituto celetista clássico, uma vez que, como a terceirização é uma relação de trabalho triangular, ela traz uma nova arquitetura para o Direito do Trabalho, razão pela qual não nasce coesa com as instituições trabalhistas preexistentes, cuja efetividade prática, conforme estudado, ao menos no âmbito da sucessão trabalhista, necessita de uma releitura.

Por outro lado, essa releitura deve ser provocada pelo fato de a concessão de serviços públicos e a terceirização, nesse cenário, apresentarem-se como institutos jurídicos similares e receberem tratamento jurídico diferenciado, pela jurisprudência prevalecente no TST, ferindo, assim, o princípio da isonomia. CONCLUSÃO

Pelo estudo realizado neste artigo, é possível afirmar que o surgimento da terceirização

no Direito do Trabalho, como uma nova modalidade de trabalho, provoca uma releitura dos institutos trabalhistas previstos originalmente na CLT, em especial, no âmbito da sucessão trabalhista.

Entretanto, com base na jurisprudência prevalecente do TST, verificou-se que esse instituto celetista clássico atualizado a essa nova modalidade de trabalho ainda não encontra respaldo prático, tanto no mundo jurídico, quanto no mundo dos fatos.

Dessa forma, tem-se ignorado que, de um lado, a terceirização traz uma nova arquitetura para o Direito do Trabalho e que ela não nasce coesa com as instituições trabalhistas preexistentes; e, por outro lado, que há uma verdadeira contradição na seara trabalhista em tema de sucessão, visto que a concessão de serviços públicos e a terceirização preenchem os mesmos requisitos à configuração de sucessão trabalhista expressa na OJ 225 do TST, no entanto, o TST reconhece apenas a sucessão no âmbito das concessionárias de serviço público, conferindo, assim, tratamento jurídico diferenciado para situações análogas.

Frisa-se, por fim, que, como consequência disso, os trabalhadores terceirizados tem permanecido, durante anos, prestando serviços à mesma tomadora, sem gozarem férias e, ainda, terem o salário reduzido, após cada contratação sucessiva.

REFERÊNCIAS ALVES, Giovanni. Terceirização e neodesenvolvimentismo no Brasil. 2014. Disponível em: <https://blogdaboitempo.com.br/2014/08/11/terceirizacao-e-neodesenvolvimentismo-no-brasil/>. Acesso em: 15 out. 2016. ANTUNES, Ricardo; DRUCK, Graça. A Epidemia da Terceirização. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 79, p. 13-24, out.-dez. 2013. BIAVASCHI, Magda Barros; TEIXEIRA, Marilane Oliveira. A terceirização e seu dinâmico processo de regulamentação no Brasil: limites e possibilidades. Revista da ABET, Paraíba, v. 14, n. 1, p.37-61, janeiro./jun. 2015.

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BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. In: Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1º mai. 1943. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 15 out. 2016. ______. Lei nº 8.987 de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. In: Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 fev. 1995. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8987cons.htm>. Acesso em: 15 out. 2016. ______. Tribunal Superior do Trabalho. Orientação Jurisprudencial da SDI-1 nº 261. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/OJ_SDI_1/n_s1_261.htm#TEMA261>. Acesso em: 15 out. 2016. ______. Tribunal Superior do Trabalho. Orientação Jurisprudencial da SDI-1 nº 225. Disponível em: < http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/OJ_SDI_1/n_s1_221.htm#TEMA225>. Acesso em: 15 out. 2016. ______. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 256. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_251_300.html#SUM-256>. Acesso em: 15 out. 2016. ______. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 331. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_301_350.html#SUM-331>. Acesso em: 15 out. 2016. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015. COVIELLO, Nicola. Manuale di Diritto Civile Italiano: Parte Generale. 3. ed. Milano: Societa Editrice Libraria, 1924. MORAES FILHO, Evaristo de. Sucessão nas Obrigações e a Teoria da Empresa, vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 1960. TÁCITO, Caio. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1975. TERCEIRIZADO: um trabalhador brasileiro. Produção de Lola Filmes. Realização GPTC. 2014. (120 min.), son., color. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iu5Xhu82fzc. Acesso em: 15 out. 2016.

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AS COOPERATIVAS DE TRABALHO NO BRASIL: UMA ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO SOBRE A OCORRÊNCIA DE

FRAUDES EM COOPERATIVAS DE TRABALHO DA REGIÃO

LABOUR COOPERATIVES IN BRAZIL: AN ANALYSIS OF REGIONAL LABOUR COURT OF THE 15TH REGION JURISPRUDENCE ABOUT THE OCCURRENCE OF FRAUD IN LABOUR

COOPERATIVES IN THE REGION

Letícia Ferrão Zapolla* Maria Hemília Fonseca**

Jair Aparecido Cardoso***

RESUMO: O presente artigo procura analisar a ocorrência de fraudes em cooperativas de trabalho na jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Para isso, será adotada a abordagem dogmática do direito. O estudo dogmático utiliza-se, na maioria das vezes, da coleta e análise de um corpo da legislação ou de jurisprudência concernente ao tema. Desse modo, faz-se um panorama geral sobre as cooperativas de trabalho no Brasil, iniciando com o estudo da Economia Solidária e passando-se à discussão dos princípios informadores do cooperativismo, com destaque a alguns pontos da nova lei de cooperativas de trabalho (Lei nº 12.690/12). Por fim, passa-se ao estudo dos acórdãos do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, com base em palavras-chave (cooperativas de trabalho, Lei 12.690, fraude) previamente selecionadas, concluindo-se que a Lei nº 12.690/12 não vem inibindo a ocorrência de fraudes em cooperativas de trabalho, nesta região e se destacando a necessidade de maior fiscalização pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pelo Ministério Público do Trabalho. Palavras-chave: cooperativas de trabalho. economia solidária. fraude. Lei nº 12.690. ABSTRACT: This article aims to analyze the occurrence of fraud in labour cooperatives in the jurisprudence of the Regional Labour Court, 15th Region. For this, it will adopt the dogmatic approach of the law. Dogmatic study uses, most of the time, the collection and analysis of a body of law or jurisprudence regarding the subject. Thus, it is an overview of the work cooperatives in Brazil, starting with the study of the Solidarity Economy and passing to the discussion about cooperativism informes’ principles, highlighting a few points of the new work cooperatives law (Law No. 12,690 / 12). Finally, passing to the study of the judgments of the Regional Labour Court, 15th Region, based on keywords (labor unions, Law 12,690, fraud) previously selected, concluding that Law No. 12,690 / 12 does not come inhibiting the occurrence of fraud in work cooperatives in this region, highlighting the need for greater oversight by the Ministry of Labour and Employment and by Public Ministry of Labour. Keywords: labour cooperatives. solidarity economy. fraud. Law 12.690. SUMÁRIO: Introdução. 1 Economia solidária e economia social. 1.1 Cooperativismo como modelo alternativos ao modelo de trabalho subordinado. 2 Princípios informadores do cooperativismo.

* Mestranda em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto/USP. Advogada. Bacharela em Direito

pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto. E-mail: [email protected]. ** Professora de Graduação e Pós-Graduação da FDRP-USP. Professora visitante da Universidade de

Salamanca/ES. Pesquisadora visitante na Columbia Law School/EUA. Bacharel em Direito pela UFU. Mestre e Doutora em Direito das Relações Sociais, na sub-área de Direito do Trabalho pela PUC-SP. Doutorado Sanduíche na Universidade de Salamanca/ES. E-mail: [email protected].

*** Professor de Graduação e Pós-Graduação da FDRP-USP. Bacharel e Mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba-UNIMEP e doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP. Experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Individual, Coletivo e Processual do Trabalho. Autor de livros e artigos da área. E-mail: [email protected].

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3 A nova lei de cooperativas de trabalho. 4 A nova lei de cooperativas de trabalho e a ocorrência de fraudes: análise da jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

As cooperativas de trabalho, as quais se inserem no conceito de Economia Solidária, nada

mais são do que uma associação de trabalhadores que, diante de uma finalidade em comum, se unem para o exercício de atividades laborativas, visando melhores condições de trabalho. Dessa forma, configuram uma alternativa aos trabalhadores para que exerçam sua atividade sem que haja subordinação.

Para que sejam caracterizadas como cooperativas de trabalho, assim, estas devem estar sujeitas aos princípios informadores do cooperativismo, dentre os quais citam-se o princípio da dupla qualidade e da retribuição pessoal diferenciada, que nada mais são do que um reforço à tutela do trabalhador cooperado.

Visando à maior tutela do trabalhador cooperado, nesse sentido, a Lei nº 12.690/12 foi editada para suprir lacunas no ordenamento jurídico, respondendo, assim aos anseios doutrinários que reclamavam por uma maior proteção a este tipo de trabalhador.

Dentro desse contexto, o artigo procura analisar a jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho para verificar se a Lei nº 12.651/12 vem sendo suficiente para inibir a ocorrência de fraudes em cooperativas de trabalho na região e no período de tempo estudados.

Para a realização da pesquisa, foi feita uma investigação dogmática, a qual se utiliza da coleta e análise de um corpo de legislação e jurisprudência concernente ao tema. Segundo Ariza (2006, p.160-161), apesar de não ser isenta de críticas, a dogmática jurídica pode contribuir na reconstrução e melhoria do direito, facilitando sua aplicação numa melhor vertente, quando vai além da ordenação e sistematização do direito. Preocupa-se, assim, em saber se este cumpre ou não seus objetivos, como ele deve ser aplicado e interpretado.

Para isso, o artigo traça um panorama geral sobre as cooperativas do trabalho, abordando o estudo sobre Economia Solidária e cooperativismo, em seu primeiro capítulo. No segundo capítulo serão analisados os princípios informadores do cooperativismo e no terceiro capítulo, serão estudadas as principais inovações trazidas pela Lei nº 12.690/12.

No quarto e último capítulo, o artigo analisará acórdãos proferidos em Recursos Ordinários pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, o qual foi escolhido por abranger Ribeirão Preto e região, visando, com isso, verificar a ocorrência de fraudes nas relações de trabalho envolvendo cooperativas de trabalho, na vigência da Lei nº 12.690/12.

1 ECONOMIA SOLIDÁRIA E ECONOMIA SOCIAL

Os conceitos de Economia Social e Economia Solidária não são uniformes. Nesse

sentido, expõe a doutrina:

(...) enquanto alguns pesquisadores entendem que a economia solidária seria um complemento da ação da economia social, outros vêem-na como um retorno à autenticidade da ação solidária, uma vez que as grandes organizações da economia social teriam perdido alguns de seus elementos essenciais e sucumbido às leis da economia capitalista. Para Wautier, a economia solidária apresenta um caráter político, pois se articula em torno de quatro eixos: o comércio equitativo, as finanças solidárias, o intercâmbio não-monetário e as iniciativas locais. (OLIVEIRA, 2005, p. 80).

O termo Economia Social teve sua origem na Europa, sendo, assim, um movimento

tipicamente europeu. Além deste, o termo também teve seu desenvolvimento no Canadá, em sua parte francesa, sendo utilizado para designar uma alternativa ao modelo capitalista de produção.

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Ressalta-se que Economia Social não se confunde com Economia Social de Mercado, pois esta teve sua origem na Alemanha, após a Segunda Guerra Mundial, visando à solução dos problemas econômicos e políticos por ela gerados (OLIVEIRA, 2005, p. 72).

O termo Economia Solidária, por sua vez, teve origem latino-americana, existindo dois modelos de desenvolvimento cooperativo: um deles com desenvolvimento na Argentina, Uruguai, Chile e sul do Brasil, por influência dos imigrantes europeus e o outro com desenvolvimento nos países andinos, América Central, Caribe e Brasil, por iniciativa não governamental, representada pela igreja e por organizações não governamentais. (OLIVEIRA, 2005, p. 92)

Assim, não há consenso sobre qual o melhor termo a ser utilizado para designar a forma de associação de pessoas para o trabalho, que se unem para o exercício de atividades por meio de modelos democráticos de gestão e produção. Em tal trabalho, todavia, optou-se pela utilização do termo Economia Solidária, tendo em vista seu desenvolvimento histórico ter se dado na América-Latina, região em que o Brasil está inserido.

A Economia Solidária não se resume ao cooperativismo, já que existem outras formas de organização, como a associação civil, que se insere naquele conceito. O cooperativismo, todavia, é a sua principal forma, “pois tem fundamentos éticos de organizaç~o e uma tradiç~o histórica” (SINGER, 2002, p. 37), o qual ser| a seguir estudado.

1.1 Cooperativismo como modelo alternativo ao modelo de trabalho subordinado

Tanto as cooperativas como as associações estão inseridas do contexto de Economia

Solidária e surgiram, na maior parte do mundo, como alternativa ao modelo capitalista de trabalho e produção – aqui entendido como aquele em que há a presença de subordinação -, tendo em vista se basearem em princípios democráticos e de solidariedade, oferecendo, dessa forma, maior autonomia ao trabalhador.

No Brasil, todavia, ao contrário do que se deu na Europa, as cooperativas surgem de “cima para baixo”, implantado pelas elites agr|rias como forma de política social e intervenç~o estatal, o que vai contra os próprios preceitos cooperativistas de gestão democrática. O Estado, destarte, exercia influência e controle sobre as cooperativas, o que só deixou de existir com a Constituição Federal de 1988.

Rossi (2011, p. 70) defende o cooperativismo como forma alternativa econômica com poder emancipatório, pelo fato de estar fundada em princípios como da igualdade e democracia. Ademais, a ideia de solidariedade e posse coletiva dos meios de produção levam à consecução de resultados mais justos do que aqueles embasados na economia neoliberal.

A organização em cooperativas de trabalho, nesse sentido, pode ser vista como positiva para os trabalhadores. Isso porque, ao contrário do que ocorre em contratos de emprego, em que está presente a subordinação, nas cooperativas de trabalho a subordinação não ocorre e os trabalhadores têm maior liberdade para gerir seu tempo e espaço, o que lhes confere maior autonomia.

Tal entendimento, contudo, não é unânime na doutrina. Apesar de considerada uma alternativa ao modelo capitalista de produção, alguns autores defendem que a autonomia daqueles que trabalham em cooperativas é relativa. Isso porque, em que pese a organização se dar pelos próprios associados, estes dependem de um terceiro que compre o produto ou serviço que é oferecido, causando, em verdade, uma dependência em relação ao comprador. (BIERBECK apud MEDEIROS, 2006, p. 65)

Ademais, apesar da contraposição com o trabalho subordinado ser vista como positiva por alguns, a reunião em associações e cooperativas de trabalho é tida por outros como uma flexibilização da relação contratual de trabalho, pelo fato da ausência de alguns direitos e garantias, o que é visto, na verdade, como uma aproximação do modo capitalista de produção. (PICCINI e ANTUNES apud MEDEIROS, 2006, p. 64).

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Importante destacar, porém, que a Lei nº 12.690/12 trouxe relevantes conquistas aos cooperativados no que tange aos direitos trabalhistas, dentre os quais podem-se citar o repouso semanal remunerado, adicional para atividades insalubres ou perigosas, seguro de acidente de trabalho, dentre outros, o que pode ser observado no art. 7º de referida lei.

Outro aspecto a ser considerado é o desafio de conciliar o cooperativismo, que pressupõe igualdade e solidariedade, com a livre concorrência, a qual é lastreada nos princípios do mercado. Desse modo, os cooperados necessitam de instrumentos legais, econômicos, institucionais, para que realizem seus trabalhos em condições que lhes sejam favoráveis, para que não haja exploração e para que recebam valores condizentes com o trabalho realizado.

Em que pese a existência de críticas quanto à realização do trabalho em cooperativas, o entendimento adotado se dá no sentido de que a organização em forma de cooperativas pode ser uma alternativa posta à disposição de trabalhadores para exercerem seu mister sem que haja subordinação, mas coordenação.

Isso porque, o trabalho em cooperativas, desde que exercido de forma legal, proporciona aos cooperativados melhores condições de trabalho (art. 2º, da Lei nº 12.690/12), melhores remunerações (princípio da retribuição pessoal diferenciada), autonomia na gestão do tempo, maior participação na gestão (art. 3º, da Lei nº 12.960), dentre outras vantagens.

Além disso, não pode deixar de se reconhecer que o cooperativismo é elevado à categoria constitucional privilegiada, gozando de tratamento diferenciado e incentivado coo alternativa de organização com potencial de efetivação do valor social do trabalho, em que a justiça possa realizar-se de forma mais eficaz (ROSSI, 2011, p. 135-136).

Destaca-se, ademais, que a atuação do Poder Público é essencial para a consolidação das cooperativas de trabalho e sua organização. (SINGER, 2002, p. 10). Ressalta-se que não se está a defender a ingerência do Estado nas cooperativas de trabalho, já que estas têm como característica fundamental a autogestão, mas sim a efetiva fiscalização por parte do Estado, visando, principalmente, tutelar os direitos garantidos aos cooperados.

Nada impede, portanto, a conciliação entre a atuação do Estado como fiscalizador e a aplicação dos princípios cooperativistas, sobre os quais se passa a expor.

2 PRINCÍPIOS INFORMADORES DO COOPERATIVISMO

Ante o acima exposto, passa-se à análise dos princípios informadores do

cooperativismo, tendo em vista inspirarem o modo de produção cooperativista. Além disso, a ausência de tais princípios na relação cooperativista faz com que esteja presente a relação de emprego, com a consequente aplicação da Consolidação das Leis do Trabalho.

O primeiro momento de elaboração de princípios cooperativistas se deu em 1844, na Inglaterra. Foram os princípios estabelecidos em Rochdale, influenciados pela doutrina pré-cooperativa formulada por Owen, em 1828 (ROSSI, 2011, p. 36). Após esta data, a Aliança Cooperativa Internacional, criada em 1892, estabeleceu em 1937, em Paris, os princípios relativos às cooperativas.

No Brasil, o Decreto nº 22.239 de 1932, foi o primeiro a positivar os princípios cooperativistas, os quais se basearam naqueles estabelecidos em Rochdale. (SILVA, 2005, p. 59).

A Lei nº 5.794 de 1971, por sua vez, traz ao longo de seu texto, valores essenciais para a existência da sociedade cooperativa. Porém, são os artigos 3º e 4º de referida lei que apresentam os princípios fundamentais que regem a cooperativa, “os quais est~o baseados na obrigaç~o assumida pelos sócios de contribuírem com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, na ajuda mútua entre eles e no proveito comum dos resultados do seu trabalho”. (MAUAD, 2001, p. 45).

Apesar dos avanços trazidos pela Lei nº 5.794, foi apenas com a Constituição Federal de 1988 que se garantiu às cooperativas maior liberdade e autonomia, pois obstou-se a ingerência do Estado em sua criação. Existem, assim, princípios cooperativistas que se encontram positivados na Constituição pátria.

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Destarte, o art. 5º, XVII e XVIII da Constituição Federal, que se consubstancia em cláusula pétrea, garantiu a associação de forma livre e autônoma. Isso, contudo, não faz com que as cooperativas estejam isentas de fiscalização pelo Estado, o que, inclusive, é salutar que ocorra, como um modo de se evitarem cooperativas fraudulentas. (MEINEM, 2002, p. 33)

Além disso, podem-se citar os princípios da democracia, solidariedade, justiça social e equidade, que decorrem do preceito constitucional e estão intimamente relacionados com os princípios cooperativistas.

Quanto às cooperativas de trabalho, além de se aplicarem os princípios constitucionais e da Lei nº 5.794/71, devem ser aplicados o princípio da dupla qualidade que “informa que a pessoa filiada tem de ser, ao mesmo tempo, em sua cooperativa, cooperado e cliente, auferindo vantagens dessa duplicidade de situações” (DELGADO, 2014, p. 342). Tal princípio est| disposto no art. 7º, da Lei nº 5.764/71.

Outro princípio que rege as cooperativas de trabalho é o da retribuição pessoal diferenciada que teve surgimento jurisprudencial, em 19961, sendo “a diretriz jurídica que assegura ao cooperado um complexo de vantagens comparativas de natureza diversa muito superior ao patamar que obteria caso atuando destituído da proteç~o cooperativista”. (DELGADO, 2014, p. 343)

Além desses, podem-se citar os princípios cooperativistas que estão previstos na Recomendação nº 193 da OIT, de 2002, adotada pelo Brasil, os quais foram elaborados com base no movimento cooperativo internacional (OIT, s.d.).

O último diploma normativo a trazer princípios cooperativistas, mais especificamente sobre Cooperativas de Trabalho, é a Lei nº 12.690/12, em seu artigo 3º, dentre os quais, citam-se a adesão voluntária, gestão democrática, não precarização do trabalho, autonomia e independência.

Os princípios expostos – especialmente da dupla qualidade e da retribuição pessoal diferenciada – são caracterizadores do trabalho cooperativo e são verdadeiras garantias postas à disposição dos cooperados para o exercício de seu mister. A ausência deles, desse modo, torna a relação de trabalho fraudulenta, o que, com amparo no princípio da primazia da realidade (art. 9º, CLT), faz com que se configure relação de emprego.

3 A NOVA LEI DE COOPERATIVAS DE TRABALHO (LEI 12.690/12)

Antes de se adentrar no estudo dos principais dispositivos da Lei nº 12.690/12, mister

destacar que a Lei nº 5.764/71 e o Código Civil continuam a reger o tema em estudo, sendo aplicados no que não contrariarem o estabelecido na Lei nº 12.690/12.

A necessidade de uma nova lei que disciplinasse a cooperativa de trabalho era vista como essencial para a garantia de direitos aos cooperativados, os quais não se encontravam positivados na Lei nº 5.764/71. Nesse sentido, Silva (2005, p. 89) ao dispor sobre como evitar abusos e fraudes em cooperativas, já citava sobre referida necessidade:

A pergunta que se faz aqui é: Como evitar tais abusos? O próprio legislador pode avançar nessa questão, estendendo aos cooperados os direitos constitucionalmente garantidos aos empregados, os quais poderiam agregar-se a outros que constassem dos estatutos sociais das cooperativas ditas de trabalho (...) enfim, os benefícios poderiam ir até além daqueles estipulados para os empregados, pois na cooperativa o trabalho não seria tido como

1 “As primeiras referências surgiram em sentenças judiciais prolatadas em setembro de 1996, pela antiga 1ª JCJ de Belo Horizonte, (...) (processo n. 01876/95, referente à ação trabalhista proposta por Luciene Lazarino contra Cooperativa Mineira de Vigilância e Segurança e Serviços Gerais Ltda – COOPSEGSERVS – e Município de Belo Horizonte e processo n. 01090/96, referente à ação trabalhista proposta por Vilma Aparecida Camara Souza Jardim contra a mesma COOPSEGSERVS)”. (DELGADO, 2014, p. 343).

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mercadoria, e o elemento central seria o trabalhador, não enquanto vendedor de sua força de trabalho, mas enquanto “ser humano”.

A Lei nº 12.690/12 veio, então, para suprir algumas das deficiências da lei nº 5.764/71. De forma resumida, a Lei nº 12.690/12 dispõe, em seu art. 4º, sobre os tipos de

cooperativas de trabalho, as quais podem ser de produção e de serviço. Ademais, em seu art. 7º, a lei traz importantes conquistas aos cooperativados ao dispor

sobre os seus direitos mínimos, dentre os quais citam-se jornada de trabalho de 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) semanais, descanso semanal remunerado e seguro acidente do trabalho. Além dos direitos expostos na lei, esta não exclui outros que a Assembleia Geral possa dispor.

O art. 8º da Lei nº 12.690/12, por sua vez, estabelece que a as cooperativas devem observar as normas de segurança e saúde e atos normativos expedidos pelas autoridades competentes, sendo que o contratante da cooperativa responde solidariamente pelo descumprimento de tais regras quando os serviços forem prestados em seu estabelecimento ou em local por ele determinado (art. 9º).

Conforme previsto no art. 626 da CLT, cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego a fiscalização do cumprimento das leis trabalhistas àqueles que possuem o contrato de trabalho regido pela CLT. No mesmo sentido, a Lei nº 12.690/12 dispõe, em seu art. 17, que cabe ao referido Ministério a fiscalização do cumprimento do disposto na Lei.

Observa-se que, além da obrigatória fiscalização exercida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério Público do Trabalho é órgão autorizado a fiscalizar e propor ação civil pública para coibir a ocorrência de fraudes em cooperativas de trabalho.

A Lei nº 12.690/12 também foi responsável pela instituição do PRONACOOP (Programa Nacional de Apoio ao Associativismo e Cooperativismo Social), com a finalidade de promover o desenvolvimento e melhoria no desempenho econômico e social da Cooperativa de Trabalho.

Em suas disposições finais, a Lei nº 12.690/12 institui a Relação Anual de Informações das Cooperativas de Trabalho - RAICT, a ser preenchida anualmente pelas cooperativas de trabalho com informações relativas ao ano-base anterior, a qual é baseada na Relação Anual de Relações Sociais – RAIS, do MTE.

A RAICT visa contornar a falta de informações do governo no que diz respeito ao quadro social das cooperativas – “tendo em vista a variabilidade derivada do princípio da ‘ades~o livre e volunt|ria’ – impulsionar o planejamento e execução de políticas públicas e o controle e monitoramento do cooperativismo de trabalho”. (PEREIRA; SILVA, 2012, p. 68-69)

Importante destacar que houve veto da Presidenta da República quanto à revogação do parágrafo único do art. 442 da CLT, nos termos expostos na Lei nº 12.690/12, contrariando o texto expresso em seu preâmbulo. Nesse sentido, continua a não existir relação de emprego entre cooperativas e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviço daquelas.

Embora referida lei tenha trazidos importantes conquistas aos cooperativados, sua edição não foi suficiente para impedir a ocorrência de fraudes na região e período estudados, conforme jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.

4 A NOVA LEI DE COOPERATIVAS DE TRABALHO E A OCORRÊNCIA DE FRAUDES: ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO

Não se nega a importância da legislação para a garantia de direitos ao trabalhador

cooperativado. Contudo, visando verificar se, de fato, as mudanças legislativas obstaram a ocorrência de fraudes, serão analisadas decisões do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região sobre o tema.

Para a obtenção dos acórdãos, adotou-se o seguinte procedimento: foi acessado o site do TRT15, no serviço “jurisprudência”, “decisões”. A consulta foi realizada com base nas seguintes

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“palavras-chave”: cooperativas de trabalho Lei 12.690 fraude, nesta ordem, sem vírgulas ou aspas, com ano do processo de 2013 (data escolhida em razão da publicação da lei ter se dado em 19 de julho de 2012) a 2016 (data em que a pesquisa foi finalizada)2, obtendo-se, com isso, o total de 11 acórdãos, mais especificamente Recursos Ordinários. São eles:

Acórdão nº Turma/Câmara Data de publicação

0010589-52.2013.5.15.0099 6ª Turma/11ª Câmara 26/03/2015

0011851-45.2014.5.15.0085 4ª Turma/8ª Câmara 20/08/2015

0010329-80.2014.5.15.0085 4ª Turma/7ª Câmara 10/02/2015

0011294-58.2014.5.15.0085 4ª Turma/8ª Câmara 10/06/2015

0010007-67.2014.5.15.0115 5ª Turma/9ª Câmara 10/08/2014

0011904-26.2014.5.15.0085 4ª Turma/7ª Câmara 09/09/2015

0010201-55.2014.5.15.0119 1ª Turma/ 2ª Câmara 13/05/2015

0010289-35.2013.5.15.0085 4ª Turma/8ª Câmara 07/07/2014

0010077-10.2014.5.15.0075 5ª Turma/10ª Câmara 10/09/2015

0002383-21.2013.5.15.0076 3ª Turma/6ª Câmara 08/08/2014

0001027-61.2013.5.15.0085 4ª Turma/8ª Câmara 24/04/2015

Fonte: elaboração própria

Das onze decisões encontradas, uma delas foi descartada, tendo em vista o fato de que,

em verdade, não se tratava de cooperativa, mas sim de associação de trabalho, ou seja, não houve a aplicação da Lei nº 12.690/12 ao caso (Processo nº 0010077-10.2014.5.15.0075).

Com a análise dos dez acórdãos em questão, observou-se que em apenas uma decisão n~o ficou comprovada a ocorrência de fraude, tendo em vista sob a argumentaç~o de que “n~o restaram demonstrados os requisitos que configuram vínculo de emprego, tampouco a ocorrência de fraude na relaç~o havida entre as partes”, aplicando-se, por conseguinte, o art. 442, em seu parágrafo único ao caso (Processo nº 0002383-21.2013.5.15.0076).

No processo de nº 0010007-67.2014.5.15.0115, houve o conhecimento da competência da Justiça do Trabalho para julgar a causa, com a citação dos princípios cooperativistas, em especial da dupla qualidade e retribuição pessoal diferenciada.

Quanto às demais decisões (oito), a fraude foi configurada, com o consequente reconhecimento de vínculo empregatício, constatando-se que em seis delas se tratava de intermediação de mão de obra realizada por cooperativa de trabalho fraudulenta, com a caracterização da relação de emprego entre empregado e tomadora de serviços, nos termos da Súmula 331, I, do Tribunal Superior do Trabalho.

Os principais argumentos utilizados nas decisões foram: a) o impedimento de utilização de cooperativas para intermediação de mão de obra

(encontrado em oito das nove decisões estudadas), o que corresponde ao art. 5º da Lei nº 12.690/12;

2 Nota-se que a pesquisa foi finalizada no mês de março de 2016.

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b) formação do vínculo diretamente com o tomador de serviços em razão de intermediação ilegal, com a aplicação da Súmula nº 331, I, do Tribunal Superior do Trabalho em oito de nove decisões;

c) aplicação do art. 4º, da Lei 5.764/71 e art. 3º, da Lei 12.690/12 em cinco decisões, o que consubstancia, em ambos os casos, a aplicação dos princípios cooperativistas.

d) por fim, destaca-se a aplicação do art. 9º da CLT – princípio da primazia da realidade – em cinco das nove decisões analisadas.

Nesse sentido, observa-se a tabela que demonstra a frequência de argumentos utilizados nos acórdãos:

Impedimento de utilização de

cooperativas para

intermediação de mão de obra

Súmula nº 331, I, do Tribunal

Superior do Trabalho

Art. 4º, da Lei 5.764/71

Art. 4º, da Lei 5.764/71

Art. 9º da CLT

0010589-52.2013.5.15.0099 X X X X

0011851-45.2014.5.15.0085 X X X X X

0010329-80.2014.5.15.0085 X X X X

0011294-58.2014.5.15.0085 X X X X X

0011904-26.2014.5.15.0085 X X X X

0010201-55.2014.5.15.0119 X X X

0010289-35.2013.5.15.0085 X X X

0001027-61.2013.5.15.0085 X X X

Fonte: elaboração própria

Pela leitura da Tabela acima, verifica-se a importância da presença dos princípios

cooperativistas para o afastamento da relação fraudulenta, o que corrobora o entendimento de Silva (2005, p. 97-98) no sentido de que se a cooperativa segue os princípios cooperativistas, haverá melhora do serviço oferecido, aumento da renda dos trabalhadores e eliminação da figura do intermediário, o que não ocorreu nos casos estudados.

Ou seja, o advento da Lei nº 12.690/12, com base na amostra estudada, não fez com que se evitassem fraudes na relação de trabalho envolvendo cooperativas de trabalho, sendo acertadas as decisões encontradas no sentido de se afastar o parágrafo único do art. 442, da CLT, quando verificada a existência da relação de emprego.

A análise da jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho, desse modo, permite concluir que, nos casos estudados, as falsas cooperativas se transformaram em uma forma de precarização do trabalho, nos termos do exposto por Singer (2002, p. 37):

Por outro lado, há inúmeros casos de degenerescência, em que as cooperativas ou se tornaram de poucos donos e muitos empregados, como numa empresa capitalista qualquer, ou se converteram numa forma de precarização do trabalho do grupo de “cooperados”, contratado por um empregador que quer se livrar dos encargos trabalhista.

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Dessa forma, necessário que haja maior atuação do Ministério do Trabalho e Emprego na fiscalização de cooperativas de trabalho, nos termos do art. 17, da Lei nº 12.690/12, e do Ministério Público do Trabalho, por meio da propositura de ações civis públicas, visando, com isso, coibir a ocorrência de fraudes trabalhistas e garantir, de fato, o cumprimento da legislação em vigor no país. CONCLUSÃO

Ante o exposto, por meio do estudo dogmático, o artigo analisou que as cooperativas de

trabalho se enquadram em um título maior, qual seja, a Economia Solidária, termo que foi adotado pelo trabalho em razão de seu desenvolvimento ter se dado na América Latina, sendo que na Europa, a expressão mais comum é Economia Social. Isso significa que a adoção de um ou de outro representa o contexto histórico-geográfico analisado.

Além disso, o trabalho analisou se a organização em forma de cooperativas (ou as organizações sob a forma de Economia Solidária, de modo mais amplo) pode ser vista como uma alternativa ao modelo capitalista de produção, caracterizado pela subordinação, adotando-se o entendimento que, apesar de não ser isenta de críticas, a associação em cooperativas é uma alternativa posta à disposição de trabalhadores para que exerçam seu mister com coordenação, trazendo benefícios aos cooperativados.

Isso porque, o trabalho em cooperativas, desde que exercido de forma legal, proporciona aos cooperativados melhores condições de trabalho (art. 2º, da Lei nº 12.690/12).

Feito isso, foram identificados os princípios cooperativistas, os quais são verdadeiras garantias postas à disposição dos trabalhadores cooperativados. Assim, caso não configurados tais princípios, haverá a caracterização da relação de emprego, conforme preceitua o art. 9º da CLT, com o afastamento do parágrafo único do art. 442, da CLT.

Quanto à nova lei de cooperativas de trabalho (Lei nº 12.690/12), anotou-se que surgiu para suprir deficiências da lei anterior, trazendo importantes conquistas aos cooperativados.

Por fim, quanto aos acórdãos do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, constatou-se a ocorrência de fraudes em oito de nove decisões analisadas, concluindo-se que a Lei nº 12.651/12 não foi suficiente para obstar a ocorrência de fraudes nas relações cooperativistas na região e no período estudados.

Daí a necessidade de maior atuação do Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério Público do Trabalho na fiscalização das cooperativas de trabalho.

REFERÊNCIAS

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FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS NO CONTEXTO DA QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

FLEXIBILITY OF LABOR STANDARDS IN THE CONTEXT OF THE FOURTH INDUSTRIAL

REVOLUTION

Marcelo Braghini*

RESUMO: O contexto econômico internacional após a queda do muro de Berlim denota inexoravelmente a supremacia da doutrina neoliberal fundada nas diretrizes do consenso de Washington, exigindo uma reestruturação do modelo justrabalhista brasileiro de viés corporativo diante da ampliação da tese da flexibilização, sem que venha ocorrer à completa desarticulação do direito do trabalho, não obstante a realidade crescente do mercado informal do trabalho, em especial pela crise do conceito de subordinação, variando nos seus aspectos subjetivos e objetivos, entre a teoria clássica e a contextualização contemporânea da relação de trabalho, observado especialmente a partir das relações de trabalho parassubordinadas, não captadas pelas normas de enquadramento dos artigos 2º e 3º da CLT, que em plena concepção e vivência do Welfare State nos países Ocidentais estaria representada pela expressão MacJobs, produto acabado da divisão do trabalho proposta por Adam Smith no transcorrer do liberalismo, sem passarmos ao largo do debate a respeito do desemprego estrutural vivenciado pelas inovações tecnológicas da 4ª Revolução Industrial, tema discutido no 46º Fórum Econômico Mundial, realizado 2016 em Davos na Suíça, que poderia ser sintetizado através do modelo de negócio desenvolvido pela Uber. Inegável a necessidade da readequação do direito do trabalho, reacendendo a discussão em um contexto de crise econômica com a prevalência do negociado sobre o legislado, como proposta do STF através do precedente RE 590.415 SC, sem enfrentar o debate a respeito da remodelação institucional do modelo Sindical, a revolução das estruturas sociais expõe ao protagonismo novos atores sociais, sem perdermos de vista a hipertrofia legislativa do Direito do Trabalho centrada no paternalista do Estado Novo de 1930. Neste sentido, estamos por reconhecer o triunfo da socialidade sobre o socialismo, pregando a partir da eficácia horizontal dos direitos fundamentais a existência de um conteúdo mínimo capaz de franquear ao trabalhador o almejado patamar civilizatório mínimo amplamente difundido no mundo Ocidental, bases teóricas à concretização dos ideais do art. 170 da CF, que permita o desenvolvimento econômico do modelo flexível, descentralizado e horizontal Toyotista, sem que o mesmo venha a representar um entrave ao desenvolvimento social, eis que a doutrina social da Igreja Católica (Encíclica Rerum Novarum, 1891) permite a reconciliação entre capital e trabalho, sob pena do esgarçamento da tessitura do tecido social. Palavras-chave: flexibilização. 4ª Revolução Industrial. crise da subordinação. ABSTRACT: The international economic environment after the fall of the Berlin Wall inexorably denotes the supremacy of neoliberal doctrine founded on the Washington consensus guidelines, requiring a restructuring of corporate bias of Brazilian justrabalhista model before expanding the thesis of flexibility, without will occur to complete disarticulation of the labor law, despite the growing reality of the informal labor market, in particular the concept of subordination crisis, ranging from subjective spectra and objective of the classical theory to the contemporary context of the relationship, observed especially from labor relations parassubordinadas not captured by the normativity of positivism, which in full view of the welfare state would be represented by MacJobs, finished product of the division of Adam Smith's work, without going off the about structural unemployment debate experienced by technological innovations of the 4th Industrial Revolution, theme discussed at the 46th World Economic Forum held in Davos in

* Mestre em Direito. Professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho da Unaerp. E-mail:

[email protected]

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Switzerland in 2016, which could be synthesized through the business model developed by Uber. Undeniable the need for reformulation of positivation work represented by CLT, however, the object of protection represented by the employment relationship may not meet the needs of workers in general, a legislative vacuum that must be filled, and at the same time, any expansion of negotiated over the legislated intended by the Supreme court through the previous RE 590 415 SC should be discussed from the perspective of an institutional renewal of the Trade Union model as an intermediary body between the State and civil society, to Alain Touraine is the synthesis of the revolution of the founding social structures to require new social actors, without losing sight of the legislative hypertrophy Law heteronomous source of work, finished the ideal formula patronizing the new State 1930. in this sense, we are to recognize the triumph of sociality on socialism, synthesized in the text the Civil Code of 2002 and the horizontal effect of fundamental rights, such as minimum content capable of franking the employee a minimum civilizing level widely accepted in the Western world, theoretical basis to achieve the ideals of art. 170 of the Constitution, which allows the economic development of flexible model Toyotist without that it will represent an obstacle to social development, behold, the social doctrine of the Catholic Church (Encyclical Rerum Novarum, 1891) allows the reconciliation between capital and labor, otherwise the fraying of the fabric of the social fabric. Keywords: Flexibilization; 4th Industrial Revolution and Crisis of the Subordination. SUMÁRIO: Introdução. 1 Funções do Direito do Trabalho. 2 Tendências atuais do Direito Do Trabalho. 2.1 O modelo de negócio da Uber e a 4ª Revolução Industrial. 3 Flexibilização do Direito do Trabalho. 3.1 2ª Revolução Industrial. 3.2 Neoliberalismo na ótica trabalhista. 3.3 O papel dos sindicatos na sociedade da informação. 3.4 Flexibilização das normas trabalhistas. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

A contextualização atual do direito do trabalho passa exigir novas soluções para uma

regulamentação mais eficiente da relação de poder estabelecida entre capital e trabalho, em especial pela crescente e inexorável informalidade do mercado do trabalho, estando atônitos corpos intermediários entre o Estado e a sociedade civil, responsáveis pela indução das normas jurídicas de regulamentação do trabalho, a exemplo dos Sindicatos, por não haver articulação institucional suficiente a evitar os níveis de ocupação que decorrem do desemprego estrutural, sem deixar de considerar um movimento tecnológico sem precedentes com reflexos profundos nas estruturas econômicas já tradicionais, modelos de negócios que tradicionalmente sempre empregaram grandes contingentes de trabalhadores, e que passam a estar com os dias contados.

No plano político, com o fim da Guerra Fria não há mais a polarização ideológica entre o socialismo e o capitalismo, e uma tendência neoliberal pode ser notada a partir dos reincidentes desequilíbrios orçamentários provocados pelo Welfare State, ganhando força a tentativa de desarticulação do direito do trabalho por meio da tese da desregulamentação do Estado do bem-estar social, havendo a necessidade de um Estado suficiente forte para fazer prevalecer os direitos mínimos de proteção do trabalho, atrelados a fundamentalidade principiológica e valorativa construído ao entorno da dignidade da pessoa humana.

Com o sepultamente da tese socialista, e como corolário direto da função social da propriedade, há o triunfo da socialidade, prevalência do interesses sociais da coletividade sobre aqueles meramente individuais, possibilitando, dentro de alguns limites, a ampliação do espaço da negociação coletiva no sentido da privatização do direito do trabalho, passando a exigir uma conduta ética no ambiente corporativo, que perpassa pela teoria dos Stakeholders alinhada com maior responsabilidade social das empresas quanto ao equilíbrio da relação de trabalho, apresentando novas diretrizes, que rompem com a tendência paternalista decorrente da hipertrofia da legislação Estatal de proteção social do trabalhador, permitindo a maior aproximação ao modelo de regulamentação justrabalhista autônomo.

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É inegável que o maior espaço à negociação coletiva permite que os próprios atores sociais passem a ser os protagonistas na gestão da norma jurídica hábil a regulamentação das relações laborais, orientadas pelo princípio da adequação setorial negociada, uma normatividade que evita as distorções e inconsistências de uma legislação geral incompatível com dinâmica própria de cada atividade econômica, atualizando uma legislação pensada a partir da 1ª Revolução Industrial, uma sociedade industrial dissociada do florescimento da prestação do serviço e da inovação tecnológica, pilares essenciais de uma suposta sociedade da informação.

Modernas concepções do direito empresarial permitem que a empresa, célula econômica de sustentação social, e dissociada do personalismo da figura jurídica do empresário, passe a receber uma proteção especial do ordenamento jurídico através do regime especial da recuperação judicial, que prescreve no art. 47 da Lei nº 11.101/05 o princípio da preservação da empresa, que em certa medida reafirma a necessidade da coordenação dos interesses convergentes entre capital e trabalho, captando a essência da reforma do Código Civil de 2.002, alinhado aos preceitos da: eticidade, socialidade e operabilidade.

Em nossa ótica, uma a reforma trabalhista consistente deve reafirmar os valores essenciais do caput do art. 170 da CF/88, preservando na ordem econômica as dimensões do capitalismo idealizado no contexto de Estado Social, no sentido de que a ação interventiva do Estado na seara da livre iniciativa deve ir até o ponto de resguardar as condições mínimas de trabalho digno, e na ótica do moderno Direito Econômico, devemos abandonar por completo a visão obtusa de que um progresso social represente um obstáculo, um entrave, ao desenvolvimento econômico, devemos admitir o avanço deste sem o preço de anularmos o primeiro.

Ademais, o novo delineamento das CCT e ACT proposta pelo STF através do precedente RE 590.415 SC como fontes do direito do trabalho, exige uma nova adaptação à hierarquia plástica perante as demais fontes do direito, alinhadas aos princípios da norma mais favorável, com evidente preterimento da norma negociada que venha a contrariar a norma legislada, recrudescendo o nível de proteção social.

1 FUNÇÕES DO DIREITO DO TRABALHO

Ao tratarmos especificamente das funções do direito do trabalho não há como afastar-

nos das realidades socioeconômicas vivenciadas seja na sua formação, evolução histórica, ou ainda, no atual momento de transição (ou talvez de crise?!), acentuados com a crise econômica de 2.008, cenário através do qual a manutenção dos níveis de emprego tem seduzido mais os trabalhadores do que uma crescente melhora das condições de trabalho, desde que mantidos os padrões mínimos aceitos nas sociedades contemporâneas.

Paul Krugman, ganhador do prêmio Nobel de Economia em 2008 (2009, p. 26), aponta que em alguns nichos mercado, representados por produtos ou mercadorias de baixo valor agregado, e não dependentes de Know-how e tecnologia, a exemplo da manufatura de camisetas e tênis, podem, ainda, permitir que os países em desenvolvimento participem da competição global através dos níveis salariais praticados, ou mesmo pela legislação com níveis de proteção aquém daqueles assegurados em economias desenvolvidas:

Pela primeira vez desde 1917, vivemos num mundo em que o direito de propriedade e o livre mercado são considerados princípios fundamentais, não expedientes a que recorrem com relutância; onde os aspectos negativos da economia de mercado – desigualdade, desemprego, injustiça - são aceitos fatos inevitáveis.

Na perspectiva clássica, a doutrina sempre destacou a finalidade teleológica de cunho

tutelar deste ramo jurídico, melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem

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socioeconômica, absorvendo o conjunto de valores sociais capazes de sobressaírem em dado momento histórico, como forma de garantir a desmercantilização do trabalho - a Declaração da Filadélfia adotada pela Organização Internacional do Trabalho em 1944 (após a 2ª Guerra Mundial) estabelece como princípio institucional no item I, “a”: “o trabalho n~o é uma mercadoria” - para que referida relação social não esteja à mercê das livres forças de mercado, convertidas à lógica perversa da lei da oferta e da procura, tampouco, insumo a ser consumido no setor produtivo.

Na verdade, estar-se-á por alcançar o equilíbrio jurídico em uma relação economicamente desigual, ante a presunção de hipossuficiência do trabalhador subordinado em qualquer contexto contratual, que por suas necessidades elementares estaria a renunciar toda a sorte de condições mínimas de trabalho, sujeitando-se às disposições contratuais de um verdadeiro contrato de adesão.

Ressaltamos um contraponto na dimensão proposta acima, através das lições de Amauri Mascaro Nascimento (2014, p. 71), e pela complexidade do atual momento contemporâneo, estar-se-ia por identificar uma função coordenadora do direito do trabalho, apta a permitir a convergência de interesses entre capital e trabalho, que leve em consideração as conjunturas econômicas internacionais, ou mesmo, as setoriais, identificadas a partir do desequilíbrio do mercado interno de bens ou serviços. Mesmo porque a simbiose entre o direito do trabalho e as condições econômicas adjacentes, atrai a m|xima de Georges Ripert, segundo a qual: “quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o direito.

De qualquer forma os períodos prolongados das crises econômicas, denotam de forma empírica o quão sensível é o direito do trabalho diante do recrudescimento dos seus principais indicadores, refletindo em uma queda acentuada dos postos de trabalho, mesmo diante do elevado percentual da informalidade nos dias atuais, razão pela qual há uma importância muito grande da percepção das condições econômicas subjacentes, destacando a corrente intelectual em voga nos Estados Unidos da América que trata da “an|lise econômica do direito”.

Desta forma, e para que possamos sustentar a necessidade contemporânea de coordenação de interesses, entre capital e trabalho, utilizamo-nos da análise econômica do direito, posto que nas palavras de Ejan Mackaay (2015, p. 5):

Os cidadãos não ficam passivos diante da mudança de regras às quais são submetidos. A mudança da regra levará qualquer um indagar se deve adaptar seu comportamento e, em caso afirmativo, em que direção. É que a regra de direito não controla, diretamente, o comportamento das pessoas. Fá-lo, apenas, quanto às consequências de suas ações.

Há que se destacar também, sua função política conservadora capaz de garantir o

suporte político e cultural ao sistema de produção exigido pela sociedade contemporânea, a partir do contraponto ao capitalismo intentado pelas doutrinas socialistas de Marx e Engels, nas palavras de Arnaldo Süssekind (2004, p. 20), o chanceler Alemão Bismarck passa a promover a internacionalização das leis trabalhistas e dos seguros sociais, como forma de manutenção do establishment, em 1890 à época da Conferência de Berlim, induzindo a manutenção de um modelo econômico dominante no ocidente, com a domesticação da revolta das massas, e apresentando um viés social ao Estado, como um contraponto ideológico ao próprio socialismo. Estar-se-á a garantir a legitimidade política e cultural ao sistema de produção da sociedade contemporânea.

Neste sentido, vale destacar a conclusão de José Rodrigo Rodriguez (2009, p. 23) professor da GV Law, destacando a importância do legalismo em uma economia de mercado, sob os auspícios de uma teoria desenvolvimentista que assegure suporte jurídico ao capitalismo, com fundamento jurídico na segurança jurídica/previsibilidade, o sistema do civil law garante uma ordem jurídica apta a eliminar as incertezas econômicas.

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Por fim, cada uma das funções destacadas pela doutrina sempre estarão a permear o aspecto “existencial” do direito do trabalho, uma vez que as respostas normativas jamais serão estanques, mas variáveis no mesmo compasso do curso da própria história, uma carga cultural a exigir respostas normativas compatíveis com os desafios vivenciados, uma vez que a história das civilizações aponta na direção da adaptabilidade e flexibilidade do comportamento diante dos desafios - Arnold Toynbee em sua obra “A Study of history”, citado por Fritjof Capra (1997, p. 24) - o declínio cultural de uma sociedade decorre diretamente da ausência de flexibilidade: “novas respostas a novos problemas”, sob pena do seu próprio perecimento.

2 TENDÊNCIAS ATUAIS DO DIREITO DO TRABALHO

Em meados da década de 1980, muitos economistas latino-americanos haviam

abandonado a antiga visão estatizante das décadas de 1950 e 1960, a favor do que veio a ser denominado ‘Consenso de Washington’ a melhor maneira de promover o crescimento é por meio de orçamentos equilibrados, inflação baixa, mercados desregulamentados e livre-comércio.

O grande desafio do direito do trabalho diante das exigências incessantes por maior produtividade e lucratividade, lastreadas em um setor privado cada vez mais pujante e competitivo, amparado por inovações tecnológicas que neutraliza as distâncias físicas, a regulamentação social dos países passa a ser encarada como moeda de troca para a atração dos investimentos, e ao mesmo tempo, constrói-se um suporte mínimo de conteúdo econômico e social, um patamar mínimo civilizado representado pelos direitos humanos.

As incertezas trazidas pelo novo, em especial as inovações tecnológicas, já decretaram no passado o fim dos empregos especialmente pelo movimento ludista retratado por Daron Acemoglu e James A. Robinson (2012, p. 85), na obra “Why nations fail: the origins of Power, posperity, and poverty”:

The aristocracy was not only loser from industrialization. Artisans whose manual skills were being replaced by mechanization likewise opposed the spread of industry. Many organized against it, rioting and destroying the machines they saw as responsible for decline of their livelihood. They were Luddites, a word that has today become synonymous with resistance to technological change1.

A visão macro nos apresenta alguns insights a respeito da necessidade de racionalizar a

regulamentação celetista no Brasil, para que possamos caminhar no sentido de permitir o desenvolvimento econômico com justiça social. 2.1 O modelo de negócio da UBER e a 4ª Revolução Industrial

Como síntese da nova realidade do mercado de trabalho, reflexo de uma nova economia

que promove a reinvenção de modelos de negócios estáveis e tradicionais (promovendo uma ampla reestruturação dos sistemas de produção, consumo, transporte de bens e a entrega de serviços), que sempre empregaram um grande contingente de trabalhadores, o Fórum Econômico Mundial (46th Annual Economic Forum) realizado em Davos na Suíça, em 20 de janeiro de 2016, teve como temática a 4ª Revolução Industrial, com suporte teórico na obra de Klaus Schwab com o título “The Forth Industrial Revolution”, revelando uma economia com forte

11 Tradução livre: A aristocracia não era único perdedor da industrialização. Artesãos cujas habilidades manuais foram sendo substituídas pela mecanização da mesma forma em oposição à propagação da indústria. Muitos organizados contra eles, tumultos e destruição das máquinas que eles viam como responsáveis pelo declínio da sua subsistência. Eles foram ludistas, uma palavra que hoje se tornou sinônimo de resistência à mudança tecnológica.

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presença das tecnologias digitais, mobilidade e conectividade de pessoas, distinguindo-se das anteriores pela intensidade dos ciclos de inovação, vejamos:

We are witnessing profound shifts across all industries, marked by the emergence of new business models, the disruption of incumbents and the reshaping of production, consumption, transportation and delivery systems. On the societal front, a paradigm shift is underway in how we work and communicate, as well as how we express, inform and entertain ourselves. Equally, governments and institutions are being reshaped, as are systems of education, healthcare and transportation, among many others. New ways of using technology to change behaviour and our systems of production and consumption also offer the potential for supporting the regeneration and preservation of natural environments, rather than creating hidden costs in the form of externalities. Shared understanding is particularly critical if we are to shape a collective future that reflects common objectives and values. We must have a comprehensive and globally shared view of how technology is changing our lives and those of future generations, and how it is reshaping the economic, social, cultural and human context in which we live. Above all, this book aims to emphasize the way in which technology and society co-exist. Technology is not an exogenous force over which we have no control. We are not constrained by a binary choice between “accept and live with it” and “reject and live without it”. Instead, take dramatic technological change as an invitation to reflect about who we are and how we see the world. The more we think about how to harness the technology revolution, the more we will examine ourselves and the underlying social models that these technologies embody and enable, and the more we will have an opportunity to shape the revolution in a manner that improves the state of the world2.

Por estes motivos, cada vez mais será imperioso a reformulação da legislação trabalhista

no Brasil, uma vez que este modelo da Uber denota a ampliação as relações de trabalho lato sensu que tem traços de autonomia, mas não deixa de ter a cooperação integrativa permanente própria do trabalhador parassubordinado, que por si só é representado pela crise da subordinação, o que acarretará uma discussão acalorada da existência ao não da relação de emprego no Brasil, por estarmos diante da zona grise, o que no futuro, não muito distante justifique a construção de um Direito do Trabalhador, no sentido técnico, pela própria superação do trabalho subordinado, produto da 1ª Revolução Industrial do Século XVIII.

2 Tradução livre: Estamos a assistir a profundas mudanças em todos os setores, marcado pelo surgimento de novos modelos de negócios, o rompimento dos operadores históricos e a reformulação dos sistemas de produção, consumo, transporte e entrega. Na frente social, uma mudança de paradigma está em curso na nossa forma de trabalhar e se comunicar, bem como a forma como expressamos, informar e entreter a nós mesmos. Igualmente, os governos e as instituições estão a ser reformulados, assim como os sistemas de educação, saúde e transporte, entre muitos outros. Novas formas de usar a tecnologia para mudar o comportamento e os nossos sistemas de produção e consumo também oferecem o potencial para apoiar a regeneração e preservação dos ambientes naturais, ao invés de criar custos ocultos sob a forma de externalidades. Entendimento compartilhado é particularmente crítico se quisermos construir um futuro coletivo que reflete os objetivos e valores comuns. Devemos ter uma visão abrangente e globalmente compartilhada de como a tecnologia está mudando nossas vidas e as das gerações futuras, e como ele está aprimorando o contexto econômico, social, cultural e humano em que vivemos. Acima de tudo, este livro pretende enfatizar a maneira em que co-existir tecnologia e sociedade. A tecnologia não é uma força exógena sobre as quais não temos controle. Nós não estamos limitados por uma escolha binária entre "aceitar e viver com ela" e "rejeitar e viver sem ele". Em vez disso, tomar dramática mudança tecnológica como um convite para refletir sobre quem somos e como vemos o mundo. Quanto mais pensamos sobre como aproveitar a revolução tecnológica, mais vamos examinar a nós mesmos e os modelos sociais subjacentes que essas tecnologias dão corpo e permitem, e quanto mais nós teremos uma oportunidade de moldar a revolução de uma forma que melhora o estado de o mundo.

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3 FLEXIBILIZAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO

A análise das tendências atuais do direito do trabalho perpassa pela compreensão dos novos paradigmas de uma cultura emergente, uma crise de percepção de várias facetas, provocada pela visão mecanicista da ciência cartesiana-newtoniana, segmentada pela especialização em um mundo globalizado, atônita diante dos instrumentos necessários a compreensão desta nova realidade, a solução estará em uma nova estrutura conceitual fundamentada em uma visão sistêmica, uma teia formulada que importe em transformações profundas dos nossos valores e ideias.

Acredita-se que a crise cultural inerente ao processo de globalização, promove a substituição de estruturas sociais estáticas, por um padrão dinâmico de mudança, vejamos as considerações de Fritjof Capra (1997, p. 24):

Para entender nossa multifacetada crise cultural, precisamos adotar uma perspectiva extremamente ampla e ver nossa situação no contexto da evolução cultural humana. Temos que transferir nossa perspectiva do final do século XX para um período de tempo que abrange milhares de anos; substituir a noção de estruturas sociais estáticas por uma percepção de padrões dinâmicos de mudança. Vista desse ângulo, a crise apresenta-se como um aspecto da transformação. Os chineses, que sempre tiveram uma visão inteiramente dinâmica do mundo e uma percepção aguda da história, parecem estar bem cientes desta profunda conexão entre crise e mudança. O termo que eles usam para “crise”, wei-ji, é composto dos caracteres: “perigo” e “oportunidade”.

3.1 2ª Revolução Industrial

Em 1914, após a 1ª Guerra Mundial, passamos a identificar a 2ª revolução industrial, com ganhos de escala e produtividade no setor industrial, suplantando os efeitos da mera divisão do trabalho com a adoção da linha de produção, eis que até o começo do século XX a atividade industrial era dominada pelos métodos artesanais, houve um novo salto de inovação promovida por Henry Ford o fundador da Ford Motor Company, criador da linha de montagem móvel que viria a estabelecer um novo e universal padrão dos processos produtivos, com reflexos na regulamentação trabalhista em todo o mundo.

Interessante a análise de Dorothee Susanne Rüdiger (1999, p. 22-25) sobre o contexto da 2ª Revolução Industrial:

Para obtermos um quadro das inovações efetuadas pelo modelo de administraç~o empresarial ‘toyotista’ devemos compar|-lo com o modelo de administração do trabalho predominante até então, o chamado modelo ‘fordista’. O que caracteriza o modelo ‘fordista’ é em primeiro lugar a produç~o em larga escala para o mercado. Os produtos são fabricados numa linha de montagem em unidades fabris concentradas que, por sua vez, juntam muitos trabalhadores em torno de uma produção fragmentada, porém coletiva. Existe um rigoroso controle de tempo e uma hierarquia funcional que garante a separação funcional entre a concepção e a execução das diversas tarefas. A unidade produtiva ‘toyotista’ trabalha no sentido inverso, a produção é adaptada à demanda de mercado. É o consumo que determina a produção e não o contrário. As demandas do mercado são individualizadas e só se repõe o produto após a verificação dessa demanda. Esse sistema exige uma produção flexível, uma organização do trabalho que aproveite ao máximo o tempo dos trabalhadores disponíveis. Para tanto, a mão-de-obra fixa da empresa deve ser polivalente e organizada de maneira horizontal para que possa planejar e executar diversas tarefas na hora em que estas se fazem necessárias. Além dessa mão-de-obra fixa polivalente, a empresa contrata, conforme a demanda

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do mercado, trabalhadores de empresas prestadoras de serviços ou então empresas fornecedoras que complementam sua atividade, quando necessário.

Neste contexto, podemos dizer que o modelo padrão de gestão da força de trabalho

centrado na prestação subordinada do serviço, reconhecido durante a 1ª Revolução Industrial, continua útil e adequado no transcurso da 2ª Revolução Industrial, a subordinação passa a ser delineada através do seu aspecto subjetivo, ressaltando os poderes de controle e fiscalização do modo da execução dos serviços, plena compatibilidade com o modelo de produção centralizada e hierarquizada disseminado pelo Fordismo.

Contudo, a remodelação estrutural da produção de bens e serviços, com foco especial no ganho de escala e produtividade, passa a exigir uma nova compreensão, no sentido da supressão dos níveis hierárquicos da empresa, promovendo uma maior horizontalização que assegure a concentração de esforços no core business da empresa, permitindo a constante especialização pela transferência a outras empresas das atividades marginas/secundárias, representando o conceito da terceirização.

Os exemplos acima denotam a integração crescente do trabalhador parassubordinado, no sentido da colaboração permanente em especial nos postos de trabalho estratégicos, eis que as atividades de menor valor agregado ao negócio são executadas no cenário da terceirização, situação que de alguma forma permitem a precarização dos direitos sociais, em especial enquanto ainda não houver legislação use como elemento de conexão a proximidade com a subordinação objetivo, o que poderia nos levar a afirmar e identificar uma crise da subordinação.

Mas não devemos deixar de registrar que estes caminhos são, por vezes, deveras tortuosos, segundo o Diretor Geral da Organização Internacional do Trabalho Juan Somovia, na Conferência realizada em 2000:

Os métodos de trabalho mais flexíveis, os recursos cada vez mais freqüentes à subcontratação (terceirização) e ao trabalho em regime de tempo parcial dificultam a organização dos trabalhadores para defenderem os seus próprios interesses”, limitando a atuaç~o dos próprios Sindicatos.

3.2 Neoliberalismo econômico na ótica trabalhista

A doutrina clássica de Mozart Victor Russomano (1997, p. 15) trata com propriedade a respeito do neoliberalismo no contexto do direito do trabalho, vejamos:

O neoliberalismo, desse modo, quando bem entendido e bem conceituado, partindo da tese da economia de mercado e da liberdade política do cidadão, não só admite como pressupõe a participação do Estado no encaminhamento dos problemas da comunidade, inclusive através da elaboração das normas fundamentais de Direito do Trabalho, isto é, daquelas normas que constituem o casco da embarcação em que navegam as aspirações do operariado moderno. [...] Essa flexibilização, em verdade, começou no momento em que se reconheceu a legitimidade jurídica e se passou a usar, largamente, a negociação coletiva, através dos seus instrumentos (convenção e acordos), como modo de resolver conflitos entre trabalhadores e empresários e como método de formulação de normas infra-legais disciplinadoras de suas relações. A tendência, cada vez mais ostensiva e extensa, a se estimular a negociação coletiva, dispensando, no que concerne a detalhes, as leis do Estado, sob o sopro forte das ideias neoliberais, pode vir a transformar-se, porém, em uma tentativa perigosa de desarticulação do Direito do Trabalho, como ele é compreendido até agora.

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O espaço intencionado pelas teorias da flexibilização, perpassam por uma maior amplitude da autonomia negocial coletiva dos Sindicatos, que venham a refletir a vontade da categoria profissional envolvida e legitimada pela chancela da assembleia geral de trabalhadores, nas palavras de Octavio Bueno Magno encontram obstáculo na hipertrofia do direito individual (1980, p. 16), e o grande perigo da tese da flexibilização está na existência de um aparato institucional capaz de promover o equilíbrio entre capital e trabalho, vejamos:

Nos sistemas jurídicos de tradição romano-germânica, em funcionamento nos países latinos, o direito individual do trabalho tem tomado a forma predominante de textos legais, ao passo que, nos países da ‘common law’, tem-se consubstanciado, quase sempre, em cláusulas de convenção coletiva do trabalho. O fenômeno se explica por serem os Sindicatos mais fortes e mais atuantes nos países do segundo grupo a consequência do mesmo fenômeno tem sido a hipertrofia do direito individual do trabalho, nos países do primeiro grupo.

A teoria neoliberal prega a desarticulação parcial do Estado do bem estar social

especialmente nos períodos de crise econômica, uma minimização do Estado através de uma revisão das garantias mínimas, contudo, tal perspectiva talvez faça sentido nas localidades em que efetivamente houve a implantação do welfare state, quando o Estado Social nos países periféricos ou em desenvolvimento seja um processo ainda inacabado, a não justificar referidas medidas. 3.3 O papel dos sindicatos na sociedade da informação

O debate a respeito da máxima do prestígio do legislado sobre o negociado deve ser

contextualizado através da identificação das condições institucionais dos nossos Sindicatos em participar de forma equilibrada das negociações coletivas, na qualidade de players efetivos, de forma a evitar a mera subserviência ao poder econômico, um mero escorço histórico talvez nos permita identificar no “pecado original” da raiz do artificialismo sindical, que possa neste aspecto contribuir com a tentativa de desarticulação do direito do trabalho.

Talvez a tentativa inglória do fortalecimento da instituição Sindical seja de pouco efeito, na arena global e pela perspectiva sociológica Alain Touraine (2011, p. 32) analisa e capta com bastante acuidade a ruptura das estruturas sociais com impacto na força de agregação Sindical de outrora:

O caso mais visível é dos Sindicatos. Na França, por exemplo, a sindicalização do setor privado enfraqueceu-se muito, sobretudo nas pequenas e médias empresas. O sindicalismo inglês, dominado pelo sindicato dos mineiros e pela esquerda, foi vencido pela Madame Thatcher e não se reergueu mais dessa derrota. Nos Estados Unidos, onde a taxa de sindicalização é mais alta, os sindicatos tem pouca influência e a época de Walter Reuther e do grande sindicato do automóvel já é coisa do passado. [...] Na sociedade industrial, a organização do trabalho, como foi definida por Taylor e depois por Ford, consistia em transformar o trabalho operário para obter o maior lucro possível, e o trabalho por produção, que fora tão difundido, era sobretudo uma forma extrema de dominação de classe. [...] A sociedade industrial fundava-se sobre a fábrica ou ateliê; e foi neste nível que surgiram os sindicatos, com as suas reivindicações, suas greves e negociações coletivas. A imagem sugerida pela globalização é a de redes de informação e intercâmbios que podem não ter praticamente nenhuma existência material, e a transformação das empresas no decurso dos últimos vinte anos constituiu muitas vezes em externalizar setores de produção, em fragmentar, em reduzir, portanto, consideravelmente o tamanho das empresas.

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Em referência a questão institucional dos Sindicatos no Brasil, cooptados pelo aparato do Estado, leia-se Poder Executivo, não houve espaço para o seu desenvolvimento, denotando um descompasso entre sua capacidade de articulação e a efetiva interlocução entre os próprios atores sociais, vácuo regulamentar que permitiu um paternalismo exagerado quanto à indução heterônoma da proteção legal, representada pela hipertrofia legislativa do trabalho no Brasil, o que sufocou por demasia a evolução destas instituições.

Otavio Brito Lopes (2000, p. 1), no artigo “Limites constitucionais { negociaç~o coletiva”, identifica no modelo sindical brasileiro um artificialismo capaz de inviabilizar a pretendida ampliação dos limites constitucionais impostos à negociação coletiva:

O intervencionismo estatal e a rigidez da estrutura sindical brasileira, de inspiração corporativista, facilitaram a criação e sobrevivência de um sindicalismo artificial e distanciado dos trabalhadores, emperrando o amplo desenvolvimento do processo de negociação coletiva. Considerando-se que este modelo foi parcialmente mantido pela Constituição de 1988, faz-se urgente, antes de mais nada, a sua reformulação, como condição para o alargamento dessa salutar forma de solução de conflitos coletivos de trabalho. Ademais, podemos visualizar o modelo sindical adotado pela Constituição de 1988, pelo seu artificialismo e por se escorar em um regime de liberdade sindical apenas relativa, como elemento limitador da negociação coletiva.

Diante das premissas apresentadas, e com a certeza de que o contexto contemporâneo de

crises econômicas cíclicas mantém o debate “aberto”, a respeito dos limites constitucionais impostos à flexibilização das normas do trabalho, em especial pela existência de um centro alternativo de positivação de norma jurídica ao longo sociedade civil no art. 7º, inciso XXVI da CF: “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”, permitindo a construç~o da norma jurídica diante da interlocução dos próprios atores sociais, devemos levar em consideração a própria evolução hermenêutica quanto ao seu sentido e alcance, que passa a assumir novos contornos, sem a necessidade de alteração do texto constitucional, fenômeno identificado como mutação constitucional.

Contudo, o atual cenário é desolador para a ampliação do negociado sobre o legislado, uma vez que estamos assistindo a um fracionamento, uma pulverização, nas palavras de Delgado uma esfacelamento da representação sindical (2016, p. 136), que coloca em risco a própria noção do ser coletivo dos trabalhadores, uma vez que nas lides intersindicais de representação tem prevalecido o princípio da especialização sobre o da agregação sindical, provocando grave crise de legitimidade na representatividade, influenciados pelo estímulo econômico que deflui da contribuição sindical obrigatória.

3.4 Flexibilização das normas trabalhistas

Luiz Carlos Amorim Robortella sintetiza a flexibilização do direito do trabalho (1994, p. 97), como:

Instrumento de política social caracterizado pela adaptação constante das normas jurídicas à realidade econômica, social e institucional, mediante intensa participação de trabalhadores e empresários, para eficaz regulamentação do mercado de trabalho, tendo como objetivo o desenvolvimento econômico e progresso social.

A contextualização contemporânea denota a premente necessidade de um debate amplo a respeito da flexibilização da norma trabalhista, restringir a questão ao legislado versus negociado seria excessivamente simplista, se de um lado discute-se a amplitude interpretativa do art. 7º, XXVI, da CF (reconhecimento e validade das Convenções Coletivas de Trabalho e

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Acordo Coletivo de Trabalho), no sentido da segurança jurídica, uma vez que o Poder Judiciário trabalhista rechaça validade a diversas normas ajustadas através de instrumento de negociação, amplia-se o fenômeno da flexibilização heterônoma, captação pela normatividade do exato espaço de negociação coletiva.

Neste sentido, e especialmente quanto ao aspecto da mutação constitucional por indução jurisprudencial, é interessante destacar o posicionamento atual, exarado em 30 de abril de 2015 através do RE nº 590.415/SC pelo STF, tangenciando os limites constitucionais da negociação coletiva no julgamento da legalidade/constitucionalidade dos Programas de Demissão Voluntária, revertendo posição já tradicional do TST consolidada através do enunciado previsto na OJ nº 270 da SDI-1, bem como o posicionamento, assumindo a tendência internacional da valorização da negociação coletiva com a subsidiariedade da intervenção do Estado, por intermédio de suas instituições (contracenso ao próprio escorço histórico da formação do Direito do Trabalho), justificando-se esta última apenas diante da impossibilidade dos órgãos intermediários entre o Estado e a Sociedade Civil proporem soluções harmônicas e duradouras. CONCLUSÃO

Em síntese, e a partir de Habermas (2002, p. 66) estaríamos por encontrar um equilíbrio

para permitir uma relação direta entre os níveis de produção capitalista e a manutenção de sistema social legítimo, qualquer crise aguda no sistema eleito para produção e distribuição de bens e serviços poderá desencadear a perda de legitimação do suporte político, com reflexos imediatos no esgarçamento do tecido social, não havendo, em nosso entendimento, como dissociar a realidade econômica subjacente do “dever ser” estabelecido dogmaticamente pelo direito posto, no caso o direito do trabalho.

. REFERÊNCIAS CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 1997. HABERMAS, Juergen. A Crise de Legitimação no Capitalismo Tardio. 2. ed. Rio de Janeiro: Edições tempo brasileiro, 2002. KRUGMAN, Paul. A crise de 2008 e a economia da depressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. LOPES, Otavio Brito. Limites Constitucionais à Negociação Coletiva. Revista Jurídica Virtual, Brasília, v. 1, n. 9, fev. 2000. MACKAAY, Ejan. Análise econômica do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. MAGANO, Octavio Bueno. Manual de direito do trabalho. Parte Geral. 2. ed. São Paulo: LTr, 1980. ______. Manual de direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1980. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 39. ed. São Paulo: LTr, 2014. ______. Curso de Direito do Trabalho. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. ______. Compêndio de direito sindical. 8. ed. São Paulo: LTr, 2015. ______. Direito contemporâneo do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2011.

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A TUTELA DO TRABALHO PARASSUBORDINADO NO BRASIL

THE TUTELAGE OF PARASUBORDINATE WORK IN BRAZIL

Natalia Marques Abramides*

Jair Aparecido Cardoso**

RESUMO: A subordinação é o principal elemento distintivo entre a relação empregatícia e outras modalidades de trabalho lato sensu. Todavia, em face das mudanças tecnológicas das últimas décadas e seus reflexos no contrato de trabalho, o conceito de subordinação tem passado por uma releitura necessária, seja a fim de conferir nova interpretação às normas trabalhistas, seja para identificar novas formas de trabalho no mundo contemporâneo. Surge então a noção de parassubordinação, originária da doutrina italiana, segundo a qual o trabalhador desenvolve atividades que se inserem na organização da empresa, de forma coordenada, porém despido da proteção destinada ao trabalhador empregado. Diante do contexto apresentado, o presente artigo expõe um panorama sobre a tutela do trabalho parassubordinado no país, em especial a interpretação sobre o assunto pela doutrina e jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, tendo em vista a inexistência de legislação específica e a necessária proteção aos direitos fundamentais do trabalhador, por meio de exame bibliográfico e do repositório jurisprudencial sobre o tema. A partir de tal análise, é possível verificar a necessidade de se estabelecer critérios mais definidos para a tutela do trabalho parassubordinado no ordenamento brasileiro, à luz dos direitos fundamentais do trabalhador, a fim de conferir a necessária segurança jurídica às relações sociais, como princípio norteador para o desenvolvimento. Palavras-chave: contrato de trabalho. trabalho coordenado. trabalho parassubordinado.

ABSTRACT: Subordination is the main distinguishing feature between employment contract and other forms of work in a broad sense. However, considering the technological changes during the last few decades and their consequences in the employment contract, the concept of subordination has undergone a necessary re-examination in order to give a new interpretation to labor terms of employment as well as to identify new ways of working in the contemporary world. Leading on from this, comes the notion of parasubortinate work, originating from the Italian doctrine according to which, the worker carries out activities that fall under the organization of the company, in a coordinated manner, but stripped of the protection afforded to a employed worker. Therefore, this article aims to present an overview of the protection of parasubortinate work in Brazil, in particular to its interpretation by the doctrine and the Tribunal Superior do Trabalho, due to the absence of specific legislation in the Brazilian legal system, and the necessary protection of fundamental rights of workers, obtained through a survey of the relevant literature and jurisprudential repository on the subject. From this analysis, it is possible to conclude there is a need to establish more specific criteria for the tutelage of legislation in relation to parasubordinate work in the Brazilian legal system, so as to define clearly the fundamental rights of the worker, in order to provide as the guiding principle, the necessary legal certainty in social relations for development. Keywords: coordinate work. employment contract. parasubordinate work.

* Mestranda da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP. E-mail: [email protected] ** Professor de Graduação e Pós-Graduação da FDRP-USP. Bacharel e Mestre em Direito pela Universidade

Metodista de Piracicaba-UNIMEP e doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP. Experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Individual, Coletivo e Processual do Trabalho. Autor de livros e artigos da área. E-mail: [email protected].

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SUMÁRIO: Introdução. 1 Características do trabalho parassuborinado. 2 Posição doutrinária. 3

Posição do Tribunal Superior do Trabalho. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Os avanços tecnológicos e a informatização dos processos produtivos operados nas últimas décadas irradiaram seus efeitos para além de seu próprio domínio, causando profundo impacto no Direito de Trabalho. Com o surgimento e a intensificação de novas formas de prestação de trabalho, como a terceirização, a pejotização e o teletrabalho, o conceito clássico de subordinação, até então calcado no paradigma da sociedade industrial do século XIX, entrou em crise, tendo em vista a necessidade de se garantir a proteção do trabalhador inserido na atual dinâmica empresarial. Nesse sentido, já em 1999, o Relatório Supiot, realizado no âmbito da Comunidade Europeia para identificação das mudanças ocorridas no mundo do trabalho, apontou, dentre outras tendências, a necessidade de ampliação do critério de subordinação, além da promoção do trabalho autônomo em relação ao assalariado e a crescente terceirização do trabalho para empresas economicamente dependentes do contratante.

A subordinação é o requisito distintivo da relação de emprego em relação a outras modalidades de trabalho lato sensu, podendo ser definida, em sua dimensão subjetiva (também denominada clássica), como a situação derivada do contrato de trabalho que obriga o empregado a acolher o poder diretivo do empregador no modo de realização de sua prestação de serviços; possui, portanto, natureza iminentemente jurídica. Em face das modificações ocorridas, bem como dos princípios constitucionais que norteiam todo o ordenamento, como a dignidade da pessoa humana, a justiça social e a valorização do trabalho, passou-se a considerar ainda a subordinação em sua dimensão objetiva e também estrutural. Isso porque o Direito do Trabalho, ramo jurídico de inclusão social e econômica por excelência, possui valor finalístico inerente a sua própria razão de ser, destacando-se a melhoria das condições de pactuação da força de trabalho, sem perder de vista seu caráter modernizante e progressista, do ponto de vista econômico e social (DELGADO, 2012).

A subordinação objetiva caracteriza pela integração do trabalhador nos fins e objetivos do tomador de serviços, enquanto a estrutural é representada pela inserção do trabalhador na dinâmica de organização e funcionamento do tomador, ainda que não receba ordens diretas deste (DELGADO, 2012). Assim, uma vez presente quaisquer das dimensões da subordinação, caracterizado estaria o elemento fático-jurídico da relação de emprego.

Todavia, nem todas as relações de trabalho decorrentes das modificações dos processos produtivos se caracterizam pela existência de subordinação jurídica, mas, sim, de coordenação, o que acaba por excluir tais trabalhadores da tutela do Direito do Trabalho, não obstante a proximidade de outros elementos com aqueles inerentes à relação de emprego. Com isso, verifica-se que o critério da subordinação não é mais suficiente para abranger a vasta gama de figuras que transitam de forma tênue entre os campos do Direito do Trabalho e do Direito Civil, o que representa obstáculo à aplicação das normas trabalhistas, e, consequentemente, à melhoria das condições de pactuação da força de trabalho e atenuação das distorções socioeconômicas (CANÇADO, 2009).

Nesse cenário, surge a figura do trabalhador parassubordinado, com origem no Código de Processo Civil italiano, de 1973, que se caracteriza pela prestação de serviços de forma coordenada e continuada. Outros países da União Europeia, como Alemanha, Espanha e França, também lançaram especial atenção ao tema, ao tratar do trabalhador autônomo economicamente dependente.

Dessa forma, verifica-se o surgimento de um novo fato social, qual seja, o trabalhador parassubordinado, cuja proteção encontra desafios na medida em que não apenas a noção de subordinação é mitigada, afastando assim a tutela do Direito do Trabalho, mas também a de autonomia, uma vez que o trabalhador se apresenta economicamente dependente e sem

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organização empresarial, tornando inadequada a aplicação das normas de ordem civil, que pressupõe a igualdade das partes contratantes.

Diante de tal contexto, o presente artigo pretende analisar o tratamento dado ao tema pelo ordenamento jurídico no Brasil, por meio de análise doutrinária e da posição da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

O artigo apresenta inicialmente as principais características do trabalho parassubordinado, permitindo assim sua definição e distinção em relação a outras modalidades de trabalho; após, será analisada a posição dos principais doutrinadores brasileiros sobre o assunto, com foco nas diferentes correntes apresentadas e, por derradeiro, será discutida a posição da jurisprudência do TST. Passa-se então à conclusão, com o intuito de apontar o direcionamento atual e desafios enfrentados no campo em estudo.

1 CARACTERÍSTICAS DO TRABALHO PARASSUBORDINADO

O trabalho parassubordinado apresenta características que possibilitam diferenciá-lo

tanto da relação de emprego quanto do trabalho autônomo, o que permite sustentar se tratar de um terceiro gênero, cuja natureza jurídica não encontra instituto correspondente exato em nosso ordenamento. Dessa forma, a parassubordinação pode se caracterizar pelos seguintes elementos: pessoalidade preponderante, continuidade, onerosidade, coordenação e dependência econômica.

Quanto ao primeiro aspecto, convém destacar que não se exige que o trabalho parassubordinado seja prestado exclusivamente por uma única pessoa, a qual pode contar com o auxílio de outros trabalhadores, e, até mesmo, fazer-se substituir eventualmente, porém a prestação dos serviços é focada de forma preponderante em relação ao obreiro. Diferentemente, a relação de emprego se dá de forma personalíssima, não podendo o trabalhador se fazer substituir no curso do contrato de trabalho.

Todavia, o principal aspecto a diferenciar tais relações é o critério da coordenação, que se contrapõe ao da subordinação. Enquanto neste o empregado é submetido ao poder diretivo do empregador, ainda que de forma tênue, mas juridicamente sempre em posição inferior no que tange ao acolhimento das ordens quanto ao modo da prestação dos serviços, na coordenação o trabalhador segue um programa de prestação de serviços consensualmente definidos com o tomador, obrigando-se à prestação ajustada, mas sem submeter-se à ordens ou ficar à sua disposição.

Onerosidade e continuidade são características em comum, mas não suficientes a ponto de permitir identificar as relações de emprego e parassubordinadas como sendo da mesma natureza jurídica, em face das diferenças acima apontadas, e ainda tendo em vista que a relação de emprego típica se refere de forma mais específica quanto à continuidade, ao dispor sobre o critério da não eventualidade.

De outro lado, o trabalhador parassubordinado se distancia do autônomo também em diversos aspectos. Enquanto este se obriga à consecução do objeto estabelecido pelo contrato firmado entre as partes, com a consequente extinção da relação após a realização de tal desígnio, aquele se obriga a consecução de resultados sucessivos e cuja obrigação se renova continuamente ao longo da relação de coordenação, que somente restará extinta pela vontade das partes, e não pelo cumprimento do contrato.

Outrossim, verifica-se ainda que o trabalhador autônomo presta serviços relacionados a interesses específicos do contratante, ou seja, de maneira pontual e determinada, enquanto o parassubordinado a interesses amplos do contratante, ao atuar de forma coordenada com este. Por derradeiro, e como aspecto de maior importância, é possível afirmar que, diferentemente do trabalhador autônomo, o parassubordinado não possui organização típica empresarial (mas sim utiliza a do tomador de serviços) e depende economicamente do tomador de serviços, o que o coloca em posição de vulnerabilidade em relação ao contratante (SILVA, 2004).

Dessa forma, nota-se que o trabalho parassubordinado pode ser definido a partir de elementos que ora o aproxima, ora o distingue de outras modalidade de prestação de trabalho,

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motivo pelo qual se faz necessário perquirir acerca da tutela mais adequada para essa nova modalidade, já que atualmente não goza de proteção legal específica no Brasil, não obstante seja objeto cada vez mais frequente de debate no âmbito da doutrina e dos Tribunais.

2 POSIÇÃO DOUTRINÁRIA

Embora a discussão acerca do trabalho parassubordinado tenha se iniciado na doutrina

italiana, o objetivo é apresentar a posição doutrinária sobre o assunto no Brasil. A figura do parassubordinado é debatida pela doutrina, cabendo destacar a existência de certa divergência sobre o tema.

De acordo com Sergio Pinto Martins (2001), o trabalho parassubordinado se relaciona com o surgimento do conceito de teletrabalho, ou seja, a subordinação à distância do trabalhador, em face do desenvolvimento dos meios telemáticos e informatizados de comunicação; diante das características diferenciadas do teletrabalho, para Otávio Pinto e Silva (2004) o critério da parassubordinação poderia ser utilizado de forma útil para tutelar essa nova modalidade de trabalho.

Não obstante, verifica-se que com a alteração do art. 6º da CLT pela Lei 12.551 de 11 de dezembro de 2011, o parágrafo único passou a prever que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. Com isso, a CLT incorporou as dimensões objetiva e estrutural da subordinação, e afastou a ideia de que o trabalho prestado à distância é, necessariamente, sinônimo de parassubordinação.

Para Otavio Pinto e Silva (2004), o trabalho parassubordinado, embora possa ser utilizado como critério para a tutela do teletrabalho, não se restringe a esse aspecto, sendo uma figura intermediária entre o trabalhador autônomo e o empregado, caracterizado por relações de natureza contínua, de prestação de serviços que se enquadram nas necessidades organizacionais dos tomadores de serviço, conforme estipulado em contrato, visando colaborar para os fins do empreendimento. No mesmo sentido, é o posicionamento de Amauri Mascaro Nascimento (2013), para quem a concepção binária autonomia-subordinação passa, no atual contexto, a ceder seu lugar para uma concepção tridimensional autonomia-parassubordinação-subordinação.

Ainda, Alice Monteiro de Barros (2004) sustenta que:

Os trabalhadores, nesse caso, não são subordinados, mas prestam uma colaboração contínua e coordenada à empresa e, por motivos fáticos e de desnível econômico, contratam seus serviços com esta em condição de inferioridade, sob a modalidade de contratos civis ou mercantis, como o de obra, prestação de serviços profissionais, transportes, etc, sem, entretanto, possuírem uma efetiva liberdade negocial.

Conforme se nota, para todos esses doutrinadores a parassubordinação se trata de um

novo fato, situado em uma zona cinzenta do Direito e que, como tal, merece especial tutela a fim de atender às suas peculiaridades.

De outro lado, situa-se o posicionamento de Vólia Bomfim Cassar (2016), para quem a parassubordinação não passaria de uma mera dimensão da própria subordinação, dela não se afastando e, portanto, não demandando qualquer necessidade de tutela especial em razão de já se encontrar sob o manto das relações trabalhistas. De acordo com a autora, “parassubordinaç~o é sinônimo de subordinação e designa o estado de sujeição do trabalhador que não é empregado, podendo ser autônomo, eventual ou de qualquer outra espécie” (CASSAR, 2016).

Dessa forma, verifica-se na doutrina a existência de duas correntes; de um lado, a corrente que entende ser o trabalhador parassubordinado uma figura intermediária, que demanda tutela específica e adequada à sua posição sui generis no ordenamento, e, de outro,

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posiciona-se a corrente para a qual a parassubordinação integra o próprio conceito de subordinação (ainda que de forma mais tênue e moderada), e, portanto, já tutelado pelo direito.

3 POSIÇÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

A análise jurisprudencial foi realizada por meio da pesquisa de julgados junto ao site do

TST, utilizando a base de consulta unificada de jurisprudência, com os termos “parassubordinaç~o” e “trabalho parassubordinado”, tendo em vista se tratar de órg~o de cúpula da Justiça do Trabalho, e que desempenha função precípua de uniformizar a jurisprudência trabalhista brasileira.

Em face da Emeda Constitucional 45/2004, que atraiu para a Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho (art. 114, I), verifica-se os julgados sobre o tema se concentram na Corte trabalhista, não se constatando tal debate em órgãos da justiça não especializada. A partir da busca realizada na base de consulta unificada do site do TST, foram localizados, ao total, 201 acórdãos e 29 decisões monocráticas que continham os referidos termos.

Tal ocorrência permite concluir que, embora o trabalhador parassubordinado se encontre em posição intermediária entre o trabalhador subordinado, protegido pelo Direito do Trabalho, e o autônomo, tutelado pelo Direito Civil, na prática se aproxima mais do primeiro do que o segundo, diante de sua vulnerabilidade em face do tomador dos serviços e consequente desigualdade jurídica entre as partes contratantes. Nesse sentido, torna-se ainda mais relevante análise realizada a partir da Corte Especializada, e não sob a ótica individualista do direito comum, por levar em consideração o arcabouço principiológico inerente ao direito do trabalho, de índole social e protetiva.

A análise dos julgados, todavia, demonstra que o tema não é enfrentando diretamente pelo TST: ora se utiliza da argumentação da existência de trabalho parassubordinado para afastar a possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício, apartando o trabalhador do amparo buscado junto a Justiça laboral, ora para justificar a ocorrência de precarização das relações de trabalho e, reconhecendo resquícios mínimos de subordinação, admitir o vínculo empregatício, conferindo-lhe de forma integral estatuto próprio do trabalhador empregado.

Em ambos os casos, não reconhece a existência efetiva de um terceiro gênero, que demanda proteção adequada às suas peculiaridades, até mesmo em face da falta de legislação aplicável, resignando-se com a concepção binária autonomia-subordinação, apontada por Amauri Mascaro Nascimento.

Tal aspecto foi ressaltado no julgado proferido no Recurso de Revista 111900-42.2007.5.17.0002, cujo trecho segue abaixo transcrito:

No Brasil, frente ao ordenamento legal e constitucional em vigor, a noção de parassubordinação só terá valia se manejada em sentido tal que venha a abranger no leque do Direito do Trabalho, as novas formas contratuais e as já tradicionais do agente e representantes comerciais, corretores, pequenos artífices e empreiteiros, prestadores de serviço em geral e aqueles que laboram sob contrato de franquia desde que presente a dependência econômica com os traços já assinalados. Estes profissionais, de toda sorte, no Brasil, já têm à sua disposição ao menos a Justiça do Trabalho para buscar o pagamento de seu trabalho e as reparações de ordem patrimonial e moral (art. 114, caput e incisos, da CF, com a redação dada pela EC nº 45, de 08 de dezembro de 2004).

O caso se trata de ação anulatória de débito fiscal, proposta por empregadora do ramo de

salão de beleza em face da União, a fim de anular auto de infração e respectiva autuação imposta pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego por infração ao artigo 41, da CLT, que proíbe sejam admitidos ou mantidos empregados sem o respectivo registro em livro, ficha ou sistema eletrônico competente. O TST reconheceu a existência de vínculo de emprego dos

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trabalhadores da parte autora, seguindo o julgamento proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, sob o argumento de que, diante da tendência atual de se atenuar o conceito de subordinação, mitigando a obrigação de haver necessariamente ordens diretas do contratante sobre o trabalhador, basta que este esteja inserto no ambiente de trabalho da empresa e adequado à sua dinâmica de organização e funcionamento, para que se caracterize o requisito da subordinação necessário ao reconhecimento do vínculo pretendido.

De outro lado, nos casos em que os trabalhadores não logram êxito em comprovar a relação de emprego, o que de fato não será possível se o vínculo mantido for de coordenação, e não de subordinação, aplicam-se as regras do direito civil, a despeito das peculiaridades e vulnerabilidade inerentes à dependência econômica e liberdade mitigada da condição de parassubordinação. A atuação do Judiciário acaba por ser limitada, em virtude da ausência de previsão legal sobre o assunto, e, como consequência, sua função de pacificação social resta prejudicada, ao oferecer solução legal inadequada às peculiaridades do novo fato social.

CONCLUSÃO

Atualmente, a noção de parassubordinação não se encontra positivada em nosso

ordenamento jurídico, limitando assim a atuação do Poder Judiciário diante de casos concretos em que se verifica a ocorrência de trabalho prestado de forma coordenada, contínua e sob dependência econômica do tomador de serviços.

Por sua vez, a Constituição Federal consagra como fundamento da República Federativa do Brasil os valores sociais do trabalho (art. 1º, IV, CF), e mais a frente, como fundamento e princípio da ordem econômica, a valorização do trabalho humano (art. 170, caput, CF) e a busca do pleno emprego (art. 170, VIII, CF). A interpretação sistemática de tais dispositivos evidencia que o texto constitucional vincula claramente as noções de trabalho digno ao de desenvolvimento: é necessário conceber este de forma ampla, a fim de que se busque a proteção adequada aos direitos fundamentais dos trabalhadores.

A solução de conferir ao trabalhador parassubordinado o mesmo estatuto jurídico que o trabalhador autônomo se revela inadequada, na medida em que nivela duas figuras distintas, pois, conforme restou demonstrado, o parassubordinado se trata de figura mais próxima do trabalhador empregado que do autônomo, em face de sua dependência e liberdade mitigada, o que o põe em posição de vulnerabilidade e desnível em relação a outra parte contratante. Diante disso, a aplicação da lei civil se revela incabível, uma vez que sua natureza pressupõe a isonomia entre os contratantes, o que não ocorre neste caso.

De outro lado, reconhecer ao parassubordinado estatuto legal idêntico ao do trabalhador subordinado tampouco se revela razoável. Mais uma vez, além de se tratar de figuras e dinâmicas de trabalho distintas, a ausência de subordinação impediria, por si só, a caracterização do instituto da relação de emprego, uma vez que não se propõe o reconhecimento da parassubordinação como mera dimensão da subordinação, tendo em vista os caracteres diferenciadores já apontados.

Admitir a figura da parassubordinação no ordenamento brasileiro não se trata de precarizar as relações de trabalho, como pretendem aqueles que visam a se apropriar de forma inadequada do instituto para afastar a tutela trabalhista, uma vez que não afetará os trabalhadores que efetivamente façam jus ao reconhecimento da relação de emprego e todos os direitos que lhe são inerentes. Vigora no ordenamento jurídico pátrio o contrato realidade, bastando a presença fática dos elementos necessários à caracterização da relação empregatícia (CARDOSO, 2013). O que se busca é, em essência, conferir proteção mínima àqueles que hoje se encontram excluídos de qualquer tutela por não preencherem integralmente os requisitos exigidos pela CLT, a despeito de sua condição de hipossuficiência.

O desafio consiste, portanto, em estabelecer um estatuto legal intermediário, capaz de nivelar a desigualdade jurídica entre as partes contratantes, e que confira ao trabalhador direitos mínimos, inclusive de ordem previdenciária, sobretudo os relacionados às medidas de

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medicina e segurança do trabalho, dado seu caráter cogente e inerente à dignidade do ser humano trabalhador.

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A AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO DA DISPENSA COLETIVA NO BRASIL E SEUS IMPACTOS JURÍDICOS E SOCIAIS

THE LACK OF REGULATION OF COLLECTIVE DISMISSALS IN BRAZIL AND ITS LEGAL AND

SOCIAL IMPACTS

Nelma Karla Waideman Fukuoka * Victor Hugo de Almeida**

RESUMO: O artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, dispõe que é direito dos trabalhadores urbanos e rurais a relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá, dentre outros direitos, indenização compensatória, atualmente fixada pelo art. 10, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Todavia, a atual falta de regulamentação infraconstitucional acarreta a falta de aplicação concreta do dispositivo. Neste panorama, o presente trabalho tem como objetivo examinar a dispensa coletiva arbitrária, sob o viés dos ditames da preservação de empregos insculpido na Constituição Federal de 1988, bem como suas consequências no âmbito social e jurídico. Para isso, analisam-se mecanismos legais previstos na legislação trabalhista brasileira, entendimentos jurisprudenciais recentes e a legislação internacional. Como método de procedimento, adota-se o levantamento de dados por meio da técnica de pesquisa bibliográfica. E, como método de abordagem, adota-se o método dialético. A partir dos argumentos expostos, observa-se que, à luz dos diversos princípios, valores e regras da Constituição Federal de 1988, a proteção da relação empregatícia contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa é um direito fundamental dos trabalhadores que decorre do próprio direito fundamental ao trabalho. Apesar disso, os órgãos midiáticos constantemente noticiam reações das empresas à crise através de demissões em massa, corte de custos, fechamento de estabelecimentos, dentre outras medidas extremas. E, quando da análise dos desafios do Direito do Trabalho face ao desemprego, a omissão legislativa brasileira quanto à proteção legal contra as despedidas coletivas arbitrárias ou sem justa causa representa assunto atual e de especial relevância, na medida em que se questiona a revisão de nosso modelo de relações de trabalho, sob o prisma do Direito Coletivo, dada a sua incapacidade de evitar ondas de despedimentos. Palavras-chave: Direito do Trabalho. dispensa coletiva. regulamentação.

ABSTRACT: Article 7, paragraph I, of the 1988 Federal Constitution provides that it is the right of urban and rural workers to secure employment relationship against arbitrary dismissal or without cause, in terms of complementary law which shall, among other rights, compensation compensatory, currently set by art. 10, I, Act Constitutional Provisions. However, the current lack of infra-constitutional legislation entails the lack of concrete application of the device. Against this background, the present study aims to examine the arbitrary collective dismissals, comparing the preservation of jobs according to the dictates of the 1988 Constitution and its consequences on the social and legal framework. To this end, legal mechanisms provided for in the Brazilian labor legislation, recent jurisprudential understandings and international law were examined. As a method of procedure, it adopts data collection through literature research technique. And as a method of approach, we adopt the dialectical method. From the above arguments, it is observed that in the light of the various principles, values and rules of the 1988

* Mestranda em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista

Júlio de Mesquita Filho – UNESP/Franca. E-mail: [email protected]. ** Professor Doutor de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UNESP

- Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Doutor em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Membro pesquisador do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior, Seção Brasileira da Societé Internacionale de Droit du Travail et de la Sécurité Sociale. E-mail: [email protected].

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Federal Constitution, the protection of the employment relationship against arbitrary dismissal or dismissal without just cause is a fundamental right of workers derives from the right fundamental to work. Nevertheless, the media organs constantly reported about reactions of companies to the crisis through massive layoffs, cutting costs, closing stores, among other extreme measures. And when analyzing the challenges of labor law face unemployment, the Brazilian legislative omission on the legal protection against arbitrary collective goodbyes or without cause is present and particularly important issue in so far as it questions the review of our model of labor relations, in the light of Collective Law, given its inability to prevent waves of redundancies. Key-words: Labour Law. collective dismissal. regulation. SUMÁRIO: Introdução. 1 Crise econômica e dispensa coletiva. 2 O valor social do trabalho e a efetivação do princípio da dignidade humana. 3 A dispensa coletiva no cenário juslaboral brasileiro. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

No cenário brasileiro atual, não é raro se noticiar a ocorrência de dispensas coletivas envolvendo um grande número de trabalhadores. As justificativas têm se baseado em fatores vinculados à situação econômica da empresa, do setor ou da atividade em geral, bem como em decorrência de causas disciplinares, tecnológicas ou financeiras.

Assim, o presente trabalho tem por objetivo examinar a dispensa coletiva arbitrária, sob o viés dos ditames da preservação de empregos e dos princípios do valor social do trabalho e da dignidade humana, insculpidos na Constituição Federal de 1988.

Como método de procedimento, adotou-se o levantamento de dados por meio da técnica de pesquisa bibliográfica em materiais já publicados (por exemplo, doutrinas, legislação, entendimentos jurisprudenciais, artigos, matéria publicadas em jornais/revistas, sítios eletrônicos, dissertações, entre outros). E, como método de abordagem, adotou-se o método dialético, para a compreensão e a interpretação crítica e aproximada da realidade, partindo do pressuposto de que esta é historicamente superável. (LAMY, 2011).

Na primeira parte do presente artigo aborda-se a situação de permanência dos trabalhadores brasileiros à margem de qualquer garantia formal de emprego e sustento, visto inexistirem regras positivas que coíbam a dispensa em massa como artifício empresarial de diminuição de custos da produção, principalmente em tempos de crise ecônomica. O segundo tópico apresenta uma análise reflexiva a respeito da preservação de empregos, sob o viés da garantia dos princípios constitucionais do valor social do trabalho e da dignidade humana. Aatravés da terceira parte deve ser identificado e compreendido o direito à garantia de emprego contra o despedimento arbitrário ou injusto, segundo o disposto no art. 7º, inciso I, da Constituição Federal de 1988. A partir desse dispositivo, elucida-se o tratamento dado as dispensa coletivas no Brasil até o presente momento.

1 CRISE ECONÔMICA E DISPENSA COLETIVA

O desemprego, como fenômeno coletivo que atualmente se mostra, é coetâneo da

moderna economia capitalista, apresentando-se como fenômeno estrutural em razão da extrema divisão do trabalho, dos métodos de produção, da distribuição e da acumulação de renda (COSTA, 1991). Através do uso da tecnologia e da exigência de trabalhadores extremamente qualificados, o modelo toyotista criou um exército de reserva, pronto para ocupar postos de trabalho, cada vez mais raros, elevando as taxas de desemprego no contexto global (GONÇAVES, 2013).

Neste contexto, é imperioso considerar os fatos políticos, econômicos e sociais decorrentes da globalização econômica, que têm imposto uma revisão crítica do processo

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judicial. Dentre eles está a crise econômica de 2008/2009, que se originou da tendência do mercado financeiro de crescer além do que permitem os recursos da economia real.

Mas os riscos econômicos do empreendimento são do empregador, conforme o art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Assim, sendo do empregador o risco do negócio, não se pode transferi-lo aos empregados, nem mesmo em épocas de turbulência (MARTINS, 2000). Apesar disso, os órgãos midiáticos constantemente noticiam reações das empresas à crise através de demissões em massa, corte de custos, fechamento de estabelecimentos, dentre outras medidas extremas.

No entanto, o núcleo de uma crise global não repousa na fria análise mercadológica, mas sim num aprofundamento das desigualdades sociais, na equidistância da justiça social e no empobrecimento da classe trabalhadora (SOUTO MAIOR, 2000). Diante dessas inseguranças do mundo do trabalho, o desemprego se mostra como a ponta mais visível desse verdadeiro iceberg (MATTOSO, 1996).

Por sua vez, a mudança na natureza do trabalho também está contribuindo para a insegurança econômica dos trabalhadores, uma vez que muitos deles já não conseguem encontrar empregos com jornada integral e duração indeterminada (RIFKIN, 1995). Disto pode-se concluir que o Direito do Trabalho acaba se tornando a seara jurídica mais suscetível às transformações decorrentes do processo de globalização (GODOY, 2003). 2 O VALOR SOCIAL DO TRABALHO E A EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA

A classe trabalhadora, embora tenha se beneficiado com as mudanças de visão do mundo ocasionadas pela ascensão do comércio e do capitalismo, acabou desses se tornando refém. Com as ameaças geradas pela crise, os meios que o trabalhador possui para a efetivação de seus direitos, como sindicatos, por exemplo, acabaram sendo enfraquecidos (BRANCO, 2007).

Em muitas vezes, o emprego, além de representar a única fonte da sua própria subsistência e de sua família, representa, antes de tudo, a base de sua existência e da sua própria dignidade como pessoa humana.

A Teoria dos Direitos Fundamentais do Homem funda-se na premissa do mínimo necessário para que o ser humano possa viver com dignidade a ponto de desenvolver, nos ensaios da experiência da vida, sua essência e sua personalidade, não se ocupando somente com a subsistência desse ser humano, mas também com a sua realização plena através de cada conquista alcançada e de cada valor que passa, dinamicamente, a agregar a existência e a potencialidade humanas (BRANCO, 2007).

A dignidade da pessoa humana é inerente a sua própria condição. Por isso, é indubitável que os ideais trabalho e dignidade humana são indissociáveis, sendo os direitos sociotrabalhistas uma parcela dos direitos fundamentais. E a dignidade do trabalhador, como ser humano, deve ter profunda ressonância na interpretação e aplicação das normas legais e das condições contratuais de trabalho, uma vez que o trabalho sem dignidade pode rebaixar o ser humano à condição análoga à de escravo ou até mesmo à de animal.

O pressuposto da proteção social do trabalhador, frente à supremacia econômica do empregador, expressão da desigualdade jurídica, é uma forma de colocar em situação de relativa igualdade os dois polos da relação de trabalho. Para Maurício Godinho Delgado, o trabalho com garantias mínimas – que no mundo capitalista tem se confundido com o emprego, ao menos para os despossuídos de poder socioeconômico – torna-se, na prática, o grande instrumento de alcance no plano social da dignidade humana (DELGADO, 2011).

Ao lado do direito à vida, a dignidade humana constitui o núcleo essencial dos direitos humanos, fundamentando e conferindo unidade não apenas aos direitos fundamentais, mas, também, à organização econômica. Trata-se de um primado claramente evidenciado no sistema da Constituição Federal de 1988, no qual a dignidade da pessoa humana é adotada em dois momentos: como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III) e como fim da ordem econômica (art. 170, caput) (GRAUS, 2008).

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A Constituição Federal de 1988, complementando o art. 170, caput, ainda reafirma a supremacia do valor social do trabalho evidenciado como fundamento da República Federativa do Brasil, conforme dispõe o art. 1º, inciso IV, da Lei Maior.

Segundo Eros Grau, a interação entre esses dois princípios e os demais por ela contemplados – particularmente o que define como fim da ordem econômica (mundo do ser) assegurar a todos existência digna – resulta que valorizar o trabalho humano e tomar como fundamental o valor social do trabalho acarreta um tratamento peculiar ao trabalho e seus agentes (os trabalhadores) tratamento peculiar (GRAUS, 2008).

O Princípio do Valor Social do Trabalho não constitui tão-somente uma regra juridicamente ordenada, mas antes um “cord~o umbilical” em que o Sistema é realimentado pelo Princípio Constitucional Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana que, a nosso ver, inegavelmente, ocupa local e função (informadora, normativa e interpretadora) em primazia às demais normas, vinculando-as posicionamentos hermenêuticos que reconheçam a pessoa humana, especialmente na figura do trabalhador e do seu trabalho, como pilar estruturante do Sistema (BRANCO, 2007, p. 62).

Note-se que o referido valor, previsto como princípio constitucional pelo ordenamento

jurídico pátrio, vem expresso não somente no título referente aos Princípios Fundamentais da República, mas também no título relativo à Ordem Econômica e Financeira, afirmando estar a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano (BRANCO, 2007).

O inciso VIII do art. 170 estabelece o princípio da busca do pleno emprego, já previsto desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem, conforme se extrai do parágrafo 1º do art. XXIII: “todo homem tem direito ao trabalho, { livre escolha de emprego, a condições justas e favor|veis de trabalho e { proteç~o contra o desemprego” (ONU, 1948, online).

Em regra, tal princípio apenas é mencionado como um mero desdobramento do princípio constitucional fundamental do valor social do trabalho (BRANCO, 2007). Contudo, como afirma Tavares, a busca do pleno emprego, juntamente com a justiça social, deve servir base para a interpretação de todos os direitos trabalhistas contidos na Constituição de 1988 (TAVARES, 2006).

Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o pleno emprego é fundamental para a erradicação da pobreza e da fome. A população teria direito ao pleno emprego e caberia à sociedade estabelecer leis e normas que possibilitassem a utilização integral da oferta de trabalho, desde que o pleno emprego é uma condição necessária para a restauração da dignidade dos trabalhadores e uma condição essencial para a estabilidade e o progresso da sociedade (KON, 2012). E, ainda:

A busca do pleno emprego é um princípio diretivo da economia que se opõe às políticas recessivas. Pleno emprego é expressão abrangente da utilização, ao máximo grau, de todos os recursos produtivos. Mas aparece, no art. 170, VIII, especialmente no sentido de propiciar trabalho a todos quantos estejam em condições de exercer uma atividade produtiva. Trata-se do pleno emprego da força de trabalho capaz. Ela se harmoniza, assim, com a regra de que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho humano. Isso impede que o princípio seja considerado apenas como mera busca quantitativa, em que a economia absorva a força de trabalho disponível, como o consumo absorve mercadorias (SILVA, 2011, p. 799).

Ainda, numa clara opção de legitimar o valor social do trabalho, o constituinte institui,

incansavelmente, o primado do trabalho humano sob um prisma categórico, também como base da Ordem Social, cujo preceito está insculpido no art. 193 da Constituição Federal.

O valor social do trabalho, como um dos princípios constitucionais que fundamentam nossa República, há de ser experimentado pela pessoa humana tanto no âmbito da sociedade

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como no da economia, numa exploração de conteúdos que requerem a necessidade de conjugar uma relação de complementaridade e tensão entre os aspectos de direito e de dever do trabalho humano (BRANCO, 2007).

De tal modo, abarca em si tanto a dimensão do direito a manter uma vida humana por meio da sobrevivência oportunizada por esse mesmo trabalho, como também a dimensão de dever, uma vez que a sociedade necessita da contribuição de todos para o seu adequado funcionamento e para a harmonização social (SILVA, 2011).

Se os direitos sociotrabalhistas constituem autênticos direitos fundamentais da pessoa humana do ordenamento jurídico, é exatamente nessa espécie de direitos que nosso Estado encontra sua própria razão de ser, motivo pelo qual se deve, a respeito deles, ser defendida sua inquestionável efetividade (BRANCO, 2007). No entanto, há de se observar que:

Um equívoco hermenêutico vem sendo, constantemente, cometido, qual seja: atrelar o valor do trabalho humano às possibilidades econômicas e não em correspondência às necessidades humanas. [...] Ao contrário, esse mesmo hermeneuta é chamado a ficar atento a dois princípios fundamentais fixados pela Constituição da República: a Dignidade da Pessoa Humana e o valor social do trabalho, para que, de fato, a Ordem Econômica fundada na valorização social do trabalho humano possa realmente buscar o Pleno Emprego (BRANCO, 2007, p. 64).

Destarte, há de se visualizar as potencialidades transformadoras que são trazidas com as

cláusulas principiológica constitucionais da valorização do trabalho humano e do reconhecimento do valor social do trabalho (GRAUS, 2008), as quais se mostram como um dos alicerces para a efetiva garantia da dignidade humana. Ou seja, a pergunta que se lança consiste na prevalência da Constituição, com a força de seus dispositivos em prol da dignidade da pessoa humana, ou da lex mercatoria, que converte tudo e todos em instrumento para a riqueza de poucos (MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO EM MINAS GERAIS, s.d.). É esse o dilema dos velhos e, ainda, dos novos tempos. 3 A DISPENSA COLETIVA NO CENÁRIO JUSLABORAL BRASILEIRO

A partir de 1988, o direito à garantia do pleno emprego passou a ser previsto no art. 7º

da Constituição, cuja norma estabeleceu ser direito dos trabalhadores urbanos e rurais a relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.

Pela atual ausência da lei complementar trazida pela norma, o empregador tem, então, um direito potestativo de dispensar o empregado, ao qual este não pode se opor, salvo as exceções contidas na lei e desde que arque com as reparações econômicas pertinentes. Em regra, terá o empregado direito a aviso-prévio, 13º salário proporcional, férias vencidas e proporcionais, saldo de salários, saque do FGTS, indenização de 40% e direito ao seguro-desemprego. Tendo o empregado mais de um ano de prestação laboral para o mesmo empregador, haverá necessidade, também, de assistência perante o sindicato ou a Delegacia Regional do Trabalho, conforme prevê o parágrafo 1º do art. 477 da CLT (MARTINS, 2012).

No Brasil, as empresas praticam dispensas coletivas imotivadas à semelhança das individuais. Isto é, demitem por simples manifestação unilateral e potestativa de vontade (PANCOTTI, 2009). O espectro protetor do Direito do Trabalho em caso de dispensa coletiva é, no entanto, mais amplo em comparação com as dispensas individuais (MARTINS, 2012), conforme atesta José Antônio Pancotti:

Esta afirmação sustenta-se nos fundamentos do Estado Democrático de Direito preconizados na Constituição da República [...]. Neste espectro de princípios basilares explícitos na Constituição da República encontram-se os fundamentos

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para sustentar que as dispensas coletivas de trabalhadores por empresas – sejam por inovações tecnológicas, automações, crises econômicas etc., ou por suspensão de estabelecimentos – não são imunes a uma rede de proteção de trabalhadores atingidos, em razão de seus impactos econômicos e sociais. Esta proteção deve ter outros parâmetros além daqueles que o Direito do Trabalho expressamente concede aos trabalhadores que sofrem demissões individuais (PANCOTTI, 2009, p. 57-58).

O ordenamento jurídico brasileiro, portanto, ainda carece de regulamentação

satisfatória e específica de tal fenômeno desde pelo menos a vigência da atual Constituição. Em decorrência disso, a presidente Dilma Rousseff editou, em 6 de julho, a Medida Provisória nº 680/2015, que criou o Plano de Proteção ao Emprego (PPE) e, em 19 de novembro, sancionou a Lei nº 13.189/2015, que o instituiu em definitivo no país. O PPE permite a redução da jornada de trabalho em até 30% de empresas que estejam enfrentando dificuldades financeiras, com diminuição proporcional nos rendimentos dos trabalhadores participantes do programa. Em contrapartida, 50% da perda salarial desses empregados é ressarcida com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador, sendo que o limite para essa compensação é de 65% do valor do maior benefício do Seguro Desemprego.

Pelo Plano, apenas as empresas integrantes ficam proibidas de dispensar arbitrariamente, ou sem justa causa, os empregados que tiverem sua jornada de trabalho temporariamente reduzida, mas somente enquanto vigorar a inscrição no programa e, após seu término, durante o prazo equivalente a um terço do período de adesão. Para Nelson Mannrich,

O programa é tímido, pois o Governo está mais preocupado com quanto vai ganhar ou perder. É tímido, ainda, se examinados outros instrumentos já em vigor [...]. A própria Constituição, no art. 7º, autoriza redução salarial, mediante negociação coletiva. Porque não os aperfeiçoar? No fundo, a preocupação maior do Governo é com a corrida ao seguro-desemprego, com prejuízos ainda maiores ao já combalido sistema. Em um Estado democrático de direito, preocupado com graves questões sociais como o desemprego, haveria mais espaço para debelar os efeitos deletérios da crise econômica, agindo de forma mais abrangente e enérgica. Basta ver a experiência de outros países, em situações como essas [...]. Como se vê, no lugar da timidez e da excessiva burocracia, poderia o Governo ter mais criatividade e de fato proteger o emprego contra a grave crise que assola nosso país (MANNRICH, 2016, online).

E a ausência de legislação acerca do tema da dispensa arbitrária coletiva – já delicado

por sua natureza econômica e social – o torna ainda mais complexo, trazendo inúmeras questões de difícil equacionamento. A primeira delas refere-se ao próprio conceito de dispensa coletiva (FELTRE, 2012).

De modo geral, é aquela fundada em razões exteriores à relação laboral, sendo decorrentes de motivos estruturais, tecnológicos ou conjunturais. Disso decorre que, ao contrário do que se pensa, a dispensa coletiva não é forma de dispensa individual plúrima, porque nesta, para cada demitido, pode haver causa diferente e normalmente tem o propósito de substituição do demitido por outro empregado. Na dispensa coletiva, a causa é única e o propósito é a redução do quadro de pessoal da empresa (PANCOTTI, 2009).

