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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP Ricardo Mrad Repercussão Geral e Súmula Vinculante em matéria tributária MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO SÃO PAULO 2010

Repercussão Geral e Súmula Vinculante em matéria ... · PDF filedireito um objeto cultural, o estudo de suas origens nos parece fundamental para melhor compreendê-lo no presente

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

Ricardo Mrad

Repercussão Geral e Súmula Vinculante

em matéria tributária

MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

SÃO PAULO

2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

Ricardo Mrad

Repercussão Geral e Súmula Vinculante

em matéria tributária

MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como

exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em

Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo, sob a orientação da Prof. Dra. Fabiana Del

Padre Tomé.

SÃO PAULO

2010

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Banca Examinadora

________________________________________________

________________________________________________

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Dedico este trabalho à todas as

mentes inteligentes que,

de uma forma ou de outra,

me auxiliaram nesta jornada.

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RESUMO

O presente trabalho tem como escopo o estudo dos institutos da repercussão geral

e da súmula vinculante visando aplicá-los a alguns casos práticos de direito tributário.

Com este intuito, algumas premissas metodológicas foram traçadas, como a

concepção do direito como um sistema comunicacional. Assim, mesmo aceitando e aplicando a

distinção entre o sistema do direito positivo e o sistema da Ciência do Direito, vislumbra-se a

existência de comunicação entre os referidos sistemas, o que acaba criando outro sistema

comunicacional, autopoiético, denominado de sistema jurídico. Outrossim, também foi analisada

a teoria comunicacional proposta por Luhmann e concluímos que o que se passa na consciência

humana se encontra fora do plano comunicacional e, ainda segundo os ensinamentos de

Luhmann, a norma jurídica foi situada no ato de entender, enunciado por um aplicador do direito.

Em um segundo momento, foram enfatizadas as diferenças entre os dois grandes

sistemas jurídicos do ocidente (common law e civil) para se demonstrar que os mesmos se

encontram cada vez mais próximos. Nesta etapa, estudou-se o sistema de controle incidental e

difuso da constitucionalidade dos atos normativos, desenvolvido na common law e o sistema

concentrado, desenvolvido na civil law. Após, identificou-se que o Brasil, país da civil law,

adotou um sistema de controle de constitucionalidade típico dos países da common law, fato este

que acarretou na ineficiência do sistema, que evoluiu paulatinamente ao longo do Século XX até

alcançar o estágio atual, híbrido.

Depois, demonstrou-se que no Brasil, não obstante a livre convicção do juiz ser a

regra geral, é crescente o número de regras que conferem as mais diversas decisões judiciais

significativa eficácia extraprocessual para a solução de outros processos, alcançando, em certos

casos constitucionalmente delineados, inclusive a vinculação.

Feito isso, analisou-se detidamente o tema da repercussão geral, em sua acepção

constitucional e infraconstitucional e da súmula vinculante, visando a demonstrar suas

particularidades e funções precípuas, principalmente no tocante às tarefas de uniformizar a

jurisprudência, racionalizar e conferir maior eficácia ao trabalho desenvolvido pelo Supremo

Tribunal Federal.

Por último, estudou-se alguns casos de direito tributário à luz de todos os

conhecimentos e ferramentas desenvolvidos ao longo do estudo, que não tem como escopo a

construção de teorias sobre o direito material tributário, mas sim, demonstrar como tais teorias

são criadas, desenvolvidas e descartadas. Em suma, demonstrar como funciona a dinâmica do

sistema jurídico, visando a compreender a coordenação existente entre a doutrina e os

aplicadores do direito.

Palavras-chave: repercussão geral, súmula vinculante e direito tributário

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ABSTRACT

The present work has as an aim to analyze the general repercussion institutes and the

entailed emulate and to apply them for some tributary law practical cases.

With this purpose, some methodological premises were draught, as the law conception as

a communicational system. Not-withstanding the distinction between the positive law system and

the system of the Law Science were accepted and applied, glimming the existence of the

communication between both, the referred system which can constitute in another

communicational system, called judiciary system. Furthermore, the communicational theory

proposed by Luhmann was analyzed and it was concluded that what passes in human

consciousness it is found outside the communicational plan, and, according to the Luhmann

teachings, the judicial rule is set in the understanding act, which is enunciated by a law applicant.

In a second moment, it was emphasized the difference between the two western judiciary

systems (common and civil) and demonstrated that the same were becoming much closer. In this

stage, it was focused the system of incidental control and diffused of the constitutionality of the

normative acts, and it was also developed in the common law and the concentrated system,

which was developed in the civil law. After, it was identified that Brazil, the country of the civil

law, adopted a typical system of the constitutionality control of the common law countries. This

fact caused the inefficiency of the system, which gradually evolved during the 20th

century until

it reaches the present time, hybrid.

Also, it was demonstrated that in Brazil, the free conviction of the judge in being the

general rule is increasing the rules numbers that check the most various judicial decisions and

extra proceeding relevant efficacy to the other process solutions, reaching, in certain cases

draught constitutionally, including the entail.

Following, it was analyzed the theme of general repercussion, in its constitutional and

infra constitutional meaning and the entailed emulate, aiming to demonstrate its particularities

and the principal functions, mainly what concerns the tasks of unifying the jurisprudence,

rationalizing and checking the efficacy to the work which is developed by “Supremo Tribunal

Federal”.

Finally, some tributary law cases were analyzed under all the knowledge and tools that

were developed during this study, which does not have the purpose the construction of the

theories, but it was aimed how these theories are created, developed and discarded. Then, this

study was focused at demonstrating how the dynamics of the judicial system works, aiming the

understanding of the existent coordination between the doctrine and the law professionals.

Key-words: general repercussion; entailed emulate; tax law.

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Repercussão geral e Súmula Vinculante

em matéria tributária

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 10

CAPÍTULO 1. PROPEDÊUTICA GERAL

1.1. A revolução filosófica do Século XX ................................................................................... 12

1.2. Teoria da comunicação e direito ........................................................................................... 24

1.3. Da distinção entre o sistema do direito positivo e a Ciência do Direito ............................... 30

1.4. Do ciclo de positivação do direito ........................................................................................ 34

1.5. Algumas conclusões iniciais ................................................................................................. 37

CAPÍTULO 2. DOS DIVERSOS TIPOS DE SISTEMAS JURÍDICOS MUNDIAIS

2.1. Introdução ............................................................................................................................. 49

2.2. Da origem e desenvolvimento da common law na Inglaterra ............................................... 50

2.3. Da introdução e evolução da common law nos Estados Unidos da América ....................... 54

2.4. Do direito romano-germânico, ou civil law .......................................................................... 56

2.5. Da principal distinção entre a civil law e a common law ..................................................... 59

CAPÍTULO 3 – DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DOS ATOS

NORMATIVOS

3.1. Do controle de constitucionalidade dos atos normativos na common law ............................ 64

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3.2. Do controle de constitucionalidade dos atos normativos na civil law .................................. 66

3.3. Da evolução do controle de constitucionalidade dos atos normativos no Brasil .................. 70

3.4. Síntese conclusiva sobre as etapas da evolução do controle de constitucionalidade

dos atos normativos no Brasil ...................................................................................................... 83

3.5. Da teoria geral acerca da inconstitucionalidade dos atos normativos ................................... 84

3.6. Dos efeitos temporais das decisões de inconstitucionalidade (ou não)

dos atos normativos ...................................................................................................................... 95

CAPÍTULO 4. DA EFICÁCIA QUE AS DECISÕES JUDICIAIS POSSUEM PARA

ATUAREM COMO PRECEDENTES NO SISTEMA JURIDICO BRASILEIRO

4.1. Introdução ........................................................................................................................... 103

4.2. Da classificação elaborada por Patrícia Perrone e a nossa proposta

Classificatória ............................................................................................................................ 105

4.3. Alguns precedentes vinculantes .......................................................................................... 108

4.4. Da eficácia extraprocessual das decisões de inconstitucionalidade proferidas

pelo plenário do Supremo Tribunal federal pela via incidental e difusa ................................... 112

4.5. Da eficácia extraprocessual da jurisprudência dominante e das súmulas ........................... 118

4.6. Do incidente de uniformização da jurisprudência dos tribunais ......................................... 121

CAPÍTULO 5. DA REPERCUSSÃO GERAL

5.1. Introdução ........................................................................................................................... 128

5.2. Origens do instituto ............................................................................................................. 134

5.3. Aspectos constitucionais ..................................................................................................... 137

5.4. Da regulamentação infraconstitucional ............................................................................... 140

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5.4.1. Algumas particularidades da Lei 11.418/06 .................................................................... 140

5.4.2. Da dimensão semântica do termo repercussão geral ....................................................... 143

5.4.3. Do regime jurídico processual estabelecido pela repercussão geral ................................ 149

5.4.4. Da irrecorribilidade das decisões sobre a repercussão geral ............................................ 154

5.5. Dos recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça .................................. 158

5.6. Do distanciamento quanto à eficácia das decisões judiciais proferidas pelo

Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça ................................................ 160

CAPÍTULO 6. DA SÚMULA VINCULANTE

6.1. Origem ................................................................................................................................ 165

6.2. Da previsão constitucional .................................................................................................. 173

6.3. Súmula Vinculante e repercussão geral .............................................................................. 178

CAPÍTULO 7. ANÁLISE DE ALGUNS CASOS PRÁTICOS EM MATÉRIA DE

DIREITO TRIBUTÁRIO

7.1. Ainda a controvertida questão das normas gerais em matéria tributária e a exigência quanto a

sua veiculação por lei complementar ......................................................................................... 183

7.1.1. Da edição da súmula vinculante n° 8 e do julgamento dos recursos extraordinários que lhe

deram origem ............................................................................................................................. 198

7.1.2. Da incidência da COFINS sobre a atividade das sociedades civis de profissão

regulamentada ............................................................................................................................ 211

7.2. Da Súmula Vinculante n° 28 .............................................................................................. 216

CONCLUSÕES ........................................................................................................................ 222

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 242

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INTRODUCÃO

Muito se tem dito pela univocidade do direito, que, segundo esta concepção,

seria uno e indecomponível. Este trabalho é uma prova de que tal assertiva é correta, na

medida em que flui sobre temas constitucionais, processuais e de teoria geral do direito

para analisar intrigadas questões jurídicas tributárias.

O escopo do presente trabalho não é construir uma teoria sobre determinada

questão de direito material tributária, mas sim, procurar demonstrar como as teorias são

construídas, empregadas e afastadas. Procuramos analisar o sistema jurídico do ponto de

vista dinâmico, demonstrando que existe uma íntima e constante comunicação entre todos

os participantes deste sistema. Assim, legisladores, magistrados, administradores públicos,

doutrinadores e cidadãos (através de seus advogados) todos participam do sistema jurídico

no sentido de que emitem sucessivos atos de comunicar e atos de entender que dinamizam

o jogo do direito (no sentido dos jogos de linguagem de Wittgenstein).

Também procuramos demonstrar a importância do estudo da formação

histórica dos atuais institutos em vigor em nosso ordenamento jurídico, pois, sendo o

direito um objeto cultural, o estudo de suas origens nos parece fundamental para melhor

compreendê-lo no presente.

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Com relação a aplicação das decisões judiciais como precedentes,

procuramos explicar que diversos fatores vem contribuindo para uma substancial alteração

em nossa legislação processual no sentido de conferir uma eficácia extraprocessual cada

vez maior às decisões judiciais, principalmente no tocante àquelas proferidas pelo Supremo

Tribunal Federal, visando a conferir uma maior segurança jurídica ao ordenamento, assim

como racionalizar o trabalho do Poder Judiciário.

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CAPÍTULO 1. PROPEDÊUTICA GERAL

1.1. A revolução filosófica do Século XX

Mesmo cientes de que o termo revolução possui uma maior precisão

semântica quando empregado para designar a violenta e rápida destruição de um regime

político ,1 ele também pode ser empregado para designar uma radical mudança de uma

determinada situação cultural.2 Assim, justificamos seu uso no título deste subcapítulo,

pois entendemos que o século XX produziu uma verdadeira revolução no pensamento

filosófico ocidental ao descartar a filosofia da consciência e adotar a filosofia da linguagem,

mediante um movimento denominado giro linguístico, ou viragem linguística.

Longe de pretender analisar, mesmo que resumidamente, a evolução do

pensamento filosófico ocidental desde a Grécia Antiga, para nós, claro está que, desde

então, os pensadores do ocidente vem travando uma árdua batalha contra a metafísica

desenvolvida por Aristóteles, que, em apertada síntese, coloca a linguagem em segundo

plano (como o fez Platão), uma vez que descarta a idéia de uma linguagem autônoma com

relação às coisas. Antes, pressupõe uma ontologia, na medida em que as palavras só

possuíam um sentido porque as coisas possuíam uma essência.3 Assim, a linguagem passa

a ser vista como um mero instrumento, utilizado pelo sujeito cognoscente, para alcançar seu

objeto de estudo, que já o é em sua essência.

1 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia, pág. 858.

2 Idem, pág. 859.

3 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise, pág. 122.

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Segundo este paradigma, vitorioso é o entendimento segundo o qual a

verdade se dá por correspondência, na medida em que pressupõe uma identidade entre a

proposição afirmativa ou negativa de algo e a realidade por ela referida.4

A partir deste contexto filosófico, observamos, ao longo dos últimos dois

mil anos, o surgimento de diversas escolas filosóficas no ocidente, que, pouco a pouco, vem

construindo uma série de argumentos lógicos para derrocar a ontologia acima descrita.

Podemos citar, dentre outras, algumas destacadas escolas filosóficas, tais como o

nominalismo, o materialismo, o ceticismo, o empirismo moderno e o conceitualismo. É

interessante notar que, com o passar dos anos, os próprios pensadores metafísicos acabaram

por desenvolver argumentos que, posteriormente, darão embasamento ao giro linguístico.5

Já no século XIX, Joham Georg Hamann, Johan Gottfried Herder e Wilhelm

Von Humbolt (este é considerado por muitos como o fundador da filosofia da linguagem),

tornaram-se os precursores da filosofia da linguagem. As idéias desenvolvidas por tais

cientistas são primordiais para a quebra do paradigma da filosofia da consciência, uma vez

que trazem a linguagem para o centro da teoria do conhecimento. Contudo, à época, tendo

em vista o deslumbramento da comunidade filosófica com o idealismo transcendental de

Kant e Hegel, a incipiente filosofia da linguagem foi relegada ao segundo plano.

Entre o final do século XIX e o início do século XX a linguística moderna,

principalmente através dos estudos de Saussure (Semiologia) e Peirce (Semiótica), também

4 TOMÈ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário, pág. 11.

5 Tudo como muito bem explicado por STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise, pág. 125 e

seguintes.

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contribui sobremaneira para a evolução do pensamento filosófico e a consequente quebra

do paradigma ontológico, estabelecido pela metafísica, na medida em que demonstra a

inexistência de qualquer vínculo natural entre o signo e seu significado (Saussure). Aliás,

neste sentido, também são muito relevantes as críticas que Peirce elabora acerca da filosofia

da consciência de Kant, principalmente no que diz respeito às suas doze categorias

fundamentais.6

Não obstante o desenvolvimento de todas as escolas filosóficas acima

descritas, foi somente na metade do século XX que, efetivamente, a filosofia da linguagem

se sobrepõe à filosofia da consciência. Neste sentido, ainda com Streck,7 podemos afirmar

que o giro linguístico ocorreu em três frentes.

A primeira frente é observada com o neopositivismo lógico que, ao reduzir a

filosofia à epistemologia e esta à semiótica, acaba conferindo soberba importância a

linguagem como instrumento do saber científico por excelência. Ademais, para tal corrente

de pensamento, os problemas da filosofia devem ser resolvidos à luz da linguística e não da

metafísica. Neste sentido, aduz-se que a linguagem, quando mal empregada, pode

obscurecer o conhecimento humano, logo, o rigor semântico e sintático da linguagem

científica se impõe, em detrimento da pragmática.8

Destarte que o neopositivismo lógico ainda é um pensamento ontológico por

excelência, pois não aceita como verdadeiro o enunciado linguístico que não é passível de

6 Conforme nos ensina STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise, pág. 145, passim.

7 Idem, pág. 161.

8 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário e Método, pág. 27, passim.

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constatação empírica (com exceção das tautologias). Assim, temos que sua relevância para

o giro lingüístico consiste justamente na importância que confere à linguagem, afastando as

questões metafísicas do pensamento filosófico.

Insta frisarmos que o neopositivismo lógico está fundamentado na primeira

fase do pensamento do filósofo austríaco Ludwing Josef Johann Wittgenstein, que foi

exposto no Tractatus Logico-philosophicus, uma vez que nesta obra se realiza

uma reformulação da teoria tradicional da semelhança entre

linguagem e mundo. Já que a linguagem não passa de um

reflexo, de uma cópia do mundo, o decisivo é a estrutura

ontológica do mundo que a linguagem de anunciar. A

essência da linguagem depende, assim, em última análise, da

estrutura ontológica do real. Existe um mundo em si que nos

é dado independente da linguagem, mas que a linguagem tem

a função de exprimir.

Foi por ter radicalizado no Tractatus tal posição

que Wittgenstein se deixou guiar pelo ideal de uma

linguagem perfeita, capaz de reproduzir com absoluta

exatidão a estrutura ontológica do mundo.9

É justamente este ideal por uma linguagem perfeita, tanto perseguido por

Wittgenstein, que irá determinar o rigor semântico e sintático da linguagem científica

empregada pelo neopositivismo lógico.

Se a primeira frente do giro linguístico se deu com o neopositivismo lógico,

fundamentado na primeira fase do pensamento de Wittgenstein, é interessante notar que a

segunda frente também se deu em função deste inestimável filósofo austríaco, porém,

9 OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea, pág. 121.

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agora, com a segunda fase do seu pensamento, compilado em sua obra póstuma:

Investigações Filosóficas.

Nesta segunda, fase Wittgenstein se torna um dos maiores críticos da

filosofia da consciência. O mundo fora da linguagem não existe. Só temos o mundo na

linguagem. Assim, a linguagem assume novo status na filosofia, pois deixa de ser o

instrumento de comunicação do conhecimento para tornar-se a própria condição de

possibilidade para a constituição do pensamento. Não há qualquer essência comum entre as

coisas no mundo.10

Com este novo pensamento, Wittgenstein abandona o ideal de uma

linguagem perfeita, tão caro em sua primeira fase e passa a entender tal ideal como um mito

filosófico, uma vez que a linguagem é indeterminada, melhor dizendo, é impossível

determinar a significação das palavras sem uma consideração do contexto socioprático em

que são usadas. As palavras são sempre ambíguas, sem um significado definitivo.

Pretender uma exatidão linguística é cair numa ilusão metafísica.11

Ademais, nesta segunda fase, Wittgenstein deixa claro que com a linguagem

o homem é capaz de fazer muito mais coisas do que simplesmente descrever o mundo.

Quem assim acredita possui uma visão reduzida das múltiplas funções da linguagem, pois

diversas são as atividades humanas realizáveis tão somente mediante o emprego da

10

Tudo conforme STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise, pág. 164. 11

Idem, pág. 164.

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17

linguagem.12

A estes múltiplos usos da linguagem Wittgenstein denomina de jogos de

linguagem. Assim, a linguagem comum passa a ter prevalência sobre a linguagem lógica,

exatamente por seus múltiplos usos. Os diferentes jogos de linguagem são como diferentes

formas de vida, considerando-se o contexto social em que são empregados. Cada atividade

humana utiliza uma determinada linguagem comum que somente neste contexto pode ser

entendida, dando, assim, eficácia à comunicação.13

A importância que Wittgenstein, em sua segunda fase, confere à pragmática

é latente. Por isso, esta segunda frente do giro linguístico também é conhecida como giro

linguístico-pragmático. Adota-se, agora, o paradigma comunicacional, em detrimento do

verificacional, adotado por Frege.14

A teoria dos jogos de linguagem repele a tradição

semântica de que a significação de uma palavra depende de sua ordenação-objetiva, pois

entende que os problemas semânticos só são resolvidos na medida em que atingidos por

uma dimensão pragmática.15

Os seguidores da segunda fase de Wittgenstein foram os responsáveis pela

terceira frente de ataque à filosofia da linguagem. Tal escola é conhecida como filosofia

analítica inglesa e seu nome mais expressivo é o de John Langshaw Austin, autor do livro

Quando dizer é fazer (How to do things with words).16

12

OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea, pág.

129. 13

MENDES, Sonia Maria Broglia. A validade jurídica e o giro linguístico, pág. 62. 14

Idem, pág. 55. 15

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise, pág. 166. 16

MENDES, Sonia Maria Broglia. A validade jurídica e o giro linguístico, pág. 69.

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18

Partindo da premissa estabelecida por Wittgenstein de que os enunciados

linguísticos não se prestam tão somente para descrever um estado de coisas, Austin

classifica os enunciados como constatativos ou performativos. Constatativos são os

enunciados que apenas relatam um estado de coisas. Já os performativos são os enunciados

que produzem uma ação. Austin deixa claro que muitas vezes, ao falarmos, fazemos coisas.

Eis uma das grandes inovações trazidas por Austin à filosofia da linguagem. Determinadas

sentenças, como “batizo este navio com o nome de Rainha Elizabeth”, caso ditas de forma

apropriada, não descrevem o ato que se estaria praticando ao dizer o que se disse, muito

menos declaram que o estou praticando, antes de mais nada, é fazê-lo.17

Austin diz que os enunciados performativos não se submetem aos critérios

de verdade e falsidade, aplicáveis aos enunciados constatativos, mas sim aos critérios de

felicidade ou infelicidade. Para que uma ação seja praticada, além do proferimento das

palavras chamadas performativas, muitas outras coisas em geral têm que ocorrer de modo

adequado para podermos dizer que realizamos, com êxito, a nossa ação. 18

Justamente

neste contexto é que Austin desenvolve, de forma sistematizada, um conjunto de seis regras

que devem ser obedecidas para que o pronunciamento performativo possa realizar a ação

desejada, ou seja, assumir o status de um ato feliz.

Adiante, Austin constrói a teoria dos atos de fala (locução, ilocução e

perlocução), muito bem sintetizada por Tárek Moysés Moussallem:19

17

AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer, pág. 21, passim. 18

Idem, pág. 21, passim. 19

Revogação em Matéria Tributária, pág. 16.

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19

O ato locucionário consiste no próprio dizer. O ato

ilocucionário consiste naquilo que se faz ao falar alguma

coisa, ou, de acordo com AUSTIN, é “a realização de um ato

ao dizer algo, em oposição à realização de um ato de dizer

algo”. E, por fim, o ato perlocucionário, que é o efeito

provocado no destinatário pelo fato de dizer alguma coisa, é

o resultado produzido pela ação de dizer algo.

Neste contexto, se concretiza a revolução filosófica do Séc. XX que alterou

de forma radical a filosofia contemporânea. A ontologia e a metafísica perdem espaço para

uma filosofia focada na linguagem, que deixa de ser vista como instrumento do

conhecimento e passa a ser entendida como condição necessária para o próprio

conhecimento.

O giro linguístico é aceito e utilizado como fundamento filosófico de nossa

escola de Direito, autodenominada “Constructivismo Lógico-Semântico”.20

Contudo,

mesmo entre nós, percebemos que nem todos possuem as mesmas premissas

epistemológicas.

Mesmo sabendo que tais considerações são irrelevantes para a Dogmática

Jurídica, visto que o Direito é um objeto cultural, criado e desenvolvido por meio da

linguagem, por amor ao debate, consideramos relevante tecer algumas considerações sobre

o tema.

A leitura do primeiro capítulo da festejada dissertação de mestrado de Tárek

Moysés Moussallem demonstra sua irrestrita adesão ao giro linguístico como

20

Conforme CARVALHO, Paulo de Barros, no prefácio da obra Direito Penal Tributário, de Aurora

Tomazini de Carvalho.

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20

fundamentação filosófica do seu pensar. Assim, em determinada passagem, afirma o

referido Autor que a linguagem é o universo humano, universo só existe pela linguagem,

que neste sentido passa a ter status de criação.21

Por outro lado, no primeiro capítulo de

sua tese de doutorado, este inestimável professor evidencia uma sutil alteração em sua

forma de pensar, principalmente ao afirmar que: por ser o meio pelo qual a cultura se

manifesta, a linguagem é responsável por instaurar a realidade no homem. É a via de

acesso do sujeito à realidade mesma. Agora, instaurar não significa criar.22

Em outras

palavras, Tárek abandona a premissa de que a linguagem cria o mundo, pois compreende

que as coisas da natureza não são criadas pela linguagem, uma vez já existentes antes da

linguagem humana tê-las descrito, e passa a entender que a linguagem é responsável pelo

acesso do homem à realidade física.

Neste sentido, distinguindo as coisas no mundo-das-coisas (coisa natural)

com a coisa no mundo-social (coisa no mundo-circundante), Tárek Moysés Moussallem

adota o conceito de fatos brutos e fatos institucionais desenvolvido por John Searle. Os

fatos brutos seriam aqueles que independem da vontade humana e não necessitam de

linguagem para existir, como o fogo, ou os animais. Já os fatos institucionais dependem da

convenção humana para existir, como o dinheiro e o teatro.

Nos fatos brutos, a relação entre linguagem e

coisas não é direta. A linguagem se conecta, prima facie,

com o pensamento para, a partir daí, ir à coisa mesma. De

maneira diferente, ocorre com os fatos institucionais, nos

quais a linguagem é parte constituinte do objeto. Duas

linguagens se manifestam: uma do próprio objeto (fato

21

As fontes do Direito Tributário, pág. 26. 22

Revogação em Matéria Tributária, pág. 6.

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21

institucional) e outra da descrição do objeto (fato

institucional de sobrenível).23

Concordamos em parte com as formulações acima articuladas por Tárek

Moysés Moussallem.

Antes de tudo, gostaríamos de deixar claro que não utilizamos a expressão

“fato bruto” para denominar as coisas da natureza, cuja ocorrência independe da ação do

Homem, pois entendemos que todo fato é uma articulação linguística descritiva de um

acontecimento, ou seja, de um evento.

Os eventos podem ser linguísticos ou não. Os eventos linguísticos são os

enunciados performativos de Austin. São os objetos culturais criados pelo Homem, que

dependem de linguagem para acontecerem, ou seja, cuja ocorrência está vinculada a uma

linguagem. Tal como uma peça de teatro, um casamento e etc. Destarte, sobre um evento

linguístico pode se debruçar outra linguagem, metalinguagem descritiva, que irá, a partir

dele, produzir um fato social.

Por outro lado, os eventos não linguísticos podem depender ou não da ação

do Homem. Chamaremos de evento não linguístico natural, aquele acontecimento que

independe tanto da linguagem quanto da ação humana para acontecer, são as coisas da

natureza, os fatos brutos, na acepção de Searle. Já os eventos não linguísticos que

dependem da ação humana serão por nós denominados de evento não lingüístico humano.

23

Revogação em Matéria Tributária, pág. 9.

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22

Tal classificação se impõe, pois, ao afirmarmos que o Homem é capaz de

fazer coisas falando, mediante o emprego de um enunciado performativo, não podemos nos

esquecer que o mesmo Homem também é capaz de fazer coisas sem falar. Nem toda ação

humana depende da linguagem. Um homem não precisa de linguagem para ferir seu

corpo ou comer. Aliás, um homem não precisa de linguagem alguma para retirar a vida de

outro ser-humano. Porém, para tomar contato com tais eventos, para perceber tais eventos,

o Homem depende de uma linguagem que os descreva.

Se não vejamos, uma vez entendido que a consciência humana se manifesta

pela linguagem, é cediço que todos os eventos não linguísticos necessitam de uma

linguagem para que possam ser por ele assimilados. Sem um revestimento linguístico os

eventos não linguísticos são imperceptíveis ao Homem. Mas isso não quer dizer que tais

eventos dependam da linguagem para ocorrerem na natureza. Não são os eventos não

linguísticos naturais que dependem da linguagem para ocorrerem, mas sim, é o

Homem quem depende de uma linguagem para perceber que um evento não

linguístico natural ocorreu. Neste sentido, o Homem se torna escravo de sua linguagem,

na medida em que o conhecimento que possui dos eventos não linguísticos é limitado a sua

capacidade linguística de descrevê-los. Ademais, não podemos perder de vista que ao

pretender descrever os eventos não linguísticos, o Homem acaba promovendo a construção

lingüística dos mesmos.

Assim, podemos afirmar que o Homem constrói linguisticamente o seu

próprio mundo, pois tudo que lhe é perceptível o é linguisticamente reduzido. Mas isso não

quer dizer que o mundo seja restrito aos eventos perceptíveis pelo Homem e reduzido a

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23

linguagem. Pelo contrário, entendemos que esta assertiva implica o reconhecimento da

existência de um universo de eventos que nos são imperceptíveis, neste momento, e a cada

novo avanço das ciências naturais eventos não linguísticos naturais, até então

imperceptíveis ou ininteligíveis ao Homem passam a ser descritos e interpretados, ou seja

linguisticamente construídos.

Se o universo do discurso das ciências naturais encontra-se em expansão,

levando a percepção lingüística humana a eventos não linguísticos então desconhecidos, é

cediço que outros eventos não lingüísticos naturais existem, mas que nós não os

conhecemos.

Com relação aos eventos não linguísticos humanos algo semelhante se dá.

Como são provocados pelo próprio homem, partiremos do pressuposto de que algum ser -

humano os tenha praticado e ou presenciado. Assim, tais eventos são, automaticamente,

percebidos pelas pessoas que presenciaram sua ocorrência. Passo seguinte, estas pessoas

constroem em suas mentes uma concepção fática de tais eventos. Trata-se de algo que se

encontra dentro da consciência do homem. Após, o ser cognoscente verbalizar sua

concepção fática do evento, por meio da escrita ou da fala, a terceiros, faz dele um fato

social. Não é preciso ir muito longe para entender que duas pessoas que presenciaram o

mesmo evento não lingüístico podem produzir fatos completamente distintos, cada um

conforme sua percepção dos acontecimentos.

Ante o exposto, assim podemos sistematizar o nosso pensamento sobre o

tema em debate:

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24

--------------------------- Evento -----------------------------

I I

I I

evento não lingüístico evento lingüístico

I I

------------------ I -------------------- I

I I I

I I I

Dependente da ação humana não dependente sempre dependente

da da ação humana

ação humana ação do humana

1.2. Teoria da comunicação e direito

Como visto, o giro linguístico-pragmático proporcionou à filosofia da

linguagem o estabelecimento de um paradigma comunicacional, em detrimento de seu

antigo paradigma verificacional. Assim, é cediço que este novo paradigma confere

fundamentação para que a teoria do conhecimento passe a operar entre termos, entre

significações, e não mais entre sujeito e objeto, como outrora.

Este contexto faz com que os estudos dos fenômenos comunicacionais

ganhem cada vez mais espaço entre os cientistas. Entender como se opera a comunicação

tornou-se extremamente importante e faz com que os estudiosos dêem cada vez mais

atenção ao desenvolvimento de uma satisfatória teoria da comunicação. Se o conhecimento

humano se dá entre significações, em um ambiente comunicacional, a compreensão de

como se opera tal fenômeno torna-se vital para a teoria do conhecimento.

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25

Um modelo comunicacional bastante difundido desenvolvida por Roman

Jakobson. Resumi-lo-emos, nos seguintes termos: verifica-se, no processo comunicacional,

a existência de um emissor que envia uma mensagem para o receptor; o envio desta

mensagem, para ser eficaz, requer um contexto apreensível pelo receptor; também se

mostra relevante à existência de um código que seja comum aos participantes da

comunicação e, finalmente, um canal físico (contacto) e uma conexão psicológica entre

emissor e receptor, capacitando-os a permanecerem em comunicação.24

Neste contexto, o fenômeno jurídico pode ser entendido como um processo

comunicacional. Para tanto, a norma jurídica deve ser entendida como uma mensagem, na

medida em que ela deflagra um significado mediata ou imediatamente relacionado com a

ordenação das condutas humanas em sociedade. Ou seja, o seu significado é a informação

que elas transmitem.25

Exemplificando: o Poder Legislativo, ao criar as normas jurídicas, envia

uma mensagem aos cidadãos de um determinado País, dentro do contexto de um Estado

Democrático de Direito, mediante o emprego de um código comum, a língua deste País,

através da impressão no Diário Oficial (canal), visando ordenar suas relações de

intersubjetividade. Esta mensagem deve ser recepcionada pelos referidos cidadãos, que

compreendem que as regras ali estabelecidas devem ser obedecidas, sob pena de sanção.

24

JAKOBSON Roman. Linguistica e comunicação, pág. 123. 25

ARAUJO, Clarice von Oertzen de. Semiótica do Direito, pág. 45.

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26

Como visto, o modelo comunicacional acima exposto é perfeitamente

aplicável ao direito. No entanto, ele confere especial atenção ao emissor, em detrimento do

receptor, na medida em que vislumbra na mensagem uma informação que é transmitida

pelo emissor ao receptor. Assim, entendemos, com a devida vênia àqueles que pensam

diferente, que a sua adoção deve ser repensada, pois se assim não for teremos enormes

dificuldades em elucidar o fenômeno da hermenêutica jurídica. Neste contexto, achamos

pertinente ingressarmos em alguns aspectos da teoria da comunicação elaborada por Niklas

Luhmann, que pode nos conferir novos subsídios para a compreensão do fenômeno

jurídico.

Antes de qualquer coisa, devemos esclarecer que Luhmann não aceita a

tradicional concepção científica sobre a comunicação acima exposta, e se conclui que o

processo de comunicação se dá mediante a transmissão de informações. Para Luhmann, a

visão tradicional sobre a comunicação fundamenta-se em uma falsa premissa, por ele

denominada “metáfora da comunicação”.26

Ainda segundo o autor, a adoção de tal metáfora

nos leva a pensar que mediante um processo de comunicação se transfere informação, o que

é um equívoco. Sinteticamente, assim se manifesta Luhmann:27

la metáfora de la transmisión no es útil porque

implica demasiada ontologia. Sugiere que el emisor

transmite algo que es recibido por el receptor. Este no es el

caso, simplemente porque el emisor no da nada, em el

sentido de que pierda él algo. La metáfora Del poseer, tener,

dar y recibir no sirve para compreender la comunicación.

26

LUHMANN. Niklas. Introducción a La Teoria de Sistemas, pág. 302. 27

Idem, pág. 305.

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27

A teoria clássica da comunicação, segundo Luhmann, enfatiza, de forma

equivocada, o ato de transmitir informação. Confere especial atenção ao papel do emissor,

que, na verdade, apenas sugere, propõe uma escolha, uma vez que a comunicação só se

observa após o processamento de tal estímulo, quando a proposta é retomada pelo receptor.

É importante frisarmos que Luhmann também afasta a tradicional concepção

de identidade da mensagem, pois a considera exagerada. Com isso não está querendo dizer

que tal identidade nunca ocorra, mas sim, pretende enfatizar que ela não é garantida, como

pensa a linguística tradicional, e frequentemente não é alcançada.28

Por último, na visão de Luhmann, a chamada “metáfora da transmissão”

sugere que o processo de comunicação se dê entre dois pólos, emissor e receptor, onde o

primeiro participa algo ao segundo.

Em substituição a esta metáfora, Luhmann propõe um novo conceito de

comunicação. Afirma, assim, que o processo comunicacional é sempre uma ação seletiva

que se comporta como uma realidade emergente, um estado de coisas, mediante a síntese de

três diferentes escolhas: i) a escolha da informação; ii) a escolha do ato de comunicar; e iii)

a escolha que se realiza no ato de entender (ou no ato de não entender) a informação.29

Nesse sentido, não há comunicação quando estes três componentes

encontram-se isolados. É a síntese destes três componentes que proporciona a

28

LUHMANN. Niklas. Sistemas sociales: Lineamentos para uma teoria general, pág. 142. 29

LUHMANN. Niklas. Introducción a La Teoria de Sistemas, pág. 306.

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28

comunicação. Para Luhmann, somente teremos um ato de entender quando levamos em

consideração a distinção entre informação e ato de comunicar. É justamente tal distinção

que torna possível distinguirmos a comunicação da mera percepção. Na continuidade do

processo comunicativo, o ato de entender pode questionar o conteúdo da informação ou as

razões que levaram o emissor a participar tal conteúdo informativo, porém, para que se dê à

comunicação o ato de entender tem que levar em consideração a distinção entre estes dois

elementos. Se assim não for teremos pura percepção e não comunicação.30

Distinguir percepção e comunicação é fundamental para Luhmann, pois a

percepção é entendida como mero efeito físico, que não requer comunicação. Aquilo que

foi percebido pelo outro não pode ser afirmado nem negado por ninguém, não pode sequer

ser posto em questão, uma vez que se encontra enclausurado em sua consciência, que é

invisível para o sistema de comunicação e para a consciência dos outros. Frise-se, aquilo

que se passa na consciência dos interlocutores encontra-se fora do sistema comunicacional

para Luhmann.31

Porém, destarte, a percepção, enclausurada na consciência, pode e é, no mais

das vezes, o ponto de partida para a realização de comunicações sucessivas. Sua

exteriorização, contudo, só pode ser efetivada quando as próprias leis do sistema

comunicacional são observadas, ou seja, mediante linguagem, mediante a escolha de um

novo ato de comunicar, que é o ato de entender, que sintetiza a informação e o ato de

30

LUHMANN. Niklas. Introducción a La Teoria de Sistemas, pág. 306 31

Idem, pág. 306.

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29

comunicar prévio. Eis a autopoiese do sistema comunicacional, levada a cabo pelo ato de

entender.

Concluindo, a teoria comunicacional de Luhmann, pretende enfatizar a

verdadeira emergência da comunicação, sem propriamente a transmissão de alguma coisa,

mas sim, se puede imaginar, entonces, el sistema como um pulsar constante: com cada

creación de redundância y com cada selección el sistema se expande y se contrae

permanentemente.32

Assim, o processo de comunicação deve ser entendido como uma série

de escolhas realizadas pela própria comunicação. Eis a razão pela qual Luhmann qualifica o

sistema comunicativo como um sistema autopoiético.

Ademais, tem-se que os sistemas comunicacionais são operativamente

fechados, apesar de cognitivamente abertos, uma vez que crea los elementos mediante los

cuales él mismo se reproduce.33

Aqui reside, também, sua autopoiese, pois ao reproduzir

suas unidades elementares, reproduz-se a si mesmo. Tudo isso considerado em função do

ambiente em que o sistema comunicacional encontra-se inserido. Os sistemas

comunicacionais autopoiéticos criam seus elementos (unidades de comunicação) e suas

estruturas (expectativas).

Fora do sistema comunicacional não há informação, nem participação na

comunicação, nem ato de entender a comunicação. Assim, o ato de entender só pode ser

32

LUHMANN. Niklas. Introducción a La Teoria de Sistemas, pág. 308. 33

Idem, pág. 309.

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30

compreensível dentro do sistema comunicacional, e consubstancia-se na condição para que

uma comunicação possa prosseguir adiante.

1.3. Da distinção entre o sistema do direito positivo e a Ciência do Direito

O que é o Direito? Esta pergunta, segundo Tárek Moysés Moussallem, não é

pertinente, uma vez que, por sua falta de clareza, causa perplexidade. Trata-se de um signo

utilizado em contextos distintos, ambíguo, vago e que carrega consigo uma considerável

carga emotiva.34

Observamos que o cientista, ao fazer Ciência, acaba construindo o seu

próprio objeto de estudo mediante o emprego da linguagem, assim, procura trabalhar com

uma linguagem precisa, especificando o significado dos signos que emprega, para que

embaraços como o acima exposto não ocorram.

Neste sentido, observamos que diversos são os conceitos de Direito, assim

como diversas são as escolas jurídicas. Em outras palavras, cada linha filosófica que se

debruça sobre o Direito, para o desenvolvimento de uma Teoria Geral, acaba construindo

um conceito próprio e distinto para o vocábulo em apreço.

Não é demasiado dizer que o conteúdo do conceito de Direito, elaborado por

uma determinada escola jurídica, é de suma importância: (i) primeiro por demonstrar a

maneira pela qual a referida escola apreende os fenômenos jurídicos; (ii) segundo pelo fato

34

Conforme sua posição firmada no livro As fontes do Direito Tributário, pág. 52.

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31

de que as principais conclusões alcançadas pelos juristas de uma determinada escola

sempre levam em consideração o conceito de Direito por ela adotado.

Hans Kelsen, influenciado pelas idéias do círculo de Viena e na ânsia de

isolar o Direito das influências da ideologia política e das ciências naturais, elabora a sua

Teoria Pura do Direito, vazada, resumidamente, nos seguintes termos: o objeto de estudo da

Ciência do Direito, ou da Dogmática Jurídica35

, não é a conduta humana, mas sim as

normas jurídicas. A conduta humana só se torna relevante para a Dogmática Jurídica na

medida em que constitui o conteúdo das normas jurídicas, seja no antecedente ou no

consequente. As normas jurídicas são produzidas pelos órgãos jurídicos a fim de por eles

serem aplicadas e serem observadas pelos destinatários do Direito. Por outro lado, as

proposições jurídicas, produzidas pelos juristas e não pelos órgãos jurídicos, descrevem as

normas jurídicas. São, na visão de Kelsen:

juízos hipotéticos que enunciam ou traduzem

que, de conformidade com o sentido de uma ordem jurídica –

nacional ou internacional – dada ao conhecimento jurídico,

sob certas condições ou pressupostos ficados por esse

ordenamento, devem intervir certas conseqüências pelo

mesmo ordenamento determinadas.36

Resta demonstrado, assim, que, segundo Kelsen:

a ciência jurídica tem por missão conhecer –

de fora, por assim dizer – o Direito e descrevê-lo com base

no seu conhecimento . Os órgãos jurídicos têm – como

autoridade jurídica – antes de tudo por missão produzir o

35

Para os lindes deste trabalho as expressões são sinônimas. 36

Teoria Pura do Direito, pág. 80.

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32

Direito para que ele possa então ser conhecido e descrito

pela ciência jurídica.37

Partindo da Teoria Pura do Direito observamos que o professor Lourival

Vilanova enriqueceu sobremaneira os postulados do mestre de Viena. Dentre outras

contribuições, gostaríamos de frisar seus profundos conhecimentos de lógica jurídica

(deôntica), que lhe proporcionaram a elaboração da norma jurídica completa38

e, segundo,

por ter tratado tanto a Ciência do Direito quanto o direito positivo como sistemas.39

Seguindo esta linha de raciocínio, sucintamente assim se manifesta o

Professor Paulo de Barros Carvalho: onde houver um conjunto de elementos relacionados

entre si e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção fundamental

de sistema.40

Ademais, ainda segundo o ínclito professor paulista, não há conhecimento

sem linguagem. Assim, todos os sistemas são proposicionais, na medida em que a

linguagem é o instrumento constitutivo da própria realidade do ser humano. Neste sentido,

os sistemas proposicionais podem ser classificados em nomológicos, que partem de

axiomas e se desenvolvem mediante operações lógicas dedutivas no interior do próprio

sistema (matemática e lógica) e nomoempíricos, formados por proposições com referência

empírica. Por sua vez, os sistemas nomoempíricos podem ser descritivos ou prescritivos; os

primeiros são constituídos de proposições descritivas, com função de produzir

conhecimento, como no caso do sistema da Ciência do Direito; já os segundos são

37

Teoria Pura do Direito, pág. 81. 38

As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, pág. 64, passim. 39

Idem, pág. 108, passim. 40

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, pág. 130.

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33

constituídos de proposições prescritivas, que possuem a função reguladora de condutas

intersubjetivas, como no caso do sistema do Direito Positivo.41

Como bem explicado por Tárek Moussallem: o sistema do direito positivo

dirige-se à linguagem social com o fim de regulá-la, e o sistema da Ciência do Direito

refere-se à linguagem do sistema do direito positivo a fim de estudá-lo.42

Destarte que não

são poucos aqueles que, não se apercebendo da existência dos dois referidos sistemas

proposicionais, utilizam o mesmo vocábulo (direito) para ora indicarem o sistema do direito

positivo e ora o sistema da Ciência do Direito.

Com profundos conhecimentos em lógica e semiótica, o constructivismo

lógico-semântico refinou a distinção entre estes dois sistemas proposicionais. Abaixo, um

quadro sintético, muito bem produzido por Aurora Tomazini de Carvalho, que resume as

principais diferenças entre as linguagens do direito positivo e da Ciência do Direito:43

Direito Positivo Ciência do Direito

Linguagem prescritiva Linguagem descritiva

Linguagem objeto Metalinguagem

Linguagem técnica Linguagem científica

Lógica Deôntica (dever-ser) Lógica Alética (ser)

Valências válidas ou não-válidas Valências falsas ou verdadeiras

41

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, pág. 131. 42

As Fontes do Direito Tributário, pág. 68. 43

Direito Penal Tributário, pág. 49.

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34

Modais (O) obrigatório, Modais (M) possível (N) necessário

(V) proibido ou (P) permitido

Admite antinomias Não admite antinomias

Objeto: condutas humanas

intersubjetivas Objeto: direito positivo

Consideramos desnecessária a profunda e detalhada descrição dos dois

sistemas linguísticos em apreço tendo em vista a vasta bibliografia já produzida sobre o

tema, principalmente pela PUC-SP, que sobre ele já se debruçou sobremaneira.

Por último, gostaríamos de ressaltar que consideramos bastante pertinente a

distinção entre os dois sistemas linguísticos em apreço. No entanto, neste trabalho,

pretendemos demonstrar a existência do fenômeno da comunicação entre eles, e que tal

comunicação também é sobremaneira relevante para a compreensão do Direito. Como será

demonstrado adiante, nas conclusões deste capítulo.