Outra questão diz respeito ao procedimento da negociação e ao conteúdo do ajuste coletivo propriamente dito, que abrangem os critérios fixados para a dispensa, de maneira a proibi-la ou a determinar certas providências para sua apuração. Em diversas publicações sobre o assunto, não se é discutida a impossibilidade da dispensa, apenas se busca um me io de evitar a demissão de mais funcionários que o necessário. Muitos também sustentam que, pelo fato de não existir norma expressa a limite, a dispensa coletiva poderia ocorrer “livremente”, pois o julgador estaria restrito a decidir nos limites da lei (e lei não existiria) (TEODORO, 2009). Mas, para Orlando Gomes:

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A reorganização da empresa que implique diminuição de seus efetivos deve ser submetida a controle da autoridade administrativa. A interessada tem de comunicar, com certa antecedência, o seu projeto de reorganização, informando o número de empregados, com as respectivas qualificações, que sobrarão e a data provável da dispensa coletiva. Não importa que a redução do pessoal decorra de uma reestruturação da empresa ou de fusão de duas sociedades ou incorporaç~o d’uma por outra. No processamento da dispensa coletiva, a ser autorizada, devem ser levados em conta: a) os fatores econômicos peculiares à empresa; b) a situação geral de emprego no ramo de atividade e na região interessada. Justifica-se a redução do pessoal se a reestruturação é economicamente necessária ou propícia à preservação ou à expansão da empresa, desde que a situação geral do emprego permita a pronta reabsorção dos empregados dispensados. Na França, o órgão administrativo de controle pode opor-se a despedidas em massa suscetíveis de causar grave perturbação na vida econômica de uma localidade, ou distúrbios sociais. A intervenção estatal tem sido preconizada até o extremo de pretender-se que dependa de sua aprovação qualquer reestruturação de empresa que implique despedida coletiva e em convenções coletivas de trabalho têm sido introduzidas cláusulas que estipulam a proibição de despedir antes de esgotadas outras possibilidades de evitar a dispensa coletiva, como, por exemplo, a redução do horário de trabalho. Contrabalança-se a oposição estatal assegurando-se ao empresário uma indenização em ressarcimento do prejuízo que, nesse caso, sofre em proveito da coletividade, justificando-se esse seu direito na socialização da reparação das conseqüências danosas da ação administrativa. É de se exigir, quando menos, uma comunicação à autoridade administrativa do trabalho para pô-la de sobreaviso, não somente para que tome as providências quanto ao desemprego dos futuros dispensados, proporcionando-lhes, se for o caso, subsídios ou encaminhando-os a outros empregos, mas também para fazer sentir aos trabalhadores que serão dispensados a presença do Estado e seu interesse em obviar as respectivas situações de desemprego (GOMES, s.d, online).

O debate jurídico é, assim, tomado pelo debate econômico e com este se confunde. Isto

porque o desemprego é um problema, também, da ciência do Direito e não simplesmente da Economia, motivo pelo qual a atividade hermenêutica constitucional é responsável por criar elos entre o espectro da lei e o das aspirações e das necessidades sociais (BRANCO, 2007), conforme elucida Ana Paula Tauceda Branco:

Desvelada a tendência predominante entre os intérpretes e os aplicadores do Direito Constitucional do Trabalho com relação a tal norma jurídica, dada à sua redação talvez pouco apropriada, no aspecto hermenêutico constitucional, tudo impele a que se entabule uma interpretação não mais subserviente somente aos interesses econômicos que tanto valorizam a suposta ineficácia e a inefetividade de normas relativas aos direitos fundamentais sociotrabalhistas, mas, ao contrário, ousa firmar uma interpretação que, reconhecendo a indubitável força normativa da Carta Constitucional, seja inspirada na conjugação do Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana e o Princípio do valor social do trabalho humano em seu desdobramento de Garantia (Relativa) do Emprego, protegendo a relação de emprego contra as dispensas arbitrárias ou sem justa causa ao invés de deixá-las ao arbítrio do interesse econômico e empresarial, fazendo letra morta dessas normas fundamentais através de uma interpretação que não guarda qualquer coerência

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com o atributo da regra legal em apreço dessa norma de aplicabilidade imediata (BRANCO, 2007, p. 69).

De acordo com José Antônio Pancotti (2009), enquanto se verifica a falta de regramento, a matéria em discussão vem sendo suprida em alguns acordos e convenções coletivas através da introdução de cláusulas que estabelecem os mais variados critérios para a demissão coletiva, inspirados geralmente nos costumes (por exemplo, Plano de Demissão Voluntária – PDV) ou nas diretrizes da Convenção nº 158 da OIT1.

Também em decorrência da falta de sensibilização do Legislativo, convém realçar, com muito maior propriedade, o papel que tem sido desempenhado pelo exercício do poder normativo da Justiça do Trabalho, que tem sido muito mais sensível a essas questões, mormente no âmbito de primeiro grau de jurisdição, que, como se sabe, é exercido principalmente pelos Tribunais Regionais do Trabalho (COSTA, 1991). Logo:

O Poder Normativo da Justiça do Trabalho vem sendo provocado justamente porque, não havendo regras jurídicas no sistema, de alguma maneira os atores sociais se vêem compelidos à criá-las caso a caso. As únicas maneiras de criação de normas jurídicas trabalhistas, além da legislação, são o contrato coletivo de trabalho e a sentença normativa. O conflito coletivo, entretanto, deve ser uma última instância, recorrível se a negociação e a legislação não forem eficientes no caso concreto. Não é salutar deixar que tudo seja resolvido pelo conflito direto ou intermediado de forças (GONÇALVES JÚNIOR, 2007, online)

A partir disso, desde 2009, em julgamento de dissídio coletivo acerca da despedida de

mais de 4 mil trabalhadores por uma grande empresa, em face de grave retração econômica, fixou a Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho (TST), por maioria dos votos, a premissa de que a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores.

Esse julgamento teve o importante condão de estabelecer a diferenciação jurídica efetiva entre dispensas meramente individuais e dispensas coletivas. Nesse quadro, enfatizou o contingenciamento constitucional dirigido às dispensas massivas, as quais deveriam se submeter à negociação coletiva trabalhista, apta a atenuar os drásticos efeitos sociais e econômicos dessa medida. CONCLUSÃO

Diante da internacionalização da economia, a crise financeira ocorrida em 2008 nos

Estados Unidos da América surtiu efeitos avassaladores nos mercados globais. Por consequência lógica, todos estes fatores afetaram a empregabilidade em escala também global, causando o cotejamento de dispensas coletivas, dignidade dos trabalhadores, preservação de empregos e empresas.

No cenário gerado desde então, principalmente nos últimos anos, o Brasil tem sentido uma piora desse quadro, repercutindo nocivamente no mundo do trabalho. Assim, o assunto se apresenta atual e de especial relevância, na medida em que os novos paradigmas ditados pela ordem econômica mundial se instalam em face do atual processo de globalização, refletindo nos países de economia dependente, como o Brasil, os seus efeitos mais perversos, como, por exemplo, o agravamento do desemprego e a piora na condição de vida dos trabalhadores.

1 Mencionada Convenção veio a estabelecer alternativas de regulamentação para o enfrentamento da crise, com a finalidade de regular o término da relação de trabalho por iniciativa do empregador e estabelecer garantias contra a dispensa individual ou coletiva, disciplinando-as de modo diverso. O documento foi ratificado pela Brasil em 4 de abril de 1995, para vigorar doze meses depois; porém, foi denunciada pouco tempo depois, em 20 de novembro de 1996.

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Na perspectiva desse estudo, o assunto fora retratado sob o enfoque do caráter protetor dos direitos fundamentais trabalhistas, dada a sua incapacidade de garantir a preservação da dignidade humana a essa classe, principalmente em tempos de crise econômica.

E, assim, nota-se a imperativa necessidade de se modernizar e atualizar as garantias fundamentais aos trabalhadores brasileiros face à atual realidade econômica do país, no sentido de enfrentar os grandes desafios próprios desse ramo do direito, dentre os quais a crise do emprego se afigura o mais complexo.

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O DUMPING SOCIAL NO ÂMBITO LABORAL: UM ENFOQUE DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL

SOCIAL DUMPING IN LABOR RELATIONS: A DOCTRINAL AND JURISPRUDENTIAL

APPROACH

Pamela Pereira Santos *

RESUMO: O dumping social decorre do desrespeito às normas trabalhistas internas que estabelecem um patamar civilizatório mínimo, sendo uma das formas de violação dos fundamentos da valorização do trabalho e da garantia de uma existência digna. Caracteriza-se pela adoção de práticas precárias de trabalho pelo empregador, que deixa de pagar aos seus empregados o que lhes é devido consoante ao que determina a legislação trabalhista, visando à redução dos custos de produção, a comercialização de seus produtos a um preço menor e majoração de seus lucros. Apesar da omissão legislativa sobre o assunto, o dumping social é temática significativamente presente na jurisprudência e doutrina trabalhistas. Diante disso, o presente artigo tem como objetivo analisar o dumping social no âmbito juslaboral, por meio do exame de sua definição e de seus elementos constitutivos predominantemente adotados pela doutrina e pela jurisprudência trabalhistas, bem como levantar como os Tribunais Trabalhistas tem se posicionado a respeito do assunto, tanto na perspectiva da caracterização ou não do dumping social como da tutela majoritariamente praticada. Para o alcance do objetivo proposto, adotou-se o método de levantamento por meio da técnica de pesquisa bibliográfica em materiais já publicados (doutrinas, legislação, artigos, dissertações, teses, notícias/reportagens impressas e virtuais, etc.) e da técnica de pesquisa jurisprudencial junto aos Tribunais Regionais do Trabalho. Os dados coletados foram analisados à luz do método de análise de conteúdo e do método indutivo. O estudo concluiu, parcialmente, que, para obter-se a uniformização da jurisprudência dos Tribunais Trabalhistas, nos moldes apregoados pelo art. 926 do Novo Código de Processo Civil, torna-se recomendável a edição de previsão legal específica que contemple a pena a ser aplicada às empresas que aderirem a práticas de dumping social em detrimento dos direitos e garantias de seus trabalhadores, da ordem econômica, da dignidade humana e da valorização social do trabalho. Palavras-chave: Direito do Trabalho. dumping social. jurisprudência.

ABSTRACT: Social dumping stems from the disregard for the internal labor regulations that establish a minimum level of civilization, being one of the forms of violation of labor valuing fundamentals and the assurance of a dignified existence. It is characterized by the adoption of poor labor practices by the employer, who fails to pay their employees what is due to them, according to what determines the labor legislation, in order to reduce production costs, market the products at a lower price and increase their profits. In spite of the legislative omission on the subject, social dumping is a significantly present theme in jurisprudence and labor law's doctrines. Thus, this article aims to analyze social dumping within the labor law field, by examining its definition and its constituent elements, predominantly adopted by doctrine and labor law jurisprudences, as well as gather up the position of labor courts on the subject, both from the perspective of the characterization, or not, of social dumping as the mostly practiced protection. To achieve the proposed goal, it was adopted the survey method through technical literary materials already published (doctrines, laws, articles, dissertations, theses, news/reports printed and virtual, etc.) and technical jurisprudential research on the Regional Labor Courts. The collected data was analyzed in light of the content analysis method and the * Graduada em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais/UNESP. E-mail: [email protected].

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inductive method. The study concluded, in part, that, in order to obtain the standardization of case-law of the labor courts, in the manner touted by the article 926 of the New Code of Civil Procedure, it is recommended the edition of specific legal provision, which envisages a penalty to be applied to companies that adhere to social dumping practices to the detriment of the rights and guarantees of their workers, the economic order, human dignity and the social value of work. Keywords: Labor Law. social dumping. jurisprudence.

SUMÁRIO: Introduç~o. 1 Origem do termo “dumping social” e sua contextualizaç~o nas relações de comércio internacional. 2 Elementos caracterizadores do dumping social na atualidade. 3 Estudo de caso para exemplificação de dumpign social: JBS. 4 Dumping social na casuística. 5 Dumping social e dano social no contexto laboral. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

O dumping social é um instituto relativamente novo no ordenamento jurídico brasileiro,

constatando-se os primeiros usos do termo na seara do Direito Empresarial para designar práticas comerciais de eliminação de concorrência e aumento de quotas de mercado (PINTO, 2011). No âmbito do Direito do Trabalho, por sua vez, o dumping social passou a ser utilizado como referência às praticas de exploração do trabalhador, precarizando as condições de trabalho, a fim de se obter maior competitividade no mercado (TEIXEIRA; FLANKLIN, 2014).

De acordo com a Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas (ANAMATRA), a prática do dumping social desconsidera a estrutura do Estado social e até mesmo do próprio modelo capitalista na busca de vantagem perante a concorrência através do desrespeito deliberado e reiterado das normas trabalhistas (ANAMATRA, 2007). Trata-se, portanto, de um fenômeno sócio trabalhista derivado da conjuntura de globalização contemporânea, em que o empregador, perseguindo a maximização de seus lucros e a minimização dos custos da produção, descumpre de forma inescusável e reincidente as obrigações legais trabalhistas.

Importante apontar, também, que sua caracterização e abordagem ainda estão em processo de delimitação pela doutrina e pela jurisprudência, por vezes, de forma conflitante. E, justamente, por ser discussão recente no âmbito jurídico brasileiro, aponta a doutrina a necessidade de formulação de uma teoria consistente acerca do instituto, visando à solidez de sua aplicação (DUARTE, 2014).

Nessa senda, o presente artigo tem como objetivo analisar o dumping social no âmbito juslaboral, por meio do exame de sua definição e de seus elementos constitutivos predominantemente adotados pela doutrina, apresentando, ainda, um recorte jurisprudencial com o propósito de exemplificar sua aplicação na prática trabalhista. Adicionalmente, busca-se analisar a relação entre dumping social e dano social, com o intuito de verificar se o primeiro, uma vez caracterizado, pode culminar no segundo instituto jurídico.

Para o alcance dos objetivos propostos, adotou-se, como método de procedimento, o levantamento por meio da técnica de pesquisa bibliográfica em materiais já publicados (doutrinas, legislação, artigos, dissertações, teses, jurisprudência, conteúdos disponibilizados em sítios eletrônicos, etc.) e, como método de abordagem, o dedutivo, visando à obtenção de conclusões a partir das premissas suscitadas quanto à caracterização do instituto em questão e a possibilidade de o dumping social gerar dano social.

1 ORIGEM DO TERMO DUMPING SOCIAL E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO NAS RELAÇÕES DE

COMÉRCIO INTERNACIONAL

Na acepção clássica, utilizada estritamente no contexto das relações internacionais, o termo “dumping” é caracterizado pela venda de produtos no mercado externo a preços inferiores aos praticados no mercado interno, visando anular a concorrência. A expressão consta no Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT), de 1947, e desde então a prática

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tem sido controlada pela Organização Mundial do Comércio (OMC) através de sanções previstas em acordos internacionais (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014).

J| a express~o “dumping social” passou a ser utilizada para designar pr|ticas de concorrência desleal entre países no âmbito internacional, verificadas a partir do rebaixamento dos direitos dos trabalhadores adotado em determinado país, em comparação com outros países que os mantinham em níveis de maior proteção (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014).

A redução dos custos da mão de obra poderia ser lograda tanto pela infração direta aos direitos dos trabalhadores de determinada empresa, como pela transferência de unidades produtivas para países ou regiões onde não são respeitados padrões laborais mínimos (ANTUNES, CASAGRANDE, 2014).

Assim, a ideia em que o dumping social se pauta no contexto das relações de comércio internacional é a de que o rebaixamento dos níveis de proteção e direitos sociais dos trabalhadores em determinados países lhes trariam vantagens em relação àqueles que observam tais direitos, consistindo em uma concorrência desleal (ANTUNES, CASAGRANDE, 2014).

Em tal contexto formou-se a OIT, criada pelo Tratado de Versalhes em 1919, incentivando muitos países a adotarem normas protetivas e regulatórias, visando à instituição de um patamar mínimo civilizatório. Desta feita, tal Organização se tornou um empecilho aos lucros obtidos através da prática do dumping social à época, pautados na superexploração do trabalhador através de legislações precárias, uma vez que muitos países adotaram em suas legislações internas normas protetivas e regulatórias de um patamar civilizatório mínimo (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014).

Com o fenômeno da adoção de normas internacionais regulatórias das relações de trabalho por muitos países, algumas empresas deixaram de ser assistidas pelas legislações internas e passaram a minar os padrões civilizatórios trabalhistas através do método de chantagem conhecido como race the botton (corrida ladeira a baixo) ou efeito de contaminação. Trata-se de prática caracterizada pela pressão exercida sobre os governos, visando à redução ou flexibilização de direitos trabalhistas, sob pena das empresas migrarem para países com padrões mais baixos de proteção aos trabalhadores (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014).

Deste modo, a “evoluç~o” da pr|tica do dumping social se iniciou através da ausência de legislação interna em alguns países, impulsionando a exploração intensa e perversa do trabalho. Após a adoção de barreiras legislativas por grande parcela de países, algumas empresas passaram a recorrer { “chantagem de efeito de contaminaç~o” (race de bottom) e, ainda, ao desrespeito à legislação vigente, infringindo normas trabalhistas internas (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014). 2 ELEMENTOS CARACTERIZADORES DO DUMPING SOCIAL NA ATUALIDADE

Para Jorge Luiz Souto Maior, Ranúlio Mendes e Valdete Souto Severo (2014), na atualidade, o dumping social não decorre mais do aproveitamento de uma legislação branda, mas principalmente do desrespeito às normas trabalhistas que estabelecem um patamar civilizatório mínimo, objetivando a obtenção de vantagem econômica no mercado interno.

É, portanto, a prática reiterada e reincidente de empresas em descumprir as normas trabalhistas, com vistas a majorar os lucros e obter vantagens sobre a concorrência (ANAMATRA, 2007).

Segundo Gustavo Trierweiler (2009), o dumping social é a supervalorização do progresso econômico em detrimento do bem estar social, manifestada por meio do descumprimento reiterado de direitos trabalhistas, capaz de caracterizar ato ilícito e gerar graves danos à sociedade.

De acordo com Marcelo Barroso Kümel (2001), é a redução do custo do trabalho por meio do desrespeito de normas mínimas, acarretando a diminuição do preço final do produto; quanto aos efeitos no âmbito econômico, o dumping social gera uma competitividade artificial, já

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que é obtida mediante a afronta a direitos trabalhistas fundamentais, albergados pela Constituição Federal de 1988, especificamente pelo art. 7º.

A empresa que adota tal conduta, ao se utilizar de mão de obra sem o adimplemento dos respectivos encargos, estará atuando em condições de desigualdade com as demais, praticando, portanto, a concorrência desleal (BARRAL, 2000).

Diferentemente da prática do dumping empresarial, analisado pela ótica dos tratados internacionais por envolver empresas multinacionais e relações comerciais entre diversos países, o dumping social pode ser identificado na adoção de práticas ilegais dentro do mercado interno, o que, de acordo com Jorge Luiz Souto Maior, Ranúlio Mendes e Valdete Souto Severo (2014), caracteriza a interiorização do dumping social.

Os empregadores que adotam tais condutas, por constituírem minoria dentre as empresas, não prejudicam somente os trabalhadores que contratam, mas também as empresas com as quais concorrem no mercado. Passam, ainda, a funcionar como um nocivo paradigma de impunidade, podendo influenciar negativamente aquelas empresas que respeitam ou pretendem respeitar a legislação trabalhista (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014).

A Lei nº 12.529/11, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, que por ela são caracterizados por atos que, independente de culpa, possam “limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa” ou “aumentar arbitrariamente os lucros” (BRASIL, 2011).

Isto posto, resta evidente que o desrespeito à legislação trabalhista, nos moldes da prática do dumping social, pode constituir infração à ordem econômica (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014).

Todavia, apesar de atingir indiretamente as empresas concorrentes, o intuito de quem exerce tal prática não é a eliminação das empresas adversárias (DUARTE, 2014), mas, simplesmente, a obtenção de lucro através da exploração abusiva da mão de obra.

Conclui-se, portanto, que o dumping social, na esfera trabalhista, é o rebaixamento do nível e da qualidade de vida dos trabalhadores advindo da prática de conduta socialmente reprovável do empregador, caracterizada pelo desrespeito reiterado e inescusável dos direitos trabalhistas. Tal prática gera ao empregador o efeito potencial, que pode ser atingido ou não, de obter vantagem econômica sobre empresas concorrentes que cumpram as obrigações trabalhistas, incentivando, consequentemente, a concorrência desleal (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014). 3 ESTUDO DE CASO PARA EXEMPLIFICAÇÃO DE DUMPIGN SOCIAL: JBS

Não é difícil constatar as várias situações de desrespeito aos direitos trabalhistas e à pessoa do trabalhador nas relações de trabalho, mostrando-se preocupantes as condutas de grandes empresas, que sequer passam por problemas econômicos, de descumprir seu papel social (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014).

E tal conduta é adotada até mesmo por empresas que fornecem produtos comumente presentes no cotidiano brasileiro. A título de exemplo, podemos tomar a empresa JBS, maior produtora global de carnes e dona da marca Friboi, que obteve um lucro líquido recorde de R$ 1,1 bilhão no terceiro trimestre de 2014 (REUTERS, 2014). Já no primeiro trimestre de 2015, a empresa obteve a quantia de R$ 1,4 bilhão em lucros (REUTERS, 2015).

Entretanto, somente no ano de 2015, três trabalhadores da maior processadora de proteína animal do mundo sofreram com acidentes graves de trabalho. A ocorrência de falhas banais de segurança chama a atenção por se tratar-se de uma empresa de grande porte e turbinada por recursos de bancos públicos, como o BNDES e a Caixa Econômica Federal (BARROS, 2015).

Em dezembro de 2014, no Rio Grande do Sul, o MPT interditou máquinas da empresa que colocavam em risco a integridade física de funcionários, enquanto no Paraná, um vazamento de amônia causado por problemas na infraestrutura da planta industrial intoxicou 66 pessoas,

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que foram encaminhadas ao hospital com vômitos, dores de cabeça e até desmaios, em outubro de 2015 (BARROS, 2015).

Somente no estado do Mato Grosso, a Justiça do Trabalho acolheu pedidos do Ministério Público para impedir que os empregados da JBS fizessem jornadas exaustivas em ambientes insalubres de frigoríficos de três municípios – Araputanga, Pontes e Lacerda e São José dos Quatro Marcos –, onde eram expostos ao calor excessivo na área do abate, ao frio intenso no setor de desossa de animais e ao sangue dos animais, que aumentam o risco de doenças, como a tuberculose, e acidentes (BARROS, 2015).

Segundo dados do Ministério da Previdência Social, a JBS foi a líder de comunicados de acidentes de trabalho dentre os setores de abate de gado e de fabricação de produtos de carne, de 2011 a 2014, deixando 7.822 funcionários doentes ou incapacitados para o trabalho (MORAES, 2015).

Somente no setor de abate de bovinos, foram registrados 4.867 comunicados de acidente de trabalho no total, sendo 1.294 em 2011, 1.225 em 2012, 1.261 em 2013 e 1.087 em 2014 (MORAES, 2015).

Na área de fabricação de produtos de carne, foram reportados 506 acidentes em 2011, 262 em 2012, 327 em 2013 e 369 em 2014. Já no setor de abate de aves, os incidentes surgiram de forma alarmante em 2012, após a criação da divisão JBS Aves, havendo 49 comunicados naquele ano. Em 2013, o número subiu para 289 e em 2014, após a aquisição da Seara, para 1.153 casos (MORAES, 2015).

Foram registrados 713 acidentes da JBS na Amazônia Legal, principalmente no Mato Grosso, em 2011, 821 em 2012, 840 em 2013 e 736 em 2014, correspondendo, em média, a dois por dia a cada ano. Ao todo, foram 3.110 acidentes entre 2011 a 2014 somente na Amazônia Legal, representando 39% do total. O grupo também mantem unidades no Acre, Maranhão, Pará e Rondônia (MORAES, 2015).

Tal conduta deixa dúvidas acerca do comprometimento da empresa em garantir condições adequadas de segurança e saúde a seus trabalhadores e revelam, ainda, a desproporção entre a realidade do chão de fábrica com aquela exibida pela publicidade da empresa e os lucros exorbitantes conquistados (MORAES, 2015).

Para o procurador do MPT, Santo Sardá (apud MORAES, 2015), as péssimas condições mantidas pela JBS têm como objetivo a obtenção do máximo de lucro, o que é feito por meio de várias formas, como a adoção de um ritmo excessivo na jornada dos funcionários, incompatível com a proteção à sua saúde, levando muitas vezes a doenças ocupacionais, nos frigoríficos de aves, ou a amputações, nos frigoríficos bovinos.

Outra fiscalização em uma das plantas da empresa, realizada no início de 2014 na unidade de Montenegro (Rio Grande do Sul), resultou na interdição de máquinas e atividades, além da aplicação de 33 autos de infração. Entre as irregularidades, uma das mais gritantes era a situação dos funcionários responsáveis por embalar frangos exportados para o exterior, que realizavam 90 movimentos por minuto com os braços, embalando um frango a cada 2 segundos (MORAES, 2015).

De acordo com Müller (apud MORAES, 2015), não existem sequer máquinas capazes de atingir tamanha produtividade, o que leva à reflexão acerca do nível desarrazoado de exigência dos músculos, tendões e braços do trabalhador naquele posto. Ao todo, 93% dos empregados entrevistados no setor afirmaram ter sentido dor na semana anterior à visita da força-tarefa.

A mesma operação encontrou na unidade de Passo Fundo (Rio Grande do Sul) funcionários lidando com quantidades de peso até 5 (cinco) vezes maiores do que o diariamente permitido pela legislação, além de jornadas superiores ao limite permitido, o que aumenta em 50% o risco de adoecimento por lesões por esforço repetitivo (LER) ou distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (Dort) (MÜLLER apud MORAES, 2015).

No Mato Grosso, estado que concentra o maior número de acidentes da JBS, há uma série de condenações com fundamento na insalubridade, alcançando entre 30% a 35% das ações na Justiça do Trabalho do estado, conforme estimativa do procurador do MPT Leomar Daroncho

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(apud MORAES, 2015), o que levou o órgão a adotar uma linha de atuação no sentido de impedir as horas extras nas unidades daquele estado.

As situações encontradas pelas operações de fiscalização e os dados fornecidos pelo Ministério da Previdência Social confirmam que a JBS tem uma política deliberada de precarização dos direitos fundamentais dos trabalhadores, o que vem gerando um enorme grupo de trabalhadores amputados e mortos em decorrência de acidentes de trabalho (SARDÁ apud MORAES, 2015).

O contumaz e reiterado desrespeito aos direitos trabalhistas de seus funcionários, através da não observação das normas de segurança e higiene do trabalho que levam ao incabível número de acidentes constatado, da omissão nas comunicações de acidentes e pressão para realização de horas extras além do permitido legal, revelam clara adoção de práticas precárias de trabalho pela empresa, com o objetivo de reduzir os custos da produção e majoração de lucros.

Demonstram, ainda, a violação aos fundamentos da valorização do trabalho, tudo de forma reiterada e reincidente, mesmo após fiscalizações realizadas pelo MPT e MTE, deixando evidente a prática de dumping social pela JBS, com o único propósito de aumentar os lucros e obter vantagens econômicas sobre a concorrência, ajudando-a a se tornar a maior produtora de carnes do mundo.

Souto Maior (2014) acredita que a lógica da precarização é mais facilmente implementada em grandes conglomerados empresariais, uma vez que são marcados pela impessoalidade. Assim, médias e pequenas empresas passam a ser também vítimas de um sistema predatório, que inverte o propósito do Estado Social e Democrático, fazendo do lucro não um meio para uma vida digna, mas um fim em si mesmo. 4 DUMPING SOCIAL NA CASUÍSTICA

No plano concreto, não são raros os casos de condenação de empresas em decorrência da prática de dumping social. Como exemplo, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, em decisão proferida nos autos do processo nº 0078200-58.2009.5.04.0005, determinou que as empresas prestadora e tomadora de serviços de call center indenizassem a sociedade pela constante violação aos direitos trabalhistas de seus empregados.

No caso em questão, a empresa prestadora possuía cerca de 1,5 mil processos ativos somente no Foro Trabalhista de Porto Alegre e praticamente todas as ações envolviam inadimplemento de horas extras e distorções salariais significativas, cumuladas com o descaso das empresas, que nada faziam para sanar a situação, pois obtinha vantagens financeiras ao competir em desigualdade de condições no mercado (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014).

No mesmo sentido, em decisão proferida nos autos do processo nº 0001993-11.2011.5.15.0015, a rede varejista Magazine Luiza S.A foi condenada em Primeira Instância ao pagamento de R$ 1,5 milhão pela prática de dumping social, cujo valor, no entendimento do magistrado, atendia ao caráter punitivo-pedagógico da indenização (DUARTE, 2014).

Jorge Luiz Souto Maior, pautado na ideia de que o desrespeito deliberado da ordem jurídica trabalhista gera um dano à sociedade e transcende o dano individual, defende que deve o julgador, mesmo ex officio, proferir condenação que vise à reparação do dano social nas reclamações trabalhistas em que agressões reincidentes ou ações deliberadas e inescusáveis forem constatadas (DUARTE, 2014).

Observa-se, entretanto, o evidente desacordo jurisprudencial a respeito do tema, relacionado à inexatidão conceitual e legal que o cercam, conforme a seguir se demonstra.

Verifica-se, a seguir, no recorte do julgado proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Minas Gerais), nos autos do processo nº 0289800-42.2009.5.03.0063, o afastamento da caracterização do dumping social, com fundamento na ausência de previsão legal pelo ordenamento jurídico brasileiro:

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EXCESSO DE JORNADA. PENALIDADE ADMINISTRATIVA. INDENIZAÇÃO POR DUMPING SOCIAL. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. A extrapolação da jornada máxima permitida por lei (art. 59/CLT) configura infração administrativa, atraindo, em consequência, a competência das Delegacias Regionais do Trabalho, para a aplicação das penalidades cabíveis, não sendo crível, nesse contexto, falar-se em indenização por dumping social, por absoluta ausência de previsão legal. (TRT 3ª Região. RO 0289800-42.2009.5.03.0063. 8ª Turma. Relator: Paulo Roberto Sifuentes Costa. Julgamento: 19/05/2010. Publicação: 07/06/2010).

Ao se analisar a ementa acima colacionada, resta evidente a infração aos limites legais da

duração do trabalho, ou seja, o desrespeito às normas trabalhistas, de modo a causar dano ao trabalhador em razão da estrutura organizacional do trabalho, cuja responsabilidade, por força do art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, compete ao empregador.

No mesmo sentido, encontra-se o julgado prolatado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região (Minas Gerais), nos autos do processo nº 2834509 00886-2009-063-03-00-4, que certificou a ocorrência de violação dos limites legais da duração da jornada de trabalho, porém, afastou a pretensão indenizatória calcada no instituto do dumping social:

EXCESSO DE JORNADA - PENALIDADE ADMINISTRATIVA - INDENIZAÇÃO POR "DUMPING" SOCIAL - FALTA DE PREVISÃO LEGAL. A extrapolação da jornada máxima permitida ("caput" artigo 59 CLT) é matéria que pertine à fiscalização do trabalho, encarregada de aplicar as penalidades administrativas previstas em lei (artigo 75 CLT). Não cabe indenização por "dumping social" a esse título, porque as penalidades legalmente previstas para as infrações denunciadas nesta ação reclamatória são de natureza administrativa. Incidem os princípios da reserva legal (inciso II artigo 5o. da Constituição Federal) e o da restrição das penas (parte final do inciso XXXIX artigo 5º da Constituição Federal). (TRT 3ª Região. RO 2834509 00886-2009-063-03-00-4. 2ª Turma. Relator: Jales Valadão Cardoso. 2ª Turma. Julgamento: 13/10/2009. Publicação: 16/10/2009).

Observa-se, pois, que o principal fundamento adotado nos julgados apresentados para o

indeferimento da pretensão indenizatória por dumping social é a ausência de previsão legal acerca de sua caracterização e das sanções cabíveis. Diante disso, resta evidente a indispensabilidade de estudos sobre o tema, visando à lapidação do instituto do dumping social, contextualizado na seara laboral, para que se confira, inclusive, maior segurança jurídica aos jurisdicionados.

Importa ressaltar que atualmente tramita perante a Câmara dos Deputados do Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 1.615/11, cujo texto propõe, além da caracterização e regulamentação do dumping social, a imposição de indenização a ser paga não só ao trabalhador, mas também à empresa concorrente que poderia ser prejudicada por essa prática danosa e perversa.

Apesar de a mencionada proposta ser controversa em alguns pontos, justamente quanto à fixação da indenização complementar, é de grande importância a discussão acerca da regulamentação do dumping social como medida de amparo legal às decisões judiciais, que, por vezes, denegam pedidos indenizatórios sob o fundamento da inexistência de previsão legal e definição precisa (DUARTE, 2014).

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5 DUMPING SOCIAL E DANO SOCIAL NO CONTEXTO LABORAL

A prática do dumping social não repercute somente nas esferas individuais do agressor e do ofendido, mostrando-se uma prática organizada e deliberada, que atinge reflexamente o sistema econômico, com prejuízo difuso para a sociedade (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014).

A repercussão de tal situação vai além da esfera dos trabalhadores justamente porque a concorrência desleal atinge também o desenvolvimento econômico através da diminuição do mercado interno e favorecendo empresas que atendem a propósitos monopolistas (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014).

Esse desrespeito deliberado à ordem jurídica representa, portanto, um inegável dano à sociedade, até mesmo em relação aos custos públicos para a manutenção do judiciário trabalhista, que se vê obrigado a decidir centenas de vezes sobre as mesmas violações pelas mesmas empresas (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014).

O trabalhador lesado pela prática sucessiva de desrespeito aos seus direitos pode buscar, na tutela jurisdicional, a configuração do fato como gerador de um dano pessoal, pleiteando indenização por dano individual. Ainda, por meio do conjunto identificado de empregados da empresa que efetuou a prática lesiva, também é possível constatar a ocorrência de um dano coletivo (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014). Todavia, o dano em questão não se confunde com outras modalidades danosas, por se tratar o dano social de um meio eficaz de proteção do direito difuso (PEREIRA, 2012).

Constata-se, assim, que, por se tratar da sociedade como um todo, a vítima do dano social é indeterminável ou indeterminada. Dessa forma, a indenização pleiteada a título de dano social não deve ser direcionada à vítima particularmente, como ocorre nos casos de dano individual, ou a uma coletividade de vítimas, como é observado nos casos de dano coletivo. Deve, portanto, ser recolhida a um fundo, como os de proteção consumerista, ambiental ou trabalhista, ou para uma instituição de caridade, visando à reparação da lesão social (PEREIRA, 2012).

Nessa senda, preleciona Flávio Tartuce (2013) tratar-se o dano coletivo do ressarcimento dos danos causados aos direitos coletivos e individuais homogêneos, que são determinados ou determináveis; por sua vez, o dano social abarca também os direitos difusos, que não podem ser tutelados pela primeira modalidade, ante a sua indivisibilidade. Repousaria aqui, segundo o autor, a principal distinção entre as duas espécies de dano.

A inexistência de regulação jurídica sobre o dumping social não impede que suas consequências sejam experimentadas na realidade laboral brasileira, ao passo que suas sequelas danosas, decorrentes da concorrência desleal e do abuso de direito, têm atingido gravemente a sociedade (TEIXEIRA; FRANKLIN, 2014). Trata-se de prática que atinge negativamente todo o sistema econômico, importando em consideráveis prejuízos para toda a sociedade. Através dessa conduta, a empresa perde a própria legitimidade para atuar no mercado, violando o preceito constitucional da função social da propriedade, disposto no art. 170 da Constituição Federal.

No mesmo sentido, o Enunciado nº 4, aprovado pela 1ª Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho, enfatiza que a prática do dumping social gera um dano à sociedade por exercício abusivo do direito e define que tal prática configura um ato ilícito, atraindo a aplicação dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil.

“DUMPING SOCIAL”. DANO [ SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping social”, motivando a necess|ria reaç~o do Judici|rio trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais,

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nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, d, e 832, § 1º, da CLT.

Insta salientar que, os artigos 927 e 404, parágrafo único, do Código Civil, corroboram

com tal entendimento, fornecendo o fundamento de ordem positiva para aplicar ao agressor contumaz uma indenização suplementar, através da previsão da obrigação de reparar o ato ilícito cometido. Por fim, os artigos 652, “d”, e 832, par|grafo 1º, da Consolidaç~o das Leis do Trabalho, demonstram a competência das Varas do Trabalho para julgar e aplicar tal sanção.

O ato ilícito ocorre, portanto, tanto por meio da provocação de um dano a outrem individualmente identificado, como pela desconsideração dos interesses sociais e econômicos coletivamente considerados (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014).

Um ato negativamente exemplar não é lesivo somente ao patrimônio material ou moral da vítima, mas a toda a sociedade, num rebaixamento imediato do nível de vida da população, causando um dano social. A “pena” atribuída visa restaurar o nível social diminuído pelo ato ilícito (AZEVEDO, 2004).

Na ocorrência do dano social, a necessidade de penalizar o autor do ato ilícito surge no intuito de recuperar a eficácia do ordenamento jurídico, devendo o valor da indenização ser medido de acordo com a extensão do dano, considerando-se seu aspecto individual ou social, conforme prevê o art. 944 do Código mencionado (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014). CONCLUSÃO

A adoção da teoria do dumping social pelo Direito do Trabalho justifica-se pela

necessidade de se produzir uma problematização jurídico-teórica, ao passo que o direito é um dado cultural que se constrói evolutivamente à medida das valorações que se atribuem aos fatos sociais. A partir de uma problematização específica, o direito é chamado a conferir uma resposta corretiva dos efeitos sociais nocivos identificados, não podendo permanecer alheio a uma realidade que passou a receber a necessária problematização jurídico-teórica (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014).

Como exemplificação, é possível tomar o tema do assédio moral nas relações de emprego que, uma vez identificado por pesquisas médicas e atingindo preocupações psicossociais, passou a integrar o rol dos estudos jurídicos trabalhistas. Hoje, mesmo sem o estabelecimento de uma lei específica, o assédio moral nas relações de emprego é um fato social devidamente reprimido pelo direito (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014).

No caso do dumping social, o fato social e econômico é a prática de algumas empresas em descumprir sistemática e reiteradamente a legislação trabalhista, como forma de potencializar os lucros e suprimir a concorrência. Identificados os graves efeitos deste fato social, faz-se necessária a incidência do direito sobre o problema, buscando os meios para as correções necessárias (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014).

Ademais, a mera aplicação do Direito do Trabalho através da determinação do pagamento das verbas inadimplidas não intima a reiteração da conduta e não compensa o dano experimentado pela sociedade, especialmente em relação às empresas que comumente são acionadas na Justiça do Trabalho por se valerem de agressões aos direitos dos trabalhadores, não impondo ônus suficiente para que tais empregadores se questionem acerca da oportunidade de observância das normas jurídicas (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014).

Cabe, então, ao judiciário trabalhista coibir tal prática, ofertando respostas efetivas a sociedade por meio da devida reparação do dano social, observando o caráter punitivo e pedagógico da condenação.

A aplicação de indenização punitiva dissuasória consiste na condenação ao pagamento de soma em dinheiro, nas hipóteses de macrolesão, conforme previsto no art. 404, parágrafo

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único, do Código Civil, que permite ao juiz conceder indenização suplementar independente do pedido da parte (SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014).

Capelletti (apud SOUTO MAIOR; MENDES; SEVERO, 2014) ainda exemplifica que, caso o juiz limite-se a condenar o réu a ressarcir somente o dano advindo de qualquer autor, tal demanda raramente teria um efeito determinante e o comportamento do réu continuaria imperturbado, pois o dano a compensar o autor esporádico seria sempre inferior aos custos necessários para evitar o comportamento que o causou.

Destarte, resta evidente que o ordenamento jurídico pátrio dispõe de previsão legal para fundamentar a pretensão indenizatória em decorrência de dano social na seara juslaboral, de forma a garantir a efetiva reparação às vítimas de dumping social, entendido como uma grave lesão à sociedade, à ordem econômica e ao trabalho digno.

Todavia, mesmo sendo evidente a necessidade de punição quando verificada a prática de dumping social e, ainda, mesmo diante da existência de conteúdo jurisprudencial nesse sentido, a repressão ainda encontra óbice na ausência de legislação que regulamente o tema.

Diante disso, conclui-se que, para que se uniformize a jurisprudência dos tribunais trabalhistas, nos moldes apregoados pelo art. 926 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15), torna-se recomendável a edição de previsão legal específica que contemple a pena a ser aplicada às empresas que aderirem a práticas de dumping social em detrimento dos direitos e garantias de seus trabalhadores, da ordem econômica, da dignidade humana e da valorização social do trabalho.

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A ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO TRABALHADOR NO COMBATE AO TRÁFICO DE PESSOAS E TRABALHO ESCRAVO DO TRABALHADOR IMIGRANTE

THE PERFORMANCE OF WORKERS BRAZILIANS PROTECTION AGENCIES IN THE FIGHT

AGAINST HUMAN TRAFFICKING AND SLAVERY OF THE IMMIGRANT WORKER

Paulo Henrique Martinucci Boldrin * Cynthia Soares Carneiro** Maria Hemília Fonseca***

RESUMO: O objetivo do presente trabalho consiste em reunir aportes teóricos acerca do direito de migrar e da proteção internacional do trabalhador imigrante que possam contribuir para a atuação dos órgãos brasileiros de proteção ao trabalhador no combate do tráfico de pessoas e do trabalho escravo do trabalhador imigrante. Neste artigo, será apresentada a migração internacional de trabalhadores no contexto da visão econômica de mercado e os efeitos dessa medida em relação ao reconhecimento dos direitos humanos dos migrantes. Conforme se verá, essa visão apenas econômica mantém os trabalhadores estrangeiros em condição de extrema vulnerabilidade, sujeitos ao tráfico de pessoas e a trabalhos forçados e degradantes. Será também analisado o posicionamento do Brasil ao não assinar as convenções internacionais que visam à proteção desses trabalhadores e as consequências para a tutela e proteção de seus direitos pelos órgãos de proteção do trabalho, como o MPT e o MTPS. Para isso, realizaremos uma revisão bibliográfica, de caráter exploratório, com o propósito de subsidiar o aprofundamento do debate acerca do direito humano de migrar e também uma breve apresentação das principais referências normativas dos sistemas de proteção internacional do trabalhador migrante na ONU e na OIT. Na conclusão do artigo, será possível apreender que a atuação dos órgãos de proteção se demonstra insuficiente para a garantia de direitos humanos mínimos aos estrangeiros, pois a ausência de ratificação das referidas convenções internacionais e a falta de regulamentação interna não remove o trabalhador da condição de vulnerabilidade e possibilita, mesmo após eventual resgate das forças-tarefas do MPT e MTPS, que continue sendo explorado, seja pelo envio forçado ao país de origem, seja pela não regularização de sua condição no Brasil. Palavras-chave: órgãos de proteção do trabalhador. migrações. trabalho escravo. tráfico de pessoas. ABSTRACT: The objective of this study is to gather theoretical contributions about the right to migrate and international protection of immigrant workers that can contribute to the performance of workers brazilians protection agencies in the fight against human trafficking and slavery of the immigrant worker. In this article, we will be presented to international labor migration in the context of the economic vision of the market and its effects of this measure in relation to the recognition of human rights of migrants. As will be seen, only this economic vision keeps foreign workers in condition of extreme vulnerability, subject to human trafficking and also to forced and degrading work. It will also review the position of Brazil to not sign international conventions aimed at protecting these workers and the consequences of this action

* Mestrando pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP e graduado pela mesma faculdade.

Advogado. E-mail: [email protected]. ** Doutorado em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da UFMG. Professora do Departamento de

Direito Público da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto – USP. Coordena o Observatório de Imigrações e Direito do Estrangeiro e o Grupo de Estudos Marxianos. E-mail: [email protected]

*** Professora de Graduação e Pós-Graduação da FDRP-USP. Professora visitante da Universidade de Salamanca/ES. Pesquisadora visitante na Columbia Law School/EUA. Bacharel em Direito pela UFU. Mestre e Doutora em Direito das Relações Sociais, na sub-área de Direito do Trabalho pela PUC-SP. Doutorado Sanduíche na Universidade de Salamanca/ES. E-mail: [email protected].

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to the supervision and protection of their rights by labor protection agencies, such as MPT and the MTPS. For this work, we’ll conduct a literature review, exploratory, in order to support the deepening about the debate of human rights to migrate and also a brief presentation of the main normative references of international protection systems of the migrant worker in the UN and ILO. In conclusion of the article, we can learn that the action of protection agencies are insufficient to guarantee minimum foreign human rights, since the absence of ratification of the international conventions and the lack of domestic legislation does not remove the worker's condition vulnerability and enables even after eventual rescue of the MPT and MTPS task forces, which continue to be exploited, either by forced departure to the country of origin, either by not regularizing their status in Brazil. Keywords: worker protection agencies. migration. slavery. human trafficking. SUMÁRIO: Introdução. 1 Trabalhadores migrantes internacionais e direito de migrar. 1.1 Proteção internacional do trabalhador migrante na OIT e na ONU e o caso brasileiro. 2 Órgãos de proteção do trabalhador no combate ao trabalho escravo do migrante e o tráfico de pessoas. 2.1 Disciplina jurídica do trabalho escravo e do tráfico de pessoas no Brasil. 2.2 Responsabilidade Jurídica pela prática do trabalho escravo e atuação dos órgãos de proteção ao trabalhador. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

A migração internacional é um fenômeno cada vez mais frequente e os efeitos de sua abordagem pelos Estados causam grandes disparidades no tratamento dos estrangeiros em relação aos nacionais. O presente artigo pretende apresentar a migração internacional de trabalhadores no contexto da visão econômica de mercado e os efeitos dessa medida em relação ao reconhecimento dos direitos humanos dos migrantes.

Conforme se verá, a imigração internacional é desencadeada, muitas vezes, pela divisão entre os países centrais e periféricos, que gera acumulação de riquezas apenas nos primeiros, enquanto a população dos países periféricos permanece em condições de pobreza, fome e miséria, levando-os a migrar.

A visão apenas econômica do fenômeno da migração mantém esses trabalhadores estrangeiros em condição de extrema vulnerabilidade no país que os recebe, criando-se, assim, uma massa de trabalhadores de segunda classe, passíveis de exploração para maior acumulação de capital e que estarão sempre sujeitos ao tráfico de pessoas e à submissão a trabalhos forçados e degradantes.

Nesse sentido, é necessário analisar o posicionamento do Brasil ao não assinar as convenções internacionais que visam a proteção desses trabalhadores e as consequências para a tutela e proteção de seus direitos pelos órgãos de proteção do trabalho, como o Ministério do Público do Trabalho – MPT e o Ministério do Trabalho. 1 TRABALHADORES MIGRANTES INTERNACIONAIS E DIREITO DE MIGRAR

Com o desenvolvimento do fenômeno da globalização, verificou-se o avanço expressivo

dos meios de transporte e das comunicações, o que poderia facilitar o deslocamento das pessoas entre os países. Muitos decidem deixar seu país em busca de melhores de condições de vida na esperança de encontrar um trabalho que garanta o seu sustento e de suas famílias.

Entretanto, a nova ordem mundial caminha no sentido de aumentar as restrições fronteiriças com a implementação de regimes autoritários e de exclusão. Com o controle das fronteiras, aumenta-se a presença de imigrantes irregulares nos Estados, em especial nos países centrais, que acabam integrados à economia, mas completamente excluídos da esfera política. Forma-se uma camada de residentes que são totalmente privados de direitos básicos (DÜVELL, 2003, p. 202).

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De acordo com Uriarte (2009, p. 27), as migrações à trabalho são encaradas pelo direito a partir de três pontos de vistas contraditórios: o econômico, de direitos humanos e o policial ou aduaneiro. Segundo o autor, as migrações internacionais sob o ponto de vista policial ou o aduaneiro correspondem tão somente à análise de vistos de entrada e permanência no país. Apesar de apresentar conteúdo jurídico inferior aos demais, é o que tem prevalecido na aplicação do direito.

O autor, ao analisar a dimensão econômica da migração, enquanto fator de produção, afirma que a liberdade de circulação de trabalhadores não é vista como direito humano de liberdade de circulação, mas se encontra no mesmo patamar das liberdades de circulação dos capitais, mercadorias e estabelecimentos. Ressalta-se que a liberdade de circulação de trabalhadores nesse enfoque é relegada a segundo plano, uma vez que nas experiências de integração atuais como a União Europeia são as últimas a serem aplicadas, tão somente após a implementação da circulação de capitais e mercadorias.

Nesse contexto econômico, a emigração é encarada pelo trabalhador como a última defesa possível contra o desemprego, a pobreza e a exclusão. Assim, normalmente a migração não ocorre para a obtenção de um aumento de dez ou vinte por cento em seus salários, mas é condição para sua sobrevivência, com exceção dos profissionais que migram com contrato de trabalho já estabelecido. Portanto, a mão de obra é naturalmente sedentária e só migra por necessidade imperiosa.

Para Uriarte (2009, p. 28), é possível extrair duas conclusões do tratamento superficial das migrações pela perspectiva da livre circulação de mercadorias. A primeira delas é a de que o direito de livre circulação somente ocorre quando há verdadeira liberdade no deslocamento das pessoas e não quando decorrem de imposição devido às condições de vida enfrentadas no país de origem. A segunda decorre da falha do direito do trabalho do país que acolhe o imigrante permitindo a violação de direitos sociais do trabalhador.

Os trabalhadores migrantes normalmente partem de países periféricos, que não garantem o mínimo de condições de sobrevivência e manutenção de vida digna para os chamados países centrais, que concentram a riqueza e o desenvolvimento econômico. A diferença existente entre esses países e as restrições migratórias podem ser compreendidas como resultado do desenvolvimento da sociedade capitalista.

Nesse sentido, Wallerstein (1987, p. 381), destaca a importância da diferenciação das pessoas em termos de raça, nações e etnias para o desenvolvimento da economia mundial capitalista. A divisão valorativa do trabalho no mundo gerou uma divisão espacial do trabalho. Assim, surge a divisão entre o trabalho e os produtos desenvolvidos na periferia daqueles produzidos nas regiões centrais.

A periferia é marcada pela produção de bens primários sempre relacionados às condições ambientais e geográficas para a produção dos produtos. A concentração de produtos centrais em determinados países e produtos periféricos em outros ocasiona o surgimento de estruturas políticas diferentes entre esses países, o que leva ao surgimento de um sistema desigual que mantém e gerencia a divisão valorativa do trabalho.

Com essa diferenciação cada vez maior entre produtos centrais e periféricos, as categorias raciais servem para cristalizar alguns rótulos. As categorias raciais foram reduzidas até a divisão entre aqueles que seriam considerados como brancos e os não brancos. De acordo com Wallerstein, raça e, consequentemente, o racismo, são a expressão e a consequência da divisão axial do trabalho. Além da raça, também é utilizado o termo nação, para que a competição entre os Estados pelo domínio da hierarquia mundial ocorra, sendo esta também uma forma de se obter vantagem no modelo capitalista.

Por fim, surgem os grupos étnicos como consequência da divisão entre maiorias e minorias sociais, ou seja, divisão entre aqueles que detém maior ou menor poder social. O sistema capitalista não é baseado tão somente na antinomia entre capital e trabalho, mas também na diferença de valores entre cada trabalho realizado, onde a mais valia obtida em relação a determinado trabalhador é maior do que em relação a outros. Assim, surge a

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importância dos grupos étnicos para separar o valor entre cada trabalho na exploração capitalista (WALLERSTEIN, 1987, p. 387)

O desenvolvimento da sociedade capitalista necessita da divisão valorativa do trabalho para a acumulação do capital e, nesse sentido, raça, nação e etnia exercem importante função de criar grandes desigualdades e também a possibilidade de exploração para acumulação de riquezas. Por essa razão, não é possível admitir a visão dos trabalhadores migrantes pelo viés econômico da liberdade de locomoção. A massa de migrantes que se desloca em busca de emprego da periferia para o centro não o faz de forma livre e a mão de obra barata que podem proporcionar enquanto migrantes irregulares beneficia apenas a maior acumulação de capital. Assim, a migração realizada como forma de melhoria das condições de trabalho serve apenas ao capital e não resolve as condições que os fizeram migrar.

De acordo com Düvell (2003, p. 205), o capitalismo não consegue funcionar sem a existência de fronteiras, além disso sustenta que a possibilidade de liberdade na escolha do lugar onde viver não é real. Para o autor, negligencia-se que a política econômica em sistemas capitalistas é baseada na política de diferenças, especificamente na divisão entre gênero, raça e nações. Essas diferenças são transmitidas em um sistema com direitos diferentes direitos e salários. A fronteiras servem para a manutenção dos indivíduos onde eles estão. As fronteiras e as políticas de exclusão no campo da imigração correspondem à necessidade de manutenção das fronteiras econômicas, necessárias ao capitalismo.

Dessa forma, é possível concluir que a visão da migração internacional como condição inserida no âmbito econômico da sociedade capitalista é insuficiente para solucionar os problemas causados pela situação de irregularidade dos migrantes que não conseguem ingressar legalmente em determinado país devido às restrições de fronteiras do país de acolhida.

De acordo com Vichichi (2015, p. 109), as migrações internacionais estão associadas à desigualdade, à inequidade nas relações econômicas internacionais, à falta de oportunidades e pobreza. Assim, tem-se alimentado o crescimento da migração no sentido Sul-Norte, mas também Sul-Sul. Além disso, as populações emigrantes são novamente atingidas diante de crises econômicas, uma vez que, muitas vezes, são obrigadas a retornar ao seu país de origem, sem se assegurar condições dignas e sustentáveis de vida no local de origem ou, ainda, permanecer no país de destino sem nenhum direito reconhecido.

Nesse sentido, é necessário encarar a migração de trabalhadores em busca de trabalho como um direito humano, o direito de migrar, que se funda em diversos outros direitos fundamentais como o direito à vida, o direito ao trabalho, o direito à não discriminação e à liberdade de locomoção. Enquanto direito humano, toda pessoa é titular o direito de migrar e não pode ficar confinada em nenhuma região do planeta nem mesmo sob espaços de integração regional. O direito de migrar não pode ficar restrito a determinada nacionalidade, cidadania ou domicílio (URIARTE, 2009, p. 28).

Da mesma forma, Vichichi (2015, p. 112) estabelece que é necessária a utilização de um modelo para se encarar a migração internacional que não siga a lógica de mercado, mas que seja baseado nos Direitos Humanos dos migrantes. Deve-se abandonar o enfoque exclusivo na necessidade de controle da entrada dos migrantes e apresentar ferramentas para que o trabalhador passe a ser encarado como sujeito de direitos. Além disso, essa perspectiva assume que migrar, não migrar e retornar em condições dignas a seu país de origem é um direito que deve responder apenas à decisão das pessoas e não como resultado de pressões econômicas, administrativas e sociais.

Ademais, essa visão de direitos humanos assegura a necessidade do desenvolvimento genuíno dos países de origem para se evitar a migração forçada em condições precárias e tende a facilitar a regularização, uma vez que passa a compreender que a exclusão maior que sofrem os migrantes é ser mantidos legalmente fora da lei. Se o Estado discrimina as pessoas na entrada ao país, transmite à sociedade a sensação de legitimidade nas práticas discriminatórias em relação a essas pessoas (VICHICHI, 2015, p. 113).

Com isso, verifica-se que o direito de migrar não deve ser encarado sob o viés econômico, uma vez que o trabalhador é considerado como mercadoria sujeita somente aos interesses da

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acumulação do capital. A visão econômica da migração não soluciona as disparidades experimentadas entre as regiões centrais e as periferias e permite a exploração daquele que se desloca do país de origem por extrema necessidade em razão da pobreza, fome e miséria. Ao chegar no país de destino, no qual ingressa muitas vezes irregularmente, encontra-se em posição de extrema vulnerabilidade e, por ser considerado fator de produção, é utilizado como mão de obra barata com o intuito de aumentar o lucro. 1.1 Proteção internacional do trabalhador migrante na OIT e na ONU e o caso brasileiro

É importante destacar o conceito trazido pelos tratados internacionais a respeito da

figura do migrante trabalhador. De acordo com o art. 11, § 1º, da Convenção nº 97 da OIT, o conceito de trabalhador migrante é restrito ao trabalhador empregado, o que exclui todas as demais formas de trabalho, inclusive o trabalho autônomo, da tutela trabalhista prevista nesta convenção.

Verifica-se, portanto, que o âmbito de proteção da Convenção da OIT é extremamente restrito e somente aplicável aos trabalhadores migrantes formais com contrato de trabalho pré-estabelecidos e que, apesar da vulnerabilidade inerente à relação de emprego, encontram-se em melhores condições que os trabalhadores irregulares.

Diante da insuficiência na proteção jurídica do trabalhador imigrante somente pelo conteúdo da Convenção nº 97, a própria OIT estabeleceu na Convenção nº 147 de 1975 a necessidade de proteção do migrante que se encontra em condições abusivas. Nesse sentido, prevê a necessidade de os Estados adotarem sanções administrativas, civis e penais em relação ao emprego ilegal de trabalhadores migrantes.

Cumpre destacar também que a referida convenção determina que os Estados não podem considerar em situação irregular os trabalhadores que simplesmente perderam seus empregos, devendo ser necessário assegurar novas condições de acesso ao mercado de trabalho tal como é assegurado aos nacionais do país.

Em que pese os avanços trazidos pela Convenção nº 147, o Brasil não a ratificou assim como a maioria dos demais países, em especial, aqueles que mais recebem imigrantes.

No âmbito da ONU, destaca-se a promulgação da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias de 1990. O conceito de trabalhador migrante trazido pela convenção é muito mais amplo do que o presente na Convenç~o nº 97 da OIT, uma vez que: “designa a pessoa que vai exercer, exerce ou exerceu uma atividade remunerada num Estado de que n~o é nacional”.

A definição leva em consideração não apenas os empregados que se deslocam do país de origem, mas todos aqueles que venham exercer atividade remunerada no Estado. De acordo com Vichichi (2015, p. 108), a ampliação de direitos reconhecidos pela Convenção da ONU de proteção aos trabalhadores migrantes e suas famílias alcança os trabalhadores que se encontram em situação irregular, ainda que o repertório desses direitos reconhecidos seja maior para o trabalhador regular.

A autora sustenta que a Convenção constitui um marco protetivo fundada em princípios básicos da não discriminação, universalidade e indivisibilidade dos Direitos Humanos e que serve para reduzir a vulnerabilidade dos trabalhadores migrantes nas sociedades de destino. Contudo, salienta que a maioria dos países desenvolvidos, que recebe a maior parte dos trabalhadores, não ratificou a convenção. Nesse sentido, destaca-se que o próprio Brasil, assim como procedeu em relação à Convenção nº 147 da OIT, não ratificou essa convenção da ONU sobre a proteção do trabalhador migrante.

De acordo com a Nota Técnica da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados (CAMINO; FONTANIVE, 2014, p. 5), a Convenção da ONU foi apresentada à apreciação do Congresso Nacional em 15 de dezembro de 2010 e, desde então, apesar de solicitada a aprovação enquanto Emenda Constitucional, tramita de maneira habitual aguardando que seja realizada a indicação dos respectivos membros da comissão especial para deliberar sobre o assunto.

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Prossegue a Nota Técnica (CAMINO; FONTANIVE, 2014, p. 8) salientando que o Brasil esteve presente na reunião da ONU que aprovou o texto da Convenção e que, portanto, anuiu à adoção do instrumento. A Convenção levou 13 anos para entrar em vigor, o que ocorreu em 3 de julho de 2003. No entanto, somente após mais de 20 anos após a Convenção estar concluída é que o Poder Executivo encaminhou a Convenção para possível ratificação pelo Legislativo.

Todavia, destaca que a convenção foi aprovada por consenso na Assembleia Geral da ONU, o que, juntamente com sua entrada em vigor no plano internacional em 2003, assegura a condição de costume internacional que deve ser aplicado pelo Brasil de acordo com o art. 5º, § 1º e 2º da Constituição Federal.

A Nota Técnica salienta, contudo, que apesar da possibilidade de considerá-la costume internacional passível de aplicação pela Corte Internacional de Justiça, nenhum dos países desenvolvidos a ratificou. Na data em que foi realizada a Nota Técnica em 2014, somente 47 Estados membros haviam ratificado a convenção e todos eles de países de origem dos imigrantes como os da África, Ásia e América Latina (CAMINO; FONTANIVE, 2014, p. 16).

É possível concluir, portanto, que tanto o Poder Executivo durante os primeiros 20 anos da celebração da convenção quanto o Legislativo a partir da apresentação da matéria ao Congresso Nacional em 2010, mostraram-se inertes em relação à situação dos imigrantes, o que prejudica a melhoria a tutela estatal em relação ao irregular.

A não ratificação dessas convenções demonstra a falta de proteção do trabalhador migrante no Brasil que se encontra em situação de alta vulnerabilidade em razão de sua irregularidade no país. As medidas de combate ao trabalho escravo do estrangeiro podem se mostrar ineficazes caso o próprio Estado não assuma uma postura de defesa dos direitos humanos desses trabalhadores. Novamente, prevalece a visão econômica da migração que somente visa ao acúmulo do capital e à exploração da mão de obra barata do migrante irregular.

Feitas essas considerações a respeito do posicionamento do Estado brasileiro frente à tutela dos direitos humanos dos migrantes irregulares, passaremos à análise do trabalho escravo no direito brasileiro e da atuação dos órgãos de proteção ao trabalhador para coibir essa prática em relação aos migrantes. 2 ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO DO TRABALHADOR NO COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO DO MIGRANTE E O TRÁFICO DE PESSOAS

Nesse tópico, será abordada a atuação dos órgãos de proteção ao trabalhador,

especificamente o Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho e Previdência Social. Destaca-se que, em que pese a indiferença do Estado brasileiro em relação aos trabalhadores migrantes, ao se recusar assinar as convenções internacionais sobre o tema, esses órgãos de proteção exercem importante função para coibir o tráfico de pessoas e o trabalho escravo.

2.1 Disciplina jurídica do trabalho escravo e do tráfico de pessoas no Brasil

A legislação internacional sobre o trabalho escravo tradicionalmente se referiu à prática

do trabalho forçado em sentido estrito. Nesse contexto, o trabalho escravo é entendido como aquele que sujeita o trabalhador a uma ameaça de sanção, com a violação da liberdade de trabalho. O trabalhador pode estar submetido a três formas de coação diferentes, quais sejam: coação moral, psicológica ou física. A coração moral é aquela em que o empregador se aproveita da pouca instrução do trabalhador para submetê-lo a cobranças abusivas, seguidas de endividamento que impossibilitam que o empregado se desligue do trabalho (GARCIA, 2013, p. 178).

Por sua vez, a coação psicológica caracteriza-se pelas constantes ameaças de violências aos trabalhadores ou às suas famílias para que permaneçam no trabalho, inclusive com emprego de armas de fogo. Por fim, a coação física ocorre quando os trabalhadores recebem punições físicas, com a possibilidade de homicídio de algum deles para servir como exemplo aos demais e,

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assim, evitar as fugas. A coação física pode ocorrer também com a apreensão de documentos do trabalhador (GARCIA, 2013, p. 178)

Nesse sentido, o Brasil ratificou as Convenções nº 29 e 105 da OIT que versam sobre o trabalho forçado ou obrigatório. De acordo com a Convenção nº 29 da OIT, que entrou em vigor no ordenamento jurídico brasileiro em 1958, o trabalho forçado é entendido como aquele que exige do indivíduo a prestação de um serviço sob ameaça de alguma penalidade e para qual não se ofereceu de espontânea vontade. A Convenção nº 105 trata da proibição do uso do trabalho forçado como método de coerção ou educação política, ou ainda como medida para o desenvolvimento econômico, disciplina de trabalho ou punição por participação em greve.

Na década de 1990, o Brasil sofreu diversas denúncias em organismos internacionais por não combater o trabalho escravo. Assim, para se evitar uma condenação, estabeleceu-se uma série de compromissos do país para o combate ao trabalho escravo. Nesse sentido, iniciou-se a formação do Grupo Interministerial para Erradicação do Trabalho Forçado – GERTRAF e o Grupo Especial de Fiscalização Móvel. Em 2002, foi criada pelo Ministério Público do Trabalho a primeira estrutura oficial para o tema, a Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo – CONAETE (NOGUEIRA et. al., 2013, p. 222).

Em 2003, no âmbito da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, surge a CONATRAE – Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho escravo que foi responsável por adotar medidas de combate e prevenção à prática do trabalho escravo. Além disso, estabeleceu-se o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo – PNETE que deu origem à modificação da redação do art. 149 do Código Penal, que disciplina o crime de redução a condição análoga à de escravo (NOGUEIRA, et. al., 2013, p. 222).

O art. 149 do Código Penal brasileiro estabelece, para fins penais, o conceito de trabalho em condições análogas à escravidão e serve como parâmetro e balizamento para atuação do Estado no combate à exploração desumana da mão de obra no país. A definição de trabalho análogo à condição de escravo é mais ampla do que aquela prevista na Convenção nº 29 da OIT ao abarcar também o trabalho degradante.

O direito brasileiro sanciona penalmente o empregador que submete a pessoa a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas e também quando se verifica a prática de trabalho degradante. No entanto, esses temas são conceitos jurídicos indeterminados e, portanto, necessitam da interpretação para sua real efetivação. Assim, a legislação deixa aberta a possibilidade de enquadramento como jornada exaustiva de novas hipóteses de exploração do trabalhador, como as decorrentes da evolução da sociedade complexa em que vivemos.

No mesmo sentido do combate ao trabalho escravo, a legislação referente ao tráfico de pessoas evoluiu consideravelmente após a ratificação do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, também conhecido como Protocolo de Palermo, pelo Brasil em 2004. Em seu art. 3º, “a”, estabelece o conceito de tr|fico de pessoas:

A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos;

Assim, o tráfico de pessoas pode ocorrer para a exploração sexual, trabalhos forçados ou

práticas similares à escravatura, o que remonta ao trabalho em condições degradantes e não apenas o trabalho forçado em sentido estrito tal como era encarado pelas Convenções 29 e 105 da OIT.

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Os trabalhadores migrantes internacionais estão constantemente sujeitos ao tráfico de pessoas com a finalidade de exploração de seu trabalho na forma de jornadas exaustivas, condições degradantes ou trabalhos forçados. Assim, as medidas assumidas pelos órgãos de defesa do trabalhador são fundamentais para se evitar a prática desses crimes.

2.2 Responsabilidade jurídica pela prática do trabalho escravo e atuação dos órgãos de proteção ao trabalhador

Como destacado no tópico anterior, a sujeição do trabalhador à condição análogo à de

escravo configura crime previsto no art. 149 do Código Penal e sujeita o autor à pena de reclusão de dois a oito anos de reclusão e multa, bem como o aumento de metade da pena quando o crime for praticado contra criança ou adolescente, ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Contudo, a conduta também gera efeitos nos demais ramos do direito e sujeita o empregador e demais responsáveis no âmbito trabalhista, administrativo, previdenciário, etc.. A responsabilidade trabalhista consiste no enquadramento do trabalho escravo como hipótese de trabalho proibido e que tem como principal efeito a necessidade de pagamento de todas as verbas trabalhistas ao trabalhador, bem como o reconhecimento do vínculo de emprego e a contagem do tempo para fins previdenciários. Nesse caso, o trabalhador não continua a prestação dos serviços diante da ausência de proteção mínima à dignidade do trabalhador.

Além disso, de acordo com o art. 2º-C, Lei nº 7.998/1990, é necessário o pagamento de seguro desemprego ao trabalhador que for resgatado de trabalho escravo e consiste no pagamento de 1 salário mínimo pelo período de 3 meses.

Em âmbito administrativo, o empregador está sujeito a três tipos de penalidades: inscriç~o de seu nome na chamada “lista suja” do trabalho escravo, restrições para se obter crédito agrícola e pagamento de multas de natureza administrativa (CAIRO JUNIOR, 2014).

É nesse sentido que se destaca a atuação dos Auditores-Fiscais do Trabalho no âmbito do atual Ministério do Trabalho e Previdência Social. Os autores-fiscais são responsáveis por fiscalizar o cumprimento das disposições legais de proteção ao trabalhador bem como proceder à lavratura de auto de infração na hipótese de ser verificar a ocorrência de ilícitos contra o trabalhador. Assim, a função exercida pela fiscalização é indispensável para se coibir a prática do trabalho escravo, uma vez que possuem a prerrogativa de ingressar nos estabelecimentos empresariais para se verificar as condições de trabalho conforme prevê o art. 14 do Decreto nº 4.552/2002, que estabelece o Regulamento de Inspeção do Trabalho.

De acordo com a Instrução Normativa nº 91/2011, é dever dos Auditores-Fiscais do Trabalho, o combate ao trabalho em condições análogas à de escravo, uma vez que constitui atentado aos direitos fundamentais do trabalhador. Com a autuação, deve o fiscal indicar o número de seguros-desemprego que serão necessários. Assim, inclusive no tocante à seguridade social do trabalhador, esses profissionais exercem função de destaque.

A mesma instrução normativa prevê, em seu art. 14, as principais medidas que devem ser tomadas no momento de lavratura do auto de infração, que consistem na necessidade da imediata paralisação das atividades, a regularização dos contratos de trabalho, o pagamento dos créditos trabalhistas e o recolhimento do FGTS.

No tocante ao trabalhador imigrante internacional, é necessário pontuar que apenas essas medidas são incapazes de solucionar a condição de extrema vulnerabilidade que se encontram. A atuação dos fiscais não deve ser restrita apenas à garantia dos direitos trabalhistas, mas ao auxílio para que esses trabalhadores obtenham a melhor forma de defesa de seus direitos, como o direito à permanência no país, evitando assim o retorno forçado ao país de origem que poderia trazer ainda mais prejuízos aos seus direitos fundamentais.

Nesse sentido, atuação conjunta entre os agentes de fiscalização e os órgãos que atuam junto ao judiciário na defesa dos direitos do migrante, como a Defensoria Pública da União, é extremamente necessária para se assegurar condições dignas para esse trabalhador. A

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constatação da irregularidade do migrante não deve ser justificativa para sua deportação ao país de origem, uma vez que essa medida seria nova hipótese de punição ao trabalhador.

Além de se submeter a jornadas exaustivas, trabalhos forçados ou degradantes, o trabalhador migrante internacional é novamente punido ao ser enviado ao seu país de origem, o que demonstra total desrespeito à dignidade da pessoa humana e o leva a enfrentar novamente todas as condições de miséria, pobreza, fome etc. que o fizeram se deslocar.

Assim, seria indispensável que os agentes de fiscalização e a Defensoria Pública da União, órgão responsável pela tutela dos direitos desses hipossuficientes, auxiliassem esses trabalhadores na obtenção de visto temporário ou de medida judicial que impeçam o retorno ao país de origem.

Outro órgão responsável pela defesa da ordem jurídica e garantia da proteção dos trabalhadores contra o trabalho escravo e o tráfico de pessoas é o Ministério Público do Trabalho. A defesa dos direitos humanos deve ser considerada a tônica da atuação do MPT para a redução das diferenças de tratamento entre estrangeiros e nacionais (LOPES, 2015, p. 224).

A denúncia recebida pelo MPT deve ser autuada e distribuída e, se constatada irregularidade é instaurado Procedimento Preparatório ou Inquérito Civil Público. Uma das frentes de atuação do MPT é no combate ao tráfico de pessoas para redução análoga à de escravo. Nesse sentido, além de participar com o ingresso de Ação Civil Pública para assegurar os direitos dos trabalhadores, é comum a participação de Procuradores do Trabalho em forças-tarefas para resgate de trabalhados escravos (LOPES, 2015, p. 226).

É possível também que os responsáveis celebrem TAC para que a conduta não se repita. Importante destacar que, segundo Lopes (2015, p. 226), a falta de previsão normativa de regularização obrigatória dos migrantes submetidos a tráfico é um empecilho à atuação do MPT para encaminhar esses trabalhadores ao recebimento de direitos sociais com o seguro-desemprego, a expedição de CTPS.

Novamente, o não reconhecimento pelo Brasil da condição de vulnerabilidade do trabalhador migrante internacional assegura o tratamento discriminatório do Estado em relação a essas pessoas, que são duplamente punidas, seja pelo retorno forçado ao país de origem, seja por não assegurar os direitos humanos mínimos para uma vida digna no país de acolhida.

Os efeitos dessa medida de não reconhecimento servem exclusivamente aos interesses da acumulação de capital, que permite a manutenção de uma massa de trabalhadores de “segunda classe” com total ausência de direitos trabalhistas, que podem novamente ser explorados para o aumento do lucro das empresas.

O trabalho dos órgãos de proteção ao trabalhador é fundamental para o combate do tráfico de migrantes internacionais para fins de exploração em trabalho escravo, mas que enfrenta constante resistência diante da ausência de reconhecimento e normatização dos direitos desses trabalhadores. Aliados ao reconhecimento de direitos, é necessária a implantação de políticas públicas em todos os níveis da federação para a integração do migrante na sociedade e para a garantia de cumprimento de eventuais direitos assegurados. CONCLUSÃO

Conforme apontado, a visão de mercado da migração é insuficiente para abordar e

solucionar a exploração do trabalhador migrante, uma vez que está inserida no próprio sistema capitalista que gera as desigualdades entre países, raças, etnias e entre gêneros que força a migração de trabalhadores de países periféricos para os centrais em busca de condições dignas de trabalho.

Diante da vulnerabilidade gerada pela impossibilidade de regularização e obtenção da CTPS, os estrangeiros ficam sujeitos ao tráfico internacional de pessoas e ao trabalho em condições análogas à de escravo. Existem diversas medidas no ordenamento jurídico brasileiro para coibir essas práticas e os órgãos de proteção do trabalhador exercem função extremamente relevante na identificação dos trabalhadores que se encontram nessas condições, da garantia de

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direitos trabalhistas mínimos e da aplicação de sanções aos empregadores que cometem essas faltas.

No entanto, a atuação dos Auditores-Fiscais e dos Procuradores do Trabalho se demonstram insuficientes para a garantia de direitos humanos mínimos aos estrangeiros que buscam trabalho no Brasil, uma vez que a ausência de ratificação das convenções internacionais que visam assegurar a tutela do migrante no país e a falta de regulamentação interna, não removem o trabalhador da condição de vulnerabilidade a que está situado e possibilita, mesmo após eventual resgate das forças-tarefas do MPT e MTPS, que o trabalhador seja novamente explorado, seja pelo envio forçado ao país de origem, seja pela não regularização de sua condição no país, impedindo que obtenha direitos sociais como os demais trabalhadores nacionais. Mantém-se para o aumento do lucro das empresas, uma massa de trabalhadores irregulares que reduzem o custo da mão de obra na exploração da mais valia do trabalhador.

Assim, somente com a implementação de uma análise da migração voltada aos direitos humanos com o reconhecimento do estrangeiro como sujeito de direitos e não como mera mercadoria será possível a alteração do ciclo de exploração do trabalhador, auxiliando o MPT e o MTPS e os demais órgãos responsáveis pela tutela desse grupo de imigrantes que se encontra em extrema vulnerabilidade a alterar a situação jurídica, social e econômica dos estrangeiros resgatados do trabalho forçado ou degradante e do tráfico de pessoas. REFERÊNCIAS BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca pela segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. CAIRO JUNIOR, José. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. Salvador: Juspodivm, 2014. CAMINO, Maria Ester Mena Barreto; FONTANIVE, Vicente Marcos. Tramitação da Convenção Internacional sobre a proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias nos Poderes Executivo e Legislativo. Brasília, Câmara dos Deputados, 2014. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/areas-da-conle/tema3/2014_11685.pdf. Acesso em: 03. jun. 2016. CONAETE. Relatório de atividades da CONAETE – Exercício de 2009. Brasília, Ministério Público do Trabalho, 2010. Disponível em: http://www.pgt.mpt.gov.br/portaltransparencia/download.php?tabela=PDF&IDDOCUMENTO=643. Acesso em: 05. jun. 2016. DÜVELL, Franck. Some Reasons and Conditions for a World Without Immigration Restrictions. ACME: Na International E-Journal for Critical Geographies, 2003. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013 LOPES, Cristiane Maria Sbalqueiro. Migrações, mundo do trabalho e atuação do Ministério Público do Trabalho. IN: PRADO, Erlan José Peixoto do; COELHO, Renata (org.). Migrações e trabalho. Brasília: Ministério Público do Trabalho, 2015. NOGUEIRA, Christiane et. al. Tráfico de pessoas e trabalho escravo: além da interposição de conflitos. Revista do Ministério Público do Trabalho. Brasília, n. 46, p. 217-244, 2013. URIARTE, Oscar Ermida. Derecho a migrar y derecho al trabajo. IN: Observatorio de Políticas Públicas de Derechos Humanos en el Mercosur. Las migraciones humanas en el Mercosur. Una

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mirada desde los derechos humanos. Montevideu, 2009. Disponível em: http://www.iin.oea.org/IIN2011/newsletter/boletin4/Publicaciones/Migraciones_en_el_Mercosur-livro_nov09[1].pdf. Acesso em: 28 mai. 2016. VICHICH, Nora Pérez. Las políticas migratórias regionales y los derechos de los trabajadores: perspectivas y desafíos. IN: PRADO, Erlan José Peixoto do; COELHO, Renata (org.). Migrações e trabalho. Brasília: Ministério Público do Trabalho, 2015. WALLERSTEIN, Immanuel. The Construction of peoplehood: Racism, Nationalism, Ethnicity. Sociological Forum, v. 2, n. 2, p. 373-388, 1987.

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PROFISSIONAIS DO SEXO E SUA POSIÇÃO DIANTE DO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO

SEX PROFESSIONALS AND YOUR POSITION BEFORE THE BRAZILIAN LABOR LAW

Raissa Felisberto Lopes *

RESUMO: Tem-se por vínculo empregatício a relação jurídica entre duas pessoas, onde uma destas coloca-se à disposição contínua da outra de compromisso personalíssimo revestindo esta pelo véu da subordinação. A relação de trabalho, por sua vez é um fato sociojurídico que se diferencia da primeira por não conter os elementos essenciais do nexo empregatício e também por haver em si um incidente independente devendo ser analisado ao caso concreto, sendo sua definição mais clara o trabalho prestado por alguém a outro mediante contraprestação. Para as profissionais do sexo isso não é diferente. Apesar de se tratar de um trabalho e ter sua classificação no Cadastro Brasileiro de Ocupações, as mulheres não possuem nenhuma proteção relativa ao seu trabalho ficando a margem sujeitas ao abandono e omissão pelo segmento jurídico a que pertencem. Esse artigo tem como objetivo apresentar uma análise teórica comparativa acerca das legislações pertinentes ao redor do mundo, como a Holandesa e a Alemã e a abstenção do Estado Brasileiro diante dessa profissão sendo também estudado casos já documentados que trazem o ponto de vista das profissionais quanto suas atividades e o impacto das mesmas quanto a criação hipotética de direitos protetivos. Esse trabalho terá um cunho bibliográfico. Nessa perspectiva, livros, artigos e revistas foram utilizadas como evidências que contribuíram para as reflexões sobre condições de trabalho e a experiência da prostituição. Entende-se que há uma necessidade atual sobre a referida discussão, investigação e a procura de novas soluções jurídicas e a defesa da proteção destas trabalhadoras (profissionais do sexo), não apenas sob o ponto de vista constitucional, mas pelo direito do trabalho como um todo, para auxiliar e trazê-lo à uma esfera jurídica trabalhista protetiva. Palavras-chave: direitos sociais. relação de trabalho. profissionais do sexo.

ABSTRACT: Has-if by employment link the legal relationship between two people, where one of the disposal proceeds from another personal commitment by coating for the veil of subordination. The employment relationship in turn is a social juridical fact that differs from the first not to contain the essential elements of the employment nexus and for having an independent incident and has to be ascertained by case, being its clearer definition the work done by someone else upon consideration. For the sex workers this is no different. Although it is a job and having his rank in Brazilian Register of occupations, women have no protection concerning his work getting the margin subject to abandonment and omission by the legal segment to which they belong. This article aims to present a theoretical comparative analysis about relevant laws around the world, such Dutch and German and Brazilian State's abstention on this profession being studied also cases already documented that bring the point of view of professionals about their activities and the impact of the same as the hypothetical creation of protective rights. This work will have a bibliographical nature. In this perspective, books, articles and journals have been used as evidence that contributed to the reflections on the working conditions and the experience of prostitution. It has understood that there is a current need about that discussion, investigation and the search for new solutions and legal protection of these workers (sex workers), not just under the constitutional point of view, but also by labor law as a whole, to assist and bring this work to a legal protective labor sphere. Keywords: social rights. labor relations. sex workers.

* Pós-graduanda em Direito Material e Processual do Trabalho na Escola Superior do Direito. E-mail:

[email protected].

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SUMÁRIO: Introdução. 1 Aspectos históricos 1.1 Aspectos sociais: prostituição X moralidade. 2 Direito e trabalhadoras do sexo. 2.1 Exposição analítica: o projeto de lei Gabriela Leite e as legislações holandesa e alemã. Conclusão. Referências, INTRODUÇÃO

O direito do trabalho é conhecido por ser uma área com veias protetivas englobando em seu meio legislativo diversas características protetivas que impedem abusos e tentam, na maioria das vezes, estabelecer relações de trabalho e emprego salubres e com forças equiparadas.

Lamentavelmente ocorre que, nem sempre, todas as profissões recebem o direito de ser acolhido pelo direito do trabalho e consequentemente seus benefícios legais. Um deles é analisado no presente artigo: as profissionais ou trabalhadoras do sexo. A problemática central discutida com frequência é a respeito da criação de uma regra jurídica que normatiza a atividade como profissão e estabelece vantagens e direitos àquelas que exercem esse ofício.

Ocorre que a regulamentação é um tema que envolve diversas partes como: as mulheres que exercem essa profissão e essa relação com o direito do trabalho, ponto este que é analisado por este trabalho, mas deve expor, desde já, que as relações das profissionais não atingem apenas a relação entre trabalhador/consumidor, ou ainda, relação entre empregador e empregado: as profissionais do sexo possuem relações jurídicas, também presentes em todas as outras profissões, com diversas áreas do direito como, por exemplo, o direito previdenciário, direito penal, entre outros.

Por outro lado, é necessário entender quais serão os resultados diretos com tal regulamentação nas profissionais. Quais benefícios essas teriam e se a criação de uma lei traria, efetivamente, essa atividade para o âmbito trabalhista e seu véu protecionista. Assim, não se deve apenas imaginar que o direito do trabalho é o único responsável pela discriminação e invisibilização comumente sofrido por estas mulheres.

A omissão sofrida por elas é geral, abrangendo todos os âmbitos jurídicos e sociais. Infelizmente, tal assunto não poderá ser analisado de maneira tão profunda, sendo avaliado apenas sob aspectos juris trabalhistas com uma interpretação superficial, no âmbito criminal e social.

Esse trabalho utiliza fontes bibliográficas como método de pesquisa, com a leitura e interpretação de livros e artigos referentes ao tema, sendo abordados no primeiro capítulo aspectos históricos a respeito dessa atividade bem como a relações sociais entre essas trabalhadoras tanto na forma como encaram a si mesmas quanto relacionado a sociedade em geral.

No segundo capitulo será analisado a profissão como trabalho e os reflexos legais desse ofício na legislação atual com sua criminalização e uma avaliação comparativa entre o projeto de Lei Gabriela Leite e as legislações Holandesa e Alemã pertinentes ao tema. 1 ASPECTOS HISTÓRICOS

Em tempos antigos, era notável a conexão feita entre a mulher e dito superior ou divino. O fato de a mulher ter a capacidade de gerar em si outro ser humano era colocado de forma superior comparando deste modo o sexo feminino a uma posição de divindade.

Nesse contexto se encontrava a posição social que o ato se encontrava: em tempos antigos a tentativa de obter prazer não era encarada de maneira imprópria, mas sim, vista como algo natural, necessária as funções básicas do corpo. Com a somatória desses dois pontos, a consideração da mulher como deusa e a atribuição do prazer a algo natural, trouxe as mulheres da época um poder excessivo sobre a sociedade em que tinham poder financeiro e social.

Mudanças de como essas relações eram enfrentadas ocorreram quando se passou a entender que o homem começou a criar entendimentos a respeito da sua própria fertilidade, tendo como consequência um rebaixamento da posição social, retirando o poder político e

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financeiro das sacerdotisas e líderes religiosas para que, cerca de 2.000 anos antes de Cristo, houvesse o primeiro registro da prostituição como trabalho, conforme Muçoucah, 2015 expõe:

Aos poucos, as mais diversas civilizações foram rebaixando o poder das sacerdotisas, e pela primeira vez na história humana se viu – exatamente na Suméria, cerca de 2000 anos antes de Cristo, o estabelecimento da prostituição como forma de trabalho, separando esta classe de mulheres das outras, que eram fieis e devotas ao marido. É nesse período que a monogamia, enquanto forma de transmissão de bens e da propriedade começa a ser instituída, como forma de o homem subjugar sua própria mulher ao poder que detinha. No entanto a monogamia, como acima citado, referindo-se em verdade apenas as mulheres, pois os homens, estando entediados com o casamento, procuravam as prostitutas para, com elas, estabelecer uma verdadeira relação de prazer que não marcada estritamente para fins reprodutivos.

Com isso, inseriu-se inicialmente, esse ofício como trabalho. Há ainda a relação das

mulheres desses tempos com a própria profissão, pois ao invés de serem submissas ao marido ou a determinada família, algumas mulheres - quando estas não eram forçadas a serem como, por exemplo, as escravas de guerra - escolhiam ser prostitutas para evitar a subordinação excessiva por parte dos homens.

Em cerca de 2.500 anos os homens conseguiram fazer com que as mulheres que antes eram vistas como seres sexuais e sagrados passassem a ser enxergadas como objetos que serviam aos homens para lhe proporcionar prazer. Isso atingiu proporções ainda maiores na Grécia e na Roma Antiga: Sólon, líder grego, para remover o poder político e financeiro das mulheres que tinham um padrão e respeito consideráveis na sociedade, foi o primeiro a efetivamente regularizar a atividade, que trazia pouco ou nenhum benefício às mulheres: o lucro era dividido entre o Estado e os donos das casas de prostituição que foram criadas para controlar as mulheres e deixá-las sob a tutela do Estado.

Contudo, houve aqueles que não tinham o interesse de deixar seus ganhos na mão do Estado. Esses começaram a exercer sua atividade nas ruas, corrompendo fiscais, tornando o cliente apenas como um pagador. Foi nesse momento que se criou a figura da cafetina, mulher mais velha que controlava e protegia aqueles que escolhiam atuar nas ruas, longe do Estado.

Já em Roma, não havia as mesmas leis que na Grécia, mas sua aceitação não era diferente: havia casas de prostituição espalhadas por todo o império, incluindo os templos, casas de banho e estradas. Foi em Roma que surgiram termos que são utilizados até hoje para classificar ou denominar essa profissão:

Roma nunca criou bordeis estatais, ao contrário das leis de Sólon. No entanto, foram os primeiros a classificar a venda de prazeres em dois grandes grupos: as meretrices (profissionais do sexo que tinham a sua atividade reconhecida pelo império, dando origem a palavra "meretriz") e as prostibulae, donde surge a palavra prostituta - aquelas que prestavam seus serviços fora do controle estatal. (MOCOUÇAH, 2015).

Conclui-se que a principal função dessa liberação às atividades sexuais, era

principalmente, evitar o adultério, permitindo aos homens apenas que aproveitassem de todos os prazeres existentes. Essa visão liberal teve seu derradeiro fim na sociedade hebraica, com a vinda do Velho Testamento, que colocou a prostituta como símbolo da imoralidade.

Todavia, essa visão não impediu que o meretrício continuasse a existir. Por conta da mistura da religião, sendo agora adotado pelo Cristianismo, a prostituição inicialmente era vista como algo inaceitável. Com o tempo, para tornar o poder patriarcal absoluto, era necessário a transformação total das mulheres em objeto, fazendo com que a prostituição fosse transformada de "mal inaceitável", como é colocada no Velho Testamento, para "mal necessário" surgindo neste momento (na Idade Média) a primeira relação com o meretrício de forma oficial.

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Essa figura existiu por meio das casas públicas, ou ainda com as prostitutas públicas: mulheres que exerciam o meretrício com a anuência e controle estatal. Havia ainda nas casas de banho, de maneira ilegal, mas tolerada, o fornecimento de serviços sexuais. Casas de prostituição particulares também existiam, mulheres que trabalhavam sob o domínio dos rufiões, longe do Estado.

Uma observação importante deve ser feita quanto a verdadeira intenção da Igreja ao autorizar as práticas realizadas pelas meretrizes na época: tais razões ultrapassavam as questões morais e patriarcais chegando as questões financeiras. Era interessante tanto ao Estado quanto à Igreja, que o ofício fosse autorizado, pois traria grandes quantidades de dinheiro e valores: há relato de papas que obrigaram as prostitutas a deixarem 50% de suas heranças a conventos, ou ainda, sistemas de tributação que incidia diretamente às prostitutas e não às casas de prostituição.

Apesar da aceitação, ainda que de maneira oculta, também havia repressão as meretrizes, sendo essa outra consideração a ser feita. Vejamos a relação entre a prostituição pobre e a rica: aquelas que não poderiam pagar pela proteção e que não traziam lucro suficiente para a coroa recebiam castigos sérios como ter a cabeça raspada e ir para a prisão. De maneira diferente ocorria com as prostitutas ricas, seu enriquecimento trazia lucros ao Estado, logo eram mais valiosas trabalhando, do que sofrendo punições legais.

1.1 Aspectos Sociais: a relação prostituição X moralidade

Com a queda do sistema feudal e a vinda do Renascentismo, obrigou a Igreja Católica a ter posições contrárias fortes perante o meretrício, sendo um dos motivos principais a ascensão do protestantismo e a sua pregação do que é moral e a condenação da liberdade sexual. Desta forma, a prostituição cai de vez na ilegalidade, mas não na sua extinção por completo, se adaptando aos regimes políticos e sociais adentrando sempre nas veias do poder e permanecendo sempre protegida pelos líderes estatais.

Com a vinda do século XVIII e XIX, a burguesia adentra ao poder e traz consigo, novos padrões morais, sendo necessário em seu conceito, a neutralização e o controle da sexualidade, fazendo com que a prostituição adentrasse totalmente na ilegalidade. Essas bases de controle e neutralidade trouxeram consigo a questão moral acerca da sexualidade.

Todas as relações que preenchiam as qualificações do controlável pela burguesia, incluindo-se nesse rol a visão da mulher submissa, recatada, frágil e do lar, era considerado moral. Tudo aquilo que ia contra esses costumes, como a visão da prostituta que tinha poder sobre seu corpo e auferia lucro com práticas consideradas fora das qualificações impostas pela burguesia, eram consideradas imorais, sujas, doentes e loucas sendo este último atributo muito utilizado pela classe burguesa:

Não é difícil imaginar que, diante desse cenário, a figura da mulher prostituta passa a se tornar a arqui-inimiga do ideário burguês: sua sexualidade insubmissa passa a ser tratada como caso de polícia e médico, numa vigilância panóptica que passa a ser exercida pelo Estado contra os bordéis. As prostitutas passam a perceber, pelos discursos da época, um tratamento diferenciado: segundo o saber médico, tais mulheres davam-se a essa vida por ociosidade, luxúria, pobreza, tendências eróticas, má formação moral, desprezo pela religião etc. Forma-se o estereotipo da “puta”, ou a mulher de “vida f|cil” que se recusa ao trabalho decente e honesto. (MUÇOUÇAH, 2016).

A forma de controlar a liberdade sexual dos indivíduos e a taxação da prostituição como

imoral e doentio, refletiu-se totalmente nas normas criadas na época com reflexões sociais até hoje. Uma delas, presente no Código Penal Brasileiro de 1940, criminaliza a casa de prostituição, na tentativa de inibir a prática realizada nesses, locais levando a prostituição às esferas criminais juntamente com delitos conhecidamente ilegais.

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Essa situação permanece até os dias de hoje, mesmo com a luta contínua de mulheres pelos seus direitos básicos e, mesmo que a passos lentos, à conquista de alguns desses direitos. A visão quanto a sexualidade feminina, permanece tão intocada quanto nos tempos de burguesia: caso uma mulher escolha o caminho da prostituição, ela se afasta daquele padrão imposto pela classe burguesa e rompe sua moralidade, passando a ser mulher da rua, imoral.

Para não obter todas as repressões sociais obtidas com a quebra desse véu da moralidade, mulheres optam por fazerem uma desconexão entre o oficio que realizam e sua vida privada, tudo para impedir que essa barreira da moralidade se rompa, tornando assim sua vida “suja” ou “contaminada”.

Os efeitos das condenações sofridas são sentidos diretamente na relação das mulheres com sua profissão. Elas entendem que oscilam sobre o bem e o mal, o moral e o imoral, compreendendo que apesar de oferecer serviços sexuais em troca de dinheiro, não conseguem se reconhecer como prostitutas. Sentem vergonha da sua profissão e gostariam que suas filhas seguissem caminhos contrários daquele que elas escolheram.

Um dos mecanismos adotados por elas é relativo ao nome. Ao adotarem outro nome elas preservam a barreira da moralidade se distinguindo em duas pessoas. Seu nome original é sagrado, devendo ser protegido a qualquer custo. Outro mecanismo adotado, é em relação ao comportamento, roupas e maquiagens, que, por exemplo, não seriam utilizadas por ela em seu estado “moral”, realizando essa diferenciaç~o entre a mulher da “rua” e a mulher de “casa”.

Os efeitos da invisibilização e contextualização imoral da atividade não param por aí, a relação de personalidade se modifica criando adaptações até que os dois mundos, o da rua e o da casa, consigam viver em consenso. A professora Carla de Méis (2010) entende que essas mulheres, para conseguirem distanciar suas vidas e terem uma relação de equilíbrio, ainda que de maneira superficial, possuem 3 visões gerais de identidade entre sua profissão e sua vida íntima.

Na primeira relação de identidade a mulher se encaixa num papel liminar. As mulheres que se encontram nesse patamar oscilam entre o bem e o mal, entre o certo e o errado. Aqui o certo é a figura da mulher pura, submissa, do lar. Já a ruim é a prostituta sendo encarada como errado, impuro e indesejado.

Essa oscilação impede que essas mulheres façam planos, pois sempre acreditam que a situação em que se encontram seja transitória (podendo ser de fato de caráter transitório ou mesmo permanente) entendendo que só irão conseguir atingir algum tipo de sucesso quando saírem dessa atividade e passarem a exercer atividades que julguem limpas, honestas.

Outra ótica adotada por essas mulheres são aquelas que entendem ser prostitutas e assumem esse papel por completo absorvendo esse ideal para dentro da sua vida íntima, não há mais negação. Sua profissão incorpora sua identidade e a mulher sai da posição liminar ao aceitar sua condição de pessoa sem direitos. Essas mulheres entendem que podem ser violentadas, roubadas, agredidas, pois merecem a condição que vivem e, em casos extremos, não se enxergam mais como seres humanos.

A última visão é a da profissional. A mulher que se entende como profissional é organizada e sente solidariedade com suas colegas de profissão. Ela também consegue estabelecer uma ligação da sua vida íntima com sua vida profissional. A mulher que se encaixa nesse ideal, sabe e compreende que possui direitos e acredita na justiça como ferramenta que pode ser utilizada para fazer com que seus direitos sejam protegidos.

Infelizmente, essa última visão ainda é pouco presente na vida destas mulheres. A violência é constante andando sempre de mãos dadas com o machismo estrutural, sendo um exemplo clássico a utilização dos homens como marcadores de interesse e status, o que causa ainda mais atrito, agressões e falta de companheirismo entre as profissionais, prejudicando a luta por mais direitos ligados a essa atividade.

No âmbito das trabalhadoras sexuais a justiça não é utilizada. Um dos reflexos mais graves da omissão do direito do trabalho é a crença que ilegalidades podem continuar acontecendo porque essas mulheres acreditam que nunca serão ouvidas. Isso ocorre porque sua

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profissão além de trazer um estigma para quem a exerce, a não regulamentação não as insere no contexto trabalhista.

Deste modo elas não se veem como trabalhadoras, não se veem como profissionais ou como se estivessem exercendo uma atividade. Aliada a vis~o do “transitório” e do imoral, essas mulheres entendem que não há justiça para elas, o que causa uma violência ainda maior para as vítimas, ocorrendo a constante permanência da vitimização. Sendo que, a primeira é cometida pelo Estado em não regulamentar a profissão, a segunda é quando ocorre uma violência, geralmente por homens que possuem consciência da fragilidade jurídica e social dessas mulheres, e por último a injustiça que as inibe de recorrer a tutela do Estado para satisfazer e proteger seus direitos.

Não pode deixar de considerar que, além das mulheres (termo utilizado por este artigo, por ser esta a grande maioria dos trabalhadores do sexo), há também homens e mulheres transexuais que exercem esse oficio. No último caso, as mulheres transexuais carregam ainda mais estigma.

Além da carga social, a qual a profissão é inserida, as mulheres transexuais são condenadas por ser aquilo que são: mulheres. A transfobia inserida na sociedade faz com que sejam oprimidas e marginalizadas ao ponto de, por não encontrarem outra atividade, recorram ao meretrício como única saída para sua subsistência.

2 DIREITO DO TRABALHO E TRABALHADORAS DO SEXO

Não se pode dizer que o direito do trabalho protege as profissionais ou ainda trabalhadoras do sexo. Apesar de o meretrício estar claramente ligado ao direito do trabalho (pois se entende que é o desprendimento físico do profissional) a satisfazer os desejos pessoais de outrem, conforme já discutido neste artigo, a profissão oscilou por diversos momentos entre a legalidade e regulamentação e a total ilegalidade, invisibilização e marginalização.

No Brasil não é diferente. O primeiro contato do direito do trabalho com as trabalhadoras do sexo foi em 2002 com a portaria n. 397 do Ministério do Trabalho que instituiu a Classificação Brasileira de Ocupações reconhecendo a prostituição como uma atividade lícita.

A classificação define a atividade como aquelas que buscam programas sexuais; atendem e acompanham clientes; participam em ações educativas no campo da sexualidade. Além disso, a Lei Orgânica da Seguridade Social - lei 8.212/91 em seu artigo 12 alínea b, determina de maneira obrigatória o recolhimento de tributos previdenciários, sendo um pequeno passo para uma regulamentação: as trabalhadoras do sexo podem ser vistas como autônomas.

A definição do trabalhador autônomo pode ser definida como aquele que atua de caráter insubordinado para uma ou várias pessoas assumindo de maneira total os riscos do negócio, sendo esta a diferença principal do empregado conforme define DELGADO (2016):

A diferenciação central entre as figuras situa-se, porém, repita-se, na subordinação. Fundamentalmente, trabalho autônomo é aquele que se realiza sem subordinação do trabalhador de serviços. Autonomia é conceito antitético ao de subordinação. Enquanto esta traduz a circunstância juridicamente assentada de que o trabalhador acolhe a direção empresarial no tocante ao modo de concretização cotidiana de seus serviços, a autonomia traduz a noção de que o próprio prestador é aquele que estabelece e concretiza, cotidianamente, a forma de realização dos serviços que pactuou prestar. Na subordinação, a direção central do modo cotidiano de prestação de serviços transfere-se ao tomador; na autonomia, a direção central do modo cotidiano de prestação de serviços preserva-se com o prestador de trabalho.

Outras diferenças essenciais além da subordinação preconizada pelo autor são a

pessoalidade, ou seja, encaixando-se perfeitamente na atividade realizada pelas trabalhadoras ou profissionais do sexo. Todavia, mesmo com essas primeiras conexões da atividade com o direito do trabalho e previdenciário, o estigma e o caráter imoral atribuído a essas mulheres

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permanece. Para que a primeira transexual pudesse contribuir como profissional do sexo não foi fácil, foi necessário a presença de advogados e uma longa batalha para ter seu direito reconhecido.

Não como um autônomo sem registro especifico de sua profissão, mas sim, como uma profissional que recolhe suas obrigações previdenciárias de maneira exata aos riscos inerentes a sua atividade como qualquer outra. Esse registro ocorreu apenas em 2011, quase 10 anos após a criação da Classificação Brasileira de Ocupações.

Segundo Muçouçah (2015) há o entendimento que de que exista quatro tipos ou classificações de prostituição: o primeiro deles é a prostituição exploratória, condenada por utilizar-se de meios ocultos, ardis, induzindo a pessoa ao erro ou ainda por meio da violência, obrigando a pessoa à prostituir-se contra sua vontade.

Em uma segunda definição há a prostituição de subsistência. Essa profissão é aquela que utiliza a atividade de venda de prazeres sexuais tanto por meio físico, como corpo e voz, quanto como meio virtual, através de vídeo, áudio, imagens, entre outros, para obter lucro e assim garantir o seu sustento. Essa classificação é por vezes criticada, mas deve ser analisada com cautela: há profissionais que optam por esse caminho por não terem outra opção, todavia, há mulheres que escolhem a profissão do meretrício por ser, dentre todas, a mais rentável.

Na terceira classificação está a prostituição de luxo: mulheres que possuem curso superior, falam várias línguas e moram em locais luxuosos. Essas profissionais precisam manter seus corpos impecáveis para atrair olhares que possam pagar pelos investimentos feitos, geralmente homens ou mulheres de alto padrão social, que buscam nessas profissionais mais do que o sexo que é fornecido tanto por estas quanto pelas profissionais da classificação anterior, mas também outros serviços como o acompanhamento em eventos ou festas. Nessa classificação há ainda um poder não encontrado nas profissionais que usam a atividade como subsistência: o poder de escolha.

Essas profissionais podem escolher seus clientes, ficando apenas com os mais ricos ou aqueles que lhes ofereçam mais benefícios. E em última classificação há a prostituição esporádica. É uma atividade eventual, onde a mulher não tem seus rendimentos de forma total apenas nessa profissão. Elas fornecem serviços sexuais em troca de favores ou benefícios específicos em determinadas situações.

Deve-se ressaltar que em qualquer uma dessas classificações, não incluindo nesse rol, por motivos óbvios, a exploração sexual, essas mulheres possuem direitos que devem ser protegidos e resguardados. Não sendo, em nenhuma hipótese, sua profissão motivo para que se sintam mais ou menos detentora de direitos ou ainda indignas.

2.1 Exposição analítica: O projeto de lei Gabriela Leite e As Legislações Holandesa e Alemã

Deve-se ressaltar que, antes do projeto 4.211/2012 houve duas tentativas de inserir a

prostituição na esfera protetiva do direito do trabalho. Uma delas foi com o projeto de lei 98/03 do Dep. Fernando Gabeira. Nesse projeto, houve a exigência de pagamento por serviços sexuais e a revogação do artigo do código penal que criminaliza a manutenção de casa de prostituição, bem como a alteração do artigo que tratava até o presente momento (2003) sobre tráfico de mulheres.

No projeto havia algumas lacunas, principalmente na definição exata do que é a profissional do sexo. O projeto não passou na Câmara dos Deputados, sob as alegações de que a atividade sexual seria um bem indisponível e que tal aprovação seria imoral e contra a dignidade da pessoa humana. Tal projeto, após sua votação, acabou sendo arquivado.

Em 2004, houve a apresentação de um novo projeto pelo Deputado Eduardo Valverde. O Projeto de Lei 4.244 de 2004 denomina como profissional da sexualidade, abrangendo nesse termo não apenas aqueles que fornecem serviços relacionados ao prazer, adotou essa terminologia para afastar outros termos que reforçam o estigma e o preconceito.

No primeiro artigo, ele define quem são os profissionais da sexualidade. São eles: “qualquer pessoa adulta que, com habitualidade e de forma rigorosamente livre, submete o

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próprio corpo para o sexo com terceiros, mediante remuneração previamente ajustada, podendo ou n~o trabalhar em favor de outrem” (PL 4.244/04).

Outras profissões entraram nesse conceito. Aqui, encontram-se também os gerentes de casas, cabarés, casas de strip-tease entre outros, bem como os garçons e garçonetes, as dançarinas, massagistas, atores e atrizes pornográficos e qualquer outra profissão que esteja ligada pelo cunho pornográfico ou apelo sexual. Nesse projeto existia também a possibilidade da prestação de serviços de forma subordinada.

Em 2012 veio o projeto de lei 4.211/2012, conhecido como projeto de lei Gabriela Leite, que trabalhou muitos anos como prostituta e hoje é Socióloga pela Universidade de São Paulo (USP). Gabriela lutou pelas profissionais se posicionando ativamente contra atos autoritários e arbitrários do Estado.

Esse projeto, que é baseado na lei alemã, denomina o profissional do sexo como “toda pessoa maior de 18 anos e absolutamente capaz que voluntariamente presta serviço sexual mediante remuneraç~o”. Nesse primeiro artigo, observa-se alguns pontos importantes.

A primeira seria a obrigatoriedade de pagamento encaixando-se num dos requisitos do contrato de trabalho j| que conforme expõe Delgado (2016 p. 307) “a relaç~o empregatícia é relaç~o essencial fundo econômico”. Outro ponto é a pessoalidade e a ausência da habitualidade.

A opção apresentada pelo projeto seria a forma autônoma e a criação de cooperativas que de forma sucinta pode ser definido como um grupo de pessoas que se unem para exercerem atividades em proveito comum de forma autônoma, não existindo aqui a figura da subordinação.

Ademais, o projeto estabelece uma diferenciação entre a exploração sexual da atividade em si, havendo assim, uma comparação com a condição análoga a escravo presente no artigo 5º incisos II, XIII e XLVII da Constituição e no artigo 149 do Código Penal, sendo que a principal diferença determinada no projeto em seu artigo 2º é a questão da vontade, elencando ainda no parágrafo único as espécies de exploração sexual.

No último artigo, o projeto beneficia as profissionais com a aposentadoria especial de 25 anos, pois se sujeitam a condições de trabalho insalubres e sofrem com o envelhecimento precoce.

Nesse diapasão, é necessário tecer comentários ao projeto de lei 377/2011 que, caminhando em sentido contrário ao projeto de lei aqui discutido, quer criminalizar a prostituição: tanto a quem recorre a esse serviço quanto aquele que oferece os mesmos mediante remuneração, punindo com detenção, acrescentando no código penal um artigo tipificando o crime de “contrataç~o de serviços sexuais”.

A legislação alemã, por sua vez, não tinha qualquer lei que regulamentasse a profissão até 2002 com a criação da lei sobre prostituição. Essa norma tem um caráter amplo, dando independência aos estados para criar normas mais especificas sobre prostituição. Entre alguns direitos conferidos, foram segurança jurídica e social às profissionais, melhoria nas condições de trabalho e auxílio para quem queira abandonar a prostituição.

Criaram-se mecanismos jurídicos para cobrar o pagamento por serviços prestados que não foram pagos. Possibilitou a relação de emprego formalizando contratos de trabalho e a consequente inserção dessas profissionais na seguridade social. E por fim, foi abolida a lei que considerava como ‘promoç~o da prostituiç~o’ o fato de bordéis oferecerem boas condições de trabalho ou ter, por exemplo, preservativos à disposição dos clientes. Estima-se que a atividade sexual na Alemanha movimenta cerca de 6 bilhões de euros por ano. Na Holanda, a lei referente a prostituição entrou em vigor em 2001, a profissional deve ter no mínimo 18 anos, enquanto o cliente deve ter, no mínimo, 16 anos.

A lei holandesa trata as profissionais como empresárias incumbindo-as de pagar impostos, incluindo o imposto de renda e acesso a direitos como qualquer outra profissão. Há uma taxa especifica desse serviço que é cerca de 20%, e para se realizar qualquer atividade nesse sentido, é necessário obter licença municipal.

Recentemente, o governo holandês abriu a possibilidade de revogação da lei e criminalização da prostituição como alguns países europeus, como a Suécia, onde a profissão é

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ilegal desde 1999. Houve protestos e manifestações contrárias ao governo, cerca de 7.000 profissionais apenas em Amsterdã.

Como última análise a ser feita, ainda que superficial, a Suécia criminaliza a prostituição, contudo, possui mecanismos pedagógicos e sociais que evitam tanto a prostituição por exploração quanto a prostituição por subsistência. As diferenças entre legislações são grandes.

O estado brasileiro, infelizmente, permanece por enquanto, numa posição omissa existindo no ordenamento jurídico apenas a criminalização das casas de prostituição levando como consequência toda a atividade para a condenação moral, ainda que a atividade independente não seja ilegal.

CONCLUSÃO

Com o presente trabalho, apresentou-se a origem das profissionais do sexo, a visão social

sobre si mesma e a relação entre moralidade e a sociedade em geral. Assim como, sua relação e posição diante do direito do trabalho brasileiro, e uma análise entre essa profissão no Brasil, na Alemanha e Holanda.

Com a omissão permanente do direito brasileiro como um todo, essas mulheres sofrem com a violência física e moral, sendo consideradas indignas e não detentoras de direitos, aumentando a opressão e perpetuando um sistema patriarcal de tutela e controle do corpo e sexualidade femininos nas mãos do homem.

A inserção da profissão no cadastro brasileiro de ocupações é, sem dúvida, um passo importante para essas mulheres, bem como a possibilidade de recolhimentos previdenciários direcionados a sua profissão específica.

Contudo não pode-se estacionar apenas nesse quesito. O direito do trabalho deve ter uma conduta ativa na proteção dessas mulheres e os projetos de lei aqui apresentados procuram demonstrar uma nova forma de analisar essa atividade trazendo a essas mulheres um direito básico em qualquer outra profissão e primordial para saúde de qualquer pessoa: a dignidade.

Com as legislações de outros países pode-se constatar que há diversos resultados, todavia, precisa-se compreender que o Brasil é um pais de estrutura social divergente dos europeus e que a prostituição por subsistência é um dos principais motivos de escolha da atividade, aumentando ainda mais a necessidade de um olhar imediato e preciso. Levando em consideração diversos fatores sociais, normativos e econômicos, a opinião e a visão das próprias trabalhadoras, são diretamente afetadas pela omissão do estado.

Em virtude do que foi exposto, o presente artigo pode ser concluído, afirmando que a discussão, estudo e consequente regulamentação da profissão do sexo, é o melhor caminho para trazer essas profissionais da obscuridade para a luz dos direitos protetivos e direitos básicos constitucionais. REFERÊNCIAS ANDRADE, João Henrique. SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruna. Prostituição, Direito do Travalho e Direito Penal: Analise sobre o Projeto de Lei Gabriela Leite. In: BARACAT, Eduardo Milléo. FELICIANO, Guilherme Guimarães. (Org.). Direito Penal do Trabalho: reflexões atuais. São Paulo: LTr, 2010. BRASIL. Lei nº 8.213 de 24 de junho de 1991. Lei Orgânica da Assistência Social. In: Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 jun. 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 28 out. 2016.

______. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 30 out. 2016.

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DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016.

MÉIS, Carla de. Prostituição e Marginalidade: Narrativas de Identidade entre Prostitutas. In: RENAULT, Luiz Otávio Linhares. VIANA, Marcio Tulio. CANTELLI, Paula Oliveira. (Org.) Discriminação. 2. ed. São Paulo: LTr, 2010

MUÇOUÇAH, Rentato Almeida Oiiveira. Profissionais do sexo e seu exercício profissional: delimitações entre as esferas Penal e Trabalhista. São Paulo: LTr, 2015

NUCCI, Guilherme de Souza. Prostituição, Lenocinio e Tráfico de Pessoas: Aspectos Constitucionais e Penais. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

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DIREITO

PROCESSUAL DO TRABALHO,

SEGURIDADE SOCIAL E

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

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DESAPOSENTAÇÃO: RENÚNCIA DA APOSENTADORIA NO REGIME GERAL PARA AQUISISÃO DE OUTRA NO MESMO REGIME COM MAJORAÇÃO DA RENDA

DESAPOSENTATION: RETIREMENT WAIVER IN GENERAL ARRANGEMENTS FOR

ANOTHER ACSITION REGIME IN EVEN WITH INCOME SUPPLEMENT

Caio Afonso Laforga Sanches* Raquel das Neves Rafael**

RESUMO: Desde que o homem passou a se preocupar com as adversidades da vida, como doença, velhice e fome, que a Previdência Social passou a se desenvolver para melhor amparar a sociedade, chegando ao patamar que se encontra. Nesse contexto de evolução e desenvolvimento, nos deparamos com um instituto jurídico da desaposentação que emerge com força no Direito Previdenciário, muito embora ainda não tenha sido regulamentado. O tema em linhas gerais é a abdicação da aposentadoria, em decorrência de ter vertido contribuições posteriormente a esta, assim computando tal período e as prestações para obter uma nova aposentadoria com a renda mensal majorada, mais especificamente, num pedido de desaposentação de aposentadoria por tempo de contribuição para uma nova aposentadoria por tempo de contribuição. Ademais, não deve haver a devolução das parcelas já recebidas na aposentadoria, visto que o mesmo é de caráter alimentar, além de ter sido concedido de maneira legítima e, também não causar prejuízo atuarial, já que a nova aposentadoria será em decorrência do segurado ter continuado contribuído enquanto aposentado. Mister discorrer sobre o direito de países, como Portugal, Canadá, Estados Unidos, Espanha e Chile, pois já adotam o instituto, não com a mesma nomenclatura, apenas tratando de uma simples revisão da renda do segurado que se aposenta e continua vertendo prestações ao sistema previdenciário. Nesse viés, a metodologia utilizada no presente trabalho fora pesquisas bibliográficas, estudos da legislação pátria e internacional, como também de doutrina e de jurisprudência, fazendo uma intertextualização com o novo instituto em apreço. Portanto, apesar da grande maioria ser a favor do instituto, a regulamentação da matéria traria uma maior segurança jurídica, findando por completo a celeuma que impede a concessão do instituto, além de, trazer a milhares de segurados uma melhor condição de vida. Palavras-chave: aposentadoria. desaposentação. Direito Previdenciário. renúncia. INSS. ABSTRACT: Since man began to worry about the adversities of life, such as illness, old age and hunger, that Social Security has to be developed to better protect society, reaching the level that is. In this context of evolution and development, we face a legal institute of desaposentation emerging with force in the Social Security Law, although it has not yet been regulated. The theme in general is the abdication of retirement, due to be poured contributions subsequent to that, so computing that period and benefits for a new retirement with increased monthly income, more specifically, a request for time retirement desaposentation contribution to a new pension contribution time. Moreover, there should be the return of installments already received in retirement, since it is food character, besides being granted legitimately and also does not cause actuarial loss, as the new retirement will be as a result of the insured have continued contributed as retired. Mister talk about the right of countries, such as Portugal, Canada, United States, Spain and Chile, as already adopted the institute, not with the same nomenclature, only dealing with a simple review of the income of the insured person who retires

* Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Damásio. Especialista em Direitos

Humanos e Segurança Pública no Brasil pela Academia de Polícia Civil do Estado de São Paulo. Mestrando no Programa de Pós Graduação em Direito PPGDIREITO/UNESP/FRANCA, da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho". E-mail: [email protected].