1.4. Do ciclo de positivação do direito

Consoante a sólida doutrina formulada por Paulo de Barros Carvalho, para a

Ciência do Direito

descrever o direito positivo tal como ele se apresenta é

necessário observá-lo na sua feição estática e no seu aspecto

dinâmico, que se perfaz com o processo de positivação, em

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35

que a norma editada hoje será o fundamento de validade de

outras regras, até o ponto terminal da cadeira de

elaboração, que se consubstancia no último ato de aplicação,

que norma individual de máxima concretude.44

Assim, pode a Ciência do Direito analisar estaticamente o sistema do direito

positivo, surpreendendo as unidades normativas em um determinado momento, como se

fossem fotografadas. Como também pode lhe dar enfoque dinâmico, acompanhando

o ordenamento nas suas constantes mutações, quer no que

diz com a criação de regras novas, quer no que atina às

transformações internas que o complexo de normas tem

idoneidade para produzir.45

Também foi Kelsen quem primeiro sintetizou estas duas formas de

abordagem do direito positivo pela Ciência do Direito, concluindo, então, que o

fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma outra norma.46

Neste contexto, tem-se que a norma que fundamenta a validade de uma outra norma lhe é

superior. Assim como o ponto de partida de um determinado sistema de direito positivo é a

sua Constituição, que confere fundamento de validade para todas as demais normas

jurídicas produzidas pelo direito positivo. Neste ponto, Kelsen se depara com uma questão

importantíssima para sua teoria: Se a Constituição é o ponto de partida do sistema de direito

positivo, qual a norma jurídica que lhe confere fundamento de validade? Respondendo esta

questão e conferindo unidade e um axioma para a Ciência do Direito, Kelsen elabora o

44

CARVALHO, Paulo de Barros, Curso de Direito Tributário, pág. 13. 45

CARVALHO, Paulo de Barros, Fundamentos Jurídicos da Incidência, pág. 48. 46

Teoria Pura do Direito, pág. 215.

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36

conceito da norma fundamental, que consiste em uma pressuposição lógico-transcendental

que confere fundamento de validade à Constituição.47

Analisando o sistema do direito positivo do ponto de vista dinâmico, o

constructivismo lógico-semântico construiu uma convincente teoria sobre as fontes do

direito. Assim, teremos normas gerais e abstratas; gerais e concretas; individuais e abstratas

e individuais e concretas, tudo conforme a composição tanto do antecedente quanto do

consequente normativo. Ademais, esta doutrina demonstrou, de forma clara e precisa, que

não há que se confundir os veículos introdutores de normas (enunciação-enunciada), que

também são normas, geralmente gerais e concretas, com as normas por eles introduzidas

(enunciado-enunciado) no sistema do direito positivo. 48

É justamente neste contexto que se insere o processo de positivação do

direito positivo, responsável pela produção de normas jurídicas de maior concretude e

individualidade a partir de normas jurídicas gerais e abstratas. Destarte que tal processo se

dá mediante atos de aplicação do direito positivo, atos linguísticos, produzidos por pessoas

credenciadas pelo próprio sistema, que acabam produzindo novo direito positivo. Parte-se

da Constituição Federal, onde se situam as normas jurídicas de máxima abstração e

generalidade, passa-se pelos códigos, onde encontramos as mais importantes normas gerais

e abstratas, até alcançarmos as normas jurídicas individuais e concretas, que disciplinam a

conduta de uma determinada pessoa específica, em função de um fato jurídico. Neste ponto

o professor Paulo de Barros Carvalho é enfático:

47

Teoria Pura do Direito, pág. 224. 48

Por todos: As Fontes do Direito Tributário de MOUSSALLEM, Tárek Moysés..

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37

a norma geral e abstrata, para alcançar o inteiro teor de sua

juridicidade, reivindica, incisivamente, a edição de norma

individual e concreta. Uma ordem jurídica não se realiza de

modo efetivo, motivando alterações no terreno da realidade

social, sem que os comandos gerais e abstratos ganhem

concreção em normas individuais.49

Aliás, neste aspecto, a doutrina formulada pelo Professor Paulo de Barros

Carvalho também quebrou um antigo paradigma dominante em nossa Teoria Geral do

Direito, estabelecido principalmente por Pontes de Miranda (na qual resta clara a distinção

entre incidência e aplicação do direito), ao afirmar que a incidência de uma norma jurídica

geral e abstrata depende de um ato linguístico de aplicação do direito, mediante a produção

de uma norma individual e concreta. Tudo filosoficamente fundamentado no giro

linguístico. Afasta-se, assim, aquela dicotomia incidência/aplicação, tão marcante em nosso

Código Tributário Nacional, que acarretou na insustentável distinção entre obrigação e

crédito tributário.50

1.5. Algumas conclusões iniciais

É interessante notar que, sobre o sistema do direito positivo, assim se

manifesta o Professor Paulo de Barros Carvalho:51

Se pensarmos no conjunto de todas as normas

jurídicas válidas, num determinado intervalo de tempo sobre

específico espaço territorial, inter-relacionadas sintática e

49

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, pág. 365. 50

CARVALHO, Paulo de Barros. Fundamentos Jurídicos da Incidência, pág. 217, passim. 51

Idem, pág. 45.

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38

semanticamente, segundo um princípio unificador, teremos o

direito positivo que aparece no mundo integrado numa

camada de linguagem prescritiva, pertencente à região

ôntica dos objetos culturais, visto que é produzido pelo

homem para disciplinar a convivência social, dirigindo-se,

finalisticamente, ao campo material das condutas subjetivas.

Em outras palavras, para o Professor Paulo de Barros Carvalho, o sistema do

direito positivo é constituído pelo conjunto de normas jurídicas válidas. Contudo, o insigne

professor paulista reconhece, também, que as normas jurídicas situam-se no plano da

significação, encontrando sua base empírica na literalidade dos enunciados prescritivos, os

textos de direito positivo. Uma coisa são os enunciados prescritivos, usados na função

pragmática de prescrever condutas; outra, as normas jurídicas, como significações

construídas a partir dos textos positivados e estruturados consoante a forma lógica dos

juízos condicionais, compostos pela associação de duas ou mais proposições prescritivas.52

Levando-se em consideração a autopoiese da teoria da comunicação

elaborada por Luhmann, aqui já resumidamente exposta, restou entendido que tudo que se

passa na consciência humana encontra-se fora do processo de comunicação. Logo, as

significações que construímos a partir da interpretação dos textos de direito positivo não

podem ser objeto de estudo de nenhuma Ciência, uma vez que se encontram enclausuradas

em nossa consciência. Somente mediante a expedição de um ato de entender, mediante a

utilização de uma linguagem (eis aqui a mais clara manifestação da autopoiese do sistema

comunicacional) é que podemos tomar contato com a interpretação formulada pelo

aplicador do Direito. Assim, vislumbramos duas assertivas inconciliáveis: (i) a de que as

normas jurídicas situam-se no plano da significação, e (ii) a de que as normas jurídicas são

52

CARVALHO, Paulo de Barros. Fundamentos Jurídicos da Incidência , pág. 22.

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o objeto de estudo da Ciência do Direito. Se as normas jurídicas situam-se no plano da

significação as mesmas não podem ser objeto de estudo de Ciência alguma, pois se

encontram fora do sistema comunicacional.

Aliás, ao dissertarmos sobre o giro linguístico, concluímos que o objeto de

estudo de uma Ciência também é linguisticamente construído, ou seja, a relação entre uma

ciência e o seu objeto de estudo é uma relação entre termos. Tal assertiva corrobora o que

acabamos de dizer, que aquilo que se passa no plano da significação não pode ser adotado

como objeto de estudo de ciência alguma. Tal como não podemos alcançar a finalidade que

o legislador pretendeu conferir a determinada lei, também não podemos alcançar o

entendimento do aplicador do direito ao produzir um texto de enunciado prescritivo, no

máximo, podemos deduzir suas idéias a partir do texto por ele enunciado.

Neste ponto, gostaríamos de voltar à teoria da comunicação de Luhmann,

para aplicá-la ao Direito. Vimos que a comunicação é uma realidade emergente alcançada

mediante a síntese de três escolhas distintas: a informação, o ato de comunicar e o ato de

entender. A comunicação, como realidade emergente, pressupõe o ato de entender, que não

pode ser confundido com a percepção (enclausurada na consciência humana). Contudo,

destarte, o ato de entender sempre será um novo ato de comunicar, que fica à mercê de um

ato de entender subsequente para o estabelecimento de uma nova comunicação, uma nova

realidade emergente, aqui resta demonstrada a autopoiese do sistema comunicacional, que

cria seus elementos mediante os quais ele mesmo se reproduz.53

53

LUHMANN. Niklas. Introducción a La Teoria de Sistemas, pág. 311.

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Desta maneira, temos que o plano da significação da semiótica é equivalente

ao plano da percepção da teoria comunicacional de Luhmann. A comunicação pressupõe a

percepção (fenômeno físico), porém, esta é imperceptível para aquela, pois somente o ato

de entender faz parte do sistema comunicacional.

É cediço que a interpretação de um determinado texto de lei desperta na

consciência do aplicador do direito a possibilidade deste construir uma série de normas

jurídicas distintas. Trata-se da percepção, enclausurada em sua consciência. Destarte que

até este momento ainda não temos o estabelecimento de uma comunicação, pois não há o

ato de entender. No momento seguinte, contudo, mediante atos de enunciação, o aplicador

do Direito produz novos enunciados prescritivos de direito positivo e introduz no sistema

uma série de normas jurídicas. Aqui o processo comunicacional se aperfeiçoa, pois tais

enunciados prescritivos devem ser vistos como ato de entender. Temos então a emergência

de uma nova realidade jurídica, um novo estado de coisas jurídico. Neste sentido,

vislumbramos o referido ato de entender como a norma jurídica.

Com estas palavras, não pretendemos infirmar a assertiva semiótica segundo

a qual a comunicação é estabelecida com a emissão da mensagem e o seu recebimento pelo

destinatário, mesmo que este reste calado. Não é isso. O que gostaríamos de frisar é que

diante do silêncio do receptor ainda não possuímos meios de saber qual foi a realidade que

emergiu a partir de tal comunicação, na medida em que o entendimento do receptor ainda

está enclausurado em sua mente e não foi linguisticamente exposto. Antes do ato de

entender temos suposições, mas ainda não podemos afirmar qual foi o resultado da

comunicação, por isso acompanhamos Luhmann ao denominar o fenômeno como

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perceptivo, que poderíamos dizer tratar-se de uma fase pré-comunicativa, na medida em

que é pressuposto para o estabelecimento da comunicação.

O processo de interpretação, realizado a partir de um texto de direito

positivo, pode despertar na consciência do aplicador do direito a possibilidade de

construção de diversas normas jurídicas distintas. A significação que os signos empregados

no referido texto legal despertam na consciência do aplicador do direito é fundamental para

determinar qual será a norma jurídica enunciada pelo mesmo, diante de uma série de

interpretações possíveis. Assim, dentre estas inúmeras possibilidades, o aplicador fará a

seleção de apenas uma, e irá expô-la quando da enunciação de seu ato de entender. Por isso

a insistência de Luhmann em relacionar a comunicação com diversos processos de escolha.

Ademais, ressalte-se que o aplicador do direito, na tarefa interpretativa

acima descrita, não pode levar em consideração somente um determinado texto legal, pois o

mesmo se encontra inserido no sistema do direito positivo, logo deve ser compatível às

normas jurídicas que lhe conferem fundamento de validade e que, por isso mesmo, lhe são

hierarquicamente superiores. Neste sentido, o aplicador do direito deve interpretar o texto

legal que pretende aplicar em conformidade com as demais normas jurídicas postas no

ordenamento jurídico, que, a rigor, também podem ser por ele mesmo construídas.

Quais são as normas jurídicas prescritas pela Constituição Federal? Esta

resposta não pode ser obtida somente a partir da leitura do texto constitucional, mas sim,

deve ser buscada nos atos de entender expedidos pelos órgãos credenciados pelo sistema

para aplicá-la. Por outro lado, tais órgãos, para construir o exato sentido dos textos

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constitucionais, valer-se-ão dos ensinamentos da Ciência do Direito, que arduamente

constrói diferentes e relevantes significados para o texto constitucional.

Destarte, somente com a prática de tais atos, sejam eles produzidos pela

doutrina ou pelos órgãos responsáveis pela aplicação da Constituição, é que podemos dizer

que o processo comunicacional, a partir do texto constitucional, se aperfeiçoou. Antes

deles, ao nosso sentir, não há comunicação, mas apenas percepção, na exata medida em que

como a referida percepção ainda não foi enunciada não podemos saber qual o seu conteúdo.

Deste modo, a enunciação de um ato de entender, a partir do texto

constitucional, também é fruto de um processo de seleção de informação e de ato de falar,

ou seja, dá início a uma nova comunicação, que irá se aperfeiçoar quando, a partir dele

tivermos, um novo ato de entender. Eis o processo autopoiético de positivação do direito.

Comumente, afirmamos que as normas gerais e abstratas são encontradas nas

leis e as normas individuais e concretas podem ser vistas nos atos administrativos

(lançamento tributário) ou nas decisões judiciais. Nada mais falso. As normas gerais e

abstratas são construídas pelas autoridades administrativas e ou judiciais responsáveis pela

elaboração das normas individuais e concretas, quando da enunciação destas.

Os atos administrativos, assim como as decisões judiciais, carecem de

fundamentação. Mas o que faz o aplicador do Direito ao fundamentar? Simples, ele enuncia

a norma geral e abstrata que ele construiu a partir de um texto de lei. Tomando os

enunciados prescritivos de um texto legal como a seleção de um ato de comunicar e a

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seleção de uma informação, o aplicador do Direito, após um trabalho mental de

interpretação (percepção), enuncia um ato de entender, que é a norma geral e abstrata por

ele construída. Não há que se falar em norma geral e abstrata sem a enunciação de um ato

de entender. E o que estamos pretendendo demonstrar é que este ato de entender não é

enunciado pelo legislador, mas sim que ele parte de enunciados produzidos pelo legislador.

Em um segundo momento, na parte dispositiva do ato, o aplicador do direito

toma o ato de entender que ele mesmo enunciou como ato de comunicar e informação e, a

partir dele, enuncia um novo ato de entender, que é a norma individual e concreta que ele

introduz no sistema. Neste momento o aplicador do direito também se utiliza da situação

fática que lhe é apresentada.

Mesmo sendo repetitivos, gostaríamos de frisar mais uma vez: somente com

a enunciação de um ato de entender é que a comunicação jurídica se aperfeiçoa e somente

neste momento é que podemos falar em norma jurídica, antes dele há, apenas, a

possibilidade de construção desta ou daquela norma.

Também é interessante notar que, no mais das vezes, o trabalho da

Dogmática Jurídica consiste na enunciação de atos de entender a partir dos enunciados

prescritivos do direito positivo. É sabido que tais atos não possuem a força prescritiva

daqueles produzidos pelos aplicadores do Direito, porém, isso não quer dizer que eles não

possam ser usados por estes últimos como atos de comunicar.

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Vimos que o sistema da Ciência do Direito não se confunde com o sistema

do direito positivo. Dentre outras diferenças, restou demonstrado que os enunciados deste

último sistema possuem uma força prescritiva não encontrada no primeiro. No entanto,

temos que admitir a emergência da comunicação entre os termos de ambos os sistemas.

Ao interpretar e sistematizar os textos legais a Dogmática jurídica nada mais

faz do que enunciar atos de entender que possuem em contrapartida os atos de comunicar e

a informação enunciada naqueles textos legais. Trata-se da mesma enunciação realizada

pelo aplicador do Direito quando enuncia o seu primeiro ato de entender, ou seja, a sua

norma geral e abstrata. Aliás, destarte, muitas vezes o aplicador do Direito, ao fundamentar

seu ato, o faz com base no ato de entender enunciado pela Dogmática. Toma emprestado

aquele ato de entender e o aplica ao caso concreto, produzindo o seu segundo ato de

entender.

Exemplificando, recentemente o Código de Processo Civil foi alterado pela

Lei 11.382/05 que nele introduziu enunciados prescritivos que dizem respeito à execução

de títulos extrajudiciais. Concomitantemente, o Jurista Humberto Teodoro Júnior publicou

um estudo sobre a nova sistemática de execução de títulos extrajudiciais. Destarte que tal

estudo estabelece uma comunicação, uma vez que enuncia atos de entender que tomam a

legislação em comento como um ato de comunicar e informação. Percebam que o ato de

comunicar e a informação foram selecionados pelo doutrinador em questão a partir dos

enunciados prescritivos de direito positivo contidos na lei em comento, já os atos de

entender foram enunciados pela Dogmática e não possuem força prescritiva. As linguagens

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são distintas, suas funções também, mas isto não impede que elas sejam partes integrantes

de um processo comunicacional.

Prosseguindo, vamos supor que um magistrado, diante de um processo de

execução de título extrajudicial, tenha que aplicar a nova legislação em comento. Neste

mister, deverá tomar a legislação como ato de comunicar e informação e produzir o seu ato

de entender, a sua norma geral e abstrata, para posteriormente aplicá-la ao caso concreto,

produzindo a norma individual e concreta. Naquele primeiro momento é perfeitamente

factível que o magistrado vá até a Dogmática e tome o ato de entender por ela produzido e

o aplique. Neste momento, novamente observamos o estabelecimento de uma comunicação

entre termos que compõem o sistema do direito positivo e o sistema da Dogmática Jurídica.

Para nós, indubitavelmente, a função da Dogmática Jurídica não se restringe

meramente a descrever o sistema do direito positivo tal como ele se apresenta, mas sim,

influenciar, persuadir o aplicador do Direito, para que ele se convença de que a norma geral

e abstrata, construída pela doutrina, seja aquela que ele irá aplicar, uma vez tratar-se da

melhor interpretação para o texto legal em comento.

Por isso que gostaríamos de frisar a existência de um sistema

comunicacional que engloba tanto os enunciados prescritivos do direito positivo como os

enunciados descritivos da Ciência do Direito. Chamaremos tal sistema comunicacional de

Sistema Jurídico, nos aproximando, assim, do conceito de sistema autopoiético de

Luhmann. Logo, ao falarmos de Sistema jurídico, estamos nos referindo a um plexo de

comunicações que envolvem tanto os termos do direito positivo quanto da dogmática

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Jurídica. Por outro lado, quando quisermos nos referir ao sistema do direito positivo

utilizaremos a expressão ordenamento jurídico.

Neste sentido é que Luhmann afirma que a Dogmática Jurídica pertence ao

plano mais elevado e abstrato do sistema jurídico, in litteris54

:

La dogmática jurídica define dentro del

marco de esta función lãs condiciones de lo juridicamente

posible, em concreto lãs posibilidades de la construcción

jurídica de casos jurídicos. - Las condiciones de lo posible –

son fijadas en el plano más elevado de cada sistema. Así, La

dogmática jurídica constituye el plano más elevado y más

abstracto de las posibles determinaciones de sentido del

derecho dentro del próprio sistema jurídico.

Ademais, o sistema jurídico, na concepção Luhmanniana, consiste em um

subsistema social que se diferencia com a função de generalizar expectativas normativas de

forma congruente na sociedade. Para cumprir tal objetivo, o sistema jurídico é dotado de

mecanismos que possibilitam a estabilização e a manutenção de fluxos comunicacionais

contrafáticos.55

Assim, o direito se diferencia dos demais subsistemas sociais por ser um

sistema funcional especializado para promover o controle do código-diferença

“lícito/ilícito”. Eis o fechamento operativo do sistema jurídico, na medida em que somente

ele pode realizar o controle acima citado e o faz através da positivação, que pode ser

entendida como “autodeterminidade”. Por outro lado, o sistema jurídico é cognitivamente

54

LUHMANN. Niklas. Dogmática Jurídica e Sistema Jurídico, pág. 34. 55

Conforme VALVERDE, Gustavo Sampaio. Coisa julgada em matéria tributária, pág. 61.

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aberto para o ambiente, na medida em que pode assimilar, através de critérios próprios, os

fatores do ambiente, sem ser diretamente influenciado pelos mesmos.56

As assertivas acima produzidas podem ser entendidas como contraditórias

com aquelas outras, feitas páginas atrás, quando afirmamos que a Dogmática Jurídica se

encontra no interior do sistema jurídico, segundo a proposta de Luhmann. Dizemos isso,

pois, como os enunciados da Dogmática Jurídica não possuem a força prescritiva observada

nos enunciados do direito positivo, muitos poderiam supor que o referido discurso seria

incapaz de promover o controle do código binário “lícito/ilícito” e por isso mesmo estariam

fora do sistema jurídico. No entanto, consoante o pensamento de Luhmann não é isso que

se dá, pois a Dogmática jurídica é responsável pela promoção da reflexão do sistema

jurídico.

O conceito do direito, enquanto sistema social autopoiético, é dado por sua

auto-referência elementar, que consiste na sua (i) autonomia, preservando a sua auto-

organização, (ii) na sua identidade, que se dá através da diferenciação funcional para com o

ambiente e (iii) ausência de inputs e outputs, na medida em que o ambiente não influi

diretamente no sistema jurídico, como visto.57

No entanto, esta auto-referência básica é

insuficiente para caracterizar a autopoiese do sistema jurídico que, segundo Luhmann,

ocorre em três momentos distintos: a auto-referência, a reflexividade e a reflexão. Na

reflexividade, temos a referência de um processo a si mesmo e na reflexão o que se busca é

56

NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil, pág. 79 e seguintes. 57

TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário, pág. 43.

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a própria identidade do sistema, como bem explicado pelo professor Marcelo Neves,

citando Luhmann em diversas oportunidades:

Na reflexão, que pressupõe auto-

referência elementar e reflexividade, é ao próprio sistema

como um todo que se atribui a operação auto-referencial,

não apenas aos elementos ou processos sistêmicos. Definida

também como autodescrição, significa a “exposição da

unidade do sistema no sistema”. Como “teoria do sistema no

sistema”, ela implica a elaboração conceitual da

“identidade do sistema em oposição ao seu ambiente”.

Trata-se, pois, de “uma forma concentrada de auto-

referência”, que possibilita a problematização da própria

identidade do sistema.58

Assim, resta demonstrado que a Dogmática jurídica, não obstante serem os

seus enunciados desprovidos de força prescritiva, se encontra no interior do sistema

autopoiético de Luhmann na medida em que responsável, em grande parte, pela sua

reflexão, pois confere ao sistema jurídico a sua autodescrição, expondo a sua unidade e lhe

conferindo e problematizando a sua identidade.

58

NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil, pág. 65 e 66.

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CAPÍTULO 2. DOS DIVERSOS SISTEMAS JURÍDICOS MUNDIAIS

2.1. Introdução

A rigor, podemos dizer que cada país possui um sistema jurídico distinto,

cujo direito positivo é inaugurado por uma Constituição. Assim, seus atos de comunicar

partem do texto constitucional e se desenvolvem, mediante a enunciação de novas regras

jurídicas, cada vez mais concretas, através do processo de positivação do direito, mantendo

uma saudável e constante comunicação com atos de comunicar enunciados pela Dogmática

Jurídica, tudo com o escopo de regular as condutas de intersubjetividade da sociedade,

como exposto no capítulo anterior.

René David, em obra clássica, com o escopo de facilitar o estudo dos

inúmeros sistemas jurídicos encontrados no mundo, achou por bem classificá-los em

grandes famílias, aglutinando-os conforme a semelhança de suas estruturas. Assim,

apresentou três grandes famílias jurídicas: (i) a common law, (ii) a romano-germânica, ou

civil law, e (iii) os direitos socialistas.59

O presente trabalho não tem como escopo a

realização de uma profunda análise histórica, estrutural e conceptual, sobre tais sistemas

jurídicos. Pretendemos, apenas, demonstrar algumas das principais características dos

grandes sistemas jurídicos do ocidente (common Law e civil Law) que consideramos

relevantes para o estudo da origem e do desenvolvimento dos institutos jurídicos que serão

por nós analisados nos capítulos finais.

59

DAVID, RENÉ. Os grandes sistemas do direito contemporâneo, pág. 23.

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2.2. Da origem e desenvolvimento da common law na Inglaterra

A origem da common law remonta à Inglaterra medieval. Antes da conquista

normanda, no ano de 1066, comandada por Guilherme, o Conquistador, o Direito inglês era

bastante fragmentado e basicamente era constituído por uma série de costumes locais.

Contudo, com a conquista normanda, tem inicio um processo de centralização do poder.

Assim, a necessidade do rei em impor a sua autoridade por toda a Inglaterra abre caminho

para o estabelecimento de um conjunto de regras que seria comum (common law) em toda a

Inglaterra. Neste contexto, já no século XII, observa-se uma constante expansão das

jurisdições dos Tribunais Reais, que, paulatinamente, foram ampliando suas competências

sobre as antigas cortes senhoriais, que possuíam ampla discricionariedade para julgar

mediante a aplicação dos costumes locais. Destarte que este direito, desenvolvido pelos

Tribunais Reais, tinha como base normas de direito processual fazendo com que o sistema

jurídico inglês se tornasse extremamente formal. Tudo pela inexistência, há época, de um

conjunto de normas abstratas de direito material suficientemente abrangente.60

A expansão dos Tribunais Reais se deu através de um processo técnico

utilizado para requerer a sua jurisdição. As pessoas poderiam solicitar a justiça do rei

mediante a elaboração de um pedido que era analisado pelo Chanceler.61

Caso o pedido

fosse fundamentado, uma ordem ao xerife ou a um senhor, chamada de writ, era enviada ao

réu para dar satisfação ao queixoso e assim iniciava-se o processo. Com o passar do tempo

os writs tornaram-se formas estereotipadas, passadas pelo Chanceler, mediante pagamento,

60

Tudo conforme MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes, pág. 13 e ss. 61

O Chanceler era um dos principais colaboradores do rei.

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51

sem um exame prévio aprofundado, atraindo, assim, um maior número de litígios para as

jurisdições reais. Neste contexto tentam os senhores feudais evitar a expansão dos

Tribunais Reais, culminando com a elaboração do Statue of Westminster II (1285), que

impede o Chanceler de criar novos writs, mas o permite a passá-los em casos semelhantes.

Desde então o direito inglês tem como base a lista de writs. Até mesmo na atualidade a

busca do writ adequado ao caso concreto se faz necessária.62

Neste contexto, as decisões judiciárias dos Tribunais de Westminster foram

sendo catalogadas nos Years Books. Já no século XVI tais compilações eram impressas e

passaram a constituir os chamados Law Reports¸ que são os documentos mais importantes

dos juízes e advogados na Inglaterra a nortear a aplicação dos precedentes.63

A compreensão de que a common law foi desenvolvida pelos Tribunais

Reais, sem um corpo significativo de normas abstratas de direito material, é relevante para

entendermos a emergência da jurisprudência como foco irradiador de normas jurídicas de

direto material no direito inglês. Assim, após a solução de um caso concreto, os Tribunais

Reais passaram a adotar uma técnica indutiva peculiar, qual seja a construção de normas

gerais e abstratas a partir da enunciação de normas individuais e concretas. Desta forma,

desenvolveu-se o chamado stare decisis onde os juízes são obrigados a aplicar as normas

construídas por suas cortes superiores, mediante o processo indutivo acima indicado. Com

o passar do tempo, é interessante notar que este sistema ganhou tamanha força na Inglaterra

que acabou por impor a obediência aos precedentes às próprias cortes que o haviam

62

Conforme GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito, pág. 210. 63

Idem, pág. 211.

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enunciado (auto-vinculação), engessando-as de certa forma por um lado, mas conferindo

certeza ao direito por outro. Somente em 1966 é que o mais alto tribunal britânico, a

Câmara dos Lordes (House of Lords64

), atenuou esta regra e permitiu àquela corte a

modificação e a revogação de seus precedentes.65

Neste contexto, na gênese da common law, parece ser diminuta a

importância conferida à Dogmática. Trata-se de um direito eminentemente prático, o qual, a

rigor, os juristas não eram formados pelas Universidades. Um direito de juízes e não de

professores. Mesmo assim, não podemos nos esquecer de importantes doutrinadores

ingleses como Bracton, Sir Edward Coke e Sir Willian Blacstone, autores de obras valiosas,

sobre princípios de ordem geral nas quais comentam as decisões judiciais. Ademais, pouco

a pouco, com a supressão do formalismo excessivo, a partir do século XIX, o papel da

Ciência do Direito no sistema jurídico inglês vem se ampliando e ganhando novas funções,

principalmente na formação dos juristas.66

Diante do exposto, somos levados a crer que na common law a comunicação

estabelecida entre a Dogmática Jurídica e os aplicadores do direito não parece ter a mesma

força e importância que encontramos na civil law. No entanto, não podemos subestimá-la.

Como bem demonstrado por José Rogério Cruz e Tucci, antes mesmo da consolidação da

regra do efeito vinculante aos precedentes, encontramos, na obra de Henrique de Bracton,

uma notória preocupação com o problema dos julgados contraditórios, que poderia colocar

64

Recentemente, em 2005, por influência da Comunidade Européia, foi aprovada a Constitucional Reform

Act, onde foi criada uma nova Corte Suprema. 65

MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes, pág. 20 e ss. 66

DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo, pág. 445.

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53

em perigo a questão da certeza do direito.67

Ademais, ainda segundo o autor, a moderna

teoria do stare decisis foi inicialmente cogitada na obra de um dos maiores juristas ingleses

de todos os tempos, Sir Baron Parke J..68

Com a revolução gloriosa temos o fim da prevalência da autoridade real e a

afirmação da supremacia do Parlamento. Este, após uma fase aristocrática, tornou-se

democrático, mediante a transferência do poder à Câmara dos Comuns e a ampliação do

sufrágio, em 1832. Tais fatos passaram a legitimar o desenvolvimento do direito através das

leis. Ademais, o advento do Estado de bem-estar social fomentou o desenvolvimento de

uma ampla legislação capaz de implantar uma série de rápidas mudanças sociais. Por

último, temos a entrada da Inglaterra na Comunidade Européia forçando-a a adotar uma

série de leis, principalmente no tocante aos direitos humanos (Human Rights Act, 1998) e

ao estabelecimento de uma Suprema Corte independente do Parlamento (Constitucional

Reform Act, 2005).69

Em suma, na Inglaterra, o stare decisis se impõe. Contudo, nos últimos anos,

principalmente durante os séculos XIX e XX, observamos uma explosão legislativa naquele

país, aproximando-o, de certa forma, do direito exercido na civil Law. Ademais, o seu

ingresso na Comunidade Européia, que é basicamente formada por países de base

romanista, também é um importante ingrediente na aproximação do direito inglês das

estruturas típicas da civil Law.

67

TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito, pág. 153. 68

Idem, pág. 160. 69

MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes, pág. 27.

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2.3. Da introdução e evolução da common law nos Estados unidos da América

Como os ingleses foram os responsáveis pela colonização de grande parte da

América do Norte, pretenderam introduzir, em suas colônias americanas, a common law.

Contudo, em um primeiro momento, este sistema jurídico se mostrou bastante inapropriado

às condições de vida dos colonos. Assim, durante o século XVII, tem inicio, em algumas

colônias, um incipiente processo de codificação. Contudo, a partir do século XVIII até a

independência das colônias inglesas, o sistema da common law ganha força na América,

principalmente por ser visto como um instrumento de proteção das liberdades públicas

frente ao absolutismo real. Porém, com a independência das colônias e o estabelecimento

dos Estados Unidos da América, este novo país se vê influenciado pela França, uma aliada

importante, que o faz tender novamente ao sistema da civil law. Após a Declaração dos

Direitos do Homem e a promulgação de uma Constituição, a adoção dos códigos parecia

ser o caminho natural para os norte-americanos, inclusive isto chegou a ser posto em

prática em alguns Estados. Porém, a forte influência cultural da Inglaterra sobre os Estados

Unidos da América prevaleceu, fazendo com que os americanos definitivamente adotassem

o modelo jurídico inglês da common law.70

Apesar de inquestionável, não se pode afirmar que o triunfo do sistema

jurídico da common law na América do Norte foi completo. O embate com a civil law, que

rapidamente acabamos de descrever, acabou por dotar o sistema jurídico norte-americano

de algumas estruturas particulares que o aproximou da civil law. Ademais, algumas

características sócio-culturais dos norte-americanos acabaram por conferir a este sistema

70

DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo, pág. 449, passim.

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jurídico contornos próprios, que o distanciaram ainda mais do tradicional sistema jurídico

inglês. Assim, o republicanismo, o federalismo, o presidencialismo, a preocupação com a

divisão do exercício do poder e a preservação das liberdades individuais, levaram a adoção

de uma Constituição escrita, abstrata, geral e rígida, portanto, uma lei, no estilo romano,

que funcionou como seu ato de fundação e que dominaria todo o seu sistema jurídico.71

Assim, enquanto na Inglaterra vigorava a absoluta supremacia do

Parlamento, os norte-americanos criaram um dos modelos de constitucionalismo mais

destacados da atualidade, com o qual nasceram as idéias de supremacia da constituição e

de controle judicial da constitucionalidade das normas,72

que em última instância foi

entregue à Suprema Corte norte-americana. Por último, destarte que tal controle judicial,

porquanto desenvolvido na América do Norte, somente em um momento posterior foi

introduzido na Europa Continental, como veremos oportunamente.

Nos Estados Unidos da América também é comum a edição de Law Reports,

tendo o primeiro deles sido publicado em Conecticut, em 1789. Contudo, a força que os

precedentes possuem na América é bem inferior àquela observada na Inglaterra. Dizemos

isso uma vez que se verifica, mesmo com uma baixa freqüência, a revisão dos precedentes

nos tribunais americanos, quando os mesmos se encontrem ultrapassados (overruled) ou

são considerados ultrapassados. Assim, na clássica visão dos juristas americanos, no

sistema da common Law o direito não pode ser livremente criado por força de um soberano,

71

MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes, pág. 34. 72

Idem, pág. 35.

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56

mas sim, é fruto da experiência judicial baseada em regras e princípios que no passado

alcançaram uma solução justa ou não.73

2.4. Do direito romano-germânico, ou civil law

O denominado sistema da civil law teve sua origem no antigo direito

romano, historicamente composto de três períodos distintos. O primeiro deles foi o arcaico,

onde predominavam as legis actiones. Após, veio o período clássico, que vai da República

ao Principado, quando foi adotado o processo formular. E, por último, veio a fase tardia.

Destarte, assim como na common law, a princípio, o direito romano também era casuístico

e se fundamentava em normas processuais. Contudo, durante o último período, ou seja,

após séculos de evolução, quando o Imperador era visto como único legislador e intérprete

do direito, é que tem início o processo de produção e utilização de normas materiais de

cunho abstrato que irá culminar, no ano 530 d.c., com a publicação, promovida pelo

Imperador Justiniano, de um conjunto de livros denominado Corpus Iuris Civilis, assim

composto: Digesto e Pandectas (obras de juristas clássicos), Codex (legislação imperial de

seus antecessores), Institutas (manual de introdução) e o Novellae (leis promulgadas pelo

próprio Justiniano). Assim, é interessante notar que após o declínio do Império Romano,

durante o Século XII e XIII, foi justamente sobre o Corpus Iuris Civilis que as florescentes

Universidades Européias se debruçaram e produziram um modelo de organização social e

de justiça substancial que pode ser entendido como o princípio da sistematização do direito

73

Conforme TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito, citando Pound, Roscoe,

pág. 168.

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57

romano-germânico, no qual, desde o início, já se observa a relevância do papel conferido a

doutrina.74

Neste sentido, desde o século XII, observamos o desenvolvimento, dentro

das universidades européias, de uma comunidade jurídica (cientistas do direito) que

buscavam o desenvolvimento de um direito justo e que também promoviam o treinamento e

a formação dos futuros operadores do direito. Neste período, não obstante a inexistência de

um poder central na Europa, as idéias das academias jurídicas se espalham e se

uniformizam por todo o continente.

Neste contexto, surge a necessidade da elaboração de uma teoria capaz de

explicar os fenômenos jurídicos. Dentre as diversas teorias desenvolvidas ao longo dos

anos seguintes foi no século XVIII que triunfa, nas universidades européias, a teoria do

direito natural que, ao se espalhar por toda a Europa, abriu caminho para a proliferação dos

códigos, já no século XIX. Com estes, a função das universidades, que consistia

basicamente na elaboração de um direito justo, se altera substancialmente, passando, então,

a promoção da interpretação dos textos legais. Assim, temos que o positivismo legislativo,

aliado ao nacionalismo europeu continental, acabou por fragmentar a civil law em diversos

direitos nacionais codificados.75

74

Tudo conforme MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes, pág. 34 e DAVID, René. Os grandes

sistemas do direito contemporâneo, pág. 35 e seguintes. 75

DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo, pág. 45.

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58

Concluindo, temos que na civil law os juízes, ao promoverem o ciclo de

positivação do direito, aplicam a legislação. Contudo, para tanto, a interpretação dos textos

legais se mostra indispensável. Nesta tarefa, apóiam-se os magistrados, principalmente, nas

proposições formuladas pela Ciência do Direito. Neste sistema, a rigor, as proposições

formuladas pelos tribunais não possuem força vinculante, como visto na common Law, mas

nem por isso são desprezadas pelos magistrados, possuindo uma boa dose de persuasão

sobre os mesmos.

Tal sistemática, já no século XVI, produzia na Europa Continental alguns

problemas de ordem jurídica processual que foram em certa parte ocasionados pela adoção

do sistema da civil Law, naquilo que ficou conhecido como “despotismo dos tribunais”, que

pode ser assim resumido:

com o passar do tempo, nota-se que a atividade forense

desenvolvida nos países da Europa continental conhecia

grande desorganização e insegurança, devidas ao excesso de

correntes doutrinárias e à morosidade da tramitação dos

processos, causada pelo rito solene ditado pelas ordines

iudiciarri medievais. Os tribunais também apresentavam

complicada organização interna, inerente à variedade de

juízos, fator que ensejava imensa desconfiança na justiça.76

Assim, diversos tribunais centralizados foram criados sob o lema “Um

Estado, um único direito”. Pouco a pouco, a jurisprudência de tais tribunais foi-se

consolidando pela via recursal e se impondo, mesmo com dificuldade, como precedentes

vinculantes. Contudo, com as revoluções burguesas do fim do século XVIII, o ideal de

soberania do povo, expresso na legislação, ganhou grande força na Europa Continental.

76

TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito, pág. 190.

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59

Neste cenário a codificação, que representa a “vontade geral”, ganhou força, passando os

juízes a serem meros aplicadores das leis. Diante da nova realidade, novamente a

jurisprudência perde a força outrora adquirida, sucumbindo perante a lei, a única fonte do

direito.77

2.5. Da principal distinção entre a civil law e a common law

Uma das principais características da common law foi assim descrita por

René David:78

O direito, quer para um jurista americano,

quer para um jurista inglês, é concebido essencialmente sob

a forma de um direito jurisprudencial; as regras formuladas

pelo legislador, por mais numerosas que sejam, são

consideradas com uma certa dificuldade pelo jurista que não

vê nelas o tipo normal da regra de direito; estas regras só

são verdadeiramente assimiladas ao sistema de direito

americano quando tiverem sido interpretadas e aplicadas

pelos tribunais e quando se tornar possível, em lugar de se

referirem a elas, referirem-se às decisões judiciárias que as

aplicaram. Quando não existe precedente, o jurista

americano dirá naturalmente: “There is no law on the point”

(Não há direito sobre a questão), mesmo se existir,

aparentemente, uma disposição de lei que a preveja (sic).

Já sobre a civil law assim se manifesta Patrícia Perrone Campos Mello.79

:

O civil law concebe a regra de direito como

um comando normativo geral, abstrato, enunciado, em parte,

com base em considerações sobre justiça, moral e política e,

77

Idem, pág. 201. 78

Os grandes sistemas do direito contemporâneo, pág. 459. 79

Precedentes, pág. 46.

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em parte, como fruto de uma reflexão sistemática

empreendida a partir da prática. Ela não é tão precisa e

determinada, tampouco é casuística, como no common law.

Propõe-se, ao contrário, a abarcar, em sua moldura, a

variedade dos casos futuros. Estes deverão encontrar na

norma a sua solução, por um método de dedução, que parte

do comando geral para regular a situação particular

Neste contexto, fazendo uso do arcabouço teórico delineado no primeiro

capítulo, procuraremos demonstrar que a grande diferença entre os dois sistemas jurídicos

em apreço pode ser resumida pelo fato de que na civil law geralmente o magistrado possui

liberdade para julgar conforme um entendimento formulado pela doutrina, ou por ele

mesmo, em detrimento de uma posição estabelecida pelos tribunais. Já na common Law,

por seu turno, tal postura não é aceita facilmente, tendo em vista a força vinculante das

decisões jurisprudenciais que funcionam como precedentes.

Na civil law, para levar a cabo o processo de positivação do direito, seu

aplicador constrói uma norma jurídica geral e abstrata a partir dos atos de comunicar

enunciados tanto pelos textos legais quanto pela Ciência do Direito e, em seguida, aplica a

norma por ele adotada, ou construída, ao litígio levado a sua solução, mediante a

construção de uma norma jurídica individual e concreta. Neste processo, na maioria dos

casos, para o aplicador do direito da civil law¸ as normas jurídicas construídas pelos

tribunais não lhe vinculam. Em outras palavras, na civil law é comum verificarmos que os

diversos órgãos tanto do Poder Judiciário, quanto da administração pública, constroem

normas jurídicas distintas a partir dos mesmos textos legais. Isto porque estabelecem

comunicações com a Ciência do Direito para interpretar os textos legais.

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Não queremos com isso dizer que os magistrados da civil law não podem

fundamentar suas decisões na jurisprudência e não o façam. Isto também é possível e

bastante comum, principalmente nos tribunais, em sede de segunda instância. O que

gostaríamos de frisar é a existência de interpretações distintas, a partir dos mesmos textos

legais, construídas tanto pelos tribunais quanto pela Ciência do Direito (sem força

prescritiva). Assim, na civil law, é comum verificarmos a construção de normas jurídicas

individuais e concretas distintas, por órgãos distintos, com fundamento no mesmo texto

legal.

Neste contexto, é comum termos pessoas em situações fáticas análogas, mas

regidas por normas jurídicas distintas, na medida em que distintos também são os

magistrados responsáveis por seus casos. Tal situação estabelece uma grave sensação de

insegurança jurídica e descrédito para com o Poder Judiciário.

Já na common law tal postura não é aceita, pois, a partir da solução de um

caso concreto, por um determinado tribunal, constrói-se uma norma geral e abstrata que

deve ser obedecida por todos os juízes que lhe são subordinados. Mais, como visto, na

common law, a comunidade jurídica possui grande dificuldade em indicar o conteúdo

semântico de uma norma jurídica antes de sua aplicação ao caso concreto.

Assim, verificamos que na civil law o Poder judiciário deve aplicar as leis

(que são as mesmas para todos) ao caso concreto. Contudo, aos magistrados é conferida

uma boa dose de liberdade para interpretar os textos legais de acordo com o seu livre

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convencimento, mediante auxílio da Ciência do Direito, vez que, a rigor, os magistrados

não estão obrigados a adotarem o posicionamento dos tribunais que lhe são superiores. De

forma fundamentada, o que se dá principalmente mediante a utilização de argumentos

provenientes da Ciência do Direito, os magistrados possuem liberdade para a construção de

normas jurídicas distintas daquelas adotadas pelos tribunais, sempre a partir do mesmo

corpo de linguagem que compreende as leis.

Quanto ao sistema da civil Law, é comum a critica de que o mesmo traz

insegurança jurídica. Já com relação à common Law, a crítica mais comum diz respeito a

sua pequena capacidade em se adaptar às constantes alterações nos padrões da sociedade

moderna. A imperfeição é uma das mais marcantes características do Homem, logo, o

direito, enquanto objeto cultural criado pelo Homem, também o é (imperfeito). Os distintos

sistemas em análise possuem vantagens e desvantagens, que são exploradas por aqueles que

entram em contato com o sistema jurídico. Aliás, mediante o rápido estudo histórico acima

realizado, observamos que a tendência de tais sistemas é a sua mútua aproximação,

buscando cada qual o que é de melhor do outro. Na common Law, a produção legislativa é

crescente, já na civil law, o que cresce é a força das decisões judiciais, cada vez mais

atuando como precedentes vinculantes. Portanto, não há melhor nem pior, apenas dois

sistemas jurídicos distintos, com características distintas e, consequentemente problemas

também distintos.

Ademais, para terminarmos este tópico, não podemos nos esquecer que o

direito é fruto da cultura da sociedade que o produz. Assim, verifica-se que os padrões

culturais da sociedade influenciam sobremaneira sobre as características do ordenamento

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jurídico produzido por tal sociedade. Logo, o fato de a common law ser um sistema jurídico

eminentemente prático é fruto das peculiares características da sociedade britânica que lhe

deu origem. Neste sistema jurídico não há o apego a diversas questões de ordem processual

que são tão comuns na civil law. O processo na common law fluiu com muito menos

entraves daqueles verificados na civil law. Este fenômeno, aliás, não passou despercebido

por Piero Calamandrei:80

Estou cada vez mais convencido de que

entre o rito judiciário e o rito religioso existem parentescos

históricos muito mais próximos do que a igualdade da

palavra indica. Quem fizesse um estudo comparado do

cerimonial litúrgico e das formas processuais perceberia na

história certo paralelismo de evolução. Quase se poderia

dizer que, nos tribunais e nas igrejas, a religião degenerou

em conformismo.

A sentença era, originalmente, um ato

sobre-humano, o juízo de Deus; as defesas eram preces. Mas

com o passar dos séculos o espírito voltou para o céu, e na

terra só ficaram as formas exteriores de um culto em que

ninguém mais acredita. Ao assistirmos ao cansaço distraído

de certas audiências, somos levados a pensar na indiferença

com que tanta gente boa, nos feriados religiosos, continua

indo à missa por força do hábito e para ostentar em público

uma fé que já não tem no coração.

Talvez as profundas diferenças que se

notam entre a simplicidade e a lealdade dos juízes nos países

anglo-saxões e o complicado e dispendioso formalismo do

nosso processo tenham seu fundamento numa resistência

diferente do espírito religioso. No procedimento judiciário

inglês, tão rápido e leal, traduziu-se a Reforma; o nosso

ainda é um procedimento católico romano.

80

CALAMANDREI, Piero. Eles, os Juízes, vistos por um advogado, pág. 257.

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64

CAPÍTULO 3. DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DOS ATOS

NORMATIVOS

3.1. Do controle de constitucionalidade dos atos normativos na common law

Linhas atrás, afirmamos que uma das grandes diferenças entre o sistema

jurídico inglês e o norte-americano residia no fato de que enquanto na Inglaterra vigorava a

absoluta supremacia do Parlamento, nos Estados Unidos da América foi criada a idéia da

supremacia da Constituição. Assim, para garantir tal supremacia, foi desenvolvido, nos

Estados Unidos da América, um peculiar sistema de controle de constitucionalidade das

normas.

O controle de constitucionalidade no direito norte-americano teve origem no

famoso caso Marbury versus Madison. Este caso foi muito bem narrado, em seus

pormenores, pelo professor Luís Roberto Barroso. Aqui, faremos apenas um breve relato.

Em 1789 foi publicada, nos EUA, uma Lei Federal (the Judiciary Act) que conferia a

Suprema Corte daquele país competência originária para processar e julgar ações de uma

determinada natureza. Já em 1800, os Federalistas (partido político do então Presidente

John Adams) perderam as eleições presidenciais para Thomas Jefferson, do parido

republicano. Assim, para manter sua influencia política através do Poder Judiciário, os

Federalistas aprovaram uma lei autorizando o Presidente da República a nomear quarenta e

dois juízes de paz. Assim, no último dia de seu mandato, o Presidente John Adams assinou

os atos de investidura dos novos juízes, porém, seu Secretário de Estado não teve tempo

hábil de entregá-los a todos os investidos, restando alguns nomeados sem recebê-los. Ao

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tomar posse, Thomas Jefferson não autorizou seu Secretário de Estado James Madison a

entregar os últimos atos de investidura. William Marbury, um dos nomeados que não

recebeu sua investidura, resolveu, com fundamento naquela Lei Federal de 1789, impetrar,

originalmente na Suprema Corte, um “writ of mandamus”, com o escopo de ser investido

no cargo. Porém, ao julgar o caso, a Suprema Corte afirmou que o parágrafo 13, da Lei

Judiciária de 1789, ao criar uma hipótese de competência originária da Suprema Corte

fora das que estavam previstas no art. 3° da Constituição incorria em uma

inconstitucionalidade.81

A referida decisão da Suprema Corte Norte-Americana estabeleceu algumas

das mais importantes premissas do constitucionalismo moderno: (i) a Constituição é

suprema; (ii) um ato do Poder Legislativo contrário a Constituição é nulo; e, por último,

(iii) o Poder judiciário é o intérprete final da Constituição.

É interessante notar que somente cinquenta anos depois a Suprema Corte

dos Estados Unidos da América voltou a declarar uma lei inconstitucional, no caso Dred

Scott v. Sandford, ao afirmar que o Congresso exorbitou de seus poderes e violou a

propriedade privada ao proibir ou abolir a escravidão em determinadas áreas.82

Ademais,

ainda nesta decisão, a Suprema Corte afirmou que os negros não eram cidadãos dos Estados

Unidos da América e, portanto, não poderiam ajuizar ações perante os Tribunais Federais.

Trata-se de uma das mais deploráveis decisões tomadas pela Suprema Corte Norte-

Americana, que foi superada pelas Emendas Constitucionais de nº. 13 e 14.

81

Tudo conforme BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito Brasileiro, pág. 8. 82

Idem pág. 10.

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66

Seja como for, é cediço que o caso Marbury versus Madison deu início ao

controle judiciário da constitucionalidade das leis nos Estados Unidos da América,

denominado judicial review. Tal controle também ficou conhecido como incidental e

difuso. Difuso, pois pode ser exercido por qualquer órgão do Poder Judiciário e incidental

porque a pronúncia sobre a inconstitucionalidade da norma é uma questão prejudicial para

o julgamento de um caso concreto. Em outras palavras, neste sistema, tendo em vista a

supremacia da Constituição, para a solução de uma lide, qualquer órgão do Poder Judiciário

pode negar aplicação a uma determinada norma por considerá-la inconstitucional e por fim

a controvérsia com fundamento na inconstitucionalidade de um ato normativo.

Por último, corroborando com os estudos empregados neste trabalho, o

professor Luís Roberto Barroso afirma que antes da decisão do caso Marbury x Madison as

teses jurídicas ali expostas já haviam sido defendidas, em sede doutrinária, por Alexander

Hamilton, no Federalist n. 78.83

Novamente, verifica-se o estabelecimento de uma

importante comunicação entre aqueles que aplicam o direito e a Ciência do Direito.

3.2. Do controle de constitucionalidade dos atos normativos na civil law

Diferentemente dos Estados Unidos da América, na Europa Continental,

onde o sistema jurídico adotado é o da civil law, o controle de constitucionalidade das leis é

tardio. Somente com a Constituição da Áustria, em 1920, é que foi estabelecido um

mecanismo de controle de constitucionalidade dos atos normativos. Ademais, destarte que

83

O controle de constitucionalidade no Direito Brasileiro, pág. 6.

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67

este sistema apenas se expandiu para os demais países da Europa Continental após a

segunda guerra mundial.

Uma das razões deste desenvolvimento tardio pode ser resumida pela

seguinte frase, enunciada por Louis Favoreu: Nos Estados Unidos a Constituição é

sagrada; na Europa é a lei que é sagrada.84

Percebe-se, assim, que após a revolução

francesa, o dogma de Rousseau sobre infabilidade das leis tornou-se muito caro aos

europeus.

Seja como for, o fato é que o modelo de controle de constitucionalidade

adotado pela Constituição austríaca em 1920 foi fruto do trabalho realizado por Hans

Kelsen.85

Trata-se de um sistema completamente distinto daquele desenvolvido na América

do Norte.

Em primeiro lugar, o controle de constitucionalidade das leis é conferido a

um órgão específico, as Cortes Constitucionais, que não podem ser entendidas como um

órgão do Poder Judiciário. Eis o sistema concentrado, em oposição ao sistema difuso,

desenvolvido nos Estados Unidos da América.

Na verdade, sob as premissas estabelecidas por Kelsen, o controle de

constitucionalidade não seria propriamente uma atividade judicial, mas uma função

84

FAVOREU, Louis. As Cortes Constitucionais, pág. 20. 85

Idem, pág. 17.

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68

constitucional, que melhor se caracterizaria como atividade legislativa negativa.86

Isto,

pois, para Kelsen, as leis, até o pronunciamento de sua inconstitucionalidade, são válidas e

devem ser aplicadas pelo Poder Judiciário. Somente após tal pronunciamento é que as

mesmas são retiradas do mundo jurídico.

O referido posicionamento de Hans Kelsen é oposto aquele desenvolvido na

América do Norte, uma vez que neste último País a lei inconstitucional é tida como nula, já

na visão de Kelsen ela é anulável. Conhecido é o posicionamento de Kelsen que diz: toda

norma jurídica existente é válida, até que outra norma a retire do sistema.87

Assim, a

natureza jurídica da pronúncia de inconstitucionalidade de uma norma, para Kelsen, é

constitutiva, enquanto que para o sistema desenvolvido nos Estados Unidos da América é

declaratória. Indispensável afirmar, neste momento, que no Brasil é majoritário o

entendimento da natureza declaratória do pronunciamento de inconstitucionalidade de um

ato normativo.

Destarte que o controle de constitucionalidade realizado de forma

concentrada traz um grande benefício para a segurança jurídica dos Países da civil law.

Como nestes sistemas jurídicos, via de regra, os magistrados não estão vinculados às

decisões proferidas pelos Tribunais que lhe são superiores, a criação de um único órgão

encarregado de promover o controle de constitucionalidade das leis é pertinente, pois, desta

forma, evita-se a tomada de decisões contraditórias por tribunais distintos em matéria

86

Conforme BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito Brasileiro, pág. 19. 87

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, pág. 79.

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constitucional. Somente um órgão é competente para controlar a constitucionalidade das

leis e a sua decisão possui força vinculante sobre todo o Poder judiciário.

Analisando a questão sobre outro aspecto, verificamos outra consequência

jurídica que a adoção do modelo incidental e difuso nos países da civil law pode acarretar,

sempre considerando que neste modelo os efeitos das decisões judiciais só produzem

efeitos entre as partes envolvidas no processo. Vejamos: determinada sociedade empresária

propõe uma ação judicial com o escopo de ver declarado inconstitucional determinado

dispositivo legal que institui um tributo sobre a sua atividade empresarial. Julgada

procedente a demanda, a referida sociedade fica juridicamente desobrigada de pagar o

tributo. Porém, uma sociedade empresária concorrente continuará obrigada ao recolhimento

do mesmo tributo e mais, caso intente a mesma ação judicial, nenhum instituto jurídico lhe

garante que o Poder Judiciário irá julgar sua demanda no mesmo sentido da primeira. Neste

caso, se a segunda demanda for julgada improcedente, teremos um dispositivo legal

considerado inconstitucional para uma pessoa e constitucional para outra, ou seja, um grave

afronta ao princípio da isonomia que, em última análise, provoca uma concorrência desleal

entre as sociedades empresárias envolvidas.

Para evitar tais contradições, nos países da Europa Continental a

competência para o pronunciamento sobre a constitucionalidade de um ato normativo

geralmente é entregue a uma Corte Constitucional.

Na República Federal da Alemanha, por exemplo, a jurisdição constitucional

foi entregue ao Tribunal Constitucional Federal – Bundesverfassungsgericht – para

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70

solucionar casos nos quais, supostamente, exista uma violação à Lei Fundamental e aos

Tribunais Constitucionais dos Estados – Lander – para solucionar violações referentes à

Constituição de um Estado. Assim, quando a solução de um caso concreto depender da

aferição da constitucionalidade de um ato normativo, o processo será suspenso e o caso

remetido ao competente tribunal para deliberar sobre a questão constitucional. Após, o

tribunal de origem julga o feito de acordo com a decisão constitucional proferida pela Corte

constitucional. Também existe a possibilidade de se por a questão constitucional

diretamente ao Tribunal Constitucional. Por último, saliente-se que as decisões proferidas

pelo Bundesverfassungsgericht possuem força vinculante perante todos os órgãos da

Federação e dos Estados, bem como para todos os tribunais e autoridades. Em alguns casos,

a decisão do referido tribunal tem força de lei.88

3.3. Da evolução do controle de constitucionalidade dos atos normativos no

Brasil

No Brasil, o controle de constitucionalidade dos atos normativos pelo Poder

Judiciário foi inaugurado pela Constituição Provisória de 1890, uma vez que a Constituição

do Império (1824), fortemente influenciada pela ideologia francesa, nada dispunha sobre o

tema, outorgando ao Poder Legislativo a atribuição de “fazer leis, interpretá-las, suspendê-

las e revogá-las”, bem como “velar na guarda da Constituição” (art. 15, n°. 8° e 9°).89

88

Tudo conforme STRECK. Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do

direito, pág. 356 e seguintes. 89

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito

constitucional, pág.189.

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Assim, a possibilidade de ser examinada judicialmente a constitucionalidade

de leis e atos do poder público foi prescrita, pela primeira vez em nosso ordenamento

jurídico, pelo art. 58, § 1°, alínea “a” e “b”, da denominada Constituição Provisória de

1890, quando da regulamentação da competência do Supremo Tribunal Federal. Ademais,

no mesmo ano, foi publicado o Decreto n°. 848, de 11 de outubro de 1890, que, ao

organizar a Justiça Federal, em seu art. 3°, determinou que: na guarda e aplicação da

Constituição e leis federais, a magistratura federal só intervirá em espécie e por

provocação de parte. Consagrando, mesmo que provisoriamente, o controle pela via

incidental e difusa.90

Após, o governo provisório do Marechal Deodoro da Fonseca criou a

“comissão dos cinco” com o escopo de elaborar o anteprojeto da Constituição Republicana.

Findos os trabalhos, o anteprojeto foi entregue a Rui Barbosa para revisão, antes da sua

publicação em decreto, ad referendum da Assembléia Constituinte. Assim, o eminente

jurista baiano, fortemente influenciado pela idéias norteadoras da Constituição dos Estados

Unidos da América, afastou do nosso primeiro texto constitucional republicano as

vitoriosas idéias políticas da Revolução Francesa, consagradas pela “comissão dos cinco” e

que conferiam supremacia ao Poder Legislativo. Nas palavras de Lenio Luiz Streck, Rui

Barbosa, na qualidade de revisor do texto constitucional de 1891:

suprimiu as atribuições do Legislativo de

estabelecer a interpretação autêntica e de velar pela guarda

da Constituição; ampliou a competência do Supremo

Tribunal Federal para todas as questões decididas pelos

90

BARBI, Celso Agrícola. Evolução do controle da constitucionalidade das leis no Brasil. RDP, n°. 4, pág.

37.

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72

juízes e tribunais estaduais que negassem a validade das leis

federais, que afirmassem a validade de leis e atos dos

governos estaduais contestados em face da Constituição ou

das leis federais, ampliação essa que foi estendida aos juízes

federais, que passaram a ter a competência para julgar as

causas em que alguma das partes baseasse-se em disposições

da Constituição.91

Dúvidas não há de que o pensamento de Rui Barbosa segue rigorosamente

as teorias formuladas na América do Norte sobre a inconstitucionalidade dos atos

normativos.

Trabalhando como advogado, Rui Barbosa patrocinou a causa de dois

Oficiais do exército brasileiro de alta patente, arguindo a inconstitucionalidade de dois

Decretos expedidos pelo Poder Executivo, que, em suma, haviam reduzido os soldos de tais

Oficiais. É digno de registro a singeleza norteadora da petição inicial formulada por Rui

Barbosa, que se restringe a descrever os fatos e fundamentar o seu pedido na

inconstitucionalidade dos respectivos atos administrativos. Contudo, após a manifestação

do eminente Procurador da República, em suas razões finais, Rui Barbosa nos brinda com a

excelência do seu pensamento jurídico, rebatendo as afirmações do douto Procurador com

fundamento, principalmente, no direito comparado. Assim, analisa o direito constitucional

inglês, para depois descrever o norte-americano, aqui introduzido pela Carta Republicana

de 1891, passando pelo direito mexicano, belga, venezuelano, dentre outros. Ao concluir o

seu arrazoado final, afirma o notório jurista brasileiro que a ação deveria ser julgada

procedente se, e somente se:

91

STRECK. Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito, pág. 426.

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Se o poder de fazer a lei não compreende o de

reformar a Constituição;

Se toda lei, que cerceie instituições, ou direitos,

consagrados na Constituição, é inconstitucional;

Se, por maioria de razão, inconstitucionais são as

deliberações, não legislativas, de uma câmara, ou de ambas,

que interessarem esfera vedada ao poder legislativo (1);

Se toda medida executiva, ou legislativa, que fôr

inconstitucional, é, de sua essência, nula;

Se atos nulos da legislatura não podem conferir

poderes válidos ao executivo (2);

Se aos tribunais federais compete declarar a nulidade

dos atos legislativos, eivados de inconstitucionalidade (3);

Se a nulidade dos atos inconstitucionais do poder

executivo, ou do legislativo, certifica-se por declaração

judicial (4);

Se no caso de violação de direitos constitucionais do

indivíduo, perpetrada a pretexto de funções políticas, aos

tribunais compete verificar se a atribuição política invocada

abrange em seus limites a faculdade exercida (5);

Se a declaração de nulidade, por quebra de direitos

constitucionais, uma vez regularmente provocada, é, para as

justiças da União, além de um direito legal, um dever

indeclinável (6);

Se o meio constitucional de provocar e exercer essa

função judiciária são as ações regulares, instauradas e

decididas, segundo as formas técnicas do processo, contanto

que se aduza a inconstitucionalidade, não como objeto do

litígio, mas simplesmente como fundamento da reclamação, e

que esta pretenda, não a revogação do ato executivo, ou

legislativo, mas a inibição dos seus efeitos no caso vertente

(7);92

92

BARBOSA, Rui. Obras seletas de Rui Barbosa. Vol. XI, pág. 156.

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74

As ações acima mencionadas foram julgadas procedentes e tais decisões

foram mantidas pelo Supremo Tribunal Federal.93

Independentemente disto, colacionamos

o presente caso para conferir uma demonstração prática de que a Carta Política de 1891,

inspirada na Constituição dos Estados Unidos da América, introduziu no Brasil o controle

de constitucionalidade judicial dos atos normativos pelo sistema incidental e difuso, típico

dos países da common law.

Assim, observamos que, inicialmente, nosso sistema jurídico não

contemplou o sistema direto e concentrado de controle de constitucionalidade das leis,

desenvolvido na Europa continental, mediante a criação das Cortes Constitucionais. Aliás,

de outra forma não poderia ser, pois o referido sistema de controle de constitucionalidade

foi desenvolvido nas primeiras décadas do século passado (notadamente com a

Constituição da Áustria de 1920), enquanto nossa primeira Constituição Republicana foi

promulgada, como é cediço, em 1891.

O Brasil foi um dos primeiros países da civil law a possuir mecanismos

judiciais de controle da constitucionalidade dos atos normativos. Por outro lado, este

pioneirismo fez com que o sistema aqui adotado fosse aquele característico dos países da

common law, que, uma vez aplicado ente nós, acabou se demonstrando ineficiente,

colaborando com a proliferação de um número cada vez mais excessivo de recursos

extraordinários junto ao Supremo Tribunal Federal, e também como fonte de insegurança

jurídica.

93

BARBOSA, Rui. Obras seletas de Rui Barbosa. Vol. XI, pág. 171 e seguintes.

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75

As conclusões acima expostas foram muito bem observadas por Mauro

Cappelletti:94

Pois bem, a introdução, nos sistemas de civil

law, do método “americano” de controle, levaria à

conseqüência de que uma mesma lei ou disposição de lei

poderia não ser aplicada, porque julgada inconstitucional,

por alguns juízes, enquanto poderia, ao invés, ser aplicada,

porque não julgada em contraste com a Constituição, por

outros. ... Poderiam, certamente, formar-se verdadeiros

“contrastes de tendências” entre órgãos judiciários de tipo

diverso – que se manifestam, por exemplo, em perigosos

contrastes entre órgãos da justiça ordinária e os da justiça

administrativa, - ou entre órgãos judiciários de diverso grau

...

Assim sendo, com o tempo, o fato de o Brasil possuir um sistema jurídico

estruturado sobre os fundamentos do direito romano germânico e um controle de

constitucionalidade desenvolvido em um país da common law mostrou-se inadequado,

obrigando o legislador brasileiro a alterar, reiterada vezes, o nosso controle de

constitucionalidade das normas, nele embutindo características do controle direto e

concentrado.

Consequentemente, já na Constituição de 1934, foi criada a chamada

“representação interventiva”, que é o primeiro instituto do modelo de controle direto em

nosso sistema jurídico. Assim, a lei federal que decretasse a intervenção da União em um

dos Estados-Membros, pelo descumprimento dos denominados princípios constitucionais

“sensíveis”, deveria ser previamente submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal,

para que sua constitucionalidade fosse declarada.

94 O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado, pág. 77.

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76

Ademais, a Carta de 1934 também alterou significativamente o controle

incidental e difuso, principalmente em dois aspectos: (i) primeiro criou a chamada reserva

de plenário, ao determinar que toda declaração de inconstitucionalidade a ser proferida por

um tribunal deveria sê-la pela maioria absoluta de seus membros; (ii) ademais, conferiu

poderes ao Senado Federal para suspender a execução de lei ou ato que haja sido declarado

inconstitucional pelo Poder Judiciário.

As alterações acima indicadas visam a amenizar alguns problemas já

verificados à época em função da inadequação do controle incidental e difuso em nosso

ordenamento jurídico. Com relação aos poderes conferidos ao Senado Federal, estes

visavam, principalmente, conferir efeitos erga omnes às decisões do Supremo Tribunal

Federal, amenizando, em certo ponto, as dificuldades encontradas por aquele Tribunal para

conferir eficácia extraprocessual as suas decisões de inconstitucionalidade. Já a reserva de

plenário foi imposta com o escopo de se evitar a insegurança jurídica decorrente das

contínuas flutuações de entendimento dos tribunais (art. 179).95

Após o golpe militar de Getúlio Vargas em 1937 e a consequente outorga da

Carta Constitucional de 10 de novembro de 1937, denominada de “Polaca”, o controle

judicial de constitucionalidade dos atos normativos no Brasil sofreu grande retrocesso. O

mandado de segurança foi relegado ao plano infraconstitucional e o Código de Processo

Civil de 1939 vedou o seu uso em face dos atos emanados por diversos órgãos do Poder

95

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito

constitucional, pág.193.

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77

Executivo, principalmente do Presidente da República, minimizando, assim, o uso do

referido instrumento processual como meio de se requerer o controle judicial da

constitucionalidade dos atos normativos.96

Ademais, o referido texto constitucional

permitia ao Presidente da República, caso fosse necessário ao bem-estar do povo, à

promoção ou defesa do interesse nacional de alta monta, submeter uma lei declarada

inconstitucional pelo Poder judiciário novamente à apreciação do Parlamento, para sobre

ela deliberar, podendo o mesmo, por dois terços dos membros de cada uma de suas

câmaras, tornar insubsistente a decisão do Tribunal mediante a convalidação da validade do

respectivo texto legal. Tal dispositivo causou grande controvérsia na doutrina,

principalmente após o seu uso pelo Presidente Getúlio Vargas, uma vez que desautorizava

explicitamente uma decisão judicial.97

Sob a égide da Constituição de 1946 é restabelecido o controle judicial de

constitucionalidade dos atos normativos tal como prescrito, em linhas gerais, pela Carta

Política de 1934. Neste contexto restou revigorada a denominada “arguição de

inconstitucionalidade”, ou “representação interventiva”. Tal como na Constituição de 1934,

a Carta de 1946 também previa a possibilidade de intervenção federal nos Estados para

assegurar a preservação dos chamados “princípios sensíveis”. Contudo, a questão deveria

ser previamente submetida ao Supremo Tribunal Federal, privativamente pelo Procurador

Geral da República. Após a declaração de inconstitucionalidade do ato ou da lei estadual, a

decisão era imediatamente comunicada aos órgãos estaduais interessados. Já com a

96

BARBI, Celso Agrícola. Evolução do controle da constitucionalidade das leis no Brasil. RDP, n°. 4, pág.

39. 97

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito

constitucional, pág.196.

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78

publicação do acórdão, este era remetido ao Congresso Nacional para simplesmente

suspender a execução do ato declarado inconstitucional, caso tal medida se mostrasse

suficiente para o restabelecimento da normalidade no Estado, ou decretar a intervenção,

caso a primeira medida se mostrasse insuficiente. Insta frisar que o instituto foi largamente

utilizado, mostrando-se a suspensão do ato medida suficiente para o restabelecimento da

normalidade nos Estados, sem a necessidade da intervenção federal.98

Esta ação é um marco em nosso controle de inconstitucionalidade, uma vez

tratar-se da primeira hipótese de controle judicial abstrato de um ato normativo em nosso

ordenamento jurídico.

Dando continuidade à evolução do controle de constitucionalidade em nosso

ordenamento jurídico, a Emenda Constitucional de n°. 16/65 conferiu maior amplitude ao

instituto em análise ao conferir ao Supremo Tribunal Federal competência para julgar

representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou

estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República (art. 2° da Emenda

Constitucional 16/65). Ao conferir maior amplitude ao instituto, na verdade, a referida

Emenda Constitucional acabou criando uma ação para o controle da constitucionalidade

dos atos normativos federais e estaduais pela via direta e concentrada que não guarda

relação alguma com a questão a intervenção federal acima debatida. Assim teve início no

Brasil o controle genérico da constitucionalidade dos atos normativos.

98

BARBI, Celso Agrícola. Evolução do controle da constitucionalidade das leis no Brasil. RDP, n°. 4, pág.

40.

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79

Mas foi com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que realmente

observamos o estabelecimento de uma verdadeira sistemática de controle de

constitucionalidade pela via direta e de forma concentrada, segundo o modelo europeu

continental, criando-se, assim, uma verdadeira jurisdição constitucional cuja competência

restou concentrada no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Por outro lado, o controle

incidental e difuso permaneceu intacto, podendo ser exercido por qualquer órgão do Poder

Judiciário para a solução de um caso concreto, de forma incidental.

Diversas foram as inovações trazidas pela Carta Política de 1988 no tocante

ao sistema de controle direto e concentrado. Inicialmente, devemos salientar a significativa

ampliação do rol dos legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade

(vide art. 103 da CF). Ademais, ao lado da ação direta de inconstitucionalidade (art. 102, I,

alínea “a”) e da ação direta interventiva (art. 36, III), foram criadas a ação direta de

inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2°) e a arguição de descumprimento de

preceito fundamental (art. 102, § 1°). Mais tarde, com a Emenda Constitucional de n°.

03/93, foi criada a ação direta de constitucionalidade, gerando severas críticas doutrinárias

quanto a sua constitucionalidade. Também não podemos nos esquecer que os atos

normativos estaduais e municipais podem ter a sua constitucionalidade, em face da

Constituição do Estado, judicialmente questionada perante os Tribunais de Justiça dos

Estados, mediante representação de inconstitucionalidade (art. 125, § 2°). Eis, em linhas

gerais, o quadro da jurisdição constitucional estabelecida pela Carta Política de 1988, com a

Emenda Constitucional de n. 03/93.99

99

Tudo conforme BARROSO. Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, pág. 64

e seguintes.

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80

Mas a evolução do controle de constitucionalidade dos atos normativos no

Brasil não se encerrou com a Emenda Constitucional de n°. 03/93, pelo contrário, ela se

acentuou bastante com a Emenda Constitucional de n°. 45/04, denominada “reforma do

Poder judiciário”, que criou a Súmula Vinculante e a repercussão geral, e, também, pelo

processo de objetivação que passa o recurso extraordinário. Temas estes que serão,

posteriormente, por nós analisados em capítulos próprios.

Como visto, o controle de constitucionalidade incidental e difuso puro, ao

estilo norte-americano (common law), se mostrou insuficiente entre nós, principalmente em

função da ausência de força vinculante das nossas decisões judiciais, acarretando,

basicamente, dois efeitos colaterais: (i) uma sensação de insegurança jurídica ocasionada

em função da coexistência de decisões judiciais antagônicas em matéria constitucional; e

(ii) um volume excessivo do número de recursos extraordinários em trâmite pelo Supremo

Tribunal Federal tratando da mesma matéria.

Assim, ao longo do século XX, observamos a gradual introdução, em nosso

ordenamento jurídico, do controle direto e concentrado, tal como desenvolvido na Europa

Continental, culminando com a ampla jurisdição constitucional estabelecida pela atual

Constituição Federal, que nos parece pronta e acabada, merecendo apenas alguns ajustes.100

100

Como aqueles prescritos pela Emenda Constitucional de n°. 45/04, principalmente ao conferir isonomia

aos legitimados para propor a ADIN e a ADC (art. 103, caput) e ao prescrever explicitamente que as decisões

definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e

nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante,

relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas

federal, estadual e municipal (art. 103, § 2°).

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81

Neste sentido, observamos, desde 1988, a coexistência dos dois sistemas de controle de

constitucionalidade em nosso ordenamento jurídico.

Contudo, quinze anos após a consolidação do atual sistema híbrido, é

facilmente verificável que a mera introdução do controle pela via direta e concentrada não

foi capaz de solucionar os referidos efeitos colaterais ocasionados pela inicial adoção do

controle incidental e difuso. Com relação ao problema da segurança jurídica, a melhora foi

sensível, uma vez que as decisões proferidas em sede de controle direto e concentrado

possuem força vinculante e efeitos erga omnes. Contudo, a referida crise do Supremo

Tribunal Federal não foi sanada, pelo contrário, foi agravada, principalmente pela

ampliação da competência da Corte, vez que agora, além do elevado número de recursos

extraordinários que lhe são submetidos, também tem que lidar com os processos oriundos

da vida direta e concentrada.

Já neste século, após o estabelecimento do controle direto e concentrado, se

mostrou imprescindível entre nós a reformulação do controle incidental e difuso para dotá-

lo de maior eficácia extraprocessual, ou seja, de força vinculante. E neste sentido caminham

todas as reformas constitucionais, pelo menos no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Já

não faz mais sentido o entendimento firmado tanto pela doutrina quanto pela

jurisprudência, após a promulgação da Carta de 1988, de que uma decisão do plenário do

Supremo Tribunal Federal em sede de recurso extraordinário produz efeitos inter pars e

quando o mesmo órgão se reúne em sede de controle direto e concentrado sua decisão

produza efeitos erga omnes e força vinculante.

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Até a introdução do controle direto e concentrado, o sistema jurídico

brasileiro não admitia que uma decisão do Supremo Tribunal Federal, declarando a

inconstitucionalidade de um ato normativo, mesmo que proferida pelo Plenário, em sede de

recurso extraordinário, fosse capaz de gerar efeitos jurídicos em face de pessoas que não

eram parte no recurso. Para tanto, se fazia necessária a edição de uma Resolução pelo

Senado Federal. Contudo, após a consolidação do controle direto e concentrado, que

conferiu força vinculante a determinadas decisões do Supremo Tribunal Federal, os valores

se invertem e já não nos aprece mais fazer sentido que uma decisão do Plenário de nossa

Corte Suprema já não produza mais força vinculante, mesmo sendo proferida em sede de

recurso extraordinário.

Insistimos mais uma vez na questão, para sintetizar. O Brasil adotou o

controle incidental e difuso sem força vinculante e a experiência nos mostrou que este

controle não funciona sem tal predicado. Para solucionar o problema, adotamos outra

sistemática de controle de constitucionalidade, diametralmente oposta, mas com força

vinculante, que passou a coexistir com o antigo controle incidental e difuso. Contudo, tal

adoção não solucionou o problema, jamais poderia solucionar, pois o controle incidental e

difuso permaneceu sem força vinculante. Agora, já no século XXI, as luzes se acenderam e

percebemos a necessidade de dotar o controle incidental e difuso de força vinculante, pelo

menos no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

Este trabalho, em linhas gerais, visa exatamente ao estudo dos institutos

recentemente criados para conferir eficácia vinculante às decisões do Supremo Tribunal

Federal, em sede de controle incidental e difuso, notadamente a Súmula Vinculante e a

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Repercussão geral (neste caso ainda não podemos falar em força vinculante) e aplicar tais

conhecimentos às questões tributárias, que serão fortemente influenciadas por esta nova

sistemática. Ademais, analisaremos, também, alguns aspectos relevantes do julgamento do

recurso especial, pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recursos repetitivos.

3.4. Síntese conclusiva sobre as etapas da evolução do controle de

constitucionalidade dos atos normativos no Brasil

Analisada a evolução do controle de constitucionalidade no Brasil, podemos

identificar três etapas distintas:

i) a primeira etapa tem início com a promulgação da República e vai até

o fim da era Vargas, quando o controle de constitucionalidade, a rigor, era exercido de

forma incidental e difusa, abrangendo, assim, as Cartas Políticas de 1891, 1934 e 1937.

Tendo em vista que as decisões judiciais no Brasil não possuíam, como ainda não possuem

por completo, a força vinculante verificada nos países da common law, o referido controle

se mostrou insuficiente, merecendo reformas sistemáticas;

ii) a segunda fase tem início com a Constituição de 1946 e se prorroga

até a Emenda Constitucional de n° 03/93, já sob a égide da atual Carta de 1988. Neste

período, para conferir maior eficácia ao controle judicial de constitucionalidade, uma vez

observada a insuficiência do sistema incidental e difuso, foi introduzido, no Brasil, o

sistema direto e concentrado, exercido pelo Supremo Tribunal Federal e desenvolvido na

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Europa Continental, a partir das idéias de Hans Kelsen, e cujas decisões possuem força

vinculante e eficácia erga omnes;

iii) por último, uma vez que a introdução do sistema direto e concentrado

não solucionou a “crise do Supremo Tribunal Federal”, temos a terceira etapa, que se inicia

com a Emenda Constitucional n°. 45/04, denominada “reforma do Poder Judiciário”, que

institui a Súmula Vinculante, que possui força vinculante perante todo o Poder Judiciário e

cuja não observância pode ser atacada pela via da reclamação e a Repercussão Geral, que

apesar de não dotar o recurso extraordinário de força vinculante, lhe confere especiais

efeitos extraprocessuais, como será visto em capítulo próprio. Ademais, não podemos

deixar de citar, o processo de objetivação por que passa o recurso extraordinário, que

também é um elemento importante desta terceira etapa na evolução do controle de

constitucionalidade dos atos normativos no Brasil, uma vez que visa a conferir efeitos

vinculantes às decisões do Plenário em sede de recurso extraordinário.

3.5. Da teoria geral acerca da inconstitucionalidade dos atos normativos

Pontes de Miranda, um dos maiores juristas que o Brasil já produziu,

elaborou uma teoria sobre o ato jurídico que restou bastante difundida entre nós. Logo,

consoante segundo a sua concepção, o mundo jurídico seria integrado por três planos: o da

existência, o da validade e o da eficácia. O professor Marcelo Neves, em breve comentário

sobre o tema, expõe o pensamento de Pontes de Miranda nos seguintes termos:

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85

A “existência” de um ato ou norma jurídica, segundo

Pontes de Miranda, constitui-se por sua entrada no mundo

jurídico, podendo isto ocorrer regular ou irregularmente.

Quando o ato jurídico ou a norma jurídica entra

defeituosamente no “mundo jurídico”, há existência sem

validade. Portanto, distinguem-se os planos da “existência”

e da validade. Os atos e normas jurídicos são válidos quando

produzidos regularmente pelos agentes do sistema (órgão em

sentido estrito ou particulares). A invalidade resulta da

integração ao “mundo jurídico” de atos e normas

produzidos defeituosamente pelos agentes do sistema.101

Assim, para esta corrente doutrinária, tem-se que a existência de uma norma

jurídica é pressuposto para a verificação de sua validade. Toda norma jurídica posta no

sistema existe, mas isso não implica a sua validade, pois esta qualidade apenas estará

presente nas normas criadas em conformidade com a norma superior que lhe confere

fundamento de validade, seja pelo aspecto formal ou material. Ademais, sob este prisma, é

possível, e frequente, que uma norma inválida mantenha relação de pertinencialidade com

um determinado sistema jurídico até que seja revogada ou expulsa por um ato normativo

emanado de um órgão do sistema, que declare a sua invalidade.

Sob tais premissas e levando em consideração diferentes graus de eficiência

que uma norma pode apresentar, foram construídos, pela doutrina, os conceitos de nulidade

e anulabilidade. Neste contexto, caso o grau de deficiência de uma norma seja elevado, a

mesma não poderá ser convalidada, dando origem a uma nulidade, que importa na eficácia

ex-tunc da decretação de sua invalidade. Por outro lado, na anulabilidade, o defeito da

101

NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis, pág. 41.

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norma não é tão grave, podendo a mesma ser convalidada, logo, a decretação de sua

invalidade produz eficácia ex-nunc.102

Ainda segundo o modelo teórico em análise, temos a eficácia, que não se

confunde com a existência, muito menos com a validade. A eficácia tem sido associada à

produção de efeitos jurídicos, com três sentidos distintos: a eficácia técnica que pode ser

entendida como a possibilidade de atuação da norma, uma vez presentes os elementos

normativos essenciais à produção de efeitos jurídicos concretos; a semântica, que é a

possibilidade fática de atuação da norma; e a social verificável quando a norma é cumprida

por seus destinatários.103

Se assim for, o pronunciamento de inconstitucionalidade de um ato

normativo possui natureza jurídica declaratória, pois apenas traz à tona um defeito jurídico

que a norma já possuía desde a sua criação, qual seja, a sua incompatibilidade com o texto

constitucional que lhe confere fundamento de validade. Assim, a norma é nula de pleno

direito, pois seu defeito, a inconstitucionalidade, não é sanável, logo, todos os efeitos

jurídicos produzidos por tal norma devem ser desfeitos, ou seja, a eficácia da declaração de

inconstitucionalidade é ex-tunc.

Oposto é o modelo teórico preconizado por Hans Kelsen, no qual a validade

é vista como uma relação de pertinencialidade com um determinado ordenamento jurídico,

tornando validade e existência conceitos equivalentes. Neste modelo, a validade não é,

102

NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis, pág. 45. 103

Tudo como bem resumido por PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Efeitos da decisão de

inconstitucionalidade em direito tributário, pág. 25.

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87

portanto, atributo que qualifica a norma jurídica, tendo status de relação.104

Ademais,

insta frisar que, sob a ótica de Kelsen, toda norma jurídica introduzida no sistema do direito

positivo, mediante órgão competente e procedimento previsto em lei, é válida. Na

concepção Kelseniana, o preenchimento dos requisitos formais acima expostos é suficiente

para validar a norma, que permanecerá no sistema até que seja expulsa por uma outra

norma. Neste sentido, verifica-se que Kelsen não confere relevância, para efeito da

determinação da validade, à compatibilidade material da regra jurídica inserida com as

demais regras superiores do sistema normativo.105

Como não poderia deixar de ser, Hans Kelsen, ao promover a introdução do

controle de constitucionalidade na Europa Continental, através da Constituição da Áustria

(1920), o fez de acordo com o modelo teórico por ele preconizado. Neste sentido, como

Kelsen entendia que o preenchimento dos requisitos formais era suficiente para a validade

da norma jurídica, o controle de constitucionalidade não era visto como uma atividade

judicial, mas sim, como uma atividade legislativa negativa, que, por isso mesmo, tornou-se

de competência exclusiva de um órgão específico. Temos, então, a criação do sistema

concentrado, com a entrega do controle de constitucionalidade à Corte Constitucional.

Como visto, no modelo teórico de Kelsen, existência equivale à validade.

Logo, a Corte Constitucional, ao se pronunciar pela inconstitucionalidade de uma

determinada norma, a expulsa do sistema. Assim, a decisão da corte ganha contornos

constitutivos, uma vez que, até a sua pronúncia, a norma jurídica era válida. Ademais, sob

104

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, pág. 80. 105

Como bem exposto por CERQUEIRA, Marcelo Fortes de. Repetição do indébito tributário, pág. 118.

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tais premissas, a norma tida como inconstitucional não é nula, mas sim meramente

anulável. Consequentemente, a decisão de inconstitucionalidade, de natureza constitutiva

negativa, é apta apenas para produzir efeitos ex nunc.106

Trata-se, em verdade, de dois modelos teóricos distintos, duas diferentes

formas de depreender o fenômeno jurídico, que acabaram por produzir dois distintos

sistemas de controle de constitucionalidade, cada qual coerente com as premissas traçadas

por seus modelos teóricos. Porém, de se ressaltar que a função destes modelos de controle

de constitucionalidade é sempre a mesma, qual seja, proteger a Constituição Federal de

toda e qualquer violação as suas normas por intermédios de atos normativos

infraconstitucionais. Aliás, sem este controle, de nada adiantaria a mera afirmação de

supremacia do texto constitucional diante dos demais atos normativos que compõem o

sistema do direito positivo.

Diante deste contexto, interessantes são as conclusões apontadas por Tácio

Lacerda Gama acerca dos dois modelos teóricos acima apontados. Partindo da

plurivocidade do termo “validade das normas jurídicas”, que acabamos de ver, afirma o

Doutor em Direito Tributário pela PUC/SP que cada um desses sentidos corresponde a um

ponto de vista possível, que se referem a modos distintos de compreender o que seja o

direito. Assim, não existe contradição entre as distintas concepções de validade acima

apresentadas, pois a contradição pressupõe que as duas assertivas não possam ser

simultaneamente verdadeiras e, no caso:

106

Com exposto por BARROSO. Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, pág.

19.

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89

Os dois modos de explicar a validade são,

simultaneamente, possíveis, pois refletem pontos de vista

distintos sobre o sistema jurídico. Um é o ponto de vista de

quem vê para descrever e o outro, de quem prescreve

normas, disciplinando condutas.107

Ademais, o autor supracitado conclui que: quem equipara existência e

validade decide descrever o direito sob a perspectiva de quem decide, como se fosse um

órgão julgador.108

Por outro lado, quem entende que a classe das normas jurídicas

(existentes) pode ser sub-classificada em normas jurídicas válidas e inválidas, o faz sob o

ponto de vista dos observadores do direito.

Por último, concluindo que os conflitos existentes entre as formas de

compreender a validade da norma, são, em verdade, conflitos de pontos de vista, o autor em

apreço propõe um critério funcional para qualificar uma norma como sendo jurídica (ou

não): a possibilidade de ser aplicada por ato do Poder Judiciário. Esse atributo, de ser

objeto de um processo judicial, é o critério por excelência para saber se uma norma está

ou não no sistema jurídico.109

Ou seja, estamos diante de um critério pragmático, a efetividade

(possibilidade de aplicação), mas que não se refere à validade da norma que, como visto, é

de competência exclusiva dos órgãos do sistema com tal credenciamento. Assim, se a

107

GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária. Fundamentos para uma teoria da nulidade. Tese de

Doutorado em Direito Tributário defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP, em

2008, pág. 332. 108

Idem, pág. 333. 109

Ibidem, pág. 336.

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norma não pode ser levada ao conhecimento do Poder Judiciário ela não existe e a validade

para ela é irrelevante. Por outro lado, se a norma existe, são os próprios órgãos do sistema

que irão determinar a sua validade (ou não).

Segundo a proposta formulada no primeiro capítulo deste estudo, podemos

considerar como sistema jurídico o conjunto de comunicações estabelecidas tanto pela

linguagem prescritiva do direito positivo, quanto pela linguagem descritiva da Dogmática

jurídica. A comunidade jurídica é formada pelo conjunto de pessoas que produzem os dois

diferentes tipos de linguagem acima descritos. Neste sentido é que corroboramos com o

exposto pelo professor Tácio Lacerda Gama, pois a validade podem entendida tanto do

ponto de vista dos participantes quanto dos expectadores. Trata-se de diferentes visões

sobre o mesmo fenômeno. Neste contexto, as duas formas de entender a natureza jurídica

das decisões judiciais sobre a inconstitucionalidade das normas, também são possíveis.

De nossa parte, partimos da premissa metodológica segundo a qual o

ordenamento jurídico é composto por um corpo de linguagem prescritiva produzido pelos

órgãos credenciados pelo próprio ordenamento jurídico. Porém, existe outro corpo de

linguagem, descritiva, construtiva de sentido, persuasiva, que se debruça sobre os

enunciados prescritivos lhes conferindo sentido, promovendo a sua interpretação e reflexão

abstrata, trata-se da Dogmática Jurídica. É interessante notar que, como visto no primeiro

capítulo, se estabelece uma constante comunicação entre os agentes dos dois corpos de

linguagem acima descritos que chamamos de sistema jurídico.

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Quando a dogmática Jurídica, ao analisar o direito positivo, constrói uma

teoria que acaba convencendo a grande maioria da comunidade jurídica,110

esta teoria

ganha status de verdadeira, na medida em que suas proposições passam a ser aceitas por tal

comunidade sem maiores reflexões. Na visão de Becker, são aqueles fundamentos que

costumam ser aceitos como demasiados “óbvios” para merecerem a análise crítica.111

Foi

exatamente o que aconteceu com a teoria declaratória das decisões judiciais sobre a

inconstitucionalidade dos atos normativos.112

Tal situação permanece inalterada até que a

Ciência do Direito se volte para os fundamentos considerados “óbvios”, os questione

seriamente, quebre os paradigmas anteriormente fixados, estabeleça novas premissas e

construa uma nova teoria, que dará origem a uma nova maneira de ver as coisas.

Neste contexto, partimos da premissa de que a sociedade é construída

linguisticamente, na medida em que a linguagem é a única forma de expressão do

conhecimento humano. Assim, como não poderia deixar de ser, a forma de manifestação do

direito é a linguagem. Tanto a linguagem prescritiva do direito positivo, quanto a

linguagem descritiva da Dogmática Jurídica, possuem como função precípua disciplinar as

relações de intersubjetividade no seio de uma sociedade, levando em consideração os

valores considerados como pertinentes pela sociedade.

Nesta medida, quando uma série de enunciados prescritivos são postos no

ordenamento jurídico, se tornam objeto de uma série de interpretações que visam deles

110

Aqui entendido como o conjunto de pessoas envolvidas pelo sistema jurídico, tais como: os magistrados,

os advogados, os doutrinadores, os professores de direito e etc. 111

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário, pág. 12. 112

O mesmo se deu com a teoria declaratória do crédito tributário.