** Mestranda no Programa de Pós Graduação em Direito PPGDIREITO/UNESP/FRANCA, da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho". E-mail: [email protected].

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and continues pouring benefits to social security system. In this bias, the methodology used in this study was bibliographic research, studies of the country and international law, as well as the doctrine and jurisprudence, making a intertextualization with the new institute in question. Therefore, although the vast majority is in favor of the institute, the regulation of the matter would bring greater legal certainty, ending completely the stir that prevents the granting of the institute, and bring thousands of policyholders a better condition of life. Key words: retirement. desaposentation. Social Security Law. renounce. INSS. SUMÁRIO: Introdução. 1 Regimes previdenciários. 1.1 Espécies de aposentadoria. 1.1.1 Aposentadoria por invalidez. 1.1.2 Aposentadoria especial. 1.1.3 Aposentadoria por idade. 1.1.4 Aposentadoria por tempo de contribuição. 2 Da desaposentação. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

Desde que o homem passou a se preocupar com as adversidades da vida, como doença, velhice, fome entre outros, que o Seguro e Previdência Social passaram a se desenvolver para melhor amparar a sociedade, chegando ao patamar que se encontra.

Nesse contexto de evolução e desenvolvimento, nos deparamos com um instituto da desaposentação que emerge com força no Direito Previdenciário, muito embora ainda não tenha sido regulamentado.

O tema em linhas gerais é a abdicação da aposentadoria, em decorrência de ter vertido contribuições posteriormente a esta, assim computando tal período e as prestações para obter uma nova aposentadoria com a renda mensal majorada.

Desta maneira, com o escopo de contextualizar a matéria será abordado os regimes previdenciários e suas respectivas diferenças, além das espécies de aposentadorias vigentes atualmente para então adentrarmos no instituto da desaposentação.

Pois bem, neste capítulo especial será tratado as peculiaridades da desaposentação, como conceito, posicionamentos doutrinários favoráveis em contrapartida com o pensamento minoritário desfavorável, assim, como o posicionamento jurisprudencial. 1 REGIMES PREVIDENCIÁRIOS

No Brasil há três regimes previdenciários, o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), e o Regime de Previdência Complementar. Os dois primeiros são da previdência pública, já o terceiro é da previdência privada.

Nesse sentido, explica: Pode-se afirmar que a proteção previdenciária brasileira não é a mesma para todos os trabalhadores, dada a diversidade de regimes de previdência social. Todos os trabalhadores estão protegidos pela previdência social, mas as regras de proteção variam de acordo com a atividade laboral exercida. (DIAS; MACÊDO, 2010, p. 42).

No regime complementar a contribuição é facultativa, sendo o benefício correspondente a uma reserva acumulada e independe da concessão em outros regimes.

No que tange ao regime próprio, este abrange servidores titulares de cargo efetivo dos entes da federação, isto é, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de suas Autarquias e Fundações. Abarca, também, os policiais federais e civis, magistrados, membros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas.

Cumpre trazer { baila que “O Regime Geral é o mais amplo, respons|vel pela proteç~o da grande massa de trabalhadores brasileiros. Como visto, é organizado pelo Instituto Nacional de

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Seguro Social – INSS, autarquia vinculada ao Ministério da Previdência Social” (IBRAHIM, 2012, p. 33).

Relativo ao Regime Geral, este abarca todos os trabalhadores da iniciativa privada, sendo regulados pela Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT. Além dos trabalhadores rurais, domésticos, autônomos, empresários, avulsos e segurados especiais. 1.1 Espécies de Aposentadoria

As aposentadorias conferidas por esse regime são: por idade, invalidez, especial e por

tempo de contribuição. Sendo regulamentado pela Lei nº 8.212/91, que trata do Plano de Custeio da Seguridade Social e pela Lei nº 8.213/91, que trata dos Planos de Benefícios da Previdência Social, ambas de 24.07.1991, regidas pelo Decreto nº 3.048/99. 1.1.1 Aposentadoria por Invalidez

Este tipo de aposentadoria é concedido ao incapacitado de reabilitação funcional, sendo lhe pago uma quantia até a permanência desta condição, que é avaliada por exame pericial médico, a cargo da previdência social. Contudo, se a invalidez for decorrente de lesão ou doença já existente à data de filiação, o benefício não poderá ser concedido, evitando assim, fraude ao sistema.

Para um melhor entendimento, destaca-se a explanação de Marcelo Leonardo Tavares (2010, p. 134):

O valor da aposentadoria será acrescido de 25%, se o aposentado necessitar de assistência permanente de outra pessoa, observada a relação de doenças constante do anexo I do RPS, sendo devido ainda que o valor da aposentadoria atinja o limite máximo legal, cessando com a morte do aposentado e sem se incorporar à pensão por morte. A relação de doenças é exemplificativa. Havendo comprovada necessidade da complementação, atestada por perícia médica, esta será devida.

Para que seja concedido esta aposentadoria, deve haver ao segurado um período de

carência, ou seja, 12 meses de contribuição. Entretanto, há casos em que esta será dispensada, quais sejam: acidente ou doença profissional ou do trabalho, hepatopatia grave, tuberculose ativa, hanseníase, entre outros, que estão dispostos numa lista elaborada pelo Ministério da Saúde e da Previdência e Assistência Social. 1.1.2 Aposentadoria Especial

Esta aposentadoria será paga aos trabalhadores que tenham laborado 15, 20 ou 25 anos em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física, com agentes físico, químico, biológico ou associaç~o de agentes. “Na verdade, trata-se de uma modalidade de aposentadoria por tempo de serviço. Apenas que o tempo mínimo exigido é diminuído em razão de o trabalhador exercer atividade nociva { saúde ou a integridade física” (DUARTE, 2010, p. 279).

Considera-se o agente físico como ruído elevado, vibrações, calor, pressões anormais, radiações ionizantes e não ionizantes. Já o químico revela-se por nevoas, neblinas, gases ou vapores de substâncias presentes no ambiente, sendo absorvidos pela via respiratória. E por último, o biológico é a presença de vírus, parasitas, fungos, bactérias, entre outros.

Comprova-se a exposição desses agentes por meio do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), podendo ser emitido pela empresa quando o funcionário pleitear aposentadoria no INSS, quando o contrato de trabalho acabar, ou quando solicitado pelo INSS. “Neste benefício, n~o h| distinç~o de tempo de trabalho entre homens e mulheres – todos devem

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cumprir o mesmo tempo de atividade sujeito a agente nocivo, para obtenç~o do benefício” (IBRAHIM, 2012, p. 623).

1.1.3 Aposentadoria por Idade

Esta aposentadoria pode ser dividida em três modalidades, sendo elas: urbana, rural e compulsória. Nesse sentido, será concedida aos trabalhadores urbanos que completarem a idade mínima, 60 anos para as mulheres e 65 anos para os homens. Já para os trabalhadores rurais será diminuído 5 anos na idade dos homens e das mulheres.

Quanto a aposentadoria compulsória, o pedido da mesma pode ser feito pelo próprio empregador, e n~o pelo contribuinte. “A empresa pode requerer a aposentadoria do empregado desde que este tenha: 1) cumprido o período de carência; e 2) completado 70 anos se homem, 65 anos se mulher” (TAVARES, 2010, p. 140). 1.1.4 Aposentadoria por Tempo de Contribuição

Existem 3 tipos de regras para esta aposentadoria, a primeira regra é 85/95 progressiva, a segunda 30/35 anos de contribuição e a terceira é aposentadoria proporcional.

A regra dos 30/35 anos de contribuição será para o homem que completar 35 anos de contribuição e a mulher que completar 30 anos, havendo o requisito de limite de idade de 53 anos para homens e 48 anos para mulheres.

Com relação a aposentadoria proporcional:

A aposentadoria proporcional foi extinta pela EC 20/98, pois estudos realizados por técnicos da DATAPREV já vinham constatando a tendência dos segurados de se aposentarem cada vez mais cedo, de forma proporcional com um benefício um pouco menor a fim de complementarem a sua renda, pois, como o desligamento do emprego não é obrigatório, muitos continuam em atividade (ROCHA; BALTAZAR JUNIOR 2012, p. 222).

Nesta aposentadoria proporcional, o homem deveria ter 30 anos de contribuição, e a

mulher 25 de contribuição, sendo o salário de benefício no valor de 70%, acrescido de 6% a cada ano trabalhado, não podendo ultrapassar os 100% e não havendo limite de idade.

Outrossim, referente a regra 85/95 progressiva, aprovada pela Lei nº 13.183/2015, a aposentadoria por tempo de contribuição deve somar a idade do contribuinte mais o tempo em que o mesmo verteu contribuições, resultando em 85 anos para as mulheres e 95 anos para os homens, sendo obrigatório ter o mínimo de contribuição de 30 anos para mulheres e 35 para homens.

Esta fórmula é progressiva, aumentando um ponto, a seguir: 2015 a 2018: 85 mulheres, 95 homens; 2019 a 2020: 86 mulheres, 96 homens; 2021 a 2022: 87 mulheres, 97 homens; 2023 a 2024: 88 mulheres, 98 homens; 2025 a 2026: 89 mulheres, 99 homens; 2027: 90 mulheres, 100 homens.

2 DA DESAPOSENTAÇÃO

Foi Wladimir Novaes Martinez em 1987, o primeiro doutrinador a tratar sobre o instituto da desaposentação, sendo a ele atribuída a criação desta nomenclatura em seu artigo “Renúncia e Irreversibilidade dos Benefícios Previdenci|rios”.

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Em 1988, Martinez publicou outro artigo, chamado “Reversibilidade da Prestaç~o Previdenci|ria”, tratando que a irreversibilidade era um direito do segurado e n~o do sistema previdenciário.

Quatro anos depois, o autor, na obra “Subsídios Para Um Modelo de Previdência Social”, trouxe que, de acordo com a vontade do titular, era possível a desaposentação, consoante os prazos e regras legais.

Desde então, o tema vem sendo debatido em revistas, jornais, congressos e seminários, haja vista que ainda não sofreu regulamentação, a despeito dos inúmeros posicionamentos doutrinários favoráveis a que tal fato se dê.

Corrobora com esse entendimento Maristela Ferreira dos Santos (2012, p.350):

As constantes modificações da legislação previdenciária, notadamente com relação à proibição de acumulação de aposentadorias dentro do mesmo regime previdenciário, bem como os reduzidos valores da renda mensal desses benefícios, fizeram surgir uma pretensão: a desaposentação.

A desaposentação consiste no ato de renunciar a aposentadoria, em virtude de o

segurado ter feito novas contribuições mesmo aposentado, já que sua renda não dava para continuar mantendo sua subsistência, e assim, posteriormente, juntar o tempo e as contribuições para aposentar-se novamente, fazendo jus ao um valor mais benéfico.

O objetivo da desaposentação é a liberação do tempo já contribuído na primeira aposentadoria, para, posteriormente, pleitear uma nova, somando o tempo vertido após aposentar-se. “A desaposentação, desde que vinculada à melhoria econômica do segurado, ao contrário de violar direitos, somente os amplia. Seu objetivo será sempre a primazia do bem-estar do indivíduo, algo desej|vel por toda a sociedade” (IBHAHIM, 2010, p. 40).

Salvador e Agostinho (2012), expõem as principais características da desaposentação, quais sejam:

Ato Jurídico: pois o fato de desaposentar-se reflete na ordem jurídica. Ato Deliberativo Voluntário: o segurado que percebe benefício previdenciário pode manifestar o seu interesse jurídico em desfazer uma situação jurídica existente, ou seja, desaposentar, com fim de uma correta adequação futura. Ato Temporal: é a alteração do ato jurídico presente, isto é, a aposentadoria constituída no passado, porém, com objetivo de mudança no futuro. Ato Personalíssimo: somente o segurado poderá renunciar seu benefício previdenciário. Ato Subjetivo: cada segurado possui condições subjetivas diferentes um dos outros, isto é, necessidades, especificidades, condições de vida, deliberações. Ato Desconstitutivo: pois desconstitui a relação jurídica vigente, qual seja o recebimento de aposentadoria para a constituição de uma nova, mais vantajosa. Ato de Renúncia Vinculado: é a renúncia do benefício previdenciário com projeção futura, ou seja, renúncia de forma conexa com o intuito de obter nova aposentadoria.

Ademais, a Constituição Federal não proíbe o ato de renunciar aposentadoria, muito pelo contrário, uma vez que a legislação previdenciária garante a contagem recíproca do tempo de contribuição entre os regimes. O que é proibido é utilizar o mesmo período contribuído em regimes previdenciários distintos.

Outrora, a renúncia é um ato volitivo e personalíssimo do segurado que tem o direito subjetivo, deste modo, quando desfaz o ato constituído da aposentadoria, este não mais produz seus efeitos futuros, porém mantem os já passados, como os meses percebidos, assim, têm o efeito ex nunc, que é o efeito produzido no instituto da desaposentação.

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Já o efeito ex tunc alcança coisas passadas, ou seja, retroage. É necessário lembrar que o que retroage não é o ato, mas sim os efeitos que ele produz.

O resultado da renúncia é a utilização do tempo de contribuição somado na aposentadoria para computar com o tempo que houve contribuição após aposentar-se.

A renúncia da aposentadoria não ocorreria, se o segurado conseguisse manter seu sustento e de sua própria família com o valor do salário benefício, como tal não acontece, o segurado volta ao mercado de trabalho com uma fonte de renda a mais, consecutivamente, vertendo novas contribuições para o sistema, assim, poderá o mesmo requerer a desaposentação, com a obtenção de um salário benefício mais vantajoso.

Ressalta-se que o ato de renunciar a aposentadoria seria para cessar o percebimento dos proventos desta, não da desconstituição do tempo de serviço ou devolução das parcelas recebidas.

Assim, na desaposentação, o segurado renuncia parcialmente, pois abdica o que receberá da aposentadoria, para então, computar tempo laborado posteriormente e obtenção de novo cálculo de salário benefício, havendo, então, majoração do salário.

Assim, o instrumento da Desaposentação ganha coro quando confrontado com as formas de aquisição e extinção de direitos, sendo plenamente possível, já que compreendido pelas normas gerais, como um autêntico ato de renúncia refletindo o desejo deliberativo de produção de um direito fundamental social (SALVADOR; AGOSTINHO, 2012, p. 36).

Outrossim, é importante diferenciar a revisão de desaposentação. Na revisão, reforma ou

conserta uma situação já existente, ou seja, corrige erro material ou de direito, cometido no ato para concessão da aposentadoria, por exemplo: segurado que aposentou proporcionalmente descobre que não foi utilizado no cálculo de sua aposentadoria tempo laborado, requerendo a revisão da concessão, para então, aposentar-se integralmente.

Sob outro aspecto, embora os institutos da desaposentação e da reversão sejam semelhantes, ambos são distintos. “Na desaposentaç~o, ao contr|rio da revers~o, n~o se busca uma permissão para o retorno à atividade, mas sim a possibilidade de obter novo benefício mais vantajoso, no mesmo ou outro regime previdenci|rio” (IBRAHIM, 2010, p. 68).

Deste modo, a reversão é o retorno da atividade do servidor público já aposentado, ressaltando que o mesmo jamais irá devolver os proventos de inatividade licitamente percebidos.

Referente a viabilidade atuarial, esta ciência analisa os riscos e expectativas financeiras e econômicas, na administração de seguros e pensões, sendo introduzido no artigo 201 com a Emenda Constitucional 20/98.

Nesse sentido, do ponto de vista atuarial, o instituto da desaposentação é perfeitamente possível, pois o segurado que se encontra percebendo o benefício já contribuiu para o sistema previdenciário.

Ibrahim (2010, p. 59) explica que caso o segurado continuar trabalhando e contribuindo, essas novas contribuições gerará excedente atuarial imprevisto, o que pode ser utilizado para constituição de novo benefício.

Em outras palavras, como o sistema previdenciário é contributivo, quando o segurado continua trabalhando e vertendo contribuições, está gerando um ônus para si mesmo, mas também um bônus para o sistema, uma vez que se o segurado não tem expectativa de utilizar essas novas contribuições.

Landenthin e Masotti (2012, p. 98) lecionam que o sistema é de solidariedade, na qual toda sociedade contribui para a seguridade social, direta ou indiretamente, não tratando de infringência a esse princípio a desaposentação, já que aposentado, manteve filiado ao regime e vertendo contribuições.

Ademais, quando se verte contribuição para o sistema previdenciário, espera-se no futuro a concessão de um benefício e, se não houver, há a violação do princípio da função social

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do sistema, restando a contribuição com natureza fiscal. Deve-se, então, a contribuição ser revertida para o aposentado.

Entretanto, há quem defenda pela devolução das parcelas, como Wladirmir Novaes Martinez e Marina Vasquez Duarte, utilizando-se do §2º, do art. 18 da Lei nº 8.213/91, que dispõe que para o aposentado pelo regime geral que permanecer em labor, não fará jus à prestação previdenciária em decorrência da atividade, exceto salário-família e reabilitação profissional.

Ocorre que este enunciado apenas estabelece que o segurado não pode receber outro benefício previdenciário, como auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, entre outros, por onerar duplamente o sistema previdenciário. Em outras palavras, proíbe a cumulação de benefícios.

No caso da desaposentação, o segurado não é mais aposentado, retornando ao status quo ante, assim quando requer nova aposentadoria, não está pleiteando outro benefício a mais, mas sim, um novo benefício.

Grande parte da doutrina defende pela não devolução das parcelas já recebidas, como Fábio Zambite Ibrahim, Fernando Viera Marcelo, Sergio Henrique Salvador, Theodoro Vicente Agostinho, Adriane Bramante de Castro Ladenthin, Viviane Masotti, entre outros.

Se o segurado quer desaposentar para obter nova aposentadoria no mesmo regime, não há o porquê de restituir o recebido, pois quando a aposentadoria foi concedida tinha o objetivo de perdurar ao longo da vida do segurado, e se este deixar de receber as parcelas vindouras, acabará por favorecer o sistema.

“A exigência da restituiç~o de valores recebidos dentro do mesmo regime previdenciário implica obrigação desarrazoada, pois se assemelha ao tratamento dado em caso de ilegalidade na obtenç~o da prestaç~o previdenci|ria” (IBRAHIM, 2010, p. 64).

Ademais, desaposentar no mesmo regime só exige um recálculo do valor da renda mensal inicial, visto ter vertido contribuições após aposentar-se e, desta maneira, não faz sentido restituir valores pretéritos, até porque o mesmo é de caráter alimentar.

Destaca-se que o segurado contribuiu para o sistema como uma forma de fazer reservas, para então aposentar-se e ser sustentado por este benefício no restante de sua vida.

Defender a devolução das parcelas percebidas reflete mais um obstáculo para admitir a desaposentação, até porque não faz sentido devolver, uma vez que o segurado quando aposentou, este ato decorreu de todos os requisitos legais para sua concessão, tratando de um ato jurídico perfeito, e com sua devolução geraria um enriquecimento ilícito para o sistema previdenciário e crime de apropriação indébita, e já que as contribuições são compulsórias, tem direito o segurado de reavê-las em formas de benefício.

“O que n~o pode admitir é a omiss~o legislativa prejudicar os segurados em uma pretens~o claramente legítima e amparada na Constituiç~o vigente” (IBHAHIM, 2010, p. 43).

Outrossim, não prospera o argumento de ausência de normas para o exercício do direito do indivíduo, visto caber a este julgar a condição mais adequada para a sua vida, lastreado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, basilar do Estado Democrático de Direito.

Landenthin e Masotti (2012, p. 124) acreditam que a única solução da celeuma jurídica em tela seria a regulamentação da matéria, criando limites aos pedidos de desaposentação. Contudo, enquanto isso não ocorre, quem está legislando é o poder judiciário, invertendo a ideia de harmonia entre os poderes de Montesquieu.

“A problem|tica processual é relevante { medida que a desaposentaç~o ainda n~o é obtida administrativamente, mas tão somente na esfera judicial, seja no RGPS, seja em relação ao regime próprio dos servidores públicos” (SERAU JUNIOR, 2013, p. 113).

Como o instituto da desaposentação demanda dilação probatória, o pedido geralmente é feito por meio de ação ordinária e não por mandado de segurança. Deste modo, mister se faz expor algumas jurisprudências.

Ademais, é sabido que a jurisprudência e o consenso doutrinário encontram acoplados como uma das fontes formais do direito, junto da legislação e do costume. Nesse sentido a jurisprudência além de orientar os percursos da legislação, determina posicionamentos.

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“Assim, a jurisprudência se apresenta com a importante atribuiç~o de fomentar a ciência jurídica, fornecendo subsídios jurídicos para a construção do direito em sua vasta amplitude científica” (SALVADOR; AGOSTINHO, 2012, p. 71).

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região mostra a possibilidade de renunciar a aposentadoria sem ter que restituir os proventos percebidos enquanto a mesma era vigente.

Previdenciário. Desaposentação. Possibilidade de Renúncia ao Benefício. Ausência de Vedação Legal. Direito de Natureza Patrimonial e, Portanto, Disponível. Inexistência de Obrigatoriedade de Devolução das Parcelas Recebidas. Verba de Caráter Alimentar. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Recurso do INSS Desprovido. I – A inexistência de dispositivo legal que proíba a renúncia ao benefício previdenciário legalmente concedido deve ser considerada como possibilidade para a revogação do benefício a pedido do segurado. II – A desaposentação atende de maneira adequada aos interesses do cidadão. A interpretação da legislação previdenciária impõe seja adotado o entendimento mais favorável ao beneficiário, desde que isso não implique contrariedade à lei ou despesa atuarialmente imprevista, situações não provocadas pelo instituto em questão. (...) IV – Quanto à natureza do direito em tela, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que a aposentadoria é direito personalíssimo, o que não significa que seja direito indisponível. A par de ser direito personalíssimo, tem natureza eminentemente de direito disponível, subjetivo e patrimonial, decorrente da relação jurídica mantida entre segurado e Previdência Social, logo, passível de renúncia, independentemente de aceitação da outra parte envolvida, revelando-se possível, também, a contagem de tempo para a obtenção de nova aposentadoria, no mesmo regime ou em outro regime previdenciário. Precedentes. V – O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o ato de renunciar ao benefício não envolve a obrigação de devolução de parcelas, pois enquanto perdurou a aposentadoria, o segurado fez jus aos proventos, sendo a verba alimentar indiscutivelmente devida. Precedentes. VI – Agravo interno desprovido. (APELRE 200851018043420. Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes. 1ª T. DJ 15/01/2010) (grifo nosso).

O Superior Tribunal de Justiça entende ser possível o pedido de renúncia da

aposentadoria para poder pleitear outra com benefício mais vantajoso, independentemente da restituição de valores percebidos, por entender ser os mesmos de caráter alimentar, sem qualquer contrapartida, tendo assim, a renúncia com efeito ex nunc.

Processual Civil e Previdenciário. Agravo Regimental no Recurso Especial. Decisão Monocrática do Relator com Arrimo no art. 557 do CPC. Matéria Nova. Discussão. Não-Cabimento. Preclusão. Renúncia à Aposentadoria. Devolução dos Valores Recebidos. Não Obrigatoriedade. (...) 4. A renúncia à aposentadoria, para fins de concessão de novo benefício, seja no mesmo regime ou em outro regime diverso, não implica em devolução dos valores percebidos, pois, enquanto esteve aposentado, o segurado fez jus aos seus proventos. Precedentes. 5. Agravo regimental desprovido. Brasília (DF), 29 de abril de 2009 (Data do Julgamento) Ministra Laurita Vaz. Rel. (AgRg no Recurso Especial 1.107.638 – PR (2008/0280515-4) (grifo nosso)

Apesar de estar pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em 26 de outubro de 2016, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em uma decisão a nosso ver um tanto

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quanto polêmica, considerou inviável o recálculo do valor da aposentadoria por meio da denominada desaposentação.

“Foram julgados sobre o tema os Recursos Extraordin|rios (RE) 381367, de relatoria do ministro Marco Aurélio, 661256, com repercussão geral; e 827833, ambos de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso” (STF, 2016).

No dia 27 de outubro de 2016, o STF aprovou a tese de repercussão geral, com relação a decisão tomada no dia anterior.

O tribunal fixou tese nos seguintes termos:

No âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por hora, previsão legal do direito { “desaposentaç~o”, sendo constitucional a regra do artigo 18, parágrafo 2º, da Lei 8.213/1991 (STF, 2016).

Estima-se que “a tese fixada servir| de par}metro para mais de 68 mil processos sobre o

tema que est~o sobrestados (suspenso) nos demais tribunais” (STF, 2016). Por outro lado, de acordo com a Corte, questionamentos sobre a devolução para a

Previdência Social de valores que foram pagos a pessoas que conseguiram se desaposentar por meio de decisões liminares da Justiça ou sobre redução dos valores que são recebidos atualmente, serão decididos a partir de ações que chegarem à Corte posteriormente.

A validade do julgamento do STF poderá ser questionada por aqueles que já foram beneficiados com o recálculo da aposentadoria após a publicação do acórdão, o texto final da decisão, que possui previsão para ser publicado em até 60 dias (STF, 2016).

CONCLUSÃO

Face o exposto é possível tratar do instituto da desaposentação com olhos críticos na busca por mudanças em prol do trabalhador. Podendo dizer que a desaposentação consiste na abdicação das prestações que o segurado percebe a título de aposentadoria regularmente concedida, para pleitear uma nova em decorrência de ter vertido contribuições após se aposentar.

Com efeito, alegar conforme a lei que a autarquia não verterá dois tipos de benefícios ao mesmo tempo para aqueles que se aposentam e continuam trabalhando não merece prosperar, visto que o instituto da desaposentação não tem por escopo um benefício a mais, mas sim, um novo benefício, renunciando o anteriormente concedido, afim de majorar sua renda mensal inicial.

Pois bem, impedir a desaposentação sobre o argumento de que fere o ato jurídico perfeito não é suficiente, pois a autarquia desta maneira está violando o segurado de dispor de seu benefício, sendo que seu direito é patrimonial e disponível.

Outro enfoque é a não devolução das parcelas já recebidas, visto que o benefício previdenciário é de caráter alimentar, além de ter sido concedido de maneira legítima. E também não causa prejuízo atuarial, já que as parcelas recebidas foram feitas em decorrência do segurado ter contribuído, e o continuar contribuindo após a aposentadoria apenas torna justo o segurado ter direito aquilo que verteu depois de se aposentar. Dessa forma com a desaposentação, não causará nenhum prejuízo ao sistema previdenciário que permanece incólume.

Apesar de a grande maioria ser a favor do instituto, a regulamentação da matéria traria uma maior segurança jurídica, findando por completo a celeuma que impede a concessão do instituto, além de, trazer a milhares de segurados uma melhor condição de vida, mas o Supremo Tribunal Federal, indo contra todo entendimento já consolidado dos outros tribunais considerou inviável o recálculo do valor da aposentadoria por meio da desaposentação.

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A REABILITAÇÃO PROFISSIONAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: ANÁLISE DA RESPONSABILIDADE DE SUA EXECUÇÃO

THE REHABILITATION WORK IN THE BRAZILIAN LEGAL SYSTEM: ANALYSIS OF THE

RESPONSIBILITY OF THEIR EXECUTION

Daniela Nogueira Corbi*

RESUMO: A reabilitação profissional é instituída na legislação brasileira como serviço da Previdência Social, sendo uma resposta pública à questão da incapacidade laborativa. No entanto, atualmente, tal prática se mostra praticamente abandonada em razão da ineficiente atuação da autarquia previdenciária que, não raro, atribui a responsabilidade da efetivação de tal readaptação apenas ao empregador. Neste liame, são comuns casos de altas previdenciárias negligentes, que levam de volta ao mercado de trabalho indivíduos desprovidos de condições de subsistência, e se encontram numa situação de duplo desamparo, conhecida como “limbo previdenci|rio”, enaltecendo a discuss~o do presente estudo: a reflex~o da responsabilidade de sua concretização. Comprovar-se-á que a prática de reabilitação para o trabalho é incumbência do Instituto Nacional do Seguro Social, e não do empregador, contrariando a casuística estabelecida pela Previdência Social e reforçada pelo Poder Judiciário. Tal redistribuição de responsabilidade acarreta a deturpação da importante função social e econômica do programa de reabilitação profissional, devido à ineficaz atuação previdenciária. A presente pesquisa detém característica qualitativa, sendo embasada por recursos teóricos extraídos de doutrinas, artigos jurídicos e análise legislativa e jurisprudencial. Quanto ao método de abordagem, será utilizada a forma indutiva, sendo o estudo sustentado pela observação de casos concretos a partir de dados estatísticos e julgamentos de tribunais judiciários. Finalmente, apurou-se até o presente momento que a responsabilidade atribuída ao empregador não detém respaldo legislativo, tampouco haveria condições financeiras e logísticas para que este assumisse tal encargo. Ante o exposto, com a inércia do órgão previdenciário que delega sua responsabilidade, a reabilitação profissional permanece falha, e os indivíduos que dela necessitam ficam à margem do contexto do trabalho, o qual é essencial para a inclusão social e para a manutenção da dignidade humana. Palavras-chave: incapacidade laborativa. Previdência Social. responsabilidade. reabilitação profissional. ABSTRACT: Brazilian legislation establishes vocational rehabilitation as a service of Social Security, being a public response to the matter of incapacity to work. However, currently, such practice is practically abandoned due to inefficient operations of the social security authority, which often assigns responsibility for the execution of such rehabilitation only to the employer. In this context, negligent interruptions of benefit are common, which leads back to work people with no conditions of subsistence, and who are in a double abandonment situation, known as "pension limbo", extolling the discussion of this study: a reflection of the responsibility of its implementation. It will be proven that the practice of rehabilitation for work is incumbent upon the National Institute of Social Security, not to the employer, contrary to the interpretation established by Social Security, and reinforced by the judiciary. This redistribution of responsibility impairs social and economic function of the rehabilitation program due to the ineffective social security performance. This research has qualitative character and is based on theoretical resources extracted from doctrines, legal articles and legislative and jurisprudential analysis. As for the approach method, the study is going to be supported by the observation of concrete cases from the statistic data and courts judgments. Finally, it was found out so far that the responsibility assigned to the employer does not have legislative support, nor financial and

* Graduanda em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista

“Júlio de Mesquita Filho” – FCHS/UNESP. E-mail: [email protected].

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logistical conditions. Based on the foregoing, with the inertia of social security agency that delegates their responsibility, the vocational rehabilitation remain limited, and the individuals who need it are outside the work context, which is essential for social inclusion and for the maintenance of human dignity. Keywords: incapacity to work. Social Security. responsibility. vocational rehabilitation. SUMÁRIO: Introdução. 1 A reabilitação profissional no Brasil. 1.1 Histórico no Brasil. 1.2 Fundamentação legal. 2 Análise da eficácia da reabilitação profissional e a responsabilidade de sua execução. 2.1 A (in)eficácia do serviço previdenciário. 2.2 O papel do tomador de serviços. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

O serviço previdenciário da reabilitação profissional, objeto do presente estudo, é um

importante desafio contemporâneo à saúde pública e, mais especificamente à saúde do trabalhador. Tal prática advém da necessidade estatal de amparar o indivíduo com incapacidade para o trabalho decorrente de sequelas ocasionadas por acidentes laborais e agravos à saúde do trabalhador. A mesma transcende o mero conceito de readaptação física, já que seu objetivo primordial é superar as limitações funcionais, sociais e emocionais do obreiro, possibilitando-o adquirir meios para retornar a uma atividade laborativa compatível com seu estado de saúde.

O ramo da readaptação laboral, por se inserir no contexto da Seguridade Social, que é a rede protetiva formada pelo Estado e pelos particulares para o estabelecimento de ações que visam à manutenção de um padrão mínimo de vida digna aos indivíduos, adentra na seara da efetividade dos direitos sociais e da necessidade de manutenção da solidariedade social. (IBRAHIM, 2015, p.5). Sua relevância é reconhecida internacionalmente pela Convenção nº 159 da Organização Internacional do Trabalho de 1983, ratificada Pelo Brasil em 1991.

O instituto surge, portanto, como necessidade de integração social diante da centralização do trabalho e, no Brasil, se insere nas obrigações de fazer do Instituto Nacional do Seguro Social. Trata-se de um serviço da Previdência Social, devido aos segurados do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) incapacitados parcial ou totalmente para o labor, bem como aos indivíduos com deficiência. No entanto, como será analisado, o mesmo se direciona pela lógica economicista de contenção de custos, desprotegendo milhares de segurados e ocasionando o redirecionamento de sua responsabilidade às empresas, de forma a contrariar o ordenamento jurídico vigente.

A presente análise tem caráter exploratório qualitativo, será guiada por uma sequência de atividades, envolvendo a redução de dados, categorização e interpretação dos mesmos, e a consequente redação do relatório. (GIL, 2002, p. 133). A estratégia metodológica utilizada baseia-se na pesquisa documental e bibliográfica, pautada em estudos doutrinários, legais e jurisprudenciais.

Esta pesquisa motivou-se pela inquietação diante dos entraves enfrentados por diversos trabalhadores brasileiros que se encontram adoecidos ou acidentados, os quais não conseguem se reinserir no mercado de trabalho, necessitando de uma eficaz reabilitação profissional. Este cenário induz uma indagação acerca da responsabilidade de efetuação desse serviço, já que o órgão previdenciário não consegue tutelar os segurados do RGPS e o encargo é redirecionado às empresas, as quais não possuem preparo técnico e estrutural para tal.

Comprovar-se-á a deficiência do instituto previdenciário, o qual fica a mercê de precárias estruturas, míseras equipes e convênios escassos e um de seus resultados: o redirecionamento de tal encargo às empresas nacionais. Tal ineficiência desencadeia malefícios, tais como: a) a situação do limbo previdenciário; b) o agravamento da incapacidade laborativa quando o indivíduo retorna ao ambiente laboral sem a devida reabilitação; e, como já demonstrado c) a atribuição da responsabilidade de tal serviço ao tomador de serviço, fomentando maior inércia do órgão previdenciário.

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Finalmente, para a melhor compreensão deste trabalho, o mesmo será organizado em duas partes, a primeira abordará o contexto histórico e a fundamentação jurídica da reabilitação profissional no Brasil e a segunda versará sobre seu atual funcionamento, bem como seu reflexo às empresas tomadoras de serviços.

1 A REABILITAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL

Investigar a questão da reabilitação profissional implica, preliminarmente, em

considerar a centralização do trabalho na sociedade vigente. O valor social do trabalho é fundamento da República Federativa do Brasil e de sua ordem econômica, nos termos dos arts. 1º, IV e 193 da Constituição Federal, transformando-se em verdadeiro instrumento de inclusão social. (ALMEIDA; GONÇALVES. In: FELINIANO, 2013, p. 125). Torna-se nítido, portanto, que o indivíduo é exaltado a partir de sua capacidade produtiva, logo, se o mesmo é destituído de sua capacidade laborativa e isso lhe retira sua crença na possibilidade de viver com dignidade, certamente este indivíduo perecerá. (MENEZES, 2002, p. 84).

Apesar dos avanços legais na seara trabalhista, a atual lógica do capital instrumental ainda visualiza o obreiro como um apêndice da produção guiado pelo maquinário. Diante da busca incessante pelo lucro, o labor, por diversas vezes, deixa de potencializar a capacidade corporal humana para a produção de uma utilidade para si, tornando-se um trabalho que adoece, massificando um ambiente perverso de submissão do indivíduo a condições laborais extenuantes, acarretando adoecimento, agravamento de lesões e acidentes no ambiente trabalhista.

Neste contexto, o trabalhador acometido por tais infortúnios recorre às políticas da Seguridade Social, mais especificamente da Previdência Social, através dos benefícios previdenciários, buscando meios de garantir seu sustento e recuperação durante seu afastamento do trabalho. No entanto, após a cessação dessas prestações, há a necessidade de preparar àquele que se afastou para o retorno ao trabalho em novas perspectivas, de acordo com suas limitações. Por conseguinte, torna-se nítida a inter-relação entre o instituto com a reestruturação da dignidade da pessoa humana, diante da busca pela superação das limitações do indivíduo e sua consequente inclusão social. 1.1 Histórico no Brasil

No Brasil, os serviços previdenciários, desde seus primórdios, pautaram-se como direitos

das classes assalariadas urbanas. O mesmo ocorreu com a prática da reabilitação profissional, a qual foi instituída, inicialmente, nas Caixas de Aposentadorias e Pensões em 1943 e, posteriormente nos Institutos de Aposentadoria e Pensões. Tal serviço visava possibilitar retorno à primitiva profissão ou em outra compatível com as novas condições físicas do trabalhador que foi acometido por alguma contingência. Baseava-se, ademais, na prática da fisioterapia, cirurgia ortopédica e reparadora, ensino em escolas profissionais, evidenciando a predominância de restrições físicas advindas de acidentes laborativos. (TAKAHASHI, 2008).

Apenas em 1967 a legislação adotou a denominação reabilitação profissional e instituiu sua obrigatoriedade, tornando-se esta vinculada a programas de prevenção de acidentes do trabalho da previdência social, porém, não evidenciou seu significado, tampouco procedimentos, permanecendo a fonte de custeio a cargo exclusivamente da empresa. (MAENO; VILELA, 2010).

Nesta época, foi adotado um projeto de implantação de Centros de Reabilitação Profissional (CRP) no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), o qual foi estruturado a partir de uma tendência hospitalocêntrica de assistência médica, com recursos terapêuticos necessários no interior dos próprios serviços, com grandes estruturas físicas, equipamentos de fisioterapia e terapia ocupacional de alto custo e um grande contingente de profissionais. Havia, ademais, Núcleos de Reabilitação Profissional (NRP) do INPS, que eram unidades menos complexas, formadas por uma ou duas equipes profissionais. (TAKAHASHI, 2008).

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A década de 1970 demarcou grande volume de recursos do instituto, com equipamentos, financeiros e de pessoal técnico especializado. O atendimento era desenvolvido por equipes multiprofissionais formadas por médicos, assistentes sociais, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, fonoaudiólogos, pedagogos. As atividades de profissionalização eram desenvolvidas por um quadro de professores de oficio e programas de alfabetização com classes de ensino básico.

Em meados de 1980, houve expansão da reabilitação para as capitais dos estados e para cidades de grande porte diante da magnitude dos acidentes laborativos com concessão de benefícios e existência de recursos universitários formadores de pessoal técnico. Os serviços tinham abrangência regional e seus usuários ficavam em media 240 dias em programa tendo despesas como alimentação, transporte, cursos profissionalizantes, medicamentos, instrumentos de trabalho custeados pela Previdência Social. (TAKAHASHI, 2008).

A partir da década de 1990, com a adoção de ideais neoliberais e prioridade aos ajustes macroeconômicos, as práticas de reabilitação previdenciária sofreram modificações, sendo o sistema descentralizado para as agências do Instituto Nacional de Seguro Social e gerências executivas. Neste período houve um acréscimo maciço de segurados com restrições decorrentes de doenças ocupacionais, bem como um sucateamento dos recursos em decorrência da minimização estatal, o que tornou insuficiente os procedimentos adotados pelos CRPs e NRPs já explorados. Ante o exposto, somou-se à clientela que antigamente detinha, predominantemente, seqüelas e restrições físicas decorridas principalmente de acidentes laborativos, casos com total fragilidade e sofrimento psíquico e doenças de evolução crônica.

Nota-se que há três fases do processo de mudanças ocorridas na reabilitação profissional do INSS após a Constituição Federal de 1988 utilizada por Takahashi (MAENO; VILELA, 2010). Na primeira fase, evidenciaram-se movimentos sociais e implementação do Sistema Único de Saúde, entre 1993 a 1994, os quais buscaram questionar modelos estruturais centralizados e conceitos que restringiam a incapacidade apenas à questão da existência de doença. Esses questionamentos fomentaram o nascimento de experiências regionais de natureza interdisciplinar e interinstitucional. A segunda fase, ocorrida entre 1995 a 2000, foi demarcada pelo Plano de Modernização da Reabilitação Profissional do INSS, que consolidou a hegemonia do modelo reducionista do Estado e foi demarcado pela delegação do serviço às empresas, e pela decadência dos CRP e dos NRP.

A terceira fase foi marcada pela criação projeto Reabilita em 2001, entidade que vigora atualmente. Trata-se de um programa fundamentado no regulamento da Previdência Social que visa um processo de “recolocaç~o” sob responsabilidade institucional de orientadores profissionais, e não mais de equipes multiprofissionais. O novo modelo prevê a descentralização das ações de reabilitação e integra a perícia médica e demais serviços do INSS.

1.2 Fundamentação jurídica

A relação jurídica da reabilitação profissional está, no Brasil, positivada na Lei nº

8.213/91 e no Decreto Regulamentador nº 3.048/99. No primeiro dispositivo, o programa de reabilitação está inserido na seção VI, referente aos serviços da Previdência Social, o qual visa amparar obrigatoriamente segurados, inclusive os aposentados, e os dependentes, na medida das possibilidades administrativas, técnicas, financeiras e condições locais do órgão do Instituto Nacional de Seguro Social.

Trata-se de um serviço de caráter obrigatório que independe de carência, cujo objetivo é proporcionar meios de reeducação ou readaptação profissional para o retorno ao mercado de trabalho dos segurados incapacitados por doença ou acidente.

O segurado que goza auxílio-doença insusceptível de recuperação para sua atividade habitual, bem como o que recebe aposentadoria por invalidez e o pensionista inválido, devem se submeter, sob pena de suspensão do beneficio, a exame médico a cargo da Previdência Social,

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processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado, conforme artigos 62 e 101 da Lei nº 8.213/91 (BRASIL, Lei nº 8.213 de 24 de junho de 1991).

Quanto à clientela, serão encaminhados para os programas de reabilitação, por ordem de prioridade: a) o beneficiário em gozo de auxílio-doença, acidentário ou previdenciário; b) o segurado que goza aposentadoria especial, por tempo de contribuição ou idade que, estando em atividade laborativa, sofrer acidente de qualquer natureza ou causa que acarrete redução da capacidade funcional; c) o aposentado por invalidez; d) o segurado sem carência para auxílio-doença previdenciário, portador de incapacidade; e) o dependente pensionista inválido; f) dependente maior de 16 anos com deficiência; g) indivíduos com deficiência sem vínculo com a Previdência Social. Nota-se que é obrigatório o atendimento dos beneficiários dos três primeiros ficando os demais condicionados às possibilidades administrativas, financeiras e técnicas. (IBRAHIM, 2015, p. 688).

A partir da análise legal, é notável a responsabilidade da promoção da reabilitação aos segurados é do INSS, inclusive aposentados e, de acordo com as possibilidades administrativas, técnicas, financeiras e condições locais do órgão, aos seus dependentes, preferencialmente mediante contratação de serviços especializados.

Conforme o art. 137 do Decreto n. 3.048/99, o processo estudado será desenvolvido por meio de funções básicas de: a) avaliação do potencial laborativo; b) orientação e acompanhamento da programação profissional; c) articulação com a comunidade, inclusive com a celebração de convênios para reabilitação física, restrita aos segurados que cumpriram pressupostos de elegibilidade ao programa de reabilitação profissional, com vistas ao reingresso no mercado de trabalho; e d) acompanhamento e pesquisa de fixação no mercado de trabalho. (BRASIL, Decreto nº 3.048 de 06 de maio de 1999).

A reabilitação é desenvolvida por meio de cursos e/ou treinamentos na comunidade por meio de contratos, acordos e convênios com instituições, empresas públicas ou privadas. E o treinamento, quando efetuado em determinada empresa, não estabelece qualquer vínculo empregatício ou funcional entre ambos.

Ressalta-se, ademais, que na hipótese de necessidade para desenvolver o processo destacado, o INSS deverá fornecer aos segurados prótese e órtese, seu reparo ou substituição, instrumentos de auxílio para locomoção, bem como equipamentos necessários para a reabilitação, neste sentido, dispõe o parágrafo único do artigo 89 da Lei de Benefícios da Previdência Social:

Parágrafo único. A reabilitação profissional compreende: a) o fornecimento de aparelho de prótese, órtese e instrumentos de auxílio para locomoção quando a perda ou redução da capacidade funcional puder ser atenuada por seu uso e dos equipamentos necessários à habilitação e reabilitação social e profissional; b) a reparação ou a substituição dos aparelhos mencionados no inciso anterior, desgastados pelo uso normal ou por ocorrência estranha à vontade do beneficiário; c) o transporte do acidentado do trabalho, quando necessário. (BRASIL, Lei nº 8.213 de 24 de junho de 1991).

Destarte, se o tratamento ou exame do trabalhador ocorrer fora de seu domicílio, a

Previdência Social deve conceder auxilio, quando indispensáveis ao desenvolvimento da reabilitação profissional, o INSS fornecerá aos segurados transporte urbano e alimentação.

A execução das funções do processo é realizada preferencialmente mediante trabalho de equipe multiprofissional especializada em medicina, serviço social, psicologia, sociologia, fisioterapia, terapia ocupacional e outras afins ao processo, sempre que possível na localidade do domicilio do beneficiário, ressalvando-se situações em que este terá direito a reabilitação fora de tal localidade.

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Finalmente, concluído o processo, o INSS emitirá certificado individual indicando a função para a qual o reabilitando foi capacitado profissionalmente, porém sem prejuízo do exercício de outra para a qual se julgue capacitado.

Art. 92. Concluído o processo de habilitação ou reabilitação social e profissional, a Previdência Social emitirá certificado individual, indicando as atividades que poderão ser exercidas pelo beneficiário, nada impedindo que este exerça outra atividade para a qual se capacitar. (BRASIL, Lei nº 8.213 de 24 de junho de 1991).

Importante ressaltar que o INSS não reembolsará as despesas efetuadas com a aquisição

de órtese ou prótese e outros recursos materiais não prescritos ou não autorizados por suas unidades. A unidade de reabilitação deve comunicar à perícia médica a ocorrência de acidente sofrido pelo acidentado quando estiver sob responsabilidade da referida unidade, o qual seja considerado como agravamento do acidente anterior.

Destaca-se, por fim, que não é obrigação da Previdência Social manter o segurado no mesmo emprego ou colocá-lo em outro para o qual foi reabilitado, o processo de reabilitação cessa com a emissão do certificado aludido anteriormente. (LEITÃO, 2015, p. 515). 2 ANÁLISE DA EFICÁCIA DA REABILITAÇÃO PROFISSIONAL E A RESPONSABILIDADE DE SUA EXECUÇÃO 2.1 A (in)eficácia do serviço previdenciário

Apesar de sua nítida relevância, a reabilitação profissional no Brasil encontra-se estagnada em virtude da falta de estrutura, de pessoal capacitado para seu desenvolvimento e dos déficits de cursos profissionalizantes, tornando-a inalcançável para a maioria dos segurados que necessita recuperar sua capacidade laboral.

A falta de estrutura dessa unidade é um dos principais problemas atuais. Em grande parte das agências previdenciárias este serviço permanece esquecido. De acordo com informações fornecidas pelo INSS apurou-se que 54% das agências possuíam tal serviço, no entanto, em pesquisa evidenciada no Relatório de Auditoria Operacional do Tribunal de Contas da União de 2010, fora constatado que apenas 18% dos diretores afirmaram possuir equipes de reabilitação em suas agências. (TCU, 2010, p. 69).

Assim como a estrutura, as equipes que operam nesse serviço são insuficientes. O número de servidores para atender aos segurados é extremamente reduzido, e o treinamento dos mesmos é precário. Muitos dos orientadores profissionais não possuem informações e consciência do mundo do trabalho real e de suas exigências, não raro seus procedimentos limitam-se a entrevistas ao reabilitando e seu encaminhamento para a perícia do órgão previdenciário, solicitando à empresa de vínculo, informações sobre o cargo a lhe ser oferecido. Inexiste uma avaliação criteriosa da atividade laborativa da empresa, acarretando, diversas vezes, o retorno do indivíduo destituído de qualquer condição de trabalhar.

Outro problema administrativo refere-se ao oferecimento de cursos e atividades profissionalizantes, estes projetos ainda são muito escassos. O INSS, para solucionar tal questão, em tese, deveria vincular-se a instituições públicas ou privadas de idoneidade técnica e financeira, no entanto, se mantém predominantemente inerte, já que das 102 gerências executivas existentes no país, apenas 43 possuem convênio firmado e destes, apenas 20 se relacionam com capacitação e treinamento profissional. (TCU, 2010, p. 70).

A pesquisa de acompanhamento da fixação no mercado de trabalho também é objetivo que permanece apenas na formalidade legal. A execução imposta pelo inciso IV do artigo 137 do Decreto 3.048/99, cujo objetivo é obter informações sobre a efetividade do processo de reabilitação, bem como unir dados para realimentar o sistema de controle para subsidiar

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melhorias no serviço, não é efetuada. De acordo com a coordenação de reabilitação profissional o INSS não realiza tal investigação desde 2003. (TCU, 2010, p. 74).

Nota-se que as próprias gerências executivas do INSS exaltaram inconformismo sobre a ineficiência das unidades técnicas de reabilitação profissional, bem como suas inoperâncias em decorrência da falta de recursos materiais e humanos. O serviço se mostra inoperante e intempestivo, fomentando a longa permanência dos segurados em licença, e gastos com a concessão de benefícios previdenciários cada vez mais volumosos.

Desse modo, posterga-se o retorno dos segurados ao mercado de trabalho e, consequentemente, impede-se que os mesmos voltem a contribuir para o sistema previdenciário, contrastando-se a falta de investimentos com o potencial que tal instituto poderia proporcionar. A reabilitação, se eficaz, acarretaria cessação do pagamento de benefícios por incapacidade; desenvolvimento humano e financeiro dos segurados; retorno à contribuição à Previdência Social; e aumento da capacidade de um grande número de trabalhadores.

Ante o exposto, torna-se cada vez mais imprescindível a acentuação de políticas públicas que busquem a concretização do instituto estudado, garantindo uma avaliação do obreiro de forma multifacetária, com ações preventivas que privilegiem a saúde do trabalhador, assistência da saúde para procedimentos, diagnósticos, dentre outros meios para uma eficaz reabilitação.

Um dos resultados preocupantes da ineficácia do serviço da Previdência Social é o redirecionamento de seu exercício às empresas, eximindo-se o INSS de sua função institucional, o que caracteriza uma contrariedade com o ordenamento jurídico como será analisado posteriormente, já que este impõe o serviço como incumbência do INSS e não como obrigação do tomador de serviço.

É palpável que as empresas possuem papel relevante neste âmbito, principalmente no que tange à contratação de reabilitados, sendo essenciais para a acessibilidade do mercado de trabalho. Todavia, as práticas e técnicas de retorno à capacidade não são de sua incumbência, nem o poderiam, já que as próprias agências previdenciárias não possuem condições de arcarem com tamanha complexidade. Não há, portanto, meios para a maioria das empresas brasileiras de arcarem com o aparato técnico, médico, financeiro e de gestão para concluir um eficaz programa de reabilitação profissional.

O conflito supramencionado fomenta o ciclo vicioso da (des)proteção do obreiro, o qual fica a mercê de uma readaptação falha, e muitas vezes detém sua incapacidade laborativa agravada. 2.2 O papel do tomador de serviços

Frente à dinâmica do mercado de trabalho atual, demarcado pela exacerbada competitividade, seletividade e exigência, o legislador ordinário criou dispositivos que enfatizam a inclusão social, se revestindo de verdadeira ação afirmativa.

A Lei 8.213/91, em seu art. 91, esclarece a obrigatoriedade de empresas com cem ou mais empregados preencherem 2% a 5% de seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência, na proporção de: I - até 200 empregados, 2%; II - de 201 a 500, 3%; III - de 501 a 1.000, 4%; IV - de 1.001 em diante, 5%. (BRASIL, Lei nº 8.213 de 24 de junho de 1991).

Outro dever imposto às empresas é destacado no parágrafo primeiro do artigo do dispositivo supramencionado:

§ 1o A dispensa de pessoa com deficiência ou de beneficiário reabilitado da Previdência Social ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias e a dispensa imotivada em contrato por prazo indeterminado somente poderão ocorrer após a contratação de outro trabalhador com deficiência ou beneficiário reabilitado da Previdência Social. (BRASIL, Lei nº 8.213 de 24 de junho de 1991).

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Os dispositivos mostram-se louváveis diante da busca pela integração do segurado acidentado, adoecido e do deficiente não apenas ao mercado de trabalho, mas à vida em sociedade. Dessa forma, concretizam os mandamentos constitucionais, em especial o inciso XXXI do artigo 7º da Constituição Federal que proíbe discriminação no tocando aos salários e critérios de admissão do trabalhador que possui deficiência, bem como o inciso IV do artigo 203 da mesma Carta que evidencia entre os objetivos da assistência social a habilitação e reabilitação de tais indivíduos. (ROCHA; BALTAZAR apud LEITÃO, 2015, p. 516).

Não obstante, como já alegado, ante as deficiências estruturais do órgão da Previdência Social, há constantes delegações da responsabilidade do serviço para as empresas. Mesmo em caso de existência de convênios, a relação jurídica do programa de reabilitação profissional é entre o INSS e o reabilitando. (ALVES, 2016, p. 120). Neste liame, na hipótese de cursos e treinamentos de tais convênios serem ineficazes é ao INSS que deve recorrer o segurado para requerer novo programa ou nova entidade conveniada.

Ao invés de indicar empresas para contratarem os reabilitados, o INSS se mantém inerte e sujeita as empresas a realizarem o processo de reabilitação, o que contraria o ordenamento jurídico vigente. Tal interpretação equivocada é considerada por muitas empresas como legal, assim, muitas destas realizam a reabilitação sem quaisquer aparatos técnicos e médicos para tal.

O dispositivo legal explorado, mais especificamente o artigo 93, não deixa margem para entendimento extensivo de uma possível obrigação da empresa, dessa forma, o INSS está se eximindo de sua função institucional e transferindo à empresa, o que acaba, predominantemente, desprotegendo o obreiro.

O instituto previdenciário certamente refletirá na vida profissional futura do segurado, portanto, a maioria das empresas brasileiras não enfrentaria com o devido rigor a suposta obrigação, não tendo como suporte quadro de equipe multiprofissional exigida legalmente.

Se até o INSS expõe que não há em todas as agências da Previdência Social o centro de habilitação e reabilitação profissional, bem como equipe multiprofissional para aplicar o programa, como ousa exigir que todas as empresas com mais de cem empregados cumpram obrigatoriamente o programa de reabilitação profissional (ALVES, 2016, p. 109).

A problemática evidencia que a atuação do INSS está gerando conflito normativo, causando transtorno às empresas, por estarem estas destituídas de condições técnicas e estruturais para efetivar o programa e aos reabilitados, já que estão sendo literalmente jogados a tais empresas que não estão aptas a tutelá-los.

Faz-se necessário aduzir que não é escopo do presente artigo defender a inércia das empresas frente ao processo de reabilitação, pelo contrário, como já demonstrado estas detém importante papel de contratação e adequação do meio ambiente laborativo para os reabilitados.

É certo que passar por um processo de readaptação influencia toda seara emocional do indivíduo que passa por determinado infortúnio, portanto, o enfrentamento dessa etapa prescinde de um enfoque nas novas potencialidades do trabalhador. É preciso que haja uma ação social, tornando-se a responsabilidade coletiva da sociedade efetuar modificações ambientais necessárias para a participação plena das pessoas com incapacidades em todas as áreas da vida social. (CIF, 2003, p.32). Portanto, a atuação das empresas, públicas ou privadas, na seara da reabilitação é essencial, mas não pode ser única e isolada, destituída da ação principal que é de gerência do INSS.

Desse modo, a dificuldade das organizações públicas e privadas para lidar com a readaptação é nítida, bem como a frustração por ela acarretada, mas certamente a delegação negligente do órgão previdenciário não é a adequada solução, tampouco é permitida no ordenamento jurídico interno.

CONCLUSÃO

A reabilitação é a restauração do trabalhador incapacitado para o labor sob ponto de

vista físico, mental, social, profissional e econômico. É um processo que busca a capacidade vital do indivíduo, atendendo, simultaneamente imperativos de natureza profissional, pela reinserção

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no meio laborativo, e de natureza social, em termos da dignidade da pessoa humana, justificando sua contemplação na Convenção nº 159 da OIT, ratificada pelo Brasil desde 1991.

A análise do ordenamento jurídico vigente esclareceu que o serviço é dever da Previdência Social, o que não tem ocorrido de forma minimamente satisfatória. O sistema carece de estruturas eficazes, não há recursos suficientes, tampouco articulação com a comunidade para a celebração de convênios com vistas ao ingresso no mercado, acompanhamento e pesquisa de fixação e cooperação técnico-financeira.

Dessa forma, nasce o problema do redirecionamento da responsabilidade de efetuar tal serviço para as empresas, que majoritariamente, não detém aparato técnico e estrutural para efetivá-lo de forma concreta e satisfatória. O quadro enaltece a necessidade de destaque para a área de readaptação do obreiro, o qual deveria ser o destaque, já que é o destinatário de tal política.

Ante o exposto, o programa de reabilitação profissional deve ser encarado de uma nova forma no Brasil. A sociedade, o Poder Público e as entidades empresariais precisam assumir suas responsabilidades e, através da co-participação, poderão alcançar um ideal do instituto, no qual se busque a saúde e o direito do indivíduo ao trabalho, sendo este preconizado pela Declaração Universal dos Direitos do homem e do Cidadão, em seu artigo 23: “Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições eqüitativas e satisfatórias de trabalho e à proteç~o contra o desemprego.” (ONU, 1948, p. 12).

Não se pode defender a delegação e inércia por parte do INSS, porém, a parceria entre as empresas e a Previdência Social é fundamental para o sucesso efetivo do programa de reabilitação, desde que ambas as partes meçam esforços para tal. Com isso, as empresas devem criar condições de retorno aos funcionários afastados, adequando condições técnicas e operacionais para que de fato haja a reinserção dos mesmos.

Ademais, é preciso que haja plena vedação de hipóteses de não direcionamento, desvalorização de mão-de-obra, situações estas que podem caracterizar assédio moral na modalidade do “contrato de inaç~o”, como por exemplo, casos de isolamento de funcion|rio reabilitado, delegação de tarefas inúteis ou muito aquém de suas condições pessoais. (MASSONI, 2012).

Cabe à Previdência Social assumir seu papel de gestor efetivo, garantindo recursos e investimentos nesta área, dotando os profissionais envolvidos no processo de conhecimentos das funções desenvolvidas pelo segurado, de melhores estruturas técnicas, para que, juntamente com as empresas tomadoras de serviço, possa encontrar a melhor função a ser desenvolvida pelo trabalhador afastado.

Ressalta-se, por fim, a necessidade de estabelecer vínculos e convênios concretos com entidades de ensino, de formação e de treinamento do reabilitando, bem como fortalecer a interface com a fiscalização da qualidade de trabalho no ambiente laborativo, já que a prevenção é a busca ideal para colocar fim aos inúmeros infortúnios nesta área. Finalmente, percebe-se que apenas com a co-participação explorada alcançar-se-á a uma eficaz reabilitação profissional, preservando-se o trabalho, a proteção e a consequente dignidade do trabalhador, distanciando-se do atual cenário brasileiro de omissão de responsabilidade. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Victor Hugo de; COSTA, Aline Moreira da; GONÇALVES, Leandro Krebs. Meio Ambiente de Trabalho e proteção jurídica do trabalhador: (re)significando paradigmas sob a perspectiva constitucional. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães; URIAS, João (Coords). Direito Ambiental do trabalho: apontamentos para uma teoria geral. São Paulo: LTr, 2013. ALVES, Hélio Gustavo. Habilitação e Reabilitação Profissional. Obrigação do Empregador ou da Previdência Social? 2. ed. São Paulo: LTr, 2016.

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BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 13 set. 2016. ______. Decreto nº 3.049 de 06 de maio de 1999. Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 06 mai. 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm>. Acesso em: 09 ago. 2016. ______. Lei nº 8.213 de 24 de junho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências.. In: Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 jun. 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 09 ago. 2016. ______. Tribunal de Contas da União. Concessão e manutenção dos benefícios do auxílio-doença. / Relator Ministro Augusto Nardes. Brasília: TCU, 2010. CIF. Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2003. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 20. ed. rev, atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. LEITÃO, André Studart; MEIRINHO, Augusto Grieco Sant’Anna. Manual de Direito Previdenciário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. MAENO, Maria and VILELA, Rodolfo Andrade de Gouveia. Reabilitação profissional no Brasil: elementos para a construção de uma política pública. Rev. bras. saúde ocup., v. 35, n. 121, p. 87-99, 2010. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0303-76572010000100010>. Acesso em: 12 ago. 2016. MASSONI, Túlio de Oliveira. Os desafios do trabalhador em face da (indevida) alta previdenciária. Disponível em: <http://revbprev.unifesp.br/index.php/edic/9-um/14-osdesafios>. Acesso em: 25 de ago. 2016. MENEZES, João Salvador Reis; PAULINO, Naray Jesimar Aparecida. Sobre Acidente do Trabalho, Incapacidade e Invalidez. São Paulo: LTr, 2002. ONU: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf>. Acesso em: 14 set. 2016. TAKAHASHI, Mara Alice Batista Conti; IGUTI, Aparecida Mari. As mudanças nas práticas de reabilitação profissional da Previdência Social no Brasil: modernização ou enfraquecimento da proteção social? Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2008001100021>. Acesso em: 01 set. 2016.

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O DIREITO AO RECEBIMENTO DE SALÁRIO-MATERNIDADE DAS MÃES INDÍGENAS MENORES DE DEZESSEIS ANOS

THE RIGHT TO RECEIVE MATERNITY-SALARY OF INDIGENOUS MOTHERS UNDER

SIXTEEN YEARS

Gabrielle Ota Longo* Ana Cristina Alves de Paula**

Juliana Presotto Pereira Netto*** RESUMO: Destinou-se este trabalho a analisar os aspectos jurídico-sociais que permeiam o recebimento de salário-maternidade pelas mães indígenas menores de dezesseis anos e a investigar os argumentos jurídicos que fundamentam as decisões judiciais proferidas para tutelar esse direito. Buscou-se, ainda, confrontar a realidade brasileira com as normas previdenciárias e protetivas dos direitos dos indígenas, com vistas à efetiva aplicação do texto constitucional para a tutela dos direitos das minorias. Utilizou-se como método de abordagem o dedutivo e como método de procedimento o comparativo, a revisão bibliográfica como principal técnica de pesquisa, além do levantamento de julgados referentes ao tema. Inicialmente, abordam-se a proteção dos direitos sociais à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. Então, apresenta-se o tratamento conferido pelo legislador, nos planos constitucional e infraconstitucional, à salvaguarda dos direitos dos índios. Em seguida, demonstra-se a necessidade de garantir os direitos das minorias, mediante, sobretudo, ações afirmativas pautadas no princípio da igualdade material. Após a exposição da legislação trabalhista e previdenciária pertinente e das particularidades do salário-maternidade, argumentou-se pela necessidade de se concretizar o direito em menção. Verificou-se que, com a transição do Estado Liberal para o Estado Social, erigiram direitos sociais e, dentre eles, os previdenciários. Enquadradas na categoria de segurados especiais, as indígenas detêm características sociais e culturais próprias, iniciam o trabalho na agricultura precocemente e têm filhos no início da adolescência, podendo, ainda, desempenhar a atividade rurícola antes dos dezesseis anos na condição de aprendiz. Ainda que Constituição Federal proíba, em regra, o trabalho de menores de dezesseis anos e que o ingresso no Regime Geral de Previdência Social somente seja possível após essa idade, o reconhecimento do direito ao recebimento do salário-maternidade pelas mães indígenas menores de dezesseis anos é consentâneo ao princípio da igualdade material, o qual deve nortear o tratamento dos direitos das minorias. Palavras-chave: direitos dos indígenas. direitos sociais. igualdade material. proteção das minorias. salário-maternidade.

ABSTRACT: This work aimed to analyze the legal and social aspects that permeate the receiving maternity-salary by indigenous mothers under sixteen years and to investigate the legal arguments that underlie the court decisions given to safeguard that right. We attempted to also confront the Brazilian reality with the social security and protective standards of indigenous rights, aiming at the effective application of the constitutional text to protect the rights of minorities. It was used as approach method the deductive and as procedure method the comparative, the literature review as the main technical of research, besides the jurisprudential compilation on the topic. Initially, it will be discussed the protection of social rights in the light of the principle of human dignity. Then, it will be presented the treatment given by the legislator, in

* Mestranda em Direito pela Universidade de São Paulo, Faculdade de Direito de Ribeirão Preto. E-mail:

[email protected]. ** Mestranda em Direito pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de

Ciências Humanas e Sociais de Franca. E-mail: [email protected]. *** Professora Doutora da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências

Humanas e Sociais, nos cursos de graduação e pós-graduação em Direito. E-mail: [email protected].

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constitutional and infraconstitutional plans, to safeguard the rights of the Indians. It also will be demonstrated the need to guarantee the rights of minorities by, above all, affirmative actions based on the principle of material equality. After the exposure of the relevant labor and social security legislation and the particularities of maternity-salary, it was argued by the need to realize the mentioned right. It was noted that, with the transition from the liberal state to the welfare state, social rights emerged and, among them, the security rights. Framed in the category of special insured, indigenous hold own social and cultural characteristics, start working in agriculture precociously and have children in their beginning of adolescence, and may also perform rurícola activity before the age sixteen as an apprentice. Even though the Constitution prohibits, as a rule, the work of persons under sixteen years and the entry into the General Social Security Regime is only possible after this age, the recognition of the right to receive maternity-salary by indigenous mothers under sixteen years is consistent with the principle of material equality, which should guide the treatment of minority rights. Keywords: indigenous rights. social rights. material equality. protection of minorities. maternity-salary.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Proteção dos direitos sociais e dignidade da pessoa humana. 2 Os direitos e particularidades dos indígenas no brasil. 3 Ações afirmativas e proteção dos direitos das minorias. 4 Os indígenas como segurados especiais da Previdência Social e o limite de idade para ingresso no RGPS. 5 Aspectos teóricos e práticos do benefício salário-maternidade concedido pela Previdência Social. 6 O direito ao recebimento de salário-maternidade das mães indígenas menores de dezesseis anos: reflexos sóciojurídicos. 7 Análise das decisões judiciais que tutelam o direito ao recebimento de salário-maternidade das mães indígenas menores de dezesseis anos. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Destinou-se este trabalho a analisar os aspectos jurídico-sociais que permeiam o

recebimento de salário-maternidade pelas mães indígenas menores de dezesseis anos e a investigar os argumentos jurídicos que fundamentam as decisões judiciais proferidas para tutelar esse direito. Buscou-se, ainda, confrontar a realidade brasileira com as normas previdenciárias e protetivas dos direitos dos indígenas, com vistas à efetiva aplicação do texto constitucional para a tutela dos direitos das minorias.

Para tanto, adotou-se, como método de procedimento, o levantamento de dados por meio da técnica de pesquisa bibliográfica em materiais publicados (por exemplo, artigos, legislação, doutrinas, julgados extraídos do endereço eletrônico do Superior Tribunal de Justiça, entre outros) e, como métodos de abordagem, o dedutivo e o comparativo.

Inicialmente, aborda-se a proteção dos direitos sociais à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. Então, apresenta-se o tratamento conferido pelo legislador brasileiro à salvaguarda dos direitos dos índios. Em seguida, demonstra-se a necessidade de garantir os direitos das minorias, mediante, sobretudo, ações afirmativas pautadas no princípio da igualdade material.

Após a exposição da legislação trabalhista e previdenciária pertinente e das particularidades do salário-maternidade, argumentou-se pela necessidade de se concretizar o direito em menção.

1 PROTEÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A afirmaç~o dos direitos humanos é compreendida por Norberto Bobbio como o “ponto de partida para a instituiç~o de um autêntico sistema de direitos”, no sentido de positivos ou efetivos (BOBBIO, 1992, p. 29). Eles exsurgiram como direitos naturais universais, desenvolveram-se como direitos positivos particulares, mas foi como direitos positivos universais que tais direitos encontrarem sua plena realização (BOBBIO, 1992). Em suma,

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constituem produtos graduais das reivindicações da humanidade por emancipação e melhores condições de vida, verificadas no decorrer da história.

O desenvolvimento histórico dos direitos humanos se apresenta através de dimensões. Na segunda delas, foram reconhecidos como humanos os direitos de igualdade, contemporâneos ao surgimento do modelo de Estado Social ou do Bem-Estar Social, que objetivaram atenuar as desigualdades sociais e econômicas intensificadas pela Revolução Industrial (FERREIRA FILHO, 1995). Em conjunto com os direitos econômicos e culturais, destacam-se como humanos os direitos sociais, quais sejam, “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”, materializados pelo art. 6ª da Constituição Federal de 1988 (CF) (BRASIL, 1988). Refletiu-se, assim, a preocupação do legislador constituinte brasileiro com a satisfação das necessidades sociais dos cidadãos, consentânea aos ideais do Estado do Bem-Estar Social.

Nessa conjuntura, a seguridade social compreende “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, { previdência e { assistência social”, nos termos do art. 194 da CF (BRASIL, 1988). Consagraram-se, assim, medidas destinadas a satisfazer as necessidades básicas dos indivíduos, conferindo-lhes condições sociais mínimas, seja por meio dos benefícios previdenciários concedidos aos segurados da Previdência ou das iniciativas da Assistência Social, consubstanciada em uma política social voltada à proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice e à pessoa com deficiência, independentemente de contribuição à Seguridade Social (art. 4º, da Lei nº 8.212/1991) (BRASIL, 1991).

Desse modo, objetiva-se contribuir para a concretização da dignidade da pessoa humana, elevada pelo art. 1º, inciso III, da CF a um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e detentora de posição central no ordenamento jurídico brasileiro (BRASIL, 1988). O “epicentro axiológico do nosso ordenamento constitucional” (SILVA, 1998, p. 92) ou, ainda, “o vértice da pirâmide, o ponto mais alto da estrutura preconizada por Hans Kelsen ao hierarquizar as normas do ordenamento jurídico” (ALMEIDA; SOUZA, 2014, p. 155), o princípio da dignidade humana deve orientar as atividades dos legisladores e operadores do Direito, fazendo-se essencial, também, no âmbito dos Direitos do Trabalho e Previdenciário.

Segundo Ingo Wolfgang Sarlet (2002), a dignidade humana consiste em um fator limitador de ingerências dos poderes públicos que contrariem a dignidade pessoal, cumprindo ao Estado, também, proteger os indivíduos contra agressões de terceiros e fornecer condições materiais necessárias para promover a dignificação humana.

A garantia de proteção da dignidade humana, materializada por meio dos direitos sociais trabalhistas, previdenciários e da saúde, entre outros, também é extensiva aos indígenas no Brasil. Segundo o art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 6.001/1973, conhecida como Estatuto do Índio, “aos índios e {s comunidades indígenas se estende a proteç~o das leis do País, nos mesmos termos em que se aplicam aos demais brasileiros, resguardados os usos, costumes e tradições indígenas, bem como as condições peculiares reconhecidas nesta Lei” (BRASIL, 1973). Por conseguinte, os direitos e particularidades culturais dos índios devem ser respeitados.

2 OS DIREITOS E PARTICULARIDADES CULTURAIS DOS INDÍGENAS NO BRASIL

O Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/1973), em seu art. 3º, inciso I, define índio ou silvícola como “todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional” (BRASIL, 1973). Em outras palavras, índio é todo ser humano que se identifica e é identificado como pertencente a uma comunidade indígena (BARRETO, 2003).

Influenciada pela Constituição de Weimar da Alemanha e pelos valores do Estado Social, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 foi a primeira Constituição brasileira que cuidou dos direitos dos povos indígenas, consignando o seu direito congênito e primário sobre suas terras, independentemente de título ou registro formal (BRASIL, 1934). O

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preconceito e o desconhecimento sobre a história e a cultura dos índios no Brasil, o espírito conquistador do colonizador, somado à voracidade de ocupação do território, preponderaram na elaboração e interpretação das normas indigenistas exsurgidas até o advento da Constituição Federal de 1988 (CF) (SANTOS FILHO, 2012).

Assim, a CF apresentou significativa evolução no tocante ao tratamento dos direitos e garantias dos indígenas ao reconhecer a eles e a suas comunidades o direito à diferença, rompendo o paradigma integracionista que até então orientava a criação e aplicação de tais direitos (SANTOS FILHO, 2012). Destinou-se o Capítulo VIII (“Dos Índios”) do Título VIII (“Da Ordem Social”) para reconhecer a eles sua organizaç~o social, costumes, línguas, crenças e tradições, além dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam (art. 231, caput, da CF) (BRASIL, 1988). Ainda, o art. 215, § 1º, da CF atribui aos Estados o dever de proteger as manifestações das culturas indígenas, entre outras, perfilhando a multietnicidade e a pluralidade cultural no país (BRASIL, 1988).

A Constituição de 1988, também, conferiu legitimidade para os índios, suas comunidades e organizações ingressarem em juízo em defesa de seus direitos e interesses (art. 232 da CF) (BRASIL, 1988). Também, reconheceu-se aos indígenas o direito à igualdade material, para serem tratados na medida de suas distinções por meio de discriminações positivas.

Baniwa (2012) identifica outros direitos dos índios no Brasil, quais sejam, o reconhecimento da capacidade civil e como sujeitos de direitos individuais e coletivos; o usufruto exclusivo das riquezas naturais presentes no território; processos próprios de aprendizagem, com uso da língua nativa; a autonomia e a autodeterminação territorial e étnica; a denominação de povos; o direito de serem ouvidos, de forma qualificada, no que lhes disser respeito, sobretudo em obras públicas ou privadas; bem como o consentimento prévio e informado nos assuntos que os afetem.

Os povos indígenas possuem como traço distintivo sua diversidade cultural, considerada patrimônio da humanidade pela Convenção 169 da OIT. Em suma, são inúmeras as particularidades quanto às organizações sociais, políticas e econômicas erigidas ao longo de milhares de anos, assim como ocorreu com outras civilizações dos demais continentes.

Sua subsistência é obtida através da produção agrícola, extrativista e artesanal, além de estarem autorizados a explorar os recursos naturais e a praticar a caça e a pesca em suas terras como forma de manutenção física e cultural. A organização social indígena está centrada nas relações de parentesco e nas alianças políticas e econômicas estabelecidas por cada povo ou grupo familiar. As mitologias, os rituais e os conhecimentos tradicionais acerca do mundo natural e sobrenatural orientam os hábitos cotidianos, como também os casamentos e as divisões hierárquicas, relacionadas à ocupação de determinados territórios, ao acesso a recursos naturais e ao controle do poder político.

As mulheres indígenas, às quais este trabalho dá enfoque, casam-se, em geral, com idade anterior aos dezesseis anos, uma vez que são consideradas adultas (portanto, aptas para se casarem) desde a menarca (primeira menstruação), que ocorre entre nove e quinze anos, acontecendo, em média, aos doze anos de idade. Alcançada a vida adulta, a participação das indígenas em atividades vitais como a agrícola e a extrativista, ainda que menores de dezesseis anos, é relevante para o desenvolvimento de sua comunidade.

3 AÇÕES AFIRMATIVAS E PROTEÇÃO DOS DIREITOS DAS MINORIAS

Diante da premente necessidade de redução das desigualdades sociais e de proibição de qualquer tipo de discriminação, quando da promulgação da Constituição Federal de 1988, surgiram as ações afirmativas. Segundo José Carlos Machado de Brito Filho (2014), tais medidas visam, de algum modo, intervir nas relações sociais para quebrar a ordem vigente na sociedade e facilitar o acesso a bens jurídicos que se mostrem inacessíveis ou de acesso muito dificultoso para certo grupo social minoritário (excluído social e historicamente pela classe dominante), no sentido de promover a igualdade material por meio da igualdade de oportunidades, alavancando as minorias para uma sociedade equânime.

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A discriminação positiva (reverse discrimination) ou ação afirmativa é uma forma de discriminação legítima, que consiste em discriminar de maneira vantajosa um grupo historicamente marginalizado de modo a inseri-lo no mainstrean, evitando que o princípio da igualdade formal funcione como mecanismo perpetuador da desigualdade. Tem como função tratar de maneira preferencial aqueles grupos tidos como minorias em direito, tentando colocá-los em patamar similar aos outros.

De acordo com José Carlos Machado de Brito Filho (2014), a ação afirmativa se caracteriza pela sua natureza distributiva e compensatória. Distributiva porque surge da necessidade de equalizar a distribuição ou o acesso de determinado bem jurídico entre todos os entes da sociedade. Compensatória porque visa privilegiar grupos que por fatores históricos de discriminação e exclusão social, foram afetados consideravelmente nos seus direitos, merecendo uma atenção diferenciada.

Quanto aos objetivos das ações afirmativas, estes se encontram insculpidos no próprio conceito apresentado e estão bastante envolvidos com a natureza dessas políticas. José Carlos Machado de Brito Filho (2014) ensina que elas objetivam de forma imediata promover o acesso de segmentos marginalizados aos bens jurídicos fundamentais a que não tenham adequado acesso e promover a igualdade de oportunidades perante a sociedade, o que significa a eliminação dos desequilíbrios e, por conseguinte, a efetivação do princípio da igualdade material.

Além de apresentar um objetivo imediato, a ação afirmativa tem igualmente por finalidade romper com a estrutura responsável pela segregação que lhe ensejou, mostrando-se mais do que uma mera medida emergencial, com vistas a romper o ciclo causador do processo discriminatório (BRITO FILHO, 2014).

As mais reconhecidas ações afirmativas para indígenas são os estabelecimentos de quotas, seja em partidos políticos, em vagas de emprego ou para o ingresso em universidades. Contudo, há outras formas de ação dentro desta abordagem, e que possuem caráter simbólico ainda maior. Trata-se, por exemplo, da celebração da diferença por meio de ações conjuntas (nas áreas da atenção básica, saúde, cultura, esporte, etc.). Não se trata de medida discriminatória, mas de uma ação de resgate simbólico das peculiaridades dos indígenas, que apenas enriquecem sua identidade, sem, de forma alguma, questionar negativamente sua igualdade.

Acrescente-se, por fim, que pensar políticas afirmativas para povos indígenas implica enfrentar a questão da interculturalidade, vez que, lamentavelmente, as políticas públicas a eles dirigidas, a despeito da retórica de respeito a diversidade, continuam a ser elaboradas com base em uma concepção genérica de índio, reduzindo diferentes povos a uma mesma categoria (COELHO, 2015). Nesse sentido, destacam-se as Diretrizes Para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena, as Diretrizes Nacionais Para o Funcionamento das Escolas Indígenas, e da Política Nacional de Atenção à Saúde dos povos Indígenas, entre outros, produzidas à revelia desses povos e em evidente desconsideração dos laudos antropológicos sobre eles já produzidos.

4 OS INDÍGENAS COMO SEGURADOS ESPECIAIS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL E O LIMITE DE IDADE PARA INGRESSO NO RGPS

A Previdência Social é um seguro que garante renda ao trabalhador contribuinte e sua

família em casos de doença, acidente, gravidez, morte e velhice, definido pela Constituição Federal em seus arts. 201 e 202 e pela Lei n° 8.213/91, fazendo parte da Seguridade Social brasileira. Como regra geral, os segurados obrigatórios da previdência social são todos aqueles que exercem atividades remuneradas, com filiação compulsória e direito às prestações previdenciárias, sendo que a Lei n° 8.213/91 classificou-os em cinco categorias, quais sejam: (i) empregado; (ii) empregado doméstico; (iii) contribuinte individual; (iv) trabalhador avulso e (v) segurado especial (BRASIL, 1991).

Necessário destacar a situação dos segurados facultativos, uma categoria de exceção que abrange todos aqueles maiores de 16 (dezesseis) anos que se filiarem ao Regime Geral de

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Previdência Social, de maneira não compulsória, mediante contribuição, desde que não estejam incluídos no rol do art. 11 da Lei n° 8.213/91 (segurados obrigatórios), nem filiados ao Regime Próprio de Servidor Público (RPPS).

Conforme o art. 11, VII, caput, da Lei n° 8.213/91, são segurados obrigatórios da previdência social as pessoas físicas, na condição de segurado especial, o produtor rural (seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário), seringueiro ou extrativista vegetal e o pescador artesanal ou a este assemelhado, que exerça essas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, com ou sem auxílio eventual de terceiros (BRASIL, 1991).

Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes (art. 11, VII, § 1°) (BRASIL, 1991). Auxílio eventual de terceiros é, por sua vez, aquele exercido ocasionalmente, em condições de mútua colaboração, não existindo subordinação nem remuneração.

Os benefícios previdenciários garantidos ao segurado especial se restringem ao salário maternidade, aposentadoria por idade, pensão por morte, auxílio-doença, auxílio-acidente e auxílio reclusão.

Com base nas características das atividades desenvolvidas pelos povos indígenas (produção agrícola, artesanal e extrativista, vez que estão autorizados a explorar os recursos naturais e a praticar a caça e a pesca como forma de manutenção física e cultural em suas terras), verifica-se que não se enquadram em nenhuma das categorias de segurados obrigatórios ou facultativos, conforme interpretação literal do art. 11, inc. VII, da Lei n° 8.213/91 (BRASIL, 1991). Porém, a matéria está regulamentada no art. 55 do Estatuto do Índio, o qual estabelece que o “regime geral da previdência social ser| extensivo aos índios, atendidas as condições sociais, econômicas e culturais das comunidades beneficiadas” (BRASIL, 1973).

O que o dispositivo prevê é não apenas a extensão do RGPS aos indígenas, mas também a necessidade de se atender às condições sociais, econômicas e culturais das comunidades indígenas. Há, portanto, lei específica que relaciona o RGPS e sua aplicação aos índios, de acordo com suas condições, o que atende ao princípio da seletividade.

Ademais, o art. 7º, § 3º, da Instrução Normativa nº 45 INSS, de 6 de agosto de 2010 (BRASIL, 2010), enquadra-os como segurados especiais, desde que o índio tenha sido reconhecido pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e que trabalhe como artesão e utilize matéria-prima proveniente de extrativismo vegetal, ou o que exerça atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar e faça dessas atividades o seu principal meio de vida e de sustento, independentemente do local onde resida ou exerça suas atividades, sendo irrelevante a definição de indígena aldeado, indígena não-aldeado, índio em vias de integração, índio isolado ou índio integrado.

Em síntese, os costumes e tradições indígenas não geram automaticamente o direito aos benefícios previdenciários. A comprovação do exercício de atividade rural do segurado especial indígena será feita mediante a apresentação de certidão fornecida pela FUNAI certificando a condição do índio como trabalhador rural, devendo ser submetida à homologação do INSS para análise de sua forma, em observância ao art. 118, § 2º, da Lei n° 8.213/91 (BRASIL, 1991).

5 ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS DO BENEFÍCIO SALÁRIO-MATERNIDADE CONCEDIDO PELA PREVIDÊNCIA SOCIAL

O salário-maternidade é benefício previdenciário concedido durante a licença-maternidade, garantindo às trabalhadoras que contribuem para a Previdência Social (empregadas, empregadas domésticas, trabalhadoras avulsas, contribuintes individuais, facultativas e seguradas especiais) o recebimento de renda mensal em valor igual a sua remuneração integral durante no máximo 120 dias, período no qual ficam afastadas de sua ocupação profissional, por ocasião do parto, inclusive no caso de natimorto e de adoção ou

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guarda judicial para fins de adoção (independentemente da idade do adotado, que deverá ter no máximo doze anos de idade). Na hipótese de aborto não criminoso e comprovado por atestado médico, o benefício terá duração de quatorze dias a partir da ocorrência do aborto.

Trata-se do único benefício previdenciário que pode ser pago com valor superior ao teto. E no caso de empregos concomitantes ou de atividade simultânea na condição de segurada empregada com contribuinte individual ou doméstica, a segurada fará jus ao salário-maternidade relativo a cada emprego ou atividade. Mas em situação de adoção ou parto de mais de uma criança, o(a) segurado(a) terá direito somente ao pagamento de um salário-maternidade.

O benefício pode ter início até 28 dias antes do parto, exceto no caso da desempregada (a partir do parto) e do(a) adotante (a partir da adoção ou guarda para fins de adoção). Se for solicitado antes do nascimento da criança, comprovar-se-á por via de atestado médico específico para gestante. Mas, se o for depois do parto, basta a certidão de nascimento (vivo ou morto) do dependente. Em caso de guarda, o(a) segurado(a) deve apresentar o Termo de Guarda, constando que a guarda se destina à adoção. Já, em caso de adoção, deverá apresentar a nova certidão de nascimento expedida após a decisão judicial.

Para ter direito ao salário-maternidade, o(a) trabalhador(a), contribuinte individual, facultativo(a) e segurado(a) especial deve ter preenchido o período de dez meses de carência na data do parto, aborto ou adoção, isento para as seguradas empregadas de microempresa individual, empregadas domésticas e trabalhadoras avulsas que estejam em atividade na data do afastamento, parto, adoção ou guarda com a mesma finalidade. As desempregadas devem comprovar a qualidade de segurada do INSS e, conforme o caso, cumprir carência de dez meses trabalhados. Caso tenha perdido a qualidade de segurada, deverá realizar dez novas contribuições antes do evento gerador do benefício.

Cumpre destacar que o salário maternidade será devido ao adotante do sexo masculino, para adoção ou guarda para fins de adoção ocorrida a partir de 25 de outubro de 2013, data da publicação da Lei nº 12.873/2013 (BRASIL, 2013).

Por fim, a partir de 23 de janeiro de 2013, data da vigência do art. 71-B da Lei nº 8.213/91, fica garantido, no caso de falecimento da segurada ou segurado que tinha direito ao recebimento de salário-maternidade, o pagamento do benefício ao cônjuge ou companheiro(a) sobrevivente, desde que este também possua as condições necessárias à concessão do benefício em razão de suas próprias contribuições (BRASIL, 1991). Para o reconhecimento deste direito é necessário que o sobrevivente solicite o benefício até o último dia do prazo previsto para o término do salário-maternidade originário (120 dias). Esse benefício, em qualquer hipótese, é pago pelo INSS. 6 O DIREITO AO RECEBIMENTO DE SALÁRIO-MATERNIDADE DAS MÃES INDÍGENAS MENORES DE DEZESSEIS ANOS: REFLEXOS SÓCIOJURÍDICOS

Embora a Constituição Federal, em seu art. 7º, XXXII, proíba qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos (BRASIL, 1988), e o ingresso como segurado especial no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) apenas seja permitido para maiores de dezesseis anos que tenham participação ativa nas atividades rurais do grupo familiar (art. 11, § 6º, da Lei 8.213/1991) (BRASIL, 1991), tem-se decidido favoravelmente à concessão do salário-maternidade às mães indígenas menores de dezesseis anos de idade.

O Poder Judiciário tem considerado as peculiaridades sociais e culturais das indígenas, que atingem a vida adulta ainda muito jovens, por volta dos doze anos de idade, estando aptas para se casarem e terem filhos, além de contribuírem para a subsistência de seu grupo familiar por meio do desempenho de atividades produtivas, conforme assinalam estudos antropológicos, nos quais devem se basear os julgadores ao proferir suas decisões.

Em linhas gerais, as decisões têm admitido a possibilidade de equiparar a condição das mães indígenas, maiores de quatorze e menores de dezesseis anos de idade, que atuam na

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atividade rurícola, a do aprendiz (art. 428 e seguintes da CLT) (BRASIL, 1973), haja vista que adquirem os conhecimentos e a habilidade necessários ao exercício da atividade, não se confundindo com o trabalho infantil exploratório.

O Parecer Conjunto nº 01/2016/Subgrupo OS nº 30/2014/DEPCONSU/PGF/AGU, elaborado pelas Procuradorias Federais Especializadas da Funai e do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e por representantes do Departamento de Consultoria e Contencioso da Procuradoria-Geral Federal e da Advocacia-Geral da União, tratou sobre a possibilidade de concessão de salário-maternidade às mães indígenas menores de dezesseis anos, em atenção à peculiaridade de suas condições sociais, econômicas e culturais e em decorrência da interpretação do ordenamento jurídico pátrio. Entendeu-se pelo reconhecimento de tal direito, sem prejuízo do cumprimento das regras necessárias à concessão do benefício e das do próprio RGPS, sobretudo a qualidade de segurado e a carência (BRASIL, 2016).

Com a finalidade de contribuir para a concretização dos princípios constitucionais, o Subgrupo sugeriu também a inclusão do parágrafo § 9º no art. 18 do Decreto nº 3048/1999 (BRASIL, 1999), ressalvando o direito às jovens indígenas menores de dezesseis anos:

REDAÇÃO ATUAL Art. 18: § 2º A inscrição do segurado em qualquer categoria mencionada neste artigo exige a idade mínima de 16 anos. REDAÇÃO SUGERIDA Art. 18: (...) § 9º É permitida a inscrição de indígena menor de 16 anos, na condição de segurada especial, para fins de recebimento de salário-maternidade.

O parecer se baseou em laudos antropológicos que demonstram que o modo de

organização social próprio dos povos indígenas permite que as mulheres adquiram responsabilidade laborativa ainda jovens, não podendo ser prejudicadas pela norma constitucional que veda o trabalho a menores de dezesseis anos, nos casos em que as indígenas tenham direito ao benefício, mas não atingiram tal idade. Dessa forma, desempenhando as jovens mães indígenas atividade rural no âmbito de sua comunidade, elas deverão receber o salário-maternidade mesmo antes de completados os dezesseis anos de idade, pois o casamento e a maternidade precoces integram seus costumes e tradições.

Após manifestação encaminhada ao Procurador-Geral Federal em 25 de maio de 2016, o parecer foi aprovado, seguindo para posterior submissão ao Advogado Geral da União e aos Ministros de Estado da Fazenda e do Desenvolvimento Social e Agrário.

Em síntese, o salário-maternidade, enquanto um instrumento de efetivação dos direitos sociais estabelecidos na Constituição Federal, consiste em um direito pertencente às mães indígenas independentemente da sua idade, cumprindo ao Poder Público observar a diversidade cultural brasileira. Deve-se, assim, primar por um entendimento consentâneo à multiculturalidade reconhecida pela Constituição Federal de 1988 e por tratados e convenções internacionais ratificados pelo Brasil. Não há que se considerar o direito à igualdade apenas como fonte formal ou material de equiparação de indivíduos, mas, especialmente, como diretriz para o reconhecimento da diferença.

7 ANÁLISE DAS DECISÕES JUDICIAIS QUE TUTELAM O DIREITO AO RECEBIMENTO DE SALÁRIO-MATERNIDADE DAS MÃES INDÍGENAS MENORES DE DEZESSEIS ANOS

Realizou-se uma análise de julgados, por meio do método de levantamento, para apurar o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no tocante ao reconhecimento do direito e à concessão de salário-maternidade às mães indígenas menores de dezesseis anos. No dia 07 de outubro de 2016, inseriu-se a palavra-chave “sal|rio maternidade indígena menor” no campo de busca denominado “Pesquisa Livre ” na |rea de “Jurisprudência do STJ” no endereço eletrônico do STJ, sem a indicaç~o de datas no campo “Data” na “Pesquisa por campos

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específicos”, selecionando a opç~o “Todas”. Retornaram nove decisões monocr|ticas e um acórdão. Apenas os dados deste e de três entre aquelas foram apresentados, pois somente estes julgados são condizentes ao recorte temático da pesquisa.

Destaque-se que, na mesma data assinalada, foram inseridas as palavras-chave “sal|rio maternidade indígena”, “sal|rio maternidade indígena menor” e “sal|rio maternidade indígena aprendiz”, separadamente, no campo “Pesquisa Livre” na |rea de “Pesquisa de Jurisprudência” no endereço eletrônico do Supremo Tribunal Federal (STF), sem a indicaç~o de datas no campo “Data” na “Pesquisa por campo específico”, selecionando a opç~o “Todas”. Diante da ausência de resultados, concluiu-se que a questão ainda não foi examinada pelo STF, estando expostos na tabela a seguir os dados das decisões proferidas pelo STJ.

Processo Recurso Especial nº

1.440.391 – RS

(2014/0048515-4)

Recurso Especial nº

1.559.760 – MG

(2015/0249238-9)

Agravo Regimental

no Recurso Especial

nº 1.559.760 - MG

(2015/0249238-9)

Recurso Especial nº

1.565.764 - RS

(2015/0283227-8)

Classe processual Decisão monocrática Decisão monocrática Acórdão Decisão monocrática

Data da publicação 26/03/2015 03/11/2015 14/12/2015 01/03/2016

Julgador Mauro Campbell

Marques

Humberto Martins Humberto Martins Humberto Martins

Deferimento do

pedido/Reconhe-

cimento do direito

das mães indígenas

menores

Não/Sim Não/Sim Não/Sim Não/Sim

Fundamentos

legais

Súmula 83 do STJ Art. 557, caput, do

CPC e Súmula 7 do

STJ

Súmula 83 do STJ

Súmula 7 do STJ

Síntese da decisão Merece ser mantido

o acórdão recorrido

por estar em

conformidade com o

entendimento do

Superior Tribunal de

Justiça, incidindo o

óbice da Súmula 83

do STJ.

A pretensão de

simples reexame de

provas, além de

escapar da função

constitucional deste

tribunal, encontra

óbice na Súmula 7

do STJ, cuja

incidência é

induvidosa no caso

sob exame.

Violação de

dispositivos

constitucionais

(arts.7º, XXXIV, e

201, da CF), ainda

que para fins de

prequestionamento,

não pode ser

apreciada em sede

de recurso especial,

competindo

exclusivamente ao

Supremo Tribunal

Federal, nos termos

do art. 102, inciso III,

da Constituição da

República.

Para análise dos

critérios adotados

pela instância

ordinária que deram

ensejo à concessão

ou não da liminar ou

da antecipação dos

efeitos da tutela, é

necessário o

reexame dos

elementos

probatórios a fim de

aferir "a prova

inequívoca que

convença da

verossimilhança da

alegação", nos

termos do art. 273

do CPC, o que não é

possível em recurso

especial, dado o

óbice da Súmula

7/STJ.

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CONCLUSÃO Verificou-se que, com a transição do Estado Liberal para o Estado Social, erigiram

direitos sociais e, dentre eles, os relacionados à saúde, ao trabalho e à Previdência Social, além dos direitos assegurados aos índios. As ações afirmativas são a forma de concretização da igualdade jurídica em seu aspecto material e da promoção de políticas públicas para discriminar de forma positiva o cidadão discriminado negativamente pela sociedade.

Neste sentido, as comunidades indígenas merecem proteção diferenciada, uma vez que representam etnias que possuem características próprias, consistentes na sua cultura e tradições, bem como em razão de historicamente terem sofrido perseguição e discriminação. Logo, por meio de ações afirmativas, torna-se possível concretizar em favor dos povos indígenas o ideal de igualdade de acesso aos bens sociais prestados pelo Estado, a partir da referência do respeito aos seus modos de vida e ao direito de continuarem sendo povos diferenciados.

Em complemento ao exposto, enquadradas na categoria de segurados especiais, as indígenas detêm características sociais e culturais próprias, iniciam suas atividades laborais na sua comunidade precocemente, atingem a vida adulta, casam-se e geram filhos antes dos dezesseis anos, uma vez que a menarca ocorre, em média, aos seus doze anos de idade.

Ainda que Constituição Federal proíba, em regra, o trabalho de menores de dezesseis anos e que o ingresso no Regime Geral de Previdência Social somente seja possível após essa idade, o reconhecimento do direito ao recebimento do salário-maternidade pelas mães indígenas menores de dezesseis anos é consentâneo ao princípio da igualdade material, o qual deve nortear o tratamento dos direitos das minorias. Ainda, a despeito do exposto, as mães indígenas podem desempenhar o trabalho rurícola antes dos dezesseis anos na condição de aprendiz.

Verifica-se que, embora a Constituição Federal de 1988 tenha rompido com a perspectiva tutelar e integracionista, ampliando os direitos e garantias dos indígenas no Brasil, a concretização das normas que dispõem sobre eles ainda se trata de um processo em curso.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, Victor Hugo de; SOUZA, André Evangelista de. O direito à saúde na perspectiva labor-ambiental. In: MIESSA, Élisson; CORREIA, Henrique (Org.). Temas atuais de Direito e Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, 2014. p. 149-165. BANIWA, Gersem dos Santos Luciano. A conquista da cidadania indígena e o fantasma da tutela no Brasil contemporâneo. In: RAMOS, Alcida Rita (Org.). Constituições nacionais e povos indígenas. Belo Horizonte: UFMG, 2012, p. 206-227. BARRETO, Helder Girão. Direitos indígenas vetores constitucionais. Curitiba: Juruá, 2003. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934). Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, RJ, 16 jul. 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>. Acesso em: 23 out. 2016. ______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 23 out. 2016.

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______. Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999. Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 7 mai. 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm>. Acesso em: 23 out. 2016. ______. Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF,9 ago. 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 23 out. 2016. ______. Instrução normativa INSS/PRES n. 45, de 06 de agosto de 2010. Dispõe sobre a administração de informações dos segurados, o reconhecimento, a manutenção e a revisão de direitos dos beneficiários da Previdência Social e disciplina o processo administrativo previdenciário no âmbito do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 ago. 2010. Disponível em: <http://sislex.previdencia.gov.br/paginas/38/inss-pres/2010/45_1.htm>. Acesso em: 23 out. 2016. ______. Lei n. 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 21 dez. 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6001.htm>. Acesso em: 23 out. 2016. ______. Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 jul. 1991. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8212cons.htm>. Acesso em: 23 out. 2016. ______. Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 jul. 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 23 out. 2016. ______. Lei n. 12.873, de 24 de outubro de 2013. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 out. 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/Lei/L12873.htm>. Acesso em: 23 out. 2016. ______. PARECER CONJUNTO Nº 01/2016/SUBGRUPO OS nº 30/2014/DEPCONSU/PGF/AGU. Disponível em: <http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/ascom/2016/doc/parecer.pdf>. Acesso em: 23 out. 2016. BRITO FILHO, José Carlos Machado de. Ações afirmativas à luz da Constituição Federal de 1988. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/27001/acoes-afirmativas-a-luz-da-constituicao-federal-de-1988>. Acesso em: 23 out. 2016. COELHO, Elizabeteh Maria Beserra. Ações afirmativas e povos indígenas: o princípio da diversidade em questão. Disponível em: <www.revistapoliticaspublicas.ufma.br/site/download.php?id_publicacao=691>. Acesso em: 23 out. 2016. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. SANTOS FILHO, Roberto Lemos dos. Apontamentos sobre o direito indigenista. 5. reimpr. Curitiba: Juruá, 2012.

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SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 212, p. 89-94, abr.-jun./1998.

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APOSENTADORIA ESPECIAL: A CARACTERIZAÇÃO DA ATIVIDADE ESPECIAL NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

RETIREMENT SPECIAL: CHARACTERIZATION

SPECIAL ACTIVITY IN GENERAL SCHEME OF SOCIAL SECURITY

Leandro Francisco de Oliveira* Olga Aparecida Campos Machado Silva **

RESUMO: Para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), como estabelece a Lei 8213/91, o segurado deverá comprovar a efetiva exposição aos agentes nocivos físicos, químicos e biológicos, além do tempo de trabalho, que poderá variar, dependendo do grau de intensidade, entre 15 a 25 anos para a concessão do benefício da aposentadoria especial. Entretanto, essa espécie de aposentadoria, submete o segurado a um processo probatório que demanda indubitável morosidade e procedimentos altamente burocráticos para seu recebimento. Esse trabalho pretende apresentar, sucintamente, a caracterização do instituto da Aposentadoria Especial. Consequentemente abordando questões sobre a concessão do seu benefício, contribuindo didaticamente para o aprimoramento deste tema no âmbito acadêmico. Proporcionando ao público de pesquisadores acadêmicos, acesso à informação acerca da aposentadoria especial, observando os procedimentos inerentes à aquisição do benefício por parte dos beneficiários que nem sempre possuem conhecimento sobre os pressupostos de concessão da Aposentadoria Especial. Podendo contribuir ao pesquisador do Direito em geral, com uma metodologia, oferecendo-lhe maiores informações sobre diversas doutrinas e legislação conivente e sobre a Seguridade Social disponibilizando sua bibliografia e fundamento que se dá pelo estudo do Instituto da Aposentadoria Especial através do RGPS. Portanto, quando uma parte do direito, principalmente a que rege as leis trabalhistas tem um pensamento de equiparação de suas desigualdades através de adicionais de insalubridades. O Direito Previdenciário, de forma mais humana com o instituto da aposentadoria especial, dando uma sensibilidade de repensar sobre o direito contemporâneo, preocupando-se com a saúde, assim privilegiando- o, estando enquadrados, através do afastamento antecipado decorrente à saúde, atentando-se ao grau de nocividade decorrente da atividade profissional do trabalhador. É importante ainda ressalvar o combate contra lesões nocivas, provocadas por agentes físicos, químicos e biológicos. Por fim, a aposentadoria especial procura fazer com que o segurado possa antecipar seu benefício, reduzindo o tempo de serviço. Palavras-chave: aposentadoria especial; benefícios; Direito Previdenciário. ABSTRACT: For the General Social Security System (GSSS), as established by Law 8213/91, the insured must prove the effective exposure to physical, chemical and biological harmful agents, in addition to working time, which may vary depending on the degree of intensity between 15 to 25 years for granting the benefit of special retirement. However, this kind of retirement, the insured submits to a trial process that demands unquestionable slow and highly bureaucratic procedures for its receipt. This work intends to present, briefly, the characterization of the Special Retirement Institute. Consequently addressing questions about the grant of the benefit, didactically contributing to the improvement of this subject in the academic field. Providing the public with academic researchers, access to information about the special retirement, observing the procedures related to the acquisition of benefit by beneficiaries do not always possess knowledge of the concession assumptions of the Special Retirement. Being able to contribute to the research of law in general, with a methodology, giving you more information on various doctrines and conniving legislation and the Social Security providing your bibliography and

* Graduação no Centro Universitário Barão de Mauá. E-mail: [email protected]. ** Mestrado na Universidade de Ribeirão Preto. E-mail: [email protected].

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foundation that gives the study of the Special Retirement Institute through RGPS. Therefore, when a part of the law, especially governing labor laws have a thought Match its inequalities through additional insalubrities. The Social Security Law, more human form with the special retirement institute, giving a sensitivity of rethink better of contemporary law, concerned with health, so the privileging, being framed by the early removal due to health, paying attention to the degree of harm resulting from the professional worker activity. It is also important caveat combating harmful injuries caused by physical, chemical and biological agents. Finally, the special retirement seeks to have the insured can anticipate your benefit, reducing service time. Keywords: special retirement; benefits; Social Security Law SUMÁRIO: Introdução. 1 Aposentadoria especial: conceitos gerais. 2 Caracterização técnica da atividade especial. 2.1 Classificação dos agentes nocivos. 2.1.1 Agentes físicos. 2.1.2 Agentes químicos. 2.1.2 Agentes biológicos. 2.1.3 Associações de agentes. 3 Pressupostos para a concessão da aposentadoria especial. 4 Conversão do tempo especial. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

Este artigo tem por objetivo, examinar o tema da aposentadoria especial, procurando

ampliar o conhecimento acerca do Direito Previdenciário, buscando aprofundar-se nas questões legais referentes ao tema, além analisar as peculiaridades concernentes à matéria, empenhando-se em contribuir para a comunidade acadêmica e para o público leigo em geral, conferindo maiores informações acerca deste direito que tem sofrido inúmeras modificações nos últimos anos.

Ao iniciar nossa pesquisa, averiguamos definições como: conceitos gerais caracterização técnica, pressupostos para concessão e conversão do tempo especial de regime no instituto focando o regime geral assim trazendo seus conceitos com uma abordagem que de forma mais humana com o instituto da aposentadoria especial, oportunizando maior reflexão ao leitor acerca de questões inerentes ao direito contemporâneo. 1 APOSENTADORIA ESPECIAL: CONCEITOS GERAIS

Conforme a Constituição de 1988, em seu Artigo 194, os Poderes Públicos, em conjunto com ações da sociedade civil, compreendem a Seguridade Social e seus ramos (Saúde, Previdência Social e Assistência Social) como parte integrante da ordem social, visando assegurar os direitos relativos à saúde, previdência e assistência social.

A aposentadoria especial surgiu no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei Orgânica da previdência Social (Lei 3807/1960) sendo levada como norma constitucional em 1988 no § 1° do antigo artigo 201 da Constituição Federal, configurando-se em um direito dos trabalhadores que tenham permanecido por 15, 20 ou 25 anos de trabalho vinculado às condições de risco ou prejudiciais a sua saúde ou a integridade física (Art. 57 da Lei 8.213/91), estabelecendo o benefício diferenciado das demais espécies de aposentadoria. Desde sua origem, o benefício da aposentadoria especial tem sofrido inúmeras mudanças normativas. De acordo com Vendrame (2000, p. 12):

A Lei n. 9.032/95 alterou profundamente o conceito de aposentadoria especial, dando nova redação ao art.57 da Lei n. 8.213. O Decreto n. 2.172, de 5.3.97, estabeleceu nova relação de agentes nocivos (Anexo IV), quando o benefício deixa de ser uma conquista da categoria, para se tornar um direito subjetivo do indivíduo. Não somente às categorias foi criada restrição, mas também às funções, ocupações e ambientes laborais, a exemplo das condições de periculosidade e penosidade que deixaram de ser abrigadas. Finalmente, a Lei n. 9.732 altera os arts. 57 e 58 da Lei n. 8.213 instituindo cobrança diferenciada

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do seguro de acidentes do trabalho em função do risco a que o empregado está sujeito.

A Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que trata da Finalidade e dos Princípios Básicos

da Previdência Social, enquadra também a aposentadoria especial, sendo uma espécie de aposentadoria cujo benefício é cabido ao segurado que exerce suas atividades laborais em circunstâncias prejudiciais à saúde ou à integridade física, visando garantir um modo de compensação pelo desgaste consequente do tempo de serviço prestado em ambientes expostos à agentes nocivos. Trata-se de importante ação social estabelecida pelo Direito Previdenciários, posto que, segundo Meirinho e Leitão (2015, p.67):

É preciso esclarecer que nenhum empregado exerce atividade de risco por vontade própria. Faz isso por imposição da empresa, a qual aufere proveito econômico do trabalho alheio. Esse empregado, além de estar mais suscetível a doenças incapacitantes, provavelmente terá direito à aposentadoria especial, espécie de aposentadoria antecipada por tempo de contribuição. Portanto, ressai evidente que o maior risco da atividade provoca maior chance de intervenção protetiva da seguridade social.

A intensidade e quantidade de agentes nocivos aos quais o segurado fica exposto durante

suas atividades laborais, são fatores relevantes e determinantes sobre o período de concessão da aposentadoria, devendo ser evidenciado através de laudo técnico ambiental e do Perfil Profissiográfico Previdenciário do trabalhador. O Artigo 57 da Lei nº 8.213/91, determina devidamente a aposentadoria especial, contudo, entende-se que o segurado terá seu direito garantido desde que a exposição aos agentes nocivos seja por período constante não aleatório, conforme nos assevera Duarte (2008, p.236):

Deve-se ressaltar que o enquadramento em atividade especial não coincide exatamente com os requisitos para concessão de adicionais trabalhistas de insalubridade, periculosidade ou Penosidade. A legislação previdenciária tem requisitos próprios, assim como o direito trabalhista. O reconhecimento do adicional trabalhista é indiciário, mas não assecuratório do direito à aposentadoria especial, e vice-versa. A lei previdenciária refere-se à exposição habitual e permanente a agentes nocivos (“permanente, n~o ocasional nem intermitente”).

O texto de Duarte (2008, p.236), assevera que tanto a legislação trabalhista como a

previdenciária, possuem pressupostos e objetivos distintos, tendo cada qual, sua própria autonomia. No entanto, esse liame pode confundir o segurado e o público leigo em geral, cabendo ao operador do direito o conhecimento necessário para uma eficaz análise de cada caso em particular.

1.1 Aspecto marcante da lei da aposentadoria especial

Para um instituo ser reconhecido como Regime de Previdência Social deve, no mínimo,

ter recursos próprios, constituir um público alvo e possuir administração respectiva para garantir ao menos dois benefícios: aposentadoria e pensão por morte. A Constituição Federal de 1988. A lei 9032/1995 alterando o dispositivo da aposentadoria especial através do artigo 57, mudou o coeficiente do benefício alterando a forma de pagamento de 70% passando para 100%, além disso, adicionou a exigência da elaboração de formulários e laudos técnicos ambientais informativos, para a comprovação da atividade especial, isto é, incidência de agentes nocivos e ambientes ou situações de insalubridade no exercício profissional do segurado. Outra alteração importante, porém, problemática do ponto de vista do segurado é a mudança da comprovação da atividade especial, que anteriormente era atrelada à categoria e, a partir dessas alterações,

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passou a ser de responsabilidade de cada profissional, dificultando ainda mais a admissibilidade da aposentadoria especial, posto que nem todo trabalhador possui pleno conhecimento de seus direitos trabalhistas e previdenciários. Posteriormente a Lei 9528/97 alterou o artigo 58 da lei 8213/13, classificando os agentes nocivos através de uma lista cuja finalidade era regulamentar e enquadrar quais agentes eram passíveis de concessão para a aposentadoria especial. De acordo com Duarte (2008, p.246):

O benefício deve ser concedido apenas àqueles que efetivamente sujeitem-se a condições especiais" ela ainda ressalta, que “a necessidade de an|lise do caso concreto, no qual a informação fornecida pelo médico do trabalho ou do engenheiro de segurança do trabalho contratado pela empresa para a realização do laudo ou pelo perito judicial é fundamental para o deslinde da questão. Ele é que deverá informar se a utilização do epi ou do epc é hábil a eliminar toda e qualquer possibilidade de prejuízo à saúde ou à integridade física do trabalhador.

Após o estabelecimento dos laudos técnicos ambientais, a lei obrigou as empresas a

responsabilidade pela elaboração de tais documentos, devendo, ainda, disponibilizar informações documentadas e precisas para os seus respectivos trabalhadores, para que os segurados estejam devidamente documentados no ato do requerimento do direito à aposentadoria especial, assim como a devida conversão do tempo especial para o tempo comum. Ademais, através do Decreto 4.032/01, foi instaurado o Perfil Profissiográfico Previdenciário, que nada mais é do que o histórico próprio de cada trabalhador, com relatos de suas atividades laborais, de onde poder-se-á produzir provas de suas condições de trabalho, conforme explica Alvarenga (2016)

Perfil profissiográfico consiste em mapeamento atualizado das circunstâncias laborais e ambientais, com fiel descrição das diferentes funções do empregado, em face dos agentes nocivos, relato da presença, identificação e intensidade dos riscos, referência à periodicidade da execução do trabalho, enfim, relatório eficiente do cenário de trabalho, concebido para fins previdenciários [...] O perfil profissiográfico previdenciário deve ser elaborado pela empresa, tendo-se como base o laudo técnico de condições ambientais do trabalho - LTCAT, expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, nos termos da legislação trabalhista. No laudo técnico, deverão constar todas as informações necessárias sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre sua adoção pelo estabelecimento respectivo.

Levando-se em consideração que a empresa pode encerrar suas atividades, ou o

trabalhador pode mudar de profissão, ao levar consigo toda documentação inerente à atividade especial exercida (laudos técnicos ambientais e Perfil Profissiográfico Previdenciário, fornecidos pela empresa em que prestou serviço), possibilitará maior fluidez na aquisição de seu benefício. Com a promulgação das Leis 9.9711/98 e 9.9723/98, os critérios da conversão do tempo especial anterior à 1998, foram redefinidos, para que se pudesse preservar o direito adquirido dos trabalhadores que já se enquadravam nos critérios da lei vigente. Ademais, o legislador das Lei 9.711/98 e 9.723/98, preocupou-se em direcionar a forma de financiamento do custeio especifico sobre a aposentadoria especial, estabelecendo percentuais diferentes de contribuição entre o trabalhador e o patrão.