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extrair o sentido, o conteúdo semântico, para a construção de uma norma jurídica a partir de

tais textos. Ademais, neste processo interpretativo, também será questionado se a novel

norma jurídica é compatível ou não com a Constituição Federal. Assim, quando uma nova

lei é introduzida no sistema, tanto os seus enunciados-enunciados, quanto a sua enunciação-

enunciada, são analisados para verificar sua compatibilidade com a Constituição Federal.

Caso alguém vislumbre a presença de uma determinada inconstitucionalidade, caso seja

pessoa competente para tanto, lhe é lícito acionar o Poder Judiciário para se manifestar

sobre a possível inconstitucionalidade.

Assim, seja em controle incidental e difuso, ou direito e concentrado, fato é

que o órgão do Poder Judiciário acionado deverá se manifestar sobre a constitucionalidade

(ou não) do novel diploma legal.113

Para tanto, o órgão judicial deverá (i) construir a norma

jurídica constitucional, a partir da interpretação dos enunciados prescritivos que compõem a

Constituição Federal;114

(ii) construir a norma jurídica que passará pelo crivo da

constitucionalidade, a partir da interpretação do texto legal chamado de inconstitucional

pelo autor da ação;115

(iii) decidir se há ou não compatibilidade entre a norma jurídica

constitucional, construída pelo órgão do Poder Judiciário em (i), e a norma jurídica

infraconstitucional, construída em (ii).

Claro está que este modelo teórico pode sofrer algumas variações em função

das múltiplas situações fáticas e de direito em que o Poder Judiciário pode ser chamado

113

É interessante notar que, a rigor, o Poder Judiciário deve ser provocado para se pronunciar sobre a

inconstitucionalidade do ato normativo questionado. Se assim não for, o mesmo continuará no sistema

produzindo os efeitos jurídicos que lhe são peculiares. 114

Neste mister, é comum que o órgão invoque os enunciados descritivos da Ciência do Direito. 115

Em caso de inconstitucionalidade sem redução de texto, o sentido da norma jurídica que deve ser declarada

inconstitucional é dado pelo Autor da ação.

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para decidir sobre a constitucionalidade (ou não) de um ato normativo. Contudo, a rigor, a

sistemática é sempre a mesma. Sempre que se afirma ser um ato normativo

inconstitucional, se afirma a partir da interpretação de um dispositivo constitucional e a

partir da interpretação do próprio ato normativo.

Existem situações em que a inconstitucionalidade é flagrante, como no caso

dos vícios formais, porém, mesmo assim, nestas situações, o que se tem é um expressivo

aumento da probabilidade de que o órgão do Poder Judiciário, encarregado de julgar o

processo, irá se pronunciar positivamente sobre à inconstitucionalidade formal

(enunciação–enunciada) da lei atacada. Não há certeza quanto à inconstitucionalidade,

antes do pronunciamento judicial que a afirme. Mesmo que toda a doutrina clame pela

inconstitucionalidade do ato, devemos aguardar o pronunciamento do Poder Judiciário, que

é a linguagem credenciada pelo sistema para enunciar a inconstitucionalidade.

Esta questão será melhor compreendida quando analisada à luz do modelo

proposto pelo professor Paulo de Barros Carvalho, no qual, devemos fazer uma distinção

entre o tempo do fato, que é o momento em que o fato jurídico (da inconstitucionalidade no

caso) é constituído e o momento no fato, que é a data atribuída à realização do evento

relatado no fato jurídico.116

É interessante notar que a doutrina tradicional irá qualificar

como declaratória toda decisão judicial que se reporta a um evento ocorrido no passado e

de constitutiva quando não houver descrição de evento pretérito. Assim se dá no caso da

sentença que extingue a execução sob o fundamento de que o crédito tributário, plasmado

na certidão de dívida ativa que instrui a inicial, está prescrito, pois o mesmo já o era desde o

116

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, pág. 107.

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94

dia em que ocorreu o término do curso de tal prazo, tendo o Poder Judiciário apenas

reconhecido a ocorrência da prescrição.

Neste sentido, como os pronunciamentos de inconstitucionalidade, a rigor,

se reportam a eventos pretéritos, na medida em que verificam a compatibilidade entre um

determinado texto legal e a Constituição, ambos introduzidos no sistema em data anterior

ao julgamento, a doutrina tradicional acabou por entender que tais decisões possuem

natureza jurídica declaratória. Porém, partindo da premissa de que o direito positivo é

constituído por linguagem prescritiva competente, todos os pronunciamentos judiciais

passam a ser considerados constitutivos, pois sem a sua enunciação não podem afirmar a

sua existência jurídica.

Neste contexto, do ponto de vista do sistema do direito positivo, só podemos

afirmar que um ato normativo é inconstitucional após a sua proclamação pelo Poder

Judiciário. E mesmo assim, pode ocorrer de um órgão do Poder judiciário entender pela

inconstitucionalidade do ato normativo e outro entender pela constitucionalidade, criando

decisões antagônicas no interior do sistema do direito positivo. Esta observação não passou

despercebida do professor Paulo de Barros Carvalho, o que lhe fez afirmar que a declaração

judicial de inconstitucionalidade pela via incidental e difusa não retira a validade, mas sim

a eficácia da norma, pois tal declaração não impede a aplicação da norma considerada

inconstitucional em outras oportunidades.117

117

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, pág. 80.

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Porém, como bem percebido por Tácio Lacerda Gama, do ponto de vista da

Dogmática Jurídica, é perfeitamente factível a assertiva de que um determinado dispositivo

legal é inconstitucional, desde o dia da sua publicação no Diário Oficial, mas nem por isso

o dispositivo deixa de existir e ter validade para o sistema do direito positivo, pois os

enunciados descritivos da doutrina não possuem força prescritiva.

Por último, cumpre salientar que o fenômeno da inconstitucionalidade dos

atos normativos também pode ser analisado do ponto de vista normativo. Assim, a partir do

princípio da Supremacia da Constituição, podemos extrair duas normas jurídicas: (i) a

primeira prescrevendo que todo ato normativo contrário, conflitante, com as normas

constitucionais não pode permanecer no sistema, assim, não pode mais ser aplicado; (ii) a

segunda norma prescreve que, diante da aplicação da primeira norma, todas as

consequências jurídicas produzidas pela norma tida como inconstitucional devem ser

desfeitos.

3.6. Dos efeitos temporais das decisões de inconstitucionalidade (ou não) dos

atos normativos

No tópico anterior, demonstramos a existência de duas distintas teorias a

explicar o fenômeno da inconstitucionalidade das leis, que conferem distintas naturezas

jurídicas a uma decisão judicial que pronuncia a inconstitucionalidade de um ato

normativo.

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A primeira delas, que ganhou ampla aceitação no sistema jurídico brasileiro,

situa a inconstitucionalidade no campo da nulidade. Assim, a decisão judicial que prescreve

a inconstitucionalidade de um ato normativo possui natureza jurídica declaratória, pois se

limita a reconhecer a existência de um vício preexistente no ato tido como inconstitucional.

Consequentemente, tal ato normativo não pode produzir efeitos no ordenamento jurídico,

logo, a referida decisão judicial deve produzir eficácia retroativa no tempo, ou seja, ex-

tunc.118

Já para aqueles que preconizam a natureza constitutiva para as decisões

judiciais que prescrevem a inconstitucionalidade dos atos normativos, tal qual uma

atividade legislativa negativa, necessariamente devem admitir que tais decisões judiciais

produzam efeitos para o futuro, ex-nunc, pois os referidos atos normativos foram

invalidados pelas decisões judiciais constitutivas.119

Como visto, a primeira teoria retrata o ponto de vista dos participantes do

direito positivo, enquanto a segunda diz respeito à visão dos espectadores.

De nossa parte, partimos do pressuposto de que o ordenamento jurídico é

construído pela linguagem prescritiva do direito positivo, assim, nesta medida, devemos

diferençar o que está no plano da linguagem jurídica, daquilo que se encontra no plano da

linguagem social. Enquanto não existir um enunciado prescritivo que proclame a

inconstitucionalidade de outro enunciado prescritivo, não há que se falar em

118

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, pág. 116. 119

Idem, pág. 15.

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inconstitucionalidade deste último. Logo, todos os enunciados prescritivos que compõem o

direito positivo são presumivelmente válidos, na medida em que foram produzidos por

sujeito competente, mediante procedimento prescrito em lei.

Assim, o Poder Judiciário poderá aplicar as normas jurídicas sobre a

inconstitucionalidade de um ato normativo determinando que o mesmo não seja mais

aplicado e que todos os efeitos jurídicos produzidos por tal ato sejam desfeitos. Neste

sentido, resta saber se a referida decisão do Poder Judiciário possui eficácia extraprocessual

ou não.

Como visto, a teoria declaratória da inconstitucionalidade dos atos

normativos ganhou ampla aceitação de nossa comunidade jurídica, logo, tem-se que os

efeitos produzidos pela declaração de inconstitucionalidade possui efeito “ex-tunc”, ou seja,

são retroativos, justamente para alcançar todas as consequências jurídicas produzidas pelo

ato normativo inconstitucional.120

Observando o sistema jurídico de diversos países do ocidente, é cediço que a

teoria declaratória da inconstitucionalidade dos atos normativos obteve uma aceitação

muito mais ampla do que a teoria constitutivista, consequentemente, a eficácia retroativa de

tais decisões passou a ser considerada como regra. Contudo, nos últimos anos, temos

observado que diversos ordenamentos jurídicos, em casos excepcionais (principalmente

para a preservação de outros preceitos constitucionais de extrema relevância), possibilitam

ao Poder Judiciário a mitigação dos efeitos retroativos nas decisões de

120

Como nos da notícia: MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, pág. 624.

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inconstitucionalidades, como nos dá notícia o Presidente do Supremo Tribunal Federal,

Ministro Gilmar Mendes, em seu famoso voto-vista proferido na ADIN de n. 2.240-BA.

Seguindo esta linha de raciocínio, o art. 27 da Lei 9.868/99, que disciplina

processualmente o exercício do controle de constitucionalidade pela via direta e

concentrada perante o Supremo Tribunal Federal, prescreve a possibilidade daquilo que

ficou conhecido como “modulação dos efeitos” das decisões sobre a inconstitucionalidade

dos atos normativos, nos seguintes termos:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato

normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou

de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal

Federal, por maioria de dois terços de seus membros,

restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só

tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro

momento que venha a ser fixado.

Ou seja, o referido dispositivo legal impõe duas condições para a modulação

dos efeitos das decisões de inconstitucionalidade: (i) a primeira é de ordem formal, ao

exigir o voto de dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal; (ii) já a segunda é

de ordem material, pois impõe a necessidade de preservação da segurança jurídica ou de

excepcional interesse social.

Sobre as condições de ordem material algumas palavras são necessárias.

Segurança jurídica e excepcional interesse social são conceitos jurídicos amplos e

indeterminados que, aliados ao fato de que, a rigor, as decisões proferidas pelo Supremo

Tribunal Federal não podem ser atacadas por nenhum outro órgão do Poder judiciário, estas

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condições conferem uma boa dose de discricionariedade a Corte Suprema para mitigar os

efeitos ex-tunc dos pronunciamentos sobre a inconstitucionalidade dos atos normativos.

Assim, ao nosso sentir, a condição de ordem formal (2/3 dos votos do tribunal) veio em boa

hora, pois exige que os Ministros estejam mais coesos para a modulação dos efeitos.

Ademais, é importante não perdermos de vista que o dispositivo legal em

comento, além de permitir a restrição da eficácia ex-tunc das decisões de

inconstitucionalidade, também permite que tais decisões só produzam efeitos a partir de um

determinado momento futuro, fixado pelo Supremo Tribunal Federal.

A lei 11.417/06, ao disciplinar a edição das súmulas vinculantes, em seu art.

4°, também confere ao Supremo Tribunal Federal a faculdade de modular os efeitos dos

verbetes vinculantes sob as mesmas condições acima apontadas e prescritas pela Lei

9.868/99, medida esta, aliás, que merece elogios, na medida em que confere coerência ao

ordenamento jurídico, pois ambos os institutos em questão possuem força vinculante e

efeitos erga omnes.

Outrossim, a modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade

também é utilizada pelo Supremo Tribunal Federal, analogicamente, no exercício do

controle de inconstitucionalidade pela via incidental e difusa, em sede de recurso

extraordinário.121

Sobre a questão, aliás, sempre presente é o voto vencido do Ministro

Marco Aurélio, que não aceita a modulação dos efeitos em processo subjetivo.122

Com o

121

Como nos dá notícia NERY JUNIOR, Nelson. Efeito ex-nunc e as decisões do STJ. 2008, pág. 100. 122

DJE n°. 232, divulgado em 04/12/08 e publicado em 05/12/08, pág. 929.

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100

devido respeito, não podemos concordar com o eminente Ministro justamente pelo fato de

não mais aceitarmos a premissa de que o recurso extraordinário seja um mero processo

subjetivo. Mesmo tratando-se de exame incidental sob a luz de um caso concreto, com a

repercussão geral, tais processos passaram a possuir um escopo muito mais amplo do que

simplesmente por fim ao litigo das partes no processo.

De resto, note-se que nem sempre é possível conferir a uma decisão de

inconstitucionalidade eficácia retroativa plena, na medida em que alguns efeitos jurídicos

produzidos pelas normas tidas como inconstitucionais não podem ser alterados pela decisão

de inconstitucionalidade, mesmo que ela parta do Supremo Tribunal Federal. Como é o

caso das decisões judiciais protegidas pelo manto da coisa julgada material, onde boa parte

da doutrina, clamando por segurança jurídica, defende a sua prevalência diante da

declaração de inconstitucionalidade pela via direta e concentrada.123

Mesmo assim, a Lei

11.232/05, ao criar o art. 475-L, inciso II e § 1° e conferir nova redação ao art. 741, inciso

II e parágrafo único, ambos do Código de Processo Civil, passaram a considerar inexigível

o título judicial baseado em lei ou ato normativo posteriormente declarado inconstitucional

pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação tida pela Corte

como incompatível com a Constituição, permitindo, no caso, a desconstituição da coisa

julgada. Ademais, em alguns casos específicos, tem-se considerado a relativização da coisa

julgada inconstitucional, mediante a ponderação do princípio da segurança jurídica com

outros princípios constitucionais.124

123

Consoante entendimento de MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa julgada inconstitucional, pág. 84. 124

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito Brasileiro, pág. 184 e seguintes.

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101

Por outro lado, o professor Eurico Marcos Diniz de Santi afirma que as

decisões de inconstitucionalidade proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de

controle concentrado e direto, não podem alcançar os fatos jurídicos protegidos pela

decadência e prescrição, que são temas preciosos para o Direito Tributário. Assim, o autor

supracitado, não acolhe o entendimento firmado pela Primeira Seção do Superior Tribunal

de Justiça no sentido de que a procedência de uma ação declaratória de

inconstitucionalidade tenha o condão de reabrir o prazo prescricional do tributo tido por

inconstitucional. Isto, pois, ao sentir do autor, como os processos objetivos da via direita e

concentrada são imprescritíveis, caso fosse lícito as suas sentenças promoverem a

reabertura do prazo prescricional tais prazos também o seriam.125

Como será amplamente demonstrado ao longo deste trabalho, observamos

que, atualmente, a tendência do direito processual brasileiro, por inúmeras razões, é

aumentar a eficácia extraprocessual das decisões judiciais, que, principalmente no âmbito

dos tribunais superiores e do Supremo Tribunal Federal, tendem a possuir eficácia

vinculante. Nesta medida, a modulação dos efeitos das decisões judiciais proferidas pelos

nossos tribunais superiores, seja em matéria constitucional ou não, ganhou a atenção de

renomados juristas brasileiros que, ao vislumbrarem nas decisões judiciais efeitos

extraprocessuais cada vez maiores, passaram a se preocupar com a modulação dos efeitos

no tempo de tais decisões quando da mudança de postura de um determinado tribunal sobre

uma matéria específica. Assim, tem-se sustentado que os tribunais, ao mudarem a sua

orientação jurisprudencial, devem, necessariamente, conferir a tais decisões efeitos ex-

125

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no Direito Tributário, pág. 270 e seguintes.

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102

nunc, principalmente com supedâneo no princípio da segurança jurídica, como assim se

manifesta o professor Roque Carrazza:126

Para que não reste comprometido o princípio

da segurança jurídica, com seus corolários de proteção à

confiança e à boa-fé das pessoas, a alteração

jurisprudencial, após longo período de prevalecimento, deve

produzir apenas efeitos prospectivos e, em alguns casos, até

diferidos, permitindo a sobrevivência da interpretação a

final invalidada.

Assim, resta demonstrado, mesmo que rapidamente, que a modulação dos

efeitos temporais das decisões dos tribunais superiores é uma medida que se impõe em caso

de alteração de sua orientação jurisprudência, na medida em que tais decisões estão

deixando de ser meras orientações e estão ganhando, cada vez mais, uma maior eficácia

extraprocessual.

126

CARRAZZA, Roque Antonio. Efeito Ex-nunc e as decisões do STJ, 2008, pág.70.

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103

CAPÍTULO 4. DA EFICÁCIA QUE AS DECISÕES JUDICIAIS POSSUEM

PARA ATUAREM COMO PRECEDENTES NO SISTEMA JURÍDICO

BRASILEIRO

4.1. Introdução

Neste capítulo iremos analisar de que forma as decisões judiciais podem ser

utilizadas, em nosso sistema jurídico, como instrumento de solução de casos análogos.

Antes de qualquer coisa, gostaríamos de esclarecer o emprego dos vocábulos

decisão judicial e precedente. Uma decisão judicial é um ato de entender, produzido por um

órgão do Poder Judiciário, no bojo de um processo judicial, que introduz uma nova norma

jurídica no sistema de direito positivo. A rigor, a eficácia jurídica produzida por tais normas

se restringe às partes envolvidas no processo.127

Assim, dizemos que os processos judiciais no Brasil são subjetivos, uma vez

que as decisões judiciais neles produzidas geram efeitos tão somente com relação às partes

nele envolvidas. Ademais, como tais decisões são produzidas a partir da constituição de um

fato, dizemos tratar-se de uma norma jurídica concreta e individual. Contudo, outro órgão

do Poder judiciário poderá tomar tal norma jurídica e aplicá-la para solução de um caso

análogo ou idêntico. Neste momento a referida decisão judicial passa a ser compreendida

como um precedente, pois foi utilizada como parâmetro para a solução de outro caso.

127

Exceto, é claro, o processo objetivo, típico do controle concentrado, direto e abstrato de

constitucionalidade das normas, e algumas ações que abrangem direitos difusos e coletivos.

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104

O presente capítulo tem como escopo o estudo da eficácia que as decisões

judiciais possuem no sistema jurídico brasileiro para servirem de parâmetro para a solução

de casos análogos ou idênticos, ou seja, para servirem como precedente. Logo, não iremos

nos preocupar com os efeitos que as decisões judiciais produzem dentro dos processos em

que são proferidas (força intraprocessual), mas sim na eficácia que possuem para a solução

de outros processos (força extraprocessual).

Já demonstramos que o sistema jurídico brasileiro é tipicamente da civil law.

Assim, a rigor, os litígios levados ao conhecimento do Poder Judiciário devem ser

solucionados a partir dos textos legais. Contudo, como visto no primeiro capítulo, a

assertiva de que o Magistrado deve decidir de acordo com a lei deve ser vista com cautela,

uma vez que os textos legais, como qualquer texto, são aptos à produção de interpretações

distintas e, consequentemente, com fundamento no mesmo texto de direito positivo, dois

Juízes podem produzir normas jurídicas individuais e concretas distintas, pois produziram

atos de entender distintos a partir do mesmo ato de comunicar, legalmente enunciado.

Também já discorremos sobre a influência que a doutrina possui para

interpretação dos textos legais. No mais das vezes, as decisões judiciais são fundamentadas

nos atos de entender construídos pela doutrina. Por outro lado, neste capítulo, estudaremos

a eficácia impositiva extraprocessual que as decisões judiciais possuem em nosso

ordenamento jurídico.

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105

4.2. Da classificação elaborada por Patrícia Perrone e a nossa proposta de

classificatória

Em excelente trabalho acadêmico, Patrícia Perrone Campos Mello, levando

em consideração a eficácia das decisões judiciais no sistema jurídico brasileiro, as

classificou em três categorias principais: (i) precedentes com eficácia normativa, nos quais

a norma jurídica construída em uma decisão judicial, que põe fim ao processo,

obrigatoriamente deverá ser aplicada aos casos análogos. Trata-se daquele conhecido

processo de indução, tão comum na common law, pois, a partir de uma norma individual e

concreta saca-se uma norma geral e abstrata. Em suma, trata-se da força vinculante de uma

decisão judicial, ou seja, quer dizer que estamos diante de um precedente que deve ser

observado pelos demais órgãos do Poder Judiciário, tal como uma lei; (ii) precedentes com

eficácia impositiva intermediária, são aqueles julgados que, apesar de não possuírem força

vinculante sua não aplicação é profundamente criticada e provavelmente se sujeitará à

revisão. Ademais, tais decisões judiciais podem produzir efeitos impositivos mais brandos,

para além do processo. É o caso da existência de jurisprudência dominante sobre uma

determinada matéria, nos países da civil law; e, por último, temos (iii) os precedentes com

eficácia meramente persuasiva, nos quais os julgados podem ser utilizados somente para

influenciar a formação da convicção do magistrado, que irá julgar um caso semelhante.128

A classificação acima exposta, elaborada pela insigne Mestre em Direito

Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), é bastante útil, e podemos

afirmar que norteou nossas investigações sobre o tema. Contudo, a ela faremos alguns

128

Tudo conforme MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes, pág. 61, passim.

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106

ajustes de ordem teórica para readequá-la à teoria das classes, na forma como vem sendo

empregada pelo constructivismo lógico semântico.

O ato de classificar é uma operação lógica. É, portanto, criação do intelecto

humano, que se expressa mediante linguagem. Trata-se do agrupamento de determinados

elementos, conforme suas semelhanças. Assim, para criarmos uma classe devemos eleger

um critério, uma característica, que deverá estar presente em todos os elementos que

pretendem pertencer àquela classe. Trata-se de uma operação infinita, como bem

demonstrada por Fabiana Del Padre Tomé:129

Essa divisão dos objetos em classes resulta no

aparecimento de gêneros, espécies e sbespécies. Os gêneros

consistem em grupos maiores que contém outros menores,

denominados espécies. Estas, por sua vez, abrangem grupos

ainda menos extensos, que são as subespécies. E, como toda

classe é suscetível de ser dividida em novas classes, as

subespécies podem abranger grupos menores, os quais

também são passíveis de serem divididos, numa atividade

interminável.

Quando criamos uma classe, mediante a adoção de um critério, podemos

dividir esta classe em duas, basta, para tanto, adotarmos outro critério e assim por diante.

Ademais, é muito importante não confundirmos a classe com os elementos

que a ela pertencem. O conceito de classe (coleção) difere do conceito de coletividade

(denotação). A denotação não é a classe, mas sim a coletividade dos membros. 130

A classe

dos satélites naturais da Terra, ao que tudo indica, é formada de um elemento, a Lua.

129

Contribuições para a seguridade social, á luz da Constituição Federal, pág. 61. 130

MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em Matéria Tributária, pág. 41.

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107

Contudo, não há que se confundir a referida classe com o seu elemento. Trata-se, em suma

de uma classe unitária.

Neste contexto científico, iremos classificar as decisões judiciais quanto a

sua eficácia jurídica para impor a solução de casos análogos. O que se investiga aqui não

são os efeitos que as decisões judiciais produzem no processo em que são proferidas, mas

sim, àqueles efeitos produzidos em processos que possuem situação fática análoga.

Assim, tomando as decisões judiciais como o universo do nosso discurso, ou

seja, como nossa classe universal,131

vamos dividi-la em duas classes distintas, mediante a

utilização de um critério, qual seja, a vinculação. Logo, teremos a classe das decisões

judiciais que, necessariamente, devem ser observadas pelos demais órgãos do Poder

Judiciário e da administração pública e as decisões que não produzem tal obrigação.

Tais decisões, como visto, foram definidas por Patrícia Perrone como

“precedentes de eficácia normativa”.132

Neste trabalho não adotaremos tal nomenclatura

tendo em vista o conceito de norma jurídica que adotamos no primeiro capítulo.

Entendemos que todas as decisões judiciais introduzem normas jurídicas no sistema de

direito positivo. Logo, chamaremos esta classe de decisão judicial vinculante, ou

precedente vinculante. Trata-se de textos de direito positivo que produzem efeitos

semelhantes ao de um texto legal, uma vez que sua observância é obrigatória em todos os

casos idênticos. Sobre a força vinculante falaremos mais adiante.

131

MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em Matéria Tributária, pág. 45 132

Não podemos adotar tal conceito tendo em vista nossa definição de norma jurídica.

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108

Posto isto, iremos agora nos voltar à classe dos precedentes que não

possuem força vinculante e ali realizar nova operação lógica classificadora, mediante

adoção de critério jurídico distinto. Assim, indaga-se: tais precedentes, apesar de não

possuírem força vinculante, são capazes de produzir algum efeito, alguma consequência,

jurídica para a solução de outros processos? Insta frisar que não estamos nos referindo à

propriedade que toda decisão jurídica possui de ser invocada persuasivamente para a

solução de casos análogos.

Se a resposta for positiva, então estaremos diante de uma subclasse de

decisões judiciais não vinculantes que foi denominada por Patrícia Perrone de “precedentes

com eficácia impositiva intermediaria”, que será por nós denominada de precedentes não

vinculantes, mas capazes de produzir outros efeitos jurídicos para a solução de casos. E

por último teremos a classe das decisões judiciais não vinculantes e que não produzem

outros efeitos jurídicos para a solução de casos análogos, a não ser a persuasiva, comum a

todas as decisões jurídicas, como dito por Patrícia Perrone “precedentes de eficácia

meramente persuasiva”.

4.3. Alguns precedentes vinculantes

Sendo o Brasil um País cuja estrutura é característica da civil law, a rigor, as

decisões judiciais não possuem eficácia vinculante, pois as normas gerais e abstratas são

construídas a partir da interpretação dos textos legais e não das decisões judiciais. Ademais,

entre nós, a regra geral é a do livre convencimento do juiz.

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109

Como bem demonstrado por Robson Maia Lins, o termo força vinculante é

tratado pela doutrina através de um critério pragmático, ou seja, as decisões vinculantes

possuem força de lei. Seja como for, o insigne Doutor em Direito Tributário pela PUC/SP,

descortina três diferentes acepções para o termo, levando em consideração a dimensão

sintática da linguagem: (i) norma primária dispositiva; (ii) norma primária sancionatória;

(iii) norma secundária, ou processual. 133

Para fins deste trabalho a força vinculante das

decisões judiciais somente será reconhecida quando se tratar de norma primária cujo

descumprimento tenha como sanção o ajuizamento de reclamação perante o Supremo

Tribunal Federal, como se dá nas decisões pela via direta e concentrada e pela súmula

vinculante.

Contudo, tendo em vista uma série de fatores,134

que serão detidamente

analisados adiante, verifica-se, em nosso sistema jurídico, uma gradual introdução de

institutos que conferem eficácia vinculante às decisões judiciais, desde que com base

constitucional. De outra forma, em nosso sistema jurídico as decisões judiciais só podem

ter eficácia vinculante por expressa disposição constitucional.135

Assim, temos que as decisões judiciais proferidas pelo Supremo Tribunal

Federal em sede de controle concentrado e direto de constitucionalidade possuem eficácia

vinculante e efeito erga omnes, ou seja, todos os órgãos do Poder Judiciário e da

133

LINS. Robson Maia. Controle de Constitucionalidade da Norma Tributária – Decadência e Prescrição,

pág. 152. 134

Sendo os mais relevantes: a produção de decisões jurídicas antagônicas e o elevado número de recursos

interpostos em nossos tribunais versando sobre a mesma questão jurídica. 135

TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito, pág. 240.

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110

administração pública devem ser curvar ante a referida decisão, que, também é oponível a

todos.

Basicamente, quatro são as ações que possibilitam a manifestação do

Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado e direto de constitucionalidade

das normas, são eles: (i) ação direta de inconstitucionalidade (art. 102, I, a, da CF), (ii) ação

declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, a, da CF), (iii) ação direta de

inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2°, da CF), (iv) arguição de descumprimento

de preceito fundamental (art. 102, § 1°, da CF).

Trata-se de uma função jurisdicional atípica, uma vez que não se presta para

solucionar um litígio, uma controvérsia existente entre pessoas com pretensões distintas,

mas sim, para proteção do próprio sistema jurídico, visando dele extrair dispositivos que

não se mostrem em harmonia com a constituição Federal. Trata-se de um processo

objetivo, sem partes, que não se presta à tutela de direitos subjetivos, de situações jurídicas

individuais.136

A eficácia vinculante de tais decisões, proferidas pelo Supremo Tribunal

Federal, era obtida a partir do entendimento da doutrina e do próprio Supremo Tribunal

federal, contudo, restou explicitamente positivada com a Emenda Constitucional de n°.

45/04, ao alterar a redação do art. 102, § 2° da CF. De mais a mais, insta frisar que as

decisões cautelares, tomadas no bojo de um processo objetivo, também possuem eficácia

vinculante.

136

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, pág. 146.

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111

Com relação à ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, §

2°, da CF), observamos que o Supremo Tribunal Federal, em caso de procedência da ação,

tem-se restringindo a considerar que o Poder Legislativo encontra-se em mora, mediante

ciência da omissão constitucional. Nestes casos não há que se falar em eficácia vinculante

do julgado, uma vez que apenas se verifica a omissão do Poder Legislativo.

O art. 125, § 2° da CF, confere competência legislativa às Constituições

Estaduais para instituição da chamada representação de inconstitucionalidade. Trata-se de

uma ação cuja competência é privativa dos Tribunais de Justiça Estaduais onde se pode

questionar a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais, em

face da Constituição Estadual, pela via direta e concentrada. Destarte que tais decisões

possuem eficácia vinculante no âmbito de cada unidade da federação. Ademais, tais

decisões são passíveis, ainda, de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal. Nestes casos,

se a decisão do Supremo Tribunal Federal infirmar a decisão proferida pelo Tribunal de

Justiça Estadual, aquela primeira decisão prevalecerá sobre a segunda.137

As chamadas súmulas vinculantes, introduzidas no direito positivo brasileiro

pela Emenda Constitucional n°. 45/2004 e regulamentada pela Lei 11.417/2006, também

possuem eficácia vinculante e serão por nós analisadas em capítulo próprio.

137

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, pág. 149.

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112

4.4. Da eficácia extraprocessual das decisões de inconstitucionalidade

proferidas pelo plenário do Supremo Tribunal Federal pela via incidental e difusa

Neste trabalho já nos referimos ao tradicional posicionamento, tanto da

doutrina, quanto da jurisprudência, em considerar que as decisões proferidas em sede de

controle incidental e difuso de constitucionalidade dos atos normativos, ou seja, via recurso

extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal, produzem efeitos tão somente em

relação às partes envolvidas no processo. Contudo, tendo em vista a evolução legislativa,

jurisprudencial e doutrinária dos últimos anos, tal assertiva já não nos parece mais

sustentável. Assim, podemos observar que tais decisões já não possuem, apenas, eficácia

meramente persuasiva e caminham francamente em direção aos efeitos vinculantes, como

será adiante demonstrado. No mínimo, possuem, indiretamente, força vinculante.

Como já exposto neste trabalho, é lícito aos magistrados de primeiro grau de

jurisdição pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade de uma determinada norma, de

forma incidental, para a solução de um caso concreto. Contudo, aos órgãos fracionados dos

tribunais tal faculdade é vedada por força da regra da reserva de plenário, esculpida pelo

art. 97 da CF, que impõe a tal pronunciamento de inconstitucionalidade sua aprovação por

maioria absoluta do plenário do tribunal, ou de seu órgão especial. Assim, diante de uma

arguição de inconstitucionalidade, o relator do recurso deverá submeter a questão aos

demais membros da câmara ou turma. Em caso de rejeição, o julgamento deverá prosseguir

normalmente, porém, caso a referida arguição seja acolhida, um acórdão deverá ser lavrado

e a arguição deverá ser remetida ao plenário do tribunal, ou ao seu órgão especial, para

apreciação. Após, o recurso retorna ao órgão fracionário para julgamento. Destarte que

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113

neste caso o órgão fracionário deve julgar o recurso em conformidade com a decisão

proferida pelo plenário ou pelo órgão especial do tribunal. Neste sentido observa-se que a

decisão do plenário ou do órgão especial, sobre a arguição de inconstitucionalidade, possui

eficácia vinculadora perante o órgão fracionário.

Ocorre que o parágrafo único do art. 481 do CPC, com redação conferida

pela Lei 9.756/98, determina que: os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao

plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver

pronunciamento destes, ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.

É cediço que a regra da reserva de plenário também se aplica ao Supremo

Tribunal Federal. Logo, toda decisão sobre a inconstitucionalidade de um ato normativo,

proferida pela Corte, deve possuir a aquiescência de seu plenário, seja ela pela via direta,

mediante processo objetivo, ou pela via incidental, mediante recurso extraordinário.

Deste modo, temos que admitir que os pronunciamentos sobre a

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, proferidos pelo plenário do Supremo

Tribunal Federal, pela via incidental e difusa, acarretam consequências para a solução de

casos análogos, quando apreciados por qualquer tribunal brasileiro, uma vez que autoriza

seus órgãos fracionários a acompanhar o entendimento da corte sem a intervenção do

plenário ou do órgão especial destes tribunais.138

138

Este entendimento restou pacificado pela jurisprudência do STF, como nos da notícia BARROSO, Luís

Roberto, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, pág. 89.

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114

Tal medida, aliás, veio em boa hora, pois tem como escopo aliviar a pauta de

julgamento dos tribunais, impedindo que seu plenário ou órgão especial seja repetidas

vezes chamado para deliberar sobre questões constitucionais que já foram objeto de

apreciação pelos referidos órgãos dos tribunais ou pelo Plenário do Supremo Tribunal

Federal.

Não obstante reconhecer que o novel instituto em apreço confere uma

substancial economia processual ao julgamento de inúmeros recursos por nossos tribunais,

o professor José Carlos Barbosa Moreira não concorda com a assertiva de que um

pronunciamento de inconstitucionalidade pela via incidental, mesmo que proferido pelo

Plenário do Supremo Tribunal Federal, tenha o condão de afastar a regra da reserva de

plenário. Para o notável processualista carioca, somente a resolução do Senado Federal,

prevista no art. 52, X, da CF, tem o condão de conferir efeitos erga omnes às decisões do

Supremo Tribunal Federal proferidas pela via incidental.139

Neste ponto, é interessante notar o quão relevante é a determinação do

efetivo papel que a Resolução do Senado Federal, prevista no art. 52, X, da CF, exerce

sobre os pronunciamentos de inconstitucionalidade pela via incidental em nosso sistema

jurídico. Principalmente após a introdução de um amplo controle de constitucionalidade

direto e concentrado por nossa atual Constituição Federal.

139

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. V, pág. 44.

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115

Não podemos nos esquecer que a referida Resolução do Senado Federal foi

introduzida em nosso sistema jurídico pela Constituição de 1934, em um momento em que

inexistia qualquer espécie de controle concentrado e direito de controle de

constitucionalidade. Assim, diante das deficiências do controle incidental e difuso aqui já

apontada, surge a referida Resolução como medida apta a conferir maior eficácia às

decisões do Supremo Tribunal Federal, na medida em que ao suspender a eficácia da lei

declarada inconstitucional, torna erga omnes os efeitos da decisão de inconstitucionalidade

proferida pela via incidental e difusa.

Atualmente, contudo, após a introdução em nosso sistema jurídico de um

amplo sistema de controle de constitucionalidade concentrado e direto, boa parte da

doutrina se insurgiu contra o instituto, afirmando ser o mesmo obsoleto. Afirmam tratar-se

de um caso típico de mutação constitucional, no qual a Resolução do Senado Federal já não

seria mais necessária para conferir efeitos erga omnes aos pronunciamentos de

inconstitucionalidade proferidos pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, servindo,

apenas, para conferir publicidade às referidas decisões.

Após analisar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e constatar que

o mesmo vem, em diversos casos, conferindo efeitos erga omnes a um número cada vez

maior de julgados do plenário e, analisando ainda a novel legislação processual, que

também confere eficácia extraprocessual às decisões proferidas pelo plenário do Supremo

Tribunal Federal, o Ministro Gilmar Mendes é enfático ao afirmar a mutação

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116

constitucional140

do papel do Senado Federal em nosso controle de constitucionalidade.

Para o eminente Ministro do STF:141

A natureza idêntica do controle de

constitucionalidade, quanto às suas finalidades e aos

procedimentos comuns dominantes para os modelos difuso e

concentrado, não mais parece legitimar a distinção quanto

aos efeitos das decisões proferidas no controle direto e no

controle incidental.

Seja como for, ainda não podemos afirmar que as decisões judiciais

proferidas pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, pela via incidental e difusa, possuem

força vinculante, tal qual aquelas proferidas no controle direto, com faz crer o eminente

Ministro Gilmar Mendes.

Dizemos isso, pois, na Reclamação n°. 4.335, que tem como relator o

Ministro Gilmar Mendes, o mesmo conheceu e deu provimento à referida reclamação que

invocava um pronunciamento de inconstitucionalidade proferido pelo plenário do Supremo

Tribunal Federal em sede de controle incidental e difuso. Após o voto do relator, seguiu-se

o voto do Ministro Eros Roberto Grau, que o acompanhou. Contudo, os Ministros Joaquim

Barbosa e Sepúlveda Pertence, mesmo conferindo Habeas-Corpus de ofício, não

concordaram com a proposta do relator em aceitar a interposição de Reclamação em face de

decisão de inconstitucionalidade proferida pela via incidental e difusa, que seria a

consagração da tese do Ministro Relator, aqui exposta.

140

Entende-se por mutação constitucional a reforma da Constituição sem expressa modificação do seu texto.

Em verdade, trata-se da alteração da interpretação de um determinado texto legal. Em outras palavras, e

seguindo os postulados teóricos aqui adotados, diz respeito a construção de um ato de entender distinto a

partir do mesmo ato de comunicar. 141

MENDES, Gilmar Ferreira. A reclamação constitucional no Supremo Tribunal Federal. In Leituras

complementares de Direito Constitucional, org. NOVELINO, Marcelo, pág. 431.

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117

De nossa parte, acreditamos que a evolução do nosso sistema jurídico

acarretará na equiparação entre os efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal pela

via incidental e difusa e concentrada e direta, com uma distinção, para estas últimas não

caberá a via da reclamação. Se assim não for, rapidamente a pauta do plenário da Corte

estará entulhada de reclamações.

Concluímos, então, que ainda não há que se falar em eficácia vinculante aos

pronunciamentos de inconstitucionalidade proferidos pelo Supremo Tribunal Federal em

sede de controle incidental e difuso. Atualmente, como visto, tais decisões produzem

efeitos extraprocessual especiais, mas não vinculantes. Contudo, parece-nos que a

jurisprudência do tribunal caminha neste sentido, tendendo a aceitar tal vinculação desde

que a decisão pela via incidental e difusa seja definitiva.

Ademais, devemos salientar que analisaremos, em capítulo próprio, o novo

requisito de admissibilidade do recurso extraordinário denominado repercussão geral.

Contudo, já gostaríamos aqui de adiantar uma das conclusões alcançadas em tal estudo,

qual seja, o reconhecimento de que o novel instituto confere aos acórdãos proferidos em

sede de recurso extraordinário eficácia extraprocessual especial perante todos os tribunais

do país, dado que caso um determinado tribunal julgue em desacordo com o

posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, deverá se retratar, sob pena de ter

o seu acórdão liminarmente reformado, como será bem demonstrado em seus pormenores

no capítulo 05.

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118

4.5. Da eficácia extraprocessual da jurisprudência dominante e das súmulas

Como até aqui estudado, raras são, em nosso ordenamento jurídico, as

decisões judiciais que possuem eficácia vinculante, geralmente restringindo-se a questões

constitucionais. Assim sendo, ainda possui grande força entre nós o primado da livre

convicção dos juízes, que lhes confere uma ampla liberdade para a interpretação dos textos

legais. Observamos, então, que tal liberdade fomenta a proliferação de uma série de

decisões judiciais antagônicas, frutos de interpretações díspares, realizadas por juízes

distintos, a partir do mesmo texto legal, tudo em prejuízo da segurança jurídica.

Seja como for, tal antagonismo, quando diante dos tribunais, se torna

tormentoso, pois a comunidade jurídica anseia em saber qual é o posicionamento do mesmo

sobre uma determinada matéria. Para tanto, existem os procedimentos de uniformização da

jurisprudência, que serão adiante analisados.

Neste contexto, comumente, podemos observar em nossos tribunais o

estabelecimento da chamada “jurisprudência dominante”, que pode ser entendida como a

construção de uma norma jurídica, geralmente fruto da combinação entre a ocorrência

reiterada de uma situação fática e da interpretação de um texto legal, que é aceita e aplicada

pela grande maioria dos órgãos de julgamento de um determinado tribunal. Por outro lado,

quando se afirma que há jurisprudência dominante, também se afirma que há julgados em

sentido contrário, pois, se assim não fosse, estaríamos diante da jurisprudência unânime e

não dominante. Assim, não obstante a existência de reiteradas decisões sobre uma

determinada matéria, sempre no mesmo sentido, co-existem entendimentos distintos, no

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119

seio de um mesmo tribunal, prejudicando consideravelmente o primado da segurança

jurídica.

Visando a solucionar tal problemática é que existem os procedimentos de

uniformização da jurisprudência e a edição de súmulas142

.

Neste sentido, o caput do art. 557 do Código de Processo Civil, com redação

dada pela Lei 9.756/98, impõe ao relator negar seguimento ao recurso se a decisão

recorrida, dentre outras hipóteses, estiver em conformidade com súmula ou com

jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de outro

tribunal superior. Mais inovador ainda é o § 1°-A do referido dispositivo legal, também

acrescentado pela Lei 9.756/98, que conferiu poderes ao relator para dar provimento ao

recurso, caso a decisão recorrida seja conflitante com súmula ou jurisprudência dominante

do respectivo tribunal, ou dos tribunais superiores.

Nestes casos, é nítida a produção de efeitos extraprocessuais das súmulas e

da jurisprudência dominante dos tribunais, ao permitir que uma decisão monocrática do

relator venha a por fim a um determinado recurso. Sendo certo, também, que desta decisão

cabe agravo, para submeter o julgamento à câmara ou turma do tribunal, que a princípio é o

órgão fracionado que possui competência para julgar o recurso.

142

Não se trata da súmula vinculante, introduzida em nosso sistema jurídico pela Emenda Constitucional de

n°. 45/04.

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120

No caso do § 1°-A, do art. 557, do Código de Processo Civil, não estamos

diante de um dispositivo que confere força vinculante à súmula ou jurisprudência

dominante, uma vez tratar-se de uma faculdade conferida ao relator do recurso. Já com

relação ao caput do referido dispositivo legal, o modal deôntico utilizado foi o obrigatório,

pois a redação afirma que o relator negará seguimento a recurso ... . Se realmente

entendermos que, no caso, o modal deôntico utilizado é o obrigatório, então não nos resta

outra conclusão a não ser aceitar que ambas as decisões (a sumulada ou da jurisprudência

dominante) possuem força vinculante perante os relatores dos demais tribunais. Contudo,

este não nos parece ser a melhor interpretação para o referido dispositivo legal, devendo, ao

nosso sentir, prevalecer a tese de que o modal deôntico utilizado é o facultativo e não

obrigatório.

A lei 10.352/01 acrescentou o § 3°, ao art. 475, do Código de Processo Civil,

afastando a regra do duplo grau de jurisdição obrigatório para as decisões contra a Fazenda

Pública, quando estas forem consonantes com a jurisprudência do plenário do Supremo

Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do Tribunal Superior competente.

Já o art. 475-L, inciso II e § 1° e o art. 741, inciso II e parágrafo único,

ambos do Código de Processo Civil e com redação conferida pela Lei 11.232/05,

determinam a inexigibilidade de título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo

declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou

interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal com

incompatíveis com a constituição Federal.

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121

Já a Lei 11.418/06, que acrescentou o art. 543-A ao Código de Processo

Civil, determina a presunção da existência da repercussão geral sempre que o recurso

impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal

Federal. Sobre o tema, trataremos em capítulo específico.

Estes são os novos mecanismos processuais que visam a conferir eficácia

extraprocessual às súmulas e à jurisprudência dominante nos tribunais sem, contudo, lhes

outorgar força vinculante. A rigor, trata-se de institutos que visam conferir uma maior

agilidade no processamento dos recursos no âmbito dos nossos tribunais, que em nossos

dias possuem uma extraordinária sobrecarga de trabalho, tendo em vista o extraordinário

número de recursos que lhe são enviados anualmente, principalmente sobre questões

idênticas.

4.6. Do incidente de uniformização da jurisprudência dos tribunais

Trata-se de um mecanismo de uniformização de jurisprudência, inicialmente

previsto pelo art. 476 e seguintes do Código de Processo Civil, mas que, posteriormente,

ganhou novos contornos pela Lei 10.352/01 que conferiu nova redação ao caput do art. 555

do Código de Processo Civil e lhe acrescentou mais dois parágrafos.