No que tange à legislação, a aposentadoria especial se difere das demais categorias, dispondo de leis, pressupostos e objetivos específicos, para que evite ambiguidades com outras classes de benefícios, como por exemplo, aposentadoria por tempo de serviço ou por invalidez. As mudanças estabelecidas pelas leis 9032/95, 9528/97 9711/98, 9732/98 e 10666/03, foram

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relevantes no que diz respeito ao caráter tempestivo no que se refere ao pedido de aquisição da aposentadoria especial. Deste modo, o operador do direito deverá estar atento às leis supracitadas para o efetivo enquadramento do segurado, conforme o caso quando se confrontar com alguma situação em que o requente pleiteia aposentadoria especial.

2 CARACTERIZAÇÃO TÉCNICA DA ATIVIDADE ESPECIAL.

A caracterização do direito da aposentadoria especial é feita com base no Regulamento da do INSS que define as condições técnicas nas quais o segurado fará jus a este direito. O deferimento da aposentadoria especial é um benefício que procura resguardar os trabalhadores que exerceram suas atividades em condições especiais, correndo riscos e podendo causar prejuízos à saúde, encurtando o tempo de serviço, estabelecendo-se a necessidade de ser enquadrado nos pressupostos legais da admissibilidade da atividade especial.

O Direito brasileiro, apesar de ser único, ramifica-se em várias espécies, deste modo, cada uma dessas ramificações possui normas próprias e autônomas, conferindo-lhes características e princípios distintos. As questões relevantes para a obtenção da aposentadoria especial, também podem ser abordadas no âmbito trabalhista, porém com seus próprios objetivos e pressupostos, já que um dos fundamentos do Direito do Trabalho é a regulamentação das relações sociais entre patrão e empregado. Nesse sentido, os riscos concernentes às atividades laborais de periculosidade e insalubridade, assim como exposição a agente nocivos também podem ser abordadas como tema para espécies de monetizações compensatórias ao trabalhador. Para Vieira (2008, p.167)

Talvez o que é pior, temos a monetização da perda da saúde, pois ao admitirmos o pagamento de um adicional seja de insalubridade ou periculosidade, estamos diante do estabelecimento crucial da violência. Todo pagamento daqueles adicionais, parece aliviar a dor do corpo do trabalhador, ou pelo menos a dor da consciência de toda a sociedade. Quando se paga o risco do trabalho está se pagando à violência que se perpetua nas relações de trabalho. Poder-se-ia dizer que alguém precisa fazer o trabalho perigoso ou insalubre para que os demais membros da sociedade possam desfrutar daquele malicio subsidiado.

Uma análise ampla e aprofundada sobre o tema, abrangendo essas duas vertentes do

Direito é algo que foge ao âmbito deste trabalho. Nesse sentido, consideramos pertinente restringirmo-nos apenas às questões relacionadas ao Direito Previdenciário, cuja redução do tempo de trabalho, perante a modalidade da aposentadoria especial, visa a proteção da saúde do trabalhador segurado, posto que a prevenção é tão ou mais louvável que ações indenizatórias, posto que a saúde, mais que um direito, é um bem intransferível e inalienável de todo e qualquer cidadão.

Nesse sentido o reconhecimento dos riscos de agentes nocivos para saúde do trabalhador da maneira que se aplica no Direito Previdenciário, faz com que a aposentadoria especial venha a resguardá-lo, justificando, assim, a redução do tempo de serviço que normalmente é de 35 anos para homens e 30 anos para mulheres, reduzindo entre 15 e 25 anos (conforme o já citado art. 57), dependendo do grau de intensidade exposto, como assegura a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.

Nesse sentindo, apesar do Direito Previdenciário, às vezes ser confundido com questões que estão ou possam estar vinculadas em uma relação de trabalhista (patrão-empregado), assim, entrelaçando entre si a matéria que possa ser abordada pelo Direito do Trabalho e Direito Previdenciário, apesar deste liame dos componentes, entre os dois ramos do Direito suas convicções são diferentes assim como abordando regra especificas Duarte (2008, p.236):

A legislação previdenciária tem requisitos próprios, assim como o direito trabalhista. O reconhecimento do adicional trabalhista é indiciário, mas não

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assecuratório do direito à aposentadoria especial, e vice-versa. A lei previdenciária refere-se à exposição habitual e permanente a agentes nocivos (“permanente, não ocasional nem intermitente”).

O regulamento da Previdência admite a aposentadoria especial independente da idade

do indivíduo, e ainda podemos afirmar quando um agente nocivo deixa de fazer parte do rol taxativo estabelecido de agentes nocivos pela Previdência, este agente deixa de ser objeto de pedido da aposentadoria especial levando em consideração somente o período que ele esteve listado sob sua vigência. Existem ocasiões que ocorrem e permitem o reconhecimento da atividade especial mesmo sem que os agentes nocivos estejam enquadrados no rol taxativo da Previdência, ainda assim, a atividade que não esteja elencada no rol do anexo IV do Decreto no 3.048, de 6 de maio de 1999 poderá ser passiva de reconhecimento da atividade especial na visão de Marcelo (2014, p. 125):

Todavia existem no sistema jurídico brasileiro diversos agentes que não estão previstos no Decretos, sendo necessário considerar o trabalho exercido com tais agentes nocivos como atividade especial, desde que o segurado comprove o prejuízo à saúde e/ou à integridade física, ainda que os agentes não estejam no Decreto n° 3048/99.

Para se reconhecer o grau de nocividade destes agentes é feita uma análise qualitativa e

quantitativa, com diferentes finalidades. No caso da qualitativa, sua análise de verificação dos riscos ambientais observa a concentração do agente nocivo em um determinado local, enquanto a análise quantitativa leva em consideração o tempo de exposição que uma pessoa em contato os agentes nocivos. E ainda é importante observar que os agentes passíveis para a concessão da Aposentadoria Especial são praticamente os mesmos do Direito do Trabalho só que, enquanto para o direito Previdenciário os agentes nocivos são definidos pelo Decreto n° 3048/99, para o Direito do Trabalho, são definidos pelas Normas Regulamentadora n° 15 (NR-15). Ainda explica Marcelo (2014, p. 48):

Para o objeto do estudo do Direito Previdenciário, os agentes são qualitativos quando a nocividade é presumida e independe de mensuração, constatada pela simples presença do agente no ambiente do trabalho, conforme constante nos Anexos 6,13,13-A, e 14 da Norma Regulamentadora n° 15 (NR-15) do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE. Exemplos: Óleo lubrificante Mineral, lodo, Níquel, Benzeno, [...] Cuida-se de agentes quantitativos quando a nocividade é considerada pela ultrapassagem dos limites de tolerância ou doses, dispostos nos anexos 1, 2, 3, 5, 8,11 e 12 da NR-15 do MTE, por meio da mensuração da intensidade ou da concentração, consideradas no tempo efetivo da exposição no ambiente de trabalho. Exemplos: Ruído, Calor, Frio, Eletricidade, Poeira Mineral.

As empresas poderão estabelecer condutas de prevenção atenuantes à saúde de seus

funcionários, assim evitando aumento da nocividade destes agentes nocivos.

2.1 Classificação dos Agentes Nocivos

O artigo 58 Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, visa a proteção da saúde e integridade física como requisitos para concessão da aposentadoria especial desta forma este direito analisa o tempo de exposição ou grau de concentração dos agentes nocivos em contato com o trabalhador. Desta maneira é imprescindível uma perícia constante no local de maneira que possa sempre reduzir a exposição dos agentes nocivos de modo que se possa atenuar de modo que não se agrave a situação do local. Estes agentes nocivos são estabelecidos pelo Direito

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Previdenciário no Decreto n° 3048/99 (Anexo IV) de natureza física e química ou biológica. Para Marcelo (2014, p. 47):

Os agentes físicos são aqueles gerados peias condições físicas do ambiente de trabalho: ruído, temperaturas anormais (frio e calor), radiação ionizante e não ionizante, pressão atmosférica, vibração, eletricidade, [...] os agentes biológicos são os microrganismos vivos, como bactérias, fungos, parasitas, vírus, vermes, materiais infectocontagiosos. Causam contaminações de doenças e infecções cutâneas e internas, [...] os agentes químicos são representados por substâncias químicas que são absorvidas pelo ser humano, causando danos à saúde Mais de noventa por cento dos agentes nocivos são químicos; nesse caso nos reportaremos a uma minoria expressiva nas atuais indústrias, poeiras minerais, fumos metálicos, gases, hidrocarbonetos, manganês, mercúrio, níquel, chumbo, cromo, petróleo. [...] Muitas vezes o segurado é exposto a uma combinação de agentes físicos/químicos/biológicos.

A seguir, procuraremos definir cada espécie de agentes nocivos e suas respectivas

regulamentações para fins de classificação.

2.1.1 Agentes Físicos

Os agentes físicos são aqueles produzidos por circunstâncias físicas do ambiente do trabalho, tais como ruídos, vibrações, radiações ionizantes, temperaturas e pressão atmosférica anormais, capazes de causar danos ao trabalhador se exposto acima dos limites de tolerância especificados pelas Normas Regulamentadoras, de modo a reduzir ou incapacitar suas condições de saúde.

2.1.2 Agentes Químicos

Os agentes químicos se configuram por substâncias químicas que, ao serem absorvidas

ou inaladas, podem causar danos à saúde. De acordo com o Anexo IV, o que determina a concessão do benefício ao segurado é a existência do agente no processo produtivo, assim como, no meio ambiente profissional. Existe uma infinidade de agentes químicos nocivos à saúde como poeiras minerais, fumos metálicos, mercúrio, níquel, dentre outros. Ainda em conformidade com o Anexo IV, não existem limites de tolerância associados aos agentes químicos, tornando o critério de mensuração totalmente subjetivo.

2.1.3 Agentes Biológicos

Classificados como agentes biológicos, causando contaminações de doenças e infecções cutâneas e internas. Segundo Vendrame (2000, p. 32):

Só fazem jus à aposentadoria especial as exposições a agentes infecciosos e vivos [...] com relação aos profissionais da saúde, segundo o anexo, somente fazem jus à aposentadoria especial aqueles trabalhadores que tenham contato com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas; assim, o contato com quaisquer outros pacientes não dá o direito à caracterização por agentes biológicos.

Podemos classificar os seguintes agentes: bactérias, fungos, vírus, vermes, parasitas,

materiais infectocontagiosos – desde que estejam vivos – como prejudiciais biologicamente, com alto potencial de prejuízo à saúde do segurado.

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2.1.4 Associações de Agentes

Trata-se da exposição do segurado à combinação de agentes físicos/químicos/biológicos. Segundo Manual da Aposentadoria Especial Dirsat (2012, p. 46)

Associação de agentes: exposição aos agentes combinados, exclusivamente nas atividades especificadas no Anexo IV do Decreto nº 3.048/1999, como sejam: mineração subterrânea cujas atividades sejam exercidas afastadas das frentes de produção e trabalhos em atividades permanentes no subsolo de minerações subterrâneas em frente de produção. No entanto, a alteração dada pelo Decreto nº 4.882/2003 no item 4.0.0 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/1999, acrescenta que “nas associações de agentes que estejam acima do nível de toler}ncia, ser| considerado o enquadramento relativo ao que exigir menor tempo de exposiç~o.” Mantém, Contudo, nos seus itens 4.0.1 e 4.0.2 os enquadramentos qualitativos em “mineraç~o subterr}nea cujas atividades sejam exercidas afastadas das frentes de produção e trabalhos em atividades permanentes no subsolo de minerações subterr}neas em frente de produç~o”.

Esse tipo de associação (físico-biológico) pode aumentar a nocividade, acarretando

maiores prejuízos à saúde do segurado e consequentemente ser uns dos motivos de antecipação da aposentadoria, podendo assim migrar de 25 anos para 20 anos de serviço. 3 PRESSUPOSTOS PARA A CONCESSÃO DA APOSENTADORIA ESPECIAL

A Admissibilidade para concessão dos benefícios da aposentadoria especial consiste na comprovação de sua atividade laboral, do trabalhador podendo desfrutar do benefício da aposentadoria especial, possibilitando-lhe, a requerer qualquer momento, o seu histórico profissional e podendo acompanhar ao Regime Previdência Social o processo decorrente ao seu pedido de aposentadoria.

Deste modo, ao completar 15, 20 ou 25 anos de trabalho em determinada atividade especial, tendo em posse seu Perfil Profissiográfico Previdenciário, além do laudo ambiental disponibilizado pela empresa e cumprido a carência determinada em lei, terá a possibilidade de dar entrada ao processo comprobatório que lhe resultará na aquisição do benefício da aposentadoria especial. No caso da aposentadoria especial, a carência é de 180 meses (15 anos). De acordo com Amado (2010, p.211);

Com o intuito de resguardar o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, bem como prevenir a ocorrência de fraudes, a concessão de alguns benefícios previdenciários depende do prévio pagamento de um número mínimo contribuições previdenciárias em dia, o que se intitula de carência. [...] carência se realizara não apenas como o pagamento das contribuições previdenciárias, mas também com o seu recolhimento em dia.

Após a vigência da Lei 8213/1991, determinou-se que os futuros segurados passariam a

cumprir um tempo mínimo, isto é, 180 meses de contribuição obrigatória. Em relação aos segurados daquele período, estabeleceu-se uma tabela de adequação de acordo com o tempo de contribuição, conforme consta o Artigo 142 da Lei 8213/1991.

Para pleitear o direito do benefício da aposentadoria especial, cabe ao trabalhador, o ônus da prova, devendo demonstrar, através do histórico laboral de sua atividade, o caráter permanente da exposição integral aos agentes nocivos, ratificando uns dos principais pressupostos para concessão do benéfico. O período permanente, corresponde ao trabalho ininterrupto de sua atividade ou prestação do serviço submetido à exposição de agentes nocivos,

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enquanto o período intermitente, diz respeito à exposição descontinuada que, nesse caso, não lhe confere o direito ao benefício.

Portanto após a concessão do benefício previdenciário da aposentadoria especial, o sujeito inativo fica impossibilitado de continuar exercendo atividade em ambiente nocivo, assim poderá atuar somente em outra atividade não coloque em risco sua saúde nem sua integridade física.

4 CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL

O tempo de conversão para a aposentadoria especial segue dois aspectos, sendo o primeiro, do tempo especial para o tempo comum e o segundo, de especial para especial. Nesse sentido, o trabalhador que exercer durante certo tempo determinada atividade em caráter especial passar a trabalhar em atividade comum, poderá servir-se de seu tempo de trabalho na atividade especial para antecipar o benefício. De outro modo, o trabalhador que exercer uma atividade especial e tiver o grau de nocividade aumentado, poderá antecipar ainda mais o benefício, buscando evitar maiores prejuízos à sua saúde. Para Amado (2010, p. 253):

O segurado que houver exercido sucessivamente duas ou mais atividades sujeitas a condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física, sem completarem qualquer delas o prazo mínimo exigido para a aposentadoria especial, os respectivos períodos serão somados após conversão, [...], considerada a atividade preponderante.

Esta conversão é feita pelo trabalhador onde ele tem que apresentar todos os

documentos necessários, inclusive os da mudança referente à conversão de categoria conforme § 5° da Lei 8213/91 a cada ano trabalhado sobre condições especiais será acrescido um percentual mais fator de previdenciário, diferenciado do tempo segurado que esteve todo seu tempo em uma condição riscos, assim desgaste físico resultante de quando exercia atividade especial é compensado no tempo comum para se aposentar.

Ao exercer duas ou mais atividades características em caráter especial ou durante seu período laboral deparar-se em condições de associação de agentes químicos e físicos, é possível fazer a conversão. No caso de associação de agentes a conversão ocorre a conversão amparado nas condições da atividade especial que o segurado exercer. Havendo a possibilidade de conversão de tempo especial em tempo comum, Souza (2013, p.20) informa que “poder| ser utilizados o período correspondente e a possibilidade de requerer outros espécies de aposentadoria como a aposentadoria por idade ou por contribuiç~o por idade”.

Deste modo tantos homens quantos mulheres para postular o parte do período trabalhado de especial convertendo para comum, não terão nenhum tipo de diferença, assim tendo o amparo legal da lei 8213/91, que visa a saúde, não distinguindo de gênero, da forma entre homens e mulheres. Nesta linha de raciocínio, preocupando com saúde a Lei n. 8.213/91 determina o seguinte, segundo Souza (2013, p. 20):

A idade também não importa para este benefício e tal fato decorre da determinação legal de que segurado aposentado desta forma não pode mais exercer atividades especiais ou seja, com exposição aos agentes químicos, físicos ou biológicos capazes de fazerem mal à saúde. A caso o segurado não cumpra integralmente o interstício necessário à concessão do benefício, pode este postular a conversão em tempo especial em comum, multiplicando-se o tempo de serviço efetivamente exercido pelos índices previsto no Decreto n° 4827/03, conforme o quadro que segue

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Tempo a

converter Multiplicadores

Mulheres (para 30) Homem (para 35) De 15 anos 2 2,33 De 20 anos 1,5 1,75

De 25 anos 1,2 1,4

Por fim a conversão deste tempo vem acolher a todos que realmente necessitam do

amparo legal da Previdência Social, deste modo requisição individual faz que a previdência conceda garantia ao benéfico aquém realmente está enquadrado assim não onerando os cofres públicos reconhecendo direito de quem realmente precise.

CONCLUSÃO

Em face da aposentadoria especial, este benefício vem em auxílio da saúde do trabalhador, evitando prejuízos à sua integridade física. Desta forma, por se tratar de um benefício que antecipa uma espécie de aposentadoria e reduz o tempo de serviço de um segurado, são necessários diversos procedimentos de maior rigor e amplitude para sua comprovação.

O instituto da aposentadoria especial não visa a monetização para o segurado, sua preocupação é decorrente à saúde, atentando-se ao grau de nocividade decorrente à atividade profissional do trabalhador. É importante ainda ressalvar o combate contra lesões nocivas, provocadas por agentes físicos, químicos e biológicos. Com isso, a aposentadoria especial tem um custeio diferenciado sendo aparado por um seguro de acidente do trabalho. Por fim, a aposentadoria especial procura fazer com que o segurado possa antecipar seu benefício, reduzindo o tempo de serviço.

As peculiaridades e os meandros da lei desta classe de aposentadoria, exige do operador de direito, sólidos conhecimentos acerca do Direito Previdenciário, o que certamente resultará em amplos benefícios sociais, contribuindo para uma sociedade mais justa, sobretudo no que tange a um momento tão delicado da vida do trabalhador, dada a subjetividade com que o tema é compreendido por cada cidadão.

Esta pesquisa procurou apresentar os principais tópicos e questões referentes a esta modalidade de aposentadoria, buscando contribuir para a comunidade acadêmica e para o público leigo em geral, esclarecendo as questões concernentes ao tema, esforçando-se em disponibilizar de forma didática, os intricados processos e procedimentos do Direito Previdenciário, contribuindo para a ampliação do conhecimento jurídico e do direito do trabalhador brasileiro.

REFERÊNCIAS ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Aposentadoria Especial. Disponível em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link= revista_artigos_leitura&artigo_id=7602> Acessado em: 26 mar. 2016. AMADO, Frederico Augusto Di Trindade. Direito Previdenciário Sistematizado. Bahia: Salvador, Editora JusPODIVM BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 11 mar. 2016.

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A ARBITRAGEM NOS DISSÍDIOS INDIVIDUAIS TRABALHISTAS: UMA PERSPECTIVA DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL

THE ARBITRATION IN THE INDIVIDUAL LABOUR DISPUTES: A DOCTRINAL AND

JURISPRUDENTIAL PERSPECTIVE

Marina Precinotto da Cruz*

RESUMO: A presente pesquisa tem como escopo analisar o cabimento da arbitragem nos dissídios individuais sob a ótica da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, partindo, primeiramente, da diferenciação dos direitos trabalhistas indisponíveis absolutos em relação aos direitos trabalhistas de cunho patrimonial. Analisa-se a ausência de autonomia da vontade nas negociações trabalhistas, partindo do estudo de casos concretos em que não se configura hipossuficiência técnica e, portanto, seria possível configurar-se a liberdade de escolha por esta via alternativa de solução de conflitos. Para tanto, adota-se, como método de procedimento, o levantamento através da pesquisa bibliográfica, servindo-se, sobretudo, dos estudos realizados por Carlos Alberto Carmona a respeito do instituto; e da técnica de pesquisa jurisprudencial junto ao Tribunal Superior do Trabalho a fim de contrapor os estudos realizados com os argumentos trazidos pelo tribunal e m face do seu entendimento de não cabimento de arbitragem nos casos de dissídios individuais. Como método de abordagem, optou-se pelo dedutivo. A partir do levantamento realizado, conclui-se, parcialmente, com fundamento no posicionamento firmado pelo Tribunal Superior do Trabalho, não ser cabível arbitragem nos casos de direitos trabalhistas indisponíveis, ou seja, os absolutos. Todavia, nos dissídios individuais, cujo objeto seja direito trabalhista de natureza patrimonial, a arbitragem se faz possível, sob a condição de que não haja hipossuficiência técnica e desde que o reclamante tenha dado início ou aderido a ela, alinhando-se para tanto as vantagens trazidas pelo processo arbitral no que tange a tais dissídios. Palavras-chave: informar arbitragem. autonomia da vontade. hipossuficiência técnica. indisponibilidade dos direitos trabalhistas. ABSTRACT: This research has the objective to analyze the suitability of arbitration courts in individual labor disputes from the perspective of unavailability of labor rights, starting, first from the differentiation of the absolute unavailable labor rights in relation to labor rights of patrimonial nature. The analysis of absence of the autonomy in the will of labour negotiations will be studied, analyzing cases with the technical hipossuficiency as a basis and, therefore, it would be possible to configure a freedom of choice using this alternate solution of conflicts. This way, the method that is used, is the matching bibliographical research, using above all, studies made from Carlos Alberto Carmona about this institute; and using jurisprudential research produced by the Superior Labour Court, in order to counteract the studies realized and the the arguments brought by the Court in face of the decision of the impossibility using arbitration courts in case of individual disputes. The method chosen was the deductive one. From the research, it was concluded that in parts, on the basis of positioning signed by the Superior Labor Court, it’s not possible to use arbitration courts in cases that discuss unavailable labour rights, that is, the absolut ones. Therefore, in the individual disputes, which the object of the demand are patrimonial nature rights, the arbitration is allowed, under the condition that there is no technical hipossuficiency and the author of the process has initiated or agreed to it, lining up for the advantages brought by arbitration to this kind of disputes. Keywords: arbitration. absence of the autonomy. technical hipossuficiency. unavailable labor rights.

* Graduada em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista

“Júlio de Mesquita Filho” – FCHS/UNESP. E-mail: [email protected].

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SUMÁRIO: Introdução. 1 O instituto da arbitragem. 1.1 Pressupostos teóricos para a validade do uso de arbitragem em dissídios individuais. 2 Análise jurisprudencial. 3 Aplicação da arbitragem. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

O Direito do Trabalho é um ramo especializado do direito e possui princípios e objetivos

próprios dentre os quais o principal é buscar a melhoria das condições da força de trabalho através de seu princípio protetor. Isso se dá, pois, as normas de direito do trabalho são, de forma geral, imperativas e de ordem pública, de modo a limitar a autonomia da vontade das partes.

Para que se introduza a possibilidade de arbitragem em dissídios trabalhistas individuais, faz-se necessário um estudo acerca das considerações gerais sobre a arbitragem, a qual foi instituída pela Lei nº 9.307/96, abordando sua natureza jurídica e seus elementos característicos, para então analisar o objeto arbitral, ou seja, direitos patrimoniais disponíveis.

Neste sentido, se analisará o Direito do Trabalho de modo a delimitar quais são os direitos indisponíveis absolutos (normas imperativas de ordem pública) e quais os direitos de cunho patrimonial. Para tanto, o presente trabalho irá trazer argumentos que confrontam a tese de indisponibilidade do direito do trabalho como um todo, defendida pelo Tribunal Superior do Trabalho para negar a possibilidade de arbitragem em dissídios individuais.

Posteriormente, através de avaliações dos argumentos trazidos pela jurisprudência brasileira sobre o tema e a experiência internacional, se estabelecerá quais o modos e momentos adequados para a instituição do juízo arbitral, entendendo que se faz possível a submissão à arbitragem, ainda que com certas restrições, os dissídios individuais desde que o trabalhador tenha procurado o juízo arbitral, se trate de direito de cunho patrimonial e que o trabalhador não tenha hipossuficiência técnica em relação à empresa.

Como método de procedimento, adotou-se o levantamento por meio da técnica de pesquisa bibliográfica em materiais publicados (por exemplo, doutrinas, legislação, jurisprudência, artigos científicos, notícias veiculadas em jornais e revistas e sites eletrônicos, entre outros), com o objetivo de revisar a literatura produzida acerca do tema deste estudo, resgatando-a para a análise do fenômeno em questão. Como método de abordagem, o método dedutivo, para a análise da possibilidade de adoção da arbitragem em dissídios individuais trabalhistas.

1 O INSTITUTO DA ARBITRAGEM

O As relações de trabalho contemporâneas revelam que a concepção do homem

trabalhador passou a ser, na maioria dos casos, tão somente sua força de trabalho, sendo que tal força passou a ser quantificada proporcionalmente a depender da maior ou menor saúde financeira da empresa perante o mercado. Vê-se que há uma tendência a se aproximar o Direito do Trabalho ao Direito Civil através das novas concepções de relações trabalhistas e a fuga do trabalho subordinado, acentuando assim a modificação da tradicional hierarquia das fontes do direito do trabalho em prol de uma maior autonomia individual.

O Judiciário não é capaz de solucionar o número de litígios levados até ele com a celeridade e urgência que se faz necessária pelo caráter alimentar da verba trabalhista e, infelizmente, com isso temos que os litígios são resolvidos cada vez mais superficialmente. O sistema positivista atual recebe inúmeras críticas por sua morosidade ineficiência e não ser um pacificador das relações sociais.

O recurso adotado para tentar sanar este problema é cada vez mais o estímulo à conciliação trabalhista, a qual, em tese, busca a pacificação social. Todavia, a efetividade de tal pacificação depende tanto da melhoria do desenvolvimento da atividade jurisdicional, quanto da instituição e estímulo dos meios alternativos para a solução de conflitos em sociedade, sem o investimento nestes dois âmbitos a conciliação judicial deve ser encarada como a saída mais fácil

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e não mais eficiente, a qual confere mais celeridade ao preço da abdicação de, em muitos casos, mais de 60% do que o trabalhador pleiteou.

Sendo o indivíduo um constituidor de direito em uma sociedade complexa e diante da crise do direito instalado no período pós-moderno, a solução dos conflitos jurídicos existentes deve receber mais atenção nas propostas transformadoras para evitar colocar fim a um litigio, como, por exemplo, o uso de meios alternativos de solução de conflito como a arbitragem.

OAs normas trabalhistas são cogentes e imperativas, ou seja, impostas nas relações contratuais subordinadas de modo a proporcionar uma igualdade jurídica substancial às partes que são, por sua natureza, desiguais economicamente. O trabalhador possui, na ampla maioria dos casos, vulnerabilidade econômica e jurídica na relação laboral a qual é exercida através da pressão do capital e as necessidades imediatas impostas pela sociedade e pelo modelo de vida capitalista.

Essa natureza de ordem pública das normas trabalhistas é a principal crítica feita por aqueles que consideram a arbitragem incompatível com o direito do trabalho e por isso questionam o uso da via arbitral para o desenlace de questões laborais particulares, já que por serem de ordem pública não se trataria de direito indisponível além de temerem que, sem a intervenção do Estado, a vulnerabilidade do trabalhador passe a ser ainda mais evidente.

Os direitos trabalhistas são direitos fundamentais sociais dos indivíduos inerentes a dignidade do trabalhador diante do caráter alimentar, por essa razão necessita de uma rápida solução uma vez que é este que lhe proporciona o desenvolvimento econômico familiar. O conflito no direito individual trabalhista é claramente estabelecido entre o capital e o trabalho em típica relação econômica e social, portanto não há como dissociar o discurso político da solução dos conflitos que surjam da sua relação.

Para tanto se faz necessário analisar o conceito de dignidade da pessoa humana, segundo Sarlet (2006, p. 46) dignidade da pessoa humana consiste:

Na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Neste sentido, segundo Sarlet (2006), a preservação da dignidade nas relações de

trabalho, a ética e a dignidade da pessoa humana não comportam transações. Amauri Mascaro Nascimento (2010, p. 447) conceitua o Direito do Trabalho como: “um conjunto de direitos conferidos ao trabalhador como meio de dar equilíbrio entre os sujeitos do contrato de trabalho, diante de uma natural desigualdade que os separa, e favorece uma das partes do vínculo jurídico, a patronal”. E é nesse contexto que se encontra o princípio da indisponibilidade dos direitos pelo trabalhador, pois “tem a função de fortalecer a manutenção dos seus direitos com a substituição da vontade do trabalhador, exposta às fragilidades da sua posição perante o empregador, pela lei, impeditiva e invalidante da sua alienação” - (NASCIMENTO, 2010, p. 448).

Como visto, no Direito do Trabalho o instituto da renúncia tem uma aplicação muito reduzida, pois diferentemente das leis civis em que se prega o princípio da igualdade de direto, o direito do trabalho adota o princípio da igualdade de fato para compensar com uma superioridade jurídica a desigualdade econômica do trabalhador, através de uma proteção jurídica a ele favorável, consequentemente limita-se a autonomia da vontade em face da necessidade de proteger o trabalhador economicamente vulnerável.

Porém, contemporaneamente as relações sociais travadas são complexas, o que dificulta cada vez mais a correta aplicação do direito objetivo aos casos concretos. Diante deste quadro, se faz necessário uma ponderação sobre a pretensão do trabalhador as quais pretende alcançar

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por meio do poder judiciário e a contrapartida que lhe é dado, uma vez que o indivíduo outorga toda a solução dos conflitos para o estado e nem sempre recebe a esperada ordem jurídica justa ou em um tempo razoável para que efetive o pretendido.

O acesso à justiça concentra um forte ponto de reflexão para que se assegure a efetividade de direitos fundamentais, uma vez que o trabalhador por ser vulnerável econômica e juridicamente e o cunho alimentar da vera que pretende torna-se essencial, neste caso, para que se possa falar em acesso à justiça, uma maior celeridade processual.

Nesse sentido, não há como se falar em garantia ao acesso à justiça sem que se garanta um tempo razoável do processo, além da contrapartida esperada e justa a ser analisada diante do caso concreto. Mas, diferentemente do que se esperava e apesar do processo do trabalho em tese ser mais célere, a realidade das varas trabalhistas brasileiras revela que, majoritariamente, se vê que uma ação distribuída demora mais de seis meses para que se marque a audiência inicial. Não há como se falar em acesso a justiça nesses moldes, sendo assim tem-se que o uso de arbitragem pode ser adotada como um efetivo instrumento de proteção à dignidade da pessoa humana.

Diante desta realidade das varas trabalhista e sua demanda, se deve buscar outros meios de solução de conflitos, como a arbitragem, para a solução dos dissídios individuais trabalhistas.

O que se deve destacar e que merece maior relevância é o fato de que a arbitragem necessariamente deve ser instaurada por um meio voluntario, ou seja, consiste em princípio basilar da arbitragem a autonomia da vontade. Pessoas físicas ou jurídicas podem contratar a resolução de um litígio no âmbito dos direitos patrimoniais disponíveis, podendo chegar a um consenso que seja favorável para ambos e sem a necessidade de tutela do Poder Judiciário, desde que se trate de pessoa absolutamente capaz.

As partes, desde que capazes no âmbito civil, podem mediante cláusula compromissória, ou compromisso arbitral, submeter os litígios decorrentes do contrato de trabalho à arbitragem. Diferencia-se a cláusula compromissória do compromisso arbitral não quanto aos seus efeitos, mas sim no que tange às circunstâncias em que ficam pactuados.

A cláusula compromissória é pactuada no momento da efetivação do vínculo, ou seja, antecede a eventual litígio que possa vir a surgir posteriormente. Por outro lado, o compromisso arbitral constitui-se na convenção pela qual as partes submetem o litígio já existente à solução arbitral.

Sendo assim, a cláusula compromissória constitui uma cláusula contratual presente no contrato de trabalho a qual prevê a solução de conflitos decorrentes daquela relação por meio de juízo arbitral, já o compromisso arbitral é um negócio jurídico formal firmado entre as partes em face de litígio em concreto.

Para que se possa definir o objeto da arbitragem, recorrer-se ao conceituado jurista Carmona (2009) o qual conceitua direito disponível como aquele que pode ser, ou não, exercido livremente pelo seu titular e direitos patrimoniais como aqueles que podem ser quantificados, susceptíveis de valoração econômica, podem ser livremente alienados ou negociados e não precisam obrigatoriamente serem exercidos por seu titular.

Para Belizário Antônio de Lacerda - (1998, p.40), direito patrimonial disponível é: todo aquele direito que, advindo do capital ou do trabalho, ou da conjugação de ambos, bem como ainda dos proventos de qualquer natureza, como os acréscimos patrimoniais não oriundos do capital ou do trabalho ou da conjugação de ambos, pode ser livremente negociado pela parte, visto que não sofre qualquer impedimento de alienação, quer por força de lei, quer por força de ato de vontade.

Em face do exposto, conclui-se que arbitragem implica em renúncia à busca de tutela

jurisdicional ao Estado, atribuindo a solução da lide a uma pessoa não integrante do Poder Judiciário, sendo que tal decisão possui força de sentença que lhe foi atribuída pela legislação. Sendo assim, a arbitragem constitui uma instituição parajurisdicional, pois não está nem abaixo

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nem acima, mas do lado da atividade jurisdicional desenvolvida pelo Estado, todavia o juízo arbitral não detém coercitividade, ou seja, não pode executar a decisão, o que é característico da decisão jurisdicional para tanto precisa acionar o poder judiciário - (PINHO, 2009, p. 426 - 427).

Não prospera a tese de que a arbitragem consistiria na renúncia ao direito constitucional de ação e por isso não haveria como se falar em sua utilização como meio de solução de conflitos trabalhistas, pois tal tese já foi superada em face da constatação de que o uso do meio arbitral não é obrigatório, é uma faculdade das partes decorrente de sua autonomia da vontade, assim como o uso e mediação e conciliação. Ou seja, as partes que optam pelo procedimento arbitral não renunciam a efetiva defesa de seu direito lesado ou ameaçado, mas apenas pretendem vê-lo solucionado por meio de procedimento legal diverso da jurisdição estatal.

No Brasil, a legislação que trata acerca do tema é a de Lei nº 9.307/96, também conhecida como Lei Marco Maciel. Essa legislação vem fortalecer tal procedimento visando romper com o formalismo processual, permitindo assim uma maior liberdade às partes na conciliação de uma lide.

Para Carmona, a arbitragem pode aproximar e conciliar interesses das partes insatisfeitas com as regras atuais de convivência e sustenta que em nenhum momento a jurisprudência laboral rejeitou a arbitragem como forma conciliatória dos conflitos como acontece com a mediação e antes mesmo da Lei nº 9.307/96 a legislação trabalhista já previa a possibilidade de arbitragem para dirimir conflitos referentes à participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa.

A Lei de Arbitragem não faz nenhuma menção às causas trabalhistas, porém não há necessidade de qualquer menção específica ao Direito do Trabalho para que possa falar que tal mecanismo é compatível para que a solução de controvérsias seja aplicável também às questões laborais. - (CARMONA, 2004, p. 57).

A doutrina mais conservadora vê como vedação ao uso de arbitragem para dissídios individuais a norma contida no artigo 1º da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96), a qual diz que só será possível o uso de arbitragem quando se tratar de direito patrimonial e disponível e que por ser norma de interesse público e irrenunciável não seria possível a submissão dos litígios a arbitragem, porém, como analisaremos mais profundamente no tópico seguinte, não há como se falar que todos os direitos trabalhistas consistem em normas imperativas e indisponíveis.

Como existem lacunas jurídicas sobre o tema, se faz necessário a edição de uma lei especifica para regular a arbitragem nos dissídios trabalhistas atentando para as peculiaridades especificas desses conflitos - (FRANCO FILHO,1997, p. 23).

Ademais, o princípio fundamental da legalidade presente no art. 5.º, inciso II, da Constituição Federal Brasileira - (LEITE, 2015, p. 47), assevera que “ninguém ser| obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa sen~o em virtude de lei”. Portanto, inexistindo lei proibindo a arbitragem em dissídios individuais trabalhistas, não há de se falar em proibição de sua instituição nesses casos.

Coibir essa possibilidade do trabalhador equivaleria a retirar do empregado sua capacidade jurídica, uma vez que a proteção do trabalhador, parte hipossuficiente na relação laboral, não se confunde com supressão de sua capacidade negocial, característica essencial inerente a todo cidadão que possua capacidade técnica e não esteja sendo forçado ou ludibriado para que adote a arbitragem para o seu litígio.

A arbitragem respeita os preceitos de ordem pública, além do contraditório e imparcialidade dos árbitros, o qual é nomeado pelas partes e recebe o poder de decidir aplicando a norma no caso concreto, como o juiz do caso.

Outro ponto relevante é que a solução dada pela arbitragem não pressupõe uma avaliação menos profunda do julgador, pelo contrario um arbitro é sempre um expert naquele assunto, podendo por vezes se especializar mais no caso em questão do que o próprio magistrado.

Em outras searas do Direito, já se pacificou o entendimento que a mera incidência de normas de ordem pública não afasta a arbitrabilidade de um direito, portanto não há o que se

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falar em incompatibilidade do instituto de arbitragem por conter normas de caráter eminentemente público como impedimento ao uso de arbitragem.

A concepção de que a ordem pública significa indisponibilidade dos direitos é equivocada, pois restou evidente que pode haver atos de disposição mesmo sobre normas que possuem natureza de ordem pública (APRIGLIANO, 2010, p. 22 - 27).

Não é vedado aos árbitros conhecer de controvérsias que envolvam a incidência de normas consideradas de ordem pública, mas apenas que tenham por objeto direito indisponível.

A única vedação existente reside no falo de violação de normas de ordem publica na apreciação do litigio. Porém, só se faz possível esta avaliação após o arbitro proferir a sentença arbitral e se, eventualmente, se proponha uma ação anulatória de tal sentença. Não é possível antecipar essa revisão para momento anterior, no exame da arbitrabilidade do litígio.

A incidência de normas de ordem pública, que não podem ser afastadas por vontade das partes, impede a arbitragem por equidade, mas não a submissão do litígio à via arbitral. Em sentido semelhante, comenta-se na doutrina portuguesa, em passagem também aplicável ao direito brasileiro, que:

não é fundamental a preocupação [...] de, através de arbitragem, desaparecer o caráter protector do direito substantivo do trabalho. Isso poderia acontecer se todas as decisões arbitrais fossem de equidade; em sistemas como o português, onde o tribunal arbitral pode julgar segundo direito estrito, para evitar o previsto inconveniente bastaria proibir os julgamentos ex aequo et bono” (VENTURA, 1964, p. 193).

Desta feita, consoante ao entendimento da doutrina portuguesa, considerando-se não ser

vedado aos árbitros conhecer de controvérsias que envolvam a incidência de normas consideradas de ordem pública, obstada está a arbitragem por equidade, mas não a submissão do litígio à via arbitral.

1.1 Os Pressupostos Teóricos para a validade do uso de arbitragem em dissídios individuais

No caso das relações individuais de trabalho não há como se analisar a submissão dos conflitos à arbitragem sem que se considere a questão da inderrogabilidade dos direitos trabalhistas e do princípio protetivo, como consequência da vulnerabilidade do empregado em face do empregador.

Como já levantado anteriormente, a maior crítica ao uso de arbitragem como meio de solução para os dissídios individuais reside no fato de que grande parte da doutrina acompanha o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho, o qual considera como indisponível todos os direitos e normas trabalhistas e, sendo assim, pela natureza do direito tutelado não há como se cogitar o uso da via arbitral para dirimir tais conflitos.

Todavia, a natureza indisponível do direito do trabalho não é aplicável à todas as normas trabalhistas, uma vez que diversas delas dizem respeito única e exclusivamente ao trabalhador em particular e possui inerente cunho patrimonial. Quando a natureza da norma e do pleito do trabalhador for de cunho unicamente patrimonial, não deveria haver qualquer tipo de impedimento para o uso deste meio alternativo de solução de conflitos.

Para fins de constatação de tal possibilidade, primeiramente analisaremos este argumento do Tribunal Superior do Trabalho o qual alega que por ser norma imperativa e de ordem pública, as normas trabalhistas não comportam renúncia ou transação. Desta forma restringe-se a vontade das partes em nome da proteção do trabalhador hipossuficiente e vulnerável naquela relação processual e laboral.

Defende-se que a inderrogabilidade da norma trabalhista nasceu da impossibilidade de dissociação da pessoa do trabalhador e da sua atividade, uma vez que na ampla maioria dos casos o trabalho, e consequentemente sua remuneração, consiste no único recurso vital do obreiro.

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Norma inderrogável, portanto, consiste naquela que não pode ser modificada, ou seja, derrogada ou revogada através de acordo das partes, revelando-se como um patamar mínimo civilizatório - (GODINHO, 2009).

Tais normas visam proteger todos que se encontram em uma posição jurídica homogênea, e não apenas o indivíduo particular detentor desse direito. Neste ponto a norma inderrogável se estabelece como um limite ao poder econômico, o qual, como já foi discutido antes, decorre do princípio de proteção do trabalhador.

Portanto as normas imperativas e de ordem publica constituem-se como uma intervenção básica do Estado nas relações de trabalho, visando opor obstáculo à autonomia da vontade, mediante uma justificativa social. - (SÜSSEKIND et al., 2005, p. 144).

Clóvis Bevil|qua classifica as leis de ordem pública como: “aquelas que, em um Estado, estabelecem os princípios, cuja manutenção se considera indispensável à organização da vida social, segundo os preceitos do direito” - (BEVILÁQUA apud RODRIGUEZ, 2002, p. 152).

Como consequência da indisponibilidade temos que os direitos de tal natureza não são passiveis de secessão, são irrenunciáveis, intransacionáveis e imprescritíveis, por conseguinte, não podem ser objeto de arbitragem.

A aceitação de uma transação envolvendo tais direitos indisponíveis importaria em violação ao artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho:

Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes (LEITE, 2015, p. 166).

A teoria da indisponibilidade do direito trabalhista é baseada não só na

irrenunciabilidade e intransigibilidade, mas também na impossibilidade de sujeição a negócios de natureza dispositiva, ou seja, trata-se de uma norma que não pode ser modificada pela vontade das partes no exercício de sua autonomia privada.

No direito Brasileiro a impositividade da norma deriva da natureza do direito, uma vez que direito indisponível é aquele referente ao estado da pessoa, por esta razão, em muitos casos as demandas judiciais que versam sobre estes direitos exigem o comparecimento, em regra, do Ministério Público.

De forma oposta, direito disponível seria aquele que pode ser exercido livremente pelo seu titular, sem que haja norma cogente impondo o cumprimento do preceito sob pena de nulidade ou anulabilidade do ato praticado com sua infringência. Trata-se de bens que podem ser livremente alienados ou negociados pelo seu titular, o qual possui a faculdade de exercê-lo, ou não.

Após analisarmos as normas disponíveis e indisponíveis, faz-se necessário o entendimento sobre o que consiste a renuncia de um direito, para que só assim possa se avaliar sua possibilidade no tocante as normas trabalhistas.

A renúncia deve ser compreendida, segundo Plá Rodriguez, como [...] “impossibilidade jurídica de privar-se voluntariamente de uma ou mais vantagens concedidas pelo direito trabalhista em benefício próprio” (PL\ RODRIGUEZ, 2000, p. 146).

Ainda nesse trecho, o autor afirma que: “[...] a lei estabelece invalidade das renuncias e transações que tem por objeto os direitos indicados, tanto nos casos e que tais negócios são concluídos no ato de constituição da relação de trabalho ou durante a mesma, como nos casos em que eles são celebrados depois do termino” (PL\ RODRIGUEZ, 2000, 146).

Todavia, a intransigibilidade para Plá Rodriguez não impediria o compromisso de arbitragem, o recibo por saldo e a conciliação ente as partes perante autoridades competentes. O alcance da irrenunciabilidade, entretanto, pressupõe que o fim da norma seja a proteção de um interesse não exclusivo de um dos contratantes, ou seja, que se beneficie de tal instituição tanto o trabalhador, quanto o empregador (PLÁ ROGRIGUEZ, 2000, p. 146).

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Em contrapartida, a tese de indisponibilidade absoluta do direito trabalhista, Mauricio Godinho Delgado aponta diversos meios de disponibilidade de tais direitos, os quais são aceitos pela justiça trabalhista, como a prescrição, a decadência, a renúncia, a transação, a composição e a conciliação. Tais meios, apesar de gerarem a supressão de direitos laborais, não tem o condão de afrontar o princípio básico da indisponibilidade, característico do direito individual do trabalho. (p. 2016).

Inicialmente trabalharemos o instituto das conciliações/acordos celebrados nas varas trabalhistas e que constituem um dos princípios basilares do processo trabalhistas. Ao se analisar sobre o prisma de proteção do trabalhador temos que tais conciliações constituem legitima afronta ao principio de indisponibilidade do direito trabalhista na medida em que tal conciliação pressupõe receber menos do que é direito líquido e certo do reclamante.

Como agravante de tal situação, tem-se que na ampla maioria dos acordos celebrados perante o juízo trabalhistas tem efeito de dar quitação ao contrato de trabalho, ou seja, há uma disposição de um direito tido como fundamental, já que a norma trabalhista é de ordem publica.

No processo trabalhista a transação é feita na primeira audiência. O empregador concede pagar menos do que pleiteia o trabalhador, em troca de não fazer uso do seu direito de ação, para que o empregado possa receber tal credito antes da condenação.

Tal disponibilidade do direito do trabalhador se da graças ao artificio jurídico de que este não teria um direito líquido e certo, mas uma res dúbia. Nesse sentido, troca-se o direito material do empregado, pelo direito processual do empregador de prolongar a duração do processo.

Em face do exposto temos que a conciliação é encarada, em muitos casos, como um substituto prático da sentença, um sacrifício de uma aspiração de justiça com vistas a uma solução mais rápida e segura.

Paradoxalmente, para a majoritária parte da doutrina brasileira que entende o direito do trabalho como um direito indisponível, aceita que a legislação permita atos de disposição como os acordos trabalhistas, os quais são inclusive fomentados pelo sistema e constituem princípio a ser perseguido no direito do trabalho.

Apenas se analisando tal argumento já se tem que o princípio da indisponibilidade do direito trabalhista não é tão absoluto quanto defende o Tribunal Superior do Trabalho e parte conservadora da doutrina trabalhista. Essa possibilidade de transacionar um direito trabalhista revela um cunho patrimonial de tal direito, uma vez que se este fosse realmente irrenunciável, não haveria tamanho estimulo, principalmente por parte do judiciário e do próprio direito do trabalho, à conciliação.

Para Romita:

Todos os que militam no foro trabalhista sabem por experiência que a celebração de acordo nos dissídios individuais faz-se sempre, em detrimento da integral satisfação dos direitos do autor. O reclamante faz acordo premido pela necessidade, pressionado pelo temor da inflação, impelido pelo desejo de rápida solução da controvérsia. [...] os que defendem a atual estrutura da justiça do trabalho estimulam a conciliação nos dissídios individuais e, defensores que são do poder normativo, preconizam a solução jurisdicional dos conflitos coletivos do trabalho (ROMITA, 1993, p. 355).

Outro fator que merece ser discutido é a presença do magistrado na celebração do

acordo trabalhista. Apenas a presença do juiz não altera o fato de que há uma transação e, consequentemente, uma disposição de direitos do trabalhador.

Não prospera a crença de que a presença do juiz afasta a condição de desigualdade jurídica entre empregado e empregador, pois não se pode afirmar que o trabalhador não esteja sendo forçado a fazer o acordo única e exclusivamente por estar diante do magistrado.

Um direito, tido como indisponível e de ordem pública, não sofre alteração em sua natureza apenas por estar na presença de um magistrado. Não há alteração em sua qualificação.

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Sendo assim, não há compatibilidade entre a afirmação de que o direito do trabalho é direito indisponível e que se aceite e estimule sua disposição desde que feita perante a justiça do trabalho.

À medida que os direitos trabalhistas são direitos fundamentais, não já como se aceitar como uma maneira socialmente efetiva de solução de um conflito e pacificação social a conciliação, pois, como já explanado, a parte trabalhadora sempre deve dispor de seu direito.

Apensar da doutrina trabalhista mais conservadora e o Tribunal Superior do Trabalho defenderem a indisponibilidade absoluta e irrestrita do direito do trabalho, fomenta-se o uso da conciliação em litígios judiciais. Ao partimos de tal pressuposto, já não há como se afirmar que todos os direitos trabalhistas possuem natureza de norma de ordem pública.

Ao se permitir o uso de conciliação, o processo trabalhista concorda com a possibilidade de se dispor de um direito trabalhista e demonstra o cunho patrimonial existente em diversas de suas normas. Portanto, se mostra perfeitamente cabível o uso de arbitragem para dirimir tais conflitos.

Outro argumento de suporte tese defendida nesse estudo se encontra no fato de que não há como se falar em direito absolutamente indisponível na medida em que este pode ser atingido pela decadência e prescrição. A simples existência de prescrição afastaria a indisponibilidade do direito.

Maurício Godinho Delgado também compartilha de tal entendimento e defende e que tais institutos também se caracterizam como forma de disponibilidade: “N~o é todo tipo de supressão de direitos que a legislação imperativa estatal inibe. Por exemplo a prescrição ou a decadência são meios de disponibilidade de direitos [...]” (DELGADO, 2001, p.166).

A legislação trabalhista é cogente, imperativa e inderrogável, mas contraditoriamente estabeleceu a conciliação judicial e a prescrição. Portanto, há um paradoxo entre a afirmação de que o direito é irrenunciável e ao mesmo tempo as negociações e conciliações acontecem todo dia com o aval da legislação e da magistratura especializada, além de serem atingidos pela prescrição caso seu detentor se mantenha inerte.

Plá Rodriguez (2000, p. 199) assevera que: Embora se sustente que, em caráter geral, os direitos do trabalho são irrenunciáveis, o certo é que todos os dias, tanto no âmbito administrativo, como no judiciário, se fazem negociações e conciliações com base em concessões reciprocas entre as partes, que não só não são invalidas como contam com o aval da própria legislação trabalhista empenhada em conseguir a harmonia entre o capital e trabalho, proscrevendo os enfrentamentos em nome da paz social.

Em face do exposto, nota-se que nem todas as normas de direito do trabalho são de

ordem pública e imperativas, portanto não se pode admitir que a simples adoção de um modo alternativo de solução de conflitos trabalhistas constitua lesão à ordem pública. Neste ponto revela-se que a indisponibilidade corresponde restrições à renúncia, não havendo o que se falar em indisponibilidade na transação, como é o caso da arbitragem.

A irrenunciabilidade da norma trabalhista não significa que os direitos são indisponíveis no sentido de ser inviável a transação, mas sim que isso seria possível dentro dos limites de disponibilidade de direitos e tomadas as devidas providencias para que se garanta a proteção necessária ao trabalhador vulnerável e hipossuficiente.

Porém, para Zoraide Amaral, o conceito de indisponibilidade do direito é diferente, uma vez que para esta jurista e uma minoritária parte da doutrina, o que deve ser analisado é o momento em que os direitos dos empregados são considerados indisponíveis. Para ela, há indisponibilidade enquanto a relação empregatícia existir, sendo que não há mais a possibilidade de se vislumbrar tal natureza da norma após a rescisão do contrato de trabalho.

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Dessa forma, sustenta a autora que após a extinção da relação empregatícia, não há que se falar em indisponibilidade, pois todos os direitos passam a ser disponíveis e com cunho patrimonial. Para sustentar sua afirmação, Souza (2004, p. 189) assevera que:

a própria Justiça do Trabalho, que possui como princípio básico a conciliação, antes de qualquer ato do juiz, no momento da tentativa do acordo, não faz perguntas sobre se o direito que está sendo submetido à conciliação, é disponível ou indisponível. A razão é simples: neste momento não há que se perquirir, pois a relação material já se extinguiu.

Contrariamente ao critério adotado por Zoraide Amaral de Souza (2004), o critério do

presente estudo para a distinção entre os direitos disponíveis e indisponíveis avalia e classifica a natureza de tal direito.

Porém, antes da análise de tal distinção, há que se fazer uma crítica quanto à diversidade de critérios e métodos classificatórios conforme cada ramo do direito material, uma vez que tal distinção acaba dificultando a diferenciação e identificação clara da natureza das relações. Através dessa dificuldade de diferenciação, consequentemente, tem-se a dúvida sobre se a matéria pode ou não constituir o objeto da arbitragem.

As peculiaridades e critérios diferenciados de cada ramo da ciência jurídica fazem com que as definições e conceituações adquiram contornos muito diferenciados, os quais nem sempre se traduzem de forma mais benéfica para as partes interessadas.

O critério que adotaremos para a classificação consiste em definir os direitos absolutamente indisponíveis, os quais não comportam arbitragem, e os direitos relativamente indisponíveis, os quais possuem consequências patrimoniais e, em decorrência disso, os conflitos relativos a tais direitos podem ser resolvidos pela via arbitral. A indisponibilidade pode ser absoluta ou relativa dependendo do direito material tutelado.

Direito absolutamente indisponível é aquele que revela o nítido interesse público, se traduz em uma ordem pública irrenunciável com conotação imperativa e, portanto, é imprescritível. Só há possibilidade de se vislumbrar que um direito seja absolutamente indisponível quando se tratar de norma que atinge uma categoria e não apenas o indivíduo de forma particular.

São exemplos de normas absolutamente indisponíveis: o salário mínimo, saúde e segurança do trabalhador e proteção do trabalho da mulher e direitos da personalidade do trabalhador, proteção a saúde física e psíquica do trabalhador.

Para Romita (2004, p. 649-746):

só são absolutamente indisponíveis os direitos de personalidade do trabalhador: honra, intimidade, segurança, vida privada e imagem. Os direitos patrimoniais são plenamente disponíveis, após o termino da relação de emprego e apensa relativamente indisponíveis durante a vigência do contrato de trabalho.

A indisponibilidade absoluta consiste em um patamar mínimo civilizatório e possui

inerente função social na inderrogabilidade de suas normas trabalhistas diante da necessidade de valorização do trabalho como condição para a dignidade do trabalhador, qual é preconizada pela ordem constitucional através da proteção da dignidade da pessoa humana e princípio protetivo do direito do trabalho.

Os direitos relativamente indisponíveis são aqueles que visam atender ao interesse particular de determinado trabalhador. Tais direitos possuem cunho patrimonial e, portanto, seriam susceptíveis de solução através da via arbitral.

Como exemplo de tais direitos temos os relativos a modalidade salarial, uma vez que tal direito corresponde ao interesse apenas daquele trabalhador particularmente delimitado.

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Constata-se que o direito relativamente indisponível é aquele dotado de expressão pecuniária e relativos a direitos subjetivos que nasceram em decorrência de uma relação laboral especifica.

Mauricio Delgado Godinho (2001) adota a mesma distinção do presente estudo: a diferenciação entre o direito trabalhista consiste em direitos imantados por indisponibilidade absoluta ao lado dos direitos imantados por uma indisponibilidade relativa.

A indisponibilidade absoluta corresponde ao interesse público e a indisponibilidade relativa ao direito variável. Para o jurista as parcelas referentes à indisponibilidade relativa podem ser objeto de transação, desde que não resulte em prejuízo para o empregado (DELGADO, 2005, p.166).

Marques de Lima e Francisco Gerson escreveram que: [...] as normas sobre anotação de CTPS, FGTS, recolhimentos previdenciários, descansos, salários, jornada, etc. tem cunho público quanto ao mínimo assegurado. O excedente a esse mínimo que tem natureza privada (e ainda sim só até integrar o patrimônio do trabalhador). Dessarte, tais direitos não podem ser objeto de transação, a qual se estriba na incerteza dos direitos das partes (res dúbia). Pode ocorres, sim, em havendo dúvida quanto à relação empregatícia, ao tempo de serviço a jornada, etc. que refletem no quanto a ser pago pelo empregador e não no alvedrio do direito em si. O direito, nesses casos, não pode ser discutido, pois decorre do simples fato da relação de emprego, o que se pode transacionar é a quantia referente a ele, nos casos de efetiva duvida [..] logo, a disponibilidade de direitos sofre limitações, quer no tocante a renúncia, quer no tocante a transação, pois não seria coerente que o ordenamento jurídico assegurasse ao empregado garantias mínimas e depois deixasse esses direitos subordinados a sua vontade ou à vontade do empregador [...] (MARQUES DE LIMA, 199, p. 284).

Iara Alves Cordeiro Pacheco adota outra diferenciação interessante. Para a autora, o

empregado é detentor de direitos de quatro espécies: direitos da personalidade; direitos decorrentes de normas de ordem pública absoluta; direitos derivados de normas de ordem pública relativa; e direitos decorrentes de normas dispositivas.

Para ela, no que tange aos direitos decorrentes de normas dispositivas, bem como aos direitos derivados de normas de ordem pública relativa, nada impediria o uso da via arbitra para dirimir tais conflitos.

Todavia, no que se refere aos direitos da personalidade, quando se tratar de lesão já concretizada e o ofensor reconheça a caracterização do ilícito e havendo discordância apenas no que tange ao quantum, também será possível firmar o compromisso para o arbitramento da justa compensação.

Todavia, em relação a arbitragem sobre normas de ordem pública absoluta, a solução encontrada pela doutrinadora é semelhante à hipótese dos direitos da personalidade, pois nesse último caso os dissídios individuais são passíveis de solução mediante arbitragem desde que referentes a reflexos patrimoniais sobre os quais incida dubiedade, devendo ser observadas pelo árbitro as regras inderrogáveis. - (PACHECO, 2003, p. 123-126.)

Em face do exposto, não há o que se falar em afronta ao princípio da indisponibilidade o uso de arbitragem para dirimir conflitos de direito relativamente indisponíveis, já que estes possuem inerente natureza patrimonial, podendo assim ser enquadrado no que postula o artigo 1º da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96): “Artigo 1º: As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.

Há ainda os doutrinadores que defendem que não cabe arbitragem para dissídios individuais, uma vez que arbitragem depende de liberdade e autonomia da vontade, e o trabalhador, seja no momento da dispensa onde ainda não recebeu as verbas rescisória, ou na vigência do contrato de trabalho, não está livre das pressões de natureza, econômica por sua subordinação com o empregador.

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Neste sentido, defendem que o uso de arbitragem deixaria o trabalhador a mercê do empregador tornando sem sentido o caráter protetivo do direito do trabalho.

Alegam ainda que a vulnerabilidade do empregado perante o empregador poderia favorecer as fraudes aos direitos trabalhistas em razão da imposição unilateral do juízo arbitral.

Tais alegações não prosperam, uma vez que, como será tratado mais adiante, este estudo pretende provar que é possível o uso de arbitragem desde que o empregado procure a via arbitral, ou seja, que ele dê início a esse procedimento, além disso, a relação laboral entre as partes não evidenciar uma hipossuficiência técnica do empregado, para que este tenha perfeita consciência dos direitos que possui, além de deter o poder de barganha necessário quando se adota a via arbitral. 2 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

Através da analise da jurisprudência tanto do Tribunal Superior do Trabalho, quanto dos

Tribunais Regionais, pode-se extrair que parte da jurisprudência trabalhista sustenta a tese de violação do direito do acesso à justiça quando se opta pelo juízo arbitral nas demandas individuais trabalhistas, ainda há os que sustentam que a previsão de arbitragem para solução apenas de dissídios coletivos pela Constituição Federal no Art. 114, §§ 1.º e 2.º, o que, em tese, inviabiliza a sua instituição para solução de dissídios individuais trabalhistas e, principalmente, há forte corrente jurisprudencial a defender a indisponibilidade dos direitos trabalhistas e a incompatibilidade destes com a Lei n.º 9.307/96.

Em contrapartida a essas analises contrarias a via arbitral tem-se um paradoxo, uma vez que a jurisprudência concorda em afastar a suposta indisponibilidade das normas trabalhistas, apenas porque o empregado abriu mão dela e agora deseja receber o valor depositado no FGTS.

A validade das sentenças arbitrais tem sido reconhecida pela Justiça Federal e até mesmo pelo Superior Tribunal de Justiça em demandas ajuizadas por ex-empregados para fins de liberação do FGTS após o encerramento da arbitragem que reconhecer o fim da relação de trabalho.

Isto se dá, pois prevalece o entendimento de que eventual indisponibilidade apenas pode ser reconhecida em favor do empregado, não podendo ser invocada em seu prejuízo para impedir a liberação do FGTS.

Tal constatação reforça a ideia de que não há o que se falar em uma espécie geral e irrestrita de indisponibilidade de direitos trabalhistas, todavia não se questiona se tal aplicação foi correta, mas tão somente ressalta a necessidade de se analisar a incompatibilidade da via arbitral com os direitos trabalhistas caso a caso, tendo em vista, entre outros fatores, se houve livre manifestação do empregado em afastar o acesso ao Poder Judiciário e submeter a controvérsia à arbitragem

Afirma-se isto considerando não apenas o entendimento de muitos autores sobre o tema, como trazido no capítulo anterior, mas também, também pela inconsistência apontada entre algumas decisões do Tribunal Superior do Trabalho e os precedentes do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais em matéria de liberação do FGTS e a realidade observada no Brasil, em que muitas arbitragens são realizadas no âmbito do Direito do Trabalho.

Mesmo dentro das Turmas do Tribunal Superior do Trabalho nota-se divergência de entendimentos, já decidiram as 1ª, 2ª, 5ª, 6ª e 8ª Turmas: TST, Recurso de Revista 2881800-46.2002.5.02.0902, 1ª Turma, rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, julgamento 18/8/2010, 1ª Turma, Julgamento 27/8/2010; Recurso de Revista, 117600-8.2004.5.04.0732, 2ª Turma, rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, julgamento 16/2/2011, Julgamento 25/2/2011; Agravo de Instrumento em Recurso de Revista, 4692-17.2010.5.02.0000, possuem julgados nos dois sentidos, evidenciando que a matéria ainda não se pacificou naqueles órgãos.

Na 7ª Turma o Agravo de Instrumento em Recurso de Revista 147500-16.2000.5.05.0193, relator Ministro Pedro Paulo Manus, Data de Julgamento 17/10/2008, afirmou que a garantia da universalidade da jurisdição, em princípio, não se incompatibiliza com o compromisso arbitral e no Agravo de Instrumento em Recurso de Revista 254740-

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37.2002.5.02.0077, 7ª Turma, relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento 08/02/2008 afirmou que a arbitragem é, em tese, compatível com o Direito do Trabalho, embora afastou a quitação do extinto contrato de trabalho porque as instâncias ordinárias reputaram não ter havido livre manifestação de vontade do empregado, já o Agravo de instrumento em Recurso de Revista 264000-55.2007.5.12.0055, 7ª Turma, relator Ministro Pedro Paulo Manus, Data de Julgamento 11/03/2011 não admitiu a solução pela via arbitral, porque os direitos trabalhistas são indisponíveis, estando fora dos limites definidos pela Lei de Arbitragem

Na 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho a divergência de entendimento é ainda maior. No Agravo de Intrumento em Recurso de Revista 7249100-84.2002.5.02.0900, o relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento 27/03/2009 entendendeu que o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal não se incompatibiliza com a arbitragem, mesmo nos dissídios individuais. Já no Recurso de Revista 1020031-15.2010.5.05.0000, 3ª Turma, relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento 01/04/2011, considerou a arbitragem no direito individual do trabalho incompatível com o direito de acesso à justiça.

A 4ª Turma adotou um posicionamento ainda mais vanguardista com decisão proferida em Recurso de Revista 165000-41.1999.5.15.0003, relator Juiz Conv. Maria Doralice Novaes, Data de Julgamento 30/09/2005 afirmando que a tese da indisponibilidade dos direitos trabalhistas seria válida apenas no momento da contratação ou na vigência do contrato de trabalho, mas não após seu término. Tal posicionamento foi adotado em diversos outros julgados da Turma, como o Recurso de Revista 179900-66.2004.5.05.0024, relator Ministro Antônio José de Barros Levenhagen, Data de Julgamento 19/06/2009, Agravo de Instrumento em Recurso de Revista 170640-65.2003.5.05.0002, relator Ministro Fernando Eizo Ono, Data de Julgamento 09/04/2010 e Recurso de Revista 144300-80.2005.5.02.0040, relator Ministro Antônio José de Barros Levenhagen, Data de Julgamento 04/02/2011.

Nota-se que mesmo esses precedentes da 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, porém, consideram abusiva, de forma genérica e absoluta, a previsão de convenção de arbitragem antes da extinção da relação de trabalho.

Em face do exposto e tendo em vista, sobretudo, a resistência da Justiça do Trabalho em relação à arbitragem de dissídios individuais, é ainda bastante incerta a evolução do instituto nesta matéria, muito embora seja razoável pressupor que, em algum momento, haverá espaço para uma maior relativização da tese generalista da indisponibilidade de direitos trabalhistas. 3 APLICAÇÃO DA ARBITRAGEM

Como visto no capítulo anterior através da análise jurisprudencial, embora a

Consolidação das Leis de Trabalho estabeleça a irrenunciabilidade pelo empregado de todas as normas trabalhistas, temos que os efeitos ou consequências de ordem patrimonial de tais normas são suscetíveis de apreciação econômica e, portanto, plenamente disponíveis.

Partindo do pressuposto de que não são todas as normas trabalhistas que possuem natureza jurídica de norma indisponível, faz-se necessário o estudo acerca dos cuidados necessários para sua aplicação para que o uso da via arbitral não constitua prejuízo para o empregado.

A arbitragem consiste em uma transação, a qual pode conter renuncias, porém, a sua natureza não em per si um negócio abdicativo. Corresponde a concessões reciprocas a qual resulta em um negócio vantajoso para ambas as partes, ainda que essa vantagem seja subjetiva. Sendo assim a arbitragem não significa renúncia, uma vez que há res dúbia, portanto inexiste direito líquido e certo e, ademais, o litigio será julgado nos mesmos moldes em que o poder judiciário faria, portanto não há o que se falar na existência de renúncia no uso de arbitragem.

O uso da arbitragem deve se restringiria aos conflitos referentes a direitos relativamente indisponíveis, nos casos de relações laborais em que não se vislumbre hipossuficiência técnica e

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quando a via arbitral seja escolhida pelo trabalhador, findo seu contrato de trabalho, e não imposta por meio de cláusula arbitral.

A arbitragem como meio extrajudicial de solução de controvérsias trabalhistas pode ser muito benéfica para as partes. Mas para isso, deve ser cercada de algumas cautelas, pois o Direito do Trabalho possui regras, princípios e valores voltados à proteção do trabalhador, o qual é a parte hipossuficiente na relação laboral em sua ampla maioria das relações.

Sendo assim, não se pode deixar de ponderar o caráter protetivo do direito laboral, possuidor de certas normas de ordem pública, intransigíveis e irrenunciáveis. Porém a que se considerar que, além de não serem todas as normas de ordem publica, há também casos em que não se configura hipossuficiência técnica do trabalhador, portanto, nestes casos seria possível o uso da via arbitral.

Embora, em regra, o trabalhador seja a parte hipossuficiente e vulnerável da relação laboral, é preciso considerar que nem todo empregado estará necessariamente nesta situação. Em alguns postos de trabalho, em que se exige formação mais especializada ou qualidades específicas de um certo trabalhador, como ocorre com executivos e diretores de sociedade, com elevada remuneração e uma grande margem de autonomia e poder, o vínculo de dependência técnica, econômica e jurídica em relação ao seu empregador pode estar bastante enfraquecido, ou mesmo inexistir.

A jurisprudência da Corte em muitos casos, como analisado no capítulo anterior, julgou neste sentido. Apesar da Justiça do Trabalho normalmente se mostrar hostil à resolução de dissídios individuais por meio de arbitragem, inúmeras decisões admitem sua utilização considerando o caso concreto, quando se tratava-se de um alto executivo de "notável formação acadêmica" e "expressivos vencimentos".

Se o próprio empregado, o qual se encontrar em situação de igualdade para com o empregador e plenamente capacitado, optar pela arbitragem, de livre e espontânea vontade, não haverá motivo para impedir a submissão do litígio a um árbitro. Desde que findo o contrato de trabalho.

No mesmo sentido, Silva (2010 p.178) assevera que a mediação deve ser feita quando ambas as partes estão em condições de se expressarem como desejam, de fazerem ouvir suas demandas sem qualquer tipo de repressão. Pode-se usar analogamente o que o autor pressupõe para a mediação no caso da arbitragem, pois quando ambas as partes possuem capacidade para se expressarem e sopesarem qual meio de solução de litígios seria mais vantajoso para o seu caso, não há motivos para que o Estado impeça tal pretensão.

O uso da via arbitral deve ser restrito a pequena esfera das relações judicias laborais individuais em que não vislumbrar hipossuficiência e vulnerabilidade do empregado, quando a subordinação de sua atividade se encontrar minimizada de tal forma que o empregador não detenha diretrizes e exerça poder de direção sobre sua atividade.

Para tanto, faz-se necessário adotar um critério objetivo para que se possa avaliar se um empregado possui, ou não, hipossuficiência técnica.

Um critério que se mostra interessante é o adotado pela a Bélgica. Neste país somente é possível o uso da via arbitral para os trabalhadores que ganham um salário elevado. Os conflitos de um modo geral são submetidos à delegação sindical ou ao delegado sindical nos termos previstos em normas coletivas. O uso da arbitragem somente era admitida para os trabalhadores cuja remuneração excede 1.300.000 BEF e que são responsáveis pela gestão da empresa

Para a realidade brasileira, faz-se necessário um maior estudo para que se possa estabelecer esse patamar remuneratório mínimo para que se possa falar em ausência de hipossuficiência técnica, porém, enquanto esse estudo não se realizar, pode-se avaliar segundo o caso concreto que chegar a conhecimento do judiciário.

Firmado o entendimento de que apenas os direitos trabalhistas relativamente indisponíveis possam ser objeto de arbitragem e, ainda assim, desde que não configurado o prejuízo ao trabalhador, assim como o tipo de trabalhador que poderá submeter seu litigio a via arbitral, faz-se necessário analisar agora a fase de desenvolvimento da relação jurídica

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trabalhista para que se institua a arbitragem, ou seja, se prévia à admissão, na vigência do contrato de trabalho ou quando finda a relação laboral.

Para Scavone (2008, p. 40) a convenção do juízo arbitral prévia à contratação do empregado, através da inserção do contrato de trabalho de cláusula compromissória, esta não deve ser admitida pela mesma razão que não o é nas relações consumeristas, ou seja, porque “De fato, no momento da contratação, o empregado está em situação de vulnerabilidade, pelo menos é o que se presume de forma relativa”.

Afasta-se tal possibilidade inclusive para o caso do trabalhador extremamente qualificado e dotado de grande margem de autonomia, pois uma cláusula compromissória no contrato de trabalho mesmo de tal profissional, configuraria cláusula leonina, uma vez que o contrato de trabalho não deixa de ser um contrato de adesão, mesmo nestes casos. Por mais que o alto empregado tenha maior autonomia, no momento da contratação ele geralmente concorda com o que pretende o empregador com receio de que sua negativa consista em impedimento para o inicio da relação laboral.

O contrato de trabalho constitui um típico contrato de adesão, sendo assim, o trabalhador estará disposto a assinar qualquer instrumento naquele momento, sem poder para discutir as suas condições e até mesmo sem perguntar do que se trata.

Além disso, mesmo após a contratação, durante a relação de emprego, o trabalhador geralmente estará submetido a um vínculo de dependência econômica de seu empregador, portanto ao adotar clausula compromissória haverá sempre o receio de que o empregador se aproveite dessa vulnerabilidade para impor o uso da solução por meio da arbitragem.

Não se pode vislumbrar validade e eficácia a uma convenção de arbitragem, ante a forte evidência de que ela poderia ser fruto de um vício de consentimento do trabalhador, qual poderia ter sido eventualmente coagido a assinar o contrato de trabalho com a previsão de convenção de arbitragem sem que este concorde, de fato, com a sua utilização.

Porém, após o termino da relação laboral a vulnerabilidade do empregado encontra-se reduzida na medida em que se esgarçam significativamente os laços de dependência e subordinação do trabalhador.

Desse modo, não há nenhum óbice para que ex-empregado e ex-empregador possam eleger a via arbitral para solucionar os conflitos trabalhistas provenientes do extinto contrato de trabalho. Porém, é necessário que essa opção seja manifestada em clima de ampla liberdade, reservado o acesso ao Judiciário para dirimir possível controvérsia sobre a higidez da manifestação volitiva do ex-trabalhador.

Neste ponto só seria possível o uso da via arbitral quando o trabalhador efetivamente desse origem ao procedimento ou quando ele a aceite tácita ou expressamente, jamais podendo se propor a obrigatoriedade do uso da via arbitral, uma vez que isso seria limitar a autonomia da vontade das partes, o que por si só já anularia qualquer decisão proveniente do laudo arbitral.

Carlos Alberto Carmona (2006, p. 60), no entanto, diverge desse entendimento e apoia o uso da arbitragem em sentido genérico, por entender que “mesmo em relações de trabalho em curso há largo espaço para a atuação da vontade dos contratantes, revelando-se aqui também a disponibilidade do direito”.

A posição defendida por Carmona não revela-se condizente com a realidade das relações laborais, uma vez que seja no momento da contratação do empregado ou enquanto vigente o contrato de trabalho permanece o trabalhador em condição de desigualdade com seu empregador, por força da subordinação não só jurídica, mas, sobretudo, a econômica, característica dessa relação, a qual impediria neste momento o exercício da plena autonomia da vontade.

A formação da arbitragem depende essencialmente da liberdade e o trabalhador, mesmo no momento da dispensa, quando ainda não recebeu as verbas rescisórias, não está plenamente isento de pressões de natureza econômica para manifestar sua vontade sem qualquer vício presumido de pretensão.

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Sendo assim, visando proteger a vulnerabilidade do trabalhador, há que se reconhecer a impossibilidade da convenção da arbitragem enquanto este estiver sob o poder diretivo de seu empregador.

A arbitragem é um meio eficaz para a resolução dos litígios. Através da arbitragem o trabalhador pode resolver as questões de interesse na esfera privada de uma forma mais célere e afastada da intervenção e publicidade Estatal.

O uso da via arbitral nos dissídios individuais trabalhistas proporciona um ganho muito grade para a população, pois onde antes só contava com o Judiciário para a resolução dos conflitos, passa a poder adotar uma via extrajudicial, diminuindo a dependência da espera e morosidade da máquina do Estado.

Como já analisado anteriormente, a principal crítica ao poder judiciário é o que tange à sua morosidade, sendo assim, a principal contrapartida do uso da arbitragem consiste na imediatidade da satisfação, o menor tempo despendido.

Desta forma o uso da via arbitral consiste em um bom caminho, uma vez que seu processo é muito semelhante a um processo judicial comum, porém com algumas características próprias, como a rapidez, a menor formalidade e maior especialidade, por ser realizado por pessoa especializada na matéria, objeto da lide.

No que tange aos benefícios tanto para o empregado, quanto para o empregador se encontra a maior rapidez da via arbitral do que do poder judiciário, e isso se da por fatores extraprocessuais, uma vez que o arbitro é juiz de alguma causas, podendo se dedicar mais aqueles processos, já o juiz togado é juiz de tantas causas quanto forem necessário. Além disso os fatores processuais também influenciam na celeridade da via arbitral já que o tempo de duração da arbitragem é estipulada pelas partes juntamente com o arbitro, além de não existir recurso para a decisão arbitral.

Outra vantagem para as partes é que a arbitragem é mais técnica, uma vez que o julgador é eleito conforme a natureza do conflito trabalhista, neste ponto temos que mesmo em se tratando de uma justiça especializada como a trabalhista, o arbitro escolhido pelas artes será sempre um perito no assunto e/ou no tipo de relação existente entre as partes. Diferente do que ocorre no Judiciário, onde muitas vezes o juiz não tem conhecimento prévio do que está sendo discutido e necessita do auxílio de um perito.

A arbitragem é mais discreta que o judiciário, pois o judiciário tem como princípio a publicidade, em decorrência do interesse público e até mesmo pois quem paga pelo procedimento é o contribuinte.

No que tange a arbitragem não há interesse público, apenas o das partes interessadas no negócio jurídico, já que não elas que pagarão pelo serviço prestado.

Não há divulgação em diário oficial, não tem site e o julgamento não se torna público, sendo assim, fora as partes envolvidas, os demais não sabem que está havendo um conflito entre as partes.

Tal discrição revela uma vantagem econômica tanto para a empresa, uma vez que a existência de diversas demandas gera insegurança no mercado e consequentemente a diminuição de investimento, mostra-se vantajoso para a empresa que o mercado não saiba que está havendo um litigio para que não haja oscilações das ações das empresas, principalmente quando se trata de ações de grandes executivos, as quais em muitos casos giram em torno de milhões de reais.

A ausência de publicidade também se revela benéfica para o empregado, uma vez que muitos trabalhadores optam por não procurar o judiciário com receio de que não sejam mais contratados em outras empresas. Pela natureza pública da ação judicial a empresa que pretende contratar o empregado pode facilmente ter conhecimento da existência do conflito e pode não ver com bons olhos tal litigio.

Inclusive tal procedimento é de praxe de toda empresa antes de contratar um empregado, principalmente os grandes executivos e C.O. de empresas já que consiste em um mercado muito restrito.

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A ausência de publicidade da arbitragem se revela pela dificuldade em se obter dados numéricos ou pesquisas quantitativas quanto a arbitragem.

Outra vantagem da arbitragem é que existe uma maior possibilidade de acordo, pois já há uma predisposição a uma solução com consensualidade. A especialização do arbitro também colabora para a solução e no decorrer do processo e a condução do arbitro já é capaz de demonstrar e convence as partes litigantes.

As decisões ordinariamente são cumpridas de modo espontâneo, na maior parte das vezes, por razão comercial e pressão do mercado de que deve acatar o que foi acordado, além disso a maior proximidade dos arbitro com as partes favorece a quitação do débito.

A imparcialidade subjetiva do arbitro também se constitui em uma vantagem para as partes pois o arbitro tem o dever de revelação, ou seja, antes de sua contratação ele deve informar as partes sua formação e fatos da sua vida que sejam relevantes para o litigio, para que os interessados optem, ou não para que ele seja o responsável pelo julgamento de sua lide. Deste modo há uma investigação se há predisposição do arbitro em prejudicar ou beneficiar uma das partes.

Tal previsão está contida no Artigo 14, paragrafo 1º da Lei de Arbitragem (n. 9307/96): Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil. § 1º As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência.

Outra vantagem importante para o trabalhador reside no fato de que em muitos casos,

em nome de uma solução mais rápida para seu conflito este se vê obrigado a abrir mão de mais de 50% de seu crédito trabalhista.

No caso da arbitragem, por ser um procedimento mais célere, não há necessidade de se fazer um acordo dispondo de tamanho crédito em nome de uma maior celeridade no deslinde da causa.

O uso do procedimento arbitral, por consistir em beneficio para ambas as partes e em nome de uma maior imparcialidade do arbitro, será custeado tanto pelo empregado, quanto pelo empregador. Neste caso há uma ponderação a se fazer, mesmo se vendo obrigado a custear o arbitro e todos os demais gastos decorrentes dessa via extrajudicial, ainda assim a arbitragem é benéfica financeiramente ao trabalhador, pois ele não precisaria abrir mão de mais da metade de seu credito e veria seu conflito solucionado de forma rápida e eficiente, devendo apenas pagar os serviços prestados efetivamente.

Ressalta-se que o objetivo do uso do procedimento arbitral não é salvar o judiciário, mas apenas abrir tal possibilidade para que o trabalhador, querendo, use essa via extrajudicial.

Porém, defende-se que só é possível seu uso quando o trabalhador dê origem ou concorde com o uso da via arbitral, pois assim a empresa não teria a vantagem de possuir maior vínculo com o arbitro ou corte arbitral e isso influenciar no julgamento, até porque, por se tratar de um nixo de mercado reduzido – executivos/C.O., esta demanda por empresa não seria relevante. CONCLUSÃO

A arbitragem é uma instituição já inserida no Direito Brasileiro e não pode mais ser

renegada pela doutrina e pela jurisprudência sob pena de atraso e desconhecimento dos caminhos do moderno Direito do Trabalho.

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Acerca da indisponibilidade dos direitos decorrentes da relação de trabalho, a doutrina e jurisprudência clássicas não discutiam, apenas defendiam sua natureza absoluta, sem qualquer aprofundamento. No entanto, modernamente, o tema tem sido objeto de acalorados debates jurídicos. Antigamente, os direitos trabalhistas não podiam ser passíveis de renúncia ou transação. Tal afirmação implicava afirmar que os direitos assegurados aos empregados não podiam sofrer qualquer ato de disposição pelo seu titular, porquanto decorriam diretamente de normas de ordem pública de caráter cogente.

No entanto, após análise de doutrinas e jurisprudências mais modernas, tornou-se visível a possibilidade de disposição pelo empregado, de certos direitos que compõem seu patrimônio, tendo em vista que nem todos os seus direitos decorrem diretamente de normas dotadas de tal caráter. Conforme visto, alguns direitos trabalhistas, os de natureza particular que se configuram como relativamente indisponíveis podem ser objeto de disposição por seu titular.

A conclusão pela existência, ainda que como exceção, de direitos laborativos disponíveis, possibilita a discussão acerca da possibilidade da arbitragem em relação aos dissídios individuais trabalhistas.

Importante, para tanto, é a observação o momento da pactuação pela utilização da arbitragem. Como visto, ela só pode ser aceita por meio do compromisso arbitral, este firmado pelas partes após o surgimento do litígio e findo a relação contratual e consequentemente sua subordinação.

Não obstante o entendimento alcançado, há que se reconhecer que tal instrumento não pode ser utilizado de maneira arbitrária e irrestrita. Para sua utilização, maiores garantias devem ser conferidas ao empregado, de modo que seja assegurado o respeito às suas garantias legais, tal como a vedação a prejuízo decorrente desta prática, além da possibilidade de seu uso quando se tratar de relações laborais em que não se vislumbre hipossuficiência técnica, uma vez que dessa forma o trabalhador terá poder de barganha frente a empresa e possibilidade de arcar com os custos de uma arbitragem.

Destarte, conclui-se pela possibilidade de aplicação da arbitragem como mecanismo de solução de litígios de natureza trabalhista, tendo como presunção, para tanto, o respeito a todos os direitos e garantias assegurados ao trabalhador pela lei, bem como os princípios orientadores da disciplina do direito do trabalho. REFERÊNCIAS APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Poder Judiciário e arbitragem, controle judicial sobre as sentenças arbitrais. São Paulo: Tribuna do Direito, 2010. CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993. ______. Arbitragem e processo: um comentário à Lei n.º 9.307/96. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004. FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, jurisdição e execução: análise crítica da Lei 9.307, de 23.09.1996. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 152. LACERDA, Belizário Antônio de. Comentários à Lei de Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. CLT organizada. São Paulo: Saraiva, 2015. SOUZA, Zoraide Amaral de. Arbitragem, conciliação e mediação nos conflitos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

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AS CONSEQUÊNCIAS DA INOBSERVÂNCIA ERGONOMIA NA SAÚDE DO TRABALHADOR E NOS BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE DO INSS

THE CONSEQUENCES OF FAILURE OF ERGONOMICS IN THE OCUPATTIONAL HEALTH

AND THE INSS OF DISABILITY BENEFIT

Nara Faustino de Menezes*

RESUMO: A ergonomia tem como objetivo evitar riscos ergonômicos que comprometam a saúde dos trabalhadores em nível físico ou psicológico; determinar a jornada de trabalho através de uma perspectiva humanitária da empresa; promover a criação de um ambiente de trabalho adequado e salubre; e prevenir contra acidentes do trabalho. Estes riscos ergonômicos podem estar relacionados com o estresse, a monotonia de métodos de trabalho e longas horas de trabalho sem pausas para descanso. A inobservância da ergonomia compromete o ambiente de trabalho que, por sua vez, compromete a saúde do trabalhador, além da rotina diária de trabalho da empresa. Outra consequência da inobservância da ergonomia são os afastamentos laborais por mais de 30 dias. Esse artigo tem como objetivo apresentar uma análise teórica acerca das legislações trabalhista e previdenciária. Esse trabalho possui natureza bibliográfica, utilizando-se, sob este aspecto, de revistas, trabalhos acadêmicos e livros como indícios para as considerações sobre as condições de trabalho e saúde do trabalhador. Atualmente, buscam-se melhorias quanto à qualidade de vida no meio ambiente do trabalho e, para isso, são exigidas discussões, pesquisas e buscas sobre novas soluções para a defesa e proteção do trabalhador, não apenas sob o ponto de vista físico, mas também emocional e social, aliando a essa intenção aspectos jurídicos para melhoria no ambiente de trabalho. Palavras-chave: Ergonomia. Saúde do trabalhador. Benefícios por incapacidade. ABSTRACT: Ergonomics aims to prevent ergonomic risks that could compromise the health of workers the physical or psychological level, determines the journey through a humanitarian perspective of the company, seeks to promote the creation of a suitable and safe working environment, and guard against industrial accidents. These ergonomic risks can be related to stress, the monotony of working methods, working long hours without breaks for rest. The non-observance of ergonomic compromises the work environment, which in turn compromises the health of the worker, in addition to the daily routine of work of the company. Another consequence of non-compliance with the ergonomics are the distances for more than 30 working days. This article aims to present a theoretical analysis on the labor and social security laws. This work will have a bibliographical nature using under this aspect, magazines, scholarly works and books as clues to the considerations on working conditions and workers ' health. Currently there is a desire to improve the quality of life and environment of the worker and this is required a discussion, research, and search for new solutions to the defense and protection of the worker not only the physical, but also emotional and social combining to mean legal aspects for improvement in the work environment. Key Words: Ergonomics; Health Of The Worker; Incapacity Benefits. Keywords: ergonomics. health work. incapacity benefits. SUMÁRIO: Introdução. 1 Ergonomia. 1.1 Norma Regulamentadora nº 17. 2 Saúde ocupacional. 2.1 Segurança do trabalho. 2.2 As consequências da inobservância da ergonomia na saúde do trabalhador. Conclusão. Referências.

* Pós-Graduada em Direito Previdenciário pela Escola Superior de Direito; em Gestão Integrada da

Qualidade, Meio Ambiente e Saúde no Trabalhado e Responsabilidade Social pelo SENAC; e em Psicologia Multifocal pela FED. E-mail: [email protected].

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INTRODUÇÃO

A ergonomia surgiu da necessidade de resolver problemas de projetos de armamento durante a II Guerra Mundial (1939-45). Dessa necessidade, houve uma conjugação sistemática de esforços entre a tecnologia, ciências humanas e biológicas, no qual médicos, psicólogos, antropólogos e engenheiros uniram esforços e, trabalhando em conjunto, cada um deu a sua colaboração para resolver os problemas causados à saúde do homem pela operação de equipamentos militares complexos. O resultado daquele esforço comum interdisciplinar foi tão gratificante que passou a ser aproveitado pela indústria no Pós-Guerra.

A Constituição Federal de 1988 traz como verdadeiro sustentáculo do Estado Democrático de Direito, Princípios Fundamentais como o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), os valores sociais do trabalho (art. 1º, inciso IV), e reconhece como “valores supremos de uma sociedade fraterna” a necessidade de se garantir a todos a segurança e o bem-estar (Preambulo).

Como direitos mínimos do trabalhador, a Constituição Federal de 1988 prescreve em seu art. 7º, inciso XXII, a necessidade da “reduç~o dos riscos inerentes ao trabalho”; e no art. 225 assegura ao povo o direito de usufruir de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo, ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e de preservá-lo, tanto para as gerações presentes quanto para as futuras.

Considerando que o homem passa boa parte de seu tempo trabalhando para suprir as necessidades básicas dele e dos dependentes, e considerando, ainda, a queda do poder aquisitivo por conta do desemprego e de outros fatores econômicos, é comum o trabalhador se submeter a um elevado número de horas extras, fato que, além de contribuir para a diminuição de sua qualidade de vida, desencadeia a queda na produtividade com consequentes prejuízos financeiros.

O objetivo desse trabalho de pesquisa é conscientizar o empregador quanto aos benefícios da Ergonomia no ambiente de trabalho e alertá-lo para os prejuízos causados pela inobservância desse regramento. Ademais, busca verificar a quantidade de benefícios de auxílio-doença acidentário B(91), aposentadoria por invalidez por acidente do trabalho B(92), pensão por morte por acidente do trabalho B(93) e auxílio-acidente por acidente do trabalho B(94) que foram concedidos pelo INSS; os custos destes benefícios para os cofres do INSS durante nos anos de 2015 e 2016.

O primeiro capítulo apresenta o conceito de Ergonomia e sua importância como instrumento de prevenção de doenças ocupacionais e de produtividade; sua importância em um contexto social; e uma análise da Norma Regulamentadora (NR) 17 (Ergonomia).

O segundo capítulo aborda de forma sintética aspectos da saúde ocupacional e segurança do trabalho, para, enfim, alcançar as consequências da inobservância da ergonomia na saúde do trabalhador e nos benefícios por incapacidade do INSS.

Os métodos de pesquisa utilizados são o bibliográfico e o indutivo.

1 ERGONOMIA

Nos diversos conceitos de Ergonomia verifica-se que o foco principal dessa disciplina é conhecer cientificamente o homem para assim criar diversos tipos de ferramentas de trabalhos, máquinas e dispositivos que possam ser utilizados com o máximo de conforto para atender concomitantemente às necessidades de segurança e saúde no ambiente de trabalho e os interesses da produção.

Segundo a Associação Brasileira de Ergonomia (s.d., online):

Ergonomia (ou fatores humanos) é uma disciplina científica que estuda as interações dos homens com outros elementos do sistema, fazendo aplicações da teoria, princípios e métodos de projeto, com o objetivo de melhorar o bem-estar humano e o desempenho global do sistema.

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Falzon Pierre (2014, p. 4) cita a definição de Ergonomia proposta por (IEA):

A ergonomia é o estudo científico entre o homem e seus meios, métodos e ambientes de trabalho. Seu objetivo é elaborar, com a colaboração das diversas disciplinas científicas que a compõem, um corpo de conhecimentos que, numa perspectiva de aplicação, deve ter como finalidade uma melhor adaptação ao homem dos meios tecnológicos de produção e dos ambientes de trabalho e de vida.

Nos artigos 198 e 199 da Consolidação das Leis do Trabalho podemos encontrar regras básicas de ergonomia no que diz respeito à prevenção da fadiga; e os artigos 200 e 201 especificam quais são as medidas de proteção à saúde do trabalhador e a punição para quem descumpre referidas normas. Entretanto, a quantidade de empregadores e de empregados que desconhecem as regras contidas em referidos artigos é muito grande.

A Ergonomia possui caráter interdisciplinar, pois se apoia no conhecimento de outras áreas do conhecimento humano para desenvolver métodos e técnicas específicas relevantes para a prevenção de doenças causadas pelas condições de vida dos trabalhadores em geral. Algumas das áreas científicas utilizadas pela Ergonomia são: antropologia, biomecânica, fisiologia, psicologia, toxicologia, engenharia mecânica, eletrônica e informática.

São vários os aspectos do cotidiano humano que a Ergonomia estuda para projetar ambientes seguros, saudáveis, confortáveis e eficientes para o trabalhador. Alguns dos aspectos humanos utilizados pela Ergonomia são: postura, movimentos corporais (sentados, em pé, empurrando, puxando e levantando cargas), fatores ambientais (ruídos, vibrações, iluminação, clima, agentes químicos), além das informações captadas pela visão, audição e outros sentidos.

Outro campo que merece a atenção da Ergonomia é o da saúde mental do trabalhador. É que o trabalho, dependendo das circunstâncias em que é realizado, tanto poderá fortalecer quanto vulnerabilizar a saúde do trabalhador e, consequentemente, gerar desgaste mental e mal-estar, além de distúrbios que poderão se expressar de forma coletiva ou individual.

Para propiciar um ambiente de trabalho seguro que atenda tanto a demanda de saúde quanto à de produtividade, é preciso que o empregador se preocupe com a saúde e o bem-estar físico do empregado, que esteja atento ao limite de trabalho que ele suporta executar e que invista em mobiliário adequando, EPIs, iluminação, e ventilação. É nesse contexto que a Ergonomia atua, uma vez que ela tem como princípio básico o binômio conforto e produtividade, tornando-se, assim, indispensável como ferramenta de trabalho.

1.1 Norma Regulamentadora 17

Embora haja previsão de regras básicas de Ergonomia nos artigos 198/199 e 200/201 da CLT, é na Norma Regulamentadora 17 que encontramos elementos que revelam a necessidade de aplicação dessa disciplina no ambiente de trabalho.

Aprovada pela Portaria GM n.º 3.214, de 08 de junho de 1978, e com redação dada pela Portaria MTPS n.º 3.751, de 23 de novembro de 1990, a Norma Regulamentadora 17 é utilizada pelos peritos em ergonomia, com o objetivo de verificar a aplicação de técnicas de adaptação do homem ao seu ambiente de trabalho e, assim, assegurar o seu melhor desempenho e bem-estar, além da produtividade.

17.1. Esta Norma Regulamentadora visa a estabelecer parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente. 17.1.1. As condições de trabalho incluem aspectos relacionados ao levantamento, transporte e descarga de materiais, ao mobiliário, aos

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equipamentos e às condições ambientais do posto de trabalho e à própria organização do trabalho. 17.1.2. Para avaliar a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, cabe ao empregador realizar a análise ergonômica do trabalho, devendo a mesma abordar, no mínimo, as condições de trabalho, conforme estabelecido nesta Norma. 17.2. Levantamento, transporte e descarga individual de materiais. 17.2.1. Para efeito desta Norma Regulamentadora: 17.2.1.1. Transporte manual de cargas designa todo transporte no qual o peso da carga é suportado inteiramente por um só trabalhador, compreendendo o levantamento e a deposição da carga. 17.2.1.2. Transporte manual regular de cargas designa toda atividade realizada de maneira contínua ou que inclua, mesmo de forma descontínua, o transporte manual de cargas. 17.2.1.3. Trabalhador jovem designa todo trabalhador com idade inferior a dezoito anos e maior de quatorze anos. 17.2.2. Não deverá ser exigido nem admitido o transporte manual de cargas, por um trabalhador cujo peso seja suscetível de comprometer sua saúde ou sua segurança. 17.2.3. Todo trabalhador designado para o transporte manual regular de cargas, que não as leves, deve receber treinamento ou instruções satisfatórias quanto aos métodos de trabalho que deverá utilizar, com vistas a salvaguardar sua saúde e prevenir acidentes. 17.2.4. Com vistas a limitar ou facilitar o transporte manual de cargas deverão ser usados meios técnicos apropriados. 17.2.5. Quando mulheres e trabalhadores jovens forem designados para o transporte manual de cargas, o peso máximo destas cargas deverá ser nitidamente inferior àquele admitido para os homens, para não comprometer a sua saúde ou a sua segurança. 17.2.6. O transporte e a descarga de materiais feitos por impulsão ou tração de vagonetes sobre trilhos, carros de mão ou qualquer outro aparelho mecânico deverão ser executados de forma que o esforço físico realizado pelo trabalhador seja compatível com sua capacidade de força e não comprometa a sua saúde ou a sua segurança. 17.2.7. O trabalho de levantamento de material feito com equipamento mecânico de ação manual deverá ser executado de forma que o esforço físico realizado pelo trabalhador seja compatível com sua capacidade de força e não comprometa a sua saúde ou a sua segurança. 17.3. Mobiliário dos postos de trabalho. 17.3.1. Sempre que o trabalho puder ser executado na posição sentada, o posto de trabalho deve ser planejado ou adaptado para esta posição. 17.3.2. Para trabalho manual sentado ou que tenha de ser feito em pé, as bancadas, mesas, escrivaninhas e os painéis devem proporcionar ao trabalhador condições de boa postura, visualização e operação e devem atender aos seguintes requisitos mínimos: a) ter altura e características da superfície de trabalho compatíveis com o tipo de atividade, com a distância requerida dos olhos ao campo de trabalho e com a altura do assento; b) ter área de trabalho de fácil alcance e visualização pelo trabalhador; c) ter características dimensionais que possibilitem posicionamento e movimentação adequados dos segmentos corporais. 17.3.2.1. Para trabalho que necessite também da utilização dos pés, além dos requisitos estabelecidos no subitem 17.3.2, os pedais e demais comandos para acionamento pelos pés devem ter posicionamento e dimensões que possibilitem fácil alcance, bem como ângulos adequados entre as diversas partes do corpo do trabalhador, em função das características e peculiaridades do trabalho a ser executado.

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17.3.3. Os assentos utilizados nos postos de trabalho devem atender aos seguintes requisitos mínimos de conforto: a) altura ajustável à estatura do trabalhador e à natureza da função exercida; b) características de pouca ou nenhuma conformação na base do assento; c) borda frontal arredondada; d) encosto com forma levemente adaptada ao corpo para proteção da região lombar. 17.3.4. Para as atividades em que os trabalhos devam ser realizados sentados, a partir da análise ergonômica do trabalho, poderá ser exigido suporte para os pés, que se adapte ao comprimento da perna do trabalhador. 17.3.5. Para as atividades em que os trabalhos devam ser realizados de pé, devem ser colocados assentos para descanso em locais em que possam ser utilizados por todos os trabalhadores durante as pausas. 17.4. Equipamentos dos postos de trabalho. 17.4.1. Todos os equipamentos que compõem um posto de trabalho devem estar adequados às características psicofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado. 17.4.2. Nas atividades que envolvam leitura de documentos para digitação, datilografia ou mecanografia deve: a) ser fornecido suporte adequado para documentos que possa ser ajustado proporcionando boa postura, visualização e operação, evitando movimentação freqüente do pescoço e fadiga visual; b) ser utilizado documento de fácil legibilidade sempre que possível, sendo vedada a utilização do papel brilhante, ou de qualquer outro tipo que provoque ofuscamento. 17.4.3. Os equipamentos utilizados no processamento eletrônico de dados com terminais de vídeo devem observar o seguinte: a) condições de mobilidade suficientes para permitir o ajuste da tela do equipamento à iluminação do ambiente,protegendo-a contra reflexos, e proporcionar corretos ângulos de visibilidade ao trabalhador; b) o teclado deve ser independente e ter mobilidade, permitindo ao trabalhador ajustá-lo de acordo com as tarefas a serem executadas; c) a tela, o teclado e o suporte para documentos devem ser colocados de maneira que as distâncias olho-tela, olho-teclado e olho-documento sejam aproximadamente iguais; d) serem posicionados em superfícies de trabalho com altura ajustável. 17.4.3.1. Quando os equipamentos de processamento eletrônico de dados com terminais de vídeo forem utilizados eventualmente poderão ser dispensadas as exigências previstas no subitem 17.4.3, observada a natureza das tarefas executadas e levando-se em conta a análise ergonômica do trabalho. 17.5. Condições ambientais de trabalho. 17.5.1. As condições ambientais de trabalho devem estar adequadas às características psicofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado. 17.5.2. Nos locais de trabalho onde são executadas atividades que exijam solicitação intelectual e atenção constantes, tais como: salas de controle, laboratórios, escritórios, salas de desenvolvimento ou análise de projetos, dentre outros, são recomendadas as seguintes condições de conforto: a) níveis de ruído de acordo com o estabelecido na NBR 10152, norma brasileira registrada no INMETRO; b) índice de temperatura efetiva entre 20oC (vinte) e 23oC (vinte e três graus centígrados); c) velocidade do ar não superior a 0,75m/s; d) umidade relativa do ar não inferior a 40 (quarenta) por cento. 17.5.2.1. Para as atividades que possuam as características definidas no subitem 17.5.2, mas não apresentam equivalência ou correlação com aquelas relacionadas na NBR 10152, o nível de ruído aceitável para efeito de conforto

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será de até 65 dB (A) e a curva de avaliação de ruído (NC) de valor não superior a 60 dB. 17.5.2.2. Os parâmetros previstos no subitem 17.5.2 devem ser medidos nos postos de trabalho, sendo os níveis de ruído determinados próximos à zona auditiva e as demais variáveis na altura do tórax do trabalhador. 17.5.3. Em todos os locais de trabalho deve haver iluminação adequada, natural ou artificial, geral ou suplementar, apropriada à natureza da atividade. 17.5.3.1. A iluminação geral deve ser uniformemente distribuída e difusa. 17.5.3.2. A iluminação geral ou suplementar deve ser projetada e instalada de forma a evitar ofuscamento, reflexos incômodos, sombras e contrastes excessivos. 17.5.3.3. Os níveis mínimos de iluminamento a serem observados nos locais de trabalho são os valores de iluminâncias estabelecidos na NBR 5413, norma brasileira registrada no INMETRO. 17.5.3.4. A medição dos níveis de iluminamento previstos no subitem 17.5.3.3 deve ser feita no campo de trabalho onde se realiza a tarefa visual, utilizando-se de luxímetro com fotocélula corrigida para a sensibilidade do olho humano e em função do ângulo de incidência. 17.5.3.5. Quando não puder ser definido o campo de trabalho previsto no subitem 17.5.3.4, este será um plano horizontal a 0,75m (setenta e cinco centímetros) do piso. 17.6. Organização do trabalho. 17.6.1. A organização do trabalho deve ser adequada às características psicofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado. 17.6.2. A organização do trabalho, para efeito desta NR, deve levar em consideração, no mínimo: a) as normas de produção; b) o modo operatório; c) a exigência de tempo; d) a determinação do conteúdo de tempo; e) o ritmo de trabalho; f) o conteúdo das tarefas. 17.6.3. Nas atividades que exijam sobrecarga muscular estática ou dinâmica do pescoço, ombros, dorso e membros superiores e inferiores, e a partir da análise ergonômica do trabalho, deve ser observado o seguinte: a) todo e qualquer sistema de avaliação de desempenho para efeito de remuneração e vantagens de qualquer espécie deve levar em consideração as repercussões sobre a saúde dos trabalhadores; b) devem ser incluídas pausas para descanso; c) quando do retorno do trabalho, após qualquer tipo de afastamento igual ou superior a 15 (quinze) dias, a exigência de produção deverá permitir um retorno gradativo aos níveis de produção vigentes na época anterior ao afastamento. 17.6.4. Nas atividades de processamento eletrônico de dados, deve-se, salvo o disposto em convenções e acordos coletivos de trabalho, observar o seguinte: a) o empregador não deve promover qualquer sistema de avaliação dos trabalhadores envolvidos nas atividades de digitação, baseado no número individual de toques sobre o teclado, inclusive o automatizado, para efeito de remuneração e vantagens de qualquer espécie; b) o número máximo de toques reais exigidos pelo empregador não deve ser superior a 8.000 por hora trabalhada, sendo considerado toque real, para efeito desta NR, cada movimento de pressão sobre o teclado; c) o tempo efetivo de trabalho de entrada de dados não deve exceder o limite máximo de 5 (cinco) horas, sendo que, no período de tempo restante da jornada, o trabalhador poderá exercer outras atividades, observado o disposto no art.

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468 da Consolidação das Leis do Trabalho, desde que não exijam movimentos repetitivos, nem esforço visual; d) nas atividades de entrada de dados deve haver, no mínimo, uma pausa de 10 minutos para cada 50 minutos trabalhados, não deduzidos da jornada normal de trabalho; e) quando do retorno ao trabalho, após qualquer tipo de afastamento igual ou superior a 15 (quinze) dias, a exigência de produção em relação ao número de toques deverá ser iniciado em níveis inferiores do máximo estabelecido na alínea "b" e ser ampliada progressivamente.

A NR 17 estabelece, ainda, em seu Anexo I, as normas relacionadas ao trabalho dos

operadores de Checkout e, no Anexo II, o trabalho em Teleatendimento/Telemarketing.

2 SAÚDE OCUPACIONAL

A Organização Mundial da Saúde (OMS) conceitua saúde como “A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 1946, online).

Pelo conceito adotado pela OMS, percebe-se que a saúde humana não se limita a simples ausência de doenças ou enfermidades, uma vez que engloba aspectos fisiológicos, psicológicos e sociais.

Segundo Araújo Junior (2013, p. 20), a saúde ocupacional é um ramo específico da saúde pública que tem por objetivo proporcionar ao trabalhador condições de saúde dignas por meio de “prevenç~o de patologias (físicas e mentais) e acidentes do trabalho, de modo a promover a satisfação do trabalhador, o melhoramento da produtividade do empreendimento econômico e o aperfeiçoamento das relações sociolaborais”.

Fazendo, ainda, uma análise do conceito de saúde pela OMS é possível afirmar que a saúde ocupacional precisa ser compreendida nos aspectos físicos, mentais e sociais, objetivando, assim, a humanização nas relações de trabalho através de práticas que proporcione meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem-estar e satisfação do obreiro, porém, o cumprimento desse objetivo depende do aperfeiçoamento dos meios de produção e controle da prevenção de riscos ocupacionais, que é possível com a aplicação de conhecimentos técnicos de Ergonomia e normas de saúde e segurança do trabalho.

2.1 Segurança do trabalho

O trabalho é a fonte de renda primária mais antiga do ser humano, assim, desde as

atividades mais simples até as mais complexas há sempre riscos profissionais iminentes, fato que despertou no homem a preocupação com a segurança do trabalho.

A Constituição Federal (CF) de 1988 é a Lei máxima que dá validade às demais leis. No art. 7º da CF encontramos todo o conteúdo legal que normatiza os direitos trabalhistas dos trabalhadores urbanos e rurais: duração da jornada de trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais; jornada de trabalho diferenciada para trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento; repouso semanal remunerado; remuneração do serviço extraordinário com acréscimo de cinquenta por cento sob a hora normal; gozo de férias remuneradas com acréscimo de um terço; licença gestante; licença paternidade; um percentual de adicional na remuneração para atividades penosas, insalubres ou perigosas; seguro contra acidente do trabalho costeado pelo empregador. Encontramos, ainda, direitos sociais que visam à melhoria da condição social do trabalhador.

O inciso XXII do art. 7º da CF prevê a “reduç~o dos riscos inerentes ao trabalho, por normas de saúde, higiene e segurança”.

Muito se ouve falar no princípio da dignidade da pessoa humana como requisito essencial para se viver com qualidade de vida e o trabalhar de forma digna, porém, sem que o

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meio ambiente esteja ecologicamente equilibrado, e sem o cumprimento de regras básicas de saúde e segurança do trabalho, não há que se falar em dignidade da pessoa humana e, menos ainda, em humanização das relações de trabalho.

Araújo Junior (2013, p. 29) cita a definição de segurança do trabalho como:

uma série de medidas de segurança técnicas, médicas e psicológicas, destinadas a prevenir acidentes profissionais, educando os trabalhadores nos meios de evita-los, como também procedimentos capazes de eliminar as condições inseguras do meio ambiente de trabalho.

Em um contexto geral, verifica-se que tanto a Ergonomia quanto a segurança do trabalho

são disciplinas que visam à melhoria contínua da qualidade de vida do trabalhador no ambiente do trabalho, possibilitando ao obreiro bem-estar e satisfação, e ao empregador a produtividade.

2.2 As consequências da inobservância da ergonomia na saúde do trabalhador

Devido a falhas humanas é corriqueira a ocorrência de acidentes envolvendo pessoas

que executam tarefas domésticas, ou que trabalham em atividades como a de motoristas, pilotos, e outros ramos. Através da Ergonomia, os problemas sociais relacionados à saúde, segurança, conforto e eficiência na execução de diversos tipos de trabalhos podem ser minimizados.

Toda ação ergonômica sobre o desempenho do trabalho visa concomitantemente efeito sobre as pessoas e efeito sobre a empresa, assim, em um contexto social, a Ergonomia pode contribuir para a redução de doenças e acidentes do trabalho e para o aumento da produtividade.

A inobservância da ergonomia no ambiente do trabalho gera o desconhecimento do uso correto de ferramentas, máquinas e dispositivos que atenda às normas de saúde e segurança do trabalho, e que podem ser utilizados com o máximo de conforto pelo empregado.

O uso incorreto de equipamentos, sistemas, ou projetos deficitários e a falta de atenção às regras básicas de saúde e segurança do trabalho têm sido a causa de distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (LER e DORT), e doenças psicológicas (estresse), que consequentemente acabam gerando afastamentos por motivo de incapacidade laborativa; e, consequentemente, prejuízo financeiro para o empregador e para os cofres do INSS, uma vez que qualquer benefício previdenciário, seja de cunho previdenciário ou acidentário, não pode ter valor inferior ao salário-mínimo por benefício.

CONCLUSÃO

A inobservância da Ergonomia no ambiente de trabalho gera prejuízo financeiro tanto

para o empregador quanto para o INSS. Gera prejuízo para o empregador, porque, além de ter investido em tempo para preparar o empregado no desempenho de determinada função, com o afastamento obreiro terá de pagar os 15 primeiros dias de afastamento. E, dependendo da função do empregado afastado e da falta de previsão de seu retorno ao trabalho, o empregador terá que treinar outro empregado para substituí-lo.

Tal situação gera prejuízos para os cofres da autarquia previdenciária, porque, a partir do décimo sexto dia de afastamento, é o INSS quem custeia o benefício previdenciário, cujo valor mínimo a ser pago para o segurado não pode ser inferior ao salário-mínimo.

Busca-se, como uma segunda fase desse estudo, levantar junto ao INSS a quantidade de benefícios concedidos pela Autarquia – auxílio-doença acidentário B(91), aposentadoria por invalidez por acidente do trabalho B(92), pensão por morte por acidente do trabalho B(93) e auxílio-acidente por acidente do trabalho B(94) – e os custos destes benefícios para os cofres do INSS durante nos anos de 2015 e 2016, cujas informações serão coletadas junto à Autarquia de Ribeirão Preto. Diante desses dados será possível analisar os prejuízos decorrentes da

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inobservância das condições de trabalho, incluindo as de natureza ergonômica, tanto para o empregador como para a coletividade que garante o custeio do INSS.

REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ERGONOMIA. O que é ergonomia. Rio de Janeiro, s.d. Disponível em: <http://www.abergo.org.br/internas.php?pg=o_que_e_ergonomia>. Acesso em: 30 out. 2016. BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 30 out. 2016. CONSTITUIÇÃO da organização mundial da saúde (OMS/WHO) – 1946. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html>. Acesso em: 30 out.2016.

FALZON, Pierre. Ergonomia. 3. ed. São Paulo: Edgard Blucher, 2014.

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SILVA, José Antônio. Acidente do Trabalho: responsabilidade objetiva do empregador. São Paulo: LTr, 2008. SILVA, Seligmann. Trabalho de desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. São Paulo: Cortez, 2011.

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A IMPORTÂNCIA DA LICENÇA PATERNIDADE E O ADVENTO DO DECRETO Nº 8.737, DE 3 DE MAIO DE 2016

THE PATERNITY LEAVE IMPORTANCE AND THE ADVENT OF THE DECREE No. 8737, OF

MAY 3rd, 2016

Renan Segantini da Silva Mello* RESUMO: O presente artigo trata da relevância da licença paternidade para o ordenamento jurídico brasileiro. A licença tem a função de garantir a assistência necessária ao recém-nascido, que demanda cuidados constantes, ou no caso de adoção, garantir que o novo membro do núcleo familiar seja devidamente integrado. A proteção dessas crianças é um dos principais fatores para a importância do benefício em questão. Será apresentado o decreto nº 8.737, de 3 de maio de 2016, que modificou a duração do benefício da licença paternidade em casos determinados, bem como os reflexos gerados pelo próprio decreto. Serão apresentados brevemente outros projetos de lei que fazem referência a melhoria da duração da licença paternidade no Brasil, também serão apresentados exemplos de duração da licença paternidade em outros países. São utilizados as pesquisas doutrinárias, jurisprudências e artigos científicos a fim de sustentar as ideias propostas. É utilizado o método dedutivo e histórico-comparativo, além da lógica e da razão. Conclui-se que a licença paternidade é um benefício indispensável para a sociedade e a proteção das crianças, sendo a ampliação da duração do benefício da licença paternidade a todos os trabalhadores uma necessária adição para a lei brasileira. Palavras-chave: Decreto n° 8.737. Direito do Trabalho. licença-paternidade. ABSTRACT: This article deals with the importance of parental leave to the Brazilian legal system. The license function is to ensure the necessary assistance to the newborn, which requires constant care, or in the adoption case, ensure that the new family member is properly integrated. The protection of these children is the main factor in the importance of the benefit in question. It will be presented Decree No. 8,737, of May 3rd, 2016, which changed the duration of the benefit of parental leave in certain cases, as well as the reflections generated by the decree itself. Other bills will be presented, and all these make reference in the improving of the duration of paternity leave in Brazil, will also be presented duration examples of paternity leave in other countries. Doctrinal research, jurisprudence and scientific articles are used in order to sustain the proposed ideas. It used the deductive method and comparative historical, and also logic and reason. It is concluded that parental leave is an essential benefit to society and in the protection of children, and the expansion of benefit duration of paternity leave to all workers is a necessary addition to the Brazilian law. Keywords: Decree No. 8,737. Labor Law. paternity leave. SUMÁRIO: Introdução. 1 A relevância da licença-paternidade. 2 Comparativo do tempo de duração do benefício da licença paternidade em países diversos. 3 O advento do Decreto nº 8.737, de 3 de maio de 2016, e outras leis. 3.1 Decreto nº 37.669, de 29 de setembro de 2016, do distrito federal. 3.2 Projeto de Lei do Senado n°652/2015. 3.3 Proposta de emenda à Constituição n°41/2015. Conclusão. Referências.

* Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho". Graduando

em Letras pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho". E-mail: [email protected].

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INTRODUÇÃO

A grande importância da licença paternidade será demonstrada ao longo do presente do trabalho. Apresentando reflexões sobre o assunto no ordenamento jurídico e social brasileiro. O benefício e o funcionamento da licença em outros países serão mostrados para efeito comparativo, países como Irlanda, Islândia, Eslovênia, Argentina, Bolívia, Áustria, Chile, China, Estados Unidos da América, França, Grã-Bretanha, Hungria, Grécia, Noruega, Espanha, Suécia, Portugal entre outros selecionados.

A discussão sobre a licença paternidade versa além do direito do trabalho. Interfere diretamente em questões relacionadas a sociologia, a geografia, a economia, a própria cultura de cada país, entre outras matérias. Tornando-se dessa forma uma discussão complexa.

Dos 0 aos 6 anos, o contato com ambos os pais é essencial para estabelecer vínculos e estimular o desenvolvimento e o aprendizado. A licença paternidade tem a função de garantir tempo para a assistência necessária ao recém-nascido, que demanda cuidados constantes, justamente por estar uma fase crítica. Dividindo as tarefas entre pai e mãe, ou entre pai e pai, etc.

A proteção das crianças é o principal fator a ser considerado na utilização da licença paternidade. A não utilização dessa representaria um risco para o desenvolvimento normal e segurança das crianças. Já no caso da adoção ou guarda judicial, a licença tem a função de reservar um período para a criança e sua nova família, ajudando a criança se ajustar da melhor forma possível ao novo ambiente, evitando possíveis traumas no momento da adaptação.

A modificaç~o da definiç~o de núcleo familiar, conhecido como “mosaico familiar”, também será apresentada. Uma vez que a licença paternidade tem grande relevância, para os casos das famílias homoafetivas e monoparental masculina. Importante ressaltar o direito conferido a pessoa homoafetiva da inscrição no registro de pessoas interessadas na adoção, os casais homoafetivos legalmente não se diferem dos casais heterossexuais, sendo digno de proteção estatal e da licença paternidade. Não existindo na legislação brasileira, lei que veda a adoção, tanto realizadas por solteiros ou casais homoafetivos.

O decreto nº 8.737, de 3 de maio de 2016, modificou a duração do benefício da licença paternidade em casos específicos, mesmo ainda não beneficiando a maior parte dos pais trabalhadores. Porém, as mudanças que o mesmo pode acarretar são benéficas para a sociedade como um todo. Será proposto ao longo do artigo que tal decreto seja ampliado para os trabalhadores brasileiros, sendo demonstrado a necessidade do mesmo. Além disso, os reflexos da própria licença serão explicados.

Por fim, a estrutura adotada no presente tratará no primeiro capítulo a relevância da licença paternidade para sociedade brasileira e sua função. No segundo capítulo será comparado a duração e a forma da aplicação do benefício em relação a outros países. O terceiro capítulo trará uma discussão sobre o decreto nº 8.737, de 3 de maio de 2016, além de outras leis e projetos relevantes para o trabalho. 1 A RELEVÂNCIA DA LICENÇA-PATERNIDADE

Através do feminismo e estudos sobre gênero, com o intuito de alcançar a equidade entre

homens e mulheres, tornou-se necessário entender a função do homem como pai, inclusive esse assunto se fez presente nas agendas de eventos internacionais e nacionais sobre políticas públicas. Dessa forma se discute os papeis de ambos os pais na criação dos filhos e na vida pública. Os homens deveriam apresentar uma maior participação nos afazeres domésticos, tornando-se parte integrante da criação dos próprios filhos, bem como ter responsabilidade com a vida íntima e reprodutiva do casal. Por outro lado, as mulheres deveriam se organizar melhor na vida pública, com a melhoria da participação no mercado de trabalho e na política.

A ideia geral da função do pai, tradicionalmente, se limitava a ser o mantenedor da família, aquele que deveria prover para os seus filhos, cabendo à mulher as tarefas relacionadas

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ao lar, sendo isso uma forma do sistema patriarcal. O homem trabalhava fora de casa para buscar o sustento da família, enquanto a criação de seus filhos tornava-se uma tarefa feminina. A sociedade mantém parte dessa visão patriarcal, existe ainda preconceito ao pai que exerce devidamente suas funções, gerando o distanciamento da figura paterna, causando prejuízos para a relação entre pai e filhos. Apesar disso, alguns fatores têm revertido tal realidade, contribuindo para o fim da ideia da função do pai como mero mantenedor, que está totalmente ultrapassada em relação a atual conjuntura social. É necessário que o pai seja uma figura presente no desenvolvimento do filho, afinal só assim será criado um vínculo entre os dois.

O direito do homem se afastar do trabalho para cuidar de eu filho recém-nascido é garantido e regulamentado no artigo 7º da Constituiç~o (inc. XIX), “Art. 7º S~o direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei; ”. Entretanto, tal direito nunca foi regulamentado. A própria Carta Magna dita que, enquanto não houver regulamentação, o prazo da licença-paternidade será de cinco dias corridos, conforme anunciado no artigo 10 das Disposições Transitórias, em par|grafo 1º, “Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição: [...]§ 1º Até que a lei venha a disciplinar o disposto no art. 7º, XIX, da Constituição, o prazo da licença-paternidade a que se refere o inciso é de cinco dias.”.

O problema da atual formataç~o da lei, s~o os reflexos gerados, que contribuem “com a manutenção de uma divisão sexual dos deveres parentais desigual, para a descriminação do mercado de trabalho da mulher e acarreta violação dos interesses juridicamente protegidos das famílias homoafetivas e monoparentais masculinas.” (CANDEZ, 2013, p.4).

Sobre a adoção de crianças por pessoa homoafetiva, mesmo se tratando de solteiros, o informativo de jurisprudência do STJ, n. 0567, correspondente ao período de: 21 de agosto a 2 de setembro de 2015. De maneira clara informa que:

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ADOÇÃO DE CRIANÇA POR PESSOA HOMOAFETIVA. É possível a inscrição de pessoa homoafetiva no registro de pessoas interessadas na adoção (art. 50 do ECA), independentemente da idade da criança a ser adotada. A legislação não veda a adoção de crianças por solteiros ou casais homoafetivos, tampouco impõe, nessas hipóteses, qualquer restrição etária. Ademais, sendo a união entre pessoas do mesmo sexo reconhecida como uma unidade familiar, digna de proteção do Estado, não se vislumbra, no contexto do “pluralismo familiar” (REsp 1.183.378-RS, DJe 1º/2/2012), pautado nos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, a possibilidade de haver qualquer distinção de direitos ou exigências legais entre as parcelas homoafetiva (ou demais minorias) e heteroafetiva da população brasileira. Além disso, mesmo se se analisar sob o enfoque do menor, não há, em princípio, restrição de qualquer tipo à adoção de crianças por pessoas homoafetivas. Isso porque, segundo a legislação vigente, caberá ao prudente arbítrio do magistrado, sempre sob a ótica do melhor interesse do menor, observar todas as circunstâncias presentes no caso concreto e as perícias e laudos produzidos no decorrer do processo de adoção. Nesse contexto, o bom desempenho e bem-estar da criança estão ligados ao aspecto afetivo e ao vínculo existente na unidade familiar, e não à opção sexual do adotante. Há, inclusive, julgado da Terceira Turma do STJ no qual se acolheu entendimento doutrin|rio no sentido de que “Estudos feitos no }mbito da Psicologia afirmam que pesquisas ‘[…] têm demonstrado que os filhos de pais ou m~es homossexuais não apresentam comprometimento e problemas em seu desenvolvimento psicossocial quando comparados com filhos de pais e mães heterossexuais. O ambiente familiar sustentado pelas famílias homo e heterossexuais para o bom desenvolvimento psicossocial das crianças parece ser o mesmo'” (REsp 1.281.093-SP, DJe 4/2/2013). No mesmo sentido, em precedente da Quarta Turma do STJ (REsp 889.852, DJe 10/8/2010), afirmou-

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se que “os diversos e respeitados estudos especializados sobre o tema, fundados em fortes bases científicas (realizados na Universidade de Virgínia, na Universidade de Valência, na Academia Americana de Pediatria), ‘n~o indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que ser~o inseridas e que as liga a seus cuidadores'”.REsp 1.540.814-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 18/8/2015, DJe 25/8/2015.

Esse informativo de jurisprudência do STJ explica de maneira clara que a legislação não

faz vedação expressa da adoção por casais homoafetivos ou solteiros homoafetivos. Também faz referência ao chamado “pluralismo familiar”. Outro ponto importante é a referência de importantes pesquisas científicas que revelam não haver problema para a criação das crianças adotadas por casais homoafetivos, pesquisas essa realizadas na Universidade de Virgínia, na Universidade de Valência e na Academia Americana de Pediatria. 2 COMPARATIVO DO TEMPO DE DURAÇÃO DO BENEFÍCIO DA LICENÇA PATERNIDADE EM PAÍSES DIVERSOS

Fonte: OECD - Social Policy Division - Directorate of Employment, Labour and Social Affairs. OECD Family database. Disponível em: <www.oecd.org/els/social/family/database>.

Dentre os países citados a Irlanda é o país que apresenta a maior duração de licença-paternidade entre os países analisados, com 14 semanas sendo oferecidas, mas não é percebido nenhuma remuneração durante o gozo do benefício, o mesmo ocorre na Polônia (apresentando 4 semanas de duração do benefício), Áustria e Luxemburgo, sendo que esses últimos dois não apresentam sequer uma semana de duração da licença-paternidade. Embora o gráfico estar atualizado apenas até o ano de 2010, ainda é perceptível a diferença da duração do benefício desses países quando comparados ao Brasil. A maioria dos países selecionados contam no mínimo com duas semanas de licença-paternidade, o que mostra uma deficiência da duração do benefício do Brasil.

Países como Bolívia e China não apresentam o benefício da licença paternidade. Os Estados Unidos oferecem a mesma duração da licença maternidade para a licença paternidade, ou seja, 84 dias de licença, porém não garantem nenhum tipo de remuneração nesse período, o que gera prejuízos tremendos para família, forçando um dos membros a voltarem ao trabalho antes do fim da licença. Em relação a América Latina, o direito varia entre os países, a Colômbia conta com oito dias, por exemplo, e o restante dos países do continente oferece entre dois e oito

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dias. Países como a Argentina e Paraguai oferecem um benefício de dois dias e o Chile apenas um dia, o Brasil apresenta um tempo de duração do benefício da licença paternidade superior a maioria dos vizinhos latinos.

A licença paternidade vem sendo ampliada no ordenamento jurídico nacional, conforme será citado posteriormente, mas carece de melhorias e de que uma lei que estenda o benefício abranja todos os trabalhadores, não só uma parcela como será mostrado.

3 O ADVENTO DO DECRETO Nº 8.737, DE 3 DE MAIO DE 2016, E OUTRAS LEIS

Devido a importância do decreto n°8.737, de 3 de maio de 2016, para o presente trabalho e desse apresentar apenas seis artigos, o texto integral será citado a seguir:

DECRETO Nº 8.737, DE 3 DE MAIO DE 2016 Institui o Programa de Prorrogação da Licença-Paternidade para os servidores regidos pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008, DECRETA: Art. 1º Fica instituído o Programa de Prorrogação da Licença Paternidade para os servidores regidos pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Art. 2º A prorrogação da licença-paternidade será concedida ao servidor público que requeira o benefício no prazo de dois dias úteis após o nascimento ou a adoção e terá duração de quinze dias, além dos cinco dias concedidos pelo art. 208 da Lei nº 8.112, de 1990. § 1º A prorrogação se iniciará no dia subsequente ao término da licença de que trata o art. 208 da Lei nº 8.112, de 1990. § 2º O disposto neste Decreto é aplicável a quem adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança. § 3º Para os fins do disposto no § 2º, considera-se criança a pessoa de até doze anos de idade incompletos. Art. 3 O beneficiado pela prorrogação da licença-paternidade não poderá exercer qualquer atividade remunerada durante a prorrogação da licença-paternidade. Parágrafo único. O descumprimento do disposto neste artigo implicará o cancelamento da prorrogação da licença e o registro da ausência como falta ao serviço. Art. 4º O servidor em gozo de licença-paternidade na data de entrada em vigor deste Decreto poderá solicitar a prorrogação da licença, desde que requerida até o último dia da licença ordinária de cinco dias. Art. 5º O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão poderá expedir normas complementares para execução deste Decreto. Art. 6º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 3 de maio de 2016; 195º da Independência e 128º da República. DILMA ROUSSEFF Valdir Moysés Simão

O primeiro ponto importante a ser ressaltado desse novo decreto é a referência expressa

a licença-paternidade, já que sem o advento do decreto o próprio termo ainda seria suprimido da Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008. Isso demonstra uma evolução na legislação, uma vez que a lei agora passa a possibilidade reconhecer de prorrogação da licença-paternidade.

Como expresso no presente decreto o benefício da prorrogação da licença-paternidade só poderá ser pedido pelos funcionários públicos e os empregados das empresas participantes do Programa Empresa Cidadã. Podendo nesses casos específicos, prorrogar o benefício total para 20 dias, ao invés dos meros cinco dias reconhecidos na Constituição Federal, desde que a prorrogação seja requerida no prazo de dois dias úteis após o nascimento ou adoção, conforme

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dita o artigo 2°do decreto n°8.737. Nesse último artigo é feito restrição do benefício para adoção de crianças, sendo determinado expressamente para o decreto que crianças são pessoa de até doze anos de idade incompletos.

Já no artigo 3° do mesmo decreto, existe outra restrição importante, a de que não é possível o beneficiário da licença-paternidade exercer qualquer atividade remunerada durante o gozo do benefício que foi prorrogado, isso acontece devido a finalidade do benefício ser a proteção da criança adotada ou recém-nascido. Caso o pai que estive gozando do benefício também estivesse exercendo uma atividade remunerada, não auxiliaria de forma integral a criança, o que não corresponde a finalidade do presente decreto.

A principal deficiência do presente decreto é a de abrangência da prorrogação do benefício, ainda é uma parcela minoritária dos homens que se enquadram como possíveis beneficiários. Como já enumerado no presente trabalho, os benefícios para o vínculo entre a criança e o pai, bem como para a proteção da criança, não deveriam ser restritos a apenas uma parcela da população masculina. 3.1 Decreto nº 37.669, de 29 de setembro de 2016, do Distrito Federal

O texto integral do Decreto n nº 37.669, de 29 de setembro de 2016, do Distrito Federal também faz referência direta ao benefício da licença-paternidade, fazendo com que o beneficiário possa gozar de aumento no tempo da duração de tal licença, mediante um requerimento:

DECRETO Nº 37.669, DE 29 DE SETEMBRO DE 2016 Institui o Programa de Prorrogação da Licença-Paternidade para os servidores regidos pela Lei Complementar nº 840/2011. O GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL, no uso das atribuições que lhe confere o artigo 100, incisos VII e XXVI, da Lei Orgânica do Distrito Federal, DECRETA: Art. 1º Fica instituído o Programa de Prorrogação da Licença Paternidade para os servidores regidos pela Lei Complementar nº 840, de 23 de dezembro de 2011. § 1º O disposto no caput deste artigo é aplicável a quem adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança. § 2º Para os fins do disposto no § 1º, considera-se criança a pessoa de até 12 anos de idade incompletos. Art. 2º A prorrogação da licença-paternidade será concedida ao servidor público que requeira o benefício no prazo de 2 dias úteis após o nascimento ou a adoção e terá duração de 23 dias. Parágrafo único. A prorrogação se iniciará no dia subsequente ao término da licença de que trata o art. 150 da Lei Complementar nº 840/2011. Art. 3º O beneficiado pelo programa instituído por este Decreto não poderá exercer qualquer atividade remunerada durante o período de prorrogação da licença-paternidade. Parágrafo único. O descumprimento do disposto neste artigo implicará o cancelamento da prorrogação da licença e o registro da ausência como falta ao serviço. Art. 4º O servidor em gozo de licença-paternidade na data de entrada em vigor deste Decreto poderá solicitar a prorrogação da licença, desde que requerida até o último dia da licença ordinária de 7 dias. Art. 5º A Secretaria de Estado de Planejamento, Orçamento e Gestão do Distrito Federal poderá expedir normas complementares para execução deste Decreto. Art. 6º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Art. 7º Revogam-se as disposições em contrário. Brasília, 29 de setembro de 2015. 128° da República e 57° de Brasília RODRIGO ROLLEMBERG

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Esse decreto do Distrito Federal é muito recente. Nele o benefício da prorrogação da

licença-paternidade só poderá ser pedido pelos funcionários públicos. Podendo nesse caso específico o beneficiário prorrogar o benefício total para 30 dias, ao invés dos sete dias previsto para os funcionários públicos daquele estado, desde que a prorrogação seja requerida no prazo de dois dias úteis após o nascimento ou adoção, conforme dita o artigo 2°. Já no artigo 1° é feito restrição do benefício para adoção de crianças, sendo determinado expressamente para o decreto que crianças são pessoa de até doze anos de idade incompletos.

O artigo 3° do mesmo decreto restringi o beneficiário da licença-paternidade a exercer qualquer atividade remunerada durante o gozo do benefício que foi prorrogado, o descumprimento do presente artigo tem como consequência o cancelamento da prorrogação da licença bem como registro da ausência como falta ao serviço. Caso o pai que estive gozando do benefício também estivesse exercendo uma atividade remunerada, não auxiliaria de forma integral a criança, o que não corresponde a finalidade do presente decreto. 3.2 Projeto de Lei do Senado n°652/2015

O PLS 652/2015 concede aos homens o direito a uma licença de mesma duração da licença maternidade atual, ou seja, 120 dias. A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), autora do projeto, justifica a mudança na duração como forma de garantir a igualdade entre homens e mulheres no trabalho, igualando direitos. Com o aumento da duração da licença-paternidade, segundo a autora, os pais poderão participar ativamente do cuidado e proteção dos filhos, dividindo assim responsabilidades com as mães.

A autora salienta ter ocorrido profundas mudanças nos conceitos de família e nas funções dos pais, recentemente. Os fatores apontados para tais mudanças, são a emancipação econômica feminina, o interesse masculino na educação e cuidado dos filhos, a aprovação da nova lei que permite casamentos entre casais homoafetivos e o aumento nos casos de uso da guarda compartilhada posteriores aos divórcios. Cabe a legislação ser modificada para acompanhar tais mudanças em relação a concepção social de família e o espaço que ela está inserida socialmente.

Segundo a autora, algumas leis provam os reflexos dessas transformações sociais, como por exemplo: a Lei nº 10.421, de 15 de abril de 2002, garantindo direitos equitativos para a mãe adotiva referente aos benefícios da licença-maternidade e ao salário-maternidade; a Lei n° 12.873, de 24 de outubro de 2013, garantindo o direito do cônjuge ou ainda o companheiro empregado, no caso de morte da genitora da criança, o cônjuge ou companheiro citados poderão gozar do tempo restante da licença que a genitora usufruía, mesmo nos casos de morte pós-parto da genitora, fazendo com que tenha direito a 100% do tempo da licença-maternidade, porém é necessário para tal direito que não ocorra o falecimento do filho ou seu abandono.

O projeto defendido pela senadora defende uma igualdade de direitos real entre os trabalhadores de ambos os sexos no Brasil. Gerando benefícios tais como igualdade salarial, sendo a discriminação de gênero amenizada no mercado de trabalho. Com essa legislação a responsabilidade pelos filhos seria dividida pelo casal. Levando a um grande benefício para a proteção da família como um todo e não apenas restrito às mulheres. 3.3 Proposta de Emenda à Constituição n°41/2015

A PEC 41/2015 de a autoria do senador Alvaro Dias (PSDB-PR), propõe uma duração da licença-paternidade de 30 dias e o aumento da licença-maternidade para 180 dias a todas as mulheres. Em seu artigo 1º a PEC 41/2015 faz referência direta a mudança legal:

Artigo 1º da PEC 41/2015: Os incisos XVIII e XIX do art. 7º da Constituição Federal passam a vigorar com as seguintes redações: Art. 7º [...] XVIII – licença-maternidade, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 180

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(cento e oitenta) dias; XIX – licença-paternidade, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 30 (trinta) dias; [...].

A maioria das mulheres conta um tempo de duração da licença de 120 dias. Já as

servidoras públicas e as trabalhadoras das empresas parte do programa Empresa Cidadã têm o direito de 180 dias. O objetivo desse programa é estimular empresas a proporcionarem licenças maiores recebendo em troca benefícios tributários e bem-estar das funcionárias. Através dessa PEC não haveria mais distinção em relação a esse direito para as mulheres, todas poderiam gozar do benefício por 180 dias.

O autor salienta no texto original da PEC41/2015 insuficiência do tempo atual da licença-maternidade e licença-paternidade. A recomendação do período de amamentação por parte da OMS é no mínimo nos seis primeiros meses após o nascimento. Essa é a principal razão para tal mudança no tempo de duração do benefício às mulheres.

A justificativa para o aumento no tempo de duração da licença paternidade de cinco dias para trinta dias é a necessidade de o pai auxiliar sua companheira de forma integral, com o cuidado da criança em seu primeiro mês de vida. Sendo esse o mês mais importante exigindo um cuidado elevado dos pais, pois o recém-nascido necessita de cuidados constantes. Tais medidas, segundo o autor, garantem que os princípios da proteção à maternidade e da gestante, além da proteção infância e da própria família, sejam respeitados. Conforme descrito no artigo 6° da Constituiç~o Federal: “Art. 6º S~o direitos sociais a educaç~o, a saúde, a alimentaç~o, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. CONCLUSÃO

A base das famílias tem se apresentado de uma forma mais plural e diferente nos anos mais recentes, sendo isso extremamente positivo. Uma espécie de família composta por homem, mulher e filhos será apenas mais um dos exemplos. O mosaico familiar é uma realidade social. O Estado deve proteger todos os tipos de famílias.

A cultura brasileira ainda é marcada pelo patriarcado, ainda há a ideia do dever único para a mãe na criação os filhos, sendo do pai a função de mantenedor da família. Porém, uma sociedade mais justa e equitativa, por isso, não devemos apenas garantir a proteção da mulher com direitos trabalhistas, como também é importante garantir os direitos sociais no ambiente do próprio lar para os homens.

Os homens não devem ser coadjuvantes na criação do filho, a participação ativa deles é uma obrigação. O pai que divide os afazeres da casa e da criação dos filhos, ainda pode ser vítima de preconceito. A duração do tempo da licença paternidade para a maior parte dos trabalhadores ainda é deficitária. Cinco dias de duração não são suficientes. Os projetos e decretos foram criados devido a uma necessidade de melhoria. As vantagens são grandiosas, um trabalhador mais feliz e que tenha mais contato com seus filhos trabalha melhor.

O aumento da duração da licença paternidade, para todos os homens, é um investimento social. Garantido a possibilidade para os pais de educar seus filhos e dividir as tarefas do lar. O Brasil felizmente não apresenta as menores durações de licença paternidade ou da licença maternidade, se comparado aos países da América Latina. Mas, ainda necessita de mudanças se comparado ao tempo oferecido por países europeus.

O Brasil deve garantir os direitos trabalhistas para o gênero feminino, conjuntamente afirmar direitos sociais igualitários no ambiente do lar para homens, na criação de seus filhos. Assim, o papel do homem como pai deve ser assegurado, como um dos pilares para o desenvolvimento de seus filhos. Mesmo com toda a evolução legal mostrada no presente trabalho, ainda é preciso defender o aumento do tempo da licença paternidade, para que a maior parte dos pais possam integrar avida de seus filhos.

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REFERÊNCIAS

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A ARBITRAGEM NOS CONFLITOS INDIVIDUAIS DO TRABALHO E A GARANTIA FUNDAMENTAL DA EFETIVA TUTELA JURISDICIONAL

ARBITRATION IN INDIVIDUAL CONFLICTS OF LABOR AND FUNDAMENTAL GUARANTEE

OF EFFECTIVE JUDICIAL PROTECTION

Sandra Helena Favaretto* RESUMO: Próxima de completar 20 anos de edição da lei que a instituiu, a arbitragem é ainda tema polêmico, dividindo defensores e críticos da sua utilização nas demandas trabalhistas individuais, embora já tenha demonstrado resultados expressivos e satisfatórios na resolução dessas celeumas. O presente artigo realizou um estudo crítico e atualizado, através da pesquisa de monografias especializadas e jurisprudência dos Tribunais Brasileiros, do instituto da arbitragem como método alternativo de solução de conflitos, com destaque para sua previsão expressa, no novo Código de Processo Civil, como norma fundamental deste. Após considerações gerais sobre a matéria, analisou-se, especialmente, a pertinência de sua aplicação nas demandas individuais surgidas das relações jurídicas trabalhistas, sob o prisma do princípio da indisponibilidade dos direitos laborais, cuja incidência vem sendo relativizada pela doutrina e jurisprudência pátrias e, inclusive, pelo próprio legislador em normas específicas. Em razão das especificidades na relação jurídica objeto de estudo, em especial pela vulnerabilidade característica do obreiro, observou-se a necessidade de imposição de algumas restrições, mormente quanto ao modo e momento de formação do juízo arbitral. Tendo em vista a morosidade e, por vezes, a ineficiência da jurisdição estatal em pacificar tais conflitos, houve abordagem do referido instituto como meio de efetivação da garantia fundamental do acesso à jurisdição, no tocante à entrega de uma prestação jurisdicional célere e, por isso, justa, o que justificaria a opção por uma jurisdição não estatal. Concluiu-se, por fim, pela possibilidade de submissão dos litígios laborais individuais à arbitragem, demonstrando-se as vantagens do seu procedimento, como a simplicidade, celeridade e sigilo, além da evidente colaboração do instituto com o desafogamento do Poder Judiciário. Palavras-chave: arbitragem. acesso à jurisdição. conflitos individuais trabalhistas. prestação jurisdicional. ABSTRACT: Close to turn 20 years since issue of law that instituted the arbitration is still a contentious issue, dividing supporters and critics of its use in individual labor claims, although it has showed significant and satisfactory results in resolving these uproars. This article made a critical and updated study by research specialist publications and case law of the Brazilian Courts, the arbitration institute as an alternative method of conflict resolution, particularly its express provision in the new Civil Procedure Code, as standard rule fundamental. After general considerations on the subject, analyzed, especially the relevance of their application in individual claims arising from labor legal relations, in the light of the principle of no availability of labor rights, the incidence of which has been relativized by the doctrine and homelands jurisprudence and, including the legislature itself in specific standards. Due to the specific legal relationship in the object of study, especially the feature of worker vulnerability, there was the need to impose some restrictions, especially regarding the manner and time of formation of the arbitration. Given the slow and sometimes inefficiency of state jurisdiction in pacifying such conflicts, there was the said institute approach as a means of realization of the fundamental guarantee of access to jurisdiction in relation to the jurisdictional rendering and therefore, fair,

* Advogada. Bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP. MBA em

Direito Empresarial pela Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia – FUNDACE. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade de Ribeirão Preto. E-mail: [email protected].

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justifying the choice of a non-state jurisdiction. It has been concluded, finally, the possibility of submission of individual labor disputes to arbitration, demonstrating the advantages of your procedure, such as simplicity, speed and secrecy, beyond the evident collaboration of the Institute with the Judiciary debottlenecking. Keywords: arbitration. access to jurisdiction. jurisdictional rendering. individual conflicts of labor. SUMÁRIO: Introdução. 1 Considerações gerais sobre a arbitragem. 2 A indisponibilidade dos

direitos trabalhistas e a arbitragem nos dissídios individuais. 3 Garantia fundamental da efetiva

tutela jurisdicional. 4 Inovações legislativas. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

A morosidade e, por vezes, a ineficiência do Poder Judiciário em pacificar os conflitos surgidos na sociedade têm levado o legislador a buscar e incentivar o uso de métodos alternativos de solução das lides. Para tanto, o legislador infraconstitucional editou a lei 9.307/96, que regulamentou o instituto da arbitragem no ordenamento jurídico brasileiro, o qual dispôs sobre a possibilidade de submissão ao julgamento por árbitro de litígios que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis, com o intuito de atender à garantia constitucional da duração razoável do processo.

Ainda como o objetivo de valorização da arbitragem, recentemente houve a alteração da norma original pela lei 13.129/15, a qual, entre outros, reduziu as hipóteses de nulidade da sentença arbitral e possibilitou a concessão de medidas cautelares de urgência. Compartilhando desse sentimento, o novo Código de Processo Civil trouxe previsão expressa de estímulo às soluções alternativas de conflito, em especial quanto à arbitragem que foi erigida ao status de norma fundamental de processo civil.

Porém, não houve avanço quanto à submissão dos conflitos individuais do trabalho à arbitragem, em razão do veto presidencial a artigo que dispunha especificamente sobre o tema, mantendo-se a divergência doutrinária e jurisprudencial sobre a possibilidade de solução por vias não judiciais dos litígios individuais entre empregado e empregador.

No sentido de buscar uma resposta para a referida celeuma, ainda que não se pretenda encerrar o debate, o presente artigo realizou um estudo crítico e atualizado do tema, através da pesquisa de monografias especializadas e jurisprudência dos Tribunais Brasileiros. Inicialmente, tecemos algumas considerações gerais sobre o instituto da arbitragem, em especial quanto à sua natureza jurídica, e analisamos a disponibilidade, ou não, dos direitos trabalhistas.

Em prosseguimento, averiguamos as inovações legislativas trazidas pela lei 13.129/15 e o novo CPC e o impacto que tais mudanças trouxeram ao problema. Ainda, considerando a ausência de previsão legal que pacifique a questão, exploramos a garantia constitucional da tutela jurisdicional, mormente quanto à sua prestação efetiva e célere, o que justificaria a permissão de solução dos conflitos individuais laborais pela jurisdição arbitral.

Por fim, concluímos pela possibilidade de submissão dos citados litígios ao juízo arbitral, tendo em vista que a indisponibilidade relativa dos direitos trabalhistas após a extinção da relação empregatícia e porque tal método alternativo, observadas disposições específicas quanto aos trabalhadores, atende aos direitos fundamentais do acesso ao judiciário e da celeridade, além de contribuir com o desafogamento do Poder Judiciário.

1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A ARBITRAGEM

A evolução da sociedade veio acompanhada do fortalecimento do Estado, tendo este

tomado para si a responsabilidade de editar e executar regras que harmonizassem as relações sociais interpessoais, de modo a caber-lhe a função de dizer o direito (jurisdictio). Desse modo, a solução dos conflitos intersubjetivos deve ser apontada pelo representante estatal incumbido

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dessa tarefa (heterocomposição), havendo, em regra, proibição do exercício da autotutela (sacrifício do interesse alheio pelo uso da força).

A composição dos litígios pode se dar, portanto, através da autocomposição (consenso entre as partes, sem interferência de terceiros) ou por meio da heterocomposição (a decisão é imposta por terceira pessoa). Nesta hipótese, sendo o terceiro interventor o Estado, tratar-se-á de jurisdição estatal; no caso do julgador ser alguém escolhido pelas partes, haverá o exercício de arbitragem.

Pode-se conceituar a arbitragem como o método de solução de litígios em que as partes, de comum acordo, elegem uma pessoa alheia ao conflito para que esta resolva as questões controvertidas, de forma imparcial, obrigando-se a cumprir aquilo que ficar decidido.

Não obstante a aceitação quase irrestrita da arbitragem como meio alternativo de pacificação da lide, há cizânia doutrinária e jurisprudencial quanto à caracterização da natureza jurisdicional da arbitragem. Embora exista respeitável corrente que entende não haver tal natureza, tendo em vista, dentre outros, a jurisdição configurar monopólio estatal e dever ser exercida por pessoa investida na autoridade de juiz, nos termos do art. 93, CF/88, não compartilhamos do referido entendimento.

Ocorre que a arbitragem reúne as características nucleares da jurisdição, em especial, a pacificação dos conflitos e a imutabilidade da decisão pela coisa julgada. Dispõem Cintra, Grinover e Dinamarco (2014)

(jurisdição estatal e jurisdição arbitral) Têm em comum, todavia, o escopo social magno de ambas, que é a pacificação de pessoas mediante a eliminação de seus conflitos com justiça donde advém a qualificação da arbitragem como atividade jurisdicional. São do passado as concepções que lhe negavam natureza jurisdicional. Essas duas jurisdições de excluem reciprocamente, na medida em que da existência de uma convenção de arbitragem decorre a inadmissibilidade do exercício da jurisdição pelo juiz togado, e sem que haja um ajuste dessa ordem a jurisdição arbitral não pode ser imposta por um litigante ao outro. A jurisdição arbitral é dotada de grande dose de autonomia perante a estatal, sabido que a sentença proferida por árbitros é apta a produzir os mesmos efeitos que a dos juízes togados e não está sujeita a homologação por estes (LA, arts. 18 e 31).

Desse modo, a única diferença entre jurisdição estatal e arbitral é a fonte de poder da

qual emanam: a primeira, do próprio Estado, enquanto a segunda, da vontade das partes. Segundo Didier (2016, p. 173) “(...) a arbitragem no Brasil, n~o é equivalente jurisdicional: é propriamente jurisdição, exercida por particulares com autorização do Estado e como consequência do exercício do direito fundamental de autorregramento (autonomia privada).”

Ainda, tendo em vista, ainda, a voluntariedade na submissão à arbitragem, não há falar em inconstitucionalidade do método por afronta ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF/88), conforme já decidiu o C. STF, pois não há imposição legal em atribuir o julgamento ao árbitro, mas simples facultatividade (art. 1º, Lei 9.307/96).

(...) 3. Lei de Arbitragem (L. 9.307/96): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o artigo 5º, XXXV, da CF. Votos vencidos, em parte - incluído o do relator - que entendiam inconstitucionais a cláusula compromissória - dada a indeterminação de seu

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objeto - e a possibilidade de a outra parte, havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, recorrer ao Poder Judiciário para compelir a parte recalcitrante a firmar o compromisso, e, conseqüentemente, declaravam a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 9.307/96 (art. 6º, parág. único; 7º e seus parágrafos e, no art. 41, das novas redações atribuídas ao art. 267, VII e art. 301, inciso IX do C. Pr. Civil; e art. 42), por violação da garantia da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário. Constitucionalidade - aí por decisão unânime, dos dispositivos da Lei de Arbitragem que prescrevem a irrecorribilidade (art. 18) e os efeitos de decisão judiciária da sentença arbitral (art. 31).

Em seu art. 1º, a lei de arbitragem define que poderão submeter-se à arbitragem os

dissídios que tenham por objeto direitos patrimoniais disponíveis e cujas partes sejam capazes. Assim, ficam excluídas do seu procedimento as questões de estado de pessoas, família, casamento e poder familiar, bem como todas aquelas sobre as quais não caiba disposição de direitos. Como veremos adiante, essa disposição é o ponto central da controvérsia sobre o cabimento da arbitragem nos dissídios individuais trabalhistas.

No tocante à forma de instituição da arbitragem, cabe diferenciar a cláusula compromissória do compromisso arbitral. Assim, prevê o art. 3º, lei 9.307/96, que o litígio será submetido ao juízo arbitral por meio de um negócio jurídico denominado convenção de arbitragem, que compreende as duas modalidades antes referidas. Tal ajuste poderá ser estipulado previamente ao surgimento da controvérsia, obrigando-se as partes a, no caso de conflito, levar o caso à apreciação do árbitro, renunciando à via jurisdicional desde logo, configurando cláusula compromissória. Pode ser estabelecida na confecção do contrato ou durante sua execução.

Por seu turno, o compromisso arbitral é o ajuste firmado pelas partes, já litigantes e deflagrada a contenda, de submissão da solução ao árbitro. Nele serão estabelecidos o objeto específico da arbitragem, o árbitro e todas as regras de procedimento, em especial se a arbitragem será de direito ou de equidade.

Conquanto a classificação acima possa parecer mera discussão acadêmica, é de suma importância para o estudo proposto neste artigo, pois o momento de instituição da arbitragem nas lides trabalhistas poderá representar, ou não, a renúncia de direitos, conforme explanaremos a seguir. 2 A INDISPONIBILIDADE DOS DIREITOS TRABALHISTAS E A ARBITRAGEM NOS DISSÍDIOS INDIVIDUAIS

O Direito do Trabalho está fundado em princípios nucleares específicos ao ramo, em

razão da vulnerabilidade inerente ao trabalhador e do caráter alimentar de que se revestem as verbas laborais, dentre eles o princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas. Para Américo Pl| Rodriguez (2000, p. 142), a irrenunciabilidade é “a impossibilidade de privar-se voluntariamente de uma ou mais vantagens concedidas pelo direito trabalhista em benefício próprio”. Dessa forma, limita-se a autonomia de vontade do próprio empregado em despojar-se de das benesses e proteções atribuídas por lei ou pelo contrato.

A irrenunciabilidade dos direitos pode se afirmar em 4 bases: há quem a fundamente na imperatividade: as normas trabalhistas são, em sua maioria, imperativas (jus cogens), devendo ser observadas independentemente da vontade ou ajuste das partes; há, ainda, quem diga que as regras laborais são de ordem pública, estabelecidas como indispensáveis para a organização social, de modo que sua manutenção deve ser defendida por todos os atores sociais; poderia, também, se fundamentar na presunção (relativa) de vício de consentimento quando da sua renúncia; ou, de forma mais ampla, apoia-se no princípio da indisponibilidade dos direitos sociolaborais.

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No tocante à ideia de disposição, a limitação da autonomia de vontade individual do trabalhador é uma consequência da própria imperatividade das normas, pois seria contraditório que o ordenamento impusesse seu respeito, mas permitisse que o trabalhador abdicasse deles ou que seus credores o acessassem. Todavia, há forte divergência doutrinária e jurisprudencial sobre a amplitude da indisponibilidade dos direitos por parte do empregado, se absoluta, proibida qualquer disposição individual a qualquer momento, ou se relativa.

Para o já referido autor uruguaio, as vantagens deferidas por lei ao trabalhador são sempre indisponíveis, ainda que finda a relação contratual

A lei estabelece a invalidade das renúncias e transações que têm por objeto os direitos indicados, tanto nos casos em que tais negócios são concluídos no ato de constituição da relação de trabalho ou durante a mesma, como nos casos em que eles são celebrados depois de seu término. Esta última hipótese se justifica pela necessidade de reforçar a posição do trabalhador frente ao empresário, assegurando a igualdade das duas partes. (RODRIGUEZ, 2000).

Embora haja disposição legal expressa (art. 764 e 625-A e ss, CLT) determinando a

solução conciliatória dos conflitos individuais, judicial (durante o trâmite dos processos trabalhistas, pelo juiz) e extrajudicialmente (através das comissões de conciliação prévia), a posição majoritária nos tribunais trabalhistas brasileiros, em especial no TST, é de que não se permite a submissão das demandas individuais laborais ao juízo arbitral, em razão da indisponibilidade inerente ao direito discutido

(...) Recurso de revista- Arbitragem - Relações individuais de trabalho- Inaplicabilidade. As fórmulas de solução de conflitos, no âmbito do Direito Individual do Trabalho, submetem-se, é claro, aos princípios nucleares desse segmento especial do Direito, sob pena de a mesma ordem jurídica ter criado mecanismo de invalidação de todo um estuário jurídico-cultural tido como fundamental por ela mesma. Nessa linha, é desnecessário relembrar a absoluta prevalência que a Carta Magna confere à pessoa humana, à sua dignidade no plano social, em que se insere o trabalho, e a absoluta preponderância deste no quadro de valores, princípios e regras imantados pela mesma Constituição. Assim, a arbitragem é instituto pertinente e recomendável para outros campos normativos (Direito Empresarial, Civil, Internacional, etc.), em que há razoável equivalência de poder entre as partes envolvidas, mostrando-se, contudo, sem adequação, segurança, proporcionalidade e razoabilidade, além de conveniência, no que diz respeito ao âmbito das relações individuais laborativas. Recurso de revista provido, no aspecto. (Processo: RR-8952000-45.2003.5.02.0900. Data de Julgamento: 10.2.2010, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 6- Turma, Data de Divulgação: DEJT 19.2.2010).

É certo que a solução dos conflitos singulares trabalhistas deve respeitar os princípios

nucleares do direito em questão, pois cuidam da dignidade da pessoa humana do empregado. Todavia, os princípios jurídicos têm por característica um acentuado grau de abstração, podendo, por vezes, ser excepcionado, no caso concreto, permitindo a supressão eventual do direito.

Nesse sentido, doutrina e jurisprudência são pacíficas em autorizar algumas formas de disponibilidade, como a decadência, a prescrição, a negociação coletiva e até mesmo a conciliação, sem que se configure afronta ao Direito do Trabalho. Ao tratar do tema, Maurício Godinho Delgado faz relevante distinção entre direitos trabalhistas de indisponibilidade absoluta e relativa

Absoluta será a indisponibilidade quando o direito enfocado merecer uma tutela de nível de interesse público, por traduzir um patamar civilizatório mínimo firmado pela sociedade política em um dado momento histórico. (...)

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Também será absoluta a indisponibilidade, sob a ótica do Direito Individual do Trabalho, quando o direito enfocado estiver protegido por norma de interesse abstrato da respectiva categoria. (...) Relativa será a indisponibilidade, do ponto de vista do Direito Individual do Trabalho, quando o direito enfocado traduzir interesse individual ou bilateral simples, que não caracterize um padrão civilizatório geral mínimo firmado pela sociedade política em um momento histórico.” (DELGADO, 2006).

Dessa forma, entendemos que a plena indisponibilidade dos direitos trabalhistas

restringe-se às hipóteses em que se cuida de normas de ordem pública, de observância obrigatória, as quais não comportam manifestação de vontade do titular, como, por exemplo, os direitos da personalidade e as normas de proteção do trabalho. Por outro lado, é válida a derrogabilidade de vantagens legais, desde que não versem sobre matéria de ordem pública e não configurem prejuízo direto ao trabalhador (art. 468, CLT), de modo que cabe a transação, mas nunca a renúncia. Exemplo destes seria a alteração na modalidade de pagamento do salário.

No tocante à indisponibilidade, cabe ainda a análise do momento de instituição da arbitragem, ou seja, na admissão e durante a execução e fim da relação empregatícia.

Diante da notória hipossuficiência e vulnerabilidade do empregado, as quais são intensificadas no momento de uma possível admissão, tendo em vista o caráter alimentar do salário para a quase totalidade dos trabalhadores, não há admitir, nesse instante, a opção pela via arbitral. Assim, não é possível a imposição de cláusula compromissória, pois, não havendo livre manifestação de vontade do empregado, presume-se vício de consentimento.

Por essas mesmas razões, que permanecem inalteradas durante a execução do contrato de trabalho, é impossível emprestar validade à cláusula compromissória. É que nesse momento, ainda estão presentes a subordinação jurídica e econômica, não se vislumbrando livre disposição de vontade do trabalhador enquanto permanecer sob o poder diretivo do empregador.

Há, contudo, quem divirja dessa posição (Carlos Alberto Carmona, por exemplo) por entender que tal presunção é equivocada e que haveria campo, mesmo durante a relação contratual, para a atuação de vontade dos contratantes, havendo campo para a cláusula compromissória.

A controvérsia permanece quando se analisa a possibilidade de instituição da arbitragem após a extinção contratual e, portanto, com o litígio já instaurado, através de compromisso arbitral.

Parte da doutrina entende que os direitos trabalhistas são indisponíveis durante a relação, configurando obrigações de fazer ou não fazer que devem ser cumpridas. Todavia, após a extinção, ocorre a patrimonialização dos direitos descumpridos, transmudando-se em mera indenização, marcada pela livre disposição. Nesse caso, seria possível a solução da contenda pela arbitragem. Assim, preleciona Iara Alves Cordeiro Pacheco

Tais direitos, que são indisponíveis, enquanto constituem obrigações de fazer ou não fazer, devem ser cumpridos, situação que ocorre durante a execução do contrato de trabalho. Quando são violados e sucede a extinção do pacto laboral, transformam-se tais direitos em meras indenizações, cuja expressão econômica integra o patrimônio do empregado. (PACHECO, 2003).

A nosso ver, cabe entendimento intermediário entre os defensores da indisponibilidade

absoluta dos direitos trabalhistas e aqueles que entendem pela sua natureza patrimonial quando extinto o contrato. Entendemos que é viável fazer uma distinção entre crédito trabalhista salarial e não salarial (natureza indenizatória).

Dessa maneira, considerando o caráter alimentar do salário e sua função dignificante, tais verbas, ainda que patrimoniais, seriam personalíssimas e, portanto, indisponíveis. Assim, conquanto findo o contrato de trabalho, não seria possível a instituição de juízo arbitral. Ao

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revés, em razão da natureza patrimonial e não salarial do crédito indenizatório, caracterizada a disponibilidade do direito, poderia o litígio ser submetido ao árbitro.

Na direção da admissão da arbitragem nos dissídios individuais vem se inclinando parte da jurisprudência dos Tribunais, mormente os regionais, quebrando a, até então, pacífica jurisprudência trabalhista em sentido contrário

Agravo de instrumento em recurso de revista. Juízo arbitral. Coisa julgada. Lei 9.307/1996. Constitucionalidade. O art. 5º, XXXV, da Constituição Federal dispõe sobre a garantia constitucional da universalidade da jurisdição, a qual, por definir que nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário, não se incompatibiliza com o compromisso arbitral e os efeitos de coisa julgada de que trata a Lei 9.307/1996. É que a arbitragem se caracteriza como forma alternativa de prevenção ou solução de conflitos à qual as partes aderem, por força de suas próprias vontades, e o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal não impõe o direito à ação como um dever, no sentido de que todo e qualquer litígio deve ser submetido ao Poder Judiciário. Dessa forma, as partes, ao adotarem a arbitragem, tão só por isso, não praticam ato de lesão ou ameaça à direito. Assim, reconhecido pela Corte Regional que a sentença arbitral foi proferida nos termos da lei e que não há vício na decisão proferida pelo juízo arbitral, não se há de falar em afronta ao mencionado dispositivo constitucional ou em inconstitucionalidade da Lei 9.307/1996. Despicienda a discussão em torno dos arts. 940 do Código Civil e 477 da CLT ou de que o termo de arbitragem não é válido por falta de juntada de documentos, haja vista que reconhecido pelo Tribunal Regional que a sentença arbitral observou os termos da Lei 9.307/1996 – a qual não exige a observação daqueles dispositivos legais e não tratou da necessidade de apresentação de documentos (aplicação das Súmulas 126 e 422 do TST). Os arestos apresentados para confronto de teses são inservíveis, a teor da alínea a do artigo 896 da CLT e da Súmula 296 desta Corte. Agravo de instrumento a que se nega provimento” (TST, 7ª Turma, AIRR - 147500-16.2000.5.05.0193, Rel. Min. Pedro Paulo Manus, DJ 15.10.2008) Arbitragem - Transação envolvendo direitos individuais trabalhistas – Possibilidade - A indisponibilidade dos direitos do empregado existe somente durante a vigência do contrato de trabalho, quando se presume encontrar-se o obreiro em uma situação de subordinação e dependência econômica que o impede de manifestar a sua vontade sem vícios. Findo o contrato de trabalho, esta indisponibilidade não mais existe, uma vez que o empregado já não se encontra subordinado ao empregador, nem também depende deste para a sua sobrevivência, estando, deste modo, em condições de livremente manifestar a sua vontade, o que inclusive possibilita a celebração de conciliação na Justiça do Trabalho, conforme dispõe o parágrafo único do art. 831 da CLT." (TRT 05º R.- RO 0001482-62.2013.5.05.0551 - 5- T. - Rei. Des. Paulino Couto - DJe 15.9.2014).

Em suma, posicionamo-nos no sentido de que, configurado o descumprimento de verbas

trabalhistas de natureza indenizatória, logo, disponíveis, será cabível a submissão ao juízo arbitral, firmada a opção através de compromisso arbitral, após a extinção da relação empregatícia. Tal entendimento, a nosso ver, deve ser prestigiado em razão da garantia constitucional de uma prestação jurisdicional efetiva, célere e justa, como explanaremos a seguir. 3 GARANTIA FUNDAMENTAL DA EFETIVA TUTELA JURISDICIONAL

Ao dispor em seu 5º, XXXV, que não se excluirá da análise do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direitos, a Carta Magna de 1988 inequivocamente consagrou a tutela judicial

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efetiva, a qual garante proteção judicial contra afrontas às disposições legislativas de vantagem. Como expressão dessa tutela, positivou-se no ordenamento jurídico brasileiro, através da EC 45/04, a garantia de duração razoável do processo, já que a duração indefinida de uma ação ofende a garantia da proteção judicial efetiva como também a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88).

Assim, ao reconhecer o direito a um processo célere (art. 5º, LXXVIII), o diploma constitucional impõe ao Poder Público a obrigação de adotar medidas tendentes a realizar esse objetivo. Nesse sentido, cabe ao Estado implementar políticas públicas de prestação jurisdicional que garantam ao jurisdicionado muito mais do que o simples acesso à justiça, no seu conceito tradicional. É necessário que o procedimento estabelecido seja capaz de atender ao direito material vindicado, com tratamento isonômico entre as partes e verdadeira oportunidade de manifestação e produção probatória, dentre de um prazo coerente.

Com o advento da lei 9.307/96 e o reconhecimento pelo STF da compatibilidade da arbitragem com o art. 5º, XXXV, CF/88 como uma forma de concretizar o direito fundamental à proteção efetiva do Poder Judiciário, permitiu-se uma nova via de resolução alternativa de conflitos. Em especial porque a realidade pública e notória vivenciada pelos Tribunais brasileiros, marcada pelo excessivo número de processos, frustra a plena realização da garantia constitucional à efetiva tutela jurisdicional, célere e justa.

De acordo com o último relatório apresentado pelo CNJ (Justiça em números, 2016) em que, pela primeira vez, coletou-se dados sobre o tempo de tramitação de um processo, a duração média de uma ação trabalhista, no decorrer do ano de 2015, na fase de conhecimento (da sentença até sua baixa) era de 11 meses; no TRT, 8 meses; no TST, 1 ano e 3 meses. Percebe-se que há uma demora desarrazoada para que um processo chegue até a fase de execução, enquanto que nos Tribunais Arbitrais esse prazo não supera 6 meses, salvo disposição em contrário das partes (art. 23, LA).

Observa-se, desse modo, que a o juízo arbitral cumpre a importante tarefa de prestar efetivamente a tutela jurisdicional, de modo célere e, por isso, justa e útil ao jurisdicionado. Tal papel é de extrema relevância na realização dos direitos, especialmente na seara trabalhista, em que as verbas são, inerentemente, de caráter alimentar.

Embora a arbitragem não resolva totalmente o problema da sobrecarga do Judiciário, em razão do número, ainda, incipiente de causas que lhe são destinadas, não há como deixar de reconhecer o benefício advindo para cada trabalhador que, submetendo sua demanda ao juízo arbitral, alcança, em tempo razoável, a solução da mesma.

Compartilhando desse entendimento e visando uma prestação jurisdicional célere e adequada, o legislador infraconstitucional procedeu às inovações no sentido de privilegiar a arbitragem, como veremos a seguir. 4 INOVAÇÕES LEGISLATIVAS

Como forma de privilegiar a autonomia da vontade, o princípio da adequação processual e buscar implementar políticas públicas tendentes a desafogar o Poder Judiciário, o legislador tem reiteradamente incentivado os meios alternativos de solução de conflitos, com a edição de diversas leis neste sentido, inclusive através de disposições expressas contidas no Novo Código de Processo Civil.

A exemplo disso, o CPC de 2015 alçou a arbitragem ao nível de norma fundamental do processo civil, prevendo-a e permitindo-a já nos primeiros artigos do novel diploma (art. 3º, §1º) e determinando que o Estado deve promover a solução consensual dos conflitos, quando possível.

Intentando esse mesmo objetivo, o Conselho Nacional de Justiça já havia editado em 2010 uma resolução direcionada a dar tratamento adequado aos conflitos de interesse no âmbito do Poder Judiciário. Desse modo, explicitou, nos considerandos, os motivos que deram ensejo à edição da norma, destacando-se, em especial:

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CONSIDERANDO que o direito de acesso à Justiça, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal além da vertente formal perante os órgãos judiciários, implica acesso à ordem jurídica justa e a soluções efetivas; CONSIDERANDO que, por isso, cabe ao Judiciário estabelecer política pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, que ocorrem em larga e crescente escala na sociedade, de forma a organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, como também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação; CONSIDERANDO a necessidade de se consolidar uma política pública permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígios;

Nota-se que, embora não haja menção específica à via arbitral, fica evidente que devem

ser estimuladas todas as formas não judiciais de solução de conflito que privilegiem e concretizem o direito à tutela jurisdicional efetiva.

Ainda nesse propósito de estimular a utilização do juízo arbitral, e, por consequência, evitar a via judicial, foi editada a lei alteradora 13.129/15 que modificou a lei de arbitragem, ampliando seu campo de atuação para possibilitar a arbitragem de dissídios envolvendo a administração pública direta e indireta nos casos de direito patrimonial disponível.

Ademais, como meio de resguardar os interesses das partes antes de iniciado o procedimento arbitral, passou-se a prever a possibilidade de concessão de tutelas cautelares e de urgência, antes e durante o procedimento arbitral (arts. 22-A e 22-B). Ainda, para viabilizar a execução dos atos processuais, criou-se o expediente da carta arbitral, por meio da qual o árbitro solicita que um órgão jurisdicional nacional (juiz de direito ou juiz federal) pratique ou determine o cumprimento de algum ato que seja necessário para o procedimento arbitral (art. 22-C). Cabe lembrar que o NCPC também prevê a existência de carta arbitral (art. 260, §3º).

No entanto, em sentido contrário à evolução da arbitragem, foi vetada a disposição que acrescentava o §4º ao art. 4º e permitia expressamente a arbitragem nos litígios individuais de trabalho

§ 4o Desde que o empregado ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou de diretor estatutário, nos contratos individuais de trabalho poderá ser pactuada cláusula compromissória, que só terá eficácia se o empregado tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou se concordar expressamente com a sua instituição.

Desse modo, o enunciado permitia a instituição da arbitragem em dissídios individuais

por empregados que desempenhassem funções de administração ou direção da empresa (não bastando exercer função de confiança ou gerência), através de cláusula compromissória (antes da deflagração do litígio). Todavia, para que esta produzisse efeito válido, o próprio empregado deveria tomar a iniciativa de provocar o juízo arbitral ou anuir expressamente com a sua submissão.

Entendendo pela inviabilidade do dispositivo frente aos postulados do Direito do Trabalho, a Presidência da República houve por bem vetá-lo, sob a justificativa de que

O dispositivo autorizaria a previsão de cláusula de compromisso em contrato individual de trabalho. Para tal, realizaria, ainda, restrições de sua eficácia nas relações envolvendo determinados empregados, a depender de sua ocupação. Dessa forma, acabaria por realizar uma distinção indesejada entre empregados, além de recorrer a termo não definido tecnicamente na legislação trabalhista. Com isso, colocaria em risco a generalidade de trabalhadores que poderiam se ver submetidos ao processo arbitral.

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Sendo assim, voltou-se à situação anterior de anomia quanto à possibilidade de submissão dos conflitos individuais de trabalho à arbitragem, pois não há regra expressa proibindo ou autorizando sua utilização.

A nosso ver, isso não impede que as partes recorram à via arbitral. Ao revés. Considerando que o veto não se fundamentou na indisponibilidade dos direitos trabalhistas ou na ausência de manifestação de vontade livre do trabalhador, após a extinção do contrato, entendemos pela viabilidade da arbitragem, desde que sua submissão seja, obrigatoriamente, através de compromisso arbitral após o fim da relação empregatícia e sempre por iniciativa do empregado.

Além disso, para a validade do procedimento, deve haver pleno respeito às garantias processuais constitucionais do contraditório e ampla defesa, de modo que, essencialmente, para o empregado, deve haver defesa técnica por advogado. Ainda, deve ser assegurada a completa imparcialidade do árbitro; dessa forma, não há possibilidade de que o procedimento seja custeado somente pelo empregador, sob o risco de haver decisões tendenciosas. Caberia, todavia, o ressarcimento das despesas para o vencedor da contenda.

É certo que o critério eleito pelo enunciado para determinar quem estaria apto a integrar a relação arbitral é discriminatória e não se sustenta. Por melhor, respeitadas as condições expostas acima, entendemos que qualquer trabalhador poderia optar por demandar perante a arbitragem, desde que possa custeá-la e esteja na livre disposição de sua vontade.

Respeitadas essas condições e as peculiaridades inerentes ao Direito do Trabalho, defendemos o cabimento do juízo arbitral para solução dos litígios individuais laborais, como concretização do direito.

CONCLUSÃO

Embora seja pacífica a possibilidade de arbitragem nos dissídios coletivos de trabalho

(art. 114, §2º, CF/88), não há no nosso ordenamento disposição acerca dos litígios individuais, gerando divergência doutrinária e jurisprudencial quanto ao tema. Diante da notória sobrecarga do Poder Judiciário, não tem sido plenamente respeitada a garantia da efetiva prestação jurisdicional, havendo séria afronta ao direito fundamental da celeridade e da dignidade da pessoa humana.

Restando claro que os direitos trabalhistas não são absolutamente indisponíveis, a qualquer tempo, e que a arbitragem é um método de solução alternativa de conflito que atende efetivação do direito do jurisdicionado de acesso à justiça, entendemos pela viabilidade de recurso ao juízo arbitral, quando de conflitos individuais trabalhistas, desde que respeitadas as características tutelares que informam o Direito do Trabalho.

Nesse sentido vem se posicionando o legislador, tanto em legislação esparsa quanto nas previsões do NCPC, assim como a jurisprudência trabalhista mais recente, que tem demonstrado o começo da inversão do paradigma de impossibilidade total da arbitragem para conflitos individuais.

Nesses termos, respeitadas as condições expostas no artigo, nos posicionamos pela aplicação voluntária da arbitragem, limitada, é certo, a uma pequena esfera de relações jurídicas laborais individuais, por vislumbrar sua contribuição para o desafogamento do Poder Judiciário e, principalmente, por efetivar a tutela de acesso à prestação jurisdicional. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 29 out. 2016.

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______. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 29 out. 2016. ______. Lei nº 9.307 de 23 de setembro de 1996. Lei de Arbitragem. In: Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 set. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9307.htm>. Acesso em: 29 out. 2016. ______. Resolução 125 de 29 de novembro de 2010. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. In: Diário da Justiça [do] Conselho Nacional de Justiça, Brasília, DF, n. 219, 1º dez. 2010, p. 1-14. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579>. Acesso em: 29 out. 2016. ______. Mensagem de veto nº 162, DE 26 DE MAIO DE 2015. Dispõe sobre os vetos à lei alteradora nº 13.129 de 26 de maio de 2015. In: Diário Ofiail da União, 27 de maio de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Msg/VEP-162.htm>. Acesso em: 29 out. 2016. ______. Supremo Tribunal Federal. Acórdão de decisão que reconheceu a constitucionalidade da arbitragem. Agravo Regimental na Sentença Estrangeira nº 5206. MBV Commercial and Export Management Establisment e Resil Indústria e Comércio Ltda. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. 12 de dezembro de 2001. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ARBITRAGEM%29&pagina=2&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/zqgxe7q>. Acesso em: 29 out. 2016. ______. Tribunal Superior do Trabalho. Acórdão de decisão que reconheceu a inaplicabilidade da arbitragem aos conflitos individuais de trabalho. Recurso de Revista nº 8952000-45.2003.5.02.0900. Adilson Gonçalves Viana e Pires Serviços de Segurança e Transporte de Valores Ltda. Relator: Ministro Mauricio Godinho Delgado. 10 de fevereiro de 2010. Disponível em: <http://aplicacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/resumoForm.do?consulta=1&numeroInt=40739&anoInt=2003>. Acesso em: 29 out. 2016. ______. Tribunal Superior do Trabalho. Acórdão de decisão que reconheceu a possibilidade da arbitragem aos conflitos individuais de trabalho. Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº147500-16.2000.5.05.0193 – 7ª turma. Arcanja dos Santos Ferreira Vaz e Lojas Brasileiras S.A. Relator: Ministro Pedro Paulo Manus. 15 de outubro de 2008. Disponível em: <http://aplicacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/resumoForm.do?consulta=1&numeroInt=97659&anoInt=2002>. Acesso em: 29 out. 2016. ______. Tribunal Regional do Trabalho 5ª Região. Acórdão de decisão que reconheceu a possibilidade da arbitragem aos conflitos individuais de trabalho. Recurso Ordinário nº 0001482-62.2013.5.05.0551 – 5ª turma. Joilson Nonato Santos e Emtram Empresa de Transportes Macaubense Ltda. Relator: Desembargador Paulino Couto. 15 de setembro de 2014. Disponível em: <https://aplicacoes.trt5.jus.br/esamp//f/n/consultadocumentocon?id=10114091201246533996&municipio=1>. Acesso em: 29 out. 2016. CINTRA, Antônio C. de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2014.

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DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006. DIDIER JR., FREDIE. Curso de Direito Processual Civil. 18. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. v. I. PACHECO, Iara Alves Cordeiro. Os direitos trabalhistas e a arbitragem. São Paulo: LTr, 2003. RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 3. ed. atual. São Paulo: LTr, 2000.

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MEIO AMBIENTE DO

TRABALHO E SAÚDE DO TRABALHADOR

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ASSÉDIO SEXUAL À MULHER NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: REFLEXOS NO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO E NA SAÚDE DO TRABALHADOR

SEXUAL HARASSMENT TOWARDS WOMEN IN LABOR RELATIONS: REFLECTIONS ON

THE WORKPLACE ENVIRONMENT AND ON THE WORKER’S HEALTH

Ana Clara Tristão*

RESUMO: Desde o ingresso da mulher no universo de trabalho, revelaram-se diversas maneiras de discriminação por gênero no contexto trabalhista. Ainda hoje, as mulheres não estão sujeitas às mesmas condições de trabalho que os homens. Além de receberem salários menores e terem menores oportunidades de emprego, as mulheres representam a maioria das vítimas quando se trata de assédio sexual, especialmente em decorrência de sua situação de maior desigualdade e vulnerabilidade no universo de trabalho. Dessa forma, considerando a inexistência de unanimidade na doutrina especializada e a ausência de legislação trabalhista brasileira a respeito da caracterização do assédio sexual no contexto do trabalho, o presente artigo busca analisar algumas lacunas sobre a temática, analisando-o como verdadeira forma de discriminação e violência de gênero e demonstrando a desestabilização que sua ocorrência provoca no meio ambiente de trabalho, resultando em intensa tortura psicológica da vítima. Tem-se, como objetivo, investigar os reflexos do assédio sexual no meio ambiente do trabalho e na saúde da mulher trabalhadora, evidenciando, ainda, eventuais medidas de prevenção dessa violação, visando ao equilíbrio labor-ambiental. Inicialmente, conceitua-se o assédio sexual, situando-o na perspectiva trabalhista e abordando suas diversas formas de manifestação no ambiente de trabalho, de forma a diferenciá-lo de sua forma tipificada penalmente. Em seguida, estuda-se o meio ambiente do trabalho, analisando sua relação com a saúde do trabalhador. Por fim, delineiam-se os principais impactos decorrentes da ocorrência de assédio sexual no meio ambiente de trabalho e sua consequente influência na saúde do trabalhador, evidenciando formas de afastá-lo do contexto laboral. Para tanto, utiliza-se, como método de procedimento, a pesquisa bibliográfica em materiais publicados e, como método de abordagem, o dedutivo. Palavras-chave: assédio sexual. meio ambiente de trabalho. saúde do trabalhador. ABSTRACT: Since the entry of women into the labor universe, there have been several manifestations of gender discrimination. Even today, women are not subject to the same working circumstances as men. In addition to receiving lower wages and having fewer opportunities for employment, women account for the majority of the victims when it comes to sexual harassment, especially due to their situation of greater vulnerability and inequality in the labor universe. Thus, considering the lack of unanimity in the specialized doctrine and the absence of Brazilian labor laws regarding the characterization of sexual harassment in the work context, this article seeks to analyze some gaps on the topic by considering it as a true form of discrimination and gender violence and demonstrating the destabilization that its occurrence causes in the working environment, which results in intense psychological torture of the victim. The article aims to investigate the consequences of sexual harassment in the workplace environment as well as the health of working women and to indicate potential measures to prevent this violation by targeting a labor-environmental balance. Initially, sexual harassment will be conceptualized by placing it in the labor perspective and addressing its various manifestations in the workplace, in order to differentiate it from its criminally typified form. Then, the working environment will be studied, and its relation to the worker's health will be analyzed. Finally, the main impacts of the occurrence of sexual harassment in the work environment and its consequent impact on worker health will be outlined, and ideas will be

* Graduanda em Direito na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista

“Júlio de Mesquita Filho” – UNESP/Franca. E-mail: [email protected].

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presented to remove sexual harassment from the labor context. Therefore, the literary research of published materials will be used as the method of procedure, and the deductive method will be used as the method of approach. Keywords: sexual harassment. workplace environment. worker’s health. SUMÁRIO: Introdução. 1 Assédio sexual nas relações de trabalho. 1.1 Espécies. 1.3 O elemento do “poder”. 2 Por que “{ mulher”?: assédio sexual como forma de discriminaç~o. 3 Reflexos no meio ambiente de trabalho e na saúde do trabalhador. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

Tratar sobre o tema de assédio sexual é, essencialmente, abordar um fenômeno social antigo sob uma nova terminologia. (PAMPLONA FILHO, 2002, p. 109) Verifica-se que não se trata de uma prática recente na esfera trabalhista. Contudo, foi com o surgimento dos movimentos feministas e sua intensificação na luta por igualdade que o estudo e a discussão sobre o assédio sexual passou a ter maior relevância no âmbito das relações de trabalho. (COUTINHO, s.d., p. 46)

Na concepção moderna, os EUA foram responsáveis pela normatização sobre o assédio sexual, editando leis que impuseram sanções à prática durante a segunda metade da década de 70 e na década de 80. (BARROS, 2011, p. 745)

Atualmente, o assédio sexual é tão universal, que diversos idiomas possuem uma expressão para identificá-lo. (PAMPLONA FILHO, 2002, p. 111) Por exemplo: em inglês, sexual harassment; em espanhol, acoso sexual; em francês, harcèlement sexuel; em alemão, sexuelle Belästigung.

No que se refere ao direito positivado, o único dispositivo que trata expressamente sobre assédio sexual no Brasil é extremamente recente e foi incluído pela Lei nº 10.224 de 2001, que introduziu o artigo 216-A, caput, ao Código Penal, definindo o assédio sexual como “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou funç~o”. Dessa tipificação extrai-se que, para que seja configurado o assédio sexual, são requisitos obrigatórios a intenção de obter vantagem ou favorecimento sexual e a condição de superior hierárquico ou ascendente do agressor.

Entretanto, nota-se que, no contexto trabalhista, o problema do assédio sexual é muito mais amplo e complexo do que a forma tipificada no âmbito criminal. Considerando que a legislação trabalhista é omissa quando se trata desse assunto, cabe à jurisprudência e à doutrina disciplinar o tema. Todavia, diversos autores e inúmeras decisões judiciais acabam por restringir a abrangência do assédio sexual no âmbito trabalhista, ao manter suas características e requisitos de forma semelhante à tipificação criminal, ignorando, entretanto, suas outras formas de manifestação.

O presente artigo pretende expor os resultados preliminares da pesquisa em andamento de mesmo tema, em que se objetiva analisar os reflexos do assédio sexual à mulher no meio ambiente do trabalho e na saúde do trabalhador. Para tanto, no primeiro tópico, conceitua-se assédio sexual e analisam-se suas espécies no âmbito trabalhista. Em seguida, considera-se a situação da mulher nesse contexto, de modo a caracterizar o assédio sexual como forma de discriminação de gênero e sexo no trabalho. Por fim, estudam-se os reflexos do assédio sexual no meio ambiente de trabalho e na saúde da trabalhadora, demonstrando possíveis formas de prevenção.

1 ASSÉDIO SEXUAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

Rodolfo Pamplona Filho (2002, p. 110) caracteriza o assédio sexual como “toda conduta

de natureza sexual não desejada que, embora repelida pelo destinatário, é continuadamente reiterada, cerceando-lhe a liberdade sexual”.

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No mesmo sentido, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) caracteriza-o como qualquer comportamento de natureza sexual que afete a dignidade de homens e mulheres, que seja considerado indesejado, inaceitável, inapropriado e ofensivo ao destinatário, criando um ambiente de trabalho intimidador, hostil, instável ou ofensivo. Define, ainda, que não são considerados assédio sexual os elogios ocasionais que são social e culturalmente aceitáveis e apropriados ou quaisquer interações de natureza sexual que sejam consensuais, bem-vindas ou recíprocas. Por isso, não caracteriza assédio sexual a conduta que for desejada pelo outro, sendo imprescindível para sua caracterização que o comportamento do assediador seja mal recebido. (COUTINHO, s.d., p. 48)

Ademais, a OIT estabelece que, para que seja caracterizado o assédio sexual no trabalho, deve estar presente ao menos uma das seguintes particularidades: ser claramente uma condição para dar ou manter o emprego; influir nas promoções ou na carreira; prejudicar o rendimento profissional; humilhar, insultar ou intimidar.

O assédio sexual possui diversas formas de manifestação, podendo assumir forma verbal (comentários sobre a aparência, piadas ofensivas, perguntas sobre orientação sexual, convites persistentes), não verbal (assobios, gestos com conotação sexual, exibição de materiais sexuais) ou física (toques, proximidade desnecessária, violência).

Verifica-se que, em diversos casos, o assédio acompanha linguagem sexista. (BARROS, 2011, p. 747)

1.1 Espécies

O assédio sexual é dividido em duas espécies, que possuem características muito

distintas entre si: “assédio sexual por chantagem” (ou “assédio sexual quid pro quo”) e “assédio sexual por intimidaç~o” (ou “assédio sexual ambiental”).

A primeira espécie, o assédio sexual por chantagem, refere-se justamente à forma tipificada penalmente. Nesse caso, o assediador, em sua condição de superior hierárquico ou ascendente, exige da vítima a prática ou a aceitação de determinada conduta não desejada de natureza sexual, sob pena de perder o emprego ou algum benefício, ou até mesmo sob a promessa de ganho de algum benefício, restando evidente a necessidade da existência de abuso de poder. É em raz~o desta “barganha” de natureza sexual que esta espécie é denominada assédio sexual quid pro quo, que significa “isto por aquilo”. De tal modo, essa forma de assédio sexual não está restrita às relações empregatícias, podendo se manifestar em diversas relações sociais que apresentem uma discrepância de poder, como professores e discípulos, treinadores e atletas, médicos e pacientes, sacerdotes e fiéis, entre outros. (PAMPLONA FILHO, 2002, p. 122-123)

A segunda espécie, por sua vez, o assédio sexual por intimidação, caracteriza-se por seu objetivo de prejudicar o desempenho do assediado ou promover uma situação hostil no ambiente em que é praticado. Nesse caso, é irrelevante se o agente é superior hierárquico da vítima. Por isso, essa forma de assédio pode ocorrer também entre colegas de trabalho, entre empregado e cliente da empresa e até mesmo entre empregado e empregador, figurando este último como vítima. Apesar de essa forma de assédio não estar tipificada criminalmente, sua ilicitude é clara, de forma que deve ser combatida e reparada nos âmbitos civil e trabalhista. (PAMPLONA FILHO, 2002, p. 123-125)

1.2 O elemento do “poder”

Diversos autores caracterizam o assédio sexual como sendo um ato de abuso de poder,

considerando a hierarquia do assediador um fator essencial para sua configuração, provavelmente em razão dos requisitos necessários para a caracterização do assédio sexual no âmbito penal.

Todavia, considerando que o Direito do Trabalho possui normas e princípios próprios, é necessário adaptar o entendimento do Direito Penal para sua aplicação na área trabalhista.

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Ainda que o abuso de poder seja um fator imprescindível para a caracterização no âmbito criminal e que frequentemente haja uma relação de poder entre o assediante e o assediado, não é um requisito essencial para o assédio sexual trabalhista em sua espécie “assédio sexual por intimidaç~o” ou “assédio sexual ambiental”. Deve-se encarar o assédio sexual nas relações de trabalho não somente como uma questão de abuso de poder, mas especialmente como uma forma de discriminação e cerceio da liberdade sexual. (PAMPLONA FILHO, 2002, p. 128-129)

2 POR QUE “[ MULHER”?: ASSÉDIO SEXUAL COMO FORMA DE DISCRIMINAÇÃO

Desde a inserção da mulher no mercado de trabalho, manifestaram-se diversas formas

de discriminação em razão de sexo e gênero com o objetivo de rejeitar sua presença nesse local ou de impedir seu ingresso nesse universo.

Constata-se que a maior participação da mulher no mercado profissional e a maior liberalização dos costumes suscitaram uma reviravolta nos domínios anteriormente masculinos, de forma que quanto mais bem-sucedida fosse uma mulher, mais malvista e caluniada ela seria. Embora essa visão tenha diminuído, especialmente em decorrência da crescente reivindicação por igualdade entre os gêneros, não se pode afirmar que desapareceu completamente, sobretudo considerando a sociedade machista predominante no Brasil (FREITAS, 2001, p. 13). Nas palavras de Coutinho (s.d., p. 39),

Observa-se, portanto, que persistem no mundo do trabalho as desigualdades entre homens e mulheres. As relações de gênero continuam a provocar desvantagens às mulheres trabalhadoras em termos de salários, ascensão funcional ou oportunidades de trabalho e, em muitas situações, a mulher é preterida em razão de suas responsabilidades familiares. Também as relações de gênero podem ser apontadas como causa de a mulher constar como vítima preferencial da discriminação no ambiente de trabalho. Com efeito, é clara a manifestação da discriminação motivada por relações de gênero nos impedimentos ao acesso ao emprego, nos critérios seletivos para vagas de trabalho, no percebimento de salários inferiores, nas dificuldades de ascensão profissional, nas demissões ditas imotivadas, no assédio sexual, no assédio moral, e nas práticas discriminatórias em razão da cor e de características racial-étnicas. A discriminação em razão da relação de gênero reflete as configurações assimétricas observadas entre os sexos no mundo do trabalho. Percebe-se também sua transversalidade com outras categorias sociais, tais como raça, cor, etnia, situação familiar, que, ao interagirem através da relação de trabalho, impedem a ampliação da igualdade de oportunidades e tratamento entre homens e mulheres trabalhadores. Ressalte-se que a busca pela igualdade de oportunidades no emprego não significa a supressão das diferenças naturais (biológicas) existentes entre os sexos.

Apesar da crescente participação feminina no universo do trabalho, as mulheres ainda

não estão sujeitas às mesmas condições de trabalho que os homens. Recebem salários menores, têm menores oportunidades de emprego, ocupam menos cargos de chefia e, por fim, representam a maioria das vítimas quando se trata do assédio sexual. Embora os homens também possam sofrer assédio sexual, isso ocorre em uma proporção extremamente menor. Exatamente por isso a maioria das campanhas e cartilhas a respeito do tema são dirigidas às mulheres. Não obstante alguns aspectos discriminatórios terem sido reduzidos ao longo do tempo, o assédio sexual somente aumenta com a inclusão da mulher no universo do trabalho.

Verificada essa situação de desigualdade no mercado de trabalho, os homens se aproveitam da maior vulnerabilidade da mulher para impor o comportamento preconceituoso

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decorrente da ideia de que a mulher existe para submeter-se às suas vontades e lhe ser submissa. (BARROS, 2011, p. 746)

O risco de ser vítima de assédio sexual é maior para as mulheres que trabalham em organizações nas quais prevalecem culturas de gênero discriminatórias e em que predominam trabalhadores do sexo masculino. Em virtude disso, a mulher depende de sua habilidade de lidar não somente com o assédio de seus superiores, mas também de seus subordinados para conquistar sua autoridade. (DIAS, 2008, p. 15)

Eliminar essa prática do ambiente de trabalho é fundamental para a luta pela igualdade entre homens e mulheres, além de ser essencial para cumprir efetivamente o compromisso assumido pelo Brasil na ratificação da Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que dispõe sobre a discriminação em matéria de emprego e profissão, e da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, na qual se comprometeu, segundo seu artigo 5º, a modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres para eliminar os preconceitos e práticas consuetudinárias que estejam baseados na ideia de inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres e, conforme o artigo 11, a adotar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera do emprego de forma a assegurar os mesmos direitos entre homens e mulheres.

Ademais, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), editada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) em 1994 e ratificada pelo Brasil em 1995, classificou, em seu artigo 2º, alínea b, o assédio sexual no lugar do trabalho como violência contra a mulher.

Ainda, a Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher, realizada em 1995 em Pequim, estabeleceu que diversas mulheres com trabalho remunerado constantemente enfrentam obstáculos que as impedem de realizar seu potencial, de forma que atitudes discriminatórias não permitem que elas ascendam a níveis mais elevados. Nesse sentido, definiu-se que o assédio sexual é uma afronta à dignidade da mulher trabalhadora, devendo ser eliminado. Igualmente, foi apontado que a insuficiência de documentação e pesquisa a seu respeito constitui um obstáculo para o desenvolvimento de estratégias de intervenção concretas.

3 REFLEXOS NO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO E NA SAÚDE DO TRABALHADOR

Diante do exposto, estabelece-se que o assédio sexual se trata de um dano labor-

ambiental, influenciando diretamente na saúde do trabalhador. Nesse sentido, deve-se considerar que o adoecimento provoca a limitação do pleno gozo do direito ao trabalho, ou seja, a ausência de saúde compromete a dignidade do trabalhador, à medida que restringe seu direito ao trabalho, à realização profissional e à manutenção autônoma das necessidades humanas mais primárias. (ALMEIDA; SOUZA, 2014, p. 150)

Ainda, como o meio ambiente de trabalho representa o local onde o trabalhador permanece durante a maior parte de sua jornada – e de sua vida –, é clara a relação de interdependência entre o contexto labor-ambiental e o estado de saúde do trabalhador. (ALMEIDA; SOUZA, 2014, p. 159)

Indubitavelmente é a vítima a maior prejudicada pelo assédio sexual. As constantes agressões geram uma atmosfera hostil e desfavorável que acarreta prejuízos ao assediado, criando um ambiente laboral com extrema pressão psicológica e abalando a saúde da mulher trabalhadora. O assédio sexual provoca nas vítimas uma série de danos físicos e psíquicos, dentre os quais: depressão, perda de autoestima, irritabilidade, pânico, humilhação, isolamento, estresse, desmotivação, insônia, ansiedade, depressão, entre outros. Ademais, é possível que as vítimas recorram ao abuso de álcool e drogas e, em casos extremos, ao suicídio. Essas sequelas podem se tornar irreversíveis, ocasionando profundo desinteresse pelo trabalho.

Todavia, as consequências do assédio sexual não se restringem às vítimas, afetando também os empregadores e a sociedade. Os empregadores notam a diminuição da produtividade

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da empresa, trabalho em equipe comprometido, desmotivação e têm a imagem pública da empresa prejudicada. A sociedade, por sua vez, arca com os custos de reabilitação para a reintegração das vítimas, com despesas legais, além de verificar o acesso prejudicado de mulheres a empregos tradicionalmente dominados por homens.

Desse modo, a ocorrência de assédio sexual na esfera trabalhista provoca uma total desestabilização do meio ambiente de trabalho e gera graves consequências na saúde da trabalhadora. A prática do assédio sexual torna o ambiente laboral um local agressivo e causa danos sobretudo à saúde mental e emocional da vítima, que tem sua integridade física e psicológica afetada, o que acaba por contribuir para a intimidação e desencorajamento de mulheres – as principais vítimas desse assédio - em sua vida profissional. Destarte, o assédio sexual é uma prática inaceitável no meio ambiente de trabalho, ofendendo:

[...] princípios constitucionais e direitos fundamentais existentes nas relações de emprego, quais sejam: a vida digna, a saúde, o meio ambiente de trabalho saudável, ao trabalho, a valorização social do trabalho humano, a busca do pleno emprego, a empresa e o contrato socialmente comprometidos, a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem, a livre manifestação do pensamento, a liberdade de consciência e crença e a liberdade de expressão e informação. (BRANCO; RODRIGUES, s.d., p. 22).

Considerando que é inadmissível que o empregador pratique, permita ou se omita em

tomar medidas para evitar a prática do assédio sexual no trabalho, devem ser adotados mecanismos que tenham por objetivo sua prevenção, como a promoção de palestras e debates a respeito do tema, criação de regulamentos de conduta que rechacem sua prática, sujeitando os infratores a penalidades, abertura de canais de comunicação para denúncia e, sobretudo, a adoção efetiva de políticas que demonstrem a intolerância a quaisquer práticas que fomentem ou tolerem essa conduta.

CONCLUSÃO

Embora o trabalho de pesquisa ainda esteja em andamento, as atividades desenvolvidas

até o momento permitem chegar à conclusão de que o assédio sexual nas relações de trabalho apresenta diversas particularidades, de tal forma que não se pode restringir as hipóteses fáticas àquela tipificada penalmente. Conforme foi observado, o assédio sexual é uma prática intolerável no ambiente de trabalho, de modo que deve ser combatido e condenado no âmbito trabalhista.

Ademais, considerando que as mulheres representam a maioria das vítimas dessa condenável prática, constatou-se que o assédio sexual é uma verdadeira forma de discriminação de gênero e sexo. Isso demonstra que, apesar dos avanços conquistados pelas mulheres através dos movimentos feministas, a realidade ainda evidencia uma situação de profunda desigualdade entre homens e mulheres, permeada por violência e discriminação, confirmando a necessidade da ampliação de políticas que propiciem o empoderamento e a emancipação de mulheres.

Por fim, a partir da análise de alguns dos impactos ocasionados pelo assédio sexual no meio ambiente de trabalho e na saúde da mulher trabalhadora, constata-se que, apesar de as vítimas serem as mais afetadas, os reflexos do assédio não se limitam a elas, estendendo aos empregadores e à sociedade, de tal modo que suas consequências são devastadoras, sendo a prevenção o melhor remédio para o combate e eliminação da prática. Dessa forma, cabe ao poder público, aos empregadores e aos sindicatos desenvolver medidas e programas que tenham por objetivo sua erradicação.

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REFERÊNCIAS ALMEIDA, Victor Hugo de Almeida; SOUZA, André Evangelista de. O direito à saúde na perspectiva labor-ambiental. In: Temas Atuais de Direito e Processo do Trabalho. MIESSA, Élisson; CORREIA, Henrique. (Coord.). Salvador: JusPodivm, 2014. p. 149-165. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011. BRANCO, Ana Paula Tauceda; RODRIGUES, Natália Mara Silva. O crime do assédio sexual no meio-ambiente de trabalho: uma abordagem principiológica constitucional. Disponível em: <http://www.amatra17.org.br/arquivos/4a4a89850220a.pdf>. Acesso em: 20 set. 2016. COUTINHO, Maria Luiza Pinheiro. Discriminação no Trabalho: Mecanismos de Combate à Discriminação e Promoção de Igualdade de Oportunidades. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/discrimination/pub/oit_igualdade_racial_05_234.pdf>. Acesso em: 27 set. 2016. DIAS, Isabel. Violência contra as mulheres no trabalho: o caso do assédio sexual. Sociologia, problemas e práticas. Lisboa, n. 57, p. 11-23, 2008. FREITAS, Maria Ester de. Assédio moral e assédio sexual: faces do poder perverso nas organizações. Revista de Administração de Empresas. São Paulo, v. 41, n. 2, p. 8-19, abr./jun. 2001. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Assédio sexual: questões conceituais. In: Assédio Sexual. JESUS, Damásio Evangelista de; GOMES, Luiz Flávio. (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2002. p. 109-135.

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O DANO EXISTENCIAL À LUZ DA PRESPECTIVA LABOR AMBIENTAL

THE EXISTENCIAL DAMAGE UNDER THE PERSPECTIVE OF LABOR ENVIRONMENT

Camila Martinelli Sabongi* Victor Hugo de Almeida**

RESUMO: Entende-se por dano existencial a lesão ao complexo de relações que possibilitam o desenvolvimento ordinário da personalidade do indivíduo abrangendo a ordem pessoal ou a ordem social. Trata-se de uma modalidade de dano extrapatrimonial capaz de atingir diversos setores distintos da vivência social humana. Dentre as violações aos direitos trabalhistas em decorrência da implementação do dano existencial, destacam-se os casos de ofensa ao direito fundamental ao meio ambiente do trabalho equilibrado (artigos 225 e 200, VIII, CF). O labor em um meio ambiente insalubre é capaz de comprometer a incolumidade biopsicossocial humana, causando consideráveis danos ao trabalhador, não apenas materiais, mas também imateriais, dentre os quais se encontra o dano existencial. O objetivo desta investigação é analisar o instituto do dano existencial no contexto labor-ambiental, permeando seu conceito doutrinário e entendimento jurisprudencial em casos de desrespeito ao direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado. Trata-se de uma abordagem multimetodológica, quantitativa e qualitativa, diante da adoção do método de levantamento por meio da técnica de pesquisa bibliográfica e da técnica de pesquisa jurisprudencial. Como método de abordagem, adotou-se o método indutivo e a técnica de análise de conteúdo. A título de conclusão parcial, evidenciou-se que dentre os 734 julgados selecionados por meio da metodologia proposta, há grande ocorrência de julgados sobre duração do trabalho (557 julgados; 76%) e sobre segurança e medicina do trabalho (63 julgados; 8,5%), ambos, consoante a abordagem labor-ambiental, aspectos organizacionais do meio ambiente do trabalho, que totalizam 620 julgados (84,5%) dos julgados estudados. Cristalina, portanto, a relevância do tema. Palavras-chave: dano existencial. Direito do Trabalho. direitos fundamentais. projeto de vida. vida de relações. ABSTRACT: The existencial damage is understood as the injury to the complex of relationships that enable the ordinary development of the individual's personality covering the personal order or the social order. It is a form of off-balance sheet damage able to reach many different sectors of human social life. Among the violations of labor rights that can cause existential damage, the cases of offense to the fundamental right to a well-balanced work environment (sections 225, 200, VIII, CF) have great importance. Working in an unhealthy environment can endanger human biopsychosocial safety, causing considerable damage to the worker, not only material but also immaterial, among which is the existential damage. The purpose of this research is to analyze the existential damage in environmental work context, permeating its doctrinal and jurisprudential concept understanding in cases of disrespect of the right to a well-balanced work environment. This is a multimethodological, quantitative and qualitative approach, in which the survery method through literature and jurisprudential research technique were adopted. The data was analyzed using the inductive method and content analysis. As a partial conclusion, it is evident that among the 734 decisions selected by the proposed methodology, there were great

* Mestranda na Universidade Estadual Paulista - UNESP/Campus Franca (SP). Graduada no curso de

Direito na mesma instituição. Bolsista Fapesp julho 2016 - 2018. E-mail: [email protected].

** Professor Doutor de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UNESP - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Doutor em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Membro pesquisador do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior, Seção Brasileira da Societé Internacionale de Droit du Travail et de la Sécurité Sociale. E-mail: [email protected].

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occurrence of decisions that discuss the violation of the working time limits (557 decisions; 76%) and disrespect of health and safety environmental rules (63 decisions; 8,5%), both organizational aspects of the working environment, totalizing 620 decisions (84,5%). That is the relevance of the proposed study. Keywords: existencial damage. Labor Law. fundamental rights. life project. life of relationships.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Análise do dano existencial em face das políticas públicas de saúde, meio ambiente e segurança do trabalho. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

O dano existencial é a violação do complexo de relações e do projeto de vida do indivíduo, e no âmbito laboral do trabalhador, tendo como consequência um impedimento ao desenvolvimento normal da personalidade, desrespeitando o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF).

A afronta às políticas públicas de saúde, meio ambiente e segurança do trabalho podem prejudicar o direito do trabalhador de se livre determinar, dispor de seu tempo livre, se desconectar do trabalho e se envolver em atividade relacionadas com a concretização de seu projeto de vida ou com o exercício de sua vida de relações, elementos tutelados pelo dano existencial.

Como resultado desse entendimento, o presente estudo analisou casos de violação do direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado, norteando-se pelo Decreto nº 7.602/2011 (Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho – PNSST), versados na pretensão indenizatória por dano existencial.

Tendo em vista o importante papel do Poder Judiciário, especialmente os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), na efetivação desses direitos no plano concreto, sobretudo em situações nas quais se configura o dano existencial, efetuou-se uma pesquisa jurisprudencial tendo como escopo compreender o raciocínio jurídico dos Tribunais Trabalhistas sobre este instituto.

Diante disso, como método de procedimento, adotou-se o levantamento de dados através da técnica de pesquisa bibliográfica para o exame doutrinário e jurisprudencial do instituto; e a técnica de análise de conteúdo para o exame dos julgados selecionados. Como método de abordagem, adotou-se o raciocínio indutivo para tecer conclusões gerais a partir das premissas particulares observadas.

A relevância do tema apresentado é inconteste, tendo em vista a recente aplicação e análise do instituto em questão no âmbito trabalhista, conjuntamente com a expressiva ocorrência de casos de violação de normas de segurança e saúde do trabalho e desrespeito aos limites de duração do trabalho, como causas dos pedidos de indenização por dano existencial em âmbito trabalhista. Diante disso, busca-se apresentar um estudo fundamentado sobre o tema proposto, com intuito de corroborar com a proteção, a saúde e o bem-estar dos trabalhadores.

1 ANÁLISE DO DANO EXISTENCIAL EM FACE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE, MEIO AMBIENTE E SEGURANÇA DO TRABALHO

O respaldo necessário para aplicação do dano existencial encontra-se na proteção da

dignidade humana. Desde 1948, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a dignidade é entendida como um valor intrínseco característico do ser humano, detentor de razão e consciência particulares. No ordenamento jurídico brasileiro, por sua vez, a dignidade humana é prevista na Constituição Federal de 1988 como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direitos (art. 1º, CF).

Segundo Paulo César do Amaral de Pauli (2015), o princípio da Dignidade da Pessoa humana tem como consequência o direito do trabalhador livre desenvolver sua personalidade e desenvolver-se profissionalmente, exigindo-se condições dignas de trabalho e o respeito aos direitos fundamentais.

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O Código Civil (CC), no mesmo sentido, oferece amparo à indenização por dano moral nos casos em que a prevenção não consegue ser aplicada de maneira satisfatória, tendo em vista a previsão dos artigos 12, caput, 186 e 927. No Capítulo II, referente aos direitos da personalidade, o art. 12 estabelece que, em caso de lesão a direito da personalidade, é lícito reclamar por perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções. Já o art. 186 versa sobre a caracterização do ato ilícito suscetível a indenização, cujo dever de reparação decorre do art. 927 do Diploma Civil. Ressalta-se que os fundamentos encontrados na seara civil são aplicáveis ao âmbito juslaboral subsidiariamente, por força da previsão do art. 8º, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Conceitualmente, trata-se o dano existencial de espécie de dano não patrimonial (ou extrapatrimonial) e imaterial. É concebido como lesão que atinge negativamente interesses sem natureza e expressão econômica imediata (SOARES, 2009). Dessa forma, entende-se que sua constatação, mesmo tratando-se de transgressão a direito imaterial, pode ser feita de forma objetiva, ao passo que o dano existencial pressupõe uma afetação negativa na rotina do empregador, ou seja, suas consequências podem ser observadas no cotidiano do indivíduo de forma a prejudicar sua vivência.

No mesmo sentido, Paolo Cendon e Patrizia Ziviz afirmam ser o dano existencial um sacrifício das atividades realizadoras da pessoa, o que acarreta mudanças na relação do indivíduo com a sociedade, culminando, portanto, em uma renúncia forçada (ZIVIZ; CENDON, 2000).

Em decorrência do dano existencial, o indivíduo se vê privado do direito fundamental e constitucional de livre dispor de seu tempo ou de se autodeterminar; de fazer ou deixar de fazer o que bem entender, nos limites legais. Em casos extremos, é privado de seu direito à liberdade e à dignidade humana, como é o caso do trabalho em condições análogas a de escravo (BOUCINHAS FILHO; ALVARENGA, 2013; PAULI, 2015).

Diante disso, caracteriza o dano existencial a violação de direitos fundamentais da pessoa, de modo a alterar negativamente o seu modo de ser ou comprometer atividades relacionadas ao seu projeto de vida pessoal e ao seu convívio em sociedade, prescindindo de qualquer repercussão financeira ou econômica.

Pode-se notar que os fundamentos legais tanto do dano existencial como do dano moral são semelhantes. Contudo, tais institutos não se confundem. De acordo com Flavia Rampazzo Soares (2009, p. 46), o dano existencial difere do dano moral propriamente dito por não ser “essencialmente um sentir” como é o dano moral. O dano existencial é um “n~o mais poder fazer, um dever de agir de outra forma, um relacionar-se diversamente”, uma limitaç~o do desenvolvimento normal da vida da pessoa. Em outras palavras, o dano moral propriamente dito afeta negativamente o ânimo da pessoa e é relacionado ao sentimento, enquanto o dano existencial é um impedimento ao modo de vida normal do indivíduo, forçando o sujeito à necessidade de mudança de rotina contra a sua própria vontade (LORA, 2013).

Além disso, o conceito de dano existencial é composto por dois elementos previstos doutrinariamente que o diferenciam dos outros danos, quais sejam: o projeto de vida e a vida de relações (LUTZKY, 2012).

O projeto de vida é tudo aquilo que um indivíduo decide fazer de sua vida. O homem está sempre projetando o futuro e, consequentemente, selecionando planos que o auxiliem na concretização dos projetos de vida, galgando realização pessoal (BEBBER, 2009). Na ofensa a este elemento, o indivíduo se vê impedido de voltar-se à própria realização pessoal integral, não podendo gozar de sua liberdade de escolha para proporcionar concretude, no contexto espaço-temporal em que se insere, às metas, aos objetivos e às ideias que dão sentido à sua existência.

A vida de relação refere-se ao conjunto de relações interpessoais, nos mais diversos ambientes e contextos, que permite ao ser humano estabelecer a sua história vivencial e se desenvolver de forma ampla e saudável, ao compartilhar pensamentos, sentimentos, emoções, hábitos, reflexões, aspirações, atividades e afinidades, prosperando por meio do contato contínuo com a sociedade ao seu entorno (FROTA, 2013). O dano a tal elemento resta caracterizado, em sua essência, por ofensas físicas ou psíquicas que implicam no impedimento

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do ato de desfrutar de atividades recreativas, de lazer, de descanso e de interação social extra laboral (PAULI, 2015).

Assim, esse elemento está intimamente relacionado ao direito ao lazer previsto no art. 6º da Constituiç~o, cujo direito social, segundo M|rcio Batista de Oliveira (2010, online), “contribui para a expansão do ser humano na sua essencialidade”, englobando, por exemplo, o convívio familiar, a confraternização com os amigos, a prática de atividades lúdicas, esportivas, culturais e educacionais, importando em crescimento pessoal, familiar e social. Todavia, o lazer não deve ser entendido apenas como atividades que preenchem o tempo do indivíduo de forma prazerosa, pois também abarca o lapso temporal que o indivíduo deve ter para descanso, ou seja, a disponibilidade de tempo livre (SOARES, 2009).

Nos casos práticos, o dano existencial apresenta relação íntima com as violações de normas labor-ambientais. Por meio do método de levantamento e da técnica de pesquisa jurisprudencial junto aos 24 Tribunais Regionais do Trabalho brasileiros (TRTs), em julgados de segunda instância, no período de 1988 a 2014, verificaram-se que algumas hipóteses de infrações a direitos trabalhistas se relacionam de modo mais frequente à caracterização do dano existencial.

Após coletar os dados nos sítios eletrônicos dos 24 TRTs através da busca pelo termo “dano existencial”, os 734 julgados encontrados foram analisados através da técnica de an|lise de conteúdo (BARDIN, 1977), visando identificar quais direitos violados fundamentavam a causa de pedir do dano existencial. A partir daí, observou-se expressiva ocorrência de julgados que versavam sobre violação às normas de meio ambiente do trabalho.

Esse é o caso do desrespeito aos limites de duração do trabalho e às normas de saúde e segurança, somando 84,5% do total de julgados coletados e analisados nessa investigação. Tratam-se, consoante à perspectiva labor-ambiental, de fatores ambientais, classificados como “aspectos organizacionais” constituintes do meio ambiente do trabalho.

A Duração do trabalho encontra-se regulamentada no Capítulo II da Consolidação de Leis Trabalhistas (CLT) pleiteiam dano existencial em face da violação dos limites legais de jornada representam 76% dos julgados coletados e analisados (557 julgados).

À titulo de exemplo, encontra-se o Recurso de Revista nº 0001802-51.2012.5.15.0137, o qual discute a configuração do dano existencial em caso de jornada extenuante e suas consequências danosas na vida do trabalhador.

DANO EXISTENCIAL – JORNADA EXTENUANTE. DEVIDO. Se é certo que o trabalho dignifica o homem, também é certo que o trabalho em excesso, realizado em jornada extenuante, fere a dignidade humana, impedindo o trabalhador de se autodeterminar. Deve-se realizar a máxima kantiana de consideração do ser humana como fim, nunca como meio para o atingimento de objetivos. Por esse motivo é que se fala em dignidade como possibilidade de autodeterminaç~o. O trabalhador n~o pode ser “coisificado”, reduzido a simples instrumento de obtenção de lucro. A logica do lucro, selvagem em nosso país, conclui pela desnecessidade de contratação de novos trabalhadores, pois isso gera custos, preferindo-se a sobrecarga daqueles existentes. Condutas como essas não podem ser respaldadas pelo Judiciário, haja vista a existência de cláusulas impeditivas de retrocessos sociais, exemplo dos dispositivos insertos no art. 1º da CF/88. A jornada extenuante leva a um sofrimento íntimo do trabalhador, que se vê transformado no escravo dos novos tempos, que de novo nada tem, já que se retorna aos primórdios da revolução industrial. O operário não tem vida social, nem familiar, só vive para o trabalho. Atingida a dignidade da pessoa humana, em sua mais abrangente acepção, devidos os danos existenciais. (TRT da 15ª Região. RR 0001802-51.2012.5.15.0137. 6ª Turma. Relator João Batista Martins César. Julgamento: 09/09/2014. Publicação: 19/09/2014).

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Outro tópico de suma relev}ncia é “Segurança e medicina do trabalho” que representa 8,5% dos julgados analisados (63 julgados). Tal direito é previsto no art. 7º da CF, em seu inciso XXII. Com o objetivo de esclarecer como a relação entre a violação às normas de segurança e medicina do trabalho e o pleito de indenização por dano existencial se dá, segue exemplo de julgado que versa sobre o tema.

DANO MORAL E MATERIAL. PROVA. RECONHECIMENTO. RECLAMANTE. DOENÇA. ACOMETIMENTO. NEXO CAUSAL. ATIVIDADE LABORAL. CONSTATAÇÃO. DANO EXISTENCIAL. OCORRÊNCIA. INDENIZAÇÕES. SENTENÇA. MANUTENÇÃO. Inúmeros são os documentos, caderno processual, que demonstram a doença que acometeu a trabalhadora, por razões diretamente vinculadas com seu ambiente de trabalho, e, sem sombra de dúvida, por culpa de conduta empresarial, que, por meio de superiores hierárquicos, exerciam intensa pressão psicológica, de forma desmedida sobre a parte hipossuficiente. Evidenciado, inclusive, autêntico dano existencial, este compreendido na própria “frustraç~o do trabalhador em n~o realizar um projeto de vida e no direito ao descanso”. Este cen|rio, inclusive, culminou com a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho – CAT, endereçada à Previdência Social, ensejando a percepção, do correspondente benefício previdenciário ao segurado, e posteriormente, a aposentadoria por invalidez. Foi mais do que comprovada a atitude da entidade bancária, em colaborar efetivamente, para os graves problemas de saúde que acometem a reclamante. Indenizações pelo dano moral e o material que se mostram pertinentes e em valores condizentes com a razoabilidade e proporcionalidade. Sentença que se mantem. Recurso ordinário a que se nega provimento. (TRT da 6ª Região. RO 0062200-64.2007.5.06.0015. 2ª Turma. Relator: Sérgio Tores Teixeira. Julgamento: 04/12/2013).

Embora o aspecto positivo desse cenário seja a possibilidade de que boas práticas

corporativas e intervenções efetivas na estrutura organizacional do meio ambiente do trabalho afastem a ocorrência de dano existencial, o aspecto negativo consiste na dificuldade de se modificar a cultura patronal no país, de modo a conscientizar empregadores que a manutenção do equilíbrio labor-ambiental contribui para a satisfação dos trabalhadores que, nessas condições, tornam-se mais produtivos (PAULI, 2015). Nesse sentido, deve-se prezar por conscientização e prevenção de maneira e prevenir que o dano seja causado em face da violação de direitos trabalhistas previstos legalmente. E, para isso, é necessário prezar pela efetivação das normas trabalhistas.

Eis a necessidade do estudo das políticas públicas de saúde, meio ambiente e segurança do trabalho, visando à prevenção da ocorrência do dano existencial ou aplicá-lo vigorosamente aos casos de violação de normas trabalhistas, como forma de efetivamente proteger o trabalhador de sofrer danos ao seu projeto de vida e a sua vida de relações. Faz-se necessário reestruturar a organização do trabalho (quanto à jornada de trabalho, intervalos, medidas de saúde e segurança, etc.) buscando o afastamento da implementação dessa modalidade danosa, para garantir condições labor-ambientais adequadas aos trabalhadores, efetivando-se, assim, os primados da República Federativa do Brasil, quais sejam a harmonia social (preâmbulo), a cidadania (art. 1º, inciso II, da CF), a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF) e os valores sociais do trabalho (art. 1º, inciso VI, da CF).

Nesse sentido, o Decreto nº 7602, de 7 de novembro de 2011, dispõe sobre a política nacional de segurança e saúde no trabalho, tendo em vista o disposto no artigo 4º da Convenção nº 155 da OIT (Genebra, 1981) – promulgada pelo Decreto nº 1.254, de 29 de setembro de 1994 – que assim prevê:

Art. 4 – 1. Todo Membro deverá, em consulta com as organizações mais representativas de empregadores e de trabalhadores, e levando em conta as condições e as práticas nacionais, formular, pôr em prática e reexaminar

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periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio-ambiente de trabalho. 2. Essa política terá como objetivo prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem consequência do trabalho tenham relação com a atividade de trabalho, ou se apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida em que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio-ambiente de trabalho. (OIT, 1981, online).

Observa-se que a previsão engloba não só o dever de todo o membro da OIT formular

política nacional referente à matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio-ambiente do trabalho, mas, também, colocá-la em prática e reexaminá-la periodicamente. No caso do Brasil, verifica-se que é evidente a falta de aplicação e fiscalização das políticas públicas relacionadas à matéria em questão, uma vez que é cristalino, em face da pesquisa jurisprudencial realizada, que os casos de dano existencial mais frequentes decorrem do desrespeito às normas labor-ambientais e, mais especificamente, poder diretivo do empregador, a quem cabe a organização do trabalho (art. 2º, CLT).

O Decreto prevê como objetivos “a promoç~o da saúde e a melhoria da qualidade de vida do trabalhador e a prevenção de acidentes e de danos à saúde advindos, relacionados ao trabalho ou que ocorram no curso dele, por meio da eliminação ou redução dos riscos nos ambientes de trabalho” (BRASIL, 1994, online). Nota-se que há explícita preocupação quanto à garantia de um ambiente seguro ao trabalhador, como forma de evitar acidentes e doença do trabalho, por meio da eliminação ou da redução de riscos labor-ambientais.

Todavia, não há menção à promoção de um meio ambiente do trabalho equilibrado na perspectiva da saúde mental do trabalhador, ou seja, dos aspectos psicológicos e comportamentais que também integram o meio ambiente do trabalho, conforme evidenciam Victor Hugo de Almeida e André Evangelista de Souza (2013).

Nesse prisma, deve-se manter em mente que a noção de equilíbrio do meio ambiente do trabalho não se relaciona apenas com os aspectos imediatos do locus laboral, mas também a todos os fatores que interferem na garantia da qualidade de vida do trabalhador (ALMEIDA; COSTA; GONÇALVES, 2013). O ambiente de trabalho é afetado por fatores externos a ele, assim como o meio ambiente desequilibrado afeta outras esferas da vida do trabalhador, pois o próprio trabalhador é parte integrante do meio ambiente do trabalho no qual se encontra e, por isso, deve ser considerado ao se analisar o equilíbrio labor-ambiental (ALMEIDA; COSTA; GONÇALVES, 2013).

Assim sendo, as condições psicológicas do trabalhador influenciam e são influenciadas pelo (des)equilíbrio labor-ambiental (ALMEIDA; SOUZA, 2013). Logo, de acordo com os dados levantados através da aludida pesquisa jurisprudencial, o desequilíbrio do meio ambiente do trabalho pode causar danos imateriais ao trabalhador, como, por exemplo, dano existencial. À guisa de exemplo, a inadequação da quantidade de mão-de-obra à demanda (aspecto organizacional labor-ambiental) pode culminar na prestação habitual de horas extraordinárias pelos trabalhador, conduzindo-os a jornadas extenuantes capazes de impedir o convívio social (familiar, recreativo, etc.), em razão da falta de tempo ou do cansaço, ou o projeto de vida, consistente, por exemplo, no envolvimento de cursos de formação, aperfeiçoamento ou especialização.

Vale ressaltar que há previsão legal do limite de jornada de trabalho tanto na Constituição Federal (art. 7º, XIII) como na Consolidação das Leis Trabalhistas (Capítulo II). No entanto, o impasse encontra-se na dificuldade de revestir de eficácia as normas legais de proteção ao trabalhador, diante da precária fiscalização do trabalho e das modestas sanções aplicadas aos empregadores infratores.

Para Paulo César do Amaral de Pauli (2015), salários miseráveis, precarização do trabalho, jornadas dilatadas, descansos suprimidos e reduzidos são males que afetam milhões de trabalhadores que clamam por uma redefinição urgente do papel dos direitos humanos nas

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relações laborais. Não se pode converter o trabalhador em mera massa ajustável às exigências da indústria, do comércio, das empresas de prestação de serviços e do capital financeiro.

A saúde do trabalhador deve ser examinada sob a perspectiva do próprio trabalhador e não do trabalho em si, devendo o meio ambiente do trabalho ser entendido como fator a se adaptar às necessidades do trabalhador e não o contrário, conforme estabelece a Convenção nº 155 da OIT.

Diante disso, é imprescindível entender as políticas públicas como formas de valorizar não apenas a construção de normas de proteção ao meio ambiente do trabalho equilibrado, mas, também, como instrumento de efetivação da proteção biopsicofísica do trabalhador, evitando-se, assim, a implementação de danos materiais e imateriais.

CONCLUSÃO

Ao longo do presente trabalho pode-se constatar que o dano existencial tem relevante

papel na proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, CF), sendo meio eficaz de tutelar o direito do trabalhador de livre dispor de seu tempo livre e auto determinar-se fora do período laboral, de modo que o trabalho não se torne um empecilho à realização do projeto de vida e à vida de relações do trabalhador (elementos do dano existencial).

Verificou-se, ao longo da análise jurisprudencial, que, nos casos práticos, o dano existencial apresenta relação íntima com as violações de normas labor-ambientais. Observou-se que algumas hipóteses de infrações a direitos trabalhistas se relacionam de modo mais frequente à caracterização do dano existencial, como é o caso das violações à duração da jornada de trabalho e de desrespeito às normas de saúde e segurança do trabalho, ambos fatores labor-ambientais.

Dessa forma, nota-se que, ao prezar pelo respeito e efetivação das normas trabalhistas, de forma a promover um meio ambiente do trabalho sadio e equilibrado (art. 225; art. 200, VIII, CF), não se estaria apenas prezando pela saúde física dos trabalhadores, mas, também, por sua saúde psicológica, bem estar e desenvolvimento social.

É de suma relevância observar que a noção de equilíbrio do meio ambiente do trabalho relaciona-se com todos os fatores que interferem na garantia da qualidade de vida do trabalhador, dentre eles fatores externos ao locus laboral. Em outras palavras, assim como o meio ambiente do trabalho desequilibrado afeta esferas extralaborais da vida do trabalhador, o trabalhador em estado emocional abalado pode desequilibrar o meio ambiente do trabalho em que se encontra, pois este é parte integrante do meio ambiente do trabalho.

Nesse sentido, faz-se relevante o estudo das políticas públicas de saúde, meio ambiente e segurança do trabalho, que tenham como escopo a prevenção da ocorrência do dano existencial, não apenas prevendo criação de normas que assegurem um meio ambiente equilibrado, mas que tragam meios para a concretização dessas normas, por meio da conscientização da população e da prevenção da ocorrência de danos ao trabalhador.

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O TRABALHO CONTEMPORÂNEO E OS EFEITOS NA SAÚDE DO PROFESSOR

CONTEMPORARY WORK AND THE EFFECTS IN THE HEALTH OF TEACHER

Carlos Eduardo Cervilieri*

RESUMO: No contexto da sociedade atual e no processo da construção histórica sobre trabalho, envolvem-se questões da cultura e educação tecidas pelo capital. Surge por meio desta construção capitalista, um novo modelo de funcionário para atender as novas exigências empresariais e o novo mercado de trabalho. Sujeitados a uma carga de trabalho excessiva, indo além das funções as quais foram estabelecidas, com cobranças e pressões para o cumprimento de metas e objetivos. A situação não é diferente no setor educacional, abrindo-se espaço para discussões da atuação do professor e saúde do trabalhador. Pesquisas sobre o trabalho contemporâneo e os efeitos na saúde do professor, limitam-se frente aos novos desafios. O objetivo do trabalho foi realizar uma revisão da literatura dos últimos cinco anos, referente aos estudos realizados no campo saúde e trabalho envolvendo professores. Destacando quais as situações vivenciadas pelos professores no ambiente de trabalho, a carga excessiva e as doenças correlacionadas ao trabalho. Como instrumentos para coleta e análise das produções científicas foram utilizados: a biblioteca eletrônica SciELO (Scientific Electronic Library Online), PsycINFO (American Psychological Association) e o Gooogle Acadêmico, abrangendo o período de 2009 a 2014. Os critérios para inclusão dos artigos foram: saúde dos professores no ambiente de trabalho e apresentar temas compatíveis envolvendo professor, trabalho e saúde. No SciELO foram levantados 33 artigos envolvendo a saúde do professor, dos quais 21 foram selecionados. No PsycINFO foram levantados 11 artigos e selecionados 3 que envolviam a temática e no Google Acadêmico levantou-se 5 artigos selecionando 3. Os resultados da revisão literária apontam para poucos estudos que evidenciam afastamentos e adoecimento profissional, correlacionado ao ambiente de trabalho. Há estudos que comprovam o trabalho e desgaste do docente, mas sem mencionar a carga ou excesso de trabalho. Palavras-chave: professor. saúde do trabalhador. trabalho docente. ABSTRACT: In the context the a society current and in the process of the historical construction on work, involve issues of culture and education woven by capital. Arise through tis capitalist construction, a new of employee model to meet new business requirements and new labor market. Subjected to an excessive workload, going beyond the functions which have been established, with charges and pressures to fulfill goals and objectives. The situation is no different in the education sector, opening up space for discussions of teacher and health worker performance. Research on contemporary work and the effects on teacher health, limited to the new challenges. The objective was to review the literature of the past five years, referring to studies in the health field and work involving teachers. Stressing that the situations experienced by teachers in the workplace, excessive load and disease correlated to work. As tools for collection and analysis of scientific productions were used: the electronic library SciELO (Scientific Electronic Library Online), PsycINFO (American Psychological Association) and the Gooogle Academic, covering the period 2009 to 2014. The inclusion criteria for articles were: health of teachers in the workplace and provide consistent themes involving teacher, work and health. SciELO were raised 33 articles involving the health of teachers, of which 21 were selected. In PsycINFO were raised 11 articles and selected 3 involving the theme and Google Scholar rose 5 articles selecting 3. The results of the literature review point to a few studies that show deviations and professional illness correlated to the desktop. There are studies that prove the work and wear teacher, but without mentioning the load or overwork. Keywords: teacher. worker’s health. teaching work.

* Mestrando na Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected].

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SUMÁRIO: Introdução. 1 Saúde professores: breve revisão literária. 2 Procedimentos metodológicos. 2.1 Os instrumentos. 2.2 Base de dados. 3 Análise de dados. 4 Resultados. 5 Discussões dos resultados. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

Com objetivo de consultar estudos relacionados à saúde dos professores no ambiente de atuação profissional, envolvendo as relações no trabalho e ambiente educacional, desenvolveu-se esta pesquisa bibliográfica sistematizada. Com a pesquisa, foram conhecidos os assuntos abordados e os que não foram abordados até a presente data envolvendo a saúde dos professores e ambiente de trabalho. A proposta do estudo da variável foi para descrever e conhecer a existência de doenças correlacionadas ao ambiente de atuação profissional.

Estas informações tornaram-se necessárias para o desenvolvimento de projeto de pesquisa de estudos relacionados à saúde do professor e atuação profissional. A pesquisa versa compreender o desenvolvimento do docente, da sua vivência frente aos desafios de ensinar, educar e nas diversas situações vivenciadas no ambiente de trabalho.

Ao longo dos últimos anos “o fenômeno da satisfaç~o docente, tem merecido atenç~o e relevância, democratizou-se” (POCINHO & GOVEIA, 2012, p. 95). Quando esta satisfaç~o é comparada com os estudos realizados, no âmbito da satisfação profissional merecem interesse e crescente exploração na temática. A democracia atual tem apresentado mudanças no setor, exigindo do profissional saberes e fazeres além do ensinar, colocando em evidência a satisfação docente. Essas mudanças resultam em cobranças ocorridas no contexto profissional pessoal e nas instituições educacionais, envolvendo o paradigma de estar satisfeito e insatisfeito com o sistema educacional.

Há estudos que sinalizam que os professores estão adoecidos. As pesquisadoras Dalagasperina e Monteiro (2014) apresenta como tema de pesquisa, a Síndrome de Burnout. E afirmam que “apesar das publicações nacionais e internacionais destacarem a síndrome de Burnout em professores como uma preocupante forma de adoecimento no trabalho, a questão parece estar longe de ser solucionada” (DALAGASPERINA & MONTEIRO, 2014, p. 267). A pesquisa limita-se a descrever situações de exaustão e cansado físico, não apresentando se houve resultados sobre: afastamentos, traumas, depressões e outras situações oriundas do ambiente profissional. Destaca exclusivamente a síndrome de Burnout, correlacionando o conteúdo ao estresse dos professores, não apresentando situações do ambiente de trabalho.

Após leitura dos estudos publicados, notou-se lacuna em relação ao quanto o ambiente de atuação profissional, é prejudicial ou não para o professor. Há a hipótese de que o ambiente pode ser favorecedor sim, pelo motivo dos resultados apresentando nas pesquisas consultadas. Sendo assim, buscou-se relacionar as últimas pesquisas publicadas da temática saúde do professor e ambiente de trabalho, com propósito de desenvolvimento de projeto.

O objetivo do trabalho foi realizar uma revisão da literatura dos últimos cinco anos, referente aos estudos realizados no campo saúde e trabalho envolvendo professores. Como metodologia utilizou-se instrumentos para coleta e análise das produções científicas: a biblioteca eletrônica SciELO (Scientific Electronic Library Online), PsycINFO (American Psychological Association) e o Gooogle Acadêmico, abrangendo o período de 2009 a 2014. Os critérios para inclusão dos artigos foram: saúde dos professores no ambiente de trabalho e apresentar temas compatíveis envolvendo professor, trabalho e saúde. 1 SAÚDE PROFESSORES: BREVE REVISÃO LITERÁRIA

Nesta revisão literária, correlacionou-se o estado de saúde dos professores, ao ambiente

educacional. A definição encontrada nos artigos pesquisados, com a palavra-chave, saúde, trouxe como resultado temas ligados apenas da área da saúde. Quando envolvido a educação, localizou-se a educação para profissionais específicos desta área como: médicos, psicólogos, psiquiatras,

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professores da área da medicina e enfermeiros. Quando refinada a busca, para o ambiente educacional, encontraram-se estudos correlacionados ao estresse. Portanto, versa-se a necessidade do aprofundamento de estudos voltados para o contexto institucional e o ambiente de trabalho desta temática.

Nota-se a situação pelo resultado da pesquisa de Gomes e Quintão (2011), o conceito da Síndrome de Burnout na exaustão do professor. Apresenta o surgimento ao que tange a atuação do professor.

[...] um processo que surge como consequência do stresse laboral crónico no qual se combinam variáveis de carácter individual, social e organizacional é considerado, na actualidade, como um dos danos laborais de carácter psicossocial mais importante. Trata-se, por isso, de um síndroma com conotações afectivas negativas que afecta os trabalhadores nos diferentes níveis, pessoal, social e laboral. (GOMES & QUINTÃO, 2011, p. 335).

Há o conceito da síndrome, que surge com a consequência do estresse, especificando que é laboral. Mas, não é evidente a relação do ambiente de trabalho. Apresenta-se como sintomas laborais de caráter psicossocial de importância, mas quanto estaria correlacionado ao indivíduo e o ambiente de trabalho? Estaria o ambiente de trabalho favorecendo ao estresse? Se há conotações negativas que afeta o laboral, pode existir interferências do ambiente profissional.

Existem predominâncias de estudos sobre a saúde mental relacionada ao estresse, a Síndrome de Burnout e o mal-estar. Souza & Leite (2011), na pesquisa das condições de trabalho e suas repercussões na saúde dos professores afirma a situação das predominâncias aqui evidenciadas.

De forma geral, há uma predominância de estudos sobre saúde mental: estresse, Burnout, mal-estar, entre outros, construídos a partir do campo de conhecimento da psicologia e da biologia. Nas análises sobre o trabalho, estrito senso, predominam os estudos ergonômicos sobre as atividades e tarefas dos professores. (SOUZA & LEITE, 2001, p. 1106).

Na pesquisa nota-se a afirmação da predominância dos estudos envolvendo a saúde mental dos professores, porém, a predominância dos estudos é para os riscos ergonômicos sobre as tarefas dos professores. Mas, não revela sobre a saúde envolvendo: traumas, depressões e outros fatores específicos da saúde mental com classificação envolvendo o ambiente de trabalho.

A leitura das demais pesquisas, que foram selecionadas, remete ao mal-estar docente, tratando-se do fato como um fenômeno social que assola o mundo ocidental, possuindo agentes que são desencadeadores para a desvalorização profissional. Este processo está intimamente ligado, às constantes exigências profissionais e que para o professor, não é diferente.

Nos dias atuais o professor na sua atuação profissional está presente a vários fatores psicossociais envolvendo: a violência; a indisciplina, desvalorização profissional e falta de reconhecimento. Todos estes fatores geram e desencadeiam crise de identidade remetendo ao mal-estar docente.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para a revisão sistemática dos resultados da pesquisa bibliográfica dos últimos cinco

anos, referente à variável saúde dos professores no ambiente de atuação profissional. Exigiu-se o olhar psicológico e a análise conceitual envolvendo o contexto profissional e educacional. Realizou-se a pesquisa em três bases de dados: SciELO, PsycINFO e Google Acadêmico. A última base abarcou publicações gerais em revistas e jornais eletrônicos. Possibilitando-se a confirmação da existência de trabalhos e pesquisas de cunho científico, envolvendo a temática

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desta revisão. A escolha destas três bases teve como objetivo principal, propiciar a análise com grande alcance das produções científicas. Para uma busca focalizada no objetivo, cruzou-se a palavras-chave que foram utilizadas: docentes e saúde, professores e saúde, psicodinâmica e professores, psicodinâmica e docente, depressão e professores, docentes e mental, teacher and mind, teacher and mental health, psychopathology, teacher atitudes e health of tecahers. Utilizou-se o termo saúde mental dos professores na base do Google Acadêmico, com propósito de análise profunda em outras publicações eletrônicas que não constam nas bases de dados da SciELO e PsycINFO. Na Tabela 1 é demonstrado como se aplicou a utilização das palavras-chave, correlacionando com as respectivas bases de dados pesquisadas.

Tabela 1. Palavras-chave utilizadas na pesquisa e bases consultadas

Palavras-chave PsycINFO SciELO Google Acadêmico

Docentes e Saúde - X -

Professores e Saúde - X - Psicodinâmica e Professores - X X Psicodinâmica e Docentes - X X Depressão e Professores - X X Docentes e saúde - X X Saúde Mental dos Professores - - X Teacher and Mental Health X - - Psychopathology X - - Health of Teachers X - -

A Tabela 1 evidencia a correlação das palavras-chave utilizadas nas bases de dados ora pesquisadas. Optou-se pelo cruzamento das palavras-chave, com propósito de refinar a busca das informações e levantamento do maior número possível de dados em relação à variável. Utilizou-se da palavra “psychopathology” pela sugest~o da base de dados da PsycINFO no momento do retorno de consultas oriundas das palavras-chave. Apontando uma sugestão, que poderia resgatar trabalhos deste âmbito, envolvendo os professores. Seguindo a mesma linha de raciocínio, optou-se com “teacher attitudes” e “health of teachers”.

Quanto à pesquisa na base de dados do Google Acadêmico, utilizaram-se as palavras-chave: psicodinâmica e professores; psicodinâmica e docentes; depressão e professores; docente e mental e por último, o termo saúde dos professores. Ampliou-se a pesquisa utilizando este site de busca, evitando-se que trabalhados envolvendo a temática, ficassem de fora da dos resultados da revisão bibliográfica sistematizada.

Para o sucesso da composição dos resultados, elaborou-se cruzamento das palavras-chave nas pesquisas das referências literárias para uma busca precisa sobre a variável de interesse. Buscou-se ter o resultado sistematizado da pesquisa sobre a variável isolada e cruzada, realizando-se revisões literárias nas bases de dados eletrônicos, abrangendo os últimos cinco anos de publicações do período entre 2009 e 2014. Desta forma, foram levantados os artigos científicos nacionais e internacionais constantes na biblioteca eletrônica SciELO, PsycINFO e Google Acadêmico.

Com os dados coletados foi possível discorrer a situação dos últimos cinco anos sobre o tema, além do estado científico em que se encontra a variável de estudos para elaboração de um projeto para nova pesquisa. Na próxima etapa para início do projeto será realizada uma avaliação criteriosa dos artigos científicos recuperados, partindo de critérios prévios, com o objetivo principal de selecionar quais das pesquisas serão utilizadas da revisão literária. Em seguida, os artigos científicos que foram excluídos da seleção, serão justificados.

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Até esta etapa da pesquisa e como critério de inclusão, estabeleceu-se que os artigos deveriam: (a) ter publicação dos últimos cinco anos, de 2009 até 2014; (b) abordar de forma exclusiva a saúde dos professores ou fatores relacionados, (c) apresentar temas compatíveis com a saúde dos professores no ambiente de trabalho e (d) que apresente temas relevantes sobre doenças do Cadastro Internacional de Doenças – CID.

Os números de artigos reservados, para a revisão ressaltaram diversos temas que vão além da variável. Há várias profissões e temas envolvendo a saúde de trabalhador, para ter foco na pesquisa sistematizada, utilizou-se dos critérios estabelecidos: 1 – saúde do professor e 2 ambiente do trabalho envolvendo este profissional. Foram separados os artigos que apontavam para o tema desta revisão. Exigiu-se na sequência a utilização dos critérios previamente elaborados, para análise criteriosa dos dados pesquisados e resultados obtidos. Este processo contribuiu para a articulação dos estudos de maneira focal e objetiva para um excelente resultado. 2.1 Os Instrumentos

O levantamento bibliográfico sistematizado foi realizado nas bases de dados envolvendo

o período entre 2009 e 2014. Para validar o levantamento da pesquisa, coletas de dados e análises críticas das produções científicas nacionais e internacionais, utilizaram-se: a biblioteca eletrônica SciELO, PsycINFO e Google Acadêmico. Estas bases de dados reconhecidas como bibliotecas eletrônicas possuem as seguintes definições:

A SciELO – Scientific Electronic Library Online refere-se a uma biblioteca eletrônica de periódicos brasileiros e pesquisas em diversos países como: Brasil, Colômbia, Cuba, Chile, México, Venezuela, Argentina, Espanha, Costa Rica, Portugal, Peru, Bolívia e Uruguai.

A PsycINFO – American Psychological Association contempla registros bibliográficos centrados na psicologia e nas ciências comportamentais e sociais. Conta com conteúdo interdisciplinar em PsycINFO, fazendo do seu banco de dados altamente utilizados pelos estudantes e pesquisadores de todos os países dentre eles: Columbia, Ohio U, U Califórnia, Harvard U, U Chicago, Michigan State U, Ohio State U, U Toronto, U ILLinois, Pennsylvania State U e U Pennsylvania.

O Google Acadêmico é um site de pesquisa que fornece possibilidades de buscas da literatura acadêmica de forma abrangente. O site classifica os resultados das pesquisas, segundo a relevância. A tecnologia presente de classificação do Google Acadêmico, leva em conta o texto integral de cada artigo, o autor, a publicação em que o artigo saiu e a frequência com que foi citado em outras publicações acadêmicas. Viabilizando possibilidades de analises criteriosas no sistema de buscas em outros periódicos eletrônicos.

2.2 Base de Dados

A base de dados da revisão literária para o desenvolvimento da pesquisa bibliográfica

sistematizada da variável no ambiente de trabalho foi desenvolvida nos meses de abril e maio de 2015. Os dados coletados foram a partir de revisões bibliográficas em bases eletrônicas, dentro do período de cinco anos, com abrangência do período de 2009 até 2014. Completou-se com critérios de cruzamento das informações com palavras-chave envolvendo a variável pesquisada.

Na pesquisa literária, levantou-se informações das produções científicas nacionais e internacionais nas bibliotecas eletrônicas SciELO, PsycINFO e Google Acadêmico, utilizou-se filtros específicos da temática pesquisada para refinar as informações com foco na variável. Para a última base de dados optou-se por pesquisa avançada para busca do temo “saúde dos professores”. Desta forma, possibilitando o retorno de documentos específicos com o assunto solicitado, prevalecendo o foco e o objetivo da pesquisa bibliográfica sistematizada.

Com este processo possibilitou-se a análise criteriosa dos dados coletados, obtendo informações atuais e produções específicas da base de dados das bibliotecas eletrônicas. Tendo como objetivo principal, obter informações e a situação atual de pesquisas científicas sobre o

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tema. Posteriormente realizar-se-á, análise criteriosa das produções com os mesmos aspectos de estudos em campos diversos do conhecimento da saúde mental envolvendo os professores. Como abrangência focal, utilizou-se o Google Acadêmico para ir além das bibliografias existentes nas bases de dados da SciELO e PsycINFO, ou seja, buscou-se outras informações existentes com a varável de pesquisa, excluindo quaisquer possibilidades de algum trabalho de características relevantes ficar fora dos resultados.

Durante a revisão os artigos foram organizados e avaliados através dos resumos para aplicação dos critérios de exclusão e inclusão. Foram analisados os assuntos contraditórios e os tipos de publicações envolvendo metodologias e lacunas encontradas em cada estudo pesquisado. Com esta revisão bibliográfica sistematizada permitiu-se a constatação da originalidade do tema pesquisado.

Identificou-se que há artigos relacionados ao tema, porém envolvendo outras áreas do campo de pesquisa como: profissionais da saúde, formação do docente, saberes docente e abordagem principal de estudos relacionados à Síndrome de Burnout, envolvendo estresse, cansaço e fadiga. Portanto, os artigos apresentados nessa pesquisa são de formação do docente, focalizam os saberes docentes na formação inicial, estudos das concepções acerca da formação permanente, formação continuada e a atuação profissional envolvendo estresse e cansaço, mas, sem a correlação com clareza do ambiente de trabalho.

3 Análise de Dados

O critério para levantamento bibliográfico dos artigos selecionados iniciou-se, a partir da

situação sinalizada por artigo e o envolvendo da temática escolhida do campo de atuação. A seleção para posterior análise dos artigos deu-se, pela identificação da variável, temática central, das palavras-chave e período definido entre 2009 e 2014.

A partir da utilização destes critérios, utilizou-se a busca com palavras-chave pertinentes ao objetivo principal como: saúde, saúde mental, ambiente de trabalho, psicopatologias e psicodinâmica. Para melhor satisfação do resultado, ampliou-se a pesquisa para fora do Brasil e para este processo, foram utilizadas as mesmas palavras-chave na língua inglesa nas bibliotecas eletrônicas que abrangem vários países.

Realizou-se a identificação no resumo envolvendo o tema central, as palavras-chave e pontos relevantes de situações dos estudos envolvendo: professores, saúde e ambiente de trabalho. Buscou-se analisar o tipo de publicação, a metodologia utilizada, a abordagem aplicada e possíveis lacunas existentes para reconhecer e separar as produções científicas com caráter inédito. 4 Resultados

Das pesquisas, artigos e trabalhos investigados, a partir da estrutura de percurso da

revisão desenvolvida, foram localizadas algumas evidências da variável ora pesquisada. Destas evidências constatadas no resultado, não fazem correlações às especificidades envolvendo o ambiente de atuação profissional. Portando, com estes resultados se demonstra necessidades de pesquisas na área de saúde dos professores, correlacionadas ao ambiente de trabalho. Sugerindo fomentação de novos estudos, possibilitando o desenvolvimento de novas ideias e situações pertinentes à temática.

Nos resultados prévios, aparece o maior número de pesquisas com resultados e temática envolvendo a Síndrome de Burnout. Os estudos são correlacionados com o estresse, a fadiga, cansaço físico e mental resultados da síndrome.

As pesquisas que foram filtradas pelos critérios pré-estabelecidos sinalizam o sofrimento do professor frente à realidade que tem se manifestado. Como demonstrado por Ferreira & Silva (2013).

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[...] o professor diante dessa realidade é quem tem manifestado maior sofrimento, uma vez que tais transformações exigem dele um posicionamento na sua função, que ministram aulas para discípulos que não querem aprender, que cumpram funções da família e das outras instâncias sociais; que resolvam problemas de violência, da droga e da indisciplina. (FERREIRA & SILVA, 2013, p. 5).

O resultado sinalizando o “sofrimento docente” evidenciado neste trecho

correlacionado à mudanças, sinalizam que o ambiente pode ser favorecedor ao adoecimento do professor. Há indícios que tais resultados podem ser interferências do ambiente de trabalho, visto que os alunos apresentam situações que vão do ensinar.

Há complementos com a saúde do professor formando um tripé entre: psicologia, ergonomia e a Síndrome de Burnout. Sugere-se esta situação pelo principal motivo do estresse, correlacionado aos desgastes ósseos e musculares fisiológicos. Entretanto, firmando estes resultados presentes nos estudos, não há evidências de comprovações com o ambiente de trabalho, como uma situação favorecedora ou desfavorecedora frente aos resultados da saúde do professor.

Mediante aos resultados apresentados, constata-se a possibilidade da busca de novos resultados além da Síndrome de Burnout, correlacionando e comprovando a situação de um ambiente saudável ou doentio. Com a leitura das pesquisas, constatou-se em alguns casos a instalação da síndrome de Burnout, que apresentaram resultados mentais por consequência e o fato isolado da saúde mental em relação às situações envolvendo: emoção, equilíbrio, traumas, e outros fatores relacionados à situação mental dos professores.

Seguindo o percurso deste resultado atingido, estima-se a possibilidade de novas pesquisas, enriquecendo o conhecimento científico. Indo-se além da Síndrome de Burnout ou partindo-se do mesmo princípio, envolvendo o ambiente de trabalho como um fator preponderante e relevante. Assim, possibilita-se ampliar a compreensão da variável na atuação profissional, corroborando com a Psicologia Organizacional e do Trabalho para enriquecimento do conhecimento científico.

Na pesquisa envolvendo a base de dados do Google Acadêmico, utilizando-se o termo “saúde dos professores” resgatou-se o trabalho acadêmico com o título: a saúde mental do professor de ensino fundamental da rede pública. Trata-se de uma revisão bibliográfica dos autores Ferreira e Silva (2013). O artigo retrata e afirma que há poucas referências teóricas sobre a atuação do psicólogo escolar trabalhando a doenças com foco cognitivo com professores. Esta afirmação, mais uma vez corrobora com os resultados aqui discutidos, pois não houve bibliografia de relev}ncia específica sobre a vari|vel pesquisada “Saúde dos professores e ambiente de trabalho”.

Os resultados oriundos com qualidade quantitativa do levantamento realizado são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2. Demonstração dos artigos considerando as bases de dados consultadas

Bases de Dados Resumos

Levantados Recuperados Selecionados

SciELO 2.298 21 33 PsycINFO 6.653 03 11 Google Acadêmico 86 03 05

Total 9.037 27 49

Os trabalhos científicos e as publicações que foram recuperados passaram por critérios de inclusão e exclusão pré-estabelecidos, e revisão com a leitura dos resumos com o objetivo principal de compreensão em relação à temática. Em seguida, foram selecionados aqueles que passaram pelo critério e com apresentação do tema foco à variável de pesquisa.

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5 Discussões dos Resultados

A base de dados selecionada para análise resgatada da biblioteca eletrônica SciELO, PsycINFO e Google Acadêmico, apresentaram grande números sobre a variável saúde, mas todas envolvendo a medicina, enfermagem e área hospitalar. Não houve correlação quando utilizado a palavra saúde com os professores.

O total de 9.037 artigos que foram encontrados, apenas 49 possuem foco na categoria docente ou professor. Na totalidade, as pesquisas direcionaram-se para os alunos e quando aparece o professor ou docente, não se correlaciona ao ambiente de atuação. Em algumas situações, quando da leitura dos resumos, foi possível observar breves comentários na introdução com a possibilidade de problemas correlacionados à saúde mental dos professores.

Alguns resultados correlacionaram-se ao ambiente de trabalho dos professores, mas, não há trabalho ou artigo específico correlacionando-se com a saúde e a atuação profissional do professor. De todos os artigos levantados e após a utilização dos critérios de inclusão e exclusão, possibilitou-se selecionar 49 artigos e recuperar o total de 27.

Nos resultados incluem-se temáticas de desempenho dos docentes e necessidades formativas, educação básica e a inclusão escolar. Há outros trabalhos com temas específicos como: concepções e práticas docentes na enfermagem, o docente na graduação de enfermagem, integridade na saúde, dos profissionais da área da saúde, formação de enfermeiros, formação de docentes na área da saúde e estresse na área da saúde.

Na base de dados da PsycINFO, utilizando-se o cruzamento de palavras-chaves “teachers and health”, as pesquisas retornaram os dados: alunos, famílias e tratamentos psiqui|tricos. Dos dados levantados na pesquisa sistematizada, não houve trabalhos relevantes vinculando aos professores e a saúde correlacionado ao ambiente profissional. Dos resultados pelos cruzamentos das palavras-chave e termos utilizados, selecionou-se 11 e utilizou-se 3 quando submetido aos critérios de inclusão e exclusão.

Frente a esta análise, das duas principais bases de dados, obteve-se um número reduzido de seleção dos trabalhos científicos. Portanto, buscou-se o Google Acadêmico para certificação, da veracidade das informações utilizando-se palavras-chave: psicodinâmica, professores, docentes, depressão, mental, saúde. Utilizou-se do cruzamento das palavras-chave entre si para análise do maior número de resultados possíveis, que na ocasião logrou-se selecionar 5 trabalhos e utilizou-se 3 como recuperados para análise

Através desta discussão e levantamento dos resumos, conclui-se a necessidade de estudos sobre a variável saúde mental dos professores no ambiente de atuação profissional. A partir da análise dos resumos, das pesquisas científicas selecionadas e recuperadas das bases de dados consideradas; foi possível situar a categoria de estudo empreendida a respeito da variável de pesquisa considerada.

CONCLUSÃO

O objetivo principal do presente estudo foi a realização da revisão sistemática dos resultados de pesquisas existentes nos últimos 5 anos com período de 2009 até 2014. Da variável saúde dos professores no ambiente de atuação profissional, com a intenção de posterior análise conceitual do termo.

Com a realização do levantamento bibliográfico sistematizado, em bases de dados da biblioteca eletrônica SciELO, PsycINFO e Google Acadêmico, envolvendo o total de 9.037 estudos científicos, foram selecionados 49 resumos sobre o tema estudado. Ao final recuperou-se 27 artigos após o critério de inclusão e exclusão. Utilizou-se também como critério o período de 2009 até 2014 e foco no tema da variável estudada. Portanto, os 27 estudos foram recuperados para posterior análise, obtendo-se como base pontos contraditórios, favorecedores, as metodologias, lacunas, e os tipos de publicação existentes.

Observou-se através das leituras prévias dos resumos, que alguns estudos estão voltados para a Síndrome de Burnout, relacionados à qualidade de vida e estresse dos professores. Notou-

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se que há falta de estudos aprofundados em relação a: utilização de medicamento, frequência de terapia, visita a psiquiatras, estados emocionais em relação à carga ou excesso de trabalho, existência de traumas nas relações, afastamentos e adoecimento profissional em relação ao ambiente de trabalho.

A pesquisa possibilitou evidenciar lacunas para preenchimentos com novos estudos e aprofundamento das pesquisas, buscando-se analisar situações específicas da saúde do professor e o ambiente de trabalho. Nota-se, portanto, que os trabalhos selecionados para esta pesquisa, levam o leitor a conhecer o campo de saúde mental dos professores. Porém, algumas respostas não satisfazem em relação ao elo da saúde mental e ambiente de trabalho.

Não se rechaça as ideias, objetivos e pressupostos dos estudos selecionados e recuperados, mas, acredita-se na possibilidade de emergir novos conhecimentos a partir das ideias trabalhas e analisadas. Construindo-se novos conhecimentos para o campo da ciência, buscando novos desafios frente ao desconhecido. Afirma-se com os resultados, que o objetivo proposto desta revisão bibliográfica sistematizada, foi alcançado.

REFERÊNCIAS

DALAGASPERINA, Patrícia; MONTEIRO, Janine Kieling. Preditores da síndrome de burnout em docentes do ensino privado. Psico-USF, Itatiba, v. 19, n. 2, p. 263-275, Aug. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-82712014000200009&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 20 out. 2015. FERREIRA, Ellen T. V. & SILVA, Selma M. A saúde mental do professor de ensino fundamental da rede pública. Disponível em: <https://psicologado.com/psicopatologia/saude-mental/a-saude-mental-do-professor-de-ensino-fundamental-da-rede-publica>. Acesso em: 14 out. 2015. GOMES, Ana Paula Rodrigues; QUINTAO, Sónia dos Reis. Burnout, satisfação com a vida, depressão e carga horária em professores. Aná. Psicológica, Lisboa, v. 29, n. 2, p. 335-344, abr. 2011. Disponível em <http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-82312011000200010&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 21 out. 2015. POCINHO, M.; GOUVEIA, Joana F. Satisfação dos docentes do ensino superior. ACTA Colombiana de Psicologia, Colombia, v. 15, n. 1, p. 87-97, jun. 2012. Disponível em <http://www.redalyc.org/pdf/798/79824560009.pdf>. Acesso em: 22 out. 2015. SOUZA, Aparecida Neri de; LEITE, Marcia de Paula. Condições de trabalho e suas repercussões na saúde dos professores da educação básica no Brasil. Educ. Soc., Campinas, v. 32, n. 117, p. 1105-1121, dez. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302011000400012&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 22 out. 2015.

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A FISCALIZAÇÃO DA SAÚDE E SEGURANÇA DO TELETRABALHADOR

THE SUPERVISION OF THE HEALTH AND SAFETY OF THE TELEWORKER

Fabiana Zacarias* Helimara Moreira Lamounier Heringer**

RESUMO: Este estudo versa sobre a nova modalidade laboral: o teletrabalho. Inicialmente é realizada uma breve análise da legislação trabalhista e da Lei n.º 12.551/2011, que incluiu o parágrafo único, ao artigo 6.º, da CLT, para conceituar o teletrabalho como uma nova modalidade de trabalho a distância, decorrente das transformações tecnológicas do mundo atual. As novas tecnologias e a internet possibilitam a prestação de serviços fora do estabelecimento empresarial, modificando as relações interpessoais, principalmente no que se refere a subordinação da prestação do teletrabalho em domicílio – home office – e a fiscalização da saúde e segurança do teletrabalhador. Neste contexto, é feita uma análise da colisão de Direitos Fundamentais frente às limitações constitucionais impostas pelos direitos à intimidade, vida privada e inviolabilidade de domicílio. Aborda, ainda, as vantagens e desvantagens do trabalho prestado em domicílio, o direito à desconexão e a caraterização do acidente de trabalho. Far-se-á uso de material atualizado e disponível, doutrina e jurisprudência sobre o tema, para apresentar os novos paradigmas de vínculo trabalhista e sua fiscalização no mundo globalizado e informatizado e demonstrar que o teletrabalhador tem assegurado, como corolário do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e da Proteção, todos os seus direitos trabalhistas, de personalidade e à saúde, não estando o empregador isento de cumprir às normas de segurança e medicina do trabalho. Palavras-chave: direito à intimidade e vida privada. direito à desconexão. inviolabilidade de domicílio. saúde e segurança do trabalhador. teletrabalho. ABSTRACT: This study focuses on the new mode employment: telework. Initially is made a analysis of the labour legislation and of Law n. 12.551/2011, which included the paragraph to article 6 of the CLT, for conceptualizing teleworking as a new mode of work to the distance, arising from technological transformations of the current world. The new technologies and the internet enable the delivery of services outside the commercial establishment, modifying interpersonal relationships, especially in relation to the subordination of the provision of the teleworking in the home – the home office – and the supervision of the health and safety of the teleworker. In this context, an analysis of the collision of Fundamental Rights front to the limitations to constitutional imposed by the rights to privacy, private life and inviolability of domicile. Discusses the advantages and disadvantages of the work provided in the home, the right to disconnection and the characterization of the accident. You will make use of the material up to date and available, the doctrine and jurisprudence on the topic, to present new paradigms of employment and their supervision in the world globalized and computerized, and to demonstrate that the teleworker has ensured, as corollary of the Principle of the Dignity of the Human Person and the Protection, all their labour rights, personality and health, and the employer is free to comply to safety regulations and occupational medicine. Keywords: the right to intimacy and private life. the right to disconnect. inviolability of domicile. worker health and safety. telework.

* Mestranda em Direito Coletivo e Cidadania na Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP. Pós-Graduada

em Direito e Processo do Trabalho pela FAAP de Rib. Preto/SP. Pós-Graduada Direito e Processo Penal pela Fundação Eurípedes Soares da Rocha – Marília/SP. Advogada. E-mail: [email protected].

** Mestranda em Direito Coletivo e Cidadania pela Universidade de Ribeirão Preto/SP – UNAERP. Pós-graduada em Direito Público, pela Universidade Anhanguera e em Psicopedagogia Institucional pela Universidade Candido Mendes. Advogada. E-mail: [email protected].

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SUMÁRIO: Introdução. 1 Conceito de teletrabalho. 1.1 Regulamentação do Teletrabalho. 1.2 Desvantagens e vantagens do teletrabalho. 2 Da saúde e segurança do teletrabalhador. 2.1 Proteção da CLT e as Normas Regulamentadoras. 3 A garantia da saúde e segurança face aos direitos individuais do teletrabalhador. 3.1 A fiscalização do ambiente de trabalho. 3.2 Considerações acerca do direito à desconexão. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

O teletrabalho, fenômeno cada vez mais recorrente nas relações laborais, surge trazendo ao Direito do Trabalho o desafio de adequar a prestação de serviços empregatícios à distância através da utilização dos meios telemáticos. Os teletrabalhadores, instalados em suas casas, em escritórios virtuais ou em outros espaços alternativos, através de equipamentos de informática e comunicação, mantêm-se subordinados à organização da empresa e aos trabalhadores com os quais exercem suas funções, consubstanciando uma alternativa viável para a competitividade e flexibilidade nos negócios, no mercado globalizado.

A escolha do tema justifica-se pela sua relevância jurídica e pela necessidade de adequar as pretensões das empresas pela redução de custos e aumento de lucratividade, com os anseios da classe trabalhadora pela melhoria das condições de trabalho - e, principalmente, pela repercussão do teletrabalho na saúde e segurança dos trabalhadores. Analisa-se o meio ambiente do trabalho e a dificuldade de fiscalização direta, especialmente as atividades são desenvolvidas no domicílio do teletrabalhador, diante da garantia da intimidade, vida privada e inviolabilidade de domicílio.

A pesquisa adotou o método hipotético-dedutivo, através do levantamento de jurisprudências, interpretação de legislação, análise bibliográfica, artigos e materiais publicados sobre o tema. Em alguns momentos, utilizou-se o método indutivo ou analítico. 1 CONCEITO DE TELETRABALHO

A atual dinâmica das relações laborais exige que o Direito do Trabalho albergue diversas formas de prestação de serviços, sendo o teletrabalho a mais expressiva mutação do trabalho tradicional, consequência inevitável da sociedade contemporânea, globalizada e informatizada: “no início do século XXI, ocorreu um crescimento acentuado do teletrabalho, seja pelas dificuldades de deslocamento nos centros urbanos, seja pela facilidade tecnológica de possibilitar que o trabalho seja prestado de qualquer lugar ou qualquer hora” (OLIVEIRA, 2011, p. 212).

O conceito de teletrabalho não pode ser fechado: “significa trabalho à distância, trabalho realizado fora do estabelecimento do empregador” (CASSAR, 2011, p. 714). Pode ser prestado no próprio domicílio do empregado, em escritório ou peça existente em sua residência (home office), ou em qualquer outro lugar onde esteja o empregado desenvolvendo o seu trabalho de forma remota (anywhere office). Nesse sentido:

Seu melhor conceito é o de uma atividade de produção ou de serviço que permite o contato a distância entre o apropriador e o prestador da energia pessoal. Desse modo, o comando, a execução e a entrega do resultado se completarão mediante o uso da tecnologia da informação, sobretudo a telecomunicação e a informática, substitutivas da relação humana direta (PINTO, 2007, p. 133).

Tendo em vista a modificação na forma de prestação de serviços, a Lei n.º 12.551/11

alterou o Art. 6.º, da CLT, equiparando a subordinação através dos meios telemáticos às exercidas pessoalmente pelo trabalhador, na tentativa de conciliar a prática do teletrabalho com o dever jurídico de proteção ao meio ambiente laboral. Essa flexibilização do local da prestação do trabalho gerou uma ruptura da subordinação jurídica clássica, possibilitando a utilização de

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meios telemáticos e informatizados para a perfeita conexão entre os sujeitos da relação de trabalho.

Ao contrário do trabalho em domicílio, o teletrabalho não é prestado necessariamente na casa do trabalhador, podendo ser prestado em qualquer lugar, prescindindo da presença física do trabalhador em um lugar específico de trabalho. 1.1 Regulamentação do Teletrabalho

O teletrabalho não apresenta uma regulamentação específica no Brasil. Existe um Projeto

de Lei (PL n.º 4.505/08), para regulamentar o trabalho à distância, conceituar e disciplinar as relações de teletrabalho, que aguarda deliberação do recurso na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.

No entanto, uma leitura atenta à regra do Art. 7.º, da CF8/88, leva à conclusão de que o Direito do Trabalho deve garantir proteção a todas formas de trabalho, sob pena de afrontar garantias mínimas e fundamentais do trabalhador, com respaldo no princípio da dignidade humana (Art. 1.º, inc. III, da CF/88) e da proteção ao hipossuficiente.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Convenção n.º 177, que deve ser analisada juntamente com a Recomendação 184, já definia o teletrabalho, o que fora aclarado pela Lei n.º 12.511/11, no Brasil, que introduziu o parágrafo único ao Art. 6.º, da CLT, ampliando seu alcance aos teletrabalhadores, ao equiparar os meios telemáticos e informatizados, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho.

A prestação do serviço através do teletrabalho não corresponde a mitigação da subordinação, pois, as novas tecnologias viabilizam o exercício de seu poder diretivo e a fiscalizaç~o dos serviços prestados: “existem programas de computador que fiscalizam o trabalho a dist}ncia e com uma eficiência que n~o se compara a fiscalizaç~o física [...]” (ESTRADA, 2014. p. 21). Desde que o distanciamento físico do empregado não desconfigure a relação de emprego, os direitos trabalhistas do empregado devem ser garantidos ao teletrabalhador.

Esta conclusão também se extrai do Art. 83, da CLT, quando estabelece que, ao trabalho à distância, é devido o salário mínimo ao trabalhador em domicílio, considerado este como o executado na habitação do empregado ou em oficina de família por conta de empregador que o remunere.

Vencidas as dúvidas acerca da subordinação do trabalho a distância e, especificamente do teletrabalho, os demais elementos que caracterizam o trabalho com vínculo empregatício, além da subordinação, encontram-se no Art. 3.º, da CLT: - são a pessoalidade, a prestação de serviços não eventuais, sob dependência, mediante o pagamento de salário (onerosidade).

Acrescente-se que o Art. 4.º, da CLT, considera serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada. Por esta disposição, estabelece-se que, estando o empregado à disposição de seu empregador, aguardando ou executando ordens, exerce de trabalho efetivo – independente da prestação ser presencial ou à distância.

Aplicam-se, analogicamente ao teletrabalho, as normas referentes ao trabalho em domicílio e, existindo lacuna, as regras de integração do Art. 8.º, da CLT: jurisprudência, analogia, equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, usos e costumes, direito comparado, sendo o direito comum fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível.

1.2 Desvantagens e vantagens do teletrabalho

O teletrabalho apresenta uma série de vantagens e desvantagens tanto ao trabalhador

quanto ao empregador e à sociedade. Embora a doutrina não seja unânime sobre os prós e contras advindos do teletrabalho, apresentando diferentes posições acerca do tema, o fato é que

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esta forma de prestação de serviços não retrocede, devendo, portanto, ser tutelada para garantir da dignidade humana e a proteção dos teletrabalhadores.

As principais vantagens para os trabalhadores, tanto pessoal quanto profissionalmente, são resumidas: autonomia; realização pessoal; diminuição dos conflitos interpessoais; redução de custos (vestuário, alimentação, transporte); independência para organização e prestação do serviço; aumento de produtividade e possibilidade de inclusão de idosos, portadores de deficiência, donas de casa, estudantes, mulheres com crianças pequenas; possibilidade de conciliar a vida profissional com a familiar.

“Trabalhar em casa também tem seus pontos negativos, que começam na diminuição das relações interpessoais e podem terminar até mesmo em depressão” (ESTRADA, 2014, p. 29-30). Podem ser elencados: o isolamento profissional e social; diminuída oportunidade de ascensão na carreira; dificuldade de separar a vida profissional com a particular; trabalho excessivo; aumento das despesas domésticas, quando prestado em domicílio; perda da privacidade; aumento da jornada de trabalho; redução de direitos trabalhistas; confusão das despesas do lar com as despesas para a produção do trabalho.

Para a empresa, possibilita redução de custos com infraestrutura, desenvolvimento de sua economia, com alcance de outros mercados, mão-de-obra flexível, e aumento de produtividade. “O teletrabalho economiza para o empregador os gastos com a construção de escritório, mobili|rio, energia elétrica, refeições ou mesmo equipamentos de trabalho.” (OLIVEIRA, 2011, p. 213). No entanto, não se pode olvidar que o teletrabalho pode gerar insegurança em relação à confidencialidade das informações empresariais, vez que é “desenvolvido através do uso das telecomunicações, correndo o risco de ficar nas m~o de pessoas mal intencionadas [...]” (BARRETO JUNIOR, 2015, p. 39).

“Além dos benefícios que isso traz para empresa e para o funcion|rio, ainda diminui congestionamentos e ajuda o meio ambiente” (ESTRADA, 2014, p. 29-30). Para a sociedade, com o teletrabalho haverá:

[...] redução do tráfego rodoviário e da poluição associada, maior desenvolvimento regional através da descentralização do trabalho, aumento da criação de trabalho em áreas de difícil acesso, maior mobilidade de emprego permitindo a inserção no mercado de trabalho aos deficientes físicos e mulheres. (REBELO, 2004, p. 76).

Por fim, Sebastião Geraldo de Oliveira, ao discorrer sobre os prós e contras do

teletrabalho, destaca a expansão do poder diretivo do empregador invade os ambientes particulares do empregado:

Nos embates entre a necessidade de lazer, repouso ou convívio familiar no improvisado lar-escritório, sempre fala mais alto a busca de resultados ou os imperativos da profissão. Nas dependências da empresa, há horários de entrada e saída, intervalor para refeições e descanso, intervalos interjornadas, repousos semanais e feriados, com a possível conferência pelo Auditor Fiscal do Ministério do Trabalho, diferentemente do que ocorre no trabalho no domicílio do empregado. (OLIVEIRA, 2011, p. 213).

Portanto, é preciso considerar que “o trabalho a dist}ncia ampliou o tempo de

subordinação virtual, sofisticou a mensuração da produtividade, reduziu custos, confundiu controles de jornada e praticamente inviabilizou a interferência da Inspeç~o do Trabalho.” (OLIVEIRA, 2011, p. 213). 2 DA SAÚDE E SEGURANÇA DO TELETRABALHADOR

A Convenção n.º 155, da OIT, prevê a implementação de uma política coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente do trabalho, adotando um

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conceito amplo de saúde, que abrange elementos físicos e mentais diretamente relacionados com o trabalho.

Como tentativa de atenuar o desemprego, “a Organizaç~o Internacional do Trabalho regulamentou o trabalho em domicílio, em face da expansão significativa do teletrabalho, através da Convenç~o n.º 177 e da Recomendaç~o 184, ambas datadas de 1996.” (ALMEIDA, 2005, p. 75). A Convenção n.º 177, da OIT, relaciona-se ao trabalho em domicílio, mas alguns itens podem ser aplicados ao teletrabalho, pois, embora não sejam sinônimos, guardam semelhanças entre si. Deve ser analisada juntamente com a Recomendação 184, da OIT, que garante aos trabalhadores em domicílio o direito a férias, repouso semanal, licenças médicas, dentre outros.

Em âmbito constitucional, o caput do Art. 1.º prevê, como um dos fundamentos da República, a dignidade da pessoa humana. O Art. 5º, caput, garante a todos o direito à vida e à segurança; e o caput do Art. 6.º qualifica como direito social o trabalho: “a Constituiç~o Federal outorga o mais elevado grau de importância ao trabalho, o que permite concluir que todo direito deve nortear-se pelas normas constitucionais no sentido de preservar o trabalho humano e o valor social do trabalho.” (HAINZENDEDER JUNIOR, 2009. p. 37).

Em assim sendo, o direito de viver em um meio ambiente seguro (adequado e sadio) está diretamente relacionado ao princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito. (Art. 1.º, inc. III, CF/88).

O Art. 225, caput, da CF/88, garante a todos um meio ambiente ecologicamente equilibrado, e, no inciso V, incumbe ao Poder Público o dever de controlar a produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem riscos à vida, à qualidade de vida e ao meio ambiente. Da leitura dos valores principiológicos do Art. 225, da CF/88, inexistem dúvidas que o ser humano deve ser protegido em todos os ambientes. Inclusive, no ambiente de trabalho, o trabalhador tem direito ao exercício das suas atividades, em um ambiente sadio e adequado que garanta sua vida, integridade física e segurança.

Ademais, o inc. VIII, do Art. 200, da CF/88, reconhece ao Poder Público e ao cidadão o dever de defender e proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como requisito essencial para a manutenção da própria vida humana, avançando na direção do ambiente de trabalho.

“Nessa perspectiva, a Constituiç~o de 1988 estabeleceu expressamente que a ordem econômica deve preservar o princípio da defesa do meio ambiente (Art. 170, VI).” (OLIVEIRA,2011, p. 142). “O Estado, através do Ministério do Trabalho e Emprego e de outros órgãos governamentais é responsável pelo estabelecimento de normas de segurança, higiene e medicina do trabalho” (MELO, 2004, 29-30).

Portanto, zelar por um ambiente de trabalho adequado é tutelar o direito fundamental à vida e à saúde, de acordo com os princípios da Constituição de 1988, que prioriza o trabalho humano sobre os meios de produção (Art. 170, inc. VI, CF/88). Acrescente-se a disposição do Art. 7.º, inc. XXII, da CF/88, que assegura a todos os trabalhadores o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, através de normas de saúde, higiene e segurança.

O ambiente de trabalho saud|vel é “direito do trabalhador e dever do empregador. O empresário tem o direito da livre iniciativa, da escolha da atividade econômica e dos equipamentos de trabalho, mas concomitantemente, tem obrigação de manter o ambiente do trabalho saudável” (OLIVEIRA, 2011, p. 143).

A própria regra do Art. 7.º, da CF/88, constitui uma garantia mínima de direitos do trabalhador, pois a express~o “além de que visem { melhoria de sua condiç~o social” deixa evidente que o rol não é taxativo e, portanto, outros direitos podem ser assegurados, visando sempre a proteção do trabalhador.

“Portanto, a rede de proteç~o jurídica do ser humano trabalhador no seu ambiente de trabalho foi sobremaneira ampliada pela Constituição Federal de 1988 e sua ampla abordagem do meio ambiente do trabalho” (PADILHA, 2011, p. 246). O direito do trabalho n~o só mantêm um “diálogo interdisciplinar com o Direito Ambiental, como o facilita por seu plurinormativismo

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que irá se adequar perfeitamente com a característica peculiar do Direito ao Meio Ambiente, sua transversalidade e multidisciplinaridade” (PADILHA, 2011, p. 241).

2.1 Proteção da CLT e as Normas Regulamentadoras

O meio ambiente do trabalho pode ser definido como “o local onde o homem realiza a prestação objeto da relação jurídico-trabalhista, desenvolvendo atividade profissional em favor de uma atividade econômica” (MORAES, 2002, p. 25).

O Art. 157, da CLT, obriga o empregador a cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, instruindo os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções para evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais.

Nos artigos 154 a 201, a CLT dispõe sobre a segurança e medicina do trabalho, estabelecendo critérios “para as edificações; iluminação; conforto térmico; instalações elétricas; movimentação, armazenagem e manuseio de materiais; maquinas e equipamentos; caldeiras, fornos e recipientes sobre pressão, bem como a prevenção da fadiga” (OLIVEIRA, 2011, p. 143). Tais normas foram detalhadas pela Portaria do Ministério do Trabalho n.º 3.214/78, que aprova as Normas Regulamentadoras – NR, da segurança e medicina do trabalho.

Cabe ao empregador, portanto, promover a higiene, saúde e segurança no meio ambiente de trabalho, a fim de evitar ou minimizar a ocorrência de possíveis infortúnios laborais que possam vir a comprometer a integridade física e mental do trabalhador em decorrência “das m|s condições em que o trabalho se realiza ou do ambiente hostil de trabalho” (CASSAR, 2011, p. 1025).

A redução dos riscos inerentes ao trabalho sempre foi a preocupação central de qualquer programa sobre prevenção de acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais - esteja o trabalhador no ambiente patronal ou executando suas funções em domicílio. Sua inobservância viola preceitos constitucionais e infraconstitucionais, ensejando a responsabilidade civil do empregador.

3 A GARANTIA DA SAÚDE E SEGURANÇA FACE AOS DIREITOS INDIVIDUAIS DO TELETRABALHADOR

Sendo o teletrabalho caracterizado pela prestação do trabalho em estabelecimento diverso ao do empregador, necessário enfatizar que existem indagações jurídicas ainda não esclarecidas de forma absoluta sobre a fiscalização do teletrabalho, principalmente quando prestado em domicílio. A partir desta consideração serão tratados o direito à intimidade, à vida privada e à inviolabilidade de domicílio, pois são os principais temas advindos do paralelo existente entre o teletrabalho e meio ambiente laboral.

Os incisos X, XI e XII, do Art. 5.º, da Constituição Federal, garantem a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra, da indenização por danos morais e materiais, o sigilo das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas. E o inciso XXVII, do Art. 7.º, da CF/88, garante o direito aos trabalhadores a proteção em face de automação.

As novas tecnologias modificaram as relações sociais – e, consequentemente, a forma com que o trabalho é prestado: possibilitam a prestação e o controle das atividades em domicílio. No entanto, podem ser invasivas à intimidade, privacidade e inviolabilidade de domicílio, garantidos constitucionalmente.

Em se tratando do teletrabalho prestado em domicílio, entende-se o lar como o ambiente de trabalho, não podendo o empregador nele adentrar sem o consentimento do teletrabalhador. Portanto, outro direito passível de violação na prestação do teletrabalho é o direito à inviolabilidade domiciliar, cujo teor legal encontra fundamento no artigo 5.º, inc. XI, da Constituiç~o Federal: “A casa é asilo inviolável do indivíduo, só podendo alguém nela penetrar com autorizaç~o do morador, salvo as exceções permitidas por lei”.

Neste contexto, de colisão de direitos fundamentais, há necessidade da ponderação dos valores, quais sejam, o direito de intimidade e vida privada e a inviolabilidade de domicílio do

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teletrabalhador e, de outro, o poder diretivo de fiscalização e de propriedade. Portanto, quando da colisão de direitos fundamentais deve-se promover o equilíbrio e a compatibilização através de um juízo de ponderação entre os direitos constitucionalmente garantidos.

Neste mesmo sentido, Farias e Rosenvald (2011, p. 160): [...] é certa e incontroversa a inexistência de qualquer hierarquia, merecendo, ambas as figuras, uma proteção constitucional, como direito fundamental. Impõe-se, então, o uso da técnica de ponderação dos interesses, buscando averiguar, no caso concreto qual o interesse que sobrepuja, na proteção da dignidade humana. Impõe-se investigar qual o direito que possui maior amplitude casuisticamente.

A colisão de direitos fundamentais decorre da direção oposta que cada um destes

direitos toma num caso concreto. Em razão da importância e grau de complexidade da análise do caso concreto de colisão de direitos fundamentais, torna-se imperioso um juízo de ponderação, no qual deve-se considerar, em primeiro lugar, que os direitos fundamentais não possuem natureza absoluta; em segundo, que inexiste prevalência de um sobre o outro. “Nesses casos, apenas através da análise do caso concreto é que se poderá verificar qual dos direitos deve sofrer restriç~o.” (BACELLAR, 2003, p. 64).

O direito a ser priorizado depende da an|lise do caso concreto: “o grande balizamento da compatibilização entre o direito de propriedade do empregador e o direito à intimidade e a vida privada do empregado, est| a dignidade da pessoa humana”. (BACELLAR, 2003, p. 67).

Segundo Hainzenderer Júnior (2009. p. 152): [...] o conflito entre a privacidade do trabalhador e o poder diretivo do empregado não representa uma antinomia de regras, razão pela qual não será possível responder se, no ambiente de trabalho, em razão de serem os meios de produção propriedade do empregador, o poder de fiscalizar suprime a privacidade do empregado ou, considerando que a intimidade e a vida privada são direitos da personalidade indissociáveis do trabalhador e, por isso, plenamente oponíveis na relação de emprego, será vedado o controle da atividade laboral [...].

“A necessidade de proteç~o de outros bens jurídicos diversos, também revestidos de

envergadura constitucional, pode justificar restrições aos direitos fundamentais.” (SARMENTO, 2006. p. 293). “Porém existem regras e princípios aptos a averiguar o exercício legítimo ou abusivo do poder de direç~o.” (HAINZENDEDER JUNIOR, 2009, p. 79). 3.1 A fiscalização do ambiente de trabalho

A efetiva fiscalização no ambiente do trabalho, principalmente quando prestado em domicílio, apresenta indagações ainda não esclarecidas de forma absoluta. Primeiramente, porque as normas que disciplinam a segurança e medicina do trabalho são de ordem pública e, portanto, cogentes. Nesse sentido, Sebastião de Oliveira:

[...] as normas trabalhistas referentes à segurança, higiene e saúde do trabalhador têm natureza cogente ou de ordem pública, irrenunciáveis pelas partes, até porque o Estado tem interesse em preservar a coexistência pacifica e a integridade física dos cidadãos, tanto que a utilização da propriedade e, portanto, da atividade econômica deve revestir-se de finalidade social. Além disso, a saúde é o complemento necessário e inseparável do direito à vida, suporte fundamental para todos os demais direitos do homem. (2011, p. 472).

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A fiscalização do meio ambiente de trabalho é um assunto complexo, mormente quando se fala da saúde e segurança do teletrabalhador, direito este fundamental e o dever de fiscalizaç~o, decorrente do poder diretivo do empregador. “Embora não seja fácil identificar as fronteiras do poder diretivo do empregador, certo é que este apresenta limitações.”

(HAINZENDEDER JUNIOR, 2009, p. 79). “Veja-se que não é pelo fato de o empregado, consoante adiante exposto, encontrar-se

em um estado de subordinação ao empregador que poderá ser alijado dos seus direitos individuais.” (HAINZENDEDER JUNIOR, 2009. p. 36-37).

O grande desafio deste trabalho é analisar como deve ser feita a fiscalização dos ambientes do teletrabalhador, que executa seus trabalhos em home office, para se evitar acidentes de trabalho, doenças ocupacionais e preservar a sua integridade física – vez que o empregador tem a obrigação, imposta pela CLT e por outras normas, de proteger os trabalhadores dos riscos inerentes ao exercício das atividades. “O ordenamento jurídico brasileiro não delimita expressamente até que ponto são permitidas as atividades de fiscalização e de controle empresarial.” (HAINZENDEDER JUNIOR, 2009, p. 79).

Nos casos em que o empregado trabalhe em sua própria residência, o empregador não está isento de observar as normas de segurança e medicina do trabalho, isto porque o art. 154, da CLT, dispõe que as normas de proteção devem abranger todos os locais de trabalho, sem qualquer distinção.

As normas ergonômicas, previstas nos artigos 198 e 199, da CLT, estão disciplinadas na NR-17 do Ministério do Trabalho e Emprego nº. 3.214/1978, com as modificações promovidas pela Portaria nº. 3.751/1990. Tais regras são obrigações mínimas a serem obedecidas pelo empregador, quando o trabalho for executado no domicílio do empregado - por exemplos: instruir o teletrabalhador sobre as medidas para evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais, fornecer mobiliário adequado, orientar o empregado quanto à postura, pausas para descanso.

As peculiaridades do teletrabalho exigem providências anteriores à adoção do home office em decorrência do disposto no inciso XXII, art. 7.º, da Constituiç~o Federal, pois “a reduç~o dos riscos inerentes ao trabalho, por meios de normas de saúde, higiene e segurança”, é considerado “o marco normativo de maior altitude na proteç~o da saúde do trabalhador.” (OLIVEIRA, 2011, p. 469). Seja o trabalho realizado no ambiente físico da empresa, no domicílio do trabalhador ou, ainda, em qualquer lugar fora do ambiente empresarial, todas as medidas relativas à saúde e segurança do trabalhador deverão ser asseguradas. Sebastião Geraldo de Oliveira destaca a necessidade de redução dos riscos e obediência ao princípio do risco mínimo progressivo: “a exposiç~o aos agentes nocivos dever| ser a mínima possível e, mesmo assim, dever| reduzir progressivamente na direç~o do risco zero.” (2011, p. 148)

Evidentemente que a fiscalização das norma de segurança e medicina, quando o ambiente de trabalho for o domicílio do trabalhador, não pode ser realizada cotidianamente – vez que a casa é asilo inviolável do indivíduo e nela ninguém pode penetrar sem o consentimento do morador, nos termos do Art. 5.º, inc. XI, da Constituição Federal.

Em contrapartida, o teletrabalhador não pode ficar à margem da proteção legal: todos os direitos garantidos aos trabalhadores comuns são estendidos ao teletrabalhador, subsistindo ao empregador o dever de cumprir os regulamentos de higiene, saúde e segurança, procedendo a fiscalização nas instalações de trabalho para a preservação do meio ambiente e da saúde física e mental do trabalhador.

O contrato de trabalho, embora decorra da autonomia de vontade das partes, deve ser realizado com respeito às normas públicas de saúde e segurança do trabalho, devendo prevalecer a fiscalização do ambiente de trabalho: – “a manifestaç~o individual da vontade nem sempre prevalecerá, uma vez que está adstrita às normas que disciplinam o direito do trabalho, prevalece sobre o direito individual.” (HAINZENDEDER JUNIOR, 2009, p. 36-37).

A particularidade está em mensurar os limites do poder diretivo do empregador quanto à fiscalização do ambiente de trabalho quando prestado no domicílio, face aos direitos fundamentais da intimidade, vida privada e inviolabilidade de domicílio. A realização de exames

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médicos periódicos deve ser considerada uma alternativa viável de fiscalização da saúde e segurança do teletrabalhador, pois possibilita documentar o cumprimento das obrigações do empregador em relação à saúde do teletrabalhador que trabalha fora do ambiente físico da empresa. Nesse sentido:

[...] no que diz respeito ao acompanhamento à distância da saúde do teletrabalhador sugerem-se medidas como a realização de exames médicos periódicos com maior frequência, a fim de serem detectados, com maior antecedência, problemas de saúde como perda de visão, desgastes ou lesões ortopédicas, redução da capacidade auditiva, etc. (FINCATO, 2009, p. 120).

Mesmo em ambiente domiciliar, prevalece a tutela pelo Estado e o dever do empregador

de ações fiscalizadoras do meio ambiente de trabalho, por isso a necessidade de acordo expresso fixando regras de fiscalização, periodicidade, exigência de exames médicos periódicos, com vistas à proteção da intimidade, privacidade e inviolabilidade do domicílio.

3.2 Considerações acerca do direito à desconexão

A alteração do Art. 6.º, da CLT, com o advento da Lei n.º 12.551/2011, houve

flexibilização do local da prestação do trabalho e uma ruptura com a subordinação jurídica clássica, possibilitando a utilização de meios telemáticos e informatizados de controle que sujeitam o trabalhador a uma maior ingerência do empregador, em razão da dificuldade de separar o tempo de ociosidade e lazer do período de trabalho efetivo.

O fato do teletrabalhador exercer suas atividades em casa, em centros de teletrabalho ou em qualquer outro lugar longe dos centros tradicionais da empresa, enseja a possibilidade de que a sua jornada de trabalho acabe sendo excedida, não se verificando as devidas pausas e intervalos.

De acordo com de Sebastião de Oliveira (2011, p. 213): [...] deve-se estipular normas jurídicas impedindo o poder diretivo patronal invada, abusivamente, a vida particular do empregado. É imprescindível ao trabalhador ou teletrabalhador tenha assegurado o direito ao repouso, aos intervalos, ao lazer e ao convívio familiar e social sem a interferência ostensiva ou velada dos comandos reais ou virtuais do empregador.

O avanço tecnológico não pode implicar retrocesso social ou precarização da relação de

emprego, devendo ser garantido aos empregados o direito de permanecer desligados ou “desconectados”, em prestígio a integridade física e psíquica da saúde do teletrabalhador.

O direito { desconex~o é, portanto, “o direito do assalariado de n~o permanecer ‘lincado’ com o empregador fora dos horários de trabalho, nos finais de semana, férias ou quaisquer outros períodos que sejam destinados ao seu descanso” (RESED\, 2007, p. 169). Representa a defesa do empregado contra atos invasivos decorrentes da sujeição ao poder diretivo empresarial, para garantir a concretização do direito fundamental ao lazer como medida de prevenção de doenças ocupacionais.

Assim, devem ser preservados diante do avanço tecnológico os períodos de descanso, seja durante a jornada, entre jornadas, férias e descanso semanal remunerado, a redução da jornada, a prestação das horas extras – porque são a típica expressão do direito à desconexão do trabalho e a forma de salvaguardar os direitos fundamentais à saúde, redução dos riscos de doenças e acidentes de trabalho, constitucionalmente garantidos.

O teletrabalho representa um paradoxo do trabalho contempor}neo: “enquanto uma grande parcela da população não tem acesso ao trabalho e isto põe em risco a sua sobrevivência, uma outra parcela, não menos considerável, está se matando de tanto trabalhar ou alienando-se no trabalho” (SOUTO MAIOR, 2003, p. 18).

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CONCLUSÃO

O desenvolvimento de novas tecnologias e meios de comunicação fez surgir contratos de trabalho distintos daqueles previstos na CLT: o parágrafo único, do Art. 6.º, equipara o trabalho realizado à distância, por meio de instrumentos telemáticos (teletrabalho, home office ou anywhere office), ao tradicional trabalho realizado no âmbito da empresa, reconhecendo-se o elemento da subordinação jurídica. Para efeitos de subordinação, não importa onde a prestação do serviço está sendo realizada - domicílio do empregado (home office) ou em qualquer lugar remoto (anywhereoffice). Basta que remessa de dados e as ações concretas geradas pelo trabalhador, sejam conversíveis em elementos de produção.

O estado de subordinação ao empregador não pode violar direitos individuais do teletrabalhador – ao mesmo tempo, as normas cogentes devem ser respeitadas por serem de ordem pública.

Sob o prisma da proteção ao teletrabalhador, o poder diretivo não autoriza o empregador extrapolar as prerrogativas de controle, fiscalização e direção, adentrando na espera da intimidade e vida privada do empregado, ou desrespeitando a inviolabilidade de domicílio. Por essa razão, o direito de propriedade e o poder diretivo encontram limites nas regras no princípio da dignidade da pessoa humana.

Portanto, é fundamental conciliar as novas necessidades empresariais originadas pelo uso da informática com a tutela da personalidade do trabalhador, na busca de um ambiente de trabalho harmonioso, sem abusos e invasões a direitos individuais.

As normas trabalhistas referentes à segurança, higiene e saúde do trabalhador têm natureza cogente e não podem ser suprimidas pela autonomia de vontade das partes (empregado e empregador). Por isso, a celebração do contrato de teletrabalho prestado em domicílio deve ser feita, preferencialmente, por escrito – com previsão expressa sobre a fiscalização no ambiente de trabalho domiciliar e a periodicidade da realização dos exames médicos periódicos.

O direito à desconexão é uma faceta da proteção do direito à saúde e integridade física e psíquica do trabalhador e da proteção ao meio ambiente de trabalho adequado. O avanço tecnológico não resultar em retrocesso social ou precarização da relação de emprego, devendo ser garantidos aos empregados os períodos de descanso, seja durante a jornada, entre jornadas, férias e descanso semanal remunerado, a redução da jornada, pagamento das horas extras e redução dos riscos de doenças e acidentes de trabalho.

A especialidade da relação do teletrabalho não retira o poder diretivo do empregador – que deverá cumprir a normas cogentes de segurança e medicina do trabalho, com vistas a assegurar a integridade física e mental do teletrabalhador, de forma consentânea aos valores e princípios consagrados constitucionais, em especial o da Dignidade da Pessoa Humana.

REFERÊNCIAS

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A POSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE

THE POSSIBILITY OF ACCUMULATION OF ADDITIONAL HEALTH AND RISK PREMIUMS

Fernanda Menezes Leite* Jair Aparecido Cardoso**

RESUMO: É cediço que a Constituição Federal de 1988 prevê, dentre outras obrigações para o empregador, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art.7º, XXII) e o pagamento dos adicionais de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei (art.7º, XXIII). Há circunstâncias, todavia, em que o trabalhador labora em atividades que são, concomitantemente, insalubres e perigosas. Em tais hipóteses, o parágrafo segundo do artigo 193 da CLT prevê que o empregado deverá escolher por um dos adicionais, vedando, por consequência, a dupla incidência dos adicionais em comento. Ocorre que o referido dispositivo possui questionável interpretação, confrontando a Constituição Federal e as Convenções da OIT, surgindo daí grandes debates doutrinários e jurisprudenciais acerca da possibilidade, ou não, de acumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade. Assim, o presente trabalho objetiva a realização de um estudo crítico acerca da possibilidade de acumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, propondo-se a uma solução para a suposta antinomia existente entre os diferentes diplomas normativos relacionados ao tema. Para tanto, o trabalho será dividido em duas partes: A primeira apresentará as normas nacionais e internacionais que regulamentam a matéria, e os argumentos favoráveis e desfavoráveis apontados pela doutrina nacional a respeito da acumulação dos referidos adicionais. A segunda parte analisará as divergências nas decisões dos tribunais, através do exame de alguns arestos jurisprudenciais, trazendo nossas ponderações acerca do tema. Assim, o método empregado é o dedutivo, passando-se de uma análise documental no âmbito legislativo e doutrinário para uma análise jurisprudencial. Por fim, defenderemos a possibilidade de percepção simultânea dos adicionais de insalubridade e periculosidade, em razão dos fundamentos constitucionais, do princípio da norma mais favorável e da teoria da constitucionalidade ou supralegalidade das Convenções da OIT. Palavras-chave: acumulação. adicional. insalubridade. periculosidade. ABSTRACT: It is true that the Federal Constitution of 1988 provides, among other obligations to the employer, the reduction of the risks inherent to the work, by means of standards of health, hygiene and safety (Article 7º, XXII) and the payment of additional allowance for the painful, unhealthy or dangerous activities, in accordance with the law (Article 7º, XXIII). There are circumstances, however, where the worker works on activities that are, at the same time, unhealthy and dangerous. In such case, the second paragraph of article 193 of the CLT provides that the employee must choose one of the additional, sealing, as a result, the dual impact of the additional comment. However, the device has questionable interpretation, confronting the Federal Constitution and the conventions of OIT, emerging doctrinal and jurisprudential debates about the possibility of accumulation of additional health and risk premiums. Thus, the present study aims to perform a critical study on the possibility of accumulation additional health and risk premiums, proposing a solution to the antinomybetween the different regulatory qualifications related to the topic. For this, the work will be divided into two parts: The first will feature national and international standards governing the matter, and the favorable and

* Mestranda pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – FDRP/USP. E-

mail: [email protected]. ** Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Graduado e Mestre em

Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto – USP. E-mail: [email protected].

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unfavorable arguments brought forward by the national doctrine about the the accumulation of these additional. The second part will analyse the differences in the decisions of the courts through the examination of some case law, bringing our reflections about the theme. Thus, the method employed is deductible going from a documentary analysis under doctrine and legislation, through an analysis of jurisprudence. Finally, we will defend the possibility of simultaneous perception of additional health and risk premiums, because of the constitutional foundations, the principle of more favorable standard and the constitutional theory or over legality of the conventions of OIT. Keywords: acumulation. additional. insalubrity. dangerousness. SUMÁRIO: Introdução. 1 Saúde do trabalhador e meio ambiente do trabalho. 2 Principais normas de proteção a saúde e integridade do trabalhador. 3 Argumentos favoráveis e desfavoráveis a acumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade. 4 Possibilidade (ou não) de acumulação frente à nova jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

Dentre os objetivos pretendidos pela República Federativa do Brasil, encontra-se explicitado no artigo 3º, VI, da Constituição Federal de 1988 (CF/88) a promoção do bem de todos, arrolando-se no artigo 6º desse mesmo diploma legal o direito à saúde, como um direito social. Diante desse comando constitucional, o direito à saúde corresponde a um direito subjetivo de todos, incluindo-se os trabalhadores.

Nesse contexto, considerando-se o bem-estar e desenvolvimento pretendidos pela Constituição Federal de 1988, é necessária uma releitura dos deveres do empregador, notadamente no que se refere ao meio ambiente do trabalho e a forma de remuneração das atividades prejudiciais à saúde.

A figura dos adicionais de insalubridade e periculosidade foi criada para encarecer o custo da mão de obra e, por consequência, desestimular o empregador a submeter o obreiro a condições de trabalho gravosas à sua saúde ou integridade física. Entretanto, como o artigo 193, §2º da CLT estabelece que o empregado deve optar por um dos adicionais, o empregador acaba pagando um valor insuficiente para compeli-lo a manter um ambiente de trabalho seguro e saudável.

Dessa maneira, o presente trabalho objetiva a realização de um estudo crítico acerca da possibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, em caso de exposição do trabalhador a um fato gerador nocivo à saúde e outro que represente risco à vida.

Para tanto, foram examinados, na seguinte ordem, o conceito e a importância de um meio ambiente de trabalho saudável, a tutela normativa de proteção à saúde e integridade do trabalhador, os argumentos favoráveis e contras a acumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade e, por fim, a recente jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho a respeito do tema. Por essa razão, o método empregado é o dedutivo, passando-se de uma análise documental no âmbito legislativo e doutrinário para uma análise jurisprudencial.

Por fim, defendeu-se a possibilidade de percepção simultânea dos adicionais de insalubridade e periculosidade, com base nos princípios constitucionais cardeais e nos princípios peculiares do Direito do Trabalho. O intento do presente estudo foi demonstrar que o pagamento conjunto de ambos os adicionais, por encarecer o custo da mão de obra, pode ser um estímulo para que o empregador mantenha um ambiente de trabalho seguro e saudável, dentro das normas de saúde e segurança impostas.

1 SAÚDE DO TRABALHADOR E MEIO AMBIENTE DO TRABALHO

A proteção da saúde como direito fundamental se deu de forma tardia no direito brasileiro, tendo sido trazida de forma expressa apenas a partir Constituição Federal de 1988.

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Conforme aponta a crítica de José Afonso da Silva, “é espantoso como um bem extraordinariamente relevante à vida humana só agora é elevado à condição de direito fundamental do homem” (2007, p. 308/309).

Contudo, ainda que de forma tardia, na atual Constituição o direito à saúde integra o rol dos direitos sociais e está consagrado em seu art. 6º. Além disso, o direito à saúde também está expresso no art. 196 da Constituição, que impõe ao Estado o dever de conceder o acesso pleno a saúde, inclusive quando à redução de riscos de doença e de outros agravos.

Diante destes comandos constitucionais, o direito à saúde corresponde a um dever do Estado, tratando-se, portanto, de um direito subjetivo de todos, incluindo-se os trabalhadores.

É importante mencionar que, o termo “saúde”, em se tratando de relaç~o de trabalho, envolve não apenas o bem-estar físico, ou seja, ausência de doenças, como também os demais elementos físicos e mentais relacionados com a segurança e higiene do trabalho. Esse é o entendimento adotado pela Organização Internacional do trabalho, conforme disposto no art. 3º, alínea “e”, da Convenç~o nº 155, abaixo transcrito:

Artigo 3º - Para os fins da presente Convenção: [...] e) o termo “saúde”, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecção ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho.

Do exposto, nota-se que não é apenas o Estado o devedor de direitos sociais, pois em

virtude da eficácia horizontal das normas de direito fundamental, o empregador que contrata, assalaria e dirige a prestação pessoal do serviço, assume para si os riscos do empreendimento econômico e a obrigação de zelar pelo bem-estar físico e psíquico dos empregados. Logo, o empregador também é devedor do direito à saúde de seus empregados.

Especificamente em relação à proteção legal conferida à saúde no meio ambiente de trabalho, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 7º, inciso XXII, assegurou aos trabalhadores urbanos e rurais a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Sob este enfoque, pode-se concluir que a manutenção do direito de trabalho saudável é direito do trabalhador e dever do empregador.

Nesse contexto, buscou-se cada vez mais a proteção ao meio ambiente do trabalho, visando-se a qualidade de vida do trabalhador, dentro e fora do local de trabalho. Isso é importante, pois as condições laborais influenciam na qualidade de vida do trabalhador e estão diretamente relacionadas à sua saúde, uma vez que é no ambiente laboral onde o empregado passa a maior parte de seu tempo.

Segundo Sebastião Geraldo de Oliveira, o meio ambiente do trabalho está inserido no meio ambiente geral, “de modo que é impossível alcançar a qualidade de vida sem ter qualidade de trabalho, nem se pode atingir meio ambiente equilibrado e sustentável, ignorando o meio ambiente do trabalho” (OLIVEIRA, 2011, p. 127). E acrescenta que, o trabalho, frequentemente, “determina o estilo de vida do trabalhador, influência nas condições de saúde, interfere na aparência e apresentaç~o pessoal e até determina, muitas vezes, a forma da morte” (OLIVEIRA, 2011, p. 127).

Contudo, embora o ambiente laboral seja de suma importância para a saúde do trabalhador, em geral, as condições em que o trabalho se realiza não estão corretamente adaptadas à capacidade física e mental do empregado. Além de acidente do trabalho e enfermidades profissionais, a precariedade e insuficiência das condições em que o trabalho é exercido geram fadiga, tensão e insatisfação. Isso tudo corrobora para a debilidade física e mental do trabalho, provocando, ainda, queda da produtividade, absenteísmo e instabilidade no emprego.

Os principais fatores vivenciados no ambiente de trabalho responsáveis pelos danos causados à saúde do trabalhador são a duração excessiva da jornada, falta de repouso suficiente,

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trabalhos em turnos de revezamento, tarefas repetitivas, trabalho penoso, esforço físico, ambiente hostil, posturas inadequadas e ritmo de trabalho, atenção e tensão constantes.

Nesse contexto, Alice Monteiro de Barros complementa que “a esses riscos aliam-se outros que surgem acompanhados do progresso tecnológico, como exposição a substâncias químicas, cujos efeitos ainda s~o mal conhecidos a curto prazo e os que decorrem da automaç~o” (BARROS, 2013, p. 1.035). Nota-se, portanto, que as mudanças causadas pela globalização também têm interferido negativamente na saúde do ser humano. Contudo, a saúde é cada vez mais considerada um valor e um bem constitucionalmente tutelado, devido a sua vinculação com a existência digna do ser humano.

Assim, pela importância do meio ambiente do trabalho a saúde do trabalhador, além da proteção constitucional, foi necessária uma resposta positiva da legislação trabalhista nacional e do direito internacional, este último consubstanciado, principalmente, em Convenções Internacionais da OIT, buscando-se a eliminação dos riscos e agentes nocivos presentes no ambiente do trabalho.

2 PRINCIPAIS NORMAS DE PROTEÇÃO A SAÚDE E INTEGRIDADE DO TRABALHADOR

Conforme visto acima, a Constituição Federal de 1988 foi o marco principal na introdução da etapa da saúde do trabalhador no ordenamento jurídico nacional. No referido diploma, a saúde foi considerada como um direito social (art. 6º e 196), assegurando-se aos trabalhadores o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII).

As normas que tratam da proteção à segurança e a saúde do trabalhador estão dispersas em diversos diplomas legais, abrangendo vários ramos do direito, o que dificulta o seu conhecimento. Contudo, a fonte principal dessas normas, em nível de lei ordinária, é o Capítulo V do Título II da CLT, intitulado “Segurança e Medicina do Trabalho”, abrangendo dos artigos 154 a 201. Cabe mencionar que o art. 200 da CLT ainda prevê a possibilidade do Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de segurança e saúde do trabalhador contempladas na CLT.

Visando ampliar a preservação da saúde e integridade do trabalhador, a Constituição Federal prevê também, em seu art. 7º, XXIII, o pagamento dos adicionais de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei. Isso porque esses adicionais foram criados para encarecer custo da mão de obra e, por consequência, desestimular o empregador a submeter o obreiro a condições de trabalho gravosas à sua saúde ou integridade física.

Segundo Maurício Godinho Delgado, “os adicionais consubstanciam em parcelas contraprestativas suplementares devidas ao empregado em virtude do exercício do trabalho em circunst}ncias tipificadas mais gravosas”. (DELGADO, 2016, p. 839). J| Sebasti~o Geraldo de Oliveira faz uma an|lise crítica ao dizer que, no ordenamento jurídico brasileiro, “o principal mecanismo escolhido pelo legislador para tentar compensar o trabalhador pelos prejuízos à saúde (insalubridade) e pelo risco à integridade corporal (periculosidade), sofridos no meio ambiente laboral, foi a monetizaç~o” (OLIVEIRA, 2011, p. 154). Em outras palavras, a técnica adotada troca saúde e risco de morte por dinheiro.

Os adicionais de insalubridade e periculosidade atualmente estão contemplados na CLT. Já o adicional de atividades penosas ou penosidade até hoje carece de regulamentação.

Em relação ao adicional de insalubridade, o art. 189 da CLT afirma que são consideradas atividades insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.

Quanto as atividades perigosas, o art. 193 da CLT estabelece que são aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: (i) inflamáveis, explosivos ou energia elétrica; ou a (ii) roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.

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Segundo Sebastião Geraldo de Oliveira, os dois artigos citados acima, que tratam dos adicionais de insalubridade e periculosidade, lamentavelmente são os mais conhecidos do capítulo “Da Segurança e da Medicina do Trabalho”, “demonstrando que a pretensão remuneratória imediata despertou mais interesse do que o propósito de preservação da vida e da saúde” (OLIVEIRA, 2007).

Esses adicionais tratam de técnica amplamente benéfica ao empregador, já que não faz cessar a exploração da atividade econômica considerada arriscada. Conforme ressalta Daniel de Faria Galvão (GALVÃO, 2016), a despeito de ter a CLT adotado essa técnica menos eficaz de proteção à saúde e à vida do trabalhador, a situação fica ainda mais agravada diante de dois fatores: a adoção do salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade e a proibição da cumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade (art. 193, §2º da CLT e item 16.2.1 da NR-16 da Portaria nº 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego).

Por fim, no que tange às normas internacionais, diversas convenções da OIT ratificadas pelo Brasil tratam do tema da segurança, saúde e meio ambiente do trabalho. Dependendo da atividade da empresa, será necessário consultar convenções específicas, para verificar se o empregador adotou todas as medidas preventivas indicadas, como por exemplo: Convenção n. 115 sobre radiações ionizantes; Convenção n. 136 sobre benzeno; Convenção n. 139 sobre substâncias ou produtos cancerígenos; Convenção n. 162 sobre asbesto; Convenção n. 170 sobre produtos químicos; Convenção n. 171 sobre trabalho noturno etc.

No entanto, merecem maior atenção, pela amplitude de abrangência, três dessas convenções: (i) A Convenção n. 148 que trata dos riscos devidos à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho; (ii) A Convenção n. 155 que trata da segurança e saúde dos trabalhadores e do meio ambiente de trabalho; e (iii) A Convenção n. 161 que trata dos serviços de saúde no local de trabalho.

Ao ratificar essas Convenções, o Brasil assumiu importantes compromissos perante a comunidade internacional, pois deverá instituir e reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e do meio ambiente de trabalho. Conforme dispõe o art. 8º da Convenção n. 155, seja pela via legal ou regulamentar, todo Estado membro deverá adotar as medidas necessárias para tornar efetivas as normas de proteção à segurança e saúde dos trabalhadores – e isso inclui o Brasil. 3 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS A ACUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE PERICULOSIDADE E INSALUBRIDADE

Almejando a concretização de um real estado de bem-estar social, parte da doutrina trabalhista já se posiciona de forma contrária ao disposto no §2º do art. 193 da CLT e no item 16.2.1 da NR-16 da Portaria nº 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego, entendendo não haver bis in idem decorrente da acumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, uma vez que cada adicional está ligado a um bem da vida distinto.

Nas palavras de Garcia (2012, p. 1.109), o dispositivo celetista que proíbe a percepção das duas parcelas “merece fundada crítica, pois se o empregado est| exposto tanto ao agente insalubre como também à periculosidade, nada mais justo e coerente do que receber ambos os adicionais (art. 7º, inciso XXIII, da CF/88), pois os fatos geradores s~o distintos e autônomos”.

Nesse sentido também se posiciona Sebastião Geraldo de Oliveira (2011, p. 434), que argumenta que a regra geral é que o trabalhador receba cumulativamente os adicionais, para compensar separadamente cada condição adversa. Por exemplo, quando o empregado faz horas extras no período noturno, ele recebe cumulativamente o adicional de horas extras e o adicional noturno. Portanto, se o empregado está exposto a agentes insalubres e perigosos, ele deveria receber cumulativamente os adicionais de insalubridade e periculosidade.

Pelo exposto, já é possível retirar alguns dos argumentos utilizados pelos adeptos à possibilidade de acumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade. O primeiro argumento favorável a tese da cumulação pode ser buscado no princípio da máxima efetividade da norma constitucional, à medida que, de acordo com a CF/88, é dever do empregador reduzir

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os riscos inerentes ao trabalho e promover um meio ambiente do trabalho equilibrado (PENA, 2011, p.88)

Nesse contexto, a possibilidade de regulação por lei ordinária não autorizaria a redução de seu alcance, em interpretação restritiva, sob pena de desrespeitar o referido princípio da Constituição, que determina que as normas constitucionais concernentes a direitos fundamentais devem ser interpretadas na sua inteireza, dando máxima efetividade.

Ademais, argumenta-se também que o reconhecimento ao direito do trabalhador de perceber cumulativamente os adicionais de insalubridade e periculosidade é forma de estender-se eficácia aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da valoração social do trabalho e do direito fundamental à saúde do trabalhador, insculpidos na Constituição Federal de 1988 (SILVA, 2008, p. 60).

Outrossim, os danos causados pelos agentes insalubre e perigoso são distintos, pois enquanto o agente insalubre afeta a saúde do trabalhador, o agente perigoso coloca em risco sua integridade física, devendo ser distinto e autônomo os acréscimos resultantes de tais exposições (MAGALHÃES. GUERRA. 2015).

Ademais, a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal reconheceu aos tratados internacionais sobre direitos humanos status de supralegalidade, à luz do art.5º, §2º da Constituição, o que significa afirmar estarem em patamar de hierarquia superior à CLT. Neste aspecto, destacam-se as Convenções nº 148 e 155, que determinam que devem ser levados em consideração os riscos para a saúde, decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes, sendo representado no direito pátrio pela compensação pecuniária propiciada pela percepção dos adicionais de periculosidade e insalubridade.

Em virtude disso, para os defensores desta corrente, as referidas convenções teriam derrogado a regra prevista no art. 193, § 2º, da CLT9 e o item 16.2.1 da NR-16 da Portaria nº 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego, no que se refere à percepção de apenas um adicional, em caso de estar o empregado sujeito, simultaneamente, a condições insalubres e perigosas (OLIVEIRA, 2011, p. 437).

Outros argumentos apontados como legitimadores da aplicação das Convenções nº 158 e 155 da OIT são o critério da ordem cronológica e o princípio da norma mais favorável. Segundo o critério cronológico, previsto no art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, lei posterior revoga lei anterior, de modo que as convenções teriam revogado o art. 192, §3º da CLT. Já o princípio da norma mais favorável prevê a aplicação da norma mais favorável ao empregado, independentemente da hierarquia (BARROS, 2013, p. 142). Logo, como as convenções são mais favoráveis ao trabalhador do que a norma celetista, elas deveriam prevalecer.

Por fim, pode-se mencionar, ainda, no sentido da cumulação dos adicionais, que o Código Civil estabelece que a indenização é medida pela extensão do dano (art. 944), de forma que, existindo mais de um dano (e/ou exposição do trabalhador), deve ser pago um adicional para cada um.

Por outro lado, há também quem defenda a não percepção simultânea nos adicionais dos adicionais de periculosidade e insalubridade. E, para os adeptos dessa corrente, o primeiro e principal argumento baseia-se na aplicaç~o do art.193, §2º da CLT, que estabelece que “o empregado poder| optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido”. Assim, segundo Valentim Carrion, o legislador, ao possibilitar ao empregado a opção pelo recebimento do adicional porventura devido, teria vedado o pagamento cumulado dos dois adicionais (CARRION, 2009, pág. 188).

Além disso, argumenta-se que não há que se cogitar, em incompatibilidade entre o artigo 193, § 2º, da CLT e artigo 7º, XXII, da Constituição da República, porquanto o preceito da Carta da República apenas assegura ao trabalhador empregado a “reduç~o” dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança do trabalho.

Outro argumento defende que não haveria que se falar em prejuízo ao trabalhador, pois é ele e não o empregador que vai escolher o adicional, podendo assim escolher o mais vantajoso. Nesse sentido, s~o os ensinamentos de Sérgio Pinto Martins que diz que “a opç~o caber| ao

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empregado e não ao empregador, podendo o primeiro escolher o adicional que quiser, na hipótese de serem devidos os dois, inclusive o pior. Não poderá, porém, haver o pagamento dos dois adicionais ao mesmo tempo” (MARTINS, 2002, p. 215).

Por fim, argumenta-se que as Convenções da OIT recomendam a adoção de critérios rígidos para se definir os limites de tolerância e exposição a agentes nocivos à saúde, mas em nenhum momento discorre acerca da percepção cumulativa de adicionais. Logo, não poderia se falar em incompatibilidade das referidas Convenções com a previsão contida na Consolidação das Leis do Trabalho.

Pelo exposto é possível perceber que a possibilidade ou não de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade é um tema de bastante polêmico e de grande relevância, pois trata sobre a saúde do trabalhador. Contudo, é fácil notar também que os argumentos contrários a cumulação não têm uma fundamentação clara, além da legal. 4 POSSIBILIDADE (OU NÃO) DE ACUMULAÇÃO FRENTE À NOVA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

A possibilidade de cumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade sempre foi alvo de intensa controvérsia na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, prevalecendo o entendimento de que se aplica o art.193, §2º da CLT, que veda tal prática, devendo o trabalhador optar entre um dos adicionais.

A reviravolta na jurisprudência do TST sobre o tema começou na 7ª Turma, quando o colegiado admitiu o recebimento cumulativo dos referidos adicionais, no julgamento do Recurso de Revista de nº 1072-72.2011.5.02.0384, publicado em 03 de outubro de 2014. Nesse acordão, o colegiado, em voto de relatoria do Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, entendeu que a norma do artigo 193, §2º da CLT não teria sido recepcionada pela atual Constituição Federal de 1988.

Isso porque o art. 7º, inciso XXIII, da Constituição Federal de 1988 teria garantido de forma plena o direito ao recebimento dos adicionais de penosidade, insalubridade e periculosidade, sem qualquer ressalva no que tange à cumulação, ainda que tenha remetido sua regulação à lei ordinária. A legislação infraconstitucional que deveria se pautar pelos princípios e valores insculpidos no texto constitucional, como forma de alcançar, efetivamente, a finalidade da norma.

Ademais, também se argumentou no sentido de que a acumulação dos referidos adicionais se justifica em virtude de a origem dos direitos serem diversos, ou seja, o adicional de insalubridade decorre dos agentes de risco que ensejem para o agravamento de saúde do empregado, e o adicional de periculosidade decorre dos agentes de riscos capazes de mutilar a integridade física ou até mesmo ceifar a vida do trabalhador. Logo, não seria possível falar em bis in idem.

Ainda foi defendido que com a introdução, no sistema jurídico interno, das Convenções Internacionais nº 148 e 155 da Organização Internacional do Trabalho com status de norma supralegal (consoante decisão do STF), foram derrogadas as regras previstas no art. 193, § 2º, da CLT e no item 16.2.1 da NR-16 da Portaria nº 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego.

Outros argumentos apontados pela 7ª turma do TST como legitimadores da aplicação das Convenções Internacionais nº 148 e 155 da OIT são o critério da ordem cronológica das normas e o princípio da norma mais favorável.

O critério da ordem cronológica das normas está previsto no art. 2º da Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro e basicamente prevê que lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare ou quando seja com ela incompatível. Assim, considerando que as referidas Convenções Internacionais são posteriores a CLT, ficaria elidida a aplicação do dispositivo celetista.

Já o princípio da norma mais favorável determina que, em um conflito de normas, deve-se aplicar aquela mais favorável ao empregado, independentemente da sua hierarquia. Logo,

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como as normas da OIT são amplamente mais favoráveis ao trabalhador do que a norma celetista, aquelas deveriam ter sua aplicação assegurada.

O entendimento adotado em 2014 foi mantido pela colenda 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho. No julgamento do Recurso de Revista de nº 776-12.2011.5.04.0411, publicado em 22 de maio de 2015, o relator Ministro Vieira de Mello Filho fez citação do julgado anteriormente mencionado, e foi incisivo em concordar com o entendimento já exposto pelo Ministro Cláudio Brandão.

No entanto, as demais turmas do Tribunal Superior do Trabalho se mantiveram fiéis à intepretação clássica, conforme demonstram, por exemplo, diversos julgados recentes: (i) AIRR-3293-59.2012.5.12.0046, 1ª Turma, Data de Julgamento: 16.03.2016, Rel. Des. Convocado Marcelo Lamego Pertence, DEJT 22.03.2016; (ii) AIRR-1691-38.2014.5.03.0038, 2ª Turma, Data de Julgamento: 02.03.2016, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, DEJT 11.03.2016; (iii) AIRR-1002-69.2013.5.02.0001, 3ª Turma, Data de Julgamento: 11.11.2015, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 13.11.2015; (iv) RR-70-43.2013.5.12.0053, 4ª Turma, Data de Julgamento: 09.12.2015, Rel. Min. João Oreste Dalazen, DEJT 11.12.2015; (v) AIRR-1162-33.2012.5.15.0045, 5ª Turma, Data de Julgamento: 28.10.2015, Rel. Des. Convocado José Rêgo Júnior, DEJT 06.11.2015; (vi) ARR-800-24.2012.5.04.0017, 6ª Turma, Data de Julgamento: 07.10.2015, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DEJT 19.02.2016; e (vii) RR-443-80.2013.5.04.0026, 8ª Turma, Data de Julgamento: 03.02.2016, Rel. Min.: Dora Maria da Costa, DEJT 12.02.2016.

O principal argumento - e muitas vezes único - adotado pelas outras turmas do Tribunal Superior do Trabalho é no sentido de que o art. 193, §2º da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e é claro ao prever que cabe ao empregado a opção quanto ao adicional que porventura lhe seja devido.

Contudo, em razão de ser um tema controverso, em 28 de abril de 2016, a questão da possibilidade ou não de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade foi a julgamento, na Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho, responsável pela uniformização da jurisprudência da Corte.

Neste contexto, no julgamento do E-ARR – 1081-60.2012.5.03.0064, a SDI-1 decidiu pela não percepção cumulativa dos adicionais de insalubridade e periculosidade para aquele caso concreto, mas deixou uma brecha ao afirmar que a vedação ao pagamento cumulativo não é absoluta.

Isso porque, no corpo da referida decisão, foi argumentado que quando se postula o pagamento dos adicionais de insalubridade e de periculosidade com fundamento em causas de pedir distintas é possível a cumulação. Ou seja, uma vez caracterizadas e classificadas as atividades, individualmente consideradas, como insalubre e perigosa, nos termos do art. 195 da CLT, é inarredável a observância das normas que asseguram ao empregado o pagamento cumulativo dos respectivos adicionais - arts. 192 e 193, § 1º, da CLT.

Segundo a SDI-1, caso não se entendesse assim, emprestar-se-ia tratamento igual a empregados submetidos a condições gravosas distintas: o empregado submetido a um único agente nocivo, ainda que caracterizador de insalubridade e também de periculosidade, mereceria o mesmo tratamento dispensado ao empregado submetido a dois ou mais agentes nocivos, díspares e autônomos, cada qual em si suficiente para gerar um adicional. Assim, concluiu-se que se presentes os agentes insalubre e de risco, simultaneamente, cada qual amparado em um fato gerador diferenciado e autônomo, em tese há direito à percepção cumulativa de ambos os adicionais.

O relator do acórdão, o Ministro João Oreste Dalazen, chegou a citar exemplos, a fim de facilitar o entendimento da nova interpretação da corte. Nesse sentido:

Menciono, a título exemplificativo, a seguinte situação hipotética: empregado de mineradora que, no trabalho de campo, ativa-se em contato direto com detonação de explosivos e, por essa razão, já percebe adicional de insalubridade em decorrência da exposição a ruído intenso. Referido empregado ajuíza

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reclamação trabalhista para postular o pagamento cumulativo de adicional de periculosidade, em face do manuseio de explosivos, com base no mesmo fato gerador: labor diretamente relacionado à detonação de explosivos. Parece-me forçoso reconhecer que, no exemplo mencionado, incide, em tese, a norma do art. 193, § 2º, da CLT. Em semelhante circunstância, o pagamento cumulativo dos adicionais de periculosidade e de insalubridade, com fundamento em causa de pedir única, implicaria flagrante violação de preceito legal -- art. 193, § 2º, da CLT. Solução diversa impõe-se, contudo, se se postula o pagamento dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, concomitantemente, com fundamento em causas de pedir distintas. Seria o caso, por exemplo, de empregado, técnico de enfermagem, que postula adicional de insalubridade em decorrência do contato com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas, em ambiente hospitalar, e, também, adicional de periculosidade em virtude do manuseio de equipamentos de raio-X, porque sujeito a radiações ionizantes (Orientação Jurisprudencial nº 345 da SbDI-1 do TST). Neste último exemplo, uma vez caracterizadas e classificadas as atividades, individualmente consideradas, como insalubre e perigosa, nos termos do art. 195 da CLT, é inarredável a observância das normas que asseguram ao empregado o pagamento cumulativo dos respectivos adicionais -- arts. 192 e 193, § 1º, da CLT (Processo: E-ARR - 1081-60.2012.5.03.0064 Data de Julgamento: 28/04/2016, Redator Ministro: João Oreste Dalazen, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 17/06/2016).

Assim, embora tenha mantido o entendimento clássico, no sentido da recepção do art.

193, §2º, da CLT, pela Constituição de 1988, bem como da compatibilidade do dispositivo em referência com as normas internacionais ratificadas pelo Brasil, a SDI-1 indiretamente abriu caminho para o deferimento da cumulação dos adicionais, desde que com fundamento em causas de pedir distintas.

Contudo, em 13 de outubro de 2016, a Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho voltou a analisar esta questão, e no julgamento do E-RR-1072-72.2011.5.02.0384, entendeu que os adicionais de insalubridade e periculosidade não são cumuláveis, por força do art. 193, §2 da CLT. Para a maioria dos ministros, a opção prevista nesse dispositivo implica a impossibilidade de cumulação, independentemente das causas de pedir.

Assim, a última decisão da SDI-1 do TST fixou a tese legalista da impossibilidade da acumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade pelo trabalhador no exercício da mesma função, deixando-se de conferir máxima efetividade ao texto constitucional que prevê a saúde como um direito fundamental social. CONCLUSÃO

Foi visto que, de acordo com o art. 193, §2º da CLT, quando um empregado trabalha submetido simultaneamente a agentes insalubres e perigosos, o obreiro deve escolher o adicional que lhe proporcione maior vantagem financeira, sendo vedada a acumulação de tais benefícios. Ou seja, é como se o trabalhador tivesse que escolher entre a exposição da sua saúde a agente químico, físico ou biológico ou a exposição da sua vida a risco de acidente.

Analisando esse dispositivo a partir dos comandos constitucionais, que preveem o direito à saúde como um direito subjetivo de todos, incluindo os trabalhadores, nota-se que o artigo 193, §2º da CLT não atende satisfatoriamente aos princípios constitucionais. A Constituição Federal de 1988 ao determinar, no art. 7º, incisos XXII e XXIII, a obrigação patronal de reduzir os riscos inerentes ao trabalho e manter o meio ambiente do trabalho equilibrado, e ao prever o pagamento dos adicionais sem qualquer restrição, buscou eliminar todas as condições ensejadoras de danos à saúde do trabalhador.

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É necessário se buscar cada vez mais a proteção ao meio ambiente do trabalho, uma vez que as condições laborais influenciam na qualidade de vida do trabalhador e estão diretamente relacionadas à sua saúde, já que é no ambiente laboral onde o empregado passa a maior parte de seu tempo. Nesse sentido são as diversas convenções da OIT ratificadas pelo Brasil que tratam do tema da segurança, saúde e meio ambiente do trabalho, as quais preveem medidas que devem ser adotadas pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Neste contexto, sendo os adicionais de insalubridade e periculosidade decorrentes de fatos geradores distintos e prejudicando bens da vida singulares, não há justificativa razoável para a não cumulação desses adicionais. A própria CLT é bem clara ao definir que o adicional de insalubridade é devido ao trabalhador que estiver exposto à agentes nocivos (físico, químicos ou biológicos) que afetem sua saúde, e o adicional de periculosidade é devido em razão do perigo, risco à integridade física do trabalhador ocasionada por elementos que podem afetar a vida desse e até levar a morte.

Por meio do pagamento acumulado dos adicionais, não se busca legitimar uma espécie de “venda” da saúde e segurança do trabalhador. Pelo contr|rio, almeja-se encarecer o custo da mão de obra e, com isso, estimular o empregador a adotar uma política de eliminação ou redução progressiva dos riscos, promovendo um ambiente do trabalho equilibrado e protegido dos infortúnios.

Conforme destaca Sebastião Geral de Oliveira (2007, p. 129/190), é muito importante que os estudiosos do Direito do Trabalho dediquem mais atenção e concedam mais espaço na literatura jurídica especializada para que a estrutura normativa da segurança, higiene e saúde dos trabalhadores possa ser melhor assimilada, tornando-se assim, mais efetiva. Dessa forma, o foco da atenção não ficará apenas na reparação dos lesados, mas também no direito ao meio ambiente do trabalho seguro e saudável, onde o trabalhador possa ganhar o seu sustento sem perder a vida ou a saúde.

Nesse sentido, é importante que o posicionamento jurisprudencial clássico que defende a não cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade perca sua força. A decisão da 7ª Turma do TST em 2014, defendendo a possibilidade de cumulação desses adicionais, foi um marco importante na busca pela substituição da jurisprudência dos tribunais, chegando a matéria a ser discutida pela Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho, responsável pela uniformização da jurisprudência da Corte.

A não percepção cumulativa dos adicionais de insalubridade e periculosidade pelo trabalhador, além de causar danos a sua saúde, torna para as empresas financeiramente mais vantajoso a manutenção do trabalho em condições insalubres ou perigosas, ao invés de se buscar efetuar gastos que objetivassem transformar o meio ambiente laboral em um lugar mais seguro e menos gravoso. REFERÊNCIAS

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2013. BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 15 jul. 2016. ______. Tribunal Superior do Trabalho. Primeiro acórdão do TST que reconheceu a possibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade. RR - 1072-72.2011.5.02.0384. Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 03/10/2014. Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=RR%20-%201072-72.2011.5.02.0384&base=acordao&rowid=AAANGhABIAAAHgZAAV&dataPublicacao=03/10/2014&localPublicacao=DEJT&query=>. Acesso em: 18 out. 2016.

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______. Tribunal Superior do Trabalho. Acórdão de decisão que argumentou que quando se postula o pagamento dos adicionais de insalubridade e de periculosidade com fundamento em causas de pedir distintas é possível a cumulação. E-ARR - 1081-60.2012.5.03.0064. Redator Ministro: João Oreste Dalazen, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 17/06/2016. Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=E-ARR%20-%201081-60.2012.5.03.0064&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAp+UAAF&dataPublicacao=17/06/2016&localPublicacao=DEJT&query=>. Acesso em: 19 out. 2016. CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direto do Trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016. GALVÃO, Daniel de Faria. Adicional de Insalubridade e de Periculosidade – Da possibilidade de cumulação frente à nova jurisprudência. Revista LTr., v. 80, n. 8, p. 67-73, ago. 2016. GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo: Forense, 2012. MAGALHÃES, Aline Carneiro Magalhães. GUERRA, Roberta Freitas. Uma análise sobre a cumulatividade dos adicionais de insalubridade e periculosidade. Disponível em: <http://www4.jfrj.jus.br/seer/index.php/revista_sjrj/article/viewFile/554/402>. Acesso em: 19 out. 2016. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Estrutura normativa da segurança e saúde do trabalhador no Brasil. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 45, n. 75, p. 107-130, jan./jun., 2007. ______. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 6. ed. São Paulo: LTr, 2011. PENA, Tânia Mara Guimarães. Cumulação de adicionais na relação de emprego: respeito ao direito humano à saúde do trabalhador. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 54, n. 84, p. 79-106, jul./dez. 2011. SILVA, Janaína Saraiva da. Reflexões sobre a efetividade do direito fundamental de proteção à saúde do trabalhador: cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade. Artigo periódico, Cadernos da AMATRA IV, Porto Alegre, n.8, jul./set., 2008, p. 50-71. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

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MEIO AMBIENTE DO TRABALHO E SAÚDE DO TRABALHADOR: PRÁTICAS CORPORATIVAS PASSÍVEIS DE APLICAÇÃO GERAL

WORKING ENVIRONMENT AND WORKER’S HEALTH: CORPORATE PRATICES CAPABLE

OF GENERAL APPLICATION

Giovanna Gomes de Paula*

RESUMO: O liberalismo de Adam Smith ainda justifica a busca pelo lucro, ultrapassando qualquer direito à dignidade da pessoa humana. Contudo, nota-se que, em alguns segmentos, a tentativa de conciliar lucro com boas práticas corporativas tem alcançado certo êxito. Um dos exemplos dessa inovação, talvez o mais expressivo, é creditado a Google, cuja empresa tem adotado uma nova forma de organização do trabalho, com vistas à maior produção e à saúde e bem estar no contexto labor-ambiental. Por estas razões, a presente pesquisa, busca examinar a organização do trabalho na Google e identificar práticas corporativas positivas passíveis de aplicação geral. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, tendo como método de procedimento o levantamento através da técnica de pesquisa bibliográfica em materiais já publicados (por exemplo, doutrina, legislação, jurisprudência, artigos científicos, conteúdos disponibilizados em sítios eletrônicos, entre outros). E, como métodos de abordagem, o método de caso e o raciocínio indutivo, visando à análise de particularidades do contexto labor-ambiental da Google e a generalização para outros segmentos. Apurou-se, até o momento, que a base organizacional da empresa Google é a ausência de hierarquia na comunicação e o trabalho em equipe, fatos que, além de aproximarem empregado e empregador, ainda evitam competições entre os pares, aumentando assim a produtividade. De acordo com a literatura labor-ambiental, o meio ambiente do trabalho é uma das manifestações do meio ambiente humano, conforme apontam os artigos 225 e 200, inciso VIII, da Constituição Federal. Diante da premissa de que o meio ambiente do trabalho influi no trabalhador e vice-versa, conforme assevera o Princípio da Bidirecionalidade, supõe-se que tais características da prestação laboral na Google influenciam na forma como o trabalhador dialoga, negocia e modifica o seu entorno laboral4. Resta, portanto, examinar as principais práticas corporativas positivas adotadas por essa empresa e se são passíveis de aplicação geral. Palavras-chave: meio ambiente do trabalho. práticas corporativas. saúde do trabalhador. ABSTRACT: The liberalism of Adam Smith still justifies the pursuit of profit, which exceeds all the rights about human dignity. However, we note that, in some segments, the attempt to reconcile profit with good corporate practices has achieved some success. One example of this innovation, perhaps the most significant, is credited to Google, whose company has adopted a new form of work organization, with a view to increased production and the health and well-being in labor-ambiental context. For these reasons, this research seeks to examine the organization of work in Google and identify positive corporate practices capable of general application. This is a qualitative research, which procedure envolves the survey by literature technique in materials already published (doctrine, legislation, jurisprudence, scientific articles, content available in electronic sites, among others). And as methods of approach, the case method and inductive reasoning, aimed at particular analysis of labor- environmental context of Google and generalization to other segments. It was found, so far, that the organizational base of the company Google is the lack of hierarchy in communication and teamwork, facts which approach the employee and employer and yet avoid competition among peers, thereby increasing productivity. According to the labor- environmental literature, the working environment is one of the manifestations of the human environment, as pointed in articles 225

* Graduanda em Direito na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista

"Júlio de Mesquita Filho" - UNESP/Franca. E-mail: [email protected].

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and 200, section VIII of the Federal Constitution. In face of the assumption that the working environment affects the worker and vice versa, as asserts the principle of Bidirectionality, it is assumed that such features of the work on Google influence how the employee dialogue, negotiate and modify your laboral surroundings. It therefore remains to examine the main positive corporate practices adopted by the company and if they are subject to general application. Keywords: worker’s health, corporative practices, working environment.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Meio ambiente do trabalho no ordenamento jurídico. 1.1 Regramento jurídico. 2 Principais problemas enfrentados na atualidade. 3 A escolha da empresa Google. 3.1 Critérios utilizados pela pesquisa “great place to work”. 3.2 Técnicas corporativas da empresa. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

A origem do termo “trabalho” est| intrinsecamente ligada { sua conceituaç~o ainda na época atua, a qual traz a tona sentimentos desagrad|veis como “dor”, “castigo”, “sofrimento” e “tortura”. Do ponto de vista etimológico, a palavra surge do latim “tripalium”, sendo este uma espécie de instrumento de tortura que pesava sobre os animais, e, por este motivo - trabalho visto como castigo - os senhores feudais não trabalhavam. Com o passar do tempo, a expressão começou a ganhar novas significações, sendo a energia física ou intelectual empregada pelo homem, com fins produtivos (CASSAR, 2008, p. 3), contudo, nem por isso o trabalho acompanhou as mudanças de seu conceito.

Nota-se que, com a Revolução Industrial, a nova forma de trabalho fez com que as pessoas perdessem o controle de sua produç~o, surgindo, neste momento, a “coisificaç~o do trabalhador”, sem valor social ou humano. Em vistas de aperfeiçoar a produção, surgem pensamentos como o taylorismo, fordismo e o toyotismo, os quais, em linhas gerais, a partir da perspectiva trazida pelo primeiro modelo, parcelaram significativamente o trabalho e mutilaram a subjetividade do trabalhador. Nestes sistemas, todos os estudos voltaram-se especificamente à busca por produção maior e lucro garantido, deixando (mais uma vez) de lado a preocupação com a saúde do empregado, o qual tinha sua função limitada, interdependente e alienada.

Com o avanço da tecnologia, a busca pela maior produção se intensificou ainda mais, e com esta, novas formas de doenças surgiram. Se, no contexto anterior, os trabalhadores eram acometidos por cansaço, lesão por esforço repetitivo e cansaço extremo – tudo por medo de perder o emprego -, hoje, estas moléstias ainda se somam ao stress, à pressão para o alcance de metas, depressão e inúmeras outras doenças, causadas, ainda, pelo temor do desemprego.

Nesta linha, torna-se evidente que o meio ambiente do trabalho interfere diretamente na saúde do trabalhador e em suas relações com a sociedade em um contexto amplo, sendo de extrema relevância o estudo do aspecto organizacional das empresas, onde se encontra o cerne dos problemas gestacionais que geram todo o desequilíbrio do meio ambiente, gerando, não só queda da produção, mas principalmente, novas doenças.

Assim, o presente artigo busca evidenciar, a partir da experiência trazida pelas ideias implantadas na empresa “Google”, quais s~o as inovações passíveis de utilização geral que efetivamente podem alterar a qualidade de vida tanto física como mental e a motivação laboral do empregado, estabelecendo assim um equilíbrio em seu meio ambiente, sem que, para isso, sejam necessárias perdas tanto para o empregado (muitas vezes afetando sua saúde) quanto para o empregador, no sentido de inalteração da produção.

Evidencia-se que não há a pretensão de esgotar o tema aqui analisado, sendo apenas uma introdução de uma pesquisa mais densa que será realizada no decorrer do tempo. Assim, em primeiro lugar, o artigo trará a conceituação do meio ambiente do trabalho, enunciando suas principais características, e o ordenamento jurídico existente sobre a questão. Após, disporá sobre os principais problemas vividos na atualidade, ressaltando seus efeitos na saúde do

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trabalhador. Ser| destinado um tópico para explanar a escolha da empresa “Google” como modelo adotado para extrair ideias passíveis de aplicação geral. Para entender a menção da “Google” em uma das listas mais relevantes da área corporativa, serão analisados os critérios utilizados no método de pesquisa do Instituto, para, dessa forma, concluir a escolha da empresa para utilização de suas técnicas. Por fim, o artigo concluirá trazendo as técnicas corporativas da empresa.

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, tendo como método de procedimento o levantamento através da técnica de pesquisa bibliográfica em materiais já publicados (por exemplo, doutrina, legislação, jurisprudência, artigos científicos, conteúdos disponibilizados em sítios eletrônicos, entre outros). E, como métodos de abordagem, o método de caso e o raciocínio indutivo, visando à análise de particularidades do contexto labor-ambiental da Google e a generalização para outros segmentos. 1 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO NO ORDENAMENTO JURÍDICO

Primeiramente, é necessário compreender que o meio ambiente de trabalho é um conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica que incidem sobre o homem em sua atividade laboral, esteja aquele ou não submetido ao poder hierárquico de outrem. (FELICIANO, 2013, p. 89).

Na conceituação de Norma Sueli Padilha (2011, p. 232) o meio ambiente do trabalho compreende o “habitat laboral” onde o trabalhador passa a maior parte de sua vida e garante seu sustento, abrangendo neste quadro a segurança e a saúde dos trabalhadores para protegê-los de todas as formas.

Frisa-se que este meio ambiente está inserido em um sistema econômico extremamente agressivo, o qual busca incessantemente a obtenção de lucro em detrimento da qualidade de vida de seu empregado, sendo de extrema importância sua proteção jurídica para garantir sua efetividade no plano concreto.

1.1 Ordenamento Jurídico

A Constituição Federal de 1988 (CF) elevou a direito fundamental o meio ambiente

equilibrado como bem essencial a sadia qualidade de vida ao determinar, no caput do art. 225, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cabendo a todos, o dever de defendê-lo. No mesmo sentido, destaca-se que o artigo 3º, item I, da Lei nº6.938/81, que rege a Política Nacional do Meio Ambiente, delimita o conceito de meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Assim, torna-se nítido a inserção do meio ambiente do trabalho nesta prerrogativa, pois é no habitat laboral que o homem passa a maior parte de sua vida produtiva, necessitando assim, de um local equilibrado e sadio para que seja garantida sua dignidade.

No que concerne { “saúde do trabalhador”, o artigo 200, inciso, VIII da Constituiç~o trata da obrigação do Sistema Único de Saúde em colaborar na proteção do meio ambiente, ressaltando o meio ambiente do trabalho. Esta inovação demonstra, sobretudo, a ligação direta entre saúde e direito do trabalhador, a qual, para ser compreendida, basta se considerar que o adoecimento limita o pleno gozo do direito ao trabalho, o qual compromete, o desempenho, o desenvolvimento e a prosperidade pessoa e profissional do trabalhador. (ALMEIDA; SOUZA, p. 150). Em adição, tendo em vista esta inter-relação estreita entre saúde e meio ambiente do trabalho, o artigo 196 da CF assegura que a saúde é direito de todos e dever do Estado.

Destaca-se que a proteção ao trabalhador não advém somente Estado, como demonstra o artigo 170, VI, CF (com redação dada pela Emenda Constitucional nº 42/2003) estabelecendo que a ordem econômica deve observar o princípio de defesa do meio ambiente.

Nesse sentido, é razoável que os instrumentos de controle elencados nos artigos 1º, III; 5º, §2º; 200, III; e art. 225, §3º, todos da Constituição Federal, bem como as Normas

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Regulamentadoras, conforme a Lei 6.514/77, que trata da Segurança e Medicina do Trabalho, sejam devidamente observadas em um ambiente de trabalho saudável e equilibrado. A título de exemplificação, tem-se a Norma Regulamentadora nº6, item 6.6.1, a qual prevê como obrigação do empregador zelar pelos trabalhadores de sua empresa quanto uso do Equipamento de Proteção Individual.

No âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil ratificou em 17 de março de 1992, a Convenção n. 155, através do Decreto nº2/92, cujo tratado versa sobre saúde e segurança dos trabalhadores e prevê a adoção de políticas nacionais de saúde e trabalho e o desenvolvimento de ações pelos governos e empresas visando à melhoria das condições laborais. Para efetivar tal compromisso perante a OIT, o Brasil instituiu a Política Nacional de Saúde no Trabalho (PNSST), através do Decreto nº 7.602, de 7 de novembro de 2011, que atribuiu ao Ministério Público do Trabalho a elaboração e revisão das normas regulamentadoras, visando à promoção da saúde, à melhoria da qualidade de vida do trabalhador e à prevenção de acidentes e danos relacionados ao trabalho por meio da eliminação ou redução dos riscos labor-ambientais e, tornando-se, assim, um importante decreto para a viabilização do cumprimento das Convenção nº155.

Dentre as responsabilidades atribuídas ao Ministério do Trabalho e Emprego pela PNSST, se destacam as presentes no item IV, g, 1,3 e 4 do Decreto 7.602/2011, as quais dispõem que o órgão será responsável por elaborar estudos e pesquisas sobre os problemas que afetam a saúde e segurança do trabalhador, buscar pela eliminação de riscos, desenvolver ações educativas sobre o tema e difundir as informações que contribuam para a proteção e promoção da saúde do trabalhador.

Na Consolidação das Leis Trabalhistas, os dispositivos sobre Segurança e Medicina do Trabalho se encontram no Capítulo V do Título II – Das Normas Gerais de Tutela do Trabalho (arts. 154 ao 233). Contudo, nota-se que estas disposições tratam de maneira geral o tema, tanto a respeito da proteção à saúde quando à integridade física e psicológica dos empregados, de forma que estas formem a base para a produção das Normas Regulamentadoras, estas sim, mais específicas e voltadas à públicos delimitados.

Dentro do tema em questão, o estudo das Normas Regulamentadores também são de extrema relevância para o estudo do meio ambiente do trabalho plenamente equilibrado, pois, embora estas normas tratem da segurança e proteção em ambientes específicos, é possível extrair diversas normas gerais que, se aplicadas da maneira correta, podem transformar diferentes ambientes de trabalho.

Diante do exposto, nota-se que a existência de proteção jurídica sobre o tema é inequívoca, tanto em normas regulamentadoras, leis quanto na própria Constituição Federal, contudo, os problemas no meio ambiente de trabalho ainda persistem em detrimento da maior produção, a qual, em muitos locais, ainda não está aliada ao bem estar do trabalhador. Nesse sentido, “É imprescindível que a tutela jurídica do meio ambiente de trabalho contemple desde a qualidade do ambiente físico mediato, imediato, interno e externo ao lócus laboral, até as relações interpessoais nas quais o trabalhador est| imerso” (ALMEIDA, 2014, p. 14).

Por estas razões, é necessário interligar questões primordiais como saúde, meio ambiente do trabalho e qualidade de vida de maneira que o equilíbrio empregado-empregador seja garantido e o ciclo de descontentamento, prejuízos ao trabalhador e alienação sobre os bens de produção finalmente sejam rompidos.