Um tribunal, a rigor, possui vários órgãos judicantes. Assim, devem tais

órgãos aplicar a legislação aos casos concretos que lhe são apresentados. Como visto, para

lograr êxito em sua tarefa jurisdicional, os órgãos judiciais constroem normas jurídicas

individuais e concretas a partir da interpretação dos textos legais, sempre com o auxílio das

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122

lições doutrinárias. A interpretação dos textos legais leva em consideração uma série de

fatores, tais como: o contexto histórico e os valores considerados relevantes pela sociedade

e pelo Poder Judiciário. Neste contexto, não raras vezes observamos diferentes órgãos

judiciais de um mesmo tribunal construindo normas jurídicas distintas, a partir de uma

mesma situação fática. Trata-se de normas jurídicas cujos antecedentes lhes são comuns,

mas com consequentes distintos. Assim, diante de tais situações, que não raro semeiam,

entre os membros da comunidade, o descrédito e o cepticismo quanto à efetividade da

garantia jurisprudencial,143

é que se impõe o incidente de uniformização da jurisprudência

dos tribunais como mecanismo apto a evitar, na medida do possível, que a sorte dos

litigantes e afinal a própria unidade do sistema jurídico vigente fiquem na dependência

exclusiva da distribuição do feito ou do recurso a este ou àquele órgão.144

Deste modo, é interessante notar que o incidente de uniformização da

jurisprudência dos tribunais pode ser invocado por um magistrado, que faz parte de um

órgão colegiado, ou por uma das partes.145

Assim, é cediço que, no mais das vezes, a

necessidade em uniformizar a jurisprudência de um tribunal parte de um de seus membros,

que sente a necessidade de uniformização da jurisprudência, por não tolerar julgamentos

díspares com relação a situações fáticas análogas.

Seja como for, qualquer um dos integrantes de um órgão colegiado

fracionário de um tribunal, ao proferir seu voto no julgamento de um recurso ou de uma

143

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. V, pág. 05. 144

Idem, pág. 05. 145

Qualquer uma das partes do recurso, se assim o desejarem, poderão requerer a instauração do incidente de

uniformização da jurisprudência, de maneira fundamentada, consoante dicção do parágrafo primeiro do art.

476 do CPC.

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123

ação de competência originária do tribunal, poderá solicitar o pronunciamento prévio do

tribunal acerca da matéria em questão quando: (i) sobre ela houver divergência, ou (ii)

quando um outro órgão colegiado fracionário do mesmo tribunal conferir interpretação

distinta àquela conferida no processo em curso. O pressuposto é bem amplo e permite sua

invocação sempre que outro órgão fracionário do mesmo tribunal construir norma jurídica

distinta daquela levada a cabo no processo em curso.

A divergência jurisprudencial deverá ser reconhecida mediante lavratura de

acórdão, que será remetido ao presidente do tribunal para inclusão de seu julgamento na

pauta das sessões do plenário ou do órgão especial. Este julgamento deverá ser tomado pelo

voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e

constituirá precedente na uniformização da jurisprudência (art. 479, caput, do CPC).

Consoante as preciosas lições do professor Barbosa Moreira, o quorum

exigível para a solução da divergência será determinado pelo regimento interno do tribunal,

contudo, para que a tese vencedora possa ser sumulada e venha a ser entendida como

precedente de uniformização de jurisprudência, serão necessários os votos da maioria

absoluta dos membros do órgão colegiado competente para o julgamento.146

De uma maneira ou de outra, decidida a divergência pelo órgão julgador

competente, será lavrado um acórdão e o processo deverá retornar ao órgão fracionário

originário para a conclusão de seu julgamento. Deste modo, notório é que o órgão

146

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. V, pág. 25.

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124

fracionário originário encontra-se vinculado à decisão da divergência jurisprudencial

proferida pelo plenário ou pelo órgão especial do tribunal.

Eis aqui um ponto de suma importância para este trabalho. A norma jurídica

sufragada pela maioria absoluta dos membros do tribunal será objeto de súmula e

constituirá precedente na uniformização da jurisprudência, mas quais os efeitos

extraprocessuais que tais institutos conferem as normas jurídicas neles consagrada?

Já elencamos, no subcapítulo anterior, alguns dos efeitos gerados pela

jurisprudência dominante e pelas súmulas no julgamento, pelo mesmo tribunal, de casos

análogos. Contudo, neste momento, indaga-se: após a edição de uma súmula ou do

estabelecimento da jurisprudência dominante podem os membros deste tribunal decidir de

forma contrária a tese jurídica ali prescrita?

Para responder a tal questionamento, novamente trazemos à baila as lições

do professor Barbosa Moreira. Sobre o tema, ele é enfático, as súmulas (a par das

vinculantes), não obrigam os membros de um determinado tribunal a seguir suas teses

jurídicas, mas tão somente facilitam o julgamento realizado por aqueles que a

acompanham. Considera um erro imobilizar a natural evolução da jurisprudência mediante

a edição de súmulas. Ademais, demonstra a inconstitucionalidade em se conferir efeito

vinculador a tais súmulas e, por último, demonstra que o entendimento sumulado vem

sendo, reiterada vezes, abandonado pelos próprios tribunais que a editam.147

147

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. V, pág. 25.

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125

Já o professor Eduardo Domingos Bottallo, nos idos de 1974, lecionou de

forma distinta, ao afirmar que as súmulas emitidas por um tribunal não possuem plena

eficácia vinculadora perante os juízos e tribunais que lhe são inferiores, mas sim perante as

decisões da própria corte, se reportando às decisões do Supremo Tribunal Federal.148

Aliás, de outro modo não poderia ser. Considerando que o Código de

Processo Civil prevê a existência de um incidente para a uniformização da jurisprudência

dos tribunais, com quórum qualificado, de competência do plenário ou do órgão especial, e

determina que tal decisão deve nortear o julgamento do caso que deu origem ao incidente,

não nos parece, com a devida vênia aos que pensam diferente, lícito aos demais órgãos do

respectivo tribunal julgar de forma distinta do disposto no incidente. Dizemos isso, pois

entendemos que a finalidade da instauração do incidente não é meramente decidir a causa

que lhe deu origem, mas sim, unificar a jurisprudência do tribunal. Se as referidas decisões

não possuírem força vinculadora perante os demais órgãos do tribunal, tal objetivo jamais

será alcançado.

Com isso, não entendemos que reste imobilizada a referida natural evolução

da jurisprudência, pois, a súmula pode ser revista pelo tribunal, desde que respeitado o seu

procedimento. A edição de súmula requer, como visto, procedimento formal especialmente

qualificado para a sua edição que deverá ser atendido para a sua revogação e que não pode

ser desrespeitado por qualquer órgão judicante do mesmo tribunal que a editou. Seja como

148

BOTTALLO, Eduardo Domingos. A natureza normativa das Súmulas do STF, segundo as concepções de

direito e de norma de Kelsen, Ross, Hart e Miguel Reale. Revista de Direito Público, São Paulo, n. 29, ano 7,

maio-junho, 1974. Ed. Revista dos Tribunais, pág. 19.

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126

for, não raras vezes observamos um tribunal proferir julgamento distinto da determinação

por ele mesmo sumulada.

Vamos além, com o devido respeito àqueles que pensam de forma diferente,

entendemos que a norma jurídica construída seja pelo plenário ou pelo órgão especial de

um determinado tribunal, além de vincular aos demais órgãos fracionários que compõem o

tribunal, também deve vincular os órgãos judicantes inferiores, subordinados àquele

tribunal. Dizemos isso, pois um tribunal não pode ter diversas vozes, assim como não o

pode a lei, mas é exatamente o que ocorre quando existe uma divergência jurisprudencial

no âmbito da jurisdição de um determinado tribunal, pois as interpretações díspares partem

do mesmo corpo de leis.

Por fim, vamos analisar o caput, do art. 555 do código de Processo Civil,

com a redação dada pela Lei 10.352/01.

Consoante o referido dispositivo legal, tratando-se de julgamento de

apelação ou agravo, ocorrendo relevante questão de direito, no qual se verifica a ocorrência

de uma divergência jurisprudencial, ou a sua iminência, o relator poderá propor que o

recurso seja julgado pelo órgão indicado pelo regimento interno do tribunal, uma vez

reconhecido o interesse público na assunção da competência.

Destarte que neste caso o julgamento é finalizado pelo próprio órgão

indicado pelo regimento interno. Aqui, não se observa a cisão na competência funcional

jurisdicional, como ocorre nos casos do art. 476 do CPC, ou nos incidentes de

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127

inconstitucionalidade. Tal inovação visa a conferir maior agilidade ao julgamento do

recurso, que não retorna ao órgão fracionário originário para julgamento. Por último, tanto

a doutrina quanto a jurisprudência não conferem eficácia vinculadora à decisão do órgão

indicado pelo regimento interno.149

149

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. V, pág. 658.

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128

CAPÍTULO 5. DA REPERCUSSÃO GERAL

5.1. Introdução

De uma maneira geral, podemos observar a existência, tanto nos países da

common law, como os países da civil law, de um órgão de cúpula competente para conferir

a última palavra em termos de interpretação do direito, principalmente em se tratando de

matéria constitucional. Mesmo possuindo tais órgãos as características mais diversas, a sua

finalidade é basicamente a mesma, conferir unidade a interpretação dos textos legais,

principalmente dos textos constitucionais.

De mais a mais, observa-se a eficácia vinculante que as decisões tomadas

por tais órgãos de cúpula devem possuir, pois, se assim não for, a atividade dos mesmos

restaria comprometida, eivada de ineficácia jurídica, conferindo, ao invés de segurança,

temeridade. Somente com a imposição de tais decisões perante toda a sociedade é que

podemos falar em um órgão uniformizador da interpretação do direito.

O Brasil, mesmo possuindo o Supremo Tribunal Federal como órgão de

cúpula em matéria constitucional e os Tribunais Superiores em termos da legislação federal

infraconstitucional, pouquíssimas são as decisões destas Cortes que possuem eficácia

vinculante. Somente após a Constituição federal de 1988 e as posteriores alterações na

legislação processual, estudada no capítulo anterior, é que se abriu espaço para que as

decisões destas Cortes começassem a produzir efeitos extraprocessuais, como visto.

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129

Tal postura, aliada a falta de estrutura adequada do Poder Judiciário

Brasileiro, ao excesso de exigências formais, aos inúmeros recursos processuais e ao fato

de que com a atual Carta Política o acesso ao Poder Judiciário se tornou mais irrestrito, é

cada vez mais crescente o número de processos que são anualmente protocolados junto ao

Poder Judiciário. Neste contexto, a sobrecarga de trabalho do Poder Judiciário é tamanha

que a efetividade da prestação jurisdicional passou a ser a maior preocupação dos

processualistas modernos.150

No Brasil a excessiva demora no trâmite dos processos perante o Poder

Judiciário é notória e inúmeras são as causas que contribuem para a morosidade na

prestação da tutela jurisdicional. Com relação à falta de estrutura do Poder Judiciário, esta

não é uma questão passível de solucionada pela doutrina. Seu único remédio é o

investimento em melhores instalações, na capacitação do funcionário público, na melhor

administração dos tribunais, no aumento do número de juízes e na melhoria das condições

básicas para o desenvolvimento de seu trabalho. Seja como for, os investimentos em

informática realizados nos últimos anos geraram resultados positivos quanto ao

funcionamento dos tribunais.

Ademais, como visto no capítulo 3, nosso sistema jurídico, mesmo

possuindo as características elementares da civil law, adotou um sistema de controle de

constitucionalidade tipicamente dos países da common law, ou seja, conferiu ao seu órgão

de cúpula em matéria constitucional (Supremo Tribunal Federal), dentre outras

150

BEDAQUE. José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência,

pág. 21.

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130

competências específicas, competência para julgar o recurso extraordinário, que,

originalmente, era responsável em resolver tanto as questões federais quanto

constitucionais, mas sem eficácia vinculante perante os demais órgãos do Poder Judiciário.

Neste contexto, a demora excessiva no julgamento dos processos de competência do

Supremo Tribunal Federal tornou-se crônica, crescente e ficou conhecida como “crise do

Supremo”.151

Já para o Ex- Ministro José Carlos Moreira Alves, a “crise do Supremo” é a

“crise do recurso extraordinário”.152

Já que este recurso e os agravos de instrumentos deles

oriundos são responsáveis por mais de 90% dos processos em trâmite pela Corte.

Visando à solução da crise acima mencionada, em mil novecentos e

sessenta e três, José Afonso da silva, em obra clássica sobre o tema, já preconizara a

criação de um Tribunal Superior de Justiça, nos moldes do TST e TSE, com competência

para decidir em última instância as questões federais de direito comum, fiscal e do interesse

da União. E falou mais, que as matérias acima elencadas chegariam até o referido Tribunal

Superior mediante um recurso que deveria se chamar especial ou de revista. 153

E as idéias do inestimável constitucionalista brasileiro vingaram, pois foi

criado, pela Constituição Federal de 1988, o Superior Tribunal de Justiça, com a função

precípua de conferir a última palavra em sede de direito federal infraconstitucional. Assim,

ocorreu a chamada cisão do recurso extraordinário. Agora, com a criação do Superior

Tribunal de Justiça, as causas decididas em única ou última instância pelos Tribunais

Regionais Federais, ou pelos Tribunais de Justiça Estaduais, que envolvessem a legislação

151

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial, pág. 74. 152

Idem, pág. 76. 153

SILVA, José Afonso da. Do recurso extraordinário, pág. 456.

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131

federal infraconstitucional (divergência quanto a sua interpretação, contrariedade de tratado

ou lei federal, ou, ainda, a sua negação quanto a sua vigência) deveriam ser levadas ao

conhecimento deste novo tribunal, mediante interposição do recurso especial. Já as causas

decididas em única ou última instância por qualquer órgão do Poder judiciário continuam

sendo levadas à apreciação do Supremo Tribunal Federal desde que envolvam questões

constitucionais, ou conflitos entre a legislação federal e estadual, que, em última análise,

melhor devam ser resolvidas à luz da Constituição federal.

A idéia da criação de mais um tribunal de cúpula do Poder judiciário não foi

poupada de críticas por boa parte da doutrina. Em síntese, afirmaram os críticos que mais

uma instância de julgamento seria criada, antes da decisão final do Supremo Tribunal

Federal, aumentando ainda mais a procrastinação excessiva dos processos. Ademais, temia-

se, também pela impetração de um elevado número de recursos especiais atravancando,

assim, a pauta de julgamentos do novo tribunal.154

De fato, atualmente é comum a

interposição simultânea dos dois recursos (especial e extraordinário), sendo a matéria

disciplinada pelo art. 543 e seguinte do Código de Processo Civil.

Não obstante as referidas críticas, tendo em vista a já citada “crise do

Supremo”, a criação do Superior Tribunal de Justiça foi inevitável. Contudo, o temor do

Ministro Moreira Alves, citado por Rodolfo de Camargo Mancuso, tornou-se realidade, eis

suas palavras:

não há Corte alguma que, sem algumas

centenas de juízes, possa julgar, em terceiro grau de

154

Como nos da notícia MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial, pág.

112.

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132

jurisdição, todas as questões de direito já apreciadas pelo

duplo grau de jurisdição ordinária, aplicando, ademais, ao

caso concreto, a interpretação dos textos legais pertinentes

que se lhe afigura melhor.155

De fato, após a promulgação da constituição Federal de 1988, o volume de

processos, anualmente, protocolados na secretaria do Supremo Tribunal Federal não parou

de crescer até a entrada em vigor da repercussão geral. Como visto, a avassaladora massa

de processos ajuizados no Pretório Excelso são compostos de recursos extraordinários e de

agravos de instrumentos deles oriundos. Como bem demonstrado por Bruno Dantas, que se

utilizou das estatísticas produzidas pelo Banco Nacional de Dados do Poder judiciário

(BNDPJ), em mil novecentos e noventa (1990), foram distribuídos no STF cerca de

dezesseis mil processos (16.000), sendo 81,6% deles compostos de recursos extraordinários

ou agravos de instrumento; já no ano de mil novecentos e noventa e nove (1999), foram

distribuídos cerca de cinquenta e quatro mil processos (54.000), sendo 95% de recursos

extraordinários e agravos de instrumentos; já no ano dois mil (2000) foram noventa mil

processos (90.000); e em dois mil e seis (2006), mais de cento e dezesseis mil processos

(116.000), sendo mais de 95% nestes dois últimos casos compostos de recursos

extraordinários e de agravos de instrumento.156

Contudo, com a entrada em vigor da repercussão geral, caiu

consideravelmente o número de recursos extraordinários interpostos junto ao Supremo

Tribunal Federal. Entre abril de dois mil e oito e março de dois mil e nove foram

protocolados 91.544 (noventa e um mil, quinhentos e quarenta e quatro) processos, dos

155

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial, pág. 112. 156

DANTAS, Bruno. Repercussão Geral, perspectivas histórica, dogmática e de direito comparado, pág. 82

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133

quais apenas 56.537 (cinqüenta e seis mil, quinhentos e trinta e sete) processos foram

distribuídos. Já no ano anterior, 119.300 (cento e dezenove mil e trezentos) processos foram

recebidos e 113.000 (cento e treze mil) processos foram distribuídos.157

Assim, resta

demonstrado que além da diminuição do número de processos protocolados, também

diminuiu o número de processos distribuídos, tudo em função da regulamentação da

repercussão geral junto ao regimento interno do Supremo Tribunal Federal, que confere

poderes ao Presidente, para, atuando como relator, antes da distribuição, negar seguimento

ao recurso extraordinário, liminarmente, quando desprovido de repercussão geral, como

será detidamente analisado por nós adiante.

Por outro lado, não podemos nos esquecer que é crescente o número de

reclamação que são anualmente protocoladas junto ao Supremo Tribunal Federal. Como

será discutido em capítulo próprio.

Também podemos verificar um aumento expressivo no número de processos

ajuizados junto ao Superior Tribunal de justiça, principalmente em se tratando de recursos

especiais. No ano de dois mil e seis (2006), o então Presidente da Casa, Ministro Edson

Vidigal, informou que mais de meio milhão de processos foram julgados pelo Superior

Tribunal de justiça nos dois anos anteriores.158

Diante dos números acima apresentados, outra solução não restou ao

legislador brasileiro (influenciado pelos membros do Poder judiciário) do que adotar

157

Conforme site do STF (WWW.stf.jus.br), acessado em 30/01/2010, sob o endereço

www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=106425. 158

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial, pág. 80.

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134

medidas que, por um lado, confere efeitos extraprocessuais especiais a diversas decisões do

Supremo Tribunal Federal e, por outro lado, freiar a subida de um número excessivo de

recursos aos nossos tribunais superiores, principalmente em se tratando de causas

repetitivas. É neste contexto que emerge a repercussão geral como mais um requisito de

admissibilidade do recurso extraordinário e que será objeto de nosso estudo neste capítulo.

Ademais, também será objeto do nosso estudo a sistemática, introduzida no

âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que restou conhecida como regime de recursos

repetitivos, prescrito pelo art. 543-C do Código de Processo civil, com redação dada pela

Lei 11.672/08, com a finalidade de diminuir o número de recursos especiais que tratam

sobre o mesmo tema.

5.2. Origens do instituto

A repercussão geral pode ser entendida como um mecanismo apto a filtrar o

acesso ao Supremo Tribunal Federal via recurso extraordinário, evitando que a Corte se

reúna mais de uma vez para a discussão de casos idênticos. A utilização de filtros para

racionalizar o trabalho das Cortes Supremas não é novidade no mundo, muito menos no

Brasil.

Entre nós, várias foram as medidas tomadas ao longo do século passado com

o escopo de amenizar o volume crescente de processos ajuizados perante o Supremo

Tribunal Federal, um dos mais polêmicos e mais parecidos com a repercussão geral foi a

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135

arguição de relevância. Assim, tem-se entendido que é neste instituto que devemos buscar

as origens da repercussão geral.

A arguição de relevância foi inspirada no direito norte-americano, no qual a

Suprema Corte possui, ao apreciar as petittions for certiorari, o poder discricionário para

decidir quais processos irá julgar, em sessão secreta, conforme a relevância que a matéria

trazida ao seu conhecimento possui para a sociedade.

Foi com a Emenda Regimental n°. 3 de 1975, consagrada pela Emenda

Constitucional de n°. 7 de 1977, que se deu a introdução da arguição de relevância em

nosso sistema jurídico. Assim, o art. 327, § 1°, do Regimento Interno do Supremo Tribunal

Federal, com redação dada pela Emenda Regimental n°. 2 de 1985, assim a definia pelos

reflexos na ordem jurídica e considerados os aspectos morais, econômicos, políticos ou

sociais da causa exigir a apreciação do recurso extraordinário pelo Tribunal. Em outras

palavras, os recursos extraordinários só eram conhecidos pelo Supremo Tribunal Federal

caso o impetrante demonstrasse a relevância da matéria aventada no recurso, mediante

realce de sua importância jurídica, social, política ou econômica.

De se ver tratar-se de um requisito de admissibilidade do recurso

extraordinário. Mas um requisito especial, pois sua apreciação era irrecorrível, secreta e não

motivada. Em síntese, conferia amplos poderes ao Supremo Tribunal Federal para julgar

somente os recursos extraordinários que lhe aprouvessem, tal como na Suprema Corte

Norte-Americana.

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136

O fato é que, treze (13) anos após a sua entrada em vigor, a arguição de

relevância foi descartada pela Constituição Federal de 1988. Seja como for, não são poucos

aqueles que vislumbram na repercussão geral a volta da arguição de relevância. Neste

contexto, assim se manifesta o professor Barbosa Moreira sobre a necessidade de se

demonstrar a repercussão geral para o conhecimento do recurso extraordinário:159

Se ressuscitou, de certo modo, mas em termos

diferentes, a antiga “arguição de relevância da questão

federal”, que a Corte Suprema, no exercício do poder então

constitucionalmente previsto, regulava em seu Regimento

Interno (Emenda 3, de 12.06.1975; depois Emenda 2, de

04.12.1985). A fonte inspiradora é sempre a prática da

Supreme Court norte-amerciana, na apreciação das petitions

for certiorari.

Seja como for, é cediço que os julgamentos da repercussão geral não serão

secretos e desmotivados, como eram os da arguição de relevância. Tal fato, ao nosso sentir,

deve ser entendido como uma saudável evolução do sistema jurídico brasileiro. Aliás, a

publicidade e a motivação dos atos públicos, em especial dos atos do Poder judiciário, são

garantias constitucionalmente delineadas e que não podem ser colocadas de lado, mesmo

diante da necessidade de introdução de um filtro para a apreciação de recursos

extraordinários junto ao Supremo Tribunal Federal.

159

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. V, pág. 591.

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137

5.3. Aspectos Constitucionais

A Emenda Constitucional n°. 45/04, denominada de reforma do Poder

Judiciário, dentre outras medidas, acrescentou, ao art. 101 da CF, o § 3°, com a seguinte

redação:

no recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a

repercussão geral das questões constitucionais discutidas no

caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a

admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela

manifestação de dois terços de seus membros.

A partir da análise do dispositivo constitucional acima transcrito, podemos

afirmar que, basicamente, quatro são os pilares sobre os quais se sustenta a repercussão

geral, a saber:

a) Trata-se de mais um requisito de admissibilidade do recurso

extraordinário, uma vez que, por determinação expressa do texto constitucional em análise,

o Supremo Tribunal Federal somente poderá conhecer do recurso caso a repercussão geral

esteja presente, cabendo ao recorrente demonstrá-la;

b) o novel instituto requer disciplina infraconstitucional para ser aplicado.

Consoante as lições de José Afonso da Silva, trata-se de uma norma jurídica de

aplicabilidade mediata.160

160

SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais, pág. 91.

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138

c) a expressão repercussão geral, tendo em vista sua polissemia, é um caso

típico de conceito jurídico indeterminado, na medida em que a Constituição Federal cria o

conceito, mas não o define, ou seja, não determina sua dimensão semântica jurídica. Neste

sentido, como a matéria carece de regulamentação legislativa infraconstitucional, tal

legislação acabou sendo responsável por conferir ao vocábulo uma definição jurídica, como

será adiante por nós demonstrado. Tal medida, contudo, não afasta do Supremo Tribunal

Federal a possibilidade de conferir novos delineamentos semânticos à expressão, quando da

sua aplicação aos casos concretos, assim como também não o impede de aferir a

constitucionalidade de tais dispositivos legais, caso seja provocado; ressalte-se, também, o

papel que a doutrina possui para a definição do termo;

d) A recusa no conhecimento do recurso extraordinário, pela não presença

da repercussão geral, parece ser de competência exclusiva dos membros do Supremo

Tribunal Federal, mediante quorum específico, altamente qualificado, de pelo menos dois

terços dos membros do Supremo Tribunal Federal, ou seja, somente pela recusa de oito

Ministros é que um recurso extraordinário não poderá ser admitido pela ausência da

repercussão geral.

Em suma, do ponto de vista constitucional, a repercussão geral pode ser

entendida como um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, que necessita de

regulamentação legislativa infraconstitucional para ser aplicado, cujo conteúdo semântico-

jurídico é indeterminado pela Constituição Federal e que requer um quórum específico para

impedir o conhecimento do recurso extraordinário.

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139

Neste sentido poderíamos, apressadamente, concluir pela dificílima

aplicação de tal requisito de admissibilidade, tendo em vista que o texto constitucional

determina que a recusa no conhecimento do recurso extraordinário, motivada pela não

demonstração da repercussão geral, necessita da aprovação de dois terços dos membros do

Supremo Tribunal Federal, ou seja, é de competência exclusiva do Plenário, mediante

quórum específico.

Nada mais falso, principalmente quando analisamos o instituto em questão à

luz da Lei 11.418/06, que acrescentou os artigos 543-A e 543-B ao Código de Processo

Civil e da Emenda Constitucional n°. 21/07, que disciplinou a repercussão geral no âmbito

do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Adiante, iremos analisar os dispositivos legais infraconstitucionais acima

ventilados, que acabaram por conferir uma ampla aplicabilidade à repercussão geral.

Ademais, não seria impróprio afirmar que, do ponto de vista desta

regulamentação infraconstitucional, o termo repercussão geral não pode mais ser

empregado somente para denotar um requisito de admissibilidade do recurso

extraordinário, uma vez que, com fundamento de validade na repercussão geral, uma série

de normas jurídicas de cunho processual foram criadas, sempre com o escopo de diminuir o

elevado número de recursos extraordinários em trâmite pelo Supremo Tribunal Federal,

principalmente, nos casos já decididos pelo plenário. Neste intuito, tais normas processuais

acabaram por conferir às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal uma eficácia

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extraprocessual especial, que beira à vinculação. Sempre, é claro, em se tratando da mesma

situação fática, como iremos adiante demonstrar.

5.4. Da regulamentação infraconstitucional

Assentadas as principais características da repercussão geral no âmbito

constitucional vamos agora analisar sua regulamentação infraconstitucional, com o escopo

de demonstrar, em seus pormenores, no que consiste a aludida ampliação da aplicabilidade

do instituto, conferida tanto pela Lei 11.418/06, quanto pela Emenda Regimental n. 21/07,

do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

5.4.1 Algumas particularidades da Lei 11.418/06

O art. 7°, da Emenda Constitucional n°. 45/04, determinou ao Congresso

Nacional, imediatamente após a sua entrada em vigor, a criação de uma comissão especial

mista com o escopo de elaborar, em cento e oitenta dias, os projetos de lei necessários para

a regulamentação da matéria nela tratada.

Assim foi feito e a relatoria de tal comissão foi entregue ao Senador José

Jorge. Durante os trabalhos da comissão eminentes processualistas foram consultados,

dentre eles o professor José Manuel Arruda Alvim. Ademais, uma audiência pública e um

seminário foram realizados e até mesmo um evento, com a presença de ilustres

processualistas, foi promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), com

a intenção de debater sobre o tema em comento. Neste período, os eminentes Ministros do

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141

STF, Gilmar Mendes e Cezar Peluso, foram bastante consultados e até mesmo chegaram a

apresentar um anteprojeto de lei, que, inicialmente, não foi acolhido. Os trabalhos da

comissão tiveram término com a elaboração e proposta de um projeto de lei cuja tramitação

teve início no Senado Federal sob o título: projeto de lei do Senado n°. 12, de 2006. Por

último, saliente-se que o referido projeto de lei era bastante detalhista e, assim, deixava

pouco espaço para a regulamentação suplementar da matéria pelo Regimento Interno do

STF.161

Assim, o projeto de lei apresentado pela comissão mista especial iniciou sua

tramitação pelo Senado Federal e, mediante requerimento do então Senador Antonio Carlos

Magalhães, foi remetido à comissão de constituição e justiça, na qual o mesmo Senador

José Jorge foi nomeado relator. Neste momento, o referido relator optou por adotar um

substitutivo elaborado pelos Ministros do STF Gilmar Mendes e Cezar Peluso, alterando

substancialmente o conteúdo do projeto de lei inicialmente elaborado pela comissão mista

especial. Após sua aprovação pela comissão de constituição e justiça o projeto de lei sofreu

uma Emenda, oferecida pelo Senador Demóstenes Torres, e foi aprovado em plenário. Já na

Câmara dos Deputados, após algumas pequenas alterações de natureza redacional, o projeto

de lei foi rapidamente aprovado e recebeu a sanção presidencial.162

Inicialmente, merecem menção duas características básicas da Lei

11.418/06: (i) a primeira consiste na opção feita pelo legislador ordinário que, ao redigir a

Lei 11.418/06, preferiu acrescentar dois artigos ao Código de Processo Civil ao invés de

161

Tudo como nos dá notícia DANTAS, Bruno. Repercussão geral, perspectiva histórica, dogmática e de

direito comparado, pág. 270. 162

Idem, pág. 272 e seguintes.

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142

criar uma legislação extravagante, como previsto pelo projeto de lei elaborado pela

comissão mista especial. Trata-se de uma questão pertinente e não meramente de técnica

redacional, pois, como a regulamentação infraconstitucional da repercussão geral se deu

através do Código de Processo Civil, dúvidas poderiam surgir sobre o cabimento do

instituto em questões de direito penal. Tal problemática, contudo, parece já ter sido afastada

pelo Supremo Tribunal Federal que afirmou a necessidade na demonstração da repercussão

geral nos recursos extraordinários que versem sobre matéria de direito penal, como visto na

questão de ordem no agravo de instrumento n°. 664.567/RS, relatada pelo Ministro

Sepúlveda Pertence; (ii) a segunda questão diz respeito à necessidade de regulamentação da

Lei 11.418/06, agora em sede de Emenda ao Regime Interno do STF, para que a

repercussão geral pudesse ser aplicada. De fato, o Supremo Tribunal Federal, no mesmo

julgado acima citado, decidiu que somente as intimações dos acórdãos recorridos realizadas

após a entrada em vigor da Emenda Regimental n°. 21/07, ocorrida no dia três de maio de

dois mil e sete, é que passariam pelo crivo do novo requisito de admissibilidade do recurso

extraordinário.

Após estas palavras iniciais, iniciaremos a interpretação propriamente dita

dos artigos 543-A e 543-B do Código de Processo Civil, assim como dos dispositivos legais

que compõem a Emenda Regimental 21/07, que alterou o Regimento interno do Supremo

Tribunal Federal. Em um primeiro momento iremos nos preocupar com a dimensão

semântica do termo repercussão geral e posteriormente nos valeremos das normas jurídicas

de cunho processual, que estabelecem um peculiar regime procedimental para os recursos

extraordinários, sempre com fundamento na repercussão geral.

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143

5.4.2. Da dimensão semântica do termo repercussão geral

Sobre a delimitação conceitual do termo repercussão geral, remetemos o

leitor aos parágrafos 1° e 4° do art. 543-A do CPC. O primeiro dispositivo legal determina

que a repercussão geral somente estará presente nas causas que apresentem questões

relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os

interesses subjetivos da causa. Já o segundo parágrafo prescreve um critério jurídico

bastante objetivo e simples: haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar

decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante no Tribunal.

Assim, dois são os critérios utilizados pelo legislador infraconstitucional

para delimitar o conceito do termo repercussão geral. O primeiro é subjetivo, uma vez que

o recorrente deve convencer a Corte de que a relevância da questão jurídica que lhe é

submetida ultrapassa os interesses das partes envolvidas no processo. Já o segundo critério

é objetivo e muito relevante, pois determina a presença da repercussão geral sempre que o

recurso extraordinário atacar uma decisão que seja contrária à súmula ou jurisprudência

dominante no Tribunal. Em outras palavras, independentemente do conteúdo da questão de

direito material sobre a qual se debruçou a decisão proferida pelo juízo a quo, nela sempre

estará presente a repercussão geral, sempre que a mesma for contrária à súmula ou à

jurisprudência dominante no Supremo Tribunal Federal.163

163

Tem-se entendido que a referida jurisprudência dominante diz respeito aos casos já julgados pelo Supremo

Tribunal Federal em sede de recurso extraordinário à luz da repercussão geral, ou as decisões tomadas em

sede de controle direito.

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144

Cientes de que as decisões recorridas que forem contrárias ao

posicionamento de nossa Corte Suprema sempre serão dotadas de repercussão geral,

indaga-se: no caso contrário, ou seja, quando a decisão recorrida estiver em conformidade

com súmula ou jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ela necessariamente será

desprovida de repercussão geral?

Trata-se de uma importante e delicada questão que acreditamos ainda será

causa de acirrados debates. Seja como for, caso o mérito da relação jurídica de direito

material, que é objeto do recurso extraordinário, já tiver sido anteriormente julgado pela

Corte, à luz da repercussão geral, então tal requisito de admissibilidade não estará

novamente presente neste último recurso e sobre ele o Supremo Tribunal Federal não se

debruçará mais, a não ser que algum Ministro deseje alterar a jurisprudência da Corte

e consiga convencer seus pares a fazerem o mesmo.

Nestes termos, não seria demasiado afirmar que toda decisão proferida por

um juiz a quo, que seja contrária à súmula ou à jurisprudência dominante no Supremo

Tribunal Federal, possui uma relevância jurídica que transcende ao interesse das partes e,

portanto, nela a repercussão geral estará sempre presente. Mas no que consiste tal

relevância jurídica? Justamente no entendimento de que todos os tribunais existentes no

país sempre deverão decidir as causas levadas ao seu conhecimento de acordo com o

posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal Federal. Caso assim não procedam, suas

decisões serão liminarmente reformadas por nossa Corte Suprema, quando atacadas pelo

recurso extraordinário. E repetimos, a não ser que seja desejo da Corte alterar a sua

jurisprudência.

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145

Sobre o § 1° do art. 543-A do CPC, não podemos perder de vista que a

sistemática do recurso extraordinário, tal como posta antes da Emenda Constitucional n°.

45/04, prescrevia ao Supremo Tribunal federal uma verdadeira jurisdição obrigatória,

quando presentes as hipóteses do inciso III do art. 102 da CF. Já com a repercussão geral

cria-se um requisito de admissibilidade extraprocessual ao recurso extraordinário, uma vez

que sua presença não necessariamente se encontra na relação jurídica processual. Parece-

nos que o foco do recurso extraordinário foi alterado. Antes, focado nas partes do processo,

agora, se volta para o sistema jurídico.

Discorrendo sobre o dispositivo processual em comento, Luiz Guilherme

Marinoni e Daniel Mitidiero asseveram que:164

nosso legislador alçou mão de uma fórmula

que conjuga relevância e transcendência (repercussão geral

= relevância + transcendência). A questão debatida tem de

ser relevante do ponto de vista econômico, político, social,

ou jurídico, além de transcender para além do interesse

subjetivo das partes na causa. Tem de contribuir, em outras

palavras, para persecução da unidade do Direito no Estado

Constitucional brasileiro, compatibilizando e/ou

desenvolvendo soluções de problemas de ordem

constitucional. Presente o binômio, caracterizada está a

repercussão geral da controvérsia.

Assim, no entendimento acima exposto, a relação jurídica de direito material

discutida no bojo do recurso extraordinário levado ao conhecimento do Supremo Tribunal

Federal somente será relevante na medida em que tal decisão possa ser utilizada em

164

MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário, pág.

33.

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146

diversos casos idênticos, promovendo a unidade das decisões do Poder judiciário sobre uma

determinada questão jurídica. A transcendência encontra-se justamente no fato de que tal

decisão servirá para promover a unidade das controvertidas questões de direito

constitucional que assolam o Poder judiciário e não somente para solucionar um litígio

entre as partes.

Afastando-se do posicionamento acima exposto, nestes termos se manifesta

Bruno Dantas:165

Repercussão geral é o pressuposto especial de

cabimento do recurso extraordinário, estabelecido por

comando constitucional, que impõe que o juízo de

admissibilidade do recurso leve em consideração o impacto

indireto que eventual solução das questões constitucionais

em discussão terá na coletividade, de modo que se lho terá

por presente apenas no caso de a decisão de mérito

emergente do recurso ostentar a qualidade de fazer com que

parcela representativa de um determinado grupo de pessoas

experimente, indiretamente, sua influência, considerados os

legítimos interesses sociais extraídos do sistema normativo e

da conjuntura política, econômica e social reinante num

dado momento histórico.

Seja como for, neste caso iremos encontrar, como sempre ocorre, a

sistemática comunicacional enunciada no primeiro capítulo deste trabalho, qual seja, os

enunciados prescritivos contidos no § 1° do art. 543-A do CPC, em um primeiro momento,

são interpretados pela doutrina, que deles procurará extrair e construir seu sentido, já em

um segundo momento, tais enunciados serão aplicados pelo Supremo Tribunal Federal,

levando-se em consideração, em maior ou menor grau, ao disposto pela doutrina.

165

DANTAS, Bruno. Repercussão geral, perspectiva histórica, dogmática e de direito comparado, pág. 246.

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147

De nossa parte, pensamos que dificilmente o Supremo Tribunal Federal irá

negar conhecimento a recurso extraordinário, com fundamento na ausência de repercussão

geral, caso a matéria constitucional ventilada no recurso ainda não tenha sido debatida pela

Corte. É comum o não conhecimento do recurso extraordinário uma vez entendido que não

houve violação direta à Constituição Federal. Trata-se, contudo, de outro requisito de

admissibilidade do recurso extraordinário. Porém, uma vez vislumbrada a potencial ofensa

ao texto constitucional, com relação à determinada matéria que ainda não foi objeto de

discussão pela Corte, cremos que o conhecimento do recurso dificilmente será negado com

fundamento na repercussão geral.

Dizemos isso, pois vislumbramos que duas importantes funções foram

acrescidas ao recurso extraordinário após a entrada em vigor da repercussão geral: (i) a

função unificadora da jurisprudência e (ii) a função de impor aos tribunais a quo o respeito

as suas decisões, sob pena de reforma liminar das mesmas.

Assim, não nos parece lógico que o Supremo Tribunal Federal ao vislumbrar

que um determinado recurso extraordinário traga uma questão que contenha uma potencial

ofensa à Constituição Federal, que ainda não foi debatida pela Corte, venha dele não

conhecer, com fundamento na ausência de repercussão geral. Pois, se assim for, o Pretório

Excelso estará relegando o seu papel de guardião da Constituição Federal aos tribunais a

quo, na medida em que caberá a tais tribunais conferir a interpretação final sobre tema

constitucional. Ademais, a pluralidade de tribunais certamente acarretará no proferimento

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de decisões jurídicas antagônicas, o que infirma a função unificadora da jurisprudência do

recurso extraordinário.

Pela atual postura adotada pelo Supremo Tribunal Federal nos parece muito

mais provável que a Corte venha a se manifestar sobre todas as questões constitucionais

que lhe forem remetidas inicialmente e, a partir de então, venha a negar seguimento aos

recursos extraordinários cujas decisões recorridas estejam de acordo com a posição firmada

pela Corte, ou lhes dar provimento monocraticamente, caso a decisão recorrida desafie o

posicionamento firmado pela Corte, como será a seguir demonstrado em seus pormenores.

Para corroborar o que acabamos de afirmar, trazemos a lume o pensamento

do Ministro Marco Aurélio, relator do recurso extraordinário n°. 599.316-7/SC, quando de

seu voto, em plenário “virtual”, pela presença da repercussão geral, no caso da limitação

pelo tempo, imposta pelo art. 31 da Lei 10.865/05, para o uso dos créditos da PIS e da

COFINS:

2. O simples fato de a pecha de inconstitucionalidade ter sido

colada a certo preceito de lei sugere, a mais não poder, a

relevância do tema, a ensejar o crivo do guardião maior da

Carta da República o Supremo. Na vida gregária, deve-se

marchar com segurança jurídica, evitando-se que, a partir

do mesmo enfoque, haja decisões conflitantes, as quais

sempre provocam descrédito. A unidade do Direito

pressupõe pronunciamentos em idêntico sentido.

3. Admito como configurada a repercussão geral da matéria

versada nas razões do extraordinário.

4. Publiquem.

Brasília – residência –, 29 de novembro de 2009, às 11h30.

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5.4.3. Do regime jurídico processual estabelecido pela repercussão geral

Analisaremos, agora, a forma como se processa um recurso extraordinário à

luz da repercussão geral, quando a matéria nele versada ainda não tiver sido tratada pelo

Supremo Tribunal Federal.

A rigor, o recurso extraordinário deve ser interposto junto à presidência ou à

vice-presidência do tribunal onde foi proferida a decisão recorrida, devendo a parte

contrária ser intimada para oferecer contrarrazões. Após, o referido órgão jurisdicional irá

promover o prévio juízo de admissibilidade do recurso, caso seja negado seguimento ao

mesmo, tal decisão poderá ser atacada por agravo, caso contrário o recurso extraordinário é

remetido ao Supremo Tribunal Federal.

É interessante notar que diante de inúmeros recursos com causas

controvertidas idênticas, deverá o Tribunal a quo enviar ao Supremo Tribunal Federal

somente uma pequena amostra de tais recursos, sobestando-se os demais. Destarte, o

Tribunal a quo deverá, entre os inúmeros recursos que versam sobre a mesma matéria,

escolher os que melhor representam a matéria controvertida e encaminhá-los ao Supremo

Tribunal Federal, devendo os demais aguardar o julgamento de nossa Corte Suprema.

Uma vez alcançado o Supremo Tribunal Federal, o recurso extraordinário

será recebido pela Presidência da Corte para eventual distribuição. Em se tratando de

matéria que ainda não foi debatida pela Corte, não poderá a Presidência negar seguimento

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ao recurso sobre o pretexto de inexistência da repercussão geral, pois ainda não há prévio

posicionamento do Tribunal sobre o tema. Assim, o recurso deverá se distribuído a uma das

turmas para julgamento.

Após a distribuição, o relator irá verificar a presença dos demais requisitos

de admissibilidade do recurso extraordinário, após, se debruçará sobre a repercussão geral.

Como nos primeiros casos sob análise do tribunal o não conhecimento do recurso

extraordinário, por carência de repercussão geral, depende da vontade de pelo menos dois

terços de seus membros, deverá o relator se manifestar sobre a presença ou não da

repercussão geral e remeter, por via eletrônica, aos demais ministros da Corte, o seu

entendimento para deliberação. Tal comunicação é conhecida no Supremo Tribunal Federal

como “plenário virtual”. Assim, os demais ministros da Corte irão votar sobre a

repercussão geral, acompanhando ou não o entendimento do relator. Caso não haja votos

suficientes (dois terços) para o não conhecimento do recurso, seu julgamento deverá

prosseguir sob o comando do relator, em sua respectiva turma. Após a lavratura de acórdão.

A presença da repercussão geral também pode ser realizada pelo plenário

presencial, contudo, a rigor, será realizada pelo “plenário virtual”, para uma melhor

racionalização dos trabalhos da Corte. Deste modo, é salutar lembrarmos que aos referidos

procedimentos “virtuais” deve ser conferida ampla e irrestrita publicidade, através do site

do Supremo Tribunal Federal (www.stf.jus.br), como bem lecionado por José Miguel

Garcia Medina:

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151

Tanto a manifestação do relator (favorável ou

contrária à repercussão geral) quanto a do ministro que dele

divergir deverão ser fundamentadas, e tornadas públicas ao

longo do procedimento, de modo a tornar conhecidas tais

razões de imediato, e não apenas ao final da deliberação

pelo plenário, acerca da presença (ou não) de repercussão

geral (cf. § 7° do art. 543-A do CPC). Neste sentido, o art.

329 do Regimento Interno do STF impõe a “ampla e

específica divulgação do teor das decisões sobre repercussão

geral”.166

Destarte, após a pronúncia do “plenário virtual” sobre a repercussão geral

não é lícito a turma se manifestar sobre o tema, devendo o referido órgão julgador se ater ao

mérito do recurso.

Ademais, consoante dicção do caput art. 324 do Regimento Interno do STF,

com redação dada pela Emenda Regimental n. 21/07, os demais Ministros da Corte

possuem prazo de vinte dias para encaminharem, por meio eletrônico, suas decisões sobre a

questão da repercussão geral. Contudo, o parágrafo único do referido dispositivo regimental

é enfático ao prescrever que: decorrido o prazo sem manifestações suficientes para recusa

do recurso, reputar-se-á existente a repercussão geral. Neste tema, acompanhamos o

entendimento de Bruno Dantas, ao lecionar que o Regimento interno do STF não pode

permitir que os ministros do tribunal se abstenham de votar, assim:167

Apenas pelas vias da autodeclaração de

impedimento e suspeição, além do licenciamento provisório e

da ausência eventual, pode um ministro deixar de votar em

ação, recurso ou incidente submetido ao seu crivo. É

166

MEDINA. José Miguel Garcia. Prequestionamento e repercussão geral e outras questões relativas aos

recursos especial e extraordinário, pág. 343. 167

DANTAS, Bruno. Repercussão geral, perspectiva histórica, dogmática e de direito comparado, pág. 313 e

seguintes.

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152

estranha ao Poder Judiciário a figura da abstenção,

corriqueira nas deliberações colegiadas do Poder

Legislativo.

Concluímos então, com o Autor supracitado, que o incidente de aferição da

repercussão geral apenas se conclui após a manifestação de todos os Ministros habilitados,

sendo que o prazo estabelecido pelo Regimento Interno do STF (vinte dias) é da classe dos

impróprios, ou seja, que não geram preclusão, uma vez que seu teor é meramente

organizacional.

É importante frisarmos, também, que é admitida a manifestação de terceiros,

como “Amicus Curie”, no julgamento da repercussão geral (art. 543-A § 6° do CPC), assim

como, tal decisão valerá como acórdão e será publicada no diário oficial (art. 543-A § 7° do

CPC).

Assim, uma vez reconhecida a repercussão geral, o recurso seguirá seu curso

para julgamento, que é de competência da turma. Porém, não nos esqueçamos que a

questão constitucional nela versada é de competência do plenário, caso haja entendimento

da turma sobre a sua inconstitucionalidade e que tal entendimento ainda não tenha sido

julgado pelo plenário.

Caso o recurso extraordinário seja conhecido e julgado pelo Supremo

Tribunal Federal, todos os demais recursos que ficaram sobrestados nos tribunais a quo

deverão lhe seguir a mesma sorte. Caso as decisões dos tribunais a quo estejam em

conformidade com o julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, tais recursos

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serão considerados prejudicados, ou seja, lhe será negado seguimento (art. 543-B § 3° do

CPC). Contudo, caso as decisões dos Tribunais a quo sejam contrárias ao entendimento

proferido pelo Supremo Tribunal Federal, duas soluções se impõem: (i) a primeira é a

retratação do tribunal a quo¸ mediante alteração de seu julgado, para adequá-lo ao

posicionamento proferido pelo tribunal a quem. 168

Após tal procedimento, a decisão do

tribunal a quo passa a ser coerente com a decisão proferida pelo tribunal a quem, logo a

subida do recurso extraordinário deverá ser negada, por ausência de repercussão geral (art.

543-B, § 3° do CPC); (ii) a segunda é a manutenção, pelo tribunal a quo, de sua decisão,

neste caso o recurso deve ser remetido ao Supremo Tribunal Federal para cassação ou

reforma liminar do acórdão recorrido, nos termos do Regimento Interno do Tribunal (art.

543-B, § 4° do CPC).

Ante o exposto, observamos que as decisões dos tribunais a quo que não

sigam o posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal federal, caso sejam atacadas

mediante recurso extraordinário, serão monocraticamente reformadas pelo Supremo

Tribunal Federal. Vislumbramos aqui uma eficácia extraprocessual que beira a vinculação

na medida em que há regra impondo a retratação dos tribunais a quo ou a reforma de suas

decisões monocraticamente. Só não vislumbramos eficácia vinculante, em função de

acreditarmos que o desrespeito a tais decisões não podem ser atacadas pela via da

reclamação.

168

Trata-se de regra sui generis, nunca antes vista em nosso sistema processual.

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154

5.4.4. Da irrecorribilidade das decisões sobre a repercussão geral

A constituição Federal prescreve que a decisão sobre a presença (ou não) de

repercussão geral depende da aprovação de dois terços (2/3) dos membros do Supremo

Tribunal Federal (art. 102, § 3°). Já o caput do art. 543-A do Código de Processo Civil é

enfático ao afirmar que as decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a presença (ou não)

de repercussão geral são irrecorríveis. Por outro lado, o mesmo dispositivo legal, em seu §

5°, determina que: negada a existência de repercussão geral, a decisão valerá para todos

os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, ... . Assim, uma

tormentosa questão se apresenta, qual seja: as decisões, tomadas monocraticamente, sobre a

repercussão geral, são irrecorríveis?

Tal indagação se faz necessária, pois, caso a decisão sobre a presença (ou

não) da repercussão geral tenha sido proferida pelo plenário do Supremo Tribunal Federal,

seja ele “virtual’ ou presencial, não caberá recurso algum, salvo os embargos de declaração,

que, a rigor, podem ser interpostos contra qualquer decisão judicial, mesmo aquelas tidas

por irrecorríveis pela legislação, desde que tenha havido obscuridade, dúvida ou

contradição, ou omissão.169

Situação bastante diferente é aquela na qual a decisão sobre a repercussão

geral é proferida monocraticamente, precisamente quando é negado seguimento ao recurso,

monocraticamente, em função da ausência de repercussão geral, uma vez que a matéria nele

169

Conforme PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil.

Tomo VII, pág. 401.

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versada já foi objeto de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal e a decisão recorrida se

encontra alinhada com o posicionamento firmado pela Corte. Por outro lado, o recurso

também pode ser julgado procedente, monocraticamente, caso a decisão recorrida seja

contrária a súmula ou jurisprudência dominante no Supremo Tribunal Federal (art. 543-B, §

4°, do Código de Processo Civil).

Como visto a competência conferida pelo legislador infraconstitucional ao

relator, para exame monocrático da repercussão geral, ou o seu julgamento liminar, é

restrito aos casos, nos quais a matéria versada no recurso analisado for IDÊNTICA ao caso

decidido pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, pelo menos em tese, seria

vedada a sua aplicação para casos assemelhados, uma vez indispensável à identidade da

tese jurídica em discussão.

Assim, nas referidas decisões monocráticas, estamos com Bruno Dantas, ao

afirmar que elas podem ser combatidas pelo agravo interno, como prescrito pelo art. 557, §

1° do Código de Processo civil, corroborado pelo art. 327 § 2°, do Regimento interno do

Supremo Tribunal Federal, contudo, neste caso o fundamento único do agravo interno é a

distinção entre o precedente firmado pelo Plenário e o caso em apreciação.170

Caso o

órgão colegiado entenda não se tratar de questões idênticas, assiste ao agravante o direito

público subjetivo de ver a questão examinada pelo Plenário,171

sob pena de subversão do

dispositivo constitucional que estabelece a necessidade de rejeição do recurso

170

DANTAS, Bruno. Repercussão geral, perspectiva histórica, dogmática e de direito comparado, pág. 306. 171

Idem, pág. 306.

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156

extraordinário, por ausência de repercussão geral, mediante o voto de dois terços (2/3) dos

membros do Supremo Tribunal Federal.

Se assim for, entendemos que o mesmo raciocínio deva ser aplicado para os

recursos extraordinários cuja remessa ao Supremo Tribunal Federal foi negada pelos

tribunais a quo, uma vez que não admitimos a subtração do recorrente em ver a

admissibilidade do seu recurso extraordinário ser analisada pelo Pretório Excelso.

Contudo, recentemente, o Supremo Tribunal Federal firmou posicionamento

com o seguinte conteúdo, exposto na página da Corte na internet:172

D) EFEITOS DA REPERCUSSÃO GERAL SOBRE

OS AGRAVOS DE INSTRUMENTO:

I- ...

IV- Não cabe Agravo de Instrumento (CPC, art. 544)

nem Reclamação contra decisão monocrática da origem que

inadmite Recurso Extraordinário, aplicando entendimento do

STF sobre tema com Repercussão Geral.

Não cabe o Agravo de Instrumento do art. 544 do

CPC contra decisão do Tribunal ou Turma de origem que

inadmite Recurso Extraordinário, aplicando,

equivocadamente, entendimento do STF a respeito de tema

com repercussão geral. Tampouco cabe Reclamação, sob

pena de desvirtuar o sistema da repercussão geral.

Tratando-se de decisão monocrática, cabe Agravo

Regimental na origem, na forma do respectivo Regimento

Interno. (AI 760.358-QO, Rel. Min. Gilmar Mendes, e

Reclamações 7.547 e 7.569, Rel. Min. Ellen Gracie,

julgamento em 19/11/2009)..

172

Acessado em 30/03/10:

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina=processame

ntoMultiplo

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157

O posicionamento acima exposto denota a tendência do Supremo Tribunal

Federal em cada vez mais dificultar a subida de recursos extraordinários e dos agravos de

instrumento deles oriundos, que tratem de questões já pacificadas pelo plenário.

Observamos, no caso, que compete ao tribunal a quo analisar a identidade entre a matéria

debatida no recurso e aquela presente no precedente do Supremo Tribunal Federal, que

sequer, se digna a analisar a identidade entre elas.

De mais a mais, o dispositivo em comento traz mais uma tormentosa

questão, qual seja, saber quais serão os critérios utilizados pelo Poder judiciário para

determinar a identidade entre a matéria versada no recurso e aquela existente do precedente.

Diante desta nova perspectiva jurisprudencial, podemos entender que o

trabalho das partes envolvidas em um determinado processo deverá se encaminhar muito

mais no sentido de demonstrar a existência ou não da referida identidade, como visto no

agravo de instrumento 760.358 acima citado. No caso, a Turma Recursal fez uso de um

precedente do Supremo Tribunal Federal sobre a GDASST (gratificação de atividade de

seguridade social e do trabalho) e negou seguimento a recurso extraordinário que tratava da

concessão de outra gratificação a GDPGTAS, usou, portanto, de analogia e não de

identidade. Assim, tal argumento foi utilizado pela União, em sede de agravo de

instrumento, pleiteando a análise pelo Pretório Excelso sobre a GDPGTAS. Contudo, o

referido agravo de instrumento não foi conhecido pela Corte, que afirmou a competência do

tribunal a quo para proferir o julgamento sobre a identidade das questões, assim, fez o

recurso retornar ao tribunal a quo para que fosse processado como agravo interno, dado que

a decisão pelo não cabimento do recurso extraordinário era monocrática.

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5.5. Dos recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça

Mesmo não sendo o nosso objeto de estudo específico, consideramos

pertinentes alguns comentários, mesmo que breves, sobre os recursos repetitivos no âmbito

do Superior Tribunal de Justiça.

No dia oito de maio de dois mil e oito (08/05/08) foi sancionada a Lei

11.672/08, que, adicionou o art. 543-C ao Código de Processo Civil e estabeleceu o

procedimento para o julgamento de recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de

Justiça. Posteriormente, foi editada, pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, a Resolução

n°. 8, de sete de agosto de dois mil e oito (07/08/08), regulamentando a matéria no âmbito

daquela Corte. Destarte que o tema, mesmo não possuindo identidade, possui uma relativa

semelhança com o disposto no art. 543-B do Código de Processo Civil, uma vez que os

dois institutos em apreço visam a racionalizar o trabalho dos respectivos tribunais, servindo

como filtro para que questões idênticas não fiquem sistematicamente sendo remetidas

novamente para análise das Cortes.

Assim, quando houver multiplicidade de recursos especiais com fundamento

em idêntica questão de direito, o Presidente do Tribunal a quo deverá encaminhar ao

Superior Tribunal de Justiça apenas um ou mais recursos representativos da controvérsia,

sobrestando-se os demais até o julgamento final daquele Tribunal Superior. Depois, o

recurso deverá ser levado a julgamento pela respectiva Seção ou Corte Especial, conforme

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159

a matéria, em regime de preferência sobre os demais casos, ressalvados os que envolvam

réu preso ou habeas corpus.

Após o julgamento do recurso, com a publicação do seu respectivo acórdão,

os recursos sobrestados na origem terão o seguimento negado, caso ataquem decisões em

consonância com o entendimento estabelecido pelo Superior Tribunal de Justiça. Por outro

lado, os recursos que tenham por objeto decisões contrárias ao posicionamento firmado

pelo tribunal deverão ser novamente analisados pelos tribunais a quo que poderão manter

ou alterar as suas decisões. Em caso de alteração do julgado, o recurso especial terá

seguimento negado, já no caso da sua manutenção o recurso terá prosseguimento,

ensejando a análise dos demais requisitos de admissibilidade do recurso especial.

Recentemente, a Corte Especial do Superior Tribunal de

Justiça, ao decidir sobre questão de ordem levantada pelo Ministro Aldir Passarinho Junior,

determinou que as decisões tomadas pelos tribunais a quo que mantém o posicionamento

contrário ao entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça pelo rito dos recursos

repetitivos, devem ser fundamentadas. Ocorre que em diversos casos, todos com origem no

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a reapreciação das apelações pelas respectivas

câmaras, após o julgamento pelo Superior Tribunal de justiça, era mera ratificação, uma vez

feita mediante simples “tira” do julgamento. Agora, contudo, conforme entendimento do

referido Ministro, uma nova apreciação deve ocorrer mediante a exposição da

argumentação em contrário, rebatendo, objetivamente, as conclusões aqui firmadas.173

173

Como nos dá notícia o site migalhas.com.br. Acessado em 16/12/09:

http://www.migalhas.com.br/mig_imprimir_sem_imagem.aspx?cod=99286.

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160

Insta frisar que não vislumbramos nas decisões tomadas pelo

Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial, pelo rito dos recursos repetitivos,

a mesma eficácia extraprocessual verificada nas decisões tomadas pelo Supremo Tribunal

Federal, em sede de recursos extraordinários, à luz da repercussão geral, uma vez que a

legislação em comento não obriga os tribunais a quo a se retratarem. Contudo, uma vez

firmado o precedente pela Seção ou Corte Especial, os demais recursos especiais fundados

em idêntica controvérsia serão julgados monocraticamente pelo Presidente do Tribunal,

caso ainda não tenham sido distribuídos, ou pelo relator, caso a distribuição já tenha

ocorrido, como se observa no procedimento adotado para análise da repercussão geral.

Ademais, o mesmo vale para os agravos de instrumento que ataquem a não admissão do

recurso especial, tudo nos termos da Resolução n°. 08 do Superior Tribunal de Justiça.

Neste contexto, caso o tribunal a quo não se curve ao entendimento firmado

pelo Superior Tribunal de Justiça, apenas irá postergar a decisão final do processo, uma vez

que o recurso especial será monocraticamente julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, ou

seja, apenas impõe às partes litigantes uma maior demora na obtenção da prestação

jurisdicional. Assim, nos parece mais lógico que caminhou mal a legislação processual ao

não determinar a retratação do tribunal a quo, como verificado na disciplina da repercussão

geral.

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161

5.5. Do distanciamento quanto à eficácia das decisões judiciais proferidas pelo

Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça

Como é cediço o Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder

Judiciário Brasileiro na medida em que, dentre outras competência, é o órgão encarregado

de conferir a última palavra prescritiva em matéria constitucional e são os dispositivos

constitucionais que conferem fundamento de validade para todas as normas jurídicas do

nosso ordenamento jurídico.

Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça, assim como os demais

tribunais superiores (Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal

Superior Militar), são os tribunais encarregados de promover a unificação do direito federal

infraconstitucional, na medida em que, na atual estrutura do Poder judiciário Brasileiro, é

da competência destes tribunais conferirem a última palavra prescritiva para a aplicação da

legislação federal infraconstitucional.174

Aliás, como já exposto neste trabalho, em linhas gerais, a atual competência

jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça, à luz da Constituição de 1967, era outorgada

ao Supremo Tribunal Federal, tendo ocorrido, com a atual Carta Política, uma nova

distribuição de competências com a criação daquele tribunal superior, principalmente com a

criação do recurso especial.

174

FILHO. Vicente Greco. Direito processual civil brasileiro, vol. 02, pág.367.

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162

O que gostaríamos de frisar, neste tópico, é que tanto a repercussão geral,

quanto a súmula vinculante são mecanismo que possuem a função precípua de uniformizar

a jurisprudência, seja conferindo eficácia vinculante ou eficácia extraprocessual especial às

decisões do Supremo Tribunal Federal. Porém, os efeitos produzidos por tais institutos

ainda não estão presentes na esfera de competência dos demais tribunais superiores.

Se não, vejamos, com a Emenda Constitucional 42/03, foi atribuído, ao

Supremo Tribunal Federal, competência para instituir a súmula vinculante, que são verbetes

eficazes contra todos os órgãos do Poder Judiciário e da administração pública direta e

indireta, cuja não observância pode ser atacada pela reclamação. Contudo, no caso dos

tribunais superiores, suas súmulas não ganharam tal status. Como será visto adiante, há

uma grande distinção, do ponto de vista da eficácia jurídica, entre uma súmula e a súmula

vinculante.

Esta questão merece uma reflexão.

Se ao Supremo Tribunal Federal foram conferidos poderes para a instituição

da súmula vinculante, uma vez que se trata do tribunal que confere a última palavra

prescritiva sobre a matéria constitucional e, por isso mesmo, suas decisões devem ser mais

eficazes e eficientes, qual a razão para que o mesmo pensamento não fosse aplicado aos

tribunais superiores, em especial ao Superior Tribunal de Justiça, na medida em que tais

tribunais conferem a uniformização da legislação federal?

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163

A nosso ver, nenhuma. Todos os argumentos utilizados para justificar a

instituição da súmula vinculante, no âmbito de competência do Supremo Tribunal Federal,

podem e devem ser utilizados a ensejar a criação da súmula vinculante no âmbito de

competência do Superior Tribunal de Justiça. Os dois tribunais encontram-se

sobrecarregados, possuem as mesmas funções, atuando o primeiro no âmbito constitucional

e o segundo no âmbito da legislação federal, suas decisões devem ser eficazes para

promover a unificação da jurisprudência em nossos tribunais e assim por diante.

Pode-se dizer o mesmo a respeito do procedimento da repercussão geral

(STF) e a sistemática dos recursos repetitivos (STJ). Por que o primeiro se impõe perante os

tribunais a quo (na medida em que tais tribunais são obrigados a se retratarem caso julguem

de forma contrária ao decidido pelo Supremo Tribunal Federal) e a segunda não? Se a

função é conferir uniformidade à jurisprudência, por que as decisões do Superior Tribunal

de justiça também não podem se impor perante os tribunais a quo?

Seja como for, a sistemática dos recursos repetitivos, no âmbito do Superior

Tribunal de Justiça, apesar de não se impor aos tribunais a quo, possui uma característica

básica presente a repercussão geral, que é servir de filtro para o conhecimento,

processamento e julgamento dos recursos especiais que são direcionados àquela corte

superior.

O sistema processual brasileiro passa por uma franca e constante evolução,

na medida em que, gradualmente, vai introduzindo institutos assemelhados àqueles

observados nos países da common law, e ou criando novos institutos, que conferem, cada

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164

vez, uma maior eficácia extraprocessual às decisões judiciais emanadas dos tribunais

superiores, podendo, atém mesmo, em determinados casos, possuírem a eficácia vinculante.

Como dissemos, não obstante ser franca e constante, a evolução do sistema

processual brasileiro é gradual. Assim, neste momento, observamos que existe um

distanciamento, um descompasso, entre a eficácia extraprocessual conferida às decisões do

Supremo Tribunal Federal e às do Superior Tribunal de Justiça, valendo o mesmo para o

instituto da súmula, como visto. No entanto, acreditamos que tal distanciamento é

passageiro. Na medida em que ocorrer, com o passar do tempo, uma consolidação quanto à

aplicação da repercussão geral e da súmula vinculante, no âmbito do Supremo Tribunal

Federal, não restará outra alternativa viável ao processo brasileiro a não ser conferir a

mesma eficácia as decisões emanadas dos tribunais superiores, em especial ao Superior

Tribunal de Justiça.

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165

CAPÍTULO 6. DA SÚMULA VINCULANTE

6.1. Origem

Parece-nos que é estudando o direito português, mais precisamente o

instituto lá desenvolvido e denominado como “assentos”, que encontraremos as origens da

súmula em nosso ordenamento jurídico.

No início da monarquia portuguesa, a autêntica interpretação das leis era

uma prerrogativa exclusiva do monarca, que a exercia mediante a publicação de leis

interpretativas, ao presidir os julgamentos proferidos pela Casa de Suplicação. Com o

passar dos anos, contudo, ao que tudo indica, tendo em vista a multiplicidade de funções

administrativas atribuídas aos reis portugueses, D. Manuel conferiu ao tribunal superior do

reino competência para proferir a chamada interpretação autêntica, resguardando sua

competência para tal mister somente para alguns casos específicos. É de se notar que tais

julgamentos possuíam eficácia vinculante, possuindo, assim, valor normativo idêntico ao

das leis.175

Já o alvará de 10 de dezembro de 1518, que posteriormente foi adotado e

ampliado pelas Ordenações Filipinas, estabeleceu um procedimento para a interpretação da

lei com eficácia vinculante consubstanciado em quatro regras básicas: (i) diante de dúvida

quanto à aplicação de uma lei, a questão deveria ser submetida a alguns desembargadores

da Corte perante a “mesa grande”; (ii) persistindo a dúvida, mesmo diante aquele órgão, a

175

TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito, pág. 131.

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166

questão deveria ser submetida ao crivo do rei; (iii) em todo caso, a decisão era inserida em

um “livrinho” para evitar dúvidas futuras e por último; (iv) se algum juiz desobedecesse a

tal determinação seria suspenso até quando obtivesse remissão pela graça real.176

Assim, o tal “livrinho” passou a ser chamado de “Livro dos Assentos da

Relação”, pois as decisões nele inscritas foram denominadas de “assentos”.

Assim, os assentos da Casa de Lisboa geravam efeitos no Brasil quando

colônia e no início de nossa fase imperial, pois mesmo após a proclamação da

independência as ordenações filipinas continuaram a vigorar no Império do Brasil. Neste

contexto, mesmo diante do silêncio da Carta Imperial sobre os “assentos”, o Decreto

Legislativo 2.684/75 promoveu a expressa recepção dos mesmos ao ordenamento jurídico

pátrio imperial, conferindo-lhes força de lei e impondo ao então Supremo Tribunal de

Justiça levá-los na devida conta. Finalmente, o Decreto 6.142/76, regulamentou a edição de

assentos pelo mencionado Tribunal. Destarte, somente com a primeira Carta Republicana

de 1891 é que teve fim a aplicação dos assentos entre nós.177

Ainda segundo os ensinamentos de Rodolfo de Camargo Mancuso, a

averbação dos assentos no Livro das Relações possuía função dúplice, a saber: (i) a função

documental, para que a lembrança do julgado, como sendo a melhor interpretação a ser

conferida a determinado dispositivo das ordenações não fosse perdida; (ii) a função

operacional, viabilizando a pesquisa dos operadores do direito e a sua respectiva aplicação

176

TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito, pág. 134. 177

MANCUSO. Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante, pág. 199.

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167

para a solução de casos análogos.178

Não é demasiado afirmar que as funções dos assentos,

acima expostas, até hoje estão presentes em nosso direito sumular,

É digno de nota que a figura dos assentos perseverou no direito português

até recentemente, mais precisamente até o ano de 1995, quando o art. 2° do Código Civil

português, que o prescrevia, foi revogado pelo Decreto-Lei n°. 329-A/95. Já entre nós,

como visto, os assentos foram extirpados de nosso ordenamento jurídico com a primeira

Carta Republicana (1891), que previa outros mecanismos para a uniformização da

jurisprudência.

Contudo, tais mecanismos não surtiram os efeitos desejados e com o

desenrolar do Século XX a insegurança jurídica causada pelas díspares decisões judiciais,

aliada ao acúmulo de processos no Poder Judiciário, notadamente com a interposição de um

elevado número de recursos perante os tribunais, no mais das vezes tratando sobre questões

idênticas, ensejaram que o insigne processualista, Prof. Alfredo Buzaid, quando da

elaboração do anteprojeto do Código de Processo Civil de 1973, ainda em vigor,

novamente previsse os assentos obrigatórios, com força de lei, quando de decisão da

maioria absoluta dos membros do Supremo Tribunal Federal ou dos Tribunais de Justiça.

Porém, após veemente ataque por parte da doutrina, a referida proposta foi rejeitada pela

comissão revisora, que optou por estabelecer o incidente de uniformização de

jurisprudência tal como prescrito no art. 476 e seguintes do atual Código de Processo Civil

(1973). Esta decisão acabou por revelar-se uma solução tacanha, a meio caminho entre a

178

MANCUSO. Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante, pág. 202.

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168

força persuasiva e a força vinculativa, que efetivamente não solucionou os problemas acima

expostos.179

Como visto, a idéia dos assentos obrigatórios sempre foi rechaçada em

nosso ordenamento jurídico desde a primeira Carta Republicana. No entanto, em mil

novecentos e sessenta e três (1963), por meio de normas regimentais, foi criada a Súmula

da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal federal, com o escopo de atenuar a já

excessiva carga de trabalho da Corte Suprema. Assim, após a sua criação, relevante foi o

papel desempenhado por tal súmula como mecanismo auxiliador e agilizador do trabalho da

Corte. Tudo conforme o disposto em seu Regimento Interno, várias vezes alterado ao longo

dos anos.180

Após a criação da Súmula da Jurisprudência predominante do Supremo

Tribunal Federal, foi editada a Lei 5.010/66, onde o art. 63 autorizava ao então Tribunal

Federal de Recursos emitir súmula para a orientação da Justiça Federal de primeira

instância. No entanto, foi com a edição do atual Código de Processo Civil, em 1973, que o

instituo da súmula foi adotado junto aos demais tribunais da União e dos Estados da

Federação. Segundo o caput do art. 479 do Código de Processo Civil: o julgamento tomado

pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula

e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência.

179

MANCUSO. Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante, pág. 205. 180

Conforme lições de MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual. Nona Série, pág. 300.

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169

Como visto, a intenção do Professor Alfredo Buzaid, ao redigir o anteprojeto

do atual Código de Processo Civil, era conferir eficácia vinculante à súmula, no entanto,

como a sua idéia não foi aceita, a rigor, a única eficácia que inicialmente a súmula possuía

em nosso ordenamento jurídico era a persuasiva.

Contudo, valendo-se da existência das súmulas, algumas sucessivas

reformas legislativas processuais acabaram por aumentar sensivelmente a competência do

relator dos recursos para decidir sozinho sobre as questões de direito já sumuladas. Assim,

o art. 38, da Lei 8.038/90, lhe conferiu poderes para, no âmbito do Supremo Tribunal

Federal e do Superior Tribunal de Justiça, negar seguimento ao recurso contrário ao

entendimento sumulado pelo respectivo tribunal. Já a Lei 9.139/95, dando nova redação ao

art. 557 do Código de Processo Civil, estendeu a todos os tribunais a competência acima

descrita para o relator. Por seu turno, a Lei 9.756/98, alterando os artigos 544 e 557 do

Código de Processo civil, dentre outras medidas, conferiu competência ao relator para, em

alguns casos, monocraticamente, dar provimento ao recurso quando a decisão recorrida

estiver em manifesto confronto com Súmula ou jurisprudência dominante do Supremo

Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior (art. 544, § 1°-A).

Vê-se, portanto, que, após tais reformas, a súmula passou a servir como

fundamento para o relator tomar importantes decisões monocráticas, tornando mais célere o

trabalho dos tribunais. Assim, passa a súmula a possuir novo status dentro do ordenamento

jurídico brasileiro, na medida em que sua eficácia deixa, definitivamente, de ser meramente

persuasiva.

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170

Por outro lado, não obstante serem as súmulas desprovidas de eficácia

vinculadora, na prática, suas proposições exercem enorme influência nos julgamentos

realizados pelos mais diversos órgãos do Poder judiciário no Brasil, seja em primeiro ou

segundo grau de jurisdição.

Aliás, com o passar do tempo, observamos, cada vez com maior frequência,

que em muitos casos a fundamentação das decisões judiciais restringe-se à citação de uma

súmula ou de julgados dos tribunais, como se tal prática fosse suficiente para fazer cumprir

o disposto no inciso IX, do art. 93, da Constituição Federal. Ademais, lembre-se que a

referida prática forense é muito mais comum nos juízos de segunda do que de primeira

instância e geralmente é justificada pela sobrecarga de trabalho e pelas existências de

controvérsias repetitivas.

Acerca desta questão, trazemos a lume uma interessante reflexão de Alfredo

Augusto Becker:181

Outro fenômeno contemporâneo é o da

contração dos textos escritos e a substituição do Verbo por

um Sinal. Um exemplo: a Súmula do Supremo Tribunal

Federal substituiu as fundamentações doutrinárias.

Substituiu até mesmo a citação dos textos legais aplicáveis

ao caso. Por sua vez, o próprio texto da Súmula é substituído

por um Signo: a cifra numérica.

As afirmações acima descritas partem de pressupostos teóricos científicos

que não são abertamente tratados neste estudo e sua citação pode parecer um tanto quanto

181

BECKER. Alfredo Augusto. Carnaval Tributário, pág. 90.

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171

fora de contexto. Contudo, com ela gostaríamos de trazer a lume o pensamento do mestre

gaúcho no sentido de que a fundamentação de uma decisão judicial não pode se restringir a

mera citação de uma súmula, sob pena de se perder a cognição do efeito jurídico, mediante

a reflexão do raciocínio, restando tão somente o choque psíquico: sensação-ação.

Concluindo seu raciocínio, assim se manifesta Becker:182

Ora, quando para a apreensão (ou

transmissão) das idéias se elimina a fase intermediária da

reflexão pelo raciocínio e se utiliza o mecanismo psíquico da

ligação direta: sensação-ação, o indivíduo humano perde a

possibilidade de ajuizar sobre a qualidade sadia ou nociva

da conduta que lhe está sendo imposta (ou que ele pretende

impor a outros). Perde a oportunidade de aperfeiçoar o

instrumental jurídico e substituir o que se tornou obsoleto

(ou prejudicial) por novas regras jurídicas. Perde a

humanidade. Coisifica-se.

A preocupação exposta pelo saudoso jurista gaúcho é, aliás, o centro de toda

a discussão que envolve os instrumentos jurídicos que pretendem vincular uma decisão

judicial a outra, emanada de órgão jurídico superior, qual seja, o risco de engessamento do

pensamento jurídico. Trata-se da sempre presente inquietação que a imposição dos

precedentes causa na doutrina, em função do seu potencial inibir da mutabilidade do

pensamento jurídico, tendo em vista a constante evolução dos valores sociais. A

uniformização da jurisprudência é necessária para conferir segurança e isonomia ao sistema

jurídico, no entanto, tal sistemática não pode impedir a evolução do pensamento jurídico.

182

BECKER. Alfredo Augusto. Carnaval Tributário, pág. 94.

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172

Parece-nos que o grande desafio dos sistemas jurídicos da atualidade é encontrar o

equilíbrio entre estes dois relevantes argumentos.183

Seja como for, o tema da vinculariedade da súmula voltou à tona em mil

novecentos e noventa e três (1993), quando da Revisão Constitucional, na qual um projeto

de Emenda Constitucional encabeçado pelo então Deputado Federal Nelson Jobim, previa a

adoção de Súmula, com eficácia vinculadora, mediante decisão de três quintos dos

membros dos respectivos tribunais. No entanto, a tentativa de conferir eficácia vinculadora

à súmula fracassa novamente, principalmente em função de generalizados protestos da

comunidade jurídica brasileira, encabeçados pelas associações de classe dos magistrados,

que vislumbravam na súmula vinculadora um mecanismo a ferir gravemente a autonomia

do Poder Judiciário, uma verdadeira camisa de força.184

Dez anos depois, com a aprovação da Emenda Constitucional 45/04,

denominada “reforma do Poder Judiciário”, foi introduzido o art. 103-A na Constituição

Federal, prevendo, finalmente, a edição de súmula com eficácia vinculadora. No entanto,

tal eficácia circunscreve-se, única e exclusivamente, às súmulas editadas pelo Supremo

Tribunal Federal, como será adiante debatido.

183

Talvez este seja um dos maiores motivos a causar a aproximação dos sistemas jurídicos típicos da common

law e da civil law. 184

Tudo conforme STRECK. Lenio Luiz. Súmulas no Direito brasileiro, pág. 177 e seguintes.

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173

6.2. Da previsão constitucional

Como visto, nos últimos anos, diversas foram as alterações na legislação

processual brasileira no sentido de conferir maior eficácia aos precedentes, sempre com o

escopo de tornar a jornada processual mais curta e a prestação jurisdicional mais efetiva.

Assim, os mecanismos de uniformização da jurisprudência ganharam cada vez mais

importância, principalmente nas questões constitucionais. O controle direito e abstrato de

constitucionalidade dos atos normativos sempre gozou de eficácia erga omnes e força

vinculante.185

Contudo, o mesmo não se observa com o controle incidental e difuso, mesmo

diante do processo de objetivação por que passa o recurso extraordinário, aqui já

debatido.186

Assim, a Emenda constitucional de n°. 45/04, ao acrescentar a Constituição

Federal o art. 103-A, acabou por criar um novo mecanismo para conferir eficácia erga

omnes e força vinculadora as questões constitucionais decididas pelo Supremo Tribunal

Federal, principalmente pela via incidental e difusa.

Consoante dicção do dispositivo constitucional supracitado, o Supremo

Tribunal Federal, de ofício ou por provocação, depois de reiteradas decisões sobre um tema

constitucional, poderá, mediante aprovação de dois terços (2/3) dos seus membros, editar e

aprovar súmula que, após a sua publicação, terá força vinculante perante todos os demais

órgãos do Poder Judiciário e da administração pública direta e indireta, federal, estadual,

185

Mesmo antes da Emenda Constitucional de n. 45/04 a doutrina era praticamente unânime em afirmar a

força vinculante de tais julgados. Seja como for, a referida Emenda Constitucional foi explícita neste sentido,

para que não pairem mais dúvidas sobre a questão. 186

Vide item 4.4.

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174

distrital ou municipal, competindo à legislação infraconstitucional disciplinar sua

elaboração, revisão ou cancelamento.

Ademais, a elaboração de uma súmula vinculante pressupõe que a questão

por ela prescrita seja controvertida no âmbito do Poder Judiciário ou da administração

pública, acarretando, assim, insegurança jurídica e multiplicidade de processos com

idênticas questões (§1°, do art. 103-A da CF).

Por último, ressalte-se que qualquer ato administrativo ou decisão judicial

contrário à súmula vinculante poderá ser atacada por um remédio jurídico constitucional

próprio, a Reclamação, que será proposta diretamente junto ao Supremo Tribunal Federal

(§3°, do art. 103-A da CF).

Como bem demonstrado por Tárek Moysés Moussallem, a súmula

vinculante187

é um enunciado prescritivo com força ilocucionária de ordem normativa.

Aliás, enunciado prescritivo também em nível constitucional.188

Eis a grande inovação do

instituto em questão com relação às súmulas tradicionais, cujos enunciados possuíam

eficácia apenas persuasiva, como visto no item 4.5 deste estudo. O vocábulo vinculante

denota a força prescritiva dos enunciados que compõem a súmula vinculante, que,

inclusive, ultrapassa os limites do Poder judiciário alcançando, também, toda a

administração pública.

187

O Autor utiliza a expressão vinculadora, ao contrário de vinculante, uma vez que este último vocábulo não

foi por ele encontrado em diversos dicionários, todos mencionados no artigo citado. 188

MOUSSALLEM. Tárek Moysés. Função das súmulas e critérios para aferir sua validade, vigência e

aplicabilidade. In: III Congresso Nacional de Estudos Tributários “Interpretação e Estado de Direito”, pág.

863.

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175

As decisões do Supremo Tribunal Federal em sede de controle direto e

abstrato de constitucionalidade dos atos normativos possuem força vinculante e efeito erga

omnes. Contudo, o mesmo não ocorre com as decisões proferidas no controle incidental e

difuso, mesmo diante do processo de objetivação por que passa o recurso extraordinário

(item 4.4).189

Assim, após sucessivos julgamentos sobre uma questão constitucional pela

via incidental e difusa, poderá o Supremo Tribunal Federal editar uma súmula vinculante

conferindo ao entendimento pacificado pela via incidental força vinculante e efeito erga

omnes. Trata-se daquele processo de indução, tão conhecido na common law, o qual a partir

de uma norma individual e concreta se constrói uma geral e abstrata. Sobre o tema, assim se

posicionou André Ramos Tavares:190

Compreende-se, no presente estudo, que a

súmula vinculante seja – ou pretenda ser – uma espécie de

ponte de ligação entre decisões (especialmente de controle

de constitucionalidade ou interpretativas) proferidas numa

dimensão concreta e uma decisão (sumulada) proferida em

caráter geral (abstrato).

Neste sentido, ainda segundo o professor acima citado, entendido que a

súmula vinculante é uma forma de transposição do concreto para o abstrato-geral, não se

pode perder de vista que os detalhes, interesses e particularidades dos casos concretos

apreciados pela Corte serão perdidos, quando da criação de enunciados abstratos. Assim, a

189

Como visto no capítulo anterior, mesmo com o advento da repercussão geral, ainda não podemos afirmar

que as decisões proferidas pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso extraordinário com

repercussão geral, possuem força vinculante. 190

TAVARES. André Ramos. Nova lei da súmula vinculante, pág. 15.

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176

abstratividade é alcançada com a eliminação dos fatores concretos que deflagraram a

formulação da súmula vinculante.191

Não nos restam dúvidas de que tal transposição, realizada mediante a

enunciação de enunciados linguísticos, não é tarefa das mais fáceis e pode acarretar

inúmeras controvérsias. Dizemos isso, pois, como todo enunciado linguístico, os

enunciados-enunciados que compõem a súmula vinculante também são passíveis de

interpretação, que poderão ser díspares, principalmente na medida em que tais enunciados

se afastam das particularidades fáticas que ensejaram a sua edição. Neste sentido, estamos

com Tárek Moysés Moussallem ao afirmar que:192

Como todo enunciado prescritivo requer a

construção de sua significação para a posterior aplicação, a

súmula vinculante é novo enunciado no sistema de direito

positivo susceptível de interpretação. Se a súmula carece de

interpretação, certamente acarretará desencontros entre os

intérpretes.

Esta é uma questão bastante interessante. O conteúdo semântico da súmula

vinculante, na medida em que se afasta da concretude da situação fática que lhe deu origem

para buscar abstratividade, acaba se assemelhando em muito com o observado em um texto

de lei. Trata-se, em verdade, de enunciado linguístico que cria a estrutura que um fato deve

possuir para a ela subsumir-se. A única diferença essencial com um texto legal, diz respeito

ao fato de que a súmula vinculante é expedida pelo Poder judiciário, após uma série de

191

TAVARES. André Ramos. Nova lei da súmula vinculante, pág. 15. 192

MOUSSALLEM. Tárek Moysés. Função das súmulas e critérios para aferir sua validade, vigência e

aplicabilidade. In: III Congresso Nacional de Estudos Tributários “Interpretação e Estado de Direito”, pág.

863.

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177

decisões judiciais em um mesmo sentido. Neste contexto, verifica-se plenamente factível

que o texto de uma súmula vinculante pode despertar, no espírito do aplicador do direito,

inúmeras interpretações jurídicas possíveis e como a não observância de tais súmulas

vinculantes é passível de ataque via reclamação, a tendência é o aumento do número dessas

ações junto ao Supremo Tribunal Federal, como já vem ocorrendo.

Tais conclusões não passaram despercebidas por Tárek Moysés Moussallem,

in litteris:193

Toda vez que se ejeta novo enunciado

prescritivo no sistema aumenta a possibilidade de demandas.

Imagine-se agora que qualquer localidade do Brasil onde

houver decisão administrativa ou judicial cujos destinatários

entrevejam indícios de violação à súmula, tal sujeito poderá

provocar diretamente o Supremo Tribunal Federal via

reclamação (artigo 103-A, § 3°). A conseqüência disso é a

nociva multiplicação de processos no Supremo Tribunal

Federal.

Outra questão interessante, no que diz respeito à súmula vinculante, é o fato

dela também poder ser utilizada a partir de decisões em sede de controle direto e abstrato.

Como se observa na Súmula Vinculante n°. 02, onde o Supremo Tribunal Federal ampliou

a eficácia de decisões proferidas no âmbito do controle direto e abstrato. No caso, as

decisões do Supremo Tribunal Federal atingiam somente algumas legislações estaduais, já

com a Súmula Vinculante n°. 02 passaram a alcançar todos os Estados da Federação,

193

MOUSSALLEM. Tárek Moysés. Função das súmulas e critérios para aferir sua validade, vigência e

aplicabilidade. In: III Congresso Nacional de Estudos Tributários “Interpretação e Estado de Direito”, pág.

865.

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178

evitando-se, assim, a multiplicação de processos sobre a mesma questão, tendo como

diferencial o Estado da Federação onde foi produzida.194

6.3. Súmula vinculante e repercussão geral

No momento, achamos por oportuno cotejar a súmula vinculante com a

repercussão geral. Como visto, os dois institutos visam a conferir uma maior eficácia

extraprocessual às decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de recurso

extraordinário, ou seja, pela via incidental e difusa de controle de constitucionalidade dos

atos normativos. No caso da súmula vinculante, a partir de reiteradas decisões sobre uma

mesma situação fática, a Corte produz um enunciado prescritivo de caráter abstrato e geral,

uma vez que possui eficácia erga omnes e efeito vinculante. Já no caso da repercussão

geral, procura-se impor as decisões proferidas pelo supremo Tribunal Federal, em sede de

recurso extraordinário, aos tribunais a quo, promovendo, assim, a uniformização da

jurisprudência e evitando a subida de um grande número de causas que tem como objeto

uma questão jurídica já decidida e pacificada no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

É interessante notar que a eficácia da súmula vinculante alcança todos os

órgãos do Poder Judiciário e da administração pública direta e indireta, já o mesmo não

ocorre com as decisões tomadas à luz da repercussão geral, uma vez que tais decisões

geram efeitos extraprocessuais tão somente perante os tribunais a quo. Dizemos isso, pois

não encontramos qualquer dispositivo legal que obrigue um magistrado de primeira

194

Como bem anotado por TAVARES. André Ramos. Nova lei da súmula vinculante, pág. 16.

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179

instância a julgar em conformidade com uma decisão tomada pelo Supremo Tribunal

Federal, à luz da repercussão geral.

Seja como for, dado ao caráter cada vez mais objetivo que é conferido ao

recurso extraordinário, é muito provável que os juízes de primeira instância passem a

seguir, cada vez com mais frequência, o posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal

Federal em sede de controle incidental e difuso de constitucionalidade. Ademais, se assim

não se comportarem, estarão, em certa medida, apenas postergando o resultado do processo,

na medida em que os tribunais estão obrigados a decidir conforme o entendimento fixado

pelo Supremo Tribunal Federal, como visto.

Ademais, saliente-se que a nova sistemática processual imposta ao recurso

extraordinário, pela repercussão geral, é incompatível com um dos pressupostos da súmula

vinculadora, qual seja, a obrigatoriedade de que a súmula vinculadora só poder ser editada

após reiteradas decisões sobre matéria constitucional (caput, do art. 103-A da CF).

Dizemos isso, pois a sistemática imposta pela repercussão geral visa

justamente evitar a proliferação de recursos extraordinários que tratem do mesmo tema

constitucional. Atualmente, é comum o julgamento de questões já reiteradas vezes

decididas pela Corte, à luz da repercussão geral, somente para lhes conferir os efeitos

jurídicos que lhes são próprios. Por outro lado, quando uma nova e controvertida questão de

direito constitucional alcançar o Supremo Tribunal Federal, pela via incidental e difusa, já

não há mais espaço para reiteradas decisões sobre o tema, uma vez que após a deliberação

do Plenário da Corte sobre a questão, todos os demais processos deverão lhe seguir a

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mesma sorte e já não mais serão remetidos ao Supremo Tribunal Federal, ou serão nele

julgados monocraticamente, de acordo com o leading case.

Assim, resta demonstrado que a precípua função da repercussão geral é

justamente evitar que o Supremo Tribunal Federal tenha que proferir reiteradas decisões

sobre uma determinada matéria constitucional. O que se quer é a reunião do plenário para a

solução, em uma única oportunidade, de uma série de casos cujas controvertidas questões

jurídicas constitucionais sejam idênticas.

Aliás, já virou prática rotineira no Supremo Tribunal Federal a edição de

uma súmula vinculadora após o julgamento, pelo plenário, de um recurso extraordinário à

luz da repercussão geral.

Neste momento, é importante frisarmos que não deve existir contradição

entre o conteúdo de uma súmula vinculante e conteúdo da decisão de plenário tomada em

sede de recurso extraordinário com repercussão geral que lhe confere fundamento de

validade, pois, se assim for, teremos um foco potencial de insegurança jurídica, como

veremos oportunamente no capítulo seguinte ao analisarmos a Súmula Vinculante n°. 8,

que trata dos prazos de decadência e prescrição das contribuições previdenciárias.

Outra questão de vital importância é saber se o Supremo Tribunal Federal

pode ir além do decidido em sede de recurso extraordinário, ou deve se restringir ao

conteúdo da decisão proferida pela via incidental e difusa. Tal pergunta se impõe uma vez

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181

que a edição da súmula vinculante tem como fundamento de validade uma decisão prévia,

geralmente tomada em sede de recurso extraordinário.

Levando-se em consideração a postura adotada pelo Supremo Tribunal

Federal, desde a entrada em vigor da súmula vinculante, não nos restam dúvidas de que a

Corte não hesitará em conferir delineamentos mais amplos ao conteúdo das súmulas

vinculantes do que aqueles proferidos nas decisões que conferem fundamento de validade

para a sua edição. Em outras palavras, verifica-se que a tendência do Supremo Tribunal

Federal, ao elaborar uma súmula vinculante, é criar hipóteses que sejam capazes de

disciplinar situações fáticas ou de direito muito mais amplas do que aquelas situações

julgadas pela Corte e que fundamentaram a edição da súmula vinculante, sempre que o

Supremo Tribunal Federal entender ser esta a solução mais eficaz para espancar, de uma

vez por todas, quaisquer dúvidas de interpretação que possam surgir em função dos temas

por ela decididos.