2 OS PRINCIPAIS PROBLEMAS ENFRENTADOS NA ATUALIDADE

Com o advento de regulamentações e mudanças históricas, o trabalho passou a receber

uma funç~o social, “dignificando o trabalhador”, embora esta express~o muitas vezes traga uma carga religiosa e pejorativa sobre o “n~o trabalhador”. Concomitantemente, uma nova revoluç~o se instaurou: a tecnológica, alterando significadamente a estrutura organizacional do trabalho. Assim, se, por um lado, hoje já é possível trabalhar em casa e ter contato real do empregador com o empregado, por outro, a tecnologia em certos momentos acarretou em um severo

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desrespeito pela jornada de trabalho, já que, mesmo em momento de descanso, o empregador tem a possibilidade de enviar e-mail ou mensagens no celular, e automaticamente, o empregado se conecta com seu labor, a qualquer hora do dia.

Nesse sentido, é pertinente transcrever a assertiva de Ana Claudia Moreia Cardoso em seu artigo “O trabalho como determinante do processo saúde-doença”:

A dinâmica das transformações verificadas nas últimas décadas tem impactado profundamente no trabalho. Há aquelas que são mais visíveis para a sociedade e estão presentes na pauta de negociação, como o desemprego, a flexibilização do trabalho e a desregulamentação dos direitos trabalhistas, e aquelas que ficam fora do processo de discussão, como a implantação da gest~o “pelo estresse”, a crescente intensidade do trabalho, o aumento da press~o do controle, da responsabilização, da competição entre os trabalhadores e da sobre carga mental e emocional (apud Cardoso, 2013). Ou seja, se uma forma geral, a gestão e a organização do trabalho não fazer ou raramente fazem parte da negociação com os trabalhadores, sendo definidas quase unicamente pelo capital. (2015, p. 85-86).

Assim, crescem e intensificam as formas de sofrimento e as doenças ligadas ao exercício

do trabalho, tais como dores musculares, estresse, ansiedade, depressão, síndrome de Burnout, entre muitas outras. A busca incessante para alcançar as metas impostas, a confusão da vida familiar com a profissional e, principalmente, a pressão que o meio ambiente de trabalho traz, acarreta em severos quadros de hipertensão, depressão, diabetes, e pode até levar o trabalhador ao suicídio em casos extremos – como é o caso trazido pela referida autora (CARDOSO, p.74, 2015) sobre a bancária que, além de adquirir a Síndrome de Burnout, quase perdeu sua filha, que não aguentou ver o estado depressivo da mãe em decorrência do trabalho.

Ademais, analisando a perspectiva laboral dentro das empresas, evidencia-se que, da mesma forma que as linhas de produção de décadas atrás alienavam os empregados a ponto destes não terem conhecimento do que estão produzindo, hoje, com a nanotecnologia, o ciclo continua de maneira mascarada e por vezes, pior do que antigamente, visto que o trabalhador pode até ter consciência de que o produto final é um creme hidratante, por exemplo, porém, é totalmente alienado sobre a química utilizada na fabricação e, principalmente, nos males que estas vêm a causar em sua saúde a curto e longo prazo.

Diante desde quadro, são escassos os trabalhadores, ainda hoje, que enxergam seu trabalho como um ambiente que traz satisfação, felicidade e equilíbrio. Ao contrário, dependendo da distância local de trabalho, muitas vezes já chegam exaustos devido a inúmeras conduções que precisou utilizar, carregam em sua bagagem desmotivação, descontentamento, e uma única vontade: o fim do expediente.

Assim, raramente no ambiente de trabalho se constatam momentos de descontração, de confiança com os colegas de trabalho e com o empregador, e de diálogo dentro do sistema organizacional, fato que gera o cerne problemas organizacionais, decorrente, entre outros aspectos, do distanciamento entre empregadores e empregados, do medo de perder o emprego, da falta do sentimento de responsabilidade por meio dos superiores hierárquicos, da necessidade de produção acima dos limites de segurança e da falta de informação – quebra de comunicação (OLIVEIRA, 2003, p. 11).

Observa-se que, de modo geral, há uma deficiência presente nas empresas atuais quanto ao entendimento da questão motivacional dos trabalhadores e quanto esta influi na organização e produção econômica. Assim, a ideia de motivação está intimamente ligada à concepção que o trabalhador adquire sobre sua tarefa diária. Por isso, na medida em que o operário labora para sua sobrevivência, e apenas em função dela, a satisfação pelo trabalho praticamente inexiste e, ao invés de o empregador se empenhar para melhorar a gestão organizacional, opta por incluir punições como meios de coagir e aumentar a produção. (GOMES; QUELHAS, 2003, p. 9).

Os problemas de décadas anteriores ganharam novos contornos na contemporaneidade, principalmente com o avanço tecnológico, a automação e a informatização, dessa forma, todos os

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impactos causados na saúde do trabalho necessitam ser rediscutidos, compreendidos e estudados em sua plenitude, para além dos aspectos físicos ambientas. (ALMEIDA, 2014, p. 5).

Destes fatos, decorre a busca por uma “empresa modelo”, neste caso, a empresa Google, para que seja possível extrair inovações passíveis de utilização geral que efetivamente pudessem alterar a qualidade de vida tanto física como mental e a motivação laboral do empregado, estabelecendo assim um equilíbrio em seu meio ambiente, sem que, para isso, sejam necessárias perdas tanto para o empregado (muitas vezes afetando sua saúde) quanto para o empregador, no sentido de inalteração da produção.

3 A ESCOLHA DA EMPRESA GOOGLE

Por trás da facilidade do conhecimento com um clique há inúmeras mentes brilhantes

muito bem remuneradas prontas para responder aos anseios de milhares de internautas, desde aquele que busca uma receita de bolo, até aquele que está finalizando seu doutorado. Mas será que dinheiro é a solução para a produtividade dentro de uma empresa?

A partir da análise mais aprofundada sobre a empresa Google, é possível observar que há, em sua filosofia corporativa, uma nova forma de pensar o trabalho, como afirma o diretor-geral, Alexandre Hogagen, para a América Latina: “o Google é uma empresa em que é necess|rio desaprender para aprender a trabalhar de novo. Importa menos seu cargo e mais sua capacidade de colaborar, convencer, influenciar, organizar uma rede. A hierarquia tem seu valor, mas ele é menor”. (CORONATO, 2010).

Não é difícil concluir, portanto, que este seja um dos grandes motivos pelos quais a

Google foi considerada a melhor empresa para se trabalhar nos Estados Unidos nos anos de 2007 e 2008, publicada pela revista Fortune (com exclusiva publicação da Revista ÉPOCA) e, segundo a mesma pesquisa (Great Place to Work), a Google brasileira foi considerada o melhor lugar para trabalhar no país em 2010, ficando em 15º no ranking mundial, dentre 530 avaliadas.

3.1 Critérios utilizados pela pesquisa “Great Place to Work”

Em busca pelos sites institucionais, foi possível observar que para estar entre as

Melhores Empresas para se Trabalhar, primeiramente, é necessário responder um questionário desenvolvido por uma ferramenta denominada “Trust Index©”, o qual avalia a qualidade do ambiente de trabalho e da cultura organizacional, manifestados em três principais questionamentos ao trabalhador: “Eu confio no meu chefe?”, “Esse trabalho tem algum significado especial para mim”, “Eu gosto do ambiente e das pessoas”

Além destas, a pesquisa conta com 60 questões (58 fechadas e 2 abertas), que devem ser respondidas pelos trabalhadores sob dois pontos de vista: da área em que trabalham e da empresa como um todo.

Ressalta-se que o cerne da pesquisa da Instituição baseia-se em cinco grandes áreas que determinam o nível de confiança da empresa: a Credibilidade, que determina a maneira como o funcionário vê o seu líder; o Respeito, evidenciando como o profissional sente-se em relação ao trabalho que lhe é dado (como ser humano ou simples recurso da empresa – retomando a ideia de “coisificaç~o do homem”); a Imparcialidade, que mostra como os trabalhadores veem as regras de sua empresa, se eles entendem as diferenças salariais e as promoções; o Orgulho do trabalhador perante a empresa que labora e, por fim; a Camaradagem, que demonstra a relação entre os colaboradores, independentemente de nível hierárquico, evidenciando os sentimentos de colaboração e solidariedade (ACAUHI, 2011).

Após verificadas as 5 principais dimensões, a pesquisa é complementada por subdimensões, as quais se relacionam diretamente a cada uma das perguntas realizadas pela ferramenta “Trust Index©”. Estas subdimensões est~o dispostas em 9 “mandamentos” que

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devem existir em toda empresa para melhorar sua gestão organizacional e o ambiente corporativo, garantindo um meio ambiente de trabalho adequado. As ideias foram reproduzidas por Fábio Acauhi na análise da metodologia da Instituição, demonstradas aqui de maneira sintetizada. São elas:

1) Contratação: o momento de formação da equipe é de extrema relevância para a concretização dos ideais da empresa, devendo esta analisar se os valores dos candidatos são compatíveis à cultura organizacional do ambiente de trabalho.

2) Inspiração: o tratamento dos empregados garante o diferencial da empresa, devendo priorizar sempre a honestidade e a seriedade, mostrando quão especial o colaborador é para a coletividade corporativa.

3) Diálogo: Falar a verdade aos empregados se mostra como uma das principais chaves do sucesso da empresa. Além de propiciar confiança recíproca, a comunicação elimina a alienação dentro da empresa, resultando em clareza dos comandos e maiores produções.

4) Ouvir: importante ressaltar que o empregador não deve apenas falar, mas também ficar sempre atento ao que seus empregados têm a dizer, garantindo assim a horizontalidade gestacional.

5) Agradecimento: o reconhecimento, seja ele material ou simbólico, é de extrema importância para que novas metas sejam cumprida, despertando o sentimento de satisfação do empregador.

6) Desenvolvimento: a empresa que prioriza o crescimento como um todo deve se atentar na evolução de cada empregador, e para isso, a contribuição para o crescimento individualizado se faz relevante, seja no oferecimento de cursos, bolsas ou na demonstração de novas técnicas de formação profissional.

7) Cuidados especiais: é preciso sempre lembrar que o trabalhador vive em um ambiente com muitas adversidades, não focando apenas em sua área de trabalho, assim, o fator externo deve ser considerado ao analisar seu comportamento na empresa.

8) Comemoração: as melhores empresas celebram todo tipo de conquista, seja ela grande ou pequena, o que torna o ambiente mais leve e equilibrado.

9) Divisão dos lucros: compartilhar os lucros finais é uma das melhores formas de incentivo ao trabalhador, gerando a vontade de querer produzir mais.

Por fim, para concorrer ao ranking de Melhor Empresa para se Trabalhar no mundo, uma empresa precisa ter aparecido em uma das listas da Melhores Empresas em pelo menos um país da América Latina, e, no quesito “multinacional”, necessita ainda ter pelo menos 1000 funcionários ao redor do mundo, sendo 40% ou mais dos funcionários trabalhando fora do país-sede, ser premiada em pelo menos três listas nacionais na América Latina. Neste sentido, a escolha da empresa Google como modelo para outras empresas se mostra como uma alternativa fundada em parâmetros concretos e efetivos, idealizados por instituição de grande relevância na área corporativa.

3.2 Técnicas corporativas da empresa

O processo de gestão utilizado pela Google é estruturado com base em 12 princípios, os

quais, em suma, procuram garantir o diálogo em primeiro lugar, a horizontalidade e, como consequência, a produtividade.

1. Conheça profundamente sua equipe antes de fazer mudanças; 2. Procure o consenso ao invés de impor decisões; 3. Tome decisões claras e assuma a responsabilidade por suas ações; 4. Você trabalha para sua equipe e não ao contrário; 5. Coloque a mão na massa; 6. Compartilhe as informações com a equipe; 7. Resultados têm maior impacto do que politicagem;

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8. Arrisque-se. O fracasso pode trazer grande aprendizado; 9. Construa um bom relacionamento com seu time, para trabalhar bem em equipe; 10. Encoraje a criatividade de seus funcionários; 11. Independentemente da hierarquia, mantenha os canais de comunicação interna abertos; 12. Crie um bom ambiente de trabalho.

Além disso, ao ser admitido, o “Googler” (como s~o chamados os empregados) recebe

uma série de informações sobre as verdades que a empresa segue, bem como aprende uma nova forma de comunicação, que só é dentro desta, cujo dialeto interno é único e peculiar, facilitando a troca de informações de maneira rápida e eficiente, como por exemplo, ao receber um e-mail apenas com “+1”, significa que a pessoa “est| de acordo”.

Dentre os lemas que a empresa acredita est~o “Você n~o precisa estar em sua escrivaninha para precisar de uma resposta”, “É possível fazer dinheiro sem fazer o mal”, “É possível ser sério sem usar terno”. Estas frases refletem a espontaneidade e descontraç~o que é propiciado no ambiente do trabalho, o qual, por trás de todos os benefícios, também cobra muitas metas, como afirma seu 10º mandamento: “Excelente n~o é suficiente”.

O ambiente de trabalho da empresa conta com a possibilidade de escolher o horário de trabalho, definir o momento e o local para realizar suas atividades, ter a disposição mesas para jogos durante o expediente, ter uma verba destinada à decoração de sua mesa, poder agendar sessões de massagem e ioga durante o expediente, levar seu animal de estimação ao trabalho, reservar uma sexta-feira por trimestres para que os colaboradores saiam juntos, entre outros inúmeros benefícios que, em suma, fazem com que o dia do trabalhador seja mais fácil, principalmente em grandes cidades onde são instaladas as filiais Google.

Contudo, os próprios funcionários afirmam que o diferencial da empresa não é jogar vídeo game durante o expediente, visto que o trabalho é árduo, as metas existem e todos querem receber mais. Em verdade, o principal aspecto que faz com que o Google seja um dos melhores lugares para se trabalhar no mundo é a liberdade que é dada ao empregado, proporcionando um meio ambiente leve e propício a novas ideias e produção. Desta maneira, o modo como a multinacional transmite ao funcionário o senso de responsabilidade de poder usufruir tudo o que está a disposição dele garante que este não deixe de entregar os resultados esperados pela empresa.

Os benefícios existem para que os funcionários se sintam cuidados e em casa. Aqui, seu chefe não vai brigar por você estar jogando durante o expediente, mas sim, por não tê-lo chamado [...] Com tantas mentes brilhantes, é preciso ter menos regras”, brinca o diretor de Recursos Humanos da empresa para a América Latina em 2009, Sr Deli Matsuo. (CAMPOS, 2009, online).

Umas das práticas de maior relevância dentro da empresa é a forma como é incentivada

a atualização e o aprimoramento de conhecimento a partir de verba destinada à educação, concedida para que os funcion|rios possam fazer cursos de línguas, MBA’s ou até pós-graduação. Cada trabalhador pode, ainda gastar 20% do seu tempo para se dedicar a projetos pessoais. Ressalta-se que a horizontalidade é presente em toda a empresa, assim, o Google se preocupa em oferecer as mesmas vantagens e benefícios a todos os seus funcionários, independentemente do cargo.

A seguir, estão listados os principais benefícios que a empresa garante aos seus funcionários:

Saúde: a companhia oferece reembolsos de R$374,00 por consulta médica fora do

plano de saúde; R$145,00 para participar de grupos de caminhas; R$140,00 para aulas de pilates no escritório e R$100 para academia. É possível ainda fazer sessões de drenagem linfática por R$25 e de massagem por R$5 a R$10.

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Tecnologia: cada funcionário recebe R$112 como ajuda de custo para pagar a internet que usa em sua casa. Além disso, ao ser admitido, o funcionário recebe um notebook da marca que preferir.

Indicações: a empresa incentiva os funcionários a indicar possíveis candidatos; e se admitidos, recebem R$5 mil reais.

Brinquedos: o recém admitido recebe em casa um kit de boas vindas, com camiseta, boné e autorização para gastar R$100 na decoração de seu local de trabalho. Ele ainda recebe R$250 para gastar na loja virtual da empresa.

Festas: um Comitê de Cultura se encarrega de propor atividades diversas, como, por exemplo, noites de cinema, festas temáticas, happy hour, etc.; e

Bônus: o Google tem bons salários fixos, opções de ações e forte cultura de remuneração variável. Além do bônus sobre as metas, há prêmios por indicação de colegas do mesmo nível e por recomendação proposta pelo superior imediato.

Diante de todo o exposto, evidencia-se o que chega perto de ser denominado de “ambiente de trabalho perfeito”, sendo este, um local cercado de confiança e responsabilidade, o qual dá lugar à autonomia individual, a livre circulação de informação e principalmente, a comunicação independente de hierarquia.

Assim, seria fácil afirmar que para ter um meio ambiente de trabalho agradável, todas as empresas precisariam instalar vídeo games, contratar massagistas e oferecer um bom cardápio para as refeições. O visível é copiável, mas não é o ideal. Por isso, ressalta-se a necessidade de expor como o aspecto organizacional pode interferir em todos os quesitos dentro de um ambiente de trabalho, seja para causar a sensação de liberdade e prazer, seja para garantir a produção eficiente.

CONCLUSÃO

É certo que o termo “qualidade de vida” esconde inúmeras dificuldades de conceituaç~o

e de implantação, tornando-se complexo pensar quais seriam as melhores escolhas para os trabalhadores em cada ambiente organizacional. Em outras palavras, não existe, nem possivelmente existir| uma “receita” infalível para todas as empresas. Contudo, analisar – e colocar em prática- experiências frutíferas é um grande ponto de partida para começar a fazer a diferença no ambiente de trabalho.

Como se pôde concluir, as técnicas oferecidas pela empresa Google estão de acordo com uma das mais renomadas consultorias corporativas, o que se ressalta no grande número de premiações recebidas. Dessa forma, ao aliar o ordenamento jurídico existente no Brasil aos ideais da empresa modelo, dificilmente o meio ambiente de trabalho restará prejudicado, o trabalhador ficará descontente e a produção diminuirá. Em outras palavras, não há prejuízos para nenhuma parte ao garantir o equilíbrio no contexto laboral.

Diante desta breve reflexão, constata-se a importância do estudo do meio ambiente de trabalho para que o ciclo de descontentamento finalmente se rompa, trazendo ao trabalhador, não só saúde e equilíbrio mental, mas também, satisfação pelo que faz na maior parte do seu dia. Por isso, o meio ambiente do trabalho equilibrado é tema de tamanha relevância e contemporaneidade, além de ser garantido constitucionalmente, pelos artigos 225 e 200, inciso VII, CF, merecendo, portanto, fiscalização constante.

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POLUIÇÃO LABOR-AMBIENTAL: ESTUDO DA DOUTRINA E MAPEAMENTO DA JURISPRUDÊNCIA DO TST

LABOR ENVIRONMENTAL POLLUTION: STUDY OF LEGAL DOCTRINE AND TST’S

JURISPRUDENCE MAPPING

Jair Aparecido Cardoso* Maria Hemília Fonseca**

Olívia de Quintana Figueiredo Pasqualeto***

RESUMO: Cada vez mais fortalecida na doutrina, a concepção de meio ambiente do trabalho como Gestalt indica a necessidade compreender a poluição labor-ambiental como um desequilíbrio sistêmico capaz de afetar a saúde dos trabalhadores. Nessa perspectiva, o objetivo deste estudo é analisar como a doutrina e a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) abordam a noção de poluição no meio ambiente do trabalho. Para tanto, realizou-se uma pesquisa bibliográfica sobre o tema e uma pesquisa jurisprudencial na base de acórdãos do TST a partir do termo de busca “poluiç~o”, a qual gerou 324 resultados. Da an|lise jurisprudencial em cotejo com a doutrina, evidenciou-se que (i) a doutrina tem abordado o tema de forma mais ampla, pois considera que a poluição laborambiental envolve não apenas fatores físicos, químicos e biológicos, mas também, variáveis psicossociais; (ii) embora haja exceções, a jurisprudência do TST, ao utilizar o conceito de poluição, majoritariamente, o associa ao meio ambiente natural (e não do trabalho) e a fatores físicos, químicos e biológicos. Palavras-chave: doutrina. jurisprudência do TST. meio ambiente do trabalho. poluição. poluição labor-ambiental. ABSTRACT: Increasingly strengthened in the doctrine, the concept of labor environment as Gestalt indicates the need to understand the labor environmental pollution as a systemic imbalance that can affect the workers' health. In this perspective, the aim of this study is to analyse how the legal doctrine and jurisprudence of the Superior Labor Court (TST) address the notion of labor environmental polution. Therefore, we carried out a literature search on the topic and a jurisprudential research in TST judgments base from the search term "pollution", which generated 324 results. The jurisprudential analysis in comparison with the doctrine, showed that (i) the doctrine has addressed the theme in a wider way, as it believes that labor environmental pollution involves not only physical, chemical and biological factors but also psychosocial variables; (ii) although there are exceptions, in most cases, the jurisprudence of the TST uses the concept of pollution associates to the natural environment (not labor environment) and to physical, chemical and biological factors. Keywords: legal doctrine. jurisprudence of TST. labor environment. pollution. labor environmental pollution. SUMÁRIO: Introdução. Considerações metodológicas. 1 Meio ambiente do trabalho: aspectos gerais. 2 Poluição labor-ambiental: estudo da doutrina. 3 Poluição labor-ambiental: mapeamento da jurisprudência do TST. Conclusão. Referências.

* Bacharel e Mestre em UNIMEP e Doutor em Direito PUC-SP. Professor de Graduação e Pós-Graduação da

FDRP-USP. E-mail: [email protected]. ** Bacharel em Direito pela UFU. Mestre e Doutora em Direito do Trabalho pela PUC-SP. Doutorado

Sanduíche na Universidade de Salamanca/ES. Professora de Graduação e Pós-Graduação da FDRP-USP. Professora visitante da Universidade de Salamanca/ES. Pesquisadora visitante na Columbia Law School/EUA. E-mail: [email protected].

*** Bacharel em Direito pela FDRP-USP. Mestranda em Direito do Trabalho pela FDUSP. Bolsista TT3-FAPESP e Pesquisadora da EDESP-FGV. E-mail: [email protected].

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INTRODUÇÃO

A compreensão dos temas relacionados à poluição labor-ambiental (e ao próprio meio ambiente do trabalho) ainda se dá de forma superficial por parte dos juslaboralistas brasileiros. Não é incomum que sejam resumidos a indenizações e adicionais pecuniários. No entanto, para além de uma perspectiva monetizante, o seu estudo deve perpassar a promoção da higidez do meio ambiente do trabalho e a proteção da saúde (física e mental) e da vida do trabalhador.

Neste contexto, buscando oferecer uma contribuição para as reflexões sobre a temática, este artigo tem como objetivo analisar como a doutrina e a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) abordam a noção de poluição labor-ambiental.

Para tanto, realizou-se uma pesquisa bibliográfica e jurisprudencial para compreender como a doutrina trabalhista brasileira e como o TST (enquanto suprema corte trabalhista brasileira), respectivamente, manejam o tema.

Os resultados desta pesquisa bibliográfica-jurisprudencial deram origem ao presente trabalho, que em um primeiro momento dedica-se a apresentar e justificar as opções metodológicas adotadas na pesquisa. Em um segundo momento, o artigo ocupa-se de analisar alguns aspectos gerais sobre o conceito e a tutela jurídica do meio ambiente do trabalho, os quais serão essenciais para assimilar as reflexões que serão feitas sobre poluição labor-ambiental. Em um terceiro momento, são apresentados o entendimento da doutrina e o mapeamento da jurisprudência do TST sobre poluição labor-ambiental.

Por fim, em sede de conclusão, a concepção doutrinária apresentada será cotejada com o entendimento jurisprudencial do TST sobre a temática.

CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

Para que a pergunta-problema que norteia este estudo pudesse ser respondida (qual

seja, “como a doutrina e o TST compreendem poluição labor-ambiental?”), realizou-se uma pesquisa bibliográfica e uma pesquisa jurisprudencial sobre o tema ora estudado (poluição labor-ambiental).

A pesquisa bibliográfica foi realizada a partir da busca pelos termos <poluição labor-ambiental> e <poluição + meio ambiente do trabalho> nas bases de dados da biblioteca virtual da Social Science Research Network (SSRN), JStor, Lexis Nexis, HeinOnline e nas bibliotecas da Universidade de São Paulo, especialmente as bibliotecas da Faculdade de Direito. Foram encontrados 17 resultados pertinentes ao tema, os quais foram lidos e serviram de base para a identificação do posicionamento doutrinário sobre o tema.

A pesquisa jurisprudencial, de caráter empírico-qualitativo, foi realizada na base de acórdãos do TST a partir dos seguintes termos de busca: <poluição>, gerando 324 resultados (até 20/09/2016); <labor-ambiental>, gerando 2 resultados (até 20/09/2016) e <poluição labor-ambiental>, gerando 0 resultados (até 20/09/2016). Diante dos poucos resultados encontrados para a expressão <labor-ambiental> e <poluição labor-ambiental>, definiu-se como critério de busca apenas o termo <poluição>. Ainda que genérico, a sua utilização garante que nenhum resultado relacionado à noção de poluição ficasse de fora da análise feita neste trabalho.

Além da pesquisa pelo termo <poluição>, pesquisou-se também, na mesma base de acórdãos do TST, pelo termo <degradação>, considerado por Maranhão (2016, p.88) um sinônimo de poluição. Nesta busca, foram encontrados 2025 resultados, os quais (em razão de seu número elevado) foram filtrados a partir da combinaç~o com o termo “meio ambiente”, gerando 519 resultados (até 30/10/2016) e “labor-ambiental”, gerando 0 resultados (até 30/10/2016).

O número excessivo de resultados para o termo <degradação> impossibilitou que se fizesse uma análise mais detida (qualitativa) de todos os acórdãos encontrados com tal expressão. Dessa forma, buscando realizar uma pesquisa honesta e transparente, esclarece-se que este trabalho cuidará, tão somente, da análise da jurisprudência do TST no tocante ao termo

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<poluição>. A análise dos resultados que utilizam o termo <degradação> será fruto de uma pesquisa futura. 1 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO: ASPECTOS GERAIS

O conceito de meio ambiente do trabalho está intimamente ligado ao conceito, mais

amplo, de meio ambiente. Segundo a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), meio ambiente é o “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Trata-se, em outras palavras, do sistema de elementos que circundam todas as formas de vida, inclusive a vida humana.

O meio ambiente natural e o meio ambiente humano são indissociáveis, podendo o meio ambiente ser entendido como Gestalt,

ali em acepção filosófica (significando que a interpretação do objeto modifica ou condiciona a própria experiência com o objeto) e aqui em acepção fenomênica (o meio ambiente não deve ser tomado como soma de elementos a isolar, analisar e dissecar, mas como sistema constituído por “unidades autônomas, manifestando uma solidariedade interna e possuindo leis próprias, donde resulta que o modo de ser de cada elemento depende da estrutura do conjunto e das leis que o regem, não podendo nenhum dos elementos preexistir ao conjunto”) (FELICIANO, 2002, p. 163).

Assim, o meio ambiente do trabalho está inserido no meio ambiente geral (art. 200, VIII, CF), sendo “impossível alcançar qualidade de vida sem ter qualidade de trabalho, nem se pode atingir meio ambiente equilibrado e sustentável ignorando o meio ambiente do trabalho” (OLIVEIRA, 1998, p. 79).

Trata-se de um conceito holístico de meio ambiente, o qual envolve as suas dimensões natural, artificial, cultural e do trabalho. Nessa perspectiva, não devem ser admitidas situações em que os recursos naturais sejam preservados sem que o trabalhador também seja objeto de proteção, combatendo-se trabalhos em situações penosas. O direito a um meio ambiente equilibrado e não poluído, de caráter jusfundamental (art. 225, CF), relaciona-se à garantia de uma vida digna. Uma vez assegurada a qualidade ao meio ambiente em seus aspectos sociais, sanitários, econômicos e políticos (objetos imediatos da tutela ambiental), efetivam-se o bem-estar, a segurança e a saúde dos cidadãos (objetos mediatos da tutela ambiental) (MELO, 2008, p. 25).

2 POLUIÇÃO LABOR-AMBIENTAL: ESTUDO DA DOUTRINA

Na esteira da relação entre meio ambiente do trabalho e meio ambiente (em sentido

amplo), a noção de poluição do meio ambiente do trabalho (poluição labor-ambiental) se identifica com a noção de poluição do meio ambiente. Ademais, muitas vezes, o meio ambiente do trabalho se confunde com o meio ambiente natural, situação muito comum aos trabalhadores rurais, o que reafirma a importância e a necessidade de compreender o meio ambiente de forma ampla e interdisciplinar. Dessa forma, para estudar o tema, recorre-se à definição de poluição traçada no artigo 3º, III da Lei nº 6.938/81:

Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: [...] III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

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b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

A poluição labor-ambiental se dá em situações de trabalho nas quais está presente o contingenciamento da saúde e da qualidade de vida dos trabalhadores. Não se restringe ao desequilíbrio da biota e das condições estéticas e sanitárias, como se dá em trabalhos insalubres, executados em contato com agentes físicos, químicos e biológicos, com nocividade lenta e atual. Toca, igualmente, contextos operacionais de periculosidade e de penosidade. Conforme salienta Feliciano (2002, p. 182),

as condições antropométricas e/ou psicofísicas inadequadas são, tecnicamente, uma forma de poluição, pois comprometem a saúde e o bem-estar da população trabalhadora em atividade no estabelecimento e criam condições adversas à atividade social laboral (desconforto e/ou insegurança) e à própria atividade econômica (insuficiência).

Note-se que a poluição labor-ambiental se manifesta de forma sistêmica (PADILHA, 2001, p. 67), isto é, não pontual. Trata-se de um desequilíbrio geral presente em determinado meio ambiente laboral que pode ser desencadeado por fatores físicos, químicos, biológicos ou psicossociais (o que envolve, conforme Oliveira (1998, p. 82), “todo o complexo de relações humanas na empresa, a forma de organização do trabalho, sua duração, os ritmos, os turnos, os critérios de remuneração, as possibilidades de progresso, a satisfação dos trabalhadores, etc.”).

Assim, a poluição labor-ambiental é compreendida pela doutrina afeta ao tema como a degradação da salubridade do ambiente que afeta diretamente a saúde dos próprios trabalhadores. Inúmeras situações alteram o estado de equilíbrio do ambiente: os gases, as poeiras, as altas temperaturas, os produtos tóxicos, as irradiações, os ruídos, a própria organização do trabalho, assim como o tipo de regime de trabalho, as condições estressantes em que ele é desempenhado (trabalhos noturnos, em turnos de revezamento), enfim, tudo aquilo que prejudica a saúde, o bem-estar e a segurança dos trabalhadores (ROCHA, 1997, p. 47). (grifo nosso).

3 POLUIÇÃO LABOR-AMBIENTAL: MAPEAMENTO DA JURISPRUDÊNCIA DO TST

Conforme já adiantado nas considerações metodológicas tecidas acima, a pesquisa

jurisprudencial, realizada na base de acórdãos do TS, centrou-se na análise dos resultados encontrados para o termo de busca <poluição> (324 resultados). A utilização deste termo permitiu que todos os resultados relacionados, direta ou indiretamente, à noção de poluição labor-ambiental fossem analisados neste trabalho.

O gráfico a seguir apresenta, de maneira esquemática, como o vocábulo <poluição> foi utilizado pelo TST nos acórdãos analisados.

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Em 39% dos acórdãos analisados (126 documentos), a utilização do vocábulo <poluição> não mostrou relação alguma com o meio ambiente do trabalho ou questões ligadas ao trabalhador. Notou-se que, nessas situações, o termo <poluição> foi utilizado ao longo de um trecho argumentativo ou introdutório do acórdão, tal como se dá no exemplo abaixo:

Por fim, em um momento em que a poluição global revela a cada dia sua força destrutiva, tomando assento nas agendas das entidades transnacionais como a ONU, OMS, OIT, Greenpeace e outros órgãos não governamentais, é indeclinável a função da Justiça do Trabalho de cumprir sua finalidade precípua, de resolver os conflitos decorrentes da prestação de serviços com auxílio da justiça restaurativa. (BRASIL, 2013) (grifo nosso).

Em 18% dos acórdãos analisados (57 documentos), o termo <poluição> figurou como um dos elementos que compõem a descrição do meio ambiente de trabalho em que o trabalhador está inserido e que se confunde com o próprio meio ambiente natural, mas não foi relevante ou central para a decisão, como ilustrado no trecho abaixo:

Quanto à culpa da empregadora, tem-se por irrefutável que o motorista de ônibus de transporte coletivo das grandes cidades trabalha sob estresse constante em virtude do trânsito pesado e conturbado; do contato direto, muitas vezes descortês, com o público; do ruído; do calor; da poluição e, principalmente, da violência cada vez mais crescente. Além disso, mantém sob sua responsabilidade parte da propriedade da empregadora, configurada no ônibus e todos os seus pertences, aí incluído o numerário angariado pelas passagens e, sobretudo as vidas dos passageiros (BRASIL, 2014). (grifo nosso).

Em 34% dos acórdãos analisados (109 documentos), o vocábulo <poluição> foi utilizado para designar a poluição sonora (ruídos sonoros) presente no meio ambiente de trabalho sub judice e figurou como elemento central da decisão. Trata-se do tipo de poluição mais citado na jurisprudência do TST, além de ser manejado com propriedade pelos julgadores, conforme pode ser depreendido pelo excerto seguinte:

A prestação da atividade laborativa na siderúrgica por décadas não poderia passar impune. O meio ambiente hostil em que laborava o obreiro, exposto à

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intensa e contínua poluição sonora, com ruídos intoleráveis acima de 90 (noventa) decibéis, conforme dá conta a prova pericial produzida a fls. 404/416 e o laudo técnico pericial exarado por engenheiro do trabalho da própria CSN a fls. 418/421, contrapõe-se aos limites estabelecidos no anexo 1 da Norma Reguladora n. 15 da Portaria n. 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego, de eficácia normativa, conforme o art. 200, VI da CLT (BRASIL, 2016).

Em 5% dos acórdãos analisados (18 documentos), o vocábulo <poluição> foi utilizado para designar a poluição do ar, identificada como poluição do meio ambiente do trabalho, ainda que isso não seja dito explicitamente e que, em alguns casos, se confunda com a poluição do meio ambiente natural. O trecho seguinte ilustra essa an|lise. “Não obstante isso, também é fato confessado que a empresa adquiriu um incinerador de grandes proporções para queimar seu lixo tóxico, proporcionando a poluição do ar e intoxicando os trabalhadores que respiravam o ar contaminado” (BRASIL, 2015). (grifo nosso)

Em 4% dos acórdãos analisados (13 documentos), o vocábulo <poluição> foi utilizado para designar a poluição química encontrada no meio ambiente de trabalho, como ilustrado no excerto abaixo:

Se o dano ao meio ambiente, como poluição, impõe responsabilidade objetiva do autor do dano para todo o entorno habitado, seria teratológico pensar de forma diferente quando o dano acomete o próprio trabalhador que exerce sua atividade profissional naquele estabelecimento, mesmo diante da adoção de medidas preventivas (uso de EPIs) e do cumprimento dos parâmetros estabelecidos pela legislação que trata das atividades de contato com o benzeno. (BRASIL, 2016) (grifo nosso).

Em apenas um dos documentos (menos de 1% dos acórdãos analisados), o termo <poluição> foi utilizado em sentido mais amplo, ultrapassando fatores físicos químicos e biológicos. Neste caso, conforme preconizado pela doutrina, uma variável psicossocial foi identificada como possível fonte de poluição labor-ambiental: o desrespeito às normas de saúde e segurança do trabalho – “Houve desrespeito as normas coletivas de segurança, o que configura dano ao meio ambiente ou poluição ambiental” (BRASIL, 2015). No entanto, apesar de constituir um avanço, tratou-se de argumento utilizado pelo reclamante que foi retomado pelo ministro relator, mas que não figurou como ponto central de sua decisão. CONCLUSÃO

O estudo da poluição labor-ambiental permitiu constatar que a doutrina e a

jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho tratam a temática de formas distintas. A doutrina aborda o tema de forma mais ampla, considerando que a poluição labor-

ambiental envolve não apenas fatores físicos, químicos e biológicos, mas também, variáveis psicossociais (o que não foi encontrado na jurisprudência do TST).

Nessa perspectiva, a poluição labor-ambiental configura um desequilíbrio sistêmico (no meio ambiente do trabalho) capaz de ofender a dignidade do trabalhador (pessoa humana), relacionado à falta de reconhecimento dos seus direitos à saúde, à segurança, ao bem-estar e à qualidade de vida. A poluição labor-ambiental vai além dos fatores tradicionais de agressão laboral (como o som, o calor excessivo, as altas pressões, etc.) e perpassa outros elementos agressores (da saúde física e mental) do cotidiano: organização do trabalho, as discriminações, os assédios e, até, a forma de remuneração do trabalhador, quando esta for suscetível de lhe prejudicar, dentre outros.

Diferentemente do que se dá com a doutrina, de perspectiva mais ampliativa, o tema poluição (labor-ambiental) aparece na jurisprudência do TST ainda muito associado à noção de

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poluição do meio ambiente natural e a formas tradicionais de poluição, como a poluição sonora, química e atmosférica, silenciando sobre fatores psicossociais potencialmente poluidores.

A compreensão da poluição labor-ambiental de forma ampla, considerando as variáveis psicossociais (e não apenas fatores químicos, físicos e biológicos) é fundamental para que o Direito consiga atender às necessidades de uma sociedade (e de trabalhadores) cada vez mais inserida em meios laborais globalizados, essencialmente dinâmicos, permeados por atividades mais intelectuais e menos manuais e cercados de novas tecnologias.

REFERÊNCIAS

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FATORES ESTRESSANTES QUE PODEM INTERFERIR NA QUALIDADE DE VIDA E DE TRABALHO DO ENFERMEIRO

STRESSFUL FACTORS THAT MAY INTERFERE IN QUALITY OF LIFE AND WORK OF

NURSES

Vanessa Augusto Bardaquim* Sérgio Valverde Marques dos Santos** Maria Lúcia do Carmo Cruz Robazzi***

RESUMO: Introdução: estudos conduzidos mundialmente mostram que a profissão da enfermagem é estressante e pode estar associada à depressão e ansiedade, acarretando o absenteísmo no trabalho e a má qualidade de vida e de trabalho. Objetivo: verificar na literatura quais os fatores estressantes que podem interferir na qualidade de vida e de trabalho do enfermeiro. Método: revisão integrativa da literatura, realizada entre o período de janeiro de 2011 a setembro de 2016, nas bases de dados/biblioteca virtual: A busca foi realizada visando o período de janeiro de 2011 a setembro 2016, nas bases de dados SCOPUS, EMBASE, na Biblioteca regional de Medicina BIREME e na plataforma online Science Direct, para responder a seguinte pergunta: quais os principais fatores estressantes que podem interferir na qualidade de vida e de trabalho dos enfermeiros? Para realizar a busca bibliográfica foi adotada a estratégia PICO e para a seleção dos artigos a estratégia recomendada pelo grupo PRISMA. Foram encontrados 30 artigos, após leitura dos títulos e resumos foram selecionados 11, conforme critérios de inclusão. Conclusão: Vários fatores estressantes podem interferir na qualidade de vida e de trabalho dos enfermeiros, dentre eles, cita-se o fato de serem casados, inexperientes e jovens na profissão, bem como fatores físicos como a menopausa. Já os aspectos relacionados ao trabalho referem-se a falta de autonomia, ao trabalho nas Unidades de Pronto Atendimento e nos centros de diálise e cirúrgico, ao cuidado com pacientes críticos ou psiquiátricos, as relações interpessoais, a falta de materiais e as elevadas cargas de trabalho. Ao evidenciar esses fatores estressantes, torna-se possível subsidiar estratégias para o enfrentamento destas situações, como: relaxamento e enfrentamento das dificuldades, práticas de meditação antes do turno de trabalho, suporte social, diálogo e a troca de experiências, reconhecimento das próprias limitações, lazer e hábitos de vida saudáveis. Desta forma, acredita-se que o enfermeiro terá melhores condições de vida e trabalho, proporcionando uma melhor qualidade na assistência prestada aos usuários dos serviços de saúde. Palavras-chave: depressão. enfermagem. estresse. qualidade de vida. saúde ocupacional.

ABSTRACT: Introduction: studies conducted worldwide show that the nursing profession is stressful and may be associated with depression and anxiety, leading to absenteeism at work and poor quality of life and work. Objective: To verify the literature which stressors that can affect the quality of life and nursing work. Methodology: an integrative literature review, conducted in the period from January 2011 to September 2016, in SCOPUS databases, EMBASE, regional BIREME Medicine Library and online platform Science Direct, to answer the following question: what are the main stress factors that can affect the quality life and work of nurses? To

* Enfermeira do Trabalho. Mestre, doutoranda em Ciências pela Escola de Enfermagem de Ribeirão

Preto, Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]. ** Enfermeiro, Mestre, doutorando em Ciências pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto,

Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]. *** Enfermeira do Trabalho. Professora Titular da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da

Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde/Organização Panamericana de Saúde para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem. Ribeirão Preto (SP), Brasil. E-mail: [email protected].

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perform the literature search was adopted PICO strategy and the selection of articles the strategy recommended by PRISMA group. They found 30 articles, after reading the titles and abstracts were selected 11 as inclusion criteria. Conclusion: Various stressors can interfere with quality of life and work of nurses, among them cite the fact of being married, being inexperienced and young in the profession and physical factors such as menopause. Already aspects to work: the lack of autonomy, work in the Emergency Care Units and in dialysis centers and surgical care with critical or psychiatric patients, interpersonal relationships, lack of materials and high workloads. By showing these stressors, it becomes possible to support strategies to face these situations, such as relaxation and coping with difficulties, meditation practices before the work shift, social support, dialogue and exchange of experiences, recognition of their limitations, leisure and healthy living habits. Thus, it is believed that nurses will have better living conditions and work, providing a better quality of care provided to users of health services. Keywords: depression. nursing. stress. quality of life. occupational health. SUMÁRIO: Introdução. 1 Objetivo do estudo. 2 Delineamento metodológico. 3 Resultado da pesquisa. 4 Discussão dos resultados. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

No mundo, estima-se que 350 milhões de pessoas são afetadas pela depressão, com as mulheres sendo mais afetadas que os homens (WHO, 2016). A depressão e a ansiedade custam em torno de 1 trilhão de dólares à economia mundial, a cada ano (CHISHOLM, 2016) e podem ter origem em situações estressantes, vivenciadas diariamente pelo indivíduo. O estresse pode ser positivo e necessário, desde que ocorra dentro dos limites fisiológicos e psicológicos de cada individuo (SILVA, MARZIALE, 2006).

A profissão de enfermagem é estressante e pode estar associada à depressão e a ansiedade e desta forma, pode acarretar o absenteísmo e a má qualidade de vida e de trabalho (BARDAQUIM et al., 2014; SILVA et al., 2015)

Apesar disso, estudo realizado por Dalri et al (2014) com enfermeiros de emergência mostrou que embora a maioria dos trabalhadores exercessem suas funções por mais de 36 horas/semana, fisiologicamente não apresentavam reações elevadas de resposta ao estresse; além disso, lidavam com conflitos nas relações verticais e horizontais entre profissionais, familiares e pacientes.

Compreende-se que as atividades potencialmente estressoras no trabalho dos enfermeiros incluem as condições insalubres, jornadas exaustivas e ritmo intenso de trabalho (FERNANDES, MEDEIROS, RIBEIRO, 2012). O trabalho desse profissional ocorre em etapas, com separação entre a compreensão e a atuação, podendo haver dificuldades em entender suas atividades, a própria constituição do trabalho, seus reflexos e as decorrências deste na vida dos indivíduos (JESUS, FERREIRA, 2015).

Profissionais de enfermagem são vulneráveis às doenças mentais, como depressão e ansiedade quando são jovens, casados, possui trabalho noturno, vários empregos, alto nível educacional, baixa renda familiar, sobrecarga de trabalho, estresse elevado, baixa autonomia, sentimento de insegurança profissional, conflitos nos relacionamentos, entre outros fatores (SILVA et al., 2015).

Frente a essas acepções, percebe-se a necessidade de investigar quais são os fatores estressantes que podem interferir na qualidade de vida do enfermeiro. Esta investigação justifica-se, pois o profissional de enfermagem necessita de uma boa saúde física e mental, uma vez que promove cuidados às pessoas doentes e estes fatores podem interferir na qualidade desses cuidados e na vida do trabalhador.

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1 OBJETIVO DO ESTUDO

Identificar nas evidências científicas os principais fatores estressantes que podem interferir na qualidade de vida e de trabalho do enfermeiro. 2 DELINEAMENTO METODOLÓGICO

Trata-se de uma Revisão Integrativa da Literatura acerca dos principais fatores

estressantes que podem interferir na qualidade de vida e de trabalho dos enfermeiros. Pesquisadores como Mendes et al. (2008) explicam que a revisão integrativa é considerada um instrumento da Prática Baseada em Evidências (PBE). Dessa forma, sintetiza os resultados de pesquisas anteriores e compreende todos os estudos relacionados à questão norteadora que orienta a busca na literatura (CROSSETI, 2012).

A revisão integrativa de literatura tem como fundamento seis etapas apresentadas a seguir: 1º) identificação do tema e seleção da hipótese ou questão da pesquisa; 2º) critérios de inclusão e exclusão de estudos e busca na literatura; 3º) definição das informações a serem extraídas dos estudos; 4º) avaliação dos dados; 5º) interpretação dos resultados; 6º) síntese do conhecimento (MENDES et al., 2008).

A busca foi realizada visando o período de janeiro de 2011 a setembro 2016, nas bases de dados SCOPUS e EMBASE, na Biblioteca regional de Medicina BIREME e na plataforma online Science Direct, por meio dos descritores: depression, nursing, stress, quality of life, Occupational Health. Empregaram-se, também, os operadores boleanos AND ou OR, quando necessário. Isto, para responder a seguinte pergunta: quais os principais fatores estressantes que podem interferir na qualidade de vida e de trabalho dos enfermeiros?

Para realizar a busca bibliográfica foi adotada a estratégia PICO, representada da seguinte forma: P = Paciente/Problema, I = Intervenção ou indicadores, C = Comparação e O = Resultado/desfecho (Santos, Pimenta, Nobre, 2007).

Para o alcance do objetivo proposto e responder à pergunta norteadora foram adotados os seguintes critérios de inclusão: artigos originais, disponíveis na íntegra e publicados entre janeiro de 2011 e setembro de 2016.

Para selecionar os artigos, optou-se pela leitura previa dos títulos e resumos, conforme recomendação do grupo PRISMA. Desta forma, os artigos pré-selecionados foram submetidos à leitura na íntegra e à análise detalhada. Assim, ao atender aos critérios de inclusão, a busca resultou em 30 artigos. Após a leitura minuciosa dos artigos na integra, foram selecionados 11 para compor esta investigação, conforme representado na Figura 1:

Identificados Selecionados Elegíveis Incluídos Figura 1 – Fluxograma da seleção dos artigos de 2011-2016 com temáticas voltadas ao estresse, ansiedade, depressão, qualidade de vida e Saúde Ocupacional, entre enfermeiros, de acordo com os critérios PRISMA (2016).

Scienc Direct: 7 Scopus: 9 EMBASE: 9 BIREME: 5

Artigos selecionados para leitura do resumo N = 30

Artigos não inclusos N = 19

Artigos selecionados N = 11

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3 RESULTADOS DA PESQUISA

O número total de artigos identificados está apresentado na sequência, na Tabela 1. Tabela 1: Artigos identificados com temáticas voltadas ao estresse, ansiedade, depressão, qualidade de vida e Saúde Ocupacional entre enfermeiros (2011-2016).

Bases de dados/biblioteca virtual

Artigos identificados Artigos

selecionados Idiomas

BIREME 5 1 Inglês

Science Direct 7 5 Inglês, Indiano, Japonês, e

Chinês. Scopus

9 3 Inglês, Árabe.

Embase

9 2 Inglês, Chinês

Total de Artigos 30 11 Todos traduzidos para o

idioma inglês

Foram encontrados 30 artigos e excluídos 19, pois alguns estavam repetidos nas bases e

biblioteca virtual e outros não correspondiam ao tema proposto ou não estavam disponíveis na íntegra para consulta.

Após a leitura dos títulos e resumos foram selecionados 11 artigos para leitura minuciosa e coleta dos dados. As informações relacionadas ao título do artigo, país, ano de publicação autores e os fatores estressantes no trabalho do enfermeiro, são apresentados no Quadro 1, conforme a base dados/biblioteca virtual:

Títulos dos Artigos País / Ano de

Publicação Autores

Principais fatores estressantes no trabalho do enfermeiro

Science Direct 1. Associations of menopausal Symptoms with job-related Stress factors in nurses in Japan,

Japão, 2014

Matsuzaki k, Uemura H,

Yasui T Transição para a menopausa

1. 2. Job stress among nurses in China China, 2012 Yau SY, et al. Ambiente de trabalho, falta de

recursos, alta carga de trabalho e tempo

2. 3. Impact of a stress management program on stress perception of nurses working with psychiatric patients

India, 2015 Sailaxmi G, Lalitha K

Cuidados à pacientes psiquiátricos

3. 4. Stress, depression, and intention to leave among nurses in different medical units: Implications for healthcare management/nursing practice

Taiwan, 2012 Chiang YM,

Chang Y

Estado civil casados, inexperientes, trabalho em

Unidades de Pronto Atendimento, centro de diálise e

Centro Cirurgico 4. 5. Professional autonomy and work

setting as contributing factors to depression and absenteeism in Canadian nurses

Canadá, 2015 Enns V, Currie S,

Wang J Falta de autonomia profissional

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Scopus

5. 6. Comparison and literature review of occupational stress in a palliative radiotherapy clinic's interprofessional team, the radiation therapists, and the nurses at an academic cancer centre

Canadá, 2013

Kook K, Zeng L, Zhang L,

DasGupta T, Vachon MLS,

Holden L, Jon F, Chow E,

Prospero LD

Cuidados paliativos, jovens, com menos experiência no trabalho e ser membro responsável da

equipe do programa de radioterapia

6. 7. Occupational stress, social support, and quality of life among Jordanian mental health nurses

Jordania, 2012 Hamaideh, SH

Dificuldades relacionadas ao cliente, falta de recursos, carga

de trabalho, agressão física e verbal, intenção de deixar o

trabalho 7. 8. Compassion satisfaction,

burnout, and secondary traumatic stress in heart and vascular nurses

Estados Unidos, 2011

Young JL, Derr DM, Cicchillo VJ,

Bressler S

Cuidados intensivos e cuidados intermediários

EMBASE 8. 9. When Caring for Perpetrators

Becomes a Sentence Recognizing Vicarious Trauma

Estados Unidos, 2015

Munger T, Savage T, Panosky DM

Trabalham em instituições prisionais, riscos inerentes à

profissão e ao ambiente.

9. 10. Health-related Quality of Life and Its Main Related Factors among Nurses in China

China, 2011 Wu SY, Li HY,

Tian J, Zhu W, Li J, Wang XR

Tensão física e psicológica, insuficiencia no papel, ambiente

físico, mais de 10 horas de trabalho, dieta irregular e falta

de lazer BIREME

11. Nurses’ perception of occupational stress and its influencing factors: A qualitative study

Iran, 2012 Adib-Hajbaghery M, Khamechian

M, Alavi NM.

Estar em constante situação de alarme, falta de experiência,

dignidade e status social, a falta de logística adequada, falta de

enfermeiros, irregularidades na organização, administração da

atuação de enfermagem, relações interpessoais e as

condições dos pacientes

Destes artigos, os Estados Unidos teve o maior número de publicação na temática (19%),

seguido do Canadá (18%) e China (18%). O Japão, a India, o Taiwan, a Jordania e o Iran tiveram o mesmo percentual de publicação (9%).

Com relação ao ano de publicação, 37% foram publicados em 2012, 27% em 2015, 18% em 2011 e 9% em 2013 e 2014. Ressalta-se que não foi encontrada nenhuma publicação em 2016.

Os principais fatores encontrados neste estudo foram: os enfermeiros com estado civil casados, inexperientes, muito jovens, falta de autonomia profissional, que trabalham em Unidades de Pronto Atendimento, Centro de Diálise e Centro Cirurgico e que cuidam de pacientes em estados críticos e/ou psquiátricos. Além desses aspectos foram encontrados relatos do próprio ambiente de trabalho ser estressante, as relações interpessoais difíceis, a falta de materiais suficientes, a elevada carga de trabalho, os fatores psíquicos acarretando Burnout e fatores físicos como a menopausa.

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4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A enfermagem é a profissão do cuidar; assistir ao ser humano é o seu maior objetivo, com a prestação de cuidados ofertada aos indivíduos, famílias e grupos da comunidade, visando a promoção da saúde, a prevenção e a recuperação de doenças (ROBAZZI, 2014).

Na presente revisão integrativa de literatura constatou-se que muitos fatores foram citados nos estudos como causadores de estresse no ambiente de trabalho dos enfermeiros. Outros estudos citam os principais fatores predisponentes ao estresse no trabalho dos enfermeiros, tais como: insatisfação com o trabalho, atividades consideradas como situações críticas em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), sintomas relacionados às alterações cardiovasculares, aparelho digestivo e músculo-esquelético (CAVALHEIRO, JUNIOR, LOPES, 2008). Além da sobrecarga de trabalho, conflitos de funções, desvalorização e condições de trabalho (SANTOS et al., 2010).

As cargas psíquicas do enfermeiro relacionam-se à penosidade inerente à atividades desenvolvidas. Aspectos como, o convívio com a dor e a morte, a história de vida e as dificuldades socioeconômicas dos pacientes, podem contribuír para potencializar tais cargas nos trabalhadores (SECCO et al., 2010).

Trabalhadores da enfermagem também apresentaram dores lombares, injúrias músculo-esqueléticas, estresse, tensão no trabalho, sofrem com a poluição do ambiente, dermatites além de acidentes com material pérfuro-cortante (RIBEIRO et al., 2012).

Outro estudo teve como resultados as vivências de insatisfação no trabalho do enfermeiro como a falta de cooperação na equipe, a sobrecarga de trabalho, o seu não reconhecimento, a escassez de recursos humanos e materiais e o fato de trabalhar em uma instituição pública (MORAIS et al., 2014).

O risco de suicídio foi correlacionado com a presença de sintomas de depressão, alto nível de exaustão emocional, despersonalização e baixa realização pessoal, sendo assocciado as características da Síndrome de Burnout (SILVA et al., 2015).

Ambientes de trabalho necessitam de intervenções, na promoção da saúde, melhorar os conflitos interpessoais e a nutrição, pois a saúde física e mental é indispensável para o bom desempenho dos trabalhadores, principalmente da área da saúde (BARDAQUIM et al., 2014).

Nesse sentido, cuidar de profissionais que oferecem serviços de saúde pode ser estratégia fundamental, uma vez que bons atendimentos aos usuários dependem, principalmente, de equipes saudáveis (DALRI et al, 2014).

Trabalhadores de uma instituição revelaram sobre o significado da Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), como as condições de trabalho, necessidade de gostar do que faz, satisfação no trabalho, recursos humanos suficientes evitando a sobrecarga, plano de carreira e capacitação dos trabalhadores (FERREIRA et al., 2015).

Dessa forma, devem ser elaboradas propostas que busquem melhores condições de trabalho e amenização do estresse do enfermeiro no ambiente laboral. CONCLUSÃO

Hábitos de vidas saudáveis, práticas de meditação e relaxamento antes do turno de

trabalho, suporte social, melhorar as relações interpessoais, reconhecerem as suas limitações, são boas alternativas para superar o estresse no trabalho.

Além disso, os ambientes de trabalho precisam ser mais adequados para a prática do trabalho, não só do enfermeiro, mas de toda a equipe de saúde. Isto, devido esses profissionais executar tarefas que se relacionam a cuidados com a saúde de pessoas que, muitas vezes, estão debilitadas. Desta forma, acredita-se que o trabalhador terá melhores condições de vida e trabalho, podendo promover uma melhor qualidade da assistência de enfermagem prestada aos usuários dos serviços de saúde.

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MULTIDISCIPLINARIDADE DO TRABALHO:

ECONOMIA, ENFERMAGEM,

HISTÓRIA, SERVIÇO SOCIAL,

SOCIOLOGIA, ADMINISTRAÇÃO,

FILOSOFIA, PSICOLOGIA E

MEDICINA

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SAÚDE E SEGURANÇA EM UMA COOPERATIVA DE RECICLAGEM

HEALTH AND SAFETY IN A RECYCLING COOPERATIVE

Bárbara Oliveira Rosa*

RESUMO: O trabalho aborda os riscos do trabalho em uma usina de reciclagem, como o trabalho com materiais recicláveis pode gerar danos à saúde e a segurança do trabalhador. O objetivo principal dessa pesquisa foi conhecer alguns dados sobre segurança, saúde e trabalho da Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis de Franca e Região - COOPERFRAN, a partir de observação do cotidiano, fotografias do local, além uma entrevista estruturada com todos os membros da cooperativa (trinta sujeitos). O método que iluminou nosso trabalho será o materialista histórico dialético. A pesquisa foi importante para podemos conhecer as condições de trabalho na cooperativa COOPERFRAN, no qual os catadores têm os mais variáveis riscos, como: materiais recicláveis sujos, a mistura de materiais não recicláveis, materiais cortantes, movimentos repetidos, ficar em pé o dia inteiro, contaminação com produtos tóxicos ou químicos, uma infraestrutura inadequada, animais no ambiente de trabalho, entre outros. Palavras-chave: catadores de materiais recicláveis. saúde. segurança. trabalho. ABSTRACT: The work deals with the rich work in a recycling plant, such as working with recyclable materials can cause health damage and worker safety. The main objective of this research was to know some data on safety, health and work of the Cooperative of Recyclable Materials Collectors of France and region - COOPERFRAN from everyday observation, site photographs, plus a structured interview with all members of the cooperative (thirty subjects). The method that lit our work is the materialist dialectic history. The research was important for we know the working conditions in COOPERFRAN cooperative, in which the collectors have the most risk variables, such as: dirty recyclable materials, the mixture of non-recyclable materials, sharps, repeated movements, standing all day , contamination or toxic chemicals, inadequate infrastructure, animals in the workplace, among others. Keywords: pickers of recyclable materials. cheers. safety. job. SUMÁRIO: Introdução. 1 História das cooperativas de Franca. 2 Organização do trabalho na Cooperativa de Franca. 3 Saúde dos trabalhadores das cooperativas de reciclagem. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

O lixo é mais que um problema municipal, é uma questão global. Essas enormes

quantidades de lixo s~o resultados de nosso sistema de produç~o capitalista “Estima-se que se produzam diariamente no mundo em torno de dois milhões de toneladas de lixo, o que significa um montante anual de 730 milhões de toneladas por ano.” (SUDAN, 2007, p. 26).

O lixo é um problema social, político, econômico: precisa dar um fim nos bens de consumo para que o próprio capitalismo continue ativo, que o consumismo se mantenha. Em nossa sociedade da mesma forma que ocorre um fetiche da mercadoria, no qual não se vê o processo de exploração e o caminho percorrido pela mesma, apenas o produto, o mesmo ocorre com o lixo. Este também se constitui como um fetiche, tendo em vista que a população não vê que ele está atrelado ao um modo de produção e de consumo.

Neste contexto, de consumismo e alta produção de lixo, as cooperativas passaram a existir, a partir da união de catadores informais, que coletavam na rua. As cooperativas de

* Mestre em Serviço Social, pela UNESP, campus Franca. E-mail: [email protected].

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catadores são responsáveis, em alguns casos pela coleta e triagem, em outros, somente pela triagem dos materiais recicláveis.

Os catadores de materiais recicláveis constituem um segmento de trabalhadores em expansão. No Brasil, entre os anos de 1999 e 2004, seu número aumentou de 150 mil para 500 mil e, atualmente, estima-se que mais de um milhão de pessoas vive da catação, ou seja, do trabalho de catar, separar e comercializar materiais recicláveis. Esses trabalhadores realizam suas atividades nas ruas, no interior de galpões ou, ainda, em suas próprias casas. (BORTOLI, 2013, p. 249).

Tendo em vista o aumento do trabalho em cooperativas de reciclagem, a pesquisa buscou

conhecer os riscos do trabalho em uma usina de reciclagem, como o trabalho com materiais recicláveis pode gerar danos à saúde e a segurança do trabalhador. O objetivo principal dessa pesquisa foi conhecer alguns dados sobre segurança, saúde e trabalho da Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis de Franca e Região - COOPERFRAN, a partir de observação do cotidiano, fotografias do local, além uma entrevista estruturada com todos os membros da cooperativa (trinta sujeitos).

O método que iluminou nosso trabalho será o materialista histórico dialético. O método que embasará o estudo será o materialista histórico dialético. Tal método possibilita perceber como as contradições se d~o na realidade cotidiana e produz movimento, j| que “n~o parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou representam, tampouco os homens pensados, imaginados ou representados para, a partir daí, chegar nos homens de carne e osso; parte dos homens realmente ativos [...].” (MARX; ENGELS, 2007, p. 94).

Para Minayo (1994) o materialismo histórico dialético, ao contrário do conhecimento rígido, é um constante processo de mudança, de transformação, como aproximações sucessivas do real. Portanto, o uso desse método se faz necessário para entender o processo de produção e reprodução social, para compreender as transformações do mundo do trabalho e consequentemente as repercussões na saúde humana.

O nosso envolvimento com o tema se pauta nas ações do Grupo de Extensão Democracia Econômica – GEDE, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP, campus Franca. Esse desenvolve um trabalho de incubação de cooperativas populares, baseando sua ação nos princípios da Economia Solidária. Acompanham as atividades da Usina de Reciclagem de Franca/SP, também conhecida como COOPERFRAN.

Os capítulos ficaram divididos em: história da cooperativa de Franca, trazendo um pouco sobre o universo da pesquisa; organização do trabalho na cooperativa de Franca, abordando brevemente o processo de trabalho; saúde dos catadores de materiais recicláveis, mostrando os principais riscos que esses trabalhadores sofrem e por último, a conclusão, trazendo os resultados da pesquisa.

1 HISTÓRIA DA COOPERATIVA DE FRANCA

A história da Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis de Franca e Região –

COOPERFRAN se mistura com a Prefeitura Municipal de Franca. A cooperativa surgiu no ano 2000, sendo que três a quatro anos foram dedicados à formação e preparação da mesma, efetivando-se de fato em 2005. Esta se consolida como uma parceria entre Prefeitura Municipal de Franca e a Pastoral do Menor e da Família. (MENDES, 2009).

Em 2000, a Prefeitura Municipal de Franca realizou uma pesquisa, constatando 237 catadores atuantes na cidade. Esta pesquisa foi incentivada pela campanha “Criança no lixo nunca mais” do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). (JUNTA, 2005).

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Assim, após a pesquisa, a Prefeitura iniciou com um processo de cooptação de catadores e capacitação, oferecendo suporte para que estes formassem a cooperativa. A Prefeitura Municipal de Franca organizou um grupo 70 catadores e contribuiu com o espaço físico, os equipamentos e maquinários necessários, além de uniformes e equipamentos de segurança individual. A autora afirma que o processo de reuniões e discussões para formar a cooperativa durou cerca de quatro anos até a constituição da mesma, este processo foi acompanhado pela Secretaria de Assistência Social, tendo uma assistente social responsável. (JUNTA, 2005).

O terreno e a manutenção dos equipamentos são de responsabilidade da Prefeitura Municipal de Franca. Esta, por meio de uma parceria com a empresa que recolhe o lixo no município, a Leão-leão, recolhe o material reciclável na cidade e também retira o rejeito, o que não é reciclável no final da esteira. A prefeitura também contribui com passes de ônibus dentro da cidade, com uniformes e equipamentos de segurança. A Prefeitura Municipal de Franca, no caso, ora tem uma postura de omissão, sobrecarregando, culpabilizando os trabalhadores, ora tem uma postura paternalista, clientelista, que reforça, ainda mais, a dependência da cooperativa.

Além dessa questão, da ausência de suporte por parte do município, são os mais variados obstáculos enfrentados pelas cooperativas, como também pela COOPERFRAN: ineficiência e precariedade da infra-estrutura, deficiência na proteção à saúde dos trabalhadores, alta rotatividade de cooperados, falta de capacitação, desvalorização e discriminação do trabalho por parte da sociedade, problemas de relacionamento entre os membros, dificuldades de criação de parcerias e carência de direitos trabalhistas. (VELLOSO, 2005; BORTOLI, 2009).

2 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA COOPERATIVA DE FRANCA

Na esteira, só trabalham mulheres, uma, em cada lado da esteira, é responsável por um material, são responsáveis pela triagem, enquanto os homens ficam nos trabalhos considerados pesados como na prensa, manobrando o guincho e na alocação de fardos.

Os trabalhos considerados pesados, que demandam grande força física concentrada e nos quais se utilizam maquinário, como a alimentação das mesas de triagem, a prensagem, o manejo dos fardos no estoque e o carregamento de caminhão, são considerados masculinos nos dois empreendimentos. O trabalho da triagem, descrito como uma função que demanda atenção, capricho, habilidades manuais finas como tato e agilidade é, e sempre foi, majoritariamente feminino nas duas cooperativas. (WIRTH, 2013, p. 169).

O fato de os homens serem responsáveis pelo maquinário se justifica por demandar

maior força física, assim, os homens são estimulados a se desenvolver fisicamente, além do fato de a tecnologia n~o ser projetada para as mulheres, “O equipamento mec}nico geralmente é produzido e montado de um modo que o torna muito grande e pesado para ser utilizado por uma mulher comum.” (WAJCMAN, 1998, p. 255 apud WIRTH, 2013, p.170).

Depois de separados, esses materiais são prensados. A cooperativa possuí pequenas prensas e conta com apenas uma prensa grande. Depois de prensados, os materiais são vendidos para intermediários.

O trabalho realizado pela associação de catadores e cooperativas, como a coleta e a triagem é, em geral, absorvido pelos elos da cadeia produtiva posicionados acima dessas organizações. Após a separação por tipo (plástico, papelão, vidro, alumínio, etc), os materiais são vendidos para atravessadores e sucateiros, que são intermediários entre as organizações populares (ou catadores individuais) e as indústrias recicladoras. Os preços praticados obedecem a padrões internacionais e s~o “ditados pela Bolsa de Valores de Londres”. (MNCR, 2009, p. 55 apud WIRTH, 2013, p. 98).

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A cooperativa de reciclagem se torna uma “indústria de subsistência”, apesar de a

reciclagem ser um trabalho do século XXI, um trabalho moderno, este se torna arcaico nas condições precárias em que se desenvolve, o trabalho na cooperativa se torna análogo à escravidão, sem direito a férias, décimo terceiro e demais direitos trabalhistas.

A ausência de direitos trabalhistas é uma preocupação dos catadores, visto que aparecem como um fator de risco a saúde, já que o trabalhador não tem direito aposentadoria e ficam desamparados em casos de acidentes e doenças (MEDEIROS, et al., 2006). “Os relatos exprimem que sem previdência, por vezes, negligenciam a saúde, colocando em primeiro plano a necessidade básica de subsistência, percebendo tal postura como fator de risco.” (OLIVEIRA, 2011, p. 122).

3 SAÚDE DOS TRABALHADORES DAS COOPERATIVAS DE RECICLAGEM

A construção da pesquisa iniciou-se com uma revisão sobre a saúde dos trabalhadores

das cooperativas de materiais recicláveis. A revisão evidenciou que o lixo “[...] funcionando como abrigo e local propício à proliferação de animais, pode se configurar como uma importante via de transmissão de doenças como peste bubônica, tifo, leptospirose, salmonelose, febre amarela, mal|ria, dengue, leishmaniose.” (RODRIGUES apud JUNCÁ, 2004, p. 14).

Consequentemente, sendo o lixo a matéria-prima dos catadores, as representações, o imaginário, que a sociedade faz do lixo, moldam a forma como eles são tratados, o lixo simboliza “tudo aquilo que se joga fora”, “algo sujo”, “descart|vel” e, por ser o meio de sobrevivência dos catadores, esses sofrem preconceitos e humilhações. (CARMO; OLIVEIRA, 2010; MEDIDA, 2000; MENDES, 2009).

Os coletores de lixo são os heróis não decantados da modernidade. Dia após dia, eles reavivam a linha da fronteira entre normalidade e patologia, saúde e doença, o desejável e repulsivo, aceito e rejeitado [...]. Muito pelo contrário, é a divisa que prediz – literalmente, invoca – a diferença entre eles: a diferença entre o admitido e o rejeitado, o incluído e o excluído. (BAUMAN, 2005, p. 39).

Os catadores sofrem com fatores: biológicos (materiais cortantes, animais mortos,

contaminação com produtos tóxicos ou químicos, agulhas e seringas), fisiológicos (esforço físico por carregar pesadas quantidades de materiais), psicológicos (por estarem expostos a preconceito e desvalorização pelo trabalho que realizam). (GALON, 2015).

Estudos mostram que o trabalho com materiais recicláveis nas cooperativas ocasionam dores nas costas (coluna), pernas, ombros e braços. (SOUZA, 2014; GONÇALVES, 2004). O modo como os trabalhadores se posicionam para manusear o material reciclável nas esteiras ou mesas de triagem, provoca problemas ergonômicos. (COCKELL et al., 2004; SOUZA, 2014).

Algumas doenças se dão pela junção de falta de equipamentos de segurança e pela precariedade do trabalho. A principal justificativa pela recusa do uso de Equipamento de Proteção Individual – EPI é que ele atrapalha agilidade no trabalho e causa desconforto (MOISÉS, 2009).

Todos os cooperados entrevistados afirmaram já terem presenciado ou sofrido algum acidente, alguns acidentes foram encaminhados para o hospital e outro (com ferimentos leves) foram tratados na própria cooperativa. Dentre as várias ocorrências com um cooperado que foi picado no pé por uma aranha e outro que a mão foi prensada na esteira (na entrevista, o cooperado relatou que por causa do acidente teve que trabalhar durante quatro meses somente uma das mãos). Quantos aos Equipamentos de Proteção Individual (EPI), a cooperativa fornece somente luvas, mas alguns cooperados afirmam que utilizam blusas de manga cumprida, calças de tecidos mais resistentes e um entrevistado afirmou

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inclusive que comprou uma luva mais resistente e confortável do que aquela fornecida pela cooperativa. Em contra partida, alguns cooperados trabalham com os braços e pernas descobertas, utilizam luvas já rasgadas e não se preocupam com os riscos. (SOUZA, 2014, p. 55).

Parte dos resíduos residenciais é potencialmente perigoso: 5,5% papel higiênico,

absorventes fraldas e 1,9% materiais químicos (lâmpadas, materiais de pintura residencial e frascos de remédios). (CUSSIOL; ROCHA; LANGE, 2006). Dependendo do tipo de material que aparece no cotidiano de trabalho dos catadores, seu odor pode levar estes passarem mal, causar desconforto e náusea. (MOISÉS, 2009; FERREIRA; ANJOS; 2001).

Mesmo em usinas de reciclagem há relatos de perfuração das mãos com agulhas de resíduos hospitalar, pedaços de vidro, materiais pontiagudos, entre outros materiais perfurocortantes. (GONÇALVES, 2004; ALMEIDA; et al., 2009). Além desse tipo de riscos, os materiais recicláveis propiciam casos de micoses nos pés e nas mãos, muitas vezes decorrentes de roupas sobrepostas. (FRANCO; CAVALCANTE, 2007).

Em uma pesquisa recente, foram constatados que os filhos de catadores (crianças com idade de 0 e 5 anos, na cidade de Porto Alegre) “apresentavam uma prevalência aumentada de contaminaç~o por chumbo correlacionada com a atividade de reciclagem dos pais.” (FERRON, 2015, p. 67), isso se dá principalmente pelos resíduos contaminantes que chega aos galpões de reciclagem, como: pilhas, baterias, lâmpadas, cartuchos de impressora, computadores e celulares. CONCLUSÃO

Por meio das observações, percebemos que os catadores têm a possibilidade constante

de serem picados por insetos e mordidos por animais, além de terem o contato, pela pele com substâncias químicas e tóxicas, com lixo hospitalar e restos de animais mortos que passam na esteira. Nas fotografias vemos a diversidade de materiais que estão presentes no local:

Figura1. Material Reciclável.

Fonte: Foto tirada por um dos entrevistados, em 2015.

As observações comprovaram que além dos materiais recicláveis tinha outros tipos de

materiais e as entrevistas confirmaram essa questão. Quando questionados se a população de Franca/SP separa os materiais corretamente, as respostas foram: 28,5% sim; 57,5% não; 7% de modo regular; 7% não souberam responder.

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Gráfico 1. População de Franca/SP separa o material corretamente na perspectiva dos trabalhadores da cooperativa COOPERFRAN, pesquisa realizada em 2015.

Fonte: Pesquisa realizada na COOPERFRAN por Bárbara Oliveira Rosa, em 2015.

Os riscos do trabalho dos catadores são os mais variáveis como: materiais recicláveis

sujos, a mistura de materiais não recicláveis, materiais cortantes, contaminação com produtos tóxicos ou químicos. Além disso, outro problema apontado é a questão da infraestrutura inadequada (não cobre todo material reciclável, deixando o mesmo molhar; o refeitório é pequeno em relação ao número de catadores; entre outros). A foto a seguir mostra como uma parte do material reciclável molha com a chuva, ficando de fora da cobertura:

Figura 2. Foto da estrutura da Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis de Franca e Região (COOPERFRAN)

Fonte: Foto tirada por Bárbara Oliveira Rosa, em 2015.

Ademais, as máquinas e equipamentos já estão velhos, sendo que em um dos dias das

entrevistas o guincho estava quebrado, o que ocasionou a sobrecarga de trabalho.

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Figura 3. Foto do guincho na Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis de Franca e Região (COOPERFRAN)

Fonte: Foto tirada por Bárbara Oliveira Rosa, em 2015.

Durante as entrevistas, um dos cooperados foi picado por um escorpião, sendo levado ao

pronto socorro da cidade. Porém, quando perguntamos se eles já sofreram algum acidente de trabalho, a maioria disse que não, 82%, sendo que, o caso relatado anteriormente, não foi considerado acidente de trabalho pelos catadores, por isso apenas 18% disseram sim.

Gráfico 2. Acidentes de trabalho na cooperativa COOPERFRAN, pesquisa realizada em 2015.

Fonte: Pesquisa realizada na COOPERFRAN por Bárbara Oliveira Rosa, em 2015.

Assim, observamos que um meio de o próprio capital encobrir a exploração é

dificultando a identificação do que é acidente de trabalho, sendo que, os únicos que responderam sim, foram casos muito graves como: mão presa na esteira, atropelamento, a ruptura de uma parte do corpo ou corte profundo na mão, no braço ou na perna.

Quando a pergunta se direcionou a problemas de saúde, a maioria (57,5%,) respondeu não ter problemas de saúde. Outros 39% alegaram ter doenças físicas, mas nenhum afirmou ter doenças emocionais, embora 3,5% alegram terem doenças físicas e emocionais.

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Gráfico 3 - Problemas de saúde dos trabalhadores da cooperativa COOPERFRAN, pesquisa realizada em 2015.

Fonte: Pesquisa realizada na COOPERFRAN por Bárbara Oliveira Rosa, em 2015.

Quando questionamos se essas doenças decorriam do fato de trabalhar com materiais

recicláveis, 96,5% atestaram não e 3,5% afirmaram que não sabiam. Porém, quando abordamos sobre as doenças, como dores nas pernas e na coluna, vemos que elas podem ser relacionadas ao tipo de trabalho sim, já que a posição dos catadores podem causar dores, além de o fato de ficarem o dia inteiro de pé.

A saúde perpassa o visível e o invisível, como a insalubridade e periculosidade do trabalho, é como se os catadores negassem os riscos, como meio de continuar trabalhando, mesmos com as dificuldades. Sobre o uso de equipamentos de segurança, 93% responderam que usam equipamentos e apenas 7% responderam que não usam. No entanto, o único equipamento que apareceu em todas as respostas foram as luvas.

GRÁFICO 4 - Equipamentos de segurança na cooperativa COOPERFRAN, pesquisa realizada em 2015.

Fonte: Pesquisa realizada na COOPERFRAN por Bárbara Oliveira Rosa, em 2015.

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Apesar das respostas, durante as observações não foram visto os equipamentos de segurança sendo utilizados. Sendo que uma das fotos aparece um dos catadores sem luva, apenas com um jaleco improvisado.

Figura 4. Foto Catador

Fonte: Foto tirada pela autora, em 2015.

Assim, por meio da pesquisa conseguimos observar que há uma negação, uma

minimização e dissimulação sobre riscos do trabalho com materiais recicláveis, no qual os catadores mascaram suas preocupações com as doenças ou acidentes. (SOUZA, 2014; CAVALCANTE; FRANCO, 2007). “Mesmo reconhecendo que as doenças respiratórias e as alergias podem ser adquiridas através do lixo, não foi conferida preocupação com tais doenças, mediante o argumento de que s~o passíveis de cura com o uso de medicaç~o.” (FERNANDES; DALL’AGNOL, 2007, p. 31).

Tal asserção aparece de modo marcante nas falas da maioria dos entrevistados, quase sempre relatadas na terceira pessoa, como se o problema não lhes pertencesse. Essa estratégia de defesa é deveras importante para esses trabalhadores, uma vez que transferem para os colegas a possibilidade de contaminarem-se com o lixo. (CAVALCANTE; FRANCO, 2007, p. 227).

A pesquisa foi importante para podemos conhecer o modo como os catadores encaram

os riscos a saúde, mas não só, também contribuiu para percebermos as condições de trabalho na cooperativa COOPERFRAN, no qual os catadores sofrem com: materiais recicláveis sujos, a mistura de materiais não recicláveis, materiais cortantes, contaminação com produtos tóxicos ou químicos, uma infraestrutura inadequada e animais no ambiente de trabalho.

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O TRABALHO DO JUIZADO ESPECIAL DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA DE FRANCA NA EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA DO ADOLESCENTE

THE WORK OF THE SPECIAL COURT FOR CHILDREN AND ADOLESCENTS OF FRANCA IN

THE REALIZATION OF THE PRINCIPLE OF ABSOLUTE PRIORITY OF TEENAGER

Gabriela Marcassa Thomaz de Aquino* Edvânia Ângela de Souza Lourenço**

Eliana dos Santos Alves Nogueira*** RESUMO: O Juizado Especial da Infância e Adolescência (JEIA) foi instalado no município de Franca pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região em dezembro de 2014 com a finalidade de analisar, conciliar e julgar todos os processos envolvendo trabalhador com idade inferior a dezoito anos, incluindo ainda os pedidos de autorização para trabalho, as ações civis públicas e coletivas além das autorizações para fiscalização do trabalho infantil doméstico. Essa iniciativa se deu, principalmente, por conta dos altos índices de emprego de mão de obra infanto-juvenil na cidade, sendo que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2010 chegou a identificar entre os jovens de dez a dezessete anos um índice de ocupação de 15,8%, sendo que a média estadual era de 10,4% e a nacional de 12,4%. Tendo esses dados em mente, o objetivo fundamental da análise é construir o perfil dos adolescentes que buscam o juizado para solicitar autorização para trabalho, identificando as áreas em que se concentram as proposta de emprego e os riscos gerados aos adolescentes por cada uma dessas atividades, considerando a Lista TIP de piores formas de trabalho infantil nessa verificação. Toda a análise está subsidiada em consulta de material teórico e coleta de dados empíricos que compreendem os formulários dos pedidos de autorização para o trabalho do JEIA no período de dezembro de 2014 a julho de 2016, sendo que esses formulários são preenchidos nas audiências coletivas, que ocorrem de acordo com a demanda, pelos pais ou responsáveis pelos adolescentes. Os dados analisados permitem concluir que a pobreza é um fator determinante na configuração do trabalho infantil, sendo que interfere diretamente em questões como a evasão escolar e acidente de trabalho, gerando um ciclo vicioso que faz com que os encaminhamentos para a capacitação gerados pelo JEIA sejam fundamentais para buscar rompê-lo. Palavras-chave: mudança social. prioridade absoluta. trabalho infantil. ABSTRACT: The Special Court for Children and Adolescents (JEIA) was installed in the city of Franca at the Regional Labor Court of the 15th Region in December 2014 in order to analyze, reconcile and judge all cases involving workers under the age of eighteen, including further applications for authorization to work, public and collective civil actions beyond the authorizations for surveillance of domestic child labor. This initiative was mainly on account of the high hand employment rates of children and youth work in the city, and the National Survey 2010 Household Sample came to identify among young people from ten to seventeen years an occupation index 15.8 %, while the state average was 10.4 % and the national 12.4%. With these data in mind, the fundamental objective of the analysis is to build the profile of adolescents who seek the court to request authorization to

* Graduanda em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista.

E-mail: [email protected]. ** Professora Doutora em Serviço Social na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade

Estadual Paulista. Membro da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. E-mail: [email protected].

*** Professora de Processo do Trabalho na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista. Juíza Titular da 2ª Vara do Trabalho de Franca e Coordenadora do Juizado Especial da Infância e Adolescência de Franca/SP. E-mail: [email protected].

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work, identifying the areas that concentrate the offer of employment and the risks to adolescents for each of these activities , considering the list TIP worst forms of child labor that check. All analysis is subsidized in theoretical material consultation and collection of empirical data comprising the forms of applications for work JEIA from December 2014 to July 2016, and these forms are filled in collective audience that occur according to demand, by parents or guardians of adolescents. The analyzed data allow us to conclude that poverty is a determining factor in child labor configuration, and interferes directly on issues such as truancy and accident at work, creating a vicious cycle that makes referrals to training generated by JEIA are fundamental to seek break it. Keywords: social changes. absolute priority. child labor. SUMÁRIO: Introdução. 1 Proteção da criança e do adolescente e combate ao trabalho infantil. 2 Funcionamento e autorizações para trabalho no JEIA. 2.1 Dinâmica de funcionamento. 2.2 Pedidos de autorização para trabalho. 2.3 Diferenças de atuação entre JEIA e Justiça Comum do Município. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

O trabalho como instrumento de produção de riqueza é muitas vezes tido pela sociedade como fenômeno positivo capaz de desenvolver habilidades essenciais para a vida em coletividade. Ocorre, no entanto, que quando este trabalho é realizado precocemente, acaba se tornando elemento dificultador para que crianças e adolescentes tenham acesso tenham acesso a melhores condições de vida, visto que a maioria desses jovens ao iniciar o trabalho deixa de estudar, fazendo com que a renda que inicialmente era suficiente para a sua manutenção, com o passar do tempo não o seja, visto que há constituição de família e a manutenção do mesmo salário repercutirão também nos seus filhos, diante das dificuldades financeiras, considerando que os seus rendimentos não terão perspectiva de aumento, tendo em vista a falta de profissionalização adequada. Além disso, quando inseridas em um ambiente que não é propício a sua idade, as crianças e adolescentes acabam por estar expostos a riscos não só físicos, como mentais, podendo muitas vezes ocorrer danos irreversíveis a sua saúde.

Sendo o trabalho infantil um fenômeno social e jurídico latente, o presente artigo tem o objetivo de analisar o trabalho do Juizado Especial da Infância e Adolescência do município de Franca, interior de São Paulo, onde foi instituído com a competência de analisar, conciliar as ações envolvendo os adolescentes trabalhadores e também analisar os pedidos de autorização para o trabalho daqueles que se encontram abaixo da idade legal.

Tal artigo tem o objetivo de compreender os dados encontrados por meio da análise dos formulários de solicitação de autorização para trabalho nesse juizado e analisando assim quem são os adolescentes mais vulneráveis ao trabalho precoce na cidade. Posteriormente ainda será feita uma análise comparativa entre a atuação deste órgão em relação à Justiça Comum no que concerne a efetivação de princípios constitucionais. 1 PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E COMBATE AO TRABALHO INFANTIL

É possível identificar o trabalho da criança e do adolescente como meio de sustento e

produção de riquezas desde antes mesmo da Revolução Industrial, o que torna tal evento de importante relevância é que antes dele o trabalho dessas pessoas em desenvolvimento era exercido como forma de auxílio à família e a tribo do qual faziam parte. A Revolução Industrial trouxe o trabalho independentizado das crianças e dos adolescentes, alocando-os nas fábricas e impondo-os jornadas de trabalho excessivas e degradantes (GRUNSPUN, 2000).

Desde aquela época podemos afirmar que esse trabalho independentizado nunca mais esteve fora do nosso contexto social, nem mesmo na atualidade, a despeito de todas as normas de proteção voltadas para proteção da infância e da adolescência.

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As Convenções 138 e 182 ambas da Organização Internacional do Trabalho e ratificadas pelo Brasil preveem aspectos de proteção ao trabalho da criança e do adolescente. A primeira delas dispõe sobre a idade mínima de admissão ao emprego, sendo esta não inferior a conclusão da escolaridade obrigatória ou, em qualquer hipótese, não inferior a quinze anos. No caso do Brasil, conforme estabelecido pela Constituição Federal no art. 7º, XXXIII, a idade básica para o trabalho é definida com base na idade (dezesseis anos) e não com base na conclusão da escolaridade obrigatória. Já a segunda estabelece que os países membros devem assumir o compromisso de eliminar as piores formas de trabalho infantil, sendo que essas atividades devem estar contidas em uma lista elaborada por cada um desses países, no caso do Brasil, encontra-se prevista no Decreto nº 6.481 que define a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP), onde são encontradas 89 atividades consideradas prejudiciais à saúde e a segurança, além de 4 atividades prejudiciais à moralidade.

Além dessas Convenções, o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação ao Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente Trabalhador, trabalho infantil é toda a atividade econômica e/ou de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro, remuneradas ou não, realizadas por crianças ou adolescentes em idade inferior a dezesseis anos, ressalvada a condição de aprendiz a partir dos quatorze anos, independentemente de sua condição ocupacional. Cabe ainda ressaltar que o art. 7º, XXXIII da Constituição Federal, alterado pela Emenda nº 20 ainda estabelece que em relação as atividades perigosas, insalubres e o trabalho noturno só podem ser exercidas por jovens a partir dos dezoito anos.

O contrato de aprendizagem é um contrato especial de trabalho que pode ser celebrado com pessoas de quatorze a vinte e quatro anos, com prazo não superior a dois anos, sendo que para as pessoas com deficiência não é observado nenhum limite. A jornada diária não pode ser superior a seis horas e envolve como partes do contrato a empresa, a instituição de aprendizagem e o aprendiz. Para que tal contrato seja válido é preciso ainda a anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, a matrícula e frequência do aprendiz à escola, quando não tenha concluído o ensino obrigatório, que no Brasil se estende até o fim do Ensino Médio, e a inscrição em programa de aprendizagem sob a orientação de entidade qualificada que tem o dever de garantir a formação técnico profissional adequada.

Ainda no que concerne as normas internas de proteção as pessoas em desenvolvimento, é preciso destacar o artigo 227 da Constituição Federal que traz o princípio da prioridade absoluta da criança e do adolescente, outorgando à família, a sociedade e ao Estado a obrigação de assegurar o direito à vida, a educação, a saúde e a dignidade a eles. Tal prioridade garante, portanto, que antes que qualquer decisão seja tomada pelo poder público, pela família ou pela sociedade no geral, é preciso pensar primeiramente no bem estar da criança ou adolescente envolvido.

Apesar das normas internas, compromissos internacionais e o contrato especial de trabalho da aprendizagem que buscam assegurar maior profissionalização e a manutenção dos estudos a esses jovens, o nosso país ainda apresenta números preocupantes acerca do trabalho infantil. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2014, havia no país em situação de trabalho 3,3 milhões de crianças e adolescentes entre cinco e dezessete anos, sendo 554 mil deles de cinco a treze anos (idade que o trabalho é proibido), um aumento de 9,3% em relação aos dados contabilizados no ano anterior nessa mesma faixa etária.

O engajamento da Justiça do Trabalho na erradicação do trabalho infantil no país acentuou-se em 2012 quando foi composta a Comissão para a Erradicação do Trabalho Infantil na Justiça do Trabalho (CETI). Tendo por base esse programa de erradicação e levando em conta dados da OIT que identificavam que o município de Franca apresentava um Nível de Ocupação entre crianças e adolescentes de dez a dezessete anos de 15,8%, sendo que a média estadual é de 10,4% e a média nacional de 12,4%, em 2014 o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região instalou o Juizado Especial da Infância e Adolescência (JEIA) no município. Tal Juizado tem competência para analisar, conciliar e julgar todos os processos envolvendo trabalhador com

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idade inferior a dezoito anos, incluindo ainda os pedidos de autorização para trabalho, as ações civis públicas e coletivas além das autorizações para fiscalização do trabalho infantil doméstico. 2 FUNCIONAMENTO E AUTORIZAÇÕES PARA O TRABALHO NO JEIA 2.1 Dinâmica de funcionamento

Como uma das competências essenciais do JEIA é o julgamento dos pedidos de

autorização para o trabalho de adolescentes que, embora não possuam faixa etária para o labor, enxergam necessidade em ingressar no mercado de trabalho, e como o número de pedidos de autorização é muito grande no município, o presente trabalho se foca na analise dos números encontrados em relação a essas solicitações.

O JEIA de Franca realiza audiências coletivas mensais ou bimestrais, a depender da demanda de solicitações para trabalho, com os responsáveis pelos adolescentes na sede da Justiça do Trabalho do município. Nessas audiências são explicados os riscos a que essas pessoas em desenvolvimento estão expostas no ambiente laboral e as consequências que essa entrada precoce no mercado de trabalho pode acarretar para a formação profissional.

O que é defendido pelo JEIA e por todas as outras instituições que compõe a sua rede de proteção na cidade- Ministério Público do Trabalho, Defensoria Pública Estadual, Serviço Nacional de Aprendizagem no Comércio (SENAC), Centro de Integração Empresa Escola (CIEE), Escola de Aprendizagem e Cidadania (ESAC)- é o direito ao não-trabalho desses adolescentes, isso é, a aplicação de uma abordagem sistêmica do problema, com a explicação aos responsáveis dos motivos pelo qual o trabalho não é adequado na adolescência e com a respectiva proteção que deve ser dispendida a eles para que possam ter acesso à capacitação e a profissionalização, garantindo boas condições no ingresso ao mercado de trabalho, sem riscos à saúde física e mental.

Nas audiências coletivas, após serem explicados os riscos implícitos nas atividades laborais, muitas vezes com a explanação de casos de adolescentes que sofreram acidente de trabalho e foram atendidos pelo órgão, é realizada a oferta de cursos de capacitação aos adolescentes, com ampla aceitação dos pais e responsáveis, que desistem dos pedidos de autorização para o trabalho, em seguida são gerados os encaminhamentos para esses cursos de capacitação que são disponibilizados pelas entidades parceiras: SENAC, CIEE e ESAC.

Cabe ressaltar que nos casos em que se constata grave vulnerabilidade social da família, os adolescentes recebem bolsas custeadas pela verba proveniente das Ações Civis Públicas que tramitam junto à 2ª Vara do Trabalho local, órgão ao qual está vinculado o JEIA. As bolsas são disponibilizadas aos adolescentes pelo período do curso, mediante frequência integral, para que possam estudar em vez de buscar ingressar ilegalmente no mercado de trabalho.

Os adolescentes que não apresentam grave vulnerabilidade socioeconômica frequentam os cursos de capacitação gratuitamente e tem acesso a informações referentes a postura nas entrevistas de emprego, importância do trabalho em equipe e sobre saúde e segurança no ambiente de trabalho.

Após os cursos de capacitação os adolescentes prosseguem os seus estudos e podem participar de entrevistas de emprego de vagas de aprendizagem ofertadas por meio da atuação do Ministério do Trabalho e Previdência Social junto às empresas que foram notificadas pelo não cumprimento das cotas previstas na Lei nº 10.097/00. Há ainda uma parceira com CIEE e com os órgãos do Sistema S e demais órgãos de aprendizado que facilita a contratação dos jovens encaminhados pelo JEIA e que já acabaram os cursos de capacitação para as vagas de aprendizagem disponíveis, considerando o perfil buscado pela empresa e a vulnerabilidade social da família do adolescente.

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2.2 Pedidos de autorização para trabalho

Quando os responsáveis pelos adolescentes chegam ao juizado buscando pela

autorização para trabalho é preenchido um formulário no qual se identifica dados básicos do jovem e da família como: data de nascimento, se possui proposta de emprego, escolaridade e escola que estuda. Quando a pesquisa que gerou tal artigo foi proposta, como forma de complementar a análise, foram acrescentadas a esse formulário mais variáveis: motivos para a solicitação da autorização, renda familiar e quantidade de membros da família.

Assim, o método para a análise consistiu na tabulação de todos os dados presentes nesses formulários de autorização para trabalho, desde a sua instalação na cidade (dezembro de 2014) até o mês de julho de 2016, identificando as características dos jovens que recorrem ao juizado, bem como da incidência da atuação deste órgão nas regiões da cidade, levando em conta os bairros onde os adolescentes habitam.

O objetivo dessa análise, assim, é a identificação de um perfil dos jovens da cidade que buscam ingressar precocemente no mercado de trabalho e, posteriormente, observar de forma comparativa a atuação do Juizado Especial da Infância e Adolescência e a atuação da Justiça Comum do município em relação ao tratamento das autorizações para o trabalho.

Antes da análise dos dados encontrados cabe destacar que foram analisados no total 415 formulários de autorização para trabalho, no entanto, nem todos os dados correspondem a essa totalidade. Dois são os motivos: o primeiro é que nem sempre os responsáveis possuem todos os dados no momento do preenchimento do formulário; o segundo é que os dados referentes aos motivos para a solicitação da autorização, renda familiar e quantidade de membros da família foram acrescentados posteriormente (em outubro de 2015), o que explica os números menores em relação a essas variáveis.

Em relação ao sexo dos adolescentes, os 415 formulários mostraram uma predominância de meninos para a solicitação de autorização (236 adolescentes), embora o número relativo as meninas não tenha uma incidência muito inferior (179 adolescentes). Quanto a esse dado é importante observar que muitas vezes o trabalho infantil encontra-se associado ao sexo desses adolescentes, segundo a coordenadora do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, Isa de Oliveira, as convenções sociais definem o que é trabalho de menino e o que é trabalho de menina e, embora não haja pesquisas sobre o tema, o que se percebe é que as meninas estão mais recorrentemente empregadas no âmbito doméstico, enquanto que os meninos acabam por desempenhar funções que exigem força física maior. Ela ressalta ainda que embora a visibilidade do trabalho infantil masculino seja maior, as meninas que trabalham estão expostas a acidentes, fazendo com que o trabalho infantil doméstico esteja elencado na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil.

Em relação à idade dos adolescentes, percebeu-se pela análise dos 415 formulários que a maioria encontrava-se entre quatorze (130 adolescentes) e quinze anos (144 adolescentes) no momento da solicitação, idade que pela lei só poderiam estar trabalhando na condição de aprendiz ou com a autorização de um juiz. Percebeu-se ainda uma significativa incidência de jovens de dezesseis anos (86 adolescentes) que buscam o juizado, a despeito da permissão da legislação para o exercício do labor que não seja perigoso ou insalubre. Quanto aos demais dados encontrados: 14 adolescentes encontravam-se na faixa dos treze anos, 30 com dezessete anos e onze com dezoito anos.

O número de jovens que possuíam alguma proposta de emprego no momento da solicitação mostrou-se em número muito pequeno, sendo apenas 32 casos. Tal dado é importante para comprovar que a maioria desses adolescentes que querem ingressar no mercado de trabalho não possui nem mesmo uma definição quanto a profissão ou local de seu primeiro emprego (total de 383 jovens sem proposta de emprego), o que demonstra a relevância das ações de capacitação para que estejam preparados e protegidos quando do efetivo ingresso no mercado de trabalho.

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O nível de escolaridade (400 formulários totalizados) da maioria dos adolescentes corresponde ao ensino médio incompleto (275 jovens) e quando analisado juntamente com as idades contabilizadas percebe-se que se encontravam, portanto, com os estudos em dia. O segundo maior índice encontrado foi em relação ao ensino fundamental incompleto (113 jovens), que corresponde os adolescentes na faixa etária de treze e quatorze anos. Dos demais adolescentes 3 haviam completado o ensino fundamental e não estavam estudando e 9 já haviam completado o ensino médio, sendo aqueles adolescentes com faixa etária entre dezessete e dezoito anos que procuraram o juizado.

Já quando os dados são concentrados em relação a escola em que esses adolescentes estudam (410 formulários totalizados), fica clara a predominância da escola pública com 397 jovens, enquanto que a particular apresentou apenas um caso. Tal dado mostra a importância da relação entre pobreza e a falta de políticas públicas que ocupem o contra turno escolar no ingresso precoce no mercado de trabalho, sendo que tal relação fica ainda mais clara quando analisada as informações referentes a renda familiar, membros na família e motivos para a solicitação de emprego. Os dados referentes a adolescentes que não estudavam (12 casos) podem ser explicados pelos jovens que apresentavam apenas o ensino fundamental completo e por uma parcela dos que recorreram ao JEIA mesmo com idade superior a dezoito anos em busca de capacitação.

A renda familiar (que apresentou 221 formulários respondidos) demonstra o predomínio da população mais pobre que recorre ao juizado, com a preponderância de renda entre um e dois salários-mínimos em 134 casos analisados (60,63%). Cabe ainda observar que houve famílias que nem sequer possuíam renda no momento da solicitação de autorização para o trabalho (total de 10 famílias- 4,52%), casos em que os pais encontravam-se sem emprego e que enxergaram na entrada no mercado de trabalho dos filhos uma alternativa à escassez e a fome. O restante, 57 famílias apresentavam renda entre dois e quatro salários-mínimos (25,79%), 2 famílias entre quatro e seis salários-mínimos (0,90%), 1 com mais de oito salários-mínimos (0,45%) e 17 com renda inferior a um salário-mínimo (7,69%).

Quando analisamos a quantidade de membros das famílias atendidas (no total 214 formulários), têm-se que não existe uma quantidade que se sobressai as demais, mas os três maiores indicadores foram, respectivamente, quatro (60 formulários), três (48 formulários) e cinco (47 formulários) pessoas na unidade familiar. As outras famílias apresentavam: duas (16 formulários), seis (25 formulários), sete (11 formulários), oito (6 formulários) e nove (1 formulário).

Os dados coletados em relação aos motivos que levam os adolescentes a buscarem a autorização para o trabalho (total de 229 formulários respondidos) talvez sejam suficientes para indicar uma relação entre o número de pessoas na unidade familiar e a renda total da família como insuficiente para o sustento. Do total 57,21% dos responsáveis afirmaram que os filhos necessitavam trabalhar para complementar a renda familiar (131 jovens).Os demais motivos mostraram-se bastante equilibrados: 10,92% (25 adolescentes); 8,73% (20 adolescentes) queriam ter dinheiro para comprar seus pertences; 5,68% (13 adolescentes) e 17,47% (40 adolescentes) foram encaminhados pelo Conselho Tutelar do município com o objetivo de terem acesso aos cursos de capacitação.

Um dado importante é que após cerca de um ano de trabalho do juizado, começaram a existir solicitações apenas para os cursos de capacitação (no total de 10 formulários dos 415 analisados), ou seja, os jovens não estavam em busca de autorização para ingressar no mercado de trabalho e sim de conseguir o encaminhamento do órgão e obter mais conhecimento e futuramente uma vaga de aprendizagem.

A análise de todos os quesitos mostra a predominância dos atendimentos à população pobre da cidade que encontra na autorização para o trabalho dos adolescentes uma saída para complementar uma renda familiar baixa e garantir que esses adolescentes não fiquem nas ruas ou que possam comprar seus próprios pertences.

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Acerca dessa predominância da população pobre no ingresso precoce no mercado de trabalho, pontua Oris de Oliveira (OLIVA, 2006):

O trabalho infanto-juvenil em todos os seus aspectos, inclusive, para não dizer sobretudo, o jurídico, deve ser visto sempre sob a ótica do Estatuto da Criança e do Adolescente, no qual não há lugar para duas infâncias e duas adolescências: uma dos “bem nascidos” e outras dos “menores”, isto é, dos abandonados, delinquentes, vadios, ou sem eufemismos, dos pobres. Existe uma só com os mesmos direitos, cujo equilíbrio se faz através da justiça distributiva, que dá mais a quem mais necessita; - mais educação, mais escolaridade, maior possibilidade de profissionalização.

Nesse sentido o JEIA vem cumprindo com o seu papel de justiça distributiva ao defender

o direito ao não-trabalho e encaminhar esses jovens para que tenham acesso a capacitação antes, de quem sabe, ingressarem no mercado de trabalho. O fato de serem pobres não pode justificar esse discurso que compactua com a entrada precoce em um ambiente para o qual não estão preparados, sob a alegação de que o trabalho é uma oportunidade de se tornarem pessoas melhores.

Ainda como forma de complementar toda essa análise e de identificar o impacto do trabalho do Juizado Especial da Infância e Adolescência na cidade, foram identificados nos formulários os bairros em que habitavam os adolescentes atendidos. Em seguida, esses bairros foram separados de acordo com as regiões da cidade (norte, sul, leste, oeste, centro), considerando a divisão de atendimento dos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS). O resultado do número de atendimentos em relação às áreas da cidade pode ser observado no gráfico a seguir:

Fonte: Gráfico construído pela autora a partir da coleta de dados junto ao Juizado Especial da Infância e Adolescência de Franca/SP

Dessa compilação percebe-se que a Região Norte da cidade (156 pedidos) vem sendo

mais impactada pelas ações realizadas pelo juizado, possuindo um muito superior em relação as demais, que se mantém em índices aproximados de atendimentos sendo a Região Sul com 56 casos, a Oeste com 61, a Leste 48 e a Central 74 casos, sendo que três pedidos eram de adolescentes da zona rural e em 17 formulários não houve a identificação da região.

A falta de estudos que analisem as especificidades de cada região da cidade dificulta identificar os motivos que levam tal predominância nos atendimentos na Região Norte, mas podemos apontar como algumas possíveis causas para essa configuração o fato dos bairros da

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Região Norte, que são os mais populosos da cidade, encontrarem-se relativamente próximos ao Fórum Trabalhista da cidade, o que facilitaria o deslocamento das famílias para as audiências coletivas, além do fato da população desses bairros constituírem-se em sua maioria por uma população pobre, que se assemelha com os dados identificados nos formulários e que foram atendidas anteriormente em worshops realizados em parceria com o CIEE e o com o Sindicato das Indústrias de Calçados de Franca (Sindifranca).

Essa ação do CIEE deu-se por meio de uma parceria com os cinco CRAS do município e com o Sindicato das Indústrias de Calçados de Franca, sendo que os jovens entre quatorze e dezesseis anos pertencentes às famílias cadastradas no Bolsa Família foram convidados para os workshops onde foram tratadas questões relativas ao ingresso no mercado de trabalho e a lei de aprendizagem.

A baixa incidência de atendimentos relativos a zona rural (0,72%) pode ser explicada pela dificuldade das famílias no deslocamento para a cidade nas datas agendadas das audiências coletivas e a característica (KIDDO, 2012) de que nessas áreas as crianças e adolescentes muitas vezes iniciam as suas atividades laborais como auxílio e continuidade das atividades desenvolvidas pelos responsáveis sem buscar autorização para tanto. Esse trabalho é iniciado muitas vezes mais cedo do que no âmbito urbano, sendo predominante na faixa etária abaixo de quatorze anos. 2.3 Diferenças de atuação entre JEIA e Justiça Comum do município

Apesar da atuação do JEIA no sentido de proporcionar aos adolescentes a capacitação adequada que vem instituída na Constituição Federal é preciso ressaltar, no entanto, que a atuação da Justiça Comum na cidade vem de encontro às ações propostas desse órgão especial.

Quando se fala em autorização para o trabalho é preciso, antes de tudo, retomar o Código de Menores de 1927, que embora dispusesse sobre uma idade mínima para o trabalho, também possibilitava ao Juiz de Menores autorizar a atividade laboral antes do parâmetro legal, quando indispensável à subsistência da família. Ainda nesse sentido, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) traz em seu art. 405, § 2º a possibilidade das pessoas em desenvolvimento laborarem, mesmo abaixo do limite legal, nas ruas, praças e outros logradouros mediante prévia autorização do Juiz de Menores, atualmente Juiz da Infância e Juventude, sob essa mesma justificativa trazida pela legislação de 1927.

Sobre essa competência do Juiz da Infância e Juventude analisar esses pedidos de autorização para o trabalho prevista na CLT, José Roberto Dantas Oliva (2012) considera que tal interpretação teria sido superada com a Emenda Constitucional nº 45/2004 que ampliou a competência da Justiça do Trabalho tornando-a uma justiça de todos os trabalhadores e não apenas dos empregados.

Consideramos ainda nesse sentido, que mesmo que houvesse essa possibilidade de autorização judicial para trabalho por parte do Juiz da Infância e Juventude às crianças e adolescentes abaixo do limite legal incluída na CLT pelo Decreto-lei nº 229 de 1967, ela seria incompatível com o princípio da prioridade absoluta da criança e do adolescente instituído pela nossa Constituição em 1988, visto que cabe a família, ao Estado e a sociedade dar a esses jovens tratamento prioritário, e não incumbir-lhes o dever de auxiliar em seu sustento e de sua família. A despeito de todas essas considerações, no entanto, o que temos hoje em nosso país é a possibilidade de autorizações judiciais para o trabalho, tanto pelo Juiz da Infância e Juventude, como pelo Juiz do Trabalho, como será explicado mais adiante.

Em 2014 houve um passo importante em relação às autorizações para o trabalho com a assinatura da Recomendação Conjunta nº 01/2014 em que as Justiças e os Ministérios Públicos Estaduais e Trabalhistas de São Paulo se reuniram para dispor sobre questões relacionadas ao trabalho de crianças e adolescentes para evitar conflito de competências na análise dos casos. Ficou estipulado nessa Recomendação que as questões relacionadas a proteção integral das crianças e dos adolescentes seriam de competência dos Juízes da Infância e da Juventude,

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conforme estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, enquanto que as questões pertinentes as autorizações para o trabalho e outras situações conexas estariam inseridas na competência da Justiça do Trabalho.

Em relação a Recomendação Conjunta nº 01/2014 houve a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (ADI nº 5.326/DF) pela Associação Brasileira de Emissoras de R|dio e Televis~o com o objetivo de suspender a express~o “inclusive artístico” da RC nº 01/2014 e permitir que os Juízes da Inf}ncia e Juventude analisem os pedidos de autorização para o trabalho artístico, diante do interesse em garantir que as crianças e adolescentes continuem a exercer o trabalho nas emissoras. O STF ainda não julgou a ação, mas houve deferimento de medida cautelar suspendendo essa expressão do inciso II da recomendação e autorizando a análise das autorizações para o trabalho pela Justiça Comum.

Tal suspensão pode ser entendida de duas formas: como sendo a suspensão completa da competência da Justiça do Trabalho para a apreciação de todos os pedidos de autorização para labor; ou apenas uma suspensão no que concerne aos pedidos de autorização para labor artístico, sendo que outros tipos de autorização poderiam ser analisadas pelo Juiz do Trabalho, sendo esta posição que entendemos correta e que também foi adotada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.

Diante de toda essa situação e da possibilidade de autorizações para o trabalho por parte dos Juízes da Infância e Juventude, já que houve a suspensão da Recomendação Conjunta nº 01/2014, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo emitiu o Provimento nº 39/2015 regulamentando a expedição de alvarás de autorização para o trabalho com as informações específicas necessárias para que o juiz dê essa autorização como, por exemplo, jornada e carga horária semanal máxima, trabalho que não pode ser perigoso nem insalubre, remuneração, dados de identificação da empresa e a escola em que o adolescente está matriculado. O Provimento ainda estipula que a autorização é específica para determinado trabalho, não podendo ser genérica e que o Ministério Público deve ser ouvido previamente e os dados devem ser remetidos ao Ministério Público do Trabalho e à Superintendência Regional do Trabalho.

O que ocorre no município é que enquanto o Juizado Especial da Infância e Adolescência se nega a expedir alvarás para o trabalho, a Vara da Infância e da Juventude o faz, a despeito de todas as tentativas para fazer com que este órgão se tornasse parte da estrutura de proteção em rede que defende o direito ao não-trabalho desses adolescentes e a capacitação antes da entrada no mercado de trabalho.

Buscando comparar, então, a atuação do JEIA e da Justiça Comum para evidenciar a diferença de abordagem da questão, buscou-se a autorização para consulta dos processos junto a Vara da infância e Juventude, a qual foi negada sob a justificativa de que os dados dos adolescentes estavam sob sigilo.

Dessa forma, uma atuação junto da Promotoria da Infância e Juventude de Franca, entidade que também assinou o Acordo Setorial, foi realizada a fim de obter os números de alvarás concedidos pela Justiça Estadual. Os processos não puderam ser consultados, de modo que não é possível traçar um perfil dos jovens que fazem essa solicitação, mas foi viável o levantamento do número de recursos interpostos pela Promotoria da Infância e Juventude aos alvarás concedidos.

A Promotoria tem adotado o entendimento de que os jovens tem direito a capacitação antes de sua entrada no mercado de trabalho e, desta forma, têm recorrido de todas as autorizações concedidas pela Vara da Infância do munícipio. Portanto, os dados coletados de janeiro de 2015 até junho de 2016 acerca dos recursos, representam igualmente o número de autorizações para o trabalho concedidas na cidade e não só pela Justiça Comum, já que o procedimento do Juizado Especial da Infância e Adolescência consiste na não expedição desses alvarás.

Assim, percebe-se pelo gráfico abaixo a diferença da atuação de ambos os órgãos:

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Fonte: Gráfico construído pela autora a partir da coleta de dados junto ao Juizado Especial da Infância e Adolescência de Franca/SP e a Promotoria da Infância e Juventude de Franca/SP

Percebe-se que o número de pedidos de autorização para trabalho no JEIA teve significativo aumento com o passar dos meses, principalmente considerando os dados de 2016, enquanto que o número de recursos interpostos pela Promotoria da Infância, e consequentemente de alvarás expedidos pela Vara da Infância, teve diminuição acentuada. Isso demonstra que a atuação do JEIA tem sido efetiva na diminuição do ingresso formal de adolescentes com autorização no mercado de trabalho da cidade, sendo a capacitação um caminho efetivo para um ingresso consciente no mundo laboral, feito prioritariamente em vagas de aprendizagem, vagas estas próprias para que os adolescentes continuem a estudar e garantir que tenham os seus direitos assegurados.

No entanto, a existência de autorizações para o trabalho, ainda que em pequeno número no município é preocupante na medida em que ainda existem adolescentes ingressando no mercado de trabalho sem capacitação, muitas vezes sujeitos aos mais diversos riscos tanto para a saúde física quanto para a mental. Esses adolescentes não tem seus direitos fundamentais garantidos conforme prevê a Constituição Federal, a autorização nesses casos é uma forma do próprio Estado, por meio do Poder Judiciário autorizar não só o trabalho infantil, mas todas as consequências que dele decorre, seja o abandono dos estudos e a perpetuação da pobreza, seja os acidentes de trabalho com consequências físicas, seja a morte desses trabalhadores precoces. CONCLUSÃO

No que concerne a atuação do Juizado Especial da Infância e Adolescência percebe-se um

grande avanço no combate ao trabalho infantil e a própria concessão de autorização para o trabalho no município, buscando por meio do trabalho de proteção em rede encaminhar os adolescentes para os cursos de capacitação e encaixá-los nas vagas de aprendizagem.

A dinâmica de atuação deste órgão é predominantemente voltada no sentido de obstar a entrada precoce de adolescentes no mercado de trabalho, como uma ação preventiva, embora também tenha a atuação junto com aqueles que sofreram algum tipo de acidente no ambiente laboral, independentemente se poderiam ou não exercer a atividade que os acidentou, tendo, assim, uma atuação reparatória.

Em relação a temática das expedição de alvarás de autorização de trabalho a adolescentes abaixo do limite legal é preciso ter em mente que a situação do município de Franca é preocupante. Mesmo que a ADI nº 5.326/DF esteja suspensa e que ainda exista a

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discussão sobre à quem pertence a competência para julgar os pedidos de autorização para o trabalho artístico, ao juiz da infância e juventude ou ao juiz do trabalho, o que se precisa ter em mente é que o Poder Judiciário é um só, a despeito das divisões por matérias que são realizadas a fim de facilitar a sua organização e até mesmo em relação a especialização de seus servidores. Desse modo, encontrar decisões tão diversas dentro do Poder Judiciário, coloca em risco não só a segurança jurídica, mas a própria proteção da criança e do adolescente que não tem efetivado esse princípio da prioridade absoluta.

Não se defende aqui que o juiz não possa fazer uso de seu livre convencimento e de julgar conforme o seu entendimento, mas é preciso considerar que nossa ordem jurídica tem prevista em sua norma máxima que as crianças e os adolescentes têm prioridade absoluta quanto a qualquer decisão que precise ser tomada, sendo que autorizar o trabalho abaixo do limite legal previsto não é atender a essa prioridade, tendo em vista todas as consequências físicas, psicológicas e de ordem social e econômica que tal ato pode gerar.

Além disso, o Código de Processo Civil, ao estabelecer os poderes e os deveres do juiz, traz em seu art. 139, III, que cabe ao magistrado prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça. Pois bem, se a ordem jurídica estabelece idades mínimas para o trabalho, sendo ainda pautada por uma proteção as crianças e adolescentes tão absoluta que deve ser sempre analisada antes de qualquer outro aspecto da decisão, cabe ao juiz, independentemente qual seja, reprimir a entrada precoce do jovem na estrutura laboral, sob pena de não só estar agindo contrário ao instituído no código de processo e na Constituição Federal, como também estar dando aval ao trabalho infantil e a todas as consequências que dele decorre.