É o que se verifica na edição da Súmula Vinculadora n°. 23, ao prescrever

que a competência para o julgamento das ações possessórias, ajuizadas em decorrência do

exercício do direito de greve, pelos trabalhadores da iniciativa privada, é da Justiça do

Trabalho. O precedente da Corte diz respeito ao interdito proibitório (RE 579.648-5),

porém, o Supremo Tribunal Federal pretendeu conferir maior abstração à hipótese da

súmula vinculadora e a estendeu para todas as ações possessórias envolvendo o exercício

de greve dos trabalhadores da iniciativa privada. E, ao nosso sentir agiu bem, pois com tal

verbete eliminou a possibilidade da mesma questão vir a ser novamente discutida na Corte,

mas agora sob o título de reintegração de posse, por exemplo.

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182

Se por um lado tal postura é louvável, na medida em que evita que a matéria

volte a ser discutida em casos análogos, que, apesar de não serem idênticos, são albergados

pela essência da decisão que confere fundamento de validade à súmula vinculante, não

podemos nos esquecer, também, que este agir em muito se assemelha, para não empregar o

vocábulo identidade, à atividade legislativa. Na medida em que o Supremo Tribunal

Federal se afasta da concretude do fato que enseja a súmula vinculante sua atividade torna-

se cada vez mais similar àquela desenvolvida pelo Poder Legislativo, na medida em que

não há decisão judicial anterior no mesmo sentido daquele prescrito pela súmula

vinculante.

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183

CAPÍTULO 7. ANÁLISE DE ALGUNS CASOS PRÁTICOS EM MATÉRIA DE

DIREITO TRIBUTÁRIO

7.1. Ainda a controvertida questão das normas gerais em matéria tributária e a

exigência quanto a sua veiculação por lei complementar

A Constituição Federal, ao disciplinar o processo legislativo brasileiro,

diferencia as leis complementares das leis ordinárias sob dois aspectos: (i) o formal, na

medida em que exige os votos da maioria (absoluta) dos membros da Casa Legislativa para

aprovação das leis complementares e somente os votos da maioria (simples) dos presentes à

sessão legislativa para aprovação das leis ordinárias; e (ii) o material, pois a Constituição

Federal determina que algumas matérias, necessariamente, devam ser tratadas em sede de

lei complementar. Dentre estas matérias encontramos as normas gerais em matéria de

direito tributário (art. 146 da CF).

Sob a égide da Constituição de 1946, ainda não havia qualquer distinção

entre os diplomas legais em apreço. Assim, apenas se cogitava falar de lei complementar

em sentido amplo, uma vez que, na exata e precisa lição de José Afonso da Silva, sempre

que uma norma constitucional de eficácia limitada exigir, para sua aplicação, outra lei, esta

pode ser considerada complementar, porque integra, completa, a eficácia daquela.195

Porém, se assim for, segundo Victor Nunes Leal, todas as leis, em certa medida, são

195

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, pág. 235.

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184

complementares à Constituição, pois basicamente possuem a função de complementar os

princípios enunciados pela Constituição.196

Seja como for, a Emenda Constitucional nº. 04, de 2 de setembro de 1961,

denominada de Ato Adicional, ao instituir o sistema Parlamentar de Governo, previa, em

seu art. 22, que a complementação do novo sistema de governo deveria seria feita por meio

de lei cuja aprovação dependeria dos votos da maioria absoluta dos membros das duas

Casas do Congresso. Contudo, o referido Ato Adicional não denominou tal lei como

complementar. Em verdade, a figura da lei complementar foi criada pela Emenda

Constitucional nº. 18/65, mas sem nenhuma distinção formal com relação às leis ordinárias.

Já com a Constituição de 1967, no que foi seguida pela Constituição de 1988, a lei

complementar ganha sua atual estrutura e se diferencia da lei ordinária sob o aspecto

material e formal, como acima exposto.197

Este é um tema bastante rotineiro em matéria tributária, na medida em que,

desde a Constituição de 1967, a lei complementar é o instrumento hábil para inserir normas

gerais em matéria de direito tributário em nosso ordenamento jurídico. A dimensão

semântica pragmática desta atribuição, constitucionalmente entregue às leis

complementares, acarretou acirradas discussões acadêmicas, fazendo com que duas

correntes doutrinárias distintas fossem construídas.

196

LEAL, Victor Nunes. Leis complementares da Constituição. Revista de Direito Administrativo nº. 7, pág.

381 197

Tudo conforme. ESTEVES. Maria do Rosário. Normas gerais de Direito Tributário, pág. 76.

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185

De se ver que a problemática interpretativa em questão é presente desde a

superada Constituição de 1967, onde restava prescrito, no art. 18, §1°, que:

Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito

tributário, disporá sobre conflitos de competência nessa

matéria entre União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios e regulará as limitações constitucionais ao poder

de tributar.

Assim, interpretando o dispositivo constitucional acima citado e não se

preocupando em demasia com a sua literalidade, mas sim, antes de tudo, prestigiando as

grandes diretrizes do sistema, principalmente o pacto federativo e autonomia dos

Municípios, assim se pronuncia o professor Paulo de Barros Carvalho:

A lei complementar do art. 18, § 1°, da

Constituição anterior, tinha uma única finalidade: veicular

normas gerais de direito tributário. Estas, por seu turno,

exerciam, duas funções: dispor sobre conflitos de

competência entre as entidades tributantes e regular as

limitações constitucionais ao poder de tributar.198

A contrário senso, ainda à luz da constituição de 1967, emergiu outra

corrente doutrinária, mais apegada à interpretação literal da Constituição, afirmando

que as normas gerais em matéria tributária possuíam três diferentes funções: (i) emitir

normas gerais de direito tributário; (ii) dispor sobre conflitos de competência

tributária entre os entes tributantes; (iii) regular as limitações constitucionais ao poder

de tributar.

198

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, pág. 196.

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186

Pronto, estava estabelecida a divergência. Uns conferindo campo mais

restrito às normas gerais em matéria tributária prestigiando o pacto federativo e a

autonomia dos Municípios (corrente dicotômica) e outros pregando um papel mais

amplo às referidas normas gerais com fundamento em uma interpretação literal do

texto constitucional de 1967 (corrente tricotômica).

Esta, contudo, é uma questão histórica, na medida em que o tema, na

atualidade, deve ser analisado à luz da Constituição Federal de 1998, que tratou da

matéria no art. 146, com a seguinte redação:

Art. 146 Cabe à lei complementar:

I – dispor sobre conflitos de competência, em

matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios;

II – regular as limitações constitucionais ao

poder de tributar;

III – estabelecer normas gerais em matéria de

legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies,

bem como em relação aos impostos discriminados nesta

Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de

cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito,

prescrição e decadência tributários;

c) adequado tratamento tributário ao ato

cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas;

d) definição de tratamento diferenciado e

favorecido para as microempresas e para as empresas de

pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados

no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições

previstas no art. 195, I e § 12 e 13, e da contribuição a que

se refere o art. 239.

Parágrafo único. A lei complementar de que

trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único

de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observando

que: ....

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187

Mesmo com a atual dicção da Constituição Federal, que, inequivocamente,

prestigia a “corrente tricotômica”,199

o professor Paulo de Barros Carvalho ainda mantém o

seu posicionamento, como, aliás, também o faz, de forma geral, os doutrinadores

pertencentes à “corrente dicotômica”. Em síntese, o referido autor enuncia que as normas

gerais em matéria de direito tributário são aquelas que dispõem sobre conflitos de

competência entre os entes tributantes e regulam as limitações constitucionais ao poder de

tributar.200

E com relação ao inciso III, do art. 146 da Constituição Federal, assim se

manifesta: 201

Vejamos. Pode o legislador complementar,

invocando a disposição do art. 146, III, “a”, definir um

tributo e suas espécies? Sim, desde que seja para dispor

sobre conflitos de competência. Ser-lhe-á possível mexer no

fato gerador, na base de cálculo e nos contribuintes de

determinado imposto? Novamente sim, no pressuposto que o

faça para dispor sobre conflitos. E quanto à obrigação,

lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários?

Igualmente, na condição de satisfazer àquela finalidade

primordial.

Assim, resta demonstrado que, para a chamada “corrente dicotômica”, o

prestígio conferido ao pacto federativo e a autonomia dos Municípios é incompatível à

interpretação literal do inciso III, do art. 146, da Constituição Federal, logo, confere às

normas gerais em matéria de direito tributário campo de atuação restrito, como visto.

199

Como reconhecido por CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, pág. 200. 200

Idem, pág. 208. 201

Ibidem, pág. 209.

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Seja como for, uma nova geração de doutrinadores, ao interpretarem a atual

Constituição Federal, não vislumbram nas idéias propagadas pela “corrente tricotômica”

uma ofensa ao pacto federativo, como pode ser visto na obra de Eurico Marcos Diniz de

Santi, in litteris:

Note-se que, com esse sentido, a expressão

cunhada por ALIOMAR BALEEIRO, de que derivou a

expressão normas gerais em matéria de legislação tributária,

não arranha o pacto federativo, como querem aqueles que

levam em consideração apenas os incisos I e II do art. 146.

Pelo contrário, funcionam como expediente demarcador

deste pacto, posto que, com sua generalidade, além de

uniformizar a legislação, evitando eventuais conflitos

interpretativos entre as pessoas políticas, garante o

postulado da isonomia, entre União, Estado, Distrito Federal

e Municípios.202

Não restam dúvidas, de que, esta nova postura doutrinária é fortemente

influenciada pelas idéias do professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior, para quem, a estrutura

administrativa fechada brasileira, típica da Europa continental, favorece a função certeza,

exigindo, assim, homogeneidade e centralização do sistema tributário brasileiro, que só

pode ser alcançado através das normas gerais padronizadoras da tributação da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.203

Como visto, o legislador constituinte conferiu maior prestígio à “corrente

tricotômica” e como demonstraremos a seguir a jurisprudência também seguiu o mesmo

caminho, na medida em que àquela função certeza, alcançada pela padronização da

202

SANTI, Eurico Diniz de. Decadência e Prescrição no Direito Tributário, pág. 88. 203

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Segurança jurídica e normas gerais tributárias. Revista de Direito

Tributário, n° 17/18, pág. 50 e seguintes.

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tributação, via centralização das normas gerais tributárias, a que se referia o professor

Tércio Sampaio Ferraz júnior, ganhou grande prestígio em um país com mais de vinte

Estados e cinco mil Municípios.

Seja como for, com maior ou menor campo de atuação, jamais se cogitou na

possibilidade de uma norma geral ter competência para instituir um tributo, ainda mais de

competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. Porém, ao que tudo

indica, após a consagração jurisprudencial da “corrente tricotômica”, o legislador

constituinte derivado não perdeu tempo em ampliar a ainda mais a competência das

referidas normas gerais ao acrescentar a alínea “d”, ao inciso III, do art. 146 e o parágrafo

único ao mesmo dispositivo constitucional. Dizemos isso, pois, com a Emenda

Constitucional n°. 42/03, as referidas normas gerais passaram a possuir duas novas

funções, quais sejam: (i) a definição do conceito de empresas de micro e pequeno porte e

(ii) o estabelecimento de um regime único de tributação para tais empresas,204

inclusive

disciplinando tributos de competência dos Estados (ICMS) e dos Municípios (ISS).205

Antes da Emenda Constitucional n°. 42/03 os entes tributantes possuíam

autonomia para criar, cada qual, um diferente conceito de empresas de micro e pequeno

porte. Assim, inúmeros conceitos de empresa de micro e pequeno porte foram criados

Brasil afora e serviram para disciplinar a tributação de tais empresas no âmbito da

competência tributária da respectiva pessoa política legiferante. Porém, com a entrada em

204

O SIMPLES NACIONAL ou SUPERSIMPLES, como ficou conhecida a sistemática de tributação

imposta pela Lei Complementar 126/07. 205

GUERREIRO, Mariana de Loiola. Empresas de micro e pequeno porte: regime constitucional e tributário,

pág. 186.

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vigor da referida Emenda Constitucional, tal competência passou a ser das normas gerais,

consoante a linha de raciocínio centralizadora e padronizadora acima exposta.

No entanto, a Emenda Constitucional n° 42/03 foi mais longe, na medida em

que confere competência às normas gerais tributárias para a instituição de um sistema único

de arrecadação tributária, em face das empresas de micro e pequeno porte, que poderá,

inclusive, alcançar os referidos impostos (ICMS e ISS) de competência dos Estados,

Distrito Federal e Municípios.

Neste contexto, é perceptível que o rígido campo da repartição das

competências tributárias, tradicionalmente delineada pela Constituição, foi alterado.

Primeiro porque, conforme dispõe o art. 3° da Emenda Constitucional 42/03, que

acrescentou o art. 94 ao Ato das Disposições constitucionais Provisórias:

Os regimes especiais de tributação para

microempresas e empresas de pequeno porte da União, dos

Estados do Distrito Federal e dos Municípios cessarão a

partir da entrada em vigor do regime previsto no art. 146,

III, “d” da Constituição.

Ademais, nos aprece que a competência tributária para a instituição do

IMCS e do ISS pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, sobre as empresas de micro e

pequeno porte, ficou bastante prejudicada, para não dizer aniquilada, pois a lei

Complementar 126/07 ainda pressupõe uma pequena atividade legislativa de tais pessoas

políticas sobre a tributação das empresas em questão.

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Em todo caso, também não nos restam dúvidas de que, sob a égide da nova

sistemática tributária adotada para as empresas de micro e pequeno porte, o Brasil se

comporta muito mais como um Estado Unitário, descentralizado administrativamente, do

que como um Estado Federal. É claro que o tema merece reflexões mais profundas, que não

compõem o escopo do presente trabalho. No entanto, a assertiva acima exposta nos faz

lembrar as lições do Professor Paulo de Barros Carvalho, que, ao defender um campo mais

restrito para a atuação das normas gerais tributárias o fazia em defesa do pacto federativo e

da autonomia dos Municípios, princípios estes bastante mitigados, para, repetimos, não

dizer aniquilados, pela nova sistemática de tributação imposta pela Emenda Constitucional

42/03, conjuntamente pela Lei Complementar 126/07, para as empresas de micro e

pequeno porte.

Retornando ao rumo de nossa jornada, do ponto de vista sintático, a

controvertida questão das normas gerais tributárias também chamou a atenção dos

tributaristas para o estudo das leis complementares, já que se tornaram o veículo introdutor

das normas gerais tributárias. E o fizeram com afinco, com o escopo de elucidar a sua

natureza jurídica, determinando, assim, a sua verdadeira posição hierárquica dentro do

ordenamento jurídico.

Quando da entrada em vigor da Constituição de 1967, a doutrina

constitucional brasileira se apressou em concluir pela superioridade hierárquica da lei

complementar, em face da lei ordinária, tendo em vista o quórum qualificado imposto para

a aprovação daquela primeira espécie legislativa. Contudo, com o passar do tempo, este

ponto de vista não se sustentou, principalmente em função de alguns estudos que foram

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realizados, principalmente, por eminentes tributaristas, como bem demonstrado por José

Afonso da Silva:

Na 1ª edição desta monografia dissemos, sem

maior distinção, que “as leis ordinárias são inferiores às leis

complementares, pelo quê têm que respeitá-las”. Após a

publicação do texto surgiram importantes trabalhos sobre as

leis complementares da Constituição, cabendo destacar as

monografias de Geraldo Ataliba e de Souto Maior Borges.

Alguns desses trabalhos procuraram refutar a tese da

relação hierárquica entre lei complementar e lei ordinária,

afirmando que antes se trataria de relação de competência

ratione materiae. Poder-se-ia, então, dizer que a questão é

de reserva legal qualificada, na medida em que certas

matérias são reservadas pela Constituição à lei

complementar, vedada, assim, sua regulamentação por lei

ordinária.206

A transcrição foi longa, mas deveras importante, na medida em que

demonstra a evolução do pensamento doutrinário, que, sem sombra de dúvidas irá refletir

no processo de positivação do direito positivo, como demonstrado no primeiro capítulo

deste trabalho.

É cediço que uma lei ordinária não pode tratar de matérias

constitucionalmente reservadas à lei complementar, mas nada obsta que este último

diploma legal trate de matérias que não lhe foram reservadas. Ou seja, é lícito as leis

complementares tratarem de qualquer assunto passível de disciplina pelas leis ordinárias.

Assim sendo, indaga-se: caso a lei complementar trate de uma matéria que não lhe foi

constitucionalmente reservada, ela poderá ser revogada por uma lei ordinária? Em outros

206

SILVA. José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, pág. 246.

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termos: a lei ordinária está apta a revogar uma lei complementar que não trata de matéria a

ela reservada?

A consagração da superioridade hierárquica da lei complementar, sobre a lei

ordinária, nos leva a uma resposta negativa. Contudo, como visto, não foi neste sentido que

evoluiu o pensamento doutrinário, segundo Geraldo Ataliba:

... a lei complementar, fora de seu campo

específico – que é aquêle expressamente estabelecido pelo

constituinte – nada mais é que lei ordinária. A natureza das

normas jurídicas – em sistema positivos como o nosso, objeto

de quase exaustivo tratamento constitucional – é dada

conjuntamente pela forma (no caso, de elaboração) e pelo

conteúdo. Êste sem aquela não configura a entidade, da

mesma maneira que aquela sem êste. Só há lei complementar

válida e eficaz, quando concorrem os dois elementos citados

para configurá-la.207

Na insigne lição de Geraldo Ataliba, resta demonstrado que só há lei

complementar, àquela constitucionalmente delineada, quando presentes os dois aspectos

constitucionais que lhe são peculiares, quais sejam: o formal e o material. Sem o aspecto

material, a lei complementar não se subsume a hipótese delineada na Constituição Federal,

sendo, portanto, lei complementar apenas em sentido formal, ou seja, trata-se de uma figura

distinta daquela outra, prescrita pela Constituição e, por isso mesmo, é passível de

revogação por lei ordinária. Tais conclusões são importantes na medida em que

demonstram que a lei complementar não é necessariamente superior à lei ordinária.

207

ATALIBA, Geraldo. Lei complementar na Constituição, pág. 36.

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Ademais, não podemos confundir a lei complementar, instrumento

introdutor de normas (enunciação-enunciada), com as normas por ela introduzidas no

sistema (enunciado-enunciado).208

Assim, é cediço que algumas normas jurídicas,

introduzidas por lei complementar, são superiores a outras normas jurídicas introduzidas

por lei ordinária. Mas tal distinção hierárquica não decorre do instrumento introdutor de

normas, mas sim da própria natureza jurídica da norma introduzida, como bem

demonstrado por José Souto Maior Borges, que, à luz da Constituição de 1967, classifica as

normas introduzidas por lei complementar em dois grupos:209

1º grupo:

Leis complementares que fundamentam a

validade de atos normativos (leis ordinárias, decretos

legislativos e convênios).

...

Art. 18 – (omissis).

§ 1º - Lei complementar estabelecerá normas

gerais de direito tributário, disporá sobre os conflitos de

competência nessa matéria entre a União, os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios e regulará as limitações

constitucionais ao poder de tributar.

Ato normativo cuja validade depende de lei

complementar: leis ordinárias federal (arts. 18, §5º, 21 e 22),

estadual (art. 23) e municipal (art. 24).

...

2º grupo:

Leis complementares que não fundamentam a

validade de outros atos normativos.210

208

A rigor, para guardar coerência com as premissas traçadas no primeiro capítulo deste estudo, não podemos

falar em normas introduzidas pelos textos legais até a sua aplicação, mas sim, em um conjunto de normas

possíveis de serem construídas a partir da interpretação/aplicação dos textos legais. 209

O Catedrático em Direito Tributário pela Faculdade de Direito do Recife não faz menção expressa às

normas introduzidas por lei complementar, limitando-se a classificar as leis complementares quanto a sua

hierarquia. 210

BORGES. José Souto Maior. Lei complementar tributária, pág. 87, 88 e 89.

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195

Em outras palavras, se a norma jurídica introduzida pela lei complementar

conferir fundamento de validade para a produção de outra norma geral e abstrata, então

aquela será hierarquicamente superior a esta, caso contrário não.

Esta questão também é relevante, à luz da atual Constituição federal, na

medida em que guarda estrita relação com a medida provisória, que não pode tratar de

matérias reservadas à lei complementar. Assim, levando-se em consideração os

ensinamentos acima expostos, é perfeitamente possível que uma medida provisória venha a

suspender a eficácia de uma lei complementar, desde que este último diploma legal trate de

matéria que não lhe seja reservada pela Constituição Federal.

Por outro lado, observamos que o professor Hugo de Brito Machado possui

pensamento diametralmente oposto. Clamando por segurança jurídica, afirma o Catedrático

em Direito Tributário pela Universidade Federal do Ceará que a rigorosa delimitação das

matérias reservadas à lei complementar não é tarefa das mais fáceis e que, por isso mesmo,

pode causar sérias discussões jurídicas. Assim, preconiza a superioridade da lei

complementar frente à lei ordinária. No seu sentir, uma vez que determinada matéria foi

tratada em sede de lei complementar, somente outro texto legal do mesmo quilate é

instrumento hábil para revogá-lo. Coerentemente, afirma o autor, ainda, que as medidas

provisórias, além de não poderem tratar de matérias reservadas à lei complementar,

também, não podem tratar de matérias já disciplinadas por lei complementar.211

211

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, pág. 107 e 112.

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196

Caso aceitemos a proposta acima formulada pelo professor Hugo de Brito

Machado, seremos forçados a concluir que o Congresso Nacional possui poderes para

restringir a disciplina de uma determinada matéria à lei complementar e,

consequentemente, impedir que tal matéria seja tratada por medida provisória. Esta,

todavia, não nos parece ser a melhor solução interpretativa para o caso em tela, na medida

em que, para nós, claro está que a competência para restringir a disciplina de uma

determinada matéria à lei complementar foi entregue à Constituição Federal e não ao

Congresso Nacional. Nesta linha de raciocínio, para que o nosso discurso seja coerente, o

referido órgão do Poder Legislativo também não pode impedir que uma matéria seja tratada

por medida provisória, em função de já tê-la sobre ela debruçado em sede de lei

complementar.

Esta é uma questão emblemática e corrobora com as premissas

metodológicas desenvolvidas no primeiro capítulo deste trabalho. Se não, vejamos, os

dispositivos constitucionais que criaram a lei complementar e determinaram que este

instrumento normativo é o único apto a introduzir normas gerais em matéria de direito

tributário em nosso sistema jurídico, pertencem ao sistema do direito positivo. Contudo, e

como não poderia deixar de ser, tais enunciados prescritivos foram analisados,

interpretados e sistematizados pela doutrina, que sobre eles emitiu uma série de enunciados

descritivos. É cediço que o discurso científico deve ser coerente, evitando-se, assim,

antagonismos, porém, na medida em que diversos são os cientistas e múltiplas as correntes

doutrinárias preconizadas por tais cientistas, observamos o surgimento de discursos

científicos contraditórios entre si. Assim, como visto, a posição doutrinária preconizada por

Geraldo Ataliba e José Souto Maior Borges é incompatível com o entendimento firmado

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197

por Hugo de Brito Machado. Paralelamente à discussão doutrinária, o ciclo de positivação

do direito segue seu curso e diversos dispositivos legais infraconstitucionais vão sendo

introduzidos no ordenamento jurídico com fundamento de validade nas normas

constitucionais em comento. Neste momento, já podemos falar em norma jurídica

constitucional, pois a sua aplicação pressupõe interpretação e construção de sentido do

texto constitucional. Nesta medida, os novos enunciados prescritivos introduzidos no

ordenamento podem ser considerados inconstitucionais, caso os dispositivos constitucionais

que lhe conferem fundamento de validade sejam interpretados à luz de uma determinada

corrente doutrinária. Por outro lado, a compatibilidade constitucional de tais enunciados é

perfeitamente verificável à luz da corrente doutrinária antagônica.

Tudo é uma questão de interpretação. O texto constitucional é único, porém,

produz múltiplas interpretações antagônicas, realizadas por inúmeros cientistas e por

inúmeros aplicadores do direito no ciclo de positivação. De se ver que a interpretação da

Constituição é construída tanto pela linguagem prescritiva do direito positivo, quanto pela

linguagem descritiva da Dogmática Jurídica.

É exatamente neste contexto que emergem os principais litígios em matéria

de direito tributário. Na medida em que um determinado tributo pode ser tido como

inconstitucional, à luz de uma corrente doutrinária específica, é facultado ao contribuinte

acionar o Poder Judiciário, requerendo a tutela jurisdicional do Estado, para que o mesmo

prescreva a referida inconstitucionalidade e afaste do postulante a possibilidade de sofrer as

consequências da incidência tributária. Neste momento, a Fazenda Pública é chamada em

juízo para se defender e fatalmente fará uso da posição doutrinária antagônica, caso exista,

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se não, produzirá um entendimento para afirmar a constitucionalidade do tributo. É a sua

tarefa, defender os interesses arrecadatórios do ente tributante.

Uma vez estabelecida a relação jurídica conflituosa, é obrigação do Poder

Judiciário resolvê-la. Para tanto, deverá, dentre as teses jurídicas que lhe são apresentadas,

acolher apenas uma delas, que será tida como “vitoriosa”. Trata-se da interpretação que, aos

olhos do Magistrado responsável pela solução da lide, é a mais acertada. Neste momento a

função persuasiva dos argumentos jurídicos formulados pela doutrina é imprescindível.

No entanto, inúmeros são os órgãos do Poder Judiciário, logo, alguns podem

escolher por uma solução e outros por outras. Neste momento entra o fundamental papel de

nossas cortes superiores, notadamente do Supremo Tribunal Federal, em determinar qual é

a interpretação constitucional que deverá prevalecer e impô-la aos demais órgãos do Poder

Judiciário e da administração pública.

Por outro lado, é sempre bom lembrarmos que os enunciados prescritivos do

direito positivo não podem calar a doutrina. Logo, mesmo tendo uma determinada corrente

doutrinária prevalecido no órgão de cúpula do Poder judiciário, nada obsta que os

defensores da posição contrária continuem a fazê-lo, através de seus estudos.

Neste contexto alguns casos práticos merecem nossa especial atenção e serão

analisados a seguir.

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7.1.1. Da edição da Súmula Vinculante n°. 8 e do julgamento dos recursos

extraordinários que lhe deram origem

No dia onze de junho de dois mil e oito (11/06/08), o plenário do Supremo

Tribunal Federal, após reconhecer a presença da repercussão geral sobre a matéria em

questão, se reuniu para julgar, conjuntamente, os Recursos Extraordinários de nº. 560.626,

556.664, 559882 e 559.943. Os referidos recursos extraordinários foram interpostos pela

União, em face de julgamentos proferidos em sede de recurso apelação, realizados pelo

Tribunal Federal da 4ª Região, onde foi reconhecida a inconstitucionalidade dos art. 45 e 46

da Lei 8.212/91 e do parágrafo único, do art. 5º, do Decreto Lei 1.569/77.

O caput do art. 45, da Lei 8.212./91, prescrevia que o prazo (decadencial)

para a constituição dos créditos tributários das contribuições para a seguridade social

expirava em dez (10) anos. Já o caput do art. 46, do mesmo diploma legal, impunha prazo

(prescricional) de dez (10) anos para a cobrança dos referidos créditos tributários. Já o

parágrafo único, do art. 5º, do Decreto Lei 1.569/77, prescreve uma causa suspensiva do

curso do prazo prescricional para os créditos tributários. Dizemos que o dispositivo do

Decreto Lei prescreve e os da Lei 8.212./91 prescreviam, pois estes últimos foram

revogados pelo art. 13, inciso I, alínea “a”, da Lei Complementar 128/08.212

Na origem, os referidos dispositivos legais foram considerados

inconstitucionais, uma vez que restou reconhecida a invasão de área (matéria) reservada à

212

A revogação de um dispositivo legal, após o mesmo ter sido objeto de declaração de inconstitucionalidade

por súmula vinculante, pode ser objeto de futuras reflexões. Quais seriam os efeitos jurídicos de tal

revogação?

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200

lei complementar, uma vez que o art. 146, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal,

determina que tanto a prescrição quanto a decadência, em matéria de Direito Tributário, são

temas reservados à lei complementar.

Como bem demonstrado pelo Ministro Gilmar Mendes, relator de três dos

quatros recursos extraordinários em julgamento, diversos foram os argumentos

colacionados pela Fazenda Pública, nas razões dos referidos recursos extraordinários,

sustentando a constitucionalidade dos dispositivos legais em questão. Dentre eles, podemos

citar: (i) que os referidos preceitos legais não se qualificam como normas gerais de direito

tributário, mas sim como normas de cunho específico e que por isso mesmo não são

sujeitas à edição, ou alteração, pela via da lei complementar; (ii) que a exata extensão do

termo normas gerais em matéria de Direito Tributário ainda não foi bem definido pela

doutrina; (iii) que consoante as lições de Humberto Teodoro Júnior, as causas interruptivas

do prazo prescricional, tendo um processo em curso, são de natureza processual e não de

direito material tributário; (iv) que não há hierarquia entre lei complementar e ordinária; (v)

que o Código Tributário Nacional prevê a possibilidade de lei conferir prazo superior a

cinco (5) anos para homologação do crédito tributário (art. 150, § 4º do CTN); e, por

último, (v) que consoante as lições doutrinárias de Roque Antonio Carrazza, a

determinação tanto dos prazos decadências, quanto prescricionais, não está albergada pelo

conceito de normas gerais em direito tributário.213

213

Tudo conforme o relatório do recurso extraordinário 560.626/RS, publicado no DJ em 05/12/08, página

868 e seguintes. Também disponível no site do Supremo Tribunal Federal na internet:

HTTP://www.stf.jus.br/portal/inteiroteor/obterInteiroTeor.asp?numero=560626&classe=RE.

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201

Neste momento, é bom esclarecermos o posicionamento firmado pelo

professor Roque Antonio Carrazza, para que sobre ele não pairem dúvidas. Segundo o

autor, tanto a prescrição quanto a decadência tributárias devem ser disciplinadas por meio

das normas gerais de direito tributário e, consequentemente, pela lei complementar.

Contudo, a alínea “b”, do inciso III, do art. 146, da Constituição Federal, deve se coadunar

com o princípio federativo, da autonomia municipal e da autonomia distrital. Assim,

entende que as normas gerais não podem tudo e devem se restringir a apontar diretrizes e

regras gerais, tais como estabelecer as causas extintivas do crédito tributário, determinar o

dies a quo destes fenômenos e estabelecer as causas impeditivas, suspensivas e

interruptivas da prescrição tributária, conforme as particularidades do direito tributário. No

entanto, não podem as normas gerais adentrar aos assuntos de peculiar interesse das pessoas

políticas, como o são o estabelecimento dos prazos prescricionais e decadências em matéria

de direito tributário, que, segundo ele, não se encontram sob a reserva legal da lei

complementar.214

O Tribunal Pleno julgou improcedentes os recursos extraordinários em

apreço. Confirmando, assim, as decisões de inconstitucionalidade dos dispositivos legais

em comento, anteriormente proferidas pelo Tribunal Federal da 4ª Região. Contudo,

algumas questões relacionadas a este julgamento são bastante interessantes e merecem

nossa análise.

Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes, para rebater os argumentos

colacionados pela Fazenda Pública, com fundamento na doutrina lecionada pelo professor

214

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito constitucional Tributário, pág. 793 e 794.

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202

Roque Antonio Carrazza, traz à lume as lições da professora Mizabel Derzi, em suas

anotações a obra de Aliomar Baleeiro (Direito Tributário Brasileiro), como se necessário

fosse a existência de uma corrente doutrinária antagônica para justificar sua decisão.

Ademais, mesmo reconhecendo que a doutrina ainda não avançou satisfatoriamente na

delimitação de sentido preciso para a expressão “normas gerais”, o Ministro Gilmar

Mendes, vislumbra, nos dispositivos constitucionais em apreço, a função uniformizadora

das normas gerais, que devem ser obedecidas em âmbito nacional, se impondo perante

todas as pessoas políticas e cita consagrada doutrina lecionada, entre nós, por Geraldo

Ataliba, sobre as leis nacionais e federais.

Defendendo os interesses da Fazenda Nacional, falou na tribuna do Supremo

Tribunal Federal, o Dr. Fabrício da Soller, que reforçou os argumentos colacionados nas

razões dos recursos extraordinários. Porém, ao final de sua palavra, o Douto Procurador da

Fazenda Nacional requereu, caso a Corte julgasse improcedente os recursos extraordinários

em questão, a aplicação do art. 27, da Lei 9.868/99, que prevê a modulação dos efeitos da

declaração de inconstitucionalidade em função de razões de segurança jurídica ou de

excepcional interesse social. Assim, neste sentido, afirmou que a arrecadação das

contribuições previdenciárias é fundamental para o pagamento dos benefícios da

previdência social, assim como para promover assistência social e saúde para a população

de baixa renda. Ao final, afirmou ainda que o excepcional interesse social era presente para

justificar a modulação dos efeitos, caso os recursos fossem desprovidos, na medida em que,

segundo cálculos realizados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, tal decisão

afetaria diretamente a cobrança administrativa de vinte e um (21) bilhões de reais, de

créditos parcelados seriam mais vinte (20) bilhões de reais, de créditos já pagos seriam

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mais doze (12) doze bilhões de reais e, por último, em cobrança na dívida ativa da união

seriam mais quarenta e dois (42) bilhões de reais, totalizando em noventa e cinco (95)

bilhões de reais, já que todos estes valores estariam relacionados com às situações

discutidas nos respectivos recursos extraordinários.

Em verdade, a matéria em questão desde há muito já fora pacificada no seio

do Supremo Tribunal Federal. Inúmeros são os precedentes da corte no sentido de que os

prazos de decadência e prescrição, em matéria de direito tributário, devem ser disciplinados

por lei complementar. Aliás, parece-nos que este julgamento tinha como escopo apenas

conferir os peculiares efeitos da repercussão geral sobre o tema, evitando-se, assim, novos

julgamentos sobre o caso. Inclusive, quando desta sessão plenária, já era evidente o desejo

da Corte em emitir uma súmula vinculante sobre o tema. Ademais, quando de sua fala na

tribuna, já era expressa a preocupação do Douto Procurador da República com a eminência

da elaboração de uma súmula vinculante sobre o tema, fato este que sepultaria, de uma vez

por todas, a tese afirmada pela Fazenda pública. Assim é que, falando da tribuna, o

defensor dos interesses da União expõe seus últimos argumentos, de ordem econômica, e

proclama que a improcedência dos recursos extraordinários acarretaria um prejuízo de

noventa e cinco (95) bilhões de reais aos cofres da União.

Insta frisar que não há prova alguma, nos autos, de que estes dados sejam

verídicos, sequer existem indícios. Trata-se da enunciação de um suposto estudo formulado

pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, que não se sabe em que bases foi realizado,

nem sequer quem foi o responsável por tal levantamento, aliás, com o devido respeito, não

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204

sabemos até mesmo se a referida Secretaria reúne condições estruturais para levar a cabo tal

levantamento. Mas os números enunciados impressionam em muito.

Após as palavras do defensor dos interesses dos contribuintes, todos os

demais Ministros presentes à sessão plenária do Supremo Tribunal Federal proferiram seus

votos com argumentos eloquentes. Assim, por unanimidade, o plenário do Supremo

Tribunal Federal julgou improcedentes os recursos extraordinários em apreço com a

consequente declaração de inconstitucionalidade dos artigos legais em debate. Insta frisar,

que os eminentes Ministros usaram de diversos e brilhantes argumentos por eles mesmos

formulados, assim como de preciosas lições doutrinárias. De mais a mais, diversos foram os

precedentes invocados pelos eminentes Ministros, sejam do próprio Supremo Tribunal

Federal, como das demais Cortes Judicantes neste País, notadamente do Superior Tribunal

de justiça, citado pelo Ministro Menezes Direito.

No entanto, ao final da sessão, pretendeu o presidente do Supremo Tribunal

Federal, Ministro Gilmar Mendes, levar a julgamento a modulação dos efeitos da decisão

de inconstitucionalidade que a corte acabara de formular. Porém, não havia mais quórum na

Corte, uma vez que diversos Ministros se abstiveram, após proferirem seus votos.

Imediatamente, o Ministro Marco Aurélio pregou a conclusão do julgamento, sem a

modulação dos efeitos, por falta de quórum. Contudo, os demais ministros que ainda se

encontravam presente ao plenário foram contra e afirmando tratar-se de um julgamento em

etapas, deixaram para a sessão do dia seguinte o debate sobre a modulação dos efeitos.

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205

No dia seguinte, ao iniciar os trabalhos, o Presidente da sessão plenária, de

pronto, levou a julgamento o pedido de modulação dos efeitos das decisões de

inconstitucionalidades proferidas no dia anterior. Preliminarmente, foi rejeitado um pedido,

formulado pelo defensor dos contribuintes, para a realização de nova sustentação oral,

tratando única e exclusivamente da modulação dos efeitos. Contudo, o pleito foi negado,

sob o argumento de que o mesmo não era necessário, porque, quando se coloca a questão

constitucional, já esta implícita esta possibilidade.215

Após, passou o Presidente da corte a proferir seu voto com relação à

modulação dos efeitos. Assim, considerando a presença da repercussão geral, resolveu o

ministro relator acolher parcialmente o pedido de modulação dos efeitos, no que foi seguido

pelos demais Ministros à exceção do Ministro Marco Aurélio. Eis o conteúdo da decisão

extraído da ata da sessão plenária em apreço:

O Tribunal, por maioria, vencido o Senhor

Ministro Marco Aurélio, deliberou aplicar efeitos ex nunc à

decisão, esclarecendo que a modulação aplica-se tão-

somente em relação a eventuais repetições de indébitos

ajuizadas após a decisão assentada na sessão do dia

11/06/2008, não abrangendo, portanto, os questionamentos e

os processos já em curso, nos termos do voto do relator,

Ministro Gilmar Mendes (Presidente), 12.06.2008.

Já o Ministro Marco Aurélio, ao divergir dos demais Ministros proferiu, ao

nosso sentir, voto histórico. Assim, transcrevemos parte significativa de seu voto, que, após

expor exaustivamente que o plenário da corte, desde a edição da Emenda Constitucional de

215

Consoante pronunciamento do presidente do Supremo tribunal Federal Ministro Gilmar Mendes, DJE n°.

232, divulgado em 04/12/08 e publicado em 05/12/08, pág. 924.

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n°. 01/69, sempre afirmou que os institutos da decadência e da prescrição tributária devem

ser regrados via Lei Complementar, assim se manifestou:216

Ministro Marco Aurélio: indaga-se: nós

podemos cogitar de um contexto a autorizar a modulação? A

meu ver, não. E decidimos há pouco. Só que aqui os ventos

beneficiam o Estado. No caso anterior, o Estado também foi

beneficiado, mas o pleito se mostrou dos contribuintes.

Decidimos há pouco numa situação mais favorável a

modulação e a modulação foi rechaçada quando julgamos a

questão da alíquota zero e do IPI. O Tribunal, nesta

oportunidade, e buscavam os contribuintes a modulação,

aqui quem quer a modulação é o Estado, o Tribunal apontou

que não haveria como se cogitar de insegurança jurídica,

porque os pronunciamentos anteriores, esses sim a favor dos

contribuintes, dos beneficiários do pleito de modulação, não

teriam transitado em julgado. Ora Presidente, neste caso

concreto, em que a jurisprudência do Supremo, desde 1969,

sempre foi no sentido de ter-se com indispensável no trato da

matéria mediante Lei Complementar, e a Lei 8.212, repito, é

de noventa e um, não há, ao meu ver, premissa que leve o

Tribunal a quase que sinalizar no sentido de que vale a

pena editar normas inconstitucionais, porque,

posteriormente, ante a morosidade da justiça, se acaba

chegando ao meio termo que, em última análise, ao invés

de homenagear a Constituição, de torná-la realmente

observada por todos amada por todos, passa a mitigá-la,

solapá-la, a feri-la praticamente de morte. Os contribuintes

que recolheram eles não terão o prazo de dez anos para a

ação de repetição de indébito. Eles terão o prazo de cinco

anos, o que já afasta aqui uma gama enorme de contribuintes

que teriam o direito a devolução do que indevido, porque

satisfeito a margem da ordem jurídica e considerada toda a

sorte de medida coercitiva do próprio Estado. Não vejo com

bons olhos Presidente a modulação. A modulação

especialmente em caso que acaba por diminuir a eficácia da

Constituição Federal. A modulação quando em última

análise se tem o prejuízo dos contribuintes já exasperados

com a carga tributária. Locupletamento do Estado. Por isso

eu peço venha para, no caso, votar contra a modulação, com

a devida vênia, repito, dos colegas que entendem de forma

diversa.

216

DJE n°. 232, divulgado em 04/12/08 e publicado em 05/12/08, pág. 930.

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207

Concordamos com o Ministro Marco Aurélio na medida em que a

modulação dos efeitos realizada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal não condiz

com os eloquentes pronunciamentos realizados quando do julgamento do mérito dos

recursos extraordinários em tela. Em seu voto, o eminente Ministro relator cita Konrad

Hesse217

para enfatizar a necessidade em se conferir força normativa e concretizadora à

Constituição, pois, no sentir daquele autor: um ótimo desenvolvimento da força normativa

da Constituição depende não apenas de seu conteúdo, mas também de sua práxis. Contudo,

a modulação dos efeitos, no caso em tela, alcança objetivo diametralmente oposto ao

pretendido pelo autor alemão supracitado.

A única razão para o Supremo Tribunal Federal modular os efeitos do caso

em tela é econômico. Não há outra razão plausível. Assim, passa-se por cima de todos os

demais valores vetoriais de nosso sistema jurídico para proferir julgamento com a

finalidade de proteger o erário público. Pensamos de forma distinta, com o devido respeito.

Os valores pecuniários enunciados pelo Douto Procurador da Fazenda Nacional deveriam

provocar efeito inverso, pois demonstram, caso sejam verdadeiros, que um grande número

de contribuintes teve parte de seu patrimônio subtraído pela Fazenda Pública de forma

inconstitucional. E não foi pouco, como bem disse o defensor da Fazenda Pública. Este

fato, por si só, deveria ensejar, ao nosso sentir, uma enérgica tomada de posição do

Supremo Tribunal Federal, mas em sentido contrário, ordenando à União a devolução de

todo o indébito tributário e não impedindo os contribuintes de pleitearem a repetição.

217

DJE n°. 232, divulgado em 04/12/08 e publicado em 05/12/08, pág. 882.

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208

Insta frisar que a modulação dos efeitos, realizada pelo plenário do Supremo

Tribunal Federal, no julgamento em tela, não produz efeitos com relação aos recursos

extraordinários julgados na sessão, mas tão somente com relação aos casos idênticos, aos

quais deve ser aplicado o procedimento da repercussão geral.

No entanto, uma vez encerrada a votação da modulação dos efeitos em

apreço, o Ministro Cézar Peluso, propôs a edição da Súmula Vinculante de n°. 8.

Novamente o Ministro Marco Aurélio se opôs, na medida em que possui como princípio

que todas as propostas de verbetes vinculantes devem, necessariamente, passar pela

comissão de jurisprudência do tribunal, para uma maior reflexão sobre a matéria a fim de

que se evitar até mesmo alguns percalços.218

Contudo, a referida súmula vinculante acabou

sendo aprovada com a seguinte redação:

São inconstitucionais o parágrafo único do

artigo 5° do Decreto-Lei n° 1.569/1977 e os artigos 45 e 46

da Lei n° 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência

de crédito tributário.

Ao que tudo indica, razão assistia ao Ministro Marco Aurélio, quando da

necessidade de uma melhor reflexão sobre súmula vinculante em tela. Se não, vejamos, a

Súmula Vinculante n°. 8, não leva em consideração a modulação dos efeitos realizada no

julgamento dos recursos extraordinários que lhe conferem fundamento de validade. Assim,

consoante sua eficácia prescritiva, ela deve ser obedecida pelos demais órgãos do Poder

Judiciário e da administração pública, sob pena de propositura de reclamação perante o

Supremo Tribunal Federal. Já a decisão em recurso extraordinário, com repercussão geral,

218

DJE n°. 232, divulgado em 04/12/08 e publicado em 05/12/08, pág. 942.

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209

não possui a mesma eficácia vinculante, como visto em capítulo próprio, ao nosso sentir, tal

decisão vincula tão somente os tribunais a quo.

Se assim for, temos uma verdadeira incompatibilidade jurídica entre a

Súmula Vinculante n°. 8 e o julgamento do recurso extraordinário que a precedeu e que lhe

confere fundamento de validade, na medida em que somente nesta segunda decisão temos a

modulação dos efeitos, que, a rigor, também poderia e deveria ter sido conferida à Súmula

Vinculante n°. 8,219

mas não o foi.

Esta é uma questão delicadíssima, pois provoca insegurança jurídica no

sistema. Aliás, trata-se de uso equivocado de instrumentos jurídicos que foram criados com

a finalidade de conferir segurança ao sistema e não o contrário. Por isso, afirmamos. As

decisões em sede de recurso extraordinário com repercussão geral e as súmulas

vinculantes, ao tratarem do mesmo tema, não podem ter conteúdos normativos

diversos, inclusive no que diz respeito à modulação de seus efeitos.

Suponhamos que a União tenha constituído, em face de um determinado

contribuinte, crédito tributário exigindo o pagamento das contribuições previdenciárias

devidas nos últimos dez anos. O contribuinte realiza o pagamento e fica sabendo, dias

depois, das decisões do Supremo Tribunal Federal acima debatidas. Mesmo inconformado,

pois à luz da modulação dos efeitos levada a cabo no julgamento dos recursos

extraordinários em apreço, ele não pode mais propor a ação de repetição do indébito

219

A Lei 11.417/2006, ao disciplinar a edição das súmulas vinculantes, prevê, em seu art.4°, a possibilidade

de modulação dos seus efeitos.

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210

tributário, o contribuinte decide propor a respectiva demanda na Justiça Federal. Pergunta-

se: como deverá proceder o Juiz Federal de primeira instância? Caso ele se submeta a

Súmula vinculante n°. 8, deverá julgar procedente o pleito do contribuinte e condenar a

União ao pagamento do indébito tributário. Caso verta para o lado da modulação dos

efeitos, realizada nos recursos extraordinários em análise, deverá julgar improcedente a

ação, pois proposta fora do prazo estabelecido pela modulação dos efeitos em questão.

Como anteriormente afirmado, entendemos que os magistrados de primeira

instância não estão submetidos ao teor dos julgamentos proferidos em sede de recurso

extraordinário, por outro lado, devem obediência às súmulas vinculantes, logo, a demanda

em questão deverá ser julgada procedente.

Julgada procedente a demanda, a Fazenda Nacional interpõe recurso de

apelação, consubstanciado na modulação dos efeitos no julgamento dos recursos

extraordinários em questão. Em sede de contrarrazões, continua o contribuinte

fundamentando seu pedido na Súmula Vinculante n°. 8. E agora, como deverá proceder o

competente Tribunal Federal? Inevitavelmente, a questão deverá ser devolvida ao Supremo

Tribunal Federal, que sobre ela deverá tomar partido.

Existe, também, outro caminho passível de ser percorrido pelo contribuinte.

Trata-se do protocolo de pedido administrativo de repetição do indébito tributário ou de

compensação. Caso seu pedido seja negado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, o

que, na atual situação jurídica do tema, é ilícito, na medida em que a administração pública

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211

deve se submeter às Sumulas Vinculantes, poderá o contribuinte propor reclamação

diretamente no Supremo Tribunal Federal.

Se assim ocorrer, é bastante provável que o plenário do Supremo Tribunal

Federal venha a reformular a Súmula Vinculante n°. 8, para nela constar a modulação dos

efeitos em debate.

Seja como for, o tema é emblemático e nos demonstra como os novos

institutos jurídicos em questão (súmula vinculante e repercussão geral) podem gerar

insegurança jurídica caso não sejam utilizados com o devido cuidado.

7.1.2. Da incidência da COFINS sobre a atividade das sociedades civis de profissão

regulamentada

Como é de conhecimento geral, a contribuição social para o financiamento

da seguridade social (COFINS) foi instituída pela Lei Complementar 70/91. Todavia, o

inciso II, do art. 6°, do mesmo diploma complementar, acabou isentando as sociedades

civis de que trata o art. 1° do Decreto-Lei n. 2.397/87 da incidência da referida contribuição

social. Já o referido Decreto-Lei, por seu turno, qualifica tais sociedades como sociedades

civis de prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissão legalmente

regulamentada, registradas no registro civil das pessoas jurídicas e constituídas

exclusivamente por pessoa física domiciliada neste país.

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212

Insta frisarmos que a COFINS, instituída pela lei complementar em

comento, foi objeto da ação declaratória de constitucionalidade n° 1-1/DF e teve a sua

constitucionalidade “declarada”, uma vez que restou consignado, pelo Supremo Tribunal

Federal, que o tributo em questão possui fundamento de validade no art. 195, inciso I e não

no art. 195, § 4°, ambos da Constituição Federal. A Corte afirmou que o fato de a COFINS

ter sido instituída por lei complementar não lhe confere natureza jurídica de contribuição

nova. Assim, no mesmo julgamento, mantendo coerência ao seu discurso, foi assentado

pela Corte que a instituição da COFINS independia de lei complementar, podendo a mesma

ser instituída por lei ordinária. Por último, no voto do Ministro Relator Moreira Alves, foi

ventilada a questão de que lei complementar que não trata de matéria a ela reservada possui

status de lei ordinária.

Passo seguinte, a Lei 9.430/96, em seu artigo 56, prescreve que as referidas

sociedades civis passam a contribuir para a seguridade social, com base na receita bruta da

prestação de serviços, observadas as normas da lei complementar 70/91. Ademais, o

referido diploma legal, em seu art. 88, inciso XIV, revoga os artigos 1° e 2° do decreto-lei

2.397/87.

Neste contexto, levando-se em consideração as premissas elaboradas no item

anterior, segundo o qual os dispositivos de uma lei complementar podem ser revogados por

lei ordinária, desde que tratem de matérias que não foram restritas, pela Constituição

Federal, à lei complementar. Seria intuito afirmar que o art. 56, da Lei 9.430/95, por ser

incompatível com o disposto no inciso II, do art. 6° da Lei Complementar 70/91, ensejou a

aplicação da regra da revogação disposta no art. 2°, § 1°, da Lei de Introdução ao Código

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213

Civil, na medida em que Lex posterius derrogat priori, tudo conforme a precisa descrição

do fenômeno realizada por Tárek Moysés Moussallem.220

Contudo, se levarmos em consideração a teoria da superioridade hierárquica

da lei complementar em face da lei ordinária, preconizada, dentre outros, pelo professor

Hugo de Brito Machado, a lei ordinária em questão não possui o condão de ensejar a

aplicação da referida regra revogadora, assim, a isenção concedida pela lei complementar

70/91 continuaria em pleno vigor.

Diante da situação acima exposta, não há dúvidas de que os contribuintes

fariam com que a tese da superioridade hierárquica da lei complementar frente a lei

ordinária fosse analisada pelo Poder Judiciário, requerendo a sua aplicação ao caso

concreto em comento.

E assim se deu e várias decisões judiciais foram proferidas nos dois sentidos,

até que a questão alcançou o Superior Tribunal de Justiça que, na qualidade de intérprete

autêntico da legislação federal, acabou dando guarida à tese da superioridade hierárquica da

lei complementar, frente à lei ordinária, independente do conteúdo daquele primeiro tipo de

diploma legal, assim sendo, revelou que a aludida revogação da isenção em comento era

ilegítima.

220

Revogação em matéria tributária, pág. 274.

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214

Para conferir uma maior eficácia extraprocessual ao posicionamento acima

exposto, o Superior Tribunal de Justiça editou, no dia dois de junho de dois mil e três

(02/06/03), a Súmula de n° 276, com o seguinte conteúdo:

As sociedades civis de prestação de serviços

profissionais são isentas da COFINS, irrelevante o regime

tributário adotado.221

Insta frisar que, para decidir o caso em questão e editar a referida Súmula, o

Superior Tribunal de Justiça possuía entendimento segundo o qual a matéria em questão

não possuía caráter constitucional, pois: a aplicação de norma supralegal, in casu, a lei de

introdução ao Código Civil, torna desnecessária a análise de matéria de índole

constitucional.222

Mas a Fazenda Pública, não se conformando com a derrota no Superior

Tribunal de Justiça, passou a levar o tema ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal

via recurso extraordinário. Acontece que, ao se pronunciar sobre a questão, mesmo tendo a

mesma sido ventilada no voto do Ministro Moreira Alves, quando do julgamento da ADC

1-1/DF223

, a Corte passou a negar conhecimento aos respectivos recursos, sedimentando

entendimento no sentido de que a matéria era de caráter infraconstitucional, sufragando, em

certa medida, o posicionamento cravado pelo Superior Tribunal de Justiça na súmula n°.

221

A primeira seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o AR 3.761-PR, na sessão de 12/11/2008,

deliberou pelo cancelamento da Súmula n° 276. 222 Transcrição da parte final da ementa do julgamento do AgRESp. 637.967/RS; Rel. Ministro Luiz Fux,

Primeira Turma, DJ 30/09/2004, p.232. 223

No julgamento do Agravo Regimental na Reclamação n°. 2.475-0/MG, o Supremo Tribunal Federal

consignou que a questão da hierarquia entre as leis complementares e ordinárias não foi decidida quando do

julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade n°. 1-1/DF. Como nos dá notícia o Ministro Marco

Aurélio em seu voto vista no julgamento do recurso extraordinário 377.457-3/PR, dje n°. 241, divulgado em

18/12/2008, pág. 1886.

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215

276. Somente no ano de dois mil e seis (2006) o Supremo Tribunal Federal alterou o seu

posicionamento e passou a conhecer os respectivos recursos extraordinários.224

Esta nova postura do Supremo Tribunal Federal culminou com o julgamento

do recurso extraordinário 377.457-3/PR, que visava a conferir a espécie os efeitos da

repercussão geral. No caso, tratava-se de recurso extraordinário interposto por contribuinte

inconformado com uma decisão, proferida pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região,

que, contrariamente ao disposto na Súmula n° 276 do Superior Tribunal Federal,

prescreveu a revogação da isenção à incidência da COFINS, as sociedades civis de

profissão regulamentada, conferida pela Lei Complementar 70/91.

Quanto ao mérito, vencidos os eminentes Ministros Eros Grau e Marco

Aurélio, o plenário do Supremo Tribunal Federal julgou improcedente o recurso

extraordinário, impondo a tese de que a lei complementar quando, ao tratar de matéria que

não lhe é reservada, possui status de lei ordinária, podendo ser revogada pela mesma.

No entanto, o impetrante do recurso extraordinário requereu a modulação

dos efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal. É interessante notar que se trata de

pedido de modulação de efeitos de uma decisão sobre a constitucionalidade de uma norma

e não sobre a sua inconstitucionalidade. Seja como for, mesmo entendendo ser teoricamente

possível a modulação dos efeitos de uma decisão sobre a constitucionalidade de um ato

normativo em sede de julgamento de recurso extraordinário, a Corte, na espécie, vencidos

224

Como nos dá noticio o eminente Ministro Celso de Mello, no julgamento do recurso extraordinário

377.457-3/PR, dje n°. 241, divulgado em 18/12/2008, pág. 1.915.

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216

os eminentes Ministros Celso de Mello, Menezes Direito, Eros Grau, Carlos Britto e

Ricardo Lewandowski, rechaçou a modulação dos efeitos proposta pelos impetrantes do

recurso extraordinário.

De qualquer sorte e com o devido respeito, entendemos que o Supremo

Tribunal Federal agiu mal ao não modular os efeitos da decisão em comento. E dizemos

isso não em função da edição da Súmula n° 276 pelo Superior Tribunal de Justiça, mas sim

em função da alteração na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quando o mesmo,

em dois mil e seis (2006), passou a conhecer dos recursos extraordinários que versavam

sobre a matéria.

Entendemos que o Supremo Tribunal Federal não está obrigado a modular

os efeitos temporais de uma decisão sempre que esta reverta um posicionamento

jurisprudencial firmado pelo Superior Tribunal de Justiça. Não é disso que se trata. O que

gostaríamos de afirmar é que o Supremo Tribunal Federal, em respeito ao primado da

segurança jurídica, deverá conferir somente efeitos prospectivos para as decisões por ele

produzidas que reverta um posicionamento anteriormente sedimentado pela corte. Foi

justamente o que aconteceu no caso em análise, na medida em que a corte entendia que a

matéria em debate não possuía índole constitucional.

7.2. Da Súmula Vinculante n° 28

Gostaríamos de tecer alguns comentários sobre o julgamento

que culminou com a edição da Súmula Vinculante nº 28 na medida em que o mesmo

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217

demonstra as enormes armadilhas que a linguagem empregada na edição de uma Súmula

Vinculante pode acarretar ao trabalho desenvolvido pelo Supremo Tribunal Federal.

O caput, do art. 19, da Lei 8.870/94, possui a seguinte redação:

Art. 19. As ações judiciais, inclusive as cautelares, que

tenham por objeto a discussão de débito para com o INSS

serão, obrigatoriamente, precedidas do depósito

preparatório do valor do mesmo, monetariamente corrigido

até a data de efetivação, acrescido dos juros, multa de mora

e demais encargos.

Como é de conhecimento geral, o depósito do montante integral do tributo é

um direito subjetivo do contribuinte que ocasiona a suspensão da exigibilidade do crédito

tributário (art. 151, inciso I, do CTN). De maneira alguma o depósito do montante integral

pode ser uma condição para que se leve ao conhecimento do Poder Judiciário uma

discussão jurídica envolvendo um crédito tributário, por flagrante violação ao disposto no

art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que proclama o princípio da inafastabilidade

do acesso ao Poder Judiciário.

Neste contexto, a Confederação Nacional da Indústria – CNI - , propôs ação

declaratória de inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, que recebeu o número

1.074-3/DF. Em sede liminar, o então Ministro Relator Francisco Rezek, ordenou a

suspensão da eficácia da norma em comento, por entender que a mesma impunha uma

considerável restrição ao acesso dos contribuintes ao Poder Judiciário.

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218

Passo seguinte, agora já sob a relatoria do Ministro Eros Grau, o plenário do

Supremo Tribunal Federal, em vinte e oito de março de dois mil e sete (28/03/07), julgou

procedente a ação declaratória de inconstitucionalidade em questão, proclamando a

inconstitucionalidade do caput, do art. 19 da Lei 8.870/94.

Assim, o Ministro Joaquim Barbosa levou ao plenário a proposta de súmula

vinculante de nº 37 com a seguinte redação:

É inconstitucional a exigência de depósito prévio de

quantia em dinheiro, previsto no art. 19 da Lei Federal 8.870

de 1994, como condição a propositura de ação judicial que

visa à discussão da validade de crédito tributário

Já o Ministro César Peluso propôs a seguinte redação ao verbete:

É inconstitucional a exigência de depósito

prevista no art. 19 da Lei Federal 8.870 de 1994, para

admissibilidade de ação que tenha como objeto a

exigibilidade do crédito tributário

Por sua vez, a Ministra Ellen Gracie, de forma acertada, afirmou em plenário

que as propostas acima transcritas referiam-se exclusivamente ao art. 19 da Lei Federal

8.8870/94, que, com o julgamento da ação declaratória de inconstitucionalidade 1.074-

3/DF, já havia sido “declarado” inconstitucionalidade pela corte em decisão que possuía

eficácia vinculante e efeitos erga omnes. Logo, propôs nova redação para o verbete, que

capte do precedente não somente a inconstitucionalidade específica do referido dispositivo

legal, mas sim o comando normativo abstrato nele contido, nos seguintes termos:

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219

É inconstitucional a exigência de depósito

prévio de quantia correspondente ao débito apurado como

requisito de admissibilidade de ação judicial em que se

pretenda discutir a exigibilidade do crédito tributário.

Tal proposta não faz referência ao art. 19, da Lei Federal 8.870/94, e,

portanto, amplia a incidência normativa da respectiva súmula vinculante, que, se assim for

editada, acaba proibindo a edição de outro diploma legal visando a restringir o acesso dos

contribuintes ao Poder Judiciário, mediante a exigência do prévio depósito do montante

integral do tributo a ser judicialmente discutido.

Idéia esta que, aliás, acabou prevalecendo quando da elaboração da Súmula

Vinculante nº 21, que acabou impedindo a edição, por parte de qualquer pessoa jurídica de

direito público interno, de diploma legal impondo a exigência de depósito prévio, ou

arrolamento de prévio de dinheiro ou bens, para a interposição de recurso na esfera

administrativa para a discussão do crédito tributário, in litteris:

É inconstitucional a exigência de depósito ou

arrolamento prévios de dinheiro ou bens para

admissibilidade de recurso administrativo.

Todavia, a proposta formulada pela Ministra Ellen Gracie chamou a atenção

do Ministro Ricardo Lewandowski pelo fato de que ela veda a exigência de depósito prévio

de quantia correspondente ao débito apurado. Ou seja, se um diploma legal impuser a

exigência do depósito prévio de uma quantia inferior ao montante integral do crédito

tributário, trinta por cento 30% por exemplo, ele não será contrário à respectiva súmula

vinculante e, na visão do eminente Ministro, este não parece ser o conteúdo semântico mais

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220

adequado para a súmula, pois a Corte decidiu que a imposição legal de qualquer depósito

obsta o acesso ao Poder Judiciário, assim nova redação ao verbete foi proposta nos

seguintes termos:

É inconstitucional a exigência de depósito

prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial em

que se pretenda discutir a exigibilidade do crédito tributário.

Arguta a intervenção do Ministro Ricardo Lewandowski que foi

prontamente aceita pelos demais Ministros presentes na sessão plenária. Porém, o Ministro

César Peluso propôs a realização de uma pequena alteração na redação do verbete

vinculante nos seguintes termos:

É inconstitucional a exigência de depósito prévio

para a admissibilidade de ação que tenha por objeto a

exigibilidade de crédito tributário.

Neste momento, o Ministro Ayres Brito, demonstrando intimidade com as

questões tributárias, afirmou que o objeto das ações judiciais em questão não é a

exigibilidade do crédito tributário, mas sim a sua validade.

Pensamos da mesma forma que o referido Ministro. Quando da propositura

de ação judicial que combata a constituição do crédito tributário o que se pede é a anulação

do respectivo crédito tributário,225

se pretende, assim, buscar o reconhecimento judicial de

que o crédito tributário é inválido. Todavia, como é comum nessas ações, geralmente se

225

Daí falar-se em “ação anulatória do débito fiscal”, como o faz o SABBAG, Eduardo de Moraes. Prática

Tributária. Volume II, pág. 13.

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requer, em sede liminar, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário como medida

antecipatória de tutela para se evitar a imposição da regra do solve et repete.

É juridicamente possível, mesmo que faticamente improvável, que

determinado contribuinte venha a propor “ação anulatória de débito fiscal” e não formule

pedido liminar de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Se assim for, teremos

ação judicial cujo objeto é única e exclusivamente à validade do crédito tributário, sem

passar pela questão da suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Neste caso,

contudo, não nos parece que o Supremo Tribunal Federal deseje permitir a adoção de

medida legal visando a exigir prévio depósito em dinheiro para a propositura da demanda.

Note-se, que, mesmo diante do referido aparte do Ministro Ayres Brito, a

Corte não lhe deu ouvidos, restando assentada a redação abaixo transcrita, proposta pela

Ministra Ellen Gracie, com emenda do Ministro Ricardo Lewandowski, assim redigida:

Súmula Vinculante nº 28. É inconstitucional a exigência de

depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação

judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade do

crédito tributário.

Assim, resta demonstrado que a edição de uma Súmula Vinculante requer

muitos cuidados por parte dos membros do Supremo Tribunal Federal uma vez que o texto

aprovado pode provocar múltiplas interpretações e inclusive infirmar o posicionamento

firmado pela Corte quando do julgamento do processo que confere fundamento de validade

à Súmula Vinculante.

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CONCLUSÕES

Conclusões sobre a propedêutica geral

1. No Século XX ocorreu a quebra de um importante paradigma da

filosofia na medida em que a filosofia da linguagem triunfa sobre a filosofia da consciência,

trazendo a linguagem para o centro da teoria do conhecimento, que se dá entre termos.

2. No contexto da filosofia da linguagem encontramos o giro

lingüístico, no qual o mundo é constituído pela linguagem do ser cognoscente e o realismo,

que afirma ser a linguagem responsável pelo acesso do homem à realidade física.

3. Os acontecimentos do mundo são por nós denominados de eventos.

Alguns eventos dependem da linguagem humana para ocorrerem (atos performativos),

outros, contudo, ocorrem independentemente da linguagem, porém, sua percepção, pelo ser

cognoscente, depende de linguagem, que, nesta medida, constitui o universo deste ser.

4. Os eventos não lingüísticos podem ou não depender da ação do

Homem. Os eventos linguísticos que independem da ação do Homem são os eventos não

linguísticos naturais, em contrapartida aos eventos não linguísticos Humanos. Nem toda

ação do Homem depende da linguagem.

5. Sem a linguagem todos os eventos não linguísticos são

imperceptíveis para o ser cognoscente, mas isso não quer dizer que eles dependam da

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linguagem para ocorrerem. Não são os eventos não linguísticos naturais que dependem

da linguagem para ocorrerem, mas sim, é o Homem que depende de uma linguagem

para perceber que um evento não lingüístico ocorreu.

6. O fenômeno jurídico pode ser entendido como um processo

comunicacional. O modelo comunicacional desenvolvido por Roman Jakobson confere

especial atenção ao emissor, em detrimento do receptor, na medida em que propõe a

transferência de informação daquele para este. Já o modelo comunicacional proposto por

Luhmann confere uma maior ênfase ao receptor na medida em que afirma que o processo

comunicacional somente se aperfeiçoa quando a proposta formulada pelo emissor é

retomada pelo receptor, antes, temos apenas a percepção deste último. Assim, o conceito de

comunicação desenvolvido por Luhmann leva em consideração que o processo

comunicacional é sempre uma ação seletiva que se comporta como uma realidade

emergente, um estado de coisas, mediante a síntese de três diferentes escolhas: i) a escolha

da informação; ii) a escolha do ato de comunicar; e iii) a escolha que se realiza no ato de

entender (ou no ato de não entender) a informação.

7. Neste contexto Luhmann desenvolve sua teoria autopoiética da

comunicação, na medida em que a comunicação, como realidade emergente, pressupõe o

ato de entender, contudo, o ato de entender sempre será um novo ato de comunicar, que fica

à mercê de um ato de entender subsequente para o estabelecimento de uma nova

comunicação, uma nova realidade emergente, ou seja, o sistema comunicacional cria seus

elementos nos quais ele mesmo se reproduz.

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224

8. Devemos levar em consideração a distinção entre o sistema do direito

positivo e o sistema da Ciência do Direito ou Dogmática Jurídica, tal como proposto pelo

Constructivismo Lógico-Semântico. Contudo, entendemos que existe comunicação entre

estes dois sistemas linguísticos.

9. Considerando que o que se passa na consciência se encontra fora do

processo comunicacional não podemos situar as normas jurídicas no plano da significação.

Assim, o objeto de estudo da Ciência do Direito são os textos de direito positivo e as

normas jurídicas são os atos de entender enunciados pelos aplicadores do direito, que

acabam produzindo um novo estado de coisas jurídico. Exemplificando: as normas

constitucionais são construídas pelos aplicadores do direito, quando produzem atos de

entender, a partir do ato de comunicar enunciado pela Carta Magna, estabelecendo um novo

estado de coisas jurídico-normativo. Tais atos de entender são, por outro lado, novos atos

de comunicar que podem produzir novos atos de entender e novas realidades jurídicas

normativas, eis a autopoiese do sistema jurídico, suas unidades se autorreproduzem através

dos elementos que lhe são próprios.

10. As normas gerais e abstratas são os atos de entender construídos

pelos aplicadores do direito, que serão pelos mesmos tomados como ato de comunicar para

a produção de um novo ato de entender que são as normas individuais e concretas.

11. A Dogmática Jurídica também produz atos de entender a partir dos

textos legais, contudo, sem força prescritiva. Mesmo assim, produzem novas realidades

jurídico-normativas que, mesmo não possuindo força prescritiva, poderão ser utilizadas

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225

pelos aplicadores do direito para a produção das normas individuais e concretas. Isso ocorre

quando os aplicadores do direito fundamentam suas decisões nas lições fornecidas pela

doutrina.

12. Nos aproximando do sistema comunicacional de Luhmann

chamaremos de sistema jurídico o conjunto de enunciados linguísticos que compõem tanto

o direito positivo quanto a Ciência do Direito. Isto, pois, os enunciados da Dogmática

Jurídica, apesar de não possuírem força prescritiva, são responsáveis pela elaboração dos

atos de entender que acabam por sistematizar o direito positivo em seu plano mais elevado

e abstrato, sempre visando a generalizar as expectativas normativas no seio da sociedade.

13. Para a teoria dos sistemas sociais sua autopoiese ocorre em três

momentos distintos: (i) na auto-referência básica, acima mencionada; (ii) na reflexividade;

e (iii) na reflexão, onde o sistema busca a sua identidade em contraposição com seu

ambiente, onde se possibilita a problematização da sua própria identidade. Assim, podemos

concluir que a Dogmática Jurídica se encontra inserida no sistema jurídico autopoiético, na

medida em que ela é responsável por sua reflexão.

Conclusões sobre os diversos tipos de sistemas jurídicos

14. Na common Law a força vinculante das decisões judiciais se impõe

como regra geral. O stare decisis obriga os magistrados a respeitar e aplicar as normas

jurídicas construídas por suas cortes superiores. Assim, trata-se de um sistema jurídico

eminentemente prático, focado na jurisprudência e onde a Dogmática Jurídica não possui a

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226

mesma influência verificada em outros sistemas jurídicos. Ademais, na common Law, os

juristas costumam visualizar nas normas jurídicas a partir das decisões judiciais e não a

partir dos textos de lei.

15. Já nos países da civil Law (romano-germânico) a regra geral é a livre

convicção do juiz para interpretar e aplicar os textos legais, que são números e são

considerados como a principal fonte do direito. Nesta tarefa apóiam-se os magistrados nas

importantes lições formuladas pela doutrina.

16. Seja como for, atualmente, observamos uma aproximação entre os

dois sistemas jurídicos supracitados. Nos países da common Law verifica-se uma explosão

legislativa e uma certa flexibilização do stare decisis, principalmente na Inglaterra. Já nos

países da civil law, por seu turno, a força vinculante das decisões judiciais é cada vez

maior.

Conclusões sobre o controle de constitucionalidade dos atos normativos

17. Nos Estados Unidos da América, país que adota o sistema da

common law, foi desenvolvida a teoria da supremacia da constituição, assim, para proteger

a Constituição, um controle judicial, incidental e difuso sobre a constitucionalidade dos atos

normativos foi implantado.

18. Já na Europa Continental, onde a maioria dos países adotaram o

sistema da civil law, o dogma de Rousseau sobre a infabilidade das leis tornou-se muito

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227

caro, logo, o desenvolvimento de um controle judicial da constitucionalidade dos atos

normativos é tardio e só foi inaugurado em 1920, pela Constituição da Áustria, após

magnífico trabalho desenvolvido por Hans Kelsen. Levando-se em consideração as

características dos sistemas jurídicos da civil law, nestes países foi desenvolvido um

sistema concentrado, no qual o controle de constitucionalidade é entregue a um órgão

específico, as Cortes Constitucionais, cujas decisões possuem força vinculante.

19. O controle de constitucionalidade dos atos normativos no Brasil foi

inaugurado pela nossa primeira Constituição Republicana (1891), ou seja, antes do

desenvolvimento do controle concentrado na Europa Continental. Assim, inicialmente, foi

adotado no Brasil o sistema incidental e difuso, tal como desenvolvido nos Estados Unidos

da América. Contudo, pouco a pouco, tal sistema se mostrou pouco eficaz em um país de

estrutura romano germânica obrigando nossos legisladores a promoverem sucessivas

alterações no controle de constitucionalidade pátrio.

20. Em suma, observamos três distintas etapas na evolução do controle

de constitucionalidade dos atos normativos no Brasil:

i) a primeira etapa tem início com a promulgação da República e vai até

o fim da era Vargas, quando o controle de constitucionalidade, a rigor, era exercido de

forma incidental e difusa, abrangendo, assim, as Cartas Políticas de 1891, 1934 e 1937;

ii) a segunda fase tem início com a Constituição de 1946 e prorroga-se

até a Emenda Constitucional de n° 03/93, já sob a égide da atual Carta de 1988. Neste

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período, para conferir maior eficácia ao controle judicial de constitucionalidade, uma vez

observada a insuficiência do sistema incidental e difuso, foi introduzido, no Brasil, o

sistema direto e concentrado, exercido pelo Supremo Tribunal Federal e cujas decisões

possuem força vinculante e eficácia erga omnes;

iii) por último, uma vez que a introdução do sistema direto e concentrado

não solucionou a “crise do Supremo Tribunal Federal”, temos a terceira fase, que se inicia

com a Emenda Constitucional n°. 45/04, denominada “reforma do Poder Judiciário”, que

institui a Súmula Vinculante, que possui força vinculante perante todo o Poder Judiciário e

cuja não observância pode ser atacada pela via da reclamação e a Repercussão Geral, que

apesar de não dotar o recurso extraordinário de força vinculante, lhe confere especiais

efeitos extraprocessuais, como será visto em capitulo próprio. Por outro lado, não podemos

deixar de citar o processo de objetivação por que passa o recurso extraordinário, que

também é um elemento importante desta terceira etapa na evolução no controle de

constitucionalidade dos atos normativos brasileiros, uma vez que visa a conferir efeitos

vinculantes às decisões do plenário em sede de recurso extraordinário.

21. A natureza jurídica do pronunciamento de inconstitucionalidade de

um ato normativo é matéria controvertida. Consoante proposta desenvolvida nos Estados

Unidos da América trata-se de decisão declaratória, na medida em que os atos

inconstitucionais são nulos, desde sua formulação. Já para a teoria desenvolvida por Hans

Kelsen, a natureza jurídica é constitutiva, pois os atos inconstitucionais são anuláveis.

Guardando coerência com as suas premissas a primeira corrente doutrinária acima exposta

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afirma que os efeitos das decisões de inconstitucionalidade são “ex-tunc”, já para a segunda

corrente são “ex-nunc”.

22. Consoante assertiva formulada por Tácio Lacerda Gama, as duas

posições doutrinárias acima expostas não são contraditórias, mas sim possíveis, desde que

levemos em consideração o ponto de vista de quem afirma. Uma posição reflete o ponto de

vista de quem vê para descrever e o outro de quem prescreve normas.

23. A rigor, tem-se entendido que as decisões judiciais sobre a

inconstitucionalidade de um ato normativo possuem efeitos “ex-tunc”, mesmo sem perder

de vista que nem todos os efeitos jurídicos produzidos por uma norma tida como

inconstitucional podem ser desfeitos, como no caso das decisões judiciais transitadas em

julgado, ou no caso do transcurso do prazo decadencial e prescricional.

24. Seja como for, foi introduzido em nosso direito positivo um

mecanismo de mitigação do primado da eficácia “ex tunc” das decisões judiciais sobre a

inconstitucionalidade dos atos normativos, trata-se da conhecida “modulação dos efeitos”.

Assim, para preservar um excepcional interesse social, ou a segurança jurídica, o Supremo

Tribunal Federal pode modular os efeitos no tempo das decisões de inconstitucionalidade.

Ademais, tal expediente vem sendo utilizado tanto no sistema concentrado, quanto no

sistema incidental, de controle de constitucionalidade dos atos normativos.

25. Em caso de alteração da orientação jurisprudencial de um tribunal a

modulação dos efeitos é medida que se impõe, principalmente em função da crescente

eficácia extraprocessual que as decisões dos tribunais ganhando a cada dia.

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Conclusões sobre a eficácia das decisões judiciais para atuarem como precedentes

26. As normas jurídicas introduzidas pelo Poder Judiciário, ou seja, as

decisões judiciais quando tomadas como parâmetro para a decisão de casos análogos ou

idênticos são qualificadas como precedentes.

27. As decisões judiciais podem ser classificadas quanto a sua

capacidade de vincular os demais órgãos do Poder Judiciário. Assim, temos a classe das

decisões judiciais vinculantes e a classe das decisões judiciais não vinculantes. Esta última

classe pode novamente ser dividida em precedentes não vinculantes, mas capazes de

produzir alguns efeitos jurídicos extraprocessuais para a solução de outros casos e

precedentes não vinculantes que não são capazes de produzir qualquer efeito jurídico para a

solução de outros casos, a não ser a comentada força persuasiva de que é dotada toda

decisão judicial.

28. A regra do livre convencimento dos juízes produz decisões judiciais

antagônicas na medida em que permite a diferentes juízes a construção de normas jurídicas

distintas a partir do mesmo texto de lei, prejudicando, assim, o primado da segurança

jurídica.

29. Somente a Constituição Federal é veículo introdutor de normas capaz

de dotar um determinado tipo de decisão judicial de força vinculante. Assim, são

vinculantes as decisões judiciais proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de

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controle concentrado e direito e as súmulas vinculantes, quanto às decisões proferidas pelo

Supremo Tribunal Federal, sob o regime da repercussão geral, sua força vinculante é

questionável, como será visto adiante.

30. As decisões proferidas pelo plenário Supremo Tribunal Federal pela

via incidental e difusa produzem efeitos jurídicos especiais para a solução de outros

processos, desde que tratem da mesma questão jurídica.

31. Na visão do Ministro Gilmar Mendes a regra prescrita no art. 52,

inciso X da Constituição Federal sofreu mutação constitucional, assim, após a introdução

do sistema concentrado e direto de controle de constitucionalidade dos atos normativos já

não se sustenta mais a antiga distinção entre os efeitos produzidos pelas decisões do

plenário da Corte proferidas no controle direto e no controle incidental. Porém, tal

posicionamento ainda não se encontra consolidado no âmbito do Supremo Tribunal

Federal.

32. Seja como for, ainda não podemos afirmar que as decisões do

plenário do Supremo tribunal Federal possuem força vinculante, mesmo entendendo que a

evolução de nosso sistema jurídico caminha neste sentido. Ademais, se isso acabar

ocorrendo, acreditamos que as decisões pela via incidental e difusa não poderão ser

atacadas pela via da reclamação, sob pena de entulhar a pauta de julgamento do Corte com

tal espécie de ação.

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33. Apesar das recentes alterações na legislação processual conferirem

uma eficácia cada vez maior à jurisprudência dominante dos tribunais, assim como para as

suas súmulas, principalmente, no que diz respeito aos poderes conferidos ao relator dos

recursos, tal sistemática se mostrou insuficiente para uniformizar a jurisprudência e tornar a

prestação jurisdicional mais ágil e eficaz.

Conclusões sobre a repercussão geral

34. O excessivo número de recursos extraordinários, anualmente,

protocolados no Supremo Tribunal Federal, aliado à falta de eficácia extraprocessual que as

decisões tomadas em seu bojo possuíam, tornou imperiosa a criação de um novo requisito

de admissibilidade do recurso extraordinário, assim como o aumento da eficácia

extraprocessual de tais recursos.

35. O Superior Tribunal de Justiça também sofre com uma carga

excessiva de processos, ainda, foi criada a sistemática de recursos repetitivos, visando a

diminuir o número de feitos protocolados naquela Corte Superior.

36. Apesar de existirem profundas semelhanças entre a repercussão geral

e a antiga arguição de relevância, os institutos não se confundem, dentre outros motivos,

pelo fato de as decisões tomadas em sede de repercussão geral não serem secretas e

necessitar de fundamentação.

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37. A repercussão geral pode ser analisada do ponto de vista

constitucional e do ponto de vista infraconstitucional.

38. Do ponto de vista constitucional a repercussão geral pode ser

entendida como um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, que necessita de

regulamentação infraconstitucional para ser aplicado, cujo conteúdo semântico-jurídico é

indeterminado pela Constituição Federal e que requer um quórum específico para impedir o

conhecimento do recurso extraordinário.

39. Já do ponto de vista infraconstitucional, sob o manto da repercussão

geral, foram criadas uma série de normas jurídicas de cunho processual que vão muito além

de disciplinar um requisito de admissibilidade, visando ampliar a eficácia extraprocessual

das decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal, beirando à vinculação.

40. A regulamentação infraconstitucional da repercussão geral foi

realizada pela Lei 11.418/06 que acrescentou os artigos 543-A e 543-B ao Código de

Processo Civil. Mesmo assim, o Supremo Tribunal Federal vem aceitando o emprego do

instituto nos recursos extraordinários que versem sobre matéria penal.

41. A delimitação semântica do termo repercussão geral possui dois

critérios distintos: um subjetivo, que impõe a causa relevância que ultrapassa os interesses

subjetivos das partes envolvidas no processo do ponto de vista político, econômico, social

ou jurídico; e outro objetivo, pois todos os recursos que impugnam decisão contrária à

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súmula ou à jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal são dotadas de

repercussão geral.

42. Assim, toda a decisão proferida pelo tribunal a quo que seja contrária

à súmula ou à jurisprudência dominante no Supremo Tribunal Federal possui relevância

jurídica que transcende o interesse das partes e, portanto, nela a repercussão geral sempre

estará presente. Tal relevância consiste no entendimento de que todos os tribunais

existentes no País deverão decidir as causas levadas ao seu conhecimento de acordo com o

posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de verem as suas

decisões serem liminarmente reformadas pelo Presidente da Corte, na qualidade de relator

do recurso extraordinário, a não ser que o Pretório Excelso pretenda alterar a sua

jurisprudência.

43. O foco do recurso extraordinário já não é mais somente solucionar o

litígio entre as partes do processo, mas sim, promover a uniformização da jurisprudência.

Neste sentido, impõe aos tribunais a quo a obediência as suas decisões sob pena de reforma

liminar. Mas não há que se falar em efeito vinculante, uma vez que tal decisão não é

atacável pela reclamação.

44. Dificilmente, o Supremo Tribunal Federal não irá conhecer de

recurso extraordinário, em função da ausência de repercussão geral, caso a questão

constitucional nele ventilada ainda não tiver sido apreciada pela Corte. Por outro lado, uma

vez apreciada e decidida a questão constitucional, à luz da repercussão geral, o plenário não

se reunirá mais para debater sobre o mesmo tema, devendo todos os demais recursos

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extraordinários seguir a mesma sorte do leading case, salvo proposta de alteração da

jurisprudência da corte.

45. O conhecimento do recurso extraordinário só poderá ser negado pelo

Supremo Tribunal Federal, com fundamento na ausência de repercussão geral, mediante

voto de dois terços de seus membros, reunidos em plenário virtual ou presencial. Contudo,

tal regra se impõe, apenas, para o leading case, pois todos os demais recursos, caso versem

sobre matéria idêntica ao leading case, lhe seguirão a mesma sorte, mediante decisões

monocráticas.

46. As decisões de plenário sobre a presença (ou não) de repercussão

geral são irrecorríveis. Contudo, as decisões monocráticas sobre a repercussão geral podem

ser atacadas mediante recurso de agravo, com um único fundamento, a não identidade entre

a matéria discutida no plenário e àquela decidida monocraticamente, na medida em que

somente a identidade entre as causas confere ao relator poderes para decidir

monocraticamente sobre a repercussão geral.

47. O procedimento dos recursos repetitivos junto ao Superior Tribunal

de justiça não possui a mesma eficácia extraprocessual verificada nas decisões do Supremo

Tribunal federal com repercussão geral, pois não há imposição de juízo de retratação.

Contudo, os efeitos práticos em ambos os casos é o mesmo, pois, quando o tribunal a quo

não se curvar ao posicionamento firmado pelo tribunal a quem¸ sua decisão deverá ser

liminarmente reformada pelo relator do recurso no tribunal a quem.

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48. Por tudo quanto exposto neste trabalho, observamos que, atualmente,

as decisões do Supremo Tribunal Federal possuem uma maior eficácia extraprocessual do

que as decisões proferidas pelos Tribunais Superiores.

Conclusões sobre a súmula vinculante

49. A figura dos “assentos” no direito português deu origem às súmulas

no direito pátrio, contudo, no ordenamento jurídico português, os “assentos” possuíam

força de lei.

50. No Brasil, em 1963, mediante a introdução de novas normas ao seu

regimento interno, foi criada a súmula da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal

Federal, mas sem eficácia vinculante.

51. Já em 1973, o professor Alfredo Buzaid, ao elaborar o anteprojeto do

atual Código de Processo Civil, previu a súmula com eficácia vinculante, porém, sua idéia

foi rechaçada e vingou o atual incidente de uniformização da jurisprudência (art. 476 e

seguintes do Código de Processo Civil), que previa as súmulas, mas sem eficácia

vinculante, que acabou por se revelar em uma solução tacanha, a meio caminho entre a

força persuasiva e a vinculante.

52. Inicialmente, as súmulas possuíam, apenas, força persuasiva, mesmo

assim constituíram-se em importante mecanismo de uniformização da jurisprudência,

porém, insuficiente para uniformizar satisfatoriamente a jurisprudência. Assim, com o

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passar dos anos, sucessivas reformas processuais passaram a conferir ao relator dos

recursos poderes para tomar importantes decisões monocráticas no tocante às questões já

sumuladas.

53. Finalmente, a súmula vinculante foi introduzida em nosso

ordenamento jurídico, com a Emenda Constitucional de n. 45/04, no âmbito do Supremo

Tribunal Federal.

54. Apesar do texto constitucional afirmar que a súmula vinculante será

editada após sucessivos julgamentos de uma questão constitucional, à luz da repercussão

geral, o Supremo Tribunal Federal poderá editar a súmula após um único julgamento, com

repercussão geral. Como visto, uma das funções da repercussão geral é justamente impedir

o plenário do Supremo Tribunal Federal de se reunir várias vezes para tratar sobre o mesmo

tema.

55. Ao editar uma súmula vinculante, através do processo de indução, o

Supremo Tribunal Federal promove a transposição do julgamento de um caso individual e

concreto para o plano geral e abstrato. Porém, tal abstração pode acabar gerando

controvertidas interpretações para os enunciados-enunciados que compõem a súmula

vinculante, como se dá com os textos de lei.

56. As diferentes interpretações acerca do conteúdo normativo das

súmulas vinculantes podem aumentar em muito o número de reclamações junto ao

Supremo Tribunal Federal, fato este que já vem ocorrendo.

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57. Ademais, o conteúdo normativo da súmula vinculante não é adstrito

ao que foi decidido no caso concreto. Geralmente, o conteúdo normativo da decisão

individual e concreta é ampliado pela súmula vinculante. Na medida em que se distancia

das decisões tomadas no caso concreto, o Supremo Tribunal Federal, ao editar súmulas

vinculantes, se aproxima da atividade tipicamente legislativa.

58. Não podem existir contradições normativas entre as decisões

judiciais tomadas pela via incidental e difusa, com repercussão geral e as situações

disciplinadas nas súmulas vinculantes, mesmo em se tratando de modulação dos efeitos,

sob pena de produção de insegurança jurídica no âmbito da atividade do Supremo Tribunal

Federal.

Conclusões sobre os casos práticos em matéria tributária

59. No âmbito da tributação das empresas de micro e pequeno porte,

após a Emenda Constitucional n. 42/03 e a entrada em vigor da Lei Complementar 126/07,

que instituiu um regime único e centralizado de tributação, vislumbramos uma relevante

ausência de autonomia dos Estados e do Municípios que faz com que o Brasil se apresente,

neste contexto, como um Estado Unitário descentralizado administrativamente e não como

uma Federação.

60. O Supremo Tribunal Federal restou assentado que as leis

complementares não são, necessariamente, superiores às leis ordinárias, podendo as

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primeiras serem revogadas pelas segundas, nos casos em que a matéria versada nas

primeiras não forem a elas restritas.

61. No julgamento dos recursos extraordinários 560.626, 556.664,

559.882 e 559.943, que conferem fundamento de validade para a edição da súmula

vinculante n. 8, houve o reconhecimento da inconstitucionalidade dos artigos 45 e 46 da Lei

8.212/91 e do parágrafo único do art. 5, do Decreto Lei 1.569/77. Contudo, neste

julgamento os efeitos jurídicos desta decisão foram modulados, restringindo o ajuizamento

da ação de repetição do indébito tributário até a data do julgamento em tela. Já no texto

sumulado não há qualquer menção à referida modulação de efeitos. Assim, tais decisões

podem acarretar insegurança jurídica, pois o Poder Judiciário, ao analisar uma ação de

repetição do indébito, ajuizada após o julgamento dos referidos recursos extraordinários,

não poderá obedecer à súmula vinculante e à decisão com repercussão geral

concomitantemente.

62. Ademais, o único motivo para a modulação dos efeitos nos recursos

acima ventilados é a substancial economia que ele é capaz de produzir aos cofres públicos

da União, segundo dados fornecidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, uma vez

que a matéria em questão já havia sido pacificada pelo Supremo Tribunal Federal desde há

muito tempo.

63. Neste sentido, a modulação dos efeitos no caso acima exposto acabou

por diminuir à eficácia normativa do texto constitucional em função das necessidades

arrecadatórias da União. Assim, vislumbra-se uma contradição entre os eloquentes

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fundamentos ventilados na decisão de mérito, qual seja, sobre a inconstitucionalidade dos

referidos dispositivos legais, com os argumentos trazidos a lume para a modulação dos

efeitos.

64. A Lei Complementar 70/91, ao instituir a COFINS, isentou as

sociedades civis de prestação de serviços profissionais, da incidência do tributo. Contudo, a

Lei 9.430/96 prescreve que as referidas sociedades civis são devedoras da COFINS. Mesmo

não sendo a CONFINS reservada à lei complementar, o Superior Tribunal de Justiça

sumulou entendimento no sentido de que a lei ordinária não pode ser revogada por lei

complementar, uma vez que os referidos textos legais encontram-se em patamares

hierárquico-legislativos distintos. Trata-se de posição oposta àquela formulada pelo

Supremo Tribunal Federal, que, contudo, não se manifestava sobre o caso em tela,

afirmando nele não visualizar matéria constitucional.

65. Seja como for, no ano de dois mil e seis (2006), o Supremo Tribunal

Federal passou a conhecer os recursos extraordinários sobre a matéria e ao julgar o

processo n. 377.457 determinou que, no caso, a legislação ordinária tem o condão de

revogar a legislação complementar, uma vez que a matéria versada neste último diploma

legal não era a ela reservada. Neste caso, contudo, não houve modulação dos efeitos.

66. A redação da Súmula Vinculante n. 28 encontra-se equivocada, pois,

a rigor, as ações judiciais visam a discutir a validade do crédito tributário e não a sua

exigibilidade. No mais das vezes, requer-se, liminarmente, a suspensão da exigibilidade do

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crédito tributário como medida de tutela antecipada, mas o objeto da ação, geralmente, é a

validade do crédito.

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