Essa questão das negativas das autorizações para o trabalho não se pautam somente na efetivação de um princípio fundamental, mas acima de tudo no cumprimento da lei que prevê não apenas uma, mas três idades bases para o trabalho, permitindo que mesmo os adolescentes a partir de quatorze anos possam trabalhar, desde que por um contrato especial de trabalho, a aprendizagem, que tem a preocupação em garantir a manutenção dos estudos e a profissionalização para o trabalho no contra turno escolar. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: DF: Supremo Tribunal Federal. Disponível em:< http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp> Acesso em: 20 out. 2016. CONAETI. Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador. Disponível em:< http://www.oit.org.br/sites/default/files/topic/ipec/pub/plan-prevencao-trabalhoinfantil-web_758.pdf> Acesso em: 20 out. 2016. GRUNSPUN, Haim. O trabalho das crianças e dos adolescentes. São Paulo: LTr, 2000. KIDDO, Yuri. Diferenças de gênero no trabalho infantil e adolescente são históricas e culturais. Disponível em:< http://portal.aprendiz.uol.com.br/arquivo/2012/11/27/diferencas-de-genero-no-trabalho-infantil-e-adolescente-sao-historicas-e-culturais/> Acesso em: 21 out. 2016.

OIT. Boletim: Franca. Disponível em: <http://www.bsb.ilo.org/simtd/download/351620>. Acesso em: 20 out. 2016.

______. Convenção 138. Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/pfdc/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/crianca-e-adolescente/convencao_OIT_138_idade_emprego.pdf>. Acesso em: 20 out. 2016.

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______. Convenção 182. Disponível em: < http://www.oitbrasil.org.br/node/518> Acesso em: 20 out. 2016. OLIVA, José Roberto Dantas. Competência para (des)autorizar o trabalho infantil. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-out-16/jose-roberto-oliva-competencia-desautorizar-trabalho-infantil> Acesso em: 20 ago. 2016.

______. O princípio da proteção integral e o trabalho da criança e do adolescente no Brasil. São Paulo: LTr, 2006.

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NEOLIBERALISMO E A LEGISLAÇÃO TRABALHISTA NO BRASIL

NEOLIBERALISM AND LABOR LAW IN BRAZIL

Leny Cardoso Gonçalves* Diego dos Santos Leon**

Antonio Marco Ventura Martins*** RESUMO: Sabe-se que há uma íntima relação entre a economia e as leis do trabalho, na medida em que a situação econômica atravessada pelo país legitima ou não determinadas reformas neste aspecto. Assim, a proposta do presente trabalho é uma análise da legislação trabalhista brasileira, à luz da política neoliberal e suas implicações, enfatizando as tentativas de reforma dessa legislação, sua legalidade constitucional e as consequências para o trabalhador. Buscamos demonstrar que a política econômica neoliberal legitima a reforma das leis, afetando os direitos adquiridos pelos trabalhadores, inobservando a legalidade e as consequências aos trabalhadores. A pesquisa configura-se como uma pesquisa bibliográfica, já que se baseia em pesquisas à literatura especializada e às legislações vigentes, como a Constituição Federal e a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT. Busca-se com o trabalho demonstrar que os direitos adquiridos pelos trabalhadores no Brasil estão incluídos no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais, com respeito a princípios elementares em nosso ordenamento jurídico, como a dignidade da pessoa humana. Com avanço do neoliberalismo econômico e com os discursos de crise econômica, o legislativo do país tenta, a passos largos, legitimar o retrocesso da legislação trabalhista. Trabalhar-se-á com a legalidade dessas reformas e até que ponto é possível que se altere a legislação, em prol somente do capital, sem considerar a dignidade do trabalhador e proteção do mesmo frente à dominação do mercado que o submete a condições precárias e desumanas de trabalho. Palavras-chave: Direito do Trabalho. neoliberalismo. precarização. reforma trabalhista.

ABSTRACT: It is known that there is a close relationship between the economy and labor laws, to the extent that the economic situation in the country crossed legitimate or not certain reforms in this aspect. Thus, the purpose of this paper is an analysis of the Brazilian labor legislation in the light of the neoliberal policy and its implications, emphasizing the attempts to reform this legislation its constitutional legality and the consequences for the worker. We demonstrate that the neoliberal economic policy legitimizes the reform of laws affecting the rights acquired by workers, inobservant the legality and consequences to workers. The paper appears as a bibliographic research as it is based on the research literature and the existing laws, such as the Federal Constitution and the Consolidation of Labor Laws – CLT. This paper effort to demonstrate that the rights acquired by workers in Brazil are included in the list of fundamental rights and guarantees with respect to fundamental principles in our legal system, such as the dignity of the human person. With advancement of economic neo-liberalism, and the speeches of economic crisis, the legislature of the country tries to make great strides, legitimize the retrogression of labor legislation. Will be working with the legality of such reforms, and to what extent it is possible to change the legislation in favor only of the capital, without considering the * Graduanda em Direito pela Faculdade Doutor Francisco Maeda – Fafram, Ituverava/SP. E-mail:

[email protected]. ** Licenciado em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Unesp de

Franca/SP; Licenciado em Pedagogia pela Universidade Federal de São Carlos; Mestrando em Educação pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro. E-mail: [email protected].

*** Professor Orientador pela Faculdade Doutor Francisco Maeda – Fafram, Ituverava/SP; Licenciado e Mestrado em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Unesp de Franca/SP, Doutorando em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Unesp de Franca/SP. E-mail: [email protected].

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dignity of workers and protection of the same against the domination of the market that subordinates the precarious conditions and working inhumane. Keywords: Labor Law. neoliberalism. precariousness. labor reform. SUMÁRIO: Introdução. 1 Getúlio Vargas e o trabalhismo. 1.1 O sindicato como interlocutor da relação e Estado e trabalho. 2 O avanço do capital e a ideologia neoliberal. 3 A proposta de reforma e sua legalidade. 3.1 Consequências de uma reforma trabalhista ao trabalhador. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

O Direito do Trabalho, dentro das vertentes presentes no mundo jurídico, é a principal

ferramenta de proteção ao trabalhador. No Brasil, esse ramo do Direito começou a ser construído no governo de Getúlio Vargas, que durante seus mandatos desenvolveu políticas a favor do trabalhador e, em virtude do controle sindical, exercido pelo recém-criado Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, houve um levante da classe trabalhadora em busca de melhor representatividade e condições de trabalho. O advento da crise econômica de 1973 e a introdução do modelo de produção toyotista fortaleceram o avanço das políticas neoliberais, e a intervenção limitada do Estado nas práticas de mercado gerou alto grau de desemprego e flexibilização das relações de trabalho, tendo como resultado um mercado de trabalho precarizado com graves violações à dignidade do trabalho.

Diante do advento neoliberal e as crises cíclicas do sistema capitalista o mercado busca formas de reorganizar e retomar seus lucros e uma das propostas apresentadas é reformar a legislação trabalhista. Perante a Constituição Federal, os direitos dos trabalhadores tem importante valor social, e dentro dos princípios que regem tanto o ordenamento pátrio, quanto o ordenamento trabalhista, a dignidade da pessoa humana é fator de extrema relevância. O crescimento econômico é importante ao desenvolvimento do país, mas é necessário avaliar as consequências àquele que a produz, o trabalhador.

O objetivo é demonstrar como o avanço do neoliberalismo impacta diretamente o mundo do trabalho, e sua crise estrutural viabiliza propostas de flexibilização na legislação trabalhista, tendo como consequência a precarização das relações de trabalho.

Para o desenvolvimento do trabalho foram utilizadas pesquisas bibliográficas e publicações científicas acerca da historicidade da legislação trabalhista, seus preceitos doutrinários, bem como, apontamentos sobre o desenvolvimento da ideologia neoliberal e análises sociológicas sobre suas consequências ao mundo do trabalho, permitindo ao leitor fundamental conhecimento acerca do tema abordado.

O trabalho estrutura-se em três capítulos, apresentando-se no primeiro a contextualização histórica da política trabalhista desenvolvida por Getúlio Vargas. O segundo aborda a conceituação do neoliberalismo e como se deu sua implantação à economia nacional. E o terceiro apresenta a proposta de reforma trabalhista e aponta as consequências ao trabalhador.

1 GETÚLIO VARGAS E O TRABALHISMO

O Direito do Trabalho no Brasil surgiu em um período conturbado de início de

industrialização e urbanização, onde o trabalhador ainda era visto com aproximação à figura do escravo pelos industriais, eram grandes os casos de exploração de trabalho infantil e jornadas extensas de trabalho. Calixto destaca que “as f|bricas eram comparadas c|rceres, havia jornadas de trabalho de até 17 horas por dia e regulamentos internos que chegavam a impor castigos físicos para os trabalhadores que realizassem atos considerados como indisciplina”, destacando também que as leis sociais somente começaram surgir na década de 20, sendo a “lei sobre acidente de trabalho – 1923; Lei Elói Chaves, sobre aposentadorias e pensões – 1923; e Lei de

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férias – 1926, em um ambiente de reivindicações de movimentos sindicais inspirados em teorias an|rquicas, socialistas e comunistas” (2014, p. 47-48). Nessa transição de liberalismo econômico para uma política de intervenção estatal, é necessário destacar as condições do país, que passava por uma recessão devido à crise econômica de 1929.

Nesse cen|rio surge a figura de Getúlio Vargas, que após a “Revoluç~o de 30” chegou o poder, e em meio a críticas e elogios voltou sua proposta de governo às questões sociais e aos trabalhadores. A chegada de Vargas marcou o início da ampliação e regulamentação da legislação trabalhista no Brasil, e seu governo é marcado pelo intervencionismo do Estado nas relações entre trabalho e capital.

Durante todo o período que Vargas ficou no poder, todas as leis trabalhistas assinadas por ele eram, de acordo com Fonseca, apresentadas a populaç~o como uma “concess~o do Chefe da Naç~o { classe trabalhadora”, surgindo os primeiros traços do populismo, onde Vargas buscava “administrar os conflitos de classes aparentando atender diretamente aos anseios da classe trabalhadora, e, com isso, buscando dentro dela parte de sua sustentaç~o política” (1999, p. 292).

1.1 O Sindicato como interlocutor da relação Estado e Trabalho

O sindicalismo é um reflexo das características sociais de cada Nação, sendo ele fator

capaz de causar mudanças políticas e sociais em uma sociedade. Os sindicatos podem ser definidos como associações voluntárias, de pessoas físicas ou jurídicas, que se destinam a defender os interesses coletivos e individuais dos membros, ou de uma categoria de empregados ou empregadores (MARTINS, 2015, p. 798).

Após a criação, em 1930, do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), o sindicalismo brasileiro passou a ser controlado pelo governo e seu funcionamento regulamentado o que modificou seu papel na atuação em prol do trabalhador.

Com esse processo de regulamentação dos sindicatos, os mesmos só poderiam defender os interesses dos trabalhadores, se reconhecidos pelo MTIC, fazendo com que o Estado, de acordo com Fausto, se tornasse o “|rbitro das relações entre empregados e empregadores” (2007, p. 612), pois todas as reivindicações seriam mediadas pelo Estado, não havendo mais uma negociação direta entre trabalhador e empregador. Vianna declarou que “com a instituiç~o deste registro, toda a vida das associações profissionais passará a gravitar em torno do Ministério do Trabalho: nele nascer~o; com ele se desenvolver~o; nele se extinguir~o” (Vianna apud Martins, 2015, p. 803). Os sindicatos que eram vistos como associações atuantes nas lutas de classes, foram se tornando usuais ao Estado, pois, toda negociação que por ele passava, era tratada de forma a beneficiar o desenvolvimento econômico e a harmonia social.

As mudanças do sindicalismo brasileiro ocorreram de forma adversa ao que ocorreu em outros países, onde todos os esforços para a implementação, reconhecimento e institucionalização ocorreram pela luta dos trabalhadores, e não da ação de grupos políticos, que passaram a controlar a organização sindical e se impuseram como representantes dos trabalhadores frente ao patronato.

Contudo, as transformações ocorridas na classe operária, antes formada por trabalhadores oriundos da agricultura em atividades artesanais, com pouca ou nenhuma regulamentação, agora formadas por operários industriais, com direitos garantidos pela legislação trabalhista consolidada em 1943, estes se tornaram mais reivindicativos de seus direitos, o movimento sindical foi apoiado pelo fortalecimento das ideologias de esquerda e, buscou-se tirar do Estado (Ministério do Trabalho) o controle das organizações sindicais, e em 1945 criaram o Movimento Único dos Trabalhadores (MUT), e o movimento sindical se fortaleceu, não só pelo número de sindicatos e trabalhadores sindicalizados, mas também pelo aumento significativo das deflagrações de greves.

Fica evidente que a política de Vargas trouxe grande avanço para a classe trabalhadora no Brasil, especialmente, com a regulamentação da legislação trabalhista e social. Porém, a

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aproximação do governo da classe dominante, impulsionada pela criação do Ministério do Trabalho e o controle direto dos dirigentes sindicais, ocasionou grande tensão entre o Estado e a classe trabalhadora, que não se viam mais representados pelos sindicatos, pois estes serviam mais ao capital, em virtude dos benefícios cedidos pelo governo, do que ao próprio trabalhador. O descompasso entre a necessidade de manterem e ampliarem os direitos conquistados e a inércia dos sindicatos ocasionou um levante da classe trabalhadora, fora do controle do Estado, com movimentos populares e grevistas que, desagradando à classe dominante e os opositores ao governo de Getúlio, culminou com o trágico final do governo Vargas e com o aumento desses movimentos reivindicativos, desestruturando a harmonia social, tão propícia ao capital.

2 O AVANÇO DO CAPITAL E A IDEOLOGIA NEOLIBERAL

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, e das atrocidades cometidas contra a população civil, houve uma visão global que os valores humanos deveriam prevalecer. E, é nesse período que surge, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e a orientação aos Estados para organizarem suas legislações, de acordo os princípios nela previsto. Foi preciso que o Estado intervisse nas relações entre os homens, o que gerou profundas transformações na economia e nos processos de produção, bem como a ampliação dos direitos sociais, este tipo de intervenção ficou conhecido como Estado do Bem-Estar Social, ou Welfare State.

Nesse período, o Estado buscou, através da intervenção econômica, garantir a produção de riquezas e diminuir as desigualdades sociais, causadas pelo modelo de Estado liberal, que pouco intervinha nos modos de produção. Os direitos sociais foram ampliados e os modelos de produção padronizados, o que ocasionou estabilidade econômica, aumento dos lucros e aumento de salário dos trabalhadores (CLARKE, 1990).

O avanço na economia no pós-segunda guerra se deu pelos modelos de produção conhecidos como taylorismo e o fordismo, que foram modelos de produção predominante, e os responsáveis diretos pelo apogeu da economia do período, pois agrupavam maximização de tempo e produção em massa em diversos setores industriais. As garantias sociais, alcançadas através das lutas sindicais e concessões governamentais, vieram de encontro com o crescimento econômico, pois proporcionou um aumento salarial aos trabalhadores, diminuindo a desigualdade social e por consequência trouxe harmonia social entre capital e trabalho, durante um longo período.

Friedrich Hayek defendia que o individualismo era o pressuposto para o desenvolvimento da atividade econômica. Oliveira diz que para Hayek, a intervenção estatal na economia deveria ser somente para assegurar o livre exercício das iniciativas individuais, garantindo assim a livre concorrência. As ideias de Hayek revelam o poder que a política econômica tem sobre os indivíduos, e que de forma alguma esse poder de controle deveria ficar nas mãos do Estado, pois a livre concorrência e a liberdade individual não seriam assim garantidas.

Já Milton Friedman, retomando a perspectiva de Hayek sobre a importância do livre mercado, defende em sua obra uma restrita intervenção do Estado na economia e a manutenção de uma sociedade livre, baseada no capitalismo competitivo, que em sua retórica, era a principal forma de reduç~o das desigualdades sociais, pois “o extraordin|rio crescimento econômico dos países ocidentais nos dois últimos séculos e a ampla distribuição de benefícios da empresa privada reduziram enormemente a extens~o da pobreza”, e as desigualdades ainda existentes, se davam por “questões meramente individuais” (Friedman apud Oliveira, 2013, p. 53).

Friedman faz duras críticas às ações propostas durante o Estado do Bem-Estar Social, que trouxe diversos benefícios à população mais pobre, como políticas de habitação popular, salário mínimo e à seguridade social, afirmando, porém sem as devidas comprovações, que as políticas habitacionais não conseguiram diminuir a violência juvenil, advinda de famílias desestruturadas, que apesar de terem habitação não tinham subsídios para subsistência familiar; que leis garantidoras do salário mínimo aumentavam a pobreza e o desemprego,

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devido à dificuldade dos empresários em manter seus lucros, justificando a despedida de grande parte de seus funcionários; e ainda que, a seguridade social, por seu caráter compulsório, retirava a liberdade do indivíduo em adquirir planos de aposentadorias privados, inibindo a competição da venda de tais planos. Ou seja, toda tentativa estatal de regular o mercado econômico, apresenta uma ameaça à liberdade individual e coloca em risco a distribuição de riquezas (OLIVEIRA, 2013).

A defesa desse novo modelo liberal é claramente uma ideologia adversa ao, até então, Estado do Bem-Estar Social, que na análise de Hayek e Friedman era a principal causa da crise pela qual o capitalismo passara, já que as garantias sociais e trabalhistas causavam grande impacto na política econômica, pois, interferiam na livre concorrência e liberdade individual, dos que buscavam lucros através da competitividade do capital.

István Mészáros faz duras críticas às teses neoliberais de Hayek, pois os princípios defendidos pelo neoliberal não partiriam de pressupostos científicos, e sim de princípios abstratos, que na busca do desenvolvimento econômico, baseado na livre concorrência de mercado, não levariam em conta as consequências sociais (Mészáros apud Oliveira, 2013, p. 68).

Ou seja, a ideologia neoliberal não leva em consideração as violações que classe trabalhadora sofreria em nome da ordem econômica, sua proposta é garantir o acúmulo de capital pelas classes dominantes e combater os movimentos que fortalecem a classe trabalhadora, com falácias de fragilidade material para aceitação de condições adversas de trabalho.

3 A PROPOSTA DE REFORMA E SUA LEGALIDADE

O modelo capitalista, ao longo de sua existência passou por diversas crises, e em seu processo de incorporação à economia brasileira, três grandes crises afetaram o modelo produtivo do país e por consequência a vida do trabalhador brasileiro. A primeira delas foi a Crise de 1929, que com a queda das exportações de café, a economia brasileira sofreu grande queda, passou-se então de uma economia assentada na agricultura para uma política econômica que favoreceu o avanço industrial no país e a prática do modelo de produção fordista, que exigia um trabalho repetitivo, causando grande desgaste ao trabalhador. A segunda grande crise pela qual o capitalismo passou e que teve efeitos diretos na economia e modo de produção brasileira foi a Crise de 1973, que com a alta do petróleo, barrou o crescimento econômico do país e fez com que os modos de produção e as políticas trabalhistas e sociais fossem revistas, inaugurando um período de recessão, exploração dos modos de produção (toyotismo) e profunda desigualdade social. A terceira, em 2008, que se referenciou na quebra do sistema bancário americano, trouxe ao país alta taxa de desemprego, com reflexos econômicos sentidos até os dias atuais.

Diante de crises econômicas, uma das estratégias apontadas pelo capital como solução para a retomada do crescimento econômico é a flexibilização da legislação trabalhista, que em sua ótica, um dos fatores que desaceleram a acumulação de capital é a regulamentação do trabalho, que barra sua força de exploração. Dessa maneira, de acordo com Antunes (2015, p. 230-231),

Essa forma de produção flexibilizada busca a adesão de fundo, por parte dos trabalhadores, que devem aceitar integralmente o projeto do capital. Procura-se uma forma daquilo que chamei, em Adeus ao trabalho?, de desenvolvimento manipulatório levado ao limite, onde o capital busca o consentimento e a adesão dos trabalhadores, no interior das empresas, para viabilizar um projeto que é aquele desenhado e concebido segundo os fundamentos exclusivos do capital.

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Legitima a afirmação de Antunes pesquisa divulgada pelo Instituto MDA1 (2016), realizada no mês de junho deste ano, onde 64,5% dos entrevistados concordam com a necessidade de atualização da CLT; 21,8% acreditam que a reforma trabalhista deva flexibilizar alguns direitos dos trabalhadores, o que aumentaria suas chances de contração; 33,6% afirmaram que a legislação trabalhista dificulta a realização de acordos que atendam os interesses do empregado e do empregador; e inacreditáveis 46,6% acreditam que as empresas devem terceirizar sua atividade-fim. Os resultados apresentados mostram primeiro, que o trabalhador não tem ideia das consequências que uma reforma na legislação do trabalho pode causar à classe trabalhadora em longo prazo. Segundo que, diante da crise econômica e alta taxa de desemprego, a flexibilização imposta pelo capital, se torna a solução apresentada para a manutenção do emprego do trabalhador, precarizando e explorando ainda mais suas condições de trabalho.

A mudança na legislação trabalhista brasileira não foi oficializada pelo governo, o que se tem, é uma proposta de reforma, que deve ser encaminhada ao Congresso Nacional até o final de 2016, e de acordo com entrevista do Ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, à Geralda Doca do jornal O Globo, “a quest~o j| est| bem encaminhada com consensos importantes”. Segundo a publicaç~o, o governo relata que a legislaç~o “precisa ser atualizada por n~o conseguir atender a todos os setores da economia” e que a meta da proposta é que “os acordos coletivos possam prevalecer sobre o legislado. A ideia é fazer uma lista com todos os direitos que poderão ser negociados”. A reportagem ainda aponta que “a proposta do Planalto prevê a flexibilizaç~o dos direitos incluídos no artigo 7º da Constituição Federal: os que foram definidos de forma geral e regulamentados pela CLT e aqueles que o próprio texto constitucional j| permite negociar”.

O texto ainda aponta quais direitos poderão ser negociados, dentre eles a jornada de trabalho; alíquotas de adicional noturno e insalubridade; redução de salário; 13º (parcelamento); férias (divisão); licença-paternidade; tempo de almoço. E quais não poderão por exigirem um processo de alteração mais rigoroso, sendo eles, o seguro-desemprego e salário-família; remuneração da hora de 50% acima da hora normal; licença-maternidade de 120 dias; aviso prévio proporcional ao tempo de serviço e normas relativas à segurança e saúde do trabalhador. As propostas apresentadas, superficialmente, pelo governo, ainda não podem ser analisadas em sua totalidade, pois, não apresentam, por exemplo, como se dará a negociação para uma possível redução de tempo de almoço nem como será mantida a qualidade de vida e dignidade do trabalhador frente às novas mudanças que estão sendo apresentadas.

A classificação constitucional, conforme Silva (2015, p. 42-44) se dá quanto à sua origem, promulgada; quanto à forma, escrita; quanto à extensão, analítica; quanto ao conteúdo, formal; quanto ao modo de elaboração, dogmática e quanto à alterabilidade, rígida. Sendo a classificação da Constituição como rígida importante, pois, demonstra que sua alteração não pode se dar de forma simples. O artigo 60, da Constituição Federal, demonstra o quão criterioso é a aprovação de uma emenda constitucional, única forma atualmente prevista para se mudar algum conteúdo da Constituição.

E, para uma proposta de reforma da legislação trabalhista, flexibilizando os direitos dos trabalhadores, seria necessário uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que, além de passar por todo o trâmite legislativo para sua aprovação, deve estar consoante com os princípios que regem os direitos dos trabalhadores no Brasil, a saber, princípio da proteção, irrenunciabilidade de direitos, primazia da realidade e continuidade da relação de emprego.

Portanto, realizar uma reforma na política trabalhista, utilizando-se leis infraconstitucionais, como, por exemplo, o Projeto de Lei nº 4330/20042 – Terceirização se

1 Pesquisa disponível em http://cnt.mdapesquisa.com.br/. 2 O Projeto de Lei nº 4330/2004, conhecido popularmente como Projeto da Terceirização, visa autorizar aos diversos setores terceirizar sua atividade-fim, por exemplo, instituições bancárias, que hoje terceirizam apenas atividades de meio, limpeza e segurança, passariam a terceirizar sua atividade

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mostra ao menos do ponto de vista constitucional, incabível, pois desrespeita direitos, como a proibição de diferença salarial, discriminação e distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos (art. 7º, XXX, XXXI e XXXII, da Constituição Federal), bem como a violação dos direitos previstos no artigo 3º da Constituição que garantem como objetivos fundamentais, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que garanta o desenvolvimento nacional, proporcione a erradicação da pobreza e da marginalização reduzindo as desigualdades sociais e promova o bem de todos, sem preconceitos ou quaisquer formas de discriminação. 3.1 Consequências de uma reforma trabalhista ao trabalhador

Diante do avanço da crise econômica, e o avanço no Congresso Nacional de propostas que visam flexibilizar as relações contratuais, é necessário analisar, qual é a situação atual do trabalhador brasileiro e como será sua situação caso tais políticas sejam realmente efetivadas.

Ricardo Antunes (2015, p. 125-129) diz, que o avanço da ideologia neoliberal no Brasil instaurado após o Consenso de Washington, “com suas desregulamentações nas mais distintas esferas do mundo do trabalho e da produç~o”, trouxe, a partir de 1990, seu modelo de reestruturação produtiva – o toyotismo – às indústrias brasileiras, ampliando as modalidades de trabalho terceirizado, temporário e sem vínculo empregatício formal. Essa nova era exigia agora trabalhadores multifuncionais, polivalentes e desespecializados. Ocorre então uma precarização do trabalho, que sob a ideia de flexibilizar para manter, a legislação trabalhista sofre vários ataques em defesa de seu desmonte.

O fato de se ter uma proposta que vise uma reforma trabalhista, com a falácia de que a flexibilização manterá o trabalhador empregado, é um tanto quanto retórica. Analisando, somente do ponto de vista positivista, o direito do trabalhador já não vem sendo respeitado, visto o alto número de demandas trabalhistas que são movidas, exatamente sobre os direitos previstos na Constituição.

Analisando o Quadro de Estatísticas3 de demanda trabalhista proposta nas Varas do Trabalho, de janeiro a julho de 2016, tem-se que o número de demandas em descumprimento dos direitos previstos no artigo 7º da Constituição Federal são bem elevados, sendo a quantidade de demandas propostas referentes à Seguro desemprego (art. 7º, II): demandas para liberação/entrega das guias: 156.518 ações; Fundo de garantia do tempo de serviço (art. 7º, III): Multa de 40%: 515.981 ações; depósito: 243.523 ações; levantamento/liberação: 180.335 ações; Piso salarial (art. 7º, V): 32.857 ações; Décimo terceiro salário (art. 7º, VIII): proporcional: 384.650 ações; integral: 159.212 ações; Adicional noturno (art. 7º, IX): 133.445 ações; Remuneração do serviço extraordinário (art. 7º, XVI): horas-extras: 310.516 ações; reflexos de horas-extras: 316.655 ações; Férias (art. 7º, XVII): proporcionais: 396.114 ações; indenização por férias dobradas: 215.158 ações; Aviso prévio proporcional ao tempo de serviço (art. 7º, XXI): 658.177 ações – liderando o ranking de ações nas Varas do Trabalho; Adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas (art. 7º, XXIII): Insalubridade: 327.240 ações; Periculosidade: 120. 623 ações; Penosidade: 2601 ações.

A alta demanda, em face da violação dos direitos acima, demonstra que mesmo com todos os direitos constitucionalmente previstos, o modelo capitalista de produção e sua fase neoliberal, que busca o aumento da competitividade e rentabilidade, não respeitam o trabalhador, visto esses serem direitos básicos que garantem a sua dignidade, sendo inconcebível uma forma de produção que explore o trabalhador e não lhe garanta, ao menos, remuneração e descanso adequados.

principal, o atendimento bancário. Hoje, a terceirização é regrada pela Súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho, que permite somente a terceirização da atividade meio do tomador de serviços. 3 Quadro disponível no site do Tribunal Superior do Trabalho: http://www.tst.jus.br.

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Antunes aponta que essa transformação no mundo do trabalho, se deu após a mudança do modelo fordista para o toyotista e sua flexibilização dos modos e meios de produção, e as consequências para o trabalhador é a crescente onda de trabalho precarizado, com terceirizações, subcontratações, aumento da fragmentação do trabalho, em que trabalhadores de diversos países participam do processo de produç~o de um mesmo produto, portanto, “a classe trabalhadora fragmentou-se, heterogeneizou-se e complexificou-se ainda mais [...] tornou-se a mais qualifica em vários setores, como na siderurgia, [...] e, de outro lado, há uma massa de trabalhadores precarizados” (2015, p. 218-219).

Giovanni Alves indica como uma das principais consequências da precarização no Brasil a

alta rotatividade nos postos de trabalho, que atingem principalmente “jovens, mulheres e trabalhadores

menos qualificados, enfim, aqueles grupos mais vulneráveis da força de trabalho”, e que a taxa média

de permanência no emprego é de cinco anos, o que desestimula políticas de capacitação da força de

trabalho, visto que a flexibilidade do trabalhador, dentro do modo de produção toyotista, não está na

qualificação do empregado e sim na sua disponibilidade ao capital (2014, p. 67-71).

O desenvolvimento do capitalismo flexível trouxe um novo modo de vida4 ao trabalhador, que Alves chama de modo de vida just-in-time, onde o trabalhador assimila as características do espírito toyotista e a aplica em sua vida cotidiana, sendo caracterizado “pela vida veloz, vida sinalizada, vida enxuta, vida ‘capturada’ e vida invertida”, que acarreta o descarte da pessoa humana, não só pela crescente taxa de desemprego, mas pelo crescimento do índice de violência urbana, de consumo de drogas e suicídio (2014, p. 93-102).

Essa precarização do homem-que-trabalha5 provoca o adoecimento do trabalhador, causando-lhe, além de doenças físicas, transtornos psicológicos, por exemplo, a depressão, que de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) será a segunda causa de incapacidade para o trabalho (ALVES, p. 109-115)6.

Nesse sentido, tratar as propostas de reforma trabalhista como uma solução apropriada para a crise que o capital passa, é esquecer-se da condição humana do trabalhador, fato este que o sistema capitalista trata como mero instrumento para sua acumulação de capital, porém, a máxima constitucional é o respeito à dignidade da pessoa humana.

Mesmo a economia sendo importante fator de desenvolvimento de um país, em uma nação de origem escravocrata, que tanto lutou por liberdade e melhores condições de trabalho quando do advento da tecnologia industrial, não se pode falar em desenvolvimento sem se olhar as condições sobre as quais tal processo se dará, e uma reforma trabalhista, que vise flexibilizar direitos, ocasionando precarização ao trabalhador, não pode ser realizada sem ampla discussão e apresentação de seus resultado a seus maiores interessados, o trabalhador. CONCLUSÃO

O direito trabalhista no Brasil não foi uma invenção de Getúlio Vargas. Antes de sua

entrada no poder havia algumas leis que regulamentavam a relação de trabalho, ainda que precárias. Essa precariedade pode ser entendida pela formação histórica da origem trabalhista no país, com sua forma de trabalho pautada no modo de produção liberal, e forma econômica, movimentada pela produção cafeeira. A crise econômica de 1929 impulsionou os desejos de mudança política, facilitando a chegada de Vargas ao poder do Estado brasileiro. O estadista inaugura uma política intervencionista voltada à política social e com a regulamentação da legislação trabalhista se aproxima do trabalhador. Nesse período houve um enfraquecimento da

4 Alves entende por modo de vida a “organizaç~o (e o uso) do espaço-tempo de circulação, distribuição e consumo das pessoas nas cidades”, ou seja, o seu comportamento social (2014, p. 93). 5 Conceito abordado por Giovanni Alves, dizendo respeito ao ser humano de forma genérica, que trabalha e tem seu modo de vida influenciado pela precarização do trabalho. 6 Os dados apresentados por Alves em sua obra foram colhidos da obra Mais exploração e mais doenças mentais de Michele Amaral (2015, p. 115).

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atuação sindical e as melhorias nas condições de trabalho diminuíram, os reflexos dessa atuação sindical mínima são sentidos até hoje pela classe trabalhadora.

O advento do neoliberalismo e suas ideologias de livre concorrência, individualidade, liberdade de escolha, aproveitamento máximo de capacidade e oportunidade fomentou no homem7 do século XXI um individualismo exagerado, que defende a supremacia de direitos individuais sobre os direitos sociais e se opõem às formas de intervenção na fruição de seus direitos. O indivíduo personifica o capital, o capital se apodera do indivíduo, e se expande sobre indivíduos comuns sem respeito a qualquer tipo de limite.

O modelo toyotista de produção vem ao encontro da ideologia neoliberal e impulsiona o acúmulo do capital. A teoria de produtividade just-in-time, saí de dentro das fábricas e se incorpora a vida do trabalhador, que deve ser ágil, flexível, usar de toda a sua força de trabalho produzir, caso contrário é descartável, o mercado o substitui por outro que se adapte às suas necessidades.

Diante da ordem econômica estabelecida pelo capital emerge a figura da precarização do trabalho, os direitos dos trabalhadores são colocados em segundo plano e com base nos efeitos econômicos, dentro de uma economia em crise, a legislação do trabalho é utilizada como forma de solução a esse problema, porém, não a legislação protetiva, prevista constitucionalmente e em leis específicas, mas aquela que deve ser flexibilizada, a fim de gerar e manter empregos para uma retomada do crescimento econômico. O reajuste e o crescimento da economia de um país são imprescindíveis a todos que nele habitam, o ideal é que crescimento econômico e desenvolvimento social andem juntos, pois diante de princípios como o da igualdade e o da dignidade da pessoa humana, precarizar condições, flexibilizar e infringir direitos daqueles que são os responsáveis diretos pelo crescimento da economia não é uma prática considerada justa.

O capitalismo não é justo, mas o homem tem o dever de ser, o crescimento não pode ser a qualquer preço e sem olhar a condição que o outro está sendo submetido para manter o acúmulo de capital. Entra aqui o papel fundamental do operador do direito, não só no sentido de aplicar a lei, mas compreender que um direito, principalmente um direito social, não pode ser interpretado somente em aspecto literal, aplicando-se sobre cada situação o olhar voltado ao amparo da dignidade da pessoa humana.

Sob a égide de que a reforma trabalhista é necessária ao retorno do crescimento econômico, e que nenhum direito do trabalhador será excluído, apenas flexibilizado, a fim de manter os empregos dentro da crise econômica, uma das propostas de reforma é que os sindicatos tenham mais autonomia nas negociações coletivas, e que estas ao serem firmadas tenham força de lei. A proposta, a primeira vista, não gera a sensação de ser danosa ao trabalhador, porém, a atuação sindical em favor do trabalhador, por vezes, não tem uma representatividade fiel aos princípios que regem o direito do trabalho, e com reformas que visem flexibilizar direitos essa autonomia é passível de questionamento.

O Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, em decisão proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 3238, que questiona os preceitos de legalidade e da separação dos poderes, na intepretação dada à Súmula nº 277 do Tribunal Superior do Trabalho, “concedeu liminar para suspender os processos e efeitos de decisões no âmbito da Justiça do Trabalho, que discutiam a aplicação da ultratividade de normas de acordo e de convenções coletivas”. A Súmula que aponta que “as cl|usulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociaç~o coletiva de trabalho” (grifo do autor), sofreu alteração em sua redação original em setembro de 2012, após a Emenda

7A palavra “homem” é utilizada no sentido de “indivíduo”, porém o uso deste voc|bulo causaria redundância ao sentido da sentença. 8 A notícia da decisão liminar proferida pelo Ministro Gilmar Mendes está disponível no site http://www.migalhas.com.br. A decisão foi proferida em 14/10/2016 e seu texto na íntegra está disponível no site http://www.stf.jus.br/.

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Constitucional nº 45/2004 que alterou a redação do art. 114, §2º9, da Constituição Federal , o que nas palavras do Ministro, “parece evidente que a alteraç~o jurisdicional consubstanciada na nova redação da Súmula 277 do TST suscita dúvida sobre a sua compatibilidade com os princípios da legalidade, da separaç~o dos Poderes e da segurança jurídica” (grifo do autor).

Não se abordará a piori, a discussão sobre a intepretação constitucional de violação ou não dos preceitos constitucionais questionados na ADPF, mas se levanta a questão para uma continuidade deste trabalho, em conjunto com a análise da proposta de reforma da legislação trabalhista, que visa autonomia aos sindicatos em negociações e acordos coletivos com força de lei, frente à flexibilização de direitos e qual será a real consequência ao trabalhador, pois poderá ser aberto um precedente à que todo final de vigência de acordo ou convenção coletiva, a mesma seja revista, podendo ser realizado novo acordo que não respeite o princípio da proteção à condição mais benéfica ao trabalhador, nos termos do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal e art. 468, da CLT, bem como a Súmula nº 51 do Tribunal Superior do Trabalho10.

Portanto, os direitos dos trabalhadores, constitucionalmente previstos e firmados em diversas legislações ordinárias, passam por um processo de retrocesso, em que a política econômica neoliberal e o controle do sistema capitalista sobre o indivíduo agem de tal forma que incute no trabalhador a ideia de que realmente é preciso flexibilizar para manter, mas se apresenta de forma tão eloquente que ao instigar esse pensamento no trabalhador não lhe mostra a consequência de um trabalho precarizado, da falta de políticas de saúde e segurança, que flexibilizar um horário de almoço, ou sobrecarregar a jornada de trabalho, a primeiro momento podem parecer inofensivos, mas que ao longo dos anos trará consequências danosas a sua vida social, emocional e física.

Mediante as novas propostas de reforma trabalhista, caso sejam aceitas e aprovadas, o trabalhador dificilmente recuperará seus direitos ao final do período de crise econômica, pois visto a sua ciclicidade, ao perceber que flexibilizando o retorno ao capital é maior, para evitar a iminência de uma nova crise, que se demonstra inevitável por sua ambição de acumulação, os direitos do trabalhador serão cada vez mais suprimidos, e é preciso não se perder de vista a importância de um direito social, de um direito do trabalhador, do direito à dignidade da pessoa humana.

REFERÊNCIAS ALVES, Giovanni. Trabalho e Neodesenvolvimentismo: Choque de capitalismo e nova degradação do trabalho no Brasil. Bauru: Canal 6, 2014. ANTUNES, Ricardo. De Vargas a Lula: Caminhos e Descaminhos da Legislação Trabalhista no Brasil. Revista Pegada, Presidente Prudente, v. 7, n. 2, p. 83-88, nov. 2006. Semestral. Disponível em: <goo.gl/FYIx2l>. Acesso em: 20 ago. 2016. ______. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre a metamorfose e centralidade do mundo do trabalho. 16. ed. São Paulo: Cortez, 2015.

9 Art. 114, §2º, CF - Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. (grifo do autor) 10 Art. 5º, XXXVI, CF – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Art. 468, CLT – Nos contratos individuais de trabalho só é lícita à alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. Súmula 51, TST – as cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento.

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CALIXTO, Clarice Costa. A Fábula do Dinossauro Trabalhista: discursos midiáticos sobre direitos e lutas coletivas. In: DELGADO, Gabriela Neves; PEREIRA, Ricardo José Macêdo de Britto. (Org.) Trabalho, Constituição e Cidadania: A dimensão coletiva dos direitos sociais trabalhistas. São Paulo: Ltr, 2014. Cap. 4. p. 46-61. CLARKE, Simon. Crise do fordismo ou crise da social-democracia? Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, v. 24, p. 117-150, set. 1991. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ln/n24/a07n24.pdf>. Acesso em: 17 set. 2016. FAUSTO, Boris. História Geral da Civilização Brasileira: Tomo III - O Brasil Republicano. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Vargas: O capitalismo em construção. São Paulo: Brasiliense, 1999. GERALDA DOCA. Jornal O Globo. Proposta de reforma trabalhista prevê negociação até de férias e 13º salário: Quase tudo o que está na CLT poderá ser revisto, incluindo adicional noturno. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/economia/proposta-de-reforma-trabalhista-preve-negociacao-ate-de-ferias-13-salario-19864000>. Acesso em: 17 out. 2016. GOMES, Angela de Castro; D'ARAÚJO, Maria Celina. Getulismo e Trabalhismo. São Paulo: Ática, 1989. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2015. OLIVEIRA, Tito Flavio Bellini Nogueira de. Uma nova ofensiva do capital? Impactos do Neoliberalismo e da Reestruturação Produtiva na Ação Sindical e no Setor Calçadista de Franca – SP. 2013. 261 f. Tese (Doutorado) - Curso de História, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2013. Disponível em: <http://www.franca.unesp.br/Home/Pos-graduacao/tese---completa.pdf>. Acesso em: 17 set. 2016. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 38. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015.

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A TUTELA PENAL DO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO SAUDÁVEL E AÇÃO COMUNICATIVA: RELEVÂNCIA, PAPÉIS SOCIAIS E SANÇÃO

CRIMINAL ENFORCMENT OF HEALTHY WORK ENVIRONMENT AND COMMUNICATIVE

ACTION: RELEVANCE, SOCIAL ROLES AND SANCTION

Fernando Andrade Fernandes* Pedro Guilherme Borato**

Leonardo Simões Agapito***

RESUMO: Ao empregador é atribuída a responsabilidade sobre os riscos da atividade econômica exercida e, particularmente, os riscos à vida e saúde do trabalhador, de modo que as normas referentes à equipamento de proteção e padrões de segurança merecem reforço penal em caso de sua violação com dano ao trabalhador. Neste sentido, questionam-se a legitimidade da intervenção penal, as esferas de liberdade do trabalhador e as responsabilidades do empregador. Para tanto, analisa-se: a) os princípios da fragmentariedade e subsidiáriedade a partir das funções do direito penal frente normas regulamentadoras e padrões de segurança no trabalho; b) as posições sociais e contratuais de fala do trabalhador e do empregador como elementos configuradores da autoria e materialidade delitiva; c) a resposta penal adequada para a pacificação de conflitos socais. Utiliza-se o método dedutivo-sistemático, tendo como referencial teórico o modelo da comunicação de Jürgen Habermas, bem como o modelo de atribuição de responsabilidade do pensamento funcionalista sistêmico. Ao final, restou claro: a) a particular sensibilidade das relações de trabalho para a configuração social brasileira; b) a individualização da responsabilidade penal pelos mecanismos de compliance; c) a impossibilidade de se aceitar o consentimento do trabalhador; d) a diferença da resposta penal para as demais respostas jurídicas possíveis sem necessariamente recorrer à prisão. Palavras-chave: ação comunicativa. atuação da vítima. meio ambiente de trabalho. responsabilidade penal. ABSTRACT: To employer is given the responsibility for risks of economic activity exercised and, in particular, the risks offer to life and health of workers, so that the rules regarding protective equipment and safety standards deserve criminal enforcement in case of its violation with damage to worker. In this sense, it’s investigated the legitimacy of the criminal intervention in worker’s freedom space and employer’s responsibilities. Therefore, it analyzes: a) the principles of subsidiarity and fragmentary from the functions of the criminal law front regulatory standards and safety standards at work; b) the social and contractual position speaks of worker and employer and components of authorship and materiality of criminal offense; c) the appropriate criminal response to social conflicts pacification. We use the deductive-systematic method with theoretical reference of communication model of Jürgen Habermas and the systemic functionalist attribution model. At the end, it remains clear: a) the particular sensitivity of labor relations for the Brazilian social setting; b) the individualization of criminal responsibility for compliance mechanisms; c) the inability to accept the worker's consent; d) the difference of the criminal response to other possible legal responses without necessarily resorting to prison. Keywords: communicative action. victim’s role. work environment. criminal liability.

* Professor de Direito Penal da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual

Paulista – UNESP/Franca. ** Mestre pela da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista –

UNESP/Franca. *** Mestrando pela da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista –

UNESP/Franca. E-mail: [email protected].

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SUMÁRIO: Introdução. 1 A necessidade da intervenção penal. 1.1 A fragmentaridade do direito penal; 1.2 O princípio da subsidiaridade. 2 Viabilidade dogmática. 2.1 Autoria e infração de dever. 2.2 Materialidade e o comportamento relevante da vítima. 2.3 Definição do rito processual. 3. A resposta penal adequada. 3.1 A falência da pena de prisão. 3.2 A comunicabilidade da pena de multa. 3.3 As medidas restritivas de direito. 3.3.1 O confisco de bens. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

Em 2014, o Brasil sediou a Copa do Mundo de Futebol, um dos maiores eventos

esportivos do mundo, organizado pela FIFA (Fédération Internationale de Football Association). Para atender às exigências do organismo responsável pelo evento, o governo federal, apoiado por clubes, empresários e patrocinadores, bem como as demais esferas administrativas (estados e municípios) iniciou uma grande operação de modernização da infraestrutura do país, particularmente no que se refere aos estádios de futebol e à mobilidade urbana. Com a brevidade do prazo para inaugurações e a magnitude das obras, ganharam ainda as manchetes dos jornais os casos de morte de trabalhadores, tanto por problemas de saúde, relacionados com as horas extras excessivas, quanto por falhas logísticas e problemas nos equipamentos de segurança1.

Diante deste cenário, questiona-se: é suficiente a responsabilização civil e administrativa dos responsáveis técnicos e gestores? Devem os empregadores responder penalmente por omissões ou por imposições inadequadas aos trabalhadores? De forma mais específica, qual a responsabilidade penal advinda da morte de um trabalhador e quais seus limites teóricos?

A partir destas inquietações, propôs-se o presente estudo da tutela penal do meio ambiente de trabalho saudável, tendo por entendimento que o ambiente de trabalho saudável também é aquele em que a vida de todos os seus atores se encontra devidamente resguardada. Para tanto, dividiram-se metodologicamente as inquietações em três perguntas: há legitimidade para a intervenção penal no mundo das relações de trabalho?; há viabilidade teórica coerente para a responsabilização penal dos agentes hierarquicamente superiores?; há uma resposta penal adequada aos fins da pena para este tipo de infração?

Com isto, pretende-se não apenas repensar o papel do Direito penal na resolução de conflitos sociais, mas compreender novos desdobramentos das inovações metodológicas para atribuição de responsabilidade penal, reforçando ainda a existência de contextos menos explorados pelos penalistas, mas extremamente sensíveis para a sociedade brasileira. 1 A NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO PENAL

Para compreender a legitimidade do direito penal, devem-se observar dois princípios

balizadores desta intervenção, bem como a própria forma como esta intervenção se dará. Faz-se aqui a advertência de que a presente análise não pretende ser exaustiva ou debater questões profundas quanto à teoria do bem jurídico. Sendo um trabalho bastante breve, pretende-se lançar aqui linhas gerais que permitam uma futura e mais detida reflexão.

1 S~o exemplares as manchetes dos jornais: “Obras nos est|dios da Copa de 2014 j| causaram morte de

oito oper|rios”, de O Globo, disponível em: http://globoesporte.globo.com/futebol/copa-do-mundo/noticia/2014/03/obras-nos-estadios-da-copa-de-2014-ja-causaram-morte-de-oito-operarios.html, acessado em 15/10/2016; “Acidentes nos est|dios da Copa: crônicas de nove mortes anunciadas?”, da BBC, disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/08/140811_mortes_estadios_copa_mv, acessado em 15/10/2016.

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1.1 A fragmentaridade do direito penal

Brevemente, a fragmentaridade do direito penal decorre da impossibilidade deste tutelar todo tipo de lesão, devendo escolher aquelas que são mais importantes para a sociedade e exigem sua atuação. De acordo com Günther Jakobs (2003), o direito penal é reflexo da sociedade em que este se desenvolve, elencando suas prioridades. As prioridades poderiam ser as mais distintas, não havendo um conteúdo prévio senão a própria evolução desta sociedade. Victor Gabriel Rodriguez (2012) argumenta que a desatenção a este caráter do direito penal pode o reduzir a mero instrumento político, pelo qual o Estado simula uma atenção particular a um problema, enquanto este poderia encontrar solução diversa.

No sistema democrático brasileiro, as prioridades de tutela se encontram elencadas na Constituição federal. O poder constituinte, dentro do título II, intitulado “Dos direitos e garantias fundamentais”, elencou como direitos sociais (capítulo II) as garantias do trabalhador, rural e urbano, dentre elas a “reduç~o dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (art.7º, XXII, CF). Conforme Aline Moreira da Costa, Leandro Krebs Gonçalves e Victor Hugo de Almeida (2013), a constituição considera a redução desejável e a redução possível (ou, desejável e tolerável), tendo em vista a minimização de danos, bem como as limitações técnicas existentes. Os riscos jamais serão neutralizados, mas podem as normas regulamentadoras criar padrões mínimos.

Ao falar de padrões mínimos, a moderna dogmática penal não apenas compreende a existência dos riscos, como as leva em conta para a devida leitura do fato penalmente punível. Em outras palavras, as modernas concepções do delito se adéquam a modelos de regulação administrativa e se permite inclusive a punir em estágios prévios à lesão, tendo em vista a violação de limites, ou melhor, a de riscos não permitidos, como se verá mais a frente.

Dessa forma, a regulação dos riscos existentes no ambiente de trabalho se encontra prevista no rol de direitos sociais da Constituição federal, como forma de prevenir lesões aos trabalhadores, já que o trabalho em si recebe especial atenção no referido diploma. A vida e a segurança do trabalhador são elementos relevantes que demandam uma regulação não incompatível com a tutela penal, de modo que o princípio da fragmentaridade não se vê esquecido ou deturpado. 1.2 O princípio da subsidiariedade

Tal qual existem limites para as lesões relevantes, observa-se em um sistema jurídico que o direito penal não é o único instrumento existente para a pacificação de conflitos. Pelo contrário, o direito penal, desde tempos remotos, apresenta-se como a resposta mais incisiva, portanto, atua como ultima ratio. Em um modelo econômico regulatório, as normas administrativas estruturam o sistema, enquanto o direito civil oferece a reparação material frente danos, seja pela restauração de situações ao seu estado anterior ou retribuições pelas mais diversas naturezas.

Neste contexto, há de se pontuar: não são as multas e intervenções pelo poder de polícia do direito administrativo suficientes para a criação de padrões de conduta? Não são as reparações trabalhistas e civis suficientes para suprir a dor do trabalhador?

Para estas considerações, devem-se considerar dois perfis do Direito penal. Primeiramente, o Direito penal é reforço das normas que fracassam. As normas administrativas de segurança no trabalho são obedecidas? Tendo em vista serem os acidentes de trabalho uma das principais causas de morte no país, a desobediência a tais normas é apenas uma das hipóteses. Duas outras hipóteses consideráveis seriam: (a) atividades de alto risco realizadas por grande parte da população; (b) inadequação das normas reguladoras, por omissões para criação e revisão destas. Para estas hipóteses, podemos considerar os relatórios publicados pelo Ministério do Trabalho para ver que, na verdade, as normas existentes, a despeito de serem suficientes, já são reiteradamente ignoradas.

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Por outro lado, por que são as normas administrativas ignoradas? Por uma análise utilitarista, caberia perguntar: as sanções são insuficientes ou a fiscalização tem falhado? Ambas podem ser superadas sem auxílio penal. O incremento no valor das multas e intervenções mais incisivas são possíveis ainda na esfera administrativas, bem como a falha na fiscalização traria ao Direito penal um problema que não pode este resolver, mas agravar (violação de normas ainda mais agudas trazem ainda mais descrédito ao sistema regulatório). De fato, em qualquer uma destas hipóteses estaria descartada a necessidade de atuação penal.

Todavia, partindo da conclusão anterior de que o Direito penal deve atuar em função do valor atribuído à referida lesão ou perigo de lesão, bem como às inúmeras violações constatadas no contexto brasileiro, há de se responder a ambas distintamente: as sanções administrativas não carregam em sua normatização o valor necessário, bem como não há de se pensar uma fiscalização administrativa, mas uma averiguação ainda mais robusta e com poderes interventores dilatados. Equivale dizer, a norma administrativa não comunica de forma suficientemente bem, enquanto os poderes de fiscalização e intervenção necessários não se justificam sem que haja uma responsabilidade criminal a ser apurada. 2 A VIABILIDADE DOGMÁTICA

Seguindo a proposta do artigo, deve-se pensar que o Direito penal, embora possua critérios específicos para determinar sua atuação, há de se pensar a viabilidade da sua atuação, tendo em vista seus institutos particulares e limitados. Neste sentido, o direito penal secundário trouxe à tona novos institutos e novas aplicações que melhor compreendem um cenário distinto do tradicionalmente visto nos juízos criminais. Com isso, pergunta-se: a) é possível atribuir a morte de um funcionário a seu superior ou à organização empresarial? b) é possível preencher os requisitos da teoria do crime no tipo penal homicídio (art.121, CP)? c) como definir a vontade (dolo e culpa) nesse contexto?

Novamente, adverte-se aqui que não há uma preocupação de apresentar toda a teoria do crime e todos os seus institutos, mas destacar pontos focais de maior relevância a serem enfrentados com mais cuidado. 2.1 Autoria e a infração de dever

Com relação à definição da autoria, o elemento central que fornecerá a melhor compreensão das responsabilidades geradas por um contrato de trabalho (relação jurídica) advém da infração de dever (Pflichdelikte). De forma sucinta, cada parte do contrato possui direitos e obrigações para com a outra parte. Quando alguma das partes viola um dos termos contratuais, seja por agir ativamente contrário à norma, seja por deixar de realizar (omissivamente) fato a que se comprometeu, responde esta pelos fatos que lhe são consequência. Tais deveres não são apenas penais, mas cíveis e administrativos.

Neste ponto, cabe compreender que tais deveres devem ser claros dentro de uma organização para que tenham validade. Para tanto, lançam-se mão de mecanismos de compliance que definem as competências e responsabilidades de cada indivíduo dentro da estrutura. Com relação à segurança no trabalho, pode-se falar nos deveres da Comissão Interna de prevenção de Acidentes na estruturação das políticas internas, os deveres de um responsável técnico pelo oferecimento e checagem de equipamentos de segurança, os deveres do setor de finanças de destinar recursos para a compra do equipamento, a responsabilidade dos administradores de estruturar tais responsabilidades.

Com relação aos administradores, que suportam todos os riscos da atividade (e.g. econômicos, tributários, criminais), cabe organizar as estruturas e definir meios para que se desenvolva dentro de uma organização empresarial uma cultura de segurança no trabalho e um ambiente saudável. Dizer isto equivale a atribuir a este não apenas ferramentas, mas uma política completa, passando por treinamento de funcionários e instruções claras. Grandes

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empresas podem possuir diversos supervisores e gerentes. A forma como estes funcionários zelam e fiscalizam seus subordinados deve ser previamente definida. Em casos de acidentes, não é irrelevante a falta de fiscalização dos equipamentos.

Se pelo programa de compliance se torna possível a definição da autoria, a falta de mecanismos de compliance também pode ser definidora da autoria. Apesar de toda a oposição existente, há de se pontuar a viabilidade legal e teórica da responsabilidade de entes coletivos, que não deve ser aprofundada agora por não ser objeto da presente pesquisa. Mitiga-se este ponto com as seguintes considerações.

O entrave real que se apresenta aqui é com relação aos critérios que deverão ser seguidos pelos julgadores no momento da atribuição de responsabilidade do fato ao ente coletivo. Dentre tantas propostas, a “culpabilidade por defeito de organizaç~o” tem se mostrado uma das mais consistentes ferramentas no arcabouço jurídico-criminal. Cunhada a partir dos estudos de Klaus Tiedemann, desenvolvida, em seguida, por diversos outros juristas, a “culpabilidade por defeito de organizaç~o” consiste na omiss~o, por parte de um órg~o da empresa ou pelo acúmulo de orientações e operações inadequadas, diante da necessidade de evitar uma infração. Assim, tal imputação é independente da constatação da responsabilidade de uma pessoa física2, por ser fruto de um juízo considerado autônomo. Equipara-se, portanto, nas palavras de Carlos Gómez-Jara Díez (2010, p. 104), a “capacidade de auto-organizaç~o” do ente coletivo { “capacidade de aç~o” da pessoa física.

Dessa forma, pensaram-se os seguintes critérios: 1) a personalidade jurídica (existência para o direito civil) em nada influencia a “responsabilidade penal”, n~o se atribuindo culpabilidade a “pessoas jurídicas de palha” (empresas fantasmas, “de fachada” etc.); 2) a existência de organização empresarial (estruturas que possuem mecanismos do tipo Standard Operantig Procedures) são indicativos de culpabilidade; 3) um verdadeiro ator corporativo possui autonomia de organização para escolher seus membros gestores e tomar decisões corporativas próprias (GÓMEZ-JARA, 2010, p. 106).

Neste sentido, surge ainda uma nova discussão, com relação à responsabilidade de uma empresa matriz por incidente ocorrido em sua filial, que não possui autonomia organizacional, com um modus operandi imposto desde os administradores da pessoa jurídica superior. Neste sentido, um fato ocorrido em uma empresa limitada criada no Brasil para comercializar carros de uma determinada marca estrangeira pode ser atribuído à pessoa jurídica estrangeira (matriz), por mais distante que possa parecer. Uma possível inaplicação das diretrizes por parte da filial não é motivo de escusa.

No caso proposto no introito do presente trabalho, caberia a responsabilização do poder público a partir de um contrato advindo de uma licitação? Tendo em vista o procedimento licitatório brasileiro, caso a autoridade licitante imponha padrões mínimos de segurança e estes sejam desobedecidos, pode-se inclusive romper o contrato e aplicar um impedimento a participar novamente de processos como este por um determinado período de anos. Na eventualidade da não exigência, caberia a atribuição de responsabilidade pela morte do trabalhador? De fato, aqui estaríamos em uma consequência secundária. O que de fato se passa, diante de uma política de segurança no trabalho já exposta desde a Constituição, o que verdadeiramente se poderia falar é em uma omissão dos funcionários que prepararam o edital contrariamente a dispositivo legal (art.319, Código penal).

2.2 Materialidade e o comportamento relevante da vítima

A análise da materialidade de um delito passa por quatro categorias, a saber, a tipicidade, a ilicitude, a culpabilidade e a punibilidade. Tradicionalmente, a esta última pertencem os elementos extrapenais que afastariam a aplicabilidade da pena, razão pela qual, na visão de muitos, seria categoria não configuradora do delito em si, mas anexa. Embora se discorde desta

2 Entendimento consolidado no STF desde 2013.

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concepção que reduz os elementos do crime, o presente trabalho toma por preocupação os elementos controvertidos do tipo, para demonstrar particularidades do problema proposto.

O tipo penal se divide em causalidade, nexo e resultado, categorias já bastante debatidas, especialmente a análise do nexo, no qual se encontram elementos objetivos e pessoais. Com relação aos elementos objetivos, tem-se a “imputaç~o objetiva”, que analisa o risco realizado e sua adequação à previsão legal.

É neste momento que recebe particular atenç~o a chamada “autocolocaç~o em perigo”, que equivale a dizer que a vítima, muitas vezes, pode extrapolar sua esfera de atuação e contribuir para que outrem lhe gere dano. Esta atuação não pode ser desprezada. No caso das mortes no ambiente de trabalho, poder-se-ia imaginar um trabalhador que, após receber o equipamento de proteção adequado e o treinamento necessário, se considera capaz de realizar uma atividade sem o equipamento e por esta razão, sofre lesão. Ainda que o empregador, na pessoa de seus supervisores, tenha o dever de fiscalizar o uso de equipamento, penalmente esta conduta do trabalhador excluiria a responsabilidade penal de seus superiores, já que, ainda que ao direito civil e administrativo se possa exigir a fiscalização efetiva, este trabalhador (que recebeu o equipamento e o treinamento necessário) ainda é uma pessoa autônoma e capaz, do contrário não poderia exercer atividades laborais de alto ou médio risco. Desconsiderar tal esfera equivaleria a uma redução do trabalhador enquanto pessoa.

Há ainda uma segunda forma de atuação relevante da vítima, a saber, o consentimento. Existem cenários em que um agente pode consentir com uma lesão que em regra não se poderia gerar. Poderiam ser exemplares alguns delitos contra as relações de consumo, em que o consumidor é informado sobre o produto que adquire, nas relações sexuais, cujos limites são definidos unicamente pelas pessoas diretamente envolvidas, ou casos de lesões ainda mais comuns, como a feitura de uma tatuagem. Imaginando um funcionário que recebe uma proposta de seu superior para exercer atividade sem o devido equipamento ou sem o devido preparo, com ou sem vantagem compensatória, este consentimento também exclui a responsabilidade do superior?

Para a pergunta anterior, pontuam-se duas questões: a) embora a vida seja um bem disponível ao indivíduo, o ordenamento jurídico brasileiro não reconhece a vida do trabalhador (ou seja, dentro da relação de trabalho) como direito disponível, impondo especial proteção legal; b) a vedação a tal consentimento é também uma opção político criminal, partindo de uma intervenção do Estado nos contratos.

A primeira questão, dogmática, é bastante simples. Não se pode consentir sobre direito indisponível, pois, em termos legais, o ordenamento jurídico perderia sua coerência sistêmica. A segunda ponderação, político criminal, advém das próprias posições de fala dos agentes. Tendo em vista o contexto brasileiro de fragilidade social e desemprego, reconhece-se o dever de proteção ao emprego digno, o Estado não pode permitir que as partes disponham todas as questões no contrato. Ao estabelecer padrões mínimos, impõe-se uma limitação ao próprio poder econômico de ditar as regras segundo seus interesses, aliando a este o bem-estar do trabalhador.

Em suma, a atuação do trabalhador pode excluir a tipicidade penal, ou ao menos reduzir a responsabilidade penal do empregador ou superior hierárquico, porém o consentimento do trabalhador não é, dogmaticamente, nem pode ser, político criminalmente, relevante.

Com relação à responsabilidade por defeito de organização, novamente não se deve aqui aprofundar o debate, mas ressaltar o cuidado de que esta aplicação deve levar em conta que a teoria da ação e teoria da culpabilidade são teorias sobre o sujeito e devem ser pensadas a partir dele, sendo distinta, portanto a imputação à pessoa física àquela feita aos entes coletivos (BACIGALUPO, s.d.).

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2.3 Definição do rito

Encerrando as questões dogmáticas, por se tratar de crime contra a vida, o elemento pessoal deve ser previamente analisado para definição do rito processual a ser utilizado. Neste sentido, a teoria norte-americana da “cegueira deliberada” tem trazido diversas novas questões ao Direito brasileiro. Em resumo, a cegueira deliberada seria uma forma dolosa da conduta, quando o agente deliberadamente tenta se escusar de responsabilidade, negando-se a ter conhecimento de fato ao qual é obrigado a ter. No Direito brasileiro, fala-se de uma forma aproximada, o dolo eventual. Neste sentido, se os riscos da atividade são claros (ou deveriam o ser) para o supervisor, não oferecer ao trabalhador os meios para se evitar uma lesão é uma forma de, deliberadamente, aceitar que o dano ocorra. Não se confunde com a culpa consciente, que poderia ser compreendida, por exemplo, na atuação de um trabalhador que, não tomando os devidos cuidados, gera lesão a si e a outros no mesmo ambiente de trabalho.

No que diz respeito ao elemento pessoal do tipo na responsabilidade da organização empresarial, Gómes-Jara (2010) entende que o dolo se caracterizaria pela calculabilidade do risco. Ou seja, o risco em que incorre a corporação ao realizar uma infração era previsível? Se os riscos da atividade são de conhecimento geral e esta não possui mecanismos suficientes para sua evitação, resta claro o interesse (em função de ganhos econômicos em seu benefício) da organização em sua modalidade dolosa. A modalidade culposa se dá, portanto, quando os mecanismos existem, mas por causas internas, deixa de ser efetivo naquela situação, pois sua reiterada ineficiência incorreria, novamente, na modalidade dolosa. 3 A RESPOSTA PENAL ADEQUADA

Respondidas as questões anteriores, deve-se pensar agora a resposta a ser oferecida pelo Direito penal ao caso concreto. A sanção penal, diferentemente da sanção civil ou administrativa, não tem apenas um caráter pedagógico ou desestimulador. A sanção penal não diz respeito apenas à relação entre o agente responsável pela lesão e sua vítima ou o Estado, mas a toda a sociedade, que a partir do momento da lesão, deixa de ter segurança quanto à própria forma como esta se estrutura.

Por esta razão, a pena é, antes de tudo, uma dor (JAKOBS, 2003). O agente deve receber uma resposta proporcional e efetiva que demonstre que sua ação é desaprovada, restaurando a configuração normativa da erosão gerada pelo delito (BACIGALUPO, s.d.). Por não se tratar de resposta a futuros delitos, mas àquele, a pena reserva a si seu caráter público, para caracterizar o delito como delito e comunicar à sociedade sua devida reprovação (BACIGALUPO, s.d.).

Em resumo, a pena deve ser proporcional, coerente com a lesão causada e pública à sociedade.

3.1 A falência da pena de prisão

A primeira pena que surge em mente é sempre a prisão. De fato, o ordenamento jurídico brasileiro, atualmente, não possui outra intervenção mais radical e simbólica que a restrição de liberdade pelo cárcere. Todavia, seu uso se demonstra erodido pelo superencarceramento, particularmente de presos provisórios, em estruturas que não oferecem condições mínimas e que se encontram dominadas por organizações criminosas. O presente trabalho, não apenas compreende uma inadequação desta resposta, como ainda considera que outras formas delituosas deveriam ter sua sanção repensada.

De forma bastante breve, vê-se a prisão como uma fonte de problemas ainda maiores do que aquele que o Direito penal busca solucionar.

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3.2 A comunicabilidade da pena de multa

No caso apresentado, não se pode falar da morte de trabalhadores por uma rixa pessoal com supervisores ou por vingança, mas uma evidente irresponsabilidade visando lucros com a redução dos gastos necessários. A preocupação nas lesões ocorridas nas relações de trabalho é monetária. Uma pena, portanto, monetária atinge diretamente os interesses buscados. De forma mais contundente, a pena de multa é ainda uma restrição à própria liberdade oferecida pelo dinheiro, intervenção não ignorável. Por esta razão, a pena de multa (art.49, Código penal) não perde sua coerência e proporcionalidade, muito menos seu caráter público, advindo do próprio processo de execução.

A pena de multa, inclusive, nestes casos, não seria revertida em favor da vítima ou seus familiares, como nas demais esferas, mas diretamente ao fundo penitenciário, ajudando a financiar inclusive melhorias no sistema acima criticado. 3.3 As penas restritivas de direito

De acordo com o art.43, são as penas restritivas de direito: a) a prestação pecuniária; b) a perda de bens e valores; c) a limitação de fim de semana; d) a prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; e) a interdição temporária de direitos.

Com relação à limitação de fim de semana, além de ser menos radical e plenamente aplicável à agentes com endereço fixo, reconhece-se que esta pode ser utilizada para o desenvolvimento de cursos, o que permitiria o reforço de uma cultura de afirmação da importância da saúde e segurança no ambiente de trabalho. Igualmente se dá com a prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, que poderia ocorrer em organizações não governamentais ou órgãos públicos específicos que cuidem de segurança no trabalho e sua fiscalização. Dessa forma, a comunicação da pena (reafirmação da configuração social) se torna mais clara e produtiva, valorizando o indivíduo como um fim em si mesmo e como pessoa, consciente.

Outra medida bastante relevante para o caso em tela se dá pela interdição temporária de direitos, que poderia vedar que um administrador volte a atuar como o tal, bem como no caso do funcionário público que deixou de se atentar à redação do edital de licitação.

Estas medidas podem igualmente ser pensadas para as empresas, que não precisam apenas sangrar monetariamente, podendo ainda atuar de forma efetiva no contexto em que estão ao serem obrigadas a participar de programas de valorização do trabalhador ou serem impedidas de participar de editais públicos ou exercerem determinados tipos de atividades que exijam autorização governamental.

3.3.1 O confisco de bens

Com relação à apreensão de bens, com o passar dos anos, os equipamentos utilizados para as diversas atividades se tornam ultrapassados e demasiadamente perigosos aos seus operadores. A fiscalização administrativa muitas vezes proíbe determinadas máquinas e procedimentos, mas de forma clandestina estas permanecem em uso. Sendo a preocupação do Direito penal a proteção de toda a sociedade, a apreensão de determinados equipamentos que já causaram lesões graves a trabalhadores não se mostra como uma sanção apenas, mas ainda um impulso à atualização dos meios utilizados e efetiva redução de riscos a trabalhadores.

CONCLUSÃO

O presente trabalho não se mostra exaustivo ou profundo, não sendo este seu foco em

algumas poucas páginas. Seu intento maior, trazer novas pautas à discussão sobre segurança e saúde do trabalhador, demonstrou-se por demais frutífero.

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Sintetiza-se: a) a tutela das relações de trabalho, em particular, a segurança e o meio ambiente de trabalho saudável, é legítima e necessária no contexto brasileiro de reiteradas lesões; b) há viabilidade dogmática para individualização da responsabilidade pelos mecanismos de compliance, já comumente debatidos por juristas no que diz respeito ao direito penal econômico; b1) no que se refere à materialidade, a atuação do trabalhador deve ser observada como excludente ou redutora da responsabilidade do empregador, mas seu consentimento não é possível; b2) a omissão nos deveres de cuidado com relação a riscos previsíveis possuem caráter de dolo eventual; c) a sanção penal oferece resposta diversa das demais áreas em função de suas finalidades; c1) a resposta penal pelo cárcere não é a única nem a melhor alternativa; c2) as sanções de multa e restrição de direitos possuem um caráter interventor, pedagógico e protetivo muito mais eficaz.

Resta clara, portanto, a necessidade de aprofundamento de cada um destes pontos, tanto pelo viés dogmático, quanto político criminal, de modo que não apenas a atuação penal seja alargada, mas que a própria cultura de proteção do trabalhador possa se disseminar pela sociedade ao ponto do presente debate se tornar obsoleto.

REFERÊNCIAS BACIGALUPO, Silvina. La responsabilidad penal de las personas jurídicas: um problema del sujeto del derecho penal. Cuadernos de doctrina y jurisprudência penal, n. 9, ano 5, 1999. COSTA, Aline Moreira da; GONÇALVES, Leandro Krebs; ALMEIDA, Victor Hugo de. Meio ambiente do trabalho e proteção jurídica do trabalhador: (re)significando paradigmas sob a perspectiva constitucional. In: Direito ambiental do trabalho: apontamentos para uma teoria geral: saúde, ambiente e trabalho: novos rumos da regulamentação jurídica do trabalho. Guilherme Guimarães Feliciano (coord.). São Paulo: LTr, 2013. v. I. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. GÓMES-JARA DÍEZ, Carlos. Fundamentos modernos de la responsabilidad penal de las personas jurídicas. Montevideo, Buenos Aires: Editorial BdeF, 2010. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 2003. ______. Consciência moral e agir comunicativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 2003. JAKOBS, Günther. Teoria da pena e Suicídio e homicídio a pedido. Trad. Maurício Antônio Ribeiro Lopes. Barueri: Manole, 2003. JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Tratado de derecho penal. Tomo II. 3. ed. Buenos Aires: Losada, 1964. RODRIGUEZ, Víctor Gabriel. Fundamentos de Direito penal brasileiro: lei penal e teoria geral do crime. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2012. SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Eficiência e direito penal. Trad. Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Barueri: Manole, 2004.

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TRABALHO REMUNERADO ENTRE PESSOAS COM TRANSTORNO MENTAL: ASPECTOS CLÍNICOS E SOCIAIS

PAID WORK AMONG PEOPLE WITH MENTAL DISORDERS: CLINICAL AND SOCIAL

ASPECTS

Lilian Carla de Almeida* Jacqueline de Souza**

RESUMO: Os transtornos mentais são alterações do funcionamento da mente que prejudicam o desempenho da pessoa na vida familiar, social, pessoal, com reflexos na compreensão de si e dos outros e nas diferentes atividades do sujeito, isto é, no seu desempenho nos estudos ou no trabalho. A Política de Saúde Mental no Brasil visa, entre outros procedimentos, a reinserção desses indivíduos no meio social, podendo ser propiciada através da cultura, do lazer e do trabalho, este último, além de possibilitar o atendimento das necessidades básicas, também propicia a realização pessoal, a socialização, a dignificação da vida e possibilita o desenvolvimento das capacidades de criação e de invenção, sempre ocupando lugar central na vida das pessoas. Diante do exposto, o presente estudo propõe-se a identificar quais aspectos clínicos e sócio demográficos estão associados ao fato do indivíduo com transtorno mental estar ou não estar exercendo atividade de trabalho remunerado, através da abordagem quantitativa, descritiva, retrospectiva, com a população de pacientes atendidos no Ambulatório de Saúde Mental do Distrito Central de Ribeirão Preto, São Paulo, onde os dados estão sendo coletados através de fontes secundárias, os prontuários médicos dos pacientes, utilizando um roteiro norteador contendo os aspectos clínicos, sociodemográficos e os aspectos relacionados ao trabalho. Os dados serão organizados em bancos de dados, analisados utilizando o software SPSS e submetidos a análises estatísticas. A coleta de dados teve início em setembro de 2016, apenas após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – EERP/ USP. Palavras-chave: reabilitação psicossocial. trabalho. trabalho remunerado. transtornos mentais. ABSTRACT: Mental disorders are changes in the functioning of the mind that impair the performance of the person in family life, social life, personal life, reflecting in his understanding of self and others and in the different activities of the subject, that is, in its performance in studies or work . The Mental Health Policy in Brazil aims, among other procedures, reintegration of these individuals in the social environment and can be brought about through culture, leisure and work, this last one, in addition to enable the fulfillment of basic needs, also promotes the personal achievements, socialization, dignity of life and enables the development of capacity for creation and invention, always occupying a central place in people's lives. Given the above, this study aims to identify which clinical and demographic aspects are associated with the fact that individuals with mental illness may or may not be performing paid work, through the quantitative, descriptive, retrospective approach, with the population of patients treated at the Mental Health Clinic of Central District in Ribeirão Preto, São Paulo State, where the data is being collected through secondary sources, the medical records of patients, using a guiding questionnaire containing the clinical, sociodemographic and work-related aspects. The data will be organized in databases, analyzed using SPSS software and submitted to statistical analysis.

* Enfermeira; mestranda da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – EERP/ USP. E-mail:

[email protected]. ** Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de

Enfermagem de Ribeirão Preto – EERP/ USP. E-mail: [email protected].

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Data collection began in September 2016, only after approval by the Ethics Committee of Ribeirão Preto College of Nursing, University of São Paulo - EERP / USP. Keywords: job. mental disorders. paid work. psychosocial rehabilitation. SUMÁRIO: Introdução. Material e método. Resultados e discussão. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

O trabalho sempre ocupou lugar central na vida das pessoas e foi, gradativamente, limitado por condições estabelecidas pela sociedade (KANAANE, 2009). Assim, muitos indivíduos adotam o ponto de vista de que o trabalho é um fardo, uma necessidade para a sobrevida e atendimento de suas necessidades básicas, enquanto outros indivíduos podem considerá-lo uma forma de realização pessoal, dignificação da vida, desenvolvimento da capacidade de criação e invenção e socialização (LACOMBE, 2006).

Em especial no caso das pessoas com transtorno mental, o trabalho proporciona sentido à vida diária, fornecendo estrutura, um senso de propósito e conexões sociais e pode ser experimentado como uma forma de gerir os sintomas da doença mental, assim como proporcionar oportunidades para a construção de auto-eficácia e promover a recuperação (BLANK et al, 2013). Ou seja, o trabalho, além de melhorar a saúde mental do indivíduo, pode também ser importante na recuperação das condições de saúde mental (SALLIS et al, 2014).

A interface trabalho versus transtorno mental sofreu modificações no curso da história do Brasil e do mundo. Na Idade Clássica, os loucos, símbolos da ameaça à lei e à ordem social, eram exilados das cidades e iam para campos distantes, o hospício tinha uma função eminentemente de hospedaria (AMARANTE, 1995).

A base teórica relacionada ao trabalho e tratamento constituiu-se a partir do Tratamento Moral, método educativo de condutas e costumes aceitáveis socialmente para os doentes mentais, desenvolvido por Philippe Pinel no final do século XVIII e inspirado nos princípios humanistas da Revolução Francesa (NICÁCIO, 1994). A loucura legitimou-se como patologia dentro da psiquiatria nascente, sendo concebida, também, sob a égide de desvio moral. O trabalho passou a ser considerado como recurso terapêutico (GUERRA, 2008).

No século XX, surgiu o tratamento ocupacional, com o psiquiatra alemão Herman Simon (1929), segundo o qual o trabalho representava o enfrentamento da inatividade, um instrumento de organização manicomial e estratégia para aquisição de responsabilidade por parte do doente mental (ARANHA E SILVA, 1997; GALEANO, 2009).

Nos anos 50, o desenvolvimento da psicofarmacologia e o flagelo do pós-guerra impulsionou cada vez mais a refutação da ideia do trabalho como dispositivo de tratamento. No Brasil, tal refutação foi mais significante no final da década de 80, período no qual a conexão trabalho/ tratamento foi negada fortemente devido ao seu caráter alienador (ARANHA E SILVA, 1997).

Na Itália, a partir da década de 1960, ocorreu o rompimento da justificativa do trabalho como ocupação do tempo livre e ocioso para impedir pensamentos doentios, enunciando uma outra noção de processo de reabilitação, centrada na intervenção nas dimensões fundamentais da vida: casa, trabalho e interações sociais (NICÁCIO, 2007; SARACENO, 1999).

No Brasil, a aprovação da Lei Federal 10.216 ocorreu no ano de 2001 e assegura os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, sem qualquer forma de discriminação (BRASIL, 2001), tendo a Política de Saúde Mental brasileira se originado da referida lei e o trabalho, então, considerado um dos componentes importantes na construção do poder de contratualidade social dos sujeitos (ANDRADE et al, 2014).

A partir deste panorama identifica-se que o trabalho permeia as diferentes concepções da loucura ao longo dos séculos e, mesmo na contemporaneidade, a relação entre trabalho e loucura é dicotômica. Dejours (2009) defende que o trabalho nunca é neutro em relação à saúde, podendo tanto favorecê-la quanto contribuir para o adoecimento do indivíduo.

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Semelhante a esta perspectiva dicotômica, observamos que é esperado que as pessoas com transtornos mentais participem da força de trabalho. No entanto, elas são consideradas como vocacionalmente deficientes e elegíveis para benefícios por incapacidade (ENGESET et al, 2015).

Ademais, o desemprego tem se constituído em um desafio para a maioria dos países do mundo. Logo, constitui-se em um elemento importante nessa discussão, podendo estar associado a um declínio continuado na saúde mental, à medida em que pode implicar em dificuldades econômicas, perda de estrutura de tempo, diminuição dos contatos sociais, do status e autoestima (MILNER et al, 2014).

Na discussão acerca dos desafios do trabalho para os indivíduos com transtornos mentais, Souza (2006) ressalta que é importante considerar os duzentos anos de história da psiquiatria e as eventuais dificuldades que as alterações psicopatológicas podem trazer. O autor aponta que a psiquiatria, a seu modo, concedeu um caráter de cientificidade ao julgamento acerca da relação dessas pessoas com o trabalho enquanto incapacidade, pessoas para quem o trabalho somente se prestaria como terapia.

Com relação ao transtorno mental, absenteísmo e previdência, Trivedi et al (2013) destaca que, segundo a Organização Mundial de Saúde, o transtorno depressivo é a quarta principal causa de incapacidade em todo o mundo. Estima-se que, em 2020, a depressão maior será a segunda principal causa de incapacidade.

No Brasil, em estudos com a população previdenciária, os transtornos mentais e comportamentais se apresentam como importante causa de aposentadoria por invalidez e absenteísmo, demonstrando o importante impacto social e econômico desses agravos. Ressalta-se que tais transtornos mentais têm se constituído a terceira principal causa de concessão de novos benefícios auxílios-doença nos últimos anos (SILVA JUNIOR et al, 2015).

A literatura mundial destaca a importância do meio ambiente e aspectos organizacionais do trabalho para que os indivíduos estejam ou não inseridos na atividade de trabalho remunerado, bem como as barreiras e queixas dos trabalhadores com transtorno mental e características sociodemográficas como fatores de risco.

Diante do exposto, qual a prevalência de indivíduos com transtornos mentais que exercem atividades remuneradas e quais os fatores associados a tal desfecho?

O objetivo geral do presente estudo é identificar os aspectos clínicos e sociodemográficos associados com o fato do indivíduo com transtorno mental estar ou não estar exercendo atividade remunerada. Os objetivos específicos consistem em identificar a prevalência de indivíduos com transtorno mental que exercem atividade remunerada, bem como as prevalências de indivíduos com transtorno mental aposentados por invalidez ou em afastamento médico do trabalho e os fatores de risco para o não exercício de atividade remunerada entre os indivíduos com transtornos mentais atendidos num serviço de saúde mental de Ribeirão Preto.

MATERIAL E MÉTODO

O presente estudo caracteriza-se por uma abordagem quantitativa, descritiva, retrospectiva, considerando o período de 2012 a 2014 e está sendo desenvolvido com a população de pacientes atendidos em um ambulatório de saúde mental, uma instituição pública municipal, responsável pelo atendimento do setor primário em saúde mental, localizado em Ribeirão Preto, interior do Estado de São Paulo.

O plano amostral adotado foi por Amostragem Aleatória Estratificada com alocação proporcional por estratos, onde cada estrato é formado pelo ano que o paciente é atendido. Adotando-se o parâmetro de erro relativo de 10%, prevalência de 41% em cada estrato e a população total de 482 fichas de atendimento, o tamanho amostral requerido encontra-se na Tabela 1. O programa adotado para o cálculo amostral foi o R versão 3.1.2, que pode ser baixado gratuitamente de www.r-project.org.br.

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Tabela 1 – Apresentação da determinação amostral – Ribeirão Preto, São Paulo – 2016

Ano População Amostra

Nível de signific}ncia (α= 5%)

2012 196 105

Erro relativo= 10% 2013 159 85

Prevalência= 41%

2014 127 68 Total 482 258

As variáveis do presente estudo estão agrupadas em três dimensões, onde a primeira dimensão se caracteriza pelos aspectos clínicos ou motivo da primeira consulta, principais sintomas referidos, diagnóstico psiquiátrico, medicação em uso no momento da admissão e uso de substâncias (tabaco, álcool ou outras drogas); os aspectos sociodemográficos, a saber, idade, gênero, estado civil, escolaridade, religião, se havia acompanhante no momento da admissão e grau de parentesco deste acompanhante e os aspectos relacionados ao trabalho, como profissão, se estava ou não exercendo atividade remunerada no momento, aposentadoria ou afastamento por motivo de saúde.

Os dados foram coletados através de fontes secundárias, a saber, informações sociodemográficas e clínicas registradas no momento da admissão do paciente no referido serviço, sendo os critérios de inclusão as informações de pacientes com diagnóstico psiquiátrico já estabelecido, registradas em 2012, 2013 e 2014. Foi utilizado um roteiro norteador contendo os itens de cada uma das três dimensões mencionadas.

Os dados serão organizados em bancos de dados e analisados através do software SPSS. Tais informações serão submetidas a análises estatísticas, a saber, construção de tabelas de frequência, medidas de dispersão, análises bivariadas. Além disso, será empreendida regressão logística considerando como variável dependente o exercício de atividade remunerada.

O presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – EERP/ USP e aprovado, conforme protocolo CAAE 56724016.0.0000.5393.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Como o presente estudo está em desenvolvimento até o momento presente, apresentamos dados preliminares sem tratamento estatístico.

Em termos de caracterização dos participantes do estudo, 71,3% são do gênero feminino e 28,7% são do gênero masculino, a faixa etária predominante é de indivíduos com 61 anos ou superior a esta, 23,6% são de baixa escolaridade (possuem o ensino fundamental completo ou incompleto) e 33,3% são casados.

A partir da verificação do registro do diagnóstico médico psiquiátrico, os transtornos depressivos e os transtornos ansiosos apresentam predominância, respectivamente, 46,5% e 33,3%.

Em relação ao trabalho remunerado entre indivíduos com diagnóstico de transtorno mental, 38% estão nesta atividade, sendo predominante as atividades no ramo doméstico (empregada doméstica, faxineira, auxiliar de serviços gerais) e de vendas, 25,2% estão desempregados, 17,8% estão aposentados e 6,6% estão afastados por doença.

A partir destes dados preliminares, é possível inferir que as mulheres com transtornos mentais trabalhadoras do ramo doméstico e vendas predominam. Ferro, Lopes e Pontilli (2013) destacam o reflexo de uma cultura onde a mulher desde pequena é orientada pelos familiares a executar tarefas domésticas e, na primeira situação de necessidade, estas tornam-se sua profissão.

A baixa escolaridade entre os indivíduos do presente estudo também demonstra-se importante à medida em que a escola permite o desenvolvimento do indivíduo em que ela

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produz instrução, o que possibilitará as oportunidades de elevação de renda e cargo no futuro (FERRO; LOPES; PONTILLI, 2013). Portanto, podemos inferir que estes indivíduos não terão possibilidades de melhora de suas condições socioeconômicas porque não têm ou tiveram acesso à escolaridade, uma importante oportunidade de ascensão social. Destacamos, ainda, que ambos os ramos de atividade de trabalho, vendas e serviços domésticos, não exigem escolaridade elevada e treinamento específico e, por vezes, são nesses ramos em que os indivíduos se inserem no mercado de trabalho tão logo sua idade permita.

A literatura tem evidenciado que as mulheres têm uma probabilidade duas vezes maior de desenvolverem transtornos de humor que os homens (KINRYS; WYGANT, 2005) e este estudo corrobora com esta evidência. O acúmulo de funções das mulheres, bem como diferenças hormonais poderiam explicar esta prevalência.

Os distúrbios afetivos com alterações do humor são as principais psicopatologias que acometem os idosos e a prevalência da depressão é muito maior em indivíduos de idade avançada do que em qualquer outra faixa etária (VARGAS, 1992; CORRÊA, 1996). Em especial nos homens, é possível que o aparecimento de doenças ou a dependência dos filhos sejam a principal causa, bem como a dificuldade em processar as emoções e os sentimentos. CONCLUSÃO

Na atualidade, a relação trabalho e saúde mental tem apresentado crescente destaque

devido às mudanças ocorridas no universo do trabalho, afetando indivíduos tanto do gênero feminino quanto masculino.

O trabalho é uma atividade de importância socioeconômica para o indivíduo e a para a sociedade, como também ara a saúde mental do trabalhador, conforme destacamos ao longo da presente pesquisa e abordagens como esta sobre o trabalho e saúde mental propiciam a construção de novos saberes, novas práticas e medidas de enfrentamento de situações de risco à saúde do trabalhador.

Quanto às limitações, apontamos a fonte dos dados, os prontuários, que, por vezes, não constavam informações, ou estavam incompletas ou estavam ilegíveis e a amostra deste estudo, embora fosse considerada numerosa, contou com indivíduos de apenas uma região do município. Nesse sentido, entende-se que a inclusão de indivíduos atendidos em unidades de saúde das demais regiões do município ampliaria a possibilidade de generalização dos resultados.

REFERÊNCIAS

AMARANTE, P. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil/ coordenado por Paulo Amarante. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1995. ANDRADE, M. C.; COSTA-ROSA, A. O encontro da loucura com o trabalho: concepções e práticas no transcurso da história. Revista Interinstitucional de Psicologia, v. 7, n. 1, p. 27-41, jan./jun., 2014. ARANHA E SILVA, A. L. O Projeto Copiadora do CAPS: do trabalho de reproduzir à produção de vida. 1997. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 1997. BLANK, A.; HARRIES, P.; REYNOLDS, F. The meaning and experience of work in the context of severe and enduring mental health problems: An interpretative phenomenological analysis. Work, v. 45, p. 299-304, 2013.

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BRASIL. Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. In: Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, n. 69-E, Seção I, p. 2, 09 abr. 2001. CORRÊA, Antonio Carlos O. As depressões. Arquivos Brasileiros de Medicina, v.70, n.3, p.145-158, 1996. DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5. ed. São Paulo, Cortez, 2009. ENGESET, A.; SÖDERSTRÖMB, S.; VIK, K. Day activity centres – work for people with intellectual disabilities: A Norwegian perspective. Work, v. 50, 193-203, 2015. FERRO, Fernanda Cristina; LOPES, Janete Leige; PONTILLI, Rosangela Maria. Baixo nível de escolaridade X pobreza X emprego doméstico: no Brasil, a correlação entre estes dois fatores é direta? Uma análise estatística. 2013. Disponível em: <http://www.fecilcam.br/nupem/anais_viii_epct/PDF/TRABALHOS-COMPLETO/Anais-CSA/ECONOMICAS/03-fferrotrabalhocompleto.pdf>. Acesso em: 30 nov. 2016. GALEANO, E. As veias abertas da América Latina. 50. reimp. São Paulo: Paz e Terra, 2009. GUERRA, A. M. C. Oficinas em saúde mental: percurso de uma história, fundamentos de uma prática. In: Oficinas terapêuticas em Saúde Mental: sujeito, produção e cidadania/ Organização de C. M. Costa, & A. C. Figueiredo. Rio de Janeiro, p. 23-57, 2008. KANAANE, R. Comportamento humano nas organizações: o homem rumo ao século XXI. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. KINRYS, Gustavo; WYGANT, Lisa E. Transtornos de ansiedade em mulheres: gênero influência o tratamento? Rev Bras Psiquiatr, v. 27, supl. II, p. 43-50, 2005. LACOMBE, B. M. B. Avaliação e mensuração de resultados em gestão de pessoas e a relação com o desempenho organizacional: um estudo com as maiores empresas brasileiras. São Paulo: FGV-EAESP/GVPESQUISA, 2006. Relatório de Pesquisa – Fundação Getúlio Vargas- Escola de Administração de Empresas de São Paulo, São Paulo, 2006. MILNER, A.; SPITTAL, J. M.; PAGE, A.; LAMONTAGNE, A. D. The effect of leaving employment on mental health: testing ‘adaptation’ versus ‘sensitisation’ in a cohort of working-age Australians. Occup Environ Med, v. 71, p. 167-174, 2014. NICÁCIO, M. F. S. O processo de transformação da saúde mental em Santos: desconstrução de saberes, instituições e cultura. 1994. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 1994. SALLIS, A.; BIRKIN, R. Experiences of Work and Sickness Absence in Employees with Depression: An Interpretative Phenomenological Analysis. J Occup Rehabil, v. 24, p. 460-483, 2014. SARACENO, B. Libertando identidades: da reabilitação psicossocial à cidadania possível. Rio de Janeiro: Te Corá, 1999. SILVA-JUNIOR, J. S.; FISCHER, F. M. Absenteísmo-doença por transtornos mentais e comportamentais: fatores associados ao afastamento, tempo para retorno ao trabalho e impacto

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O TRABALHO MÉDICO, O BIOPODER E A AUTONOMIA DO PACIENTE: UMA ANÁLISE BIOÉTICA

WORK MEDICAL, BIOPOWER AND PATIENT AUTONOMY: AN ANALYSIS BIOETHICS

Lillian Ponchio e Silva Marchi*

RESUMO: O trabalho médico possui uma dimensão subjetiva, tanto para o profissional, como para o paciente. Dentro da medicina ocorreu a fragmentação de saberes, a exclusão de práticas alternativas, sendo que o Estado disciplina as únicas práticas terapêuticas instituídas (biopoder), bem como a tecnificação (utilização de instrumentos de trabalho cada vez mais sofisticados). Nesta complexa relação de poder, o médico detém o conhecimento técnico-científico, sendo que muitas vezes o paciente não participa do seu próprio processo de adoecimento, deixando de exercer a sua autonomia em relação aos procedimentos aos quais deseja ou não ser submetido, em contexto de terminalidade de vida. O objetivo é verificar as mudanças significativas que ocorreram na organização do trabalho médico e os impactos para os pacientes, resultantes do progresso científico e tecnológico, sendo que a vida pode ser prolongada de maneira fútil e extenuante, caracterizando a distanásia. A metodologia é dedutiva e dialética, e a técnica a ser utilizada é a revisão bibliográfica. Como conclusão parcial, verifica-se que, no Brasil, a Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina estabelece critérios para que qualquer pessoa (desde que maior de idade e plenamente consciente) escolha quais são os limites terapêuticos aos quais deseja ou não ser submetida. Tal situação reflete a valorização do princípio bioético da autonomia, sendo que o profissional de saúde não deve mais atuar como sujeito detentor da decisão. A relação médico-paciente transborda o que se entende por mero vínculo contratual, pois os deveres do médico devem ser sempre pautados na ética e no respeito à pessoa, já que o que está em jogo é a vida do próprio paciente. Logo, a diretiva antecipada de vontade pode ser considerada um avanço na relação médico-paciente e está diretamente relacionada à ortotanásia, conhecida como morte sem sofrimento. Palavras-chave: autonomia. bioética. médico. paciente. trabalho. ABSTRACT: The medical work has a subjective dimension for both the professional and the patient. In medicine was the fragmentation of knowledge, the exclusion of alternative practices, and the state discipline the only established therapeutic practices (biopower) and the technification (use of working tools increasingly sophisticated). In this complex relationship of power, the doctor has the technical and scientific knowledge, and the patient often does not participate in their own disease process, failing to exercise their autonomy in relation to the procedures to which you want or not be submitted in the context of terminally life. The objective is to verify the significant changes that occurred in the medical work organization and the impacts to patients resulting from scientific and technological progress, and that life can be prolonged futile and exhausting way, featuring dysthanasia. The methodology is deductive, dialectical, and the technique to be used is the literature review. As a partial conclusion, it appears that, in Brazil, Resolution 1,995 / 2012 of the Federal Council of Medicine establishes criteria for anyone (provided of age and fully conscious) choice what are the therapeutic range to which you want or not submitted. This situation reflects the appreciation of the bioethical principle of autonomy, and health professionals should not act as a subject holder of the decision. The doctor-patient relationship overflows what is meant by a mere contractual relationship as doctor's duties should always be guided by ethics and respect for the person, since what is at stake is the life of the patient. Therefore, the early policy will can be considered a

* Mestre em Bioética e Biodireito pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP.

Professora e Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade Barretos. Professora do Curso de Medicina da Faculdade de Ciências da Saúde – FACISB. E-mail: [email protected].

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breakthrough in the doctor-patient relationship and is directly related to orthothanasia, known as death without suffering Keywords: autonomy. bioethics. doctor. patient. job. SUMÁRIO: Introdução. 1 A relação médico-paciente. 1.1 A tecnificação e o prolongamento da vida. 1.2 Controle do corpo: Biopoder. 2 Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina 2.1 O impacto das diretivas antecipadas de vontade no trabalho médico. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO

A denominada diretiva antecipada de vontade contempla a possibilidade de o paciente

exercer sua autonomia para decidir se deseja ser submetido a tratamentos invasivos e extenuantes em casos de terminalidade de vida. No Brasil, a Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina estabeleceu critérios para que qualquer pessoa (desde que maior de idade e plenamente consciente) escolha quais são os limites terapêuticos aos quais deseja ou não ser submetida.

Tal situação reflete a valorização do princípio bioético da autonomia, sendo que o profissional de saúde não deve mais atuar como sujeito detentor da decisão. O paciente que quiser expressar seus limites através da diretiva poderá definir os procedimentos considerados pertinentes e aqueles aos quais não quer ser submetido como, por exemplo, os procedimentos de ventilação mecânica. A diretiva antecipada de vontade pode ser considerada um avanço na complexa relação médico-paciente e está diretamente relacionada à ortotanásia, conhecida como morte sem sofrimento.

No primeiro capítulo será abordada a relação médico-paciente, bem como as mudanças ocorridas, pois passa a ser mais horizontal, isto é, o profissional de saúde não mais se encontro em uma posição acima, no qual ele – isoladamente – escolhe o melhor tratamento e já aplica ao paciente. Atualmente, o paciente pode e deve, a partir do conhecimento das especificidades do seu caso, escolher e conversar sobre o tratamento, participando de seu processo de adoecimento. A partir daí, será estudada a tecnificação e o prolongamento da vida, tendo em vista o progresso científico e tecnológico desenfreado, bem como as consequências dessa evolução no trabalho médico. Assim, a reflexão do primeiro capítulo consiste em pensar sobre o Biopoder e o controle da vida e da morte pelo Estado.

Já no segundo capítulo será tratada a Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina, bem como o impacto das diretivas antecipadas de vontade no trabalho médico, principalmente de acordo com o princípio bioético da autonomia.

1 RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE

Na relação médico-paciente são estabelecidos direitos e obrigações entre as partes,

sendo que o médico deverá utilizará todos os meios necessários para salvar a vida, de acordo com o juramento de Hipócrates. Todavia, muitas vezes tal situação desrespeita a vontade do paciente. Este, por ser a parte hipossuficiente da relação, é submetido a tratamentos com a finalidade tão somente de prolongar a vida a qualquer preço.

É preciso lembrar que a relação médico-paciente transborda o que se entende por mero vínculo contratual, pois os deveres do médico devem ser sempre pautados na ética e no respeito à pessoa, já que o que está em jogo no contrato é o próprio paciente. Se a situação for de morte iminente, com prognóstico fechado, as decisões terapêuticas devem ser tomadas buscando garantir o tratamento mais adequado, ou seja, aquele que ofereça maior conforto ao paciente.

Sabe-se que a Bioética foi consolidada nos anos 90 através de congressos. Pode-se afirmar que passou por muitas fases, sempre com a finalidade de ampliar o foco de sua investigação. Logo, a Bioética ultrapassa as fronteiras existentes entre as reflexões transdisciplinares, que vão além das barreiras entre os diversos ramos do saber, por exemplo,

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Medicina e Direito, e revela que talvez não é possível encontrar respostas prontas ou fechadas para todos os conflitos que envolvem a vida, numa perspectiva que considera qualidade e quantidade.

Tal situação encaixa-se perfeitamente nas relações entre médico e paciente em casos de terminalidade de vida. Assim, é evidente a ausência da humanização da medicina, principalmente diante da invasão da tecnologia ou da massificação dos hospitais. Henrique Moraes Prata (2015, p. 1) explica que é preciso não se preocupar tanto com a quantidade de vida, ou seja, existe o paciente em estado terminal com base em evidências científicas, com dados que informam com precisão que é um paciente com óbito previsto. Daí surge a pergunta: Nesse contexto, porque não pensar em qualidade de vida, em escolha terapêutica e pensar em quantidade de vida? Não há dúvidas de que a quantidade é relevante. Todos querem viver o máximo possível. No entanto, a qualidade dessa vida não pode ser ignorada.

1.1 A tecnificação e o prolongamento da vida

O desenfreado desenvolvimento científico implicou em uma alteração na maneira de se

encarar a morte. Esta já foi tratada como um processo natural. Todavia, atualmente é considerada por muitos como uma derrota demonstrando a fragilidade da Medicina ou a ineficiência do médico.

A perspectiva adotada questiona os avanços na Biomedicina e Biotecnologia, especialmente com o desenvolvimento de tratamentos que possuem o único objetivo de prolongar o “processo de morrer”, de maneira extenuante e, muitas vezes, contra a vontade do paciente.

Trata-se de um tema integrante da bioética, que n~o abrange somente a evoluç~o na ciência, as pesquisas com células-tronco ou a reprodução assistida. As pesquisas nesta seara necessariamente também passam pelo campo da antropologia e da sociologia entre outros ramos do saber, proporcionando questionamentos sobre morte e sofrimento. A reflex~o sobre a morte carrega uma enorme carga axiológica, pois além da funcionalidade org}nica, esvai-se também o que aquela pessoa representou nos grupos sociais dos quais foi integrante: família, trabalho, sociedade, etc.

Conforme Noêmia de Sousa Chaves, morte e sofrimento humano não caminham necessariamente sempre juntos. A pesquisadora explica que o sofrimento humano pode ou não ser vivido por uma pessoa. Além disso, ele é plural, o que significa que tanto pode se manifestar fisicamente na pessoa que est| sofrendo de alguma enfermidade, mas também - ao mesmo tempo - psicologicamente no acompanhante do doente físico (CHAVES, 2015, p. 109).

Sabe-se que, nos momentos terminais, inúmeras pessoas ficam hiper medicalizadas, passando por medidas fúteis, exageradas e que visam tão somente prolongar a morte, muitas vezes não respeitando o que seria a vontade do paciente, caso pudesse escolher. Daí a importância do estudo da temática, que abarca questionamentos importantes, tais como a relação médico-paciente e paciente-Estado, desaguando no chamado direito de morrer. É inquestionável o fato do Brasil estar atrasado no tocante a tais debates, sendo imperioso o aprofundamento no assunto.

1.2 Controle do corpo: Biopoder

Quando se trata de autonomia, é indispensável analisar a questão da soberania e do poder jurídico sobre a vida, levando em consideração o controle total dos processos vitais da população, tais como: nascimento, reprodução e morte. O Estado sempre buscou regular e controlar tais situações, muitas vezes ocultadas sob o manto da neutralidade.

Oswaldo Giacoia Junior (2007, p. 267-308) explica que o Estado moderno controla os ciclos vitais tanto de saúde como de morbidez, ou seja, natalidade, mortalidade, reprodução, produtividade e improdutividade. Assim, a antiga soberania do monarca de "fazer morrer e

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deixar viver" se converte em um poder de "fazer viver e deixar morrer". Nesse sentido, aquela violência do efetivo exercício do direito de vida e de morte ainda se encontra presente no estado contemporâneo.

Na verdade, para Foucault (1999, p.306) a violência e o controle de vida e de morte foram remodelados, pois, tirar a vida não deve ser entendido apenas como o assassinato direto, mas também a exposição à morte, a multiplicação do risco de morte e até mesmo a morte política: expulsão, rejeição, etc.

O corpo do paciente sempre foi objeto passivo de uma espécie de biopoder. Aquele foi controlado pelo Estado e mesmo pelo médico que sempre soube e escolheu o melhor tratamento, numa participação onipotente no prolongamento da vida e no processo de morrer. Pode-se dizer assim que, a partir da Resolução 1995 de 2012 do Conselho Federal de Medicina, está ocorrendo uma reconfiguração da relação médico-paciente.

O questionamento sobre o direito de regulação do corpo biológico e autonomia da pessoa leva à reflexão sobre o pacote de princípios éticos presente no contexto da Bioética: Autonomia, Beneficência e Justiça. Dentre eles, destaca-se o primeiro, que consiste na capacidade de a pessoa tomar suas próprias decisões quanto ao seu corpo e sua vida e ter tais escolhas respeitadas.

O princípio da autonomia, inúmeras vezes empregado de forma “autom|tica” pela teoria principialista, não contempla as situações em que tal autonomia não é exercida plenamente, pois há uma coerção da vontade, que é um dos aspectos principais que formam o conceito político de vulnerabilidade.

Destaca-se a necessidade de uma adequação das bases teóricas que sustentam a Bioética à realidade política, social e cultural. Na verdade, os princípios da Bioética (autonomia, beneficência e justiça), provenientes do documento solicitado pelo governo dos EUA (Relatório Belmont) a um comitê de especialistas para frear os abusos que ocorriam em relação às pesquisas envolvendo seres humanos, acabaram sendo confundidos com a própria Bioética.

2 RESOLUÇÃO 1.995/2012 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

A presente pesquisa aborda os principais aspectos relacionados à diretiva antecipada de

vontade, também conhecida como “testamento vital”. Tal instrumento assegura a vontade da pessoa, em tratamento terminal, de obter uma morte digna. Parte do princípio de que o paciente possui o direito de se recusar a ser submetido a tratamento médico cuja finalidade seja, tão somente, prolongar-lhe a vida, quando seu estado clínico for irreversível.

As diretivas antecipadas de vontade permitem que os desejos relativos aos cuidados em final de vida sejam documentados, assim eles podem ser levados em consideração no futuro, quando o paciente não mais tiver capacidade para tomar suas decisões. Os pacientes que fazem uma diretiva possuem maior facilidade de receber tratamentos de acordo com suas preferências e valores pessoais.

Assim, tal documento está associado a uma diminuição de mortes em hospitais, aumento do uso de cuidados domiciliares e diminuição de medidas de prolongamento de vida. Indubitavelmente, a ausência de discussões médicas é a barreira mais comum para realização de uma diretiva.

Discussões sobre as diretivas antecipadas pelos médicos são importantes, pois os pacientes têm pouco conhecimento sobre as intervenções no final de vida. Essa ausência de resulta em stress, tanto para os pacientes e seus cuidadores.

2.1 O impacto das diretivas antecipadas de vontade no trabalho médico

É preciso mencionar que o termo "testamento vital" muitas vezes é utilizado

equivocadamente como sinônimo de "diretivas antecipadas de vontade". Na verdade, um testamento produz efeitos após a morte do sujeito que manifestou sua vontade, enquanto a

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diretiva antecipada produz efeitos quando a pessoa estiver em uma situação de terminalidade de vida - e não após a morte.

Os principais questionamentos relacionados às diretivas envolvem as situações nas quais o documento pode ser efetivamente utilizado, levando-se em consideração o fato de que um tratamento de saúde não pode causar sofrimento desnecessário ao paciente. Além disso, o trabalho parte da perspectiva de mudança na relação médico-paciente, na qual aquele deixa der ser o protagonista da situação, consistente, indubitavelmente, em uma relação de poder. Portanto, é preciso refletir sobre a morte com dignidade, tendo em vista os avanços científicos e tecnológicos relacionados à prolongação do processo de morrer.

Tal análise representa um caminho espinhoso, mas que deve ser trilhado pelo Direito, tendo em vista o fato de que este sempre é convocado para solucionar os conflitos relacionados à saúde.

Logo, busca-se estudar o direito do paciente em manifestar a sua vontade, isto é, de exercer sua autonomia, podendo escolher quais tratamentos deseja ou não ser submetido e, assim, ter a sua decisão respeitada. Os exemplos mais utilizados de situações são: ventilação mecânica, não reanimação em casos de parada cardíaca, ou seja, casos que possam ser previstos em instrumento que contenha a vontade da pessoa em se submeter a determinados procedimentos médicos.

Letícia Ludwig Moller (2007, p. 144) explica que o direito de um paciente de recusar tratamento - em estágio terminal - bem como de interrompê-lo, de modo a morrer do modo que lhe pareça mais digno (de acordo com suas convicções e crenças pessoais) exercendo sua autonomia, encontra-se amparado pela Constituição Federal de 1988.

Tal manifestação de vontade do paciente deve ser feita, de acordo com a Resolução 1.995 de 2012 do Conselho Federal de Medicina, no momento em que a pessoa tenha plena capacidade e, assim, o instrumento tenha validade posteriormente. Neste sentido, as diretivas antecipadas representam a possibilidade de o paciente manifestar previamente sua vontade acerca de quais tratamentos médicos quer ou não se submeter caso, em algum momento, se encontre em estado de incapacidade.

O questionamento é baseado na seguinte reflexão: a diretiva antecipada de vontade, através da Resolução 1995 de 2012, representa uma verdadeira conquista para a pessoa/paciente ou é mais um mero instrumento de controle/dominação sobre a vida? Importante destacar que o debate sobre morte digna está atrasado no Brasil e já foi enfrentado em muitos outros países. Através de Resolução, o Conselho Federal de Medicina trata da situação em que um paciente em estado terminal não deve ser submetido a qualquer procedimento só para prolongar sua vida, contra a vontade.

Quando não há chance de cura, nem mesmo perspectiva de uma sobrevivência digna, as manobras de ressuscitação, dentre outras, podem ser abandonadas. Outro questionamento importante é sobre a ausência de regulação pelo Legislativo destes casos. As diretivas antecipadas de vontade estão previstas em uma Resolução do Conselho Federal de Medicina. Assim, as perguntas surgem no seguinte sentido: por que o Legislativo não enfrenta essas questões? Conforme o Professor Henrique Moraes Prata (2015, p.1) “(...) o Legislativo se protege ou não enfrenta as questões por receio do que aquilo possa significar para o eleitorado (...). Há uma grande expectativa, por parte dos médicos, de que essas questões sejam reguladas pelo Legislativo e n~o apenas pelo Conselho. ”

Assim, é preciso lembrar que o referencial sempre é a dignidade. O Conselho Federal de Medicina, ao editar a Resolução 1.805/2006 — que trata da ortotanásia — destaca que o prolongamento da vida – em determinadas condições - pode até mesmo ser entendida como uma tortura.

O debate sobre a necessidade de regulamentação legislativa sobre a temática foi aquecido. Segundo Luciana Dadalto, Unai Tupinamb|s e Dirceu Bartolomeu Greco (2015) a resolução proveniente do Conselho Federal de Medicina, por ser um órgão de classe, tem força normativa somente entre os médicos, não regulamentando aspectos imprescindíveis tais como a

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formalização, o conteúdo, a capacidade dos outorgantes, o prazo de validade, bem como a criação de um registro nacional.

Apesar de ter surgido a partir de um órgão de classe, a resolução é importante por acalorar a discussão, principalmente pela própria sociedade, não se restringindo apenas aos médicos e juristas. Escolher o momento de morrer envolve questões pessoais, políticas e religiosas. Indubitavelmente é tema espinho, mas é preciso pensar sobre autonomia, racionalidade, consequências da decisão, morte, sofrimento e direito de morrer.

CONCLUSÃO

A Resolução 1.995 de 2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM) permite ao paciente

deixar registrada sua vontade antecipadamente, ou seja, através da diretiva antecipada de vontade poderá definir, com auxílio de seu médico, os procedimentos considerados pertinentes e aqueles aos quais não quer ser submetido no final de sua vida. Representa um documento cuja finalidade é informar à família e ao médico que tipo de cuidado ele gostaria de receber, caso fique incapacitado de tomar decisões no futuro, como por exemplo, na hipótese de se encontrar em estado de coma.

Percebe-se que há uma mudança importante na relação médico-paciente. Aquele passa a ser um colaborador, enquanto este participa efetivamente do tratamento, tendo em vista o fato de ser ele o protagonista de sua própria vida. Portanto, o médico poderá auxiliar e explicar sobre os tratamentos, mas não mais decidir em relação a quais destes o paciente necessariamente deve ser submetido.

Há regras que traçam os critérios sobre o uso de tratamentos extenuantes, invasivos ou dolorosos em casos clínicos nos quais não há nenhuma possibilidade de recuperação. Denominado de “diretiva antecipada de vontade” e conhecido equivocadamente como “testamento vital”, este instrumento permite registrar a vontade da pessoa em um documento. Através deste, a equipe médica deverá respeitar a autonomia do paciente, tendo em vista que as informações sobre quais procedimentos será ou não submetido, estarão lá expressas.

A pessoa poderá escolher e deixar registrado formalmente em seu prontuário se quer – ou não – ser submetida a procedimentos de ventilação mecânica (uso de respirador artificial), tratamentos dolorosos ou extenuantes e reanimação em caso de parada cardiorrespiratória. Em outras palavras pode participar da decisão sobre seu processo de adoecimento.

A diretiva antecipada de vontade é facultativa, pode ser feita em qualquer momento da vida (inclusive por aqueles em perfeita saúde) e pode ser modificada ou revogada a qualquer momento. Logo, pela Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM), ela pode ser feita pelo médico no prontuário do paciente, desde que expressamente autorizado por ele. Não são exigidas testemunhas, pois o médico possui fé pública. O registro em prontuário não poderá ser cobrado, pois integra o atendimento.

Caso a pessoa manifeste interesse poderá registrar sua diretiva antecipada de vontade também em cartório. Indubitavelmente, trata-se de um considerável avanço na relação médico-paciente. Mais do que um avanço, talvez seja uma reconfiguração nesta situação que envolve poder e vulnerabilidade.

Importante frisar que, mesmo com o Código de Ética Médica de 2010, o Brasil ainda está atrasado em relação à agenda Bioética. Tal Código veda ao médico abreviar a vida, ainda que a pedido do paciente ou de seu representante legal.

Assim, as diretivas destacam o princípio bioético da autonomia. Sem dúvida os avanços científicos e tecnológicos que propiciam o prolongamento da vida e a cura de diversas doenças merecem ser aplaudidos. No entanto, é preciso lembrar que quantidade de vida não é – e nunca será – sinônimo de qualidade de vida.

As pesquisas e suas decorrentes descobertas devem proporcionar uma maior qualidade de vida ao paciente. O uso indevido ocorre quando a utilização é feita tão somente para prolongar um sofrimento desnecessário, comprometendo a qualidade de vida.

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Não existindo uma diretiva antecipada de vontade do paciente e na ausência de representante ou familiares disponíveis, o médico deverá procurar o Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, a Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para que a decisão sobre conflitos éticos seja devidamente fundamentada.

REFERÊNCIAS

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______. Resolução CFM nº 1.995/2012. (Publicada no D.O.U. de 31 de agosto de 2012, Seção I, p. 269-70). Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2012/1995_2012.pdf>. Acesso em: 07 mar. 2015.

______. Resolução CFM nº 1.805/2006. (Publicada no D.O.U., 28 nov. 2006, Seção I, pg. 169). Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2006/1805_2006.htm>. Acesso em: 27 jun. 2015.

DADALTO, Luciana. Testamento Vital. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

______; TUPINAMBÁS, Unai; GRECO, Dirceu Bartolomeu. Diretivas antecipadas de vontade: um modelo brasileiro. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/bioet/v21n3/a11v21n3.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2015.

FOUCAULT, M. Em Defesa da Sociedade. Curso no Collège de France (1975-1976). Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

GIACOIA JR, Oswaldo. Sobre direitos humanos na era da bio-política. (Aula inaugural). Kriterion, Belo Horizonte, n. 118, p. 267-308, dez. 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2008000200002&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 07 mar. 2015.

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